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Murilo Teixeira Avelino

Processo
CIVIELNICO
VOLUM
na medida certa CURSOS
PARA CON

2023

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Capítulo 2

DAS NORMAS PROCESSUAIS CIVIS

\ Leia a lei:
ͳ Arts. 1º a 15 do CPC

1. PARTE GERAL DO CPC/15


O Código de Processo Civil regula as relações no processo para solução de disputas
judiciais. Tradicionalmente, como costuma acontecer desde os seus antecessores, a legis-
lação processual codificada brasileira trata das demandas individuais, deixando para as
leis esparsas o regramento do processo coletivo.

1.1. Normas fundamentais do processo civil


O CPC/15 é o primeiro Código de Processo Civil brasileiro que possui uma “parte geral”.
É aqui onde o código se dedica a um disciplinamento específico das normas fundamentais
do processo. Os doze primeiros artigos do código contemplam tais normas.
Muitos destes dispositivos, como se poderá perceber, consistem em reprodução de
dispositivos constitucionais. A finalidade é didática e retórica, como forma de reforçar a
importância dessas normas e a necessidade de sua aplicação. Não se olvide, a consagra-
ção das normas fundamentais em capítulo inaugural é desdobramento direto do processo
de constitucionalização do Direito Processual, recebendo as influências que irradiam dos
princípios constitucionais processuais. A força normativa da Constituição impõe aplicação
direta e imediata de tais normas.
Não se pode esquecer, todavia, que as normas fundamentais não se esgotam no
capítulo 1 da Parte Geral. Há outros direitos fundamentais processuais previstos na Cons-
tituição da República e que não foram trazidos expressamente pelo CPC/15, como o Devido
Processo Legal. Em suma, o rol de normas fundamentais trazido pelo CPC não é exaustivo.
Assim, os doze primeiros artigos do Código de Processo Civil estabelecem um pa-
norama, através da instituição de balizas a serem observadas na interpretação de todos
os preceitos normativos inscritos no CPC. Todos os olhares devem se voltar às normas
fundamentais do processo exatamente porque a leitura que segue deve ser feita sob
suas lentes.

1.2. Constitucionalização do processo civil


O art. 1º do CPC consagra o fenômeno de constitucionalização do Direito Processual
Civil. A Constituição passa a ser a instância que concentra as normas fundamentais do
processo e de tantos outros ramos do Direito.

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Art. 1º O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as


normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, ob-
servando-se as disposições deste Código.

Há uma nuance a ser percebida: a parte geral do CPC não se refere somente a prin-
cípios processuais. O termo “normas” é utilizado como gênero do qual há duas espécies:
os princípios e as regras. Não há mais como, em qualquer ramo jurídico, trabalhar sem
distinguir tais espécies normativas. O CPC menciona normas fundamentais, que podem
ser princípios ou regras.
Resta uma observação a ser feita: o art. 1º contém um problema ao utilizar a expres-
são “valores”. Como se sabe, o “valor” possui um caráter axiológico e não normativo. O
juiz não pode julgar com base em valores, mas sim com base em normas. Dessa forma, a
expressão “valor” contida no art. 1º do CPC/2015 não possui qualquer finalidade norma-
tiva, conquanto espelhe um vetor interpretativo para os demais preceitos codificados.

1.3. Princípios e regras processuais civis

1.3.1. Princípio do Devido Processo Legal


O princípio do Devido Processo Legal é um instituto medieval, datado, para a maioria
dos autores, do sec. XIII, na Magna Carta de João Sem-Terra de 1215.
A Constituição da República consagra em seu artigo 5º, inciso LIV, o devido processo
legal. Este princípio objetiva o controle do exercício do poder pelo Estado, na ideia de
que o Direito vincula até a mais alta autoridade. A vinculação do governante à lei é a
primeira semente do que vem se entender por Estado de Direito, nascendo o devido pro-
cesso legal como um instrumento de combate à tirania.
Extrai-se do dispositivo o direito fundamental a um processo devido. O Devido
Processo Legal é compreendido em duas dimensões, formal e substancial.
A dimensão formal é chamada de Devido Processo Legal Procedimental, preenchida
por um conjunto de garantias processuais que decorrem desse princípio. O Devido Proces-
so Legal é o princípio fonte dos demais princípios processuais abarcados tanto no próprio
texto da Constituição quanto no CPC. O chamado procedural due process tem por função
garantir uma prestação jurisdicional justa, efetiva, adequada, em contraditório e inseri-
da no ambiente dialógico que hoje impõe a fase metodológica do processo cooperativo.
Pode-se dizer, assim, que através do Devido Processo Legal e das demais garantias dele
decorrentes assegura-se a máxima participação aos sujeitos do e no processo.
A dimensão substancial, por sua vez, é chamada de Devido Processo Legal Material
ou Substantivo e nasceu da jurisprudência norte-americana. No Brasil, o Supremo Tribunal
Federal é responsável por afirmar o seu conteúdo normativo: a exigência de proporcio-
nalidade e razoabilidade nas decisões judiciais. Nesse sentido, o julgamento proferido
na ADI nº 1231/DF.
Preencher a cláusula geral do devido processo legal com os postulados de razoabilida-
de e proporcionalidade permite o controle da incidência dos direitos fundamentais tanto
em sua perspectiva vertical (= relação Estado – sujeito privado) quanto horizontalmente
(= relação sujeito privado – sujeito privado).

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ATENÇÃO
O Devido Processo Legal abrange os processos administrativo, legislativo e
jurisdicional. É que nenhuma norma que tenha por fonte o exercício de poder normativo
pode ser produzida sem observância do devido processo legal, garantia indispensável
ao controle do exercício do poder (DIDIER Jr., Fredie. 2016, pp. 65-66).

1.3.2. Princípio Dispositivo e Princípio Inquisitivo


O art. 2º do CPC contempla a regra da provocação ou demanda, contraparte da cha-
mada regra da inércia, tradicional no sistema processual brasileiro e consagra, ao menos
no que refere ao início do processo, o princípio dispositivo. O processo começa por ini-
ciativa da parte, pois a jurisdição é inerte.
Por outro lado, uma vez iniciado, o processo se desenvolve por impulso oficial, ou
seja, independentemente de provocação. Esta regra, também tradicional no sistema bra-
sileiro, consagra o princípio inquisitivo no que refere ao desenvolvimento do processo.
O preceito normativo faz uma ressalva para as exceções previstas em lei. Ou seja, é
possível que certos procedimentos se iniciem de ofício, desde que haja previsão expressa
em lei. São exemplos no CPC: i) art. 712 (restauração de autos) e ii) art. 738 (arrecada-
ção de herança jacente).
É possível, no mesmo sentido, que o processo não se desenvolva por impulso oficial.
Observe-se, por exemplo, que para o cumprimento de sentença relativa a obrigação pecu-
niária, é necessária a provocação, não havendo impulso oficial (art. 513, § 1º c/c art. 523).
Alguns incidentes processuais podem ser instaurados de ofício, como o incidente para
arguição de inconstitucionalidade (art. 948 e ss.), que provoca a remessa para o plenário
ou órgão especial do tribunal; o conflito de competência (art. 951 e ss.); o incidente de
resolução de demandas repetitivas (IRDR, art. 976 e ss.). Todavia, o início do processo
exige, em regra, a provocação da parte.
De todo modo, mantém-se a regra tradicional de que é necessária a provocação do
autor para que haja iniciado o processo, salvo quando a lei prevê de forma diversa, ad-
mitindo o início do processo por impulso oficial.

1.3.3. Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição


O art. 3º, caput, reproduz a previsão inscrita no art. 5º, XXXV da Constituição da Re-
pública, dispondo que não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.
Trata-se de princípio constitucional processual explícito, que garante o acesso à ju-
risdição para a proteção de qualquer direito ameaçado ou lesado. Em outras palavras,
garante-se a tutela preventiva e a tutela repressiva. Não se pode impor barreira jurídica
ou financeira aos sujeitos que buscam a tutela dos seus direitos através do processo. A
previsão da assistência judiciária gratuita e da Defensoria Pública como função essencial
à justiça é desdobramento direto do princípio.
Deve-se remover qualquer obstáculo financeiro, temporal ou técnico que afaste o ci-
dadão da Jurisdição.

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POSIÇÃO DO STF
Enunciado nº 667 da Súmula do STF. “Viola a garantia constitucional de acesso à
jurisdição a taxa judiciária calculada sem limite sobre o valor da causa”.

