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APONTAMENTOS

DIREITO PROCESSUAL CIVIL I

LICENCIATURA EM SOLICITADORIA
Helena Bruto da Costa
2022/2023
Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa Helena Bruto da Costa

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Processo Civil I / Processo Civil Declarativo 2020/2021

PARTE I

1. CONSIDERAÇÕES GERAIS

O Processo Civil teve a sua origem em tempos remotos, numa altura em que
não existiam as divisões de ramos do direito como as conhecemos atualmente.

Com efeito, cedo se compreendeu que o convívio crescente entre as pessoas e


os conflitos que naturalmente entre elas iam surgindo, implicaria a intervenção
de uma autoridade pública que normalizasse o comportamento humano.

Nessa época vigorava o sistema de justiça privada, assente no princípio


fundamental da autodefesa e da ação direta incapaz de solucionar os problemas
em sociedade.

Ora, este sistema era extremamente imperfeito e inadequado às exigências de


uma comunidade civilizada desde logo porque a força nem sempre se encontra
do lado de quem tem razão e porque este sistema levaria inevitavelmente a
excessos e injustiças que, em lugar de paz social e da reposição da ordem
jurídica violada, apenas contribuía para multiplicar e agravar os conflitos entre
os particulares.

Por esta razão, o Código do Processo Civil condena expressamente o sistema de


justiça privada consagrando no art.º 1º do CPC o sistema de justiça pública: A
ninguém é lícito o recurso à força com o fim de realizar ou assegurar o próprio
direito...

Com a publicação da Lei n.º 41/2013 de 26 de junho, o qual entrou em vigor no


dia 1 de setembro desse ano, procedeu-se à revogação do Dec. Lei n.º 44129,
de 28 de dezembro de 1961, insiste-se na afirmação inequívoca do
prosseguimento de uma linha de «desburocratização e de modernização, ao
mesmo tempo capaz de responder pela segurança e pela estabilização do
quadro jurídico-legislativo, em que se aponta, nomeadamente para a conclusão

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da revisão já iniciada pelo governo anterior do Código de Processo Civil,


elaborando-se, complementarmente, os diplomas de desenvolvimento que lhes
rentabilizem a eficácia. Tal facto levou a que tenham sido delineadas as linhas
mestras de um modelo de processo, apontando para uma clara opção de política
legislativa e cujos objetivos impõem que se chegue a um quadro normativo que
garanta, a par da certeza e da segurança do direito e da afirmação da liberdade
e da autonomia da vontade das partes, a celeridade nas respostas,
confrontando o direito processual civil com exigências de eficácia prática por
forma a tornar a justiça mais pronta e, nessa medida, mais justa.

Concluído o estudo do Direito Civil, facilmente se compreende que este ramo


de direito só por si, não soluciona o conflito real suscitado entre o titular do
direito e o autor da lesão, uma vez que as normas de Direito Civil, movendo-se
no plano da generalidade e abstração não conseguem responder a situações
concretas em crise.

E como se referiu é vedado aos particulares o recurso à própria força, cabendo


ao Estado através dos órgãos adequados - os Tribunais - a conceder a todo o
titular do direito violado, a providência necessária à reintegração efetiva desse
direito - cf. art. 2º CPC.

Oposto assim ao sistema de justiça privada encontramos o sistema de justiça


pública em que não cabe aos particulares definir os seus direitos e dar-lhes
execução no caso de conflito, mas ao Estado através dos seus órgãos
jurisdicionais próprios. É, pois, aos tribunais, como órgãos de soberania que
incumbe administrar a justiça e dirimir os conflitos de interesses que surgem
entre particulares – cf. art.º 202º da CRP.

Contudo tal não significa que nos casos de conflito os tribunais promovam
oficiosamente a propositura da ação tendente à reparação do direito violado.
Pelo contrário, cabe ao particular promover e impulsionar a ação destinada à
obtenção da providência judiciária adequada – cf. art.º 3º, nº1 do CPC.

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Processo Civil I / Processo Civil Declarativo 2020/2021

Para resolução do conflito de interesses não basta ouvir as razões do queixoso


sendo imprescindível facultar à parte contrária a possibilidade de contar a sua
versão dos factos através do exercício do contraditório ou de defesa.

Feita esta breve introdução, procurarei na exposição que se segue, resumir os


aspetos mais relevantes do atual regime processual civil, com a consciência de
que estes apontamentos não dispensam a consulta de manuais atualizados, e o
conhecimento da orientação seguida pela nossa jurisprudência.

Pretende-se tão-somente, que os Alunos tenham acesso fácil a ideias


fundamentais para melhor compreensão desta matéria, na esperança que essa
leitura os incentive a aprofundarem os seus conhecimentos através da procura
de soluções a dar a casos concretos da vida real.

1.1. Noção de Direito Processual Civil

O estudo do direito processual civil assume particular importância para aqueles


que pretendem vir a exercer uma profissão forense.1
Com efeito, só conhecendo o Processo Civil estaremos em condições reais e
efetivas de exercer, com um mínimo de técnica e de mestria, os direitos
substantivos conferidos ao cidadão e às empresas que recorrem aos advogados
e solicitadores.

Na realidade, pode qualquer um ter uma série infindável de direitos


substantivos na sua esfera jurídica, porém, se não os conseguir exercer em juízo
(em tribunal), de nada lhe vale, já que não obtém a realização efetiva do seu
direito. Assim, é o Processo Civil o conjunto normativo que permite esse seu
exercício, é em suma o instrumento de tal exercício.

O Direito Processual Civil é o ramo do Direito Público, funcionalmente destinado


a integrar o Direito Civil e o Direito Comercial, ou seja, este ramo do Direito

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Cf. Lei n.º 49/2004, de 24 de agosto – Atos próprios dos advogados e dos solicitadores

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destina-se a regular a forma através do qual os particulares podem exercer os


direitos substantivos que o Direito Civil e o Direito Comercial lhes conferem.

O Processo Civil é um Processo, do latim “procedere”, que significa um


caminhar para a frente, um avançar e em que somos confrontados com um rito
ou coordenação de atos tendentes a propor e a fazer seguir a marcha da ação
em juízo até final.

Em sentido restrito ou técnico do termo significa a sequência de atos destinados


à justa composição de um litígio, mediante a intervenção de um órgão imparcial
da autoridade – o tribunal.

1.2. Características do Direito Processual Civil

1.2.1. Ramo de Direito instrumental ou adjetivo.

O Processo Civil constitui um instrumento para se alcançar a solução concreta


do caso ou para se dar realização efetiva ao direito violado regulando os meios
através dos quais os particulares podem fazer valer os seus direitos
substantivos, quando violados.

1.2.2. Ramo de Direito Público

O Direito Processual Civil é um ramo de direito público destinado a integrar dois


ramos do direito privado - o Direito Civil e o Direito Comercial.

O direito público abrange as normas que se destinam a regular as relações


jurídicas em que um dos sujeitos exerce uma função de soberania, havendo,

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portanto, uma relação de subordinação na qual o juiz exerce a verdadeira


função jurisdicional.

No processo declarativo estão primeiramente em jogo interesses particulares


das partes. No entanto, o nosso ordenamento jurídico ao substituir a justiça
privada pela justiça pública prossegue inequivocamente um fim público através
do Direito Processual Civil.

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2. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS (ESTRUTURAIS) DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL

São vários os princípios fundamentais que vão informar o Direito Processual Civil
e que estão presentes na prática dos atos processuais que compõem a vida de
uma ação judicial.

A Lei n.º 41/2013 de 26 de junho, que aprovou o atual Código de Processo Civil,
entrou em vigor no dia 1 de setembro de 2013. Esta revisão teve, desde logo,
com objetivo alterar a sistematização a que estávamos anteriormente
habituados tendo resultado que praticamente nenhuma das disposições do
anterior Código tenha correspondência numérica com as disposições agora em
vigor.
Relativamente aos princípios fundamentais verificou-se uma transferência de
grande parte das suas disposições para os preceitos iniciais do CPC bem como
atribuir conteúdo útil aos princípios da verdade material, da cooperação
funcional e ao primado da substância sobre a forma.

2.1. Princípio dispositivo

Este é um dos princípios mais importantes do Processo Civil porque condiciona


toda a vida da ação judicial e encontra-se presente na prática de todos os atos
processuais.

Encontra-se consagrado desde logo no art.º 5.º do CPC, significando que


incumbe às partes iniciar o processo, dar-lhe o conteúdo que entendam ao
formular o seu pedido, suspendê-lo ou pôr-lhe termo por confissão, desistência
ou transação, ficando o juiz, por regra, vinculado ao quadro processual
desenhado pelas partes, só podendo levar em conta na sentença os factos
alegados e provados por estas.

Ora, o mecanismo judiciário não se move por si mesmo, dependendo a sua


entrada em exercício, da solicitação e vontade das partes, a quem incumbe

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definir o objeto do litígio através dos pedidos que formulem ao tribunal e


alegando os factos que na sua perspetiva são fundamentais para a descoberta
da verdade, de tal modo que o juiz só pode fundar a sua sentença nos factos
que foram alegados pelas partes.

De qualquer forma, denota-se claramente na atual lei um reforço dos poderes


do juiz, o qual tem a faculdade de investigar por sua iniciativa:
• Os factos meramente instrumentais2 que resultem da instrução da causa,
não obstante não terem sido alegados pelas partes e de os utilizar para
fundamentar a sua sentença;
• Os factos que sendo complemento ou concretização dos que as partes
tenham alegado e resultem da instrução da causa, se sobre eles tiverem tido
a possibilidade de se pronunciar;
• Os factos notórios3 e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por
virtude do exercício das suas funções.

2.2. Princípio da gestão processual, do inquisitório e da adequação formal.

Os princípios acima enumerados fazem parte de uma mesma realidade a qual


se prende com os efetivos poderes do juiz.

São diversas as disposições que consagram os referidos princípios – cf. arts. 6º,
7º, nº 2, 411º, 412º, nº 2, 413º e 415.º do CPC.
A adoção do novo princípio da gestão processual4 reúne num único normativo o
princípio da direção do processo e o princípio da adequação formal, implicando
para o juiz a obrigação de fazer uma aplicação das regras processuais de acordo

2 São essenciais os factos de que depende o direito do autor; instrumentais os que interessam
indiretamente à solução do litígio, por servirem para demostrar a verdade dos factos essenciais. Ex: Numa
ação de indemnização decorrente de um acidente de viação o autor tem o ónus de alegar a mera culpa
(falta de cuidado por conduzir em excesso de velocidade) do outro condutor – facto essencial; o facto de
o condutor ter deixado um rastro de travagem de 80 metros constitui um facto instrumental.
O autor tem o ónus de alegar o facto essencial, mas não o correspondente facto instrumental – cf.
art.º 5 n.º 1 e 2 do CPC.
3 São os factos do conhecimento geral. Ex: é do conhecimento geral que o ex-primeiro ministro está

acusado da prática de diversos crimes.


4 Do regime processual experimental foi importado o princípio da gestão processual.

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com determinados critérios, tendo em conta o fim do processo, a decisão de


mérito célere e justa, assegurando-se sempre a igualdade das partes e o
contraditório.

O princípio em análise confere agora ao juiz um poder autónomo de gestão


ativa e efetiva do processo impondo-lhe um novo poder-dever.

Daqui resulta que o juiz passa a ter o dever de direção, de impulso, de


simplificação e agilização processual, bem como o dever de sancionar os atos
meramente dilatórios e a falta de pressupostos processuais, devendo
determinar a realização de todos os atos necessários a regularizar a instância.
Contudo, sendo o processo civil inquestionavelmente um processo de partes, a
sua existência depende sempre da iniciativa das partes.

2.3. Princípio da igualdade das partes

Este princípio consiste em as partes serem colocadas no processo, em perfeita


paridade de condições, desfrutando de idênticas oportunidades de obter
justiça.

Para o processo, as partes têm a mesma importância, tendo iguais


oportunidades de expor as suas razões procurando convencer o tribunal a
compor o litígio a seu favor – cf. art.º 4.º do CPC.

2.4. Princípio do contraditório

Atualmente entende-se o princípio do contraditório como garantia de


participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante
a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos
(factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto

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da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente


relevantes para a decisão.

Do que ficou dito resulta o seguinte:


• À parte contra quem é formulado um pedido deve ser sempre dada a
oportunidade de se pronunciar sobre o mesmo, tendo assim a possibilidade
de se defender- cf. arts.º 584º, 585º, 3º n.º4 do CPC;
• A cada uma das partes no processo é facultada a possibilidade de intervir
nos atos de produção de prova da outra parte, bem como a de se pronunciar
sobre aquilo que a parte contrária requerer no processo – cf. arts.º 423 n.º
1e 424º do CPC;
• Nas questões de direito, o princípio exige que, antes da prolação da
sentença, seja facultada às partes a discussão efetiva de todos os
fundamentos de direito em que a decisão se baseie – cf. art.º 3º n.º3 do CPC.

Em conclusão, o princípio em análise visa garantir que cada uma das partes
tenha a faculdade de contestar e controlar a atividade processual da outra
parte, de modo que, o tribunal só possa proferir uma decisão, depois de ambas
as partes se terem pronunciado sobre as questões de facto e de direito a decidir
- cf. art.º 3.º n.º 2 do CPC.

Este princípio encontra-se intimamente ligado ao princípio da igualdade das


partes e está previsto na lei, como foi referido, ao longo de todas as fases
processuais que a ação comporta.

2.5. Princípio da preclusão e da autorresponsabilidade das partes

A responsabilidade em processo civil deve ser entendida como responsabilidade


das partes para consigo mesmas no que respeita à sua atuação processual.
Assim, citado o réu para contestar este tem um prazo se defender – art.º 573º
do CPC. Ora, a inobservância de reação por parte deste acarreta consequências,
como seja, a preclusão de o poder fazer mais tarde como ainda, sofrer na sua

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esfera jurídica efeitos desfavoráveis os quais se pode mesmo cifrar na perda de


direitos.

