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Bibliografia:
• J. P. Remédio Marques, Ação declarativa à Luz do Código Revisto, 3ª Edição,
Coimbra Editora, 2011;
• Lurdes Varregoso Mequista, Noções de Direito Processual Civil, Gestlegal;
Sendo o Direito a ordem da sociedade, as relações sociais, que são objeto de qualquer uma das várias
disciplinas jurídicas, preexistem enquanto realidade social.
Dado que as pessoas, enquanto atores das relações sociais, têm e disputam numerosos interesses, sejam
eles interesses de índole económica, pessoal, familiar, sucessória, cultural, etc. É inevitável que, por vezes,
surjam conflitos de interesses que não possam compor-se naturalmente (sem litígio), exigindo-se, assim,
que o Estado disponha de mecanismos para, em substituição da possibilidade de autocomposição dos
titulares desses interesses em conflito, proceder à sua resolução. Por vezes, os direitos atribuídos pela
ordem jurídica às pessoas apenas podem ser exercitados através de uma atividade jurisdicional, onde
intervêm terceiros imparciais (Ex.: em certos casos de resolução de um contrato de arrendamento ou na
dissolução de um casamento por divórcio sem consentimento do outro cônjuge). Em suma, o direito
processual civil nasce da necessidade de resolver certo tipo de conflitos de interesses nas relações entre
iguais, onde a dúvida se instalou ou, uma vez esclarecida essa dúvida, a violação permanece.
As regras materiais (direito substantivo) que, abstratamente, regulam omissões ou ações humanas não
prescindem de certas formas e procedimentos. Estas formas e procedimentos (direito processual)
traduzem-se num conjunto de garantias jurídico-formais dirigidas a evitar omissões ou ações arbitrárias
e irregulares, quer dos particulares, quer dos poderes públicos, garantias estas que asseguram a liberdade
individual e a esfera de autodeterminação da vontade das pessoas e que permitem também a solução de
conflitos de interesses privados.
3. Heterocomposição – Esta forma de resolução de conflitos tem na sua base a resolução por um
terceiro imparcial que é o juiz. Face às alegações sobre os factos que as partes lhe fazem, forma uma
convicção sobre a realidade desses factos alegados sem tomar, a priori, partido por nenhuma das
dimensões do conflito (tem que ser o mais imparcial e o mais independente possível).
Posteriormente, o juiz tem que fundamentar a sua decisão de modo que quem esteja de fora
compreenda a ponderação realizada. A solução jurídica apresentada pelo juiz é vinculativa para as
partes. Caso não cumpram, outro processo é aberto para a realização coativa da prestação não
cumprida por desrespeito da decisão (ação executiva);
4. Heterotutela – Ocorre quando um terceiro imparcial, o juiz, intervém no conflito. O juiz apenas visa,
em todo o processo, proteger um único interesse ou um feixe de interesses convergentes. Nestas
ações não há autores nem réus, só existem interessados. Há um interesse que se encontra em crise
e, como tal, é necessário que a sentença do tribunal dê um futuro à situação em causa. Por exemplo,
o caso das responsabilidades parentais (poder-dever), em que não existe autor nem réu mas sim
uma criança num seio familiar degradado, se não houver acordo entre os pais, o juiz tenta determinar
na sua sentença, ainda com carater provisório, o melhor projeto de vida para aquela criança nos
próximos anos, diferentemente do que acontece na heterocomposição em que o juiz toma posição
de uma das partes;
Durante vários séculos, o sistema de justiça adotado era o sistema de justiça privada, ou seja, os litígios
eram resolvidos entre as partes. No entanto, percebeu-se que numa sociedade sem paz não era possível
viver. Neste sentido, entendeu-se que devia ser eliminado, paulatinamente, o sistema de justiça privada,
e surgiu então uma monopolização da justiça pelo Estado. O direito processual civil é a parte da ciência
do direito que regula essa atividade. O surgimento do direito processual civil assenta na eliminação do
sistema de justiça privada. O Código de Processo Civil denuncia essa sua origem no primeiro artigo do
mesmo. Em suma, As partes deixaram de poder agir por si. Em contrapartida foi-lhes atribuído o direito
de fazerem agir alguém (Art. 2º do CPC). – Garantia de recurso ao sistema de justiça pública.
Apesar de alguns conflitos poderem ser resolvidos através da autotutela, para resolver os litígios de forma
imparcial, impôs-se um sistema de justiça pública, que implica a proibição da autodefesa (Art. 1º CPC) e
do exercício da jurisdição por órgãos ou entidades que sejam estranhos ao poder do Estado. No entanto,
o Art. 1º do CPC estabelece que, apesar desta proibição, há certos casos, dentro dos limites da lei, em
que pode ser usada a autodefesa. Remédio Marques considera que a expressão utilizada neste artigo é,
de certa forma, desajustada, pois o Art. 336º do CC permite o exercício da autodefesa para todos os
direitos, se e quando não haja possibilidade de recorrer tempestivamente aos meios judiciais a tempo de
obstar à sua perda ou inutilização prática, desde que esse exercício seja modelado pelos princípios da
proporcionalidade e da adequação (proibição do excesso).
Que casos são esses em que se admite a autodefesa no quadro da justiça privada? São os casos em que
não é possível recorrer em tempo útil aos meios coercitivos normais comandados por um tribunal ou sob
a fiscalização de um tribunal e às autoridades públicas para a defesa dos direitos.
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Discute-se se, nestas situações, é preciso consolidar o status quo resultante do exercício da autodefesa.
Embora alguns autores, como Anselmo de Castro, entendam que não podem subsistir per si, devendo ser
subsequentemente homologadas ou ratificadas por decisão de um tribunal, Remédio Marques entende
que só nos casos em que a lei o determina é que o interessado deve recorrer ao tribunal para que este
aprecie se a autodefesa foi utilizada ou não dentro dos limites da lei – é o que sucede, por exemplo, com
o embargo extrajudicial de obra nova (Art. 397º, nº3 do CPC).
Porém, existem outras situações (esmagadora maioria) em que a autodefesa não é permitida e, por isso,
a garantia jurisdicional dos direitos confere a possibilidade ao alegado titular ativo de pôr em movimento
o aparelho sancionatório estadual para, em caso de violação, reintegrar a situação correspondente ao
direito subjetivo ou interesse difuso ou, em caso de ameaça, para prevenir a consumação da agressão ou
da ofensa. A tutela jurisdicional dos direitos assume, assim, natureza substitutiva ou sucedânea daquela
que poderia ser obtida através da autocomposição desse litígio pelos próprios litigantes.
O direito de acesso aos tribunais é assim também uma garantia institucional, que advém da
circunstância de o monopólio da coação física legítima só pertencer ao Estado, uma vez que a realização
dos direitos e demais posições jurídicas das pessoas através dos tribunais traduz o dever de manutenção
da paz jurídica no território sobre o qual é exercida a soberania do Estado.
A poder jurisdicional consiste na parcela de poder estadual atribuída aos tribunais (estaduais e arbitrais,
institucionalizados ou não institucionalizados) ou a certos entes materialmente administrativos (Ex.:
Conservatórias do Registo Civil e Cartórios Notariais). A função de dizer o direito (iuris dictio) pressupõe
um terceiro imparcial e a existência de certas garantias de inamovibilidade, de imparcialidade, de
independência e de irresponsabilidade para o órgão judicial decidente. A iuris dictio consuma-se com o
proferir de despachos (finais ou interlocutórios, consoante põem fim a um litígio, ainda que
provisoriamente, ou se trate de decisões que são tomadas no seio da tramitação processual), sentenças
(pelas quais o juiz decide a causa principal ou algum incidente que possua a estrutura de uma causa: Art.
152º, nº2 do CPC), e acórdãos (decisões de tribunais colegiais, quer decidam sobre o mérito da causa ou
sobre a regularidade da instância processual: Art. 152º, nº3 do CPC). Pelo contrário, por exemplo, a
função administrativa concretiza-se através da emissão de atos, regulamentos e contratos
administrativos.
O termo “processo” designa, no seu sentido comum, uma sequência de fenómenos (atos humanos ou
factos naturais) dirigida a um resultado. No âmbito do Direito, o mesmo sentido mantém-se, mas os
fenómenos da sequência são factos jurídicos (atos jurídicos).
O processo jurisdicional é, pois, uma sequência de atos jurídicos (das partes, do tribunal, de terceiros
intervenientes) ordenados para um fim. Estes atos ordenam-se, por sua vez, em fases sucessivas. Assim,
o processo comum, que constitui o ponto de referência subsidiário das restantes formas de processo civil
(Arts. 546º e 549º, nº1 do CPC), tem, na ação declarativa em primeira instância, as seguintes fases:
1. Fase dos articulados – As partes alegam a matéria de facto e de direito relevante para a decisão;
2. Fase da condensação – Visa verificar e garantir a regularidade do processo, identificar o objeto do
litígio, decidir o que possa já ser decidido e enumerar os temas da subsequente prova para
julgamento;
Constituindo o processo jurisdicional uma sequência de atos jurídicos, não fazem parte dele os factos
jurídicos stricto sensu. Isto não significa que os meros factos jurídicos não possam produzir efeitos no
processo, significa que, quando tal acontece, estes efeitos são mediatizados através da prática de atos
jurídicos processuais que aí os fazem valer. Por exemplo, a morte de uma das partes suspende a instância,
mas só depois de alegada e provada. O facto de a morte ocorrer fora da sequência processual e,
extinguindo a personalidade judiciária da parte, faz cessar um pressuposto processual (Arts. 269º, nº1 a)
e 270º, nº1 do CPC). A alegação da parte ou a certificação do falecimento pelo funcionário incumbido da
citação (Arts. 270º, nº2 e 351º, nº2 do CPC), são atos integrados na sequência processual, que
condicionam a verificação judicial do facto.
O facto de dizermos que o processo é uma sequência de atos jurídicos não resolve o problema da
qualificação de um ato jurídico como processual. Há certos atos que, praticados fora do processo, têm
relevância exclusivamente processual (Ex.: procuração, convenção de arbitragem, pacto de jurisdição ou
de competência, renúncia ao recurso), por se destinarem a conformar os requisitos dos pressupostos da
decisão de mérito (pressupostos processuais) ou de atos da sequência processual e que, por isso, hão de
também ser qualificados como processuais, ainda que se lhes possa aplicar o regime da validade dos atos
de direito substantivo. O direito processual civil também se ocupa destes atos.
A qualificação como processuais de todos os atos da sequência não exclui a possibilidade de um ato nela
integrado (ou a omissão de um ato da sequência) produzir efeitos tipicamente substantivos. Os efeitos
substantivos destes atos permitem entender a articulação entre o direito civil e o direito processual.
O direito processual civil é um ramo do amplo direito processual que, tendo como objeto as posições
jurídicas de direito civil ou de direito comercial, serve para tutelar tais situações privadas entre sujeitos
colocados numa posição relativa de igualdade. Este direito é, assim, um ramo de direito público que
prevê e regula o conjunto de providências através das quais o titular de um direito subjetivo propriamente
dito, de um direito potestativo, de um poder-dever funcional, de um interesse difuso, de um interesse
individual homogéneo ou de um interesse coletivo pode obter a garantia da possibilidade de exercício de
todas ou de algumas das faculdades jurídicas que se contêm nestas situações jurídicas individuais ou
meta-individuais.
Sumariamente, trata-se de uma disciplina jurídica que regula o conjunto de atos e formalidades
destinadas a tutelar situações jurídicas subjetivas privadas, dando expressão à posição das partes,
tendo em vista a obtenção de uma decisão por parte de um tribunal (quer essa decisão seja imodificável,
quer seja suscetível de alteração – por exemplo, processos de jurisdição voluntária: alteração do
montante de uma pensão de alimentos).
O direito processual civil de acordo com o critério da posição dos sujeitos numa relação jurídica
(processual) é um ramo de direito público, pois liga-se umbilicalmente à função jurisdicional (Art. 202º
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da CRP), que tem como vértice o tribunal, órgão perante o qual as partes pretendem obter tutela
jurisdicional, dizendo o Direito no caso concreto e, se for necessário, reparando efetivamente a violação
que ainda perdure, ainda que com recurso à força pública.
Este direito é um ramo da ordem jurídica que, normalmente, tutela a garantia das relações e situações
jurídicas do direito substantivo, declarando, assegurando ou atribuindo posições ou situações jurídicas
(familiares, sucessórias, reais, obrigacionais). Por vezes, é o próprio direito processual civil que, através
da decisão, constitui o direito para o caso concreto (Ex.: quando o juiz decide segundo a equidade ou
quando fixa um prazo para a realização de uma prestação, que até aí não estava fixada, nem pelas partes,
nem pelo direito substantivo).
Por vezes, esta instrumentalidade é substituída e vemos o direito processual civil a desempenhar as
mesmas funções que o direito substantivo (Ex.: a penhora é um meio de atribuição de uma garantia
real, embora de eficácia limitada (Art. 819º do CC)). Além disso, não se deve esquecer a importante
interdependência funcional entre o direito material e o processo civil. O processo civil deve ser
perspetivado como estrutura jurídica normativa conformadora, ela própria, da eficácia dos bens da
personalidade e dos bens patrimoniais carecidos de tutela judiciária. É um meio de exercício de posições
jurídicas subjetivas e de interesses difusos que releva para a conformação material desses mesmas
posições. Por outro lado, as condições em que se desenvolve a eficácia e a titularidade do direito a uma
prestação podem apontar para a necessidade do legislador criar mecanismos processuais efetivantes
desses deveres de prestar. Há, também, certos procedimentos declarativos enxertados em ações
declarativas (providências cautelares) ou executivas que constituem um pré-efeito da garantia do direito
à prestação.
• Por outro lado, o fim do processo é essencialmente o de tutelar posições e situações jurídicas
subjetivas, os interesses legalmente protegidos e os interesses difusos (Art. 52º, nº3 da CRP). Mas
esta tutela está condicionada pela alegação e prova dos factos subjacentes à pretensão do autor.
Se o autor não conseguir obter a tutela da situação jurídica subjetiva, isso não afasta a ideia de
que o processo civil visa tutelar posições e situações jurídicas subjetivas;
Um dos pilares fundamentais do atual Estado de Direito democrático é a proteção jurídica das posições
jurídicas subjetivas e dos interesses meta-individuais. O Art. 20º, nº1 da CRP atribui a todos o direito de
acesso ao Direito e aos tribunais para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos. Este artigo
consagra o princípio da tutela jurisdicional efetiva (Art. 2º, nº1 do CPC). A tutela jurisdicional consiste no
direito de obter uma decisão sobre o mérito da causa num prazo razoável e em igualdade de
circunstâncias. Porém, não se trata apenas de obter uma declaração de direito. Posteriormente, se a
declaração implicar algum pressuposto, a tutela também pressupõe que o processo civil e o Estado
prevejam mecanismos de execução da sentença, isto é, é preciso que o credor (titular do direito subjetivo)
satisfaça na íntegra a prestação a que tem direito, ainda que para isso seja necessário que o Estado,
através dos tribunais, analise essa forma de obter o direito em causa coercitivamente e coativamente.
O processo justo e adequado destinado à realização das pretensões materiais é um direito fundamental.
Assim se compreende que o processo civil deva ser equitativo (Art. 20º, nº4 da CRP), que haja a garantia
do juiz natural (Art. 32º, nº9 da CRP), que deva estar presente o princípio da igualdade entre as partes
(Arts. 4º do CPC e 20º, nº2 da CRP) desdobrado no princípio da igualdade de armas, o princípio da
legalidade processual, de acordo com o qual o juiz não poderá, em princípio, adaptar, segundo o seu
prudente arbítrio, os termos do processo à conveniência do caso cuja resolução que lhe é pedida (Art.
547º do CPC), o princípio da fundamentação dos atos processuais (Arts. 205.º, nº1 da CRP e 154º, nº1 do
CPC) e o direito à execução das decisões dos tribunais, de outras autoridades públicas e de pretensões
jurídicas documentadas em títulos extrajudiciais (Art. 46º, al. c) e d) do CPC).
No entanto, em sede de recursos, a CRP não prevê sempre o duplo grau de jurisdição. Em processo civil
não existe uma garantia absoluta do duplo grau de jurisdição, ou seja, não se impõe sempre a
possibilidade de reapreciação das decisões judiciais por outro órgão jurisdicional. A CRP é omissa quanto
ao limite máximo dos graus de jurisdição e quanto ao limite mínimo.
A garantia da via judiciária consiste no direito de recurso a um tribunal e de nele obter uma decisão
jurídica sobre toda e qualquer pretensão juridicamente relevante, para cuja apreciação estejam reunidos
os pressupostos processuais. Integra o conteúdo desta garantia o direito de defesa contra atos
jurisdicionais através do recurso para outros tribunais hierarquicamente superiores exatamente para esse
efeito recursório. No entanto, esse direito não é ilimitado, dado que o legislador ordinário está livre de
ampliar ou restringir a admissibilidade de recurso, quer alterando os pressupostos da sua admissibilidade,
quer através da atualização das alçadas.
Este direito subjetivo público articula-se com um pressuposto processual importante: o interesse
processual/interesse em agir. Porém, o direito subjetivo público é um direito diferente do direito
material cuja tutela judiciária se pretende fazer valer.
O direito de ação, enquanto direito subjetivo público de exigir que o Estado, através dos tribunais e do
processo, examine a pretensão deduzida em juízo pelo autor, é um direito e um fenómeno jurídico
autónomo das posições jurídicas subjetivas, coletivas ou difusas que se pretende fazer valer. O processo
e o direito à ação são autónomos daquelas posições jurídicas materiais. Esta autonomização do direito
de ação decorre dos pandectistas que, na Alemanha, em meados do século XIX, começaram a pensar que
o direito romano processual não fazia sentido. Então, disseram que uma coisa é a pretensão material que
consiste, por exemplo no direito subjetivo de receber uma prestação, outra coisa é o direito de ação que
se traduz no direito subjetivo instrumental de, através dos órgãos do Estado, a pretensão material ser
realizada.
