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Universidade Nilton Lins

Direito

Keila Barbosa Ferreira

Direito Processual Civil IV

Manacapuru

2022
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INTRODUÇÃO

Ainda são sustentadas, depois de aproximadamente cem anos, as teorias


de que a jurisdição tema função de atuar a vontade concreta da lei – atribuída a
Chiovenda1 – e de que o juiz cria a norma individual para o caso concreto,
relacionada com a tese da “justa composição da lide” – formulada por Carnelutti.

E isso após a própria concepção de direito ter sido completamente


transformada. A lei, que na época do Estado legislativo valia em razão da
autoridade que a proclamava, independentemente da sua correlação com os
princípios de justiça, não existe mais. A lei, como é sabido, perdeu o seu posto de
supremacia e hoje é subordinada à Constituição.

Agora é amarrada substancialmente aos direitos positivados na


Constituição e, por isso, já constitui slogan dizer que as leis devem estar em
conformidade com os direitos fundamentais, contrariando o que antes
acontecia, quando os direitos fundamentais dependiam da lei.

A assunção do Estado constitucional deu novo conteúdo ao princípio da


legalidade. Em primeiro lugar, esse evidenciou a necessidade de o direito ser
trabalhado como um problema que demanda para a sua solução um
empreendimento de colaboração entre o legislador, o juiz e a doutrina.

Em segundo lugar, esse princípio incorporou o qualificativo “substancial”


para evidenciar que exige a conformação da lei com a Constituição e,
especialmente, com os direitos fundamentais. Não se pense, porém, que o
princípio da legalidade simplesmente sofreu um desenvolvimento, trocando-se a
lei pelas normas constitucionais, ou expressa apenas uma mera “continuação”
do princípio da legalidade formal, característico do Estado legislativo. Na
verdade, o princípio da legalidade substancial significa uma “transformação” que
afeta as próprias concepções de direito e de jurisdição e, assim, representa uma
quebra de paradigma.

Se as teorias da jurisdição constituem espelhos dos valores e das ideias das


épocas e, assim, não podem ser ditas equivocadas – uma vez que isso seria um
erro derivado de uma falsa compreensão de história –, certamente devem ser
deixadas de lado quando não mais revelam a função exercida pelo juiz. Isso
significa que as teorias de Chiovenda e Carnelutti, se não podem ser contestadas
em sua lógica, certamente não têm – nem poderiam ter – mais relação alguma
com a realidade do Estado contemporâneo. Por isso, são importantes apenas
quando se faz uma abordagem crítica do direito atual, considerando-se a sua
relação com os valores e concepções do instante em que foram construídas.
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Assim, antes de constituírem teorias capazes de dar lugar à compreensão do


processo civil no Estado Constitucional, pertencem apenas à história da cultura
jurídica processual civil. A transformação da concepção de direito fez surgir um
positivismo crítico, que passou a desenvolver teorias destinadas a dar ao juiz a
real possibilidade de afirmar o conteúdo da lei comprometido com a Constituição
mediante adequada interpretação e idônea aplicação da ordem jurídica.

Nessa linha podem ser mencionadas a teoria das normas, inclusive no que
tange ao próprio conceito de norma e à incorporação da teorização dos
princípios e dos postulados normativos em seu âmbito, as teorias dos direitos
fundamentais, a técnica da interpretação de acordo, as novas técnicas de
controle da constitucionalidade – que conferem ao juiz uma função em grande
medida “produtiva”, e não mais apenas de declaração de inconstitucionalidade –
e a própria possibilidade de controle da inconstitucionalidade por omissão no
caso concreto.

Ora, é pouco mais do que evidente que isso tudo fez surgir outro modelo
de jurisdição, sendo apenas necessário, agora, que o direito processual civil se dê
conta disso e proponha um conceito de jurisdição que seja capaz de abarcar a
nova realidade que se criou.

Conceito

O conceito de princípio constitui construção básica muitas vezes não


conhecida pelos aplicadores do direito.

Pois bem, o próprio art. 5° da Lei de Introdução traz em seu bojo um


princípio: o do fim social da norma. O magistrado, na aplicação da lei, deve ser
guiado pela sua função ou fim social e pelo objetivo de alcançar o bem comum (a
pacificação social). O comando legal é fundamental, ainda, por ser critério
hermenêutico, a apontar a correta conclusão a respeito uma determinada lei que
surge para a sociedade, o que foi repetido pelo art. 8° do Novo CPC, ainda com
maior profundidade e extensão, pela menção aos princípios da dignidade da
pessoa humana, da proporcionalidade, da razoabilidade, da legalidade, da
publicidade e da eficiência. Ilustrando, entrou em vigor no Brasil, no ano de
2007, a lei que possibilita o divórcio e o inventário extrajudiciais (Lei 11 .441
/2007, que introduziu o art. 1.124-A no então CPC/1 973).

Como finalidades da nova norma, a guiar o intérprete, podem ser


apontadas a desjudicialização dos conflitos (fitga do Judiciário) , a redução de
formalidades e de burocracia, a simplicidade, a facilitação de extinção dos
vínculos familiares, entre outras. Esses fins sociais também guiam o Novo Código
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de Processo Civil, que igualmente tratou do divórcio e do inventário


extrajudiciais, além de outros mecanismos de fuga do Judiciário.

Historicamente, não se pode esquecer que os princípios já estavam


previstos como forma de integração da norma no direito romano, de acordo com
as regras criadas pelo imperador, as leges, entre 284 a 568 d.C. Nesse sentido,
não se pode perder de vista dos princípios jurídicos consagrados pelo direito
romano ou mandamentos do direito romano: honeste vivere, alterum non
laedere, suum cuique tribuere (viver honestamente, não lesar a ninguém, dar a
cada um o que é seu, respectivamente). Tais regramentos continuam sendo
invocados, tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência, sendo artifícios de
argumentação dos mais interessantes.

Princípios fundamentais do processo civil

Introdução

Há um conjunto de normas processuais que formam o que se pode chamar


de Direito Processual Fundamental ou Direito Processual Geral.

A norma é fundamental, porque estrutura o modelo do processo civil


brasileiro e serve de norte para a compreensão de todas as demais normas
jurídicas processuais civis. Essas normas processuais ora são princípios (como o
devido processo legal) ora são regras (como a proibição do uso de provas ilícitas).
O Direito Processual Fundamental não é composto somente por princípios, é
bom que isso fique claro.

