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SISTEMA INFORMATIZADO PARA A RESOLUÇÃO DE CONFLITOS POR MEIO DA

CONCILIAÇÃO E MEDIAÇÃO: A RESOLUÇÃO Nº 358/2020 DO CNJ E A VIRTUALIZAÇÃO DO


ACESSO À JUSTIÇA

1. O Acesso à Justiça e o uso das ferramentas adequadas de solução de conflitos.


O Novo Código de Processo Civil, trouxe, em seu art. 3º, o comando que a “não se excluirá da apreciação
jurisdicional ameaça ou lesão a direito”, ao passo que o texto constitucional, em seu art. 5º, XXXV, entende que
“a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Embora haja similitude entre as duas redações, uma leitura mais atenta revela que o comando
infraconstitucional busca oferecer uma garantia mais ampla, extrapolando os limites do Poder Judiciário, a quem
incumbe prestar a jurisdição, mas não como um monopólio.
A função jurisdicional representa o dever estatal de dirimir conflitos, abarcando as modalidades
chiovendiana, de atividade substitutiva, e carneluttiana, de resolução de conflitos.
Contudo, na construção clássica, o Judiciário apenas atua na forma negativa, ou seja, dirimindo conflitos
com a imposição de vontade do juiz, determinando um vencedor e um vencido.
Por isso, o art. 3° do NCPC, ao se referir a apreciação jurisdicional, vai além do Poder Judiciário e da
resolução de controvérsias pela substitutividade. O dispositivo passa a permitir outras formas positivas de
composição, pautadas no dever de cooperação das partes e envolvendo outros atores.
Desse modo, a jurisdição, outrora exclusiva do Poder Judiciário, pode ser exercida por serventias
extrajudiciais ou por câmaras comunitárias, centros ou mesmo conciliadores e mediadores extrajudiciais.
Dentro do contexto, ganhar força também a jurisdição voluntária extrajudicial, que será vista no próximo
tópico.
Nesse sentido, destaque-se a posição de Leonardo Greco, segundo a qual a jurisdição é a “função
preponderantemente estatal, exercida por um órgão independente e imparcial, que atua a vontade concreta da lei
na justa composição da lide ou na proteção de interesses particulares”.
A jurisdição é essencialmente uma função estatal. Por isso, em momentos históricos diversos, desde a
Antiguidade, passando pelas Idades Média, Moderna e chegando à Contemporânea, o Estado, invariavelmente,
chamou para si o monopólio da jurisdição, sistematizando-a, a partir de Luís XIV. A atuação jurisdicional, então,
era um poderoso mecanismo para assegurar o cumprimento das leis.
No entanto, Leonardo Greco admite que a jurisdição não precisa ser, necessariamente, uma função estatal.
É claro que não se pode simplesmente desatrelar a jurisdição do Estado, até porque, em maior ou menor
grau, a dependência do Estado existe, principalmente para se alcançar o cumprimento da decisão não estatal. Por
outro lado, podemos pensar no exercício dessa função por outros órgãos do Estado ou por agentes privados.
Nesta ótica, percebe-se o fenômeno da desjudicialização enquanto ferramenta de racionalização da
prestação jurisdicional e ajuste ao cenário contemporâneo, o que leva, necessariamente, à releitura, à atualização,
ou ainda a um redimensionamento da garantia constitucional à luz dos princípios da efetividade e da adequação.
Já chamamos a atenção para esse fenômeno em outra oportunidade.
O próprio Cappelletti defendeu o desenvolvimento da justiça coexistencial, mesmo sem a participação e
controle do Estado, de acordo com o tipo de conflito.
À luz do conceito moderno de acesso à justiça, o princípio da inafastabilidade da jurisdição deve passar
por uma releitura, não ficando limitado ao acesso ao Judiciário, mas se estende às possibilidades de solucionar
conflitos no âmbito privado. Nessas searas, também devem ser asseguradas a independência e a imparcialidade
do terceiro que irá conduzir o tratamento do conflito. Como já temos falado em diversas oportunidades, a via
judicial deve estar sempre aberta, mas isso não significa que ela precise ser a primeira ou única solução. O sistema
deve ser usado subsidiariamente, até para evitar sua sobrecarga, que impede a efetividade e a celeridade da
prestação jurisdicional.