O direito de ação é, para nós, um direito que respeita a todo aquele que se afirma titular de uma posição
jurídica substancial, cujo conteúdo consiste no dever de o Estado, na qualidade de titular do poder
jurisdicional (mais precisamente, o juiz enquanto titular do órgão de soberania), examinar a pretensão
concretamente deduzida em juízo. Não é o direito a uma decisão favorável, pois podem não estar
reunidos todos os pressupostos para a relação material controvertida poder ser apreciada em tribunal.
B, alegadamente, deve 300 metros de tecido a A. A decide que tem que pedir ajuda ao Estado, para
que este, através de um processo judicial, analise a sua pretensão creditória.
O que o tribunal vai fazer é imparcial e objetivamente analisar as versões factuais de A (autor) e B (réu).
Cria-se, assim, a relação jurídica processual. Não estamos perante uma relação jurídica linear, mas
perante uma relação jurídica triangular.
Outra situação: A diz que o contrato não está a ser cumprido por B, mas este último alega que já
entregou o tecido. Então, B desencadeia um segundo plano autónomo relativamente ao direito civil,
isto é, um plano de direito processual civil.
O autor desencadeia o direito de ação e, como tal, apresenta uma petição inicial no tribunal, que à luz
das leis de organização judiciária e do CPC é o tribunal competente em razão da matéria, da hierarquia,
do valor e do território. Em seguida, o advogado subscreve a petição inicial em nome do autor, petição
esta que segue através da plataforma online Citius. O Oficial de Justiça ou o Agente de Execução vai fazer
com que automaticamente essa petição seja objeto de distribuição (saber a quem vai caber a apreciação
do caso – princípio do juiz natural). A petição, depois disto, já tem número de processo. Neste momento,
o direito de ação já foi desencadeado pelo autor, mas a relação jurídica processual ainda não se formou
completamente. Falta que o Oficial de Justiça ou o Agente de Execução leve ao conhecimento do réu o
conteúdo da petição e os documentos que a acompanham (prova documental), assim como os meios
de defesa que ele possa ter e o prazo para contestar e, ainda, as consequências que podem resultar se
não contestar. A este ato chama-se citação (não é notificação, chama-se notificação a todas as
eventualidades futuras em que as partes ou o tribunal levam ao conhecimento uma das outras factos
processuais). No momento em que o réu é citado (assina a carta registada/aviso de receção), em que ele
passa a ser parte passiva, o direito de ação nasceu/está completo. O juiz vai verificar se os pressupostos
processuais estão verificados e depois vai analisar o caso através de critérios jurídicos. O juiz vai ter que
se convencer de que a realidade factual alegada por uma das partes tem mais verosimilhança, num grau
de probabilidade estatística, do que a verdade alegada pela outra parte. A relação jurídica processual vai
avançado à medida que a sequência, determinada na lei, o ditar. Em suma, a relação jurídica processual
está desligada da relação jurídica material. O juiz vai analisar se a relação jurídica material é como diz o A
ou como diz o B. É da síntese entre direito substantivo e factos que resulta a decisão, mas este caminho
só foi possível através do direito processual.
O direito de ação pressupõe sempre o recurso? O direito de ação, previsto na CRP, não é suscetível de
recurso ordinário em todas as situações. O legislador ordinário pode limitar o direito ao recurso.
Para que, uma vez formada a instância, ela possa conduzir o tribunal a conhecer do mérito da causa, faz-
se a verificação de certas condições, que valem como condição prévia do conhecimento do mérito da
causa: os pressupostos processuais. Os pressupostos processuais são requisitos processuais que devem
ser cumpridos para que o juiz possa proferir decisão sobre o mérito da causa ou uma sentença de mérito,
o que constitui o resultado normal do processo. São condições prévias que permitem ao tribunal apreciar
e julgar a questão de fundo, isto é, o litígio.
O desrespeito destes requisitos impede que o processo avance, isto é, impede o juiz de se pronunciar
sobre o mérito da causa devendo, então, ser proferida uma decisão que, em vez de apreciar o mérito,
limita-se a um julgamento formal da lide que coloca termo ao processo e se traduz na absolvição do réu
da instância (Art. 278º, nº1 do CPC). Há, assim, uma certa correspetividade entre falta de pressupostos
processuais e as causas de absolvição da instância.
As exceções são meios de defesa. Existem dois tipos de exceções (Art. 576º, nº1 do CPC):
1) Exceções dilatórias – São meios de defesa que resultam da falta de pressupostos processuais. Estas
obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância ou à
remessa do processo para outro tribunal (Art. 576º, nº2 do CPC);
2) Exceções perentórias – São meios de defesa que dizem respeito ao próprio direito subjetivo que o
autor pretende ver cumprido. Estas implicam a absolvição total ou parcial do pedido e consistem na
invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados
pelo autor (Art. 576º, nº3 do CPC);
Com isto, podemos concluir que nas exceções dilatórias, o réu é absolvido da instância e nas
exceções perentórias, ao contrário do que ocorre com as exceções dilatórias, o réu irá ser absolvido
do pedido. Isto significa que, nas exceções dilatórias o juiz não irá conhecer o mérito da causa, no
entanto, o autor pode repropor a mesma ação acautelando os pressupostos em falta, ou seja, mais
tarde o autor pode repropor a ação com o mesmo pedido e com a mesma história. Para além disto,
as exceções dilatórias preveem, ainda, uma outra consequência que se traduz no seguinte, se o réu
não deduzir a oposição justificada, o juiz remete para o tribunal competente, assim, há um
aproveitamento do processo uma vez que a relação jurídica processual continua a desenvolver-se.
Contrariamente, nas exceções perentórias a ação termina e, como tal, o autor não pode repropor a
mesma ação com o mesmo pedido e com a mesma história por razões de segurança jurídica.
Há, porém, situações em que um pressuposto processual não encontra verificado, mas mesmo assim,
o tribunal pode conhecer do mérito da causa, na medida em que se destina a tutelar o interesse de
uma das partes e nenhum outro motivo obste a que, no momento da apreciação da exceção, a
decisão deva ser integralmente favorável a essa parte (Art. 278º, nº3 do CPC).
Em suma, os pressupostos processuais podem dizer respeito às partes, ao tribunal ou ao objeto da causa.
Inicialmente, o poder para resolução de conflitos estava disseminado pelos cidadãos. No entanto, a
partir de certa altura, o poder da resolução de conflitos foi-se concentrando no Estado (entidade central).
Isto significa que, no Planeta Terra há um poder de julgar conflitos. É nisto que consiste a jurisdição, isto
é, a função jurisdicional (poder conjunto conferido aos vários Estados). É o exercício desta função que
distingue os tribunais de outros órgãos do Estado.
Pode acontecer que, no exercício das suas funções, os tribunais e outros órgãos do Estado, ou os tribunais
entre si, entrem em conflito a propósito do conhecimento de determinada questão. Este conflito pode
ser de jurisdição ou de competência:
1) De acordo com o Art. 109º, nº1 do CPC, há conflito de jurisdição quando duas ou mais autoridades,
pertencentes a diversas atividades do Estado, ou dois ou mais tribunais, integrados em ordens
jurisdicionais diferentes se arrogam ou declinam o poder de conhecer da mesma questão. O conflito
é positivo quando arrogam o poder de conhecer a mesma questão e é negativo quando declinam o
poder de conhecer da mesma questão;
2) De acordo com Art. 109º, nº2 do CPC, há conflito de competência quando dois ou mais tribunais da
mesma ordem jurisdicional se consideram competentes (conflito positivo) ou incompetentes
(conflito negativo) para conhecer da mesma questão;
A organização judiciária portuguesa comporta tribunais de várias espécies. A noção ordem de tribunais
ou ordens jurisdicionais pretende expressar a existência de conjuntos de tribunais coordenados em
organizações, em que cada conjunto se encontra hierarquicamente posicionado.
O Art. 209º, nº1 da CRP estabelece que, além do Tribunal Constitucional e do Tribunal de Contas,
existem, como categorias de tribunais, o Supremo Tribunal de Justiça e os tribunais de 1ª e 2ª instância,
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bem como o Supremo Tribunal Administrativo e os demais Tribunais Administrativos e Fiscais. A CRP
refere-se, assim, a duas ordens ou categorias de tribunais:
• Tribunais Judiciais;
• Tribunais Administrativos e Fiscais;
Os tribunais judiciais gozam, por um lado, de competência-regra no âmbito dos litígios de direito privado
e, por outro, de competência em matéria criminal. Além disso, exercem jurisdição em todas as áreas
conflituais não atribuídas a outros tribunais (Arts. 211º, nº1 da CRP e 66º do CPC).
Fazem parte dos tribunais judiciais, o Supremo Tribunal de Justiça, os Tribunais de 2ª instância (ou da
Relação) e os Tribunais de 1ª instância. O Supremo Tribunal de Justiça tem competência em todo o
território (Arts. 31º da LOSJ e 4º, nº1 da RLOSJ). Por sua vez, os Tribunais da Relação e os Tribunais de 1ª
instância têm competência na área das respetivas circunscrições.
No que toca à organização judiciária, o território nacional divide-se em 23 comarcas, nos termos do
anexo II à LOSJ, onde estão definidas as respetivas circunscrições, sendo que em cada uma dessas
circunscrições existe um tribunal judicial de 1ª instância. Os tribunais judiciais de 1ª instância são, em
regra, os tribunais de comarca (Art. 79º da LOSJ).
De acordo com o princípio da plenitude de jurisdição, as ações são impostas nos Tribunais de 1ª instância,
denominados em Portugal como os tribunais de comarca. Isto quer dizer que, não se propõe uma ação
num Tribunal de 2ª instância, muito menos, salvo exceções, no Supremo Tribunal de Justiça.
Os tribunais judiciais estão organizados hierarquicamente, porém, essa hierarquia tem um único objetivo,
que consiste no facto de uma decisão proferida por um Tribunal de 1ª instância poder, na parte recorrida,
impugnar uma reponderação da parte que ache que foi mal julgado. Isto consiste na garantia à tutela
efetiva e ao recurso (Art. 42º, Lei nº62/2013)
Há poucas situações em que se intenta uma ação num tribunal de 2ª instância. Os casos em que isto
acontece são os seguintes:
• Ação de indemnização intentada pelo autor contra o magistrado do Ministério Público por danos
causados por esse magistrado de 1ª instância no exercício das suas funções. A ação cabe assim ao
juiz de 2ª instância.
o E se for um juiz de 2ª instância que no recurso causa danos ao recorrente e este recorrente quer
obter indemnização? Onde se intenta a ação? Intenta a ação no STJ. E se for um juiz do Supremo
Tribunal de Justiça que cometeu factos ilícitos no exercício das suas funções? Como não há uma
instância superior ao Supremo Tribunal de Justiça tem de ser outro juiz do Supremo Tribunal de
Justiça da respetiva secção que irá formar a convicção da ação abusiva do Supremo Tribuna de
Justiça.
Os Tribunais Administrativos e Fiscais desfrutam de uma competência delimitada pelo seu objeto. Esta
competência abrange as seguintes matérias:
• A tutela de direitos fundamentais e de direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares;
• A fiscalização da legalidade de normas e atos jurídicos;
• O contencioso reativo a contratos regulados pelo direito público;
• A responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público dos servidores
públicos;
• A execução das sentenças proferidas pela jurisdição administrativa e fiscal;
Este tribunal exerce a sua jurisdição no âmbito da ordem jurídica portuguesa, podendo sindicar todas as
decisões jurisdicionais, independentemente dos tribunais que as tenham proferido (controlo concreto da
constitucionalidade).
Incumbe à lei determinar os casos e as formas em que os tribunais das diversas ordens se podem
constituir, separada ou conjuntamente, em Tribunais de Conflitos.
1) Pode suceder que, sobre uma mesma questão, os tribunais alegadamente competentes se
considerem todos incompetentes para o dirimir – Conflito negativo;
2) Ou que, ao invés, mais do que um tribunal se arroga nessa competência – Conflito positivo;
Posto que os conflitos de competência se abrem no interior de uma ordem de tribunais, eles são
resolvidos pelo Presidente do tribunal de menor categoria que exerça jurisdição sobre as autoridades em
conflito.
Ao contrário do que suceder com o Tribunal de Justiça, o Tribunal de 1ª instância não dispõe de
advogados-gerais permanentes.
4. Competência internacional
Uma questão litigiosa pode, face a um determinado elemento subjetivo ou objetivo, estar em contacto
com mais do que uma ordem jurídica, caso em que se torna necessário determinar os limites da
competência internacional dos tribunais de cada um dos Estados.
Antes de verificarmos qual é o tribunal português (internamente) competente para julgar a causa, é
necessário determinar a competência internacional dos tribunais portugueses, ou seja, a chamada
jurisdição do Estado Português em face dos tribunais estrangeiros:
1) O primeiro passo consiste em fixar a competência internacional dos tribunais portugueses, no seu
todo. A competência internacional deve ser considerada em bloco, isto é, relativamente a todos os
tribunais portugueses no seu conjunto, e não apenas em relação a este ou àquele tribunal. Significa
isto que ou os tribunais portugueses têm (todos) competência internacional ou não têm.
2) Se tal competência se confirmar, o segundo passo é apurar o tribunal internamente competente;
Existem três critérios por via dos quais os tribunais portugueses gozam de competência internacional,
sendo de entender que basta a verificação de um para que haja tal competência:
• Princípio da coincidência (Art. 62º a) do CPC) – A competência internacional dos tribunais
portugueses resulta da circunstância de a ação dever ser proposta em Portugal, segundo as regras
da competência interna territorial estabelecidas pela lei portuguesa (Art. 70º e ss. do CPC),
independentemente de existirem elementos de conexão com outras ordens jurídicas. Neste caso,
por força da coincidência entre a competência territorial e a competência internacional, os tribunais
portugueses podem julgar quaisquer ações que devam ser propostas em Portugal, segundo a
aplicação das regras daquela competência interna;
Ex.: Dois chineses casados em Portugal. O marido vai embora para Shangai e a esposa fica em Portugal e
pretende divorciar-se (sem consentimento). A jurisdição portuguesa é competente? De acordo com o Art.
72º do CPC se o litígio fosse puramente interno, o tribunal competente seria o do domicílio do autor. Esta
alínea diz-nos que a jurisdição portuguesa é competente, independentemente do marido estar em
Shangai.
Estas três hipóteses, previstas no Art. 62º do CPC, podem ser propostas nos tribunais portugueses,
embora não seja forçoso que tal aconteça, isto é, pode suceder que a ação dê entrada no tribunal de
outro país, o mesmo é dizer que, no limite, a competência de que assim gozam os tribunais portugueses
é concorrencial ou alternativa face à dos tribunais de outros Estados.
Diversamente, o Art. 63º do CP define a competência exclusiva dos tribunais portugueses, o que significa
que, nos casos aí previstos, a respetiva ação tem de ser proposta nos tribunais portugueses. Os tribunais
portugueses são exclusivamente competentes:
Importa ainda referir o Art. 94º do CPC, em homenagem ao princípio da consensualidade (ou da vontade
das partes), admite que as partes atribuam aos tribunais portugueses competência (internacional) para
determinadas questões (pacto atributivo de jurisdição) ou os privem de tal competência (pacto privativo
de jurisdição):
• Relativamente ao ordenamento jurídico nacional, só tem sentido celebrar um pacto atributivo de
jurisdição se os tribunais portugueses não tiverem competência internacional para a questão, à luz
do disposto nos Arts 62º e 63º do CPC;
• Por outro lado, a celebração de um pacto privativo de jurisdição apenas se justifica na medida em
que, os tribunais portugueses tenham competência internacional para a questão, não esquecendo
que, pela natureza do regime da competência exclusiva, as partes não podem dispor da matéria
prevista nos Arts. 24º do Reg. nº1215/2012 e 63º do CPC.
A celebração de um pacto destes implica, naturalmente, que a relação controvertida tenha conexão com
mais do que uma ordem jurídica, tal como acautela Art. 94º, nº1 do CPC. Para além disso, no seu nº3
estabelece uma série de requisitos cumulativos que têm que estar verificados para que a eleição do foro
seja válida. Se houver uma violação de um pacto de competência, isto é, uma violação dos critérios de
competência interna (os pactos só podem ser celebrados quanto ao critério da competência territorial e
mesmo assim, não quanto aos critérios de competência territorial prevista no Art. 104º do CPC), resultará
uma incompetência relativa (Art. 102º do CPC).
Apesar de tudo isto que acaba de ser referido, importa sublinhar que os regulamentos da União Europeia
e os outros instrumentos internacionais de cooperação judicial, a que Portugal está vinculado, têm
prevalência sobre as leis ordinárias, ou seja, sobre o CPC. Não podemos resolver um caso sem ver se há
alguma regra nestes regulamentos ou convenções, isto é, não podemos recorrer apenas aos Arts. 62º e
63º do CPC. Só no caso de não existir nenhuma regra especial naqueles regulamentos ou convenções é
que avançamos para as regras do CPC.
O Art. 4º, nº1 determina o critério geral de competência internacional. De acordo com o preceito em
causa “o autor, em regra, deve demandar o réu nos tribunais competentes do Estado Membro onde o
réu resida ou tenha a sua sede”. Isto significa que sempre que o réu tenha domicílio ou nacionalidade de
um Estado-membro é este regulamento que determina se o Estado-membro em causa é competente ou
não. Assim, o Art. 4º define o âmbito de aplicação subjetivo deste Regulamento.
Este regulamento é aplicado pelo juiz português quando o réu tenha domicílio em Portugal ou
nacionalidade portuguesa ou, ainda, quando se trate de competências exclusivas (neste último caso,
independentemente do lugar onde o réu resida ou tenha a sua sede (Art. 24º)).
Exemplos:
• Se estiver em causa um litígio em que o réu tenha residência em Angola, o juiz português não vai olhar
para este Regulamento, mas sim para os Arts. 62º e 63º do CPC. Porém, se Portugal tivesse uma
convenção de cooperação judicial com Angola era lá que iriamos primeiro.