A observação é importante. A distinção entre regras e princípios tem


grande importância prática. São normas com estruturas distintas e formas de
aplicação próprias, orientadas por padrões de "argumentação específicos, que
favorecem o estabelecimento de ônus argumentativos diferentes e impactam
diretamente na definição daquilo que deve ser exigido de forma definitiva", por
meio da solução jurisdicional'.

Uma parte dessas normas fundamentais decorre diretamente da


Constituição Federal - é o que se pode chamar de Direito Processual
Fundamental Constitucional.
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A outra parte decorre da legislação infraconstitucional, mais


especificamente do Código de Processo Civil, que dedica um capítulo inteiro a
essas normas (arts.10 a 1 2, CPC).

Esse capítulo reproduz alguns enunciados normativos constitucionais (art.


3o, caput, p. ex., que praticamente reproduz o inciso XXXV do art. so da CF/1
988) – e, nesse sentido, não inova. Mas o capítulo também traz novos
enunciados normativos, sem previsão expressa na Constituição, embora todos
eles possam encontrar nela algum fundamento.

O rol desse capítulo não é, porém, exaustivo.

Há outras normas fundamentais do processo civil brasileiro que não estão


consagradas expressamente nos doze primeiros artigos do CPC. Há normas
fundamentais na Constituição - devido processo legal, juiz natural, proibição de
prova ilícita; há normas fundamentais espalhadas no próprio CPC, como o
princípio de respeito ao autorregramento da vontade no processo e o dever de
observância dos precedentes judiciais (arts. 926-927, CPC). Há, portanto,
esquecimentos incompreensíveis - não seria exagero dizer que os arts. 1 90 e 926
e 927 são pilares do novo sistema do processo civil brasileiro -, além de ao
menos um exagero: a observância da ordem cronológica da decisão, embora
realmente seja importante, não merecia o status de entrar no rol das normas
fundamentais do processo civil. Mas, no particular, legem habemus.

É preciso compreender este capítulo como se ao seu final houvesse uma


cláusula normativa que dissesse: "O rol de normas fundamentais previsto n este
capítulo não exclui outras normas fundamentais previstas na Constituição da
República, nos tratados internacionais, neste Código ou em lei" - à semelhança
do que já ocorre com os direitos fundamentais (art. so, §2o, CF/88).

Há normas fundamentais do processo civil que são, também, direitos


fundamentais - encontram -se no art. so da CF/1 988. Há, no entanto, normas
fundamentais do processo civil que não possuem o status de norma de direito
fundamental, como é o caso das regras decorrentes dos arts. 2° e 1 2, CPC.

Princípio do acesso à justiça

Estamos vivendo um momento de “Redescoberta” do Poder Judiciário. A


democratização do acesso à Justiça tem promovido uma verdadeira explosão de
litigiosidade. Não nos referimos aqui ao aumento dos conflitos, mas, sim, ao
aumento da “busca” de solução dos conflitos. A sociedade brasileira, mais
informada e conhecedora de seus direitos, tem cada vez mais batido às portas do
Judiciário, na esperança de ter resolvidas suas contendas, clamando por uma
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resposta justa e, sobretudo, célere. O Poder Judiciário, no exercício de sua


função jurisdicional, participa da realização da justiça social quando garante,
mantém e efetiva os direitos conferidos à cidadania.

Na evolução da legislação brasileira, a produção de leis, como o Código de


Defesa do Consumidor e Lei dos Juizados Especiais, conduz e orienta cada vez
mais o cidadão à busca de seus interesses. Se por um lado, o acesso à Justiça é
ponto notoriamente positivo no contexto social, de outra sorte, o abarrotamento
dos autos dos processos, que se avolumam em todas as instâncias, atravanca e
engessa este mesmo direito e frustra esse cidadão, que muitas vezes não
sobrevive para desfrutar da efetividade das decisões. Esta busca pela Justiça gera
uma sobrecarga excessiva de processos, o que leva à crise de desempenho e a
conseqüente perda de credibilidade. A Justiça não pode permanecer inerte
diante dos novos desafios da modernidade, daí ser imperiosa uma luta para a
garantia de sua efetividade, marco histórico que representará o fim da
morosidade que nos macula.

Princípio da isonomia

Consagrado entre os ideais da revolução francesa, vem estabelecido no art.


5°, caput e inciso I, da Constituição Federal, que assegura que todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Sob o aspecto processual, a
isonomia revela-se pela necessidade de dar às partes tratamento igualitário em
relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa,
aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais (art. 7° do CPC). O
princípio deve, primeiramente, orientar o legislador na edição de leis, que devem
dar tratamento igualitário aos litigantes; depois, deve nortear os julgamentos,
orientando o juiz na condução do processo.

A igualdade pode ser apenas formal ou real. Em princípio, buscava-se


apenas a primeira, mas o conceito de isonomia evoluiu, e hoje se exige a
segunda.

Princípio do devido processo legal

O texto constitucional que consagra o devido processo legal é uma cláusula


geral (sobre as cláusulas gerais) Exatamente em razão disso, o significado
normativo desse texto foi modificado ao longo da história. O texto fórmula o
enunciado do devido processo legal (due process of /aw) existente há séculos
(nestes termos, em inglês, desde 1 354 d. C., a partir de Eduardo 111, rei da
Inglaterra). A noção de devido processo le3al como cláusula de proteção contra a
tirania é ainda mais antiga: remonta ao Édito de Conrado 11 (Decreto Feudal
Alemão de 1.037 d. C.)', no qual pela primeira vez se registra por escrito a ideia
de que até mesmo o Imperador está submetido às "leis do Império". Esse
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Decreto inspirou a Magna Carta de 1 21 53, pacto entre o Rei João e os barões,
que consagrava a submissão do rei inglês a /aw of the /and, expressão
equivalente a due process of law, conforme co n h ecida lição de Sir Edward
Coke.

A Magna Carta costuma ser tida como o mais remoto documento


normativo histórico de consagração do devido processo le3al, até mesmo em
razão da forte influência que exerceu na formação dos Direitos inglês e
estadunidense. A origem, porém, é germânica e um tanto mais longínqua (a
influência germânica no desenvolvimento do direito comum inglês deve-se
certamente à invasão normanda de 1 066 d. C., comandada por William, o
Conquistador, Duque da Normandia).

