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Introdução
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Contudo, em que pese a consensualização do Estado, resta a incer-
teza acerca da existência ou não de dissonância entre o nível de aceitação
doutrinária e jurisprudencial e o nível de utilização do instituto da arbitra-
gem nos conflitos envolvendo o Estado. A utilização da arbitragem pelos
entes estatais, mesmo diante da referida evolução, ainda parece escassa.
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No Brasil, a consensualização das relações com o Estado é cada
vez mais expressiva.4 Um de seus exemplos é o Termo de Ajustamento
de Conduta, que pode ser firmado, dentre outros casos, nas hipóteses de
dano ou de iminência de dano ambiental, sendo medida aceita e apreciada
pela sociedade: evita litígios e ineficiência na medida em que garante o
interesse público da coletividade ao meio ambiente sadio.
A legislação pátria é permeada pela tendência consensual aqui de-
fendida. A flexibilização de cláusulas contratuais exorbitantes pela Lei das
Parcerias Público-privadas ou a repartição de riscos entre as partes, a pos-
sibilidade de aplicação de penalidade também à Administração e hipóte-
ses de inadimplência do Poder Público capazes de ensejar o acionamento
de garantia5 são exemplos da busca pela horizontalidade na relação do
Estado com a sociedade.
É levando em consideração esta tendência consensual da Adminis-
tração Pública, respeitando-se a legalidade, a eficiência e o interesse pú-
blico, que se entende pela possibilidade de submissão de litígios de direito
patrimonial disponível contra o Estado à jurisdição arbitral.
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É certo afirmar que a arbitragem tem natureza jurídica inicialmente
contratual, à medida que é estabelecida por acordo entre as partes, assumin-
do, adiante, caráter jurisdicional, vez que o árbitro é juiz privado, equipara-
do ao juiz togado pelo artigo 18 do Código de Processo Civil, possuindo ca-
pacidade e competência de dizer o direito no caso concreto que lhe é posto.
São muitas as vantagens atribuídas à arbitragem. O procedimento
arbitral é, via de regra, mais rápido que o processo judicial e a decisão de
mérito é mais especializada, em razão da possibilidade de escolha do jul-
gador, o que implica, muitas vezes, a dispensa de perícia.
Em que pese a existência do instituto há séculos, ele só foi explicita-
mente adotado no Brasil através da Lei Federal n. º 9.307/1996, tardando,
contudo, a ser utilizado com maior frequência no país. Com nacionaliza-
ção do instituto, os questionamentos a seu respeito não pararam de surgir.
Os estudiosos buscavam entender melhor o procedimento, adequá-lo às
normas pátrias e testar a sua viabilidade em solo tupiniquim.
Para identificar se um determinado conflito pode ser levado ou não
à jurisdição privada do árbitro, deve-se levar em consideração dois pon-
tos básicos de admissibilidade do procedimento arbitral: a arbitrabilidade
objetiva e a arbitrabilidade subjetiva.
6 CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem. 5. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2015, p. 133.
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bilidade possui dois aspectos: a arbitrabilidade subjetiva, ratione personae,
que trata daqueles que podem se valer da arbitragem; e, de outra parte, a
arbitrabilidade objetiva, ratione materiae, que estabelece quais matérias
podem ser levadas ao juízo arbitral.
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É possível deixar-se levar, portanto, por esta falsa imagem de an-
tagonismo entre o direito patrimonial e a indisponibilidade do interesse
público. Contudo, tais ideias não são contrapostas e, para além disto, po-
dem, inclusive, somar-se.
9 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 32. ed.
São Paulo: Malheiros, 2015, p. 76.