Não é compatível com as modernas teorias sobre o Estado Democrático de Direito a ideia de que o processo
em juízo seja a forma preferencial de solução de controvérsias, nada obstante essa visão, quer seja pela tradição,
ou mesmo pelo receio da perda de uma parcela de poder, mantenha-se em alguns seguimentos.
Por vezes, é também trazido o argumento de que, fora do Poder Judiciário, pode haver perda considerável
da qualidade das garantias constitucionais ou, o que é pior, da qualidade da prestação jurisdicional.
Essa é uma questão de suma importância, complexa, e que ainda carece de maior reflexão no Brasil.
Nesse contexto, é preciso assentar a ideia de um Estado-juiz minimalista. Cabe ao juiz assumir seu novo
papel de gerenciador do conflito, de modo a orientar as partes, mostrando-lhes o mecanismo mais adequado para
tratar aquela lide específica.
Por outro lado, Judith Resnik destaca a necessidade de que, paralelamente aos meios adequados de solução
do conflito, é preciso que se continue desenvolvendo o processo judicial, sob pena de causar uma distorção
autoritária, em que não haverá, de fato, opção para o jurisdicionado.
Taruffo fazia a mesma ressalva ao examinar o ordenamento italiano e as recentes iniciativas em favor dos
meios consensuais.
Por fim, importante referir o pensamento de Richard Susskind 1, que propõe, diante da complexidade das
questões contemporâneas e da expansão das ferramentas virtuais de resolução de conflitos, quatro premissas
estruturais para assegurar o acesso à justiça, a saber: a efetiva resolução da disputa, o aperfeiçoamento dos
métodos de contenção de conflitos, a inserção de uma cultura de prevenção de litígios e a oferta de acesso a todas
as oportunidades previstas no ordenamento jurídico.

2. A contribuição dos meios virtuais para a resolução de conflitos e a evolução do direito brasileiro
Com efeito, o avanço da tecnologia alterou completamente os limites e rompeu as barreiras geográficas.
As distâncias foram ressignificadas e os canais de comunicação, alargados. A velocidade das informações criou
novos paradigmas e transformou a dinâmica das relações, impactando diretamente a sociedade.
Nesse particular, a internet contribuiu decisivamente para o desenvolvimento de novas ferramentas e
tecnologias, permitindo uma maior integração entre as necessidades e as exigências da atualidade.
No plano jurídico, os avanços também foram significativos. A Lei n. 11.419/2006 (Lei do Processo
Eletrônico), por exemplo, regula a comunicação e a prática de inúmeros atos processuais (citações, intimações,
notificações etc.) de forma eletrônica, estimulando a criação de Diários da Justiça eletrônicos (art. 4º) e também
sistemas eletrônicos de processamento de ações judiciais pelos tribunais (art. 8º).
No plano processual especificamente, o CPC positivou a prática de atos processuais eletrônicos (arts. 193
a 199), inclusive por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens
em tempo real (art. 236, § 3º). Dessa forma, permite-se, por exemplo, que o depoimento pessoal da parte – ou da
testemunha – que residir em comarca, seção ou subseção judiciária diversa daquela onde tramita o processo seja
colhido por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo
real (arts. 385, § 3º, e 453, § 1º); que a acareação seja realizada por videoconferência ou por outro recurso
tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real (art. 461, § 2º); que a sustentação oral de advogado
com domicílio profissional em cidade diversa daquela onde está sediado o tribunal seja feita por meio de

1
For some years now, I have argued that the concept of access to justice should embrace four different elements. The first, of course,
is dispute resolution itself. This is the central service of courts and a crucial component of all legal and judicial systems. Any credible
justice system will offer some form of authoritative dispute resolution, a forum for the vindication of people’s legal rights. (...) At the
same time, second, we should also have better methods for dispute containment. Once disputes have arisen, we should want to be able
to nip them in the bud. Failing this, we should try to ensure that our justice system’s response to any dispute is proportionate and in the
best interests of litigants. (...) My third sense of access to justice, dispute avoidance, is inspired by the world of medicine where it is
commonplace to believe that prevention is better than cure. Immunization and vaccination are everyday features of our lives. All manner
of awful ailments and illness are thereby avoided. (…) It is unsatisfactory that people often have legal entitlements of which they are
entirely unaware, that there are legal benefits which they could secure if only they had the knowledge. In a distributively just system, it
seems to me, people would not be disadvantaged in this fashion. And so, in contrast, I look forward to the day when we will be committed
to legal health promotion underpinned by community legal services that are akin perhaps to community medicine programmes, except
that they will be available very largely online. Providing access to justice, in this fourth sense, will mean offering access to the
opportunities that the law creates. SUSSKIND, Richard. Online Courts and the Future of Justice. Oxford: Oxford University Press,
2019, edição Kindle.
videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que o
requeira até o dia anterior ao da sessão (art. 937, §4º), entre outros.
Importante lembrar que as citações e intimações também devem ser feitas preferencialmente por meio
eletrônico (arts. 232, 246, V e § 1º, 270, 272 e 275). Na mesma linha, o CPC permite que a audiência de
conciliação ou de mediação seja realizada por meio eletrônico (art. 334, §7º), em consonância com o art. 46 da
Lei de Mediação.
Sem dúvida, ao estabelecer que a mediação pode ser feita pela internet ou por outro meio de comunicação
a distância, a lei especial maximiza as oportunidades de construção do consenso e otimiza a própria prestação
jurisdicional. Já há, inclusive, iniciativas no sentido de se utilizar as plataformas de mensagens instantâneas para
a prática dos atos de comunicação processual.
Além disso, o procedimento on-line impulsionou o surgimento de plataformas digitais de resolução de
conflitos e câmaras privadas de mediação/conciliação, que, há algum tempo, já vêm oferecendo serviços nessa
área e fomentando a mediação digital.
Nesse sentido, importante lembrar que o Decreto n° 10.197, de 2 de janeiro de 2020, alterou o Decreto nº
8.573, de 19 de novembro de 2015, para estabelecer o Consumidor.gov.br como plataforma oficial da
administração pública federal direta, autárquica e fundacional para a autocomposição nas controvérsias em
relações de consumo. Desse modo, todos os demais órgãos que possuam plataformas próprias devem migrar para
a Consumidor.gov.br até o dia 31 de dezembro de 2020. Porém, assim como em qualquer atividade, existem
vantagens e desvantagens.
Se, de um lado, a mediação on-line aproxima virtualmente os mediandos e o mediador, evitando gastos
com deslocamentos e dispêndio de tempo, por outro, inviabiliza o contato pessoal (cara a cara) e dificulta a ampla
percepção e captação dos sentimentos, das angústias, dos interesses subjacentes ao conflito, o que pode prejudicar
o procedimento de construção do consenso.
Em vista disso, é importante que os mediadores on-line tenham, além da capacitação técnica, habilidade
e familiaridade com as particularidades do ambiente virtual. Mais do que isso, é imprescindível regular os critérios
de qualidade que garantam o funcionamento do procedimento digital de forma eficaz, transparente e eficiente.
Em suma, as novas tecnologias estimulam e valorizam a autocomposição, ampliando o acesso à justiça
(arts. 5º, XXXV, da CF e 3º do CPC) e racionalizando a prestação jurisdicional, apesar de algumas incertezas e
críticas que são ínsitas a qualquer processo de mudança.
Não custa lembrar, como já bem pontuado por Richard Susskind, que existem mais pessoas no mundo
hoje com acesso à internet do que com efetivo acesso à justiça.
De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), apenas 46 por
cento dos seres humanos vivem sob a proteção da lei, enquanto mais de 50 por cento das pessoas são usuários
ativos da Internet de alguma forma. Anualmente, diz-se que um bilhão de pessoas necessitam de “cuidados
básicos de justiça”, mas em muitos países, pelo menos 30 por cento das pessoas com problemas legais sequer
chegam a agir.
Ademais, Isabela Ferrari aponta que em um mundo hiperconectado, não demorou para que as ferramentas
de ADR em sua forma tradicional mostrassem as suas limitações: embora dispensassem a presença na Corte e a
atuação estatal, esses meios alternativos, como o Poder Judiciário, também demandavam a presença física das
partes em um determinado local, ao mesmo tempo.
