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Professora Amanda Zaquini

Direito das Coisas

Do condomínio edilício
1. Regras gerais básicas
Conforme relatam Jones Figueirêdo Alves e Má rio Luiz Delgado, doutrinadores que
participaram no processo de elaboraçã o da atual lei civil, o termo condomínio
edilício foi introduzido por Miguel Reale, por se tratar de uma expressã o de origem
latina, muito utilizada, por exemplo, pelos italianos. Ainda sã o usados os termos
condomínio em edificaçõ es e condomínio horizontal (eis que as unidades estã o
horizontalmente uma para as outras).
Cumpre destacar que se segue o entendimento doutriná rio que prega a aplicaçã o
das regras do condomínio edilício para categorias similares. Nesse sentido, o
Enunciado n. 89 do CJF/STJ, da I Jornada de Direito Civil, in verbis: “o disposto nos
arts. 1.331 a 1.358 do novo Có digo Civil aplica-se, no que couber, aos condomínios
assemelhados, tais como loteamentos fechados, multipropriedade imobiliá ria e
clubes de campo”. Sobre a multipropriedade, como se verá de forma mais
aprofundada, o tema acabou por ser regulado pela Lei 13.777/2018.
Preconiza o art. 1.331 do CC que pode haver, em edificaçõ es, duas modalidades de
partes:
Partes que sã o propriedade exclusiva (á reas autô nomas ou exclusivas) – caso dos
apartamentos, dos escritó rios, das salas, das lojas, das sobrelojas ou abrigos para
veículos, com as respectivas fraçõ es ideais no solo e nas outras partes comuns.
Como componentes da propriedade exclusiva – havendo uma fraçã o real –, podem
ser alienadas e gravadas livremente por seus proprietá rios, nã o havendo direito de
preferência a favor dos outros condô minos. A norma – § 1.º do art. 1.331 – foi
alterada pela Lei 12.607, de 4 de abril de 2012. Passou, assim, a prever que os
abrigos de veículo nã o poderã o ser alienados ou alugados a pessoas estranhas ao
condomínio, salvo autorizaçã o expressa na convençã o de condomínio. A alteraçã o
tem justificativa na proteçã o da segurança do condomínio, bem como na sua
funcionalidade.
Partes que sã o propriedade comum dos condô minos (á reas comuns) – o solo, a
estrutura do prédio, o telhado, a rede geral de distribuiçã o de á gua, esgoto, gá s e
eletricidade, a calefaçã o e refrigeraçã o centrais, e as demais partes comuns,
inclusive o acesso ao logradouro pú blico. Nã o podem ser alienados separadamente,
ou divididos. Em relaçã o a tais á reas, a cada unidade imobiliá ria caberá , como
parte insepará vel, uma fraçã o ideal no solo e nas outras partes comuns, que será
identificada em forma decimal ou ordiná ria no instrumento de instituiçã o do
condomínio. Nenhuma unidade imobiliá ria pode ser privada do acesso ao
logradouro pú blico. Anote-se que, pela lei, o terraço de cobertura é parte comum,
salvo disposiçã o contrá ria da escritura de constituiçã o do condomínio. Além disso,
segundo a doutrina, no condomínio edilício é possível a utilizaçã o exclusiva de á rea
“comum” que, pelas pró prias características da edificaçã o, nã o se preste ao “uso
comum” dos demais condô minos (Enunciado n. 247 do CJF/STJ). Como exemplos,
mencionem-se as vigas e pilares existentes nos apartamentos. Para a
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, nã o há ó bice para que um
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condô mino reforme ou utilize, de forma exclusiva, á rea comum do condomínio,


