Em primeiro lugar, temos que a Fonte é o lugar de onde se
originam as coisas, de onde provém algo. Assim, podemos identificar que as “fontes” do Direito se referem às suas origens. Adotando conhecida classificação doutrinária, podemos compreendê-las por fontes formais e materiais. As fontes formais são obrigatórias e constituem-se pela Constituição Federal, pelas leis ordinárias, pelas Constituições estaduais, pelos regimentos internos dos tribunais, pelas leis de organização judiciária e pelos tratados internacionais. As leis municipais, em acordo com a distribuição de competências estabelecida pela carta constitucional, não integram as fontes processuais, vez que ao município falta autorização legislativa para regulamentar essa seara jurídica. Sobre o tema, deve-se ainda considerar que o art. 927 do CPC estabelece um rol de pronunciamentos judiciais persuasivos e obrigatórios. Dentre eles, portanto, agregam-se às fontes formais as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade e os já mencionados enunciados de súmulas vinculantes, retratados, respectivamente, pelos incisos I e II do dispositivo. Já as fontes materiais servem para melhor orientar a aplicação das fontes formais. São elas: os princípios gerais do Direito previstos na LINDB,16 o costume, a jurisprudência, a doutrina e a súmula. Nesse contexto, cumulam-se as outras hipóteses, mencionadas pelos incisos III, IV e V do citado art. 927 do CPC. São elas: os acórdãos em IRDR e IAC,17 os julgamentos de recursos extraordinários e especiais repetitivos, os enunciados das súmulas do STF em matéria constitucional e do STJ em matéria infraconstitucional e, ainda, a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados os respectivos juízes e tribunais. Trata-se, portanto, de compreender o texto pela via constitucional, concluindo pela existência de pronunciamentos vinculantes (fontes formais) e persuasivos (fontes materiais). Em acordo com a redação empregada pelo art. 22, I, da CF, a competência para legislar em matéria processual é privativa da União. Todavia, o mesmo diploma apresenta à altura do art. 24, XI, a orientação de que Estados-membros e o Distrito Federal detêm competência concorrente para legislar sobre “procedimentos em matéria processual”. Essa aparente contradição se resolve com a contribuição da doutrina,18 que ressalta ser esse um procedimento administrativo, desenvolvido para a adequada realização dos atos processuais, tais como o desarquivamento ou a expedição de cartas, sem com isso apresentar qualquer caráter jurisdicional. A ressalva fica por conta dos juizados especiais cíveis e criminais, ainda hoje regulados pela Lei ordinária 9.099/1995. Isto, em função de a citada legislação estabelecer a competência concorrente entre União, Estados e Distrito Federal para legislar sobre a criação, funcionamento e processo dos Juizados Especiais. Vencida esta etapa inicial, onde se apresentam as fontes processuais e a competência para legislar sobre a nossa matéria, passamos a verificar, dentro da perspectiva do Estado brasileiro e da atual disposição do ordenamento jurídico, como as fontes materiais podem e devem contribuir para a melhor aplicação dos dispositivos formais. É dizer: neste novo ordenamento jurídico, comprometido com um projeto de superação positivista e com a efetividade do texto constitucional, qual deve ser o papel da jurisprudência, da súmula e dos princípios gerais do Direito? Como essas fontes processuais podem melhor contribuir com o exercício da função jurisdicional? Vejamos. No imaginário da dogmática,19 vigora a presunção quase absoluta de completude do sistema jurídico, que em caráter dinâmico e frequente se revela capaz de entregar sempre uma resposta ao jurisdicionado. Essa autorreferência, que encontra resposta para as aparentes antinomias e os hiatos legislativos no próprio sistema, embasou a tese da inexistência de lacunas jurídicas e colimou o princípio da vedação ao non liquet, consagrando no art. 140 do CPC, que: “O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico”. Percebe-se então, com razoável evidência, que o sistema brasileiro é formalmente cerrado e que, dentro dessa perspectiva imperiosa de entregar sempre uma resposta, se apresenta a atividade hermenêutica. Com linhas mais simples, pode-se afirmar que a pretensão de completude do sistema brasileiro irá sempre reclamar respostas de seu aplicador, ainda que por meio de um exercício tautológico.20 Sob esta perspectiva, os princípios gerais do Direito se apresentam como instrumentos para o fechamento do ordenamento jurídico, autorizando juízes a empregá-los sempre que não se puder identificar uma resposta previamente estabelecida pela atividade legislativa. Observe-se, para tanto, a redação empregada pelo art. 4º da “recente” LINDB: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito”. De imediato, registre-se, em razão da oportunidade, que esses princípios não se identificam com os princípios constitucionais, vez que isto representaria total inversão da hierarquia jurídica. De fato, não se pode defender a tese de que somente na ausência da lei, dos costumes e da jurisprudência, os citados princípios teriam seu emprego legitimado pelo intérprete. Ao revés, as orientações constitucionais, se forem constitucionais, virão sempre em primeiro lugar e jamais em caráter subsidiário. Essa referência aos princípios gerais, portanto, longe de indicar os mandamentos sociais da 2.1.1 Magna Carta, em verdade apresenta velhos axiomas do Direito romano: dar a cada um o que é seu, viver honestamente e não lesar a ninguém. Essa estrutura de raciocínio, concebida legalmente no Brasil pela antiga Lei de Introdução ao Código Civil e reproduzida agora sob a égide da LINDB, traduz um ideal de há muito superado pela hermenêutica filosófica, com repercussões diretas para a ciência jurídica. Dito de outro modo: ao empregar princípios gerais do Direito para autorizar discricionariedades, estamos ainda e mais uma vez apostando na consciência do sujeito pensante em si mesmo, que de acordo com as suas convicções pessoais poderá complementar o sistema jurídico, assegurando assim o fechamento do sistema e a correlata entrega de uma decisão, sem antes se perguntar se esta mesma decisão foi fruto de uma participação democrática e adequada ao texto constitucional. Não se pode então, nesta quadra da história, reproduzir referenciais teóricos incompatíveis com o projeto de sociedade apresentado na carta social, vez que ela é o norte e o horizonte de sentidos a serem vividos pela interpretação.21 Com efeito, esses dispositivos, de franca inclinação positivista, não mais se sustentam no tempo da hermenêutica constitucional, pois a proposta do Estado Democrático, ao que se quer aqui demonstrar, está a nos indicar a incompatibilidade de se delegar ao aplicador o complemento da omissão legislativa por meio de axiomas, costumes ou analogias (não se sabe quais). Sob esta perspectiva, assumimos, ainda que em posição minoritária,22 a defesa pela não receptividade dos princípios gerais do Direito, vez que sua aplicação é feita em flagrante desatenção para com a evolução histórica do pensamento moderno.
Projeção da Autonomia Privada no Direito Processual Civil e sua contribuição para a prestação de uma tutela jurisdicional efetiva: autonomia privada e processo civil