Você está na página 1de 6

Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.741.534 - MG (2018/0116103-3)

RELATOR : MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA


RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
RECORRIDO : SEBASTIAO MARINS BARRETO
ADVOGADOS : GLADSTONE RODRIGUES CORREA E OUTRO(S) -
MG132932N
GUSTAVO DE PINHO TAVARES - MG183554

DECISÃO

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS interpõe


recurso especial contra acórdão do Tribunal de Justiça, que, por maioria de votos, proveu, em
parte, apelação, para desclassificar a conduta do recorrido de roubo para furto, fixando em 1
(um) ano de reclusão, mais 10 (dez) dias-multa, a pena imposta a SEBASTIÃO MARINS
BARRETO, nos termos da seguinte ementa (e-STJ fl. 408):

EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL - RECURSO DE


APELAÇÃO - ROUBO - PRELIMINAR DE NULIDADE - AUSÊNCIA
DE EXAME DE CORPO DE DELITO PARA DEMONSTRAÇÃO DE
LESÕES NA SUPOSTA VÍTIMA - DESNECESSIDADE -
COMPROVAÇÃO POR OUTROS MEIOS DE PROVAS -
PRELIMINAR REJEITADA - MÉRITO - ROUBO SIMPLES -
DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DE FURTO SIMPLES -
CABIMENTO. 1 - A norma processual penal não adota a hierarquia
de provas, ou seja, não há exclusividade de uma ou outra
modalidade probatória, sendo certo que a constatação de
agressões nem sempre é possível através do campo ótico, já que
não é incomum que os vestígios venham a desaparecer, daí porque
o exame pericial não é prova crucial e única a elucidar a verdade
dos fatos, admitindo-se nessa hipótese a comprovação através de
outros meios. 2 - Considerando que o acusado subtraiu bem
pertencente à vitima, mediante arrebatamento, inexistindo violência
ou gravo ameaça na conduta perpetrada, deve ser operada a
desclassificação do crime de roubo para o de furto, bem como
procedida ás adequações pertinentes em relação às sanções
fixadas.
V.v.p.: Se as provas colhidas na Ação Penal não demonstram de
forma inequívoca que a conduta do agente estava revestida de
animus furandi, cabível a desclassificação do crime do roubo para
as contravenções penais de constrangimento ilegal c/c vias de fato.

Embargos de declaração rejeitados (e-STJ fl. 446):

Documento: 85624243 - Despacho / Decisão - Site certificado - DJe: 10/08/2018 Página 1 de 6


Superior Tribunal de Justiça
EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL - EMBARGOS DE
DECLARAÇÃO - AUSÊNCIA DOS VÍCIOS APONTADOS NO
ARTIGO 619 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - EMBARGOS
DECLARATÓRIOS REJEITADOS. Inexistindo no Acórdão as
anomalias previstas no artigo 619 do Código de Processo Penal, é
inflexível a rejeição dos Embargos do Declaração.

Nas razões do recurso especial fulcrado na alínea "a" do permissivo


constitucional, alega o Ministério Público negativa de vigência aos arts. 155, caput e 157,
caput, do Código Penal.

Sustenta que os elementos fáticos demonstram que o acusado, de forma


abrupta e violenta, puxou o celular que a vítima trazia consigo no decote, o que fez com que
rasgasse o vestido, em consequência da brutalidade empregada pelo réu no momento da
prática da empreitada criminosa.

Acrescenta que "quem arranca/puxa à força objeto que a vitima traz junto ao
seu corpo age, ao menos, com dolo eventual, pois está assumindo o risco da vis corporalis.
Ademais, é suficiente para integrar o delito de roubo a ocorrência de meras vias de fato,
sendo, inclusive, desnecessário que a vítima tenha sofrido lesões corporais" (e-STJ fl. 465).

Pugna, ao final, pelo provimento do recurso, para condenar o recorrido


como incurso nas sanções do art. 157, caput, do Código Penal.

Contra-arrazoado (e-STJ fls. 479/484), o recurso foi admitido (e-STJ fls.