• Se estiver em causa um litígio em que o réu tenha residência na Dinamarca, o juiz português não vai
olhar para este Regulamento, mas para a Convenção de Bruxelas.
• Se estiver em causa um litígio em que o réu tenha sede na Suíça, o juiz português não vai olhar para
este Regulamento, mas para a Convenção de Lugano.
• Matéria extracontratual (Art. 7º, nº2) – O elemento de conexão aqui é o tribunal do lugar onde
ocorreu ou poderá vir a ocorrer o facto danoso. Os litígios extracontratuais são litígios que na sua
génese não têm nenhum contacto entre o lesante e o lesado, isto é, a lesão não tem na sua génese
a autonomia da vontade e a liberdade contratual das partes, não existe qualquer contrato entre elas
(Ex.: num atropelamento existe responsabilidade extracontratual). Aqui, o lugar onde aconteceu o
facto ilícito pode ser diferente do lugar onde o dano ocorreu. Existe jurisprudência do TJUE quanto
a estas situações, que dizem que é relevante não apenas o lugar onde o facto ilícito foi gerado, mas
também o lugar onde os danos decorrentes desse facto ilícito se vieram a verificar, podendo, assim,
o interessado optar entre intentar a ação no lugar onde o facto ilícito se gerou e intentar a ação no
lugar onde os danos se efetivaram.
• Matéria de seguros (Arts. 10º a 16º) – O Art. 10º refere que a competência em razão da matéria de
seguros é regulada por aquela secção, sem prejuízo do disposto nos Arts. 6º e 7º, nº5. De acordo
com o Art. 12º, o segurador pode, também, ser demandado no tribunal do lugar onde ocorreu o
facto danoso quando se trate de um seguro de responsabilidade civil ou de um seguro que tenha por
objeto bens imóveis.
• Matéria de contratos individuais de trabalho (Arts. 20º a 23º) – De acordo com o Art. 20º, nº1, a
entidade patronal pode ser demandada no tribunal do Estado Membro em que tiver domicílio (a)),
mas pode, também, ser demandada no tribunal de outro Estado Membro (b)). As partes só podem
derrogar o disposto nesta secção por contrato, se a convenção for posterior ao surgimento do litígio
ou se permitirem ao trabalhador recorrer a tribunais que não estão mencionados nesta secção. Os
pactos privativos de competência internacional, em regra, no direito laboral, não são admitidos (Art.
23º).
• Matérias de contratos de consumo (Arts. 17º a 19º) – A aquisição de produtos ou serviços para uso
privado, não profissional, ou familiar traduz um negócio jurídico de consumo (Ex.: um taxista tem
uma licença que lhe permite conduzir um veículo para transportar passageiros portugueses – é
consumidor quando vai por gasóleo no táxi? Se for para transportar passageiros, não é consumidor, mas
se for para passear com a família, sim é consumidor). Em matéria de consumidores, a grande novidade
é o Art. 18º. O consumidor pode intentar a ação contra a outra parte do contrato nos tribunais do
Estado Membro onde estiver domiciliada a sua contraparte ou no tribunal do lugar onde o
consumidor tiver domicílio, independentemente do domicílio da outra parte.
O Art. 24º disciplina as competências exclusivas. Há determinados tribunais dos Estados Membros que
têm competência exclusiva quanto a certos litígios, independentemente do domicílio ou sede do réu. Isto
quer dizer que há certas ações só podem ser propostas em tribunais de certos Estados Membros, com
exclusão de outros. O nº deste artigo fala dos litígios relativos a direitos reais sobre imóveis ou a
arrendamento de imóveis, em que o tribunal competente é o tribunal do Estado Membro onde se
localiza o imóvel, independentemente da nacionalidade das partes. Já o nº4 deste mesmo preceito
refere-se à matéria de registos de patentes e validade dos respetivos direitos. Se a marca for uma marca
registada no Instituto Nacional da Propriedade Industrial, em Portugal, são os tribunais portugueses que
podem avaliar a invalidade da marca nacional. Esta regra de competência exclusiva está apenas
Por fim, o Art. 29º disciplina situações em que a mesma empresa demanda outra empresa em diferentes
Estados Membros (Ex.: a empresa X é ré em Espanha e em França, com o mesmo pedido e com a mesma
causa de pedir). São situações de litispendência. A litispendência ocorre quando duas ou mais ações
decorrem entre as mesmas partes, com base nos mesmos factos e para obter os mesmos efeitos jurídicos.
Nestas situações, o segundo tribunal a ser demandado deve suspender a instância até que o primeiro
tribunal se declare competente. Se este não se declarar competente, fica a ação a correr no segundo
tribunal.
A violação das regras de competência internacional gera incompetência absoluta (Art. 96º a) do CPC).
Esta incompetência é uma exceção dilatória que conduz à absolvição do réu da instância (Arts. 99º, nº1;
278º, nº1 a); e 578º do CPC)
5. Competência interna
Assumindo-se que a ação pode ou deve, conforme os casos, ser proposta em Portugal, há que verificar
qual o tribunal português concretamente competente para julgar determinada ação, o que introduz a
questão da competência interna. A nível dos tribunais judiciais, a competência reparte-se em função da
matéria, da hierarquia, do valor da causa e do território (Arts. 60º, nº2 do CPC e 37º, nº1 da LOSJ). Neste
sentido, o tribunal onde a ação é instaurada, tem de ser simultaneamente competente na matéria, na
hierarquia, no valor e no território. Se se violar algum destes critérios, a ação será proposta num tribunal
incompetente. Importa referir ainda que, estes critérios não estão todos no mesmo patamar de valor.
Isso determina que a violação de um critério de competência com valor hierarquicamente superior tenha,
também, consequências mais severas (incompetência absoluta) do que as que se verificam quando são
violadas normas de valores menos importantes (incompetência relativa). Os critérios de competência que
estão num patamar de valor hierarquicamente superior são: competência em razão da nacionalidade;
competência em razão da hierarquia e competência em razão da matéria.
1) Competência interna em razão de matéria – O Art. 64º do CPC prescreve que “são da competência
dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”. No âmbito
dos tribunais judiciais de 1ª instância, em sede de competência em razão da matéria, a ponderação
a fazer decorre da existência das secções de competência especializada das instâncias centrais e da
existência dos tribunais de competência territorial alargada, no confronto com as secções de
competência genérica das instâncias locais. Ao nível da 1ª instância, quando não sejam da
competência de qualquer das secções especializadas da instância central (Art. 117º e ss. da LOSJ) ou
3) Competência interna em razão de valor – A competência interna em razão do valor releva no âmbito
das ações declarativas cíveis de processo comum e determina a intervenção das secções cíveis da
instância central e das secções de competência genérica da instância local (Arts. 41º da LOSJ e 66º
do CPC). À luz do critério do valor da causa, as ações declarativas cíveis comuns de valor superior a
€50.000 são da competência das secções cíveis da instância central, daí resultando que as ações
declarativas cíveis comuns cujo valor seja igual ou inferior a €50.000 devem ser instauradas na
instância local e dirigidas às respetivas secções de competência genérica. Este critério apenas opera
no âmbito do processo declarativo comum. No âmbito dos processos declarativos especiais, a
determinação da instância e da secção competente deverá fazer-se segundo outros critérios, em
particular o da competência em razão de matéria, aí se estabelecendo o confronto entre as várias
secções de competência especializada da instância central e as secções de competência genérica da
instância local.
• O foro extraobrigacional trata-se daquelas situações em que há um autor e um réu em que não
houve ainda nenhum contacto relevante do ponto de vista contratual, o facto danoso surge em
virtude de um comportamento não alicerçado no contrato. Aqui intenta-se a ação no tribunal
que tem jurisdição no local onde o facto ocorreu, lugar da prática do facto (Art. 71º, nº2 do CPC);
• O foro do autor estabelece que as ações de divórcio de separação de pessoas e bens devem ser
instauradas no tribunal do domicílio ou da residência do autor (Art. 72º do CPC);
Vimos critérios legais acerca da competência territorial. Sucede que, em determinadas situações, as
partes podem recorrer à chamada competência convencional. A competência convencional consiste
em aferir a admissibilidade, ou não, de as partes celebrarem acordos relativos à competência do
tribunal. Nesta matéria vale o regime do Art. 95º do CPC que passa a expor:
• Não podem ser afastadas as regras de competência em razão da matéria, da hierarquia e do
valor;
• Podem afastar-se as regras de competência em razão do território, com exceção dos casos
previstos no Art. 104º do CPC, ou seja, os casos de incompetência territorial oficiosa;
• No caso de ser possível celebrar um pacto de competência, este deve adotar a forma de
contrato, fonte da obrigação, contando que seja reduzido a escrito, nos termos do nº4 do Art.
94º do CPC, e deve designar as questões a que se refere e o critério de determinação do tribunal
que acordam ser competente;
Quem propõe a ação tem de ter personalidade judiciária. De acordo com o Art. 11º, nº1 do CPC a
personalidade judiciária traduz-se na suscetibilidade de ser parte. Ser parte significa ser demandante ou
demandado em juízo (autor ou réu).
Quem tem personalidade jurídica são as pessoas singulares, através do nascimento completo e com vida
(Art. 66º do CC) e as pessoas coletivas, a partir do momento do registo (Art. 158º do CC e Arts. 5º e 1º,
nº4 do CSC). Em suma, adquirida a personalidade jurídica, qualquer pessoa, maior ou menor, capaz ou
incapaz, pode ser parte numa causa e as pessoas coletivas porque são dotadas de personalidade jurídica
têm, igualmente, personalidade judiciária.
O que foi apresentado até agora é a regra, no entanto, existe situações em que, por razões pragmáticas,
não há correspondência entre a capacidade de gozo de direitos (personalidade jurídica) e a personalidade
judiciária. Neste sentido, faz-se a seguinte questão: Será que existem exceções de personalidade
judiciária a entes que não têm personalidade jurídica?
A resposta é positiva. O legislador, através do Art. 12º do CPC, realizou uma extensão da personalidade
judiciária a determinadas coisas e entes desprovidos de personalidade jurídica. Importa reforçar que
esta extensão diz apenas respeito a coisas e não a pessoas. Vamos então ver quais são os desvios à regra
mais relevantes:
• Associações sem personalidade jurídica e as comissões especiais (Art. 12º b) do CPC) – É o caso da
Comissão da Queima das Fitas de Coimbra. Têm personalidade judiciária as associações sem
personalidade jurídica.
• Navios (Art. 12º f) do CPC) – Os navios têm personalidade judiciária nos casos previstos em legislação
especial (DL. nº353/86, 21 de outubro) Atribui-se esta personalidade para que seja mais fácil o fluxo
do comércio marítimo.
Através do Art. 13º do CPC, o legislador também procede à extensão da personalidade judiciária (ativa
e passiva) às sucursais, agências, filiais, delegações ou representações (de determinada pessoa coletiva)
em dois casos:
1) No caso de a ação derivar de facto por elas praticado (Art. 13º, nº1 do CPC). Ex.: quando um cliente
de uma agência bancária intenta uma ação contra esta para dirimir um litígio emergente de um contrato
de concessão de crédito celebrado entre ambos;
2) Quando a ação respeitar a facto praticado pela administração principal de uma pessoa coletiva que
tenha sede ou domicílio em país estrangeiro, se estiver em causa uma obrigação contraída com um
português ou com um estrangeiro domiciliado em Portugal (Art. 13º, nº2 do CPC).
No entanto, o facto de ser admissível, nas referidas situações, que essas entidades sejam demandadas
ou venham a demandar, não implica que fique afastada a possibilidade de ser a administração principal
a estar em juízo, em vez daquelas. Mas quando são elas que atuam os efeitos da decisão são oponíveis
à sociedade.
O Art. 26º do CPC dispõe que os patrimónios autónomos são representados pelos seus administradores
e as sociedades e associações que careçam de personalidade jurídica, bem como as sucursais, agências,
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filiais ou delegações, são representadas pelas pessoas que ajam como diretores, gerentes ou
administradores. Ex.: A pessoa jurídica contra quem a ação tem de ser interposta é o Município de Coimbra
e não a Câmara Municipal de Coimbra (a CMC é um órgão, uma entidade pública, ou seja, não é uma pessoa
e, como tal, não tem personalidade judiciária). Relativamente aos fundos de investimento, a lógica é a mesma,
a ação é interposta contra o fundo de investimento e não contra o banco em causa.
O fim ideal de uma ação é a obtenção de uma decisão de mérito, mas em certos casos isso não é possível
em virtude da violação de pressupostos processuais. Quando assim acontece, ou é possível sanar esse
vício e são tomadas diligências nesse sentido, podendo o processo avançar ou o vício é insanável,
gerando-se inevitavelmente a absolvição da instância.
Concretamente em relação à falta de personalidade judiciária, sendo este um vício que diz respeito a
uma qualidade e que ocorre em consequência da inexistência da pessoa jurídica, é uma falta insanável.
Consequentemente, o desfecho da ação não pode ser outro senão a absolvição do réu da instância (Art.
278º, nº1 c) do CPC). Neste caso, o juiz abstém-se de julgar sobre o mérito da causa, mas isso não impede
a propositura de uma nova ação sobre o mesmo objeto (Art. 279º, nº1 do CPC).
No entanto, há casos em que a lei prevê a possibilidade de ser suprida a falta deste pressuposto. Se a
falta de personalidade judiciária ocorre em relação às sucursais, agências, filiais, delegações ou
representações, o vício poderá ser sanado através da intervenção da administração principal, desde que
esta ratifique ou repita o processado (Art. 14º do CPC). Essa intervenção pode vir a ter lugar por iniciativa
do juiz, a requerimento da parte contrária ou por iniciativa da própria administração principal. Se a
administração vier ao processo e ratificar o processado, fica regularizada a instância. Porém, se a
administração principal não intervier, o juiz absolve o réu da instância. Isto vale quer no caso em que a
sucursal seja autora, quer no caso em que a sucursal seja ré.
De acordo com o disposto no Art. 15º, nº1 do CPC, a capacidade judiciária consiste na suscetibilidade de
se estar, por si (pessoalmente), em juízo.
O critério de determinação da capacidade judiciária tem por base e por medida a capacidade de
exercício dos direitos substantivos que se discutem no processo (Art. 15º, nº2 do CPC). Ter capacidade
judiciária é poder estar livremente em juízo, sem ser por intermédio de um representante ou sem precisar
de autorização do acompanhante do maior, ou seja, sem necessidade de recorrer a mecanismos de
suprimento da falta de capacidade judiciária. Em suma, aqueles que têm capacidade jurídica têm,
igualmente, capacidade judiciária e aqueles a quem falte essa capacidade de exercício de direitos não
cumprem o pressuposto processual da capacidade judiciária.
Quem é que goza de capacidade judiciária? Quem tiver capacidade de exercício de direitos.
A lei civil prevê que o maior beneficie de medidas de acompanhamento se, por razões de saúde,
deficiência, ou pelo seu comportamento, se encontre impossibilitado de exercer, plena, pessoal e
conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres (Art. 138º do CC).
O acompanhamento é decretado pelo tribunal, em processo intentado para o efeito (Art. 139º do CC e
Arts. 891º a 904º do CPC). Em consequência, o maior acompanhado a quem tenha sido ficada a medida
de representação tem que estar representado em juízo, através do acompanhante designado
judicialmente.
A decisão de acompanhamento é adotada sempre com caráter supletivo e deve limitar-se ao mínimo
indispensável. O maior deve manter, sempre que possível e na medida do possível, o pleno exercício de
todos os seus direitos e o cumprimento dos seus deveres (Art. 140º do CC). É fundamental verificar a
amplitude do regime a que o maior ficou sujeito para concluir sobre a sua capacidade judiciária, ou sobre
a falta dela, na ação em concreto e, se for o caso, da necessidade de representação. Caso não tenha sido
fixado o regime da representação, o maior acompanhado pode intervir em todas as ações em que seja
parte e nelas tem que ser citado, ainda que o acompanhamento também o seja. Contudo, quanto aos
atos sujeitos a autorização, o maior fica sujeito à orientação do acompanhante, que prevalece em caso
de divergência (Art. 19º do CPC).
A atuação da parte que, desprovida de capacidade judiciária, está por si em juízo, constitui um vício que
impedirá o tribunal de se pronunciar sobre o mérito da causa. Porém, sendo um vício sanável isso só
acabará por suceder se não forem realizadas as diligências necessárias para ultrapassar a falta deste
pressuposto processual. Como se afirma no Art. 27º, nº1 do CC, a incapacidade judiciária e a
irregularidade de representação são sanadas mediante a intervenção ou a citação do representante
legítimo do incapaz, ou seja, os progenitores, o tutor ou o acompanhante do maior, conforme o caso.
A falta de capacidade judiciária e a irregular representação será sanada por via da intervenção ou citação
do legítimo representante ou do acompanhante do maior, se este estiver sujeito ao regime da
representação, e pela ratificação, por parte daqueles, dos atos até aí praticados pelo incapaz ou pelo
ilegítimo representante. Resulta da conjugação do disposto no Art. 28º do CPC com o princípio ínsito no
Art. 6º, nº2 do CPC, que o juiz deve, oficiosamente e a todo o tempo, providenciar pela regularização da
instância, o que fará assim que se aperceber do vício relacionado com a falta de capacidade judiciária ou
irregularidade da representação. Isto é, ordenará a citação do réu na pessoa de quem o deva representar
ou, se a falta for relativa ao autor, determinará a notificação de quem o deva representar na causa (Art.
