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Poder Judiciário do Estado de Minas Gerais

PJe - Processo Judicial Eletrônico

09/02/2024

Número: 0005372-75.2019.8.13.0405
Classe: [CRIMINAL] AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO SUMÁRIO
Órgão julgador: Vara Única da Comarca de Martinho Campos
Última distribuição : 04/08/2021
Processo referência: 00053727520198130405
Assuntos: Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas
Segredo de justiça? NÃO
Justiça gratuita? SIM
Pedido de liminar ou antecipação de tutela? NÃO
Partes Advogados
Ministério Público - MPMG (AUTOR)
IZAQUE FERNANDES VIEIRA (RÉU/RÉ)
RENATO ARAUJO CESAR (ADVOGADO)

Documentos
Id. Data da Assinatura Documento Tipo
9600537526 09/09/2022 10:47 RAZÕES DE APELAÇÃO Petição
PROCESSO Nº: 0005372-75.2019.8.13.0405
APELANTE: IZAQUE FERNANDES VIEIRA
APELADO: JUSTIÇA PÚBLICA

E. Tribunal de Justiça

C. Câmara

DD Procurador de Justiça

RAZÕES DE RECURSO

1. FATOS:

Izaque Fernandes Vieira foi denunciado pela prática delito disposto no art. 12
da Lei 10.826/03.

Consta do incluso inquérito policial que o denunciado, no dia 22 de março de


2019, às 09 horas e 40 minutos, na rua Padre Marinho, n° 171, bairro Centro, neste município, possuía 01
(uma) munição calibre .38, marca CBC, em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Conforme apurado, na ocasião, durante operação "Faroeste Caboclo",


policiais militares receberam informações de que o denunciado guardava, em sua residência, drogas, arma
de fogo e munições.

Ato contínuo, após se deslocarem até o local, onde tiveram o acesso


franqueado, os policias realizaram buscas e encontraram, além de 01 (uma) balança de precisão e vários
saquinhos de "chupchup", normalmente utilizados para o comércio de drogas, 01 (uma) munição, calibre
.38, marca CBC, de propriedade do denunciado, que não tinha autorização legal para tanto e foi preso em
flagrante.

Número do documento: 22090910470100100009596631245


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Após instrução do processo sobreveio sentença condenatória impondo ao
apelante a pena de 01 (um) ano, 04 (quatro) meses e 10 (dez) dias de detenção, bem como 14 (quatorze)
dias-multa, fixando-se o regime inicial semiaberto.

Intimado pessoalmente da sentença, o apelante interpôs Recurso de


Apelação.

A defesa foi intimada a apresenta razões recursais.

Eis o resumo do necessário.

2. FUNDAMENTOS:
2.1 RAZÕES DE REFORMA DA SENTENÇA – ATIPICIDADE DA
CONDUTA:

Sobre o delito em análise, de plano, independente de discussão sobre a


ciência ou não da existência das munições da residência, o que será reservado para tese subsidiária,
sustenta a atipicidade da conduta.

Sobre o delito descrito no art. 12 da Lei 10.826/03, importante ponderar que


a posse de munição de uso permitido é atípica seja pela ausência de possibilidade da prática de crime
contra a incolumidade pública, seja pela presunção de boa-fé que deve ser extraída dos arts. 30 e 32 da
mesma legislação penal especial.

Na primeira hipótese, temos que levar em consideração a “Teoria da


Imputação Objetiva” que equaciona uma relação jurídica entre a conduta, um risco permitido e um
resultado jurídico prescrito em lei.

Aplicar a Teoria da Imputação Objetiva significa imputar a alguém


realização de uma conduta criadora de um relevante risco juridicamente proibido e a produção de um
resultado jurídico prescrito em lei. É uma teoria que vem a complementar a teoria finalista [1], que utiliza

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a teoria dos equivalentes causais[2] para delimitar as fronteiras entre o penalmente permitido e o proibido.

