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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA 41ª VARA CRIMINAL

DA COMARCA DA CAPITAL DO ESTADO “X”.

Autos n° ...

RITA, já qualificada nos autos, por intermédio de seu advogado (procuraçã o


em anexo), vem, respeitosamente à presença de Vossa Excelência, interpor
RECURSO DE APELAÇÃO, com fundamento no artigo 593, inciso I, do Có digo de
Processo Penal.

Assim, requer seja recebido e processado o presente recurso, já com as


razõ es anexas, remetendo-se os autos ao Tribunal de Justiça do Estado “X”.

O presente recurso é tempestivo, haja vista que foi interposto dentro do


prazo de 0 (cinco) dias, conforme artigo 593, caput, do Có digo de Processo Penal.

Nestes termos, pede deferimento.

Local..., data...

Advogado...

OAB...
EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO “X”.

Apelante: Rita

Apelado: Ministério Pú blico

Processo n° ...

RAZÕES DE RECURSO DE APELAÇÃO

Egrégio Tribunal de Justiça do Estado “X”

Colenda Câmara Criminal

I – DOS FATOS

Rita foi denunciada pelo Ministério Pú blico pela prá tica do crime de furto
qualificado pelo rompimento de obstá culo, previsto no artigo 155, §4º, inciso I, do
Có digo Penal.

A denú ncia foi regularmente recebida e a ré foi citada para responder à


acusaçã o, o que foi devidamente feito.

Foi designada audiência de instruçã o e julgamento, na qual a ré exerceu seu


direito ao silêncio.

O Ministério Pú blico e a Defesa apresentaram as suas alegaçõ es finais de


forma oral.
Em seguida o Magistrado proferiu sentença em audiência, condenando a ré
em 04 (quatro) anos de reclusã o no regime semiaberto e 80 (oitenta) dias multa.

II – DO DIREITO

II.I – DA ATIPICIDADE DA CONDUTA – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA


INSIGNIFICÂNCIA

Como é sabido, uma conduta para ser configurada em crime é necessá rio
haver tipicidade, ilicitude e culpabilidade. Sem tais características a conduta pode
nã o se enquadrar penalmente.

Na hipó tese em tela, a acusada subtraiu cinco tintas de cabelo, que somaram
o valor de R$49,95 (quarenta e nove reais e noventa e cinco centavos), sendo que
nã o afasta o princípio da insignificâ ncia e nem caracteriza que possa existir uma
habitualidade criminosa.

De início, destaca-se que o princípio da insignificâ ncia tem o sentido de


excluir ou de afastar a pró pria tipicidade penal, ou seja, nã o considera o ato
praticado como um crime.

Sua aplicaçã o é justificada porque o Direito Penal nã o deve se ocupar de


condutas que produzam resultado cujo desvalor – por nã o importar em lesã o
significativa a bens jurídicos relevantes – nã o represente, por isso mesmo, prejuízo
importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da pró pria
ordem social.

A corroborar com esse entendimento:

EMENTA AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁ RIO EM HABEAS


CORPUS. CRIME DE FURTO QUALIFICADO. PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂ NCIA. APLICABILIDADE. PARTICULARIDADES DO CASO
CONCRETO. MÍNIMA OFENSIVIDADE DA CONDUTA E
INEXPRESSIVIDADE DA LESÃ O JURÍDICA PROVOCADA. 1. A pertinência
do princípio da insignificâ ncia deve ser avaliada considerando os
aspectos relevantes da conduta imputada. 2. O valor irrisório do bem
furtado, a primariedade da Recorrente e a ausência de violência ou
de grave ameaça autorizam, na hipótese, a aplicação do princípio da
insignificância. 3. Agravo regimental conhecido e nã o provido. (RHC
210083 AgR, Relator(a): ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em
02 /03/2022, PROCESSO ELETRÔ NICO DJe-043 DIVULG 07-03- 2022
PUBLIC 08-03-2022 – nossos grifos)

Assim, é cediço que em nosso ordenamento jurídico, para a aplicaçã o do


princípio da insignificâ ncia, deve o acusado preencher todos os requisitos
cumulativos:

a) Mínima ofensividade da conduta;


b) Nenhuma periculosidade social da ação;
c) Reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e
d) Inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Ainda, convém destacar o esclarecimento pontuado por Cleber Masson:

São quatro os requisitos objetivos exigidos pelo princípio da


insignificância: (a) mínima ofensividade da conduta; (b) ausência de
periculosidade social da ação; (c) reduzido grau de reprovabilidade do
comportamento; e (d) inexpressividade da lesão jurídica. Estes vetores
encontram-se consolidados na jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal […]. Tais requisitos são muito próximos entre si. O Supremo
Tribunal Federal não faz distinção entre eles. E, na verdade, é impossível
diferenciá-los. A explicação para esse fenômeno é simples. Mais do que um
princípio, a insignificância penal é um fator de política criminal. Portanto,
é necessário conferir ampla flexibilidade ao operador do Direito para
aplicá-lo, ou então para negá-lo, sempre levando em conta as
peculiaridades do caso concreto. É imprescindível analisar o contexto em
que a conduta foi praticada para, ao final, concluir se é oportuna (ou não)
a incidência do tipo penal. Este é o motivo pelo qual a jurisprudência
muitas vezes apresenta resultados diversos para casos aparentemente
semelhantes. No âmbito dos delitos patrimoniais, é fácil notar, o reduzido
valor do objeto material não se revela como o único parâmetro para a
configuração da criminalidade de bagatela. Os requisitos subjetivos não
dizem respeito ao fato. Ao contrário, relacionam-se ao agente e à vítima do
fato descrito em lei como crime ou contravenção penal. Vejamos: Condições
pessoais do agente […] e condições da vítima. […] (in Direito penal
esquematizado: parte especial – vol. 2. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense; São
Paulo: Método, 2017, p. 29-32 – nossos grifos).

A exigência cumulativa desses requisitos autorizados permite, justamente,


evitar indiscriminado reconhecimento da atipicidade da conduta pela adoçã o do
princípio da insignificâ ncia.
Pois bem, da aná lise do caso concreto, é possível constatar de forme
inequívoca que a ré, furtou, em proveito pró prio 05 tintas de cabelo.

Porém, percebe-se que a conduta da acusada nã o foi suficientemente


relevante do ponto de vista penal para justificar uma condenaçã o.

Ainda, conforme mencionado, o bem furtado foi avaliado no valor de


R$49,95, valor que equivale a menos de 10% do salá rio mínimo vigente à época
dos fatos, o que nã o se pode considerar economicamente significante.

E, conforme já consolidado pela jurisprudência do Supremo Tribunal


Federal, considera-se irrisó rio, para fins de aplicaçã o do princípio da
insignificâ ncia, o valor inferior a 10% do salá rio mínimo da época dos fatos.

Sendo assim, deve ser considerada a atipicidade da conduta, com base


no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal, a fim de que a ré seja
absolvida das sanções impostas na denúncia.

II.II – DA APLICAÇÃO DO FURTO PRIVILEGIADO

Conforme artigo 155, 2° do Có digo Penal:

Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:

§ 2º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa


furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de
detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a
pena de multa.

No caso em comento, infere-se que a acusada cumpre com os quesitos


exigidos, motivo pelo qual, faz jus à reduçã o da pena.

No que concerne à primeira premissa (primariedade do agente), observa-se


que na época dos fatos a acusada nã o ostentava condenaçã o criminal penal
transitada em julgado, de acordo com as informaçõ es juntadas pelo Ministério
Pú blico.
Em relaçã o à segunda imposiçã o (valor da res furtiva), veja-se que, diante da
omissã o do legislador ao deixar de estabelecer critérios objetivos para sua aferiçã o,
a jurisprudência vem se orientando pelo montante do salá rio mínimo. Assim, tem-
se que é de pequeno valor a res avaliada em quantum nã o superior ao salá rio
mínimo vigente à época dos fatos. Veja-se:

APELAÇÃ O CRIME. FURTO QUALIFICADO TENTADO. ARTIGO 155, § 4º, I,


C/C ARTIGO 14, II, AMBOS DO CÓ DIGO PENAL. SENTENÇA
CONDENATÓ RIA. INSURGÊ NCIA DO RÉ U. PEDIDO PARA CONCESSÃ O DA
JUSTIÇA GRATUITA. NÃ O CONHECIMENTO. COMPETÊ NCIA DO JUÍZO DA
EXECUÇÃ O. PLEITO ABSOLUTÓ RIO. ALEGADA AUSÊ NCIA DE PROVAS DA
AUTORIA. NÃ O ACOLHIMENTO. AUTORIA E MATERIALIDADE
DEVIDAMENTE DEMONSTRADAS. RELEVÂ NCIA DA PALAVRA DA VÍTIMA
EM CRIMES PATRIMONIAIS. IMPOSSIBILIDADE DE AFASTAR A
QUALIFICADORA DE ROMPIMENTO DE OBSTÁ CULO. IMAGENS
FOTOGRÁ FICAS DA PORTA ARROMBADA CORROBORADA COM AS
DEMAIS PROVAS DOS AUTOS. DE OFÍCIO, APLICADO O DISPOSTO NO
ARTIGO 155, §2º DO CÓDIGO PENAL, FURTO PRIVILEGIADO, EM
RAZÃO DO APELANTE SER PRIMÁRIO E O VALOR DOS BENS SER
INFERIOR A UM SALÁRIO-MÍNIMO. READEQUAÇÃ O DA PENA DO
RECORRENTE. FIXADOS HONORÁ RIOS ADVOCATÍCIOS A DEFENSORA
DATIVA PELA APRESENTAÇÃ O DAS RAZÕ ES RECURSAIS. RECURSO
PARCIALMENTE CONHECIDO E, NO MÉ RITO, NÃ O PROVIDO, DE OFÍCIO,
APLICADA A REDUÇÃ O DO FURTO PRIVILEGIADO. (TJPR - 3ª Câ mara
Criminal - 0010251- 67.2021.8.16.0019 - Ponta Grossa - Rel.:
DESEMBARGADOR JOSÉ CARLOS DALACQUA - J. 13.12.2022)

Feita tais consideraçõ es, conclui-se que a acusada cumpre os requisitos


legais, motivo pelo qual faz jus à incidência da diminuiçã o de pena do furto
privilegiado, previsto no artigo 155, §2° do Có digo Penal.