Obviamente, o que se entendia como devido no século XIV (época de


absolutismo monárquico, teocracia etc.) não foi o que se entendeu como devido
no início do século XX (consolidação da igualdade formal, separação entre Igreja
e Estado, desenvolvimento acelerado da industrialização etc.), não é o que se
entende como devido atualmente (informatização das relações, sociedade de
massas, globalização etc.) e nem será o que se entenderá como devido daqui a
dois séculos. Há de ter-se a consciência da historicidade da noção de "correttezza
processuale"

Um bom exemplo para demonstrar essa historicidade é o direito ao

juiz natural, atualmente conteúdo do devido processo legal. Trata-se

de "uma conquista moderna. Resultou de fato infrutífera a tentativa

de remeter suas origens à Magna Carta, pois esta, em seus arts.

20, 21, 39, 52 e 56, limita-se a estabelecer que para a condenação de

qualquer cidadão é necessário um 'leJJale iudicium parium suorum',

em que a condição de que os jurados sejam pares, ou 'homens pro-

bos da vizinhança', indica apenas uma qualidade dos juízes, e, no

máximo, um critério de competência territorial, mas não tem nada

que ver com a proibição da instituição do juiz post factum. Essa

proibição se afirma só no sec. XVI I, contemporaneamente às primei-

ras manifestações de independência e aos conflitos já mencionados


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entre juízes e soberanos"

Há, porém, inegavelmente, um acúmulo histórico a respeito da


compreensão do devido processo legal que não pode ser ignorado. Ao longo dos
séculos, inúmeras foram concretizações do devido processo legal que se
incorporaram ao rol das garantias mínimas que estruturam o devido processo.
Não é lícito, por exemplo, considerar desnecessário o contraditório ou a duração
razoável do processo, direitos fundamentais inerentes ao devido processo legal.
Nem será lícito retirar agora os direitos fundamentais já conquistados; vale, aqui,
o princípio de hermenêutica constitucional que proíbe o retrocesso em tema de
direitos fundamentais.

Essas concretizações do devido processo legal, verdadeiros corolários de


sua aplicação, estão previstas na Constituição brasileira e estabelecem o modelo
constitucional do processo brasileiro.

Princípio do contraditório

O processo é um procedimento estruturado em contraditório.

Aplica-se o princípio do contraditório, derivado que é do devido processo


legal, nos âmbitos jurisdicional, administrativo e negociai (não obstante a
literalidade do texto constitucional). A Constituição Federal prevê o contraditório
no inciso LV do art. so: "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e
aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os
meios e recursos a ela inerentes".

O princípio do contraditório é reflexo do princípio democrático na estrutu


ração do processo. Democracia é participação, e a participação no processo
opera-se pela efetivação da garantia do contraditório. O princípio do
contraditório deve ser visto como exigência para o exercício democrático de um
poder.

O princípio do contraditório pode ser decomposto em duas garantias:


participação (audiência, comunicação, ciência) e possibilidade de influência na
decisão. A garantia da participação é a dimensão formal do princípio do
contraditório. Trata-se da garantia de ser ouvido, de participar do processo, de
ser comunicado, poder falar no processo. Esse é o conteúdo mínimo do princípio
do contraditório e concretiza a visão tradicional a respeito do tema. De acordo
com esse pensamento, o órgão jurisdicional efetiva a garantia do contraditório
simplesmente ao dar ensejo à ouvida da parte.
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Há, porém, ainda, a dimensão substancial do princípio do contraditório.


Trata-se do " poder de influência".4' Não adianta permitir que a parte
simplesmente participe do processo. Apenas isso não é o suficiente para q ue se
efetive o princípio do contraditório. É necessário que se permita que ela seja
ouvida, é claro, mas em condições de poder influenciar a decisão do órgão
jurisdicional. Se não for conferida a possibilidade de a parte influenciar a decisão
do órgão jurisdicional - e isso é o poder de influência, de interferir com
argumentos, ideias, alegando fatos, a garantia do contraditório estará ferida. É
fundamental perceber isso: o contraditório não se efetiva apenas com a ouvida
da parte; exige-se a participação com a possibilidade, conferida à parte, de
influenciar no conteúdo da decisão.

Essa dimensão substancial do contraditório impede a prolação de decisão


surpresa; toda decisão submetida a julgamento deve passar antes pelo
contraditório. Isso porque o "Estado democrático não se compraz com a ideia de
atos repentinos, inesperados, de qualquer dos seus órgãos, mormente daqueles
destinados à aplicação do Direito. A efetiva participação dos sujeitos processuais
é medida que consagra o princípio democrático, cujos fundamentos são vetores
hermenêuticas para aplicação das normas jurídicas"

Vamos exemplificar o que se diz.

Como poderia o órgão jurisdicional punir alguém, sem que lhe tenha dado
a chance de manifestar-se sobre os fundamentos da punição? Por exemplo,
demonstrando que os fatos em que baseia a sua decisão ou não ocorreram ou ao
menos não permitem a aplicação daquela sanção. Se não fosse assim, teríamos
punição sem contraditório. Não é lícita a aplicação de qualquer punição
processual, sem que se dê oportunidade de o " possível punido" manifestar-se
previamente, de modo a que seja possível, de alguma forma, influenciar no
resultado da decisão.

Mais condizente com a essa visão do princípio do contraditório é o art. 772,


11, do CPC, que impõe ao juiz que, em qualquer momento da fase executiva,
advirta o executado que o seu procedimento constitui ato atentatório à
dignidade da justiça.

Ora, antes de punir, adverte sobre o comportamento aparentemente


temerário, para que a parte possa explicar-se.

Princípio da duração razoável do processo

A Convenção Americana de Direitos Humanos, Pacto de São José da Costa


Rica, no art. 8, 1, p revê:
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"Toda pessoa tem o direito a ser ouvida com as devidas garantias e dentro
de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e
imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação
penal formulada contra ela, ou para que se determinem os seus direitos ou
obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza."

A República Federativa do Brasil é signatária desse Pacto, que adquiriu


eficácia no plano internacional em 18 de julho de 1 978. O Congresso Nacional
editou o Decreto 27, de 26 de maio de 1 992, aprovando o seu texto. o Governo
Federal depositou, em 25 de setembro do mesmo ano, a Carta de Adesão ao
mencionado pacto. Com a ulterior publicação do Decreto 678 (09. 1 1 . 1 992), o
Pacto de São José da Costa Rica foi promulgado e incorporado ao ordenamento
jurídico brasileiro. O procedimento de incorporação do tratado foi respeitado em
seus mínimos detalhes.