Para verificar se determinada pessoa cometeu um crime, a teoria da


imputação objetiva oferece quatro elementos ou condições que devem estar presentes na conduta do
sujeito ativo: 1) causalidade material entre a conduta e o resultado; 2) criação de um risco ao bem jurídico
relevante e juridicamente não autorizado; 3) resultado jurídico advindo do risco; 4) correspondência entre
o resultado jurídico e o perigo juridicamente desaprovado.

Dessa forma, a causalidade prevista na teoria finalista, tipicidade objetiva e


subjetiva (dolo e culpa), torna-se uma condição mínima, devendo a ela agregar-se a relação normativa
entre o comportamento do sujeito ativo e a produção do resultado. A Teoria da Imputação Objetiva vem
preencher essa lacuna entre o comportamento do sujeito ativo e o resultado ou risco que se produziu
advindo dessa conduta.

O crime de posse de arma ou munição é um crime de mera conduta. Logo,


inexiste resultado material, não se podendo aplicar a primeira condição da Teoria da Imputação Objetiva.
Ora, é evidente que não há relação de causalidade objetiva entre possuir uma arma e produzir um
resultado material. Entretanto, existe o resultado jurídico daquele que ilegalmente porta arma de fogo ou
munição, que é o perigo de lesão à coletividade.

A conduta do agente de portar uma arma de fogo não carregada ou o simples


fato de portar munição não pode ser visto como uma ameaça a sociedade ou uma agressão a incolumidade
pública, porque não houve um resultado jurídico na mera conduta do agente.

Uma arma descarregada ou a simples posse de munição nunca gera a


potencialidade de causar dano a incolumidade pública, porque uma arma descarregada ou simples posse
de munição não são objetos aptos para agredir um bem jurídico.

Destarte, a arma descarregada ou a simples posse de munição não podem


gerar a tipicidade do fato previsto no art. 12 e art. 14 da Lei 10.826/03, porque o meio (arma
descarregada ou somente a munição) é inviável para lesionar a objetividade jurídica tutelada pelos
dispositivos.

A potencialidade lesiva do artefato bélico é necessária para que haja crime

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contra a incolumidade pública. Sem a potencialidade lesiva, não existe criação de risco relevante (2ª
Condição da Teoria da Imputação Objetiva) e, sem risco relevante, sequer poderemos falar em resultado
jurídico da conduta do agente.

Nesse sentido:

EMENTA: Arma de fogo: porte consigo de arma de fogo, no entanto, desmuniciada e sem
que o agente tivesse, nas circunstâncias, a pronta disponibilidade de munição: inteligência
do art. 10 da L. 9437/97: atipicidade do fato: 1. Para a teoria moderna - que dá realce
primacial aos princípios da necessidade da incriminação e da lesividade do fato criminoso -
o cuidar-se de crime de mera conduta - no sentido de não se exigir à sua configuração um
resultado material exterior à ação - não implica admitir sua existência independentemente
de lesão efetiva ou potencial ao bem jurídico tutelado pela incriminação da hipótese de fato.
2. É raciocínio que se funda em axiomas da moderna teoria geral do Direito Penal; para o
seu acolhimento, convém frisar, não é necessário, de logo, acatar a tese mais radical que
erige a exigência da ofensividade a limitação de raiz constitucional ao legislador, de forma
a proscrever a legitimidade da criação por lei de crimes de perigo abstrato ou presumido:
basta, por ora, aceitá-los como princípios gerais contemporâneos da interpretação da lei
penal, que hão de prevalecer sempre que a regra incriminadora os comporte. 3. Na figura
criminal cogitada, os princípios bastam, de logo, para elidir a incriminação do porte da
arma de fogo inidônea para a produção de disparos: aqui, falta à incriminação da conduta o
objeto material do tipo. 4. Não importa que a arma verdadeira, mas incapaz de disparar, ou
a arma de brinquedo possam servir de instrumento de intimidação para a prática de outros
crimes, particularmente, os comissíveis mediante ameaça - pois é certo que, como tal,
também se podem utilizar outros objetos - da faca à pedra e ao caco de vidro -, cujo porte
não constitui crime autônomo e cuja utilização não se erigiu em causa especial de aumento
de pena. 5. No porte de arma de fogo desmuniciada, é preciso distinguir duas situações, à
luz do princípio de disponibilidade: (1) se o agente traz consigo a arma desmuniciada, mas
tem a munição adequada à mão, de modo a viabilizar sem demora significativa o
municiamento e, em conseqüência, o eventual disparo, tem-se arma disponível e o fato
realiza o tipo; (2) ao contrário, se a munição não existe ou está em lugar inacessível de
imediato, não há a imprescindível disponibilidade da arma de fogo, como tal - isto é, como
artefato idôneo a produzir disparo - e, por isso, não se realiza a figura típica. (RHC 81057,
Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) p/ Acórdão: Min. SEPÚLVEDA
PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 25/05/2004, DJ 29-04-2005 PP-00030 EMENT
VOL-02189-02 PP-00257 RTJ VOL-00193-03 PP-00984)