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Na tentativa de identificar o que representa o interesse público, parte
da doutrina acredita ser possível a sua conceituação e o define de cinco formas
diferentes: (i) uma soma de interesses privados, (ii) soma de certos interesses
privados, (iii) interesse social, (iv) interesse coletivo, e (v) interesse difuso.10
Em sentido oposto, porém, está grande parte da doutrina, defen-
dendo que o termo sequer pode ser conceituado.11 Nas palavras de Guil-
lermo Andrés Muñoz:
10 Estas diferentes conceituações são trazidas por Marçal Justen Filho (Conceito de
interesse público e a “personalização” do direito administrativo. Revista Trimestral de Di-
reito Público. São Paulo, n. 26, p. 115-136, 1999); Héctor Jorge Escola (El interés público
como fundamento del derecho administrativo. Buenos Aires: Depalma, 1989, p. 242); Ali-
ce Gonzalez Borges (Interesse Público: um conceito a determinar. Revista de Direito Ad-
ministrativo, Rio de Janeiro, v. 205, p. 109-116, jul/set. 1996); Hidemberg Alves de Frota (O
princípio da supremacia do interesse público sobre o privado no direito positivo comparado:
expressão do interesse geral da sociedade e da soberania popular. Revista de Direito Admi-
nistrativo, Rio de Janeiro, v. 60, n. 239, p. 45/65, jan/mar. 2005, p. 47-54); José Luís Bolzan
de Morais (Do direito social aos interesses transindividuais: o Estado e o direito na ordem
contemporânea. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996, p. 137-138).
11 Nesse sentido: VEDEL, Georges. Derecho Administrativo. Traducción de la 6ª edi-
ción francesa por Juan Rincón Jurado. Madrid: Biblioteca Jurídica Aguilar, 1980; TRUCHET,
Didier. Les fonctions de la notion d’intérêt général dans la jurisprudence du Conseil d’État.
Paris: La librairie juridique de référence en ligne, 1977; NIETO, Alejandro García. La Adminis-
tración sirve con objetividad los intereses generales. Estudios en homenaje a Eduardo García
de Enterría, v. III. Madrid: Editorial Civitas, 1997, p. 2185; PAJERO, Luciano Alfonso. Interés
público como criterio de control de la actividad administrativa, Biblioteca Digital del Banco
Interamericano de Desarrollo (BID) (www.iadb.org/etica). apud MUÑOZ, Guillermo Andrés.
Él interés público es como el amor. In: BACELLAR FILHO, Romeu Felipe; HACHEM, Daniel
Wunder (Coords.). Direito administrativo e interesse público: estudos em homenagem ao
Professor Celson Antônio Bandeira de Mello. Belo Horizonte: Fórum, 2010.
12 MUÑOZ, op. cit., p. 21-22.
13 Tradução livre: O interesse público se dá um pouco como o amor: quem não se
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A partir daí, advêm as inúmeras conjecturas que o interesse público
assume atualmente: ora é apresentado pelo Estado, ora é defendido pelo
próprio particular ou usufruidor do serviço público; ora defendendo os in-
teresses sociais de uma determinada classe, ora resguardando os interesses
sociais de outra classe. O que se conclui, portanto, é que, dada sua grande
dimensão, o interesse público, muitas vezes, pode ser contraditório.
Ainda no tocante ao interesse público, cumpre analisar a diferencia-
ção feita por Renato Alessi, através da teoria del doppio, entre os níveis de
interesse público, em que é considerado: (a) primário, o interesse de toda a
coletividade na persecução do bem comum, intransponível e oriundo do
poder absoluto estatal; e (b) secundário, o interesse do Estado como pessoa
jurídica, de cunho patrimonial, oriundo de um poder estatal secundário.14
A impressão errônea de contradição entre o direito patrimonial dis-
ponível e a indisponibilidade do interesse público ocorre justamente em
razão da confusão de termos e da mistura das acepções de Renato Alessi.
Em que pese o interesse público tratar-se de vetor orientador da atuação
administrativa, muitos, por confundirem o interesse público primário com
o interesse público secundário, confundem também o princípio da indis-
ponibilidade do interesse público com a conotação do vernáculo disponível.