1.3.4. Dever de Estímulo à Autocomposição


O art. 3º, §§ 1º a 3º, garantem a opção pela arbitragem e estabelecem um dever de
estímulo à autocomposição.
Ao impor o dever de promoção da autocomposição aos sujeitos que atuam no pro-
cesso, o CPC fomenta a aplicação dos métodos de solução consensual dos conflitos, pas-
sando a compreender que a solução concertada entre as partes é a melhor solução que se
pode obter. O tema tem ligação umbilical com o chamado processo multiportas (tratado
no capítulo supra).
Nota-se que a busca pela solução consensual deve ocorrer no processo e fora dele
(“inclusive no curso do processo judicial”). Em outros termos, busca-se reduzir a litigio-
sidade típica da cultura processual brasileira judicial e extrajudicialmente.

1.3.5. Princípio da Razoável Duração do Processo


O Princípio da Razoável Duração do Processo está inscrito no art. 4º do CPC junto a
mais outros dois princípios: efetividade (consagrado também no art. 6º) e primazia do
julgamento do mérito.
A duração razoável do processo é princípio regente da atividade jurisdicional. Um
processo para ser devido deve durar o tempo razoável. O respeito ao princípio impõe que
não se admitam supressão de etapas necessárias ou dilações indevidas e inúteis (CUNHA,
Leonardo Carneiro da. 2012, p. 86).
Não há critérios objetivos para se calcular o tempo ideal de duração do processo.
“Duração razoável” é um conceito jurídico indeterminado e, portanto, será preenchido
concretamente, caso a caso. Importa que o processo judicial ou administrativo se desen-
volva sem dilações indevidas.
É comum a referência a “Princípio da Celeridade” em virtude da menção à celeridade no
próprio texto da Constituição, no artigo 5º, inciso LXXVII e no art. 2º, da Lei 9.099/95.
Contudo, a doutrina é tranquila no sentido de que não se deve compreender a celeridade
como a obrigação de o processo ser rápido. Processo efetivo e adequado não é processo
célere, mas o processo que dure o tempo necessário à formação de uma decisão justa e
efetiva para o caso concreto. Nem mais, nem menos. Está lição está clara no art. 6º do CPC.
Por isso não se deve falar em princípio da celeridade. O processo não tem que
ser rápido. Conciliar o princípio da razoável duração do processo com o valor celeridade
significa ponderar a celeridade com a necessidade de segurança jurídica, previsibilidade
e adequação.

1.3.6. Princípio da Primazia do Julgamento do Mérito


O Princípio da Prevalência, Prioridade ou Primazia do Julgamento do Mérito também
tem base no art. 4º do CPC, quando dispõe a respeito da “solução integral do mérito”.
Trata-se de uma das principais inovações do CPC/15. Significa que o magistrado deve
empreender todos os esforços para julgar o mérito e solucionar o conflito. Se houver um

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vício, uma irregularidade ou um defeito deve-se buscar sua correção ou convalidação. O


CPC/15 impõe, assim, sejam superados os vícios de forma para que o mérito seja apreciado.
A solução do mérito sempre prefere à solução sem mérito. Trata-se de consagração
da teoria moderna das invalidades processuais (tratada pormenorizadamente no capítulo
dedicado ao tema). Meros defeitos de forma não servem à invalidação dos atos proces-
suais praticados se estes atingiram suas finalidades. Para que haja decretação de uma
invalidade processual, será necessário demonstrar além do defeito, o prejuízo causado.
Há várias regras espalhadas ao longo do CPC/15 que concretizam esse princípio. Den-
tre tantas, podemos citar como exemplo: art. 139, IV; art. 339; art. 331; art. 64, § 3º;
art. 932, parágrafo único.
O juiz deverá empreender todos os esforços para que o mérito seja julgado. Atos de-
feituosos, quaisquer que sejam, podem ser aproveitados se sua finalidade é atingida.
O processo só será extinto sem mérito (art. 485) quando for impossível corrigir o defeito
e se debruçar sobre o mérito.
O princípio denota a finalidade primordial do processo: gerar a solução integral do
mérito. A partir de então, é possível verificar que as demais normas fundamentais são
estruturadas de acordo com essa finalidade.

1.3.7. Princípio da Boa-fé


O processo, para ser devido, há de ser leal. O CPC/15 impõe lealdade de conduta a
todos aqueles que participam do processo. É como dispõe o art. 5º, ao prever que aquele
que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.
A boa-fé processual é uma boa-fé comportamental. O comportamento do sujeito,
independentemente de sua intenção, deve ser transparente, leal e a conduta não deve
ser contraditória. Se o sujeito causa uma expectativa legítima, não pode depois frustrá-
-la indevidamente. Estamos tratando de boa-fé objetiva, que não se confunde com a
boa-fé subjetiva.
A boa-fé objetiva é espelhada pela atuação leal, é uma norma que impõe um deter-
minado padrão de conduta considerado como probo e legítimo. Não possui relação com
o elemento psíquico do sujeito. A intenção não importa para a verificação da boa-fé ob-
jetiva. Importa que se exteriorize uma conduta leal
Já a boa-fé subjetiva é um estado mental, psicológico, de acreditar que se está
atuando com lealdade e probidade. Este fato é muitas vezes levado em consideração pelo
legislador como pressuposto de incidência normativa. É o que se dá, por exemplo, no
regime da posse de boa-fé ou de má-fé, quando se diz que “o possuidor de boa-fé tem
direito aos frutos”.
É a boa-fé objetiva que informa o processo como norma de conduta, impondo um
modo de agir, independentemente de boas ou más intenções.
A boa-fé objetiva cria deveres de conduta, como o de lealdade e a proibição do com-
portamento contraditório, mas também cria deveres de cooperação. Todos devem coope-
rar para que se alcance a finalidade desejada, a solução integral do mérito, com duração
razoável. Se a parte protela ou cria dificuldades infundadas para o exame do mérito, não
está atuando de acordo com a boa-fé.
É possível destacar quatro desdobramentos decorrentes da boa-fé objetiva: i) proibição
de condutas dolosas; ii) proibição do abuso de direito; iii) proibição de comportamento
contraditório; e iv) supressio processual (= perda de uma situação jurídica em razão do
seu não exercício reiterado).

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1.3.8. Princípio da Cooperação


O art. 6º consagra o princípio da cooperação. Além de orientar toda a atividade den-
tro do processo, ele serve de fundamento do novo modelo de processo cooperativo – que
torna todos os sujeitos processuais paritários no diálogo. Juiz e partes são igualmente
protagonistas do processo, sem perder suas identidades e respectivas prerrogativas de
atuação. Cria-se um ambiente de diálogo e cooperação, onde todos contribuem para a
melhor decisão possível. Em outras palavras, o processo se torna uma comunidade de
trabalho, devendo atuar todos os sujeitos, inclusive o magistrado, em busca de uma de-
cisão de mérito justa e efetiva.
A decisão justa mencionada no dispositivo é aquela que atende às garantias fundamen-
tais do processo, isto é, o contraditório foi respeitado, não houve produção de prova ilícita,
houve duração razoável, houve cooperação, enfim, respeitou-se o devido processo legal.
A doutrina reconhece a existência de quatro deveres que decorrem da cooperação:
• Dever de esclarecimento – impõe-se tanto às partes quanto ao magistrado, reciproca-
mente, um dever de amplo debate. O sujeito deve deixar claro o que quer e porque
quer. O juiz também tem o dever de esclarecimento. Em razão disso, por exemplo,
o magistrado deve deixar claros os pontos controversos da demanda na decisão de
saneamento, sem espaço para dúvidas.
• Dever de prevenção – trata-se de um dever do juiz para com as partes. O magistrado
deve prevenir as partes dos riscos em praticar determinada conduta ou de não pra-
ticar um ato que se lhe está sendo exigido. Esta conduta contribui para que sejam
eliminados vícios e corrigidas as irregularidades, evitando-se a extinção prematura
do processo, sem resolução do mérito. Por exemplo, no momento da intimação da
parte autora para emenda da petição inicial (art. 321), o juiz dever especificar o
que é necessário para regularização e deve advertir qual será a consequência pelo
descumprimento.
• Dever de consulta – o juiz deve consultar as partes para decidir algum ponto sobre
o qual não houve debate no processo. Imagine-se, por exemplo, que em uma ação o
juiz observa uma ilegitimidade de parte. Esta matéria pode ser conhecida de ofício
pelo magistrado. Ocorre, todavia, que nenhuma das partes se manifestou a respeito.
O juiz deve, antes de julgar a matéria, permitir que as partes discutam o tema, ma-
nifestando-se a respeito dos detalhes e circunstâncias. Caso o juiz analise a matéria
sem que dê prévia oportunidade para as partes debaterem a questão, configurar-se-á
a chamada decisão surpresa. Veja-se o art. 10 do CPC/15:

Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a
respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se
trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.

