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PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

DIREITO PENAL

POLÍCIA
RIO GRANDE
DO SUL

CIVIL
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

SUMÁRIO

01 PRINCÍPIOS PENAIS

02 NORMAS PENAIS

03 O FATO PUNÍVEL

04 DOLO E CULPA

05 ANTIJURIDICIDADE

06 CULPABILIDADE

07 TEORIA DO ERRO

08 ETAPAS DE REALIZAÇÃO DO CRIME

09 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

10 CONCURSO DE PESSOAS

11 CONCURSO DE CRIMES

12 TEORIA DA PENA

13 MEDIDA DE SEGURANÇA

14 PUNIBILIDADE

15 CRIMES CONTRA A PESSOA

16 CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO

17 CRIMES CONTRA O SENTIMENTO RELIGIOSO E O RESPEITO AOS MORTOS

18 CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL

19 CRIMES CONTRA A FAMÍLIA

20 CRIMES CONTRA A INCOLUMIDADE PÚBLICA

21 CRIMES CONTRA A PAZ PÚBLICA

22 CRIMES CONTRA A FÉ PÚBLICA

23 CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 3

01 PRINCÍPIOS PENAIS

O direito regulamenta os mais variados fatos da vida social através de


suas normas jurídicas, das quais são espécies as regras e os princípios.

Enquanto as regras se prestam a positivar e disciplinar uma determinada


situação essencialmente objetiva, os princípios expressam os valores funda-
mentais do ordenamento, informando materialmente seu conteúdo. Ou seja,
os princípios devem ser encarados como pilares que sustentam e orientam
determinado ramo do saber jurídico.

É importante anotar que nem todos os princípios que regem o Direito


Penal estão expressos na própria Constituição, embora todos eles possam
ser extraídos de suas premissas inspiradoras. Dito isso, destacam-se os se-
guintes princípios:

a) Legalidade estrita:

Consagra a premissa maior de que a lei é fonte formal e imediata do


Direito Penal, razão pela qual só ela pode criar figuras delitivas e respectivas
sanções (traduzindo a idéia de “reserva legal”). Daí deriva a máxima latina:
“Nullum crimen, nulla poena sine lege”, previsto no art. 1º do CP e também no
art. 5º, inciso XXXIX da CF/88.

Por outro lado, para que este princípio seja cumprido em sua totalidade,
não basta que se observe a simples reserva de lei, fazendo-se também ne-
cessário o respeito à outra facetas da legalidade, sendo elas: “Lex praevia,
scripta, scricta e certa”.

Com isso, quer-se dizer que a lei Penal deve ser anterior aos fatos, pois
ninguém pode ser punido por fato que só foi incriminado em norma posterior
(é a ideia da anterioridade da lei Penal, prevista no art. 5º, XL da CF/88 e art. 2º,
§ único do CP – “Lex praevia”).

Igualmente, verifica-se que a norma Penal incriminadora deve ser escrita,


formalmente perfeita e emanada de autoridade legislativa competente (con-
forme institui o art. 22, I e art. 59, III c/c art. 61 da CF/88) – é a ideia da “Lex
scripta”.
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Ademais, tem-se que ao Juiz somente é conferido o poder de aplicar san-


ções mediante uma interpretação restritiva da lei Penal – é a “Lex scricta”.

Uma interpretação extensiva, ou mesmo o emprego da analogia (supres-


são de lacunas jurídicas com o emprego de casos semelhantes), somente
será lícito quando for para beneficiar o acusado. Por fim, o último desdobra-
mento da legalidade (“Lex certa”) proclama que as normas penais sejam for-
muladas da maneira clara, inequívoca e com o maior grau de objetividade
possível, de maneira que se dê a conhecer por inteiro a seus destinatários: o
cidadão e o Juiz.

b) Intervenção Mínima e Fragmentariedade:

A intervenção mínima leva em conta o binômio necessidade-utilidade da


intervenção Penal, pois sendo o Direito Penal o mais rigoroso de todos os ra-
mos do ordenamento jurídico, deve ser reduzido ao mínimo possível. Traduz
então, a ideia de “ultima ratio”.
Já o princípio da fragmentariedade consagra a ideia de que o Direito Penal
serve para a proteção apenas dos bens jurídicos mais relevantes de uma so-
ciedade (ex: a vida, a honra, a liberdade, etc.).

Ou seja, somente as agressões mais intoleráveis aos bens mais relevan-


tes serão objeto da tutela Penal. E note-se que tal perspectiva acaba consa-
grando verdadeira função seletiva ao Direito Penal (de escolha dos bens mais
relevantes).

c) Lesividade:

Também conhecida como ofensividade, traduz a ideia de que não se incri-


mina ou sanciona uma conduta que não seja lesiva a bens jurídicos de outrem.
Inclusive, é por isso que a “autolesão” é tida como um indiferente Penal. Por isso, al-
guns doutrinadores o batizam de princípio da alteridade ou transcedentalidade.
E aqui, vale observar que até mesmo os “crimes de perigo” (seja de pe-
rigo abstrato ou concreto – ex: crimes contra relação do consumo) respei-
tam este postulado, visto que existe neles a efetiva possibilidade de gerar
um dano futuro à bem jurídico de outrem – é assim que pensa o Supremo
Tribunal Federal (STF. Primeira Turma. HC 107447/ES. Relatora: Min. Carmen
Lúcia. Julgamento: 10/05/2011).
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d) Culpabilidade:

Este princípio consagra não apenas o fundamento, como também o limite


da pena criminal. Por este, também se entende que não há punição sem a
efetiva comprovação de responsabilidade do agente, o que o consagra como
corolário da presunção constitucional de inocência prevista no art. 5º, LXVII
da CF/88.
Isso acarreta uma dupla consequência de grande relevância: primeira-
mente, não há que se falar em responsabilização Penal sem efetiva prova
de dolo ou de culpa na conduta do agente (elementos subjetivos do tipo de
injusto – art. 18 do CP); por isso, descabe falar, em termos penais, em uma
responsabilidade Penal meramente objetiva.
Uma segunda consequência, diz respeito à adoção de um “direito Penal
do fato” (em detrimento a um direito Penal do autor/ do inimigo), pois somen-
te será cabível a aplicação de uma pena se restar comprovada a reprovação
na conduta do agente (pune-se o agente, em termos penais, não por aquilo
que ele é ou por suas características pessoais, mas sim por aquilo que de
errado que ele fez).

e) Insignificância:

O princípio da insignificância (originariamente nominado de “bagatela”)


consagra que as condutas devem ser consideradas atípicas se não gerarem
efetiva lesão a determinado e relevante bem jurídico tutelado.
Tal princípio tem como premissa a ideia de que a irrelevância da lesão em
alguns casos não justifica a utilização da máquina punitiva estatal.
A insignificância tem a missão de ajustar a aplicação da lei Penal perante
os casos concretos, evitando a desnecessária atuação criminal para a prote-
ção de certos bens que, por inexpressivos, não merecem a atenção do legis-
lador Penal.
Mas vale uma observação: é somente no caso concreto que se poderá
verificar a possibilidade ou não da incidência deste princípio.

E para balizar o aplicador do direito nesta análise o Supremo Tribunal


Federal acabou assentando jurisprudência delimitando os requisitos neces-
sários para o reconhecimento da insignificância:
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1º Mínima ofensividade da conduta


2º Ausência de periculosidade social da ação
3º Reduzidíssimo grau de reprovabilidade do
comportamento
4º Inexpressividade da lesão jurídica provocada

Ademais, de acordo com a jurisprudência dominante, não é cabível o


princípio da insignificância nos seguintes casos: em crimes praticados com
violência contra pessoa (ex: roubo, estupro, latrocínio, etc.); nos casos de trá-
fico de entorpecentes; no crime de furto qualificado (em face do desvalor da
conduta); e nos casos em que o bem tutelado possui valor significante para a
vítima (embora tal não seja pacífico).

Por outro lado, a jurisprudência entende que é possível sua aplicação em


alguns crimes ambientais (os de pequena lesão); em casos de ato infracio-
nal (a depender do ato infracional praticado pelo adolescente infrator); bem
como no crime descaminho (a depender do montante do tributo sonegado).

P Nota: segundo entendimento doutrinário, o Delegado não


é o responsável por verificar o cabimento (ou não) do princí-
pio da insignificância diante de um caso concreto. Tal missão
compete ao Juiz e ao Ministério Público (que é quem detém a
opinio delicti).

f) Adequação Social:

Ao seu turno, o princípio da adequação social indica que apesar de uma


conduta se subsumir ao modelo legal (tipo formal), não deverá ser considera-
da materialmente típica se for socialmente adequada, tolerável ou reconhe-
cida. Ou seja, se a conduta estiver de acordo com a ordem social historica-
mente condicionada, não se verifica um desvalor de resultado na conduta do
agente, como ocorre, por exemplo, em casos de lesões desportivas, interven-
ções cirúrgicas com fins terapêuticos, circuncisão, etc.
Sobre o tema, inclusive, relevante observar o teor da novel Súmula 502 do
STJ (DJe 28/10/2013), na qual se confirmou a tipicidade inerente a conduta da
violação de direitos autorais (sendo, portanto, incabível a aplicação do princí-
pio da adequação social ao caso).
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Neste sentido: “Presentes a materialidade e a autoria, afigura-se típica, em


relação ao crime previsto no art. 184, § 2º, do CP, a conduta de expor à venda
CDs e DVDs piratas”.

P Em suma: é de se ver que os princípios da insignificância e


da adequação social figuram como causas supralegais de ex-
clusão da tipicidade (do aspecto material da tipicidade), que
estão intimamente ligados ao princípio da intervenção míni-
ma, fragmentariedade, ofensividade, e que somente poderão
incidir após a análise do caso concreto.

g) Pessoalidade, individualização-proporcionalidade, proibição do


bis in idem e penas vedadas:

Com a pessoalidade, também conhecida por intranscendência das pe-


nas, tem-se que a pena não poderá passar da pessoa do acusado, consoan-
te disposição do art. 5°, inciso XLV da CF/88.

Já a individualização prega que não haverão penas padronizadas (previ-


são do art. 5°, XLVI da CF/88). Se cada caso é um caso, cada fato é um fato,
e cada sujeito tem a sua particularidade, é certo que cada um é merecedor
de uma sanção única. E se a sanção deve ser dosada de acordo com o caso
concreto, é dever do Juiz atentar para a gravidade e consequências do fato
delitivo, pois tal importará diretamente em uma maior ou menor reprimenda
ao sentenciado – é a ideia de proporcionalidade: ou seja, deve haver sempre
uma medida de justo equilíbrio entre a gravidade do fato praticado e a sanção
imposta.

O “ne bis in idem” conforma a ideia de que ninguém pode ser duplamente
punido por um mesmo fato. Tal premissa, fruto da legalidade Penal e da se-
gurança jurídica, é extraível também dos art. 8° e art. 42 do CP, bem como do
Pacto de São José da Costa Rica, ratificado pelo Brasil por meio do Decreto
n.º 678 de 1992.

Ademais, é de se ver que esta premissa também balizará a aplicação con-


creta da pena, posto que o Juiz não poderá sopesar contra o réu, duas vezes,
uma mesma circunstância negativa.

Por fim, é de se ver que a própria Carta Magna proibiu expressamente al-
gumas modalidades de sanção Penal.
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São elas, de acordo com o art. 5º, XLVII da CF/88: pena de morte (salvo em
caso de guerra), penas perpétuas, trabalhos forçados, banimento e penas
cruéis em sentido amplo.

h) Humanização:

Levando em consideração que Carta Magna proclama o respeito amplo e


irrestrito à dignidade da pessoa humana (art. 1°, inciso III da CF/88), indepen-
dente do fato concreto praticado pelo agente ou seu grau de periculosidade,
é certo que a humanização no trato Penal não pode ser olvidada.

Assim, os direitos fundamentais que são inerentes a todo cidadão não po-
dem ser abandonados, seja na hora da criação da lei Penal, da sua aplicação
ou mesmo execução.
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02 NORMAS PENAIS

FONTES DO DIREITO PENAL


Em termos jurídicos, a noção de fonte diz respeito ao lugar de onde pro-
vém uma norma jurídica. E aqui, vale lembrar que a fonte material do Direito
Penal é sempre a União: é ela quem possui a competência legislativa para
editar normas penais, nos termos do art. 22 da CF/88; embora a própria
Constituição autorize os Estados-membros a legislar, excepcionalmente, so-
bre alguns temas de Direito Penal (embora nunca no âmbito incriminador).
Por outro lado, em relação às fontes formais, tem-se que a fonte primária
e imediata do Direito Penal é a própria Lei (que é a representação concreta de
uma norma jurídica), razão pela qual firma-se uma vez mais que os costumes
não tem o poder de criar normas penais de incriminação.

ESPÉCIES DE NORMAS PENAIS


Segundo classificação doutrinária, as normas penais podem ser classifi-
cadas em duas perspectivas: incriminadoras e não-incriminadoras.
As primeiras são aquelas que descrevem uma infração Penal e sua res-
pectiva sanção (exemplos: arts. 121, 155, 213 do CP, etc.). Tais normas possuem
dois preceitos: o preceito primário (que é a parte em que se define a infração)
e o secundário (que é parte na qual se fixa a sanção).
Já as normas não-incriminadoras são aquelas que não descrevem infra-
ções ou sanções, mas sim formas de aplicação da pena, procedimentos, cri-
térios ou meras explicações. Estas, por sua vez, podem ser subdivididas em:

a) Normas permissivas: aquelas que prevêem uma causa excludente


do crime – ex: art. 23 do CP.

b) Normas explicativas: aquelas que conceituam ou explicam o signifi-


cado de algo – ex: o art. 327 do CP.

c) Normas complementares: que tem a função de complementar ou-


tra norma – ex: o art. 59 do CP, que fala das circunstâncias judiciais,
complementa o art. 68 do CP, que estabelece o critério trifásico para a
aplicação da pena.
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E é exatamente dentro desta perspectiva que se pode falar em “normas


penais em branco” e “tipos penais abertos”, pois são exemplos de normas
incriminadoras cujo preceito primário é imperfeito, porque demandam uma
complementação.
Ou seja, para que se possa ter pleno conhecimento de sua carga proibiti-
va, é necessário que alguém as complemente.

Segundo entendimento doutrinário, a norma em branco é aquela em


que a descrição da conduta punível se mostra incompleta ou lacunosa, ne-
cessitando de outro dispositivo legal para a sua integração ou complemen-
tação (como ocorre com o crime de peculato, cujo complemento é dado pelo
art. 327 do CP).
Já o tipo aberto é aquele que descreve parte da ação proibida, devendo
ser completada pelo julgador diante do caso concreto (ex: no crime de ato
obsceno do art. 233 do CP).
Ainda em relação a norma penal em branco, a doutrina entende que é
possível distinguí-las em duas espécies: de um lado teríamos as homogê-
neas (aquelas em que o complemento é oriundo de uma mesma fonte legis-
lativa que editou a norma que necessita do complemento) e as heterogêneas
(aquelas em que a complementação é oriunda de fonte diversa da que editou
a norma a ser complementada).

E não para por aí: entende a doutrina majoritária que as normas penais em
branco podem ser subdivididas em duas subcategorias: as homovitelinas e
as heterovitelinas.

a) Normas homovitelinas: são aquelas em que a norma complemen-


tar é do mesmo ramo do Direito que a norma complementada. Por exemplo:
uma lei penal sendo complementada por outra lei penal. É o que ocorre com
o já citado art. 312 do CP, que é complementado pelo art. 327 do CP.

b) Normas heterovitelinas: são aquelas em que a norma complemen-


tar é oriunda de outro ramo do direito, diverso do da norma complementada.
Por exemplo: uma lei penal sendo complementada por uma lei civil, tributária,
empresarial, laboral, etc. É o que ocorre com o art. 237 do CP, que fala do cri-
me de conhecimento prévio de impedimento; para saber quais são as hipó-
teses de impedimento absoluto do casamento, se deve socorrer do art. 1.521
do Código Civil.
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CARACTERÍSTICAS DA NORMA PENAL


Toda norma Penal é dotada de algumas características gerais. Entre es-
tas, destacam-se:

1ª) Exclusividade: só elas podem estabelecer infrações e sanções


penais (crimes e penas).

2ª) Anterioridade: pois somente possuem incidência na data do co-


metimento do crime em diante, não podendo retroagir (salvo se bené-
fica ao réu).

3ª) Imperatividade: pois é imposta a todos (independente da vontade


particular) e sua descrição enseja obrigatoriedade quanto a sua obser-
vação.

4ª) Impessoalidade (generalidade): pois além de possuir efeitos


erga omnes, a norma Penal é abstrata (serve para punir acontecimen-
tos futuros e não para punir pessoa determinada).

5ª) Taxatividade: pois deve ser precisa, completa, delimitando a con-


duta considerada criminosa.

INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO DA LEI PENAL


Interpretar é o ato pelo qual se capta a essência de um texto normativo. E
toda lei Penal demanda alguma forma de interpretação, dentre as quais se
destacam:

a) Quanto ao método: a interpretação pode ser gramatical (literal), teleo-


lógica (busca a finalidade da norma) ou sistêmica (analisa a norma dentro de
um contexto);

b) Quanto ao sujeito: a interpretação pode ser autêntica, judicial ou dou-


trinária. Na primeira hipótese é o próprio legislador quem faz o trabalho de
interpretar, na segunda o Juiz e na terceira hipótese os jurisconsultos.

c) Quanto ao resultado: pode ser extensiva, restritiva ou declarativa,


a depender do objetivo almejado pelo intérprete: se é ampliar, restringir ou
manter a aplicação do texto normativo em sua integralidade (lembrando que
a lei Penal só admite interpretação extensiva quando é para benefício do acu-
sado);
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Noutro giro, falar de integração da norma é trabalhar com o conjunto de


regras e princípios jurídicos aplicáveis quando há uma lacuna na lei. Firme-se
que o CP não traz regra expressa sobre o tema, permitindo a aplicação da le-
gislação cível neste tocante (art. 4° da LICC). Dentre as formas de integração,
a analogia é a que demanda maior atenção. Analogia é aplicar a uma hipóte-
se não regulada por lei disposição relativa a um caso semelhante. No âmbito
Penal, a analogia só pode ser usada em benefício do réu (in bonam partem).

APLICAÇÃO DA LEI PENAL

A) Lei Penal no tempo:

Quando há uma sucessão de leis penais no tempo, surge a pergunta: qual


das várias leis possíveis deverá ser aplicada ao caso concreto? E para resolver
tal problema, devemos saber quais são as regras e respectivas exceções que
regem o tema, as quais estão definidas nos artigos 2° a 4° do Código Penal.

REGRA: nos termos do art. 2°, caput do CP e art. 5°, inciso XL da CF/88,
tem-se que o tempo rege o ato (“tempus regit actum”). Ou seja, aplica-se a lei
Penal vigente à época dos fatos. E neste sentido, vale observar que a legis-
lação Penal entende que o tempo do fato é o do momento da conduta (ação
ou omissão delitiva), pouco importando o momento do resultado: adota-se,
pois, a Teoria da Atividade, nos termos do art. 4° do CP.

EXCEÇÃO: ocorre que, nos termos do art. 2°, § único do CP, advindo nova
lei Penal mais benéfica, após os fatos, esta deverá retroagir para agraciar o
réu: é a hipótese conhecida como “novatio legis in melius”. Por outro lado, en-
tende-se que uma nova lei Penal que prejudique o acusado de alguma forma
(“novatio legis in pejus”) não pode retroagir em hipótese alguma, sob pena de
violar o princípio da legalidade.

Ainda tratando da aplicação da lei Penal no tempo, algumas premissas


merecem atenção do examinando. Vejamos:

1. E se a nova lei mais benéfica advém somente após o trânsito em jul-


gado da condenação? Ainda assim ela poderá retroagir. Todavia, nes-
tes casos, o responsável por sua aplicação passa a ser o Juiz da Vara
de Execuções, nos termos do art. 66 da LEP (Lei 7.210/84) e também da
Súmula 611 do STF.
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2. Como ficam os casos de sucessão de leis penais em crimes perma-


nentes e crimes continuados? Para tais hipóteses, aplica-se o teor da
Súmula 711 do STF, que determina a aplicação da lei Penal vigente ao
término da permanência ou da continuidade, ainda que esta seja mais
grave ou severa que as que a lhe antecederam.

3. E os casos de “leis temporárias e excepcionais”? As temporárias são


aquelas que possuem vigência previamente estipulada, enquanto as
excepcionais são aquelas editadas para regulamentar uma situação
de anormalidade (como catástrofes naturais de grande monta, qua-
dros de caos, calamidade pública, guerra externa, epidemias, estados
de sítio, etc.), razão pela qual sua vigência prolonga-se enquanto durar
este período de anormalidade.
A situação relevante quanto a elas, diz respeito ao efeito destas espécies
normativas: é que nos termos do art. 3° do CP, elas são dotadas de “ultrativi-
dade”, ainda que gravosa ao réu. E isso quer dizer, em síntese, que por mais
que advenha uma nova lei Penal mais benéfica ao réu após o período de sua
vigência, tal lei benéfica não poderá retroagir, devendo-se aplicar unicamen-
te a lei temporária/excepcional.

B) Lei Penal no espaço:

A pergunta que se faz agora é outra: onde a lei Penal brasileira deve ser
aplicada? E a resposta é ofertada pelas regras e exceções contidas nos arti-
gos 5° a 7° do Código Penal.

REGRA: a regra que rege o tema é a da territorialidade (art. 5° do CP). Ou


seja, aplica-se a lei Penal brasileira em todos os crimes praticados no territó-
rio nacional.

Por território nacional entende-se: o espaço físico (porção de terra e sub-


solo, além das águas territoriais: rios, lagoas, represas), o espaço aéreo e o es-
paço marítimo (12 milhas náuticas do baixo-mar, nos termos da Lei 8.617/93).
Mas e é também o território por “extensão”: (i) navios e aeronaves públicas ou
a serviço público, onde quer que estejam; (ii) navios e aeronaves particulares
ou mercantis de bandeira brasileira, que estejam em nosso espaço aéreo/
marítimo, ou em nossos portos ou aeroportos; (iii) e os navios e aeronaves
particulares ou mercantis de bandeira brasileira que estejam em alto mar.
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Anote-se, por fim, que no tocante à lei Penal no espaço, o legislador Penal
adotou a Teoria da Ubiquidade (nos termos do art. 6º do CP), que considera
como lugar do crime o local onde a conduta ou o resultado se realizaram (no
todo ou em parte).

EXCEÇÃO: por outro lado, há casos que se poderá aplicar a lei Penal bra-
sileira para um crime que não foi praticado no Brasil. Fala-se aí das exceções:
os casos de extraterritorialidade, que estão previstos no art. 7º do CP e no art.
2º da Lei 9.455/97 (Lei de Tortura).

Como são exceções, estão previstas em rol taxativo, e são orientadas pe-
los seguintes princípios: (1) princípio da defesa (nestes casos, o que justifica
a aplicação da nossa lei é o interesse nacional na apuração e punição do fato
– é a hipótese prevista no art. 7°, inciso I e §3° do CP); (2) princípio da universa-
lidade (o que justifica é a necessidade de ampla defesa contra o fato pratica-
do – é a hipótese do art. 7°, inciso II, alínea ‘a’ do CP); (3) princípio da naciona-
lidade (a defesa do sujeito – ativo ou passivo – justifica a extraterritorialidade
nestes casos – são a hipóteses do art. 7°, inciso II, ‘b’ do CP); (4) princípio da
bandeira (onde se busca evitar impunidades pelo fato – é o que se vê na hipó-
tese do art. 7°, inciso II, ‘c’ do CP).

Destaca-se, por fim, que a extraterritorialidade pode ser concebida em


duas perspectivas: incondicionada e condicionada. Nas primeiras hipóteses,
não há a necessidade de concorrência de nenhuma situação ou requisito
para a aplicação da lei Penal brasileira (são os casos do art. 7°, inciso I do CP);
já nas hipóteses condicionadas, a aplicação da nossa lei Penal depende do
preenchimento de alguns requisitos, todos definidos no art. 7°, §2° do CP (e os
casos de extraterritorialidade condicionada são aqueles previstos no art. 7°,
inciso II e §3° do CP).

C) Lei Penal em relação às pessoas:

Por fim, a última pergunta diz respeito à pessoa. Ou seja: para quem se
aplica a lei Penal brasileira? E aqui também temos uma regra e uma exceção.

REGRA: quem baliza a aplicação da lei Penal em relação aos sujeitos é


sempre o princípio da igualdade (art. 5°, caput da CF/88). Ou seja, aplica-se a
lei Penal brasileira de maneira indistinta a todos aqueles que se submetem
a ela.
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EXCEÇÃO: ocorre que até mesmo nesta perspectiva se vê uma exceção


(casos que fogem à regra da igualdade). Fala-se, aqui, das hipóteses de imu-
nidade: parlamentares e diplomáticas.

Assim, as imunidades parlamentares devem ser vistas como prerrogati-


vas de direito público interno, podendo ser classificadas em: materiais (imu-
nidade de opinião, palavra e voto no exercício das funções – conforme prevê
os art. 53, art. 27, §1°, art. 29, inciso VIII da CR/88) ou formais (referente ao pro-
cesso, julgamento, prisão, etc. – conforme art. 53, §4°, art. 102, I, b, art.53, §1° e
3° da CR/88).

Já as imunidades diplomáticas dizem respeito a relação de reciprocidade


soberana (fruto do direito internacional), razão pela qual as pessoas que pos-
suem tal perspectiva não se sujeitam à lei Penal brasileira.

E quem disciplina o tema é a Convenção de Viena de 1961 (promulgada


pelo Decreto n. 56.435/65), que fala da atuação dos seguintes agentes di-
plomáticos: embaixadores e secretários da embaixada, bem como seus res-
pectivos familiares diretos (dependentes econômicos: esposa, filhos, etc.) e
também o núncio (representante do Vaticano). Inclui também dos chefes de
Estado estrangeiro: presidentes, reis, rainhas e os membros de sua comitiva.
Trata ainda dos funcionários de organizações internacionais (ONU, OEA, etc.)
e seus familiares diretos.

CONFLITO APARENTE DE NORMAS


O conflito aparente de normas penais ocorre quando, para um mesmo
fato, se verifica a possibilidade de aplicar (ao menos em tese) mais de uma
disposição da lei Penal.

Ocorre que um mesmo fato concreto não pode estar enquadrado em vá-
rias figuras típicas, sob pena de se possibilitar uma dupla e indevida punição
ao réu (o vedado bis in idem).

Assim, em tais casos, é necessário decifrar qual será a única norma apli-
cável à hipótese fática. E para isso, existe uma série de critérios que orienta-
rão o juiz na resolução do conflito:

a) Princípio da especialidade: quando se verifica um conflito entre duas


normas, sendo uma delas geral (genérica) e a outra específica (norma espe-
cial), deve prevalecer esta última.
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b) Princípio da subsidiariedade: quando se verifica a impossibilidade


de aplicação de uma norma principal, mais grave, permite-se a aplicação de
uma norma Penal menos grave que lhe é subsidiária (a qual funciona, pois,
quase que como uma “norma de reserva”). É o que ocorre, por exemplo, com
o crime definido no art. 132 do CP, pois somente se aplica a pena prevista para
o delito de perigo para a vida ou saúde de outrem se o fato não constituir cri-
me mais grave.

c) Princípio da consunção (absorção): quando se verifica o conflito en-


tre uma conduta mais e outra menos grave, deve prevalecer a primeira, que
acaba abarcando (englobando) esta última. Assim, se um fato está previsto
em determinada lei, e está também contido em outra, de maior amplitude,
aplica-se somente está última. É o que ocorre nas hipóteses de antefato e
pósfato impuníveis.

P Quanto ao tema, inclusive, vale destacar o teor exemplificati-


vo ofertado pela Súmula 17 do STJ: “Quando o falso se exaure no
estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absor-
vido”. Nota-se que esta súmula encampa, em sua plenitude, o
exato teor almejado pelo princípio da absorção.

P Não confundir “crime progressivo” (ex: o agente, com a inten-


ção precípua de matar, desfere várias facadas contra a vítima,
até conseguir seu objetivo inicial) com “progressão criminosa”
(ex: o agente inicia sua conduta criminosa com intenção ape-
nas de lesionar a vítima, mas, no decorrer do iter, resolve matar
a vítima). Nada obstante, vale anotar que ambas as hipóteses
se resolvem com o princípio da absorção.

COMBINAÇÃO DE LEIS PENAIS


Quando o intérprete, verificando que uma lei nova favorece o agente em
determinado aspecto, mas o prejudica em outro, pode aplicar somente a par-
te benéfica e ignorar a outra? É esta a questão que se busca responder com
o tema “combinação de leis penais”. Falar de combinação é propor a junção
de alguns dispositivos de uma lei com os dispositivos de outra, e aplicar tal
junção diante de um caso concreto. Há quem defenda e há quem critique
tal possibilidade. Os críticos dizem que não é possível a combinação de leis
penais, pois se o juiz fizer isso ele estará inovando a legislação (criando uma
nova lei), e tal conduta feriria o princípio da legalidade (art. 5º, XXXIX da CF/88).
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 17

Por outro lado, há quem diga que é sim viável a combinação de leis penais,
e o principal argumento segue no sentido de que: se o juiz pode retroagir o
todo, não impede que ele retroaja só uma parte; ademais, entendem que a
retroatividade de dispositivo mais benéfico é assegurada pelo art. 5°, XL da
CR/88.

Sobre o tema, o caso prático mais relevante diz respeito à possibilidade de


aplicar, nos crimes de tráficos cometidos sob a vigência da Lei 6.368/76 (an-
tiga lei de tóxicos), a minorante prevista no art. 33, §4º da Lei 11.343/06 (nova
lei de drogas). E aqui, vale ressaltar que a Súmula 501 do STJ expressamen-
te proibiu tal combinação (verbis): “É cabível a aplicação retroativa da Lei n.
11.343/2006, desde que o resultado da incidência das suas disposições, na
íntegra, seja mais favorável ao réu do que o advindo da aplicação da Lei n.
6.368/1976, sendo vedada a combinação de leis”.

OUTROS TEMAS RELEVANTES


1. Pena no estrangeiro e duplicidade de julgamento: nos termos do art. 8°
do CP, a pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo
mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas. Tal
ideia visa evitar a dupla punição (o bis in idem).

2. Eficácia da sentença estrangeira: sobre o tema, o art. 9° do CP estabe-


lece que a sentença estrangeira, quando a aplicação da lei brasileira produz
na espécie as mesmas consequências, pode ser homologada no Brasil para
dois fins: I - obrigar o condenado à reparação do dano, a restituições e a ou-
tros efeitos civis; II - sujeitá-lo a medida de segurança.

P Quanto ao tema, oportuna a leitura da Súmula 420 do STF e


do art. 105, I, alínea ‘i’ da CF/88.

3. Contagem dos Prazos e frações não computáveis: o tema está discipli-


nado no art. 10° do CP, que delimita que a contagem segue o calendário co-
mum (que é o gregoriano). Na contagem, inclui sempre o primeiro dia e exclui
o último dia. Tem-se ainda, que se o prazo final cair em um sábado, domingo
ou feriado, tal prazo deve retroagir ao último dia regular anterior (exemplo: se
cair em um sábado, o último dia será a sexta-feira).

Cabe anotar que a contagem no processo Penal não segue a mesma lógi-
ca do direito Penal material.
18 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

03 O FATO PUNÍVEL

Inicialmente, cabe observar que a nomenclatura mais adequada para de-


limitação do tema é: teoria do “fato punível” (enquanto gênero; sinônimo de
infração Penal). Ou seja, todo aquele que infringe uma norma Penal comete
um fato punível, sendo espécies deste: os “crimes” (ou delitos) e as “contra-
venções penais” (disciplinadas no Decreto n.º 3.688/41 – a LCP).
Assim, tem-se que o Código Penal, ao fazer a distinção entre crimes e
contravenções, adotou um critério dicotômico (art. 1º da LICP: “considera-se
crime a infração Penal a que a lei comina pena de reclusão ou detenção; con-
travenção, a infração a que a lei comina pena de prisão simples”).
Quantos as principais diferenças entre crimes e contravenções, apon-
tam-se as seguintes:

CRIMES CONTRAVENÇÕES
A ação Penal pode ser pública A ação Penal é sempre públi-
ou privada (art. 100 CP). ca incondicionada (art. 17 LCP).
Podem ser punidos, excepcio- Não podem ser punidas as
nalmente, os crimes cometi- contravenções cometidas no
dos no estrangeiro (art. 7° CP). estrangeiro (art. 7° LCP).
Admitem tentativa (em regra) Não se pune a tentativa em
– art. 14 CP. hipótese alguma (art. 4° LCP).
É punível com pena privativa É punível com pena privativa
de reclusão ou detenção (art. de prisão simples (art. 6° LCP).
33 CP).
O limite máximo para execu- O limite máximo é de 5 anos
ção da pena privativa é de 30 (art. 10° LCP).
anos (art. 75 CP).
O período de prova do sursis é O período de prova é de 1 a 3
de 2 a 4 anos (art. 77 CP) anos (art. 11 LCP).

CONCEITUAÇÃO
Vale destacar que o conceito atualmente adotado para definir um fato pu-
nível foi fruto de longa evolução histórica. E dentre os vários conceitos que
surgiram, é possível identificar três:
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 19

1º) O conceito formal: partia da ideia de que o fato punível seria sim-
plesmente uma conduta tipificada; ou seja, um fato humano proibido pela lei
Penal. Neste momento, levava-se em conta unicamente a forma da conduta
(sua aparência externa), e assim, acreditava-se que a simples subsunção do
fato a norma geraria o fato punível.

2º) O conceito material: por este, entendia-se que o fato punível


seria a conduta que atenta contra bens jurídicos imprescindíveis para
a vida social. Ou seja, é um conceito que leva em consideração a es-
sência da conduta delitiva, sua substância (e não sua forma apenas).