28º, nº2 do CPC). Num caso ou noutro, será fixado prazo para ratificação do processado, suspendendo-
se a instância, podendo os atos serem ratificados ou repetidos. Apesar da possibilidade que há de sanação
do vício, pode suceder que o mesmo não venha a ser sanado. Vejamos os vários cenários que podem ter
lugar, distinguindo os casos, consoante a falta é do autor ou do réu:
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• Respeitando a incapacidade judiciária ao autor, o juiz, sempre observando os Arts. 6º, nº2 e 28º, nº1
do CPC, deve ordenar a notificação do representante legal, nos termos do Art. 28º, nº2 do CPC,
suspendendo-se a instância. Pode ocorrer as seguintes situações:
1. O representante legal ratifica os atos processuais praticados pelo autor incapaz ou não os
ratificar, ficando aqueles sem efeito, mas vir a praticá-los novamente no prazo respetivo, tudo
nos termos no Art. 27º, nº2 do CPC, regularizando-se a instância;
2. O representante legal não ratifica nem renova o processado e, nesse caso, fica por suprir a
incapacidade judiciária do demandante, o que conduzirá à absolvição do réu da instância e à
ineficácia do processado (Arts. 278º, nº1 c); 577º c); e 27º, nº2 do CPC);
• Respeitando a incapacidade judiciária ao réu, o juiz, observando os Arts. 6º, nº2 e 28º, nº1 do CPC,
deve ordenar a citação do respetivo representante legal, nos termos dos Arts. 27, nº1 e 28º, nº2
primeira parte do CPC, resultando daí que:
1. O representante legal ratifica os atos processuais praticados pelo réu incapaz, ou não os ratifica,
mas procede à renovação dos atos, no prazo respetivo, tudo nos termos do Art. 27º, nº2 do CPC,
sanando-se o vício;
2. O representante legal não ratifica o processado, nem apresenta nova defesa. Porém, a ação não
deixa de prosseguir, incumbindo ao Ministério Público a defesa do incapaz, nos termos do Art.
21º, nº1 do CPC, correndo novo prazo para a apresentação da contestação. Não seria adequado,
aqui, absolver o réu da instância, porque este, apesar de incapaz, passou a estar (ou a poder
estar) devidamente representado em juízo, justamente quando o seu representante legal foi
citado para os efeitos dos Arts. 27º e 28º do CPC. A não ser assim, estaria encontrada a forma
de os incapazes jamais serem condenados.
Conseguimos retirar daqui uma conclusão: o juiz tem o poder-dever de tentar regularizar a instância
processual, promovendo oficiosamente a sanação da falta dos pressupostos processuais. Note-se que a
interpelação ordenada pelo juiz não obsta a que a parte contrária ao incapaz requeira a intervenção do
representante legal deste, por forma a sanar o vício.
Imagine que o juiz só se apercebe da falta deste pressuposto processual já numa fase avançada do
processo, o que é que deve fazer? À falta de um pressuposto processual o réu é absolvido da instância.
Porém, de acordo com o Art. 278º, nº3 segunda parte do CPC, algo diferente pode acontecer. As exceções
dilatórias, ainda que existam, podem não levar à absolvição do réu da instância se a ação puder ser
decidida integralmente quanto ao mérito da causa a favor de quem o pressuposto processual é imputável
e esse pressuposto processual visar defender os interesses pessoais (existe para defender o interesse da
parte).
Para além disto, pode acontecer que os pais estejam em desacordo na representação do menor. Por
exemplo, imagine-se que a mãe quer que o menor proponha uma ação e o menor também quer, no
entanto, o pai não quer que o mesmo a proponha (desacordo entre os pais na representação do menor).
O juiz da ação de reivindicação, neste caso, vai analisar a situação apreciando se é razoável o interesse
em causa para que a ação avance. É o juiz que deve dirimir o desacordo. Se o juiz concordar com a mãe,
o juiz dá o acordo na vez do pai, para a ação prosseguir, isto é, a falta de consentimento do pai é suprida
pelo juiz. Porém, os juristas mais rigorosos, dizem que esta ação se suspende, sendo necessário correr
um processo num Juízo de Família e Menores em que um dos progenitores narra o caso e pede ao juiz
do Tribunal de Família e Menores e considera que há todo o interesse no menor propor a ação, estando
os pais a assegurar a capacidade judiciária, posteriormente a isto o juiz decide (Art. 18º do CPC).
Este regime é também aplicável aos maiores acompanhados que tenham ficado sujeitos ao regime de
representação. Porém, pode haver casos em que o regime fixado ao maior acompanhado tenha previsto
apenas a necessidade de autorização para certos atos (Art. 19º do CPC). Nestas situações, apesar de o
Art. 27º do CPC não ter nenhuma referência expressa ao "acompanhante do maior", quando falte a
autorização deste, o regime aplicável para sanar esse vício deve igualmente ser o que se prevê no Art.
27º do CPC. Apesar dessa falta, a melhor solução é considerar-se igualmente abrangida esta situação no
espírito da norma e, consequentemente, considerar que a falta fica sanada com a intervenção ou citação
do acompanhante do maior, para efeitos de autorização do ato ou, não autorizando, para a prática de
novo ato, segundo a orientação do acompanhante, que prevalece (Art. 27º do CPC, conjugado com o Art.
19º do CPC). Não sendo suprida a falta, aplica-se, nos mesmos termos, o que acima se disse, consoante
se trate de falta do autor ou do réu, seguindo o regime do Art. 27º, nº2 do CPC.
Surge ainda aqui uma questão que não está propriamente ligada à falta de capacidade judiciária, mas que
é aqui tratada, a irregularidade de representação das pessoas coletivas. Esta irregularidade é diferente
da falta de capacidade judiciária. Se a pessoa coletiva tiver finalidades lucrativas, por exemplo, uma
sociedade comercial, ela não tem capacidade de exercício de direitos para ser fiadora ou para fazer
doações de imóveis, porque o fim da pessoa coletiva é o lucro (princípio da especialidade do fim). Em
processo civil, se as pessoas coletivas têm capacidade de exercício de direitos também têm capacidade
judiciária, mas têm de ser representadas em juízo pelos seus gerentes, administradores, etc (Art. 25º, nº1
do CPC). a pessoa coletiva é representada por quem os estatutos, a lei ou o pacto social (contrato de
sociedade) assim o designar. Há irregularidade da representação quando quem está a representar a
pessoa coletiva não tem autorização ou legitimidade para o fazer.
A legitimidade processual (Art. 30º do CPC) exprime a posição concreta de quem é parte numa causa
perante o conflito de interesses que aí se discute e pretende resolver. Que posição e situação é essa? É,
justamente, o ser-se a pessoa (ou pessoas) cuja procedência da ação lhes atribui uma situação de
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vantagem (autor) ou a pessoa ou pessoas a quem essa procedência causa uma desvantagem (réu). De
acordo com o Art. 30º, nº1 do CPC, “o autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar;
o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer”. Este interesse pessoal tem que ser
um interesse direto, pois as vantagens ou utilidades ou, por outro lado, as desvantagens ou perdas
repercutem-se invariavelmente na esfera jurídico-patrimonial de quem está a litigar como autor ou como
réu. Há assim, necessidade de a ação correr entre as pessoas que não são estranhas à situação jurídica
controvertida, visto que somente dessa maneira a sentença resolve definitivamente o litígio, impedindo,
tanto quanto possível, que volte a discutir-se a mesma questão.
Só é parte legítima quem revela o interesse a uma tutela jurisdicional favorável, seja quanto à
procedência ou à improcedência da pretensão concretamente formulada. É parte legítima quem puder
retirar alguma vantagem com a decisão. Esta legitimidade traduz a posição de uma pessoa (humana ou
coletiva) perante um concreto litígio, em termos de se dizer que essa pessoa é um dos titulares da relação
material controvertida em litígio. Afere-se relativamente a uma determinada ação. Não é possível dizer
em abstrato se uma pessoa tem ou não legitimidade. Pode ter para uma ação e para outra não. É um
pressuposto concreto.
Os juízes têm o poder de prever, na fase de saneamento, se as partes são ou não são partes legítimas. Se
não forem, se o juiz concluir que alguma das partes é parte ilegítima, a consequência está nos Arts. 577º
al. e), 576º, nº2 e 578º, nº2 do CPC – estamos perante uma exceção dilatória. Aqui há a absolvição do
réu da instância, a relação processual termina, o juiz não conhece do mérito e o autor terá de propor
uma nova ação, com o mesmo pedido, com a mesma causa de pedir, contra as pessoas que têm
legitimidade passiva e não contra o que foi absolvido (isto se tiver sido a parte passiva a parte ilegítima).
As partes materiais, ou seja, aquelas que são titulares do direito controvertido que tenham poderes de
disposição sobre o bem ou o direito objeto do litígio, desfrutam naturalmente de legitimidade processual.
Por vezes, é-se parte material sem o poder de disposição da coisa, mas ainda assim a lei confere
legitimidade processual a essa parte. As partes formais, ou seja, as que não são titulares do bem ou
direito controvertido, ou que não são atingidas diretamente pelo correspondente dever de prestar ou
sujeição decorrente do exercício de um direito potestativo, também podem disfrutar de legitimidade
processual (Ex: agências, sucursais ou delegações podem ser demandadas ou demandar, ainda que o facto
onde resulta a pretensão tenha sido praticado pela pessoa coletiva com sede no estrangeiro).
Sempre que a lei não disponha de outro modo, subsidiariamente são titulares do interesse direto em
demandar ou do interesse direto em contradizer as pessoas que são titulares da situação (ou da
relação) material controvertida (Art. 30º, nº3 do CPC). A legitimidade processual é assim, definida pela
situação material controvertida, e esta é a situação que constitui o objeto do processo.
Era, todavia, controvertido, até 1995, saber qual era a situação ou a relação material controvertida que
serve de base a esta determinação da legitimidade processual:
• Se era a relação material configurada unilateral e subjetivamente pelo autor na petição inicial – Tese
subjetivista de Barbosa de Magalhães;
• Ou se era a relação material tal como se apresenta real e objetivamente ao tribunal, ao juiz, depois
de ouvidas as partes e de serem examinadas as provas relevantes – Tese objetivista de Alberto dos
Reis;
• O tribunal tem que analisar primeiro se pode conhecer da relação material controvertida, tem que
analisar e verificar que todos os requisitos (pressupostos processuais) estão cumpridos;
• Para ver este requisito basta olhar para a petição inicial e ver como é que o autor configurou a relação
jurídica, o tribunal vai olhar como assente que as pessoas que o autor invocou são de facto as pessoas
com legitimidade;
• Assim, foi adotada a teoria que faz corresponder a legitimidade das partes à titularidade da relação
material controvertida descrita pelo autor na petição inicial.
Às vezes a situação ou relação material controvertida é constituída por vários autores e/ou por vários
réus. Temos assim, situações de pluralidade de partes constitutivas da relação jurídica processual,
vulgarmente formada entre o autor, réu e tribunal.
A lei contempla diversas situações de pluralidade de partes. Esta pluralidade pode ser ativa (vários
autores), passiva (vários réus), ou dupla (vários autores e vários réus). Por outro lado, a pluralidade de
partes pode ser inicial (quando se verifica logo no início da ação), ou subsequente (quando tem lugar já
na pendência da causa).
1) Litisconsórcio – Ocorre quando se discute em juízo uma determinada relação jurídica que envolve
diversos sujeitos, os quais, por isso, são partes na ação. Quer isto dizer que, à unicidade da relação
controvertida corresponde uma pluralidade de partes. O litisconsórcio pode ser voluntário (ou
facultativo) e necessário (ou forçoso).
• Litisconsórcio voluntário – Quando a pluralidade de partes resulta da vontade do ou dos
interessados. Significa isto que, embora a questão (relação jurídica) diga respeito a vários
interessados, a presença de todos na ação respetiva só se verifica porque o autor decidiu (teve
vontade de) propor a ação contra todos os interessados, ou por vários interessados decidiram
instaurar em co-autoria a ação. Como a presença de todos não é obrigatória, mas sim voluntária,
importa saber qual a decisão a proferir quando, respeitando embora a relação material
controvertida a vários interessados, não se encontrem todos na lide, isto é, não sejam todos
parte na causa. Nessa hipótese, a decisão a proferir deverá ficar circunscrita às partes presentes,
isto é, deverá vincular apenas estas. É isto que se estabelece na lei na segunda parte do nº1 e
nº2 do Art. 32º do CPC. Deste modo, para a hipótese de não ser imposta (por lei ou por
convenção) a presença de todos os interessados, a segunda parte do nº1 do Art. 32º do CPC diz
que a ação “pode também ser proposta por um só ou contra um só dos interessados, devendo
o tribunal, nesse caso, conhecer apenas da respetiva quota-parte do interesse ou da
responsabilidade”. É o que sucederá, por exemplo, com as obrigações divisíveis, previstas no
Art. 534º do CC, que mais não são do que obrigações plurais cuja prestação é fixada globalmente,
competindo, porém, a cada um dos sujeitos apenas uma parte do débito ou do crédito comum.
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E isto será assim, “ainda que o pedido abranja a totalidade”, como se vê pelo art. 32º, nº1 do
CPC. Importa notar que o nº2 do Art. 32º do CPC prevê a hipótese de a lei ou o negócio permitir
que o direito (comum) seja exercido por um só ou a obrigação comum seja exigida de um só dos
interessados. Se assim for, “basta que um deles intervenha para assegurar a legitimidade”. É o
caso típico das obrigações solidárias, previstas no Art. 512º do CC;
Podemos ainda falar na figura do litisconsórcio voluntário conveniente que ocorre nos casos
em que o litisconsórcio não é necessário, porém, para além do réu pode existir um outro
interessado visto que convém que o litígio seja intentado contra duas pessoas do que uma
porque o prejuízo a dividir por duas pessoas é melhor do que só sobre uma pessoa. Ex.: O credor
pode optar por demandar isoladamente o devedor casado em regime de separação de bens por
dívidas da responsabilidade do casal, e se o fizer, suportará o inconveniente de na futura execução
só poder executar bens próprios do cônjuge demandado. Para executar bens próprios do outro, teria
que o ter demandado também na açãoo declarativa. Trata-se de litisconsórcio voluntário
conveniente.
A outra espécie de pluralidade de partes é a coligação de autores e de réus, prevista no Art. 35º do CPC.
Apesar do seu caráter voluntário, não basta a vontade do autor para que, sem mais, haja lugar à
coligação. São ainda exigidos dois tipos de requisitos. Por um lado, temos requisitos objetivos, que
radicam numa determinada espécie de conexão ou afinidade entre as pretensões deduzidas. Por outro
lado, temos requisitos de índole processual, porquanto a lei estabelece certos obstáculos à coligação,
precisamente com base em critérios processuais.
Quanto aos requisitos objetivos, a coligação de autores ou de réus é admitida sempre que se verifique
alguma destas hipóteses (Art. 36º do CPC):
• Quando seja a mesma e única a causa de pedir que sustenta os diferentes pedidos formulados;
• Quando os pedidos, apesar de diferentes, estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de
dependência;
• Quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos, da
interpretação e aplicação das mesmas regras de direito ou de cláusulas de contratos perfeitamente
análogas, apesar de serem diferentes as causas de pedir;
• Quando os pedidos formulados contra os diversos réus se fundem na invocação da obrigação
cartular, quanto a uns, e da respetiva relação subjacente, quanto a outros.
Quanto aos requisitos processuais, nos termos do Art. 37º, nº1 do CPC, tem de ser satisfeito o requisito
da identidade da forma de processo (aos vários pedidos formulados deve corresponder a mesma forma)
e o da identidade do juízo competente (o tribunal deve ter competência internacional, material e
hierárquica para apreciar os diferentes pedidos). Ex.: Podemos cumular no mesmo pedido o pedido de
divórcio sem consentimento (tramitação especial) e o pedido de indemnização de danos patrimoniais
(tramitação comum)? Aos dois pedidos corresponde dois tipos de tramitação diferente, porém, esta
tramitação não é manifestantemente incompatível e, por isso, o juiz pode admitir (Art. 37º, nº2 do CPC). Numa
ação de partilha de bens deixados pela morte de uma pessoa (tramitação específica), o herdeiro que instaurou
esta ação, além de formular este pedido, pode formular outro pedido, a reivindicação de um imóvel que está
em poder de um vizinho que se apropriou dele (tramitação especial)? Tem de ser realizada numa ação paralela,
porque este obstáculo é inultrapassável (Art. 37º, nº1 do CPC).
Patrocínio judiciário facultativo (Art. 42º do CPC) – A parte (autor ou réu) pode intervir no processo sem
advogado e não acontece nada de negativo. Tem a possibilidade de se fazer acompanhar por um
solicitador, por um advogado estagiário, etc.
• “Nos recursos”:
o À primeira vista pode parecer redundante face às duas situações precedentes, pois, havendo
recurso, já seria exigível a constituição de advogado desde o início do processo, ou seja, desde
a 1ª instância. No entanto, haverá casos, que serão excecionais, em que a possibilidade de
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recurso apenas se coloca num momento mais adiantado da causa, não pelo valor da ação, nem
por se tratar de ação que versa sobre matérias determinadas, mas sim devido ao próprio teor
da decisão;
A intervenção do advogado depende de um mandato, conferido nos termos do Art. 43º do CPC, pelo
qual a parte atribui ao mandatário poderes para a representar em todos os atos e termos do processo
(Art. 44º, nº1 do CPC). Estes são os chamados poderes forenses gerais, deles ficando excluídos todos
aqueles atos cuja prática compete à própria parte, salvo se ao mandatário forem conferidos poderes
especiais para a prática dos mesmos (Art. 45º, nº1 do CPC).
A falta do patrocínio judiciário é sanável. Estabelece o Art. 41º do CPC que o juiz deve convidar a parte
que viola este pressuposto processual a constituir mandatário, dentro do prazo certo (cfr. também o nº2
do Art. 6º do CPC, cujo regime geral o Art. 41º do CPC adequa à figura de falta de constituição de
advogado). – Prazo para a prática de atos processuais: 10 dias (Art. 149º do CPC); Casos de urgência: Art.
49º do CPC.