Portanto, a autorresponsabilidade da parte exprime-se na consequência


negativa (desvantagem ou perda de vantagem) decorrente da omissão do ato
ficando, por regra, precludida a possibilidade de reagir mais tarde.

2.6. Princípio da celeridade processual e da ponderação

Este princípio está consagrado no art. 2.º n.º 1 do CPC, onde se estabelece que
a justiça deve ser administrada em prazo razoável uma que uma decisão judicial
tardia pode equivaler à denegação de justiça e acarretar graves prejuízos para
as partes.

Naturalmente, o tempo de uma ação judicial terá de ser ponderado


casuisticamente pois dependerá de muitos fatores, designadamente a
complexidade da causa, a dificuldade da prática de atos que não dependem do
tribunal nem das partes.

O prazo excessivo que ainda se verifica existir em muitos processos judiciais,


constitui o Estado na obrigação de indemnizar o lesado pelos prejuízos
causados.

Assim, a justiça deve ser célere no sentido de evitar graves prejuízos às partes
e evitar que o cidadão recorra ao sistema de justiça privada para fazer valer os
seus direitos, situação que colocaria em perigo a paz social e potenciava o
aumento de conflitos na sociedade civil.
Sem prejuízo do que ficou dito e atento o princípio da ponderação, a celeridade
processual não pode ser alcançada quando conduza a uma decisão precipitada
da questão em causa e como tal injusta.

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2.7. Princípio da cooperação, da boa-fé e da recíproca correção

Os sujeitos processuais estão no processo obrigadas ao cumprimento de deveres


processuais, tais como o de boa-fé processual – cf. art.º 8º do CPC - o da
cooperação – cf. arts.º 7º e 417º do CPC, e o de recíproca correção – cf. art.º 9º
do CPC. Também os terceiros intervenientes acidentais têm deveres para com
o tribunal – cf. arts.º 417º, 432º, 433º, 434º, 436º, 437º, 469º n.º1 e 497º a
contrario do CPC. A inobservância dos deveres suprarreferidos acarreta a
aplicação de sanções pecuniárias.

De acordo com o princípio da boa-fé, a parte que deduza um pedido


manifestamente infundado, ou conteste também infundadamente, ou altere a
verdade dos factos, deve ser condenado pelo tribunal em litigante de má-fé
sendo condenado em multa e indemnização - cf. arts.º 452º, 453.º e 538.º do
CPC.

Nos termos do disposto no art.º 9.º do CPC, os intervenientes no processo devem


agir em conformidade com um dever de recíproca correção, pautando-se as
relações entre advogados e magistrados por um especial dever de urbanidade,
abstendo-se de nos seus escritos ou alegações orais utilizar expressões
desnecessárias ou ofensivas da honra ou do bom nome da outra, ou do respeito
devido às instituições.

2.8. Princípio da submissão do processo a limites impostos pelo direito


substantivo

Este princípio é uma consequência da natureza instrumental do processo.


Segundo ele o processo judicial está sujeito às limitações do direito substantivo,
não podendo conduzir a resultados que a lei substantiva proíba.

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Assim, por exemplo, em relação a matérias de direitos indisponíveis


estabelecidos na lei substantiva, não podem as partes confessar, desistir ou
transigir - cf. art.º 289º nº1 do CPC.

2.9. Princípio da economia processual e utilidade dos atos processuais

Segundo este princípio, na tramitação dos processos, devem ser evitados a


prática de atos desnecessários, meramente dilatórios e que em nada
contribuem para alcançar uma sã e rápida justiça - cf. artsº. 130º e 131 do CPC.

Pretende-se, por conseguinte, alcançar o máximo de resultado processual com


o mínimo de atividade e de custo.

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3. TIPO DE AÇÕES E FORMAS DE PROCESSO

São diversos os esquemas processuais fixados na lei e variam consoante o tipo


de providência que o autor da ação judicial requer do tribunal. Não existe um
único tipo de ação judicial pois variam consoante o pedido que o autor pretende
formular em juízo.

3.1. Processo comum e processo especial

Atendendo à forma, encontramos a primeira grande classificação que distingue


o processo comum dos processos especiais - art.º 546º nº 1 e 2 do CPC.

O processo especial aplica-se aos casos expressamente previstos na lei, sendo


que a prática dos atos processuais a praticar no âmbito destes processos, deve
seguir um esquema processual especial consignado na lei para o tipo de ação
em causa.
Os processos especiais encontram-se previstos a partir dos arts. 878.º e ss. do
CPC, no DL 269/98 de 1 de setembro e em legislação avulsa.

O processo comum é a forma processual que se aplica a todas as ações para as


quais a lei não preveja uma tramitação processual especial, sendo, portanto, a
regra.

Assim, o primeiro ponto a investigar na escolha da forma aplicável à ação


judicial concreta que se pretende intentar, consiste em saber se a essa ação
corresponde alguma forma de processo especial prevista na lei. Se ao caso
couber processo especial é esse que se segue. Caso contrário, segue-se o
processo comum.

Em conclusão, o processo comum constitui a regra e é a forma de processo cujo


âmbito de aplicação é definido na lei. O processo especial constitui a exceção

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e é a forma de processo cujo âmbito de aplicação se alarga a todos os casos


para o qual não está previsto processo especial.

3.2. Classificação do Processo Comum quanto ao fim

O art.º 10.º do CPC distingue quanto ao fim prosseguido pelo autor, duas
grandes categorias de ações: as ações declarativas e as ações executivas.

As ações declarativas destinam-se a obter uma declaração do direito por parte


do tribunal, do órgão judiciário, pretendendo o autor obter uma sentença na
qual certifique e declare a existência do direito que está a ser violado.

Exemplo: Artur considera-se proprietário de um jaguar em virtude de o seu


dono lhe ter dito que o deixaria em testamento. Bruno também se considera
dono do jaguar por ser herdeiro legítimo do antigo dono. Resolvendo Artur
recorrer a juízo, fundamentalmente o que pretende, é que o tribunal declare
que é ele o proprietário da coisa em disputa.

As ações executivas são aquelas em que o exequente (credor) requer as


providências adequadas à reparação efetiva do direito violado – cf. ainda arts.º
10.º n.º 4 do CPC e 817.º do Código Civil (CC).

A ação executiva propriamente dita traduz-se exclusivamente na prática de


determinadas operações ou atos tendentes a realizar efetiva, integral e
coercivamente o direito violado. Trata-se da reparação efetiva do direito
violado e não de declarar o direito, de apreciar se ele existe ou não na esfera
jurídica do seu titular.

Neste tipo de ação, presume-se com razoável grau de certeza, que o direito
existe da forma como está consubstanciado no título que o representa.

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Este processo destina-se, portanto, a fazer valer direitos que envolvem o poder
de exigir de outrem uma certa conduta embora existam direitos que não são
susceptíveis de se fazer valer através da ação executiva como é o caso de
incumprimento de uma sentença de divórcio.

Por Realização coerciva do direito violado – cf. art. 2º, nº 2 entende-se realizar
pela força, se necessário, a conduta destinada a reparar o direito violado

A expressão Reparação efetiva significa simultaneamente duas coisas:


1. Obrigação de indemnizar pela violação do direito – exemplo: quando se
peticiona juros de mora;
2. Existência de título executivo que declara o direito que se pretende fazer
valer na execução

A realização efetiva do direito violado tanto pode consistir na entrega da coisa


ou quantia devida, na prestação de facto por outrem e/ou na prestação de um
benefício equivalente.

Nos termos do disposto no art.º 10.º n.º 5 do CPC:


Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os
limites da ação executiva.

Os elencos dos títulos executivos encontram-se estabelecidos no art.º 703.º do


CPC e são os seguintes:

• Sentenças condenatórias cf. - alínea a) do nº 1;


• Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras
entidades ou profissionais com competência para tal, que importem
constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação cf. - alínea b) do nº
1;
• Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso
os fatos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento
ou sejam alegados no requerimento executivo - cf. - alínea c) do nº 1;

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• Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força


executiva cf. - alínea d) do nº 1). Exemplos: injunção com aposição de
fórmula executória, livrança, notificação de NRAU acompanhada do contrato
de arrendamento, ata de condomínio, entre outros.

3.3. Classificação das ações declarativas

Nos termos do art. 10º nº 3 do CPC as ações declarativas subdividem-se da


seguinte forma:
• Ações de condenação;
• Ações constitutivas;
• Ações de simples apreciação.

3.3.1. Ações declarativas de condenação

Neste tipo de ações, o autor arroga-se da titularidade de um direito que afirma


estar a ser violado pelo réu e pretende que se declare a existência e a violação
do seu direito e se determine ao réu a realização da prestação, destinada a
reintegrar o direito violado ou a reparar de outro modo a falta cometida.
Exemplificando: o dono de uma coisa, abusivamente ocupada por terceiro,
requer ao tribunal, além do reconhecimento do seu direito, a condenação do
réu na entrega da coisa e ainda a indemnização pelo dano causado com a
privação da mesma.

3.3.2. Ações declarativas constitutivas

Neste caso o autor pretende com a coadjuvação da autoridade judicial, um


efeito jurídico novo, que irá alterar a esfera jurídica do demandado,
independentemente da sua vontade.
Designa-se ação constitutiva, para significar que o efeito jurídico pretendido
pelo autor, embora dependa a maior parte das vezes na sua vontade, constitui-
se diretamente de uma decisão judicial.

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As ações constitutivas são na grande generalidade dos casos o instrumento


processual adequado ao exercício de certos direitos potestativos 5.
Neste caso, o efeito jurídico pretendido pelo autor pode consistir na
constituição, modificação ou extinção daquela relação jurídica, ficando a outra
parte numa situação de sujeição, isto é, de ter que suportar na sua esfera
jurídica, as consequências do exercício de um direito desta natureza.

Exemplos:
Acão constitutiva propriamente dita ou de criação: é a destinada à constituição
de uma servidão de passagem - cf. art.º 1550º C.C.
Assim, quando o dono do prédio estiver a necessitar de comunicação com a via
pública e não consiga ou não queira tentar obter o acordo com o dono do prédio
vizinho, para a realização do direito potestativo que a lei lhe confere.

Ação constitutiva modificativa: é o caso da separação judicial de pessoas e bens


em que o autor pretende a modificação da relação matrimonial.

Ação constitutiva extintiva: é o caso da ação de divórcio ou de anulação de um


contrato, em que o autor pretende a extinção da relação matrimonial ou da
relação contratual, no exercício do direito potestativo que a lei lhe confere e
de que é titular.

3.3.3. Ações declarativas de simples apreciação

Neste tipo de ações, o autor reage contra uma situação de incerteza e pretende
apenas obter uma simples declaração da existência ou inexistência de um
direito ou facto jurídico. A declaração proferida pelo tribunal tem a força
vinculativa própria das decisões judiciais.

5 Direito potestativo é o poder jurídico de, por um ato livre de vontade ou integrado por uma decisão
judicial, produzir efeitos jurídicos que inelutavelmente se impõem à contraparte - Mota Pinto. Teoria
Geral do Direito Civil, 3ª ed. –174.

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Consoante o caso, estas ações podem ser negativas ou positivas.


Positivas se o autor pretende que o tribunal declare a existência de um direito.
Negativas quando o autor pretende que o tribunal declare a inexistência de um
direito.
É necessário, porém, que haja um interesse objetivamente tutelado, ou seja,
que exista um facto juridicamente relevante.

Exemplos:
Será o caso do escritor de uma obra cuja autoria lhe seja publicamente
contestada por certa editora. Neste caso, poderá o escritor requerer ao tribunal
que aprecie esta questão e declare ser ele o autor da obra em causa - ação de
simples apreciação positiva.

António é dono de um prédio rústico e pretende vendê-lo a Bento. Acontece,


porém, que, o proprietário do prédio vizinho fez constar na vizinhança que é
titular de uma servidão de passagem sobre esse prédio. Ora, neste caso, o dono
do imóvel pode pretender ir a juízo para que se declare a inexistência da
servidão de passagem - ação de simples apreciação negativa.

Como se constata, neste tipo de ações não se pressupõe a verificação de um


facto ilícito, mas apenas situações de dúvida ou incerteza que pode vir a
ocasionar litígios e prejuízos. Por isso, esta ação comporta uma importante
função preventiva.

Em conclusão, podemos afirmar que todas as ações, sejam elas declarativas de


condenação, constitutivas ou de simples apreciação, envolvem o
reconhecimento da existência ou inexistência de um direito.

Mas é precisamente no que vem a seguir a esse reconhecimento, ou não, do


direito, que reside a chave da distinção entre os vários tipos de ações. Se além
do reconhecimento da existência do seu direito, o autor pretende que o tribunal
ordene ao réu a realização da prestação, a ação diz-se de condenação. Se, além
do reconhecimento do direito invocado, o autor pretende a produção ope

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iudicis do efeito jurídico a que o direito tende - constituição de uma nova


relação, modificação ou extinção de uma relação preexistente - a ação é
constitutiva. Caso o autor, após o reconhecimento da existência ou não do
direito, não pretende mais do que a declaração formal dessa existência ou
inexistência, a ação é de mera apreciação.

3.4. As formas de processo comum de declaração atendendo ao valor da


causa

Determina o art.º 296º nº 1 do CPC o seguinte:


A toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o
qual representa a utilidade económica imediata do pedido.

E o nº 2 e 3 do mesmo preceito estabelece que a este valor se atenderá para:


- Determinar a competência do tribunal;
- A forma do processo aplicável;
- A relação da causa com a alçada do tribunal6;
- E para efeitos de custas judiciais.