Já em relação à segunda hipótese, os artigos 30 e 32 da Lei n° 10.826/03


previram o prazo de 180 dias para que os possuidores e proprietários regularizassem ou entregassem suas

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armas de fogo e seus petrechos.

Tal prazo foi sucessivamente prorrogado, sendo certo que esta abolitio
criminis foi estendida inclusive pelo Decreto nº 7.473/2011, que alterou o Decreto no 5.123/2004,
regulamentador daquela Lei, abrangendo as condutas de possuir e manter sob guarda arma de fogo,
acessório ou munição, na residência ou no local de trabalho, in verbis:
"Art. 69. Presumir-se-á a boa-fé dos possuidores e proprietários de armas de fogo que
espontaneamente entregá-las na Polícia Federal ou nos postos de recolhimento
credenciados, nos termos do art. 32 da Lei no 10.826, de 2003."

Diante disso, a melhor interpretação é aquela que conclui pela atipicidade da


conduta 'possuir' prevista tanto no art. 12 quanto no art. 16, ambos da Lei n° 10.826/03, já que se presume
a boa-fé de que o acusado entregaria a arma e seus petrechos.

Aliás, este vem sendo o entendimento do Tribunal de Justiça de Minas


Gerais:

EMENTA: PENAL. PRELIMINAR. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA.


TRÁFICO DE ENTORPECENTE. DESCLASSIFICAÇÃO PARA USO.
IMPOSSIBILIDADE. AUTORIA E DESTINAÇÃO MERCANTIL DEMONSTRADAS.
CONDENAÇÃO MANTIDA. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA
PREVISTA NO § 4.º DO ARTIGO 33. APLICABILIDADE. REGIME ABERTO.
SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE
DIREITOS. POSSIBILIDADE. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO E MUNIÇÃO.
ABOLITIO CRIMINIS. ABSOLVIÇÃO. ATIPICIDADE. 1. Atendendo a denúncia de
forma satisfatória os requisitos do art. 41, do CPP, expondo o fato criminoso, bem como
trazendo a qualificação do denunciado e a classificação do crime a ele imputado, não há
que se falar em sua inépcia. 2. Havendo elementos suficientes para demonstrar a autoria e a
destinação mercantil do entorpecente, não há como acolher a pretensão de desclassificação
do delito para o do artigo 28 da Lei 11.343/06. 3. Presentes os requisitos subjetivos e
objetivos previstos no parágrafo 4º, do artigo 33, da Lei 11.343/2006, deve ser aplicada a
minorante. 4. É possível o abrandamento do regime de cumprimento de pena e a sua
substituição, quando reconhecida a referida causa especial de diminuição de pena. 5.
Constatando-se desproporção entre a análise das circunstâncias judiciais e a pena-base
fixada, deve proceder-se ao devido ajuste. 6. A posse de arma de fogo e munição, no
interior da residência, sem autorização e em desacordo com a disposição legal está
temporariamente coberta pela abolitio criminis, em observância ao Decreto 7.473/2011.
1.0704.11.006368-9/001 Relator(a): Des.(a) Maria Luíza de Marilac Data da publicação da