desde que exista autorizaçã o da assembleia geral (premissa nú mero 16 da Ediçã o
n. 68 da ferramenta Jurisprudência em Teses, de outubro de 2016). A título de
exemplo, cite-se, nos prédios com um apartamento por andar, o uso do hall do
elevador privativo da unidade.
Como outrora foi anotado, há no condomínio, substancialmente, uma relaçã o entre
coisas e nã o entre pessoas. Sendo assim, conforme pacífica conclusã o da
jurisprudência, nã o há que se falar em relaçã o jurídica de consumo entre os
condô minos. No mesmo sentido, a afirmaçã o nú mero 10 constante da Ediçã o n. 68
da ferramenta Jurisprudência em Teses, do Superior Tribunal de Justiça: “nas
relaçõ es jurídicas estabelecidas entre condomínio e condô minos nã o incide o
Có digo de Defesa do Consumidor”. Como os condô minos sã o componentes da
relaçã o entre as coisas, falta a alteridade pró pria das relaçõ es de consumo.
2. Instituição e constituição do condomínio edilício
Nos termos do art. 1.332 do CC, a instituiçã o do condomínio edilício pode ser feita
por ato entre vivos ou testamento, registrado no Cartó rio de Registro de Imó veis.
Como notó rio e corriqueiro ato de instituiçã o inter vivos, cite-se o negó cio jurídico
de incorporaçã o imobiliá ria. Devem constar da instituiçã o:
 A discriminaçã o e individualizaçã o das unidades de propriedade exclusiva,
estremadas uma das outras e das partes comuns, o que constitui um
trabalho essencialmente de engenharia.
 A determinaçã o da fraçã o ideal atribuída a cada unidade, relativamente ao
terreno e à s partes comuns.
 O fim a que as unidades se destinam, o que é fundamental para a
funcionalizaçã o concreta do condomínio edilício.
No que concerne à convençã o de condomínio, essa constitui o estatuto coletivo que
regula os interesses das partes, havendo um típico negó cio jurídico decorrente do
exercício da autonomia privada. Enuncia o art. 1.333 do CC que a convençã o que
constitui o condomínio edilício deve ser subscrita pelos titulares de, no mínimo,
dois terços das fraçõ es ideais, tornando-se, desde logo, obrigató ria para os titulares
de direito sobre as unidades, ou para quantos sobre elas tenham posse ou
detençã o.
Para ser oponível contra terceiros (efeitos erga omnes), a convençã o do
condomínio deverá ser registrada no Cartó rio de Registro de Imó veis. Todavia,
consigne-se que, conforme a Sú mula 260 do STJ, a convençã o de condomínio
aprovada, ainda que sem registro, é eficaz para regular as relaçõ es entre os
condô minos (efeitos inter partes).
Como se nota, a convençã o é regida pelo princípio da força obrigató ria da
convençã o (pacta sunt servanda). Porém, na realidade contemporâ nea, nã o se
pode esquecer que tal preceito nã o é absoluto, encontrando fortes limitaçõ es nas
normas de ordem pú blica, nos preceitos constitucionais e em princípios sociais,
caso da boa-fé objetiva e da funçã o social. Na teoria e na prá tica, a grande
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dificuldade está em saber os limites de licitude das estipulaçõ es da convençã o


condominial.
Para ilustrar, como primeira concreçã o, surge a polêmica referente à presença de
animais nas dependências do condomínio. Três situaçõ es podem ser apontadas: a)
a convençã o de condomínio proíbe a estada de animais; b) a convençã o é omissa
sobre o assunto; c) a convençã o permite os animais. Nos dois ú ltimos casos, em
regra, a permanência dos animais é livre, a nã o ser que o animal seja perturbador
ou incompatível com o bem-estar e a boa convivência dos condô minos.
Ademais, mesmo nos casos em que há proibiçã o na convençã o de condomínio, a
boa jurisprudência tem entendido que é permitida a permanência do animal de
estimaçã o, desde que ele nã o perturbe o sossego, a saú de e a segurança dos demais
coproprietá rios:
“Condomínio. Ação declaratória c.c. obrigação de fazer. Parcial
procedência. Condôminos que mantêm cachorro de pequeno porte
(raça Yorkshire) em sua unidade condominial. Convenção condominial
que proíbe a manutenção de qualquer espécie de animal nas
dependências do condomínio. Abusividade, na hipótese. Inexistência de
qualquer espécie de risco aos demais condôminos. Provas no sentido de
que referido animal não causa qualquer transtorno aos moradores.
Entendimento jurisprudencial que permite a permanência de animais
de pequeno porte (hipótese dos autos) nas dependências do
condomínio. Ausência de risco ao sossego e segurança dos condôminos
(art. 10, III, Lei 4.591/1964). Sentença mantida. Recurso improvido”
(TJSP, Apelação 994.05.049285-2, Acórdão 4383110, 8.ª Câmara de
Direito Privado, Sorocaba, Rel. Des. Salles Rossi, j. 17.03.2010, DJESP
12.04.2010).
“Obrigação de fazer. Condomínio edilício. Ação objetivando a retirada
de animais domésticos. Convenção condominial proibindo a
permanência de qualquer animal nos apartamentos ou nas
dependências internas do condomínio. Pedido julgado improcedente.
Apelação. Mudança de um dos corréus. Falta de interesse recursal
superveniente. Inadmissibilidade do recurso em relação aos demais
litisconsortes. Norma interna que não pode arredar o direito do
condômino de usufruir de sua unidade autônoma, mantendo junto de
si animal de pequeno ou de médio porte que não cause incômodo aos
vizinhos nem ponha em risco a integridade física dos moradores.
Recurso desprovido na parte conhecida” (TJSP, Apelação
994.03.096149-9, Acórdão 4271082, 5.ª Câmara de Direito Privado,
Limeira, Rel. Des. J. L. Mônaco da Silva, j. 16.12.2009, DJESP
19.02.2010).
Releve-se, ainda, acó rdã o do Tribunal de Justiça de Pernambuco, da lavra do
Desembargador Jones Figueirêdo Alves, concluindo que é possível permitir a
permanência de animal de grande porte em condomínio edilício, desde que este
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nã o perturbe a paz e o sossego da coletividade. O decisum foi assim ementado, em