Como ensina Flávia Piovesan : "A Constituição de 1 988 recepciona os


direitos enunciados em tratados internacionais, de que o Brasil é parte,
conferindo-lhes hierarquia de norma constitucional. Isto é, os direitos constantes
nos tratados internacionais integram e complementam o catálogo de direitos
constitucionalmente previsto, o que justifica estender a estes direitos o regime
constitucional conferido aos demais direitos e garantias fundamentais".

Estávamos, pois, diante de norma constitucional, que impunha a decisão


judicial em prazo razoável. Concluía-se, portanto, que, também em nosso país, o
direito ao processo sem dilações indevidas, como corolário do devido processo
legal, vinha expressamente assegurado ao membro da comunhão social por
norma de aplicação imediata (art. 5°, §1°, CF/1 988).56 Decorreria esse direito
fundamental, ainda, do princípio da inafastabilidade da jurisdição.

A EC n. 45/2004, que reformou constitucionalmente o Poder judiciário,


incluiu o inciso LXXVI II no art. 5o da CF/1 988: "a todos, no âmbito judicial e
administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que
garantam a celeridade de sua tramitação". O CPC ratificou esse princípio no art.
4°, esclarecendo que ele se aplica inclusive à fase executiva: "As partes têm
direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a
atividade satisfativa". O inciso li do art. 1 39 reforça o princípio: "Art. 1 39. O juiz
dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: (. .. )
11 - velar pela d u ração razoável do processo".

Princípio da imparcialidade do juiz (juiz natural)


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Vem estabelecido no art. 5°, LIII e XXXVII, da Constituição Federal. O


primeiro inciso dispõe que ninguém será processado nem sentenciado senão
pela autoridade competente, e o segundo, que não haverá juízo ou tribunal de
exceção.

A preocupação do legislador se manifesta em dois aspectos: o de conter


eventual arbítrio do poder estatal; e o de assegurar a imparcialidade do juiz,
impedindo que as partes possam ter qualquer liberdade na escolha daquele que
julgará o seu processo.

O juiz natural é aquele cuja competência é apurada de acordo com regras


previamente existentes no ordenamento jurídico, e que não pode ser modificada
a posteriori. Seria muito perigoso se o Estado pudesse criar juízos ou tribunais
excepcionais para julgar um fato ocorrido anteriormente. Estaria aberta a via
para o arbítrio, porque, se isso fosse possível, poderia o Estado retirar a causa de
seu juiz natural. Além disso, se não houvesse regras previamente estabelecidas
de competência, haveria o risco de o litigante escolher o juízo onde a demanda
deveria ser proposta. Para tanto, ele procuraria aquele em que houvesse um juiz
cuja convicção pudesse estar afinada com os seus interesses. A preexistência de
normas impede que isso ocorra: o juiz natural não é apurável aleatoriamente,
mas por regras prévias.

Princípio da publicidade dos atos processuais

Processo devido é processo público. O direito fundamental à publicidade


dos atos processuais está garantido pelo art. so, LX, CF /1 988. Os arts. 8o e 11 do
CPC reafirmam essa exigência. Como afirmou o juiz americano Louis Brandeis, "A
luz do sol é o melhor dos detergentes; a luz elétrica é o melhor policial". Os atos
processuais hão de ser públicos. O princípio da publicidade gera o direito
fundamental à publicidade. Trata-se de direito fundamental que tem,
basicamente, duas funções: a) proteger as partes contra juízos arbitrários e
secretos (e, nesse sentido, é conteúdo do devido processo legal, como
instrumento a favor da imparcialidade e independência do órgão jurisdicional);
b) permitir o controle da opinião pública sobre os serviços da justiça,
principalmente sobre o exercício da atividade jurisdicional.

Essas duas funções revelam que a publicidade processual tem duas


dimensões: a) interna: publicidade para as partes, bem ampla, em razão do
direito fundamental ao processo devido; b) externa: publicidade para os
terceiros, que pode ser restringida em alguns casos, como se verá.
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A Constituição Federal estabelece possibilidade de restrição (mas não


eliminação) da publicidade externa: "a lei só poderá restringir a publicidade dos
atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem"
(art. 5°, LX, CF/1 988).

Há grande preocupação em reafirmar essa garantia constitucional. O CPC


repete a exigência no art. 1 89. O art. 1 89 determina que alguns processos
devem tramitar em segredo de justiça: 1 - em que o exija o interesse público ou
social; 2 -que versem sobre casamento, separação de corpos, divórcio,
separação, união estável, filiação, alimentos e guarda de crianças e adolescentes;
3 - em que constem dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade; 4
- que versem sobre arbitragem, inclusive sobre cumprimento de carta arbitral,
desde que a confidencial idade estipulada na arbitragem seja comprovada
perante o juízo. O art. 1 89 do CPC é regra que dá densidade normativa ao
princípio da publicidade.

O direito de consultar os autos de processo que tramite em segredo de


justiça e de pedir certidões de seus atos é restrito às partes e aos seus
procuradores. O terceiro que demonstrar interesse jurídico pode requerer ao juiz
certidão do dispositivo da sentença, bem como de inventário e parti lha
resultante de divórcio ou separação (art. 1 89, §2°, CPC).

Nos casos de segredo de justiça, pode ser autorizada a presença somente


das partes, de seus advogados, de defensores públicos ou do Ministério Público,
nas audiências ou sessões de julgamento (art. 1 1 , par. ún., CPC).

A Emenda Constitucional n. 45/2004 ratificou a exigência da publicidade de


todos os atos provenientes dos órgãos do Poder judiciário. Os incisos IX e X do
art. 93 da CF/1 988 passaram a ter a seguinte redação: "IX - todos os julgamentos
dos órgãos do Poder judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as
decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em
determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes,
em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo
não prejudique o interesse público à informação; X - as decisões administrativas
dos tribunais serão motivadas e em sessão pública, sendo as disciplinares
tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros". O processo arbitral
pode ser sigiloso. O sigilo não é pressuposto do processo arbitral, mas é bem
comum. O sigilo do processo arbitral restringe-se à publicidade externa. Não há
problema em relação a isso: trata-se de exercício da jurisdição por órgão não-
estatal, cujo objeto envolve situações jurídicas disponíveis titularizadas por
pessoas capazes. O sigilo do processo arbitral é concretização do direito
fundamental à preservação da intimidade. A arbitragem que envolve entes
públicos, porém, não pode ser sigilosa.
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O princípio dispositivo e a propositura da demanda

Com raras exceções, cumpre à parte interessada ingressar em juízo,


provocando a jurisdição. Ela o faz com o ajuizamento da demanda, sem o qual o
processo não tem início. Parte da doutrina alude aqui à existência do chamado
"princípio da demanda", que poderia ser assim resumido: o juiz não age de
ofício, mas aguarda a provocação das partes, sem a qual não tem iniciativa. Mas
a exigência de propositura da demanda não deixa de constituir manifestação do
poder dispositivo: cabe à parte interessada decidir se ingressa ou não em juízo,
cabendo-lhe ainda verificar qual o momento oportuno para tanto. O titular do
direito pode, se o preferir, não ingressar com ação nenhuma e sofrer as
consequências de sua inércia.