3º) O conceito analítico: este leva em conta os elementos estruturan-


tes definidos pelo ordenamento. Assim, só haverá fato punível quando estes
elementos estiverem devidamente preenchidos. É o conceito adotado pelo
ordenamento jurídico brasileiro. Todavia, é de se ver que existem várias de-
finições analíticas para o fato punível. Dentre as atuais, destacam-se as se-
guintes teorias:

a) Teoria quadripartite: entende que crime é conduta típica, antijurídica,


culpável e punível.

b) Teoria tripartite: entende que crime é conduta típica, antijurídica e


culpável.

c) Teoria bipartite: entende que crime é conduta típica e antijurídica.

Hoje, verifica-se que a doutrina majoritária - em termos nacionais - é


adepta de um conceito analítico tripartido (Rogério Greco, Cesar Roberto
Bitencourt, Regis Prado, etc.). Todavia, vale ressaltar que na escola paulista
de Direito Penal prepondera a concepção bipartite, defendida por Damásio
de Jesus, Celso Delmanto e René Dotti. Segundo entendimento encampado
por referidos autores, a culpabilidade não seria um elemento analítico do cri-
me, mas mero pressuposto para a aplicação da pena.

CLASSIFICAÇÕES DOUTRINÁRIAS
1ª) Quanto à disposição legislativa: os crimes podem ser comuns
(aqueles que estão previstos no Código Penal – arts. 121 a 358-H) ou especiais
(previstos em legislação especial – ex: crimes de trânsito, crimes ambientais,
crimes de abuso de autoridade, etc.).
20 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

2ª) Quanto ao número de sujeitos: os crimes podem ser unissubjeti-


vos (aqueles em que o concurso de agentes é eventual; ou seja, a atuação
de vários agentes não é obrigatória) ou plurissubjetivos (aqueles em que o
concurso de agentes é necessário; leia-se, a realização do crime depende da
presença obrigatória de dois ou mais sujeitos).

3ª) Quanto à qualidade do sujeito ativo: temos os crimes comuns


(aqueles que podem ser praticados por qualquer pessoa), os crimes próprios
(requer alguma qualidade ou condição especial do sujeito ativo) e os crimes
de mão própria (que são aqueles em que só uma pessoa pode praticar).

P Nos crimes de mão própria, a jurisprudência dominante en-


tende que não é possível coautoria. Por outro lado, admite a
participação (ex: crime de falso testemunho).

4ª) Quanto ao sujeito passivo: os crimes podem ser vagos (quando a


vítima é ente sem personalidade jurídica – ex: crimes contra a família) ou não
vagos (com pessoa identificada – ex: homicídio, furto, etc.).

5ª) Quanto ao resultado naturalístico: os crimes podem ser materiais


(aqueles em que a norma descreve a conduta, o resultado, e exige este para a
consumação do delito), formais (onde a norma descreve a conduta e resulta-
do, mas não exige este último) ou de mera conduta (aqueles em que a norma
somente descreve a conduta).

P Quanto ao tema, importante a leitura da Súmula Vinculante


24 STF e da Súmula 96 do STJ.

6ª) Quanto ao resultado normativo: os crimes podem ser de dano


(aqueles em que o tipo exige a lesão ou o dano ao bem jurídico tutelado – ex:
art. 121 do CP) ou de perigo (basta que o bem esteja sob ameaça de lesão –
ex: arts. 130 do CP). Por sua vez, tem-se que os crimes de perigo podem ser
subdivididos em: “crimes de perigo concreto” (a lei expressamente exige a
provocação do perigo real, o qual deve ser comprovado pela acusação – ex:
art. 309 do Código de trânsito) ou “de perigo abstrato” (casos em que a lei não
exige que a conduta provoque o perigo – ex: art. 14 da Lei de Arma).

7ª) Quanto à conduta: os crimes podem ser comissivos (quando pressu-


põe uma ação) ou omissivos (quando pressupõe uma abstenção).
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 21

8ª) Quanto ao momento consumativo: os crimes podem ser instantâ-


neos (aqueles em que se consumam em um único momento – ex: arts. 155
do CP) ou permanentes (aqueles em que o momento consumativo de alonga
no tempo – ex: sequestro).

9ª) Quanto à objetividade jurídica: os crimes podem ser simples (aque-


les que protegem apenas um bem jurídico – ex: art. 121 do CP) ou complexos
(protegem mais de um bem jurídico – ex: art. 157 do CP).

10ª) Quanto ao iter criminis: os crimes podem ser consumados (quan-


do nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal) ou tentados
(quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à
vontade do agente) – é o que define o art. 14 do CP.

11ª) Quanto à possibilidade de fracionamento: os crimes po-


dem ser unissubsistentes (a conduta não admite fracionamento; rea-
liza-se por uma única ação ou omissão indivisível – ex: art. 138 do CP)
ou plurissubsistente (admitem cisão da conduta – ex: art. 121 do CP).

12ª) Quanto à pluralidade de verbos nucleares: temos crimes de ação


simples (que são os crimes compostos por um só verbo – ex: art. 121 do CP) ou
de ação múltipla/mistos (que são crimes compostos por vários verbos – ex:
art. 180 do CP). Estes últimos, ao seu turno, podem ser subdivididos em duas
categorias: os mistos cumulativos (quando a realização de mais de um nú-
cleo proibitivo descrito na norma configura a prática de vários crimes – como
ocorre, por exemplo, com o art. 242 do CP: “Dar parto alheio como próprio;
registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo,
suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil”) e os mistos alterna-
tivos (mesmo com a realização de vários verbos, ainda assim haverá a prática
de um só crime – por exemplo: por mais que o agente venda e transporte
drogas, ainda assim estará cometendo um só crime de tráfico).

P Lembre-se que com o advento da Lei 12.015/2009, que deu


nova redação ao art. 213 do CP, unindo em um só dispositivo
os crimes de estupro e de atentado violento ao pudor, de-
sapareceu o óbice que impedia o reconhecimento da regra
do “crime continuado” no caso do agente praticar, contra a
mesma vítima e num mesmo contexto fático, conjunção car-
nal e outros atos libidinosos. Ou seja, a jurisprudência agora
permite que se aplique a regra do art. 71 do CP nestes casos.
22 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

13ª) Quanto ao elemento subjetivo: os crimes, neste tocante, podem


ser classificados em dolosos (art. 18, I do CP) ou culposos (art. 18, II do CP).

14ª) Quanto à posição topográfica do tipo Penal: os crimes podem


ser simples (quando os limites abstratos de pena são definidos exclusi-
vamente no caput do artigo de referência), privilegiados (quando o míni-
mo e máximo abstrato é reduzido pelo legislador – ex: art. 121, §3° do CP) ou
qualificados (quando o mínimo e máximo abstrato é alterado para um pa-
tamar maior do que o previsto no caput do artigo – ex: art. 157, §3°do CP).

P Segundo entendimento doutrinário e jurisprudencial é pos-


sível (em alguns casos) que um crime reste qualificado e privi-
legiado ao mesmo tempo. Por exemplo: um homicídio pode ser
privilegiado pelo relevante valor moral e qualificado pelo em-
prego de fogo (art. 121, §1° c/c o §2° do CP).

15ª) Crimes habituais: aqueles que exigem, para sua consumação, a rei-
teração da conduta (ex: 230 do CP). Ou seja, os delitos habituais são caracte-
rizados por comportamentos idênticos e repetidos, que só se perfazem em
decorrência da ação reiterada do agente.

16ª) Crimes transeuntes e não transeuntes: os primeiros são aqueles


que não deixam vestígios (ex: injúria oral, ameaça por palavras, etc.), enquan-
to os segundos deixam vestígios (ex: crime de dano).

SUJEITOS E OBJETOS DO CRIME


É possível identificar dois sujeitos em um crime: o sujeito ativo e o passivo.
O primeiro é aquele que pratica o fato típico previsto na norma ou, de alguma
forma, contribui ou colabora para sua realização. Já o sujeito passivo é aquele
que sofre a ação criminosa (o ofendido, o titular do bem jurídico protegido, a
vítima).

P Veja que hoje é pacífico o entendimento no sentido de que a


pessoa jurídica pode ser sujeito ativo de um crime (nos termos
do art. 225 da CF/88 e do art. 3° da Lei de Crimes Ambientais
– Lei 9.605/98). E o que respalda tal possibilidade é a teoria
adotada usualmente pelas Cortes Superiores: a “teoria da du-
pla imputação”, que exige a responsabilização simultânea da
pessoa jurídica e da pessoa física que age em nome daquela.
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 23

Por outro lado, quanto ao objeto, destacam-se duas perspectivas: (a)


Objeto Jurídico: é o bem ou o interesse jurídico Penalmente protegido pela
norma. Todo crime possui ao menos um objeto jurídico de proteção; (b)
Objeto Material: consiste na pessoa ou coisa sobre a qual recai a conduta
criminosa (ex: no homicídio, o objeto material é a pessoa humana).

O FATO TÍPICO
Uma vez delineadas as premissas iniciais sobre o tema, faremos minu-
ciosa análise de cada um dos elementos que compõem um fato punível, a
começar pelo fato típico (o primeiro elemento analítico do crime).

P CUIDADO: não podemos confundir o “fato punível” com o


“fato típico”, visto que este último figura apenas como um dos
elementos que compõem o primeiro (fato punível = fato típico,
antijurídico e culpável).

Dentro desta perspectiva, é possível verificar que um fato típico é com-


posto de quatro elementos: conduta humana; resultado; nexo causal;
e adequação típica (tipo legal). Façamos então uma minuciosa análise de
cada uma das perspectivas do fato típico, o primeiro elemento analítico do
crime.

A) Conduta Humana:

Conceito (teorias sobre a conduta):

O conceito de conduta humana depende da teoria adotada pelo ordena-


mento jurídico em dado momento histórico. E ao longo do tempo, as prin-
cipais teorias para definir o que vem a ser uma conduta humana foram: (a)
Teoria causalista ou naturalista (entende a conduta como simples compor-
tamento emanado por ser humano – LISZT/BELING); (b) Teoria social (de-
fende que conduta é todo comportamento humano socialmente relevan-
te - JESCHECK); (c) Teoria finalista (concebe que a conduta é uma ação ou
omissão, voluntária e consciente, direcionada a determinado fim - WELZEL);
(d) Teorias funcionalistas (propõem que os elementos estruturais do crime
devem ser interpretados à luz da função que deve ser desempenhada pelo
Direito Penal – ROXIN/JAKOBS).
24 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

A teoria adotada pelo Código Penal (consoante se infere do item 12 da


Exposição de Motivos do CP) foi a Teoria finalista. Desta feita, sendo uma von-
tade finalística que rege o curso causal, tem-se que a conduta se desenvol-
veria em duas partes: (1ª etapa) na esfera subjetiva, enquanto antecipação
do fim a ser realizado, seleção dos meios para consecução e consideração
sobre os efeitos; (2ª etapa) e na esfera objetiva, consagrada na execução da
conduta no mundo real.

P Veja que a conduta se refere sempre ao comportamento dos


homens, nunca de animais irracionais ou de objetos inanima-
dos.

P Teoria da Antecipação Biocibernética (Zaffaroni): entende-


se que uma conduta criminosa requer que o agente tenha
conhecimento (ou possibilidade de conhecimento) antecipa-
do da realização fática e exteriorização dessa representação
mental.

Hipóteses que afastam a conduta:

Partindo do pressuposto que a conduta humana é composta de três ele-


mentos (vontade + consciência + finalidade), é possível arrolar algumas cau-
sas que afastam a conduta. São elas:

a) Coação física irresistível: casos em que o agente fica materialmente


à mercê de outrem.

b) Caso fortuito: trata-se de um fato imprevisível ao agente.

c) Força maior: são considerados atos da natureza, razão pela qual não
há que se falar em conduta humana.

d) Atos reflexos: também conhecido como força física interna irresistí-


vel, conformam uma resposta neuromotora a estímulos interiores ou
exteriores, sem intervenção cerebral.

e) Estados de inconsciência: os quais, como o próprio nome está a


indicar, carecem da consciência do agente (ex: sonambulismo, sono
profundo, estados epiléticos, etc.).
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 25

Formas de conduta:

Por fim, resta observar que existem duas formas de conduta (ação e omis-
são), as quais geram duas espécies de crimes: os comissivos e os omissivos.

1. Crimes comissivos: consagram um comportamento positivo do agente.


Ou seja, pressupõem um fazer, um obrar, uma ação. Nestes casos, o agente
faz o que a norma proibiu.

2. Crimes omissivos: consagram um comportamento negativo do agen-


te. Ou seja, pressupõe um ‘não-fazer’, uma abstenção, uma omissão. Nestes
casos, o agente deixa de fazer aquilo que lhe era determinado. Estes, ao seu
turno, podem ser subdividos em omissivos próprios e omissivos impróprios.

Os omissivos próprios são aqueles em que o dever jurídico de agir está


contido na própria definição do tipo – exemplo: arts. 135 do CP. Já os omis-
sivos impróprios (também conhecidos como “comissivos por omissão”) são
aqueles em que o dever de agir não decorre diretamente do tipo legal, mas
sim de uma posição de garante em que o sujeito foi alçado naquela situação
concreta, nos termos do art. 13, §2° do CP: por dever legal, por dever contra-
tual ou por ingerência. Por isso mesmo, nessas últimas hipóteses, fala-se em
“tipicidade por extensão”.

B) Resultado delitivo:

Delimitação geral:

Como consequencia do princípio da lesividade, entende-se que só inte-


ressa ao Direito Penal as condutas que geram ou podem gerar lesão à bem
jurídico de outrem. Dentro desta lógica, é imperioso concluir que todo crime
demanda a existência de um resultado, seja concreto (já verificado) ou em
potencial (que pode ocorrer).

Assim, por resultado, entende-se toda consequência externa derivada de


uma conduta. Ocorre que o Direito Penal trabalha com duas hipóteses de re-
sultado juridicamente relevante: o resultado naturalístico e o resultado nor-
mativo. O resultado naturalístico é aquele que consagra uma modificação no
mundo exterior, no plano dos fatos (real), fruto da conduta do agente. Já o
resultado normativo seria o efeito que a conduta delitiva produz exclusiva-
mente na órbita jurídica, sem alterar o plano das coisas.
26 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

Sendo assim, insiste-se: toda infração penal demanda um resultado, seja


ele natural ou meramente normativo (embora, destaque-se: o Código Penal
demonstrou sua preferência pela teoria naturalista).

Classificação: Como visto anteriormente, a doutrina Penal costuma clas-


sificar os crimes de acordo com o resultado em três perspectivas:

(1) crimes materiais (ex: homicídio, furto, roubo, estupro, etc.);

(2) crimes formais (ex: extorsão mediante sequestro);

(3) crimes de mera conduta (ex: porte ilegal de arma de fogo, omissão
de socorro, etc.).

C) Nexo Causal:

Conceituação:

É o vínculo que liga o comportamento humano à modificação no mundo


exterior. Ou seja, é a correlação entre a conduta e o resultado.

Sobre o tema, a doutrina traz várias teorias que tentam explicar este
vínculo. Dentre estas, destacam-se as seguintes: (1) Teoria da Causalidade
Adequada: entende que causa é a condição mais adequada para produzir
o resultado; (2) Teoria da causa eficiente (entende que causa é a condição
da qual depende a qualidade do resultado); (3) Teoria da Imputação Objetiva
(a causa depende da criação de um perigo juridicamente desaprovado); (4)
Teoria da Equivalência dos Antecedentes (para esta teoria, causa é toda cir-
cunstância antecedente, sem a qual o resultado não teria ocorrido. Ou seja,
tudo o que concorre para a produção do resultado é a sua causa).

Anota-se que nosso Código Penal adotou a Teoria da equivalência dos


antecedentes. Dessa forma, para saber se algo deu causa para o resultado,
basta excluí-lo da série causal de acontecimentos (é o que a doutrina chama
de “método indutivo hipotético de eliminação”).

P Vale também anotar que dar causa não quer dizer, neces-
sariamente, que o sujeito será punido pelo crime, afinal, para
tal é imprescindível também que ele haja com dolo ou culpa
(traduzindo a ideia de previsibilidade e o elemento subjetivo).
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 27

Concausas:

É toda causa que concorre com principal, contribuindo para a produção


do resultado. Estas, segundo delimitação doutrinária, podem ser divididas
em dependentes e independentes (as quais, por sua vez, podem ser absolu-
tas ou relativas). Vejamos:

1. Dependentes: aquelas que se encontram dentro da linha de desdobra-


mento natural da conduta. Nestes casos, por óbvio, o agente responde pelo
todo (ou seja, pelo crime em sua modalidade consumada).

2. Independentes: são aquelas que, por si só, poderiam provocar o resul-


tado. Ou seja, não se incluem no desdobramento natural da conduta. Estas,
por sua vez, podem ser:

2.1. Absolutamente independentes: aquelas que têm origem totalmen-


te diversa da conduta principal (a causa provocadora do resultado não
se originou na conduta do agente), razão pela qual há o rompimento do
nexo causal e o agente responde apenas por aquilo que efetivamente
fez. Estas, ao seu turno, podem ser concebidas de três formas:

a) Preexistentes: quando anteriores à conduta.


b) Concomitantes: quando se verificam ao mesmo tempo em que a
conduta.
c) Supervenientes: quando posteriores à conduta.

2.2. Relativamente independentes: aquelas que produzem o resultado


por si só, mas que se originam na conduta do agente. E aqui, há de se
verificar duas situações: se rompe o nexo causal, o agente responde só
pelo que fez; mas se não há o rompimento do nexo causal ele responde
pelo todo. Estas também podem ser concebidas de três formas:

a) Preexistentes: quando anteriores à conduta. Nestes casos, não se


rompe o nexo causal, razão pela qual o agente responde pelo todo.

b) Concomitantes: quando se verificam ao mesmo tempo em que a


conduta. Nestes casos, não se rompe o nexo causal, razão pela qual
o agente responde pelo todo.
28 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

c) Supervenientes: quando posteriores à conduta. Nestes casos, a


princípio, há o rompimento do nexo causal, razão pela qual o agen-
te responde apenas por aquilo que fez – é a hipóteses de “super-
veniência causal” descrita no art. 13, §1° do CP (ex: é o que ocorre
no clássico exemplo da ambulância: ‘A’ leva uma facada de ‘B’, que
pretendia matá-lo; todavia, ‘A’ é socorrido por uma ambulância, a
qual, no caminho para o hospital, sofre um acidente, vindo ‘A’ a fale-
cer exclusivamente em razão deste). Nada obstante, vale observar
que a jurisprudência indica que, nessas hipóteses, se não houver
o rompimento do nexo causal, o agente responderá pelo resultado
produzido como um todo.

D) Tipicidade:

Conceito e delimitação:

O tipo é a forma máxima de concretização do princípio da legalidade na


esfera Penal, pois expressa a descrição abstrata de um fato real que a lei
Penal proíbe. Assim, seguindo os ensinamentos da doutrina, tem-se que o
tipo Penal é a adequação, objetiva e subjetiva, formal e material, da conduta
humana a uma norma Penal. Sobre a tipicidade, alguns tópicos preliminares
merecem breve anotação.

São eles:

Questões terminológicas: “atipicidade” ocorre quando uma conduta não


se reveste de tipicidade (está carente de algum elemento do tipo legal). Falar
de “injusto Penal” é dizer que uma conduta é típica e também antijurídica.

Tipicidade conglobante: Segundo doutrina desenvolvida por Eugênio


Raúl ZAFFARONI, o juízo de tipicidade (em sentido amplo) estaria composto
de dois elementos, quais sejam: da tipicidade formal e da tipicidade conglo-
bante (a qual, por sua vez, seria composta pelos seguintes elementos: a tipi-
cidade material e a antinormatividade).

Explica-se: a ideia é a de que o Estado não pode considerar como típica


uma conduta que é fomentada ou tolerada pela sociedade ou mesmo por
outra norma jurídica. Por isso, o juízo de tipicidade deve ser concretizado de
acordo com o sistema normativo como um todo, em sua globalidade (con-
globado).
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 29

Desta forma, seriam aspectos do tipo: o “tipo formal” (enquanto conjun-


to de elementos que contrariam a norma Penal), o “tipo material” (que seria
a concretização de uma conduta prevista na norma, a qual gera uma lesão
insuportável à relevante bem jurídico Penalmente tutelado) e a “antinormati-
vidade” (enquanto conduta não exigida ou fomentada pelo Estado).

P Em suma, para ZAFFARONI: Tipicidade = tipicidade formal +


tipicidade conglobante (aspecto material + antinormatividade)

Fases da evolução (teorias):

É possível falar de quatro teorias centrais que almejam explicar a relação


entre tipicidade e antijuridicidade. São elas:

1ª) Teoria da Independência: também conhecida como “teoria do tipo ava-


lorado”, aduz que a tipicidade tem função meramente descritiva, não pos-
suindo qualquer relação com a ilicitude (BELING).

2ª) Teoria da tipicidade Indiciária: também conhecida como “ratio cognos-


cendi”, entende que a tipicidade constitui fator indiciário, uma presunção re-
lativa da ilicitude (MEZER). Vale anotar que é essa a teoria adotada pelo CP
brasileiro, pois toda conduta típica é também antijurídica (em regra), salvo
quando estiver justificada (ou seja, salvo quando estiver amparada por uma
causa de exclusão da ilicitude).

3ª) Teoria da Identidade: também conhecida como “ratio essendi”, enten-


de que a tipo é a razão de ser da ilicitude (MAYER).

P Dentro dessa perspectiva, JESCHECK desenvolveu a “teoria


dos elementos negativos do tipo”: toda vez que não for ilícita a
conduta, não haverá o próprio fato típico.

4ª) Teoria do Tipo Ideal: também conhecida como “tipo puro”, entende que
a tipicidade representa uma valoração puramente objetiva da ilicitude (MAX
WEBER).

Composição do tipo:

Toda figura típica é composta de alguns elementos, que podem ser es-
senciais ou não à sua caracterização.
30 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

Nesta perspectiva, tem-se a seguinte divisão:

a) Elementares do tipo: descrevem o tipo fundamental (aquilo que é im-


prescindível para a formatação da figura incriminada). E estes, ao seu turno,
são os seguintes:

a.1) Elementares objetivas: aqueles que descrevem o conteúdo proibiti-


vo de uma norma; aqueles cujo significado se extrai da mera observa-
ção, não demandando juízo de valor.

a.2) Elementares normativas: aqueles que demandam um juízo de valor


do intérprete. Somente com uma valoração se consegue alcançar o
seu sentido ou significado.

a.3) Elementares subjetivas: é o elemento psíquico/anímico inerente ao


tipo legal, que diz respeito à intenção do agente (é aí que se fala em
dolo, culpa e elementos subjetivos diversos do dolo).

b) Circunstâncias do tipo: são todos os dados acessórios da figura típica,


não elementares, cuja ausência não elimina a tipicidade da conduta. Sua fun-
ção é, basicamente, influir na fixação da pena.
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 31

04 DOLO E CULPA

Como visto, dolo e culpa são elementos subjetivos do tipo legal. E este é
um tema de especial importância. Vejamos então algumas particularidades
dos crimes dolosos e culposos:

I) Crimes dolosos: (art. 18, I do CP).

Dolo é a vontade de concretizar as circunstâncias objetivas da figura tí-


pica. Segundo entendimento doutrinário, ele constitui elemento subjetivo
implícito a todo tipo legal. Entende-se que o dolo é composto dos seguintes
elementos: o elemento cognitivo (conhecer) e o elemento volitivo (querer).

Ademais, a doutrina concebe algumas espécies de dolo (verdadeiras


classificações). Assim, fala-se em dolo direto ou dolo indireto.

No dolo direto, o sujeito visa certo e determinado resultado; este, ao seu


turno, pode ser subdividido em: direto de primeiro grau (“quer e faz”) e direto
de segundo grau (é o “dolo de consequências necessárias”). Já no dolo indi-
reto, a vontade do sujeito não se dirige a certo e determinado resultado; este,
por sua vez, se apresenta de duas formas: dolo alternativo (quando a vontade
do sujeito se dirige a um ou outro resultado (existem vários desejos - ex: quer
lesionar ou matar, tanto faz, qualquer um satisfaz o agente); e o dolo eventual
(ocorre quando o sujeito admite a aceita o risco de produzir o resultado; isto é,
antevê o resultado como possível e assume o risco de produzi-lo).

P “Elementos Subjetivos Diversos do Dolo”: são todos os requi-


sitos de caráter subjetivo, que não o dolo propriamente dito,
mas que são exigidos em alguns tipos penais para sua realiza-
ção (ex: no furto, é necessário que haja uma subtração “para si
ou para outrem” de coisa alheia móvel).

II) Crimes culposos: (art. 18, II do CP).

A culpa diz respeito à inobservância do dever de cuidado e diligência. A


todos no convívio social, é imposta a obrigação de realizar condutas de forma
a não produzir danos a terceiros (é o denominado “cuidado objetivo”).
32 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

A conduta torna-se típica a partir do instante em que não se tenha mani-


festado o cuidado necessário nas relações com outrem. Assim, são elemen-
tos do fato típico culposo:

(a) a conduta humana e voluntária, de fazer ou não fazer;

(b) a inobservância do cuidado objetivo manifestada através da impru-


dência, negligência ou imperícia;

(c) a previsibilidade objetiva, e a ausência de previsão;

(d) o resultado involuntário;

(e) o nexo de causalidade;

(f) e a tipicidade. Noutro giro, é de se ver que a quebra de um dever de


cuidado pode ser gerada por três perspectivas distintas:

NEGLIGÊNCIA É a ausência de precaução ou indiferença


em relação ao ato realizado; é sinônimo
de desleixo, e está diretamente ligada à
inércia do agente.
IMPRUDÊNCIA É a prática de um fato perigoso; é agir
sem cautela, sem a atenção necessária.
IMPERÍCIA É a falta de aptidão para o exercício da
conduta.

Ademais, destacam-se duas espécies de culpa (classificações): a culpa


consciente e a culpa inconsciente. Na primeira, o resultado é previsto pelo
sujeito, que espera levianamente que o mesmo não ocorra ou que possa evi-
tá-lo.

Já na culpa inconsciente o resultado não é previsto pelo agente, embora


fosse previsível; esta seria a culpa propriamente dita, que se manifesta pela
imprudência, negligência ou imperícia.

Fala-se ainda em culpa própria e culpa imprópria: a primeira é a comum,


em que o resultado não é previsto, embora seja previsível. Já na culpa impró-
pria (“culpa por extensão”), o resultado é previsto e querido pelo agente, que
age em erro de tipo permissivo inescusável ou vencível (art. 20, §1° CP).
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 33

Ainda no que diz respeito ao crime culposo, algumas observações são re-
levantes. Vejamos:

P Compensação e concorrência de culpas: a compensação


de culpas é incabível em matéria Penal (a culpa de um não
exclui a culpa de outrem). Outra coisa é a concorrência de cul-
pas, e esta é possível.

P Culpa como exceção: a regra é a de que todos os crimes são


sempre dolosos e, apenas excepcionalmente, poderão tam-
bém ser punidos a título culposo (é o que se extrai do art. 18, §
único do CP).

P Crimes preterdolosos: são aqueles em que a conduta pro-


duz um resultado mais grave do que o pretendido pelo sujeito.
O agente quer um minus, mas seu comportamento causa um
majus, de maneira que se conjugam o dolo na conduta antece-
dente e, consequentemente, a culpa no resultado. Mas note-
se que este resultado só pode ser imputado ao sujeito quando
o mesmo lhe era previsível – nos termos do art. 19 do CP.
34 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

05 ANTIJURIDICIDADE

Conceito:

A antijuridicidade, também conhecida como ilicitude (são sinônimos) é a


qualidade de um comportamento não autorizado pelo Direito.

É a contrariedade que se estabelece entre um fato típico e o ordenamento


Penal como um todo, em sua totalidade.

Por outro lado, mesmo que a figura seja típica, se ela estiver autorizada ou
mesmo fomentada por outra norma jurídica, não se fala de ilicitude. Ou seja,
se a conduta estiver amparada por uma causa de exclusão da antijuridicida-
de (se ela estiver justificada), não há que se falar em fato punível.

Causas de Exclusão da Antijuridicidade:

Feita as devidas observações, tem-se que as causas excludentes da ili-


citude podem ser de duas ordens: causas legais (quando previstas em lei –
como é o caso do art. 23 do CP); e causas supralegais (quando advém de
construção doutrinária ou jurisprudencial). Vejamos então algumas particu-
laridades de cada uma:

a) Estado de Necessidade:

Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar


de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo
evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era ra-
zoável exigir-se (art. 24 do CP).

Ou seja, é a situação na qual se encontra uma pessoa que não pode ra-
zoavelmente salvar um bem, interesse ou direito, senão pela prática de um
ato que, fora das circunstâncias em que se encontra, seria criminoso.

Para que o estado de necessidade reste caracterizado, é imprescindível o


preenchimento de alguns requisitos.
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 35

São eles:

(i) deve haver um perigo (uma probabilidade concreta de lesão à bem


jurídico tutelado);
(ii) este perigo deve ser atual (presente, e nunca pretérito ou longínquo);
(iii) não provocado pelo agente, o qual também não podia evitá-lo (é o
binômio involuntariedade e inevitabilidade);
(iv) para proteção de direito próprio ou alheio;
(v) sacrifício do bem não exigido (com isso, demanda-se uma apre-
ciação baseada nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade;
lembrando que há pessoas que possuem o dever legal de enfrentar o
perigo – art. 24, §2°do CP);
(vi) elemento subjetivo (saber que está agindo em estado de necessi-
dade).

b) Legítima Defesa:

Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos


meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu
ou de outrem (art. 25 do CP).

Para que se configure a legítima defesa, é imprescindível o preenchimen-


to de alguns requisitos:

(i) uma agressão (ataque a bem jurídico tutelado);

(ii) atual ou iminente (algo que está ocorrendo ou prestes a ocorrer);

(iii) e injusta (indevida, ilícita);

(iv) proteção de direito próprio ou alheio;

(v) emprego de meios necessários e moderados (a legítima defesa


deve ser indispensável a repulsa da agressão, e esta não pode ultra-
passar os limites imprescindíveis para afastar a conduta agressora);

(vi) elemento subjetivo (saber que está agindo em legítima defesa).


36 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

P Legítima defesa recíproca x legítima defesa sucessiva: na


primeira hipótese, também conhecida como “legítima defesa
de legítima defesa”, não é possível, pois só se aplica a exclu-
dente do art. 25 do CP quando há uma agressão injusta em sua
origem (o que não é o caso nestas hipóteses).
Outra coisa é a “Legítima Defesa Sucessiva”, que ocorre nos
casos em que há uma reação contra o excesso, pois, nestes
casos, há uma verdadeira agressão injusta, razão pela qual se
pode falar na incidência da excludente aqui.

P Defesas predispostas (“ofendículos”): fala-se aqui de instru-


mentos empregados de maneira disposta, previamente insta-
lados para ofertar proteção a algum bem.
Se o aparato empregado for visível ou inacessível para tercei-
ros inocentes (ex: pontas de lança no muro), resta configurada
a legítima defesa; todavia, se o aparato empregado for oculto,
não há que se falar em exclusão do crime.

c) Estrito Cumprimento do Dever Legal:

Casos em que a Lei obriga um agente público a realizar condutas, dando-


lhe poderes até para praticar fatos típicos para a execução das mesmas (art.
23, III, primeira parte do CP).

d) Exercício Regular de Direito:

Entende-se que todo aquele que exerce um direito assegurado pelo orde-
namento jurídico, não atua de forma ilícita (art. 23, III, parte final do CP). Veja
que esta excludente não possui uma definição legal, mas ainda assim é uma
causa legal de justificação.

Assim, quando o ordenamento jurídico, por qualquer um de seus ramos,


autoriza a conduta, isso gerará reflexos no Direito Penal, tendo em vista a ne-
cessidade de harmonização do sistema como um todo.

Mas veja que para se falar em estrito cumprimento, deve-se estar diante
de um direito amparado por Lei (ato normativo).
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 37

e) Consentimento do ofendido:

Casos em que o titular do bem jurídico protegido consente validamente


com a lesão de seu bem. Ou seja, é a renúncia à proteção do bem jurídico.

Trata-se de uma causa supralegal, pois não possui amparo legislativo (é


criação doutrinária, também aceita na jurisprudência pátria). Mas para que o
consentimento opere efeitos jurídicos válidos, é imprescindível que ele recaia
sobre bem disponível e que o consentimento ofertado seja válido.

P Anote, ao final, que nos crimes em que o dissenso da vítima


for uma das elementares da figura criminosa (ex: nos casos
de estupro), o consentimento ofertado acaba operando como
causa de exclusão da própria tipicidade.

O excesso nas excludentes:

Segundo expressa delimitação do CP, uma justificadora perde sua natu-


reza (deixa de ser uma causa excludente da ilicitude) quando o agente se ex-
cede no comportamento.

Ou seja, quando ele passa dos limites da norma permissiva.

Firme-se que o excesso decorre da escolha de um meio inadequado, do


uso imoderado ou mesmo desnecessário de determinado meio, que acaba
causando um resultado mais grave do que o razoavelmente suportável nas
circunstâncias (por isso, não permitido). Por isso, entende-se que o excesso,
seja doloso ou culposo (voluntário ou involuntário), é punível - nos termos do
art. 23, § único CP.

O erro na causa de justificação:

Veremos no próximo capítulo que o agente pode pressupor, equivocada-


mente, que está amparado por uma causa excludente da ilicitude. Nestes
casos, não se falará em exclusão da ilicitude propriamente dita (pois não há
uma verdadeira excludente da antijuridicidade), mas poderá haver a exclusão
do crime por outros fatores (pela própria tipicidade ou então pela culpabilida-
de, consoante se verá adiante).

É o que se chama de “descriminantes putativas”.


38 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

06 CULPABILIDADE

Conceito e teorias:

A culpabilidade, hoje, é concebida como sendo o juízo de reprovação que


recai sobre a conduta do sujeito que tem ou pode ter a consciência da ilicitu-
de do ato e de atuar conforme as normas jurídico-penais.