De acordo com o art.º 44.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário7 (LOSJ)


e no que respeita a matéria cível a alçada dos tribunais da Relação é de 30.000
euros e a dos tribunais de primeira instância é de 5.000 euros.

O Supremo Tribunal de Justiça como órgão superior de hierarquia dos tribunais


judiciais não se encontra sujeito à regra das alçadas.
Com a Lei n.º 41/2013 de 26 de junho, reduziu-se, aparentemente, o processo
comum declarativo a uma única forma, tendo sido eliminadas as formas de
processo ordinário, sumário e sumaríssimo.

6
A alçada do tribunal é o valor limite até ao qual o tribunal julga sem possibilidade de as partes
interporem recurso ordinário das suas decisões.
7 Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, cuja alteração mais recente (a 6.ª) foi efetuada pela Lei n.º 23/2018,

de 05/06).

21
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Contudo, no que se refere às disposições legais que regulam o processo comum


declarativo, verificamos que, para as ações de valor não superior a metade da
alçada da Relação (i.e., ações de valor até € 15.000,00) não é permitida a
realização de perícia colegial, como também é estabelecida uma tramitação
especial e, tendencialmente mais célere, após a fase dos articulados.

Acresce que, para as ações de valor não superior à alçada do tribunal de


primeira instância (i.e., ações de valor até 5.000 euros), prevê-se uma
tramitação simplificada, designadamente, o número de testemunhas é reduzido
para 5 e o tempo previsto para as alegações orais é reduzido para 30 minutos e
o de réplica para 15 minutos.

De resto refira-se que continua em vigor o regime processual previsto no Dec.


Lei n.º 268/98, de 1 de setembro, o qual regula a ação declarativa especial para
cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos e
procedimento de injunção.
Este diploma não se aplica aos casos em que a causa de pedir e o pedido se
reconduzam a uma condenação indemnizatória fundada em responsabilidade
civil extracontratual ou para entrega de coisa móvel.

22
Processo Civil I / Processo Civil Declarativo 2020/2021

4. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

Designam-se por pressupostos processuais as condições mínimas consideradas


indispensáveis para, à partida, garantir uma decisão útil da causa. Não se
verificando algum dos pressupostos processuais o juiz terá que se abster de
apreciar o mérito da causa8, ou seja, a questão de fundo que lhe é colocada,
por falta de algum requisito essencial para o efeito.

São pressupostos processuais os seguintes:


• Personalidade Judiciária
• Capacidade Judiciária
• Legitimidade das Partes e interesse Processual
• Patrocínio Judiciário
• Competência do tribunal

Por regra, a consequência da verificação da falta de um pressuposto processual


será a absolvição do réu da instância.

O réu é absolvido da instância quando o juiz não chega a apreciar o pedido


formulado pelo autor, porque verifica a existência de qualquer irregularidade
processual, como a falta de um pressuposto processual - cf. art.º 278º do CPC

Ora, uma vez que o juiz não chega a apreciar a questão de fundo que lhe foi
submetida, a absolvição do réu da instância não obsta a que o autor proponha
outra ação com os mesmos sujeitos, pedido e causa de pedir - cf. art. 279º n.º
1 do CPC.

Nestes casos, verifica-se a extinção da relação jurídica processual sem decisão


da relação jurídica substancial, deixando esta intacta, por o tribunal estar
impossibilitado de conhecer do mérito da causa.

8
Mérito da causa é sinónimo de objeto do processo, isto é, a relação material controvertida ou relação
jurídica substantiva que é discutida no processo.

23
Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa Helena Bruto da Costa

A absolvição da instância não se confunde com a absolvição do pedido.

Na absolvição do réu do pedido, o juiz na sentença pronunciou-se sobre o mérito


da causa, rejeitando o pedido formulado pelo autor e absolve o réu desse
mesmo pedido. Esta é uma forma de composição do litígio em que fica assente
definitivamente que o autor não tem razão e de que o seu interesse não é
tutelado juridicamente do modo como pretende.

Neste caso, há uma decisão sobre relação jurídica substantiva, não sendo
possível ao autor intentar a mesma ação com os mesmos sujeitos, pedido e
causa de pedir.

Atualmente confere-se ao juiz um poder autónomo de gestão ativa e efetiva do


processo, impondo ao juiz um novo poder-dever. Este passa a ter o dever de
direção, de impulso, de simplificação e agilização processual, bem como o
dever de sanação de atos meramente dilatórios e da falta de pressupostos
processuais, devendo determinar a realização de todos os atos necessários a
regularizar a instância.

A gestão inicial do processo encontra-se estabelecido no art.º 590º do CPC, e


permite a possibilidade do juiz, logo após a receção da petição inicial, indeferir
a mesma quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de
forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer
oficiosamente, nomeadamente a incompetência absoluta ou relativa do
tribunal, a nulidade do processo, a falta de personalidade ou capacidade
judiciárias.

4.1. Personalidade judiciária

A personalidade judiciária consiste na suscetibilidade de ser parte – cf. art.º


11.º CPC - de ser titular de direitos e se estar adstrito a vinculações - cf. art.º
66º nº 1 do CC.

24
Processo Civil I / Processo Civil Declarativo 2020/2021

As partes assumem designações diferentes consoante a natureza e a fase do


processo:

• Autor e réu na ação declarativa;


• Exequente e executado na ação executiva;
• Requerente e requerido nos procedimentos cautelares;
• Recorrente e recorrido na fase de recurso.

Ao autor e réu que participam autonomamente na relação processual, dá-se o


nome de partes principais. Às pessoas que são portadoras de certos interesses
conexos com os interesses e discussão na ação, e que a lei admite a intervir
numa posição subordinada à das partes principais, chamam-se partes
acessórias.

4.1.1. Quem tem personalidade judiciária?

O critério geral fixado na lei para sabermos quem tem personalidade judiciária
é o da correspondência entre a personalidade jurídica (ou seja a capacidade de
gozo de direitos) e a personalidade judiciária.

Todos os indivíduos, quer sejam maiores, menores, interditos ou inabilitados


gozam de personalidade judiciária e podem, portanto, ser partes em juízo, uma
vez que todos eles podem ser sujeitos de qualquer relação jurídica.

4.1.2. Consequências da falta de personalidade judiciária

A falta de personalidade judiciária seja do autor seja do réu, determina, como


é próprio da falta de qualquer pressuposto processual, que o juiz se abstenha
de conhecer do pedido e absolva o réu da instância – cf. art.º 278º al. a) do
CPC.
A falta deste pressuposto processual é, em princípio, insanável, com exceção
do que se verifica a propósito da falta de personalidade judiciária das sucursais,

25
Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa Helena Bruto da Costa

agências, filiais, delegações ou representações. Nestes casos a falta deste


pressuposto pode ser sanada mediante a intervenção da administração principal
e a ratificação ou repetição do processado - cf. art.º 14.º do CPC.

4.1.3. Extensão da personalidade judiciária

O art.º 12.º do CPC estabelece casos em que se verifica uma extensão da


personalidade judiciária a entidade que não tendo personalidade jurídica,
gozam de personalidade judiciária.

Assim, têm personalidade judiciária:

• A herança jacente, entende-se aquela que não foi aceite, nem repudiada ou
declarada vaga para o Estado, não tendo ainda um titular determinado.
• Entende-se por patrimónios autónomos o que tem dívidas próprias, ou seja,
a existência de uma massa de bens exclusivamente afetos ao pagamento de
determinadas dívidas;
• As associações sem personalidade jurídica e as comissões especiais;
• As sociedades civis;
• As sociedades comerciais, até à data do registo definitivo do contrato pelo
qual se constituem, nos termos do art. 5º do Código das Sociedades
Comerciais, têm personalidade judiciária. A atribuição de personalidade
judiciária, neste caso, tem desde logo como fim não ser possível a estas
alegarem a irregularidade da sua constituição com o intuito de se furtarem
ao cumprimento de obrigações que tenham, entretanto, assumido;
• O condomínio, relativamente às ações que se inserem no âmbito dos poderes
do administrador, e os navios são igualmente casos em que a lei atribui
personalidade judiaria embora estas entidades não tenham personalidade
jurídica.

26
Processo Civil I / Processo Civil Declarativo 2020/2021

4.2. Capacidade Judiciária

A capacidade judiciária consiste na possibilidade de estar, por si, em juízo como


autor (capacidade judiciária ativa), ou como réu (capacidade judiciária
passiva), decidindo sobre a orientação dos seus interesses em juízo - cf. art.º
15.º do CPC.

E, nos termos do nº2 do mesmo artigo a capacidade judiciária tem por base e
por medida a capacidade de exercícios de direitos - cf. art.º 67º do CC.

Assim, têm plena capacidade judiciária as pessoas singulares ou coletivas, que


possuam integral capacidade de exercício de direitos. E carecem de capacidade
judiciária todos aqueles que estão limitados na sua capacidade de exercício de
direitos, como é o caso dos incapazes.

As incapacidades das pessoas singulares vêm previstas no CC - cf. arts. 122º e


ss. do CC.

O regime jurídico do maior acompanhado introduzido pela Lei n.º 49/2018, de


14 de agosto, o qual entrou em vigor no dia 10 de fevereiro de 2019, foi talvez,
a maior reforma do Código Civil na sua parte geral, com naturais reflexos no
Código de Processo Civil quanto à nova tramitação processual.

Desde logo, o Título III do Livro V do Código de Processo Civil, passou a ser
intitulado «Do acompanhamento de maiores», com diversas alterações
introduzidas aos artigos 891.º e seguintes.

Este regime resultou de uma vinculação internacional à Convenção sobre os


Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada pela Assembleia Geral das Nações
Unidas em 13/12/2006, assinado por Portugal em 30/03/2007, aprovado pela
Resolução da Assembleia da República n.º 56/09 de 30/08 e objeto de
ratificação pelo decreto do Presidente da República n.º 71/2009 de 30/7.

27
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Esta convenção foi a pedra angular deste novo modelo e no qual o este regime
se funda.

Este regime caracteriza-se por ser amplamente flexível, permitindo ao juiz uma
resposta específica, individualizada e adequada à situação concreta da pessoa
protegida.

Com as alterações ao Código Civil e ao Código de Processo Civil, a interdição e


a inabilitação, passam a ser denominados por uma ação especial de
acompanhamento de maior, a ser apresentada pelo próprio interessado.

Permite-se agora, a qualquer pessoa que, por razões de saúde, deficiência ou


pelo seu comportamento se encontre impossibilitada de exercer pessoal, plena
e conscientemente os seus direitos ou de cumprir os seus deveres, requerer
junto do Tribunal as necessárias medidas de acompanhamento.
Permite-se ainda que se possa escolher por quem se quer ser acompanhado
(pessoa ou pessoas incumbidas de a ajudar ou representar na tomada de
decisões de natureza pessoal ou patrimonial).

É um regime que confere mais segurança, cuidados e liberdades aos maiores


em situação de impossibilidade "por razões de saúde, deficiência, ou pelo seu
comportamento, de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos
ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres".

As medidas de acompanhamento podem também ser requeridas pelo Ministério


Público, pelo cônjuge, pelo unido de facto ou por qualquer parente sucessível
da pessoa que carece daquelas medidas.

Qualquer adulto pode escolher antecipadamente o seu “acompanhante” e essa


vontade deve ser respeitada.

O acompanhamento do maior visa assegurar o seu bem-estar, a sua


recuperação, o pleno exercício de todos os seus direitos e o cumprimento dos

28
Processo Civil I / Processo Civil Declarativo 2020/2021

seus deveres, salvo as exceções legais ou determinadas por sentença,


permitindo-se assim que as medidas se limitem ao estritamente necessário,
privilegiando a autonomia das pessoas com capacidade diminuída.

Assiste-se a uma mudança radical de paradigma há muito esperada, tanto mais


que a Convenção de Nova Iorque foi ratificada pelo Estado Português em 2009.
Esta Convenção convida os Estados subscritores a assegurar “(…) que todas as
medidas que se relacionem com o exercício da capacidade jurídica fornecem
as garantias apropriadas e efetivas para prevenir o abuso de acordo com o
direito internacional dos direitos humanos. Tais garantias asseguram que as
medidas relacionadas com o exercício da capacidade jurídica em relação aos
direitos, vontade e preferências da pessoa estão isentas de conflitos de
interesse e influências indevidas, são proporcionais e adaptadas às
circunstâncias da pessoa, aplicam-se no período de tempo mais curto possível
e estão sujeitas a um controlo periódico por uma autoridade ou órgão judicial
competente, independente e imparcial. As garantias são proporcionais ao grau
em que tais medidas afetam os direitos e interesses da pessoa.”

A mudança de paradigma agora legislada, em cumprimento desta Convenção,


constitui um enorme desafio para magistrados, advogados e para todo o
cidadão, esperando-se que todo o estigma associado aos anteriores processos
de interdição e de inabilitação se vá desvanecendo e que cada vez mais pessoas
em situação de capacidade diminuída vejam os seus direitos devidamente
assegurados mediante chancela judicial.

Os maiores acompanhados carecem de capacidade judiciária quando a ação


judicial tem por objeto alguma das situações no âmbito das quais a sentença
decretou tal incapacidade.

Sempre que o sujeito de direito tem a sua capacidade de exercício limitada, a


sua capacidade judiciária sofre paralela restrição. Nestes casos, é obrigatória a
intervenção de outra pessoa na ação judicial, que representa o acompanhado.

29
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Quanto aos menores a sua incapacidade não é total. O art.º 127º do CC prevê
situações de exceção quanto à sua incapacidade de exercício de direitos tendo
o menor, plena capacidade judiciária uma vez que a sua capacidade de
exercício de direitos não se encontra limitada.

Quanto à forma de suprir a incapacidade dos menores – cf. arts. 16º a 18º do
CPC.