Ao entender que disponível significa a livre e discricionária disposição
de bens e utilizar esse conceito na interpretação do princípio da indisponibili-
dade do interesse público, perverte-se o sentido do princípio e embaralha-se a
arbitrabilidade objetiva dos procedimentos em que o Estado é parte.
Ora, dizer que determinado direito patrimonial do Estado é dis-
ponível nada mais é do que dizer que o interesse público por trás dele é
secundário, sendo aquele bem passível de valoração econômica e negocia-
ção conforme os institutos do direito privado. Tal negociação configura-
se, exatamente, no atendimento do interesse público, posto que a nego-
alegra em dizer que já sentiu e que conhece o que é o amor, que suas veias já bateram por
causa do amor, que o ritmo de seu pulso já se moveu através desta coisa ancestral que é o
amor? Contudo quando se quer definir o amor, este parece desaparecer, é como se perdes-
se forças, como se perdesse tudo. Então, é melhor não o definir.
14 ALESSI, Renato. Sistema istituzionale del diritto amministrativo italiano.
Milano: Giuffrè, 1953, p. 147-182.
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ciação deve ser feita visando à consecução do interesse da coletividade, o
interesse público.15 Nesse sentido, explica Marçal Justen Filho:
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2.2.3.2. Interesse público no procedimento arbitral
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razão pela qual a utilização do instituto pelo Poder Público vai de acordo
com o princípio da legalidade.21
Nesse sentido, valioso o entendimento do Superior Tribunal de
Justiça no Mandado de Segurança nº. 11.308 do Distrito Federal, publica-
do em 19.5.2008, de relatoria do então Ministro Luiz Fux, que ao enten-
der que o “uso da arbitragem não é defeso aos agentes da administração,
como, antes é recomendável, posto que privilegia o interesse público”, en-
frenta, ponto a ponto, todo o explanado até o momento:
Nesse sentido, valioso o entendimento do Superior Tribunal de
Justiça no Mandado de Segurança nº. 11.308 do Distrito Federal, publi-
cado em 19.5.2008, de relatoria do então Ministro Luiz Fux, que ao enten-
der que o “uso da arbitragem não é defeso aos agentes da administração,
como, antes é recomendável, posto que privilegia o interesse público”, en-
frenta, ponto a ponto, todo o explanado até o momento:
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amigáveis, fica eleito o foro da Comarca do Rio de Janeiro, RJ,
em detrimento de outro qualquer, por mais privilegiado que seja.
Cláusula 21.2 - Antes de ingressar em juízo, as partes recorrerão ao
processo de arbitragem previsto na Lei 9.307, de 23.09.06. 3. Ques-
tão gravitante sobre ser possível o juízo arbitral em contrato admi-
nistrativo, posto relacionar-se a direitos indisponíveis. 4. O STF,
sustenta a legalidade do juízo arbitral em sede do Poder Público,
consoante precedente daquela corte acerca do tema, in “Da Arbi-
trabilidade de Litígios Envolvendo Sociedades de Economia Mista
e da Interpretação de Cláusula Compromissória”, publicado na Re-
vista de Direito Bancário do Mercado de Capitais e da Arbitragem,
Editora Revista dos Tribunais, Ano 5, outubro - dezembro de 2002,
coordenada por Arnold Wald, e de autoria do Ministro Eros Grau,
esclarece às páginas 398/399 , in litteris: “Esse fenômeno, até certo
ponto paradoxal, pode encontrar inúmeras explicações, e uma de-
las pode ser o erro, muito comum de relacionar a indisponibilidade
de direitos a tudo quanto se puder associar, ainda que ligeiramente,
à Administração.” Um pesquisador atento e diligente poderá facil-
mente verificar que não existe qualquer razão que inviabilize o uso
dos tribunais arbitrais por agentes do Estado.