Nessa perspectiva de ampliação da acessibilidade a partir de ferramentas virtuais, a Lei n° 13.994/2020
alterou os arts. 22 e 23 da Lei n° 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais). Pela nova redação, o
antigo parágrafo único do art. 22 foi convertido em § 1°, tendo sido acrescido o §2°, com a seguinte redação: “é
cabível a conciliação não presencial conduzida pelo Juizado mediante o emprego dos recursos tecnológicos
disponíveis de transmissão de sons e imagens em tempo real, devendo o resultado da tentativa de conciliação ser
reduzido a escrito com os anexos pertinentes”.
Ademais, o art. 23 teve sua redação ampliada. Na versão original constava: “não comparecendo o
demandado, o juiz togado proferirá sentença. Agora, a redação passa a ser a seguinte: “Se o demandado não
comparecer ou recusar-se a participar da tentativa de conciliação não presencial, o Juiz togado proferirá
sentença”.
Parece-nos, com a devida vênia, que essa exigência legal é exagerada. Talvez fosse razoável exigir-se
sincronicidade em sessões de mediação, quando há questões delicadas e sensíveis envolvidas e o mediador
necessita assegurar, a todo tempo, a qualidade da comunicação. Contudo, para disputas meramente patrimoniais,
nas quais não há uma preocupação com preservação do vínculo, essa exigência parece ser desnecessária.
Aliás, não custa lembrar que nem o art. 46 da Lei de Mediação ou o art. 334, § 7° do CPC trazem essa
determinação.
O segundo ponto a ser examinado é a recusa em participar de tentativa de conciliação não presencial.
Nada obstante a boa intenção do legislador (que parece trazer um objetivo pedagógico, inclusive), há um óbice
operacional: Como demonstrar essa recusa?
Temos que ter em mente um leque de situações que vão desde as dificuldades técnicas-operacionais
(sistema intermitente, má qualidade de sinal de telefonia / dados, inconstância de internet por cabo ou satélite)
até casos mais graves como a exclusão digital, que ainda atinge grande parcela da população brasileira.
Leonardo Figueiredo Costa esclarece que estar inserido digitalmente hoje é condição fundamental para a
existência de cidadãos plenos na interação com esse mundo da informação e da comunicação. Porém a maioria
das pessoas vive numa realidade com um grande número de desigualdades e miséria, e a inclusão digital não pode
perder isto de vista, buscando, ao menos, o desenvolvimento do indivíduo no binômio da inclusão digital e social.
Já Sérgio Amadeu da Silveira define a exclusão digital como a falta do acesso à Internet, atendo-se para
uma inclusão digital dos aspectos físicos (computador e telefone) e técnicos (formação básica em softwares).
Segundo dados do Mapa da Exclusão Digital quase 85% da população brasileira sofre além de outras
exclusões sociais, da exclusão digital. Em linhas gerais entende-se inclusão digital como uma forma de apoio aos
cidadãos numa nova perspectiva, a do cidadão na sociedade da informação.
Nesse sentido, retornando ao exame do texto legal, só se pode falar em recusa na hipótese em que as
partes solicitarem ou aceitarem expressamente a realização da audiência não presencial, inclusive com a
identificação precisa da data, horário e ferramenta a ser utilizada para a prática do ato. Nesse sentido, não custa
lembrar que, em grande parte dos feitos que tramitam nos juizados especiais, não há a assistência jurídica (causas
que não ultrapassam o patamar de 20 salários mínimos). Desse modo, a transmissão da informação e da potencial
sanção deve ser feita da maneira mais clara possível.
Por fim, vale destacar que o mencionado artigo 23 só faz referência ao não comparecimento ou à recusa
do demandado. Nada fala a respeito do demandante. Parece claro, porém, que, à luz de uma interpretação
sistemática e por simetria (art. 51, inciso I da Lei n° 9.099/95), o não comparecimento do autor ou sua recusa em
participar justifica a extinção do processo sem resolução de mérito.

3. O protagonismo do CNJ e a edição dos atos normativos necessários à viabilização do acesso à justiça
digital no Brasil e da justiça multiportas
Fundamental, nesse momento, referir as Resoluções editadas pelo CNJ acerca do tema, com especial
ênfase nos meios adequados.