De acordo com o disposto no art.º 19º do CPC, os maiores acompanhados que


não estejam sujeitos a representação podem intervir em todas as ações em que
sejam partes e devem ser citados quando tiverem a posição de réus, sob pena
de se verificar a nulidade correspondente à falta de citação, ainda que tenha
sido citado o acompanhante.

Quanto à intervenção do maior acompanhado quanto a atos sujeitos a


autorização fica subordinada à orientação do acompanhante, que prevalece em
caso de divergência.

Para além das incapacidades dos menores e dos maiores acompanhados, o nosso
CPC prevê ainda a representação de entidades que têm apenas uma
incapacidade de facto, porque só são incapazes em determinadas
circunstâncias e que a seguir se indicam:
• Representação de incertos e ausentes - cf. arts. 21º e 22º do CPC;
• Representação do Estado - cf. art.º 24º do CPC;
• Representação das pessoas coletivas e sociedades - cf. art.º 25º do CPC;
• Representação de entidades que carecendo de personalidade jurídica,
têm personalidade judiciária - cf. art.º 26º do CPC.

Estas situações justificam-se porque, também nestes casos, estas pessoas ou


entidades devem estar regular e convenientemente representadas no processo,
para que nele os seus direitos e interesses sejam devidamente protegidos.

30
Processo Civil I / Processo Civil Declarativo 2020/2021

No que se refere ao art.º 25º do CPC, importa não esquecer a limitação das
pessoas coletivas quanto à sua capacidade de exercício e que consiste no
princípio da especialidade previsto no art.º 160º do CC. Segundo este princípio
a capacidade das pessoas coletivas abrange os direitos e obrigações necessários
e convenientes à prossecução dos fins que lhe são próprios.
De acordo com o disposto no art.º 25.º n.º 1 do CPC as pessoas coletivas e as
sociedades são representadas por quem a lei, os estatutos ou o pacto social
designarem.

4.2.2. Consequências da falta de capacidade judiciária

A falta de capacidade judiciária é suprida nos termos dos arts. 27º e 28º do CPC.

A incapacidade judiciária e a irregularidade de representação são sanadas


mediante a intervenção ou citação do representante legítimo do incapaz.

Se estes ratificarem os atos anteriormente praticados, o processo segue como


se o vício não existisse; no caso contrário, fica sem efeito todo o processado
posterior ao momento em que a falta se deu ou a irregularidade foi cometida,
correndo novamente os prazos para a prática dos atos não ratificados, que
podem ser renovados.

Se a irregularidade verificada consistir na preterição de algum dos pais, tem-


se como ratificado o processado anterior, quando o preterido, devidamente
notificado, nada disser dentro do prazo fixado; havendo desacordo dos pais
acerca da repetição da ação ou da renovação dos atos é aplicável o disposto no
artigo 18.º.

Sendo o incapaz autor e tendo o processo sido anulado desde o início, se o prazo
de prescrição ou caducidade tiver, entretanto terminado ou terminar nos dois
meses imediatos à anulação, não se considera completada a prescrição ou
caducidade antes de findarem estes dois meses.

31
Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa Helena Bruto da Costa

De acordo com o disposto no art.º 28º do CPC, incumbe ao juiz, oficiosamente


e a todo o tempo providenciar no sentido de regularização da instância.

4.3. Legitimidade das partes

O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é


parte legítima quando tem interesse direto em contradizer.

A parte terá legitimidade como autor de uma ação judicial, se for ela quem
juridicamente pode fazer valer a sua pretensão em juízo, em face do
demandado, do réu. A parte terá legitimidade como réu se for ela a pessoa que
juridicamente pode opor-se à providência requerida, por ser ela cuja esfera
jurídica é diretamente atingida pela mesma – cf. art.º 30º do CPC.

A personalidade e capacidade judiciária são qualidades pessoais das partes. A


legitimidade consiste, pelo contrário, numa posição da parte perante
determinada ação. Assim, não basta saber quem são as partes no processo, para
que o juiz se possa pronunciar sobre o mérito da causa, importa saber ainda
quais devem ser as partes. Exemplo: o pai não tem legitimidade para cobrar
judicialmente os créditos do filho maior, porque não é ele o portador do
interesse tutelado pelo direito invocado.
Por vezes é a própria lei que expressamente declara quem tem legitimidade
para intentar determinada ação ou para figurar nela como réu – cf. arts. 125º e
141º do CC.

Quando a lei não nos indica quem tem legitimidade para figurar como autor ou
réu em determinada ação consideram-se partes legítimas os sujeitos da relação
material controvertida tal como ela é configurada pelo autor – cf. art.º 30.º nº3
do CPC.

32
Processo Civil I / Processo Civil Declarativo 2020/2021

4.3.1. Interesses difusos

Os interesses difusos são interesses cuja titularidade pertence a todos e a cada


um dos membros de uma comunidade, mas que não são suscetíveis de
apropriação individual por qualquer desses membros. Exemplo: saúde pública,
ambiente, património cultural, etc.

Por isso, de acordo com o art.º 31.º do CPC, todos os cidadãos que tenham o
gozo dos seus direitos civis e políticos, bem como as associações, as fundações
e o Ministério Público, têm legitimidade para fazer valer em juízo esses
interesses.

4.3.2. Legitimidade das partes nas relações jurídicas em que há uma


pluralidade de partes. Litisconsórcio voluntário, necessário e coligação

Em muitas das ações que se intentam, são duas as partes que se defrontam
como é o caso do credor requer em juízo a condenação do devedor no
pagamento de certa quantia que lhe emprestou e que este não lhe devolveu.

Neste caso, verifica-se uma dualidade de partes, ou seja, a relação material


controvertida tem apenas um sujeito seja do lado ativo, seja do lado passivo.

Neste caso a legitimidade dos sujeitos designa-se singular.

Contudo, podemos ser confrontados com a existência de uma pluralidade de


partes.

Existe uma pluralidade ativa se a ação é proposta por dois ou mais autores
contra um réu. Existe uma pluralidade passiva se o autor demandar
simultaneamente vários réus. Designa-se por pluralidade mista se a ação é
instaurada por dois ou mais autores contra vários réus.

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Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa Helena Bruto da Costa

Nos casos em que numa ação judicial existe pluralidade de partes, a lei designa
de litisconsórcio ou coligação.

Estas duas figuras, embora tenham em comum a pluralidade de partes no


processo, são diferentes entre si.

No litisconsórcio existe uma pluralidade de partes e uma unicidade da relação


material controvertida, ou seja, uma única relação jurídica substantiva que
constitui o objeto da ação judicial, sendo que neste caso há apenas um único
pedido.

Exemplo: Ana e Bianca contraíram conjuntamente um empréstimo ao banco X


e incumpriram as prestações devidas à credora. O banco X para reaver a quantia
em dívida irá demandar conjuntamente as devedoras formulando um único
pedido, o pagamento da quantia que emprestou acrescida de juros de mora à
taxa legal.

Na coligação existe uma pluralidade de partes mas a essa pluralidade de partes


corresponde uma pluralidade de relações materiais controvertidas, ou seja,
existe uma pluralidade de pedidos.

Assim, quando há coligação de autores, existirá sempre cumulação de pedidos


– cf. art.º 555º n.º 1 do CPC.
Exemplo: Artur e Bruno celebram individualmente um contrato de compra e
venda com Carlos para aquisição de um andar, sendo as cláusulas de ambos os
contratos idênticas ou iguais.

Supondo que surgem dúvidas quanto à interpretação a dar a determinadas


cláusulas, ambos os compradores podem demandar o vendedor na mesma ação
judicial com vista a obterem a interpretação dessas cláusulas negociais por as
mesmas seres análogas. Ora, nesta situação, a pluralidade de partes revestirá
a forma de coligação, porque os dois pedidos procedem de relações substantivas
distintas embora sejam duas as relações materiais controvertidas.

34
Processo Civil I / Processo Civil Declarativo 2020/2021

O art.º 36º do CPC admite a coligação de autores contra um ou vários réus,


como a coligação de réus, desde que:
• Aos vários pedidos correspondam à mesma causa de pedir9, isto é,
provenham todos do mesmo facto jurídico. Exemplo: se num acidente
de viação existirem vários lesados, estes podem em conjunto demandar
a mesma companhia porque a causa de pedir é a mesma em relação a
todos eles, ou seja, a condução negligente do segurado daquela
companhia;
• Que os pedidos se encontram entre si numa relação de dependência.
Exemplo: Alda vende a Bento um imóvel pertencente a Carlota. Caso
esta pretenda reaver o seu imóvel, terá de intentar uma ação judicial
não só conta Bento mas também contra Alda. Assim, Carlota pode
requerer em juízo que se declare nulo o contrato celebrado entre Alda
e Bento, podendo ainda exigir uma indemnização a Alda pelos prejuízos
que este lhe causou ao vender uma coisa que não era sua - cf. art.º 892.º
do CC - e exigir de Bento a restituição do imóvel em causa.
• É ainda permitida a coligação quando, embora sendo diversas as causas
de pedir, a procedência dos pedidos dependa essencialmente da
apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das
mesmas regras de direito ou de cláusulas de contratos perfeitamente
análogos como anteriormente referido.

Mas nem sempre é admissível a coligação. Desde logo, não é admissível quando
aos pedidos correspondam formas de processo diferentes ou a cumulação possa
ofender as regras da competência internacional ou em razão da matéria ou da
hierarquia - cf. art.º 37.º nº 1 do CPC.

A cumulação obriga que forma de processo aplicável seja idêntica para todos
os pedidos cumulados, o que torna inadmissível a coligação quando a um dos
pedidos corresponda a forma de processo comum e a outro, o processo especial.

9 Causa de pedir é o facto jurídico que serve de fundamento ao pedido formulado.

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Mas, se a diferença entre as formas de processo provier unicamente do valor


dos pedidos tal não obsta à cumulação - cf. art.º 37º nº 2 do CPC.

Como fico dito, na coligação exige-se que a forma de processo seja idêntica
para todos os pedidos cumulados, à exceção da diversidade da forma quanto ao
valor dos pedidos. No entanto, esta regra geral sofre uma outra exceção
importante e prevista no nº 2 da disposição legal ora em análise, a qual faculta
ao juiz a possibilidade de autorizar a cumulação desde que:
• As formas de processo correspondentes aos pedidos, sendo embora
diversas, não sigam uma tramitação absolutamente incompatível,
• E que haja um interesse relevante na apreciação conjunta das ações
cumuladas ou quando esta apreciação conjunta seja indispensável para
a justa composição do litígio.

Nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 37.º do CPC, uma vez autorizada a
cumulação incumbe ao juiz adaptar o processado, no uso dos poderes que lhe
confere o art.º 6.º do CPC.

Mas de acordo com o n.º 4, o juiz pode, oficiosamente ou a requerimento dos


réus, e não obstante se verificarem os pressupostos da coligação, não a admitir,
quando entenda que esta pode causar inconveniente grave na condução do
processo. Neste caso, o autor é notificado para informar o tribunal qual o
pedido que deseja manter naquela ação judicial, mantendo-se a instância
quanto a este, e sendo o réu absolvido da instância quanto aos demais pedidos.
Quanto a estes pedidos, o autor poderá intentar uma outra ação judicial, sendo
que se as novas ações forem propostas nos 30 dias subsequentes a contar do
trânsito em julgado10 da decisão que ordenou a separação, os efeitos civis da
propositura da ação e da citação do réu retrotraem-se à data em que estes
factos se produziram no primeiro processo - cf. n.º 5 do art.º 37º do CPC.

10
A decisão considera-se passada ou transitada em julgado, logo que não seja suscetível de recurso
ordinário, ou de reclamação nos termos dos artigos 628.º do CPC.

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Processo Civil I / Processo Civil Declarativo 2020/2021

Nos termos do disposto do art.º 38 do CPC, é possível suprir a coligação ilegal,


o que se verifica quando entre os pedidos não exista a conexão exigida pelo
art.º 36º, devendo neste caso o juiz notificar o autor para indicar qual o pedido
que pretende ver apreciado no processo, sob pena do réu ser absolvido da
instância quanto a todos eles.

Relativamente ao litisconsórcio, a lei distingue entre litisconsórcio voluntário -


cf. art.º 32º do CPC - e litisconsórcio necessário - cf. art. 33º nº 2 do CPC.

Designa-se litisconsórcio voluntário a situação em que, por a relação material


que se discute na ação respeitar a várias pessoas, a ação poder ser proposta por
todos ou contra todos os interessados, embora o possa ser por um só ou contra
um só deles. Assim, os sujeitos da relação plural não têm que intervir em
conjunto na ação, embora possam fazê-lo, se quiserem. No entanto, se
intervierem isoladamente, o juiz apenas pode e deve conhecer da quota-parte
que o sujeito tenha no direito ou no dever litigado.

Havendo litisconsórcio voluntário, há uma cumulação das ações, mantendo cada


litigante uma posição de independência em relação aos seus compartes - cf.
art.º 35.º do CPC.

Assim, se Ana empresta a Bia e César a quantia de 6.000 euros, considerando


que o regime aplicável é o da conjunção, a credora apenas pode exigir de cada
um dos devedores a quantia de 3.000 euros, ou seja, a fração do débito que a
cada um corresponde. Portanto, se a credora comum pretende o cumprimento
integral da obrigação, terá de intentar a ação contra os dois devedores, embora
não esteja a tal obrigado.

Nas obrigações conjuntas a cada um dos credores ou devedores compete apenas


uma fração do crédito ou débito comum. À pluralidade de credores ou de
devedores corresponde uma igual pluralidade de vínculos.

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Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa Helena Bruto da Costa

Tomando o mesmo exemplo acima indicado, se as partes tiverem


convencionado entre si o regime da solidariedade ou o mesmo decorrer da lei,
a questão coloca-se da mesma forma, ou seja, verifica-se igualmente uma
situação de litisconsórcio voluntário, podendo a credora intentar a ação contra
ambos os devedores ou apenas contra algum deles, uma vez que, nesta
situação, Ana pode exigir de qualquer dos devedores o cumprimento integral
da obrigação que uma vez realizado exonera todos os devedores.