resumo: “Ação de obrigação de fazer. Condomínio. Criação de animal de grande
porte. Proibição. Norma interna e sua relativização. Interpretação teleológica.
Congraçamento entre os direitos individuais e coletivos. Cão de conduta dócil.
Sossego, salubridade e segurança preservados. Apelo provido” (TJPE, Apelação Cível
259.708-6, 4.ª Câmara de Direito Privado, Origem: 19.ª Vara Cível da Capital, decisão
de 31 de outubro de 2012).
O julgado cita trecho da coleçã o de Direito Civil do doutrinador Flá vio Tartuce,
deduzindo que, “com efeito, a permanência de um animal em um prédio só pode
ser proibida se houver violaçã o do sossego, da salubridade e da segurança dos
condô minos (art. 1.336, IV, Có digo Civil). No ponto, invoca-se o clá ssico paradigma
dos três ‘S’, para ‘uma devida eficiência de aná lise do caso concreto ao desate
meritó rio’. Bem a propó sito, o magistério de Flá vio Tartuce e José Fernando Simã o
sustenta: ‘... Sendo expressa a proibiçã o de qualquer animal, nã o há que prevalecer
a literalidade do texto que representa verdadeiro exagero na restriçã o do direito
de uso da unidade autô noma, que é garantido por lei’ (art. 1.335, I, do CC e art. 19
da Lei n.º 4.591/1964), valendo o entendimento pelo qual se deve afastar a
literalidade da convençã o para a aná lise do caso concreto”.
Exatamente no mesmo sentido, no ano de 2019 surgiu acó rdã o no Superior
Tribunal de Justiça firmando a tese de ser “ilegítima a restriçã o genérica contida
em convençã o condominial que proíbe a criaçã o e guarda de animais de quaisquer
espécies em unidades autô nomas”. Como consta de sua ementa, “se a convençã o
nã o regular a matéria, o condô mino pode criar animais em sua unidade autô noma,
desde que nã o viole os deveres previstos nos arts. 1.336, IV, do CC/2002 e 19 da
Lei n.º 4.591/1964. Se a convençã o veda apenas a permanência de animais
causadores de incô modos aos demais moradores, a norma condominial nã o
apresenta, de plano, nenhuma ilegalidade. Se a convençã o proíbe a criaçã o e a
guarda de animais de quaisquer espécies, a restriçã o pode se revelar desarrazoada,
haja vista determinados animais nã o apresentarem risco à incolumidade e à
tranquilidade dos demais moradores e dos frequentadores ocasionais do
condomínio. Na hipó tese, a restriçã o imposta ao condô mino nã o se mostra
legítima, visto que o condomínio nã o demonstrou nenhum fato concreto apto a
comprovar que o animal (gato) provoque prejuízos à segurança, à higiene, à saú de
e ao sossego dos demais moradores” (STJ, REsp 1.783.076/DF, 3.ª Turma, Rel. Min.
Ricardo Villas Bô as Cueva, j. 14.05.2019, DJe 24.05.2019).
Os acó rdã os e as liçõ es expostas tornam a convençã o letra morta, em prol de uma
interpretaçã o mais condizente com os valores coletivos e sociais (funcionalizaçã o
social). Mesmo no caso do ú ltimo julgado superior transcrito, nota-se que a
convençã o que veda a proibiçã o de animais que causam incô modos somente
confirma a regra dos 3s, prevista no art. 1.336, inc. IV, do Có digo Civil.
Na doutrina consolidada tem-se entendido de forma semelhante. Tanto isso é
verdade que, na VI Jornada de Direito Civil, foi aprovado o Enunciado n. 566, de
autoria do Professor Cesar Calo Peghini, estabelecendo que “a clá usula
convencional que restringe a permanência de animais em unidades autô nomas
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residenciais deve ser valorada à luz dos parâ metros legais de sossego,
insalubridade e periculosidade”. A justificativa do enunciado doutriná rio menciona
as “especificidades do caso concreto, como por exemplo, a utilizaçã o terapêutica de
animais de maior porte. Evita-se, assim, a vedaçã o abusiva na convençã o”.
Outra situaçã o que tem sido debatida mais recentemente, no que concerne à s
restriçõ es de direitos que eventualmente podem constar das convençõ es de
condomínio, diz respeito à colocaçã o dos imó veis para locaçã o via aplicativos
digitais, em sistema de economia de compartilhamento. O principal debate envolve
o “AirBnB” que originalmente quer dizer “Cama de Ar e Café da Manhã ” (“Air Bed
and Breakfast”). Sucessivamente, já surgem discussõ es relativas a outros
aplicativos, notadamente nas grandes cidades.
Diante de uma grande circulaçã o de pessoas dos imó veis, a supostamente colocar
em risco a segurança do condomínio, existem julgados estaduais que admitem
restriçõ es dessa natureza em convençõ es ou mesmo por decisã o de assembleias
condominiais extraordiná rias. Utiliza-se, ainda, o argumento de desvirtuamento da
destinaçã o do imó vel, pela presença de um suposto serviço de hotelaria. Nesse
sentido, do Tribunal Paulista:
“Agravo de Instrumento. Condomínio. Tutela de Urgência de Natureza
Antecedente. Pretensão a que possa livremente locar seus imóveis por
temporada e mediante uso de aplicativos, bem como para que seja