As ações que podem ser iniciadas de ofício, como a arrecadação de bens de


ausente, não prejudicam a regra geral de inércia da jurisdição.

Princípio inquisitivo ou do impulso oficial

A organização do processo não prescinde de uma distribuição das funções


que devam ser exercidas pelos sujeitos processuais. Cada um deles exerce um
papel, mais ou menos relevante, na instauração, no desenvolvimento e na
conclusão do processo.

A doutrina costuma identificar dois modelos de estruturação do processo:


o modelo adversarial e o modelo inquisitorial. Não obstante haja m u ita
discussão em torno da caracterização de tais modelos, bem como seja criticável a
terminologia, a dicotomia ainda continua sendo bastante utilizada e serve, assim,
como uma apresentação, ao menos para fins didáticos, do tema.

Em suma, o modelo adversarial assume a forma de competição ou disputa,


desenvolvendo-se como um conflito entre dois adversários diante de um órgão
jurisdicional relativamente passivo, cuja principal função é decidir o caso. O
modelo inquisitorial (não adversarial) organiza-se como uma pesquisa oficial,
sendo o órgão jurisdicional o grande protagonista do processo. No primeiro
sistema, a maior parte da atividade processual é desenvolvida pelas partes; no
segundo, cabe ao órgão judicial esse protagonismo.

A divisão do "trabalho" processual é tema clássico e dos mais importantes.


Como afirma Barbosa Moreira, "falar dos poderes do juiz importa enfrentar
problema central de política jurídica, a cujo respeito todo o sistema processual é
chamado a definir-se: o problema da 'divisão de trabalho' entre o órgão judicial e
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as partes. (. .. ) Aceita a premissa de que ao titular do direito, em princípio, toca


livremente resolver se ele deve ou não ser defendido em juízo, daí não se
extrairá, sem manifesto salto lógico, que lhe assista idêntica liberdade de influir
na maneira por que, uma vez submetida a lide ao órgão estatal, deva este atuar
com o fi m de estabelecer a norma jurídica concreta aplicável à espécie.

Se cabe ver no litígio uma como enfermidade social, a cuja cura se ordena
o processo, antes parece lícito raciocinar analogicamente a partir do fato de que
o enfermo, no sentido físico da palavra, livre embora de resolver se vai ou não
internar-se em hospital, tem de sujeitar-se, desde que opte pela internação, às
disposições do regulamento: não pode impor a seu bel-prazer horários de
refeições e de vis itas, nem será razoável que se lhe permita controlar a atividade
do médico no uso dos meios de investigação indispensáveis ao diagnóstico, ou na
prescrição dos remédios adequados".

Fala-se que, no modelo adversarial, prepondera o princípio dispositivo, e,


no modelo inquisitorial , o princípio inquisitivo.

Princípio da Inércia

Toda a ação jurisdicional é inerte, ou seja, só há ação se houver jurisdição.


O juiz deve ser provocado para decidir. Por essa razão, quase todas as vezes em
que há ações “ex oficio” do juiz, questiona-se a violação ao princípio da inércia.
Pergunta-se: A concessão de “Habeas Corpus” de ofício violaria o princípio da
inércia? Para Ada Pellegrini, a necessidade de proteção da liberdade individual
justificaria o exercício espontâneo da jurisdição.

Princípios da instrumentalidade das formas

O Código de Processo Civil em vigor teve seus princípios fincados e


alinhados com a Constituição Federal de 1988. Ditos princípios, em especial o
aqui tratado (instrumentalidade das formas), apesar de não estar previsto na
CR/88, está presente em vários dispositivos da norma infraconstitucional
(arts.188 e 276 a 283, do NCPC), colocando-se como um dos mecanismos de
consecução de uma justiça mais efetiva, na medida em que, sem se apegar ao
rigorismo dos ritos, pretende entregar aos jurisdicionados a realização do direito
material almejado.

Não se quer aqui abolir as formalidades, a linha lógica dos procedimentos


do processo, até mesmo porque caso isso ocorresse a sua própria existência
estaria prejudicada, mas tão somente articular que é possível se utilizar do
processo de uma forma mais flexibilizada, visando à resolução do direito, sem se
ater ao formalismo exagerado. O que se propõe é colocar a frente à resolução da
15

matéria enviada à apreciação do judiciário, sem que esta reste prejudicada, por
formalismos extremos. O ato que não cause prejuízo a nenhuma parte e atenda
a sua finalidade, não pode deixar de ser aproveitado, servindo-se, a contrário
sensu, de empecilho para que ocorra a prestação estatal acerca da resolução do
mérito.

Princípio da Eventualidade

O princípio da eventualidade assegura que surgindo oportunidade para a


prática de um ato, o desprezo pela parte dessa oportunidade impede que
depois a mesma venha a renascer. Pode ser demonstrada de forma nítida o
princípio no art. 300, que obsta que o réu, superado o prazo da contestação,
traga argumentos defensivos que deveriam vir logo após a citação.

Associada à eventualidade está a preclusão, que indica justamente a


perda de um direito pela falta de exercício oportuno ou pela realização de
conduta antiética. Nos termos do art. 300 do Estatuto Adjetivo "compete ao
réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa...". Assim, o momento
processual oportuno para apresentação de TODA matéria de defesa,
circunscreve-se ao prazo de apresentação da contestação (uma dentre as três
modalidades de defesa do Réu - contestação; reconvenção e exceção, sem
prejuízo de, quando cabível, ADI e impugnações - valor da causa, assistência
judiciária gratuita etc).

O Princípio da Eventualidade deve ser observado pelo réu, quando da


apresentação de sua contestação, pois, caso não alegue toda matéria de defesa
em tal ocasião, ocorrerá a denominada preclusão consumativa, ou seja, não lhe
será lícito, após o prazo de apresentação de contestação, alegar matéria que
deveria ter alegado na contestação. Vale também observar acerca do instituto
da preclusão consumativa, ao comentarem o artigo 183 do Código de Processo
Civil. Preclusão consumativa.