Designa-se por litisconsórcio necessário a situação em que, por força da lei ou


do negócio jurídico, se exige a intervenção dos vários interessados na relação
material controvertida, sob pena de se verificar uma situação de ilegitimidade.
Assim, nestes casos a ação tem de ser proposta por todos ou contra todos, sob
pena de se verificar uma situação de ilegitimidade – cf. art.º 33.º do CPC.

Nestes casos exige-se a intervenção de todos os interessados para que a decisão


judicial produza o seu efeito útil normal, isto é, para que possa ficar
definitivamente regulada a situação das partes em relação ao pedido. 11
Existindo litisconsórcio necessário, a ação é uma só, embora com uma
pluralidade de sujeitos que ficam, em consequência, dependentes dos seus
comportamentos – cf. art.º 35.º do CPC.

Exemplos:
• Reivindicando-se uma fração autónoma de um imóvel em propriedade
horizontal, em virtude dos condóminos se terem apoderado dela por
entenderem que a mesma constitui parte comum, a ação tem de ser
proposta contra todos os condóminos – cf. art.º 33.º n.º 2 do CPC.
• A ação de divisão de coisa comum12 tem de ser proposta pelo
comproprietário contra todos os demais comproprietários do imóvel, em
litisconsórcio necessário passivo.

11 Situações de litisconsórcio necessário: cf. arts. 535º nº1, 419º nº1 e 2091º nº1 do CC.

12 Cf. art.º 925.º do CPC, 1403.º a 1405.º e 1412.º e 1413.º do CC.

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Processo Civil I / Processo Civil Declarativo 2020/2021

Quanto ao litisconsórcio necessário entre cônjuges, há que ter em atenção o


estabelecido no art.º 34.º do CPC, onde aí se estabelece quais as ações que
devem ser propostas por ambos os cônjuges bem como aquelas que devem ser
propostas contra ambos os cônjuges.

Com efeito, em certas situações e tendo em atenção interesses de natureza


familiar, é necessária a intervenção no processo de ambos os cônjuges quer no
lado ativo quer no lado passivo da relação jurídica processual. Esta necessidade
de intervenção conjunta significa que o poder de dispor desses interesses e o
poder de os discutir no processo não cabe apenas a um dos cônjuges, mas a
ambos.

E no que respeita à legitimidade ativa dos cônjuges estabelecida no nº1 do art.º


34.º do CPC, deve o mesmo ser conjugado com os arts. 1682º, 1682º-A e 1682º-
B do CC., uma vez que são as disposições legais substantivas que determinam
quais os bens que só por ambos os cônjuges podem ser alienados como também
quais os direitos que por ambos podem ser exercidos.

Sendo o litisconsórcio necessário ativo entre os cônjuges, pode um deles ser


substituído pela com o consentimento do outro na propositura da ação desde –
cf. art.º 34.º nº 1 do CPC.

Se o cônjuge não der o seu consentimento para a propositura da ação, cabe ao


tribunal decidir sobre o suprimento desse consentimento tendo em
consideração o interesse da família – cf. art.º 34.º, nº 2 do CPC.

4.3.3. Consequências da falta de legitimidade processual

Num caso de litisconsórcio necessário a falta de legitimidade processual é


sanável mediante a intervenção espontânea ou provocada da pessoa em falta
na ação, realizada através do incidente de intervenção principal previsto nos
arts. 311º e 316º do CPC.

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Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa Helena Bruto da Costa

Quanto à ilegitimidade singular, em regra, é insanável e tem como


consequência a absolvição do réu da instância, conforme estabelece o art.º
278.º nº1 al. d) do CPC, sem prejuízo da renovação da instância com vista a
sanar a ilegitimidade plural nos termos do art.º 261 do CPC.

4.4. Interesse Processual

Alguns processualistas entendem que outro dos pressupostos processuais


previstos no nosso ordenamento jurídico é o interesse processual ou o interesse
em agir. No entanto, quanto a este pressuposto há algumas divergências na
Doutrina.

Alguns autores autonomizam este pressuposto processual. Outros entendem que


a questão do interesse processual não tem autonomia e que se coloca em sede
de legitimidade das partes.

O interesse processual consiste na necessidade que o autor tem de instaurar a


ação judicial para fazer valer o seu direito. O autor tem interesse processual
quando a situação de carência em que se encontra exige a intervenção dos
tribunais. Assim, o interesse processual, relativamente ao autor, exige uma
necessidade justificada, razoável e fundada de lançar mão do processo.
Pretende-se evitar que as pessoas recorram a juízo para a defesa dos seus
interesses, numa altura em que a situação da parte contrária o não justifica.
Exemplo: A. empresta a B € 5000, para serem pagos no dia 31 de dezembro de
2019. Se A. intentar ação judicial em 30 de janeiro desse ano com o intuito de
reaver essa quantia, verifica-se que não existe interesse em agir porque a
mesma só deveria ser liquidada meses depois.

O interesse processual avulta especialmente do lado do autor, mas não deixa


de existir também, por parte do réu. No entanto, do lado do réu o interesse

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Processo Civil I / Processo Civil Declarativo 2020/2021

processual existe no momento em que a ação foi proposta contra si e consiste


no prosseguimento da ação.
Só assim se compreende o disposto no art.º 286º n.º 1 do CPC, nos termos do
qual a desistência da instância depende da aceitação do réu, desde que seja
requerida pelo autor depois de oferecida a contestação.

Os defensores de que o interesse processual está diretamente relacionado com


a legitimidade das partes, e por isso não deve ser autonomizado, fundamentam
a sua opinião com base no art.º 30º do CPC, o qual refere o "interesse directo
em demandar e em contradizer". Mas, na perspetiva dos autores que
autonomizam este pressuposto processual, este interesse tem em vista o
interesse na perspetiva da titularidade do direito, ou seja, tem interesse em
demandar aquele que é titular do direito subjetivo em causa e tem interesse
em contradizer aquele que pode vir a ser afetado na sua esfera jurídica, com a
propositura da ação.

Quando se autonomiza o interesse processual dos outros pressupostos,


nomeadamente da legitimidade, pretende-se significar que as partes, ao
socorrem-se do processo e apesar de serem os titulares do direito subjetivo em
discussão, têm de o fazer numa altura em que a sua situação de carência é de
tal forma grave, que só o recurso a juízo poderá reparar a violação do direito
de que está a ser objeto.

7.4.1. Consequências da falta de interesse processual

Tem-se entendido que a falta de interesse processual é, em princípio,


insanável.

Não havendo interesse processual, o réu deve ser absolvido da instância devido
à verificação de uma exceção dilatória e inominada uma vez que não se
encontra expressamente regulada na lei – cf. arts.º 278.º n.º 1 al. e) e 577.º do
CPC.

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Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa Helena Bruto da Costa

Contudo o art.º 610º n.º 2 do CPC estabelece dois casos especiais em que o
interesse processual não se revela, e que não conduzem à absolvição do réu da
instância:
1.º O autor pode propor ação num momento em que a obrigação ainda não
se venceu e, por conseguinte, o réu não se encontrar em incumprimento;
2.º Pode ainda propor ação, quando a obrigação seja pura, isto é, quando
entre as partes tenha sido convencionado prazo certo para a realização
da(s) prestação(ões) e não tendo credor interpelado previamente,
extrajudicialmente ou judicialmente, o devedor para realizar a
prestação.

De qualquer forma uma vez que o autor recorre ao tribunal numa altura em que
o seu direito não foi violado fica condenado nas custas e no pagamento de
honorários do advogado do réu – cf. nº 3 do art.º 610º do CPC.

6.6. Patrocínio Judiciário

O patrocínio judiciário consiste na assistência técnica prestada às partes por


profissionais do foro (advogados, advogados estagiários e solicitadores) na
condução do processo.

O patrocínio judiciário efetua-se através do mandato judicial, conferido pelas


partes aos seus patronos. Assim, constituir advogado ou solicitador significa
mandatá-los para representar a parte em tribunal, em todos os atos de
determinado processo, sendo o mandato conferido por duas formas:
- Por instrumento público ou por documento particular, nos termos do Código
de Notariado e da legislação especial. Ver arts. 262.º e ss do CC quanto à noção
de procuração.
- Por declaração verbal da parte no auto de qualquer diligência que se pratique
no processo - cf. - art.º 43º do CPC.

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Processo Civil I / Processo Civil Declarativo 2020/2021

O patrocínio judiciário não se confunde com a figura da assistência judiciária.


Esta é o benefício concedido às pessoas, cuja situação económica não lhes
permite custear as despesas normais da ação e pode consistir na nomeação de
um advogado oficioso (nomeado e pago pelo tribunal), ou na dispensa do
pagamento das custas do processo, ou numa coisa e noutra.

O patrocínio judiciário constitui um verdadeiro pressuposto processual quando


na ação em causa a lei exija a constituição obrigatória de advogado.

Existem, no entanto, ações, relativamente às quais a lei não exige a intervenção


de advogado, podendo elas ser conduzidas por advogados estagiários ou
solicitadores, bem como pelas próprias partes - cf. art.º 40º do CPC. Outras há,
em que a lei exige a intervenção obrigatória de advogado. Nestes casos, se a
parte não constitui advogado, verifica-se a falta de um pressuposto processual.

É obrigatória a constituição de advogado, nas causas de competência de


Tribunais com alçada, em que seja admissível recurso ordinário - cf. art.º 40º
al. a) do CPC Relembre-se que a alçada é o limite até ao qual o tribunal julga
sem recurso ordinário.

De acordo com a regra geral contida no art.º 629º nº1, 1.ª parte do CPC, a
recorribilidade da decisão depende, relativamente ao valor, da conjugação de
dois requisitos cumulativos:
- o valor da causa ser superior à alçada do tribunal de que se recorre;
- o valor da sucumbência do recorrente ser superior a metade da alçada desse
tribunal.

Também é obrigatória a constituição de advogado nas causas em que seja


sempre admissível recurso, independentemente do valor - cf. art.º 629º nº 3 do
CPC

43
Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa Helena Bruto da Costa

Igualmente é obrigatória a constituição de advogado nos recursos e nas causas


propostas nos tribunais superiores, como acontece com as ações de revisão de
sentença estrangeira que são propostas diretamente no tribunal da Relação -
cf. art.º 978º do CPC.

Dispõe o art.º 40º nº2 do CPC que, ainda que seja obrigatória a intervenção de
advogado, os advogados estagiários, os solicitadores e as próprias partes podem
fazer requerimentos em que não se levantem questões de direito.

Problemática é a distinção entre questões de facto e questões de direito que


tem recebido as mais variadas soluções. Na verdade, a polémica distinção é
obra da jurisprudência e da doutrina e não do legislador, desde logo, porque
não é possível condensar numa fórmula abstrata, um critério suscetível de
elucidar com segurança o intérprete, em cada caso concreto, sobre o que
pertence ao âmbito do direito e ao âmbito do facto.

Diremos, no entanto, que estamos na presença de uma questão de direito


sempre que esta se reporta a um juízo de valor legal. Dito por outras palavras,
as questões de direito são aquelas que se resolvem pela aplicação de uma norma
jurídica ou exige uma qualificação que se realiza com recurso a um conceito
jurídico.
Exemplo: saber se num contrato-promessa é ou não possível o recurso à
execução específica do contrato, quando haja incumprimento é uma questão
de direito.

Estaremos perante uma questão de facto se isso implicar um juízo de facto, ou


seja, é uma questão de facto tudo o que se reporta ao apuramento de
ocorrências da vida real. Por exemplo: a morte de uma pessoa, o embate de
dois veículos, etc.

São também questões de facto aquelas em que a matéria se resolve no


apuramento da verificação de que um certo facto ocorreu ou das circunstâncias

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Processo Civil I / Processo Civil Declarativo 2020/2021

em que se verificou. Exemplo: saber-se se a culpa de um acidente foi de A por


ter pisado um traço contínuo.

6.6.1. Consequências da falta de patrocínio

A falta de patrocínio judiciário, nos casos em que a constituição de advogado é


obrigatória, tem os seguintes efeitos - cf. - art.º 41º do CPC.
- Se a falta ocorrer por parte do autor, o réu é absolvido da instância;
- Se a falta ocorrer por parte do réu, fica sem efeito a sua defesa;
- Se o que está em causa é um recurso, o recurso fica sem seguimento, seja
do autor seja do réu.
No entanto, antes de decretar esta sanção, o juiz deve, por uma razão de
economia processual, notificar a parte para suprir a falta dentro de certo prazo.

Situação diferente da falta de patrocínio judiciário, é a falta, insuficiência ou


irregularidade do mandato, prevista no art.º 48º do CPC. Neste caso, o juiz deve
ordenar que se notifique a parte e o seu mandatário para, dentro de certo
prazo, não só corrigir a falta, mas ratificar também o processado. Se a falta
não for corrigida e ratificado o processado, condena-se o mandatário culpado,
tanto nas custas do processo, como nos prejuízos a que tenha dado causa - cf.
art.º 48º nº 2 do CPC.

6.7. A Competência dos tribunais

A competência dos tribunais é um pressuposto processual através do qual


identificamos o tribunal com competência para apreciar determinado litígio, ou
seja, qual o tribunal onde determinada ação deve ser proposta.

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6.7.1. Da organização Judiciária

Os tribunais são órgãos de soberania cuja função essencial é a de administrar a


justiça em nome do povo - cf. art.º 202º nº1 da CRP e art.º 2º da Lei nº 62/2013,
de 26 de agosto.

Os tribunais são constituídos por juízes nomeados pelo Conselho Superior da


Magistratura, que é a entidade à qual compete a nomeação, colaboração,
transferência e o exercício da ação disciplinar – cf. art.º 6 da CRP.