O dispositivo trata exatamente do dever de consulta decorrente do princípio da coo-


peração. O juiz não poderá proferir decisão surpresa, trazendo argumentos que não
foram levados a debate. É indispensável que as partes não se surpreendam com o
conteúdo da decisão.
• Dever de auxílio – intimamente ligado à isonomia, impõe ao magistrado a promoção
da paridade de armas em seu aspecto substancial no processo, removendo-se os
obstáculos processuais que as partes enfrentem. O § 1º do art. 319 é exemplo de um
dever de auxílio do magistrado. Caso o autor não tenha condições de indicar alguns

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dos dados necessários à petição inicial, cabe ao juiz, exercendo o dever de auxílio
decorrente do princípio da cooperação, determinar a realização de diligências desti-
nadas à sua obtenção.

Observe-se que o princípio da cooperação informa um novo modelo de processo e


reduz, de certa forma, o protagonismo do juiz. O magistrado continua tendo o poder de
conhecer determinadas matérias de ofício, de impor suas decisões. Porém, na construção da
decisão, é valorizado o debate processual, para que se obtenha a melhor decisão possível.
Os deveres decorrentes da cooperação atuam em ampla comunicação com as demais
normas fundamentais do processo. O dever de consulta, por exemplo, repercute no próprio
redimensionamento do contraditório, que deixa de ser meramente formal (simples bila-
teralidade de audiência), para ser encarado sob a perspectiva substancial. O princípio do
contraditório passa a ser encarado também como garantia de influência e não surpresa.

1.3.9. Princípio da Efetividade


O Princípio da Efetividade encontra previsão nos supramencionados arts. 4º e 6º do CPC.
Em direito, quando se trata da efetividade, está a se referir ao cumprimento das nor-
mas jurídicas, não se relaciona necessariamente com o tempo de duração do processo.
Quando os destinatários da norma a cumprem, esta é considerada efetiva.
Para que o processo seja efetivo é necessário que o sistema processual possua instru-
mentos coercitivos aptos a forçar o cumprimento das decisões da forma como se houvesse
adimplemento espontâneo. O nosso ordenamento institui diversos instrumentos coerciti-
vos, como a cláusula geral executiva consagrada no art. 139, IV.

1.3.10. Princípio da Isonomia


O art. 7º do CPC reforça a isonomia no processo, ao assegurar paridade de tratamen-
to (igualdade formal) e determinar que o juiz reequilibre as partes que se encontrem em
desequilíbrio (igualdade substancial). Veja-se o dispositivo:
Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e
faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções
processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.

No que refere à igualdade formal, verifica-se que as partes têm direito ao mesmo
tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de
defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais.
No aspecto da igualdade material, consagra-se a noção Aristotélica de tratar igual-
mente os iguais e desigualmente os desiguais na exata medida de suas desigualdades. Ao
magistrado incumbe assegurar às partes igualdade de tratamento (art. 139, I). Assim, o
juiz pode adaptar o procedimento para concretizar a paridade de armas e oportunidade
no processo, reduzindo o desequilíbrio entre os litigantes. Por exemplo, é possível que o
juiz inverta o ônus da prova face à excessiva dificuldade para uma das partes produzi-la,
seja porque se trata de prova diabólica, seja porque o sujeito é hipossuficiente (art. 373).
Por fim, deve-se chamar atenção a um importantíssimo elemento de igualdade con-
sagrado no CPC: o dever de os Tribunais uniformizarem a jurisprudência e mantê-la está-
vel, íntegra e coerente (art. 926). É que os precedentes servem à regulação de situações
semelhantes entre si. Assim, manter a jurisprudência íntegra, estável e coerente, além de
reforçar à segurança jurídica, dá ao jurisdicionado a garantia de que o seu caso será tra-

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tado da mesma forma que os casos anteriores, protegendo-se a expectativa legítima em


sua forma de atuar. O sistema de precedentes reforça a isonomia material no processo.

1.3.11. Princípio do Contraditório


O Princípio do Contraditório está consagrado no art. 5º, LV, da Constituição Federal
e garante aos litigantes o direito de exercer todos os meios de defesa à disposição, na
busca do convencimento do juiz. No CPC, é previsto no art. 7º, conquanto possua um
dispositivo dedicado somente a ele. Trata-se do art. 9º, caput, do CPC:
Art. 9º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.

O contraditório não significa mera bilateralidade de audiência. Contraditório significa


direito de influência e vedação de decisão-surpresa. Ele determina que não se profe-
rirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida, ou seja, não se
permite que o jurisdicionado seja surpreendido com uma decisão desfavorável sem que
antes haja tido oportunidade de se manifestar.
O Princípio do Contraditório deve ser analisado em duas dimensões, uma formal e
uma substancial. A dimensão formal deste princípio garante a participação no processo.
É o direito de ser ouvido efetivamente no decorrer dos atos do procedimento.
A dimensão substancial é o direito de influenciar efetivamente a decisão do magis-
trado, o que se chama de contraditório efetivo. Tais facetas são complementares, afinal,
de nada adiantaria a oportunidade de participar (aspecto formal), se não houver a pos-
sibilidade de influenciar a decisão.
O contraditório, em sua perspectiva substancial, relaciona-se com o dever de funda-
mentação aprofundada e adequada (art. 489, § 1º). É na fundamentação da decisão que
o magistrado demonstra ter levado em consideração e analisado, para acatar ou rejeitar,
os argumentos trazidos pelas partes.
Outrossim, o viés substancial desse princípio possui íntima relação com o princípio
da cooperação, especialmente no que refere aos deveres de esclarecimento e consulta.
Essa constatação não implica qualquer confusão: o contraditório informa a cooperação,
e vice-versa. É possível afirmar que os deveres decorrentes da cooperação também deri-
vam do contraditório.
Deve-se, ainda, considerar um detalhe: o art. 9º só exige a prévia manifestação quan-
do houver risco de decisão contrária à parte. O contraditório exigido é o contraditório
útil, isto é, o que seja apto à proteção das partes, que não podem ser surpreendidas com
decisões prejudiciais sem que tenham a oportunidade de se manifestar.
O contraditório, da forma como recepcionado pelo CPC, conforme sobredito, abarca
diversos elementos de participação do processo, trazendo o juiz para o debate proces-
sual no mesmo degrau das partes. A decisão judicial, para ser legítima, deve ser fruto
da participação de todos os atores processuais, sendo inadmissível decisão surpresa.

ATENÇÃO
Quanto à possibilidade do conhecimento de ofício de algumas matérias, inclusive de
fato, deve-se atentar a uma distinção:
a) conhecer de ofício = o magistrado traz à tona, sem provocação, questão não arguidas
pelas partes. Admite-se em certas hipóteses, especialmente questões de ordem pública;
b) decidir de ofício = decidir sem ouvir as partes. Decidir de ofício é vedado pelo CPC.

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Assim, ainda que possa conhecer de ofício determinadas matérias de fato ou de direito
(p.ex., prescrição ou incompetência absoluta), o magistrado não pode decidir de ofício.
Deve sempre permitir o contraditório, intimando as partes para se manifestarem.

1.3.12. Princípio da Proporcionalidade e Princípio da Razoabilidade


O art. 8º do CPC/15 apresenta um emaranhado de princípios regentes do processo civil.
O dispositivo determina que a aplicação da ordem jurídica deve se fazer de acordo
com os fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando-se e promovendo-se
a dignidade da pessoa humana. Tratam-se de conceitos jurídicos indeterminados. Não
é possível definir com certeza o seu conteúdo normativo. É possível, todavia, vislum-
brar regras promocionais da dignidade da pessoa humana, como aquelas que tratam da
impenhorabilidade do bem de família, do salário ou do bem que o sujeito utiliza para o
exercício da profissão (art. 833).
A parte inicial do dispositivo ora em comento é uma regra de interpretação semelhante
ao art. 5º da LINDB (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). A proporcionali-
dade e a razoabilidade, por sua vez, são acrescentadas como elementos de interpretação.
Remetemos ao tópico a respeito do Devido Processo Legal, onde podemos identificar pro-
porcionalidade e razoabilidade como conteúdo deste princípio.

