Você está na página 1de 13

MAGISTRATURA E MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAIS

Cleber Masson
Direito Penal
Aula 2

ROTEIRO DE AULA

PRINCÍPIOS (CONT.) E EVOLUÇÃO DOUTRINÁRIA DO DIREITO PENAL

11. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA (CRIMINALIDADE DE BAGATELA)

11.1. INTRODUÇÃO E FINALIDADE

- O princípio da insignificância surge no Direito Romano com o brocardo “de minimus non curat praetor” (o pretor
não cuida daquilo que é mínimo). Trata-se de questão tão pequena que o pretor era dispensado de analisá-la.
Todavia, como o Direito Romano centrava-se essencialmente no Direito Privado, o princípio da insignificância
ficava restrito a esse ramo do Direito. Somente na década de 1970 é que a insignificância é trazida para o Direito
Penal como um princípio, encabeçada por Claus Roxin.

- O princípio da insignificância, portanto, emerge com uma ligação íntima para com o funcionalismo penal
enquanto escola de pensamento. Para Roxin, o Direito Penal não deve se ocupar de condutas insignificantes, isto
é, condutas incapazes de lesar ou, pelo menos, colocar em perigo o bem jurídico tutelado pela norma.

Finalidade: o princípio da insignificância, muito mais do que um princípio, é uma medida de política criminal,
servindo como um filtro entre a letra da lei e os interesses da sociedade. Quando falamos em política criminal,
falamos em uma aplicação do Direito Penal que leva em consideração os anseios da coletividade em que ele se

1
www.g7juridico.com.br
insere. Nesse sentido, a finalidade da insignificância acaba sendo a de promover uma interpretação restritiva da
lei penal. Como a norma penal é extremamente abrangente, o princípio da insignificância vem para reduzir o seu
alcance. Exemplo clássico nesse sentido é o do furto, pois, ao aplicarmos a insignificância notamos que não é toda
coisa alheia que merece tutela quando subtraída da posse de seu dono.

- O princípio da insignificância reduz o alcance da norma penal e nunca para aumentar.

11.2. NATUREZA JURÍDICA

- Na classificação de Pontes de Miranda, entende-se por natureza jurídica o grupo, a categoria ou a classe a que
pertence determinado instituto do Direito. O objetivo de se assimilar e trabalhar com a natureza jurídica dos
institutos é poder aperfeiçoar a conceituação das figuras jurídicas estudadas.

DICA: uma boa resposta em uma questão dissertativa é aquela que começa detalhando a natureza jurídica do
instituto, passa pelo fundamento legal (quando existem) e, por fim, o define. Exemplificações após a definição
são boas formas de ilustrar e devem ser oferecidas pelo candidato nos casos em que isso for solicitado.

Exemplo:

O que é Estado de Necessidade?

Estado de Necessidade é a causa de exclusão da ilicitude prevista no Art. 24 do CP que consiste em...

Natureza jurídica do princípio da insignificância: causa de exclusão supralegal da tipicidade. A exclusão da


tipicidade implica na ausência de crime.

• O que se entende por tipicidade penal?

Modernamente, a tipicidade penal pode ser identificada como um instituto complexo formado pela junção da
tipicidade formal com a tipicidade material.

2
www.g7juridico.com.br
Tipicidade formal: a tipicidade formal é o mero juízo de adequação entre o fato e a norma. Ou seja, o fato
praticado na vida real se amolda ao modelo de crime descrito na lei penal.

Tipicidade material: é a lesão ou o perigo de lesão ao bem jurídico. Não basta que o fato se amolde a norma,
sendo necessário que haja um dano efetivo ou sua ameaça ao bem jurídico tutelado.

Exemplo: a subtração de uma tampinha de água pertencente a um terceiro caracteriza o tipo formal do furto,
mas não preenche o seu conteúdo material, visto que não é capaz de representar lesão efetiva ou ameaça de
lesão ao patrimônio da vítima.

- O princípio da insignificância exclui a tipicidade material, subsistindo a tipicidade formal. Esta última, contudo,
não é suficiente para configurar o crime.