No entanto, em certos casos a administração da justiça pode ser exercida por


juízes que não são magistrados de carreira e não estão sujeitos ao Conselho
Superior da Magistratura. É o caso dos jurados, que são escolhidos, em regra,
por sorteio entre os vulgares cidadãos, de harmonia com o princípio da
participação direta do povo na administração da justiça.

Os princípios fundamentais que regem o exercício do poder jurisdicional são os


seguintes:
- Independência dos tribunais: os tribunais são independentes e apenas estão
sujeitos à lei, o que reforça a sua imparcialidade - cf. art.º 203º da CRP e art.º
4º da Lei nº 62/2013, de 26 de agosto;
- Direito à coadjuvação de outras entidades: no exercício das suas funções os
tribunais têm direito a ser auxiliados por outras entidades - cf. art.º 202º nº3
da CRP.
- Obrigatoriedade e prevalência das suas decisões: as decisões dos tribunais são
obrigatórias para todas as entidades, públicas ou privadas, e prevalecem sobre
as de quaisquer outras entidades - cf. art.º 205º nº2 da CRP e art.º 4º nº 1 da
Lei nº 62/2013, de 26 de agosto.
- Fundamentação das decisões: as decisões dos tribunais são fundamentadas
nos casos e nos termos prescritos na lei - cf. art.º 205º nº1 da CRP.
- Publicidade das audiências dos tribunais: as audiências dos tribunais são
públicas, salvo quando o próprio tribunal decidir o contrário, para salvaguarda
da dignidade das pessoas e da moral pública ou para garantir o seu normal

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Processo Civil I / Processo Civil Declarativo 2020/2021

funcionamento - cf. art.º 206º da CRP e art.º 25.º Lei nº 62/2013, de 26 de


agosto.

6.7.2. Classificação dos tribunais

Os tribunais permanentes são criados por lei e integram-se com carácter de


permanência na organização judiciária do Estado.

Os tribunais arbitrais são criados ad-hoc para julgarem certos litígios.

Espécies de tribunais permanentes:


- Tribunal Constitucional
- Tribunal Militar
- Tribunal de Contas
- Tribunal Administrativo
- Tribunais Fiscais
- Tribunais Judiciais

Espécies de tribunais Arbitrais:


- Voluntários: criados pela vontade das partes, por meio de acordo designado
"Convenção de Arbitragem" e regulados pela Lei n.º 63/2011, de 19 de abril.
- Necessários: impostos por lei - cf. art.º 1082.º a 1085.º do CPC.

As causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional são da


competência dos tribunais judiciais.
Os tribunais judiciais são os de 1ª e 2ª instância e o Supremo Tribunal de Justiça
- cf. arts. º 29.º e 31.º a 33.º da Lei nº 62/2013.
A designação de 1ª e 2ª instância está relacionada com a possibilidade de,
descordando-se com a decisão proferida e verificados determinados requisitos,
interpor-se recurso ordinário. Os tribunais de 1ª instância são aqueles em que
o processo é submetido a uma primeira apreciação e julgamento. Os tribunais
de 2ª instância são aqueles que, em virtude da interposição de um recurso

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ordinário interposto de uma decisão proferida pelo tribunal recorrido (1ª


instância), irão reapreciar se a decisão foi ou não corretamente proferida. Não
se trata de realizar um novo julgamento, mas sim a de se reapreciar a decisão
proferida à luz dos mesmos factos e prova produzida no tribunal de categoria
inferior.

O Supremo Tribunal de Justiça é chamado em certos casos previstos na lei


processual a fazer uma 3ª apreciação da decisão, em consequência da
interposição de recurso, sendo, por regra, a sua intervenção limitada ao
julgamento de questões de direito.

O STJ é o órgão superior da hierarquia dos tribunais judiciais, sem prejuízo da


competência própria do Tribunal Constitucional – cf. art.º 31 da Lei n.º 62/2013.

Os tribunais judiciais de 1ª instância podem ser de competência genérica e de


competência especializada e desdobram-se em instâncias centrais e locais.
Nas instâncias centrais podem ser criadas seções de competência especializada
– cf. arts.º 79.º a 81.º da Lei n.º 62/2013.
Os juízes no exercício das suas funções são independentes nas suas decisões,
embora devam obediência à lei, são irresponsáveis, porque não respondem,
civil, criminalmente ou mesmo disciplinarmente pelas suas decisões e
inamovíveis, o que significa que são nomeados vitaliciamente, não podendo
existir modificações da sua situação a não ser nos casos previstos no seu
estatuto.

6.7.3. Modalidades de competência.

A repartição do poder de julgar entre os vários tribunais faz-se segundo


diferentes critérios. Distingue-se, assim, entre:
➢ Competência internacional - arts.65º e seguinte do CPC.
➢ Competência interna:
• Em razão da matéria – cf. arts. 64º e 65º do CPC

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Processo Civil I / Processo Civil Declarativo 2020/2021

• Em razão do valor – cf. arts. 66º do CPC


• Em razão da hierarquia – Cf. arts. 67º a 69º do CPC
• Em razão do território – cf. arts. 70º a 84º do CPC.

6.7.3.1. Competência Internacional

As regras de competência internacional definem o poder jurisdicional atribuído


aos tribunais portugueses no seu conjunto, em face dos tribunais estrangeiros,
para julgar as ações que tenham algum elemento de conexão com ordens
jurídicas estrangeiras – art.º 62.º do CPC.

O problema da competência internacional só se coloca quando algum dos


elementos da causa (as partes, o pedido ou a causa de pedir) está em conexão
com ordens jurídicas de Estados diferentes.
A competência internacional dos tribunais portugueses para julgarem ações que
tenham algum elemento de conexão com outras ordens jurídicas depende da
verificação de alguma das circunstâncias referidas no art. 62º do CPC, não sendo
necessária a verificação cumulativa de todas as circunstâncias referidas neste
artigo. Basta a verificação de uma delas, ainda que isolada, para que os
tribunais portugueses tenham competência para apreciar a causa.

De acordo com o disposto no art.º 63.º do CPC é da exclusiva competência dos


tribunais portugueses julgar as questões aí indicadas, sendo esta disposição de
caráter imperativo não podem as partes interessadas no julgamento,
estabelecer por acordo, privar os tribunais portugueses dessa competência e
atribuí-la a tribunais de outro Estado, ou seja, é vedado às partes celebrar
validamente o chamado pacto privativo de jurisdição.
Este pacto encontra-se previsto no art. 94º do CPC, permitindo, em certos
casos, ao abrigo do princípio da liberdade contratual das partes, a possibilidade
de estas acordarem quanto à atribuição da competência internacional dos
tribunais portugueses.

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Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa Helena Bruto da Costa

Para que este pacto seja válido, exige-se a verificação cumulativa dos requisitos
do n.º 3 do art. 94º do CPC.

6.7.3.2. Competência interna dos tribunais portugueses

a) Competência em razão da matéria - cf. arts. 64º e 65º do CPC

De acordo com a natureza das matérias em causa na ação judicial, a


competência é repartida por diferentes tribunais. Por isso, na base da
competência em razão da matéria está o princípio da especialização, ou seja,
existem tribunais especialmente dotados de competência para resolver
determinadas matérias de direito.

Note-se que a competência em razão da matéria distribui-se por diferentes


espécies de tribunais, mas todos eles se situam no mesmo plano horizontal, sem
nenhuma relação de hierarquia ou dependência entre eles.

b) Competência em razão do valor e da forma de processo – cf. arts. 66º a


69º do CPC.

Lei nº 62/2013, de 26 de agosto, determina quais as ações que, pelo seu valor,
se inserem na competência da instância central e da instância local.

c) Competência em razão da hierarquia - cf. arts. 67º e 69º do CPC

Em regra, todas as ações, qualquer que seja o seu valor, são julgadas pelos
tribunais da 1ª instância. Porém, se o valor da causa exceder a alçada da 1ª
instância (5.000 euros) em princípio, será possível a reapreciação da decisão
através de recurso ordinário, pelo tribunal da Relação, que é um tribunal
hierarquicamente superior àquele que a proferiu. Mas, se o valor da causa for

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Processo Civil I / Processo Civil Declarativo 2020/2021

superior à alçada do tribunal da Relação (30.000 euros), diremos que, em


princípio, será possível à parte cuja decisão lhe foi desfavorável, interpor
recurso não só para a Relação, mas também para o Supremo Tribunal de Justiça.

Em resumo:
O Supremo Tribunal de Justiça conhece, em sede de recurso, das questões cujo
valor exceda a alçada do tribunal da Relação, embora este recurso seja restrito,
uma vez que o STJ, por regra, apenas conhece de questões de direito.
A Relação conhece das questões cujo valor exceda a alçada do tribunal de 1ª
instância.
O tribunal de 1ª instância conhece, em regra, de todas as questões, qualquer
que seja o seu valor e a forma de processo aplicável.

Esta competência resulta da distribuição de funções entre os diferentes


tribunais, escalonados verticalmente, dentro da mesma espécie ou categoria.
E, o tribunal hierarquicamente superior pode revogar ou reformar as decisões
proferidas pelos tribunais de categoria inferior. No entanto, na hierarquia
judiciária, não há um poder de direção por parte dos tribunais
hierarquicamente superiores relativamente aos tribunais de categoria inferior.
Tal como não há o dever de obediência dos juízes dos tribunais inferiores em
relação aos juízes dos tribunais superiores, já que para todos eles vale,
indistintamente, o princípio da independência.

A hierarquia judiciária reflete-se apenas no poder conferido aos tribunais


superiores de, por via de recurso, revogarem ou reformarem as decisões
proferidas pelos tribunais de hierarquia inferior.

A possibilidade que as partes têm de impugnar uma decisão judicial satisfaz um


duplo interesse: por um lado, o interesse privado, ou seja, a parte prejudicada
pode obter a correção de uma decisão que lhe é desfavorável. Por outro lado,
o interesse público, uma vez que a impugnação corresponde aos interesses
gerais da comunidade, dado que a eliminação de decisões erradas ou viciadas,
combate fortemente sentimentos de insegurança e de injustiça, como também

51
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contribui decisivamente para o prestígio dos tribunais e favorece a


uniformização da jurisprudência.

d) Competência em razão do território

Esta é a competência territorial que, dentro da ordem interna, determina a


comarca concreta em que a ação deve ser proposta. E a competência territorial
é a que resulta de, aos vários tribunais da mesma espécie e do mesmo grau de
jurisdição, ser atribuída uma circunscrição, ou seja, uma área geográfica
própria de competência.

De acordo com o disposto no art.º 33 da Lei nº 62/2013, o território nacional


divide-se em 23 comarcas, nos termos do anexo II constantes desta Lei.
Em cada uma das circunscrições existe um tribunal judicial de 1.ª instância,
designado pelo nome da comarca onde se encontra instalado.

A determinação da competência territorial é feita segundo vários critérios.


No sentido de se alcançar uma justiça mais célere e eficaz, os magistrados,
devem estar tanto quanto possível próximos dos elementos da causa, como por
exemplo, da situação dos bens, do domicílio das partes etc.

As regras sobre a competência territorial, no que respeita às ações declarativas,


vêm previstas nos arts. 70.º a 84.º do CPC.

Das várias disposições legais sobre esta matéria, salientam-se as seguintes:


- Foro real ou da situação dos bens - cf. art.º 70º do CPC.
De acordo com esta disposição legal, devem ser propostas no tribunal da
situação dos bens, as ações referentes a direitos reais ou de gozo sobre imóveis,
ações de divisão de coisa comum, de despejo, de preferência, de execução
específica sobre imóveis e ainda as de reforço, substituição, redução ou
expurgação de hipotecas. Conforme resulta deste número, o mesmo só se aplica
a imóveis.

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Processo Civil I / Processo Civil Declarativo 2020/2021

De acordo com seu o nº 2, as ações de reforço, substituição, redução ou


expurgação de hipotecas sobre navios e aeronaves, são propostas na
circunscrição da respetiva matrícula. Mas, se a hipoteca abranger móveis
matriculados em circunscrições diversas, o autor pode optar por qualquer delas.

Por fim, o nº 3 determina que se a ação tiver por objeto uma universalidade de
facto (cf. art.º 206º do CC), ou bens móveis e imóveis, ou imóveis situados em
várias circunscrições, deverá ser proposta no tribunal correspondente à
situação dos imóveis de maior valor. Mas, se o prédio que é objeto da ação
estiver situado em mais de uma circunscrição territorial, pode esta ser proposta
em qualquer das circunscrições.

- Foro obrigacional - cf. art.º 71º do CPC.


Estabelece o nº 1 do art.º 71.º do CPC que o tribunal competente para a ação
destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não
cumprimento de contrato ou a sua resolução será proposta, à escolha do credor,
no tribunal do lugar em que a obrigação devia ser cumprida ou no tribunal do
domicílio do réu.
Já o nº 2 aplica-se quando esteja em causa uma situação de responsabilidade
civil extracontratual subjetiva ou objetiva (cf. arts. 483º e ss do CC). Neste
caso, o tribunal competente é o correspondente ao lugar onde o facto ocorreu.

- Foro do autor - cf. art.º 72º do CPC.


O art.º 72º do CPC estabelece o foro do autor para as ações de divórcio e
separação, determinando que é competente o tribunal do domicílio ou da
residência do autor.

- Foro territorial conexional - cf. arts. 73º e 78º do CPC


Nos casos dos arts. 73º (ação de honorários) e 78º (Procedimentos cautelares e
diligências antecipadas), o que determina a competência do tribunal é o lugar
onde a ação principal foi instaurada. Com determina o art.º 73.º, nº 1 do CPC,
para a ação de honorários é competente o tribunal na qual foi prestado o

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serviço, devendo aquela correr por apenso a esta. Também o nº 2 do art. 78.º
do CPC acolhe esta ideia de apensação do procedimento cautelar ao da
respetiva ação.