1.3.13. Princípio da Legalidade


O art. 8º, inicialmente, reproduz o art. 5º da LINDB, retirando o termo “lei” e o
substituindo por “ordenamento jurídico”; parte-se da ideia de que não mais se está no
paradigma legalista, mas de todo o ordenamento. O magistrado aplica a ordem jurídica
e não somente a lei. As fontes normativas são amplas e não se resumem a esta espécie
de fonte formal chamada de lei. Esta, inclusive, é uma perspectiva que acompanhou o le-
gislador de 2015 em diversos dispositivos. Por exemplo, o Ministério Público não é mais
“fiscal da lei”, mas “fiscal da ordem jurídica” (art. 176).
Na parte final do art. 8º determina-se que o juiz respeite a legalidade, a publicidade
e a eficiência. Nesse ponto, o CPC não manteve a metodologia atual, referindo-se, de for-
ma anacrônica, à legalidade. Atualmente, o juiz julga de acordo com o amálgama formado
pela Constituição, leis, precedentes, convenções internacionais, negócios jurídicos etc. e
não apenas de acordo com a lei. Neste sentido, deve-se evitar contemporaneamente falar
em legalidade, preferindo-se o termo juridicidade.

1.3.14. Princípio da Publicidade


O Princípio da Publicidade é ressaltado em diversos momentos no CPC. Além de constar
no art. 8º, o art. 11 é completamente destinado ao referido princípio:
Art. 11. Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamen-
tadas todas as decisões, sob pena de nulidade.
Parágrafo único. Nos casos de segredo de justiça, pode ser autorizada a presença somente
das partes, de seus advogados, de defensores públicos ou do Ministério Público.

O art. 11, caput, reproduz duas normas constitucionais, que são o princípio da pu-
blicidade e a exigência de fundamentação de todas as decisões, sob pena de nulidade
(art. 93, IX). O parágrafo único ressalva os casos de segredo de justiça, ampliando auto-

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60 PROCESSO CIVIL – NA MEDIDA CERTA PARA CONCURSOS • MURILO TEIXEIRA AVELINO

rização para a presença dos defensores públicos e do Ministério Público, além das partes
e dos advogados. A publicidade também é tratada nos arts. 26, 189 e outros do CPC.
A publicidade tem dupla perspectiva:
PUBLICIDADE INTERNA PUBLICIDADE EXTERNA
É a publicidade “para dentro” do processo. É a É a publicidade “para fora” do processo. Em regra,
garantia de que as partes e seus procuradores todo processo é público e qualquer um da socie-
sempre terão acesso ao conteúdo dos autos e a dade pode ter acesso. Todavia, algumas matérias
possibilidade de participação e acompanhamento mais sensíveis exigem que o processo tramite
dos atos processuais praticados. A publicidade em segredo de justiça. Tais hipóteses estão no
interna não admite limitações. art. 189 do CPC. Assim, a publicidade externa
admite limitações.

1.3.15. Princípio da Eficiência


Por fim, o art. 8º dispõe sobre o Princípio da Eficiência. No sistema jurídico brasileiro,
o art. 37, caput, da Constituição Federal, já determina a aplicação da eficiência à Adminis-
tração Pública de qualquer dos Poderes, reforçando a ideia de uma administração gerencial.
O CPC/15 determina que, no exercício da atividade jurisdicional (e não apenas da
atividade administrativa do Cartório), o juiz deve ser eficiente. Exige-se uma relação po-
sitiva entre os meios empregados e os resultados alcançados. Põe-se o juiz como gestor
de processos.
A eficiência admite dupla perspectiva. A primeira delas envolve a ideia de economia
processual: o magistrado deve, com a menor quantidade possível de meios, chegar ao má-
ximo de resultados. Tratar-se-ia de uma eficiência quantitativa, no intuito de diminuir
a quantidade de processos, desafogando o trâmite processual.
A segunda perspectiva é chamada de eficiência qualitativa e se refere à gestão do
processo: trata-se de uma perspectiva da eficiência sob uma ótica interna ao processo. Em
um único processo, o juiz deve atuar para resolução de várias situações; para a satisfação
mais ampla das pretensões das partes. Para isso, pode utilizar-se dos meios mais eficien-
tes para compelir o devedor a cumprir sua obrigação, seja determinando a inscrição do
seu nome no cadastro de inadimplentes (art. 782, § 3º), seja realizando o protesto da
sentença (art. 517), seja utilizando a chamada cláusula geral executiva (art. 139, IV). De
acordo com a eficiência qualitativa, é preciso encontrar meios para a solução integral e
satisfativa das decisões judiciais.
Em suma, o Princípio da Eficiência aplicado no processo contribui para uma prestação
jurisdicional mais ágil e com melhores resultados.

2. ORDEM CRONOLÓGICA PREFERENCIAL DE JULGAMENTO


Antes mesmo da entrada em vigor do CPC, a Lei nº 13.256/16 alterou o caput do
art. 12 para tornar preferencial a ordem cronológica de conclusão para julgamento.
Reduziu-se, com a alteração, a efetividade da norma. Todavia, ainda permanece a
regra de respeito à ordem de conclusão para julgamento. É que, ao afirmar a preferência
da ordem de conclusão, o legislador impôs ao magistrado respeitar, se não a ordem de
conclusão, um sistema eficiente e racional de julgamento. Trata-se de uma diretriz con-
sagrada pelo CPC/15.
Assim, ainda que somente preferencial, a ordem de conclusão para julgamento é ma-
terialização da administração gerencial do foro, elemento de eficiência quantitativa. Da

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Capítulo 2 • DAS NORMAS PROCESSUAIS CIVIS 61

mesma forma, trata-se de concretização da isonomia e da impessoalidade, pois aqueles


processos conclusos antes devem ser julgados antes.
Logo, a norma inscrita no art. 12 deve ser respeitada. O que se permite ao magistra-
do, todavia, é com base em necessidades racionais de gestão administrativa (como ocorre
em caso de mutirões judiciais) ou processual (pelas razões constantes do § 2º da redação
original do art. 12), dispensar o respeito estrito à ordem de julgamento.
Hipóteses típicas de quebra da ordem preferencial estão dispostas nos §§ 2º e 6º do
art. 12, para onde remetemos o leitor.

POSIÇÃO DO STJ
A prioridade na tramitação processual é um benefício instituído em lei. Assim, depende
de requerimento específico de seu beneficiário. Ainda que haja pessoa idosa como
parte de uma demanda, outros sujeitos não podem requerer a tramitação prioritária.
A legitimidade para requerê-lo é apenas do beneficiário. Conforme entendeu o STJ,
tratando da prioridade de tramitação do feito em benefício dos idosos (art. 71 da lei
nº 10.741/2003 c/c art. 1.048 do CPC): “(...) 3. A prioridade na tramitação do feito
é garantida à pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos que figura
como parte ou interveniente na relação processual (arts. 71 da Lei nº 10.471/2003 e
1.048 do CPC/2015). 4. A pessoa idosa é a parte legítima para requerer a prioridade
de tramitação do processo, devendo, para tanto, fazer prova da sua idade. 5. Na
hipótese dos autos, a exequente – pessoa jurídica – postula a prioridade na tramitação
da execução de título extrajudicial pelo fato de um dos executados ser pessoa idosa,
faltando-lhe, portanto, legitimidade e interesse para formular o referido pedido. 6.
Recurso especial não provido. (STJ. REsp 1.801.884/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas
Cueva, 3ª Turma, julgado em 21/05/2019).

É preciso atentar que o critério para a ordem em que os processos devem ser julgados
não é a ordem de ajuizamento das demandas, mas a ordem cronológica de conclusão.
Além disso, a observância da ordem é para que seja proferida sentença ou acórdão.
Outras decisões judiciais não estão condicionadas à ordem de preferência. Decisões inter-
locutórias, não precisam obedecer à ordem cronológica de conclusão inscrita no art. 12.
Essa ordem de conclusão para julgamento, em respeito à publicidade, deverá ficar
disponível em lista física na Secretaria da unidade jurisdicional e também na internet,
no sítio eletrônico do tribunal (§ 1º do art. 12).
Por fim, como forma de evitar condutas abusivas e estratégias processuais que visem
a burlar a ordem de conclusão para julgamento, retirando o processo da lista, dispõem
os §§ 4º e 5º do art. 12:
§ 4º Após a inclusão do processo na lista de que trata o § 1º, o requerimento formulado
pela parte não altera a ordem cronológica para a decisão, exceto quando implicar a reaber-
tura da instrução ou a conversão do julgamento em diligência.
§ 5º Decidido o requerimento previsto no § 4º, o processo retornará à mesma posição em
que anteriormente se encontrava na lista.