Se a parte aderir ao convite, fica sanado o vício e regularizada a instância. Na hipótese de a parte não
aderir ao convite, a irregularidade persiste e o respetivo efeito varia nos termos seguintes:
• O réu será absolvido da instância (se a falta do patrocínio respeitar ao autor);
• Ficará sem efeito a defesa, isto é, a contestação determinada pelo réu não produz efeitos (se a falta
respeitar ao réu);
• Não terá seguimento o recurso (se a falta disser respeito ao recorrente);
O interesse processual consiste na necessidade de usar o processo, por isso mesmo que exprime a
necessidade ou a situação objetiva de carência de tutela judiciária por parte do autor, face à pretensão
que deduz, ou do réu, à luz do pedido reconvencional que tenha oportunamente formulado. Esta situação
de carência tem, de facto, de ser real, justificada e razoável. Pois pode suceder que o autor possa exercer
o direito por via extrajudicial, principalmente se for um direito potestativo, que possa ser exercido
unilateralmente. Essa situação de carência de tutela exprime-se na concreta utilidade da concessão dessa
mesma tutela judiciária para a parte que formula a pretensão. O Art 30º, nº2 do CPC alude a essa
utilidade.
Este interesse processual não se confunde com a legitimidade processual, porque o interesse direto em
demandar e em contradizer (que caracteriza a legitimidade) refere-se ao objeto da lida, ao conteúdo
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material da pretensão, enquanto o interesse em agir respeita ao interesse no próprio processo, no
recurso à via judicial, na inevitabilidade do pedido de tutela jurisdicional apresentado em juízo. Ex.: se um
inquilino paga pontualmente as rendas ao senhorio, não faz sentido que este proponha uma ação pedindo a
condenação daquele a pagar as rendas futuras no momento dos respetivos vencimentos. No caso, o autor não
tem interesse em agir. Na verdade, nada levando a crer que o arrendatário, futuramente, deixe de cumprir, o
recurso à via judicial revela-se prematuro e injustificado: daí a sua inutilidade.
E o que dizer da instauração de uma ação declarativa de condenação, quando o autor dispõe já de um
documento dotado de força executiva? Tal ação declarativa, ainda que procedente, irá proporcionar ao
credor uma sentença condenatória, um título executivo, que era o que ele já tinha. Daí, mais uma vez, a
inutilidade da ação.
Apesar de reconhecer a falta de referência expressa da lei a esta figura enquanto pressuposto processual,
Manuel de Andrade sustentou que o interesse em agir devia ser considerado como tal, por duas razões:
• A instauração de uma ação inútil sempre causa ao réu prejuízos e incómodos injustificados;
• A justiça, sendo um serviço estadual (pago com o erário público), só deve funcionar quando houver
motivos para tal, ou seja, quando o autor demonstre um verdadeiro interesse em agir;
Vemos, pois, que a qualificação do interesse em agir como pressuposto processual assenta na
preocupação de evitar ações inúteis. A circunstância de a lei não se referir expressamente à figura do
interesse em agir como pressuposto processual não é obstáculo a que o mesmo seja tratado e
considerado como tal, embora inominado. De resto, na linha do que já ficou dito acerca do nexo existente
entre a violação de pressupostos processuais e a verificação de exceções dilatórias, cumpre chamar a
atenção para o disposto no Art. 577º do CPC, preceito cujo teor (“são dilatórias, entre outras, as exceções
seguintes”) é revelador de que o sistema contempla mais exceções dilatórias do que as aí indicadas, o
mesmo é dizer que teremos exceções dilatórias inominadas.
Apesar do que antecede, há que reconhecer que as alíneas b), c) e d) do nº2 do Art. 535º do CPC previnem,
embora a título excecional, três casos de ações tidas por desnecessárias. Dada a inutilidade destas ações,
por se entender que o réu não lhes deu causa, o autor, mesmo obtendo a procedência da ação, terá o
encargo de pagar as custas (Art. 535º, nº1 do CPC). Já não será assim, todavia, se o réu contestar,
impugnando a respetiva obrigação, hipótese em que se aplica já a regra geral em matéria de custas,
prevista no Art. 527º do CPC, que impõe o dever de pagar as custas do processo à parte que lhes deu
causa, entendendo-se como tal a parte vencida.
À luz do que se dizia a propósito do interesse em agir enquanto pressuposto processual, aquelas figuras
deveriam gerar, não a inversão da regra da responsabilidade por custas, outrossim o efeito previsto para
a violação de pressupostos processuais: a absolvição do réu da instância (nº1 do Art. 278º do CPC).
Como conciliar então a defesa do pressuposto processual do interesse em agir (e da respetiva exceção
dilatória inominada) com o disposto nas alíneas b), c) e d) do no2 do Art. 535º do CPC? Deve entender-se
que estas três alíneas têm caráter excecional, resultando de uma opção legislativa para três situações
concretas, pelo que em todos os demais casos que configurem a falta de interesse em agir deverá aplicar-
se o regime de corrente da violação de pressupostos processuais.
6.5.2. Distinção entre interesse difuso, interesse coletivo e interesses individuais homogéneos
Os interesses coletivos são o conjunto de interesses que os sujeitos partilham por estarem na mesma
situação. Estes interesses coletivos também podem ser defendidos por uma associação jurídica que
partilhe esses mesmos interesses. Um sindicato pode intentar uma ação coletiva na defesa dos interesses
dos trabalhadores sindicalizados, os trabalhadores podiam fazer isso de forma individual, porém, não
seria viável, por isso é que existiu a necessidade de flexibilizar as regras da legitimidade processual,
surgindo os interesses coletivos.
Estamos no âmbito dos interesses individuais homogéneos quando alguém que litiga um ou dois sujeitos. Isto
não é comum na UE e, no Brasil, normalmente acontece com as associações. Portugal seguiu o panorama dos
EUA. O individuo está sozinho a litigar simultaneamente em nome próprio e em nome alheio, é um elemento
de um grupo de pessoas lesadas (não tem de saber quem são, nem tem de enumerar na petição). É
homogéneo porque decorre de um mesmo tipo de contrato lesivo que foi subscrito por milhares de pessoas.
Se for julgada procedente e for conhecido o mérito da causa, o caso aproveita a todo o universo de lesados
reais que não se autoexcluíram do processo. A fonte produtora dos danos a milhares de pessoas é a mesma
A ação é um direito subjetivo público dirigido contra o Estado e não um direito dirigido contra o réu. Se
atendermos ao disposto nos Arts. 2º, nº2 e 10º do CPC, podemos verificar que a primeira norma não se
limita a prever o direito de ação, ela também regula, ainda que completada pela segunda norma, os vários
tipos de ações e procedimentos que dependem as ações. A cada tipo de ação corresponde uma particular
espécie de processo enquanto conjunto de formalidades destinadas a exprimir a posição das partes e a
produzir, no final, uma decisão ou a realização forçada das pretensões jurídicas.
Que espécies de ações existem? De acordo com o critério do objeto da ação, isto é, de acordo com o tipo
de pedido que o autor formula ao tribunal ao instaurar o processo, a lei distingue, no Art. 10º do CPC,
entre as ações declarativas e as ações executivas.
O Art. 10º, nº1 do CPC divide as ações em duas grandes categorias, consoante o fim a que se destinam:
as ações declarativas e as ações executivas.
1) Ações declarativas – Nas ações declarativas, aquilo que o autor pretende é que o tribunal profira
uma declaração final de direito, isto é, uma sentença que ponha fim ao conflito de interesses. O litígio
existente entre o credor e o devedor é transferido para o tribunal como um litígio judicial, uma vez
que o autor espera que o juiz profira uma declaração definitiva que lhe ponha termo. Tal declaração
é a sentença, que julgará materialmente a ação, ora declarando-a procedente e condenando o réu a
pagar a quantia peticionada, ora decretando a sua improcedência e absolvendo o réu do pedido
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formulado, quando o tribunal não se convença de que o autor tem razão. A ação declarativa esgota-
se com esta sentença, o que não quer significar que o réu, apesar de condenado cumpra. Em caso de
incumprimento da sentença, não faria sentido o credor propor nova ação declarativa, voltando a
pedir a condenação do devedor, exigindo uma nova sentença condenatória (até porque o credor já
tem uma). Aquilo que o credor vai agora solicitar é a tomada de providências materialmente
adequadas à reparação efetiva desse seu direito violado. Assim, o credor vai instaurar uma ação
executiva, isto é, vai executar a sentença condenatória.
2) Ações executivas – Nas ações executivas o fim é reparar o direito que foi reconhecido e não foi
reparado. De acordo com o Art. 10º, nº4 do CPC, dizem-se ações executivas aquelas em que o credor
requer as providências adequadas à realização coativa de uma obrigação que lhe é devida. Se não
for cumprida a condenação, o agente de execução vai penhorar os bens do património do devedor,
promovendo a respetiva venda e, com o produto dessa venda, pagando efetivamente ao credor. A
garantia do credor é o património do devedor. É isto que significa reparar, na prática, a obrigação
que lhe é devida (reconstituição natural). Quando a coisa já não existe, não há uma reconstituição
natural. As ações executivas não são materialmente jurisdicionais, são materialmente
administrativas. Importa referir ainda que, em Portugal, os juízes não têm competência para praticar
atos executivos, quem o faz são os profissionais liberais.
Fica, assim, a ideia de que, normalmente, o processo civil abrange duas etapas: a que visa obter uma
ordem de comando, a sentença e uma outra que visa dar concretização efetiva a essa ordem, a execução.
A ação declarativa de simples apreciação encontra-se disposta no Art. 10º, nº3 a) do CPC. As ações
declarativas de simples apreciação são aquelas que visam obter unicamente a declaração da existência
de um direito ou de um facto ou declaração de inexistência de um direito ou de um facto, sendo
qualificadas como declaração de simples apreciação positiva as primeiras e como declaração simples
apreciação negativa as segundas.
O que justifica este tipo de ações é a necessidade de reagir contra uma situação de incerteza acerca da
existência ou inexistência de um direito ou de um facto. Neste sentido, o objetivo do autor não é que
que o tribunal condene o réu à realização de uma qualquer prestação, este apenas pretende obter do
tribunal uma decisão que ponha termo a uma situação de incerteza jurídica objetiva. Porém, estas ações
apresentam alguma dificuldade, uma vez que ao instaurar estas ações, o autor tem de alegar um estado
de incerteza objetiva sobre a existência do facto ou do direito e, para além disto, tem de demonstrar
que esse estado de incerteza objetiva é grave. Esta demonstração justifica-se à luz de dois postulados:
• A exigência de proteção do réu contra ações desonrosas propostas pelo autor, no sentido de permitir
o uso do processo para provocar danos ao réu ou limitar o direito fundamental de defesa;
• Evitar que a administração da justiça esteja a gastar recursos com questões que não se traduzem
num estado de incerteza objetiva grave;
No que toca ao ónus da prova nas ações de simples apreciação negativa, enquanto nos outros tipos de
ações a alegação e prova dos factos constitutivos do direito que se pretende fazer em juízo competem
justamente àquele que o invoca, ou seja, ao autor (Art. 342º do CC), não é isso que sucede nas ações de
simples apreciação negativa, conforme o Art. 343º, nº1 do CC. De acordo com o Art. 343º, nº1 do CC,
neste tipo de ações não cabe ao autor alegar e provar que o direito ou o facto não existe, competindo
antes ao réu alegar e provar tal existência. Entre nós, Remédio Marques, considera que no Art. 343º, nº1
do CC o ónus da prova encontra-se muito desequilibrado, uma vez que coloca o réu numa posição débil,
já que o autor pode intentar uma ação só para chatear o réu (desigualdade material). Assim, Remédio
Marques julga que cabe ao autor provar a inexistência do facto impeditivo, modificativo ou extintivo da
situação jurídica. Se o réu quiser afirmar a existência da situação jurídica que o autor pretende ver negada,
e não somente a falta de prova da inexistência dessa situação, deve formular um pedido reconvencional
(Art. 266º do CPC). Se esse pedido for julgado procedente, tendo o réu conseguido provar o facto
constitutivo da situação jurídica alegada na reconvenção, a ação de
simples apreciação negativa é julgada improcedente, mas fica estabelecida a existência da situação
negada pelo autor, ficando este impossibilitado de propor uma nova ação com fundamento em outro
facto impeditivo. No entanto, se o pedido reconvencional não for julgado procedente e o autor também
não conseguir provar o facto que alega na causa de pedir, a ação de simples apreciação negativa deve ser
julgada improcedente, com base no critério previsto no Art. 414º do CPC, neste caso o autor não fica
impedido de demandar novamente o réu com fundamento noutro facto impeditivo.
A improcedência destas ações de simples apreciação negativa só faz caso julgado material, tornando
imodificável o pedido, se e quando o réu deduzir reconvenção e nela pedir que se reconheça a existência
da situação jurídica que o autor pretende ver negada através da decisão do tribunal.
Existem ainda situações em que, nos termos do Art. 91º, nº2 do CPC, o autor ou o réu pode pedir a
apreciação acidental de questões que tenham sido suscitadas em ações pendentes, o chamado pedido
de declaração incidental. Qualquer uma das partes pode pedir que esta apreciação seja feita pelo tribunal
com força de caso julgado material, desde que o tribunal onde a ação estiver pendente tenha
competência internacional, em razão da matéria e da hierarquia para tal. Ex.: Numa ação destinada a obter
o cumprimento de um contrato de compra e venda, o réu, adquirente da mercadoria, invoca, na contestação,
a existência de defeitos. Neste caso, o autor, vendedor, pode requerer que essa questão seja apreciada com
força de caso julgado material. Assim, se o tribunal entender que a mercadoria não tinha defeitos no momento
As ações declarativas constitutivas estão consagradas no Art. 10º, nº 3 c) do CC. Estas ações visam
autorizar, através da sentença, uma mudança na ordem jurídica existente. Quando a sentença transita
em julgado, a mesma já não é passível de recurso. A sentença muda radicalmente a situação jurídica em
causa.
Este fenómeno verifica-se, quando o ordenamento jurídico entende retirar à autonomia das pessoas a
disponibilidade plena de determinadas situações jurídicas impondo, ao invés, que a constituição,
modificação ou extinção de tais situações jurídicas só pode dar-se através da intervenção de um tribunal.
Nestes casos, a atividade dos órgãos jurisdicionais competentes é uma atividade constitutiva necessária.
Há situações em que, por outro lado, a constituição, modificação ou extinção das situações jurídicas pode
ser atuada independentemente da intervenção do tribunal, mas esta intervenção tem que ser suscitada
pela falta de atuação espontânea do obrigado a uma prestação, uma vez que está em causa um
consentimento que o titular passivo da sujeição se recusa a prestar, e sem o qual não pode operar-se, por
exemplo, o efeito jurídico modificativo. O direito do autor é um direito disponível, mas não é exercitável
através de simples declaração de vontade. Nestas situações, a atividade do tribunal é uma atividade
constitutiva não necessária, pois o onerado à prestação poderia ter aderido à pretensão do titular ativo
e o direito que esta pretensão traduz desapareceria.
No segundo caso, de atividade constitutiva não necessária, os efeitos constitutivos podem ser
alcançados sem intervenção do tribunal, pois eles pertencem à área dos direitos disponíveis, mas o
obrigado à prestação não adere espontaneamente à pretensão do titular ativo do direito potestativo.
Nestas ações declarativas constitutivas, para além da necessidade de o tribunal verificar a existência da
situação jurídica que sustenta a pretensão deduzida em juízo, a decisão judicial é causa da modificação
que se vai operar na ordem jurídica, são exemplos disso:
• As ações tendentes à invalidação dos negócios jurídicos;
Nas ações constitutivas aquilo que se pretende é uma modificação no mundo dos efeitos jurídicos, onde
o tribunal é “omnipotente”, pois a sua decisão é o facto gerador do direito na própria ordem material.
Aqui, o juiz conhece o direito invocado, declara a sua verificação, que tanto pode consistir na constituição
de uma nova situação jurídica, como na modificação ou extinção de uma situação jurídica que já existe.
Remédio Marques, juntamente com a maioria da doutrina, defende que o direito que se pretende atuar
em juízo através de uma ação destas é um direito a uma modificação jurídica, ou seja, um direito
potestativo. São, por isso, os direitos potestativos que servem de base a estas ações.
Dado que estamos, nestas ações, perante direitos potestativos, o que se lhes contrapõem é uma sujeição.
Ou seja, se o juiz decreta um dos efeitos destes direitos, esse efeito impõe-se por si mesmo, contra o qual
o réu não pode lutar, nem sequer é precisa a sua colaboração. Uma sentença constitutiva nunca é seguida
de uma ação executiva, não há nada para executar pois o efeito impõe-se ao réu inelutavelmente, é uma
sujeição (salvo nos casos em que a sentença tenha uma parte condenatória em anexo, ligado a uma
qualquer obrigação acessória – Ex.: numa sentença constitutiva de uma servidão de passagem: se o réu se
opuser à servidão, o autor vai ter de avançar com uma nova ação declarativa, mas desta vez condenatória).
As ações declarativas de condenação encontram-se disciplinadas no Art. 10º, nº3 b) do CPC. O autor
arroga-se na titularidade de um direito, que afirma estar a ser violado, ou cuja violação é previsível, e
pretende não apenas que o tribunal declare a existência ou a ameaça dessa violação, como também que
condene o réu a realizar a prestação destinada a reintegrar o direito violado, a reparar a falta cometida
Só estamos perante uma ação de condenação se a causa de pedir contiver a afirmação de que um direito
ou posição jurídica foram violados ou se encontram ameaçados e o pedido reclamar a restauração do
statu quo ante (Ex.: condenação do pagamento do preço da obrigação já vencida), a reparação por
equivalente (Ex.: condenação numa indemnização pelos danos sofridos) ou a adoção de medidas
adequadas, por parte do réu, tendentes a evitar a consumação da violação ou a repetição dessa violação
no futuro (tutela jurídica inibitória). Apenas as ações de condenação (e algumas ações constitutivas que
implicam condenações, ainda que implícitas) podem ser seguidas da propositura de ações executivas
baseadas nas sentenças condenatórias nelas emitidas. As ações de condenação constituem a forma de
tutela jurisdicional civil declarativa dotada de maior eficácia tendo em vista a posterior realização forçada
ou coativa da prestação devida.