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parecer da lavra do eminente Castro Nunes e fez honra a acórdão
anterior, relatado pela autorizada pena do Min, Amaral Santos. Não
só o uso da arbitragem não é defeso aos agentes da administração,
como, antes é recomendável, posto que privilegia o interesse pú-
blico”. (grifou-se)
Por fim, conclui o acórdão que a escolha pela arbitragem não fere o
interesse público, mas, ao contrário, respeita o próprio princípio e confere
celeridade ao procedimento, garantindo o atendimento do direito à justiça:
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cedimento judicial deve ser imparcial, também o árbitro deve decidir
com imparcialidade, O interesse público não se confunde com o mero
interesse da Administração ou da Fazenda Pública; o interesse público
está na correta aplicação da lei e se confunde com a realização correta
da Justiça.” (grifou-se ) (In artigo intitulado “Da Validade de Convenção
de Arbitragem Pactuada por Sociedade de Economia Mista”, de autoria
dos professores Arnold Wald, Atlhos Gusmão Carneiro, Miguel Tostes de
Alencar e Ruy Janoni Doutrado, publicado na Revista de Direito Bancário
do Mercado de Capitais e da Arbitragem, nº 18, ano 5, outubro-dezembro
de 2002, página 418.) 12 . Em verdade, não há que se negar a aplicabi-
lidade do juízo arbitral em litígios administrativos, em que presente
direitos patrimoniais do Estado, mas ao contrário, até mesmo incenti-
vá-la, porquanto mais célere, nos termos do artigo 23 da Lei 8987/95, que
dispõe acerca de concessões e permissões de serviços e obras públicas, que
prevê em seu inciso XV, entre as cláusulas essenciais do contrato de con-
cessão de serviço público, as relativas ao “foro e ao modo amigável de so-
lução de divergências contratuais”. 13. Precedentes do Supremo Tribunal
Federal: SE 5206 AgR / EP, de relatoria do Min. SEPÚLVEDA PERTEN-
CE, publicado no DJ de 30-04-2004 e AI. 52.191, Pleno, Rel. Min. Bilac
Pinto. in RTJ 68/382 – “Caso Lage”. Cite-se ainda MS 199800200366-9,
Conselho Especial, TJDF, J. 18.05.1999, Relatora Desembargadora Nancy
Andrighi, DJ18.08.1999, 14. Assim, é impossível desconsiderar a vigência
da Lei 9.307/96 e do artigo 267, inc. VII do CPC, que se aplicam inteira-
mente à matéria sub judice, afastando definitivamente a jurisdição esta-
tal no caso dos autos, sob pena de violação ao princípio do juízo natural
(artigo 5º, LII da Constituição Federal de 1988). 15. É cediço que o juízo
arbitral não subtrai a garantia constitucional do juiz natural, ao contrário,
implica realizá-la, porquanto somente cabível por mútua concessão entre
as partes, inaplicável, por isso, de forma coercitiva, tendo em vista que
ambas as partes assumem o “risco” de serem derrotadas na arbitragem.
Precedente: Resp. nº 450881 de relatoria do Ministro Castro Filho, publi-
cado no DJ 26.05.2003: 16. Deveras, uma vez convencionado pelas partes
cláusula arbitral, será um árbitro o juiz de fato e de direito da causa, e a
decisão que então proferir não ficará sujeita a recurso ou à homologação
judicial, segundo dispõe o artigo 18 da Lei 9.307/96, o que significa dizer
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que terá os mesmos poderes do juiz togado, não sofrendo restrições na
sua competência. [...] 19. Agravo Regimental desprovido.22 (grifou-se)
A doutrina brasileira, de igual forma, tem entendido pela arbitrabili-
dade objetiva em lides que envolvem o Estado nas seguintes hipóteses:223a-
tos de gestão, atos negociais, contratos de direito privado, empresas estatais
que desenvolvem atividade econômica e serviços comerciais e industriais
do Estado. Em todos esses casos, o Poder Público atua com direitos patri-
moniais disponíveis, via de regra, em situação de isonomia com os particu-
lares, mediante negociação do interesse público secundário.