Mas o conceito de culpabilidade nem sempre foi este. Ao longo da evo-


lução da teoria analítica do crime, pudemos verificar três grandes momen-
tos na definição da culpabilidade: no sistema clássico, adotava-se a “teoria
psicológica da culpabilidade” (pois o dolo e a culpa eram elementos desta);
no sistema neoclássico, passou-se a adotar a “teoria psicológico-normativa”
da culpabilidade (onde dolo e culpa ainda eram elementos da culpabilida-
de, mas complementado pelo juízo de reprovação); eis que veio o sistema
finalista, trazendo a “teoria normativa pura” da culpabilidade (que esvaziou
a culpabilidade de elementos subjetivos, os quais foram incorporados pela
tipicidade).

P A teoria normativa pura (que foi adotada por nosso CP), sub-
divide-se em: “extremada” e “limitada”. Para a teoria extrema-
da, todas as hipóteses de descriminantes putativas figuram
como espécie de erro de proibição. Já para a teoria normativa
pura limitada, que é a teoria por nós adotada, há hipóteses de
descriminante que figuram como erro de tipo permissivo (art.
20, §1º do CP) e outras que figuram como erro de proibição (art.
21 do CP).

Elementos e excludentes da culpabilidade:

Para que recaia o juízo de reprovação sobre a conduta do agente, é neces-


sária a junção de três elementos (cumulativos). São eles: imputabilidade,
potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa.

A) Imputabilidade:

É a possibilidade de atribuir a alguém a responsabilidade por algo. Diz res-


peito à capacidade mental do indivíduo em entender os seus atos e de se
comportar conforme este entendimento.
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 39

Assim, caso o indivíduo não tenha condições psíquicas de compreender


a ilicitude de seu ato ou de se comportar de acordo com este, não será digno
de censura, e é exatamente nestas hipóteses que se fala em inimputabilida-
de.

Ou seja: se o indivíduo possui capacidade plena, será imputável; se não


possui capacidade alguma, será inimputável; e se possui capacidade relati-
va, será semi-imputável (art. 26, caput e § único do CP).

E o critério adotado pelo Código Penal para definição da capacidade ou


não do sujeito foi o “biopsicológico” (que hora leva em conta fatores de cunho
orgânico, e hora leva em conta os fatores psíquicos; ou seja, leva em conta
tanto as causas como os efeitos).

Dito isso, é possível anotar as seguintes causas de inimputabilidade:

a) Menoridade: segundo expressa delimitação do art. 27 do CP e art.


228 da CF/88, os menores de dezoito anos são Penalmente inimputá-
veis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial
(no Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/90). E veja que
esta é uma presunção absoluta.

b) Doença mental: define-se doutrinariamente como uma alteração


mórbida da saúde mental do indivíduo, e independe de sua causa ori-
ginária. São exemplos de doença mental: esquizofrenias, psicoses, de-
mências, etc. Quem infringe uma norma Penal nestas circunstâncias,
não pode ser censurado (não pode sequer ser condenado). Portanto,
em tais casos fala-se de uma “absolvição imprópria”, pois embora o su-
jeito não receba uma pena, poderá receber uma medida de segurança
(art. 96 do CP).
Mas veja que a caracterização da doença mental exige prova pericial (exa-
me de sanidade mental – arts. 149 a 152 do CPP).

c) Desenvolvimento mental incompleto: pessoas que possuem uma


tábua de valores diferenciada (como ocorre com o indígena não adap-
tado), não podem ser reprovadas pelo nosso Direito Penal, razão pela
qual são tidas como inimputáveis. A doutrina arrola também, como hi-
póteses de desenvolvimento mental in-completo, ligadas a enfermida-
des ou patologias, os casos de oligofrenia, os surdos-mudos alijados
da cultura, e até mesmo os portadores de síndrome de down.
40 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

d) Embriaguez: é a intoxicação (aguda ou transitória) provocada pela


ingestão de substâncias alcoólicas ou entorpecentes. Ocorre que não
é qualquer espécie de alcoolemia que provoca a inimputabilidade. As-
sim, somente se for completa e acidental é que se afasta a reprovação
da conduta – nos termos do art. 28, inciso II, §1° do CP e também art.
45 da Lei 11.343/06. Completa, porque afasta a capacidade de discerni-
mento do indivíduo; acidental, porque advém de caso fortuito ou força
maior.
Mas se a embriaguez for preordenada (aquele que se coloca em estado
de alcoolemia para cometer o crime), além de não se afastar a imputabilida-
de; ainda terá sua pena agravada - consoante se infere do art. 61, II, “l” do CP.

P “Actio libera in causa”: em termos de imputabilidade, nosso


ordenamento adota a idéia de que a ação é livre em sua causa.
Assim, se alguém, deliberadamente se coloca em uma situa-
ção de incapacidade para infringir a norma Penal, não ficará
livre do juízo de censura, devendo, pois, responder criminal-
mente por seus atos.

P Emoções e paixões (art. 28, inciso I do CP): segundo expres-


sa delimitação do CP, emoções e paixões não excluem a ca-
pacidade do agente, razão pela qual não se fala em inimputa-
bilidade nestes casos. Emoções são os sentimentos intensos
e passageiros que alteram o ânimo do indivíduo; já as paixões
são ideias permanentes ou crônicas por algo ou alguém (ex:
cupidez, amor, ódio, ciúmes, etc.). Todavia, é de se ver que es-
tes fenômenos, embora não excluam o crime, podem reduzir o
juízo de censura (tornar o sujeito semi-imputável, nos termos
do art. 26, § único do CP) ou podem atenuar a pena (art. 65, III,
‘c’ do CP).

B) Potencial Consciência da Ilicitude:

Trata-se da possibilidade de o agente poder conhecer o caráter ilícito


de sua conduta ou não. Assim, só será possível recair o juízo de reprovação
quando o indivíduo age com conhecimento de que sua conduta é ilícita; afi-
nal, se o agente não tiver o necessário conhecimento da proibição, não cabe
o juízo de reprovação.
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 41

E a potencial consciência da ilicitude pode ser afastada numa hipótese:


em alguns casos de “erro de proibição” do art. 21 do CP (que veremos adiante).

P Cuidado: não se pode confundir o desconhecimento da


proibição com o desconhecimento da lei. Lembre-se que o art.
3° do Código Civil brasileiro aduz que “ninguém se escusa de
cumprir a lei, alegando que não a conhece” (e tal norma tam-
bém se aplica ao Direito Penal, face ao disposto na primeira
parte do art. 21 do CP).

C) Exigibilidade de Conduta Diversa:

Entende-se que só é possível reprovar a conduta de um agente se lhe for


exigível, na situação em que se encontrava, uma postura diversa da que to-
mou. Assim, há situações em que o Direito deixa de reprovar a conduta do
agente, por se tratar de algo que qualquer um faria em situação análoga: fala-
se então em “inexigibilidade de conduta diversa”, cujas hipóteses estão pre-
vistas no art. 22 do CP. São elas:

a) Coação moral irresistível: nestes casos, o sujeito é vítima de uma pres-


são psíquica oferecida por outrem (grave ameaça), razão pela qual fica isento
de pena. Nestes casos, só se pune quem exerceu a coação. Mas se a coação
for resistível, apenas atenua a pena, nos termos do art. 65, inciso III, ‘c’ do CP.

b) Obediência hierárquica: casos em que há uma ordem revestida de cará-


ter criminoso, emanada de autoridade hierarquicamente superior. Nestes ca-
sos, só se pune o autor da ordem (e não quem a obedeceu). E segundo dou-
trina majoritária, tal hipótese está diretamente ligada a relações de Direito
público (de hierarquia), razão pela qual não se aplicaria aos particulares.
42 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

07 TEORIA DO ERRO

O erro, no Direito Penal, é sinônimo de ignorância (em sentido lato), e ele


pode interferir na responsabilidade Penal do agente. Por isso, trata-se de um
tema de grande relevância na seara Penal, e pode ser objeto de cobrança.
Vejamos então as principais modalidades: o erro de tipo e o erro de proibição.

ERRO DE TIPO
Previsto no art. 20, caput do CP, o erro de tipo ocorre quando o sujeito su-
põe a ausência de elemento ou circunstância do tipo incriminador (por isso a
doutrina o batiza de “erro de tipo incriminador”). Há, portanto, uma falsa per-
cepção da realidade fática (o agente erra sobre o próprio fato).

E de acordo com as particularidades do caso, o erro de tipo pode ser es-


sencial ou acidental. Vejamos cada uma destas perspectivas:

a) Erro de tipo Essencial: ocorre quando a falsa percepção impede o su-


jeito de compreender a natureza criminosa do fato praticado, recaindo, pois,
sobre as elementares do tipo Penal. Apresenta-se sob duas formas:

a.1) erro vencível (evitável / inescusável): quando poderia ser evitado


pela diligência ordinária do agente. Nestes casos, só fica excluído o
dolo da conduta, sendo possível punir o agente a título culposo, desde
que previsto para modalidade de crime praticado pelo agente.
a.2) erro invencível (inevitável / escusável): quando não pode ser evi-
tado pela normal diligência do agente. Neste caso, exclui-se o dolo e a
culpa, restando afastada a tipicidade do fato.

b) Erro de tipo Acidental: não versa sobre elementares do crime, mas


sim sobre dados circunstanciais ou sobre a forma de execução do delito, ra-
zão pela qual o erro acidental não exclui o crime.

São casos de erro acidental: o erro sobre o objeto; erro sobre pessoa; e as
hipóteses de “crimes aberrantes”. Vejamos:

b.1) Erro sobre objeto (“error in objecto”): ocorre quando o sujeito supõe
que sua conduta recai sobre determinada coisa (res), sendo que na
realidade incide sobre outra.
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 43

b.2) Erro sobre pessoa (“error in persona”): ocorre quando há erro de


representação, em face do qual o sujeito atinge outra pessoa, supondo
tratar-se da pessoa que pretendia ofender.

Veja que em tais casos, de acordo com o que dispõe o art. 20, §3º do CP,
se deve levar em conta, na aplicação da pena, as qualidades da pessoa que
pretendia atingir e não as da efetivamente atingida. Ou seja, responderá o
processo como se tivesse alvejado a pessoa que pretendia alvejar.

E se o erro for provocado por terceiro, nos termos do art. 20, §2º do CP,
responde pelo crime o terceiro que determina o erro.

b.3) Erro na execução (“aberratio ictus”): é o desvio do golpe. Ocorre


quando o sujeito, pretendendo atingir uma pessoa, ofende outra, mas
não porque houve uma falsa percepção do agente, mas sim porque se
equivocou quando da execução. Neste caso, o agente responde como
se tivesse alvejado a pessoa pretendida (nos termos delineados pelo
art. 73 do CP); todavia, se atinge também a pessoa pretendida, respon-
derá por ambos os resultados, na forma do art. 70 do CP (concurso for-
mal de crimes).
b.4) Erro sobre o nexo causal (“aberratio causae”): é o desvio no plano.
Tal hipótese, também chamada de dolo geral, ocorre quando o agente,
imaginando já ter consumado o delito, pratica nova conduta que vem
a ser a causa efetiva da consumação. Nestes casos, tais desvios são
totalmente irrelevantes para sua responsabilização criminal.
b.5) Resultado diverso do pretendido (“aberratio criminis”): significa erro
na execução do crime que implica em resultado diverso do almejado
inicialmente pelo agente. Nestes casos, o sujeito quer atingir um bem
jurídico específico e acaba atingindo outro (de espécie diversa). Nestes
casos, responderá por culpa (se prevista a modalidade culposa para o
delito) – é o que diz o art. 74 do CP; todavia, se também atingir o bem
pretendido, responderá por ambos, em concurso formal de crimes (art.
70 do CP).

ERRO DE PROIBIÇÃO
Previsto no art. 21 do CP, é aquele no qual incide o agente que, por falso
conhecimento (ou mesmo desconhecimento), não tem a possibilidade de
saber que o seu comportamento é ilícito. E é possível verificar duas espécies
de erro de proibição:
44 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

a) Erro de proibição evitável (vencível / inescusável): casos em que


falta a consciência da ilicitude, mas o agente possuía condições de tê-la. Tal
espécie de erro não isenta o agente de pena (não afasta a culpabilidade),
mas possibilita a redução da pena de um sexto a um terço (trata-se, pois, de
uma minorante da pena).

b) Erro de proibição inevitável (invencível / escusável): aquele em


que qualquer pessoa de diligência mediana, nas mesmas circunstâncias em
que se encontra o agente, também teria errado.

Nestes casos, o erro afasta a potencial consciência da ilicitude e, por con-


seguinte, não há mais culpabilidade (a lei fala, de maneira não muito apro-
priada, em “isenção de pena”).

P “Erro mandamental”: ocorre nos crimes omissivos, quando


um agente não sabia que possuía o dever de agir para evitar
o resultado (ou seja, uma crença sincera de que não deveria
agir). Nestes casos, a doutrina majoritária manda aplicar as
regras que disciplinam o erro de proibição (art. 21 do CP = se
evitável apenas reduz a pena; se inevitável, afasta a culpabili-
dade).

DESCRIMINANTES PUTATIVAS
Quando o sujeito, levado a erro pelas circunstâncias do caso concreto, su-
põe agir em face de uma causa excludente de ilicitude (supõe agir de forma
justificada).

Fala-se então em eximentes (estados putativos): o agente pensa, equivo-


cadamente, que sua conduta é lícita. Este erro pode recair sobre os pressu-
postos fáticos de uma causa excludente da antijuridicidade, sobre os limites
normativos de uma excludente, ou até mesmo sobre a existência de uma
causa de exclusão. E esta distinção, acaba gerando duas figuras: o erro de
tipo permissivo e o erro de proibição indireto.

A natureza jurídica das descriminantes putativas varia de acordo com a


teoria da culpabilidade que é adotada por um ordenamento jurídico (se ex-
tremada ou limitada). E aqui, vale lembrar que o nosso Código Penal adota a
“teoria normativa pura limitada”, a qual diferencia as hipóteses que afastam a
tipicidade, das que afastam a culpabilidade. Vejamos:
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 45

a) Erro de Tipo permissivo (também conhecido como “culpa impró-


pria”): refere-se aos pressupostos fáticos da causa justificadora. Assim, é
possível que o sujeito, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias,
suponha encontrar-se amparado pelo estado de necessidade, legítima de-
fesa, estrito cumprimento do dever legal, exercício regular de direito ou mes-
mo pelo consentimento do ofendido, quando na verdade não está. Quando
isso ocorre, aplica-se o disposto no art. 20, § 1º, parte inicial: “é isento de pena
quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação
de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima”.

b) Erro de Proibição indireto: referente aos limites legais (normativos)


da excludente de ilicitude, ou mesmo sobre a existência de uma causa de
exclusão, a qual não é realmente reconhecida pelo Direito.

Nestes casos há também um verdadeiro estado putativo, mas aqui, dife-


rente do que ocorria no erro de tipo permissivo, o agente sabe o que faz (só
não sabe que aquilo é proibido). Insiste-se: veja que nestes casos, o agente
tem perfeita noção do que está ocorrendo (não há erro quando a situação
fática), mas supõe que está agindo nos termos da excludente.

Por isso, nestes casos aplicam-se as mesmas regras que regem o erro de
proibição do art. 21 do CP (até por isso a doutrina batiza esta hipótese de erro
de permissão): se vencível, só poderá reduzir a pena; se invencível, afasta a
culpabilidade.
46 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

08 ETAPAS DE REALIZAÇÃO DO CRIME

O CAMINHO DO CRIME
É o conjunto das etapas pela qual a realização de um fato punível pas-
sa. Segundo entendimento doutrinário, um crime se realiza em quatro fases:
cogitação, preparação, execução e exaurimento. A primeira é a fase interna,
enquanto que as demais conformam a fase externa.

1ª etapa: Cogitação: a fase mental ocorre quando nasce a ideia da prá-


tica delitiva. Trata-se de um indiferente Penal (é impunível, pois não tem po-
tencialidade lesiva para alterar o mundo dos fatos; lembre-se que “a cogitatio
é impunível”).

2ª etapa: Preparação: quando o agente planeja a realização do crime. A


princípio, os atos de mera preparação também são impuníveis, salvo se ca-
racterizarem, por si só, um crime autônomo.

3ª etapa: Execução: quando o agente começa a por em prática o plano


engendrado. São ações ou omissões diretamente relacionadas à prática do
delito. E é exatamente a partir deste momento que a conduta passa a inte-
ressar para o Direito Penal (agora já se fala na existência de um fato punível).
Vale lembrar que nosso CP adota o critério “formal-objetivo” para delimitação
do início da execução: só se inicia no momento em que o agente se dirige à
realização do tipo legal.

4ª etapa: Exaurimento: desfecho da conduta no mundo dos fatos. Mas


lembre-se que tal perspectiva só é exigível nos crimes materiais (não haven-
do tal necessidade para os formais e para os de mera conduta).
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 47

09 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

Como visto anteriormente (quando das classificações dos crimes), em re-


lação ao iter criminis, podemos falar de crimes tentados e consumados.

I. Crime Consumado:

Diz-se o crime consumado, quando nele se reúnem todos os elementos


de sua definição legal (art. 14, inciso I, do CP). Assim, a ideia de consumação
expressa total conformidade do fato praticado pelo agente com a hipótese
abstrata descrita pela norma Penal incriminadora. Veja ainda que o momen-
to consumativo desempenha relevante papel no tocante ao tema da “pres-
crição” - pois é a partir dele que se conta o termo inicial da prescrição (nos
termos do art. 111 do CP). Ademais, o tema é também importante para fins pro-
cessuais - como ocorre na delimitação da competência territorial (art. 70 do
CPP) -, bem como para questões que dizem respeito à fixação da pena (art.
14, § único do CP).

II. Crime Tentado:

É a execução iniciada de um crime que não se consuma por circunstân-


cias alheias à vontade do agente (art. 14, inciso II do CP). Veja que, nestas hi-
póteses, o agente pretendia a realização do crime em sua inteireza (ele alme-
java a consumação), mas não conseguiu. Assim, para que haja uma tenta-
tiva, é necessário verificar dois elementos: (1°) início de atos executórios; (2°)
não consumação por circunstâncias alheias à vontade do agente. Nota-se,
ademais, que a tentativa figura, em regra, como minorante da pena (art. 14, §
único do CP): “salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena
correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços”.

P Quantum de redução: veja que o CP estabelece parâmetros


mínimos e máximos de redução da pena, deixando a cargo do
Juiz a quantificação da minoração diante do caso concreto. E
o que balizará o Magistrado nesta definição, é o quanto mais
próximo (ou distante) a conduta ficou da efetiva consumação
(ou seja, o iter percorrido pelo agente; e não aspectos subjeti-
vos do réu). Assim, quando mais distante de consumar, maior
a redução da pena (e vice-versa).
48 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

Segundo nota doutrinária, há várias formas de se classificar os crimes


tentados. Dentre elas, destacam-se:

a) Tentativa perfeita x tentativa imperfeita: a tentativa perfeita (tam-


bém conhecida como “crime falho”) ocorre quando o agente realiza todo o
iter, mas ainda assim o crime não se consuma por circunstâncias alheias à
sua vontade. Já a tentativa imperfeita (também batizada de “tentativa inaca-
bada”) ocorre quando o agente não consegue, por circunstâncias alheias à
sua vontade, prosseguir na execução do crime.

b) Tentativa branca x tentativa cruenta: na tentativa branca (ou “in-


cruenta”), não ocorre nenhuma lesão ao bem jurídico da vítima. Já na tentati-
va cruenta ocorre alguma lesão ao bem jurídico tutelado (embora não haja a
lesão efetivamente almejada pelo autor da conduta).

c) Tentativa abandonada e tentativa inidônea: estes casos, na verda-


de, não figuram como verdadeiros crimes tentados. Na primeira hipótese, fa-
la-se dos casos de desistência voluntária e arrependimento eficaz (art. 15 do
CP); e no segundo caso, fala-se do crime impossível (art. 17 do CP). Por outro
lado, há crimes em que a tentativa não é cabível. São eles:

(i) nos crimes culposos (salvo nos casos de “culpa imprópria”);

(ii) nos preterdolosos;

(iii) nos omissivos puros;

(iv) nos crimes habituais;

(v) nos crimes unissubsistentes (aqueles que não são fracionáveis);

(vi) e nas contravenções penais (art. 4°da LCP).

DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA E ARREPENDIMENTO EFICAZ

A desistência voluntária e o arrependimento eficaz estão previstos no art.


15 do CP. Na primeira hipótese, o agente desiste de prosseguir na execução
(ou seja, ele não esgota o iter criminis), enquanto que na segunda ele volta
pelos próprios passos para “consertar”’ o que provocou (esgota o iter, mas
evita a consumação).
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 49

Há discussões doutrinárias a respeito da natureza jurídica destes institu-


tos, mas o entendimento majoritário segue no sentido de que elas figuram
como uma causa de exclusão ou readequação típica da conduta, pois o
agente responderá apenas por aquilo que fez.

Em suma: nestas hipóteses o agente responde apenas pelos atos já prati-


cados, e desde que estes já configurem, isoladamente, um crime ou contra-
venção (afinal, se os atos praticados não constituírem uma infração Penal, o
agente não responderá por nada).

ARREPENDIMENTO POSTERIOR
De acordo com o art. 16 do CP, nos crimes cometidos sem violência ou
grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebi-
mento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será
reduzida de um a dois terços.

São requisitos para o arrependimento posterior: (a) reparação do dano ou


restituição da coisa; (b) o que deve ocorrer em momento anterior ao do re-
cebimento da denúncia ou queixa; (c) não pode ser um crime violento; (d) e
a reparação deve ocorrer por ato voluntário do agente. E vale ressaltar que,
segundo entendimento da doutrina majoritária, só incide o art. 16 do CP se a
reparação do dano for total.

CRIME IMPOSSÍVEL
Nos termos do artigo 17 do CP, não se pune a tentativa quando, por ineficá-
cia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível
consumar-se o crime.

Há dois casos de crime impossível: (a) por ineficácia absoluta do meio;


(b) por impropriedade absoluta do objeto. E veja que, nestes casos, não há
que se falar sequer em tentativa, face à total ausência de tipicidade do ato.
Por isso, caracterizado o crime impossível, tem-se que a conduta do agente
é atípica.

P Quanto ao tema, oportuna a leitura da Súmula 145 do STF:


“não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia
torna impossível a sua consumação”.
50 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

10 CONCURSO DE PESSOAS

DELIMITAÇÃO
Quando vários sujeitos se reúnem, em comunhão de esforços, para a prá-
tica de uma infração, fala-se em concurso de agentes.

E pra que haja a concorrência plúrima (“concurso de agentes”), mister a


reunião de alguns requisitos. São eles: (a) pluralidade de agentes e com-
portamentos; (b) relevância causal das condutas (nexo causal); (c) lia-
me psíquico entre os agentes (é o “pactum sceleris”); (d) identidade do
fato (ou seja, deve haver um fim comum, ao menos em regra).

Em relação ao último requisito, é de se firmar que a legislação Penal bra-


sileira adotou, como regra, a “Teoria Monista” para definição do concurso de
agentes (nos termos do art. 29, caput do CP). Isto quer dizer exatamente que
todos os agentes responderão pela mesma figura delitiva. Ocorre que exis-
tem exceções pluralísticas a esta teoria, dentre as quais se destaca o caso do
art. 29, §2° do CP: participação dolosamente distinta, que são casos em que
cada agente se comporta almejando um fim, um dolo (ou seja, não há um fim
comum entre eles, razão pela qual cada um responde pelo crime almejado).

FORMAS DE ATUAÇÃO
Três são as formas pelas quais um agente pode atuar numa empreitada
criminosa: como autor, como coautor ou como partícipe. E para diferenciar
a autoria (ou coautoria) da participação, várias teorias foram desenvolvidas,
dentre as quais se destaca: a “teoria restritiva” e a “teoria do domínio do fato”.
Segundo doutrina majoritária, a teoria restritiva foi adotada no Brasil após a
Reforma do CP de 1940, estabelecendo como critério definitivo a prática ou
não de elementos do tipo.

Mas esta não foi adotada de forma absoluta, visto que ela não resolve os
problemas inerentes a autoria intelectual e autoria mediata, hipóteses que
só são solucionadas com a adoção da teoria do domínio do fato. Assim, con-
sidera autores e coautores aqueles que possuem o controle do domínio do
fato, mesmo não realizando as elementares do tipo (veja que tal ideia permiti-
ria a punição do mandante do crime como autor). Já o partícipe é aquele que
contribui, sem ter domínio algum sobre o fato delitivo.
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 51

CONSIDERAÇÕES SOBRE A PARTICIPAÇÃO


Em relação à natureza jurídica da participação, é de se ver que a doutrina
predominante entende que vigora a “teoria da acessoriedade limitada”, pois a
participação é sempre acessória, e se dá de duas formas: moral ou material-
mente. Ou seja, partícipe é aquele que instiga ou é cúmplice da empreitada
delitiva de outrem. E mais: somente é possível falar em participação se esta
for dolosa (se o agente tiver conhecimento do seu empreitar), se houver um
autor do crime, e se reste efetivamente caracterizada a prática de um injusto
Penal por parte deste (um fato típico e antijurídico).

P Questão: é possível a participação em crimes de mão-pró-


pria? Sim, segundo entendimento jurisprudencial do STJ e STF
é possível (ex: alguém induz a testemunha a mentir).

FORMAS DISTINTAS DE AUTORIA


Por fim, vale ressaltar que há formas distintas de autoria. Aqui, fala-se da
autoria direta, indireta e mediata. A primeira é aquela do agente que rea-
liza o núcleo do tipo com as próprias mãos; a segunda, também conhecida
como autoria intelectual, é aquela do sujeito que planeja, coordena, organiza,
mas não executa diretamente o crime; por fim, a autoria mediata é a do agen-
te que se vale de outrem para a prática do crime (como ocorre nos casos da
coação moral ou física irresistível, por exemplo).

AGRAVANTES NO CONCURSO DE AGENTES


O Código Penal brasileiro previu circunstâncias agravantes para os casos
de concurso, em relação ao agente que:
(i) promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade
dos demais agentes;
(ii) coage ou induz outrem à execução material do crime;
(iii) instiga ou determina a cometer o crime alguém sujeito à sua auto-
ridade ou não-punível em virtude de condição ou qualidade pessoal;
(iv) executa o crime, ou dele participa, mediante paga ou promessa de
recompensa – são as hipóteses previstas no art. 62 do CP.

Lembre-se, contudo que se tais situações forem elementares do crime ou


qualificadoras, não se incidirá a agravante (sob pena de bis in idem).
52 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA


Casos em que a instigação ou cumplicidade não foram tão determinantes
para a realização do crime. Nestes casos a pena pode ser reduzida de 1/6
a 1/3 - nos termos do art. 29, §1º do CP.A doutrina, que também a batiza de
“participação ínfima” ou “de somenos”, entende que tal minorante é aplicável
apenas para o partícipe, não sendo extensível para o coautor.

PARTICIPAÇÃO DOLOSAMENTE DISTINTA


Como visto anteriormente, o art. 29, §2º do CP figura como uma exceção a teo-
ria monista, pois cada agente responderá pelo crime que pretendeu praticar. A
doutrina costuma batizar esta hipótese de “desvio subjetivo de condutas”, pois
se trata de hipótese em que um dos agentes quis atuar em um crime menos grave.

Mas vale ressaltar que, se para o agente que pretendeu praticar o crime
menos grave, fosse previsível a ocorrência do resultado mais grave, a pena
dele será aumentada da metade (é o que diz a parte final do aludido artigo
29, §2º do CP).

AUTORIA COLATERAL
Casos de pessoas que concorrem para um mesmo resultado delitivo,
mas uma sem saber da atuação da outra. São casos em que estão presentes
todos os requisitos do concurso de agentes, menos um: o liame subjetivo.
Assim, não há que se falar na aplicação da regra do art. 29 do CP nestas hi-
póteses, razão pela qual cada um dos agentes responde pelo resultado que
causou.

P “Autoria Incerta”: uma das formas de autoria colateral. São


os casos de sujeitos que concorrem para a prática de uma in-
fração (um sem saber do outro), mas não se sabe quem foi que
produziu efetivamente o resultado danoso. Neste caso, como
não há como saber quem deu causa efetivamente ao resul-
tado, ambos responderão pelo crime na modalidade tentada.

P Não confundir os casos de “autoria incerta” com “autoria


desconhecida”, pois nesta última, estamos falando dos casos
em que não se sabe (não se faz ideia de) quem praticou o cri-
me.
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 53

COMUNICABILIDADE DAS CIRCUNSTÂNCIAS


Nos termos delineados pelo art. 30 do CP, as circunstâncias de caráter
pessoal não se comunicam aos demais agentes (ou seja, tudo aquilo que é
pessoal de um agente, não se estende aos demais – ex: a situação de reinci-
dência), salvo quando esta circunstância for uma elementar do crime.
Quanto às circunstâncias “não elementares” (circunstanciais propriamen-
te ditas), tem-se que as de cunho objetivo se comunicam a todos os agentes;
já as de cunho pessoal, subjetivas, não se comunicam (ex: praticar o crime
por motivo fútil ou torpe).

DELAÇÃO PREMIADA
Traduz a ideia de imputar a outrem, que também atuou na empreitada,
a responsabilidade pelo crime, mas sem olvidar sua parcela de culpa pelo
mesmo.
A delação tem por objetivo tentar conseguir do Juízo algum benefício le-
gal, mesmo que seja uma simples redução da pena. E há previsão expressa
de delação premiada em alguns diplomas legislativos, tal como ocorre com:
o art. 8°, parágrafo único da Lei 8.072/90 (crimes hediondos); o art. 16, pará-
grafo único da Lei 8.137/90 (crimes contra ordem tributária); o art. 1°, §5° da Lei
9.613/98 (crimes de lavagem de capital); o art. 41 da Lei 11.343/06 (crimes de
drogas); os arts. 13 e 14 da Lei 9.807/99 (proteção de vítimas e testemunhas);
ou mesmo na hipótese do art. 159, §4° do CP (extorsão mediante sequestro).
54 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

11 CONCURSO DE CRIMES

CONCEITUAÇÃO E ESPÉCIES

O concurso de crimes ocorre quando o agente, mediante a prática de uma


ou mais condutas, incorre na prática de várias infrações (crimes ou contra-
venções), de uma mesma espécie ou não. De acordo com o que dispõe o
Código Penal, existem três espécies de concurso de crime: material (art. 69
do CP), formal (art. 70 do CP) e crime continuado (art. 71 do CP). Vejamos cada
uma delas:

a) Concurso material: quando há várias condutas (ações ou omissões)


produzindo vários resultados delitivos (vários crimes ou contravenções). E
veja que para o concurso material não há necessidade de que sejam delitos
de uma mesma espécie.

b) Concurso formal: quando há uma única conduta (ação ou omissão)


produzindo vários resultados delitivos (vários crimes). Este, por sua vez, pode
ser subdividido em:

b.1) Formal perfeito: quando há uma única vontade por parte do agen-
te; ou seja, ele tem um único desígnio criminoso, quer produzir um só
crime.

b.2) Formal imperfeito: quando há várias vontades, vários desígnios; ou


seja, o agente quer, com uma só conduta, praticar vários crimes.

Note que para haver um concurso formal de crimes, não é necessário que
os vários delitos sejam de uma mesma espécie.

c) Crime continuado: quando há várias condutas (ações ou omissões)


produzindo vários resultados delitivos (vários crimes), todos de uma mesma
espécie e com “nexo de continuidade delitiva”, vale dizer: mesmas condições
de tempo, lugar e modo de execução. Veja então, que nosso legislador consi-
dera o crime continuado uma verdadeira ficção jurídica.

P Por crimes de uma “mesma espécie”, entende-se: de mes-


ma tipificação, segundo jurisprudência dominante no STJ e
STF.
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 55

P Nada obstante, o indivíduo que faz da prática delitiva seu


modo de vida, sua profissão (a famosa “habitualidade crimi-
nosa”), segundo jurisprudência das Cortes Superiores, não é
merecedor da continuidade delitiva prevista no art. 71 do CP.

APLICAÇÃO DA PENA NOS CASOS DE CONCURSO

Existem dois critérios (dois sistemas) principais para a aplicação da pena


nas hipóteses de concurso de crime: o do “cúmulo da penas” (ou cumula ma-
terial) e o da “exasperação”. Para o primeiro critério, o Juiz deve aplicar a pena
de cada um dos crimes praticados pelo agente e, ao final, somar todos os
resultados obtidos para fixar a pena definitiva.

Já nos casos de exasperação, o Juiz aplica somente uma das penas ao réu
(dentre os vários crimes cometidos, o julgador pegará somente uma delas),
sempre a mais grave (o crime de pena maior), e sobre esta ele procederá uma
majoração (que pode variar de 1/6 a 1/2 ou de 1/6 a 2/3, dependendo do caso).

Assim, é de se firmar que nos casos de concurso material de crimes e nos


casos de concurso formal imperfeito, o critério a ser adotado é o do “cúmulo
das penas” (o Juiz deve somar as penas aplicadas).

Já nos casos de concurso formal perfeito e de crime continuado, o critério


é o da exasperação (o Juiz pega a pena maior e a majora: de 1/6 a 1/2 em ca-
sos de concurso formal; e de 1/6 a 2/3 em casos de crime continuado).

P O critério para definir o quantum da exasperação (maior ou


menor majoração nos casos do art. 70 e 71 do CP), nos termos
da jurisprudência do STJ, deve se balizar pelo número de cri-
mes praticados pelo agente: quanto mais crimes o agente pra-
ticou, maior a majoração, e vice-versa.

P Por outro lado, não podemos esquecer os casos (excepcio-


nais) de cúmulo mais benéfico ao réu. Isso porque, embora o
critério da exasperação tenha sido criado exatamente para be-
neficiar o réu em alguns casos, é de se ver que isso nem sem-
pre ocorrerá. E quando tal situação ocorrer, aplica-se a regra
do art. 70, § único do CP.
56 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

CRIME CONTINUADO ESPECÍFICO


Trata-se da hipótese prevista pelo art. 71, § único do CP. Assim, nos crimes
dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave amea-
ça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a
conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as cir-
cunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais
grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do
art. 70 e do art. 75 do CP.