Iniciamos pelo exame da Resolução n° 358, de 2 de dezembro de 2020, que instituiu o Sistema
Informatizado para a Resolução de Conflitos por meio da Conciliação e Mediação – SIREC.
De acordo com o art. 1° desse ato, os Tribunais deverão, no prazo de até 18 meses a contar da entrada em
vigor desta resolução, disponibilizar um sistema informatizado para a resolução de conflitos por meio da
conciliação e mediação - SIREC.
Os Tribunais darão preferência ao desenvolvimento colaborativo de um sistema, nos termos
preconizados pela Plataforma Digital do Poder Judiciário Brasileiro – PDPJ instituída pela Resolução CNJ nº
335/2020;
De acordo com o §4º desse art. 1°, o armazenamento e hospedagem do sistema ficará a cargo do Tribunal,
a quem pertencerão todos os dados e metadados gerados ou derivados do sistema informatizado para a resolução
de conflitos por meio da conciliação e mediação – SIREC, seja ele desenvolvido ou contratado.
Contudo, o §5º adverte que as soluções adotadas pelos Tribunais devem observar obrigatoriamente os
requisitos de segurança da informação e de proteção de dados pessoais estabelecidos na legislação específica, em
particular, na Lei n. 13.709 de 14 de agosto de 2018, bem como o disposto na Resolução nº. 335, de 29 de
setembro de 2020 do Conselho Nacional de Justiça.
No § 7º encontramos que o sistema a ser disponibilizado no prazo do caput, seja ele desenvolvido ou
contratado, deverá prever os seguintes requisitos mínimos, salientando-se o inciso II, a saber a integração com o
cadastro nacional de mediadores e conciliadores do CNJ (CONCILIAJUD);
Complementando, o § 8º prevê como requisitos para esse sistema, sem prejuízo de outros a serem
implementados pelos Tribunais:
I - Negociação com troca de mensagens síncronas e/ou assíncronas;
II - Possibilidade de propostas para aceite e assinatura;
III - Relatórios para gestão detalhada dos requerimentos das partes e das empresas, bem como por classe
e assunto das demandas que ingressaram no SIREC;
Finalmente, o art. 2° determina que o sistema informatizado para a resolução de conflitos por meio da
conciliação e mediação - SIREC, se desenvolvido pelo Tribunal, deverá atender a arquitetura, requisitos e padrões
de desenvolvimento da Plataforma Digital do Poder Judiciário (PDPJ), mantida pelo CNJ, nos termos da
Resolução nº 335, de 29 de setembro de. Ademais, os tribunais poderão se valer de solução tecnológica já
existente, mas deverá haver progressiva adaptação à Plataforma Digital do Poder Judiciário Brasileiro – PDPJ
instituída pela Resolução CNJ nº 335/2020.
Temos que observar, ainda, as seguintes Resoluções do CNJ que são aplicáveis, direta ou indiretamente à
temática da resolução “on line”2 de disputas no âmbito judicial:
1. Resolução nº 329, de 30 de julho de 2020. Regulamenta e estabelece critérios para a realização de
audiências e outros atos processuais por videoconferência, em processos penais e de execução penal, durante o
estado de calamidade pública, reconhecido pelo Decreto Federal nº 06/2020, em razão da pandemia mundial por
Covid-19.
2. Resolução nº 332, de 21 de agosto de 2020. Dispõe sobre “a ética, a transparência e a governança na
produção e no uso de Inteligência Artificial no Poder Judiciário, e dá outras providências.”
A normativa aborda os seguintes pontos: aspectos gerais; respeito aos direitos fundamentais; não
discriminação; publicidade e transparência; governança e qualidade; segurança; controle do usuário; pesquisa,
desenvolvimento e implantação de serviços de inteligência artificial; prestação de contas e responsabilização.
3. Resolução n° 335, de 29 de setembro de 2020. Institui política pública para a governança e a gestão de
processo judicial eletrônico. Integra os tribunais do país com a criação da Plataforma Digital do Poder Judiciário
Brasileiro – PDPJ-Br. Mantém o sistema PJe como sistema de Processo Eletrônico prioritário do Conselho
Nacional de Justiça.
4. Resolução n° 337, de 29 de setembro de 2020. Dispõe sobre a utilização de sistemas de
videoconferência no Poder Judiciário.