486/487), manifestando-se o Ministério Público Federal, nesta instância, pelo seu não
conhecimento, em parecer assim ementado (e-STJ fl. 500):

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL.


DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE ROUBO PARA FURTO.
IRRESIGNAÇÃO MINISTERIAL. PRETENSÃO DE
RECONHECIMENTO DE EMPREGO DE VIOLÊNCIA CONTRA
PESSOA. NECESSIDADE DE REEXAME DO ARCABOUÇO
PROBATÓRIO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7 DO STJ. PARECER
PELO NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO.

É o relatório. Decido.

Documento: 85624243 - Despacho / Decisão - Site certificado - DJe: 10/08/2018 Página 2 de 6


Superior Tribunal de Justiça

O recurso é tempestivo e a matéria foi devidamente prequestionada.

Veja o que disse o Tribunal a quo, ao desclassificar a conduta de roubo


para furto (e-STJ fls. 419/420):

Segundo consta do processo, na data dos fatos, o acusado atacou a


vítima, subtraindo o aparelho celular que ela trazia no decote de
seu vestido, ocasião em que este veio a se rasgar.
[...]
O que ocorreu, a meu ver, na verdade, foi que o acusado pretendia
subtrair o aparelho celular da ofendida e, mediante arrebatamento,
tomou o citado objeto para si e empreendeu fuga.
[...]
Portanto, julgo que a conduta de roubo deve ser desclassificada
para a de furto simples, pois o agente subtraiu para si coisa alheia
móvel, mediante arrebatamento, o qual terminou por estragar parte
do vestido da vítima.
Considerando que as sanções foram estabelecidas no mínimo legal,
apenas procedo à sua adequação, fixando-a no mínimo legal
prevista para o novo delito imputado - art. 155 do CP - (um ano de
reclusão e dez dias-multa)
Mantenho o regime aberto para desconto da sanção corporal.
Presentes os requisitos do art. 44 do CP, procedo à substituição da
sanção corporal por restritivas de direitos, consistentes em
prestação de serviços à comunidade e limitação de fim de semana.

É firme o entendimento no sentido de que está caracterizado o delito de


roubo quando o arrebatamento de coisa presa ao corpo da vítima compromete ou ameaça a
sua integridade física.

Guilherme de Souza Nucci, ao discorrer sobre o tema, destaca:

[...] qualquer tipo de violência incidente sobre a pessoa humana,


com a finalidade de levar-lhe os pertences, configura o roubo, e
não um simples furto. Ainda que a violência seja exercida contra a
coisa, se de algum modo atingir a pessoa (lesionando-a ou não),
existe roubo. O tipo penal do furto é bem claro, prevendo conduta
livre de qualquer violência (uso de força ou coação) contra a
pessoa humana, enquanto o tipo de roubo inclui tal figura. Logo,
não é possível dizer que um 'singelo' empurrão no ofendido não é
Documento: 85624243 - Despacho / Decisão - Site certificado - DJe: 10/08/2018 Página 3 de 6
Superior Tribunal de Justiça
suficiente para concretizar a violência exigida pelo tipo legal de
roubo. A violência não tem graus ou espécies: estando presente,
transforma o crime patrimonial do art. 155 para o previsto no art.
157. (in Código Penal Comentado, 15ª edição, pág. 895).

No caso, não há que se falar em desclassificação do delito de roubo para


furto.

Consta da denúncia (e-STJ fl. 1):

Consta do incluso inquérito policial que, no dia 14 de outubro de


2012, por volta das 17:38 horas, na Rua José Maria Alkimin, n° 12,
Centro, neste município de Ribeirão das Neves/MG, o denunciado
subtraiu para si, mediante violência, 01 (um) celular, marca Nokia,
modelo 2310, n° de série 358072/01/792549/3, da vítima Irene das
Graças de Jesus.
Segundo se apurou, quando a vítima transitava pela praça central,
neste município, o denunciado, utilizando-se de força física, rasgou
seu vestido e subtraiu para si seu celular. Após o roubo, o
denunciado evadiu-se do local, mas, foi apreendido pelos policiais
militares, próximo ao local onde ocorreu o fato, ainda de posse do
celular da vítima, vindo a ser preso em flagrante.