MULTA NO CONCURSO DE CRIMES


Consoante dispõe o art. 72 do CP, no concurso de crimes, as penas de
multa são aplicadas distinta e integralmente. Ou seja, nos casos de concurso,
ignoram-se os critérios do cúmulo material e da exasperação, e aplicam-se
as várias multas isoladamente.

EXECUÇÃO DA PENA MAIS GRAVE


Nos termos do art. 76 do CP, no concurso de infrações, executar-se-á pri-
meiramente a pena mais grave. Ou seja, quando o agente, em concurso, co-
mete vários crimes de intensidades diferentes, o Juiz da Vara de Execuções
deve estar atento ao que dispõe o referido dispositivo, pois deverá fazer com
que o condenado cumpra, em primeiro lugar, a pena mais grave.

SUSPENSÃO DO PROCESSO E O CONCURSO DE CRIMES


Uma última questão a ser abordada, diz respeito à possibilidade de ofe-
recer a suspensão condicional do processo (benefício previsto no art. 89 da
Lei 9.099/95) para o agente que cometeu vários crimes com pena igual ou
inferior a um ano, em concurso. Sobre o tema, já há entendimento sumulado
dos Tribunais Superiores:

Súmula 723 do STF: “não se admite a suspensão condicional do pro-


cesso por crime continuado, se a soma da pena mínima da infração
mais grave com o aumento mínimo de um sexto for superior a um ano”.

Súmula 243 do STJ: “o benefício da suspensão do processo não é apli-


cável em relação às infrações penais cometidas em concurso mate-
rial, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima
cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ul-
trapassar o limite de um ano”.
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 57

12 TEORIA DA PENA

DA “SANÇÃO PENAL” ENQUANTO GÊNERO


Inicialmente, vale observar que a pena não é a única resposta que o
Estado, detentor exclusivo do jus puniendi, pode ofertar àquele que infringe
uma norma Penal. É certo que todo aquele que comete um crime ou contra-
venção deverá receber uma “sanção Penal” (gênero), da qual são espécies:
as penas (aplicáveis aos indivíduos imputáveis) e as medidas de segurança
(aplicável aos inimputáveis patológicos e perigosos).

Dito isso, pode-se definir a pena como sendo a consequência jurídica da


prática de um crime, a qual impõe aos seus autores uma restrição à bem jurí-
dico (liberdade, patrimônio, etc.), como forma de retribuição pelo mal que fez,
bem como para evitar que novas infrações sejam cometidas.

FINALIDADE DA PENA
Ao longo da história, a doutrina Penal fez questão de firmar várias justifica-
tivas para a existência e aplicação de uma pena. Neste afã, o discurso oficial
(aquele que é propagado pelos códigos) produziu três grandes teorias sobre
o tema: absolutas, relativas e mistas.

a) Teorias Absolutas: para os adeptos desta teoria, a pena é um instru-


mento de retribuição ao crime. Ou seja, ela traduz a ideia de expiação, de re-
paração, de compensação do mal que é um crime.

b) Teorias Relativas: para os adeptos desta teoria, a pena serve como


instrumento de prevenção delitiva. Veja que estas teorias buscam um sen-
tido social-positivo para a pena, partindo sempre do pressuposto que ela é
um instrumento de política-criminal destinado a atuar no mundo real. Assim,
ela sempre terá um fim maior a cumprir: a de prevenção (profilaxia) criminal.
Dentro desta lógica, é possível conceber duas perspectivas distintas de pre-
venção: a prevenção geral e a prevenção especial.

b.1) Prevenção geral: a pena é vista como instrumento destinado a atuar


(psiquicamente) sobre a generalidade dos membros da comunidade,
afastando-os da prática de crimes através da ameaça Penal instituída
pela lei, da realidade da aplicação judicial das penas e da efetividade
da sua execução.
58 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

b.2) Prevenção especial: aqui, a pena é vista como instrumento de


atuação preventiva sobre a pessoa do infrator propriamente dito, com
o fim de evitar que ele, no futuro, cometa novas infrações.

c) Teorias Mistas (unificadoras): buscam uma conciliação entre as


perspectivas anteriores, aduzindo que a pena serve para prevenir e reprimir
delitos. E foi exatamente esta a teoria adotada pela legislação Penal brasilei-
ra, conforme se verifica da parte final do art. 59 do CP.

P Por outro lado, é de se ver que, para além destes discursos


oficiais, a doutrina propaga uma série de discursos críticos,
como (por exemplo): a “crítica agnóstica” da pena feita por Nilo
Batista e Eugênio Zaffaroni; a “crítica dialética” feita por Ales-
sandro Barata, Melossi e Pavarini; a “crítica abolicionista” feita
por Louk Hulsman, dentre outras.

COMINAÇÃO DAS PENAS


É de se ver que o legislador prevê, para cada hipótese delitiva, ao menos
uma modalidade de pena a ser aplicada. Esta previsão abstrata é batizada de
cominação. Todavia, é certo que, em alguns casos, um mesmo fato poderá
ser punido com duas reprimendas (sem que isso importe em bis in idem, já
que foi uma opção do legislador pátrio). Assim, é possível verificar que as pe-
nas podem estar previstas de três formas:

i) isoladamente: quando o legislador prevê, de maneira abstrata, uma


única hipótese.

ii) cumulativamente: quando o legislador prevê, conjuntamente, duas


hipóteses.

iii) alternativamente: casos em que o legislador prevê duas hipóteses,


mas deixa para o Juiz escolher, no caso concreto, somente uma.

Ainda neste tocante, vale observar que o art. 53 do CP delimita que “as
penas privativas de liberdade têm seus limites estabelecidos na sanção cor-
respondente a cada tipo legal de crime”. Ademais, conforme aduz o artigo 54
do CP, “as penas restritivas de direitos são aplicáveis, independentemente de
cominação na parte especial, em substituição à pena privativa de liberdade,
fixada em quantidade inferior a um ano, ou nos crimes culposos”.
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 59

Por fim, de acordo com o artigo 58 do CP, “a multa, prevista em cada tipo
legal de crime, tem os limites fixados no art. 49 do CP e seus parágrafos”. E
mais: “A multa prevista no parágrafo único do art. 44 e no § 2º do art. 60 do CP
aplica-se independentemente de cominação na parte especial” (é o que diz o
parágrafo único do art. 58 CP).

DAS ESPÉCIES DE PENA


Nos termos do art. 32 do CP e art. 5°, XLVI da CF/88, fala-se em três espé-
cies de pena: as privativas de liberdade, as restritivas de direito e a multa.

A) Penas privativas de liberdade:

Delineada entre os arts. 33 a 42 e art. 53 do CP, bem como nos arts. 87


a 95 e arts. 105 a 146 da Lei 7.210/84 (LEP), é aquela que pressupõe a restri-
ção da liberdade ambulatorial do indivíduo. Segundo delimitação legislati-
va, existem três formas de privação: reclusão e detenção (para as hipóteses
de crimes) e prisão simples (para as contravenções penais, nos termos do
Decreto-lei 3.688/41). E aqui, vale destacar que as principais diferenças entre
reclusão e detenção são percebidas apenas diante das consequências prá-
ticas. Vejamos:

1ª) Quanto ao regime inicial de cumprimento da pena: os crimes pre-


vistos com reclusão poderão ter como regime inicial o fechado, semia-
berto ou aberto (dependendo da quantidade de pena que for aplicada
e da situação pessoal do réu); já os crimes punidos com detenção e
as contravenções punidas com prisão simples, nunca poderão ter o
regime fechado como inicial.

2ª) Quanto à possibilidade de regressão: não há dúvidas que alguém


que comete um crime punido com reclusão ou mesmo detenção, po-
derá ser regredido, no decorrer da execução, para o regime fechado
(caso, por exemplo, cometa uma falta grave); por outro lado, aquele
que foi punido com prisão simples nunca poderá ser regredido ao re-
gime fechado.

3ª) No caso de insanidade mental e medida de segurança: aquele que


praticou um crime punido com reclusão será submetido à internação
no hospital de custódia (medida de segurança detentiva); já aquele que
comete um crime punido com detenção, será submetido à simples tra-
tamento ambulatorial (medida de segurança restritiva, em regra).
60 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

4ª) Quanto à fiança: nos casos em que a fiança é cabível para que o
acusado responda ao processo em liberdade, entende-se que a au-
toridade policial somente poderá conceder fiança para as infrações
cuja pena máxima não ultrapasse 4 anos (ou seja, para a maioria dos
crimes punidos com detenção); sendo certo que, nos demais casos
(via de regra, os crimes punidos com reclusão), somente o Juiz poderá
arbitrar o valor – nos termos do art. 322 do CPP (já com a redação da
novel Lei 12.403/11).

5ª) Entre os efeitos extrapenais da condenação, está a incapacidade


para o exercício do poder familiar, o qual é aplicado exclusivamente
para os crimes punidos com reclusão (art. 92 do CP).

6ª) A interceptação telefônica só pode ser decretada quando se tratar


de crime de reclusão (art. 2°, III da Lei 9296/96).

7ª) Nos casos de concurso de crimes: como visto, primeiro deve ser
cumprida a pena mais grave (reclusão) e depois a menos grave (deten-
ção ou prisão simples).

B) Penas restritivas de direito:

No Código Penal, estão previstas entre os artigos 43 e 48. Na Lei de


Execuções Penais, entre os arts. 147 a 155. Estas são penas autônomas, re-
versíveis e aplicadas, vias de regra, em substituição às penas privativas de
liberdade. Por outro lado, vale destacar que existem crimes em que o legisla-
dor não prevê uma pena privativa de liberdade em abstrato (como ocorre, por
exemplo, nos casos de “usuário de drogas” – art. 28 da Lei 11.343/06).

Ocorre que são várias as espécies de pena restritiva de direitos, as quais


estão previstas no art. 43 do CP (em rol meramente exemplificativo):

i) Prestação pecuniária (art. 45, §1° e 2° do CP): consiste no pagamento


em dinheiro para a vítima, seus dependentes ou a entidade pública ou
privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, a qual
não pode ser inferior a um, nem superior a trezentos e sessenta salá-
rios mínimos. Anota-se que o valor pago será deduzido do montante de
eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os
beneficiários. Por fim, cabe ressaltar que se houver aceitação do bene-
ficiário, a prestação pecuniária pode consistir em prestação de outra
natureza.
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 61

ii) Perda de bens e valores (art. 45, §3° do CP): a perda de bens e va-
lores pertencentes aos condenados dar-se-á, ressalvada a legislação
especial, em favor do Fundo Penitenciário Nacional, e seu valor terá
como teto o montante do prejuízo causado ou do provento obtido pelo
agente ou por terceiro, em consequência da prática do crime (o que for
maior).

iii) Prestação de serviços à comunidade (art. 46 CP e arts. 149 a 150 da


LEP): é aplicável às condenações superiores a seis meses de privação
da liberdade, e consiste na atribuição de tarefas gratuitas ao conde-
nado, as quais serão realizadas em entidades assistenciais, hospitais,
escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, em progra-
mas comunitários ou estatais. As tarefas serão atribuídas conforme as
aptidões do condenado, devendo ser cumpridas à razão de uma hora
de tarefa por dia de condenação, fixadas de modo a não prejudicar a
jornada normal de trabalho. Mas vale observar que o próprio Código
Penal autoriza que a pena seja cumprida em menor tempo (porém
nunca inferior à metade da pena substituída - art. 46, §4° CP).

iv) Interdição temporária de direitos (art. 47 do CP e arts.154 e 155 da


LEP): são vários os direitos que podem, temporariamente, ser obstados
ao sujeito, tais como: proibição do exercício de cargo, função ou ativi-
dade pública, bem como de mandato eletivo; proibição do exercício de
profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial,
de licença ou autorização do poder público; suspensão de autorização
ou de habilitação para dirigir veículo; proibição de frequentar determi-
nados lugares; proibição de inscrever-se em concurso, avaliação ou
exame públicos (esta última hipótese, inclusive, foi incluída pela Lei n.º
11.250, de 15 de dezembro de 2011).

v) Limitação de final de semana (art. 48 do CP e arts. 151 a 153 da LEP):


consiste na obrigação de permanecer, aos sábados e domingos, por
cinco horas diárias, em casa de albergado ou outro estabelecimento
adequado, período no qual poderão ser ministrados ao condenado
cursos e palestras ou atribuídas atividades educativas.
Nada obstante, é de se firmar que a pena restritiva de direitos não
é aplicável para qualquer crime. Assim, as hipóteses de cabimento es-
tão previstas no art. 44 do CP: (1ª) nos crimes culposos; (2ª) nos crimes
dolosos + sem violência + com pena de até quatro anos de privação.
62 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

Ademais, é de se ver que em todas estas hipóteses, o Juiz deve antes


verificar as circunstâncias judiciais do agente (art. 59 do CP), para ver se
a substituição é recomendável ou não – é o que indica o art. 44, III do CP.
Tem-se, igualmente, que o tão só fato de o agente ser reincidente, não é
obstáculo à substituição (consoante aduz o art. 44, II c/c art. 44, §3° do CP);
salvo se ele for reincidente específico. Anota-se também que a operação de
substituição segue os termos do artigo 44, §2° CP.

P CUIDADO: a princípio, seria incabível a substituição da pena


privativa de liberdade pela restritiva de direitos em casos de
tráfico de entorpecentes, face ao disposto nos arts. 44 e 33, §4º
da Lei 11.343/06. Todavia, é de se ver que a atual jurisprudência
das Cortes Superiores, tem firmado entendimento em sentido
diverso. Firme-se que o STF já reconheceu a inconstitucionali-
dade desta vedação (HC nº 97.256/RS). E mais: o Senado Fede-
ral editou recentemente a Resolução nº 05/2012, suspendendo
a aplicabilidade desta proibição legal de substituição da pena.

C) Pena de multa:

Prevista entre os arts. 49 a 52 do CP, a pena de multa consiste na obriga-


ção de entregar ao Fundo Penitenciário Nacional a quantia fixada pelo Juiz na
sentença condenatória.

Tal quantia é calculada com base no critério do “dias-multa”, sendo o mí-


nimo de 10 e o máximo de 360 dias-multa (DM). E o valor de cada um dos DM
fixados também deverá ser definido pelo Juiz, que deve respeitar o parâmetro
mínimo de 1/30 do salário-mínimo vigente à época dos fatos, e o máximo de
cinco vezes o salário-mínimo.

Mas vale anotar que o valor máximo da multa pode ser majorado, em ca-
sos de abundante situação econômica do réu (art. 60, §1° CP). Assim como
Leis penais especiais podem disciplinar valores diferenciados.

Em relação ao quantum concreto da pena de multa, tem-se que o mes-


mo deve ser fixado pelo Juiz de acordo com a capacidade econômica do réu,
bem como de suas circunstâncias do art. 59 do CP (se favoráveis ou não). A
multa deve ser paga em até dez dias após o trânsito em julgado, sendo certo
que o sentenciado será intimado para tal fim. Se o sentenciado quitar a multa
na integralidade, sua pena restará extinta, pelo cumprimento.
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 63

Todavia, transcorrido o prazo legal e não havendo o pagamento dos va-


lores estipulados, tem-se que a multa será considerada dívida de valor, apli-
cando-se as normas relativas à dívida ativa da Fazenda Pública.

Por fim, se sobrevém doença mental ao indivíduo condenado a uma pena


de multa, a cobrança desta ficará suspensa até que o sentenciado se resta-
beleça (art. 52 do CP).

P Sobre a pena de multa, recomenda-se a leitura: da Súmula


171 do STJ (“Cominadas cumulativamente, em lei especial, pe-
nas privativas de liberdade e pecuniária, é defeso a substitui-
ção da prisão por multa.”); da Súmula 693 do STF (“Não cabe
“habeas corpus” contra decisão condenatória a pena de mul-
ta, ou relativo a processo em curso por infração penal a que a
pena pecuniária seja a única cominada”).

P Veja ainda o teor do art. 17 da Lei 11.340/06 (“É vedada a


aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra
a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação
pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o
pagamento isolado de multa”); bem como do art. 60, §2° c/c
art. 44, §2° do CP (que trata da multa substitutiva).

DAS PENAS PROIBIDAS


Consoante dispõe o artigo 5°, XLVII da CF/88, é expressamente proibida
a criação, aplicação e execução das seguintes penas: morte (salvo em caso
de guerra externa declarada), perpétuas, trabalhos forçados, banimento e
cruéis.

APLICAÇÃO DA PENA
Inicialmente, vale lembrar que o Juiz do processo deve individualizar a
pena em casos de condenação (nos termos do art. 5°, inciso XLVI da CF/88),
visto que o legislador prevê apenas limites mínimos e máximos em abstra-
to, os quais servem apenas de parâmetro para a quantificação em um caso
concreto. O critério que o Juiz seguirá para realizar a dosimetria da pena é
batizado de “critério trifásico”, que está definido no art. 68 do CP: inicialmente,
fixa-se a pena base; após, analisa as agravantes e atenuantes; por fim, as
causas de aumento e diminuição da pena.
64 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

E antes de fazer minuciosa análise de cada uma destas etapas, mister


ressaltar algumas regras gerais que orientam este critério:

1ª Regra: É proibida a dupla valoração, em desfavor do réu, de uma


mesma circunstância (vedação do bis in idem).

2ª Regra: Existe uma ordem cronológica das fases, a qual não pode
ser olvidada pelo Juiz, sob pena de nulidade da individualização da
pena (art. 564 do CPP).

3ª Regra: Existe uma hierarquia entre as fases: a última etapa é mais


prestigiada que a segunda, a qual é mais prestigiada que a primeira.

4ª Regra: Existem limites abstratos para fixação da pena (ou seja: mí-
nimos e máximos previstos pelo próprio legislador). Estes limites, que
poderão estar previstos no caput (preceito secundário da norma) ou
em parágrafos do tipo legal, servirão de patamar para o início da dosi-
metria. Fala-se, assim, de três figuras: a simples, a qualificada e a pri-
vilegiada.

5ª Regra: Cada etapa da dosimetria deve ser devidamente fundamen-


tada pelo Juiz, nos termos do art. 93, IX da CF/88.
Vejamos agora com cada uma das etapas do critério trifásico:

a) Pena base:

Para que o Juiz encontre a pena basilar, deverá analisar uma gama de cir-
cunstâncias conhecidas como circunstâncias judiciais, as quais estão pre-
vistas no rol taxativo do art. 59 do CP: culpabilidade, antecedentes, conduta
social e personalidade do agente; motivos, circunstâncias e consequências
do crime; bem como o comportamento da vítima.

Nota-se que o Código Penal não delimita quanto será o acréscimo ou re-
dução por cada circunstância judicial, ficando a cargo do Juiz fixar tal pata-
mar, em operação que deve ser sempre motivada (art. 93, IX da CF/88).

Por outro lado, é certo que o Magistrado deverá partir de algum patamar, e
este será (segundo corrente majoritária) o mínimo legalmente previsto para
o crime. Assim como ele deverá respeitar os valores mínimos e máximos pre-
vistos abstratamente pelo legislador, nos termos definidos pela Súmula 231
do STJ.
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 65

b) Pena intermediária:

Para que o Juiz encontre a pena intermediária, deverá analisar uma gama
específica de circunstâncias, chamadas circunstâncias legais, que são as
agravantes e atenuantes da pena. Sobre o tema, vale anotar que elas são de
incidência obrigatória (ressalvada eventuais hipóteses de bis in idem).

Ademais, cabe ressaltar que o rol previsto no Código Penal (arts. 61 a 66)
não é taxativo, pois Leis penais especiais podem trazer outras hipóteses
(como ocorre, por exemplo, com os arts. 14 e 15 da Lei 9.605/98). Por outro
lado, é certo que o Magistrado não pode inovar o rol das agravantes (sob
pena de ferir o princípio da legalidade – art. 1° do CP), embora possa inovar
em relação às atenuantes, por expressa autorização do art. 66 do CP.

Dito isso, anota-se as seguintes agravantes genéricas (art. 61 e 62 do CP):


reincidência; motivos do delito; conexão criminosa objetiva; modos de execu-
ção; meios de execução; relação de parentesco; abusos de poder em sentido
amplo; contra criança, maior de sessenta anos, enfermo ou mulher grávida;
quando o ofendido estava sob a imediata proteção da autoridade; em oca-
sião de incêndio, naufrágio, inundação ou qualquer calamidade pública, ou
desgraça particular do ofendido; em estado de embriaguez preordenada. Há
também as agravantes do concurso de agentes (já analisadas anteriormen-
te).

Quanto às atenuantes genéricas, os arts. 65 e 66 do CP arrolam as seguin-


tes hipóteses: ser menor de 21 anos na data do fato ou maior de 70 anos na
data da sentença; o desconhecimento da lei; ter o agente cometido o crime
por motivo de relevante valor social ou moral, procurado espontaneamen-
te evitar ou minorar suas consequências, ter cometido o crime sob coação
a que podia resistir, em cumprimento de ordem de autoridade superior, ou
sob a influência de violenta emoção (provocada por ato injusto da vítima); a
confissão espontânea; e, por fim, ter cometido o crime sob a influência de
multidão em tumulto, se não o provocou.

Veja, uma vez mais, que o Código Penal também não delimita quanto será
o acréscimo ou redução por cada circunstância legal, ficando a cargo do Juiz
uma vez mais tal definição. Mas é certo que, aqui, ele também deverá respei-
tar os patamares abstratos mínimos e máximos firmados em Lei (nos termos
da Súmula 231 do STJ). Ademais, deve observar que o art. 67 do CP firma algu-
mas circunstâncias como preponderantes.
66 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

E entre as preponderantes, encontra-se a figura da reincidência, a qual


ocorre quando o sujeito pratica um novo crime, depois de já ter sido con-
denado, com trânsito em julgado, por crime anterior (praticado no Brasil ou
no estrangeiro), e desde que não tenha decorrido o lapso temporal de cinco
anos da extinção da primeira pena. Isso porque, caso o agente tenha pratica-
do o novo crime após o período depurador, ele volta a ser primário (“tecnica-
mente primário”), embora agora ele ostente maus antecedentes.

Veja que para fins de reincidência não importa qual tenha sido a pena an-
teriormente imposta ao réu, nem mesmo se o crime foi doloso ou culposo,
desde que a mesma esteja devidamente comprovada nos autos. Por outro
lado, é certo que a reincidência não acompanha o agente por toda a sua vida.
Isso porque, existe um prazo limite para sua caracterização: um lapso tempo-
ral de 5 anos, contados da data da extinção da primeira pena, que é chamado
de “período depurador”.

Ademais, por força do disposto no art. 64, II do CP, não se presta a confi-
gurar reincidência, as condenações anteriores por crimes políticos (definidos
no art. 2° da Lei 7.170/83) e militares próprios (previstos no Código Penal mili-
tar). Ainda, por força do disposto no art. 7° do Decreto-lei 3.688/41 (LCP), não
se fala em reincidência se a infração anterior foi uma contravenção Penal e a
posterior for um crime.

Por fim, vale observar o teor da Súmula 444 do STJ: inquéritos policiais e
ações penais ainda em curso não se prestam a configurar a reincidência e
nem mesmo maus antecedentes (em homenagem ao princípio da presun-
ção de inocência).

c) Pena Definitiva:

Ao final da dosimetria, deverá o Juiz analisar as causas especiais de au-


mento e diminuição (hipóteses também conhecidas como majorantes e mi-
norantes), as quais estão sempre previstas na forma de fração.

Veja que as majorantes e minorantes não estão previstas em um rol espe-


cífico, estando esparsas pela legislação Penal. Dentre elas, é possível desta-
car algumas, a título de exemplo: art. 14, § único (reduz a pena de 1/3 a 2/3); art.
16 CP (reduz a pena de 1/3 a 2/3); art. 26, § único CP (reduz a pena de 1/3 a 2/3);
art. 28, §2° CP (reduz a pena de 1/3 a 2/3); art. 29, §1° CP (reduz a pena de 1/6 a
1/3); art. 157, §2° CP (aumenta a pena de 1/3 a 1/2).
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 67

Mas veja que nesta última etapa da dosimetria, como é o próprio legisla-
dor quem delimita o quantum de aumento ou diminuição, não se aplica o teor
da Súmula 231 do STJ.

P Sobre este tema, pertinente a leitura da Súmula 442 do STJ e


da Súmula 443 do STJ.

P Ainda sobre o tema, vale observar que a majorante prevista


no art. 9° da Lei 8.072/90 foi tacitamente revogada com o ad-
vento da Lei 12.015/09, pois tal circunstância estava diretamen-
te ligada à figura delitiva do art. 224 do CP, o qual foi revogado.

Por fim, anota-se que uma vez fixado o quantum da privativa de liberdade,
deve o Juiz firmar o regime inicial para o cumprimento da pena (o que será
trabalhado no capítulo pertinente da execução Penal).

REGIMES PRISIONAIS

Noções gerais:

Após a fixação da reprimenda definitiva, o Juiz sentenciante deverá fixar o


regime inicial para o cumprimento da pena privativa de liberdade. E aqui, vale
lembrar que os regimes prisionais são três: fechado, semiaberto e aberto. De
acordo com o disposto nos arts. 34 a 36 do CP, a principal diferença entre os
regimes supramencionados está no maior ou menor rigorismo para o cum-
primento da pena. Assim, a pena do regime fechado é cumprida em peniten-
ciárias; do regime semiaberto em colônias penais; e do regime aberto em
casas do albergado ou estabelecimentos congêneres.

Fixação do Regime Inicial:

O mesmo Juiz que proferiu a sentença condenatória será também o res-


ponsável por fixar o regime inicial para o cumprimento da reprimenda priva-
tiva. Para tanto, deverá levar em consideração uma série de fatores, dentre
os quais: a espécie de pena (se reclusão, detenção ou prisão simples), a na-
tureza do crime (se hediondo ou comum), a quantidade de pena fixada na
sentença, e a situação pessoal do réu (se primário ou reincidente; se de boas
circunstâncias judiciais ou não) – é o que indica o art. 33 do Código Penal.
68 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

Conjugando todas estas circunstâncias, chega-se à seguinte regra geral


sobre a fixação do regime inicial:

INICIAL Se a pena fixada pelo Juiz for superior a 08


FECHADO anos.
INICIAL Se a pena for superior a 04 e não exceda 08
SEMIABERTO anos + réu primário em crimes dolosos + os-
tentar circunstâncias judiciais preponderan-
temente favoráveis (art. 59 do CP).
INICIAL Se a pena for igual ou inferior a 04 anos + réu
ABERTO primário em crimes dolosos + ostentar cir-
cunstâncias judiciais preponderantemente
favoráveis (art. 59 do CP).

Mas essas regras comportam algumas exceções, a saber:

1ª exceção - Crimes punidos com detenção e contravenções penais: o re-


gime inicial nunca poderá ser o fechado – nos termos do art. 33, caput do CP
e art. 6° da LCP. Assim, deve o Juiz valer-se das mesmas regras acima citadas,
mas desconsiderando a possibilidade do inicial ser o fechado.

2ª exceção - Crimes hediondos e equiparados: nos termos do art. 2°, §1º da


Lei 8.072/90, tais crimes terão como regime inicial o fechado, sempre.

P CUIDADO: quanto ao tema, pertinente ressaltar que o STF


recentemente declarou, de maneira incidental (no julgamento
do HC n.º 111840, do dia 27 de junho de 2012), a inconstitucio-
nalidade do parágrafo 1º do artigo 2º da Lei 8.072/90. Ou seja:
reconheceu que a fixação obrigatória do regime inicial para
crimes hediondos é inconstitucional, por ferir o princípio da in-
dividualização da pena.

3ª exceção - Delação premiada na Lei de Lavagem de Capitais: de acordo


com o 1º, §5º da Lei 9.613/98, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços
e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto (facultando-se ao juiz deixar
de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos),
se o agente colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando es-
clarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identifica-
ção dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos
ou objeto do crime..
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 69

4ª exceção - Crime de tortura: nos termos do art. 1º, §7º da Lei 9.455/97,
o condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2º (“Aquele
que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las
ou apurá-las, incorre na pena de detenção de um a quatro anos”), iniciará o
cumprimento da pena em regime fechado.

5ª exceção - Delação premiada na Lei de Lavagem de Capitais: de acordo


com o 1º, §5º da Lei 9.613/98, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços
e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto (facultando-se ao juiz deixar
de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos),
se o agente colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando es-
clarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identifica-
ção dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos
ou objeto do crime.

SÚMULAS IMPORTANTES SOBRE O TEMA


(fixação do regime inicial):
Súmula 718 do STF: “A opinião do julgador sobre a gravidade
em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a
imposição de regime mais severo do que o permitido segundo
a pena aplicada”.
Súmula 719 do STF: “A imposição do regime de cumprimento
mais severo do que a pena aplicada permitir, exige motivação
idônea”.
SÚMULAS IMPORTANTES SOBRE O TEMA
(fixação do regime inicial):
Súmula 440 do STJ: “Fixada a pena-base no mínimo legal, é
vedado o estabelecimento de regime prisional mais gravoso
do que o cabível em razão da sanção imposta, com base
apenas na gravidade abstrata do delito”.
Súmula 269 do STJ: “É admissível a adoção do regime prisional
semi-aberto aos reincidentes condenados a pena igual ou
inferior a quatro anos se favoráveis as circunstâncias judiciais”.
Súmula 493 do STJ: “É inadmissível a fixação de pena
substitutiva (art. 44 do CP) como condição especial ao regime
aberto”.
70 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

DETRAÇÃO PENAL
Nos termos do art. 42 do Código Penal: “Computam-se, na pena privati-
va de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no
Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qual-
quer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior”.

Como visto, embora vigore em favor do réu o princípio da presunção de


inocência, é certo que ele pode permanecer preso durante a persecução cri-
minal em alguns casos.

E nestes casos, se ele vier a ser condenado a uma pena privativa de li-
berdade, todo o período em que ele permaneceu em cárcere provisório será
considerado como tempo de pena cumprido, inclusive para a obtenção
de eventuais benefícios da execução que dependam do tempo (como, por
exemplo, o livramento condicional e progressão de regime).

Anota-se que o respectivo cálculo de detração sempre foi operado pelo


Juiz da Vara de Execução Penal (nos termos do art. 66, III, ‘c’ da LEP), que, in-
clusive, poderia verificar a questão de ofício.

Todavia, é de se ver que com o advento da novel Lei n.º 12.736, de 30 de


novembro de 2012 (que deu nova redação ao art. 387, §2º do CPP – verbis:
“O tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no
Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de determinação do regi-
me inicial de pena privativa de liberdade”), entende-se que a detração pode
ser considerada pelo Juiz que proferir sentença condenatória.

LIMITES DA PENA
De acordo com o art. 75 do Código Penal, ninguém poderá ficar preso mais
do que trinta anos. E vale destacar que esse é um limite para a execução da
pena (e não para a aplicação).
Aqui, importante também resgatar o teor da Súmula 715 do STF: “A pena
unificada para atender ao limite de trinta anos de cumprimento, determinado
pelo art. 75 do Código Penal, não é considerada para a concessão de outros
benefícios, como o livramento condicional ou regime mais favorável de exe-
cução”.
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 71

13 MEDIDA DE SEGURANÇA

CONCEITUAÇÃO E NATUREZA JURÍDICA


Doutrinariamente, entende-se que a medida de segurança (MS) é o trata-
mento clínico imposto, como sanção, ao sentenciado que praticou uma in-
fração Penal quando era - por motivo de doença mental ou desenvolvimento
mental incompleto - inteira ou parcialmente incapaz de entender o caráter
ilícito do fato ou de se determinar de acordo com este entendimento.

Cabe anotar que a medida de segurança figura como espécie do gênero


sanção Penal, coexistindo com as penas. Assim, não se pode falar que a MS
seja uma medida de cunho meramente administrativo (fruto do “direito de
polícia”), pois possui verdadeira natureza jurídico-Penal: para além de estar
prevista no Código Penal (arts. 96 a 99 do CP), na Lei de execuções penais
(arts. 171 a 179 da LEP) e no Código de processo Penal (arts. 149 a 154 do CPP),
tem-se que ela somente pode ser aplicada pelo Juiz criminal, após a tramita-
ção regular do processo Penal.

SISTEMAS DE MS
É comum distinguir dois sistemas de MS: o sistema do duplo-binário e
o sistema vicariante. Para os defensores do primeiro sistema, é possível a
aplicação cumulativa de pena e medida de segurança (ou seja, um mesmo
caso poderia ser sancionado com pena + MS); já os defensores do sistema
vicariante entendem que não é possível a aplicação cumulativa de sanções,
de modo que o acusado receberá uma pena ou uma medida de segurança
(nunca as duas juntas). Veja que o Código Penal, após a Reforma de 1984,
encampou o sistema dualista vicariante, face à proibição do bis in idem.

DOS REQUISITOS PARA A MS


Aqui, cabe destacar que não basta que o agente seja doente mental, ou
que seja simplesmente um inimputável, para que se possa falar na aplicação
de uma medida de segurança. Assim, são requisitos para a medida:

a) que o agente seja inimputável ou semi-imputável por motivo de


doença mental ou desenvolvimento mental incompleto.
b) que seja constatada sua periculosidade criminal.
c) que o agente tenha praticado um injusto Penal.
72 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

ESPÉCIES DE MEDIDA DE SEGURANÇA

De acordo com o art. 96 do Código Penal, é possível verificar duas espé-


cies de medida de segurança: a “detentiva” e a “restritiva”.

1. Medida de segurança detentiva: é a mais grave das medidas, exata-


mente porque pressupõe a internação em hospital de custódia e tratamento
psiquiátrico (ou seja, nos antigos “manicômios judiciários”). Tal modalidade
de MS está prevista, obrigatoriamente, para os casos de crimes apenados
com reclusão (art. 96, I do CP). Mas também pode ser aplicada para os se-
mi-imputáveis, desde que comprovada a necessidade imperiosa da medida
mais grave face a exacerbada periculosidade (art. 97, caput c/c art. 98 do CP).
Nestes casos, o interno será submetido a avaliações periódicas (conforme
arts. 100 e 174 c/c art. 8º e 9º da LEP).

