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Do condomínio edilício
1. Regras gerais básicas
Conforme relatam Jones Figueirêdo Alves e Má rio Luiz Delgado, doutrinadores que
participaram no processo de elaboraçã o da atual lei civil, o termo condomínio
edilício foi introduzido por Miguel Reale, por se tratar de uma expressã o de origem
latina, muito utilizada, por exemplo, pelos italianos. Ainda sã o usados os termos
condomínio em edificaçõ es e condomínio horizontal (eis que as unidades estã o
horizontalmente uma para as outras).
Cumpre destacar que se segue o entendimento doutriná rio que prega a aplicaçã o
das regras do condomínio edilício para categorias similares. Nesse sentido, o
Enunciado n. 89 do CJF/STJ, da I Jornada de Direito Civil, in verbis: “o disposto nos
arts. 1.331 a 1.358 do novo Có digo Civil aplica-se, no que couber, aos condomínios
assemelhados, tais como loteamentos fechados, multipropriedade imobiliá ria e
clubes de campo”. Sobre a multipropriedade, como se verá de forma mais
aprofundada, o tema acabou por ser regulado pela Lei 13.777/2018.
Preconiza o art. 1.331 do CC que pode haver, em edificaçõ es, duas modalidades de
partes:
Partes que sã o propriedade exclusiva (á reas autô nomas ou exclusivas) – caso dos
apartamentos, dos escritó rios, das salas, das lojas, das sobrelojas ou abrigos para
veículos, com as respectivas fraçõ es ideais no solo e nas outras partes comuns.
Como componentes da propriedade exclusiva – havendo uma fraçã o real –, podem
ser alienadas e gravadas livremente por seus proprietá rios, nã o havendo direito de
preferência a favor dos outros condô minos. A norma – § 1.º do art. 1.331 – foi
alterada pela Lei 12.607, de 4 de abril de 2012. Passou, assim, a prever que os
abrigos de veículo nã o poderã o ser alienados ou alugados a pessoas estranhas ao
condomínio, salvo autorizaçã o expressa na convençã o de condomínio. A alteraçã o
tem justificativa na proteçã o da segurança do condomínio, bem como na sua
funcionalidade.
Partes que sã o propriedade comum dos condô minos (á reas comuns) – o solo, a
estrutura do prédio, o telhado, a rede geral de distribuiçã o de á gua, esgoto, gá s e
eletricidade, a calefaçã o e refrigeraçã o centrais, e as demais partes comuns,
inclusive o acesso ao logradouro pú blico. Nã o podem ser alienados separadamente,
ou divididos. Em relaçã o a tais á reas, a cada unidade imobiliá ria caberá , como
parte insepará vel, uma fraçã o ideal no solo e nas outras partes comuns, que será
identificada em forma decimal ou ordiná ria no instrumento de instituiçã o do
condomínio. Nenhuma unidade imobiliá ria pode ser privada do acesso ao
logradouro pú blico. Anote-se que, pela lei, o terraço de cobertura é parte comum,
salvo disposiçã o contrá ria da escritura de constituiçã o do condomínio. Além disso,
segundo a doutrina, no condomínio edilício é possível a utilizaçã o exclusiva de á rea
“comum” que, pelas pró prias características da edificaçã o, nã o se preste ao “uso
comum” dos demais condô minos (Enunciado n. 247 do CJF/STJ). Como exemplos,
mencionem-se as vigas e pilares existentes nos apartamentos. Para a
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, nã o há ó bice para que um
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residenciais deve ser valorada à luz dos parâ metros legais de sossego,
insalubridade e periculosidade”. A justificativa do enunciado doutriná rio menciona
as “especificidades do caso concreto, como por exemplo, a utilizaçã o terapêutica de
animais de maior porte. Evita-se, assim, a vedaçã o abusiva na convençã o”.
Outra situaçã o que tem sido debatida mais recentemente, no que concerne à s
restriçõ es de direitos que eventualmente podem constar das convençõ es de
condomínio, diz respeito à colocaçã o dos imó veis para locaçã o via aplicativos
digitais, em sistema de economia de compartilhamento. O principal debate envolve
o “AirBnB” que originalmente quer dizer “Cama de Ar e Café da Manhã ” (“Air Bed
and Breakfast”). Sucessivamente, já surgem discussõ es relativas a outros
aplicativos, notadamente nas grandes cidades.