afastada a restrição de uso das áreas comuns pelos inquilinos. Locação
por uso de aplicativos ou páginas eletrônicas (‘Airbnb’ e afins) que
possui finalidade característica de hotelaria ou hospedaria.
Deliberações tomadas em Assembleia Geral Extraordinária, por
medidas de segurança aos condôminos” (TJSP, Agravo de Instrumento
2013529-28.2018.8.26.0000, Rel. Bonilha Filho, j. 26.02.2018).
Em abril de 2021, a Quarta Turma do STJ, por maioria, concluiu que “é vedado o
uso de unidade condominial com destinaçã o residencial para fins de hospedagem
remunerada, com mú ltipla e concomitante locaçã o de aposentos existentes nos
apartamentos, a diferentes pessoas, por curta temporada”. Conforme se retira da
sua publicaçã o, “tem-se um contrato atípico de hospedagem, que expressa uma
nova modalidade, singela e inovadora de hospedagem de pessoas, sem vínculo
entre si, em ambientes físicos de padrã o residencial e de precá rio fracionamento
para utilizaçã o privativa, de limitado conforto, exercida sem inerente
profissionalismo por proprietá rio ou possuidor do imó vel, sendo a atividade
comumente anunciada e contratada por meio de plataformas digitais variadas.
Assim, esse contrato atípico de hospedagem configura atividade aparentemente
lícita, desde que nã o contrarie a Lei de regência do contrato de hospedagem típico,
regulado pela Lei n. 11.771/2008, como autoriza a norma do art. 425 do Có digo
Civil” (STJ, REsp 1.819.075/RS, Rel. p/ acó rdã o Min. Raul Araú jo, j. 20.04.2021, DJe
27.05.2021).
No final do mesmo ano de 2021, no mês de novembro, a Terceira Turma do STJ
concluiu do mesmo modo. Consoante o voto do Ministro Relator, Ricardo Villas
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Bô as Cueva, “o estado de â nimo daqueles que utilizam seus imó veis para fins
residenciais nã o é o mesmo de quem se vale de um espaço para aproveitar suas
férias, valendo lembrar que as residências sã o cada vez mais utilizadas para
trabalho em regime de home office, para o qual se exige maior respeito ao silêncio,
inclusive no período diurno”. Além disso, de acordo com ele, há lacuna normativa a
respeito do tema e “o legislador nã o deve se ater apenas à s questõ es econô micas,
tributá rias e administrativas. Deve considerar, acima de tudo, interesses dos
usuá rios e das pessoas que moram pró ximas aos imó veis passiveis de exploraçã o
econô micas. Justamente por serem novas, essas prá ticas ainda escondem inú meras
deficiências, a exemplo da falta de segurança dos pró prios usuá rios” (STJ, REsp
1.884.483/PR, 3.ª Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bô as Cueva, j. 23.11.2021).
Superados esses pontos, como conteú do, a convençã o deve determinar,
basicamente, nos termos do art. 1.334 do CC/2002:
 A quota proporcional e o modo de pagamento das contribuiçõ es dos
condô minos para atender à s despesas ordiná rias e extraordiná rias do
condomínio. Em decisã o importante sobre o comando, julgou o Superior
Tribunal de Justiça, que “a convençã o outorgada pela
construtora/incorporadora nã o pode estabelecer benefício de cará ter
subjetivo a seu favor com a finalidade de reduzir ou isentar do pagamento
da taxa condominial. A taxa condominial é fixada de acordo com a previsã o
orçamentá ria de receitas e de despesas, bem como para constituir o fundo
de reserva com a finalidade de cobrir eventuais gastos de emergência. A
reduçã o ou isençã o da cota condominial a favor de um ou vá rios
condô minos implica oneraçã o dos demais, com evidente violaçã o da regra
da proporcionalidade prevista no inciso I do art. 1.334 do CC/2002” (STJ,
REsp 1.816.039/MG, 3.ª Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bô as Cueva, j.
04.02.2020, DJe 06.02.2020).
 A forma de administraçã o do condomínio edilício.
 A competência das assembleias, a forma de sua convocaçã o e o quorum
exigido para as deliberaçõ es.
 As sançõ es a que estã o sujeitos os condô minos ou os possuidores.
 O regimento interno, regulamento que traz as regras fundamentais a
respeito do cotidiano do condomínio, tais como a utilizaçã o das á reas
comuns, as restriçõ es de uso, os horá rios de funcionamento e suas
limitaçõ es, as proibiçõ es e permissõ es genéricas ou específicas, entre outros
conteú dos possíveis. Prevê o Enunciado n. 248 do CJF/STJ que “o quorum
para alteraçã o do regimento interno do condomínio edilício pode ser
livremente fixado na convençã o”.
A convençã o do condô mino poderá ser feita por escritura pú blica ou por
instrumento particular, o que está de acordo com o princípio da operabilidade no
sentido de simplicidade (art. 1.334, § 1.º, do CC).
Ademais, devem ser equiparados aos proprietá rios, para os fins de tratamento a
respeito da convençã o do condomínio, salvo disposiçã o em contrá rio, os
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promitentes compradores e os cessioná rios de direitos relativos à s unidades