Na hipótese, basta a revaloração dos critérios jurídicos utilizados na


apreciação dos fatos (incontroversos) para se concluir que a conduta delituosa ocorreu
mediante grave ameaça. Não se trata aqui de reexame do conjunto fático-probatório, vedado
a teor da Súm. n. 7/STJ.

Ora, como bem destacado pelo Min. Rogério Schietti Cruz, à oportunidade
do julgamento do Resp n. 1294312/SE, "Ameaça nada mais é que a intimidação de outrem,
que, na hipótese de crime de roubo, pode ser feita com emprego de arma, com a sua
simulação, ou até mesmo de forma velada" (DJe 17/11/2016).

A conduta do agente que, utilizando-se de força física, rasga o vestido da


vítima, subtraindo-lhe o celular, configura a grave ameaça exigida para a caracterização do
delito de roubo.

Nesse sentido, os seguintes precedentes:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL.


RESTABELECIMENTO DA SENTENÇA QUE CONDENOU O
Documento: 85624243 - Despacho / Decisão - Site certificado - DJe: 10/08/2018 Página 4 de 6
Superior Tribunal de Justiça
ACUSADO PELA PRÁTICA DE ROUBO. ARREBATAMENTO DA
COISA PRESA AO CORPO DA VÍTIMA. CORDÃO COM
PINGENTE. VIOLÊNCIA CARACTERIZADA. REVALORAÇÃO DA
PROVA COM BASE EM FATOS CONSTANTES NOS AUTOS.
AFASTAMENTO DA SÚM. 7/STJ.
I - A decisão impugnada não adentrou no contexto
fático-probatório, providência vedada em recurso especial, nos
termos da Súm. n. 7/STJ.
Ao contrário, com base nos elementos constantes dos autos e
analisados pelas instâncias ordinárias, entendeu que a conduta foi
praticada mediante violência.
II - É firme o entendimento no sentido de que está caracterizado o
delito de roubo quando o arrebatamento de coisa presa ao corpo
da vítima compromete ou ameaça a integridade física da vítima.
III - Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1575763/MG, Rel.
Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA,
julgado em 03/03/2016, DJe 09/03/2016)

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO.


ROUBO. ARREBATAMENTO DA COISA. INTEGRIDADE FÍSICA
DA VÍTIMA COMPROMETIDA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA
FURTO QUALIFICADO. IMPOSSIBILIDADE. ENUNCIADO
83/STJ.
1. Esta Corte Superior de Justiça tem entendimento no sentido de
que quando o arrebatamento de coisa presa ao corpo da vítima
compromete ou ameaça sua integridade física, configurando vias de
fato, caracteriza-se o crime de roubo, sendo vedada a sua
desclassificação para o delito de furto. Incidência do enunciado
83/STJ.
2. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no Ag
1376874/MG, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Quinta
Turma, julgado em 26/2/2013, DJe 4/3/2013).

Ressalte-se, ainda, ao contrário do que alega a defesa nas contrarrazões ao


reclamo especial, consta da sentença condenatória que as testemunhas ouvidas em juízo
afirmaram que parte da roupa da vítima foi rasgada na conduta criminosa, o que comprova a
violência necessária para tipificar o delito de roubo (e-STJ fl. 333).

Impõe-se, portanto, o restabelecimento da sentença que condenou


SEBASTIÃO MARINS BARRETO à pena de 4 (quatro) anos de reclusão, mais 10 (dez)
dias-multa, por infração ao art. 157 do Código Penal.

Documento: 85624243 - Despacho / Decisão - Site certificado - DJe: 10/08/2018 Página 5 de 6


Superior Tribunal de Justiça
Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial, para restabelecer a
sentença que condenou o recorrido pela prática de roubo simples, fixando-lhe a pena de 4
(quatro) anos de reclusão, em regime aberto, mais 10 (dez) dias-multa.

Publique-se.

Intimem-se.

Brasília (DF), 1º de agosto de 2018.

Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA


Relator

Documento: 85624243 - Despacho / Decisão - Site certificado - DJe: 10/08/2018 Página 6 de 6

Você também pode gostar