11.3. REQUISITOS: OBJETIVOS E SUBJETIVOS

Insignificância e valor: não basta o pequeno valor da coisa para incidir o princípio da insignificância, dado que a
sua incidência de pende da presença de requisitos objetivos (dizem respeito ao fato praticado) e subjetivos (dizem
respeito ao agente e a vítima).

• Quando o STF passou a adotar o princípio da insignificância, ele estabeleceu os requisitos para a sua
aplicação:

Requisitos objetivos:

a) Mínima ofensividade da conduta

b) Ausência de periculosidade social da ação

c) Reduzido grau de reprovabilidade do comportamento

d) Inexpressividade da lesão jurídica

3
www.g7juridico.com.br
ATENÇÃO: como o princípio da insignificância, muito mais do que um princípio, é uma medida de política criminal,
os requisitos que o STF coloca são abertos, de modo a conferir ao juiz uma margem de flexibilidade maior.

CASO 1: imagine uma pessoa que volte com várias malas de Miami e, ao passar pela fiscalização, nota-se que
praticamente todas as mercadorias atraem a incidência de tributos pela exportação, cujo valor total constitui uma
somatória de 9.881,00. Com base neste caso, o STF admitiu o princípio da insignificância para os crimes tributários
e, mais especificamente, para o crime de descaminho, quando o valor dos tributos incidentes sobre as
mercadorias não ultrapassasse R$ 10.000,00. Diante deste fato, a Corte trancou a ação penal que tratava do crime
cujo valor dos tributos incidentes era o de R$ 9.881,00

CASO 2: no sertão de Pernambuco, dois meninos subtraíram uma ovelha avaliada em R$ 70,00. Quando a
Defensoria levou o caso para o STF, a Corte não aplicou o princípio da insignificância.

- O que diferencia os dois casos é o fundamento em que repousa o princípio da insignificância: no primeiro, o
parâmetro é a arrecadação bilionária de tributos no Brasil atualmente, ao passo que, no segundo, o parâmetro é
a situação de pobreza em que se encontrava a família do lavrador que teve a ovelha roubada.

Requisitos subjetivos:

a) Condições pessoais do agente

a.1. Reincidente: a aplicação da insignificância para o reincidente é polêmica no plano jurisprudencial, sobretudo
no que toca a discussão trava nas Cortes Superiores.

STF: no STF, prevalece a ideia de que a insignificância não é aplicável ao reincidente. Embora existam casos
excepcionais, nos quais a Corte aplica o princípio para o reincidente genérico, é certo dizer que nas hipóteses de
reincidência específica isso nunca acontece. O argumento é de que a insignificância, sendo uma medida de política
criminal, teria uma aplicação efetiva apenas no caso do réu que é primário. O reincidente que, mesmo já tendo
sido condenado, continua transitando pelos limites do Direito Penal, não merece a aplicação do princípio.

STJ: prevalece o entendimento de que o princípio da insignificância se aplica ao reincidente. Para o STJ, a
reincidência é uma agravante genérica, incidente apenas no momento de aplicação da pena. Logo, quando da sua

4
www.g7juridico.com.br
incidência, já se definiu que o fato é típico, antijurídico e culpável, motivo pelo qual, sendo aplicado o princípio da
insignificância exclui-se a tipicidade tanto para o primário quanto para o reincidente.

a.2. Criminoso habitual: o criminoso habitual é aquele que faz da prática de crimes o seu meio de vida, não sendo
aplicado para ele o princípio da insignificância (ex.: pessoa que todos os dias furta uma peça de carne no valor de
aproximadamente 40,00 nos açougues da cidade).

CPP, art. 28-A, § 2º: “O disposto no caput deste artigo não se aplica nas seguintes hipóteses:

(...) II - se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal
habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas.”

ATENÇÃO: o pacote anticrime criou o chamado acordo de não persecução penal no CPP, o qual não será aplicado
no caso de conduta criminal habitual, reiterada ou profissional. Todavia, a redação do dispositivo traz confusão,
pois parece autorizar a coexistência de uma conduta criminosa habitual e insignificante. A melhor interpretação,
porém, é aquela que entende que se uma infração penal pretérita é insignificante ela, na verdade, não é uma
infração penal.

a.3. Militares: a posição dominante no STF é a de que não se aplica o princípio da insignificância aos militares. O
motivo é a forma de estruturação das carreiras militares, feita com base na hierarquia e na disciplina. Além disso,
os militares transmitem um sentimento de segurança pública para as pessoas, gerando uma expectativa maior de
que respeitam a lei penal.