3. DA APLICAÇÃO DAS NORMAS PROCESSUAIS


3.1. Normas regentes do processo no Brasil
O art. 13 do CPC define quais normas regem à prestação da atividade jurisdicional no
Brasil. Sem sombra de dúvidas, o principal documento é o próprio CPC.

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62 PROCESSO CIVIL – NA MEDIDA CERTA PARA CONCURSOS • MURILO TEIXEIRA AVELINO

Assim, o processo civil dentro dos limites do território brasileiro é regulado eminente-
mente pelas normas produzidas no Brasil, aplicando-se o princípio da lex fori ou “lei do foro”.
Além do CPC e das normas esparsas nacionais que dispõem sobre processo, também
regulam a jurisdição civil tratados, convenções ou acordos internacionais de que o Brasil
seja parte. O CPC, inclusive, dá especial atenção às formas de Cooperação Judiciária In-
ternacional quando dedica ao tema um Capítulo exclusivo (arts. 26 a 41).

3.2. Direito intertemporal


A lição clássica é bastante conhecida: sobrevindo norma material que inove no orde-
namento jurídico, esta passa a incidir somente aos fatos ocorridos a partir de sua vigência.
Doutro modo, as normas processuais incidem imediatamente aos processos em curso, ainda
que o procedimento tenha se iniciado antes de sua vigência. O grande destaque, então, é
saber uma questão simples: quais normas pode o juiz aplicar imediatamente ao processo.
Considerando o procedimento como ato complexo, ou seja, conformado por uma série
ordenada de outros tantos atos processuais, na medida em que sobrevém uma lei nova,
esta se aplica imediatamente aos processos em curso, regulando os atos praticados a
partir de sua vigência. Todos os atos processuais a ela anteriores estão já aperfeiçoados,
não podendo a lei nova retroagir.
No processo, então, é possível a aplicação de normas processuais conviventes em dois
momentos diferentes. Não há impedimento para que um mesmo processo seja regulado
por mais de uma lei. O processo, como ato complexo, pode ser regulado, no tempo, por
normas que tenham se sucedido, devendo os atos processuais serem regulados cada um
de acordo com a norma vigente no momento de sua ocorrência.
É a partir desta noção de processo como ato complexo que o art. 14 do CPC se dedi-
ca a afirmar uma regra de direito intertemporal: a norma processual não retroagirá e será
aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais pratica-
dos e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada.
O dispositivo consagra o princípio da irretroatividade das leis. Uma lei nova não retroage
para atingir fatos ocorridos e situações consolidadas antes de sua vigência. A irretroativi-
dade é regra constante da ordem jurídica brasileira já há muito, nos termos do art. 6º da
Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) e do art. 5º, XXXI da Consti-
tuição da República, que protege o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa
julgada. A lei não poderá retroagir para atingir situações jurídicas já consolidadas.

3.2.1. Sistemas de Direito Intertemporal


É possível afirmar que o CPC adota o sistema do isolamento dos atos processuais
como forma de regular a aplicação da norma processual nova. Há algumas poucas exce-
ções que não desqualificam esta assertiva. Além do sistema do isolamento dos atos pro-
cessuais, há outros dois que regem o direito intertemporal:
SISTEMAS QUE REGEM O DIREITO INTERTEMPORAL
Aplica-se ao processo, até o seu fim, as normas processuais vigen-
tes quando de sua instauração. O processo é regido por uma lei
única. A nova lei processual não incide sobre o processo pendente.
Sistema da Unidade
Este sistema foi adotado como exceção pelo CPC/15 em temas es-
Processual
pecíficos, nos termos, por exemplo, do art. 1.046, § 1º que regula
os processos pendentes e ainda não sentenciados que corriam pelo
rito especial ou pelo procedimento sumário sob a égide do CPC/73.

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Capítulo 2 • DAS NORMAS PROCESSUAIS CIVIS 63

Leva em conta a divisão do processo em fases isoladas: postula-


tória, instrutória, decisória, recursal e executiva. A norma apli-
cável é aquela vigente no momento em que se inicia cada uma
destas fases. Alternação legislativa superveniente não atinge a
Sistema das Fases fase em curso. A norma processual nova só se aplica no processo
Processuais em curso após o encerramento da fase anterior.
Este sistema foi adotado como exceção pelo CPC/15 em temas
específicos, nos termos, por exemplo, do art. 1.047, que regula
o isolamento da fase instrutória dos processos pendentes sob a
égide do CPC/73.
O processo é concebido como uma relação jurídica complexa, for-
mada por uma série de ato processuais isolados e em sequência.
A lei processual nova se aplica imediatamente ao processo em
curso, respeitando os atos anteriormente praticados. A altera-
ção legislativa superveniente não retroage para atingir os atos
Sistema do Isolamento
anteriormente praticados, mas se aplica imediatamente, a par-
dos Atos Processuais
tir de sua vigência, aos atos posteriores em todos os processos
pendentes. O ato processual é regulado pela lei vigente no
momento de sua prática.
Esta é a regra geral no CPC/15, na forma em que dispõe o art. 14
e o caput do art. 1.046.

3.3. Aplicação do CPC a outros “processos”


O art. 15 do CPC consagra mais uma regra tradicional: aplica-se o CPC supletiva e
subsidiariamente aos demais ramos do processo. Caso não haja regulação específica para
o processo eleitoral, trabalhista ou administrativo, aplicar-se-ão as disposições do CPC.
As normas processuais civis, nesse sentido, são consideradas normas gerais de pro-
cesso, aplicáveis aos demais ramos do processo como forma de superar lacunas. É possível
citar, como exemplo: i) a exigência do contraditório substancial e a proibição de decisões
surpresa; ii) tutelas provisórias; iii) sistema de precedentes; iv) contagem dos prazos; v)
distribuição dinâmica do ônus da prova, etc.
Em verdade, o dispositivo trouxe previsão tímida. A doutrina é tranquila quanto à
aplicação do CPC, subsidiariamente, a quaisquer outros procedimentos processuais espe-
cíficos, como no caso dos juizados e do processo penal.

ATENÇÃO
Nesse sentido:
Enunciado nº 2 da I Jornada de Direito Processual Civil do CJF: “As disposições do
CPC aplicam-se supletiva e subsidiariamente às Leis n. 9.099/1995, 10.259/2001 e
12.153/2009, desde que não sejam incompatíveis com as regras e princípios dessas Leis”.
Enunciado nº 3 da I Jornada de Direito Processual Civil do CJF: “As disposições do
CPC aplicam-se supletiva e subsidiariamente ao Código de Processo Penal, no que não
forem incompatíveis com esta Lei”.

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Capítulo 27

TEORIA GERAL DOS RECURSOS

\ Leia a lei:
ͳ Arts. 994 a 1.008 do novo CPC.

1. CONCEITO DE RECURSO
Recurso é o meio típico de impugnação voluntária às decisões judiciais para, em um
mesmo processo, buscar a sua reforma, invalidação, esclarecimento ou integração.
O conceito de recurso nos permite compreender desde logo algumas de suas
características:
• Meio típico – é necessário que a lei preveja e disponha sobre quais são os recursos
admitidos pelo sistema. Assim, só é recurso aquilo que está expressamente previsto
em lei como o sendo. O CPC se ocupa desta questão no dispositivo inaugural do título
“Dos Recursos”, listando os nove recursos previstos na codificação processual civil.
O art. 994 prevê que são cabíveis os seguintes recursos: i) apelação; ii) agravo de
instrumento; iii) agravo interno; iv) embargos de declaração; v) recurso ordinário;
vi) recurso especial; vii) recurso extraordinário; viii) agravo em recurso especial ou
extraordinário; ix) embargos de divergência.
É preciso que a lei preveja as espécies recursais. Diz-se lei em sentido amplo porque
não somente o CPC pode regular recursos, mas também as leis esparsas como, por
exemplo, o art. 34 da Lei nº 6.830/80 (Lei de Execuções Fiscais), que traz os “em-
bargos infringentes da execução fiscal”.
• Meio voluntário – recursos são necessariamente resultado da emissão volitiva cons-
ciente da parte em impugnar uma decisão judicial. Não existe recurso de ofício. O
manejo do recurso está dentro do âmbito de disponibilidade do sujeito atingido por
uma decisão judicial que lhe é desfavorável.
• Meio endoprocessual – o recurso é manejado no mesmo processo em que proferida
a decisão impugnada. Esta característica afasta os recursos das ações autônomas de
impugnação.
O recurso jamais poderá gerar um processo novo, mesmo quando processado em instru-
mento apartado. A demanda recursal é apresentada no mesmo processo da demanda
inicial, prologando a litispendência.
• Meio de reforma, invalidação, esclarecimento ou integração da decisão – são estas
as quatro consequências que podem decorrer do provimento de um recurso. Através
do recurso a parte prejudicada pela decisão postula sua modificação.
Trata-se de um pedido, uma demanda recursal. Por isso, o recurso possui também
causa de pedir e pedido diferentes, inclusive, da demanda originária. Perceba-se: o

