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b) DA ATIPICIDADE DA CONDUTA PELA INSIGNIFICÂNCIA:

Analisando cuidadosamente a imputação e as provas existentes nos autos,


verifica-se que a conduta imputada ao acusado é atípica.

A tipicidade, necessária à caracterização do fato típico, se desdobra em


tipicidade formal e conglobante.

A primeira é a subsunção perfeita da conduta humana ao modelo abstrato


(tipo) previsto na lei penal como crime. Já a tipicidade conglobante se biparte em dois
aspectos fundamentais, a saber: a) a antinormatividade da conduta do agente e b) a
tipicidade material do fato, a partir da qual se dá o estudo do princípio da
insignificância.

A tipicidade material implica na exigência de que, para que uma conduta


seja considerada típica, além da adequação formal do fato à norma, exige-se, ainda,
que haja uma significativa ofensa a um bem jurídico relevante.

Por sua vez, o princípio da insignificância afasta a tipicidade material da


conduta, tendo em vista a mínima repercussão da conduta do agente sobre o bem
jurídico tutelado. Para a incidência de tal princípio, é necessária a conjunção de quatro
requisitos, segundo construção jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal. São eles:
1) ofensividade mínima da conduta do agente; 2) ausência de periculosidade social da
ação; 3) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento do agente; e 4)
inexpressividade da lesão ao bem juridicamente tutelado. Neste sentido, segue aresto
proferido pelo Pretório Excelso:

DIREITO PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE FURTO. PRINCÍPIO


DA INSIGNIFICÂNCIA.ANTECEDENTES CRIMINAIS. ORDEM CONCEDIDA. 1. A
questão de direito tratada neste writ, consoante a tese exposta pela
impetrante na petição inicial, é a suposta atipicidade da conduta realizada
pelo paciente com base no princípio da insignificância. 2. Considero, na
linha do pensamento jurisprudencial mais atualizado que, não ocorrendo
ofensa ao bem jurídico tutelado pela norma penal, por ser mínima (ou
nenhuma) a lesão, há de ser reconhecida a excludente de atipicidade
representada pela aplicação do princípio dainsignificância. O
comportamento passa a ser considerado irrelevante sob a perspectiva do
Direito Penal diante da ausência de ofensa ao bem jurídico protegido. 3.
Como já analisou o Min. Celso de Mello, o princípio da insignificância tem
como vetores a mínima ofensividade da conduta do agente, a nenhuma
periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do
comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada (HC
84.412/SP). 4. No presente caso, considero que tais vetores se fazem
simultaneamente presentes. Consoante o critério da tipicidade material (e
não apenas formal), excluem-se os fatos e comportamentos reconhecidos
como de bagatela, nos quais têm perfeita aplicação o princípio
da insignificância. O critério da tipicidade material deverá levar em
consideração a importância do bem jurídico possivelmente atingido no
caso concreto. 5. Não há que se ponderar o aspecto subjetivo para a
configuração do princípio dainsignificância. Precedentes. 6. Habeas Corpus
concedido. (STF - HC 102080 / MS - Relatora Min. Ellen Gracie - DJe:
25.10.2010)

Compulsando os autos verifica-se que, no caso em apreço, o crime não


teve a força de ofender, materialmente, o tipo penal incriminador, já que a res furtiva
possui um valor total ínfimo, de apenas R$ 40,40 (quarenta reais e quarenta
centavos) conforme laudo de avaliação indireta constante da fl. 19.

Ademais, o valor da res furtivae que o réu tentou subtrair foi de R$ 40,40
(quarenta reais e quarenta centavos), monta extremamente baixa quando analisada
frente ao poder econômico do supermercado vítima, estabelecimento este comercial e
que possui um volume de giro financeiro muito alto.

Ademais, a respeito da possibilidade de aplicação da insignificância a


acusados reincidentes, o STJ refere:

Princípio da insignificância e reincidência – admissibilidade: “A


intervenção do Direito Penal apenas se justifica quando o bem jurídico
tutelado tenha sido exposto a um dano com relevante lesividade.
Inocorrência de tipicidade material, mas apenas a formal, quando a
conduta não possui relevância jurídica, afastando-se, por consequência,
a ingerência da tutela penal, em face do postulado da intervenção
mínima. No caso, não há como deixar de reconhecer a mínima
ofensividade do comportamento do paciente, que subtraiu ferragens de
uma construção, avaliadas em R$100,00 (cem reais), justificando-se
nesse caso, a aplicação do princípio da insignificância. Segundo a
jurisprudência consolidada nesta Corte e também no Supremo Tribunal
Federal, a existência de condições pessoais desfavoráveis, tais como
maus antecedentes, reincidência ou ações penais em curso, não
impedem a aplicação do princípio da insignificância” (STJ: HC
163.004/MG, rel. Min. Og Fernandes, 6ª Turma, j. 05.08.2010).

Ora, se o fato é insignificante, é porque não há tipicidade material.


Sendo assim, não pode um ato ser considerado atípico para o réu se ele for primário
e esse mesmo fato ser reputado como típico se o acusado for reincidente. Ou o fato é
típico, ou não é, não importando as condições pessoais do agente, considerando que
estamos analisando o “fato” criminoso.

Assim, para a incidência do princípio da insignificância, devem ser


examinadas as circunstâncias objetivas em que se deu a prática delituosa, o fato em si,
e não os atributos inerentes ao agente.
Se forem analisadas as condições subjetivas do réu para se aplicar ou não
o princípio da insignificância, estará sendo dada prioridade ao direito penal do autor
em detrimento do direito penal do fato.

De outra banda, sobre a possibilidade de aplicação do princípio em tela


para os casos de furto qualificado, vejamos:

A 2a Turma, no entanto, concedeu habeas corpus para aplicar o princípio


da insignificância em favor de condenado pela prática do crime de furto
qualificado mediante ruptura de barreira. Na hipótese, o paciente pulara
muro, subtraíra um carrinho de mão e dois portais de madeira (avaliados
em R$ 180,00) e, para se evadir do local, arrombara cadeado. Consignou-se
que não houvera rompimento de obstáculo para adentrar o local do crime,
mas apenas para sair deste, o que não denotaria tamanha gravidade da
conduta. Na sequência, salientaram-se a primariedade do paciente e a
ambiência de amadorismo para a consecução do delito. Assim, concluiu-se
que a prática perpetrada não seria materialmente típica, porquanto
presentes as diretivas para incidência do princípio colimado: a) mínima
ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da
ação; c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e d)
inexpressividade da lesão jurídica provocada.

No mesmo sentido:

Por fim, o STJ , no REsp 1 . 1 79.690-RS (Rei. Min. Og Fernandes, julgado em


1 6/8/20 1 1 ) julgou inviável a aplicação do princípio da insignificância
quando o furto é qualificado pelo abuso de confiança. Alerta-se, todavia,
que o mesmo relator, meses depois, decidiu que o abuso de confiança não
é impeditivo, por si, da incidência do princípio da insignificância (HC
257.323/ES, DJe 1 7/06/20 1 3).

Em sendo assim, reconhecida a atipicidade material da conduta por inexistir lesão


jurídica relevante ao bem jurídico protegido, a absolvição do acusado, com base no art.
386, inc. III, do Código de Processo Penal é medida que se requer.

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