Ainda, oportuno diferenciar a indisponibilidade do direito material
da indisponibilidade da pretensão à tutela jurisdicional estatal.24 É certo
que a indisponibilidade é a impossibilidade de renúncia a uma posição
jurídica, contudo, quando esta incide tão somente na pretensão à tutela
jurisdicional estatal, em nada interfere com o interesse público, vez que
o árbitro é investido de poder decisório e é um verdadeiro juiz privado.25
Portanto, sempre que a Administração Pública puder contratar,
o que significa disponibilidade de direito patrimonial, poderá contratar
também cláusula de arbitragem;26 da mesma forma que sempre que o con-
flito com o Estado for de ordem patrimonial e puder ser resolvido sem a
intervenção do Poder Judiciário, será arbitrável,27 tudo isso sem que im-
porte disposição do interesse público.
22 BRASIL. STJ. MS 11.308, Primeira Seção, Rel. Min. Luiz Fux, Dje 19.05.2008.
23 MARTINS, Pedro Batista apud LEMES, op. cit., p. 78.
24 TALAMINI, Eduardo. A (in)disponibilidade do interesse público: consequên-
cias processuais (composições em juízo, prerrogativas processuais, arbitragem, negócios
processuais e ação monitória) – versão atualizada para o CPC/2015. Revista de Processo.
v. 264. ano 42. p. 83-107, São Paulo: Ed. RT, fev. 2017.
25 CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem. 5. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2015, p. 226.
26 GRAO, Eros Roberto apud LEMES, op. cit., p. 123.
27 TALAMINI, Eduardo. A (in)disponibilidade do interesse público: consequên-
cias processuais (composições em juízo, prerrogativas processuais, arbitragem, negócios
processuais e ação monitória) – versão atualizada para o CPC/2015. Revista de Processo.
v. 264, ano 42. p. 83-107, São Paulo: Ed. RT, fev. 2017.
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Afinal, como assinalou Diogo de Figueiredo Moreira Neto, “jamais
se cogita negociar o interesse público, mas se negociar os modos de atin-
gi-lo com maior eficiência”, posto que ao mesmo passo em que existe o
interesse público do conflito, tão importante é resolvê-lo.28
Ao sopesar o princípio da indisponibilidade do interesse público
com a arbitrabilidade objetiva, portanto, percebe-se que estes se alinham
e juntos delimitam o objeto da arbitragem com o Estado – que deve res-
peitar as leis pátrias, garantindo a preponderância do interesse público
primário e precípuo do caso em concreto.
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dos, pelo acórdão agravado, na forma da lei, ou seja, a partir da pro-
