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Precedentes no Código de Processo Civil de 2015: somos

ainda Civil Law?

PRECEDENTES NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015: SOMOS AINDA


CIVIL LAW?
Precedents in the 2015 Civil Procedure Code: are we still a Civil Law Jurisdiction?
Revista de Processo | vol. 258/2016 | p. 387 - 418 | Ago / 2016
DTR\2016\22289

José Wellington Bezerra da Costa Neto


Doutor e Mestre em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito da USP. Juiz de
Direito no Estado de São Paulo. jwneto@tjsp.jus.br

Área do Direito: Processual


Resumo: Inicialmente foram trazidos panoramas gerais a respeito do princípio do stare
decisis, sua caracterização, a compreensão ou não como postulado constitucional
albergado pela ideia de Estado de Direito, e sobretudo, as vantagens que em geral são
invocadas para lhe servirem de justificativa. Adiante procurou-se definir o que se
entende propriamente como efeito vinculante, passando-se pela abordagem de conceitos
fundamentais, como ratio decidendi e obiter dictum. Ao depois, o paralelo entre o stare
decisis como classicamente encontrado nas culturas de common law e a jurisprudência
vinculante brasileira, em especial os fatores que os distinguem. Passa-se então ao
estudo mais rente à dogmática, dos preceitos que no Código de Processo Civil de 2015
regulamentam a vinculação a precedentes, inclusive abrindo-se capítulo próprio para
abordagem das fundamentais técnicas do distinguishing e do overruling. Por fim, na
conclusão, após o reconhecimento da convergência de regimes de common law e civil
law, tem-se a afirmação da peculiar posição brasileira, a meio termo entre os dois
sistemas, postulando a aproximação do stare decisis, porém ainda aferrado ao método
hermenêutico e decisional típico do civil law, positivista normativista.

Palavras-chave: Stare decisis e a caracterização da vinculação a precedentes - Ratio


decidendi e obiter dictum - Jurisprudência vinculante brasileira no Código de Processo
Civil de 2015 - Distinguishing e overruling - Convergência dos regimes de civil law e
common law - A peculiar posição híbrida do regime brasileiro.
Abstract: Initially it was drawn general panoramas concerning stare decisis principle, its
characterization, its inclusion or not as constitutional postulate embraced by the rule of
Law idea, and above all, the vantages that in general are invoked as its justification.
After that, we sought to define what is the proper understanding about binding effect,
passing trough the approach of fundamental concepts, as ratio decidendi and obiter
dictum. Next, the parallel between stare decisis as classically found in the common law
cultures and the Brazilian binding jurisprudence, specially the factors that distinguish
them. The text then shifts to a closer dogmatic view at the new civil procedure code
norms that regulate the binding effect of precedents, including opening a special chapter
to study the fundamental techniques of distinguishing and overruling. At last, in the
conclusion, after recognizing the convergence between common law and civil law
regimes, we reach the affirmation of Brazilian peculiar position, a half way between the
two systems, pleading an approach to stare decisis, but still linked to the hermeneutic
and decisional methods proper to the positivism normativist tipical to civil law.

Keywords: Stare decisis and the characterization on binding precedent - Ratio decidendi
e obiter dictum - Brazilian binding jurisprudence in the 2015 Civil Procedure Code -
Distinguishing and Overruling - Convergence of civil law and common law schemes - The
Brazilian peculiar hybrid position.
Sumário:

1Introdução. - 2Caracterização do efeito vinculante. - 3O stare decisis e a jurisprudência


vinculante brasileira. - 4Precedentes no Código de Processo Civil de 2015. -
5Distinguishing e Overruling. - 6Conclusões. - 7Bibliografia.

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1 Introdução.

Define-se o stare decisis como a noção de que um princípio jurídico deduzido de uma
decisão judicial será sopesado e aplicado no deslinde de um caso futuro. Assim, na
sistemática de common law a decisão judicial se presta a uma dúplice função: decide o
caso concreto (res judicata) e estabelece-se como precedente a ser observado no futuro.
No sistema em questão, que se define como aquele em que o Direito é enunciado e
desenvolvido por meio de decisões judiciais, o stare decisis acaba assumindo papel
1
fundamental.

De modo mais explícito, afirma Charles D. Cole que a decisão da Corte que constitui
precedente, efetivamente é lei, que determina o que significa a Constituição dentro da
2
esfera de competência que cabe à Corte que pronuncia a decisão (estadual ou federal).
Assim, a “autoridade” que faz um precedente vinculante significa dizer que ele se
3
caracteriza como fonte do Direito.

Há três condições favoráveis ao desenvolvimento do princípio do stare decisis. O


primeiro deles, um ambiente em que as principais regras sejam não escritas. Em
segundo lugar, a Corte ostentar um papel unificador no contexto de um sistema judicial
com forças centrífugas. E por fim, um sistema em que seja necessário recorrer a
princípios, os quais são concretizados e interpretados exatamente pela ação das Cortes
(embora os sistemas europeus continentais e de common law contenham abordagens
4
diversas para chegar a esse mister).

A doutrina de common law conta com sedimentado debate a respeito da possibilidade de


se qualificar o princípio do stare decisis como postulado de ordem constitucional. Àqueles
que o definem como mera diretriz política, diz-se que se trata de postulado
constitucional, enraizado principalmente em normas não escritas, o que não significa que
seja um comando inexorável, senão que o afastar-se de um regramento anterior requer
alguma sorte de especial justificação. Historicamente sempre se compreendeu como da
essência do Poder Judiciário a criação de precedentes dotados de alguma forma de poder
5
vinculante.

Se se admite ser constitucionalmente sustentável que uma Corte Superior produza


precedentes vinculantes para Cortes inferiores, é também constitucionalmente aceitável
que implique algum tipo de vinculação para si mesma, no futuro. Assim que o poder de
vinculação via precedentes estaria na essência do Poder Judiciário, e por isto, não sujeito
às deliberações do Congresso, pena de violação à Necessary and Proper Clause da
6
Constituição norte-americana (art. III).

Há contextos mais complexos em que se tem desenvolvido o stare decisis, como na


União Europeia. Aliás, é importante desmistificar a associação do sistema de precedentes
aos regimes de common law, em razão do notável desenvolvimento de referido
postulado no âmbito do Tribunal de Justiça da União Europeia. Nas palavras de Thomas
Koopmans, “the actual climate of European law appears to favour the evolution of stare
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decisis”.

Disse-se mais complexo porque ali intromete-se na ideia de vinculação a precedentes


entre Cortes, o detalhe de se cuidarem de órgãos vinculados a nações diversas. Assim,
torna-se embaraçoso saber se as decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia
geram precedente vinculante para as Cortes Nacionais, especialmente porque não são
estas consideradas inferiores, inexistindo entre elas hierarquia formal.

O fato é que apesar das variantes e resistências eventuais das Cortes Nacionais, em
geral há uma tendência em se reconhecer que as Cortes Nacionais inclinam-se por se
adequarem às decisões da Corte Europeia, e que, em havendo discordância, deveriam
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submeter a avaliação do caso à mencionada Corte.

A doutrina do stare decisis assegura a continuidade (estabilidade); igualdade de


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tratamento; poupa o Judiciário de reanálises seguidas da mesma questão (economia


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processual); e proporciona a previsibilidade.

Apesar dos vários argumentos em favor do postulado (como os mencionados no anterior


parágrafo: segurança, estabilidade, eficiência decisional, desenvolvimento ordenado da
ciência do Direito, justiça, isonomia, contenção ao ativismo, entre outros), há custos que
não poderiam ser ignorados. Anota-se, assim, que o sistema favorece a perpetuação de
más decisões (más em termos de justiça e eficácia), além de ocasionar enorme
dispêndio de energia na apuração de todos os precedentes sobre dada situação, para
averiguar-se se seria o caso de distinguishing ou overruling, energia esta que podia ser
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empregada no debate do mérito propriamente dito.

Por óbvio que um debate a respeito das vantagens e desvantagens da adoção de um


sistema de precedentes em muito superaria as pretensões deste estudo e a capacidade
de seu autor, pois que se cuida de espinhoso assunto alvo de sedimentada e centenária
discussão que ultrapassa os limites do direito processual. Destarte, o que aqui se cogita
a este respeito se faz sem falsas expectativas, apenas como forma de contextualizar o
quanto segue.

Um bom sistema legal demanda razoável estabilidade, e muito embora decisões


equivocadas ou disfuncionais certamente devam ser superadas, a continuidade é
presumivelmente desejável, pena de sobrecarga da Corte e da própria nação se a cada
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caso que se apresente houvesse necessidade de reconsiderar a questão legal.

Um dos principais aspectos na justificação do princípio do stare decisis, assim, parece


ser a ideia de previsibilidade. Esta que possibilitaria ao cidadão calcular suas condutas de
acordo com a certeza das consequências jurídicas delas emanadas, o que estabelece
uma importante relação entre liberdade e previsibilidade.

Como leciona Jeremy Waldron, a previsibilidade neste sentido se compõe de dois


elementos: a prática do Direito e da tomada de decisões que geram expectativas e a
proteção de que estas expectativas sejam dignas.

Segue o autor pontuando que expectativas apenas são geradas se o precedente é


articulado em termos compreensíveis que permitam que situações subsequentes sejam
trabalhadas à luz dele.

Assim, o postulado do stare decisis parece adicionar sua própria parcela de incerteza à
prática do Direito. Às vezes precedentes serão seguidos, às vezes não, sem que se saiba
exatamente quando e porquê o serão ou não Em outras situações o caso subsequente
será distinguished, e também será revertido (overruled). E quando nos adaptamos a
esta flexibilidade, surgirá um vetusto precedente que exercerá, no caso examinado,
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força vinculante.

Correta é a conclusão de que não é exatamente o regime de common law ou de civil law
que em si conferem maior segurança, mas sim a qualidade das decisões, que refletem o
quanto o Judiciário leva a sério ou não seu papel de concretizar a Constituição e orientar
a aplicação das leis. Quanto mais institucional for a decisão, isto é, mais infensa a
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critérios pessoais do magistrado, mais coerente e íntegra será a jurisdição.

Em verdade o tipo de previsibilidade exigida pelo rule of Law é uma que se qualifica
como principiológica. Isto é, baseada num mapeamento a respeito do entendimento
oficial e público a respeito de alguma situação fática dado pelas variadas fontes do
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Direito.

Outra crítica que se faz ao stare decisis é permitir a evolução do Direito apenas por
acidente. Julgamentos equivocados podem adquirir força obrigatória simplesmente
porque a parte derrotada não recorreu à instância superior o que, não raras vezes
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decorre até mesmo da falta de recursos financeiros.
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Jeremy Waldron pondera que a doutrina do stare decisis por vezes servirá para
cristalizar o rule of man ao invés do rule of Law, permitindo que se torne precedente, e
assim obrigatório para futuras decisões, um particular entendimento de alguém que
ocasionalmente é juiz, privilegiando suas ideias e preferências a respeito de uma
cláusula constitucional, ou mesmo de uma doutrina sedimentada de common law. Nestes
casos para o juiz subsequente o stare decisis afigura-se como obstativo ao atingimento
do Estado de Direito, pois torna mais dificultoso que prevaleça o entendimento ou a
interpretação que este juízo subsequente entende como sendo o mais apropriado para a
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questão, em razão da vinculação ao juízo precedente.