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524 PROCESSO CIVIL – NA MEDIDA CERTA PARA CONCURSOS • MURILO TEIXEIRA AVELINO

pedido originário já foi resolvido pela decisão. A demanda recursal, pois, terá por
objeto não o pedido originário, mas sim a reforma, invalidação, esclarecimento ou
integração da decisão que conheceu do pedido inicial. Em outros termos, o pedido e
a causa de pedir diversos da demanda originária definem o mérito recursal.
A demanda recursal pode conter diversos pedidos. Se a decisão possui mais de um
capítulo, também pode haver cumulação de pedidos em sede recursal.
Pedir a reforma de uma decisão significa apontar um erro em sua construção,
requerendo então que ela seja corrigida ou aperfeiçoada. A demanda recursal
PEDIDO DE
visa a alteração de conteúdo do que se decidiu.
REFORMA
O pedido de reforma se fundamenta no chamado error in judicando, ou seja,
toma por base um “erro de julgamento” do magistrado.
Pedir a invalidação de uma decisão significa apontar um defeito em sua cons-
trução, requerendo então que ela seja desfeita, para que outra seja proferida
em seu lugar.
PEDIDO DE
Este pedido não tem por objeto o próprio conteúdo da decisão impugnada,
INVALIDAÇÃO
mas um vício que lhe retira a higidez, tornando-a inválida. O pedido se fun-
damenta no chamado error in procedendo, ou seja, toma por base um “erro de
procedimento”.
Pedir a integração de uma decisão significa apontar a sua incompletude, re-
querendo que uma nova decisão seja proferida para que a anterior reste per-
PEDIDO DE feita e completa.
INTEGRAÇÃO Normalmente, o pedido de integração se dá em face de decisões omissas, quan-
do o órgão julgador deixou de apreciar a lide em todos os seus fundamentos,
proferindo uma decisão inapta à boa resolução do conflito.

• Meio para discutir uma decisão – somente é possível recorrer de decisão, seja ela
interlocutória ou definitiva. Dos despachos não cabe recurso (art. 1.001).

2. DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO


Fala-se em um princípio do duplo grau de jurisdição. O conteúdo deste princípio signi-
fica que as decisões judiciais devem ser revistas por ao menos uma instância. Garante-se,
então, a oportunidade de manejar ao menos um recurso da decisão originária. O direito
ao recurso decorreria, assim desse princípio.
O princípio em comento não tem previsão expressa na Constituição. Para aqueles que
negam a natureza constitucional do princípio, não seria impositivo garantir sempre o aces-
so às instâncias recursais. Seria, pois, admissível que o legislador previsse uma decisão
contra a qual não caberia qualquer recurso, em qualquer instância.
Por outro lado, aqueles que encontram fundamentação constitucional para o princípio
falam em um direito fundamental ao recurso. Tanto é assim que a CF prevê competências
recursais típicas para os tribunais. Sua restrição, apesar de permitida, não poderia ter
o seu núcleo essencial atingido, qual seja, sempre será possível o manejo de ao menos
um recurso.
Como qualquer princípio, o duplo grau de jurisdição pode sofrer restrições. A Constitui-
ção prevê casos de ações de competência originária do Supremo Tribunal Federal em que,
obviamente, não haverá recurso para instância superior capaz de possibilitar o duplo grau
de jurisdição. Não obstante, o conhecimento da matéria pelo STF significa que a decisão
da causa será proferida pela suprema corte, situada no topo de nossa cadeia recursal.

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Capítulo 27 • TEORIA GERAL DOS RECURSOS 525

Assim como qualquer outro direito fundamental, pois, o direito ao recurso não é ab-
soluto. O princípio admite mitigação, impondo-se sempre o controle posterior da razoa-
bilidade dessa restrição.

3. CLASSIFICAÇÃO DOS RECURSOS


Como sói acontecer com classificações, há uma infinidade delas espalhada pela dou-
trina. Destacamos aqui duas das principais.

3.1. Quanto à fundamentação


Quanto à fundamentação, os recursos são de duas espécies: i) de fundamentação livre
e ii) de fundamentação vinculada.
O recurso de fundamentação livre é aquele cujas razões podem compreender qualquer
tipo de questão relativa à decisão impugnada. Tanto questões de ordem material quanto
processual podem ser arguidas pelo recorrente. É o caso da Apelação.
Por outro lado, o recurso de fundamentação vinculada é aquele cujas razões se limi-
tam a arguir hipóteses descritas em lei. São, por isso, chamados também de recursos de
fundamentação típica. Há de se encaixar o recurso em uma das hipóteses permitidas pela
lei. É o caso dos embargos de declaração, do recurso especial e do recurso extraordinário.
Se um recurso de fundamentação típica é interposto fugindo das hipóteses legais
previstas, ele sequer será admitido.

3.2. Quanto à extensão da matéria abrangida


O recurso pode impugnar todas as matérias decididas ou somente parte delas. Nesse
sentido, podem ser classificados em: i) recursos totais ou ii) recursos parciais. É que, nos
termos do art. 1.002, a decisão pode ser impugnada no todo ou em parte.
O recurso total é aquele que abrange todos os capítulos da decisão passíveis de im-
pugnação. É quando a parte recorre de tudo que tem interesse recursal.
Perceba-se, nesse sentido, o seguinte: é possível que a decisão julgue o pedido par-
cialmente procedente. Nesse caso, tanto autor quanto réu restarão parcialmente derrotados.
Em situações assim, o recurso da parte será total quando abranger todos os capítulos
da decisão nos quais restou derrotado. É possível que haja concomitantemente, pois, um
recurso total do autor e um recurso total do réu.
O recurso parcial, por outro lado, é aquele que abrange somente parte dos capítu-
los passíveis de impugnação. É quando a parte recorre somente de uma parcela daquilo
que teria interesse. Quando se dá um recurso parcial, a ausência de impugnação de um
capítulo da decisão gera preclusão para fazê-lo. Em outras palavras, se a parte perde a
oportunidade de recorrer de um capítulo da decisão, ele transitará em julgado.

4. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE
O juízo de admissibilidade do recurso não se relaciona com o mérito da demanda
recursal, mas com a sua higidez. Trata-se de um filtro de verificação do preenchimento
de todos os requisitos para o manejo da demanda recursal. Assim como a própria ação
(=demanda inicial) passa por um juízo de admissibilidade cujo objeto é verificar a pre-
sença dos pressupostos processuais e das condições da ação, o mesmo se dá com a de-
manda recursal.

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Capítulo 28

RECURSOS EM ESPÉCIE

\ Leia a lei:
ͳ Arts. 1.009 a 1.044 do novo CPC.

1. APELAÇÃO
Da sentença cabe apelação (art. 1.009, caput). Não importa o conteúdo da sentença,
não importa se a extinção da causa se dá sem mérito (art. 485) ou com mérito (art. 487),
em qualquer hipótese o recurso cabível será a apelação. Frise-se: ainda quando questões
impugnáveis por agravo de instrumento (rol do art. 1.015) sejam decididas na senten-
ça, o recurso cabível será a apelação (art. 1.009, § 3º). Todo o conteúdo da sentença
deverá ser atacado por apelação.
Todavia, o novo CPC ampliou o objeto da apelação, que passa a caber também contra
as decisões interlocutórias não agraváveis proferidas na fase de conhecimento. Em outros
termos, é na apelação que o recorrente impugnará as decisões interlocutórias que lhe
foram prejudiciais ao longo da fase de conhecimento, mas que não puderam ser objeto
de agravo de instrumento por estarem fora do rol do art. 1.015 do CPC. Assim, as deci-
sões interlocutórias não agraváveis serão impugnadas em preliminar (=questão prévia) de
apelação. Conforme dispõe o art. 1.009, § 1º:
§ 1º As questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não
comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscita-
das em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas
contrarrazões.