MASSON: ninguém que se aproveite de seu cargo ou função para a prática de crimes merece a aplicação do
princípio da insignificância, sobretudo aqueles que tem uma função relacionada a garantia da lei e da ordem (Ex.:
promotor, juiz, etc...).

b) Condições da vítima

b.1. Extensão do dano: depende do caso concreto.

Exemplos de inaplicabilidade da insignificância:

5
www.g7juridico.com.br
CASO 1: furto de uma máquina de costura velha que não tinha valor econômico, mas que era utilizada por uma
idosa para costurar e, com o dinheiro desse trabalho, sustentar ela e sua filha deficiente.

CASO 2: furto da bicicleta barra forte de um servente de pedreiro, que se utilizava dela como meio de transporte
para ir ao trabalho.

b.2. Valor sentimental do bem

Exemplos de inaplicabilidade da insignificância:

CASO 1: furto de um porta retrato de plástico em uma casa da favela que tinha a foto de um menino de 2 anos,
sendo o objeto a única lembrança que a mãe tinha de seu filho que morreu ainda criança por ocasião de uma
doença grave.

CASO 2: furto de um disco de ouro do músico Odair José que, tendo caído no esquecimento, tinha o disco como
única lembrança de seu momento de auge.

11.4. APLICABILIDADE E INAPLICABILIDADE

Regra geral: o princípio da insignificância é aplicável a todo e qualquer crime que seja com ele compatível e não
somente aos crimes patrimoniais.

• Há um valor que sirva como teto para aplicar o princípio da insignificância nos crimes patrimoniais?

Não. No STJ, é comum aplicar o princípio da insignificância em crimes em que o valor da coisa equivale até 22%
do valor do salário mínimo. Tudo depende do caso concreto.

Exceções: não se aplica o princípio da insignificância nos crimes contra a vida; nos crimes contra a dignidade
sexual; nos crimes praticados com violência contra a pessoa ou grave ameaça.

6
www.g7juridico.com.br
11.5. VALORAÇÃO PELA AUTORIDADE POLICIAL

STJ: o princípio da insignificância só pode ser aplicado pelo Poder Judiciário (HC 154. 949, Informativo nº 441).

DICA: para as carreiras policiais, é válido sustentar que a autoridade policial também pode valor a aplicação do
princípio da insignificância. Afinal, trata-se de uma carreira pública ocupada por um bacharel em Direito.
Considerando que no princípio da insignificância o fato é manifestamente atípico, espera-se que toda e
qualquer pessoa seja capaz de notar a atipicidade, sobretudo aquelas que tem um mínimo de qualificação
técnico-jurídica.

11.6. INSIGNIFICÂNCIA IMPRÓPRIA OU BAGATELA IMPRÓPRIA

- Assim como a insignificância própria, a insignificância imprópria não tem previsão legal, sendo criação da
doutrina alemã, encabeçada por Roxin.

INSIGNIFICÂNCIA PRÓPRIA INSIGNIFICÂNCIA IMPRÓPRIA


Fato atípico Fato típico e ilícito
Exclui a tipicidade material Agente culpável
Não se instaura a persecução penal Instaura-se ação penal
-------- (Des)necessidade da pena

- Quando tratamos da bagatela imprópria, conclui-se, no final da ação penal, pela desnecessidade da pena.

Exemplo: indivíduo pratica um furto simples e, por qualquer motivo que seja, a audiência de instrução acontece
apenas depois de 4 anos. Diante disso, e considerando que a vítima teve o dano reparado e que isso foi um fato
isolado na vida do réu, o juiz e o MP concluem pela desnecessidade de aplicação da pena, que, se fosse aplicada,
serviria apenas para rotular o indivíduo. Levando em conta tudo isso, o juiz pode decretar a extinção da
punibilidade, já que a aplicação de pena em casos como este não traz nenhum efeito positivo, nem para o agente
e nem para a sociedade.