Curioso notar, a propósito, que as críticas que se referem a tendência que o sistema de
precedentes imporia de cristalização do Direito (e como visto no anterior parágrafo, até
mesmo de decisões que não eram na espécie a melhor alternativa interpretativa)
convivem com a defesa do direito jurisprudencial baseada em sua alta carga de
adaptabilidade à evolução da vida social e consequentemente dos fatos que constituem o
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substrato da atividade jurisdicional, os quais corriqueiramente deixam de ser
enquadráveis nas categorias de Direito rigidamente previstas no ordenamento inflexível
e codificado próprio ao civil law.

É um tanto quanto paradoxal afirmar concomitantemente que a grande vantagem de um


sistema é sua maleabilidade que confere melhor aderência às necessidades correntes da
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vida social, e que sua desvantagem é ossificar o Direito.

Outrossim, é contra-argumentável que o stare decisis também cristaliza as decisões


corretas, evitando futuras tentações a desvios, de modo que assim serviria bem ao ideal
do rule of Law.

Destarte, chega-se à conclusão de que o princípio da vinculação a precedentes pode ou


não servir à ideia de Estado de Direito. De todo modo, a possibilidade de dissonância
entre os dois princípios é, ainda, invencível.

De qualquer forma, a rule of Law acarreta certas consequências sobre a noção de


vinculação a precedentes, as quais podem ser decompostas em princípios: i) princípio da
constância: aconselha contrariamente a mudanças mesmo que sutis em precedentes
estabelecidos; ii) princípio da generalidade: reclama que os juízes profiram decisões
fundadas em normas gerais, não permitindo que os casos figurem como
particularidades; iii) princípio da responsabilidade institucional: exige que o juiz
subsequente reconheça o uso pelo precedente de certa norma geral; iv) princípio da
fidelidade ao Direito: recomenda que cada juiz, diante de um caso não explicitamente
regulado, procure aquilo que na hipótese possa ser considerado a exigência do Direito, a
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regulação, mesmo que implícita, decorrente do sistema de Direito (não apenas da lei).

Richard H Fallon Jr conclui que o princípio do stare decisis é dotado de índole


constitucional no sistema norte-americano, e que o seu arraigamento na praxe
constitucional é o que justifica atribuir-lhe o status de prática constitucionalmente
autorizada. A legitimidade da prática em questão, ademais, adviria de sua ampla
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aceitação, razoável justiça e prudência.

Entretanto, se fôssemos transpor dito debate para o sistema brasileiro, em especial no


raiar da vigência de um novo sistema processual civil, certamente que teríamos uma
perspectiva diferente. Podemos afirmar que a fixação de vinculação a precedentes conta
com matriz constitucional, já que na Constituição se encontra a previsão expressa de
súmulas vinculantes. A questão fundamental seria saber se poderia o sistema
infraconstitucional alargar o espectro de vinculação a precedentes, já que não se pode
negar que se cuide de expediente limitador da independência judicial.

Forçoso responder positivamente à questão formulada no anterior parágrafo. É que a


independência judicial convive com outros postulados que igualmente compõem a noção
de devido processo legal, com os quais tensiona, notadamente a exigência de isonomia.
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O poder jurisdicional é uno, não se confunde com a pessoa física do juiz. Suas
manifestações não são atreladas a opiniões pessoais deste ou daquele magistrado. Este
poder uno deve tratar de modo idêntico questões idênticas, e essa exigência, associada
à unidade do poder jurisdicional, prevalece sobre uma independência judicial que se
confunde distorcidamente com preferências pessoais do juiz.
2 Caracterização do efeito vinculante.

Em geral a doutrina do precedente é vista a partir da ótica retrospectiva (pela óbvia


razão de que a decisão que aplica um precedente olha para trás). Propõe-se,
igualmente, uma perspectiva prospectiva (forward-looking), inclusive para avaliar o
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princípio do stare decisis à luz da ideia de Estado de Direito (rule of Law).

Em primeiro lugar, é fundamental observar que ao extrair um princípio jurídico do caso


precedente, o juiz do caso atual sob exame não o aplicará de modo puro e simples, mas
sim proverá as adequações necessárias a atender ao caso concreto. É mais do que pura
e simples glosa, é a contribuição distinta daquele juiz ao crescimento e desenvolvimento
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do Direito.

Fincar esta noção é de suma importância porque elide uma falsa ideia que prime pela
aplicação “positivista” dos enunciados de precedentes, em especial súmulas vinculantes,
assimiladas a preceitos de lei. O precedente, frise-se, constitui-se num princípio, e
portanto, sujeito a todas a imprecisões, ponderações, gradações e zonas cinzentas como
lhes é peculiar. Ao ponto volveremos ao estabelecermos o padrão de comparação entre a
ideia de stare decisis e a jurisprudência vinculante como prevista em nosso
ordenamento.

O juiz do caso precedente, diante da questão a ser decidida, deverá encontrar a fórmula
de Direito aplicável à espécie em termos de regra geral, mesmo que não haja uma
explícita regulação geral da matéria. Não importa se ele a está “descobrindo” ou
efetivamente “criando”. Encontrar e articular a referida norma é o que o Estado de
Direito exige do juiz precedente. É esta norma geral que deve ser tomada em
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consideração pelo juiz subsequente.

O método de aferição do precedente inicia-se pela determinação dos fatos relevantes e


da questão legal a ser decidida. Quando o pesquisador encontra um caso que trata do
mesmo conjunto fático e da mesma questão de direito, tem-se um caso análogo.

Quando o caso análogo foi decidido pela Corte de última instância da jurisdição
(estadual; federal – de circuito ou nacional) e se cuidar de decisão tomada por maioria,
tem-se um precedente vinculante. Caso contrário (isto é, decisão não tomada por
maioria, ou baseada em fatos não absolutamente similares), então teremos um
precedente com autoridade persuasiva, caso em que a Corte empregará seu poder
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discricionário para determinar qual importância deverá ser dada à anterior decisão.

Destarte, o precedente autêntico nunca contém declaradamente em si o que


efetivamente gera efeito vinculante, de modo que não é aplicado de modo silogístico ou
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subsuntivo, mas sim a partir da lógica argumentativa. Aliás, nem sempre a norma
geral que fundamenta a decisão e a torna um precedente (e que é o elemento
vinculante) é claramente vislumbrável na decisão. Por vezes a formulação desta regra se
faz de modo nebuloso ou obscuro, o que encarrega o juiz subsequente de um adicional
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trabalho, qual seja, trazer à luz em termos amplos qual a ratio decidendi empregada.

O primeiro limite a ser anotado à aplicação da doutrina do precedente é estabelecer


exatamente o que, na decisão anterior, é vinculante. Questões não submetidas a
pronunciamento e decisão, ainda que logicamente presentes no julgamento, não
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estabelecem precedência.
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Fundamental, portanto, que se distingam as noções de obiter dictum e ratio decidendi.
A primeira, traduzida literalmente como “algo dito de passagem”, significa Página
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pronunciado por um juiz enquanto proferindo um julgamento que não seja essencial
para a decisão do caso, e que por não formar a razão de decidir (ratio decidendi) não
gera efeito vinculante, podendo eventualmente ser citado com foros persuasivos em
29
casos futuros.

A ratio decidendi, como é intuitivo, é a “razão de decidir”, isto é, a regra ou princípio de


Direito sobre o qual a Corte alcança a decisão, e sem a qual o caso teria sido decidido de
modo diverso. A ratio deve ser deduzida dos fatos, das razões empregadas para a
decisão e da decisão propriamente dita. É a declaração do Direito sobre os fatos
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materiais, e é o que gera efeito vinculante.

A responsabilidade do juiz subsequente é assimilar e tratar a norma geral de Direito na


qual baseado o precedente como integrante do ordenamento jurídico ao qual vinculada a
Corte a que pertence. Isto é, como uma regra positivada que integra o corpo de regras
que compõem a ordem legal. É isto que a noção de rule of Law dele exige, para que a
Corte seja vista como uma instituição que decide casos em bases gerais, mais do que
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case by case, isto é, decisões particularizadas.

Assim, a ratio decidendi refere-se à unidade do Direito, e compreende a razão necessária


e suficiente para resolver uma questão. Necessária pois sem ela não é possível chegar à
solução, e suficiente porque basta para a resolução da questão. É a razão essencial e
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determinante.

A força vinculante de um caso precedente pode variar grandemente. A doutrina do stare


decisis não exige observância inflexível da decisão anterior. Ela se beneficia da sabedoria
do passado, mas rejeita o irrazoável ou errôneo. Reconhecem-se ao menos estes dois
limites no dimensionamento do peso de um precedente como vinculante: a possibilidade
de que ele se refira a circunstâncias fatuais diferentes ou ainda, que o julgamento
antecedente seja errôneo, sendo mal interpretado a lei.

De fato, na aferição do peso de um precedente deve-se observar a circunstância em que


formado, se havia séria dissenção, digna de nota, se o julgamento abordou
exaustivamente os padrões de debate possíveis, se o princípio em questão foi alvo de
um único precedente, ou reiterado outras vezes. Tudo isto serve a analisar a solidez. A
Corte que utiliza o princípio precedente pode dar-lhe, ainda, interpretação extensiva, ou
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restritiva, ou até mesmo aplicar outro precedente.

Percebe-se facilmente que os dois limites apontados para a incidência do precedente


(diferença das circunstâncias de fato e má interpretação da lei) referem-se aos
mecanismos do distinguishing e overruling, os quais serão objeto de item subsequente,
mas que ganham relevo porque adotados na técnica do novo processo civil brasileiro.

Se tomarmos como ponto de partida a ideia de que o Estado de Direito reclama que
casos similares sejam tratados similarmente, então o foco do princípio do stare decisis se
desloca para ser a aferição desta similaridade normativa entre os dois casos sucessivos,
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e ainda, em se apurar quais os critérios de discrepância relevantes.

É importante destacar que diante de uma situação em que não há precedente ou lei
reguladora do tema, a Corte deverá usar autoridade persuasiva ou discricionariamente
determinar a regra que deve presidir o julgamento. É o chamado "caso de primeira
impressão". Quando dita decisão é tomada pela Corte de última instância da jurisdição
(estadual ou federal, neste caso também abrangendo o circuito), ter-se-á um
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precedente.
3 O stare decisis e a jurisprudência vinculante brasileira.

Desde antes da vigência do Código de Processo Civil de 2015, e até mesmo antes das
reformas que reforçaram a tentativa de se estabelecer no Brasil um sistema de
precedentes, já se dizia que aqui coexistiam duas espécies de stare decisis: o normativo
(vinculação estabelecida pela Constituição da República e por leis infraconstitucionais) e
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de fato, esta última situação se referindo à chamada “deificação” das súmulas e


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julgados.