2. Medida de segurança restritiva: é a mais branda, e pressupõe a su-


jeição do agente ao tratamento ambulatorial. Tal modalidade é prevista para
os casos de crimes apenados com detenção, ou mesmo para crimes que
não prevêem pena privativa de liberdade (ex: usuário de drogas patológico).
Nesta, o agente pode ficar domiciliado em sua própria residência ou estabe-
lecimento clínico, e durante o dia será obrigado a se submeter a tratamento
médico.

REGIME JURÍDICO DA MEDIDA DE SEGURANÇA


A decisão que impõe ao réu uma medida de segurança também julga o
mérito, mas não possui natureza condenatória. Trata-se, pois, de uma “absol-
vição imprópria” (absolve, mas aplica uma sanção Penal: a MS).

Quanto aos prazos de duração, verifica-se que a Lei Penal não traz pre-
visão de um prazo máximo para duração da medida de segurança. Todavia,
existe um prazo mínimo de duração firmado no art. 97, §1° do CP, de 1 a 3 anos
(a critério do Juiz).

A perícia médica é obrigatória para a aplicação da MS e também para a


decretação de seu término. Assim, fala-se no “exame de verificação da ces-
são da periculosidade” (art. 97, §2° do CP c/c arts. 175 a 179 da LEP), o qual será
realizado, obrigatoriamente, ao término do prazo mínimo fixado pelo Juiz na
sentença. E caso não seja a medida revogada, tal exame deverá repetir-se
anualmente, até que a medida seja definitivamente extinta.
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 73

Caso a perícia indique a possibilidade de liberação do internado, tem-se


que a medida será extinta de forma condicional num primeiro momento. Isso
porque, nos termos do art. 97, §3° do CP, embora ele seja desinternado (em
casos de medida detentiva) ou liberado (em casos de medida ambulatorial),
durante o prazo de um ano subsequente, se ele praticar algum fato indicativo
de que sua periculosidade não esteja efetivamente cessada, ele retornará à
medida de segurança. Por outro lado, superado este lapso temporal de um
ano sem nenhuma manifestação de periculosidade no agente, a medida de
segurança será definitivamente extinta (art. 179 da LEP).

MEDIDA DE SEGURANÇA SUBSTITUTIVA


De acordo com o que dispõe a legislação pátria, é possível substituir uma
pena por uma medida de segurança em duas hipóteses. São elas:

a) para o semi-imputável perigoso: o art. 98 do CP possibilita que o juiz,


ao invés de aplicar uma pena reduzida, aplique uma medida de segu-
rança.
b) superveniência de doença mental após o trânsito em julgado (art.
682 do CPP): casos em que o sujeito era, ao tempo do fato, plenamente
imputável, mas sobreveio a doença mental (com a consequente inim-
putabilidade).

DIREITOS DO INTERNADO
Para além dos direitos gerais que são assegurados a qualquer cidadão,
bem como aqueles previstos na Lei de execuções penais, é de se ver que o
art. 99 do CP prevê que “o internado será recolhido a estabelecimento dotado
de características hospitalares e será submetido a tratamento”.

MEDIDA DE SEGURANÇA NA LEI DE TÓXICOS


O art. 45, § único da Lei 11.343/06, delimita que é isento de pena o agente
que, em razão da dependência, ou sob o efeito de droga proveniente de caso
fortuito ou força maior, era inteiramente incapaz de entender o caráter ilíci-
to do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, qualquer
que tenha sido a infração Penal praticada. Mas quando absolver o agente,
reconhecendo (por força pericial) que este apresentava à época do fato as
condições referidas no caput deste art. 45, poderá determinar o Juiz o seu
encaminhamento para tratamento médico adequado, ou seja: para a medida
de segurança.
74 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

14 PUNIBILIDADE

Como é de notório conhecimento, o Estado - ente soberano - é quem de-


tém o monopólio da aplicação do Direito. Neste sentido, é igualmente cer-
to que somente o Estado possui o poder de punir aquele que infringe uma
norma jurídica (só ele detém o jus puniendi). E é exatamente aí que entra o
tema punibilidade, enquanto possibilidade jurídica de impor uma sanção ao
infrator da norma Penal.

Toda vez que alguém infringe uma norma jurídico-Penal nasce para o
Estado a possibilidade de exercer, no plano concreto, o seu poder punitivo
contra o infrator. Contudo, cabe destacar que em determinadas situações,
previstas expressamente em Lei, o Estado pode abrir mão (ou mesmo perder)
o seu poder de punir o infrator da norma: fala-se então das causas de extin-
ção da punibilidade, as quais estão previstas no rol exemplificativo do art. 107
do Código Penal.

P Não confundir causas de extinção da punibilidade com “es-


cusas absolutórias” (são causas impeditivas do direito de pu-
nir, também firmadas por questões de política criminal – ex:
art. 181 do CP) ou mesmo com as “condições objetivas de pu-
nibilidade” (são condicionantes à punibilidade do agente; fato-
res ou condições externas à prática do delito, mas que podem
impedir o nascimento do jus puniendi estatal – ex: art. 180 da
Lei de falência).

CAUSAS DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE


Vejamos então as hipóteses de extinção previstas no art. 107 do Código
Penal:

a) Morte do agente:

Frente ao princípio da pessoalidade da pena (art. 5°, XLV da CF/88), ha-


vendo a morte do infrator, é certo que desaparece o interesse do Estado em
continuar a persecução e aplicar-lhe a sanção Penal. Assim, a morte extingue
a punibilidade do réu – art. 107, inciso I do CP.
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 75

Mas é certo que a morte do autor do crime somente gerará a extinção da


sua punibilidade após decisão fundamentada do Juiz, a qual deve ser prece-
dida da manifestação do Ministério Público (enquanto fiscal da lei).

E não só isso: a morte deve estar devidamente comprovada nos autos por
documento hábil (certidão de óbito oficial), nos termos do art. 62 do CP.

b) Anistia, graça e indulto:

A anistia é o esquecimento jurídico da infração. Segundo entendimento


doutrinário, diz respeito a fatos e não a pessoas, e é da competência do poder
legislativo (nos termos do art. 48, VIII da CF/88). Nos termos do art. 187 da LEP,
concedida a anistia, o Juiz, de ofício, a requerimento do interessado ou do
Ministério Público, por proposta da autoridade administrativa ou do Conselho
Penitenciário, declarará extinta a punibilidade.

A graça é o perdão individual (concedido a um agente). Por isso, diz-se


que a graça diz respeito não a fatos, mas sim a pessoas. A competência para
concessão é do chefe do poder executivo (art. 84, XII da CF/88), que o fará por
meio de decreto. E tal benesse é concedida para crimes comuns, pois tem
por objetivo corrigir injustiças ou rigor excessivo na pena aplicada, e só pode
ser concedida após o trânsito em julgado da condenação.

Já o indulto é o perdão coletivo (concedido a uma coletividade de pessoas


que se encontram em situação análoga). A competência também é do chefe
do poder executivo (art. 84, XII da CF/88), e é voltada para crimes comuns.

Por fim, segundo entendimento doutrinário, é possível distinguir duas


subespécies de indulto: o indulto total (que é aquele que gera a extinção da
punibilidade) e o indulto parcial ou comutação (que figura como mero bene-
fício da execução, sem extinguir a punibilidade – como ocorre nos casos de
‘indulto natalino’, por exemplo).

P NOTA: não é possível conceder nenhum destes benefícios


(indulto, graça e anistia) para os crimes hediondos e equipara-
dos, face ao disposto no art. 5°, XLIII da CF/88 e art. 2°, inciso I
da Lei 8.072/90.
76 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

c) Abolitio criminis:

É a descriminalização do fato (uma conduta que era típica e deixa de ser,


por expressas revogação legal). Vale lembrar que o art. 2°, § único do CP aduz
que a lei Penal benéfica ao réu pode retroagir à data dos fatos para agraciá
-lo. Assim, caso uma nova lei descriminalize a conduta (o que será benéfi-
co ao réu), restará extinta a punibilidade do agente – art. 107, inciso III do CP.

d) Decadência e perempção:

Nos termos do art. 107, inciso IV do CP, também extingue a punibilidade do


agente a decadência, a perempção e a prescrição (esta última será trabalha-
da ao final).

Decadência é a perda do direito de ação, face ao decurso do tempo.


Como se sabe, há casos em que o processo só poderá ser deflagrado com a
participação da vítima: são as hipóteses de ação Penal privada e ação públi-
ca condicionada a representação. Nestes casos, há um prazo de seis meses
para que a vítima oferte sua manifestação, a contar da data em que se toma
conhecimento de quem é autor do fato (art. 103 do CP e art. 38 do CPP). Assim,
caso o ofendido não apresente sua queixa crime ou representação dentro do
prazo legal, decairá seu direito de ação, gerando a extinção da punibilidade
do autor do crime.

Perempção é a perda do direito de prosseguir no exercício da ação Penal


face à inércia do querelante. Ocorre, pois, nos casos em que a vítima de um
crime de ação Penal privada, após ter interposto tempestivamente a queixa
crime, deixa de praticar (no curso da persecução judicial) algum ato impres-
cindível à continuidade do feito. E como o interesse maior na causa nestes
casos é do próprio ofendido, entenderá o Juiz que ele perdeu seu interesse no
processo, razão pela qual declarará a causa perempta e extinguirá a punibili-
dade do querelado. Mas é de se observar que a perempção é hipótese rara no
processo Penal, só podendo ser declarada nas hipóteses do art. 60 do CPP.

e) Renúncia e perdão do ofendido:

Nos termos do art. 107, inciso V do CP a renúncia do ofendido ao direito de


queixa ou de representação, bem como perdão aceito, nos crimes de ação
Penal privada, gera a extinção da punibilidade do autor do crime.
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 77

Renúncia do ofendido é a desistência do direito de queixa ou de repre-


sentação por parte da vítima, consoante se infere do art. 104 do CP e dos arts.
49 e 50 do CPP. Só é cabível nos crimes de ação Penal de iniciativa privada
(que depende de queixa) e nos crimes de ação Penal pública condicionada
(que depende de representação), pois somente nestes casos o processo
será iniciado pela vontade da vítima.

Trata-se de ato unilateral (não depende de mais ninguém, que não a pró-
pria vítima) e que pressupõe a vontade de não mover a ação contra o infrator
da norma, podendo ser expressa (art. 50 do CPP) ou tácita (art. 104, § único
do CP).

Já o perdão, como o próprio nome está indicando, é o ato pelo qual a víti-
ma perdoa o infrator. Mas este só é cabível nos crimes de ação Penal privada,
pois pressupõe que o processo já tenha sido inaugurado (já tenha oferecido
a queixa-crime) – conforme dispõe os arts. 105 e 106 do CP e arts. 51 a 59 do
CPP.

Trata-se de ato bilateral (pois depende da aceitação do indivíduo perdoa-


do para gerar efeitos), que não pode ser oferecido após o trânsito em julgado
da decisão de mérito, podendo também ser expresso ou tácito (tal qual ocor-
rida com a renúncia).

P Lembre-se que vigora na ação Penal (seja pública ou priva-


da) o princípio da indivisibilidade. Assim, havendo renúncia ou
perdão para um dos autores do crime, tal benesse automati-
camente se estende aos demais.

f) Retratação do agente:

É quando o autor do fato retifica o conteúdo ou corrige o significado de


declaração que o incriminava.

Ocorre que tal hipótese somente é possível nos casos expressamente


autorizados pela Lei, como ocorre, por exemplo: nos crimes de calúnia e di-
famação; nos crimes de falso testemunho e falsa perícia (art. 342, §2°do CP);
dentre outros. Trata-se de ato unilateral (só depende do agente que cometeu
a conduta, não havendo necessidade que a vítima aceite a sua retratação),
que deve ser feito diretamente nos autos, e que só pode ser realizado até a
prolação da sentença de primeiro grau (no Juízo a quo).
78 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

g) Perdão judicial:

Ocorre quando o Juiz (ou Tribunal) reconhece a existência do fato punível


na sentença ou acórdão, mas isenta o agente de pena: deixa de aplicar-lhe a
reprimenda. Só é cabível para alguns crimes, como por exemplo: art. 121, §5°
do CP, art. 129, §8° do CP, art. 29, §2° da Lei 9.605/98, art. 180, §5° do CP, dentre
outras.

E vale lembrar que, nos termos da Súmula 18 do STJ, a sentença conces-


siva do perdão judicial é declaratória da extinção da punibilidade, não sub-
sistindo qualquer efeito condenatório. Inclusive, não podemos olvidar o dis-
posto no art. 120 do CP: “A sentença que conceder perdão judicial não será
considerada para efeitos de reincidência”.

h) Prescrição Penal:

É a perda do direito de aplicar e/ou executar a sanção Penal, face ao de-


curso do tempo. Trata-se de um instituto de natureza material, que serve
como uma espécie de represália ao Estado, detentor do poder punitivo, que
não o exercitou dentro do prazo legalmente estabelecido para cada hipótese
delitiva. Lembre-se, também, que a prescrição é matéria de ordem pública, e
tão logo seja verificada, deve ser declarada pelo Juiz: não importe a fase em
que se encontra a persecução.

Frente ao que estabelece a legislação Penal, é possível firmar duas es-


pécies de prescrição: a prescrição da pretensão “punitiva” e a prescrição da
pretensão “executória”. A primeira é aquela que ocorre antes do trânsito em
julgado, enquanto a segunda ocorre depois.

E vale firmar que existem formas variadas de se verificar a caracterização


(ou não) da prescrição punitiva. São elas:

1. Prescrição abstrata: é calculada com base no máximo de pena pre-


vista abstratamente, pela Lei Penal, para o crime.

2. Prescrição retroativa: é aquela calculada com base na pena fixada


na sentença ou acórdão condenatório (ou seja, ignora-se a pena abs-
trata da lei, e toma-se como parâmetro o valor concreto estipulado na
decisão condenatória). O que a torna especial é o fato de que ela é ve-
rificada (calculada) da decisão condenatória para trás – por isso, inclu-
sive, ela é batizada de “retroativa”.
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 79

Neste tocante, é o teor da Súmula 146 do STF: “A prescrição da ação Penal


regula-se pela pena concretizada na sentença, quando não há recurso da
acusação”.

P Anota-se, por oportuno, que esta modalidade foi alvo de sig-


nificativa reforma legislativa (Lei 12.234/10) que alterou o art.
110, §1° do CP e lhe deu nova redação: “A prescrição, depois da
sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusa-
ção ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena
aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo
inicial data anterior à da denúncia ou queixa”.

3. Prescrição superveniente (“intercorrente”): também é calculada com


base na pena fixada na decisão condenatória (ou seja, ignora-se a pena abs-
trata da lei, e toma-se como parâmetro um valor concreto fixado na decisão),
mas esta é verificada da condenação para frente – por isso de seu nome:
superveniente.

P Destaca-se que só é possível falar em prescrição superve-


niente se já há trânsito em julgado para a acusação.

4. Prescrição executória: por fim, tem-se que a prescrição da pretensão


executória só pode ser calculada com base em um dado: a quantidade de
pena fixada em definitivo para o réu (na decisão que transitou em julgado).

Neste tocante, inclusive, vale ressaltar o teor da Súmula 604 do STF: “A


prescrição pela pena em concreto é somente da pretensão executória da
pena privativa de liberdade”.

Era uma forma de economia processual, pela qual se possibilitava ao Juízo


reconhecer a prescrição futura em determinada causa Penal, tomando como
parâmetro não a pena fixada em Lei ou mesmo a pena fixada em sentença,
mas uma pena hipotética (uma pena que possivelmente aplicar-se-ia a de-
terminado caso concreto; por isso do nome: “virtual”).

Ocorre que o STJ aprovou a Súmula 438, para rechaçar a hipótese de extin-
ção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento
em pena em perspectiva ou hipoteticamente considerada.
80 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

Cálculo da prescrição e contagem do prazo:

Para facilitar a compreensão, firmaremos, pari passo, o caminho a ser tri-


lhado para fins de calcular a prescrição diante de um caso Penal concreto.

1° passo: descobrir qual o prazo prescricional do crime: e aqui, há de se


chamar à voga o art. 109 do CP, pois ele traz uma “tabela dos prazos pres-
cricionais”, a qual será utilizada para calcular o prazo de qualquer uma das
hipóteses supra refervidas (seja para a prescrição abstrata, retroativa, super-
veniente e até mesmo para a executória).

2° passo: Início e fim da contagem: sabendo qual é o prazo prescricional


de cada hipótese delitiva (com base no art. 109 do CP), devemos agora pro-
ceder com a contagem deste prazo (exatamente para saber se há ou não
prescrição no caso concreto). Para tal, é imperioso saber o termo a quo (data
de início da contagem) e o termo ad quem (fim da contagem). Nos termos do
art. 111 do CP, a prescrição punitiva terá iniciada sua contagem:

a) do dia em que se consumou ou do dia em que cessou a atividade


criminosa nas hipóteses tentadas (data do fato);
b) no caso dos crimes permanentes, no dia em que cessou a perma-
nência;
c) nos crimes de bigamia e nos de falsificação ou alteração de assen-
tamento do registro civil, da data em que o fato se tornou conhecido;
d) nos crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes,
previstos neste Código ou em legislação especial, da data em que a
vítima completar 18 anos, salvo se a esse tempo já houver sido propos-
ta a ação penal. Já o termo final desta contagem dar-se-á na data do
trânsito em julgado.

Em relação à prescrição executória, o termo inicial será a data do trânsito


em julgado (para ambas as partes) e o prazo final na data da extinção defini-
tiva da pena (art. 112 do CP).

3° passo: verificar as causas que interrompem a contagem do prazo: uma


vez sabendo qual é o prazo prescricional do crime, e os termos de início e
fim da contagem, já é possível verificar se há ou não a prescrição no caso
concreto.
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 81

Ocorre que a contagem do prazo prescricional passará por alguns “obstá-


culos” no meio do caminho, pois existem causas que a interrompem (ou seja,
que paralisam a contagem e fazem com que o prazo seja reiniciado em sua
totalidade) – nos termos do art. 117 do CP, são causas interruptivas da prescri-
ção: o recebimento da denúncia ou da queixa; a pronúncia e a decisão confir-
matória da pronúncia (nos casos do Rito de Júri); pela publicação da senten-
ça ou acórdão condenatório recorrível; pelo início ou continuação do cum-
primento da pena e pela reincidência (nos casos de prescrição executória).

4° passo: verificar se há (ou não) alguma causa suspensiva ou modificati-


va da prescrição: é de se ver, ainda, que o curso da prescrição pode também
ser suspenso (paralisa a contagem e, quando a retomar, reinicia de onde ha-
via parado), de acordo com as hipóteses do art. 116 do CP:

a) na prescrição punitiva, enquanto não resolvida, em outro processo,


questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime; ou
enquanto o agente cumpre pena no estrangeiro;
b) na prescrição executória, durante o tempo em que o condenado
está preso por outro motivo.
Por fim, há que se destacar que existem hipóteses que modificam o prazo
prescricional (reduzindo-o ou aumentando-o):

a) na prescrição punitiva, o art. 115 do CP aduz que são reduzidos de


metade os prazos de prescrição quando o criminoso era, ao tempo do
crime, menor de vinte e um anos, ou, na data da sentença, maior de
setenta anos;
b) na prescrição executória, o art. 110, fine do CP, aduz que o prazo au-
menta de um terço se o condenado é reincidente.

5° passo: proceder com a contagem: no caso da prescrição punitiva, ini-


cia-se na data do fato e conta-se o prazo descoberto até a data do recebi-
mento da denúncia ou queixa (se ultrapassou o prazo encontrado, com base
na tabela do art. 109 do CP, quer dizer que houve a prescrição; do contrário,
quer dizer que ainda não houve a prescrição), desta até a data da publica-
ção da sentença/ acórdão condenatório (se ultrapassou o prazo encontrado,
com base na tabela do art. 109 do CP, quer dizer que houve a prescrição; do
contrário, quer dizer que ainda não houve a prescrição), e desta até a data do
trânsito em julgado.
82 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

No caso da prescrição executória, a situação é mais simples: basta pegar


a pena em concreto e aplicar a tabela do art. 109 do CP; descoberto o prazo,
e encontrando-se o réu em liberdade, tem-se que o Estado terá aquele lapso
temporal descoberto para capturar o sentenciado e fazer com que o mesmo
cumpra sua reprimenda (se não conseguir, terá ocorrido a prescrição execu-
tória).

P Lembre-se que a fuga do réu interrompe a prescrição exe-


cutória. Assim, caso o agente se encontre cumprindo sua
reprimenda, quer dizer que o Estado já está exercendo a sua
pretensão executória contra ele. Todavia, caso ele empreenda
fuga, reabre o prazo prescricional, o qual deverá ser recalcu-
lado (agora, tomando como base a quantidade de pena que
restava cumprir).

Tópicos relevantes sobre a prescrição:

1. Crimes imprescritíveis: nos termos do art. 5°, XLII e XLIV da CF/88, exis-
tem duas hipóteses delitivas que não se submetem às regras de prescrição.
São eles:

a) a prática de racismo (Lei 7.716/89).


b) ação de grupos armados civis ou militares contra o Estado Demo-
crático e a Ordem Constitucional (previsto na Lei de Segurança Nacio-
nal – Lei 7.170/83)..

2. Prescrição da pena restritiva de direitos: nos termos do art. 109, § único


do CP, “aplicam-se às penas restritivas de direito os mesmos prazos previstos
para as privativas de liberdade”. Ou seja, a prescrição de uma pena restritiva
(art. 43 do CP) segue a mesma sorte das penas privativas de liberdade.

3. Prescrição da pena de multa: neste tocante, o art. 114 do CP disciplina


duas situações

a) se a multa for aplicada isoladamente, a prescrição ocorre em 2 anos;


b) agora, se a multa for aplicada cumulativamente, o prazo de prescri-
ção será o mesmo da pena privativa de liberdade.
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 83

4. Prescrição e concurso de crimes: quanto ao tema, o art. 119 do Código


Penal disciplina que “no caso de concurso de crimes, a extinção da punibili-
dade incidirá sobre a pena de cada um, isoladamente” – ou seja, ignoram-se
os critérios do cúmulo material e da exasperação, e calcula a prescrição de
cada um dos crimes, per si.

5. Prescrição e medida socioeducativa (art. 112 da Lei 8.069/90 - ECA): nos


termos da Súmula 338 do STJ, a prescrição Penal é aplicável nas medidas
sócio-educativas.

6. Prescrição nos crimes sexuais contra menores: a contagem da pres-


crição nos crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes, só
se inicia na data em que a vítima completar 18 anos, salvo se a esse tempo
já houver sido proposta a ação Penal – alteração trazida pela recente Lei nº
12.650, de 17 de maio 2012.

7. Prescrição antecipada (“virtual” ou “em perspectiva”): tal hipótese é a


única que nunca encontrou amparo legislativo. Tratava-se de uma criação
doutrinária, e que durante muito tempo foi aceita na jurisprudência pátria.

Era uma forma de economia processual, pela qual se possibilitava ao Juízo


reconhecer a prescrição futura em determinada causa penal, tomando como
parâmetro não a pena fixada em Lei ou mesmo a pena fixada em sentença,
mas uma pena hipotética (uma pena que possivelmente aplicar-se-ia a de-
terminado caso concreto; por isso do nome: “virtual”). Ocorre que o STJ apro-
vou a Súmula 438, para rechaçar a hipótese de extinção da punibilidade pela
prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena em perspectiva
ou hipoteticamente considerada.
84 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

15 CRIMES CONTRA A PESSOA

INTRODUÇÃO
Antes de iniciar essa abordagem, cabe ressaltar que esta apostila não
visa trabalhar com todos os crimes da parte especial e suas particularidades
intrínsecas (até porque, o espaço seria demasiado restrito para todas as pos-
síveis premissas).

O objetivo, portanto, é passar ao candidato uma percepção dos tópicos


mais cobrados sobre os crimes em espécie, dando especial ênfase para al-
gumas figuras.

HOMICÍDIO

Classificação jurídica:

Trata-se de crime de forma ou ação livre (pode ser praticado por qualquer
meio), comissivo (pressupõe uma ação; ou então, para quem está na posição
de garante, uma abstenção: casos de comissão por omissão), comum (não
exige qualidade especial alguma do sujeito ativo), material (exige o resultado
naturalístico para a efetiva consumação: morte do sujeito passivo), de dano
(exige lesão ao bem tutelado: a vida), instantâneo (seu resultado ocorre ins-
tantaneamente, sem prolongar-se no tempo; embora suas consequências
subsistam eternamente quando consumado – por isso, inclusive, a doutrina
diz que ele é um crime “instantâneo, mas de efeitos permanentes”), unissub-
jetivo ou de concurso eventual (admite cometimento por uma só pessoa ou
várias, em concurso) e plurissubsistente (seu iter permite fracionamento).

Em regra, é um crime doloso, mas admite a figura culposa (art. 121, §3°); e é
certo que nesta última hipótese o Juiz poderá conceder o perdão judicial ao
acusado (art. 121, §5º).

A figura também prevê causas especiais de diminuição da pena (art. 121,


§1° do CP; e note-se que todas estas hipóteses são de natureza subjetiva),
qualificadoras do crime (art. 121, §2° do CP) e causas especiais de aumento da
pena (art.121, §4° do CP).

Veja, por fim, que a Lei nº 12.720, de 27 de setembro de 2012 (que dispôs
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 85

sobre o crime de extermínio de seres humanos), trouxe nova majorante para


o crime, no art. 121, §6º do CP (verbis):

“A pena é aumentada de um terço até a metade se o crime for pratica-


do por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segu-
rança, ou por grupo de extermínio.

P Nas lições de Cezar Roberto Bitencourt: “extermínio” é a ma-


tança generalizada, é a chacina que elimina a vítima pelo sim-
ples fato de pertencer a determinado grupo ou determinada
classe social ou racial. Caracteriza-se a ação de extermínio
mesmo que seja morta uma única pessoa, desde que se apre-
sente a impessoalidade da ação, ou seja, pela razão exclusiva
de pertencer ou ser membro de determinado grupo social, éti-
co, econômico, étnico, dentre outros.

Tópicos a serem observados sobre o crime de homicídio:

1. Não há incompatibilidade, ab initio, entre o dolo eventual e as qualifica-


doras do homicídio. Assim, por exemplo, é aceitável que um agente, mesmo
tendo um motivo torpe, assuma o risco de produzir o resultado.

2. É admissível a ocorrência de homicídio que seja, ao mesmo tempo, pri-


vilegiado e qualificado. Mas isso só será possível quando a qualificadora seja
de natureza estritamente objetiva.

3. Lembre-se que se um agente, com intenção de matar outrem (animus


necandi), desfere vários golpes contra seu desafeto, ainda assim estará co-
metendo um crime único: é o que se chama de “crime progressivo”.

4. As hipóteses qualificadoras do crime de homicídio são previstas em rol


taxativo. Deste modo, a ausência de um motivo específico, no homicídio, não
pode ser interpretado como motivo fútil, razão pela qual o crime não restará
automaticamente qualificado.

5. Lembre-se que o homicídio privilegiado não é considerado crime he-


diondo em hipótese alguma; mesmo que ele seja, ao mesmo tempo, quali-
ficado.
86 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

INDUZIMENTO, INSTIGAÇÃO OU AUXÍLIO AO SUÍCIDIO (ART. 122 DO CP)


Trata-se de crime comum, de forma livre, doloso, comissivo, de dano, ma-
terial, instantâneo, unissubjetivo e plurissubsistente.

É uma figura pouco explorada nas provas, razão pela qual se recomenda
simples leitura do dispositivo legal.

Apenas duas questões merecem atenção neste tocante: (a) se alguém


induzir outrem ao suicídio, e este efetivamente tenta tirar a própria vida, mas
não consegue, é certo que o induzidor responderá pelo art. 122 do CP na for-
ma consumada, e não tentada; (b) para a ocorrência do crime de induzimen-
to, instigação ou auxílio ao suicídio, entende-se ser indispensável que a ví-
tima seja determinada e tenha capacidade de discernimento (sob pena de
haver outra figura delitiva).

INFANTICÍDIO (ART. 123 DO CP)

Classificação jurídica:

Trata-se de crime de forma ou ação livre (pode ser praticado por qualquer
meio), próprio (requer qualidade especial do sujeito ativo: deve ser praticado
pela parturiente), material (consuma-se com o resultado naturalístico: morte
do filho), de dano ou lesão (exige lesão ao bem tutelado), instantâneo de efei-
tos permanentes (seu resultado ocorre instantaneamente, sem prolongar-se
no tempo; embora suas consequências subsistam perenemente), unissub-
jetivo ou de concurso eventual (admite cometimento por uma só pessoa ou
várias, em concurso) e plurissubsistente (seu iter permite fracionamento).

Por fim, tem-se que é um crime punido a título exclusivamente doloso.

Tópicos a serem destacados sobre o crime de infanticídio:

1. O estado puerperal (estado biológico/psicológico em que a mãe se en-


contra durante ou logo após o parto) é um elemento normativo do tipo, que o
juiz deverá valorar no caso concreto.

2. Participação: é admitida na figura; e a circunstância pessoal – o estado


puerperal - nesse caso se comunica por ser elementar do tipo.
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 87

3. Se a parturiente em estado puerperal, por erro, mata o filho de outrem


(não o seu próprio), ainda assim vai responder por infanticídio, pois devem ser
consideradas as qualidades da vítima virtual – é uma hipótese de erro de tipo
acidental sobre a pessoa (art. 20, § 3º CP).

4. Não se pode confundir o infanticídio como crime de abandono de re-


cém-nascido com resultado morte (art. 134, § 2º CP). O primeiro é um crime
doloso e de dano contra a vida (vai para Júri); já o segundo é crime doloso
de perigo, que trata da periclitação da vida ou saúde (não vai a Júri) e onde a
morte é provocada culposamente.

5. No delito de infanticídio, não pode incidir a agravante prevista no art. 61,


II, ‘e’ do CP (consistente no fato de a vítima ser descendente da parturiente),
pois seria bis in idem.

ABORTO (ARTS. 124 A 128 DO CP)

Classificação jurídica:

São crimes de forma ou ação livre (podem ser praticados por qualquer
meio); segundo corrente majoritária, será crime de mão-própria na hipótese
do art. 124 do CP (pois só a gestante pode cometê-lo, e mais ninguém ) e co-
mum nas figuras dos arts. 125 e 126 (qualquer um pode realizar); são também
crimes materiais (consuma-se com o resultado naturalístico: morte do feto),
de dano ou lesão (exige lesão ao bem tutelado), instantâneos de efeito per-
manente (seu resultado ocorre instantaneamente, sem prolongar-se no tem-
po; embora suas consequências subsistam perenemente), unissubjetivos ou
de concurso eventual (admite cometimento por uma só pessoa ou várias, em
concurso) e plurissubsistentes (seu iter permite fracionamento).

Tem-se, ainda, que se trata de crimes punidos a título exclusivamente


doloso (assim, o aborto espontâneo, natural ou acidental não é criminoso).
Ademais, vê-se que o parágrafo único do art. 126 CP figura como uma hipó-
tese qualificadora (mas apenas do aborto provocado por terceiro com o con-
sentimento), aplicável para as hipóteses de a gestante não ser maior de 14
anos, alienada mental, ou se o consentimento for obtido mediante fraude,
grave ameaça ou violência.

Por fim, tem-se que o art. 127 do CP traz figuras qualificadas para o aborto
provocado por terceiro, nos casos em que o fato resulta em lesão corporal ou
morte da gestante.
88 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

Tópicos a serem destacados sobre os crimes de aborto:

1. Aborto impunível (hipóteses do art. 128 do CP): não se pune o abor-


to praticado por médico, mesmo que ele não tenha a expressa autorização
judicial (OBS: e se for enfermeira, parteira ou qualquer outra pessoa, pode-se
falar em estado de necessidade), em duas hipóteses:

(a) para salvar a vida da mãe (casos em que, inclusive, não há neces-
sidade nem mesmo do consentimento dela; são os casos de “aborto
necessário”);

(b) ou se a gravidez resultar de estupro e houver consentimento da


gestante ou do seu representante legal (é o que se chama de “aborto
sentimental”).

2. Aborto eugênico: é aquele realizado quando os exames pré-natais


demonstram que o filho nascerá com alguma anomalia. Não é permitido por
nossa legislação (ou seja, haverá crime).

Atualmente, em casos extremamente excepcionais, pode ser verificado


em exames que comprovam que a anomalia é tamanha, que o feto não re-
sistirá após o nascimento – aí entra as hipóteses, por exemplo, de “feto anen-
cefálico” (casos em que o feto não possui atividade cerebral). Em relação a
esse último caso, inclusive, o STF se pronunciou quando do julgamento da
ADPF n.º 54, Relatada pelo Ministro Marco Aurélio, ocasião em que permitiu a
realização do aborto de maneira lícita.

3. Como visto, a gestante que deseja fazer o aborto em si respon-


derá como autora do art. 124 do CP (isso é pacífico). Já o colaborador da
gestante na ação criminosa será enquadrado no art. 126 do CP, em um tipo
próprio. Isso porque, sendo o art. 124 um crime de mão-própria, não se admite
coautoria delitiva, sendo possível somente falar em participação. Veja, pois,
que essa situação figura como exceção à teoria monista que rege o concur-
so de pessoas (art. 29, caput do CP): com efeito, a gestante que concorda
com o aborto responderá pelo art. 124, enquanto o terceiro que colabora com
ela como coautor responderá pelo crime do art. 126 (repita-se: coautores res-
pondem por crimes diferentes nestes casos). Já a participação, como dito, é
possível no caso do art. 124 (aquele que induz, instiga ou auxilia moral ou ma-
terialmente) - permanecendo vigorante a teoria monista neste tocante.
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 89

4. Casos concretos para analisar:

(a) se um namorado leva a namorada para praticar um aborto, ele será


tido como partícipe do crime previsto no art. 124 do CP;

(b) se o namorado convence a namorada a praticar o aborto, ele ainda


será tido como partícipe do art. 124 do CP;

(c) contudo, se ele pagar alguém para realizar o aborto, mesmo com
o consentimento da namorada, a jurisprudência dominante entende
que ele passa a responder pelo crime previsto no art. 126 do CP (afinal,
sem a sua atuação, o médico não teria praticado o fato);

(d) a grávida que tenta suicídio, e sendo o suicídio frustrado, caso haja a
morte do feto ela responderá pelo auto-aborto (art. 124 do CP).