- O princípio da bagatela imprópria funciona como uma causa supralegal de extinção da punibilidade

7
www.g7juridico.com.br
12. PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DO “BIS IN IDEM”

- Não se admite a dupla punição pelo mesmo fato.

- Esse princípio deve ser analisado não só do ponto de vista do crime, mas também do ponto de vista da aplicação
da pena. Assim, uma mulher que pratique infanticídio não poderá ver aplicadas ao seu caso também as agravantes
genéricas do descendente e da criança, pois estes dois fatos (descendência e criança) já são elementares do
infanticídio. As elementares, portanto, não podem funcionar como agravantes genéricas

Art. 8º, 4, do Pacto de São José da Costa Rica: “O acusado absolvido por sentença transitada em julgado não
poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos”.

Súmula 241 do STJ: “A reincidência penal não pode ser considerada como circunstância agravante e,
simultaneamente, como circunstância judicial (= mau antecedente)”.

- Se há uma única condenação definitiva, ela não pode ser duplamente valores em prejuízo do réu; primeiro como
reincidência e depois como mau antecedente. Se, no entanto, existirem duas ou mais condenações definitivas,
nada impede de se utilizar uma como reincidência e a outra como circunstância judicial desfavorável.

A EVOLUÇÃO DOUTRINÁRIA DO DIREITO PENAL

1. FUNCIONALISMO PENAL

1.1. INTRODUÇÃO

- O funcionalismo penal é um movimento doutrinário que surge na Alemanha, na década de 1970 e, rapidamente,
se espalha para o mundo todo. Trata-se de movimento que busca estudar e discutir qual é a função do Direito
Penal. Em outras palavras, qual é o papel do Direito Penal na sociedade em que ele se insere. A pergunta que o
funcionalismo quer responder é ampla, motivo pelo qual o número de “funcionalismos” são tantos quantos forem
as visões dos penalistas.

8
www.g7juridico.com.br
1.2. CARACTERÍSTICAS FUNDAMENTAIS

• O funcionalismo possui algumas características fundamentais:

a) Proteção do bem jurídico: o funcionalismo entende que o Direito Penal só é legítimo enquanto protege um
bem jurídico e na medida exata desta proteção, não podendo conferir proteção nem além e nem aquém.

b) Flexibilidade na aplicação da norma penal: a lei pena é apenas um ponto de partida para o estudo do Direito
Penal, não engessando o operador do Direito. A lei constitui-se, portanto, em um ponto de partida que só tem
sua utilidade justificada na medida em que protege o bem jurídico.

c) Prevalência do operador do Direito Penal frente ao legislador: o operador do Direito é mais importante do que
o legislador, pois ele tem flexibilidade para decidir se aplica ou não a norma; quando aplica e até onde aplica, na
exata medida de proteção do bem jurídico. Se não há lesão efetivo ou perigo de lesão, é desnecessária a aplicação
da norma penal.

1.3. ESPÉCIES

A) FUNCIONALISMO MODERADO, DUALISTA, RACIONAL-TELEOLÓGICO OU DE POLÍTICA CRIMINAL (CLAUS


ROXIN – ESCOLA DE MUNIQUE)

- O funcionalismo de ROXIN é tido como MODERADO por afirmar que o Direito Penal têm limites; limites estes
que são impostos não só pelo Direito Penal, mas também pelos demais ramos do Direito e pela sociedade no
exercício de seu controle social. Também é conhecido como DUALISTA, pois o Direito Penal, embora seja um
sistema próprio de regras e de valores, ele interage com os demais ramos do Direito, convivendo em harmonia
com eles. Por fim, considerando que o Direito Penal é apenas um instrumento do qual a sociedade se serve para
resolver seus problemas, ele pode ser tido como forma de se implementar a POLÍTICA CRIMINAL (Direito Penal
como escravo da sociedade).

