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ARTIGO JURÍDICO

Lauber Vinicius Antonio Ferreira Santos

A Constitucionalização do Processo Civil

O Código de Processo Civil de 2015 (Ainda chamado por alguns de NCPC),


tem como um dos seus pilares os princípios (constitucionais) embutidos nos seus
doze primeiros artigos.

Este marco paradigmático, qual seja, o estabelecimento da Constituição


Federal como norte na aplicação interpretativa dos operadores do Direito (em
especial o juiz), possui fundamento na concepção de Estado Democrático (e
Constitucional) de Direito inaugurado em 1988.

O Código de Processo Civil de 1973, diploma legislativo anterior ao atual,


inaugurou inúmeros institutos que antes não existiam na tradição processual
brasileira. Este mesmo diploma foi responsável por tentar, na medida do possível,
dar efetividade a preceitos processuais constitucionais inaugurados na constituinte
de 88, uma vez que foram feitas diversas reformas ao longo dos seus mais de 40
(quarenta) anos de vigência como forma de compatibilizá-lo com a nova
Constituição.

Enquanto que o CPC de 1973 teve uma grande influência da tradição italiana 1,
no CPC de 2015 o que se percebe são elementos, tanto da tradição do Commow
Law (predominante em países como Estados Unidos e Inglaterra), quanto do Civil
Law, dado que o CPC 2015 teve a influência de inúmeros juristas considerados da
“nova geração”, influenciados por uma dogmática da efetivação constitucional, muito
discutido no constitucionalismo americano e também no europeu, com destaque a
países como Alemanha e Portugal.

Já no que tange a grandes diferenças existentes entre as 2 (duas) legislações,


chama a atenção o fato do CPC de 2015 se iniciar com os princípios constitucionais
(diferentemente do CPC de 1973). Inspirados em preceitos constitucionais como
1 “O pensamento liebmaniano é um dos grandes influenciadores do processo civil brasileiro
desde o final da década de 30, quando o doutrinador italiano veio para o Brasil, sendo que a
sua influência é claramente percebida no Código de Processo Civil de 1973 em questões
como condições da ação (legitimidade ad causam, interesse de agir e possibilidade jurídica
do pedido), pressupostos processuais, imutabilidade da sentença, etc.” Disponível em:
ORTEGA, Carlos Eduardo. Novo CPC deve atender realidade brasileira.
https://www.conjur.com.br/2010-fev-28/cpc-estar-sintonia-sociedade-brasileira-atual?
pagina=2. Acesso em: 19 de junho de 2021.
devido processo legal, contraditório e ampla defesa, inafastabilidade da jurisdição,
dentre tantos outros que permeiam os 12 (doze) primeiros artigos da lei, percebe-se
uma gama de dispositivos que auxiliam o julgador a aplicar a melhor decisão para
determinado caso em concreto, tendo o mesmo, também, que observar o
contraditório, ampla defesa e a vedação de decisão surpresa.

Há, desta forma, uma maior possibilidade para que ocorra uma efetividade
jurisdicional adequada, pois, através da instrumentalidade que estes conceitos
ganham no CPC de 2015, deve o intérprete, a depender do caso, inovar em suas
decisões no caso de inexistência de legislação sobre determinado assunto. Isso
significa que cabe ao julgador, por exemplo, adequar os mencionados preceitos
(contidos nos 12 primeiros artigos do CPC 2015) aos casos concretos (e vice-versa),
não podendo se eximir de julgar o caso alegando lacuna. Os princípios que orientam
o julgador possuem a função de, justamente, dar possibilidade para que o mesmo
entregue ao jurisdicionado uma resposta adequada e satisfatória do seu Direito.

Nesse novo paradigma processual, os escopos processuais ganham ainda


mais destaque, uma vez que, inevitavelmente, o julgador estará diante de um ou
mais escopos da jurisdição2, e deverá, na medida do possível, concretizá-los
através deste reforço que a Constituição confere ao novo Direito Processual Civil.