5. Resolução n° 341, de 7 de outubro de 2020. Determina aos tribunais brasileiros a disponibilização de
salas para depoimentos em audiências por sistema de videoconferência, a fim de evitar o contágio pela Covid-
19.
6. Resolução no 345, de 9 de outubro de 2020. Dispõe sobre o “Juízo 100% Digital” e dá outras
providências.
Segundo Valter Shuenquener, Anderson Gabriel e Fábio Porto a criação do “Juízo 100% Digital” por

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Importante atentar para a observação feita por Richard Susskind acerca dos sentidos amplo e restrito da expressão “on line Courts”:
“Today, people often and understandably use the expressions ‘online courts’ and ‘ODR’ interchangeably. This can be confusing.
Whereas online courts belong exclusively to the public sector, the term ‘ODR’ is used in both a wide and a narrow sense. In its wide
sense, ODR refers, broadly, to any process of resolving a dispute that is largely conducted across the internet. This broad definition,
therefore, includes the dispute resolution aspects of ‘online courts’. Online courts use ODR techniques. The narrower sense of ODR
equates ODR with electronic ADR (‘e-ADR’), that is, the systems that are an alternative to public, state-based court service. To avoid
the confusion, I now prefer to restrict my use of ‘ODR’ to the narrower sense, of private-sector, electronic ADR”. SUSSKIND, Richard.
Online Courts and the Future of Justice. Oxford: Oxford University Press, 2019. Versão Kindle.
iniciativa do ministro Luiz Fux consubstancia essa necessária alteração de referencial, concebendo a Justiça
efetivamente como um serviço (“justice as a service”) e deixando de relacioná-la a um prédio físico.
7. Resolução n° 354, de 19 de novembro de 2020. Dispõe sobre o cumprimento digital de ato processual
e de ordem judicial e dá outras providências.
O Art. 1o dessa Resolução regulamenta a realização de audiências e sessões por videoconferência e tele-
presenciais e a comunicação de atos processuais por meio eletrônico nas unidades jurisdicionais de primeira e
segunda instâncias da Justiça dos Estados, Federal, Trabalhista, Militar e Eleitoral, bem como nos Tribunais
Superiores, à exceção do Supremo Tribunal Federal.
Já o art. 2º traz as seguintes definições: I – videoconferência: comunicação a distância realizada em
ambientes de unidades judiciárias; e II – telepresenciais: as audiências e sessões realizadas a partir de ambiente
físico externo às unidades judiciárias.
Ademais, o art. 3o prevê que as audiências telepresenciais serão determinadas pelo juízo, a requerimento
das partes, se conveniente e viável, ou, de ofício, nos casos de: I – urgência; II – substituição ou designação de
magistrado com sede funcional diversa; III – mutirão ou projeto específico; IV – conciliação ou mediação; e V –
indisponibilidade temporária do foro, calamidade pública ou força maior. Já o parágrafo único desse dispositivo
ressalta que a oposição à realização de audiência telepresencial deve ser fundamentada, submetendo-se ao
controle judicial.
8. Resolução n° 363, de 12 de janeiro de 2021. Estabelece medidas para o processo de adequação à Lei
Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei no 13.709/2018 - LGPD) a serem adotadas pelos tribunais.
Dentre as principais obrigações determinadas pelo art. 1° dessa Resolução, destacam-se: (...) V – criar um
site com informações sobre a aplicação da LGPD aos tribunais, incluindo: a) os requisitos para o tratamento
legítimo de dados; b) as obrigações dos controladores e os direitos dos titulares nos termos do art. 1o , II, “a” da
Recomendação do CNJ no 73/2020; c) as informações sobre o encarregado (nome, endereço e e-mail para
contato), referidas no art. 41, §1º , da LGPD; VI – disponibilizar informação adequada sobre o tratamento de
dados pessoais, nos termos do art. 9º da LGPD, por meio de: a) avisos de cookies no portal institucional de cada
tribunal; b) política de privacidade para navegação na página da instituição; c) política geral de privacidade e
proteção de dados pessoais a ser aplicada internamente no âmbito de cada tribunal e supervisionada pelo CGPD;
9. Resolução n° 372, de 12 de fevereiro de 2021. Regulamenta a plataforma de videoconferência
denominada “Balcão Virtual” e determina que todos os Tribunais do país, à exceção do Supremo Tribunal
Federal, deverão disponibilizar, em seu sítio eletrônico, ferramenta de videoconferência que permita imediato
contato com o setor de atendimento de cada unidade judiciária, popularmente denominado como balcão, durante
o horário de atendimento ao público.