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súmula: 23/11/2012
EMENTA: APELAÇÃO. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. ABOLITIO
CRIMINIS. ABSOLVIÇÃO. ATIPICIDADE. A posse de arma de fogo, no interior de
residência, sem autorização e em desacordo com a disposição legal está temporariamente
coberta pela abolitio criminis, em observância ao Decreto 7.473/2011.
V . V .
1.0079.09.942211-9/001 Relator(a): Des.(a) Fortuna Grion Data da publicação da súmula:
13/11/2012

No mesmo sentido vem decidindo o Egrégio TJRS:

Ementa: APELAÇÃO CRIMINAL. POSSE DE ACESSÓRIO DE ARMA DE FOGO. A


CONDUTA DE POSSUIR/MANTER SOB GUARDA ACESSÓRIO DE ARMA DE
FOGO, AINDA QUE DE USO RESTRITO, RESTOU ABARCADA PELA ABOLITIO
CRIMINIS. ARTIGO 32, DA LEI Nº 10.826/03. PORTARIA Nº 797/2011, DO
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, E DECRETO Nº 7.473/2011. ARTIGO 5º, INCISO XL, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ABSOLVIÇÃO
MANTIDA. APELO MINISTERIAL IMPROVIDO. (Apelação Crime Nº 70044007045,
Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Newton Brasil de Leão,
Julgado em 22/08/2012)

Assim, requer-se a reforma da sentença hostilizada para absolver o


apelante em razão da atipicidade da conduta.
2.2 AUSÊNCIA DE AUTORIA:

Superada a questão acima, o que não se espera, no mérito, pede-se a reforma


da sentença e a absolvição do apelante porque a munição não lhe pertencia e ele sequer sabia de sua
existência dentro da residência.

Nos termos de sua oitiva perante a Autoridade Policial, o acusado informou o


seguinte:

(...) QUE o declarante nega que antes da chegada da Polícia Militar em sua casa houvesse
uma munição calibre .38 em cima da geladeira, e afirma que não recolheu isso no local;
QUE viu a munição quando um Policial Militar saiu d quarto e retirou a munição do bolso e

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que queria arma de qualquer jeito, caso contrário prenderiam sua esposa e entregariam seu
filho ao conselho tutelar; QUE o declarante nega a propriedade da munição apreendida em
questão, não sabendo dizer de quem seja (...)

Assim, não sendo o proprietário da munição e não sabendo que a mesma


estava em sua casa, defendendo a tese de que foi plantada no local, pede-se a reforma da sentença e a
absolvição do apelante.
3. PEDIDOS:

Pelo exposto requer-se o recebimento e processamento do recurso de


apelação para reformar a sentença hostilizada, reconhecendo a atipicidade da conduta ou afastar a autoria
do crime.

Nestes termos, pede e espera deferimento.

RENATO ARAÚJO CÉSAR

OAB/MG 171.386

[1] Para os Finalistas, dolo e culpa são elementos psicológicos que compõem a conduta, ligando o agente ao seu fato. O dolo e culpa são os elementos que
compõem o tipo subjetivo, quando não estão presentes, ocorre atipicidade e, portanto, não existe crime.

[2] Também chamado de teoria da equivalência dos antecedentes afirma que todos os fatos que concorrem para a eclosão do evento devem ser considerada
causa deste. Basta que a ação tenha sido condição para o resultado, mesmo que tenha concorrido para o evento de outros fatos, a ação é a causa e o agente é o
causador dele. Dessa forma, para os finalistas, só pratica conduta típica quem age com dolo ou culpa.

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