A apelação, portanto, passa a ter dois possíveis objetos: i) atacar a sentença; ii) ata-
car as decisões interlocutórias proferidas ao longo da fase de conhecimento cujo objeto
não esteja previsto no rol do art. 1.015 do CPC.
Perceba-se desde logo uma nuance: não há preclusão para impugnação de decisão
interlocutória não agravável enquanto não for possível o manejo da apelação. É que in-
dependentemente do seu objeto, a apelação será interposta sempre depois de proferida
a sentença. Somente haverá preclusão quanto a este tipo de decisão (=fora do rol do
art. 1.015) se não for atacada em sede de apelação.
Toda decisão de primeiro grau é recorrível. Se não for por agravo de instrumento,
será por apelação.
Assim, a apelação pode abarcar capítulos diversos, um impugnando as decisões inter-
locutórias não agraváveis, apresentado como questão prévia; outro impugnando a senten-
ça, apresentado como questão principal. Será possível que haja cumulação de demandas
recursais (contra as interlocutórias e a sentença) ou que o recurso ataque somente um
ou outro tipo de decisão (contra as interlocutórias ou a sentença, apenas).

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540 PROCESSO CIVIL – NA MEDIDA CERTA PARA CONCURSOS • MURILO TEIXEIRA AVELINO

1.1. O recurso subordinado ou dependente


O novo CPC inaugurou uma espécie recursal subordinada ou dependente. Trata-se de
um instituto novo, e que merece cuidados. Como dissemos, as decisões interlocutórias não
agraváveis serão impugnadas em sede preliminar de apelação. Todavia, é possível que a
parte sofra uma decisão interlocutória contra si e, ao fim, reste vencedora na demanda.
Imagine-se a situação em que o autor requer a produção de determinada prova. O
magistrado rejeita o pedido. Estamos diante, pois, de uma decisão interlocutória profe-
rida na fase de conhecimento e não abarcada como hipótese de agravo de instrumento
(fora do rol do art. 1.015), devendo ser impugnada em sede de apelação. Nada obstan-
te, mesmo sem a prova requerida, o pedido é julgado procedente, restando vitorioso o
autor. Nesse caso, não haverá interesse recursal para a apelação.
O réu, derrotado, poderá apelar. Manejado o recurso, o autor será intimado para
apresentar contrarrazões em 15 dias (art. 1.010, § 1º). O novo CPC permite que o autor
(=vencedor) em suas contrarrazões: i) combata o recurso da parte contrária e, cumu-
lativamente, ii) recorra da decisão interlocutória que lhe foi desfavorável. É o que se
extrai da parte final do art. 1.009, § 1º.
Esta previsão se fundamenta no seguinte: se o tribunal der provimento à apelação
do derrotado, é preciso dar ao vencedor a chance de discutir e reverter a decisão inter-
locutória a si desfavorável. Não houvesse a previsão deste recurso em contrarrazões, o
vencedor estaria totalmente desprotegido em face da decisão anterior que lhe foi des-
favorável: não poderia ter agravado e não poderia ter apelado, pois sagrou-se vencedor
na sentença.
Por isso o vencedor, nas contrarrazões, deve recorrer da decisão interlocutória des-
favorável. No nosso exemplo, o autor deverá recorrer da decisão que rejeitou a produção
de provas. Se as decisões interlocutórias não agraváveis forem suscitadas em contrar-
razões, o recorrente será intimado para, em 15 (quinze) dias, manifestar-se a respeito
delas (§ 2º do art. 1.009).
Isso tudo quer dizer que o novo CPC permite veicular uma demanda recursal em
sede de contrarrazões para atacar uma decisão interlocutória não agravável. Esse re-
curso será subordinado ou dependente e condicionado.
É recurso subordinado ou dependente porque a sua sorte depende de como for
julgado o recurso principal. O regime é bastante semelhante ao do recurso adesivo, con-
forme estudado no capítulo anterior, incidindo aqui o art. 997. Assim, se o recorrente
desistir da apelação, o recurso contido nas contrarrazões não será conhecido; se a pró-
pria apelação não for conhecida, o recurso contido nas contrarrazões terá o mesmo fim.
O conhecimento do recurso veiculado nas contrarrazões depende ou se subordina ao
próprio conhecimento e provimento do recurso principal. A inversão da sucumbência é
uma condição necessária. Perceba-se: quando o vencedor recorre em contrarrazões, o seu
interesse recursal não existe. Por isso, o seu pleito surge válido e ineficaz. A sua demanda
recursal depende, para ser conhecida, que haja interesse, ou seja, que a sentença tenha
sido reformada em razão do provimento da apelação interposta pela parte derrotada.

1.2. Efeitos da apelação


A apelação possui, em regra, efeito suspensivo e devolutivo. Os arts. 1.012 e 1.013
regulam o tema. Vejamos.

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Capítulo 28 • RECURSOS EM ESPÉCIE 541

1.2.1. Efeito suspensivo


A regra, como se disse, é que a apelação seja recebida com efeito suspensivo,
ou seja, que a sentença não comece a produzir efeitos imediatamente após sua prolação.
Apesar disso, o § 1º do art. 1.012 traz um rol de exceções, hipóteses em que o cumpri-
mento provisório da sentença poderá ser iniciado desde logo. Vejamos:
§ 1º Além de outras hipóteses previstas em lei, começa a produzir efeitos imediatamente
após a sua publicação a sentença que:
I – homologa divisão ou demarcação de terras;
II – condena a pagar alimentos;
III – extingue sem resolução do mérito ou julga improcedentes os embargos do executado;
IV – julga procedente o pedido de instituição de arbitragem;
V – confirma, concede ou revoga tutela provisória;
VI – decreta a interdição.

Em todas estas hipóteses, e também naquelas previstas em lei esparsa, a apelação


não terá efeito suspensivo. O apelado poderá, então, promover o pedido de cumprimento
provisório depois de publicada a sentença (§ 2º).
É preciso atentar ao inciso V do § 1º. O novo CPC fala em confirmar, conceder ou
revogar tutela provisória. O legislador quer dizer o seguinte: naquilo que refere às tu-
telas provisórias, a sentença produzirá efeitos desde logo. Não importa se a tutela pro-
visória (cautelar ou antecipada; de urgência ou evidência) já havia sido concedida e foi
apenas confirmada, se foi concedida no bojo mesmo da sentença, ou se houve revogação,
este capítulo específico não terá sua eficácia suspensa pelo manejo da apelação. As
tutelas concedidas ou confirmadas podem ser executadas desde logo; a tutela revogada
perde os efeitos.
Assim, o capítulo de sentença que confirma, concede ou revoga a tutela provisória é
impugnável na apelação (art. 1.013, § 5º), conquanto não dotada de efeito suspensivo.

ATENÇÃO
Nesse sentido, o Enunciado nº 144 da II Jornada de Direito Processual Civil do CJF: “No
caso de apelação, o deferimento de tutela provisória em sentença retira-lhe o efeito
suspensivo referente ao capítulo atingido pela tutela”.

Por outro lado, em quaisquer das hipóteses previstas no art. 1.012, § 1º, admite-se
a concessão de efeito suspensivo pelo Relator da causa no tribunal (art. 1.012, § 4º).
Caso o apelante demonstre (i) a probabilidade de provimento do recurso ou (ii) re-
levância da fundamentação e risco de dano grave ou de difícil reparação, a eficácia da
sentença poderá ser suspensa pelo Relator. Há, pois, possibilidade de concessão de tutela
provisória de evidência (i) ou de urgência (ii) em sede de recurso. O pedido de conces-
são de efeito suspensivo à apelação é exatamente isso: pedido de concessão de tutela
provisória recursal.
Este requerimento será sempre feito diretamente ao tribunal em petição simples,
jamais ao juiz que sentenciou. É que o juízo de admissibilidade da apelação é feito pelo
próprio tribunal, enquanto o juiz a quo somente processa o recurso e as contrarrazões,

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542 PROCESSO CIVIL – NA MEDIDA CERTA PARA CONCURSOS • MURILO TEIXEIRA AVELINO

remetendo-os ao órgão ad quem. Por isso, a competência para apreciar o pedido de sus-
pensão é do próprio Relator, no tribunal.
Conforme dispõe o § 3º do art. 1.012, o pedido de concessão de efeito suspensivo
poderá ser formulado por requerimento dirigido ao: i) tribunal, no período compreendido
entre a interposição da apelação e sua distribuição, ficando o relator designado para seu
exame prevento para julgá-la; ii) relator, se já distribuída a apelação.