Diz-se consumativa a preclusão, quando a perda da faculdade de praticar


o ato processual decorre do fato de já haver ocorrido a oportunidade para
tanto, isto é, de o ato já haver sido praticado e, portanto, não pode tornar a sê-
lo. Exemplos: a) se a parte apelou no 3º dia do prazo, já exerceu a faculdade, de
sorte que não poderá mais recorrer ou completar seu recurso, mesmo que
ainda não se tenha esgotado o prazo de 15 dias; b) se o réu contestou no 10º
dia de prazo, não pode reconvir, ainda que dentro do prazo da resposta,
porque a reconvenção deve ser ajuizada simultaneamente com a contestação
(CPC 299): apresentada esta, a oportunidade para ajuizar reconvenção já terá
ocorrido; c) se a parte recorreu no 10º dia do prazo, já exerceu a faculdade de
16

modo que não poderá efetuar posteriormente o preparo, pois a lei exige que
este seja feito juntamente com a interposição do recurso (CPC 511).

Normalmente a preclusão consumativa ocorre quando se trata de ato


complexo, isto é, de mais de um ato processual que devam ser praticados
simultaneamente, na mesma oportunidade.” Vale salientar, ainda, que o
princípio da eventualidade deve ser conjugado com o princípio da impugnação
específica, enunciado no art. 302 do CPC.

Por tal princípio, caberá ao réu impugnar TODOS (um a um) os fatos
aduzidos pelo Autor, sendo certo que, sobre os fatos não impugnados, incidirão
os efeitos da revelia (saiba desde já que revelia não é pena, pois em processo
não existe dever, mas apenas faculdade que, quando não exercida, acarreta
determinado ônus e sanção).

Princípio da motivação das decisões judiciais

Vem expressamente estabelecido no art. 93, IX, da Constituição Federal,


que determina que serão públicos todos os julgamentos dos órgãos do Poder
Judiciário e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade. O juiz, ou
tribunal, ao proferir suas decisões, deve justificá-las, apresentando as razões
pelas quais determinou essa ou aquela medida, proferiu esse ou aquele
julgamento.

Sem a fundamentação, as partes, os órgãos superiores e a sociedade não


conheceriam o porquê de o juiz ter tomado aquela decisão. A fundamentação é
indispensável para a fiscalização da atividade judiciária, assegurando-lhe a
transparência. Esse controle - fundamental nos Estados democráticos - poderá
ser exercido pelos próprios litigantes, pelos órgãos superiores, em caso de
recurso, e pela sociedade.

Em caso de falta de motivação, qualquer dos litigantes poderá valer-se dos


embargos de declaração, solicitando ao juiz que explique os fundamentos de sua
decisão. Ou poderá valer-se do recurso adequado para postular a nulidade da
decisão.

Dentre os pronunciamentos judiciais, apenas os despachos dispensam a


fundamentação. Mas despachos são aqueles atos que não têm nenhum
conteúdo decisório e que, por essa razão, não podem trazer nenhum prejuízo
aos participantes do processo. Se existir risco de prejuízo, não haverá despacho,
mas decisão, que deverá ser fundamentada.

O CPC, em cumprimento ao determinado na CF, manifesta particular


preocupação com a fundamentação das decisões judiciais. O art. 489, $ 1º,
estabelece que não se consideram fundamentadas as decisões judiciais, de
17

qualquer tipo, quando se limitam à indicação, à reprodução ou à paráfrase de


ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;
quando empregam conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo
concreto de sua incidência no caso; quando invocam motivos que se prestariam
a justificar qualquer outra decisão; quando não enfrentam todos os argumentos
deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo
julgador; quando se limitam a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem
identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob
julgamento se ajusta àqueles fundamentos; e quando deixam de seguir
enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem
demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do
entendimento.

Princípio da economia processual.

O princípio da economia processual é uma lembrança de que o processo


existe por uma razão, e assim não faz sentido considerar o processo pelo
processo; é necessário ter uma economia. Nesse sentido, é possível ao juiz
adequar o procedimento ao caso concreto, ou ainda, no que ainda é mais
comum, desconsiderar mesmo certas irregularidades, de pequeno vulto, diz-se
“que não causarem prejuízo”, prosseguindo com o processo, não obstante tais
irregularidades. Por essa razão é que o princípio da economia processual está
bastante relacionado com a teoria das nulidades processuais, que busca
justamente explicar essa questão de desconsiderar certas irregularidades a bem
do processo.

Principio da impugnação especificada

Trata-se de instituto jurídico que impõe ao réu o ônus de rebater,


específica e pontualmente, todas as alegações de fato feitas pelo autor. Via de
regra o momento para tal impugnação é na defesa/contestação, sob pena de
preclusão, presumindo-se verdadeiros os fatos alegados e não impugnados.

O ônus da impugnação específica veda, assim, a elaboração de defesas


genéricas, inespecíficas ou abstratas, fundadas em mera negativa geral, impondo
ao réu o dever de ser claro e preciso em suas manifestações, rebatendo
“pontualmente todos os fatos narrados pelo autor com os quais não concorda,
tornando-os controvertidos”4 . O ônus da impugnação específica, em conjunto
com outros deveres processuais impostos ao réu ( expor os fatos conforme a
verdade e não apresentar defesa destituída de fundamento), prestigiam a
lealdade processual, pois:

“Se o réu, ao apresentar contestação, pudesse calar sobre um fato, de


nada adiantaria a imposição de não se deduzir defesa ciente de que é destituída
18

de fundamento. Por outro lado, se o réu pudesse deduzir defesa ciente de que
não tem fundamento, pouco importaria impor a necessidade de contestação na
forma especificada – nessa linha, jamais se poderia apensar em dever de boa fé
no processo civil. Em outros termos, diante do dever de lealdade estabelece se o
ônus de impugnação específica.”

Principio da Primazia

O CPC consagra o princípio da primazia da decisão de mérito. De acordo


com esse princípio, deve o órgão julgador priorizar a decisão de mérito, tê-la
como objetivo e fazer o possível para que ocorra. A demanda deve ser julgada -
seja ela a demanda principal (veiculada pela petição inicial), seja um recurso, seja
uma demanda incidental.