De antemão, destaca-se que o sistema de vinculação a precedentes proposto está muito


distante do stare decisis como vigente no regime de common law, sendo de se observar
que naquelas paragens dito sistema não eclodiu abruptamente de reformas legislativas,
como ingenuamente se pretende fazer no Brasil, mas sim decorreu de lenta
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sedimentação histórica.

O precedente no sistema de common law tem conteúdo normativo, e convive com o


direito legislado (statutory law). A observância do precedente não é estabelecida em lei,
mas elemento costumeiro. Nos regimes de civil law, ao menos no nosso, em regra os
precedentes são jurisprudenciais, têm diferente função e finalidade, servem para dar
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unidade de sentido a preceitos normativos, isto é, função interpretativa.

Com efeito, defende-se que o precedente do sistema de common law não pode ser
simplesmente equiparado à jurisprudência vinculante brasileira, do qual se distingue por
três fatores.

O primeiro deles é o histórico, já mencionado anteriormente. A doutrina do precedente


se estrutura no common law a partir de mudança no método filosófico, com a ascensão
do chamado método experimental (Robert Boyle), que fez com que aquele sistema se
assentasse com base na prática quotidiana do Direito, ao contrário do regime de civil law
, que conta com matriz científica, a partir de sua formação doutrinária baseada na
ciência do Direito. A historical jurisprudence ocupou a mesma posição da teoria do
direito natural e do positivismo legalista, postulando que o precedente constituía fonte
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do Direito imediata, ao lado da equidade e da legislação. Em nossas bandas a
imposição a se seguir o precedente advém de lei, e não do reconhecimento das suas
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vantagens, como sucedido no regime de common law.

Em segundo lugar está o fator hermenêutico, destacando-se então que seria ingênuo
apostar em decisões de Tribunais Superiores como a Revolução Francesa acreditava na
lei, isto é, apostar que contenham elas (as decisões) solução pronta para uma
multiplicidade de casos.

Por fim, em terceiro lugar, apresenta-se o fator democrático. No regime de common law
um precedente não nasce “desde sempre” com tal qualidade. Ele será alvo de debate e
intenso esforço interpretativo, para dele extrair-se a ratio decidendi, e apenas quando
aceito pelas partes e pelas instâncias inferiores como dotado de coerência, integridade e
racionalidade suficientes para se tornar parâmetro decisório, poderá vir a ser
considerado vinculante. No sistema brasileiro, em especial como forjado no novo Código
de Processo Civil, o precedente já vem dotado deste efeito, independentemente desta
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atividade intelectiva.

Aliás, no Brasil a jurisprudência passou a ser aplicada de modo acrítico pelos tribunais
superiores como forma de desafogá-los, criando-se nova fonte do Direito voltada para
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defender as Cortes Superiores do excesso de trabalho.

Camilo Zufelato também arrola três fatores de distinção entre nosso sistema de
vinculação a precedentes e a matriz de common law estadunidense: a) utilização de
súmulas, que são extratos de julgamento desvinculadas dos fatos e fundamentos que
deram origem à regra; b) a própria Corte que julga o caso afirma, no ato de emanar a
decisão, cuidar-se de precedente vinculante; c) criação de uma lógica de julgamento em
série, reprodução em escala, como forma de uniformizar jurisprudência.

Conclui que o Direito é fenômeno histórico-cultural, de modo que o apego que ainda há
em nosso meio ao primado do direito legislado recomenda cautela na operacionalização
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do direito jurisprudencial, que ainda é secundário.

O âmbito de vinculação também diferencia o stare decisis do nosso sistema de


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jurisprudência vinculante, pois este se apresenta como prescrições literais e abstratas


em formato legislativo, enquanto que o lídimo precedente se define a partir de toda a
fundamentação da decisão, após intenso trabalho interpretativo, daquilo que tenha sido
alvo de exaustiva análise judicial e exercício do contraditório.

Teleologicamente o stare decisis se apresentou como a forma de melhor garantir a


independência judicial, limitar os poderes do rei e prover a estabilidade a partir da
previsibilidade das decisões judiciais. Em nosso sistema os mecanismos de vinculação
são previstos como forma de otimização procedimental.

O stare decisis dinamiza a interpretação e aplicação do Direito, vez que o precedente é


sempre vislumbrado com a totalidade do ordenamento a que se vincula. O sistema de
jurisprudência, ao contrário, engessaria a interpretação da lei. É técnica que foca a
questão numérica e a gestão de processos nos tribunais superiores, desprezando o
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aspecto qualitativo.

Interessante notar que a modalidade linguística empregada pelas súmulas é semelhante


à da legislação, e modo que seu efeito vinculante dá-se nos mesmos padrões
imperativos que da lei. Por outras palavras: a atividade hermenêutica é exatamente a
mesma, apenas que se troca a disposição legal pela sumular.

Assim que de “boca da lei” o juiz se vê transformado em “boca da jurisprudência”,


utilizando trechos de julgados guiado unicamente por um interesse de confirmação das
preferências do aplicador. Seria necessário promover no Brasil uma reconstrução de toda
45
a história institucional do julgamento do precedente.

Ora, se o que justifica e torna mais proveitoso o sistema de precedentes é a


possibilidade de se avaliar a lógica do caso cotejada com os fundamentos da decisão, a
vantagem se esvai com a fórmula brasileira de súmulas vinculantes.

Daí afirmar-se que a forma de vinculação proposta no novo Código de Processo Civil é
problemática sob o ponto de vista do dinamismo do sistema, pois favorece o
engessamento da interpretação a partir de um único caso, tendendo a eternizá-lo
mediante efeito cascata, que inclusive impede subida de novos recursos que
oportunarizariam às Cortes Superiores reavaliarem, quer para consolidar quer para
atualizar, o entendimento em questão. Dito de outro modo: o efeito vinculante
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representa obstáculo ao aperfeiçoamento da própria jurisprudência.

Como anteriormente pontuado, por paradoxal que possa parecer, apesar de ser acusada
de fossilizar a evolução do Direito, a doutrina do stare decisis tem, como dos seus
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principais arrimos justificatórios em nosso sistema, a agilização dos julgamentos.

Outro ponto que merece realçado destaque é de que o conceito sedimentado de que a
coisa julgada abrange o dispositivo da decisão judicial ocasionou no Brasil uma
demasiada atribuição de importância a este, e quase nenhuma aos dados fáticos e os
fundamentos de Direito que motivaram o sentido do decisum. Tal realidade fatalmente
deverá ser alterada, já que a definição da ratio decidendi está contida na motivação, e
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não só no dispositivo.

Enfim, tem-se que o julgamento pelos meios processuais indicados no art. 927 do CPC
(LGL\2015\1656) diverge do sistema de vinculação a precedentes próprio do common
law por inexistência de uma decantação jurisprudencial da matéria, inexistindo
referência a uma sucessão de julgados. Forma-se um único superprecedente, destacado,
adicionando-se ao quanto já previsto pelas regras dos arts. 926 a 928 os mecanismos de
julgamento de improcedência liminar (art. 332, do CPC (LGL\2015\1656)) e julgamento
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monocrático pelo relator (art. 932, do CPC (LGL\2015\1656)).
4 Precedentes no Código de Processo Civil de 2015.

Do quanto alinhavado anteriormente, pode-se partir da premissa de que a consideração


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Precedentes no Código de Processo Civil de 2015: somos
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de precedente vinculante, mesmo como definido no novo diploma, não significa


automática aplicação ou ausência de interpretação, sendo imperioso que haja
identificação correta e apurada da ratio decidendi, esta que deverá ser alvo de intensa
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atividade intelectiva pelas partes e juízes subsequentes.

Aliás, é isto que se depreende do inc. V do art. 489, § 1.º, CPC (LGL\2015\1656),
devendo-se entender por fundamentos determinantes no texto normativo exatamente a
noção de ratio decidendi.

É ônus da parte, para os fins do disposto no art. 489, § 1.º, V e VI, do CPC
(LGL\2015\1656), identificar os fundamentos determinantes ou demonstrar a existência
de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento, sempre que
51
invocar jurisprudência, precedente ou enunciado de súmula.

Há quem critique o novo diploma e a forma como tratou o tema dos precedentes, que
52
conteria prescrições demais e regulamentações procedimentais de menos.

Seja como for, o Código de Processo Civil de 2015 ressignificou as noções de


jurisprudência, precedente e súmula. Embora tenha o afã de identificar como precedente
apenas as espécies decisionais alocadas no art. 927, é fato que precedente define-se
como razão generalizável, de modo que mesmo aquelas figuras, se não contiverem
53
razões determinantes e suficientes claramente identificáveis, não formarão precedente.

Carlos Alberto de Salles define-o como “técnica decisória pela qual a identidade de um
julgado e de um caso submetido a julgamento permite que o subsequente se baseie nas
54
mesmas razões de decidir daquele anterior”.

Pontua-se que o stare decisis pode ser horizontal (respeito aos próprios precedentes e à
própria jurisprudência vinculante) ou vertical (respeito à jurisprudência vinculante e a
precedentes de Cortes a que subordinados os órgãos jurisdicionais que avaliam o caso
subsequente). Diz-se que o art. 926 estatui o stare decisis horizontal, e o art. 927, o
55
vertical.

Outrossim, distinguem-se três níveis de obrigatoriedade dos precedentes. A forte, em


que a afronta comporta remédio processual especificamente previsto para tanto, no caso
a reclamação (art. 988, CPC (LGL\2015\1656), especialmente incisos III e IV); a média,
caso em que o desrespeito autoriza o emprego de qualquer meio processual apto à
correção; e a fraca, em que a autoridade do julgado é meramente cultural, pois
56
inexistem meios processuais para correção.

Num panorama geral da regulamentação agora vigente, temos a fixação de diretrizes


gerais, em caráter principiológico, a saber, a incumbência aos tribunais que mantenham
jurisprudência íntegra, coerente e estável, e ainda, a prescrição a que os tribunais
editem súmulas de sua jurisprudência dominante, na forma do quanto previsto nos
regimentos internos (art. 926, caput e § 1.º, CPC/2015 (LGL\2015\1656)).

Segundo adverte a doutrina, a alusão a “integridade” no art. 926 representaria a adoção


do conceito de Direito como integridade, o que inclusive seria impróprio para um diploma
processual, já que se cuida de espinhoso debate filosófico, que inclusive adota a tese da
57
resposta certa, considerada discutível.

Apesar da procedência da crítica, não é necessário recorrer ao debate filosófico a


respeito do tema para compreender que o que se pretende é que a jurisprudência seja
uniforme, aliás, coerente, como a própria norma, a seguir, especifica.

Ainda, dizer que a jurisprudência deve ser estável é dizer que não poderá ser alterada
58
sem propósito.

A seguir surge o primeiro problema interpretativo. O § 2.º do art. 926 estatui que ao
editarem súmulas os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes
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Precedentes no Código de Processo Civil de 2015: somos
ainda Civil Law?

que motivaram sua criação.