LESÕES CORPORAIS (ART. 129 DO CP)

Classificação jurídica:

Trata-se de crime de forma ou ação livre, comum (vez que não se exige
qualidade especial do sujeito ativo), material, de dano ou lesão, instantâneo
(seu resultado ocorre instantaneamente, sem prolongar-se no tempo), unis-
subjetivo e plurissubsistente (seu iter permite fracionamento). Trata-se de
um crime em regra doloso, mas que também admite a figura culposa (art.
129, §6°), na qual, inclusive, se permite a concessão do perdão judicial (art. 129,
§8°). Há a previsão de qualificadoras se a lesão corporal for considerada de
natureza grave ou gravíssima (art. 129, respectivamente nos §1° e §2° do CP),
se resultar em morte da vítima (art. 129, §3° do CP – caso de crime preterdo-
loso), ou se tratar de lesão decorrente de violência doméstica (art. 129, §9°).
Ademais, há a previsão de causas especiais de diminuição da pena (art. 129,
§4°) e de causas especiais de aumento (art. 129, §7° e §§10° e 11° do CP). Por fim,
há casos de lesão leve em que o Juiz pode substituir a pena de detenção pela
pena de multa (art. 129, §5°).

Veja que a novel Lei nº 12.720, de 27 de setembro de 2012 (que dispôs sobre
o crime de extermínio de seres humanos), trouxe nova majorante para o cri-
me, no art. 129, §7º do CP (verbis): “Aumenta-se a pena de um terço se ocorrer
qualquer das hipóteses dos §§ 4º e 6º do art. 121 do CP (se o crime for pratica-
do por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança,
ou por grupo de extermínio)”.
90 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

Tópicos a serem destacados sobre o crime de lesão corporal:

1. Lembre-se que se trata de infração material que deixa vestígio, as-


sim, deve haver exame de corpo de delito.

2. Ação Penal: com o advento da Lei 9.099/95, a ação Penal passou a


ser pública condicionada à representação do ofendido nos casos de lesão
corporal leve e de lesão culposa (art. 88 da Lei do JECrim).

3. Estatuto do torcedor: a Lei 12.299/10, em seu art. 41-B, pune com re-
clusão de um a dois anos quem pratica violência em evento esportivo ou nas
proximidades do estádio em dia de jogo (raio de 5km). Embora não haja juris-
prudência farta sobre o tema, melhor entendimento é de que, em havendo a
lesão, o crime mais grave absorve o mais leve.

4. Consentimento do ofendido: A doutrina moderna reconhece que


a incolumidade pública passou a ser relativamente disponível, pois a ação
passou a depender da representação da vítima após o advento da Lei dos
Juizados Especiais, de modo que a vítima poderá renunciar à sua integridade
física ou à sua saúde, na modalidade de lesão leve apenas.

PERICLITAÇÃO DA VIDA E DA SAÚDE E RIXA (ARTS. 130 A 136 E ART. 137


DO CP)
Tais crimes não são de grande incidência, razão pela qual se recomenda
simples leitura do texto de Lei.

Entre eles, encontra-se a figura do “perigo de contágio venéreo” (art. 130


– é crime próprio, de forma vinculada, de perigo concreto, doloso, comissi-
vo, instantâneo, unissubjetivo e plurissubsistente), “perigo de contágio de
moléstia grave” (art. 131 - é crime próprio, doloso, formal, comissivo, de forma
livre, instantâneo, unissubjetivo, plurissubsistente e de dano), “perigo para a
vida ou saúde de outrem” (art. 132 – é crime comum, de perigo concreto, dolo-
so, comissivo, de forma livre, subsidiário, instantâneo, unissubjetivo e pluris-
subsistente), “abandono de incapaz” (art. 133 – é crime próprio, de perigo
concreto, doloso, de forma livre, comissivo, unissubjetivo, plurissubsistente
e instantâneo), “exposição ou abandono de recém-nascido” (art. 134 - é crime
próprio, de perigo concreto, doloso, de forma livre, comissivo, instantâneo,
unissubjetivo e plurissubsistente) e a “omissão de socorro” (art. 135 – é cri-
me comum, de perigo concreto, doloso, de forma livre, omissivo, instantâneo,
unissubjetivo, podendo ser unissubsistente ou plurissubsistente).
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 91

Art. 135-A do CP: “Condicionamento de atendimento médico-hospitalar


emergencial” (exigir cheque-caução, nota promissória ou qualquer garan-
tia, bem como o preenchimento prévio de formulários administrativos, como
condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial). Trata-se de
uma novatio in legis incriminadora, incluída pela Lei nº 12.653, de 2012, a qual
visa coibir uma prática que, infelizmente, é bastante comum em vários hos-
pitais e centros de saúde no país. Nada mais é do que uma nova forma de
omissão de socorro, praticada mediante o condicionamento de atendimento
médico hospital emergencial.

O crime de “maus-tratos” (art. 136 – é crime próprio, de perigo concre-


to, doloso, de forma vinculada, comissivo, instantâneo e excepcionalmente
permanente, unissubjetivo e plurissubsistente). E, por fim, fala-se também do
“crime de rixa” (art. 137 do CP – é crime comum, de perigo concreto, doloso, de
forma livre, comissivo, instantâneo, plurissubjetivo de condutas contrapos-
tas e plurissubsistente).

CRIMES CONTRA A HONRA


(ARTS. 138 A 145 DO CP)

Classificação jurídica:

São crimes de forma livre, comuns, formais (o resultado naturalístico pode


não ocorrer, e ainda assim o crime estará consumado – a efetiva ofensa não
precisa ser percebida pelo agente), de dano, instantâneos, unissubjetivos e,
via de regra, unissubsistentes (o iter não permite fracionamento; embora, de-
pendendo da forma que venha a ser praticado, pode também ser plurissub-
sistente). Trata-se de crimes punidos exclusivamente a título doloso.

Distinções:

A calúnia (art. 138) e a difamação (art. 139) consagram uma ofensa à honra
objetiva (aquilo que a coletividade pensa sobre o indivíduo; ou seja, sua re-
putação, o bom nome que possui perante o grupo social), enquanto a injúria
(art. 140) consagra uma ofensa à honra subjetiva (aquilo que o indivíduo pen-
sa sobre si, seus atributos físicos, morais ou intelectuais).
92 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

Ademais, é de se ver que na calúnia e na difamação, sempre haverá a ir-


rogação de um fato certo, concreto e determinado – no caso da calúnia, a
imputação falsa é de uma prática delitiva (de um fato típico), enquanto que
na difamação é de um fato desonroso. Por outro lado, na injúria, irroga-se um
fato abstrato, vago, uma qualidade negativa do ofendido.

Por fim, quanto à possibilidade ou não de opor a “exceção da verdade” (ou


seja: possibilidade de o agente provar que as alegações ofertadas são verídi-
cas), tem-se que a mesma é sempre cabível no crime de calúnia; já no crime
de difamação, só é cabível quando a ofensa dirige-se ao funcionário público
e desde que o seja em razão de sua função; e no crime de injúria não cabe
nunca.

Tópicos a serem destacados sobre os crimes contra a honra:

1. Crimes contra honra via Imprensa: segundo o entendimento do STF


(na votação da ADPF n.°130-7), a Lei 5.250/67 (Lei de imprensa) não foi recep-
cionada pela CF/88 na parte que trata dos crimes. Assim, as ofensas à hon-
ra perpetradas por meio de imprensa restarão punidas por meio das figuras
previstos no Código Penal (arts.138 a 140), exceto em caso de crime cometido
na imprensa, em propaganda eleitoral, cuja Lei 4.737/67 dispõe de tipo espe-
cífico para o fato.

2. Consentimento do ofendido: a regra geral aplicável aos crimes con-


tra a honra é de que o consentimento do ofendido exclui o crime. Trata-se a
honra como bem disponível em nosso ordenamento. Em caso de consenti-
mento dado por representante legal, não haverá a exclusão do crime, pois a
honra é de caráter personalíssimo.

3. Calúnia x denunciação caluniosa: na calúnia o agente visa atingir


a honra objetiva da vítima, imputando-lhe falsamente um crime perante as
outras pessoas. Na denunciação caluniosa, a conduta é mais grave, pois o
agente quer prejudicar a vítima perante as autoridades constituídas, dando
causa à investigação criminal, administrativa ou até mesmo à ação Penal. É
um crime contra a administração da justiça (art. 339 do CP).

4. Veja que o crime de injúria permite o perdão judicial (art. 140, §1°
CP), vez que a injúria pode ter sido provocada pelo ofendido diretamente ou a
ofensa tenha decorrido de reação imediata (o revide).
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 93

5. Injúria real: cuida-se de figura qualificada do crime de injúria, prevista


no art. 140, §2º do CP, onde o agente ofende a honra subjetiva da pessoa por
meio de agressão física. Para que se consume nesse tipo Penal, é necessário
que a agressão tenha sido humilhante, ofendendo a honra subjetiva da vítima
em razão da natureza do ato ou do meio empregado. Se da violência resulta
lesões leves, as penas devem ser somadas (concurso formal). Lembrando
ainda que, nesta hipótese, caso resulte lesão corporal da violência, a ação
torna-se pública incondicionada (art. 145 do CP).

6. Injúria racial ou preconceituosa. Trata-se de mais uma qualificadora


da injúria em razão da ofensa que intentar contra a honra subjetiva da pes-
soa, motivada por discriminação de qualquer ordem, atingindo, o bem jurídi-
co da igualdade (art. 140, §3° do CP). Mas este crime não se confunde com o
crime de racismo da Lei 7.716/89.

7. Disposições comuns aos crimes contra honra:

(a) Causas de aumento de pena (art. 141, incisos I a IV e parágrafo único);


(b) Excludentes do crime (art. 142 do CP). Mas vale destacar que o Códi-
go trata de hipóteses em que a injúria ou a difamação são impuníveis,
razão pela qual tais hipóteses não se aplicam aos casos de calúnia;
(c) Retratação (com previsão no art. 143 do CP, trata-se de causa extin-
tiva da punibilidade, nos termos do CP, art. 107, VI);
(d) Pedidos de explicações em juízo (consoante dispõe o art. 144 do CP);
(e) Ação Penal. Nos crimes previstos neste capítulo, a regra geral é de
que a ação Penal será sempre privada, devendo ser proposta median-
te queixa-crime. Excepciona-se a essa regra, contudo, os casos de:
(e.1) ofensa ao Presidente da República ou chefe de governo estran-
geiro, cuja ação será pública condicionada à requisição do Ministro
da Justiça;
(e.2) ofensa contra funcionário público, cuja ação será pública con-
dicionada à representação;
(e.3) injúria racial ou preconceituosa, cuja ação é pública condicio-
nada à representação; e
(e.4) injúria real quando da violência empregada resulta lesão cor-
poral, onde a ação será pública incondicionada.
94 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

CRIMES CONTRA A LIBERDADE E A INVIOLABILIDADE (ARTS. 146 A 154


DO CP)
Tais crimes são de menor incidência, razão pela qual se recomenda sim-
ples leitura do texto da Lei. Entre eles, encontra-se a figura do “constrangi-
mento ilegal” (art. 146 – é crime comum, material, de forma livre, comissi-
vo, instantâneo, subsidiário, unissubjetivo, plurissubsistente e de dano), da
“ameaça” (art. 147 – é crime comum, doloso, formal, de forma livre, comissivo,
instantâneo, unissubjetivo e que pode ser unissubsistente ou plurissubsis-
tente), do “sequestro e cárcere privado” (art. 148 CP – são crimes comuns,
salvo na forma qualificada dos incisos I e IV do §1º, comissivos, permanentes,
materiais, de forma livre, unissubjetivos e plurissubsistentes), da “redução a
condição análoga à de escravo” (art. 149 – é crime próprio, doloso, comissi-
vo, de forma vinculada, permanente, material, unissubjetivo e plurissubsis-
tente), da “violação de domicílio” (art. 150 – é crime comum, doloso, de mera
conduta, de forma livre, que pode ser comissivo ou omissivo, instantâneo ou
permanente, unissubjetivo, e que pode ser unissubsistente ou plurissubsis-
tente), “violação de correspondência” e as figuras que lhe são equiparadas
(art. 151 - é crime comum, doloso, de mera conduta, de forma livre, comissivo,
unissubjetivo e plurissubsistente), da “correspondência comercial” (art. 152),
da “divulgação de segredo” (art. 153) e, por fim, da “violação de segredo profis-
sional” (art. 154 do CP).
Veja que a Lei nº 12.737, de 30 de novembro de 2012 (que dispôs sobre a ti-
pificação criminal de delitos informáticos), acrescentou os arts. 154-A e 154-B
no Código Penal, criando a seguinte figura criminosa: Invasão de dispositivo
informático – verbis: “Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não
à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de se-
gurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações
sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulne-
rabilidades para obter vantagem ilícita”.
A pena é de detenção, de três meses a um ano, e multa. E na mesma pena
incorre quem “produz, oferece, distribui, vende ou difunde dispositivo ou pro-
grama de computador com o intuito de permitir a prática da conduta definida
no caput do art. 154-A do CP”. Nada obstante, aumenta-se a pena de um sexto
a um terço se da invasão resulta prejuízo econômico. Noutro giro, tem-se que
se da invasão resultar a obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas
privadas, segredos comerciais ou industriais, informações sigilosas, assim
definidas em lei, ou o controle remoto não autorizado do dispositivo invadido,
a pena será de reclusão, de seis meses a dois anos, além da pena de multa
(isso se a conduta não constitui crime mais grave).
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 95

Ademais, aumenta-se a pena de um a dois terços se houver divulgação,


comercialização ou transmissão a terceiro, a qualquer título, dos dados ou
informações obtidos.

É de se ver que a pena, em todas estas hipóteses previstas pelo art. 154-A
do CP será majorada de um terço à metade se o crime for praticado contra: o
Presidente da República, governadores e prefeitos; o Presidente do Supremo
Tribunal Federal; o Presidente da Câmara dos Deputados, do Senado Federal,
de Assembleia Legislativa de Estado, da Câmara Legislativa do Distrito Federal
ou de Câmara Municipal; ou contra o dirigente máximo da administração di-
reta e indireta federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal.

Em relação à ação penal, o art. 154-B do CP definiu que somente se proce-


de mediante representação; salvo se o crime é cometido contra a adminis-
tração pública direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, Estados,
Distrito Federal ou Municípios ou contra empresas concessionárias de servi-
ços públicos. Ou seja: em regra, a ação é pública condicionada.

P Nota: veja que a aludida Lei trouxe um período de vacatio


legis de 120 dias, a contar de sua publicação oficial (DOU de
3.12.2012).

P Por oportuno, cabe destacar que a também recente Lei n.º


12.735, de 30 de novembro de 2012, expressamente dispôs que
os órgãos da polícia judiciária estruturarão, nos termos de re-
gulamento, setores e equipes especializadas no combate à
ação delituosa em rede de computadores, dispositivo de co-
municação ou sistema informatizado.
96 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

16 CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO

FURTO (ART. 155 E 156 DO CP)

Classificação jurídica:

Trata-se de crime de forma ou ação livre, comum, material (consuma-se


com o resultado naturalístico: a retirada do bem da esfera de disponibilidade
da vítima), de dano ou lesão (exige lesão ao bem tutelado – patrimônio – para
fins de consumação), instantâneo, unissubjetivo ou de concurso eventual
(admite cometimento por uma só pessoa ou várias, em concurso, situação
em que o furto será qualificado) e plurissubsistente (seu iter permite o fracio-
namento). Por fim, trata-se de crime que existe apenas na modalidade dolosa.

Tópicos a serem destacados sobre o crime de furto:

1. Objeto material do crime de furto: bens de natureza corpórea e mó-


vel, ou seja, algo que seja passível de deslocamento (veja que o conceito de
bem móvel do direito civil não é o mesmo do Direito Penal; assim, por exem-
plo, uma aeronave ou um navio, para fins de caracterização do furto, é tido
como coisa móvel). Dito isso, tem-se que ser humano, direitos pessoais e coi-
sas que não pertencem a ninguém (‘res nullis’, ‘res derelicta’ e ‘res comune
omnium’), não podem ser objeto de furto. Ademais, é de se ver que a “energia
elétrica” foi equiparada à coisa alheia móvel (nos termos do art. 155, §3° do
CP); veja, inclusive, que também se inclui neste tocante a energia térmica,
mecânica, nuclear, etc. (basta que seja corporificável).

2. Não há furto de uso punível. Afinal, para configuração do crime é ne-


cessário o elemento subjetivo diverso do dolo (o especial fim de agir: “para si
ou para outrem”).

3. Momento consumativo do crime de furto: são várias as teorias que


tentam explicar o exato momento consumativo desta figura, e é certo que o
direito brasileiro adotou a “teoria amotio”, pois se consuma quando a coisa
subtraída passa para o poder do agente, mesmo que num curto espaço de
tempo, independentemente da res permanecer sob sua posse tranquila.

4. Segundo jurisprudência do STJ, incide a majorante do repouso no-


turno (art. 155, §1°) quando o furto é praticado em estabelecimentos comer-
ciais.
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 97

5. O furto privilegiado (art. 155, §2°) é direito subjetivo do réu que preen-
che os requisitos legais: ser primário e ser a coisa de pequeno valor (o que
não pode ser confundido com valor “insignificante”).

6. Furto famélico: segundo jurisprudência dominante, pode caracterizar


o estado de necessidade (art. 24 do CP).

7. O que justifica a maior quantidade de pena nas hipóteses do art. 155, §4°
do CP (furto qualificado), é a maior danosidade do fato, ou ainda, o maior
desvalor na conduta do agente.

8. De acordo com a jurisprudência do STJ: “É inadmissível aplicar, no


furto qualificado, pelo concurso de agentes, a majorante do roubo” –
Súmula 442 do STJ.

9. Aquele que arromba o vidro do automóvel para subtrair objetos que estão
dentro, comete furto simples ou qualificado? Parte da jurisprudência diz
que é furto qualificado, pois há violência sobre a coisa (é a corrente que predo-
mina no STF); mas há quem diga que tal situação não permite a qualificadora,
pois afrontaria o princípio da proporcionalidade (é o que predomina no STJ).

10. Furto famulado: é o furto praticado pelo empregado, aproveitando-se


de tal situação, de bens pertencentes ao empregador. Tal hipótese é apta a
qualificar o crime, bastando que para tal haja o abuso de confiança (art. 155,
§4º, II do CP). Veja então, que não basta ser empregado para incidir a referida
qualificadora (é necessária a relação de confiança).

11. Furto de coisa comum (art. 156 do CP): anote-se que nestes casos, a
ação é pública condicionada à representação.

ROUBO (ART. 157 DO CP)

Classificação jurídica:

Crime de forma ou ação livre, complexo (também conhecido como “plurio-


fensivo”, pois possui dupla objetividade jurídica: quer proteger o patrimônio
e também o indivíduo), comum, material (depende do resultado naturalísti-
co para sua consumação: retirada do bem da esfera de disponibilidade da
vítima ou o emprego da violência para a subtração), de dano, instantâneo,
unissubjetivo e plurissubsistente. Também só existe na modalidade dolosa.
98 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

Tópicos a serem destacados sobre o crime de roubo:

1. Existem duas espécies de roubo: o próprio (hipótese do caput - pri-


meiro emprega a violência e depois subtrai o bem) e o impróprio (§1° - primei-
ro subtrai e depois emprega a violência).

A consumação no roubo próprio ocorre com o apossamento sobre a coisa


(como no furto); já no roubo impróprio, ocorre com o emprego da violência
para a subtração. Por fim, segundo jurisprudência majoritária, não cabe ten-
tativa na figura do roubo impróprio (afinal, se não empregar a violência, torna-
se mero crime de furto).

2. A jurisprudência das Cortes Superiores entende que não cabe insigni-


ficância para o crime de roubo, por menor que seja o valor subtraído.

3. Roubo majorado pelo emprego de arma (art. 157, §2°, I do CP). Aqui,
pode ser arma de fogo ou arma branca (ex: faca). Mas se o agente simula o
emprego da arma, não incide a majorante (torna-se um roubo simples).

Da mesma forma, se a arma é de brinquedo, não incidirá a majorante


(veja, pois, que a Súmula 174 do STF foi cancelada). Se a arma for periciada e
constatar-se sua imprestabilidade, não haverá majoração.

Agora, se a arma não foi apreendida, mas outros meios de prova dão cabo
de sua existência e efetiva prestabilidade, poderá incidir a majorante (é o en-
tendimento majoritário nos Tribunais, que se pautam no art. 167 do CPP). Por
fim, se somente um dos agentes utiliza a arma, mas os outros têm ciência de
tal fato, a majorante incidirá para todos (art. 30 do CP).

4. Roubo com restrição da liberdade x sequestro relâmpago: o roubo


majorado pela privação da vítima (art. 157, §2°, inciso V do CP) não pode ser
confundido com o crime autônomo de sequestro relâmpago (art. 158, §3° do
CP), pois no primeiro, a privação da liberdade serve para a subtração da coisa
(mas note-se que a privação não é imprescindível para realização do crime),
enquanto que no segundo, a privação é um meio necessário para a obtenção
da vantagem econômica.

Ou seja, no sequestro relâmpago, a atividade da vítima privada de sua li-


berdade é condição sine qua non para o crime.
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 99

5. De acordo com a jurisprudência do STJ: “O aumento na terceira fase


de aplicação da pena no crime de roubo circunstanciado exige fundamenta-
ção concreta, não sendo suficiente para a sua exasperação a mera indicação
do número de majorantes” – Súmula 443 do STJ.

6. Latrocínio e seu momento consumativo: neste tocante, há que se


vislumbrar quatro situações:

a) Se ocorrer homicídio e subtração consumados = há latrocínio con-


sumado; (
b) Se ocorrer homicídio e subtração tentados = há latrocínio tentado;
c) Se ocorrer homicídio consumado e subtração tentada = latrocínio
consumado (Súmula 610 do STF: “Há crime de latrocínio, quando o ho-
micídio se consuma, ainda que não se realize o agente a subtração de
bens da vítima”);
d) Se ocorrer homicídio tentado e subtração consumada = latrocínio
tentado (mas tal não é pacífico).

7. Competência para julgar o latrocínio: por ser crime patrimonial, não vai à
Júri. Fica a cargo, pois, do Juiz criminal comum (Súmula 603 do STF).

EXTORSÃO (ARTS. 158 A 160 DO CP)

Classificação jurídica:

Trata-se de crime de forma ou ação livre, complexo, comum, formal (pois


se consuma independentemente do resultado naturalístico; ou seja, inde-
pendente da obtenção de vantagem – Súmula 96 do STJ), de dano ou lesão,
instantâneo, unissubjetivo, plurissubsistente e doloso. Embora difícil de
ocorrer, é cabível a tentativa.

É importante distinguir a extorsão (art. 158 – “Constranger alguém, me-


diante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para
outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar
fazer alguma coisa”) da extorsão mediante sequestro (art. 159 – “Sequestrar
pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como
condição ou preço do resgate”), o que se faz especialmente pelo fim de agir
do agente.
100 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

Tópicos a serem destacados sobre o crime de extorsão:

1. Extorsão mediante sequestro (art. 159 do CP): trata-se de crime de


ação livre, complexo (resultado da fusão de dois ou mais tipos penais: se-
questro ou cárcere privado e extorsão), formal (consuma-se independente-
mente do resultado naturalístico: da obtenção do preço ou resgate; basta
que haja a privação da liberdade da vítima), de dano ou lesão, unissubjetivo,
plurissubsistente e permanente (seu iter se alonga no tempo – o crime existe
enquanto a vítima está privada de sua liberdade).

2. O art. 159, §4° prevê uma hipótese de “delação premiada” para a extorsão
mediante sequestro.

3. Extorsão indireta (art. 160 do CP): trata-se de crime de forma ou ação


livre, comum, formal na modalidade exigir e material na modalidade receber;
também é crime de dano, instantâneo, unissubjetivo e plurissubsistente.

USURPAÇÃO E DANO (ARTS. 161 E 162 E ARTS. 163 A 167 DO CP)


Estes são crimes de menor incidência, razão pela qual se recomenda
simples leitura dos dispositivos legais. Entre eles, encontra-se a figura da
“alteração de limites, usurpação de águas e esbulho possessório” (art. 161),
da “supressão ou alteração de marca em animais” (art. 162), do “dano” (art.
163 – é crime comum, doloso, material, comissivo, de ação múltipla, de dano
propriamente dito, de forma livre, instantâneo, unissubjetivo e plurissubsis-
tente), da “introdução ou abandono de animais em propriedade alheia” (art.
164), “dano em coisa de valor artístico, arqueológico ou histórico” (art. 165) e
“alteração de local especialmente protegido” (art. 166).

P Nota: entende-se que a figura do art. 165 do CP foi tacita-


mente revogada pelo art. 62, I da Lei 9.605/98; e a figura do art.
166 do CP foi tacitamente revogada pelo art. 63 da Lei 9.605/98
(crime ambiental).

P Por fim, anote-se que a ação Penal, nos casos de dano do


art. 163, inciso IV (do seu parágrafo único) e do art. 164, somente
se procede mediante queixa.
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 101

APROPRIAÇÃO INDÉBITA (ARTS. 168 A 170 DO CP)

Classificação jurídica:

Crime de forma ou ação livre, comum, material (consuma-se com o re-


sultado naturalístico: a inversão do ânimo da posse), de dano ou lesão (exige
lesão ao bem tutelado para fins de consumação), instantâneo, unissubjeti-
vo e plurissubsistente (seu iter permite fracionamento; salvo na modalidade
“negativa de restituição”, ocasião em que se torna unissubsistente).

Tópicos a serem destacados sobre o crime de apropriação:

1. A caracterização do crime demanda dois momentos: primeiro, a


posse lícita e desvigiada da coisa; depois, a inversão do ânimo da posse (ou
seja, o sujeito passa a praticar atos de disposição, como se a coisa fosse sua;
ou nega-se a devolvê-la). E mais: a simples demora na devolução não é apta,
por si só, para configurar o crime.

2. Não haverá crime em casos de “apropriação de uso” (aquele que


recebe um bem, se utiliza dele sem autorização do dono, mas o restitui de-
pois). Ademais, quando caracterizado o “direito de retenção ou de compen-
sação” (arts. 571, 644, 681, 708, 1433 do CCB), não se fala em crime de apro-
priação.

3. O art. 168, §1° traz hipóteses majoradoras da apropriação.

4. Apropriação indébita previdenciária (art. 168-A do CP): trata-se de


figura especial, de apreciação da justiça federal.

É a hipótese, por exemplo, do empresário que recolhe INSS da folha de


pagamento dos seus funcionários mas não os repassa para o fisco.

5. Apropriação de coisa havida por erro, caso fortuito ou força maior


(art. 169 do CP).

6. Apropriação privilegiada: nos crimes de apropriação indébita, apli-


ca-se a minorante do furto (art. 170 do CP).
102 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

ESTELIONATO E OUTRAS FRAUDES


(ARTS. 171 A 179 DO CP)

Classificação jurídica:

Crime de forma ou ação livre, comum, material (consuma-se com o resul-


tado naturalístico: obtenção da vantagem ilícita em prejuízo do ofendido), de
dano ou lesão, instantâneo, unissubjetivo, plurissubsistente e doloso.

Tópicos a serem destacados sobre o crime de estelionato:

1. Figuras aproximadas ao estelionato: (a) Duplicata simulada (art. 172);


(b) Abuso de incapazes (art. 173); (c) Induzimento à especulação (art. 174); (d)
Fraude no comércio (art. 175); (e) Outras fraudes (art. 176); (f) Fraude e abuso
na fundação ou administração de sociedade por ações (art. 177); (g) Emissão
irregular de conhecimento de depósito ou warrant (art. 178); (h) Fraude à exe-
cução (art. 179). Em relação a cada uma destas figuras, se aconselha simples
leitura do texto da lei.

2. Lembre-se da possibilidade de aplicar o princípio da absorção entre


os crimes de falso e estelionato, nos termos da Súmula 17 do STJ: “Quando
o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este
absorvido”.

3. O crime de defraudação de penhor (art. 171, §2°inciso III e §3° do CP)


configura-se com a obtenção de vantagem indevida, oriunda da alienação,
de qualquer modo, de bem dado em penhor, seja ele fungível ou infungível.

4. Os “trabalhos espirituais” (cartomancia, bruxarias, etc.), quando rea-


lizados sem fins lucrativos, ou se estiver diretamente vinculado a uma reli-
gião, não poderão ser considerados como estelionato (face à liberdade de
culto prevista no art. 5°, VI da CF/88).

5. A torpeza bilateral (quando a vítima também objetiva alguma vanta-


gem – como ocorre nos famosos “contos da guitarra”, “golpe do paco”, “conto
do bilhete premiado”, etc.) não é suficiente para afastar a responsabilidade do
agente pelo estelionato.
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 103

6. Anota-se que o pagamento de cheque emitido sem provisão de


fundos, após o recebimento da denúncia, não obsta o prosseguimento da
ação Penal. Todavia, se o pagamento do título for feito antes do recebimento
da peça inaugural, segundo orientação do STF, restará extinta a punibilidade.

7. Ademais, é de se ver que não há estelionato, mas sim furto median-


te fraude, na conduta do agente que subtrai veículo posto à venda, mediante
solicitação ardil de teste experimental ou mediante artifício que leve a vítima
a descer do carro.

RECEPTAÇÃO (ART. 180 DO CP)

Classificação jurídica:

É crime de ação livre, comum (salvo na hipótese qualificada prevista no


§1º), material (na modalidade própria: primeira parte do art. 168, caput) ou for-
mal (na imprópria: parte final do art. 18, caput), de dano, instantâneo (salvo em
alguns verbos: “transportar, conduzir e ocultar”), unissubjetivo, plurissubsis-
tente e doloso (salvo na hipótese do §3°).

Tópicos a serem destacados sobre o crime de receptação:

1. Espécies de receptação: (a) receptação simples (é a figura prevista no


caput, a qual pode ser subdividida em: receptação própria e imprópria; tais
hipóteses são exclusivamente dolosas); (b) receptação qualificada (§1º); (c)
receptação privilegiada e perdão judicial (§5º); (d) receptação agravada (§6º);
(e) receptação culposa (§3º).

2. Trata-se de crime “misto alternativo”, pois a subsunção da conduta


do agente a mais de um verbo não caracteriza várias receptações (por mais
que incorra em vários núcleos, haverá crime único; embora mais de um verbo
possa influenciar negativamente na fixação da pena).

3. Para ter o delito, é imprescindível que a conduta do agente recaia


sobre um objeto material específico: coisa que sabe (ou deva saber) ser
produto de crime anterior. Assim, conclui-se que não há receptação com a
aquisição, recebimento, ocultação, transporte ou condução de objeto produ-
to oriundo de contravenção Penal (DC 3.688/41) Ou seja: o fato anterior deve,
necessariamente, tratar-se de crime (ainda que não seja contra o patrimô-
nio).
104 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

4. A receptação é punível, ainda que desconhecido ou isento de pena o


autor do crime de que proveio a coisa (art. 180, §4° do CP).

DISPOSIÇÕES GERAIS SOBRE OS CRIMES PATRIMONIAIS (ART. 181 A 183


DO CP)

Imunidades Absolutas:

O art. 181 do CP prevê algumas escusas absolutórias para os crimes pa-


trimoniais, cujo efeito prático é isentar o agente de pena (opera como uma
causa extintiva de punibilidade, por analogia).

São hipóteses:

a) crime cometido pelo cônjuge, na constância da sociedade conjugal


(OBS: e aqui, deve-se levar em conta a data do fato, nos termos dos
arts. 2º e 4º do CP; destacando-se que o regime de bens é irrelevante;
e mais, vale também para casos de união estável juridicamente reco-
nhecida - art. 226, §3º da CF/88);

b) crime praticado por ascendente ou descendente, seja o parentesco


legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural (OBS: mas é certo que só ha-
verá a escusa, por certo, se o parente for a única vítima do crime).

Imunidades Relativas:

Por outro lado, o art. 182 do CP prevê hipóteses em que a ação Penal trans-
muda para pública condicionada à representação.

São hipóteses:

a) crime praticado contra o cônjuge desquitado ou judicial-mente se-


parado (OBS: todavia, tal situação não se aplica aos crimes patrimo-
niais onde a Lei prevê expressamente ação Penal privada – ex: art. 161,
167 e 179, § único do CP);
b) crime contra irmão, legítimo ou ilegítimo (sejam bilaterais – mesmo
pai e mãe – ou unilaterais – só de pai ou só de mãe);

c) crime contra tio ou sobrinho, com quem o agente coabita.


PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 105

Exceções às Imunidades (absolutas e relativas):

Por fim, o art. 183 do CP disciplina que aquelas imunidades não se aplicam
nas seguintes hipóteses:

a) se o crime é de roubo ou de extorsão, ou, em geral, quando haja em-


prego de grave ameaça ou violência à pessoa;

b) ao estranho que participa do crime;

c) se o crime é praticado contra pessoa com idade igual ou superior a


60 anos (incluído pela Lei nº 10.741/03).
106 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

CRIMES CONTRA O SENTIMENTO RELIGIOSO


17
E O RESPEITO AOS MORTOS

Também são crimes de pouca incidência, razão pela qual a simples leitura
do texto de lei já trará boas bases. São eles: “Ultraje a culto e impedimento ou
perturbação de ato a ele relativo” (art. 208), “Impedimento ou perturbação de
cerimônia funerária” (art. 209), “Violação de sepultura” (art. 210), “Destruição,
subtração ou ocultação de cadáver” (art. 211), “Vilipêndio a cadáver” (art. 212
do CP).
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 107

18 CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL

ESTUPRO (ART. 213 DO CP)

Classificação jurídica:

Trata-se de crime de ação livre (pode ser praticado por qualquer meio),
comum (não exige qualidade especial alguma do sujeito ativo ou mesmo do
sujeito passivo: que pode ser homem ou mulher), material (exige o resultado
naturalístico para a efetiva consumação: depende da conjunção carnal ou
outro ato libidinoso), de dano (exige lesão ao bem tutelado: a dignidade se-
xual), instantâneo (seu resultado ocorre instantaneamente, sem prolongar-
se no tempo), unissubjetivo ou de concurso eventual (admite cometimento
por uma só pessoa ou várias, em concurso) e plurissubsistente (seu iter per-
mite fracionamento). Por fim, é de se ver que é um crime punido exclusiva-
mente a título doloso.

