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15 de outubro de 2019
O mandado de injunção é o remédio constitucional cabível para conferir efetividade a um direito fundamental subjetivo cujo
exercício foi impedido em razão da ausência de norma regulamentadora.
Positivado no artigo 5º, inciso LXXII, da Constituição e disciplinado pela Lei nº 13.300/2016, o mandado de injunção representa
uma virada paradigmática do direito público.
Considerando a aplicabilidade imediata e a efetividade dos direitos e garantias fundamentais, o mandado de injunção se presta
a provocar o Poder Judiciário para que, diante da omissão legislativa, supra a lacuna técnica que impede o exercício do direito.
Embora haja divergência doutrinária quanto à origem histórica do mandado de injunção, ela teve influência direta
da injuction norte-americana, introduzida no direito constitucional estadunidense em 1980.
O instituto admite as formas de prohibitory injuction, quando proíbe a prática violadora de direito, impondo uma abstenção, ou
de mandatory injuction, quando determina a prática de algum ato, sob pena de violação de direito por omissão. Enquanto a
primeira guarda proximidade com nosso mandado de segurança, a segunda teria originado o mandado de injunção pátrio.
Ainda que a inspiração advenha do modelo estadunidense, é certo que a positivação do mecanismo no ordenamento
jurídico brasileiro o transformou em verdadeira jabuticaba.
De fato, o instituto representou uma novidade na realidade constitucional após 1988, já que não foi previsto nas constituições
anteriores. De forma sintomática, pois o mandado de injunção talvez estampe com maestria a virada do Estado Legislativo ao
Estado Constitucional.
Como sustenta Daniel Hachem, no período anterior à Constituição de 1988, o direito público ainda se ligava a uma
perspectiva autoritária que ignorava a força normativa dos direitos fundamentais. No campo do direito constitucional e
administrativo, isso se dava especialmente em face do apego à lei formal, numa ótica de legalidade estrita, o que afastava a
intervenção do Poder Judiciário como garantidor de direitos constitucionais.
Leia também: o papel do advogado na garantia dos direitos sociais.
A constituição de 1988
A Constituição de 1988 introduziu uma virada no paradigma juspublicista. Com o reconhecimento da força normativa da
Constituição, ou seja, da capacidade das regras constitucionais inovarem em direitos e obrigações nas relações jurídicas, fala-se
em um direito constitucional da efetividade.
A Constituição se converte em parâmetro de validade do conteúdo material de todas as demais normas. A nova tendência
é calcada na valorização da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais que dela emanam.
O parágrafo primeiro do art. 5º da Constituição positiva o salto de entendimento ao determinar que “as normas definidoras dos
direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.”
Em razão da fundamentalidade para a ordem jurídica, os direitos e garantias expressos na Constituição nascem com plena
aplicabilidade e deveriam prescindir de norma regulamentadora infraconstitucional. O mesmo vale para os princípios
implícitos do regime jurídico e para os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil, por força dos
parágrafos segundo e terceiro da referida norma. Esculpiu-se, portanto, o princípio da aplicabilidade imediata dos direitos
fundamentais.
Não obstante a determinação constitucional, é certo que determinados direitos fundamentais apenas podem ser exercidos se
regulamentados, pois detém de uma baixa densidade normativa.
Exemplo disso é o direito à aposentadoria do servidor militar (art. 42, §2º, CRFB). Nessa hipótese, os Poderes Legislativo e
Executivo devem suprir a lacuna técnica, apresentado uma norma regulamentadora suficiente para o exercício do direito.
Contudo, como é notório, a inércia e a omissão são cenários comuns.
Se a Constituição Federal impõe a aplicabilidade imediata dos direitos e garantias fundamentais, mas esses são impedidos de
serem exercidos por força de omissão legislativa ou administrativa, então o Poder Judiciário deve ser provocado para
declarar o direito, apresentando as condições materiais de gozo da prerrogativa, até que a norma suficiente seja editada.
A isso se presta o mandado de injunção.
Por contraditório que pareça, o próprio remédio constitucional cabível para suprir a ausência de norma regulamentadora
ficou mais de 27 anos sem a correspondente normativa. Nesse intervalo, o Supremo Tribunal Federal entendeu, em julgado
paradigmático, que o procedimento adotado seria o mesmo do mandado de segurança (STF, MI nº 107-3-DF, Rel. Min. Moreira
Alves, DJU 21.09.1990).
A inviabilidade de exercícios de direitos e liberdades e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania;
Para o ajuizamento do mandado de injunção, não se exige a expressa imposição constitucional de regulamentar a norma,
dirigida ao legislador ou administrador, como ocorre no caso da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, a ADIn. Basta
apenas que o direito não tenha como ser fruído, pois inexiste forma legal para a concessão.