B) FUNCIONALISMO RADICAL, MONISTA OU SISTÊMICO (GÜNTHER JAKOBS)

9
www.g7juridico.com.br
- JAKOBS é aquele que sistematiza o chamado Direito Penal do Inimigo. É RADICAL porque o Direito Penal só deve
respeitar os limites que são impostos pelo próprio Direito Penal. Além disso, o Direito Penal é enxergado como
um sistema próprio de regras e valores que independe dos demais ramos do Direito (MONISTA). Por fim, é
SISTÊMICO, pois se apoia na mesma ideia desenvolvida na obra de Luhman (Teoria dos Sistemas), ou seja, a de
que o Direito é um sistema. No caso do Direito Penal, tem-se um sistema que pode ser reconhecido pela sua (i)
autonomia, (ii) autorreferencialidade e (iii) autopoiético.

• O Direito Penal enquanto sistema:

É autônomo, pois possui suas próprias regras; valores e limites.

É autorreferente, pois todos os seus conceitos e definições de que ele necessita estão nele próprio.

É autopoiético, pois é sistema que se renova por conta própria, sobretudo por meio da criação de novos institutos
e superação de institutos antigos. O objetivo é garantir a aplicabilidade da norma penal.

JAKOBS: o Direito Penal serve para punir, pois a lei penal só adquire respeito e eficácia quando ela é aplicada
reiteradamente e de forma severa. Não é o Direito Penal que se adapta a sociedade, mas ela que se adapta ao
Direito Penal.

LEMBRE-SE: os funcionalistas utilizam muito a Teoria da Imputação Objetiva na relação de causalidade.

2. DIREITO DE INTERVENÇÃO

- Atualmente, vivemos em uma sociedade de risco e globalizada, na qual se busca, cada vez mais, a punição do
perigo.

- O grande nome do Direito de Intervenção é Winfried Hasseme, ex-membro da Suprema Corte Alemã.

CUIDADO: ao contrário do que possa parecer, o Direito de Intervenção objetiva um Direito Penal Mínimo.

10
www.g7juridico.com.br
WINFRIED HASSEME: o Direito Penal está, indiscutivelmente, saturado frente a sua pretensão de querer resolver
todos os problemas sociais. Diante disso, propõe-se que o Direito Penal deva permanecer apenas com o seu núcleo
fundamental intacto. Em tal núcleo se encontram os crimes de dano e de perigo concreto contra bens jurídicos
individuais. Desta forma, muitas das matérias do Direito Penal deveriam ser transferidas para o chamado Direito
de Intervenção, sobretudo os crimes de perigo abstrato e concreto, bem como os crimes de dano contra bens
difusos e coletivos. Essa postura de Winfried ficou conhecida como “discurso de resistência à tutela penal de bens
difusos e coletivos.”

- O Direito de Intervenção se assemelha muito ao que conhecemos no Brasil como Direito Administrativo
Sancionador, visto que não há aqui um caráter penal. Ou seja, no lugar dos crimes e das penas, temos sanções
aplicadas pela Administração Pública e não pela Justiça Penal. Assim, para o modelo do Direito de Intervenção, o
que hoje é crime no Direito Penal assume um papel administrativo. Esvazia-se o Direito Penal, transformando o
que é crime em sanções impostas pela Administração Pública.

- O Direito de Intervenção trata de condutas que deixam de ser criminosas ao migrarem para essa área do Direito.
O objetivo é tornar a resolução do problema mais eficiente, já que o Direito de Intervenção não é aplicado pela
Justiça Penal, mas sim pela Administração Pública.

3. VELOCIDADES DO DIREITO PENAL

- A Teoria das Velocidades do Direito Penal é proposta por Jesus Maria Silva Sánchez, penalista espanhol e autor
do livro “A expansão do Direito Penal”, no qual aborda a necessidade tratamentos diferentes para determinados
tipos de crime diante da expansão do Direito Penal no contexto da pós-modernidade. Assim, são necessários
critérios capazes de estabelecer regras de tratamento diferenciadas para os crimes. Afinal, não é possível tratar-
se um crime de ameaça da mesma forma que é tratado um tráfico de drogas cometido por organização criminosa.

• Para o autor, o Direito Penal sempre se desenvolveu em 02 velocidades:

1ª VELOCIDADE: o Direito Penal de 1ª velocidade é o Direito Penal da Prisão. Não se trata dos crimes que cominam
pena privativa de liberdade, mas sim dos poucos crimes que, inevitavelmente, acarretam na privação de liberdade
de quem os praticou. Trata-se de Direito Penal extremamente garantista e, por consequência, lento. A liberdade

11
www.g7juridico.com.br
do ser humano está em jogo, por isso o Direito Penal caminha a passos lentos nestes contextos, ofertando ao
acusado várias oportunidades de defesa; dilação de prazos e diversas oportunidades de recurso.