Assim, valendo sempre de um adequado contraditório e possibilidade de ampla


defesa das partes, o Juiz, nos termos do artigo 2º, dará andamento ao processo,
devendo sempre atender a eficiência, efetividade, razoabilidade e justeza em suas
decisões. Desta forma, atenderá não somente aos artigos 6º e 8º do CPC, mas
também aos artigos 5º, LIV, LXXVIII, bem como o artigo 93, IX da Constituição
Federal. Então, percebe-se a comunicabilidade almejada no artigo 1º do CPC de
2015 com a Carta Magna brasileira.

Além disso, os 12 (doze) primeiros artigos também trazem em seu bojo uma
nova roupagem querida pelo legislador ao (novo) Código de Processo Civil
inaugurado em 2015. É o caso, por exemplo, do § 2º do Artigo 3º da lei em análise,
donde é possível perceber a busca por um consenso entre as partes, no sentido de
fazer com que, nas relações entre particulares (ou destas com a Administração
Pública) haja uma resolução nas vias consensuais/amigáveis, incluindo-se, neste
termo: mesas de negociação, conciliação, mediação e arbitragem.

2 Segundo os ensinamentos do professor Daniel Amorim Assumpção Neves: Por escopos


da jurisdição devem-se entender os principais objetivos perseguidos com o exercício da
função jurisdicional. Numa visão moderna de jurisdição, amparada no princípio da
instrumentalidade das formas, é possível verificar a existência de ao menos três, e no
máximo quatro, escopos da jurisdição: jurídico, social, educacional (que parcela doutrinária
estuda como aspecto do escopo social) e político. Disponível em: NEVES, Daniel Amorim
Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Volume Único. 2018. Editora
Juspodivm. pág.79.
Não que a ideia de jurisdição, onde há a imperatividade de uma sentença
judicial, tenha perdido sua força. Em verdade, o que se observa nesta quadra da
história é justamente um abarrotamento desta via tradicional, bem como um maior
risco às partes quanto ao acerto nas decisões (decorrente, muitas vezes, do volume
de trabalho nas varas judiciais), e também a constatação de um maior tempo de
resolução na esfera judicial. Visando justamente o atendimento dos preceitos como
celeridade, razoabilidade e eficiência nas resoluções da demanda, é que hoje o
Código de Processo Civil elege estas formas de solução de conflitos, cabendo ao
Poder Judiciário julgar o que realmente importa 3.

Destarte, alguns artigos da parte principiológica do código possuem


intrinsecamente um DNA constitucional. É o caso, por exemplo, do artigo 11º, que
tem por simetria o artigo 93 inciso IX da Constituição Federal.

Tão importante quanto haver uma decisão em um prazo razoável e dar


publicidade e eficiência a mesma, é saber as razões que levaram o julgador a
decidir de um determinado modo. A fundamentação, além de ser uma “mera
exposição de motivos”, serve também como uma forma de controle para a parte,
pois, ao averiguar que determinada decisão está em desconformidade com a
Legislação infra e/ou constitucional, a mesma poderá exercer um outro Direito tão
Fundamental quanto, estampado no próprio Artigo 3º do CPC 2015, qual seja, o de
“que não se excluirá da apreciação judicial lesão ou ameaça a direito”, uma vez que
a parte inconformada poderá recorrer às instâncias superiores no que não
concordarem em uma sentença ou, em um acórdão.

Portanto, este novo paradigma no qual o direito processual brasileiro está


inserido, apesar de ainda necessitar de solidificação e compreensão por parte de
alguns operadores do direito, trouxe grandes e boas novidades para as vivências
daqueles que lidam com o mesmo (Direito) de forma judicial e extrajudicial,
aperfeiçoando e adequando, sem deixar qualquer dúvida, diversas dinâmicas
processuais sob o manto da Constituição Federal.

3 Segundo relatório realizado pelo CNJ denominado de “Justiça em Números”, só no ano de


2019 houveram 3,9 milhões de acordos firmados por conciliação que foram homologados
pela Justiça brasileira em 2019. O número representa 12,5% dos processos judiciais do país
no ano.

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