A doutrina abalizada bem define a súmula como a “essência da jurisprudência


59
dominante”, um resumo da tese jurídica adotada. Isto torna um tanto quanto
incongruente a menção de que a súmula deve se ater aos fatos debatidos nos
precedentes que lhe estão na gênese, uma vez que ela constitui exatamente o oposto:
aquilo que comporta generalização, que se desprende das particularidades do caso
60
concreto para lograr aplicabilidade numa série de casos vindouros.

Daí porque estamos com Daniel Amorim Assumpção Neves quando pontua que a
interpretação do § 2.º do art. 926 do novel diploma é no sentido de que os tribunais
deverão ter especial cautela ao editarem súmulas para que haja similaridade fática entre
61
os precedentes empregados para a edição.

Segue então o art. 927 prescrevendo quais decisões constituem precedentes em sentido
técnico, e portanto, comportam observância: i) as decisões do Supremo Tribunal Federal
em controle concentrado de constitucionalidade (o que já decorria de disposição
constitucional, § 2.º do art. 102, CF/1988 (LGL\1988\3)); ii) os enunciados de súmula
vinculante (igualmente oriundo de disposição constitucional, no caso o art. 103-A,
62
CF/1988 (LGL\1988\3)); iii) os acórdãos em incidente de assunção de competência ou
de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e
especial repetitivos; iv) os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em
matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional e
v) a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

Dizer que “juízes e tribunais” observarão é o mesmo que dizer “obrigatoriamente


seguirão”. No tocante aos julgamentos do Supremo Tribunal Federal em controle
concentrado de constitucionalidade, vigorava anteriormente a ideia de “efeito
transcendente dos motivos determinantes”, de modo que também irradiavam efeitos
vinculantes os fundamentos que constituíam a ratio decidendi. O próprio Supremo
63
abandonou este entendimento, de modo que apenas o dispositivo vincularia.

Segundo Nelson Nery e Rosa Nery, o acórdão do Supremo Tribunal Federal em controle
de constitucionalidade apto a gerar efeito vinculante deve ser de mérito e haver trânsito
em julgado, além do que operaria apenas quando houvesse declaração de
inconstitucionalidade, resumida a vinculação apenas ao comando do acórdão, seu
64
dispositivo, e não seus motivos (na linha do quanto realçado no parágrafo anterior).

Discordamos parcialmente de referido posicionamento. É que o art. 102, § 2.º, CF/1988


(LGL\1988\3), que os autores inclusive erigem como fundamento de validade do efeito
vinculante (pois que afirmam a inconstitucionalidade do art. 927 no que crie efeito desta
ordem, o que será adiante mencionado), prevê o referido efeito tanto para o caso de
ação direta de inconstitucionalidade, como ação declaratória de constitucionalidade. O
próprio inc. I do art. 927 parece se referir a qualquer instrumento de controle
concentrado, o que permitiria incluir até mesmo a ação por descumprimento de preceito
65
fundamental.

Outrossim, como já anteriormente destacado, o método de aplicação do precedente


necessariamente implica o recurso aos fundamentos da decisão, para aferição da ratio
decidendi.

Uma questão delicada será a de se saber se o rol do art. 927, que define os precedentes
considerados vinculantes, é taxativo. Em princípio pode-se supor que a enumeração
seria despicienda se todo e qualquer julgamento de Tribunal constituísse precedente
capaz de emanar vinculatividade. E entre alternativas interpretativas, deve-se optar por
aquela que não confira à lei palavras inúteis. Logo, é de se crer que o rol em questão é
66
exaustivo. Outras decisões de Tribunais constituirão elementos de persuasão, mas não
seriam de observância obrigatória.

De outro lado, facilmente pode-se contrapor a ideia de que os princípios da segurança,


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Precedentes no Código de Processo Civil de 2015: somos
ainda Civil Law?

proteção da confiança, estabilidade e integridade (art. 926) serviriam de cabedal


suficiente para tornar qualquer decisão digna de observância futura, a par do rol legal
que apenas declinaria o mínimo a ser observado. Apesar do potencial sedutor desta
67
segunda linha interpretativa, preferimos ainda a primeira.

Problemas adicionais irão eclodir.

Necessário distinguir no seio da organização judiciária Cortes voltadas à justiça do caso


concreto, daquelas voltadas à unidade do Direito. Às primeiras reserva-se a
interpretação do direito apenas como meio para chegar-se ao fim de controlar a justiça
do caso examinado. Às segundas, o caso concreto é apenas um meio a partir do qual
chega-se ao fim de interpretação do direito. Assim, afirma-se que o art. 926 refere-se ao
Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça, que são Cortes Superiores
com o dever funcional de dar unidade ao Direito. De outro lado, efetivamente
uniformizar o Direito corresponde exatamente à aplicação dos precedentes formados
pelas Cortes Superiores, e tal mister corresponde às Cortes de Justiça, a estas é que
68
corresponde efetivamente tal missão.

Ocorre que entre os precedentes vinculantes estão figuras que não necessariamente
estarão afetas à instância extraordinária das Cortes Supremas, Constitucional (STF) ou
Federal (STJ), mas sim às Cortes de Justiça (no caso brasileiro, os Tribunais Regionais
Federais e os Tribunais de Justiça), como é o caso do incidente de assunção de
competência; de resolução de demandas repetitivas e mesmo a orientação do plenário
ou órgão especial destes tribunais (incs. III e V, do art. 927).

Deste modo, caberá definir se as decisões oriundas dos referidos incidentes (assunção
de competência; resolução de demandas repetitivas e decisões de órgãos especiais ou
plenários) capazes de atrair a incidência do art. 927 são aquelas que tenham trâmite na
instância recursal extraordinária, precisamente no seio do Supremo Tribunal Federal ou
do Superior Tribunal de Justiça.

Parece-nos que inexistindo especificação legal, as decisões emanadas nos incidentes em


questão ou dos órgãos citados implicarão observância obrigatória mesmo provindas de
Cortes de Justiça, evidentemente respeitado o limite da competência funcional do órgão
(a jurisdição, por exemplo, de um Tribunal de Justiça é restrita ao Estado da Federação
ao qual se vincule, de modo que as decisões de seu órgão especial igualmente
experimentarão a mesma ressalva).

O inc. III do art. 927 torna todas as súmulas vinculantes, exceto as do Supremo Tribunal
Federal sobre normas infraconstitucionais. Nesta sede o Supremo deverá inclusive
observar as súmulas do Superior Tribunal de Justiça, que detém competência para dar a
última palavra em termos de legislação federal. Outrossim, por “orientação”, nos termos
do inc. V do art. 927, CPC (LGL\2015\1656), entende-se “decisão”, estendendo-se a
regra também às decisões do plenário do Supremo Tribunal Federal e da Corte Especial
69
do Superior Tribunal de Justiça.

Note-se que o Superior Tribunal de Justiça desempenha a função de uniformizar o direito


federal, e não as normas infraconstitucionais em geral, o que abarca atos normativos e
leis estaduais e municipais. Neste sentido é atécnico o art. 927, IV, CPC
(LGL\2015\1656), devendo ser entendido como referindo-se às súmulas do Superior
70
Tribunal de Justiça em matéria de lei federal.

Afirma-se que os incs. III e IV do art. 927 seriam exemplos de obrigatoriedade média; o
71
inc. V, fraca; os incs. I e II, forte.

É interessante notar que diante da atual redação do art. 927, cabe indagar qual a real
diferença entre uma súmula vinculante e outra comum, já que a ambas se deve
observância. Seria unicamente a possibilidade de emprego da via reclamatória (art. 988,
72
III)?
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Precedentes no Código de Processo Civil de 2015: somos
ainda Civil Law?

Nelson Nery Jr e Rosa Nery afirmam a inconstitucionalidade do art. 927, III a V, CPC
(LGL\2015\1656), que conferiria ao Poder Judiciário função típica do Legislativo, sem
que haja autorização constitucional a tanto, com menoscabo ao due processo of law e ao
“espírito da Constituição”, arrematando: o objetivo visado pelo art. 927 deveria ser
73
autorizado pela Constituição da República.

Em sentido contrário, Carlos Alberto de Salles defende que no caso as decisões judiciais
apenas dão conteúdo concreto àquelas normas criadas legislativamente. Ao contrário do
sistema de common law, em que o precedente tem natureza normativa, em nosso caso
continua ele sendo jurisprudencial. Segue lecionando que não se passou ao regime de
common law, pois que para isto faltariam vários fatores estruturais. Em verdade o novo
Código de Processo Civil não traria nova técnica decisória, já que a maioria destas
técnicas já existia na vigência do Código de Processo Civil de 1973, apenas que por
74
novos instrumentos pode revitalizar as técnicas baseadas nestes institutos.

A seguir estabelece o § 1.º que os juízes e tribunais, quando decidirem na forma do


citado art. 927, deverão observar o disposto nos arts. 10 e 489, § 1.º, CPC
(LGL\2015\1656).

Há quem interprete a alusão ao art. 10 do diploma processual como a necessidade de


que o precedente vinculante deva basear-se em entendimento formado a partir de
75
questões que estejam sendo discutidas no processo. Parece-nos que isto é nada dizer:
não apenas os precedentes vinculantes, porém todo e qualquer pronunciamento judicial
está, agora, jungido à vedação da surpresa, isto é, à exigência do contraditório efetivo
(art. 10, CPC (LGL\2015\1656)). A referida interpretação afirma que o § 1.º do art. 927
apenas reiteraria o prescrito pelo art. 10, e seria por assim dizer, despiciendo.

Ora, entre opções interpretativas, novamente, deve-se prestigiar aquela que não atribua
à lei palavras inúteis. Por isto, na espécie, é imperioso ter que a referência ao art. 10
significa, isto sim, que a adesão pelo juiz da causa atual a um precedente deve ser
precedida da possibilidade de manifestação da parte a respeito tanto do precedente
como de seus padrões de aplicação: a similaridade fática (isto é, a correção da
76
analogia); a ratio decidendi; o obiter dictum etc.

Porém aí reside um problema: se se entende que o art. 10 não restringe a possibilidade


77
de o juiz decidir com base em fundamentos jurídicos diversos dos invocados, então a
invocação do precedente nunca representaria fator surpresa, já que a ratio decidendi
necessariamente se refere ao fundamento jurídico da decisão.

Já a alusão ao § 1.º do art. 489, CPC (LGL\2015\1656), está a estabelecer a


obrigatoriedade de que mesmo a decisão que aplique um precedente, reconhecendo-lhe
78
caráter vinculante, está sujeita ao dever de fundamentação analítica. A propósito, o
enunciado 07 da Enfam pontua que o acórdão cujos fundamentos não tenham sido
explicitamente adotados como razões de decidir, não constitui precedente vinculante.