- Foro marítimo - cf. art.º 74.º a 77.º do CPC.

- Foro das notificações avulsas - cf. art.º 79º do CPC.


As notificações avulsas são requeridas no tribunal em cuja área resida a pessoa
a notificar. Para a distinção entre residência e domicílio, vid., art.º 82º do CC.,
sendo de sublinhar que este art.º 79º do CPC declara competente para as
notificações avulsas o tribunal da residência e não o do domicílio. Sendo várias
as pessoas a notificar avulsamente e não residindo todas na mesma área
judicial, ter-se-ão de requerer tantas notificações quantos os tribunais
territorialmente competentes.

- Foro dos recursos - cf. art.º 83º do CPC.


Os recursos são interpostos para o tribunal a que está hierarquicamente
subordinado aquele que proferiu a decisão.

- Foro do réu / regra geral - cf. art.º 80º do CPC.


Este artigo prevê como regra geral o foro do réu, ao estabelecer que “em todos
os casos não previstos nos artigos anteriores ou em disposições especiais é
competente o tribunal do domicílio do réu”, com as exceções e adaptações
previstas nos nºs. 2 e 3 deste artigo e nos arts. 81º e 82º do CPC.

6.7.4. Modificação das regras de competência

As partes podem modificar, dentro de certos limites, as regras da competência


fixadas na lei.

A modificação da competência traduz-se na atribuição, por acordo das partes,


a um tribunal de competência para decidir determinada questão, para a qual a

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Processo Civil I / Processo Civil Declarativo 2020/2021

não teria, por aplicação das regras legais. Assim, as partes estipulam, por
acordo, qual o tribunal competente para resolver determinado litígio, que não
seria se se aplicasse as regras legais de competência. As partes podem afastar,
portanto, a competência do tribunal estabelecida por lei.

Nos termos do art.º 95º, 1ª parte, as regras de competência em razão da


matéria, da hierarquia, do valor e da forma de processo, nunca podem ser
afastadas por vontade das partes. No entanto, de acordo com a mesma
disposição legal, é permitido às partes afastar a aplicação das regras de
competência em razão do território, por convenção expressa, salvos nos casos
a que se refere o art. 104º do CPC. Ora, de acordo com o art.º 104º nº 1 do CPC,
a incompetência em razão do território deve ser conhecida oficiosamente pelo
tribunal nos casos aí referidos.

O acordo das partes, quanto ao afastamento das regras de competência em


razão do território, deve satisfazer os requisitos de forma do contrato que é
fonte da obrigação, contanto que seja reduzido a escrito, isto é, deverá constar
de documento assinado pelas partes, ou ser emergente de troca de cartas,
telex, telegramas ou outros meios de comunicação de que fique prova escrita -
cf. art.º 94.º nº2 e nº4 e 94.º nº4 do CPC. Deve igualmente designar as questões
sobre as quais a convenção incide, a qual pode ser feita pela especificação do
facto jurídico suscetível de as originar.

A competência fundada na estipulação convencional é tão obrigatória como a


que resulta da lei, o que significa que a preterição da convenção validamente
celebrada, implica a incompetência do tribunal.

6.7.5. Violação das regras de competência.

A competência do tribunal constitui um verdadeiro pressuposto processual. E,


na sua falta, estaremos na presença de um caso de incompetência, o que

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constitui uma irregularidade ou vício processual. Em regra, a verificação desta


irregularidade processual impede o tribunal de apreciar o mérito da causa.

O CPC, nos seus arts. 96.º a 108.º, sob a epígrafe "Das garantias da
competência", estabelece um conjunto de normas destinadas a sancionar esta
irregularidade processual e a garantir a verificação deste pressuposto.

A violação das regras de competência dos tribunais na propositura da ação, não


acarreta sempre as mesmas consequências.

A lei distingue duas categorias de incompetência, de acordo com a importância


atribuída às normas infringidas: a incompetência absoluta e incompetência
relativa.

6.7.5.1. Incompetência absoluta

A incompetência absoluta resulta da infração das regras de competência em


razão da matéria, da hierarquia e das regras de competência internacional - cf.
art.º 96.º do CPC.

Trata-se da forma mais grave de incompetência, já que o que está em causa é


a violação das regras intimamente relacionadas com os princípios fundamentais
da organização do Estado, estabelecidas por razões de interesse e de ordem
pública. É por esta razão que a vontade das partes é irrelevante quanto à
fixação da competência interna em razão da matéria e da hierarquia.

A violação das regras de competência internacional verifica-se quando uma


ação é proposta em tribunal português incompetente segundo as regras dos
arts. 62.º e 63.º do CPC, ou quando a ação é proposta em tribunal estrangeiro
legalmente incompetente.

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Processo Civil I / Processo Civil Declarativo 2020/2021

Se a ação foi proposta em tribunal estrangeiro legalmente incompetente, a


violação será sancionada quando a sentença do tribunal estrangeiro
incompetente for sujeita a revisão pelos tribunais portugueses competentes
para efetuar a revisão.

a) Legitimidade para arguir a incompetência absoluta

Devido à sua gravidade, a incompetência absoluta pode ser invocada por


qualquer das partes no processo, inclusive pelo próprio autor que lhe deu causa,
e deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal, em qualquer estado do
processo, enquanto não houver sentença com trânsito em julgado sobre o
mérito da causa - cf. art.º 97.º do CPC.

O nº2 do mesmo artigo contém uma regra especial. No caso de violação das
regras de competência em razão da matéria, que apenas respeitem a tribunais
judiciais, a incompetência só pode ser suscitada oficiosamente até ser proferido
despacho saneador ou não havendo, até ao início da audiência final.

O despacho saneador é o despacho no qual o juiz vai verificar, com um especial


cuidado, se na ação estão reunidos todos os pressupostos processuais exigidos
por lei. De qualquer forma, de acordo com o art.º 98.º do CPC, a incompetência
absoluta pode ser arguida antes mesmo de ser proferido este despacho.

O juiz pode optar entre conhecer imediatamente da incompetência absoluta ou


relegar a apreciação desta questão para o despacho saneador. Porém, se a
incompetência for arguida depois de proferido despacho saneador, o juiz deve
conhecer logo da arguição.

b) Efeitos da incompetência absoluta

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A incompetência absoluta, determina em regra, a inutilidade de todos os atos


praticados no juízo incompetente. Mas, as consequências processuais podem
variar em função do estado em que se encontra o processo.

A regra é a de que os articulados já apresentados são inaproveitáveis, uma vez


que, de acordo com o nº 1 do art.º 99.º do CPC, a verificação desta
incompetência implica a absolvição do réu da instância ou o indeferimento
liminar quando o processo o comportar. Porém, o nº2 prevê uma regra
excecional, nos termos da qual os articulados podem ser aproveitados, desde
que se verifiquem os seguintes requisitos:
- Haja acordo das partes sobre o aproveitamento;
- E o autor requeira a remessa do processo para o tribunal em que a ação devia
ter sido proposta.

De acordo com o disposto no art.º 100.º do CPC, a decisão sobre incompetência


absoluta, não tem, em regra, valor algum fora do processo em que foi proferida,
mesmo que transite em julgado. Significa isto que a decisão proferida sobre a
incompetência absoluta tem apenas força de caso julgado formal e não
material.

Esta norma legal não apresenta qualquer exceção, se se tratar de violação das
regras da competência internacional dos tribunais portugueses. Porém,
tratando-se da violação das regras da competência interna em razão da matéria
e da hierarquia, a parte a quem interessar fixar definitivamente a competência,
com valor de caso julgado material, tem de suscitar, em primeiro lugar e por
via de recurso, para a Relação, uma decisão desse tribunal que reconheça essa
incompetência.

Posteriormente e após a decisão da Relação que reconheça a incompetência,


deverá interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que decidirá em
definitivo qual o tribunal competente.

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Processo Civil I / Processo Civil Declarativo 2020/2021

6.7.5.2. Incompetência relativa

O regime da incompetência relativa é consideravelmente menos gravoso do que


o da incompetência absoluta, porque naquela estão apenas em causa interesses
particulares das partes.

A incompetência relativa verifica-se quando o autor intenta a ação judicial num


tribunal, infringindo as normas relativas à competência em razão do valor da
causa, da forma de processo aplicável, das regras de competência territorial e
quando houver preterição das convenções previstas – cf. art.º 102.º do CPC

a) Legitimidade para arguir a incompetência relativa

Em regra, a incompetência relativa não é do conhecimento oficioso, e só pode


ser arguida pelo réu. Não pode, portanto, ser arguida por quem lhe deu causa.
No entanto, caso o réu pretenda invocar esta falta, terá que o fazer dentro do
prazo que tem para contestar (30 dias).
Caso não o faça até este momento, já não o poderá fazer mais tarde
considerando-se o vício sanado - cf. art.º 103.º do CPC.
Quando a incompetência relativa seja arguida pelo réu, a lei permite ao autor,
ao abrigo do princípio do contraditório, responder-lhe. – cf. n.º 3.

Existem, contudo, casos excecionais em que a incompetência relativa pode e


deve ser conhecida oficiosamente pelo tribunal. São os casos enumerados no
art.º 104º do CPC.
A justificação do conhecimento oficioso nestes casos, reside em razões de
interesse público e de boa administração da justiça. Pretende-se, em todos
estes casos, que o tribunal que julga a ação seja aquele que se encontra mais
próximo de certos elementos essenciais da causa para melhor conhecimento da
situação de facto relevante para a decisão.

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b) Efeitos da incompetência relativa

O julgamento da incompetência relativa apenas interessa à fixação do tribunal


competente para a preparação e julgamento da causa e não tem influência
alguma na validade dos atos processuais já praticados.

Depois de produzidas e apreciadas as provas apresentadas pelo réu para


comprovar a incompetência relativa, o juiz decide qual o tribunal competente
para a ação - cf. art.º 105.º do CPC.

Após a decisão do juiz transitar em julgado, considera-se definitivamente


resolvida a questão da competência, o que significa que esta decisão faz caso
julgado material – cf. nº2 do CPC.
Se o Juiz considerar o tribunal onde a ação foi proposta incompetente, o
processo deverá ser remetido para o tribunal competente – cf. n.º 3. Este é
pois, o efeito da incompetência relativa.

Da decisão que declare o tribunal incompetente cabe recurso de agravo, que


sobe imediatamente e nos próprios autos ao tribunal da Relação. Da decisão
que declare o tribunal competente, cabe igualmente recurso de agravo, que
neste caso subirá imediatamente e em separado ao tribunal da Relação.

Se suscitada a incompetência relativa, esta for julgada improcedente e se a


parte não recorrer, o processo prosseguirá o seu curso normal no tribunal em
que se encontrar pendente. O mesmo acontecerá se as partes não invocarem
esta incompetência dentro dos prazos que a lei lhes faculta ou se o juiz, nos
casos em que lhe é permitido, não suscitar oficiosamente esta incompetência,
dentro do momento a que a lei se refere.

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7. PROCESSOS DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA E CONTENCIOSA

Entre os processos especiais previstos na lei, contam-se os processos de


jurisdição voluntária – art.sº 986.º e ss do CPC. Portanto, os processos de
jurisdição voluntária são uma categoria de processos especiais.

Nestes processos, há um interesse fundamental tutelado pelo direito que ao


juiz apenas cumpre regular nos termos mais adequados, sendo que a sua função,
não é tanto o de intérprete e aplicante da lei, mas antes a de um verdadeiro
gestor de negócios que a lei coloca sob a fiscalização do Estado, através do
poder judicial.

Por contraposição aos processos de jurisdição voluntária existem os processos


de jurisdição contenciosa, os quais constituem a regra. Nestes, há um
verdadeiro conflito de interesses entre as partes, que ao tribunal incumbe
dirimir de acordo com os critérios estabelecidos no direito substantivo, ou seja,
nestes casos o tribunal é chamado a exercer a sua função jurisdicional, própria
dos órgãos judiciários, elaborando e formulando a solução concreta que decorre
do direito substantivo aplicável.

Mas, analisemos as diferenças fundamentais entre estes dois tipos de jurisdição.


A jurisdição voluntária implica o exercício de uma atividade essencialmente
administrativa enquanto que a jurisdição contenciosa implica o exercício de
uma atividade jurisdicional.

No processo de jurisdição voluntária o juiz pode investigar livremente os factos


(princípio da gestão processual e do inquisitório) de acordo com a diretriz
traçada no art.º 986.º nº2, não estando o juiz subordinado a critérios de
legalidade, devendo procurar antes, pela via do bom senso, a solução mais
adequada a cada caso. Verifica-se assim, a prevalência da equidade sobre a
legalidade estrita - art.º 987.º do CPC.

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As decisões tomadas não assumem, pela sua própria natureza força de caso
julgado, e por isso podem ser alteradas pelo juiz que as proferiu, logo que as
circunstâncias supervenientes ou ignoradas pelo julgador justifiquem a
modificação. Há ainda a referir, que não é admissível recurso para o Supremo
Tribunal de Justiça, quando a decisão do juiz se funde em critérios de
conveniência e oportunidade conforme vem disposto no art.º 988.º nº 2 do CPC.

Nos processos de jurisdição contenciosa o Tribunal tem de cingir-se, em regra,


aos factos alegados pelas partes (princípio dispositivo) – art.º 5.º do CPC.
De acordo com o disposto no art.º 613.º n.º 1 do CPC, o poder de julgar esgota-
se, em princípio, com a prolação da sentença, uma vez que o juiz exerce nestes
processos a sua verdadeira função jurisdicional. Depois de proferir a sentença
o juiz não pode alterá-la, a não ser nos casos expressamente previstos na lei.
Também não a pode alterar depois da decisão transitar em julgado, isto é, logo
que não seja suscetível de recurso ordinário, ou de reclamação nos termos dos
art.º 628.º do CPC.