autô nomas (art. 1.334, § 2.º, do CC). Em relaçã o aos promitentes compradores, a
equiparaçã o abrange tanto o compromisso de compra e venda registrado como o
nã o registrado na matrícula.
3. Natureza jurídica
Vistas a estrutura e a constituiçã o do condomínio, cabe discorrer sobre a polêmica
acerca da natureza jurídica do condomínio edilício.
Como é notó rio, a doutrina clá ssica do CC/1916 via o condomínio edilício como um
ente despersonalizado ou despersonificado, tido como uma quase pessoa jurídica.
Como argumento, sustentava-se que o condomínio edilício nã o poderia ser tido
como uma pessoa jurídica de Direito Privado, pois o seu rol, constante do art. 16 da
codificaçã o anterior, seria taxativo (numerus clausus).
Apesar de esse entendimento ainda ser considerado o majoritá rio – e por isso
seguido pela maioria dos julgados –, destaque-se que há forte entendimento entre
os doutrinadores contemporâ neos no sentido de considerar o condomínio edilício
como pessoa jurídica. Seguindo essa linha, na I Jornada de Direito Civil (2002), foi
aprovado o Enunciado n. 90 do CJF/STJ, pelo qual “Deve ser reconhecida
personalidade jurídica ao condomínio edilício nas relaçõ es jurídicas inerentes à s
atividades de seu peculiar interesse”. Na III Jornada (2004), por iniciativa dos
juristas Gustavo Tepedino (UERJ) e Frederico Viegas de Lima (UnB), ampliou-se o
sentido da ementa anterior, aprovando-se o Enunciado n. 246: “Fica alterado o
Enunciado n. 90, com supressã o da parte final: ‘nas relaçõ es jurídicas inerentes à s
atividades de seu peculiar interesse’. Prevalece o texto: ‘Deve ser reconhecida
personalidade jurídica ao condomínio edilício’”.
De todo modo, julgado da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça afastou a
possibilidade de um condomínio edilício ser indenizado por danos morais,
justamente pela falta de sua personalidade jurídica. Conforme trecho da ementa,
“no â mbito das Turmas que compõ em a Segunda Seçã o do STJ, prevalece a
corrente de que os condomínios sã o entes despersonalizados, pois nã o sã o
titulares das unidades autô nomas, tampouco das partes comuns, além de nã o
haver, entre os condô minos, a affectio societatis, tendo em vista a ausência de
intençã o dos condô minos de estabelecerem, entre si, uma relaçã o jurídica, sendo o
vínculo entre eles decorrente do direito exercido sobre a coisa e que é necessá rio à
administraçã o da propriedade comum”. Assim sendo, ainda nos termos do
acó rdã o, “caracterizado o condomínio como uma massa patrimonial, nã o há como
reconhecer que seja ele pró prio dotado de honra objetiva, senã o admitir que
qualquer ofensa ao conceito que possui perante a comunidade representa, em
verdade, uma ofensa individualmente dirigida a cada um dos condô minos, pois
quem goza de reputaçã o sã o os condô minos e nã o o condomínio, ainda que o ato
lesivo seja a este endereçado. Diferentemente do que ocorre com as pessoas
jurídicas, qualquer repercussã o econô mica negativa será suportada, ao fim e ao
cabo, pelos pró prios condô minos, a quem incumbe contribuir para todas as
despesas condominiais, e/ou pelos respectivos proprietá rios, no caso de eventual
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desvalorizaçã o dos imó veis no mercado imobiliá rio”. Por fim, concluiu-se pela
presença de “hipó tese em que se afasta o dano moral do condomínio, ressaltando
que, a par da possibilidade de cada interessado ajuizar açã o para a reparaçã o dos
danos que eventualmente tenha suportado, o ordenamento jurídico autoriza o
condomínio a impor sançõ es administrativas para o condô mino nocivo e/ou
antissocial, defendendo a doutrina, inclusive, a possibilidade de interdiçã o
temporá ria ou até definitiva do uso da unidade imobiliá ria” (STJ, REsp
1.736.593/SP, 3.ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 11.02.2020, DJe 13.02.2020).