Os §§ 2.º a 4.º do art. 927 foram tratados no item referente a overruling e


distinguishing, pois se referem à primeira destas hipóteses. O § 5.º do art. 927
estabelece a obrigatoriedade de que os Tribunais dêem publicidade aos seus
precedentes, e os disponibilizem publicamente, preferencialmente na internet, no que
não vai grande novidade diante das ferramentas de pesquisa atualmente disponibilizadas
por praticamente todas as Cortes do país.

O art. 928 propõe-se à definição, o que, via de regra, não deveria competir à lei, mas
que na espécie serve de bom esclarecimento. Como o art. 927 refere-se em alguns
momentos a “casos repetitivos”, o art. 928 os define: incidente de resolução de
demandas repetitivas e recurso especial e extraordinário repetitivos.

O parágrafo único veicula uma importante prescrição: “O julgamento de casos


repetitivos tem por objeto questão de direito material ou processual”.
Página 12
Precedentes no Código de Processo Civil de 2015: somos
ainda Civil Law?

Entende-se que a identificação da ratio decidendi e do que é obiter dictum pode


compreender tanto questões de mérito quanto processuais, referentes à admissibilidade
do recurso. Dito de outro modo, o efeito vinculante pode abranger questões processuais
apreciadas como preliminares recursais, e não apenas o mérito deste (ainda que este
mérito recursal envolva questão processual referente ao trâmite nas instâncias
79
inferiores).
5 Distinguishing e Overruling.

Ponto fundamental na ideia de stare decisis é a possibilidade de overruling ou


overturning, isto é, simplesmente reformular-se o princípio de Direito precedentemente
reconhecido.

O precedente vinculante pode ter sua eficácia diminuída pelo passar do tempo ou por
casos análogos que tenham sido decididos diferentemente pela mesma Corte, até que
esta explicitamente o supere, indicando a mudança de filosofia política dos membros da
80
Corte.

Com efeito, o Estado de Direito não pede a imutabilidade das leis, mas sim procura
evitar a mutabilidade frequente. É possível, destarte, que o juiz subsequente entenda
que a regra extraível do precedente não seja reflexo do Direito existente naquele
momento, ou ainda, que este tenha experimentado mudança, ou que o princípio de
Direito aplicado tenha sido danoso ou injusto na espécie. Pondere-se que nem sempre
haverá necessidade de completa reversão do precedente, mas apenas uma emenda ou
81
correção de rumo.

Em dadas situações o juiz do caso subsequente notará que este é apenas


superficialmente similar ao anterior, havendo elementos distintos que tornam a lógica
empregada no primeiro julgamento inaplicável ao novel. O Estado de Direito recomenda
que o juiz subsequente se aproxime do novo caso tentando empregar novamente o
elemento generalizável do precedente, com espírito de deferência, e apenas depois de
verificar a inadequação desta regra, prover então uma nova, preferencialmente
82
considerando igualmente a “força gravitacional” do precedente.

É a partir das distinções, ampliações e reduções que os precedentes são dinamicamente


refinados pelo Judiciário, de modo que o distinguishing desempenha importante papel no
processo de maturação do direito jurisprudencial.

A “arte do distinguishing” é o componente final do stare decisis, e constitui o reverso da


ratio decidendi. Esta técnica sempre deixa ao juiz do caso subsequente uma margem de
escolha, dependendo dele determinar se a “razão” do caso anterior comportará extensão
83
ou restrição.

A aplicação automática dos precedentes representa um peculiar prestígio ao positivismo


normativista da jurisprudência dos conceitos. Seria lastimável que em pleno século XXI
apostássemos novamente no poder da razão para criar normas perfeitas, apenas que
84
agora seu autor não seria mais o legislador, mas também os tribunais.

Daniel Amorim Assumpção Neves assevera que a incerteza do que seja efetivamente
“precedente” afastou do texto do Código de 2015 a regulamentação procedimental dos
85
institutos de distinguishing e overruling.

Não é assim contudo. A superação (overruling) está precisamente regulamentada, até de


modo relativamente extenso, nos §§ 2.º a 4.º do art. 927 do novo diploma. Procura-se
revestir o expediente de legitimidade democrática, segurança jurídica e proteção ao
interesse social.

A tanto se procede estabelecendo a possibilidade de que a alteração de tese adotada em


súmula ou julgamento de caso repetitivo seja precedida de audiências públicas e da
participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão
Página 13
Precedentes no Código de Processo Civil de 2015: somos
ainda Civil Law?

da tese (amici curiae).

Percebe-se que há a intenção de conferir à mudança de orientação que implicará efeitos


vinculantes maior legitimidade democrática. A partir da própria locução normativa,
contudo, compreende-se que estes expedientes sejam mera faculdade da Corte. Sua
falta não implica nulidade e sequer irregularidade. À intervenção do amicus curiae
aplicam-se as disposições do art. 138, CPC (LGL\2015\1656), em especial naquilo que
atribuem ao relator a competência para decidir de modo irrecorrível sobre a questão,
podendo determinar de ofício a intervenção ou a requerimento das partes.

Ainda, a mudança de jurisprudência predominante do Supremo ou dos tribunais


superiores, ou daquela formada em julgamentos de casos repetitivos, pode ser dotada
de modulação dos efeitos da alteração, no interesse social e no da segurança jurídica.

Por fim, a modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese


adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação
adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da
confiança e da isonomia.

Afirma-se que a modulação de efeitos pode ser temporal ou espacial, e no primeiro caso
pode estabelecer que o entendimento valha a partir de um momento específico no
86
futuro, podendo ainda ser escalonada.

A prática norte-americana prevê a hipótese de distinções inconsistentes (drawing of


inconsistente distinctions) em que se nega parcialmente o precedente, sem se
apresentar critério seguro para tanto. Outrossim, para proteção da segurança
normalmente a superação do precedente é sinalizada e vale apenas ex nunc (prospective
overruling). A prática da sinalização (signalining) impede que a mudança de posição
implique surpresa injusta. A modulação dos efeitos da superação deve levar em conta,
ademais, a maior ou menor densidade normativa, pois que quanto maior a abertura
semântica do dispositivo envolvido na solução do caso, maior dependência da concreção
judicial haverá. É possível que a superação seja parcial, para o que são previstas duas
técnicas: transformation e overriding (reescrita). No primeiro caso a Corte reconfigura
parcialmente o precedente, sem declará-lo expressamente revogado; no segundo
87
redefine-se o âmbito de incidência do precedente, e seu alcance é comprimido.

Indagar-se-ia se a modulação pode valer para o passado. Por vezes isto sucederá
inadvertidamente, já que os casos que chegarem ao Tribunal no presente, foram
ajuizados no passado, sob a vigência da tese anterior. Mais do que isto, questiona-se se
poderia o Tribunal estipular que a nova tese valeria a partir de dado momento no
passado, conferindo-lhe dimensão pretérita.

Não parece que esta opção se coadune com princípios como da segurança jurídica,
proteção da confiança e mesmo integridade (arts. 926 e 927, §§ 3.º e 4.º, CPC
(LGL\2015\1656)). A modulação a que alude a regra deve ter como termo inicial mínimo
as ações ajuizadas da partir da prolação da decisão que representa a mudança de
posicionamento. A modulação facultada é a fixação de outro termo, porém
necessariamente futuro. Há um problema evidente, entretanto: o processo que
representa o divisor de águas necessariamente terá sido ajuizado na vigência do
entendimento anterior. A única solução viável na espécie seria, então, proceder à
mudança do entendimento, ressalvando que o caso sob julgamento ainda permaneceria
regido pelo antigo posicionamento, que ficaria reservado para os processos aforados
após a prolação do overruling.

O fato é que a modulação de efeitos se baseia na noção de irretroatividade do Direito,


que é mais ampla que a simples irretroatividade das leis. A eficácia ex nunc é obrigatória
em razão da boa-fé objetiva e da segurança jurídica, isto é, a proibição de o Poder
Público agir com arbitrariedade, e seu dever de probidade, são direitos fundamentais não
88
expressamente positivados.
Página 14
Precedentes no Código de Processo Civil de 2015: somos
ainda Civil Law?

Indaga-se se a ausência de referência nos arts. 926 a 928 ao distinguishing seria sinal
de sua não adoção pelo novel sistema. A resposta deve ser negativa. Primeiramente
porque a hipótese de distinção é inseparável de qualquer método de decisão que invoque
doutrina de precedentes.

Entenda-se: a distinção corresponde a nada mais que o resultado negativo do juízo de


similaridade entre o caso precedente e o subsequente. E este juízo é indissociável da
doutrina do stare decisis, de modo que para arrostá-lo seria necessário alijar a própria
doutrina em questão. Todas as vezes que o juízo subsequente afirmar a inexistência de
elementos de similaridade que justifiquem a aplicação da ratio decidendi do caso
precedente, restará aplicada a distinção.

De todo modo, para aqueles que ainda se aferram aos aspectos mais positivistas da
interpretação e aplicação do Direito, vale lembrar que há previsão do mecanismo no inc.
89
VI do § 1.º do art. 489, CPC (LGL\2015\1656).
6 Conclusões.

Reconhece-se e afirma-se um movimento de convergência das civilizações de common


law e civil law, o que se tem denominado circulação de modelos jurídicos. Por irônico que
possa parecer, a gênese no direito romano do sistema europeu continental tem na noção
de precedentes ou direito casuístico mola mestra, que apenas foi drasticamente reduzida
90
em importância com o liberalismo francês típico do século XVIII.

A realidade de convergência entre a case law e o sistema europeu continental se


reconhece tanto pela notável similaridade no desenvolvimento de campos do Direito no
universo romano-germânico a partir da jurisprudência (como o caso do Direito
Administrativo francês e os julgados do Conseil D’État), tanto como pela ascendência dos
91
statutes no regime de common law.

Segundo conceituada doutrina de common law, aquele sistema tem sido chamado a lidar
com um aspecto que na origem lhes era estranho: a difusão de “políticas legislativas”,
isto é, a edição de normas (statutes) sobre grande variedade de temas em direito
público e também privado, este em especial onde normalmente prevalecia apenas a
força dos precedentes.

A magistratura ali sempre habituada a tomar como ponto de partida na solução de um


caso concreto um precedente, vê-se às voltas com a difícil tarefa de sopesar
adequadamente tanto a força dos precedentes, como a vigência da lei. Destaca-se,
contudo, a espinhosa tendência dos juízes em atribuírem aos primeiros maior peso, em
92
algo que se tem denominado em doutrina judicial leap-frogging.

É curial anotar que esta dificuldade contemporânea no processo de tomada da decisão


judicial diagnosticada pela doutrina de common law é algo que já vem a reboque no
sistema de civil law quando se pretende assimilá-lo à doutrina do stare decisis, como
tentado no novo diploma processual civil brasileiro.

O juiz brasileiro haverá de se deparar exatamente com esta dificuldade. Nosso sistema é
naturalmente atrelado à lei como fonte primordial do Direito. Difícil será encontrar o
adequado equilíbrio entre a força vinculante do precedente e a obrigatoriedade da lei.