No que diz respeito à impugnação das decisões judiciais nos processos de


jurisdição contenciosa, a regra é a da admissibilidade sistemática de recurso
até ao STJ.

Convém neste momento precisar os conceitos de caso julgado formal e


material. O caso julgado pressupõe o trânsito em julgado da decisão anterior.

Entende-se por caso julgado formal aquele que tem força obrigatória dentro do
processo, obstando a que o juiz, na mesma ação, altere a decisão proferida,
mas não impedindo que, noutra ação, a mesma questão concreta seja decidida
em termos diferentes pelo mesmo tribunal, ou por outro chamado a apreciar a
causa. Exemplo: na sequência de uma exceção dilatória invocada pelo réu em
sua defesa na contestação e julgada procedente, o juiz absolveu o réu da
instância. Neste caso, a decisão proferida refere-se exclusivamente à relação
processual, não havendo o conhecimento do mérito da causa.

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Processo Civil I / Processo Civil Declarativo 2020/2021

Caso julgado material ou substancial é o que tem força obrigatória dentro do


processo e fora dele, impedindo que o mesmo, ou outro tribunal, ou qualquer
outra autoridade, possa definir em termos diferentes o direito concreto
aplicável à relação material litigada. Nestes casos, o juiz conheceu do mérito
da causa, isto é, conheceu do objeto do processo, da questão de fundo,
resolvendo-a.

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8. PROCEDIMENTOS CAUTELARES

8.1. Introdução

Os tipos de ações referidas no art.º 10.º do CPC, designam-se por processos de


jurisdição definitiva uma vez que os seus autores, veem definitivamente
resolvido o litígio em causa. Assim, o juiz ao apreciar estas ações profere uma
decisão que visa resolver definitivamente o conflito de interesses que lhe foi
submetido.

A par das ações de jurisdição definitiva existe outro tipo de processos


designados por jurisdição provisória. São os procedimentos cautelares, também
denominados providências cautelares.
Os procedimentos cautelares são processos de jurisdição provisória já que aqui
o juiz profere, em princípio, uma decisão de carácter provisório, decisão esta
que se destina a produzir efeitos até ao momento em que se forme a decisão
definitiva. A decisão definitiva forma-se através das ações propriamente ditas.

8.2. Noção

Os procedimentos cautelares são os meios de que o titular do direito pode


lançar mão, nos termos do art.º 2º, n.º 2, 2.ª parte do CPC com o fim de
acautelar o efeito útil da causa.

Ora, os procedimentos cautelares visam precisamente impedir que durante a


pendência da ação declarativa ou executiva a situação de facto se altere, de
tal modo que a sentença nela proferida, embora favorável, perca a sua eficácia.
Assim, pretende-se evitar o chamado “periculum in mora”, isto é o prejuízo da
demora inevitável do processo.

Estes meios de tutela do direito, estão previstos em tese geral no art.º 2º, n.º
2, 2.ª parte do CPC e especialmente regulados nos arts. º 362º e ss. do CPC.

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Processo Civil I / Processo Civil Declarativo 2020/2021

Chamam-se procedimentos e não ações porque, por regra, careceram de


autonomia, ou seja, dependem de uma ação já proposta ou que deve ser
seguidamente proposta pelo requerente.

O procedimento cautelar é um processo judicial instaurado como preliminar a


uma ação ou na pendência desta, destinada a prevenir ou afastar o perigo
resultante da demora a que está sujeito o processo principal. Deste modo,
através de uma indagação rápida e sumária o juiz assegura-se da existência
provável do direito do requerente e emite uma decisão de carácter provisório,
que como já foi referido, destina-se a produzir efeitos até ao momento em que
se forme a decisão definitiva. Assim, cabe ao juiz verificar o seguinte:
- se é provável que o direito do autor exista, não se exigindo a prova concreta
da existência do direito, bastando que haja uma probabilidade séria desse
direito existir;
- se o direito do autor corre o risco de, com a demora da ação propriamente
dita, perder o seu efeito útil.

Em suma, os procedimentos cautelares são processos de natureza preventiva,


de carácter urgente e, por regra, não têm autonomia, ficando dependentes de
uma ação.

Por regra, se não for proposta a ação, de que dependem, oportunamente, ação
que pode ser intentada depois ou antes da providência, consoante o “periculum
in mora” surja antes ou depois de proposta a ação – art.º 364.º n.º 1, caduca a
providência cautelar – art.º 373.º do CPC, sem prejuízo dos arts.º 364.º e 369 a
371.º do CPC.

As providências cautelares têm uma estrutura simplificada de acordo com o seu


fim específico. Assim, o juiz não poderá exigir a prova da existência e da
violação do direito do requerente, nem a demonstração do perigo que o
procedimento tenta evitar. Em lugar da prova do direito, o juiz deverá
contentar-se com uma probabilidade séria da existência do direito. E, em vez

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da demonstração do perigo de dano, basta ao requerente mostrar ser fundado


o receio da sua lesão.

Em matéria de procedimentos cautelares, a lei 41/2013, introduziu alterações


importantes, das quais se destaca a inversão do Contencioso, estabelecida no
art.º 369º do CPC.
Este mecanismo permite que o juiz tenha a possibilidade de, a pedido do
requerente da providência cautelar, decidir sobre a existência do direito
acautelado, o que dispensa o requerente de intentar uma ação principal
declarativa, para o reconhecimento do mesmo, como acontece com a
restituição da posse, suspensão das deliberações sociais, alimentos provisórios
e embargo de obra nova.

Serão, pois de excluir a possibilidade de inversão do contencioso, nas


providências cautelares de natureza conservatória, como é o caso do arresto,
arrolamento e arbitramento de reparação provisória.

A inversão do contencioso poderá ser requerida até ao encerramento da


audiência final e deverá ser ordenada apenas quando:
a) Os factos auferidos durante o procedimento permitem ao juiz formar a
convicção segura acerca de existência do direito em questão;
b) A natureza da providência é adequada à realização da composição definitiva
do litígio.

Caso o pedido de inversão do contencioso seja deferido, o requerido apenas


poderá opor-se ao mesmo após o transito em julgado da ação, através da
impugnação da decisão da providência cautelar, nos 30 dias subsequentes à
notificação da mesma, sendo que, é possível que a providência cautelar seja
executada, uma vez que se consolidou na composição definitiva do litigio – art.º
371.º n.º 1 do CPC.

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Processo Civil I / Processo Civil Declarativo 2020/2021

8.3. Espécies de procedimentos cautelares

O procedimento cautelar pode ser comum (ou não especificado) e especificado


(ou nominado).

O procedimento cautelar comum está previsto nos arts. 362.º a 376.º do CPC, e
aplica-se a todos os casos em que não se aplique um procedimento
especificado, ou seja, quando ao caso concreto não se aplique nenhum dos
procedimentos cautelares especificados na lei.

Esta providência utiliza-se sempre que haja fundado receio de lesão grave ou
de difícil reparação do direito, destinando-se a evitar que a lesão se consuma
ou se venha a repetir - arts.º 362º nº1 e 368º nº1 do CPC. No entanto, se o
prejuízo que o requerido vai sofrer com a providência cautelar for
substancialmente superior àquele que o requerente pretende evitar com a
propositura do procedimento cautelar, o juiz não deve decretar a providência
-art.º. 368º nº2 e nº 3 do CPC.

Como este procedimento não é especificado o requerente da providência


cautelar poderá requerer que se ordene qualquer providência que se mostre
adequada ao caso concreto, a fim de evitar a lesão do direito e desde que o
risco de lesão não esteja especialmente prevenido por algum dos
procedimentos especificados - art.º 362º nº 3 do CPC.
Exemplo de uma providência não especificada: A. afirma ser titular de uma
servidão de passagem sobre o terreno de B. Este reconhece esta servidão, mas
alega que A. só poderá passar no seu terreno a pé e não de carro como ele
pretende. B. pretende intentar uma ação de simples apreciação para que o
tribunal declare que a servidão apenas permite a A. passar a pé. Entretanto, A.
tem continuado a passar no seu terreno de carro, estando a destruir,
gradualmente, uma plantação de orquídeas pretas pertencentes a B. e que são
especialmente raras. B. poderá requerer uma providência cautelar não
especificada na qual requer ao tribunal que, provisoriamente, proíba A. de
passar no seu terreno, porque ao fazê-lo está a destruir a sua plantação.

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Decretada a providência cautelar a favor de B., esta subsistirá até que haja
uma sentença na ação declarativa de simples apreciação.

8.3.1. Espécies de procedimentos cautelares especificados

Os procedimentos cautelares especificados e regulados no CPC são os que a


seguir se enumeram.

a) Restituição provisória da posse - arts.º 377.º a 379.º do CPC.

Tem lugar quando alguém tenha sido esbulhado violentamente da sua posse e
requer ao tribunal a restituição provisória da posse. Este procedimento cautelar
é muito peculiar porque aqui não se exige como pressuposto o perigo da
demora. É, contudo, exigido a violência do esbulho da posse.

O esbulho é uma noção dada a propósito dos direitos reais e consiste na privação
total ou parcial, contra a vontade do possuidor, da retenção ou fruição do
objeto possuído.

Caso o esbulho não tenha sido praticado com o uso de violência, o possuidor
esbulhado pode requerer um procedimento cautelar comum, exigindo a medida
que se mostrar adequada ao caso concreto - art.º 379.º do CPC.

b) Suspensão de deliberações sociais - arts. º 380.º a 383.º do CPC.

Tem lugar quando uma deliberação social é tomada pela maioria dos sócios,
deliberação esta violadora do pacto social, da lei ou ofensiva dos direitos dos
sócios. Neste caso, o sócio que se sente lesado pode requerer, no prazo de dez
dias, que seja suspensa a execução daquela medida, quando essa execução lhe
cause dano - art.º 380.º nº1 do CPC.

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c) Alimentos provisórios - arts.º 384.º a 387.º do CPC.

Neste caso, requer-se ao tribunal, que fixe provisoriamente os alimentos que


forem estritamente necessários ao requerente.

d) Arbitramento de reparação provisória - arts.º 388.º a 390.º do CPC.

Este procedimento cautelar especificado foi introduzido no CPC pela revisão


ocorrida em 1995 e 1996 e está dependente de uma ação de indemnização
fundada em morte ou lesão corporal.

Os lesados em consequência da morte de outrem ou de lesão corporal, podem


requerer que lhes seja arbitrada uma quantia certa, sob a forma de renda
mensal, a título da reparação provisória do dano por elas sofrido. O requerente
deste procedimento, deverá alegar e provar que se encontra numa situação de
necessidade ou carência, em consequência dos danos sofridos, e que se acha
indiciada a existência de uma obrigação de indemnizar a cargo do requerido.

e) Arresto - arts.º 391.º a 396.º do CPC.

O arresto consiste na apreensão judicial dos bens do devedor num momento em


que a obrigação ainda não foi incumprida, mas em que há um justo receio de
que isso venha a acontecer. Tem assim lugar quando o credor tenha fundado
receio de perder a garantia patrimonial do devedor.

De acordo com o disposto no art.º 601º do CC. a garantia geral do Direito das
Obrigações é o património do devedor suscetível de penhora. E, nos termos do
art.º 619º do mesmo Código, o arresto apresenta-se como um meio de
conservação da garantia patrimonial.

Este procedimento cautelar fica dependente de uma ação declarativa de


condenação, à qual se seguirá uma ação executiva para pagamento da quantia

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certa em que o réu foi condenado se este após a prolação da sentença, não
tiver acatado a decisão proferida.

Por outro lado, o arresto constitui uma antecipação da penhora, isto é,


arrestado o bem no processo declarativo, ele mantém-se até que o devedor se
decida a pagar, depois de condenado naquele processo. Se o devedor não pagar,
o arresto subsiste até ao processo executivo, altura em que esses bens
arrestados serão penhorados. No entanto, de acordo com o disposto no art.º
395.º do CPC., o procedimento cautelar caduca nas situações previstas no art.º
373.º e quando, após a sentença condenatória no processo declarativo, o
requerente não promova a ação executiva dentro dos dois meses seguintes ao
seu trânsito em julgado ou se, promovida a execução, o processo ficar sem
andamento durante mais de 30 dias, por negligência do exequente.

f) Embargo de obra nova - arts. º 397.º a 402.º do CPC.

Lança-se mão deste procedimento cautelar quando se pretende que o tribunal


decrete a suspensão da execução de uma obra, trabalho ou serviço novo, que
seja ofensivo de um direito e que tenha causado ou ameaçado causar prejuízo
ao titular de direito.

5.4.1.7. Arrolamento - arts. º 403.º a 409.º do CPC.

O arrolamento de bens traduz-se numa apreensão de certos bens que são


entregues a um depositário que responde pela sua conservação, devendo esses
bens ser previamente identificados e avaliados.

Pode ser requerida por qualquer pessoa que tenha interesse na conservação de
bens ou de documentos, quando haja justificado receio do seu extravio ou
dissipação
Exemplo: arrolamento prévio à ação de divórcio ou de separação judicial de
pessoas e bens para acautelar a partilha subsequente àquelas ações.

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O art.º 409.º nº3 do CPC, dispensa a alegação e prova do receio de extravio, no


arrolamento de bens como preliminar ou incidente da ação de separação de
pessoas e bens, divórcio e de declaração de nulidade do casamento.

Um credor, para obter a conservação dos bens do seu devedor, com a finalidade
de assegurar o pagamento do seu crédito, não poderá requerer arrolamento,
mas sim o arresto, salvo nos casos previstos no art.º 404.º nº 2 do C.P.C., ou
seja, nos casos em que haja lugar à arrecadação da herança - art.º 938.º a 940.º
do CPC.

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