Diante de uma grande circulaçã o de pessoas dos imó veis, a supostamente colocar
em risco a segurança do condomínio, existem julgados estaduais que admitem
restriçõ es dessa natureza em convençõ es ou mesmo por decisã o de assembleias
condominiais extraordiná rias. Utiliza-se, ainda, o argumento de desvirtuamento da
destinaçã o do imó vel, pela presença de um suposto serviço de hotelaria. Nesse
sentido, do Tribunal Paulista:
“Agravo de Instrumento. Condomínio. Tutela de Urgência de Natureza
Antecedente. Pretensão a que possa livremente locar seus imóveis por
temporada e mediante uso de aplicativos, bem como para que seja
afastada a restrição de uso das áreas comuns pelos inquilinos. Locação
por uso de aplicativos ou páginas eletrônicas (‘Airbnb’ e afins) que
possui finalidade característica de hotelaria ou hospedaria.
Deliberações tomadas em Assembleia Geral Extraordinária, por
medidas de segurança aos condôminos” (TJSP, Agravo de Instrumento
2013529-28.2018.8.26.0000, Rel. Bonilha Filho, j. 26.02.2018).
Em abril de 2021, a Quarta Turma do STJ, por maioria, concluiu que “é vedado o
uso de unidade condominial com destinaçã o residencial para fins de hospedagem
remunerada, com mú ltipla e concomitante locaçã o de aposentos existentes nos
apartamentos, a diferentes pessoas, por curta temporada”. Conforme se retira da
sua publicaçã o, “tem-se um contrato atípico de hospedagem, que expressa uma
nova modalidade, singela e inovadora de hospedagem de pessoas, sem vínculo
entre si, em ambientes físicos de padrã o residencial e de precá rio fracionamento
para utilizaçã o privativa, de limitado conforto, exercida sem inerente
profissionalismo por proprietá rio ou possuidor do imó vel, sendo a atividade
comumente anunciada e contratada por meio de plataformas digitais variadas.
Assim, esse contrato atípico de hospedagem configura atividade aparentemente
lícita, desde que nã o contrarie a Lei de regência do contrato de hospedagem típico,
regulado pela Lei n. 11.771/2008, como autoriza a norma do art. 425 do Có digo
Civil” (STJ, REsp 1.819.075/RS, Rel. p/ acó rdã o Min. Raul Araú jo, j. 20.04.2021, DJe
27.05.2021).
No final do mesmo ano de 2021, no mês de novembro, a Terceira Turma do STJ
concluiu do mesmo modo. Consoante o voto do Ministro Relator, Ricardo Villas
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Bô as Cueva, “o estado de â nimo daqueles que utilizam seus imó veis para fins
residenciais nã o é o mesmo de quem se vale de um espaço para aproveitar suas
férias, valendo lembrar que as residências sã o cada vez mais utilizadas para
trabalho em regime de home office, para o qual se exige maior respeito ao silêncio,
inclusive no período diurno”. Além disso, de acordo com ele, há lacuna normativa a
respeito do tema e “o legislador nã o deve se ater apenas à s questõ es econô micas,
tributá rias e administrativas. Deve considerar, acima de tudo, interesses dos
usuá rios e das pessoas que moram pró ximas aos imó veis passiveis de exploraçã o
econô micas. Justamente por serem novas, essas prá ticas ainda escondem inú meras
deficiências, a exemplo da falta de segurança dos pró prios usuá rios” (STJ, REsp
1.884.483/PR, 3.ª Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bô as Cueva, j. 23.11.2021).
Superados esses pontos, como conteú do, a convençã o deve determinar,
basicamente, nos termos do art. 1.334 do CC/2002:
A quota proporcional e o modo de pagamento das contribuiçõ es dos
condô minos para atender à s despesas ordiná rias e extraordiná rias do
condomínio. Em decisã o importante sobre o comando, julgou o Superior
Tribunal de Justiça, que “a convençã o outorgada pela
construtora/incorporadora nã o pode estabelecer benefício de cará ter
subjetivo a seu favor com a finalidade de reduzir ou isentar do pagamento
da taxa condominial. A taxa condominial é fixada de acordo com a previsã o
orçamentá ria de receitas e de despesas, bem como para constituir o fundo
de reserva com a finalidade de cobrir eventuais gastos de emergência. A
reduçã o ou isençã o da cota condominial a favor de um ou vá rios
condô minos implica oneraçã o dos demais, com evidente violaçã o da regra
da proporcionalidade prevista no inciso I do art. 1.334 do CC/2002” (STJ,
REsp 1.816.039/MG, 3.ª Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bô as Cueva, j.
04.02.2020, DJe 06.02.2020).
A forma de administraçã o do condomínio edilício.
A competência das assembleias, a forma de sua convocaçã o e o quorum
exigido para as deliberaçõ es.
As sançõ es a que estã o sujeitos os condô minos ou os possuidores.