É fato que a nova disciplina legal visa superar a utilização de precedentes


jurisprudenciais apenas de maneira persuasiva, permitindo sua adoção como verdadeira
93
técnica decisória. De outro lado, é evidente que o aumento do efeito vinculante em
94
nada assegura a melhora qualitativa das decisões judiciais.

Além disto, as observações feitas denotam a notável convergência dos sistemas a um


meio termo híbrido, perceptível que é a ascensão dos statutes no regime de common law
, e dos precedentes no sistema de civil law, ainda que no caso brasileiro, por exemplo,
se tenha chegado a um resultado pouco fiel àquilo que se poderia conceituarPágina como
15
Precedentes no Código de Processo Civil de 2015: somos
ainda Civil Law?

autêntico stare decisis. Quando nada a intenção neste sentido parece indiscutível (isto é,
95
intenção de se forjar um sistema de vinculação a precedentes).

Ao cabo, pode-se asseverar que o ponto fundamental entre as distinções de common law
e civil law não é de direito processual, mas sim de teoria e história do Direito,
96
relacionado às fontes do Direito e da tensa relação entre legislação e jurisdição.

Por isto, conclui-se que proceder ao adequado balanceamento entre a força do


precedente e a força da lei envolve a filosofia de separação de poderes adotada pelo
97
aplicador.

Um outro aspecto que tem merecido pouca reflexão é a constatação de que o


transplante do conceito de precedente vinculante para outras culturas pressupõe a
reforma do método de ensino jurídico adotado, pois que esta exige a formação mediante
estudo de casos, com incansável análise de modo a adquirir-se prática em identificar os
fatos relevantes e a ratio decindendi em cada caso, o que requer também maior
interação dos próprios alunos. Além disto, reclama-se uma base de dados acurada,
98
rápida e confiável.

Em conclusão, temos que o Brasil se vê num paradoxal limbo. Por um lado aspira a
aproximação ao regime de common law, ou quando nada, à doutrina do stare decisis
que lhe é característica maiúscula. Porém o faz com a hesitação de quem não pretende
abandonar o método decisional do regime de civil law. O resultado é o que ora temos
plasmado como “estado da arte” no novel diploma processual civil: um regime que
invoca os precedentes como substitutos da lei, mas fiel ao bom e velho positivismo
normativista no tocante ao método de aplicação.
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Precedentes no Código de Processo Civil de 2015: somos
ainda Civil Law?

do Novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodvim, 2013.

______; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. 1. ed.,
2. tir. São Paulo: Ed. RT, 2015.

RE, Edward D. Stare decisis – Education and Training Series. Federal Judicial Center,
1975.

SALLES, Carlos Alberto de. Precedentes e jurisprudência no novo CPC (LGL\2015\1656):


novas técnicas decisórias? In GRINOVER, Ada Pellegrini et al. O Novo Código de Processo
Civil – Questões controvertidas. 1. ed., São Paulo: Atlas, 2015.

SOBRINHO, José Wilson Ferreira. O stare decisis brasileiro. Repertório IOB de


Jurisprudência 5/96.

THEODORO JUNIOR, Humberto et. al. Novo CPC – Fundamentos e Sistematização. 2. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2015.

WALDRON, Jeremy J. Stare decisis and the rule of law: a layered approach. New York
University Public Law and Legal Theory Working Papers. Paper 314.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Primeiros comentários ao Novo Código de Processo
Civil – Artigo por artigo. 1. ed. São Paulo: Ed. RT, 2015.

ZUFELATO, Camilo. Precedentes judiciais vinculantes à brasileira no novo CPC


(LGL\2015\1656): Aspectos gerais. In GRINOVER, Ada Pellegrini et al. O Novo Código de
Processo Civil – Questões controvertidas. 1. ed., São Paulo: Atlas, 2015.

1 RE, Edward D. Stare decisis – Education and training series. Federal judicial center,
1975, p. 1-2.

2 COLE, Charles D. Stare decisis na cultura jurídica dos Estados Unidos. O sistema de
precedente vinculante do common law in RT 752/11 (DTR\1998\264), p. 13. Assevera o
autor: “As Cortes estaduais podem decidir tanto questões federais quanto estaduais;
contudo, questões federais estão sujeitas à revisão pela Suprema Corte Federal,
enquanto que questões que envolvam lei estadual estão sujeitas à revisão apenas pela
corte estadual de última instância” (Cit. p. 14).

3 KOOPMANS, Thomas. Stare decisis in European Law. Leiden University Repository,


[https://openaccess.leidenuniv.nl/handle/1887/22742], acesso em março de 2016, p.
20.

4 Idem, p. 14-17. O objeto do artigo citado é analisar o desenvolvimento no âmbito da


Comunidade Europeia e de sua Corte de Justiça, de um autêntico sistema de
precedentes, defendendo o autor citado que a Comunidade atende a estas três
condições, à sua própria maneira, para evolução em seu seio do stare decisis.

5 FALLON JR, Richard H. Stare decisis and the Constitution: An essay on constitutional
methodology. New York University Law Review, vol 76:750, 2001, p. 572 e 579.

6 Idem, p. 580-581. Art. III: “Section 1. The judicial power of the United States, shall be
vested in one Supreme Court, and in such inferior courts as the Congress may from time
to time ordain and establish. The judges, both of the supreme and inferior courts, shall
hold their offices during good behaviour, and shall, at stated times, receive for their
services, a compensation, which shall not be diminished during their continuance in
office. Section 2. The judicial power shall extend to all cases, in law and equity, arising
under this Constitution, the laws of the United States, and treaties made, or which shall
Página 17
Precedentes no Código de Processo Civil de 2015: somos
ainda Civil Law?

be made, under their authority;--to all cases affecting ambassadors, other public
ministers and consuls;--to all cases of admiralty and maritime jurisdiction;--to
controversies to which the United States shall be a party;--to controversies between two
or more states;--between a state and citizens of another state;--between citizens of
different states;--between citizens of the same state claiming lands under grants of
different states, and between a state, or the citizens thereof, and foreign states, citizens
or subjects. In all cases affecting ambassadors, other public ministers and consuls, and
those in which a state shall be party, the Supreme Court shall have original jurisdiction.
In all the other cases before mentioned, the Supreme Court shall have appellate
jurisdiction, both as to law and fact, with such exceptions, and under such regulations as
the Congress shall make. The trial of all crimes, except in cases of impeachment, shall
be by jury; and such trial shall be held in the state where the said crimes shall have
been committed; but when not committed within any state, the trial shall be at such
place or places as the Congress may by law have directed. Section 3. Treason against
the United States, shall consist only in levying war against them, or in adhering to their
enemies, giving them aid and comfort. No person shall be convicted of treason unless on
the testimony of two witnesses to the same overt act, or on confession in open court.
The Congress shall have power to declare the punishment of treason, but no attainder of
treason shall work corruption of blood, or forfeiture except during the life of the person
attainted”.

7 KOOPMANS, Thomas. Stare decisis in European Law. Leiden University Repository,


[https://openaccess.leidenuniv.nl/handle/1887/22742], acesso em março de 2016, p.
27. Um bom exemplo de construção jurisprudencial do Direito na Europa Continental foi
o das decisões do Conselho de Estado francês, à vista da obscuridade da legislação a
respeito do tema, e que cunhou importantes conceitos como de excesso de poder e
postulados concernentes à responsabilidade civil do Estado, casos em que a legislação
existente serviu apenas como ponto de partida (KOOPMANS, Thomas.Cit. p. 14-15).

8 Idem, p. 18-20.

9 RE, Edward D. Stare decisis – Education and training series. Federal Judicial Center,
1975, p. 2. Na mesma toada, Richard H Fallon Jr leciona que existe um aspecto e
economia processual no princípio do stare decisis, além do evidente prestígio à
estabilidade, igualdade e segurança. Na sua falta a Suprema Corte teria que rever, em
cada caso, os fundamentos constitucionais de toda doutrina aplicável, sobrecarregando a
Corte e a própria nação (FALLON JR, Richard H. cit. p. 584).

10 WALDRON, Jeremy J. Stare decisis and the Rule of Law: a layered approach. New
York University Public Law and Legal Theory Working Papers. Paper 314, p. 2.

11 “(…) a good legal system requires reasonable stability; that while decisions that are
severely misguided or dysfunctional surely should be overruled, continuity is
presumptively desirable with respect to the rest; and again, that it would overwhelm
Court and country alike to require the Justices to rethink every constitutional question in
every case (…)” (FALLON JR, Richard H. Stare decisis and the Constitution: An essay on
constitutional methodology. New York University Law Review, vol 76:750, 2001, p. 585).

12 WALDRON, Jeremy J. Stare decisis and the Rule of Law: a layered approach. New
York University Public Law and Legal Theory Working Papers. Paper 314, p. 9-14.

13 NERY JUNIOR, Nelson; ABBOUD, Georges. Stare decisis vs Direito jurisprudencial. In


FREIRE, Alexandre et. al. Novas tendências do Processo Civil – Estudos sobre o projeto
do Novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodvim, 2013, p. 486-487.

14 WALDRON, Jeremy J. Stare decisis and the Rule of Law: A Layered Approach. New
York University Public Law and Legal Theory Working Papers. Paper 314, p. 14.
Página 18
Precedentes no Código de Processo Civil de 2015: somos
ainda Civil Law?

15 RE, Edward D. Stare decisis – Education and Training Series. Federal Judicial Center,
1975, p. 8.

16 WALDRON, Jeremy J. Stare decisis and the Rule of Law: a layered approach. New
York University Public Law and Legal Theory Working Papers. Paper 314, p. 6-8.

17 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Trad. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira.


Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1993, p. 83-85. Em verdade que o autor
afirma que a volatilidade do direito jurisprudencial é compensada pelo princípio de
vinculação a precedentes.

18 José Wilson Ferreira Sobrinho questiona a legitimidade do direito sumular,


argumentando que ele contribui para a ossificação do Direito, pontuando que quando
dado tema logra tornar-se súmula, dificilmente encontra espaço para revisão (O stare
decisis brasileiro. In Repertório IOB de Jurisprudência 5/96, p. 91).

19 WALDRON, Jeremy J. Stare decisis and the Rule of Law: a layered approach. New
York University Public Law and Legal Theory Working Papers. Paper 314, p. 35.

20 FALLON JR, Richard H. Stare decisis and the Constitution: an essay on constitutional
methodology. New York University Law Review, vol 76:750, 2001, p. 580-582 e 587.

21 WALDRON, Jeremy J. Stare decisis and the Rule of Law: a layered approach. New
York University Public Law and Legal Theory Working Papers. Paper 314, p. 1.

22 RE, Edward D. Stare decisis – Education and training series. Federal Judicial Center,
1975, p. 3.

23 WALDRON, Jeremy J. Stare decisis and the Rule of Law: a layered approach. New
York University Public Law and Legal Theory Working Papers. Paper 314, p. 22.

24 COLE, Charles D. Stare decisis na cultura jurídica dos Estados Unidos. O sistema de
precedente vinculante do common law in RT 752/11 (DTR\1998\264), p. 15.