Princípio da cooperação

Vem expressamente consagrado no art. 6° do CPC: "Todos os sujeitos do


processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável,
decisão de mérito justa e efetiva". Constitui desdobramento do princípio da boa-
fé e da lealdade processual. Mas vai além, ao exigir, não propriamente que as
partes concordem ou ajudem uma à outra - já que não se pode esquecer que há
um litígio entre elas -, mas que colaborem para que o processo evolua
adequadamente. Um exemplo concreto é aquele fornecido pelo art. 357, $ 3º,
que trata do saneamento do processo. Em regra, ele é feito pelo juiz, sem
necessidade da presença das partes.

Mas, se a causa apresentar complexidade em matéria de fato ou de


direito, o juiz deverá convocar audiência, para que o saneamento seja feito em
cooperação com as partes, oportunidade em que, se for o caso, ele as convidará
a integrar ou esclarecer suas alegações. Outro é o do art. 321 do CPC, que obriga
o juiz a indicar com precisão o que deve ser corrigido ou completado na petição
inicial, quando ordena ao autor que a emende.

Melhor seria que o legislador determinasse a cooperação das partes para


que se pudesse obter em tempo razoável um provimento jurisdicional justo e
efetivo, já que, ao referir-se a decisões de mérito, ele se esqueceu das
execuções, nas quais não há esse tipo de decisão. Apesar da omissão, parece-nos
que, como o princípio da cooperação está entre as normas fundamentais do
processo, na Parte Geral do CPC, ele se aplica tanto aos processos de
conhecimento como aos de execução.

O princípio da cooperação exige do magistrado que observe a) o dever de


esclarecer as partes sobre eventuais dúvidas a respeito de suas determinações,
bem como b) o de consultá-las a respeito de dúvidas com relação às alegações
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formuladas e às diligências solicitadas, e de c) preveni-las quanto a eventuais


deficiências ou insuficiências de suas manifestações.

Princípio da imediação

Em termos processuais, o princípio da imediação ou imediatidade decorre


do disposto no art. 446, II, do Código de Processo Civil que impõe ao juiz o dever
de proceder direta e pessoalmente à colheita das provas na audiência, ou seja,
ouvir as partes em interrogatório ou depoimento, inquirir testemunhas com
formulações próprias ou dos procuradores das partes, pedir esclarecimentos aos
peritos e assistentes técnicos. Coisa diversa é o instituto pertencente ao Direito
Material do Trabalho, quando fala da justa causa e que exige imediatidade na
aplicação, ou seja, que não haja perdão tácito, pela demora em punir. Assim,
pelos que comungam dessa doutrina, o princípio da imediatidade ou da
imediação é consubstanciado na colheita da prova oral direta, efetiva e
concretamente realizada pelo juiz de primeiro grau, sem intermediários, para
possibilitar que ele sinta o pulso de quem relata, capacitando-se para a
motivação da sua decisão, motivação essa que deve, precisamente por tais
circunstâncias, ser, a princípio, prestigiada pelos Tribunais

Princípio da persuasão racional (ou livre convencimento motivado)

Tem relação com o anterior, porque diz respeito à instrução do processo e


as provas colhidas. Mas, enquanto os subprincípios dos itens anteriores
versavam sobre a colheita de provas, este diz respeito à sua avaliação.

O livre convencimento motivado é uma conquista dos sistemas judiciários


modernos. São três os sistemas gerais de avaliação de prova: o da prova legal; o
do livre convencimento puro; e o da persuasão racional, ou livre convencimento
motivado.

Sistema da prova legal: a lei predetermina qual o valor que o juiz deve dar
a cada prova, e ele não pode desrespeitar essa prévia atribuição legal. Há como
que uma hierarquia legal de provas, estabelecida por lei. Se ela determinar que
um fato só pode ser comprovado de certa maneira, o juiz não pode formar o seu
convencimento fundado em outro tipo de prova. Esse sistema não foi acolhido
no Brasil, mas há resquícios dele em nosso ordenamento. Um exemplo é o do
art. 406 do CPC: "Quando a lei exigir instrumento público como da substância do
ato, nenhuma outra prova, por mais especial que seja, pode suprir-lhe a falta".
Por força desse artigo, não se pode provar uma compra e venda de imóveis no
Brasil por meio de testemunhas ou por perícia, mas apenas pelo instrumento
público, que é da substância do próprio ato, necessário para que ele se
aperfeiçoe.
20

Sistema do livre convencimento puro, ou da consciência do juiz: autoriza o


magistrado a julgar conforme a sua convicção, sem necessidade de se fundar em
provas colhidas nos autos. O juiz pode julgar como lhe parecer melhor, como
achar acertado, sem necessidade de embasar o seu convencimento, senão na
própria consciência. Esse sistema não foi acolhido entre nós.

O sistema adotado no Brasil foi o da persuasão racional ou livre


convencimento motivado. Cumpre ao juiz formar o seu convencimento
livremente, examinando as provas produzidas. Mas essa convicção tem de estar
embasada e fundamentada nos elementos que constam dos autos. Dispõe o art.
371 do CPC: "O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente
do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de
seu convencimento". Esse sistema está diretamente relacionado ao princípio da
fundamentação das decisões judiciais, estabelecido no art. 93, IX, da Constituição
Federal. Afinal, é preciso que o juiz indique os motivos que formaram o seu
convencimento e que eles resultem das provas colhidas, que o juiz poderá
valorar livremente.

Princípio da boa-fé

Os sujeitos processuais devem com portar-se de acordo com a boa-fé, q u


e, nesse caso, deve ser entendida como uma norma de conduta ("boa-fé
objetiva")

Esse é o princípio da boa-fé processual, q u e se extrai do art. so do CPC:


"Aquele que de qualquer forma participa do processo deve com portar-se de
acordo com a boa-fé". Nessa linha, ampliando a incidência do princípio da boa-
fé processual a todos os sujeitos processuais, inclusive ao juiz, o art. 52 do
Código de Processo Civil Suíço de 2009, fonte de inspiração do art. 5º do CPC
brasileiro.