Estas ações visam, primeiramente, eliminar os efeitos da violação já consumada de direitos ou posições
jurídicas. Nestes casos, a sentença condenatória faz nascer um título executivo, suscetível de obter a
utilidade prática prevista no direito substantivo (restituição in natura ao statu quo ante) ou obter uma
utilidade equivalente (reparação por equivalente – indemnizações). Na hipótese de não ser encontrado
património penhorável na esfera jurídica patrimonial do devedor condenado à prestação, o processo
civil e a ação condenatória, que haja precedido a ação executiva, não terão assegurado a tutela
jurisdicional das posições jurídicas materiais de uma forma efetiva, a menos que um terceiro se tenha
obrigado pessoalmente (fiador) ou tenha autorizado que sobre os seus bens tenham sido constituídas
garantias reais (hipoteca e penhor) para assegurar o pagamento de dividas alheias. Em segundo lugar,
estas ações visam, ainda, impedir a efetivação da própria violação ou a sua repetição no futuro. Nessa
eventualidade, as ações de condenação têm uma função preventiva (e já não repressiva).
Do ponto de vista dos bens objeto das obrigações sob as quais recai a condenação, pode dizer-se que as
violações de obrigações de condenação a pagar créditos pecuniários e de entrega de bens podem ser
reintegradas coercitivamente através das ações executivas e, ainda, prevendo-se a repetição dos atos de
violação do direito de autor, é possível obter uma condenação in futurum (Arts. 556º e 557º do CPC).
Do ponto de vista estrutural, as ações de condenação podem ter como objeto o cumprimento de direitos
ou posições jurídicas já violadas ou o cumprimento de direitos ou posições jurídicas ainda não violadas
(apenas ameaçadas).
Vamos, por fim, individualizar alguns tipos de condenações – condenações especiais. Elas resultam da
forma como o pedido ou pedidos (em cumulação) são formulados (pelo autor ou pelo réu – neste último,
na reconvenção):
2) Condenação in futurum – Apesar da obrigação ser inexigível, pois só é exigível numa data futura
subsequente à decisão condenatória, essa situação não obsta à condenação in futurum do devedor,
desde que exista interesse processual. Há uma condenação atual numa prestação sujeita a um termo,
que, por conseguinte, só é exigível após o decurso de certo prazo. Esta condenação é admissível
sempre que:
• A falta de título executivo, isto é, de sentença condenatória, no momento do vencimento da
prestação possa causar grave prejuízo ao credor;
• No âmbito de uma venda a prestações o credor pretende obter, a mais das prestações já
vencidas, mas não pagas, a condenação no comprador nas prestações vincendas (Arts. 557º, nº1
do CPC e 934º do CC);
• Seja pedida a condenação em obrigação de alimentos, de contribuição dos cônjuges para os
encargos da vida familiar (Arts. 1676º do CC e 992º do CPC) ou outras prestações periódicas
(Ex.: rendas). A condenação pode abranger as prestações já vencidas e as que se vencerem
enquanto a obrigação subsistir (Art. 557º, nº1 do CPC);
• No caso em que se pretenda obter o despejo de um prédio no momento em que findar o
contrato de arrendamento (Art. 557º, nº2 1ª parte do CPC), caso não possa dispor-se de título
executivo extrajudicial. Nestas situações, a lei permite a emissão de uma condenação antes e
independentemente da violação atual da obrigação. A lei presume a existência de uma mera
probabilidade de violação do direito à prestação após o decurso do termo;
Na tutela principal podemos ter ações declarativas e ações executivas, sendo que consoante o tipo de
pedido, se saberá o tipo de ação em causa. A finalidade da sentença é o esclarecimento a nível jurídico, e
que a decisão produza efeitos práticos, isto é, que se repercuta na vida. Porém, entre o pedido e a
sentença pode haver alterações de modo que a sentença já não tenha o efeito prático previsto, isto é, a
sentença produz o esclarecimento, mas não tem os efeitos práticos previstos.
A par da tutela principal tem de se conciliar também a tutela cautelar. A tutela principal comporta um
processo declarativo sendo que a tutela cautelar comporta um procedimento cautelar. Os
procedimentos cautelares (Art. 362º e ss. do CC) visam prevenir o efeito útil da ação. É o fator tempo
que está em causa, bem como os prejuízos que podem derivar desse fator tempo. Os procedimentos
cautelares revestem sempre caráter urgente. Ex.: Alguém morreu. Fez testamento e deixou o testamento
do seu património ao contabilista, porém, tinha a mulher viva. Morreu e só tinha a mulher, não tinha filhos,
netos, só tinha sobrinhos. Porém, posteriormente, a sua mulher morreu. O contabilista disse que era o único
herdeiro e registou tudo no nome dele. O que é que os sobrinhos vão fazer? Quando este senhor morreu,
ainda tinha a mulher viva, significa que a mulher tem direito a metade do património dele. Quando esta
senhora morreu quem vai herdar são os sobrinhos. Estes, instauraram um processo de inventário para partilha
dos bens contra o contabilista. Este processo irá durar vários anos. Para que evitem males futuros, os
sobrinhos podem intentar uma providencia cautelar na providencia cautelar do processo de partilha, com isto,
vão congelar os bens do falecido até que seja proferida uma decisão. Na pendencia do processo de inventário,
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pode intentar um procedimento cautelar dirigido ao contabilista, pedindo ao juiz que o impeça de vender os
bens ou de tomar qualquer atitude relativamente a estes bens até que a partilha seja realizada.
A função específica deste tipo de atividade jurisdicional consiste em prevenir os perigos que, antes da
propositura de uma ação ou durante o tempo em que esta se encontra pendente, possam comprometer
os seus resultados (ou seja, o alcançar a pretensão deduzida na ação), regular provisoriamente o conflito
de interesses até ser obtida a composição definitiva, ou, inclusivamente, em antecipar a realização dos
efeitos jurídicos e do direito que previsivelmente poderá vir a ser reconhecido na ação.
O procedimento cautelar, em princípio, não vive por si, pois existe para salvaguardar o efeito útil da
ação principal, isto é, o efeito útil que se associa à sentença proferida na ação principal. Intenta-se uma
ação para assegurar cautelarmente o efeito útil de uma outra ação já proposta ou a propor.
Existem três requisitos cumulativos para que o tribunal conceda a providência cautelar. É ao requerente
que se incumbe demonstrar a verificação dos três requisitos:
1) Fumus boni iuris (Art. 368º, nº1 do CPC) – Consiste em mostrar ao juiz, ainda que superficialmente,
que tem ou é merecedor do direito a que se arroga. O juiz avalia se existe uma aparência de direito.
Ex.: na conta telefónica de A aparece-lhe um valor de 500€ para pagar. A tem de mostrar o seu direito a
não pagar, isto é, tem de mostrar que não fez as chamadas naquele valor.
2) Periculum in mora (Art. 362º, nº1 do CPC) - Consiste na situação de o autor alegar, demonstrar e
convencer o juiz de que caso o procedimento cautelar não seja julgado procedente, este corre um
sério risco de, com o retardamento do procedimento, o que vier a obter como consequência da ação
principal, não ter qualquer efeito útil. Existe perigo na demora da tramitação da ação principal. Ex1:
na conta telefónica de A aparece-lhe um valor de 500€ para pagar. Se não pagar no prazo de um mês, a
operadora telefónica corta-lhe as ligações. A alega que não fez chamadas nem gastou tal dinheiro. A tem
de convencer o juiz a condenar a operadora a não cessar as telecomunicações, pois todas as informações
pessoais estavam ligadas àquele cartão telefónico e o seu trabalho dependia disso. É necessário haver
rapidez no procedimento. Ex2: A vive no 7º andar de um prédio cujos elevadores avariaram. A anda numa
cadeira de rodas, não podendo descer as escadas, pelo que fica “barricado” em casa. É necessário haver
rapidez no procedimento.
3) Princípio da proporcionalidade – O juiz só deve decretar a providencia se o prejuízo que com ela se
quer evitar for consideravelmente superior ao dano que o decretamento dessa providência provoca
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no requerido. Quando o prejuízo para o réu excede consideravelmente o dano que com ela o autor
pretende evitar, a providência pode ser recusada pelo tribunal (Art 368º, nº2 do CPC). – Nem sempre
se exige a verificação deste requisito.
Esta atividade jurisdicional visa obter uma resolução provisória do conflito de interesses, podendo
estas providências ser intentadas antes da propositura de uma ação (a ação principal) ou durante o
curso da ação. Podem ser instauradas como preliminares ou como incidente da ação principal já
proposta. Se for requerida antes de ser instaurada a ação principal, o processo referente à
providência é apensado à ação principal, mesmo que esta ação venha a correr noutro tribunal,
hipótese em que o apenso respeitante à providência é remetido para esse outro tribunal, cujo juiz
da ação principal passa a gozar, a partir desse momento, da exclusiva competência para os termos
subsequentes a essa remessa (Art 364º, nº2 do CPC). Se for requerida no decurso da ação principal,
o procedimento cautelar deve ser processado por apenso aos autos desta ação principal. Se houver
necessidade de intentar a providência em tribunal português quando a ação principal deve ser
intentada em tribunal estrangeiro, o requerente deve fazer a prova, no tribunal português, onde haja
intentado a providência cautelar, da pendência da causa principal no tribunal estrangeiro (art 364º
do CPC. A relação de dependência entre a providência cautelar e a ação principal pode dizer
respeito a uma ação (principal) para a qual o tribunal (internacionalmente) competente é um tribunal
estrangeiro. Ex: A, português, residente em França, pretende intentar ação de divórcio contra B,
residente no mesmo país, está ele salvo de intentar, no tribunal competente (neste caso, no tribunal onde
os bens se encontrem – Art 78º, nº1 a) do CPC). Isto porque as medidas provisórias ou cautelares
previstas na lei processual de um EM podem ser requeridas às autoridades judiciais desse Estado, mesmo
quando é competente um tribunal de um outro EM para conhecer da ação principal. Daí que as
providências cautelares estejam na dependência da ação cível cujo objeto processual é a própria
situação tutelada (Art 364º, nº1 do CPC). Isto explica porque é que a lei estabelece que as
providências cautelares caducam se a ação principal vier a ser julgada improcedente (Art 373º c)
do CPC) ou se o réu for nela absolvido da instância e o autor não propuser, no prazo de 30 dias a
contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância (Art 279º do CPC) uma nova
ação. E também caducam se o requerente não propuser a ação principal no prazo de 30 dias a
contar da data em que tiver sido notificado da decisão judicial ou que a tenha ordenado. Se a ação
principal for julgada total ou parcialmente procedente, a situação provisoriamente acautelada pela
providência é substituída pela composição definitiva do conflito de interesses. Esta relação de
dependência também explica o motivo por que a providência cautelar condiciona e é condicionada
pelo objeto da ação principal, o que significa que a providência deve ser adequada ao direito ou à
posição jurídica que se pretende constituir ou defender.
O requerente pode cumular num mesmo procedimento cautelar vários pedidos respeitantes a
diferentes providências cautelares, pedidos respeitantes a diferentes situações jurídicas, isto é, a
diferentes relações materiais controvertidas, desde que a tramitação correspondente a cada uma
das providências não seja absolutamente incompatível (Art 376º do CPC). Por outro lado, o juiz não
se encontra vinculado a decretar a providência concretamente requerida, caso se convença do
fundado receio de que o requerido possa causar grave lesão ao direito do requerente (periculum in
mora) e que ocorre a probabilidade séria da existência do direito alegado por este (fumus iuris). Ele
pode decretar uma providência cautelar distinta daquela que foi solicitada, visto que nos termos
do Art. 5º do CPC, o tribunal não está vinculado às alegações das partes em matéria de indagação,
interpretação e aplicação das regras de direito. O decretamento da providência não condiciona a
apreciação da causa principal, não vinculando o juiz por ocasião da apreciação do objeto da ação
principal. Ou seja, a decisão proferida no procedimento cautelar, quer antes da propositura da ação,
quer durante o seu curso não tem força de caso julgado na ação principal (Art 364º, nº4 do CPC).
Em alguns procedimentos cautelares pode ser dispensada a audiência prévia do requerido. Isto é,
a providência cautelar pode, apenas em casos excecionais, ser decretada, sem que o requerido tenha
que ser ouvido, ou seja, sem que lhe tenha que ser oferecida a oportunidade para conhecer os
argumentos e as condutas assumidas pelo requerente e tomar posição sobre elas, através de um
direito de resposta e do contraditório. O juiz só está autorizado a dispensar esta audiência do
A regra geral é a seguinte: o tribunal deve ouvir as razões do requerido, sendo citado para deduzir
oposição, quando a sua audiência não puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência (Art
366º, nº do CPC), ou seja, só não será citado quando a audiência do requerido puder esvaziar o
objetivo ou os efeitos práticos da providência requerida, seja por motivos ligados à pessoa do
requerido, seja por razões respeitantes ao objeto do litígio, caso contrário, deve ouvi-lo antes de
decidir. Ex.: alimentos provisórios – Arts. 384º e 385º do CPC.
Há, no entanto, dois casos, no domínio das providências cautelares especificadas ou nominadas, em
que a dispensa de audiência é praticamente imposta por lei, uma vez verificados certos
pressupostos:
• Restituição provisória da posse (art 378º do CPC) – Logo que o juiz reconheça sumariamente
que o requerente exercia poderes de facto (posse) sobre a coisa e foi dela desapossado com
violência;
• Arresto dos bens do requerido (Art 393º, nº1 do CPC);
Nestas situações o direito de defesa é exercido a posteriori, somente após a efetivação concreta da
providência decretada (Arts. 366º, nº6 e 372º, nº1 do CPC). O requerido é depois notificado, e este
pode produzir prova, invocar factos e o tribunal decide de novo (podendo manter ou alterar a
primeira decisão). Isto é, quando há diferimento do contraditório, o tribunal decide decretando a
providência cautelar e só depois é ouvido o requerido. Este é então citado. O que é que o requerido
pode fazer neste momento? (Art 372º, nº1 a) e b) do CPC)
• Deduzir a oposição – É uma contestação na tutela principal. Corresponde a contraditar a posição
assumida pelo requerente. Como? Invocando novos factos, invocando factos que não sendo
novos, contradizem os factos do requerente ou invocando nova prova. Daí que o mesmo tribunal
possa proferir nova decisão, não há nenhuma contradição.
• Interpor recurso da decisão – Quando entende que o tribunal tem toda a informação necessária,
e não tem novos factos. No entanto acha que o requerente invocou factos que lhe eram
desfavoráveis. Em face desta informação, o requerido acha que o tribunal decidiu mal.
É uma crítica à decisão do tribunal. Quem vai decidir é um tribunal de instância superior. Há porém,
um outro caso em que, por razões ligadas aos mecanismos de fazer chegar ao conhecimento do
requerido a notícia de que contra ele foi deduzida uma providência cautelar, a lei dispensa a sua
audiência prévia. Se o juiz apurar que não é possível efetuar a citação pessoal do requerido (Art 225º,
nº2 a) e b) do CPC), uma vez que está nestes casos vedada a possibilidade de ser realizada a citação
edital (Art 366º, nº4 do CPC), o juiz deve ordenar o prosseguimento dos autos, sem audição do
requerido.
Não vigora no nosso ordenamento processual civil, um princípio da tipicidade taxativa das providências
cautelares (de acordo com o qual a regulação provisória dos conflitos de interesses e antecipação da
tutela judicial só podem ser obtidas através da dedução de uma, ou de várias providências, de entre um
elenco predeterminado na lei). Isto significa que não é por a providência cautelar não estar prevista na
lei que o autor fica sem tutela judicial.
• O arresto (Art 391º do CPC) pode ser requerido por todo aquele que se arroga na qualidade de
credor do requerido, desde que demonstre a probabilidade da existência do seu crédito e o
fundado ou justo receio da perda da sua garantia patrimonial (Arts. 601º e 619º, nº1 do CC). O
arresto, tal como a penhora, atribui ao credor o direito de ser pago com preferência a qualquer
outro credor que não tenha garantia real anterior à data em que for efetuado (Art 822º, nº2 do
CC). Isto é importante, já que se o arresto for convertido em penhora (Art 762º do CPC), esta
preferência retrotrai à data da efetivação do arresto. Além de que, após a efetivação (ou registo
do arresto) o seu requerente goza de uma vantagem: são inoponíveis em relação a ele, todos os
atos de disposição, oneração ou arrendamento do bem arrestado que ocorram depois do arresto
(Arts. 819º e 622º, nº1 do CC). O arresto consiste assim na apreensão, por parte de um agente
de execução, de bens (penhoráveis) do devedor ou de bens que foram por este transmitidos a
um terceiro (Arts. 407º, nº2 e 619º, nº2 do CC). Este procedimento é normalmente promovido
na dependência de uma ação condenatória (ação de dívida). Daí que esta providência caduca se
o requerente não promover a ação executiva nos 6 meses subsequentes ao trânsito em julgado
da sentença proferida na ação de condenação, ou se, promovida a execução, o processo estiver
parado mais de 30 dias por negligência do exequente (Art 395º do CPC). Instaurada a ação
executiva, o arresto anteriormente decretado converte-se em penhora, independentemente de
indicação desses bens à penhora, fazendo o averbamento dessa conversão no registo. Há uma
novidade do novo CPC, de acordo com o Art 396º, nº3 do CPC, não é necessário provar o justo
receio da perda da garantia patrimonial neste caso.
• A restituição provisória da posse visa a restituição de um bem aos poderes do requerente que
dele foi desapossado com violência (Arts. 377º do CPC e 1279º do CC) e pode ser um preliminar
ou um procedimento proposto na pendência de uma ação possessória ou de uma ação de
reivindicação, em que, neste último caso, o requerente já teve anteriormente a posse do bem
cuja propriedade reivindica.