25 NERY JUNIOR, Nelson; ABBOUD, Georges. Stare decisis vs Direito jurisprudencial. In


FREIRE, Alexandre et. al. Novas tendências do Processo Civil – Estudos sobre o projeto
do Novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodvim, 2013, p. 496.

26 WALDRON, Jeremy J. Stare decisis and the Rule of Law: a layered approach. New
York University Public Law and Legal Theory Working Papers. Paper 314, p. 27.

27 RE, Edward D. Stare decisis – Education and training series. Federal Judicial Center,
1975, p. 5.

28 Nas palavras de Thomas Koopmans, “the notion of ratio decidendi is probably the
crux of the doctrine of stare decisis” (KOOPMANS, Thomas. Stare decisis in European
Law. In Leiden University Repository,
[https://openaccess.leidenuniv.nl/handle/1887/22742], acesso em março de 2016, p.
22).

29 LAW, Jonathan; MARTIN, Elizabeth A. Oxford dictionary of law, 7. ed., Oxford: Oxford
University Press, 2013, p. 375. O conceito encontrável no Black’s Law Ditcionary é: “A
judicial comment made while delivering a judicial opinion, but one that is unnecessary to
the decision in the case and therefore not precedential (although it may be considered
persuasive)” (GARNER, Brian A. (editor in chief). Black’s Law Dictionary, 3. ed., Texas:
Thomson-West, 1996, p. 499-500).

30 Idem, p. 592. Nas palavras de Edward Re: “the holding of a prior case is limited to 19
Página
Precedentes no Código de Processo Civil de 2015: somos
ainda Civil Law?

the principle or rule that was necessary for the resolution of those factual and legal
issues actually presented and decided. All utterances not necessary to the decision are
dicta” (RE, Edward D. Stare decisis – Education and training series. Federal Judicial
Center, 1975, p. 7-8).

31 WALDRON, Jeremy J. Stare decisis and the Rule of Law: a layered approach. New
York University Public Law and Legal Theory Working Papers. Paper 314, p. 25.

32 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo


Código de Processo Civil comentado. 1. ed. São Paulo: Ed. RT, 2015, p. 874.

33 RE, Edward D. Stare decisis – Education and training series. Federal Judicial Center,
1975, p. 10-11.

34 WALDRON, Jeremy J. Stare decisis and the Rule of Law: a layered approach. New
York University Public Law and Legal Theory Working Papers. Paper 314, p. 33.

35 COLE, Charles D. Stare decisis na cultura jurídica dos Estados Unidos. O sistema de
precedente vinculante do common law in RT 752/11 (DTR\1998\264), p. 16.

36 SOBRINHO, José Wilson Ferreira. O stare decisis brasileiro. In Repertório IOB de


Jurisprudência 5/96, p. 88.

37 NERY JUNIOR, Nelson; ABBOUD, Georges. Stare decisis vs Direito jurisprudencial. In


FREIRE, Alexandre et. al. Novas tendências do Processo Civil – Estudos sobre o projeto
do Novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodvim, 2013, p. 486-489. No mesmo
sentido, Camilo Zufelato assevera que o modelo de precedentes vinculantes que vem
sendo aplicado no Brasil é bastante distinto do case law, sendo por isto melhor referir-se
a ele como “precedentes à brasileira” (ZUFELATO, Camilo. Precedentes judiciais
vinculantes à brasileira no novo CPC (LGL\2015\1656): Aspectos gerais. In GRINOVER,
Ada Pellegrini et al. O Novo Código de Processo Civil – Questões controvertidas. 1. ed.,
São Paulo: Atlas, 2015, p. 90). E também Daniel Amorim Assumpção Neves, para quem
o novo Código criou uma vinculação a determinados precedentes, julgamentos de
tribunais superiores, de modo que não consagra o tratamento a precedentes como
existente nos países de common law (ASSUMPÇÃO NEVES, Daniel Amorim. Novo CPC –
Inovações; alterações; supressões comentadas. São Paulo: Método, 2015, p. 462).

38 SALLES, Carlos Alberto de. Precedentes e jurisprudência no novo CPC


(LGL\2015\1656): novas técnicas decisórias? In GRINOVER, Ada Pellegrini et al. O Novo
Código de Processo Civil – Questões controvertidas. 1. ed., São Paulo: Atlas, 2015, p.
83.

39 ABBOUD, Georges. Do genuíno precedente do stare decisis ao precedente brasileiro:


os fatores histórico, hermenêutico e democrático que os diferenciam. In DIDIER JR,
Fredie et al (coord). Precedentes – Coleção Grandes temas do novo CPC
(LGL\2015\1656). Salvador: JusPodvim, 2015, p. 400-401.

40 ZUFELATO, Camilo. Precedentes judiciais vinculantes à brasileira no novo CPC


(LGL\2015\1656): Aspectos gerais. In GRINOVER, Ada Pellegrini et al. O Novo Código de
Processo Civil – Questões controvertidas. 1. ed., São Paulo: Atlas, 2015, p. 91.

41 ABBOUD, Georges. Do genuíno precedente do stare decisis ao precedente brasileiro:


os fatores histórico, hermenêutico e democrático que os diferenciam. In DIDIER JR,
Fredie et al (coord). Precedentes – Coleção Grandes temas do novo CPC
(LGL\2015\1656). Salvador: JusPodvim, 2015, p. 403-404.

42 SOBRINHO, José Wilson Ferreira. O stare decisis brasileiro. In Repertório IOB de


Jurisprudência 5/96, p. 92. O autor em questão chega a questionar a constitucionalidade
Página 20
Precedentes no Código de Processo Civil de 2015: somos
ainda Civil Law?

do emprego de súmulas como óbices ao curso da cadeia recursal, destacando a garantia


constitucional do contraditório e da ampla defesa, com os meios e recursos que lhes
sejam inerentes. Não vemos com procedência o questionamento, porque ele justificaria
a eliminação de pressupostos recursais, alguns deles bem menos nobres que o intento
de segurança, estabilidade e isonomia, que justifica o respeito aos precedentes, como é
o exemplo do preparo recursal.

43 ZUFELATO, Camilo. Precedentes judiciais vinculantes à brasileira no novo CPC


(LGL\2015\1656): Aspectos gerais. In GRINOVER, Ada Pellegrini et al. O Novo Código de
Processo Civil – Questões controvertidas. 1. ed., São Paulo: Atlas, 2015, p. 110.

44 NERY JUNIOR, Nelson; ABBOUD, Georges. Stare decisis vs Direito jurisprudencial. In


FREIRE, Alexandre et. al. Novas tendências do Processo Civil – Estudos sobre o projeto
do Novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodvim, 2013, p. 497-502, 505.

45 THEODORO JUNIOR, Humberto et. al. Novo CPC – Fundamentos e sistematização. 2.


ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 352.

46 NERY JUNIOR, Nelson; ABBOUD, Georges. Stare decisis vs Direito jurisprudencial. In


FREIRE, Alexandre et. al. Novas tendências do Processo Civil – Estudos sobre o projeto
do Novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodvim, 2013, p. 503.

47 Camilo Zufelato destaca que uma das principais diferenças do emprego da doutrina
do precedente no regime de common law em relação ao civil law é que temos, neste
segundo contexto, além das finalidades tradicionais de estabilidade, segurança,
previsibilidade, eficiência e integridade ou coerência do sistema, escopos de otimização
da gestão da máquina pública, tais como economia de tempo, celeridade processual e
diminuição do número de processos, o que em geral não são escopos considerados no
universo de common law (ZUFELATO, Camilo. Precedentes judiciais vinculantes à
brasileira no novo CPC (LGL\2015\1656): Aspectos gerais In GRINOVER, Ada Pellegrini
et al. O Novo Código de Processo Civil – Questões controvertidas. 1. ed., São Paulo:
Atlas, 2015, p. 95). Uma emanação desta finalidade eficacial pode ser deduzida do
entendimento expresso no enunciado 13 da Enfam, que dispensa o juiz de reapreciar
fundamentos que tenham sido decididas no precedente invocado: “O art. 489, § 1º, IV,
do CPC/2015 (LGL\2015\1656) não obriga o juiz a enfrentar os fundamentos jurídicos
invocados pela parte, quando já tenham sido enfrentados na formação dos precedentes
obrigatórios”. O princípio é reafirmado no enunciado 19: “A decisão que aplica a tese
jurídica firmada em julgamento de casos repetitivos não precisa enfrentar os
fundamentos já analisados na decisão paradigma, sendo suficiente, para fins de
atendimento das exigências constantes no art. 489, § 1.º, do CPC/2015
(LGL\2015\1656), a correlação fática e jurídica entre o caso concreto e aquele apreciado
no incidente de solução concentrada”.

48 ZUFELATO, Camilo. Precedentes judiciais vinculantes à brasileira no novo CPC


(LGL\2015\1656): Aspectos gerais. In GRINOVER, Ada Pellegrini et al. O Novo Código de
Processo Civil – Questões controvertidas. 1. ed., São Paulo: Atlas, 2015, p. 99.

49 SALLES, Carlos Alberto de. Precedentes e jurisprudência no novo CPC


(LGL\2015\1656): novas técnicas decisórias? In GRINOVER, Ada Pellegrini et al. O Novo
Código de Processo Civil – Questões controvertidas. 1° ed., São Paulo: Atlas, 2015, p.
84-85.

50 ABBOUD, Georges. Do genuíno precedente do stare decisis ao precedente brasileiro:


os fatores histórico, hermenêutico e democrático que os diferenciam. In DIDIER JR,
Fredie et al (coord). Precedentes – Coleção Grandes temas do novo CPC
(LGL\2015\1656). Salvador: JusPodvim, 2015, p. 400-405. Em outro texto, em conjunto
com Nelson Nery Jr, o mesmo autor afiança: “não se pode justificar a instituição
desmedida da jurisprudência com efeito vinculante, sob o argumento de que estariaPágina 21
Precedentes no Código de Processo Civil de 2015: somos
ainda Civil Law?

sendo introduzido em nosso ordenamento o sistema do stare decisis” (NERY JUNIOR,


Nelson; ABBOUD, Georges. Stare decisis vs Direito jurisprudencial. In FREIRE, Alexandre
et. al. Novas tendências do Processo Civil – Estudos sobre o projeto do Novo Código de
Processo Civil. Salvador: JusPodvim, 2013, p. 504).

51 Enunciado 09, Enfam.

52 SALLES, Carlos Alberto de. Precedentes e jurisprudência no novo CPC


(LGL\2015\1656): novas técnicas decisórias? In GRINOVER, Ada Pellegrini et al. O Novo
Código de Processo Civil – Questões controvertidas. 1. ed., São Paulo: Atlas, 2015, p.
79.

53 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo


Código de Processo Civil comentado. 1. ed. São Paulo: Ed. RT, 2015, p. 871.