JULGADOS IMPORTANTES

A exploraçã o econô mica de unidades autô nomas mediante locaçã o por curto ou
curtíssimo prazo, caracterizada pela eventualidade e pela transitoriedade, nã o se
compatibiliza com a destinaçã o exclusivamente residencial atribuída ao
condomínio.
A afetaçã o do sossego, da salubridade e da segurança, causada pela alta
rotatividade de pessoas estranhas e sem compromisso duradouro com a
comunidade na qual estã o temporariamente inseridas, é o que confere
razoabilidade a eventuais restriçõ es impostas com fundamento na destinaçã o
prevista na convençã o condominial.
O direito de propriedade, assegurado constitucionalmente, nã o é só de quem
explora economicamente o seu imó vel, mas sobretudo daquele que faz dele a sua
moradia e que nele almeja encontrar, além de um lugar seguro para a sua família, a
paz e o sossego necessá rios para recompor as energias gastas ao longo do dia.
STJ. 3ª Turma. REsp 1884483-PR, Rel. Min. Ricardo Villas Bô as Cueva, julgado em
23/11/2021 (Info 720).
Imagine a seguinte situaçã o hipotética:
Marcos é proprietá rio de uma casa localizada no interior do Condomínio “Santa
Residência”.
A convençã o do Condomínio prevê, em seu art. 2º, a destinaçã o do uso das
unidades autô nomas para fins exclusivamente residenciais.
Marcos nã o reside no local, utilizando o imó vel apenas para locaçã o, como forma
de obter uma renda extra. Desde março de 2016, ele estava alugando seu imó vel
por meio do Airbnb.
Abrindo um parêntese
Para quem nã o conhece, Airbnb é um serviço online que une pessoas que querem
alugar acomodaçõ es (casas, apartamentos ou apenas quartos).
Assim, existem basicamente duas pessoas que utilizam a plataforma:
· aquelas que oferecem seu imó vel para ser alugado;
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· as que buscam alugar um imó vel ou apenas um quarto por determinado tempo.
Desse modo, o indivíduo, em vez de procurar um hotel, motel ou similar, pode
acessar o Airbnb e escolher uma das acomodaçõ es disponíveis.
Voltando ao caso concreto:
Da mesma forma que Marcos, outros proprietá rios também têm alugado seus
imó veis para curta temporada, o que gerou a insatisfaçã o dos moradores do
condomínio em razã o do grande fluxo de entrada e saída de pessoas diferentes no
local.
Assim, foi convocada uma assembleia geral extraordiná ria para discutir o assunto.
Nessa assembleia, foi aprovada a alteraçã o do regimento interno e da convençã o
de condomínio para vedar a locaçã o das unidades (casas) por “curto período de
tempo”, assim entendida aquela locaçã o com prazo inferior a 90 dias.
Marcos nã o concordou e ajuizou açã o contra essa deliberaçã o afirmando que ela
viola seu direito de propriedade.
A questã o chegou até o STJ. Essa proibiçã o é vá lida? O condomínio poderia ter
imposto essa restriçã o?
SIM.
O condomínio que possui destinaçã o exclusivamente residencial pode proibir a
locaçã o de unidade autô noma por curto período de tempo.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.884.483-PR, Rel. Min. Ricardo Villas Bô as Cueva, julgado em
23/11/2021 (Info 720).