Após o novo Código de Processo Civil, a inversão do contencioso é a mais profunda alteração em
matéria de procedimentos cautelares.
A inversão do contencioso deverá ser ordenada se a matéria adquirida no procedimento permitir ao juiz
formar convicção segura sobre a existência do direito acautelado e a natureza da providência for
adequada a realizar a composição definitiva do litígio (Art 369º, nº1 do CPC). Isto não sucede nas
providências cautelares de arresto e arrolamento, razão pela qual a inversão está afastada nestes casos.
Só é possível nas providências cautelares antecipatórias.
Se o pedido de inversão do contencioso for indeferido, a decisão não é recorrível. Já se este for
consentido, a decisão só é impugnável com a impugnação da providência cautelar (Art. 370º, nº1 do
CPC). Com o pedido de inversão do contencioso interrompe o prazo de caducidade a que estiver sujeito
o direito acautelado, reiniciando-se a sua contagem com o trânsito em julgado da decisão que negue o
pedido de inversão do contencioso (Art. 369º, nº3 do CPC). Decidida a providência cautelar com inversão
do contencioso, pode o requerido impugnar a existência do direito acautelado através de ação a instaurar
nos 30 dias subsequentes à notificação do trânsito em julgado daquela decisão (normalmente uma ação
de simples apreciação negativa). Caso não o faça, a providência consolida-se como composição definitiva
do litígio, podendo ser executada (Art. 371º, nº1 do CPC). Também se consolida como composição
definitiva do litígio se proposta a ação, o processo estiver parado mais de 30 dias por negligência do autor,
ou o réu for absolvido da instância e o autor não propuser nova ação em tempo de aproveitar os efeitos
da propositura da anterior (Art. 371º, nº2 do CPC). A procedência da ação proposta pelo requerido
determina a caducidade da providência decretada (Art. 371º, nº3 do CPC).
O Art. 376º, nº4 do CPC indica as situações em que é aplicável a inversão do contencioso, sendo que fica
de fora o arresto, o arrolamento (para estes dois, não é possível “congelar” para sempre os bens) e o
arbitramento de reparação provisória. Há portanto, uma tutela antecipada e uma tutela satisfativa (fica
satisfeita a pretensão do autor), que pode ser destruída.
No regime regra a decisão é transitória (vai caducar), e na inversão do contencioso a decisão tem a
potencialidade de ser definitiva (só poderia não o ser se o requerido propuser ação principal dentro de
30 dias).
Uma vez decretado o processo cautelar temos de garantir o seu cumprimento. Quais são as
consequências de o requerido não cumprir voluntariamente a decisão da providência cautelar? A este
propósito temos de falar de dois tipos de garantias:
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1) Garantia civil – Se o requerido condenado na providência cautelar não a cumprir voluntariamente
há lugar à ação executiva para reparar, na prática, o direito do requerente que ainda está violado.
Normalmente, muitas providências cautelares quando são decretadas não carecem de execução
porque a própria medida cautelar é autoexecutável. Ex.: Num arresto um agente de execução apreende
os bens, há possibilidade de desrespeitar? Não, porque a providência já foi executada. No caso do
arrolamento, é a mesma coisa. No caso do embargo de obras, o juiz suspende as obras, os trabalhos, mas
o vizinho continua com as obras, neste caso, tem de se intentar uma ação executiva para facto negativo,
ou seja, para que ele pare com as obras.
Qual é a garantia das prestações de facto infungíveis? A sanção pecuniária compulsória. O juiz decreta
“se violar esta obrigação de não fazer, por cada dia que desrespeite vai pagar X”.
2) Garantia criminal (Art. 375º do CPC) – Quem violar uma providência cautelar decretada incorre no
crime de desobediência qualificada. É uma desobediência qualificada porque traduz o desrespeito
de um comando emitido por um órgão de soberania, por um titular de um órgão de soberania (juiz).
Mas, há que fazer uma advertência: não é pelo simples facto de se infringir uma providência cautelar
que o requerido automaticamente e necessariamente incorre neste crime. Porquê? Para que o
elemento do tipo específico/qualificado de desobediência esteja preenchido é preciso que um
conjunto de ocorrências da vida real aconteçam, ou seja, tem de haver sempre elementos que
desculpabilizem a responsabilidade criminal, ou seja, elementos de exclusão da ilicitude ou da culpa
criminal (Ex.: erro sobre a proibição, legítima defesa, etc).
O que é que acontece ao requerente se a providência cautelar for revogada ou caducar, porque a ação
principal não foi julgada procedente ou porque o requerente não cumpriu o prazo para a instauração da
ação principal? Haverá situações em que o requerente de uma providência cautelar que se revela
injustificada, tem de responder perante o requerido?
Imaginemos a situação em que, em virtude de uma providência cautelar de arresto, o requerido ficou na
ruína graças à apreensão dos bens tendo sido depois julgada improcedente a providência, apesar de já
ter provocado danos irreparáveis. O que é que acontece? O requerido pode instaurar uma ação de
responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, que resultará no pagamento de uma
indeminização por danos emergentes e lucros cessantes. Mas qual é o facto ilícito? Corresponde ao facto
de o autor da providência cautelar não ter agido com a prudência normal. Se ele tivesse agido com a
prudência normal, ele não teria requerido o arresto. E o que é que significa esta prudência normal?
Significa que uma pessoa equilibrada, normal, posta na situação do requerente nunca teria deduzido o
arresto.
Quando o autor envia por meios eletrónicos ou apresenta fisicamente a petição inicial na secretária, ele
assume uma certa situação jurídica que quer fazer valer em juízo, ainda que os efeitos de uma eventual
decisão favorável só se venham a produzir, em princípio, relativamente à contraparte (Arts. 581º e 621º
do CPC). Embora o réu seja solicitado, querendo exercer o direito de defesa, o tribunal terá de conceder
ou negar a tutela judiciária a essa pretensão concreta mediatizada pelo processo. E a pretensão consiste
no poder de exigir do destinatário do dever jurídico o cumprimento de um dever de prestar.
Assim, a partir de uma certa situação jurídica material subjacente provida de uma ou de várias
ocorrências da vida real (Ex.: o autor alega que é proprietário de um prédio e que o réu, seu vizinho, sem
autorização, tem vindo a ocupar uma faixa desse imóvel), o autor pretende obter um determinado efeito
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jurídico contra o réu (continuando o exemplo – pretende que o tribunal reconheça que ele é o dono dessa
faixa de terreno e condene o réu a desocupá-la e abster-se de, futuramente, sobre ela exercer quaisquer
poderes), independentemente do direito subjetivo invocado desfrutar, ou não, de eficácia erga omnes
(Ex.: um direito real de gozo desfruta de eficácia erga omnes; mas um direito pessoal de gozo já não, a não ser
que lhe seja atribuída essa eficácia, cumpridos certos requisitos). No exemplo que temos vindo a dar, se o
tribunal ficar convencido das afirmações de facto do autor, ele não afirma com oponibilidade erga omnes
que a propriedade pertence ao autor, mas apenas que o réu deverá respeitar esse direito e desocupar a
faixa de terreno. O exercício das pretensões através do direito de ação visa ordenar apenas
relações/situações entre pessoas (entre o concreto autor e o concreto réu) e não entre pessoas e coisas.
Por outro lado, o objeto do processo não é só a relação jurídica substantiva, na medida em que, por
exemplo, nas ações de simples apreciação não existe uma prévia relação material substantiva
estabelecida entre o autor e o réu. Na verdade, este limitou-se, alegadamente, por exemplo, a dizer a
toda a gente que o autor lhe devia uma determinada quantia pecuniária. Ou seja, a pretensão não tem
necessariamente que assentar numa relação jurídica pré-existente, pois pode acontecer que entre o
autor nem tenha um direito subjetivo atual. Pode haver uma pretensão e não um direito subjetivo atual.
Chegamos, assim, à conclusão que o objeto do processo é, a um tempo, uma determinada situação
jurídica material ou um complexo de situações jurídicas (um complexo de fundamentos fácticos
suscetíveis de várias classificações jurídicas) alegada(s) pelo autor e uma concreta pretensão (ou várias
pretensões).
Existem, no processo civil declarativo, duas formas de processo (Art. 546º do CPC):
• Forma de processo comum (Arts. 548º e 552º a 702º do CPC);
• Formas de processo especiais (Arts. 549º e 878º a 1081º do CPC);
Antes de mais, temos de ver se estamos perante uma forma de processo especial, uma vez que só não
havendo nenhuma forma de processo especial que se adeque ao tipo de ação é que vamos para a forma
de processo comum, isto é, a forma de processo comum tem caráter subsidiário relativamente às
formas de processo especiais (Art. 546º, nº2 do CPC).
• Tipos de factos que podem ser considerados pelo tribunal quando profere a decisão:
o Processos de jurisdição contenciosa – O juiz pode conhecer factos essenciais (invocados pelas
partes) e instrumentais, complementares, notórios, que tenha conhecimento em virtude do
exercício da sua função (Art. 5º do CPC). As partes têm de alegar os factos principais da sua
pretensão e o juiz não pode substituir-se a essa falta de factos, não pode ser ele a conhecê-los.
o Processos de jurisdição voluntária – Para além dos factos invocados pelas partes (Art. 5º do
CPC), o tribunal pode livremente investigar factos (Art. 986º, nº2 do CPC). Não é necessário que
as partes invoquem todos os factos principais, o juiz pode ver outros factos relevantes, mesmo
que uma das partes se tenha esquecido de alegar um facto principal.
O pedido é a concreta pretensão, enquanto efeito jurídico pretendido pelo autor (Art. 552º, nº1 e) do
CPC). O pedido tem que ser apresentado pelo autor na petição inicial. O réu também pode formular
pedidos (pedidos reconvencionais) (Art. 266º do CPC). Este efeito jurídico corresponde a uma pretensão
que se realiza através do exercício do direito de ação. Se o juiz declara a ação procedente, está a declaraR
que a pretensão é real.
A causa de pedir são os factos que servem de fundamento à ação (Art. 552º, nº1 d) do CPC). São
ocorrências da vida real que tal como são alegadas pelo autor fundamentam o efeito jurídico pretendido
pelo autor ao propor a ação, ou seja, fundamentam o pedido. Mas a causa de pedir terá de ser
concretizada, na medida em que a afirmação de factos ou de ocorrências da vida (ocorrências estas que
podem ser exteriores ou interiores ao ser humano – neste último caso, dor psicológica ou física,
depressão, ansiedade) tem que individualizar a pretensão para o efeito de conformação do objeto do
processo. Este núcleo de factos deve, assim, estar previsto por uma ou mais normas como causa do efeito
material pretendido (como causa do pedido). Este conceito é delimitado pelos factos jurídicos dos quais
procede a pretensão que o autor formula, cumprindo a este a alegação desses factos, pelo menos dos
factos essenciais, nos quais o juiz funda a sua decisão (não obstante o juiz poder atender também a factos
instrumentais que resultem da instrução ou da discussão e aos factos que sejam complemento ou
concretização de outros). Na verdade, mesmo que os factos não estejam previstos numa norma de direito
substantivo existe causa de pedir. Só que, dependendo dos casos, a pretensão do autor será julgada
improcedente ou haverá falta de interesse processual. Estas soluções traduzem, assim, a teoria da
substanciação, afastando-se assim a teoria da individualização prevista, entre nós, nos Arts. 552º, nº1 d)
e 581º, nº4 do CPC. Não é, portanto, suficiente ao autor (ou ao réu reconvinte) formular o pedido com
todas as possíveis causas de pedir que podem ser consideradas no processo (todos os factos alegados e
alegáveis). O excesso de informação pode acabar por confundir o juiz.
Remédio Marques coloca-se numa posição intermédia entre as duas teorias, dizendo que: afastamos a
teoria da individualização pois para esta bastaria a identificação da norma que servisse de fundamento
aos factos e situamo-nos a meio das duas porque não podem ser quaisquer ocorrências da vida real, são
apenas os factos essenciais/principais (e não os factos instrumentais) que estão previstos na norma ou
nas normas que atribuem o direito subjetivo ao autor/ou ao réu reconvinte.
Em jeito de conclusão, podemos dizer que o objeto do processo consiste na pretensão jurídica, que se
divide em dois elementos:
• Elemento material – O direito subjetivo que já pode existir ou que esteja para nascer (direito
subjetivo futuro) ou um direito subjetivo em formação (expectativa jurídica);
• Elemento processual – O pedido e a correspondente causa de pedir;
Afirme-se, no entanto, que as pessoas, através do exercício da arbitragem, não estão a usurpar uma
função própria e exclusiva do Estado, pois o que é privativo do exercício da função jurisdicional estadual
é apenas a tutela coativa dos direitos subjetivos e das demais posições jurídicas subjetivas ou difusas,
tutela essa que os tribunais arbitrais não colocam em causa por possuírem apenas competência
declarativa. Por esse motivo, a execução forçada das decisões condenatórias proferidas por tribunais
arbitrais é alcançada nos tribunais estaduais. Parece, no entanto, hoje claro que os tribunais arbitrais
podem emitir providências cautelares suscetíveis de antecipar provisoriamente a decisão definitiva, se
assim a convenção de arbitragem o previr. Tais decisões, em caso de não cumprimento voluntário, são
executadas no tribunal judicial de 1ª instância que tenha competência no lugar em que decorreu a
arbitragem (Art. 85º do CPC).
Na arbitragem não institucionalizada, a resolução do litígio tem lugar através de um ou mais árbitros,
pessoas humanas, designadas pelas próprias partes, sendo que estas podem regular as regras do processo
e o lugar onde funcionará o tribunal. É uma arbitragem não permanente, pois estes tribunais extinguem-
se após a resolução do litígio. Na arbitragem institucionalizada, a resolução do litígio tem lugar através
de um ou mais árbitros sob a égide de uma instituição permanente, já constituída e que está à disposição
dos litigantes, mesmo antes da existência do litígio. Esta forma é criada por iniciativa do Estado ou de
particulares.
Na arbitragem voluntária, a competência jurisdicional dos árbitros radica numa convenção das partes,
que assim emitem declarações negociais convergentes em submeter um certo litígio a esta forma de
composição do seu conflito de interesses. Neste caso, as partes podem ou não submeter o concreto litígio
à heterocomposição vinculativa de um terceiro (o árbitro). Na arbitragem necessária, a controvérsia
somente pode ser decidida por árbitros em atenção à natureza ou ao objeto do concreto litígio,
precisamente porque uma disposição legal (não a vontade das partes), impõe a obrigação de submeter a
árbitros certos litígios.
Na arbitragem, o terceiro árbitro decide e julga um conflito de interesses tanto no que respeita à matéria
de facto (Ex.: considera provados certos factos e não provados) quanto à matéria de direito. O perito, pelo
contrário, perceciona os factos passados que formam o objeto da causa, e dá o seu parecer ou informa o
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tribunal sobre a sua verificação, não verificação ou outras circunstâncias respeitantes a essas ocorrências
da vida real. O tribunal, perante questões de facto que suscitam dificuldades pode socorrer-se de um
técnico para o elucidar sobre a averiguação e interpretação dos factos que se propõe observar, um perito.
O arbitramento por um terceiro traduz aquela situação em que as partes ou a lei atribuem a um terceiro
o poder de completar ou integrar um contrato já celebrado, determinando um elemento negocial que
não tenha sido previamente definido pelos contraentes ou adaptando um contrato de prestações
duradouras a novas circunstâncias (Art. 437º do CC).
Enquanto a arbitragem visa resolver um conflito de interesses já existente ou que possa vir a existir, o
arbitramento visa apenas integrar lacunas do contrato já formado ou em formação, constituindo,
completando ou modificando um negócio jurídico na qualidade de mandatário das partes.
A arbitragem contratual ad hoc traduz aquelas situações em que as partes devolvem a um terceiro, por
elas escolhido e em homenagem às suas específicas competências e aptidões técnicas, não a resolução
de uma controvérsia jurídica, mas sim a emissão de um juízo técnico que, antecipadamente, elas se
obrigam a aceitar como sendo uma expressão direta da sua vontade. Mesmo que a questão decidida
possa ser posteriormente apreciada em tribunal, este terceiro atua como verdadeiro árbitro, e não
apenas como perito.
A composição arbitral amigável do litígio consiste na possibilidade de os árbitros, caso as partes lhes
tenham cometido essa função, decidirem os litígios por apelo à composição das partes na base do
equilíbrio dos interesses em jogo. Na decisão arbitral por acordo das partes, embora se trate de
arbitragem e de um processo arbitra, os árbitros não resolvem um litígio; as partes põem termo ao
processo mediante um acordo, limitando-se o árbitro a homologá-lo, sancionando a composição dos
interesses em litígio pelas próprias partes, verificando a sua validade enquanto negócio jurídico.
A razão principal para a compreensão desta figura é a que vê na intervenção do tribunal arbitral uma
espécie de composição do conflito por terceiros imparciais substitutiva da própria autocomposição das
partes. O que está na génese do submeter o litígio à arbitragem é, afinal, uma vontade de transigir. Só
que, enquanto no contrato de transação ocorrem cedências recíprocas dos litigantes que terminam o
litígio, na arbitragem o litígio termina com a emissão de uma decisão que conhece acerca da verificação
de certos factos e julga o litígio aplicando o direito constituído ou resolve o conflito de interesses através
da equidade.
5. A convenção de arbitragem
A convenção de arbitragem é o negócio jurídico no qual se exprime a vontade comum das partes em
subtrair a resolução de um conflito de interesses aos tribunais estaduais, cometendo-a a um ou mais
árbitros, por elas designados, ou a árbitros que prestam os seus serviços em tribunais arbitrais
institucionalizados.
Se o litígio já existir entre as partes, esse negócio jurídico tem o nome de compromisso arbitral. Se o
litígio ainda não existe, mas pode vir a existir no futuro seja quando já existe um contrato entre as partes
em curso de execução ou um contrato-quadro a partir do qual as partes se comprometem a desenvolver
no futuro um programa contratual mais ou menos complexo, dá-se o nome de cláusula acessória. Esta
tem autonomia em relação ao contrato no qual venha a ser inserida, pelo que a invalidade desse contrato
não atinge, necessariamente, essas cláusulas. Os requisitos de validade e de eficácia da cláusula devem
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ser assim apreciados à margem da apreciação dos requisitos de validade e de eficácia do contrato a que
tal cláusula se refere.