54 SALLES, Carlos Alberto de. Precedentes e jurisprudência no novo CPC


(LGL\2015\1656): novas técnicas decisórias? In GRINOVER, Ada Pellegrini et al. O Novo
Código de Processo Civil – Questões controvertidas. 1. ed., São Paulo: Atlas, 2015, p.
81.

55 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo


Código de Processo Civil comentado. 1. ed. São Paulo: Ed. RT, 2015, p. 872.

56 WABIER, Teresa Arruda Alvim et al. Primeiros comentários ao Novo Código de


Processo Civil – Artigo por artigo. 1. ed. São Paulo: Ed. RT, 2015, p. 1.315.

57 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo


Código de Processo Civil comentado. 1. ed. São Paulo: Ed. RT, 2015, p. 872.

58 NERY JR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo
Civil. 1. ed., 2. tir. São Paulo: Ed. RT, 2015, p. 1.832.

59 WABIER, Teresa Arruda Alvim et al. Primeiros comentários ao Novo Código de


Processo Civil – Artigo por artigo. 1. ed. São Paulo: Ed. RT, 2015, p. 1.316.

60 Camilo Zufelato observa que nosso direito vigente não revela, em termos de
aplicação de precedente, qualquer preocupação com a precisa identificação da ratio
decidendi, e por consequência, com técnicas como superação e distinção. No caso de
súmulas, toda complexidade do caso é resumida em texto sucinto, em formato
prescritivo, ausentes as razões de fato e de direito que conduziram à sua formação. Os
casos subsequentes nesta hipótese se pautam por um julgamento quase automático,
sem qualquer ponderação a respeito das razões fundantes (ZUFELATO, Camilo.
Precedentes judiciais vinculantes à brasileira no novo CPC (LGL\2015\1656): Aspectos
gerais. In GRINOVER, Ada Pellegrini et al. O Novo Código de Processo Civil – Questões
controvertidas. 1. ed., São Paulo: Atlas, 2015, p. 105).

61 ASSUMPÇÃO NEVES, Daniel Amorim. Novo CPC – Inovações; alterações; supressões


comentadas. São Paulo: Método, 2015, p. 462. Vale destacar a respeito o enunciado 166
do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “A aplicação dos enunciados das súmulas
deve ser realizada a partir dos precedentes que os formaram e dos que os aplicaram
posteriormente”. Nelson Nery Jr e Rosa Nery interpretam o referido dispositivo no
sentido de prescrever que os parâmetros indicados pelo caso concreto é que fixam a
súmula, e não o contrário (o que afirmam que costuma acontecer: a súmula definindo
quais os parâmetros fáticos de relevo do caso concreto) (NERY JR, Nelson; NERY, Rosa
Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. 1. ed., 2. tir. São Paulo: Ed.
RT, 2015, p. 1.833).

62 Regulamentada a matéria pela Lei 11.417/2006. Página 22


Precedentes no Código de Processo Civil de 2015: somos
ainda Civil Law?

63 ASSUMPÇÃO NEVES, Daniel Amorim. Novo CPC – Inovações; alterações; supressões


comentadas. São Paulo: Método, 2015, p. 467-468.

64 NERY JR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo
Civil. 1. ed., 2. tir. São Paulo: Ed. RT, 2015, p. 1.837-1.838.

65 A medida em questão tem por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental,
resultante de ato do Poder Público, inclusive podendo versar lei ou ato normativo
federal, estadual ou municipal, inclusive os anteriores à Constituição, estendendo-se
para além do que pode ser alvo das ações diretas (cf Lei 9.882/1999, art 1.°).

66 É neste sentido o posicionamento plasmado no enunciado 11 da Enfam: “Os


precedentes a que se referem os incs. V e VI do § 1.º do art. 489 do CPC/2015
(LGL\2015\1656) são apenas os mencionados no art. 927 e no inc. IV do art. 332”.

67 Carlos Alberto de Salles defende que, mesmo sem a força de vinculação atribuída
pelo art. 927, um precedente qualquer pode ser invocado como paradigma para
julgamento subsequente que a ele se amolde (SALLES, Carlos Alberto de. Precedentes e
jurisprudência no novo CPC (LGL\2015\1656): novas técnicas decisórias? In GRINOVER,
Ada Pellegrini et al. O Novo Código de Processo Civil – Questões controvertidas. 1. ed.,
São Paulo: Atlas, 2015, p. 87).

68 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo


Código de Processo Civil comentado. 1. ed. São Paulo: Ed. RT, 2015, p. 869-871.

69 ASSUMPÇÃO NEVES, Daniel Amorim. Novo CPC – Inovações; alterações; supressões


comentadas. São Paulo: Método, 2015, p. 463 e 467-468.

70 NERY JR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo
Civil. 1. ed., 2. tir. São Paulo: Ed. RT, 2015, p. 1.841.

71 WABIER, Teresa Arruda Alvim et al. Primeiros comentários ao Novo Código de


Processo Civil – Artigo por artigo. 1. ed. São Paulo: Ed. RT, 2015, p. 1.317-1.318.

72 THEODORO JUNIOR, Humberto et. al. Novo CPC – Fundamentos e Sistematização. 2.


ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 359.

73 NERY JR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo
Civil. 1. ed., 2. tir. São Paulo: Ed. RT, 2015, p. 1.837.

74 SALLES, Carlos Alberto de. Precedentes e jurisprudência no novo CPC


(LGL\2015\1656): novas técnicas decisórias? In GRINOVER, Ada Pellegrini et al. O Novo
Código de Processo Civil – Questões controvertidas. 1. ed., São Paulo: Atlas, 2015, p.
86-87.

75 THEODORO JUNIOR, Humberto et. al. Novo CPC – Fundamentos e sistematização. 2.


ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 355.

76 No mesmo sentido: NERY JR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao
Código de Processo Civil. 1. ed., 2. tir. São Paulo: Ed. RT, 2015, p. 1.842. É esta
igualmente a posição de Carlos Alberto de Salles, segundo quem a referência aos arts.
10 e 489 significa a necessidade de que a aplicação de precedentes seja antecedida de
oportunidade de manifestação das partes e suficiente fundamentação (SALLES, Carlos
Alberto de. Precedentes e jurisprudência no novo CPC (LGL\2015\1656): novas técnicas
decisórias? In GRINOVER, Ada Pellegrini et al. O Novo Código de Processo Civil –
Questões controvertidas. 1. ed., São Paulo: Atlas, 2015, p. 79).
Página 23
Precedentes no Código de Processo Civil de 2015: somos
ainda Civil Law?

77 Neste sentido o enunciado 01 da Enfam: “Entende-se por ‘fundamento’ referido no


art. 10 do CPC/2015 (LGL\2015\1656) o substrato fático que orienta o pedido, e não o
enquadramento jurídico atribuído pelas partes”.

78 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo


Código de Processo Civil comentado. 1. ed. São Paulo: Ed. RT, 2015, p. 874.

79 THEODORO JUNIOR, Humberto et. al. Novo CPC – Fundamentos e sistematização. 2.


ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 358.

80 COLE, Charles D. Stare decisis na cultura jurídica dos Estados Unidos. O sistema de
precedente vinculante do common law in RT 752/11 (DTR\1998\264), p. 17.

81 WALDRON, Jeremy J. Stare decisis and the Rule of Law: a layered approach. New
York University Public Law and Legal Theory Working Papers. Paper 314, p. 29-30.

82 Idem, p. 28.

83 KOOPMANS, Thomas. Stare decisis in European Law. In Leiden University Repository,


[https://openaccess.leidenuniv.nl/handle/1887/22742], acesso em março de 2016, p.
25.

84 THEODORO JUNIOR, Humberto et. al. Novo CPC – Fundamentos e sistematização. 2.


ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 347-348.

85 ASSUMPÇÃO NEVES, Daniel Amorim. Novo CPC – Inovações; alterações; supressões


comentadas. São Paulo: Método, 2015, p. 469.

86 WABIER, Teresa Arruda Alvim et al. Primeiros comentários ao Novo Código de


Processo Civil – Artigo por artigo. 1. ed. São Paulo: Ed. RT, 2015, p. 1.320-1.321.

87 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo


Código de Processo Civil comentado. 1. ed. São Paulo: Ed. RT, 2015, p. 875-877.

88 NERY JR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo
Civil. 1. ed., 2. tir. São Paulo: Ed. RT, 2015, p. 1.843-1.844.

89 Theodoro Jr e outros lecionam que havia no originário projeto também regramento ao


distinguishing, prática muito mais comum que o overruling nos países de common law, o
que, entretanto, restou alijado do texto final (THEODORO JUNIOR, Humberto et. al.
Novo CPC – Fundamentos e Sistematização. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p.
360).

90 ZUFELATO, Camilo. Precedentes judiciais vinculantes à brasileira no novo CPC


(LGL\2015\1656): Aspectos gerais In GRINOVER, Ada Pellegrini et al. O Novo Código de
Processo Civil – Questões controvertidas. 1. ed., São Paulo: Atlas, 2015, p. 91-92.

91 KOOPMANS, Thomas. Stare decisis in European Law. In Leiden University Repository,


[https://openaccess.leidenuniv.nl/handle/1887/22742], acesso em março de 2016, p.
10-12.

92 RE, Edward D. Stare decisis – Education and training series. Federal Judicial Center,
1975, p. 12-15.

93 SALLES, Carlos Alberto de. Precedentes e jurisprudência no novo CPC


(LGL\2015\1656): novas técnicas decisórias? In GRINOVER, Ada Pellegrini et al. O Novo
Código de Processo Civil – Questões controvertidas. 1. ed., São Paulo: Atlas, 2015, p.
79. Página 24
Precedentes no Código de Processo Civil de 2015: somos
ainda Civil Law?

94 NERY JR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo
Civil. 1.° ed., 2.° tir. São Paulo: Ed. RT, 2015, p. 1.841.

95 “O Brasil se encontra hoje em uma estranha posição relativamente à sua filiação


jurídica. Nos livros de doutrina ele pertence, como dito, ao tronco da civil law.
Entretanto, no plano normativo essa petição de princípio é desmentida (SOBRINHO, José
Wilson Ferreira. O stare decisis brasileiro. In Repertório IOB de Jurisprudência 5/96, p.
91).

96 ZUFELATO, Camilo. Precedentes judiciais vinculantes à brasileira no novo CPC


(LGL\2015\1656): Aspectos gerais. In GRINOVER, Ada Pellegrini et al. O Novo Código de
Processo Civil – Questões controvertidas. 1. ed., São Paulo: Atlas, 2015, p. 90. Com
muita propriedade, afirma o autor: “a ideia de respeito ao precedente – obrigatório ou
não – é uma característica comum entre os dois sistemas jurídicos, na medida em que
toda decisão judicial é fruto de interpretação, seja de outro precedente ou de texto
normativo” (Cit. p. 92-93).

97 RE, Edward D. Stare decisis – Education and training series. Federal Judicial Center,
1975, p. 21.

98 COLE, Charles D. Stare decisis na cultura jurídica dos Estados Unidos. O sistema de
precedente vinculante do common law in RT 752/11 (DTR\1998\264), p. 21.

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