positura da ação. Razoável interpretação da situação dos autos e da
lei n. 4.414, de 1964. 4. Correção monetária concedida, pelo tribunal
a quo, a partir da publicação da lei n. 4.686, de 21.6.65. Decisão cor-
reta. 5. Agravo de instrumento a que se negou provimento.29
29 BRASIL. STF. AI 52181, Tribunal Pleno, Rel. Min. Bilac Pinto, Dje 14.11.1973.
30 LEMES, op. cit., p. 79-81.
31 LEMES, op. cit., p. 63-70.
32 NUNES, José de Castro apud LEMES, op. cit., p. 79-80.
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artigo 5º, incisos XXXV, LXIX, LXX e LXXIII da Constituição Federal,
que tratam da inafastabilidade do poder judiciário e da possibilidade de
impetração de mandado de segurança ou ajuizamento de ação popular
para anular ato lesivo ao interesse público.33
Neste mesmo sentido, Carlos Medeiros Silva afastava o cabimento
da arbitragem nos contratos com o Poder Público, em razão da impossibi-
lidade de renúncia da função administrativa de dizer o direito, que estaria
sendo cedida ao árbitro.34
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lação ao acesso à justiça, posto que, nas palavras de Diogo de Figueiredo
Moreira Neto, a justiça e a jurisdição não se confundem:
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PROCESSO CIVIL. JUÍZO ARBITRAL. CLÁUSULA COMPRO-
MISSÓRIA. EXTINÇÃO DO PROCESSO. ART. 267, VII, DO
CPC. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. DIREITOS DISPO-
NÍVEIS. EXTINÇÃO DA AÇÃO CAUTELAR PREPARATÓRIA
POR INOBSERVÂNCIA DO PRAZO LEGAL PARA A PROPOSI-
ÇÃO DA AÇÃO PRINCIPAL. 1. Cláusula compromissória é o ato
por meio do qual as partes contratantes formalizam seu desejo de
submeter à arbitragem eventuais divergências ou litígios passíveis
de ocorrer ao longo da execução da avença. Efetuado o ajuste, que
só pode ocorrer em hipóteses envolvendo direitos disponíveis, fi-
cam os contratantes vinculados à solução extrajudicial da pendên-
cia. 2. A eleição da cláusula compromissória é causa de extinção do
processo sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267, inciso
VII, do Código do Processo Civil. 3. São válidos e eficazes os con-
tratos firmados pelas sociedades de economia mista exploradoras
de atividade econômica de produção ou comercialização de bens
ou de prestação de serviços (CF, art. 173, § 1o) que estipulem cláu-
sula compromissória submetendo à arbitragem eventuais litígios
decorrentes do ajuste. 4. Recurso especial parcialmente provido.38
38 STJ. REsp 612.439/RS, Segunda Turma, Rel. Min. João Otávio Noronha, julga-
do em 25/10/2005, DJ de 14/09/2006.
39 Vide nota 21.
40 BRASIL. STJ. MS 11.308, Primeira Seção, Rel. Min. Luiz Fux, Dje 19.05.2008.
41 BRASIL. STJ. REsp 904.813/PR, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi,
Dje 28.02.2012.
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sência de previsão acerca da arbitragem no edital do certame não invalida
compromisso posterior firmado entre o Estado e a sociedade contratada.
De mais a mais, da análise dos precedentes judiciais, até os dias atuais, é
possível verificar que, de forma crescente, as cortes apoiam a faculdade do
Estado de utilizar-se da via arbitral.42
Assim foi se desenvolvendo a doutrina em sintonia à jurisprudên-
cia: enquanto Hely Lopes Meireles afirmava, ainda em 2013, que a arbitra-
gem com o Estado era possível e facultativa era a sua utilização,43 o Supre-
mo Tribunal Federal asseverava a possibilidade da utilização do instituto
pelo Estado, tudo antes mesmo da própria Lei de Arbitragem.44
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Canadá (CCBC), a Câmara de Mediação, Conciliação e Arbitragem de
São Paulo (CIESP/FIESP), a Câmara de Arbitragem do Mercado (BO-
VESPA), a Câmara de Arbitragem da Fundação Getúlio Vargas (CAM-
FGV) e a Câmara de Arbitragem Empresarial – Brasil (CAMARB), e
descobriu-se que, no ano de 2015, existiam apenas vinte arbitragens en-
volvendo o poder público no Brasil.
Além disso, o estudo aponta que as referidas câmaras arbitrais possu-
íam, quando da pesquisa, 566 (quinhentos e sessenta e seis) arbitragens em
trâmite. Ou seja, o percentual de processos em que figura como parte um
ente público, em 2015, era de pouco mais de 3,5% (três e meio por cento):
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Figura 2 – Distribuição dos procedimentos arbitrais instituídos na CAMARB, por partes
envolvidas, no ano de 2014.
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3.2.3. Comparação do estudo de Selma Ferreira Lemes e da CAMARB
com pesquisa da Associação dos Magistrados do Brasil
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