O regimento interno, regulamento que traz as regras fundamentais a
respeito do cotidiano do condomínio, tais como a utilizaçã o das á reas
comuns, as restriçõ es de uso, os horá rios de funcionamento e suas
limitaçõ es, as proibiçõ es e permissõ es genéricas ou específicas, entre outros
conteú dos possíveis. Prevê o Enunciado n. 248 do CJF/STJ que “o quorum
para alteraçã o do regimento interno do condomínio edilício pode ser
livremente fixado na convençã o”.
A convençã o do condô mino poderá ser feita por escritura pú blica ou por
instrumento particular, o que está de acordo com o princípio da operabilidade no
sentido de simplicidade (art. 1.334, § 1.º, do CC).
Ademais, devem ser equiparados aos proprietá rios, para os fins de tratamento a
respeito da convençã o do condomínio, salvo disposiçã o em contrá rio, os
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desvalorizaçã o dos imó veis no mercado imobiliá rio”. Por fim, concluiu-se pela
presença de “hipó tese em que se afasta o dano moral do condomínio, ressaltando
que, a par da possibilidade de cada interessado ajuizar açã o para a reparaçã o dos
danos que eventualmente tenha suportado, o ordenamento jurídico autoriza o
condomínio a impor sançõ es administrativas para o condô mino nocivo e/ou
antissocial, defendendo a doutrina, inclusive, a possibilidade de interdiçã o
temporá ria ou até definitiva do uso da unidade imobiliá ria” (STJ, REsp
1.736.593/SP, 3.ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 11.02.2020, DJe 13.02.2020).
JULGADOS IMPORTANTES
A exploraçã o econô mica de unidades autô nomas mediante locaçã o por curto ou
curtíssimo prazo, caracterizada pela eventualidade e pela transitoriedade, nã o se
compatibiliza com a destinaçã o exclusivamente residencial atribuída ao
condomínio.
A afetaçã o do sossego, da salubridade e da segurança, causada pela alta
rotatividade de pessoas estranhas e sem compromisso duradouro com a
comunidade na qual estã o temporariamente inseridas, é o que confere
razoabilidade a eventuais restriçõ es impostas com fundamento na destinaçã o
prevista na convençã o condominial.
O direito de propriedade, assegurado constitucionalmente, nã o é só de quem
explora economicamente o seu imó vel, mas sobretudo daquele que faz dele a sua
moradia e que nele almeja encontrar, além de um lugar seguro para a sua família, a
paz e o sossego necessá rios para recompor as energias gastas ao longo do dia.
STJ. 3ª Turma. REsp 1884483-PR, Rel. Min. Ricardo Villas Bô as Cueva, julgado em
23/11/2021 (Info 720).
Imagine a seguinte situaçã o hipotética:
Marcos é proprietá rio de uma casa localizada no interior do Condomínio “Santa
Residência”.
A convençã o do Condomínio prevê, em seu art. 2º, a destinaçã o do uso das
unidades autô nomas para fins exclusivamente residenciais.
Marcos nã o reside no local, utilizando o imó vel apenas para locaçã o, como forma
de obter uma renda extra. Desde março de 2016, ele estava alugando seu imó vel
por meio do Airbnb.
Abrindo um parêntese
Para quem nã o conhece, Airbnb é um serviço online que une pessoas que querem
alugar acomodaçõ es (casas, apartamentos ou apenas quartos).
Assim, existem basicamente duas pessoas que utilizam a plataforma:
· aquelas que oferecem seu imó vel para ser alugado;
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· as que buscam alugar um imó vel ou apenas um quarto por determinado tempo.
Desse modo, o indivíduo, em vez de procurar um hotel, motel ou similar, pode
acessar o Airbnb e escolher uma das acomodaçõ es disponíveis.
Voltando ao caso concreto:
Da mesma forma que Marcos, outros proprietá rios também têm alugado seus
imó veis para curta temporada, o que gerou a insatisfaçã o dos moradores do
condomínio em razã o do grande fluxo de entrada e saída de pessoas diferentes no
local.
Assim, foi convocada uma assembleia geral extraordiná ria para discutir o assunto.
Nessa assembleia, foi aprovada a alteraçã o do regimento interno e da convençã o
de condomínio para vedar a locaçã o das unidades (casas) por “curto período de
tempo”, assim entendida aquela locaçã o com prazo inferior a 90 dias.
Marcos nã o concordou e ajuizou açã o contra essa deliberaçã o afirmando que ela
viola seu direito de propriedade.
A questã o chegou até o STJ. Essa proibiçã o é vá lida? O condomínio poderia ter
imposto essa restriçã o?
SIM.
O condomínio que possui destinaçã o exclusivamente residencial pode proibir a
locaçã o de unidade autô noma por curto período de tempo.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.884.483-PR, Rel. Min. Ricardo Villas Bô as Cueva, julgado em
23/11/2021 (Info 720).