Assim sendo, requer ainda que seja aplicada a minorante em seu grau
má ximo, de 2/3 (eis que o valor da res nã o se aproximou significativamente do
entã o salá rio mínimo vigente à época dos fatos).

II.III – DA OCORRÊNCIA DE BIS IN IDEM

Veja-se que o magistrado a quo, ao proferir a sentença, considerou Rita


como reincidente para elevar sua pena provisó ria.
Na fixaçã o da pena base, viu-se que o magistrado também a considerou
portadora de maus antecedentes.

Contudo, Rita nã o pode ser considerada reincidente, tendo em vista que o


delito de furto foi praticado antes do trâ nsito em julgado do crime de estelionato, o
que impede a majoraçã o, por esse motivo, da pena provisó ria.

Nesse sentido, percebe-se o excesso de aplicaçã o de pena, tendo em vista


que a condenaçã o pelo crime de estelionato fora utilizada duas vezes na dosimetria
da pena, caracterizando evidente bis in idem.

O princípio non bis in idem ou ne bis in idem significa que ninguém pode ser
julgado mais do que uma vez pela prá tica do mesmo crime.

Dessa forma, o magistrado, ao utilizar uma mesma circunstâ ncia (trâ nsito
em julgado da sentença condenató ria por crime de estelionato) para elevar a pena-
base na primeira fase da dosimetria e também para elevar a pena-intermediá ria na
segunda fase da dosimetria, feriu o princípio do bis in idem.

Portanto, requer seja reconhecida a ocorrência de bis in idem, reformando-


se a sentença de 1° grau.

II.IV – DA NÃO CONFIGURAÇÃO DA REINCIDÊNCIA

Segundo o artigo 63 do Có digo Penal, verifica-se a reincidência quando o


agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou
no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior.

Percebe-se que esse nã o é o caso da acusada, pois, conforme mencionado


anteriormente, o crime de furto foi cometido ANTES do trâ nsito em julgado
definitivo da sentença referente ao crime de estelionato, nã o caracterizando,
portanto, a reincidência.

Dessa forma, requer seja afastada a agravante da reincidência, tendo em


vista que a acusada nã o ostenta dessa condiçã o.
II.V – DO REGIME INICIAL

Ainda, percebe que o regime inicial foi fixado de maneira errada pelo
magistrado de piso, pois o mesmo fixou o regime semi-aberto para o cumprimento
da pena.

Porém, como a acusada nã o é reincidente, a mesma faz jus ao regime


aberto, conforme disposto no artigo 33, §2°, alínea c, do Có digo Penal, sendo de
rigor a sua aplicaçã o.

II.VI – DA SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE PELA PENA


RESTRITIVA DE DIREITOS

Importante destacar sobre a necessidade de substituiçã o da pena privativa


de liberdade pela restritiva de direitos, tendo em vista que a acusada preenche
todos os requisitos e nã o é reincidente.

Conforme artigo 44 do Có digo Penal:

As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as


privativas de liberdade, quando:

I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a


quatro anos e o crime não for cometido com violência ou
grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada,
se o crime for culposo;

II – o réu não for reincidente em crime doloso;

III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e


a personalidade do condenado, bem como os motivos e as
circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.

Portanto, percebe-se que a acusada faz jus a substituiçã o da pena privativa


de liberdade pela pena restritiva de direitos.

III – DOS PEDIDOS


Ante o exposto, requer o CONHECIMENTO e PROVIMENTO do presente recurso, a
fim de que seja reformada a sentença proferida pelo juízo a quo, para que:

a) Seja a ré absolvida, com base na atipicidade da conduta, conforme artigo


386, inciso III, do Có digo de Processo Penal.

Alternativamente, caso nã o seja reconhecida a atipicidade da conduta, requer:

b) A aplicaçã o do furto privilegiado, conforme previsto no §2° do artigo 155 do


Có digo Penal, com a consequente reduçã o má xima de 2/3.
c) A diminuiçã o da pena pelo afastamento da circunstâ ncia agravante da
reincidência.
d) A fixaçã o do regime aberto para o cumprimento da pena.
e) A substituiçã o da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos.

Nestes termos, pede deferimento.

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