O art. 5° dessa Resolução determina que o link de acesso ao Balcão Virtual da unidade deverá ser
publicado no sítio eletrônico dos tribunais, preferencialmente junto aos telefones e endereços eletrônicos de cada
unidade judiciária, com a expressa menção de que o atendimento por aquela via se dará apenas durante o horário
de atendimento ao público estipulado por cada tribunal.
Como se observa, em menos de um ano, e sob pressão das nefastas consequências da Pandemia do
COVID-19, o CNJ foi capaz de idealizar e desenhar um sistema que verdadeiramente propicie a elevação do
acesso à justiça ao patamar digital, sem descurar do protagonismo dos meios adequados de resolução de conflitos.

4. Perspectivas para a resolução adequada de conflitos durante e após a pandemia.


Todos esses atos normativos, em especial a Resolução n° 358/2020, revelam iniciativas surgidas durante
o período de confinamento e redução de mobilidade em razão da pandemia de Covid-19.
E, infelizmente, a situação que parecia ser breve e passageira, acabou se estendendo por muito mais tempo
do que se imaginava. No momento em que escrevo esse texto (março de 2021) já estamos há um ano do início
do período de redução de mobilidade e restrição de várias atividades comunitárias (aqui no RJ, considero como
marco inicial o dia 13 de março de 2020) e há a possibilidade iminente de novos “lock-downs” ou mesmo toques
de recolher.
Tendo em vista impossibilidade do acesso físico aos Tribunais, espera-se um aumento exponencial no uso
dessas plataformas. Mesmo com as restrições apontadas acima, no sentido de que – sobretudo em questões mais
sensíveis – a ausência do ambiente presencial e do contato físico podem reduzir as chances do sucesso do
procedimento, a tendência, ao menos nesse momento excepcional, parece irreversível.
Nesse cenário, importante chamar a atenção para dois pontos.
O primeiro é a possibilidade do uso das plataformas digitais nas mediações realizadas no âmbito do Poder
Judiciário, tanto as incidentais (realizadas no curso dos processos, na forma do art. 334 do CPC), como as pré-
processual, realizada nos CEJUSC´s, na forma do art. 8°, § 1° da Resolução n° 125/2010 do CNJ.
O segundo diz respeito a possível utilização dessas plataformas antes do ajuizamento da demanda. E aqui,
a questão se torna mais interessante se pensarmos numa possível obrigatoriedade ou condicionamento da via
judicial à submissão prévia de certos tipos de conflitos a tal ferramenta. A questão, obviamente, é bastante
controversa.
Para que se tenha uma ideia, em evento virtual realizado no dia 24 de abril de 2020, sob a coordenação
do Prof. Carlo Pilia, professores de diversas Universidades brasileira e europeias discutiram essa possibilidade.
Como tivemos oportunidade de expor nesse evento, há tempos temos sustentado a necessidade de se
buscar uma posição intermediária, de modo a caber ao Poder Judiciário o exame e a palavra final quanto à forma
e o modo de utilização dos mecanismos de resolução de conflitos, em regime de colaboração com todos os
operadores do direito, os quais tem o dever de identificar a ferramenta jurisdicional mais apropriada a viabilizar
a real pacificação do conflito.
Na verdade, trata-se de uma tarefa a ser realizada por todos os sujeitos do processo, em ambiente
colaborativo, resguardadas as garantias constitucionais, as prerrogativas dos magistrados e os poderes negociais
das partes.
Nesse aspecto, o Poder Judiciário assume papel preponderante, como agente propagador de uma política
nacional de solução adequada de conflitos, bem como toma a iniciativa de estruturar o sistema multiportas no
direito brasileiro, a partir do advento do CPC/2015, Diploma esse que deve ser combinado com a Lei n°
13.140/2015, com a Lei nº 9.307/96 (com as alterações impostas pela Lei n° 13.129/2015) e com a Resolução n°
125/2010 do CNJ (ressalvada a Resolução n° 225/2016 para a justiça restaurativa em matéria penal).