Os condomínios sã o entes despersonalizados, pois nã o sã o titulares das unidades


autô nomas, tampouco das partes comuns, além de nã o haver, entre os condô minos,
a affectio societatis, tendo em vista a ausência de intençã o dos condô minos de
estabelecerem, entre si, uma relaçã o jurídica, sendo o vínculo entre eles decorrente
do direito exercido sobre a coisa e que é necessá rio à administraçã o da
propriedade comum.
Caracterizado o condomínio como uma massa patrimonial, nã o há como
reconhecer que seja ele pró prio dotado de honra objetiva. Qualquer ofensa ao
conceito (reputaçã o) que possui perante a comunidade representa, em verdade,
uma ofensa individualmente dirigida a cada um dos condô minos, pois quem goza
de reputaçã o sã o os condô minos e nã o o condomínio, ainda que o ato lesivo seja a
este endereçado.
Diferentemente do que ocorre com as pessoas jurídicas, qualquer repercussã o
econô mica negativa será suportada, ao fim e ao cabo, pelos pró prios condô minos, a
quem incumbe contribuir para todas as despesas condominiais, e/ou pelos
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respectivos proprietá rios, no caso de eventual desvalorizaçã o dos imó veis no


mercado imobiliá rio.
Assim, o condomínio, por ser uma massa patrimonial, nã o possui honra objetiva e
nã o pode sofrer dano moral.
STJ. 3ª Turma. REsp 1736593-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em
11/02/2020 (Info 665).
Imagine a seguinte situaçã o hipotética:
Jardim Morumbi é um condomínio residencial.
Determinado dia, Joã o, um dos condô minos, em total desrespeito à s normas da
convençã o do condomínio e do regimento interno, realizou uma enorme festa no
condomínio para 200 pessoas.
Houve som alto, nudez, entrada e saída constante de pessoas estranhas, danos ao
patrimô nio comum e inú meros outros transtornos.
Diante disso, o Condomínio Jardim Morumbi ajuizou açã o de indenizaçã o por
danos morais contra Joã o em virtude da realizaçã o do evento em desrespeito à s
normas condominiais.
Imaginemos que, nesta açã o, o condomínio tenha alegado que estava defendendo o
direito dos condô minos. Em outras palavras, suponhamos que o condomínio
tivesse dito que estava pedindo indenizaçã o em nome dos condô minos pelos danos
morais que eles sofreram com a festa. Isso seria possível?
NÃ O. Para que alguém, em nome pró prio, possa pleitear em juízo interesse alheio
(de outrem), é necessá rio que esse alguém possua legitimaçã o extraordiná ria.
Assim, a legitimaçã o extraordiná ria confere legitimidade para que alguém possa
discutir em juízo direito que nã o é dele.
A legitimidade extraordiná ria somente é admitida, de forma excepcional, quando
isso for autorizado pelo ordenamento jurídico. Nesse sentido, dispõ e o CPC/2015:
Art. 18. Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome pró prio, salvo quando
autorizado pelo ordenamento jurídico.
Como nã o existe autorizaçã o do ordenamento jurídico, o condomínio nã o possui
legitimaçã o extraordiná ria para defender, em juízo, os direitos dos condô minos:
Nem o Có digo Civil nem a Lei nº 4.591/64 (Lei dos Condomínios) preveem que o
condomínio tenha legitimaçã o extraordiná ria para, representado pelo síndico,
atuar como parte processual em demanda que postule a compensaçã o dos danos
morais sofridos pelos condô minos.
O dano extrapatrimonial possui natureza personalíssima e se caracteriza como
uma ofensa à honra subjetiva do ser humano, dizendo respeito, portanto, ao foro
íntimo do ofendido.
Professora Amanda Zaquini
Direito das Coisas