1.2.2. Efeito devolutivo


A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada (art. 1.013,
caput). Noutras palavras, caberá ao tribunal rever a sentença, para mantê-la ou alterá-la,
dentro dos limites da matéria impugnada na apelação. O efeito devolutivo pode ser visto
em duas dimensões: horizontal e vertical.
A dimensão horizontal do efeito devolutivo, também conhecida como extensão do
efeito devolutivo, reflete quais matérias o recurso apresenta ao tribunal para novo jul-
gamento. É a apelação que determinará quais os capítulos da sentença poderão ser re-
vistos. O Tribunal só poderá atuar naquilo que tiver sido provocado, ou seja, no objeto
da impugnação, nem mais, nem menos. Quem determina a extensão do efeito devolutivo
é o recorrente.
A dimensão vertical do efeito devolutivo, também conhecida como profundidade
do efeito devolutivo ou mesmo efeito translativo, se refere aos fundamentos que po-
derão ser debatidos e construídos pelo tribunal no exame do capítulo impugnado. Não é
o recorrente quem o delimita. Remete-se ao juízo ad quem o conhecimento a respeito de
todas as razões e fundamentos relevantes relativos aos capítulos da decisão que forem
impugnados.
O órgão competente para julgar o recurso poderá conhecer: i) de todas as questões
suscitadas no processo relativas ao capítulo impugnado; ii) de todas as questões de or-
dem pública relativas ao capítulo impugnado.
As dimensões do efeito devolutivo, quanto à apelação, são extraídas dos §§ 1º e 2º
do art. 1.013:
§ 1º Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões
suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde que
relativas ao capítulo impugnado.
§ 2º Quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas
um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais.

Relativamente aos capítulos não impugnados haverá trânsito em julgado. Os dispo-


sitivos acima colacionados confirmam a lição de que a extensão limita a profundidade,
ou seja, a cognição vertical na apelação é máxima posto que limitada dentre as matérias
impugnadas no recurso.

1.2.3. Efeito regressivo


Há alguns recursos que permitem retratação do juiz que proferiu a decisão. Essa pos-
sibilidade de retratação é o que se chama de efeito regressivo. A apelação, em regra,
não possui esse efeito.
Há, excepcionalmente, duas hipóteses de apelação no novo CPC com efeito regres-
sivo. Tratam-se das apelações interpostas (i) contra a decisão que indefere a petição

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Capítulo 28 • RECURSOS EM ESPÉCIE 543

inicial (art. 331, caput) e (ii) contra a decisão que julga liminarmente improcedente
o pedido (art. 332, § 3º).
Atente-se, apenas se admite a retratação se o recurso for tempestivo.

1.3. Procedimento
O processamento da apelação no tribunal é relativamente simples. A petição de in-
terposição, dirigida ao juiz se primeiro grau, deverá conter os elementos da demanda
recursal: partes, causa de pedir e pedido. As partes do processo devem ser qualificadas.
Esta qualificação é importante, mormente porque ao longo do procedimento é possível
que haja ocorrido alteração subjetiva na demanda, com a exclusão ou acréscimo de su-
jeitos no processo.
Além disso, o recorrente deve afirmar os fatos e os fundamentos de sua demanda
recursal, apontando a necessidade de reforma do entendimento consignado na sentença
ou a decretação de invalidade da decisão impugnada. Ao fim, deverá apresentar pedido
de novo julgamento.
Conforme o art. 1.010, caput do CPC, a apelação, interposta por petição dirigida ao
juízo de primeiro grau, conterá: i) os nomes e a qualificação das partes; ii) a exposição
do fato e do direito; iii) as razões do pedido de reforma ou de decretação de nulidade;
iv) o pedido de nova decisão.
Ao receber a petição inicial, o juiz de piso não exercerá qualquer juízo a respeito.
O juízo prévio de admissibilidade foi expressamente excluído do novo CPC. Assim, caberá
ao magistrado somente intimar o apelado para apresentar contrarrazões no prazo de 15
(quinze) dias (§ 1º).
Caso, além das contrarrazões, o apelado interpuser apelação adesiva, o juiz intimará
o apelante para apresentar contrarrazões (§ 2º). Após, os autos serão remetidos ao tri-
bunal pelo juiz, independentemente de juízo de admissibilidade (§ 3º).
Recebido o recurso de apelação no tribunal, será imediatamente distribuído a um
Relator (art. 1.011). O Relator, então, poderá decidir monocraticamente apenas nas
hipóteses do art. 932, incisos III a V. A remissão é ao juízo de admissibilidade do
recurso (III) e ao julgamento unipessoal caso se adeque aos precedentes mencionados
nas alíneas dos incisos IV e V do art. 932. Não sendo o caso de decisão monocrática, o
Relator elaborará seu voto para julgamento do recurso pelo órgão colegiado. Segue-se,
daqui em diante, o procedimento estudado no capítulo referente à ordem dos processos
no tribunal.
No julgamento da apelação, a decisão será tomada, no órgão colegiado, pelo voto de
3 (três) juízes (art. 941, § 2º) componentes da turma ou câmara do tribunal.

1.3.1. Julgamento da causa madura


O CPC consagra a aplicação da teoria da causa madura como técnica de julgamen-
to. Em certas situações, a apelação não visa reformar a sentença, mas sim meramente
desconstituí-la. Não houvesse a previsão em comento, ao prover a apelação o tribunal
deveria remeter o processo de volta ao primeiro grau, para que o magistrado proferis-
se nova sentença. Esta prática, todavia, demandaria uma dilação temporal excessiva
no processo.
Por isso, o legislador prevê hipóteses em que o tribunal deverá julgar a causa desde
logo, quando conhecer e prover a apelação. Se a causa estiver madura, o tribunal pode

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julgá-la nas hipóteses descritas nos §§ 3º e 4º do art. 1.013. A causa madura, explique-se,
é aquela em condições de imediato julgamento, ou seja, onde não há mais necessidade
de se tomar outras providências ou promover atos instrutórios além dos que já constam
nos autos. É, em termos simples, a causa que está pronta. Vejamos:
Art. 1.013. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada. (…)
§ 3º Se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir
desde logo o mérito quando:
I – reformar sentença fundada no art. 485;
II – decretar a nulidade da sentença por não ser ela congruente com os limites do pedido
ou da causa de pedir;
III – constatar a omissão no exame de um dos pedidos, hipótese em que poderá julgá-lo;
IV – decretar a nulidade de sentença por falta de fundamentação.
§ 4º Quando reformar sentença que reconheça a decadência ou a prescrição, o tribunal,
se possível, julgará o mérito, examinando as demais questões, sem determinar o retorno
do processo ao juízo de primeiro grau.

Perceba-se que mesmo nas situações acima analisadas, se a causa não estiver ma-
dura, impõe-se o retorno dos autos ao juiz de primeiro grau, que tomará as providências
necessárias e proferirá nova sentença. O tribunal somente poderá avançar ao julgamento
da causa que lhe chegue pronta para julgamento.

1.3.2. Arguição de fatos novos em sede de apelação


Em regra, a apelação não é instância adequada à arguição de questões de fato que
poderiam ter sido debatidas na instância inferior. Todavia, as questões de fato não pro-
postas no juízo inferior poderão ser suscitadas na apelação, se a parte provar que deixou
de fazê-lo por motivo de força maior (art. 1.014).
Atente-se que o dispositivo apenas autoriza a alegação de questão de fato. Não é
possível ao apelante alterar ou acrescentar nova causa de pedir não abarcada pela de-
manda originária.
Os fatos novos aqui previstos não são fatos supervenientes. Estes podem ser trazidos
em sede de apelação, por autorização expressa do art. 933 (estudado no capítulo 9). Fa-
tos novos, abarcados pelo art. 1.014, são aqueles ainda não apreciados pelo Judiciário,
no caso, por motivo de força maior que impediu o recorrente de argui-los anteriormente.

1.4. Técnica de ampliação do colegiado


A técnica de ampliação do colegiado não está prevista no capítulo dedicado à apela-
ção. Sua regulação está no art. 942, dentro da ordem dos processos no tribunal. Todavia,
a íntima relação do tema com o recurso de apelação impõe que seja tratado aqui.
Desde já, o leitor deve ficar atento à complexidade do tema, que vem gerando muitos
debates na doutrina e enormes dúvidas na praxe forense. Por isso, nos ocuparemos aqui
dos contornos básicos e induvidosos desta novidade legislativa.
Trata-se de uma técnica de julgamento fundada na necessidade de ampliação do diá-
logo processual quando o resultado da apelação for não unânime. Como anotamos há
pouco, a apelação será julgada no tribunal por um órgão fracionário composto de três
julgadores (art. 941, § 2º). Assim, o resultado do julgamento pode ser unânime (“3x0”)

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