Da mesma forma, todos os jurisdicionados passam a ter o dever de cooperar, dever esse que se concretiza,
principalmente, com o uso engajado e participativo de todos os meios aptos a obter o consenso no caso concreto,
antes, durante e após o ajuizamento da demanda judicial. O mesmo dever se aplica ao magistrado, a todos os
auxiliares da justiça, advogados públicos e privados, membros do Ministério Público e da Defensoria Pública.
Esse dever de cooperação, especialmente no que toca à utilização das ferramentas adequadas à busca da
solução consensual, é especialmente relevante no que se refere aos grandes litigantes, que figuram como réus nos
chamados processos repetitivos.
Assim, começa a se consolidar a ideia de que as partes, antes do ajuizamento da demanda, devem tentar
ao menos uma forma de solução amigável do problema. Minimamente, devem demonstrar ao magistrado, na
inicial, que tentaram um contato no sentido de esclarecer o fato ou mesmo desenhar possíveis alternativas à
satisfação da pretensão.
Essa prática está em perfeita sintonia com a ideia de cooperação, efetividade e duração razoável do
processo, e não deve ser confundida com a antiga ideia de "esgotamento" das vias administrativas previamente
ao ajuizamento da demanda. Nesse sentido, como apontado ao longo do trabalho, os Tribunais Superiores já têm
redimensionado a figura do interesse em agir.
De outro lado, exsurge a figura do juiz como agente de filtragem dos conflitos, cabendo a ele identificar,
num ambiente cooperativo, a ferramenta mais adequada e capaz de levar à pacificação do litígio. Em outras
palavras, a jurisdição pacificadora se consolida a partir do binômio acessibilidade plena e intervenção mínima ou
secundária. Esse binômio permite o acesso qualificado à justiça, ou seja, o uso racional dos instrumentos
jurisdicionais.
Nessa linha, e retomando o conceito de instituição de uma política pública de uso dos meios adequados
para a solução dos conflitos, podemos dizer, também, que cabe ao Poder Judiciário uma função pedagógica,
educativa e aconselhadora, o que, mais uma vez, se afina com o conceito de jurisdição cooperativa.
Isso justifica a ideia de uma audiência com comparecimento obrigatório das partes para que sejam
esclarecidas acerca das ferramentas utilizáveis para tentar a composição do seu conflito. Nesse passo, são
plenamente justificáveis o cabimento de sanção para a parte que falta sem justificativa à audiência de conciliação
ou de mediação (art. 334, § 8°), a previsão da audiência de mediação ou de conciliação como etapa necessária
das ações de família (art. 695), a designação de audiência de mediação no litígio coletivo pela posse de imóvel
(art. 565) e mesmo as disposições previstas nos arts. 2°, § 2° (ninguém será obrigado a permanecer em
procedimento de mediação) e 23 (pacto de mediação), ambos da Lei n° 13.140/2015. Assim sendo, toda a
discussão acerca da "obrigatoriedade" da mediação parece ficar esvaziada.
O legislador brasileiro, com extrema sabedoria e sensibilidade, optou por um sistema intermediário entre
a mediação facultativa e a obrigatória, acolhendo a ideia de acesso adequado à justiça e a racionalização dos
instrumentos de composição do litígio. E essa tendência deve prevalecer agora, na arena virtual, com a utilização,
em larga escala, das ferramentas de ODR3.

3
Na linha de nossa conclusão, mas numa perspectiva mais ampla, Richard Susskind assim sintetiza sua posição: “My line of argument
in summary is this—when I talk of improving access to justice, I am referring to much more than providing access to quicker, cheaper,
and less combative mechanisms for resolving disputes. I am also speaking of the introduction of techniques that deeply empower all
members of society—to contain disputes that have arisen, to avoid disputes in the first place and, more, to have greater insight into the
benefits that the law can confer. Today, even very capable people can feel disempowered when involved in legal processes. Tomorrow,
we should want citizens to be able to own and manage many of their own legal issues”. SUSSKIND, Richard. Online Courts and the
Future of Justice. Oxford: Oxford University Press, 2019, edição Kindle.

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