Tópicos a serem destacados sobre o novo crime de estupro:

1. Com o advento da Lei 12.015/09, os arts. 213 e 214 foram reunidos em


um só tipo Penal, agora chamado “estupro” (em sentido amplo, pois abran-
ge a conjunção carnal violenta e os atos libidinosos diversos da conjunção).
Firme-se, pois, que não houve verdadeira abolitio crime em relação ao crime
de atentado violento ao pudor (ele somente foi deslocado para outra figura
típica). Ademais, veja que a pena continua sendo a mesma: 6 a 10 anos de
reclusão.

2. A violência (física) ou grave ameaça são elementares do tipo.


Todavia, é de se ver que, se da violência resultar lesão corporal grave, ou se a
vítima for menor de 18 anos ou maior de 14 anos, a figura restará qualificada
(art. 213, §1° do CP); e se a conduta resultar a morte da vítima também terá a
pena qualificada (art. 213, §2° do CP).

3. É possível haver estupro praticado por cônjuge ou companheiro.

4. Questão: trata-se de um crime “misto alternativo ou cumulativo”?


Como visto no estudo da parte geral, a questão ainda é polêmica na doutrina
e na jurisprudência, podendo vislumbrar-se as seguintes posições:
108 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

a) há quem diga que é um tipo “misto alternativo” (vários núcleos proi-


bitivos, onde mesmo a realização de vários deles importaria em um cri-
me único) – mas esta é a corrente minoritária;

b) a corrente majoritária entende que a nova formatação do crime de


estupro conforma um tipo “misto cumulativo” (ou seja, um crime de
ação múltipla, com vários verbos, onde a prática de mais de um deles
importaria em mais de um crime, em concurso); assim, se um agente,
contra uma mesma vítima, praticar conjunção e outro ato libidinoso,
responde em concurso pelos dois, sendo certo que há posições reite-
radas no STF indicando que é perfeitamente cabível, nestes casos, a
aplicação da figura continuada (art. 71 do CP).

VIOLAÇÃO SEXUAL MEDIANTE FRAUDE


(ART. 215 DO CP)
Trata-se de crime de forma ou ação livre, comum, instantâneo, unissubje-
tivo, plurissubsistente e doloso. Veja, inclusive, que tal figura foi alterada pela
Lei 12.015/09 (a qual reuniu em uma só disposição aquilo que era previsto em
outras duas figuras distintas: a posse sexual mediante fraude e o atentado
ao pudor mediante fraude). Doutrinariamente, batizou-se esta figura como
“estelionato sexual”. Sobre esta figura, uma única questão demanda atenção:
não se pode confundir o meio que impeça ou dificulte a livre manifestação da
vontade com qualquer outro meio que reduz a capacidade de resistência da
vítima. Isso porque, na primeira hipótese estamos diante do crime do art. 215
(violação sexual mediante fraude), enquanto que na segunda estamos diante
do crime de estupro de vulnerável (art. 217-A, §1°, parte final do CP).

ASSÉDIO SEXUAL (ART. 216-A DO CP)


É a insistência importuna de alguém em posição privilegiada, que usa
dessa vantagem para obter favores sexuais de um subalterno. Assim, o cri-
me que se caracteriza quando o agente, prevalecendo-se de sua condição
de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego,
cargo ou função, constrange alguém com o intuito de obter vantagem ou fa-
vorecimento sexual.

Trata-se de crime de forma ou ação livre (pode ser praticado por qualquer
meio), próprio (pois exige que o agente seja superior hierárquico ou que haja
ascendência inerente ao exercício de emprego, cargo ou função), formal, ins-
tantâneo, unissubjetivo e exclusivamente doloso.
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 109

ESTUPRO DE VULNERÁVEL (ART. 217-A DO CP)

Classificação jurídica:

Trata-se de crime de forma ou ação livre, comum quanto ao sujeito ativo


(mas próprio enquanto sujeito passivo), material, instantâneo, unissubjetivo,
plurissubsistente e exclusivamente doloso.

Tópicos a serem destacados sobre o crime de estupro de vulnerá-


vel:

1. Conceito de vulnerabilidade:

(a) vítima menor de 14 anos;

(b) pessoa portadora de deficiência ou doença mental que não tem o


necessário discernimento para o ato;

(c) vítima que não pode oferecer resistência, por qualquer outra causa
(ex: se a vítima está em estado elevado de alcoolemia).

2. A doutrina majoritária entende que a presunção da violação nestes


casos é sempre absoluta. Nada obstante, há que se lembrar que o erro so-
bre tal circunstância, por ser elementar do crime, afasta a tipicidade do fato
– erro de tipo (art. 20 do CP).

3. Lembre-se que o advento da Lei 12.015/09 aboliu o antigo art. 224 do


CP (que fala da presunção de violência nos crimes sexuais). E note-se que tal
abolitio fez também com que se revogasse tacitamente a causa especial de
aumento prevista no art. 9° da Lei 8.072/90 (crimes hediondos), que se funda-
mentava no art. 224 do CP.

CORRUPÇÃO DE MENORES (ART. 218 DO CP)

Classificação jurídica:

Trata-se de figura que pretende punir o lenocínio de vítima menor de 14


anos. É um crime de forma livre, comum quanto ao sujeito ativo (e próprio
quanto ao passivo), instantâneo, unissubjetivo e exclusivamente doloso.
110 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

Tópicos a serem destacados sobre o crime de corrupção de meno-


res:

1. Sujeitos do crime (há três personagens nessa figura): o primeiro deles


é o lenão (o intermediário, que também é conhecido como “cáften” ou “alcovi-
teiro”), o segundo é a vítima menor de 14 anos e o terceiro o destinatário do ato
(o consumidor, que responderá possivelmente pelo crime do art. 217-A do CP).

Mas veja que o sujeito ativo do crime é sempre o lenão (e não o destina-
tário do ato; esta figura não quer punir aquele que satisfaz a própria lascívia).

2. Satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente


(art. 218-A do CP).

3. Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual


de vulnerável (art. 218-B do CP).

4. Lembre-se que a Lei 12.015/09 revogou expressamente a Lei 2.252/54


(cujo art. 1° tratava da “corrupção de menores”. Mas note-se que era outra for-
ma de corrupção, onde se pretendia punir o agente que se vale de um menor
de 18 anos para a prática do crime).

E é de se ver que tal conduta não foi abolida, pois hoje consta do art. 244-B
da Lei 8.069/90 (ECA).

OUTRAS DISPOSIÇÕES PERTINENTES AOS CRIMES CONTRA A


DIGNIDADE SEXUAL

Ação Penal:

Frente à nova redação do art. 225 do CP, vê-se que os crimes contra a dig-
nidade sexual agora são, em regra, de ação Penal pública condicionada à re-
presentação do ofendido.

Todavia, se a vítima for menor de 18 anos ou pessoa vulnerável, a ação


passa a ser pública incondicionada (art. 225, § único). Veja então, que a Lei
12.015/09 trouxe nova disciplina ao tema: nos crimes contra a dignidade se-
xual, não mais haverá ação Penal privada.
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 111

P Questão: como ficou a situação da Súmula 608 do STF (“No


crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação Pe-
nal é pública incondicionada”) após o advento da Lei 12.015/09?
Entende-se que a Súmula continua em vigor, apesar de diver-
gências doutrinárias. Assim, o crime sexual cometido com le-
são leve se procede por ação Penal de iniciativa pública condi-
cionada à representação do ofendido (nos termos do art. 225
do CP); todavia, se houver lesão grave ou morte, a ação será
pública incondicionada (por força da referida Súmula 608).

Causa especial de aumento de pena:

Nos termos do art. 226 do CP, a pena será aumentada nos crimes contra
a liberdade sexual e contra vulnerável em duas situações: (a) aumentada da
quarta parte, se o crime é cometido com o concurso de duas ou mais pes-
soas; (b) aumentada da metade, se o agente é ascendente, padrasto ou ma-
drasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empre-
gador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela.

Do lenocínio e do tráfico de pessoa para fim de prostituição ou outra


forma de exploração sexual:

O art. 227 traz o crime de “mediação para servir a lascívia de outrem”; o art.
228 traz o crime de “favorecimento da prostituição ou outra forma de explora-
ção sexual” (induzir ou atrair alguém à prostituição ou outra forma de explo-
ração sexual, facilitá-la, impedir ou dificultar que alguém a abandone); o art.
229 traz o crime de “casa de prostituição” (manter, por conta própria ou de ter-
ceiro, estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja, ou não, intuito
de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente); o art. 330 o crime
de “rufianismo” (tirar proveito da prostituição alheia, participando diretamen-
te de seus lucros ou fazendo-se sustentar, no todo ou em parte, por quem
a exerça); o art. 331 o crime de “tráfico internacional de pessoa para fim de
exploração sexual” (promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de
alguém que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma de exploração
sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la no estrangeiro); e o novo art.
331-A do CP traz o crime de “tráfico interno de pessoa para fim de exploração
sexual” (promover ou facilitar o deslocamento de alguém dentro do território
nacional para o exercício da prostituição ou outra forma de exploração se-
xual). Aconselha-se simples leitura do texto de lei em relação a estas figuras.
112 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

Do ultraje público ao pudor:

O art. 233 traz o crime de “ato obsceno” (praticar ato obsceno em lugar
público, ou aberto ou exposto ao público); e o art. 234 traz o crime de “escrito
ou objeto obsceno” (fazer, importar, exportar, adquirir ou ter sob sua guarda,
para fim de comércio, de distribuição ou de exposição pública, escrito, dese-
nho, pintura, estampa ou qualquer objeto obsceno). Também se aconselha
simples leitura do texto de lei em relação a estas figuras.

Aumento geral de pena:

Em todos os crimes contra a dignidade sexual, a pena será aumentada da


metade, se da conduta resultar em gravidez; e de um sexto até a metade, se
o agente transmite à vítima doença sexualmente transmissível de que sabe
ou deveria saber ser portador (art. 234-A do CP).

Segredo de justiça:

Nos termos do art. 234-B do CP, os processos em que se apuram crimes


contra a dignidade sexual correrão em segredo de justiça.
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 113

19 CRIMES CONTRA A FAMÍLIA

A grande maioria dessas figuras não é comumente cobrada nas provas de


Delegado de Polícia, razão pela qual se indica simples leitura do estrito teor
do texto de Lei. Vejamos algumas figuras:

O crime de “Bigamia” (art. 235 – é um crime próprio, doloso, comissivo,


material, de forma vinculada, instantâneo, plurissubjetivo de convergên-
cia e plurissubsistente); o “Induzimento a erro essencial e ocultação de im-
pedimento” (art. 236); o “Conhecimento prévio de impedimento” (art. 237);
a “Simulação de autoridade para celebração de casamento” (art. 238); a
“Simulação de casamento” (art. 239 do CP).

Fala-se também do “Registro de nascimento inexistente” (art. 241 – que é


comum, doloso, omissivo, material, de forma livre, instantâneo, unissubjetivo
e plurissubsistente); do crime de “Parto suposto e da Supressão ou alteração
de direito inerente ao estado civil de recém-nascido” (art. 242 – é um crime
próprio na primeira figura e comum nas demais figuras; é também doloso,
comissivo, de forma livre, material, instantâneo, exceto no que diz respeito
ao núcleo ocultar, unissubjetivo e plurissubsistente); o crime de “Sonegação
de estado de filiação” (art. 243 - crime comum, doloso, comissivo, formal, de
forma livre, instantâneo, unissubjetivo e plurissubsistente).

O crime de “Abandono material” (art. 244 – Deixar, sem justa causa, de pro-
ver a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de dezoito anos ou inapto
para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de sessenta anos, não
lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de
pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem
justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo).
Este é um crime próprio, doloso, omissivo, formal (ao menos na modalidade
de não cumprimento da obrigação alimentícia), de perigo concreto, de forma
livre, permanente, unissubjetivo e plurissubsistente.

Também são crimes contra a família: a “Entrega de filho menor a pessoa


inidônea” (art. 245); o “Abandono intelectual” (art. 246 – que é crime próprio,
doloso, omissivo, de perigo, de forma livre, permanente, unissubjetivo e unis-
subsistente) e a figura aproximada do art. 247 do CP; o “Induzimento a fuga,
entrega arbitrária ou sonegação de incapazes” (art. 248); a “Subtração de in-
capazes” (art. 249 – crime comum, doloso, material, comissivo, de forma livre,
instantâneo, unissubjetivo e plurissubsistente).
114 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

20 CRIMES CONTRA A INCOLUMIDADE PÚBLICA

Os crimes contra a incolumidade pública podem ser divididos em três


grandes grupos: “Dos crimes de perigo comum” (arts. 250 a 259 do CP); “Dos
crimes contra a segurança dos meios de comunicação e transporte e outros
serviços públicos” (arts. 260 a 266 do CP); e “Dos crimes contra a saúde públi-
ca” (arts. 267 a 285 do CP). Vejamos algumas destas figuras: Não são crimes
usuais em provas, razão pela qual a minuciosa leitura dos pertinentes dispo-
sitivos legais já trará ao candidato ótima percepção do tema.

Dentre eles, dê especial atenção ao art. 273 do CP: “Falsificação, corrup-


ção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou
medicinais”. É crime comum, com previsão de figura dolosa e culposa, co-
missivo, de perigo abstrato (embora haja quem defenda que se trata de cri-
me de perigo concreto), de forma livre, instantâneo como regra (embora seja
permanente na figura de ‘expor à venda’ e ‘ter em depósito’), unissubjetivo
e plurissubsistente. Vale anotar, ainda, que se trata de crime hediondo (art.
1º, VII-B da Lei 8.072/90). E de acordo com o parágrafo primeiro do art. 273 do
CP, nas mesmas penas incorre quem importa, vende, expõe à venda, tem em
depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo
o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado.

E aqui, vale anotar que se incluem entre os produtos a que se refere este
artigo os medicamentos, as matérias-primas, os insumos farmacêuticos, os
cosméticos, os saneantes e os de uso em diagnóstico.

A novel Lei nº 12.737, de 30 de novembro de 2012 (que dispôs sobre a tipifi-


cação criminal de delitos informáticos), trouxe novo crime ao Código Penal:
Interrupção ou perturbação de serviço telegráfico, telefônico, informático, te-
lemático ou de informação de utilidade pública, previsto no art. 266, §1º do CP
(verbis):

“Incorre na mesma pena quem interrompe serviço telemático ou de infor-


mação de utilidade pública, ou impede ou dificulta-lhe o restabelecimento”
(Pena: detenção, de um a três anos, e multa). Mas aplicam-se as penas em
dobro se o crime é cometido por ocasião de calamidade pública.

P Nota: veja que a aludida Lei trouxe um período de vacatio


legis de 120 dias, a contar de sua publicação oficial (DOU de
3.12.2012).
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 115

21 CRIMES CONTRA A PAZ PÚBLICA

Tais crimes, em regra, são de menor incidência, razão pela qual indica-se
a simples leitura do texto legal: “Incitação ao crime” (art. 286); “Apologia de
crime ou criminoso” (art. 287); e a “Constituição de milícia privada” (art. 288-A).

Apenas um deles merece especial atenção: o crime de associação crimi-


nosa, que é uma novidade, trazida pela Lei nº 12.850, de 02 de agosto de 2013
(a nova lei dos crimes organizados). Aludida legislação revogou do Código
Penal o crime de “quadrilha ou bando”, mas não o tipo penal do art. 288 do CP,
o qual agora possui nova redação (verbis):

“Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer


crimes: Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos”. No mesmo sentido, a novel
legislação incluiu uma majorante para o crime de associação criminosa, adu-
zindo que “a pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se
houver a participação de criança ou adolescente”.

Trata-se de crime comum, formal, comissivo, de perigo, de forma livre,


permanente, plurissubjetivo (pois demanda o concurso de três ou mais pes-
soas) e plurissubsistente. Para a configuração do crime, tal qual ocorria com
a antiga figura da quadrilha ou bando, é imprescindível que se comprove a
existência, entre os agentes, de uma união estável e permanente voltada
para a prática de crimes.

P Dica: não se configura o crime de associação criminosa


quando a reunião se volta para a prática de contravenções
penais (posto que o tipo penal expressamente utiliza o termo
“prática de crimes”).

Por fim, vale também ressaltar que a Lei nº 12.720, de 27 de setembro de


2012 (que dispôs sobre o extermínio de seres humanos) trouxe uma nova
figura delitiva para o Código Penal: a Constituição de milícia privada, o qual
está previsto no art. 288-A do CP, com a seguinte redação (verbis): “Constituir,
organizar, integrar, manter ou custear organização paramilitar, milícia parti-
cular, grupo ou esquadrão com a finalidade de praticar qualquer dos crimes
previstos neste Código: Pena - reclusão, de quatro a oito anos.”

A objetividade jurídica tutelada pela nova norma penal incriminadora é a


paz pública (em especial, a segurança pública).
116 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

Trata-se de um tipo misto alternativo, e a conduta típica pode ser pratica-


da por qualquer pessoa (trata-se de crime comum).

Por outro lado, a nova figura típica é classificada como um crime vago,
porquanto o sujeito passivo, titular do bem jurídico agredido pela prática da
conduta delitiva, corresponde à coletividade (número indeterminado de pes-
soas). Além disso, trata-se de crime plurissubjetivo (considerando que seria
ilógico pensar em “organização paramilitar, milícia particular, grupo ou es-
quadrão” compostos por uma única pessoa).

O crime é essencialmente doloso, e exige um especial fim de agir (dolo es-


pecífico): que é “a finalidade de praticar qualquer dos crimes previstos neste
Código”; ou seja, apenas os delitos tipificados no Código Penal são alcança-
dos por esta norma (trata-se de expressão mais restrita, que exclui os crimes
previstos na legislação penal especial).

P “Organização paramilitar” pode ser definida como um gru-


po reunido com finalidades políticas, religiosas ou ideológicas,
compostas por membros armados, não subordinadas às for-
ças militares ou policiais de um país. Já a “milícia” seria uma
organização militar ou paramilitar, de caráter público ou priva-
do, e que não faz parte dos quadros das Forças Armadas de
um determinado Estado. Por fim, é de se ver que o conceito de
“grupo” e “esquadrão” não possui definição legislativa especí-
fica.
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 117

22 CRIMES CONTRA A FÉ PÚBLICA

NOÇÕES GERAIS
Neste tocante, destacam-se os seguintes grupos delitivos: crimes de
“moeda falsa” (art. 289 a 292 do CP); da “falsidade de títulos e outros papéis
públicos” (arts. 293 a 295 do CP); da “falsidade documental” (arts. 296 a 305
do CP); “outras falsidades” (arts. 306 a 311 do CP); e a novidade, “das fraudes
em certames de interesse público” (art. 311-A do CP, trazida pela Lei nº 12.550
de 2011).

FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO E PARTICULAR

Noções introdutórias:

Inicialmente, vale anotar que o documento de que trata a legislação penal


deve cumprir certa função, sob pena de ser descaracterizado como objeto
de tutela penal. Segundo lição doutrinária, o documento, para ser reconhe-
cido como tal, deve: ser um meio de perpetuação e constatação do seu con-
teúdo; b) poder, por intermédio dele, identificar o seu autor; c) servir como
instrumento de prova de seu conteúdo. Assim, aquilo que for apresentado
anonimamente, não pode ser considerado documento para fins de configu-
ração das figuras típicas. Da mesma forma, se o documento não foi idôneo
ou passível de eficácia probatória sobre algum status, não há que se falar nos
crimes de falsificação.

Diante disso, o Código penal reconheceu duas classes de documentos


que podem ser falsificados (e que geraram a figura delitiva): os documentos
públicos e os particulares. Os primeiros são aqueles que devem ser confec-
cionados por servidores públicos, no exercício da função, e de acordo com a
legislação específica (embora haja quem entenda que os documentos que
são emanados por entes públicos, como escrivães e tabeliães, mesmo pos-
suindo interesse privado, também são considerados públicos para fins de
configuração do crime); já o conceito de documento particular é obtido pelo
critério da exclusão (quando não for público).

Veja então que estes crimes tutelam, de uma forma direta ou indireta, a fé
pública (a confiança que as pessoas depositam no documento, seja ele pú-
blico ou particular). Façamos então uma análise mais minuciosa sobre cada
um destes crimes.
118 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

Falsificação de documento público:

Nos termos do art. 297 do CP, o crime é: “Falsificar, no todo ou em parte,


documento público, ou alterar documento público verdadeiro” (Pena - reclu-
são de dois a seis anos e multa).

A conduta consubstancia-se em “falsificar” (contrafazer) um documento


público, ou ainda em “alterar” (no sentido de modificar) um documento públi-
co existente e verdadeiro. Por exemplo: aquele que insere sua fotografia em
cédula de identidade de outro titular.

O objeto material sobre o qual recai o crime é apenas o “documento públi-


co”. E aqui, vale observar que o §2º do art. 297 do CP equipara a documento
público o emanado de entidade paraestatal (pessoas jurídicas de Direito pri-
vado dispostas paralelamente ao Estado para executar atividades de interes-
se público), o título ao portador ou transmissível por endosso (é o cheque, a
nota promissória, a letra de câmbio, etc.), as ações de sociedade comercial
(considera-se equiparada qualquer espécie de ação proveniente de socie-
dades anônimas e sociedades em comandita por ações), os livros mercantis
(não importando se obrigatórios ou facultativos) e o testamento particular
(não estando abrangidos aqui os codicilos, segundo corrente majoritária).

Mas vale lembrar que a falsificação deve ser apta a iludir a vítima (afinal,
trata-se de crime contra a fé pública). Assim, caso a falsificação seja grossei-
ra, inapta para causar a ilusão, não se fala em crime (nestes casos, estare-
mos diante da figura do crime impossível - art. 17 do CP -, ou mesmo diante de
um crime de estelionato, a depender do caso).

Ademais, nas mesmas penas incorre quem insere ou faz inserir (art. 297,
§3º):

I - na folha de pagamento ou em documento de informações que seja


destinado a fazer prova perante a previdência social, pessoa que não
possua a qualidade de segurado obrigatório;

II - na Carteira de Trabalho e Previdência Social do empregado ou em


documento que deva produzir efeito perante a previdência social, de-
claração falsa ou diversa da que deveria ter sido escrita;

III - em documento contábil ou em qualquer outro documento relacio-


nado com as obrigações da empresa perante a previdência social, de-
claração falsa ou diversa da que deveria ter constado.
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 119

É também punido aquele que omite, nos documentos mencionados no §


3º do art. 297 do CP, nome do segurado e seus dados pessoais, a remunera-
ção, a vigência do contrato de trabalho ou de prestação de serviços.

P Veja que tais hipóteses (art. 297, §§3º e 4º do CP) foram trazi-
das pela Lei n. 9.983 de 14 de julho de 2000, e são de especial
relevância.

Se o agente que faz a falsificação é funcionário público, e comete o crime


prevalecendo-se do cargo, aumenta-se a pena de sexta parte (art. 297, §1º).

Trata-se de crime comum tanto no tocante ao sujeito ativo como no su-


jeito passivo (pode ser praticado por qualquer um, e qualquer um pode ser
vítima), doloso (deve haver a intenção de ludibriar a fé pública; não sendo
punível a forma culposa), comissivo (pressupõe uma ação; salvo na hipóte-
se do art. 297, §4º do CP), de forma livre (nas figuras do caput) ou vinculada
(nas hipóteses dos §§ 3º e 4º), instantâneo (pois o momento consumativo é
único: quando há a falsificação, independente de sua utilização para alguma
finalidade posterior), unissubjetivo (pode ser praticado por um agente, inde-
pendente de concurso) e plurissubsistente (pois o iter pode ser fracionável).

P Veja que a fé pública é o bem jurídico protegido pelo tipo pe-


nal que prevê o delito de falsificação de documento público. O
objeto material é o documento público falsificado, no todo ou
em parte, ou o documento público verdadeiro que fora altera-
do pelo agente. E é um crime que admite a tentativa.

Uma última questão diz respeito à competência para processar e julgar


o crime: em regra é da Justiça Estadual, deslocando-se para Justiça Federal
apenas quando há interesse da União, suas autarquias ou empresas públi-
cas (art. 109 da CF/88).

P Sobre a competência para o crime, pertinente a leitura das


Súmulas 62, 104 e 107 do STJ.

Falsificação de documento particular:

De acordo com o art. 298, configura o crime: “Falsificar, no todo ou em par-


te, documento particular ou alterar documento particular verdadeiro” (Pena
- reclusão de um a cinco anos e multa).
120 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

A lógica é semelhante à firmada para o crime do art. 297 do CP, salvo pelo
objeto material sobre o qual recai a conduta: afinal, aqui, o documento deve
ser particular (na acepção jurídica da palavra). Por exemplo: aquele que forja
uma comprovação de vínculo empregatício para auxiliar outrem na obtenção
de benefício previdenciário mediante emprego de documentação alterada.
Ou então aquele que forja uma nota fiscal.

Trata-se de crime comum, doloso, comissivo, de forma livre, instantâneo,


unissubjetivo e plurissubsistente. Nada obstante, embora a competência
seja do Juiz criminal comum, é de se ver que este crime admite a proposta de
suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei 9.099/95).

Por fim, cabe observar que a novel Lei 12.737, de 30 de novembro de 2012 (a
qual dispôs sobre a tipificação criminal de delitos informáticos), trouxe uma
cláusula de equiparação aos documentos particulares: a “falsificação de
cartão”. Assim, o art. 298 do CP passou a conter um parágrafo único, com a
seguinte redação: para fins do disposto no caput, equipara-se a documento
particular o cartão de crédito ou débito.

FALSIDADE IDEOLÓGICA

Noções introdutórias:

Ao contrário do que ocorre com os crimes dos art.s 297 e 298 do CP, que
prevêem uma falsidade de natureza material (ou seja, tem-se um documento
físico alterado ou falsificado), a falsidade constante no art. 299 do CP é de
cunho estritamente ideológico. Isso quer dizer que o documento, em si, é per-
feito (em sua forma), mas a ideia nele lançada é falsa. Assim, define o art. 299
do CP: “Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele de-
via constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que
devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a
verdade sobre fato juridicamente relevante” (Pena - reclusão de um a cinco
anos e multa, se o documento é público; e reclusão de um a três anos e mul-
ta, se o documento é particular).

Portanto, pratica o crime aquele que o documento, seja público ou priva-


do, seja ideologicamente falso, pois que não fornece a necessária declara-
ção que nele devia constar (trata-se de conduta omissiva própria). Mas tam-
bém pratica o crime aquele que insere ou faz inserir, em documento público
ou particular, declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita (conduta
comissiva).
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 121

Mas veja que o crime só se perfaz se a conduta do agente tiver a intenção


de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridica-
mente relevante (o que figura como um especial fim de agir do sujeito). Por
exemplo: aquele que figura como “laranja” no contrato social de uma empre-
sa, pode responder pelo art. 299 do CP.

P Por outro lado, firme-se que a jurisprudência do STJ entende


que, para a caracterização do delito de falsidade, não é neces-
sária a efetiva demonstração de prejuízo (basta o fim caracte-
rizado).

P Assim, são requisitos do tipo, no crime de falsidade ideoló-


gica:
1) alteração da verdade sobre fato juridicamente relevante;
2) imitação da verdade;
3) potencialidade do dano;
4) dolo.

Classificação do crime:

Trata-se de crime comum (pode ser praticado por qualquer agente), do-
loso (pressupõe a intenção de iludir a fé pública, e também o especial fim de
agir, já mencionado supra), comissivo ou omissivo (a depender da conduta
perpetrada), de forma livre (pode ser praticado por qualquer meio), instan-
tâneo (a consumação ocorre num único instante: quando é lançada a in-
formação ideologicamente falsa), unissubjetivo (pode ser praticado por um
agente, independente de concurso) e plurissubsistente (seu iter criminis é
fracionável). Ainda em relação à falsidade ideológica, é certo que se o agente
é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, ou se a
falsificação ou alteração é de assentamento de registro civil, aumenta-se a
pena de sexta parte.

P Questão: e quando há o abuso do papel em branco assina-


do? Quanto ao tema, Nelson HUNGRIA aduz que há o crime de
falsidade ideológica, pois o papel foi confiado ao agente para
ulterior preenchimento ex vi legis ou contratus (ou seja, de
uma forma específica).
122 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

FALSIDADE DE ATESTADO MÉDICO


Diz o art. 302 do CP: “Dar o médico, no exercício da sua profissão, atestado
falso” (Pena - detenção de um mês a um ano). E se o crime é cometido com o
fim de lucro, aplica-se também a pena de multa, cumulativamente.

Trata-se de crime próprio no que diz respeito ao sujeito ativo (só o médico
pode cometer), doloso (não se pune a forma culposa), comissivo (pressupõe
uma ação do agente), de forma vinculada (ao menos segundo doutrina ma-
joritária), instantâneo (seu momento consumativo é único: quando é ofertado
o atestado falso), unissubjetivo (pode ser praticado por um agente, indepen-
dente de concurso) e plurissubjetivo (pois seu iter é fracionável).

Assim, se um médico atesta uma enfermidade, sabidamente inexistente,


incorrerá no crime do art. 302 do CP. A ação é pública incondicionada (o titular
é o Ministério Público, que é quem oferecerá a denúncia), e a competência é
do Juizado Especial Criminal (ao menos em regra).

P Mas veja que, se o médico é funcionário público e, por ven-


tura venha atestar falsamente, o crime poderá ser o do art. 301
do CP.

USO DE DOCUMENTO FALSO


Configura o crime do art. 304 do CP: “Fazer uso de qualquer dos papéis
falsificados ou alterados, a que se referem os arts. 297 a 302” (Pena - a comi-
nada à falsificação ou à alteração).

Ou seja, o que se pune aqui não é aquele que falsifica o documento, mas
sim quem usa um documento sabidamente falsificado.

Trata-se de crime comum (pode ser praticado por qualquer agente), dolo-
so (não se pune a forma culposa), comissivo (pressupõe uma ação), de forma
livre (pode ser praticado por qualquer meio), instantâneo (se consuma em
um único momento: quando o documento falso é empregado), unissubjeti-
vo (pode ser praticado por um agente, independentemente de concurso) e
plurissubsistente (pois seu iter é fracionável).

P Entende-se doutrinariamente que o uso de documento falso


é crime formal e sua caracterização independe da ocorrência
de um resultado naturalístico específico e determinado.
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 123

Veja que o art. 304 não traz uma pena específica para o crime de uso de
documento falso, devendo recair sobre o agente a pena do crime originário
(ex: aquele que usa um documento particular falso, deverá ser punido com a
pena do art. 298 do CP).

P Nota: mas veja que, a princípio, se um mesmo agente fal-


sifica e usa o documento, não se fala de um concurso de cri-
mes, mas sim de um crime único (para evitar bis in idem). Tra-
ta-se da aplicação do princípio da absorção (conflito aparente
de normas), numa hipótese de antefato impunível. Ou seja, o
agente será punido apenas pela utilização do documento falso
(se este for o seu fim).

P Falsificação grosseira: segundo entendimento jurispruden-


cial majoritário, a falsificação grosseira do documento impede
a configuração do crime.

P Anote-se que a jurisprudência dominante entende que a


apresentação de documento falso à autoridade incompeten-
te, após exigência desta, não configura o crime de uso de do-
cumento falso (mas tal não é pacífico).

SUPRESSÃO DE DOCUMENTO
Por fim, aduz o art. 305 do CP: “Destruir, suprimir ou ocultar, em benefício
próprio ou de outrem, ou em prejuízo alheio, documento público ou particular
verdadeiro, de que não podia dispor” (Pena - reclusão de dois a seis anos e
multa, se o documento é público; e reclusão de um a cinco anos e multa, se
o documento é particular).

Veja que aqui, o legislador faz diferença entre o documento público ou


particular para fins de aplicação da pena.

Trata-se de crime comum (pode ser praticado por qualquer um), doloso
(não se pune a forma culposa), comissivo (pressupõe uma ação), de forma
livre (pode ser praticado por qualquer meio), instantâneo (nas modalidades
destruir e suprimir) e permanente (na modalidade ocultar), unissubjetivo (por
ser praticado por um agente, independente de concurso) e plurissubsistente
(seu iter é fracionável).
124 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

OUTRAS FALSIDADES
Por fim, o Cógido Penal tras algumas modalidades complementares de
falsidade que afetam a fé-pública, como por exemplo:

Falsificação do sinal empregado no contraste de metal precioso


ou na fiscalização alfandegária, ou para outros fins - Art. 306 do CP:
“Falsificar, fabricando-o ou alterando-o, marca ou sinal empregado pelo po-
der público no contraste de metal precioso ou na fiscalização alfandegária,
ou usar marca ou sinal dessa natureza, falsificado por outrem: Pena - reclu-
são, de dois a seis anos, e multa”.

Falsa identidade - Art. 307 do CP: “Atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa


identidade para obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou para cau-
sar dano a outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa, se o
fato não constitui elemento de crime mais grave”.

P Atenção: de acordo com doutrina majoritária, a falsa atribui-


ção pode ser tanto verbal quanto por escrito (pois é crime de
forma livre), devendo, entretanto, ter a idoneidade para ludibriar.