No que respeita ao conteúdo da convenção de arbitragem, ele pauta-se pelo princípio da autonomia da
vontade. Falamos dos objetos litigiosos passíveis de arbitrabilidade. Tal como não pode ser conteúdo do
contrato de transação direitos ou situações jurídicas indisponíveis (poder-dever paternal, relações
tributárias, direitos de personalidade, etc.) também não poderão ser conteúdo de convenções de
arbitragem. Também são insuscetíveis de resolução pela via arbitral os conflitos de interesses que
estejam previstos na lei ou quando haja incompatibilidade do regime da arbitragem com a matéria objeto
do litígio. O conteúdo da convenção de arbitragem tem ainda que respeitar o requisito da determinação
ou pelo menos, o da determinabilidade. A convenção deve determinar com precisão o objeto do litígio.
Quanto à forma legal, a convenção de arbitragem em qualquer das modalidades que assume deve ser
reduzida a escrito, sob pena de nulidade dessa mesma convenção de arbitragem.
Pode-se ficar perante um caso em que o litígio somente é definitivamente resolvido se estiverem em juízo
todos os titulares da relação matéria controvertida e a convenção de arbitragem apenas vincula alguns
deles. Nesta eventualidade parece possível suscitar-se a intervenção dos terceiros não subscritores da
convenção de arbitragem na ação que esteja a correr no tribunal arbitral. Se os mesmos recusarem a
intervenção parece que caduca o poder jurisdicional do tribunal arbitral e o litígio deverá ser dirimido
junto dos tribunais estaduais com a presença de todos os titulares da relação material controvertida, sob
pena de ilegitimidade processual.
Um tribunal arbitral pode impor a terceiros a sua cooperação com o tribunal, pois, embora se trate de
uma atividade mista (contratual e jurisdicional) esse tribunal exerce uma função jurisdicional,
independentemente da fonte jurisgénica (neste caso, a autonomia da vontade) dos poderes com que o
tribunal foi dotado a partir da conclusão da convenção de arbitragem. Fora do dever geral de cooperação
de terceiros com um tribunal (Art. 417º do CPC), o contacto dos terceiros com o tribunal arbitral somente
pode brotar da iniciativa destes terceiros. A lei não pode obrigá-los a aceitar a jurisdição do tribunal
arbitral, nem tão pouco pode cominar ónus ou preclusões para o caso desses terceiros não aceitarem
esse jurisdição
No que toca aos efeitos da convenção de arbitragem, se algum dos contraentes violar a convenção de
arbitragem, o que equivale a violar um negócio jurídico bilateral, essa violação pode ser invocada perante
os tribunais estaduais como meio de defesa do outro contraente. Se a convenção de arbitragem for
celebrada, extrajudicialmente, na pendência de uma ação já proposta entre as mesmas partes no tribunal
estadual, respeitante ao mesmo litígio, tal parece configurar uma causa de extinção da instância no
tribunal estadual (Art. 277º do CPC). E o mesmo acontece se o compromisso arbitral for obtido no próprio
processo a correr no tribunal estadual.
O legislador fixou, ainda, os elementos essenciais que têm de constar da decisão arbitral. Além de lhe
conferir o valor de caso julgado, atribui-lhe a força executiva típica das sentenças dos tribunais de 1ª
instância, sendo que a execução destas decisões somente poderá correr nos tribunais judiciais.
Quanto à anulação da decisão arbitral, esta pode ser objeto de anulação. Este direito de anulação da
decisão arbitral é irrenunciável. Essa anulação é da competência do tribunal judicial que tenha jurisdição
no lugar da arbitragem.
A decisão arbitral também pode ser objeto de recurso a interpor para o tribunal estadual de 2ª instância
da jurisdição dos tribunais judiciais, in casu, o tribunal da relação. As partes podem, no entanto, renunciar
aos recursos, por mútuo acordo, até ao momento da decisão, ou, por forma unilateral, após a decisão ter
sido proferida (Art. 632º do CPC). A decisão arbitral só admite recurso ordinário nos mesmos termos que
o admitem as decisões dos tribunais judiciais de 1ª instância, pelo que esta decisão encontra-se sujeita
às regras do valor da causa e da sucumbência (Art. 629º do CPC).
Os julgados de paz são tribunais estaduais não incluídos na orgânica e na estrutura dos tribunais
judiciais. São eles verdadeiros tribunais, com todas as notas da jurisdição, embora constituam uma
categoria autónoma de tribunais estaduais.
O legislador constitucional coloca formalmente os julgados de paz a par dos tribunais marítimos e dos
tribunais arbitrais. A sua colocação no Art. 209º, nº2 da CRP, na verdade, não obedece a qualquer critério
material que una estas três espécies de tribunais: isto porque os tribunais marítimos são tribunais judiciais
de 1ª instância de competência especializada e os tribunais arbitrais não são tribunais estaduais,
provendo antes à realização da justiça privada. Não obstante, os julgados de paz não deixam de ser
tribunais estaduais. E são tribunais estaduais (de 1ª instância) de competência especializada sui generis.
Esgotada a possibilidade de autocomposição pelas partes, eles conhecem de matérias determinadas pelo
valor da ação, bem como de matérias determinadas, independentemente da forma do processo aplicável.
Se no local onde o julgado de paz funciona tem, também, jurisdição um tribunal de comarca, o Ac. nº142,
de 24 de julho de 2007 resolveu esta questão da seguinte forma: como os julgados de paz não pertencem
aos tribunais judiciais, a competência dos julgados de paz é alternativa nos termos dos tribunais judiciais.
Porém, Remédio Marques é contrário a esta opinião, uma vez que considera que a competência dos
julgados de paz deveria ser obrigatória, dado que os julgados de paz têm o objetivo de desonerar os
tribunais judiciais. Se a parte continuar com a possibilidade de dar início a ação no tribunal judicial o
objetivo dos julgados de paz fica frustrado. Para além disto, defende ainda que a decisão dos juízes do TC
viola o princípio da igualdade das partes, dado que quando se é autor e se propõe uma ação podemos
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escolher entre os julgados de paz e entre os tribunais judiciais, no entanto, o réu não pode escolher, tem
de ir para onde o autor escolheu.
A competência dos tribunais é residual e varia em cada circunscrição territorial, de harmonia com a
existência, ou não, de tribunais ou de juízos especializados. Por isso, tais competências não são optativas
ou alternativas. A ação não deve poder ser intentada, em alternativa, no tribunal de comarca ou no
julgado de paz que está instalado no município onde pontifica essa mesma comarca.
A atividade dos julgados de paz inclui a pré-mediação e a mediação, mesmo em relação àqueles conflitos
de interesses que estão subtraídos à competência material dos julgados de paz. Não sendo alcançado o
acordo termina a fase da mediação. O mediador comunica este facto ao juiz de paz, o qual, recebida a
comunicação, procede logo à marcação de dia para a audiência de julgamento (Art. 56º, nº2 e 3 da Lei
nº78/2001 de 13 de julho). Todavia, para que tudo isto aconteça, faz-se a verificação dos pressupostos
processuais respeitantes ao próprio julgado de paz. Em suma, é necessário determinar se o concreto
julgado de paz onde o requerimento foi apresentado é competente em razão do valor da causa, da
matéria e do território.
No que respeita à competência em razão do valor, pode assim sumariamente dizer-se que os julgados
de paz têm competência para conhecer de ações cujo valor não exceda os 15.000€ (Art. 8º da Lei
nº78/2001).
Em razão da matéria, os julgados de paz conhecem de certas matérias determinadas e só essas matérias,
matérias que estão previstas no Art. 9º, nº1 e 2 da Lei nº78/2001. Pode dizer-se, sucintamente, que são
matérias respeitantes a frequentes conflitos de direito privado ocorridos nas relações de vizinhança
mesmo que tenha havido lugar à prática de crimes, em relação aos quais haja desistência de queixa ou
não tenha existido, tão pouco, uma participação criminal. Igualmente respeita essa competência aos
conflitos emergentes do não cumprimento de obrigações pecuniárias cujo credor atual e originário seja
uma pessoa humana.
Em razão do território, os julgados de paz podem ter, como área de competência, um concelho, um
agrupamento de concelhos contíguos, uma freguesia ou um agrupamento de freguesias contíguas do
mesmo concelho (Art. 4º, nº1 da Lei nº78/2001). Para efeitos de recurso ordinário das decisões emitidas
pelos julgados de paz que agrupam mais do que um concelho, deverá ser competente o tribunal judicial
que desfrute de jurisdição na área da sede desse julgado de paz pluriconcelhio. Os julgados de paz são,
pois, competentes para conhecer dos litígios consoante a jurisdição do julgado de paz seja exercida no
local onde a lei localiza o elemento de conexão reputado, no caso concreto, como relevante (Arts. 11º,
nº1 e 2; 12º, nº1; 13º e 14º da Lei nº78/2001)
A inobservância destas regras determina a incompetência dos julgados de paz. O conhecimento desta
incompetência é oficioso ou provocado pelas partes. Mas esta incompetência, diferentemente das regras
que vigoram nas ações propostas nos tribunais de comarca, gera sempre a prolação de um despacho de
remessa do processo para o julgado de paz ou para o tribunal judicial competente (Art. 7º da Lei
nº78/2001).
4. A sentença. Recurso (eventual) para o tribunal de 1ª instância que tenha jurisdição no local da
sede do julgado de paz
Quanto a impugnação da decisão do juiz de paz, a sua reapreciação pode ser feita pelo tribunal de 1ª
instância (de competência genérica ou de competência especializada, consoante os casos, que desfrutar
de jurisdição no local onde está instalado o julgado de paz). Este recurso ordinário só é admitido nas
ações deduzidas perante o julgado de paz cujo valor exceda metade da alçada do tribunal de 1ª instância
(Art. 62º, nº1 do referido diploma), exceto se o recurso ordinário for sempre admissível,
independentemente do valor da causa (Art. 629º, nº1 e 2 do CPC).
A dedução deste recurso produz um efeito extraprocessual devolutivo. Quer isto dizer que a interposição
do recurso para o tribunal da comarca não obsta à produção de efeitos da decisão recorrida do julgado
de paz do processo em que foi proferida. O mais conhecido destes efeitos devolutivos é o do valor da
decisão do julgado de paz como título executivo judicial. Isto significa que a parte vencedora pode
instaurar uma ação executiva baseada nessa decisão do julgado de paz. Poderão existir outros efeitos
como, por exemplo, o registo da aquisição de um direito real litigado no julgado de paz.
Em caso de não cumprimento voluntário das decisões condenatórias proferidas pelo julgado de paz, a
reparação efetiva e coativa do direito violado é realizada nos tribunais da comarca, uma vez que aqueles
não dispõem de competência para as ações executivas (Art. 6º, nº1 da referida lei).
É um facto que os julgados de paz não podem exercer poderes de autoridade, por forma a reparar,
definitiva ou provisoriamente, os direitos violados ou os direitos ainda em apreciação. No entanto, desta
premissa não resulta que o julgado de paz não possa decretar injunções dirigidas às partes com caráter
provisório ou conservatório, antes ou depois de a ação estar neles pendente, contanto que a ação
principal seja da competência do julgado de paz. É que o julgado de paz não exerce poderes de autoridade
quando se limita a decretar a providência cautelar: tais poderes são, entre nós, exclusivamente exercidos,
no quadro da função jurisdicional nos conflitos do direito privado, pelos tribunais judiciais. Assim sendo,
a execução por força das providências cautelares eventualmente decretadas pelo julgado de paz deve
correr nos tribunais de comarca competentes, visto que os julgados de paz não podem executar as suas
próprias decisões.
Como se sabe, no âmbito das relações jurídicas privadas, vigora o princípio da liberdade contratual ou
da autonomia privada, significando isto que, salvo quando a lei prescreva em contrário, as partes
dispõem dessas relações jurídicas como de coisa sua, gozando da liberdade de as celebrar ou não, de as
manter e de lhes pôr cobro em função da sua vontade. São eles também que, não raras vezes, auxiliam o
intérprete e aplicador do direito a adotar as soluções mais justas nos litígios que devem ser dirimidos nos
tribunais, comandando a melhor sequência dos atos processuais e impondo ou sugerindo regras de
conduta processual a todos os intervenientes principais ou acidentais.
Regulando o processo civil a discussão judicial de relações jurídicas privadas e estando estas na
disponibilidade das partes, diz-se que o processo civil é, essencialmente, dispositivo, ou seja, está
dependente da livre disponibilidade das partes, podendo estas instaurá-lo ou não, fazê-lo continuar ou
não e mesmo pôr-lhe termo. Quer dizer, a disponibilidade das relações jurídicas privadas repercute-se
na disponibilidade do processo. É esta a nota essencial do princípio do dispositivo.
Nesta matéria devemos ter em conta o Art. 5º do CPC. Este preceito trata em simultâneo duas vertentes
que sempre estiveram reguladas em preceitos distintos:
• O ónus de alegação das partes;
• Os poderes de cognição do tribunal;
Da sua análise torna-se claro que o ónus de alegação das partes se circunscreve aos factos essenciais,
isto é, àqueles de cuja verificação depende a procedência das pretensões deduzidas. Não há qualquer
ónus de alegação quanto a factos instrumentais, isto é, factos que permitem a prova indiciária dos factos
essenciais, devendo o juiz deles conhecer quando resultem da instrução da causa
O Art. 5º do CPC esclarece, ainda, que não há preclusão quanto a factos que, igualmente essenciais, sejam
complementares ou concretizadores de outros inicialmente alegados. Têm esta categoria os factos que,
embora necessários para a procedência das pretensões deduzidas (daí serem essenciais), não cumprem
uma função individualizadora do tipo legal:
O conhecimento destes factos passa a ser oficioso e deixar de estar dependente da vontade do
interessado.
Em suma, nos casos em que a narração fáctica vertida na petição não cumpra cabalmente o ónus que
sobre o autor impende, das duas uma: ou a alegação contida na petição inicial é de tal modo deficiente
que não permite identificar o tipo legal, caso em que ocorrerá ineptidão, por falta de causa de pedir (Art.
186º do CPC), ou a alegação, embora deficiente, permite essa identificação, aperfeiçoando-se
oficiosamente esse articulado (Art. 590º, nº4 do CPC).
Podemos então concluir que o nosso sistema continua tendo uma marcada dimensão de dispositivo,
expressa no ónus de alegação de factos e na conformação do objeto fáctico do processo (assente na
causa de pedir e nas exceções deduzidas), mas o dispositivo está restringido na medida do necessário
para evitar ameaças e preclusões indevidas e para assegurar a adequação da sentença à realidade
extraprocessual.
Quanto ao último ponto, do que se trata é da necessária correspondência entre o pedido formulado pelo
autor e a decisão firmada na sentença, na medida em que o juiz não pode condenar em objeto diverso
do pedido ou em quantidade superior à peticionada pelo autor (Art. 609º, nº1 do CPC). Nessa
conformidade, será nula a sentença que condena em quantidade superior ou em objeto diverso do
pedido (Art. 615º, nº1 do CPC).
• Nos termos do disposto do Art. 411º do CPC, é incumbência do juiz “realizar ou ordenar, mesmo
oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do
litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”.
• Já no Art. 342º do CC estabelece-se que o ónus da prova dos factos que sustentam as pretensões
deduzidas pelas partes, sendo habitual afirmar-se que o autor tem o ónus da prova quanto aos factos
que integram a causa de pedir e que o réu tem o ónus da prova quanto aos factos em que se baseiam
as exceções.
Assim sendo, era possível vislumbrar um paralelismo entre o ónus de alegação e o ónus de prova: quem
invocasse um direito, deveria alegar os factos que lhe servem de fundamento e fazer a prova de tais
factos; quem deduzisse uma exceção, deveria alegar os factos que lhe servem de base e fazer a respetiva
prova.
Com a crescente publicização do processo civil, as diligências probatórias deixaram de ficar confinadas
àquelas que fossem requeridas pelas partes.
O Art. 411º do CPC atribui, pois, um autêntico poder-dever ao juiz, não estando, pois, na disponibilidade
do mesmo a opção entre exercer ou deixar de exercer tais poderes. A partir do momento em que este se
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aperceba de que a realização de certa diligência probatória é necessária para o apuramento da verdade
e a justa composição do litígio, o juiz encontra-se vinculado à prática do ato.
Fora deste campo da produção dos meios de prova, ao juiz cabe a direção formal do processo, nos seus
aspetos técnicos e de estrutura interna, tais como o assegurar da regularidade da instância e o normal
andamento do processo e, igualmente, prover ao suprimento da falta de pressupostos processuais
suscetíveis de sanação.
A estrutura da ação regulada pelo direito processual civil apresenta uma inegável bilateralidade,
estabelecendo-se entre duas partes litigantes, o que exige que qualquer pessoa ou entidade tenha
conhecimento de que foi formulado contra si um pedido, dando-se-lhe oportunidade de defesa, mas
ainda que, ao longo da tramitação, qualquer das partes tenha conhecimento das iniciativas ou pretensões
deduzidas pela outra parte, com a inerente possibilidade de pronúncia antes de ser proferida a respetiva
decisão. Este é o sentido tradicional do princípio, tendo consagração legal na segunda parte do nº1 e 2
do Art. 3º do CPC.
O princípio também aceita limitações. Assim, para decidir sobre qualquer nulidade processual invocada
por uma das partes, o juiz não é obrigado a ouvir a parte contrária (Art. 201º do CPC). E, em matéria de
procedimentos cautelares a lei prevê o decretamento de certas providências, independentemente de
não audição do requerido, naquelas situações em que se afigura necessário prevenir a violação do direito
ou para garantir o efeito útil da ação (Art. 385º do CPC).