Enquanto no mandado de injunção a vítima da omissão busca a realização concreta de um direito subjetivo, com a supressão do
vácuo pelo magistrado, na ADIn por omissão há o controle concentrado nas normas constitucionais. Ou seja, busca-se a
proteção do direito objetivo e da integridade do ordenamento jurídico. No primeiro instituto, declara-se o direito, no
segundo, declara-se a omissão jurídica.
Nos termos do art. 3º da Lei do Mandado de Injunção, são impetrantes legitimados as pessoas naturais ou jurídicas que se
afirmam titulares dos direitos impedidos. Já a legitimidade para responder como impetrado recai sobre o Poder, órgão ou
autoridade com atribuição para editar a norma regulamentadora.
Recebida a petição inicial, o juiz ordenará a notificação do impetrado para que este preste informações no prazo de 10 dias, bem
como dará ciência ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada para que, querendo, ingresse no feito.
Findo o prazo das informações, será concedido o prazo de novos 10 dias para que o Ministério Público possa opinar. Com ou
sem o parecer, os autos serão conclusos para decisão.
Se é assim, então a norma regulamentadora que surge somente poderá gerar efeitos a partir daquele momento,
conferindo segurança jurídica aos atos praticados sob as condições estabelecidas judicialmente, salvo se a aplicação da regra
editada for mais favorável aos beneficiários (art. 11, Lei nº 13.300/2016).
Uma vez que a injunção visa conferir direito subjetivo, os efeitos concretos do julgamento serão, em regra, inter partes.
Contudo, a eficácia ultra partes ou erga omnes poderá ser conferida quando isso for indispensável ao exercício do direito, nos
termos do art. 9º, §1º da norma específica.
Exemplo disso, conforme anotado por Daniel Wunder Hachem, é o direito fundamental de proteção à mulher ao mercado de
trabalho (art. 7º, XX), uma vez que a inexistência de políticas públicas específicas pode inviabilizar o exercício do direito
fundamental protetivo.
Por fim, a competência para julgamento do mandado de injunção foi disciplinada constitucionalmente. A regra, segundo
Daniel Wunder Hachem, “seria o ajuizamento em primeira instância, conforme a matéria (federal, estadual, etc.), excepcionados
os casos em que a qualidade do impetrado demandar” o direcionamento da competência originária aos Tribunais Superiores (art.
102, I, q; art. 102, II, a; art. 105, I, h, todos da CRBF).
Quando a injunção almejar o exercício de direito individual, o meio adequado será a ação individual. Se tratando de direitos
transindividuais, será caso de demanda coletiva.
Apenas os legitimados especiais dispostos no art. 12 da 13.300/2016 podem promover o mandado de injunção coletivo. São
eles:
O Ministério Público, quando a tutela requerida for relevante à defesa da ordem jurídica;
O partido político com representação no Congresso Nacional, para assegurar direitos relativos à finalidade partidária;
Organização sindical, entidade de classe ou associação em funcionamento legal há pelo menos um ano, no tocante às
prerrogativas em favor de seus membros;
A Defensoria Pública, quando a tutela requerida for relevante para a promoção dos direitos humanos e a defesa de direitos dos
necessitados.
Veja que o mandado de injunção coletivo não reflete a ampliação dos efeitos da decisão. Tanto é assim que o art. 13 da
legislação citada determina que a sentença fará coisa julgada limitadamente às pessoas integrantes da coletividade substituída
pelo impetrante, salvo a exceção já mencionada (§§ 1º e 2º do art. 9º).
Solicitado a se pronunciar pela via do mandado de injunção, o Supremo Tribunal Federal determinou que se aplicassem ao caso
as leis nº 7.701/1988 e 7.783/1989, em tratamento análogo ao setor privado. Ou seja, via solução normativa do Poder Judiciário,
os servidores públicos federais passaram a poder desfrutar de prerrogativa constitucional subjetiva.
O julgado supra representa a virada no campo jurisprudencial, uma vez que ultrapassa o entendimento firmado pelo MI nº 107-
3/DF.
Na leitura anterior do STF, os efeitos operacionais do mandado de injunção se limitavam a declarar a omissão inconstitucional,
ato que deveria instar o poder legiferante a se pronunciar, para que, por sua vez, editasse a norma regulamentadora.
A leitura foi revista e atualizada, conferindo ao mandado de injunção os efeitos de estabelecer as condições em que se dará
o exercício de direitos. O overruling foi positivado no art. 8º da Lei 13.300/2016.
E foi justamente essa a postura daquele que detém o poder e dever de defesa da Constituição.
Considerada a omissão legislativa que impedia a realização do direito constitucional, o próprio Poder Judiciário suprimiu a
lacuna técnica, possibilitando o exercício do direito, além de fixar prazo de 60 dias para que o Congresso Nacional legislasse
sobre a matéria (o que ainda não veio a ocorrer até então).