Fraude de lei sobre estrangeiro - Art. 309 do CP: “Usar o estrangeiro,


para entrar ou permanecer no território nacional, nome que não é o seu: Pena
- detenção, de um a três anos, e multa”.

Adulteração de sinal identificador de veículo automotor - Art. 311 do


CP: “Adulterar ou remarcar número de chassi ou qualquer sinal identificador
de veículo automotor, de seu componente ou equipamento: Pena - reclusão,
de três a seis anos, e multa”.

Fraudes em certames de interesse público - Art. 311-A do CP: “Utilizar


ou divulgar, indevidamente, com o fim de beneficiar a si ou a outrem, ou de
comprometer a credibilidade do certame, conteúdo sigiloso de: I - concurso
público; II - avaliação ou exame públicos; III - processo seletivo para ingresso
no ensino superior; IV - exame ou processo seletivo previstos em lei: Pena
- reclusão, de um a quatro anos, e multa”. Inclusive, nas mesmas penas in-
corre quem permite ou facilita, por qualquer meio, o acesso de pessoas não
autorizadas às informações anteriormente mencionadas. Nada obstante, se
da ação ou omissão resulta dano à administração pública, a pena será de
dois a seis anos, além da multa. Por fim, se o fato é cometido por funcionário
público, a pena majora-se de 1/3 (um terço).
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 125

23 CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

CRIMES FUNCIONAIS (ARTS. 312 A 327 DO CP)


São aqueles praticados por funcionários públicos contra a administração
(por isso, inclusive, são crimes próprios). Para fins de Direito Penal, entende-
se por funcionário público (art. 327 do CP): “quem, embora transitoriamente ou
sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública; e equipara-se a
funcionário quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal,
e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conve-
niada para a execução de atividade típica da Administração Pública”.

Peculato:

Dentre as várias figuras previstas, tem-se como de especial relevância o


crime de peculato (art. 312 do CP) – verbis: “Apropriar-se o funcionário público
de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que
tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio”.

A pena é de reclusão, de dois a doze anos, e multa. E “aplica-se a mesma


pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor
ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio
ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de fun-
cionário”.

Vale anotar que existem seis modalidades de peculato, segundo entendi-


mento doutrinário:

(a) “Peculato-apropriação” – Art. 312, caput, 1ª parte;

(b) “Peculato-desvio” – Art. 312, caput, 2ª parte;

(c) “Peculato-furto” – Art. 312, § 1º;

(d) “Peculato culposo” – Art. 312, § 2º;

(e) “Peculato-estelionato” (mediante erro de outrem) – Art. 313;

(f) “Peculato eletrônico” (inserção de dados falsos em sistema de in-


formações e modificação ou alteração não autorizada de sistema de
informações) – Art. 313, A e B do CP.
126 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

P Note-se que o art. 313-A não prevê a conduta de “modifica-


ção ou alteração de dados não autorizada em sistema de in-
formações”. Por outro lado, em que pese o art. 313-B fazer essa
previsão, diferentemente do art. 313-A, não há a exigência (no
313-B) de que o sujeito ativo só possa ser o “funcionário público
autorizado”, sendo que qualquer “funcionário”, ainda que não
expressamente autorizado a lidar com o sistema informatiza-
do ou banco de dados, pode praticar o crime.

P Do mesmo modo, note-se que o delito de inserção de da-


dos falsos em sistema de informações (art. 313-A) não prevê o
aumento de pena de um terço até a metade, se da modifica-
ção ou alteração resultar dano para a administração pública
ou para o administrado. Tal previsão encontra-se, tão somente,
no parágrafo único do art. 313-B, que trata da modificação ou
alteração não autorizada de sistema de informações.
Em relação à classificação jurídica, é possível verificar que se trata de cri-
me próprio quanto ao sujeito ativo; em regra doloso (embora admita a forma
culposa no art. 312, §2º); comissivo; em regra material (mas formal na figura
do art. 313-A, segundo entendimento predominante); é também um crime de
forma livre, instantâneo; unissubjetivo e plurissubsistente.

Uma questão relevante sobre o tema diz respeito à possibilidade (ou não)
de aplicação do princípio da insignificância no crime de peculato. E aqui, ve-
rificam-se duas correntes:

(1ª Corrente) tratando-se de crime contra a moralidade administrativa, é


inaplicável o princípio da insignificância – é a corrente predominante no STJ
(ver: AgRg no REsp 1275835/SC, DJe 01/02/2012); (

2ª Corrente) sendo o princípio da insignificância um vetor de aplicação ge-


ral no direito penal, é cabível (em regra) nos crimes contra a Administração
Pública –essa segunda corrente é a predominante no STF (ver: HC 107638/PE,
Relatora: Min. Cármen Lúcia, j.: 13/09/2011).

P Dica: o objeto material do crime de peculato-apropriação


pode ser: dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, de na-
tureza pública ou privada, de que tem o funcionário público a
posse em razão do cargo.
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 127

P Nota: por fim, veja que nos casos de peculato culposo, a re-
paração do dano, se precede à sentença irrecorrível, extingue
a punibilidade; se lhe é posterior, reduz de metade a pena im-
posta (art. 312, § 3° CP).

Concussão e excesso de exação:

Também merece destaque, entre os crimes funcionais, a figura da


Concussão (art. 316 do CP) – verbis: “Exigir, para si ou para outrem, direta ou
indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão
dela, vantagem indevida”. Trata-se de crime próprio, formal, comissivo, dolo-
so, instantâneo, unissubjetivo e plurissubsistente. No crime de concussão o
Estado é o sujeito passivo principal e o particular é o sujeito passivo secun-
dário. Ademais, reputa-se consumado o crime de concussão com a mera exi-
gência da vantagem indevida, independentemente da sua obtenção.

Por fim, tem-se que no delito de concussão o particular é constrangido a


entregar a vantagem indevida, diferente do que ocorre no delito de corrupção
ativa, no qual se pressupõe que o particular livremente ofereça ou prometa a
vantagem. Veja também que o CP prevê formas qualificadas para o crime de
concussão (§2º): se o funcionário desvia, em proveito próprio ou de outrem,
o que recebeu indevidamente para recolher aos cofres públicos (Pena de re-
clusão, de dois a doze anos, e multa).

Por fim, fala-se também do crime de “excesso de exação” (art. 316, § 1º do


CP): se o funcionário exige tributo ou contribuição social que sabe ou deveria
saber indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou
gravoso, que a lei não autoriza. A pena é de reclusão, de três a oito anos, e
multa.

Corrupção passiva:

Outra figura importante é a da Corrupção passiva (art. 317 do CP) – verbis:


“Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda
que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem in-
devida, ou aceitar promessa de tal vantagem” (Pena: reclusão, de dois a doze
anos, e multa). Trata-se de crime próprio, doloso formal ou material, comis-
sivo, instantâneo, unissubjetivo ou plurissubjetivo, unissubsistente ou pluris-
subsistente (a depender do caso).
128 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

Mas a pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem


ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício
ou o pratica infringindo dever funcional. E se o funcionário pratica, deixa de
praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo
a pedido ou influência de outrem, a pena passa a ser de detenção, de três
meses a um ano, ou multa.

P Para a configuração do crime de corrupção passiva, não é


imprescindível a concomitante ocorrência do delito de corrup-
ção ativa (Art. 333 do CP), não sendo o crime necessariamente
bilateral.

Prevaricação:

De acordo com o art. 319 do CP, o crime se perfaz pela seguinte condu-
ta: “Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou prati-
cá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sen-
timento pessoal” (Pena: detenção, de três meses a um ano, e multa). É
crime próprio, formal, comissivo ou omissivo, doloso, instantâneo, unis-
subjetivo e unissubsistente ou plurissubsistente (a depender da conduta).

P Fala-se também da prevaricação imprópria, figura do art.


319-A do CP (“Deixar o Diretor de Penitenciária e/ou agente pú-
blico, de cumprir seu dever de vedar ao preso o acesso a apa-
relho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunica-
ção com outros presos ou com o ambiente externo”). Tal figura
foi trazida com a Lei 11.466/07, e não se confunde com o crime
do art. 349-A do CP (“Ingressar, promover, intermediar, auxiliar
ou facilitar a entrada de aparelho telefônico de comunicação
móvel, de rádio ou similar, sem autorização legal, em estabe-
lecimento prisional”), pois este último não é crime funcional.

Outros crimes funcionais:

Os demais crimes funcionais são: a “Condescendência criminosa” (art.


320); a “Advocacia administrativa” (art. 321); a “Violência arbitrária” (art. 322);
o “Abandono de função” (art. 323); o “Exercício funcional ilegalmente ante-
cipado ou prolongado” (art. 324); a “Violação de sigilo funcional” (art. 325); a
“Violação do sigilo de proposta de concorrência” (art. 326 do CP). Em relação
a estes últimos, recomenda-se simples leitura dos pertinentes dispositivos
legais.
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 129

CRIMES PRATICADOS POR PARTICULARES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO


(ARTS. 328 A 337-A DO CP)
São crimes comuns no tocante ao sujeito ativo, embora tenham como ví-
tima, sempre, a Administração Pública. São crimes não funcionais, por exem-
plo: a “Usurpação de função pública” (art. 328 do CP), “Tráfico de Influência”
(art. 332 do CP) e a “Corrupção ativa” (art. 333 do CP).

Resistência, desobediência e desacato:

Aqui, o leitor deve dar especial atenção para os crimes de “resistência, de-
sobediência e desacato” (art. 329 a 331 do CP): na resistência, há violência
voltada contra o funcionário público para a não realização de um ato oficial,
enquanto no desacato, o fim é desrespeitar a sua função (independente de
violência). Já a desobediência é o caso do agente que não cumpre uma or-
dem legal emanada de funcionário público competente para tal.

Corrupção ativa:

A corrupção ativa (art. 333 do CP: “Oferecer ou prometer vantagem inde-


vida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato
de ofício”) também é uma boa aposta para as provas de Delegado. Lembre-se
que é um crime comum, formal, instantâneo, doloso, unissubjetivo, comissi-
vo, e que pode ser unissubsistente ou plurissubsistente (a depender da con-
duta). E mais: a pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem ou
promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringin-
do dever funcional.

Contrabando e descaminho:

Também interessa a análise do crime de Contrabando ou descaminho


(art. 334 do CP: “Importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo
ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela
saída ou pelo consumo de mercadoria”).

E incorre na mesma pena quem:

a) pratica navegação de cabotagem, fora dos casos permitidos em lei;

b) pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando ou descami-


nho;
130 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

c) vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma,


utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comer-
cial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira que introdu-
ziu clandestinamente no País ou importou fraudulentamente ou que
sabe ser produto de introdução clandestina no território nacional ou de
importação fraudulenta por parte de outrem;

d) adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício


de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência es-
trangeira, desacompanhada de documentação legal, ou acompanha-
da de documentos que sabe serem falsos.

Trata-se de crime comum, doloso, de forma livre, instantâneo, formal, unis-


subjetivo e plurissubsistente (ao menos em regra). Equipara-se às atividades
comerciais, para os efeitos do art. 334 do CP, qualquer forma de comércio ir-
regular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive o exercido em
residências.

P A pena aplica-se em dobro, se o crime de contrabando ou


descaminho é praticado em transporte aéreo.

P A depender do valor do tributo devido, é possível aplicar o


princípio da insignificância para o crime de descaminho (se-
gundo jurisprudência do STF).

P Facilitação de contrabando ou descaminho (art. 318 – “Facili-


tar, com infração de dever funcional, a prática de contrabando
ou descaminho: Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa”).
Veja que este é um crime funcional.

Outros crimes:

Os demais crimes praticados por particulares contra a administração


são: o “Impedimento, perturbação ou fraude de concorrência” (art. 335); a
“Inutilização de edital ou de sinal” (art. 336); a “Subtração ou inutilização de
livro ou documento” (art. 337). E por fim, temos o crime de “Sonegação de
contribuição previdenciária” do art. 337-A do CP (o qual foi incluído pela Lei
nº 9.983/00, e é de especial relevância para as provas de Delegado – razão
pela qual será melhor abordado na disciplina de Direito Previdenciário: “cri-
mes previdenciários”).
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 131

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO ESTRANGEIRA


Tais crimes são de rara incidência, razão pela qual se recomenda sim-
ples leitura dos pertinentes dispositivos legais. São duas as figuras típicas:
(i) “Corrupção ativa em transação comercial internacional” (art. 337-B); (ii)
“Tráfico de influência em transação comercial internacional” (art. 337-C).

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA


Por fim, de interesse para as provas, temos os crimes contra a adminis-
tração da Justiça, dentre os quais: o “Reingresso de estrangeiro expulso” (art.
338); a “Denunciação caluniosa” (art. 339 - que é crime comum, doloso, co-
missivo, instantâneo, de forma livre, unissubjetivo e plurissubsistente); e o
relevante crime de “Falso testemunho ou falsa perícia” (art. 342 – que é crime
de mão própria, formal, comissivo como regra, instantâneo, de forma livre,
unissubjetivo e unissubsistente; e vale lembrar que, embora seja crime de
mão própria, admite participação). Façamos agora uma análise dos mais re-
levantes tipos penais:

Reingresso de estrangeiro expulso:

O crime está previsto no art. 338 do CP (verbis): “Reingressar no território


nacional o estrangeiro que dele foi expulso” (Pena - reclusão, de um a quatro
anos, sem prejuízo de nova expulsão após o cumprimento da pena). A expul-
são do estrangeiro está regulada na Lei 6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro).
Assim, por meio de Decreto, o Presidente da República pode expulsar um
estrangeiro, caso verificar alguma das hipóteses do art. 65 da referida Lei. E,
nestes casos, ele não pode ao nosso país retornar. Se o fizer, estará cometen-
do o crime do art. 338 do CP.

Mas veja que o crime trata-se de reingressar, o que pressupõe que ele já
tenha sido legitimamente expulso e tenha saído do país. A consumação, in-
clusive, ocorre neste exato momento em que ele transpõe nossas barreiras
territoriais (sejam elas: físicas, aéreas ou marítimas). Trata-se de crime pró-
prio (somente o estrangeiro expulso do território nacional pode cometer), do-
loso (é necessária a intenção de reingressar ao território nacional; não sen-
do punível a forma culposa), comissivo (pressupõe uma ação), permanente
(segundo corrente majoritária, enquanto o estrangeiro estiver indevidamente
no território nacional o crime está em andamento), de forma livre, unissubje-
tivo (pode ser cometido por um agente, independentemente de concurso) e
plurissubsistente (pois seu iter é fracionável).
132 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

Denunciação caluniosa e autoacusação falsa:

Aduz o art. 339 do CP: “Dar causa à instauração de investigação policial, de


processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil
ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime
de que o sabe inocente” (Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa). E veja
que a pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve de anonimato
ou de nome suposto.

Por outro lado, a pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática


de contravenção penal.

O que o legislador quer punir, com este crime, é aquele que dá causa à
instauração (ou seja, que age de forma a ser iniciada) de uma investigação
policial ou administrativa, inquérito ou ação de improbidade contra outrem.

Veja que, neste caso, a vítima do crime não é a pessoa que foi denunciada,
mas sim a própria administração pública, que movimentará sua máquina in-
vestigatória contra um inocente.

P Veja que a denunciação caluniosa se difere, pois, do crime


de calúnia (art. 138 do CP), que visa proteger a honra da pessoa
acusada falsamente da prática de um crime.
Assim, a intenção do agente estabelecerá a diferença entre
estes crimes. E mais: anote-se que o crime de denunciação
caluniosa pressupõe que o delito imputado ao agente seja
inexistente ou, caso existente, que a imputação recaia sobre
alguém sabidamente inocente (o qual, inclusive, pode ser pes-
soa imaginária).

Trata-se de crime comum (pode ser praticado por qualquer um), doloso
(não se pune a forma culposa; assim como não se pune alguém que dá a
notícia de um crime contra alguém que julga efetivamente suspeito), comis-
sivo (pressupõe uma ação), instantâneo (seu momento consumativo é único:
com a instauração da investigação), de forma livre (pode ser praticado por
qualquer meio), unissubjetivo (pode ser praticado por um agente, indepen-
dentemente de concurso) e plurissubsistente (pois seu iter é fracionável).

Veja também que o crime se consuma não com a notícia falsa, mas sim
quando há a instauração da investigação. Portanto, entende a doutrina que é
um crime que admite tentativa.
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 133

Ademais, não se pode confunde a denunciação caluniosa com os crimes


dos arts. 340 e 341 do CP. Vejamos as principais diferenças: a Comunicação
falsa de crime ou de contravenção está prevista no art. 340 do CP (“Provocar
a ação de autoridade, comunicando-lhe a ocorrência de crime ou de contra-
venção que sabe não se ter verificado: Pena - detenção, de um a seis meses,
ou multa”); e a Autoacusação falsa no art. 341 do CP (“Acusar-se, perante a
autoridade, de crime inexistente ou praticado por outrem: Pena - detenção,
de três meses a dois anos, ou multa”).

A comunicação falsa de crime é infração comum quanto ao sujeito ativo


(mas próprio quanto ao sujeito passivo), doloso, comissivo, instantâneo, de
forma livre, unissubjetivo e plurissubsistente. Por exemplo: aquele que comu-
nica a existência de um falso crime à autoridade, fazendo com que o Estado
pratique, em vão, atos de investigação para elucidar o fato.

A auto-acusação falsa é crime comum quanto ao sujeito ativo (mas pró-


prio quanto ao sujeito passivo), doloso, comissivo, instantâneo, de forma livre,
unissubjetivo, plurissubsistente ou unissubsistente (a depender da forma que
venha a ser praticado). Por exemplo: aquele que assume a responsabilidade
de um crime que não cometeu, para livrar a responsabilidade de outrem.

P Mas veja que aquele que falsamente se acusa, perante a


autoridade, da prática de uma contravenção penal inexistente
ou praticada por outrem, não responde pelo art. 341 do CP (a
conduta não se tipifica nestas hipóteses).

Falso testemunho e falsa perícia:

Nos termos do art. 342 do CP: “Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a
verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em pro-
cesso judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral”.

A conduta diz respeito ao fato de fazer afirmação falsa: isto é, alegação


que não condiz com a realidade, mentindo sobre determinado fato; ou ainda,
negando um fato que ocorreu, não reconhecendo sua veracidade. Na primei-
ra hipótese, fala-se de “falsidade positiva” e, na segunda, de “falsidade nega-
tiva”. Mas existe uma terceira forma de caracterização do crime, qual seja:
calando-se, impedindo que a veracidade dos fatos chegue ao conhecimento
do Juiz. É o que a doutrina chama de “falsidade reticente” (calar a verdade,
omitindo o que sabe).
134 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

Veja que o próprio caput do art. 342 arrola quem pode ser sujeito ativo do
crime: a testemunha, o perito, o contador, o intérprete e o tradutor (o rol é ta-
xativo). Ademais, vale anotar que a conduta prevista pelo tipo penal deve ser
levada a efeito em processo judicial, administrativo, inquérito policial ou juízo
arbitral (fora destes casos, não há crime).

Configura o crime, por exemplo: o perito que presta declarações falsas no


corpo do laudo, indicando a inexistência de condição perigosa de trabalho.

A pena previsa para o crime é de reclusão, de dois a quatro anos, além da


multa (isso em razão da alteração trazida pela novel Lei 12.850, de 02 de agos-
to de 2013). Mas de acordo com o parágarfo primeiro, as penas aumentam-
se de um sexto a um terço, se o crime é praticado mediante suborno ou se
cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo
penal, ou em processo civil em que for parte entidade da administração pú-
blica direta ou indireta.

Por outro lado, o fato deixa de ser punível se, antes da sentença no proces-
so em que ocorreu o ilícito, o agente se retrata ou declara a verdade (o que é
uma causa de extinção da punibilidade, nos termos do art. 107, VI do CP).

Anote-se por fim, que a falsidade do testemunho deve recair sobre fato ju-
ridicamente relevante, não se configurando o delito se a falsidade for relativa
a fatos estranhos à matéria objeto da prova.

Trata-se de crime que tutela o prestígio da Justiça. É uma infração de mão


própria (só quem é a testemunha, o perito, o contador, o intérprete e o tra-
dutor pode cometer; embora haja corrente minoritária defendendo que se
trata de crime “próprio”), doloso (não se pune a forma culposa), formal (basta
faltar com a verdade para sua configuração; não é necessário que o teste-
munho falso gere alguma mácula no processo principal), comissivo (poden-
do ser omissivo próprio quando o agente “cala a verdade”), instantâneo (seu
momento consumativo é único: quando falta a verdade), de forma livre (pode
ser praticado por qualquer meio), unissubjetivo (pode ser praticado por um
agente, independentemente de concurso) e unissubsistente (seu iter crimi-
nis não é fracionável).

P Segundo jurisprudência majoritária, é um crime que admite


participação de terceiro (ex: um advogado instiga uma teste-
munha a mentir em juízo), embora não admita coautoria.
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 135

P Não confundir com a figura do art. 343 do CP: “Dar, oferecer


ou prometer dinheiro ou qualquer outra vantagem a testemu-
nha, perito, contador, tradutor ou intérprete, para fazer afirma-
ção falsa, negar ou calar a verdade em depoimento, perícia,
cálculos, tradução ou interpretação: Pena - reclusão, de três a
quatro anos, e multa”. Por exemplo: o reclamado que oferece
dinheiro ao perito para modificar o resultado de seu laudo, in-
dicando a inexistência de condição perigosa de trabalho.

Outras figuras contra a Administração da Justiça:

Ainda em termos de crimes contra a administração da Justiça, temos ou-


tras figuras delitivas previstas entre os arts. 344 a 359 do CP (e vale anotar
que a grande maioria delas é de pouca incidência). Vejamos alguns detalhes
destas hipóteses.

a) Coação no curso do processo (art. 344 do CP):

“Usar de violência ou grave ameaça, com o fim de favorecer interesse pró-


prio ou alheio, contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funcio-
na ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo,
ou em juízo arbitral” (Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa, além da
pena correspondente à violência).

Veja então que a utilização da violência ou grave ameaça deve ser dirigida
finalisticamente no sentido de obter algum favorecimento de interesse pró-
prio ou alheio que esteja sendo considerado em processo judicial, policial,
administrativo ou juízo arbitral. E note que a conduta do agente é dirigida con-
tra a autoridade, parte ou contra qualquer pessoa que funciona ou é chama-
da a intervir no processo. (ex: peritos, escrivães, oficiais, jurado, etc.) Trata-se
de crime comum no que tange ao sujeito ativo (mas próprio em relação ao
sujeito passivo), doloso, comissivo, instantâneo, de forma livre, unissubjetivo
e plurissubsistente.

b) Exercício arbitrário das próprias razões (art. 345 do CP):

“Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora le-
gítima, salvo quando a lei o permite” (Pena - detenção, de quinze dias a um
mês, ou multa, além da pena correspondente à violência).
136 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

Neste caso, a Lei penal pune aquele que resolve agir por conta própria, de
acordo com sua vontade, não solicitando a intervenção do Estado, responsá-
vel pela aplicação do Direito diante do caso concreto.

Por exemplo: o empregado despedido que, por não ter recebido verbas
indenizatórias que julgava ser cabíveis, acaba subtraindo bens da empresa
para quitar o valor.

Trata-se de crime comum, doloso, comissivo, instantâneo, de forma livre,


unissubjetivo e plurissubsistente. A ação penal nestes casos, em regra, é de
iniciativa privada; somente será pública incondicionada se houver emprego
de violência contra a pessoa (vis absoluta).

P Há que se observar, também, da figura aproximada prevista


no art. 346 do CP: “Tirar, suprimir, destruir ou danificar coisa
própria, que se acha em poder de terceiro por determinação
judicial ou convenção” (Pena - detenção, de seis meses a dois
anos, e multa). Trata-se de crime próprio (não é qualquer um
que pode praticá-lo), doloso, comissivo, instantâneo, de forma
livre, unissubjetivo e plurissubsistente.

c) Fraude processual (art. 347 do CP):

“Inovar artificiosamente, na pendência de processo civil ou administrativo,


o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de induzir a erro o juiz ou
o perito” (Pena - detenção, de três meses a dois anos, e multa).

Mas veja que se a inovação se destina a produzir efeito em processo pe-


nal, ainda que não iniciado, as penas aplicam-se em dobro (mas veja que tal
majorante não se aplica para inovações feitas no bojo do processo civil).

Inovar artificiosamente é valer-se de um artifício ou ardil, com a finalidade


de enganar, iludir, modificando o estado de lugar, coisa ou pessoa.

Por exemplo: em um crime de homicídio, se alguém elimina os vestígios


de sangue numa peça indiciária que comprovaria a autoria do crime, ou se
coloca um revólver junto ao corpo da vítima do homicídio para tentar conven-
cer as autoridades que foi um suicídio.

Trata-se de crime comum, comissivo, instantâneo, de forma livre, unis-


subjetivo e plurissubsistente.
PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR DIREITO PENAL 137

d) Favorecimento pessoal e real:

De acordo com o art. 348 do CP, configura o crime de Favorecimento pes-


soal: “Auxiliar a subtrair-se à ação de autoridade pública autor de crime a que
é cominada pena de reclusão” (Pena - detenção, de um a seis meses, e mul-
ta). Por outro lado, se ao crime não é cominada pena de reclusão, a pena será
de detenção, de quinze dias a três meses, e multa.

Auxiliar significa ajudar, socorrer, prestar auxílio para que alguém se sub-
traia à ação da autoridade pública. Trata-se de crime comum no que tange ao
sujeito ativo (e próprio quanto ao sujeito passivo), doloso, comissivo, de forma
livre, instantâneo, unissubjetivo e plurissubsistente. Todavia, se o agente que
presta o auxílio é ascendente, descendente, cônjuge ou irmão do criminoso,
ficará isento de pena (por inexigibilidade de conduta diversa).

P Para que se configure o favorecimento pessoal, é imprescin-


dível que o crime praticado pelo auxiliado já tenha se consu-
mado em momento anterior. Isso porque, do contrário, aquele
que o auxiliou poderá ser punido na condição de partícipe do
crime originário.

Já o Favorecimento real, nos termos do art. 349 do CP, consagra-se por:


“Prestar a criminoso, fora dos casos de coautoria ou de receptação, auxílio
destinado a tornar seguro o proveito do crime” (Pena - detenção, de um a seis
meses, e multa). Aqui, o sujeito é punido por auxiliar aquele que cometeu um
crime anterior a preservar, a conservar o proveito do seu crime (veja que a
ajuda, aqui, não é para esconder a pessoa das autoridades). E para que ocor-
ra o favorecimento real, não poderá o agente ter, de forma alguma, concor-
rido para o crime anterior (sob pena de se coautor ou partícipe do mesmo).

Trata-se de crime comum no que tange ao sujeito ativo (e próprio quanto


ao sujeito passivo), doloso, comissivo, de forma livre, instantâneo, unissubje-
tivo e plurissubsistente. Por fim, existe também uma figura sui generis de fa-
vorecimento, prevista no art. 349-A do CP (novidade trazida pela Lei 12.012/09):
“Ingressar, promover, intermediar, auxiliar ou facilitar a entrada de aparelho
telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, sem autorização legal,
em estabelecimento prisional” (Pena: detenção, de três meses a um ano). O
objetivo desta figura é impedir que o preso tenha, indevidamente, acesso a
aparelhos de comunicação.

Trata-se de crime comum, doloso, comissivo ou omissivo, de forma livre,


instantâneo, unissubjetivo e unissubsistente.
138 DIREITO PENAL PC/RS | ESCRIVÃO E INSPETOR

P Veja que este último não se confunde com o crime do art.


319-A do CP, que é um crime funcional (omissão no dever de
vedar ao preso o acesso a aparelho telefônico, de rádio ou si-
milar).

e) Exercício arbitrário ou abuso de poder:

Diz o art. 350 do CP: “Ordenar ou executar medida privativa de liberdade


individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder” (Pena - de-
tenção, de um mês a um ano).

E na mesma pena incorre o funcionário que: I - ilegalmente recebe e re-


colhe alguém a prisão, ou a estabelecimento destinado a execução de pena
privativa de liberdade ou de medida de segurança; II - prolonga a execução
de pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportu-
no ou de executar imediatamente a ordem de liberdade; III - submete pessoa
que está sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não
autorizado em lei; IV - efetua, com abuso de poder, qualquer diligência.

P Segundo entendimento doutrinário, tal crime foi parcial-


mente revogado (derrogado) com o advento da Lei de Abuso
de Autoridade (Lei 4.898/65). Entende-se que somente o art.
350, §único, inciso IV do CP continua vigente (mas tal não é pa-
cífico).

f) Fuga, evasão mediante violência, arrebatamento de preso e mo-


tim:

Diz o art. 351 do CP: “Promover ou facilitar a fuga de pessoa legalmente


presa ou submetida a medida de segurança detentiva” (Pena - detenção, de
seis meses a dois anos; mas se o crime é praticado a mão armada, ou por
mais de uma pessoa, ou mediante arrombamento, a pena é de reclusão, de
dois a seis anos). Se há emprego de violência contra pessoa, aplica-se tam-
bém a pena correspondente à violência. Por outro lado, a pena é de reclusão,
de um a quatro anos, se o crime é praticado por pessoa sob cuja custódia ou
guarda está o preso ou o internado. Por fim, é certo que no caso de culpa do
funcionário incumbido da custódia ou guarda, aplica-se a pena de detenção,
de três meses a um ano, ou multa.
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É crime comum, comissivo ou omissivo, doloso (mas que pode ser culpo-
so, por força do §4º), instantâneo, de forma livre, unissubjetivo e plurissubsis-
tente.

Já o art. 352 do CP aduz: “Evadir-se ou tentar evadir-se o preso ou o indiví-


duo submetido a medida de segurança detentiva, usando de violência contra
a pessoa” (Pena - detenção, de três meses a um ano, além da pena corres-
pondente à violência). Veja que, neste caso, a pena é a mesma seja para a
modalidade consumada como para a modalidade tentada: é o que a doutrina
chama de “crimes de atentado”. É crime próprio, doloso, comissivo, instantâ-
neo, de forma livre, unissubjetivo e plurissubjetivo.

O art. 353 diz: “Arrebatar preso, a fim de maltratá-lo, do poder de quem o


tenha sob custódia ou guarda” (Pena - reclusão, de um a quatro anos, além
da pena correspondente à violência). É crime comum quanto ao sujeito ati-
vo (e próprio quanto ao passivo), doloso, comissivo, instantâneo, de forma li-
vre, unissubjetivo e plurissubsistente. Por fim, o art. 354 do CP fala de motim:
“Amotinarem-se presos, perturbando a ordem ou disciplina da prisão” (Pena
- detenção, de seis meses a dois anos, além da pena correspondente à vio-
lência). É crime próprio, doloso, comissivo, de forma livre, permanente, pluris-
subjetivo e plurissubsistente.

g) Patrocínio infiel:

Nos termos do art. 355 do CP: “Trair, na qualidade de advogado ou procu-


rador, o dever profissional, prejudicando interesse, cujo patrocínio, em juízo,
lhe é confiado” (Pena - detenção, de seis meses a três anos, e multa).

O crime visa punir aquele advogado que quebra a confiança que nele ha-
via sido depositada pelo cliente, prejudicando seus interesses perante o juízo.

Por exemplo: o advogado que patrocina simulada causa do reclamante


para atender aos interesses exclusivos do reclamado, apresentando propos-
ta desvantajosa ao seu cliente e sem sequer com ele manter contato. É crime
próprio, doloso, comissivo ou omissivo, instantâneo, de forma livre, unissub-
jetivo e plurissubsistente.

Por fim, fala-se também do crime de Patrocínio simultâneo ou tergiversa-


ção, do art. 355, parágrafo único do CP (verbis): “Incorre na pena deste artigo
o advogado ou procurador judicial que defende na mesma causa, simultânea
ou sucessivamente, partes contrárias”.
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h) Sonegação de papel ou objeto de valor probatório:

Diz o art. 356 do CP: “Inutilizar, total ou parcialmente, ou deixar de restituir


autos, documento ou objeto de valor probatório, que recebeu na qualidade
de advogado ou procurador” (Pena - detenção, de seis a três anos, e multa).É
crime próprio quanto ao sujeito ativo, doloso, comissivo (na conduta de inuti-
lizar) ou omissivo (na conduta deixar de restituir), instantâneo (na modalidade
inutilizar) ou permanente (na conduta deixar de restituir), de forma livre, unis-
subjetivo, podendo ser unissubsistente ou plurissubsistente (a depender do
caso).

i) Exploração de prestígio:

Por força do art. 357 do CP: “Solicitar ou receber dinheiro ou qualquer outra
utilidade, a pretexto de influir em juiz, jurado, órgão do Ministério Público, fun-
cionário de justiça, perito, tradutor, intérprete ou testemunha” (Pena - reclu-
são, de um a cinco anos, e multa; e vale anotar que as penas aumentam-se
de um terço, se o agente alega ou insinua que o dinheiro ou utilidade também
se destina a qualquer das pessoas referidas neste artigo). É crime comum
(ou seja, não precisa ser funcionário público para cometer tal figura delitiva),
comissivo, doloso, instantâneo, de forma livre, unissubjetivo, podendo ser
unissubsistente ou plurissubsistente.

j) Violência ou fraude em arrematação judicial:

Diz o art. 358 do CP: “Impedir, perturbar ou fraudar arrematação judicial;


afastar ou procurar afastar concorrente ou licitante, por meio de violência,
grave ameaça, fraude ou oferecimento de vantagem” (Pena - detenção, de
dois meses a um ano, ou multa, além da pena correspondente à violência). É
crime comum, comissivo, doloso, instantâneo, de forma livre, unissubjetivo, e
plurissubsistente.

k) Desobediência a decisão judicial sobre perda ou suspensão de


direito:

Por fim, temos o crime do art. 359, caput do CP: “Exercer função, ativida-
de, direito, autoridade ou múnus, de que foi suspenso ou privado por decisão
judicial” (Pena - detenção, de três meses a dois anos, ou multa). É crime pró-
prio, comissivo, doloso, instantâneo, de forma livre, unissubjetivo, podendo
ser unissubsistente ou plurissubsistente.
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