2ª VELOCIDADE: é o Direito Penal sem prisão, ou seja, aquele das penas alternativas e das penas de multa, onde
se concentram a maioria das infrações penais. Nele estão incluídas, por exemplo, as medidas despenalizadoras,
como a transação penal e o sursis. Como não há prisão, o trâmite é mais célere, admitindo-se a flexibilização
(nunca a eliminação!) dos direitos e garantias do acusado. Exemplo nesse sentido são os casos que atraem a
incidência da Lei 9.099/95.

DICA: “Aproximação ao Direito Penal Contemporâneo” (Jesus Maria Silva Sanchez)

4. DIREITO PENAL DO INIMIGO

4.1. ORIGEM HISTÓRICA

- No campo filosófico, o Direito Penal do Inimigo sempre existiu e sempre irá existir, pois, a cada momento
histórico, o Estado sempre escolheu um inimigo para combater.

- É JAKOBS quem sistematiza a teoria do Direito Penal do Inimigo a partir da década de 1980; época da guerra fria,
onde a Alemanha estava dividida. Quando o muro de Berlim cai, pairava sobre os ocidentais o medo sobre as
práticas e costumes do lado dominado pelo Comunismo. Neste momento, JAKOBS começa a desenhar sua teoria,
a qual emerge em um contexto de medo do desconhecido. No começo, a teoria é posta de lado, pois o mundo
caminhava sob influxos democráticos. O mesmo acontece em 1990, quando JAKOBS volta a escreve sobre o
assunto.

- O grande salto da teoria do Direito Penal do Inimigo é motivado pelo atentado de 11/09/2001, bem como por
outros atos terroristas pelo mundo. A partir de então, JAKOBS escreve um livro estruturando ainda mais a teoria
e apresentando-a como solução.

• Base filosófica do Direito Penal do Inimigo → a base filosófica do DPI, segundo JABOKS, apoia-se,
basicamente, em três pensadores:

12
www.g7juridico.com.br
Rousseau: empresta-se a ideia do contrato social, segundo a qual todos aqueles que desejam viver em
sociedade abrem mão de parte de sua liberdade em troca da manutenção do bem comum. Logo, se uma pessoa
não se comporta como cidadão, mas como inimigo disposto a sacrificar a muitos, ela deve ser eliminada da
sociedade.

Kant: a partir da ideia cunhada na metafísica dos costumes, defende-se que aquele que deseja destruir o Estado
deve ser destruído (= imperativo categórico de justiça).

Hobbes: a partir da ideia do Leviatã, que materializa o Estado enquanto ente supremo que sempre vence o final
da batalha para garantir o bem comum, defende-se que mesmo o Estado sendo atacado pelo inimigo, ele deve
empenhar esforços para garantir o êxito independentemente de qualquer custo.

4.2. QUEM É O INIMIGO NO DIREITO PENAL?

- Nem todo criminoso é inimigo do Direito Penal. A Teoria do Direito Penal do Inimigo divide os criminosos em
dois grupos: cidadãos e inimigos.

- Toda pessoa nasce com o status de cidadão, mas, em certo moimento, torna-se inimigo. Um sujeito que pratica
um latrocínio, por exemplo, não se torna automaticamente inimigo do ordenamento jurídico pela prática isolada
deste crime. Mesmo reincidente ou criminoso habitual, o indivíduo continua a ser cidadão.

JAKOBS: o indivíduo torna-se inimigo quando a pessoa entra para uma organização criminosa, isto é, para uma
estrutura ilícita de poder, que tem sua própria forma de agir e atua independente do Estado, querendo se
sobrepor a ele (ex.: PCC). Nesse sentido, vale lembrar que o inimigo por excelência é o terrorista, o que torna clara
a natureza do Direito Penal do Inimigo como um Direito de Guerra.

- A principal característica do inimigo é o seu comportamento imprevisível.

13
www.g7juridico.com.br

Você também pode gostar