Não se pode confundir o princípio (norma) da boa-fé com a exigência de


boa-fé (elemento subjetivo) para a configuração de alguns atos i lícitos
processuais, como o manifesto propósito protelatório, apto a permiti r a tutela
provisória prevista no inciso I do art. 311 do CPC. A boa-fé subjetiva é elemento
do suporte fático de alguns fatos jurídicos; é fato, portanto. A boa-fé objetiva é
uma norma de conduta: impõe e proíbe condutas, além de criar situações
jurídicas ativas e passivas. Não existe princípio da boa-fé subjetiva. O art. so do
CPC não está relacionado à boa-fé subjetiva, à intenção do sujeito processual:
trata-se de norma que impõe condutas em conformidade com a boa-fé
objetivamente considerada, i n dependentemente da existência de boas ou
más intenções.
21

Na doutrina brasileira, não é comum a menção a uma "boa-fé objetiva


processual". O princípio da boa-fé extrai-se de uma cláusula processual. A
opção por uma cláusula geral de boa-fé é a mais correta. É que a infinidade de
situações que podem surgir ao longo do processo torna pouco eficaz qualquer
enumeração legal exaustiva das hipóteses de comportamento desleal. Daí ser
correta a opção da legislação brasileira por uma norma geral que impõe o
comportamento de acordo com a boa-fé. Em verdade, não seria necessária
qualquer enumeração das condutas desleais: o art. 5° do CPC é bastante,
exatamente por tratar-se de uma cláusula geral.

Princípio da identidade física do juiz

Vinha acolhido expressamente no art. 132 do CPC de 1973, que assim


estabelecia: "O juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência julgará a lide,
salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido
ou aposentado, caso em que passará os autos ao seu sucessor" .

A redação não era das mais precisas. Estabelecia um vínculo entre o


"concluir audiência" e o ”julgar a lide". Mas, para que o juiz ficasse vinculado,
não bastava que concluísse a audiência. Era indispensável que colhesse prova
oral. Se, na audiência, ele não ouvisse ninguém, nem o perito, nem as partes em
depoimento pessoal, nem as testemunhas, não havia razão para que fosse ele a
julgar.

O princípio pressupunha que o juiz que colhesse a prova seria o mais


habilitado a proferir sentença, porque o contato pessoal com partes e
testemunhas poderia ajudar no seu convencimento.

O art. 132 do Código Civil de 1973 não foi repetido no CPC atual, o que traz
a relevante questão de saber se, diante da omissão da nova lei, teria sido
excluído o princípio da identidade física do juiz, deixando de haver vinculação ao
julgamento daquele que colheu prova oral em audiência. Parece-nos que,
conquanto a lei atual não repita o dispositivo da lei antiga, o princípio da
identidade física do juiz permanece no sistema atual, se não como lei expressa,
ao menos como regra principiológica. O CPC atual continua acolhendo o princípio
da oralidade, e, como se vê de outros dispositivos, como os arts. 139, 370 e 456
do CPC, a lei atribui ao juiz a colheita das provas, a avaliação daquelas que são
pertinentes, bem como a possibilidade de determinar de ofício as necessárias e
indeferir as inúteis e protelatórias.

É corolário do sistema, e dos demais subprincípios derivados da oralidade,


seja o da imediação, o da concentração ou o da irrecorribilidade em separado
das interlocutórias, que seja mantido o princípio da identidade física do juiz,
porque o juiz que colhe a prova estará mais apto a julgar, pelo contato direto
22

que teve com as partes e as testemunhas. Como não há dispositivo equivalente


ao art. 132 do CPC de 1973, mas o sistema continua acolhendo o princípio da
identidade física do juiz, parece-nos que as regras estabelecidas naquele
dispositivo continuam valendo, isto é, o juiz que colhe prova em audiência
continua se vinculando ao julgamento do processo, ressalvadas as exceções
trazidas pelo próprio dispositivo legal.

Vale lembrar, ainda, que em tempos não muito distantes a Lei n.


11.719/2008 introduziu o princípio da identidade física do juiz no Processo Penal,
ao acrescentar o $ 2° ao art. 399: “O juiz que presidiu a instrução deverá proferir
sentença". Não se justifica que, acolhido recente mente pelo Processo Penal, o
princípio seja eliminado do Processo Civil, sendo manifestamente benéficas as
consequências de sua adoção e sendo possível deduzi-lo do sistema geral de
oralidade acolhido pelo atual CPC.

Jurisprudência

O nosso ordenamento jurídico processual, oriundo do sistema romano-germânico,


estava baseado fundamentalmente na norma escrita, embora mesmo antes da entrada em
vigor do CPC/2015 já fosse possível identificar a influência do sistema anglo-saxônico. Com a
nova lei, que adotou o sistema dos precedentes vinculantes, pode-se afirmar que o nosso
sistema, embora ainda predominantemente embasado na civil law, passou a ser, de certa
forma, híbrido, já que, tal como nos países da common law, os precedentes e súmulas
vinculantes se erigem em verdadeira fonte formal do direito. Mas apenas nos casos em que
eles são vinculantes.

Afora essas hipóteses, a jurisprudência não é fonte formal do direito. Uma sentença
ou uma decisão judicial não podem estar fundadas apenas em jurisprudência (não
vinculante). porque, tecnicamente, ela não é fonte de direito; devem basear-se em lei, ou,
no caso de lacuna, nas fontes formais subsidiárias. Os precedentes judiciais não obrigatórios
serão úteis para reforçar as conclusões do julgador. Quanto mais reiteradas forem as
decisões em determinado sentido, mais auxiliarão a demonstrar o acerto do julgamento,
sobretudo quando provierem dos Tribunais Superiores.

O CPC deu extraordinária importância à jurisprudência. Determinou que os tribunais


a uniformizem e mantenham estável, íntegra e coerente, editando enuncia dos de súmulas
correspondentes a sua jurisprudência dominante, na forma estabelecida e segundo os
pressupostos fixados no regimento interno. Ampliou, ainda, o rol de precedentes
obrigatórios; ordenando que os juízes e tribunais observem: as decisões do Supremo
Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; os enunciados de súmulas
vinculantes; os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de
demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; os
enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do
23

Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; e a orientação do plenário ou do


órgão especial aos quais estiverem vinculados.

Nas três primeiras hipóteses, isto é, afronta a decisão do STF em controle


concentrado de constitucionalidade, afronta de súmula vinculante, ou inobservância de
decisão proferida em incidente de assunção de competência e em julgamento de casos
repetitivos, considerados tais o incidente de resolução de demandas repetitivas e o recurso
especial e extraordinário repetitivos (nos recursos repetitivos, a reclamação só caberá se
esgotadas as instâncias ordinárias - art. 988, $ 5º), caberá ao interessado ou ao Ministério
Público fazer uso da reclamação, como meio de impugnação. Não há previsão de reclamação
para as duas últimas hipóteses.

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