Em suma: o condomínio é parte ilegítima para ajuizar açã o pedindo indenizaçã o


por danos morais em nome dos condô minos.
STJ. 3ª Turma. REsp 1177862/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em
03/05/2011.
STJ. 4ª Turma. AgInt no REsp 1812546/MG, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado
em 26/11/2019.
Vamos agora mudar a pergunta. Imaginemos que, nesta açã o, o condomínio tenha
alegado que estava defendendo o seu pró prio direito. Em outras palavras,
suponhamos que o condomínio tenha dito que estava pedindo indenizaçã o porque
ele (condomínio) sofreu danos extrapatrimoniais com a conduta praticada. Neste
caso, o condomínio terá legitimidade ativa?
SIM. O condomínio terá legitimidade ativa nesta situaçã o considerando que ele
defende um direito pró prio, que julga possuir.
O condomínio tem legitimidade ativa para pleitear, em favor pró prio, indenizaçã o
por dano moral, nã o podendo fazê-lo em nome dos condô minos.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.736.593-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em
11/02/2020 (Info 665).
E quanto ao mérito? Deverá ser julgada procedente a açã o na qual o condomínio
pleiteia, em nome pró prio, indenizaçã o por danos morais que ele alega ter sofrido?
NÃ O. O condomínio nã o sofre dano moral.
Condomínio nã o possui personalidade jurídica
O art. 44 do Có digo Civil elenca as pessoas jurídicas de direito privado e nã o
menciona os condomínios.
Assim, para a doutrina majoritá ria, o condomínio nã o tem personalidade jurídica,
possuindo apenas personalidade judiciá ria e capacidade processual.
Desse modo, o condomínio possui a natureza jurídica de ente despersonalizado,
também chamado de ente formal, assim como a massa falida e o espó lio.
Honra objetiva
Como o condomínio é uma mera “massa patrimonial”, nã o se pode dizer que ele
seja dotado de honra objetiva.
As ofensas feitas e que atinjam o condô mino representam uma ofensa
individualmente dirigida a cada um dos condô minos. Em outras palavras, quem
goza de reputaçã o sã o os condô minos e nã o o condomínio, ainda que o ato lesivo
seja a este endereçado.
O que pode ser feito no caso, entã o?
Cada condô mino interessado pode ajuizar açã o individual para a reparaçã o dos
danos morais que eventualmente tenha suportado.
Professora Amanda Zaquini
Direito das Coisas

Caso concreto: a convençã o de condomínio previu que a construtora – proprietá ria


das unidades imobiliá rias ainda nã o comercializadas – precisaria pagar apenas
30% do valor da taxa condominial por unidade. Assim, enquanto os demais
condô minos pagariam 100% da quota condominial, a construtora teria que pagar
apenas 30% por unidade. O STJ considerou que essa clá usula é nula. A convençã o
outorgada pela construtora/incorporadora nã o pode estabelecer benefício de
cará ter subjetivo a seu favor com a finalidade de reduzir ou isentar do pagamento
da taxa condominial. A taxa condominial é fixada de acordo com a previsã o
orçamentá ria de receitas e de despesas, bem como para constituir o fundo de
reserva com a finalidade de cobrir eventuais gastos de emergência. A reduçã o ou
isençã o da quota condominial a favor de um ou vá rios condô minos implica
oneraçã o aos demais, com evidente violaçã o da regra da proporcionalidade
prevista no inciso I do art. 1.334 do CC/2002.
STJ. 3ª Turma. REsp 1816039-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bô as Cueva, julgado em
04/02/2020 (Info 664).

Acerca da regulamentaçã o da criaçã o de animais pela convençã o condominial,


podem surgir três situaçõ es:
a) Se a convençã o nã o regular a matéria: o condô mino pode criar animais em sua
unidade autô noma, desde que nã o viole os deveres previstos no art. 1.336, IV, do
CC e no art. 19 da Lei nº 4.591/64.
b) Se a convençã o veda apenas a permanência de animais causadores de
incô modos aos demais moradores: essa norma condominial é vá lida (nã o
apresenta nenhuma ilegalidade).
c) Se a convençã o proíbe a criaçã o e a guarda de quaisquer espécies de animais:
essa restriçã o se mostra desarrazoada, considerando que determinados animais
nã o apresentam risco à incolumidade e à tranquilidade dos demais moradores e
dos frequentadores ocasionais do condomínio. O impedimento de criar animais em
partes exclusivas (unidades autô nomas) somente se justifica para a preservaçã o da
segurança, da higiene, da saú de e do sossego. Se tais aspectos nã o estã o em risco,
nã o há motivo para a proibiçã o.
Assim, é ilegítima a restriçã o genérica contida em convençã o condominial que
proíbe a criaçã o e guarda de animais de quaisquer espécies em unidades
autô nomas
STJ. 3ª Turma. REsp 1.783.076-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bô as Cueva, julgado em
14/05/2019 (Info 649).

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