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Comentário ao Acórdão do Tribunal

Constitucional nº396/2011

Direitos Fundamentais
Regência do Professor Doutor Jorge Reis Novais
Assistente Doutora Cláudia Monge

Discente – Leonor de Matos Pereira


Turma 4º A/ Subturma 5
Aluna nº 58300
2020/2021

1
Índice

Introdução..........................................................................................................................3
Análise do Acórdão nº 396/2011 do Tribunal Constitucional...........................................4
Do desenvolvimento do Acórdão: Decisão e Fundamentos da mesma.............................4
Do princípio da Igualdade.................................................................................................5
O princípio da igualdade na jurisprudência do Tribunal Constitucional...........................7
Opinião crítica confrontando o princípio da igualdade.....................................................8
Do Princípio da Proteção da Confiança............................................................................9
Do Princípio da Proteção da Confiança no âmbito do Ac. nº 396/2011.........................11
Decisão do Tribunal Constitucional e opinião pessoal. Conclusões...............................13
Bibliografia......................................................................................................................18

2
Introdução
A análise do Acórdão do Tribunal Constitucional nº396/2011 tem como
enquadramento os cortes salariais no setor público.
Este comentário centrar-se-á, essencialmente, numa breve análise aos factos
abordados no Acórdão, sendo que se seguirá uma análise crítica do princípio
da igualdade e do princípio da proteção da confiança, por ter sido a violação
destes dois princípios que serviu de fundamento relativamente às decisões
que estabeleciam os cortes salariais no setor público.
Deste modo, irei apurar a precisão dogmática das decisões tomadas.

Palavras-Chave: Igualdade; Confiança; Proporcionalidade; Tribunal


Constitucional; Remuneração.

3
1. Análise do Acórdão nº 396/2011 do Tribunal Constitucional
1.1. Dos Factos

O Acórdão nº 396/2011 analisa o facto de o Tribunal Constitucional ter observado a


redução salarial de grande parte dos funcionários públicos, como o Presidente da
República, Deputados, Magistrados, entre outros.
Um grupo de Deputados da Assembleia da República requereu a declaração de
inconstitucionalidade com força obrigatória geral dos artigos 19º, 20º e 21º da Lei nº 55-
A/2010 de 31 de dezembro, baseando a sua fundamentação na alegação de violação de
várias regras e princípios constitucionais, estando entre eles, o princípio da proteção da
confiança (artigo 2º CRP); o princípio da igualdade (artigo 13º CRP); o direito
fundamental à não redução do salário e o direito de audição das entidades que representam
os trabalhadores, uma vez que estas não teriam sido ouvidas.1
Na ocasião em que a LOE foi aprovada no Parlamento, Portugal não estava ainda sujeito
ao programa de ajustamento económico e financeiro, acordado, em maio de 2011, entre
o Governo de Portugal e o Fundo Monetário Internacional, a Comissão Europeia e o
Banco Central Europeu. No entanto, o Governo de Portugal já tinha apresentado três
programas de estabilidade e crescimento, que inevitavelmente se refletiram na LOE de
2011, a qual veio estabelecer várias medidas de austeridade.2
Destas referidas medidas de austeridade, a que mais causou contestação foi, então, a da
redução salarial dos trabalhadores do setor público que tivessem um rendimento de valor
superior a 1.500€ mensais. Este valor da redução variava consoante o valor do rendimento
de cada trabalhador, existindo um limite mínimo de 3,5% e um limite máximo de 10%.

1.2. Do desenvolvimento do Acórdão: Decisão e Fundamentos da mesma


O Tribunal Constitucional acabou por não considerar procedente a pretensão do grupo
de Deputados, declarando a não inconstitucionalidade das normas em apreço,

1
P. COUTINHO, “Crise, disse ela”: A jurisprudência da crise do tribunal constitucional português – uma
visão panorâmica”, Revista JULGAR nº34, 2018, p. 95

2
R. AFONSO PEREIRA, “Estudos Críticos: Igualdade e Proporcionalidade: um comentário às decisões
do Tribunal Constitucional de Portugal sobre cortes salariais no sector público”, 2013, p.328, disponível
em: https:// dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/4391806.pdf

4
argumentando não existir um direito fundamental à não redução do salário, mas antes
uma garantia contra a diminuição injustificada e arbitrária dos mesmos.
Todavia, após esta conclusão, o Tribunal Constitucional explicou que tal situação não
implica que qualquer redução da remuneração seja constitucionalmente legítima,
devendo sempre haver um confronto com o princípio da igualdade e da proteção da
confiança, que analisaremos mais à frente.
O Tribunal Constitucional, em Plenário, julgou improcedentes todos os argumentos
invocados no pedido acabando mesmo por não declarar a inconstitucionalidade da
norma que estava em análise. Esta decisão foi realizada por maioria, sendo que nove
conselheiros votaram contra a inconstitucionalidade e outros três votaram a favor da
inconstitucionalidade.
No Acórdão está considerado que as normas orçamentais não se projetam para fora
da aprovação e execução do Orçamento de Estado, sendo que antes acabam por se
repercutir no próprio quadro contabilístico do Orçamento de Estado.
Afirmou-se ainda que não se podia ignorar o facto de que estas reduções
remuneratórias tinham como objetivo final a diminuição do défice orçamental para
um valor quantificado e respeitador do limite estabelecido pela União Europeia, no
quadro das regras da União Económica e Monetária, tendo sido estabelecida uma
calendarização por etapas anuais. Deste modo, podemos afirmar que estas medidas
incluídas no plano de diminuição de despesa pública representam uma fase de um
programa que se estende por um horizonte temporal mais alargado. 3

2. Do Princípio da Igualdade

O princípio da igualdade vem previsto na Constituição da República Portuguesa no artigo


13º. Este artigo prevê o princípio da igualdade associado diretamente à dignidade da
pessoa humana (art. 13º/1), bem como associado a uma proibição expressa das
modalidades de discriminação (art. 13º/2).
Este princípio tem três dimensões: a dimensão liberal que consubstancia a ideia de igual
posição de todas as pessoas independentemente do seu nascimento e do seu status perante
a lei; a dimensão democrática, que exige a proibição de discriminações e a dimensão

3
ALEXANDRE SOUSA PINHEIRO, “A jurisprudência da crise: Tribunal Constitucional português
(2011-2013)”, in Observatório da Jurisdição Constitucional, (2014), Ano 7, nº1, pp.169-170

5
social que acentua a função social do princípio da igualdade, impondo a eliminação das
desigualdades fácticas. Desta forma, o princípio da igualdade é estruturante do Estado de
Direito Democrático e social. 4.
No entender do Professor JOSÉ MELO ALEXANDRINO, o princípio da igualdade tem
como função exigir, de um fundamento racional, o suficiente para as diferenciações de
tratamento, desenvolvendo, além disso, também funções heurísticas, instrumentais,
promotoras e de controlo. 5
O princípio da igualdade prende-se, essencialmente, com a igual posição de todos quanto
a direitos e deveres, existindo uma proibição de privilégios no gozo de qualquer direito e
uma proibição de imposição de qualquer dever. Assim, os direitos devem beneficiar todos
e os deveres devem recair também sobre todos.
Este princípio proíbe expressamente o arbítrio e a discriminação, sendo que no primeiro
caso reconduz-se o princípio da igualdade à desigualdade de tratamento de um grupo de
destinatários da norma em relação a outro grupo de destinatários. Já quanto à proibição
da discriminação, esta não significa uma igualdade absoluta em todos os casos, mas indica
um conjunto de fatores de discriminações que não são legítimos. 6
O princípio da igualdade identifica-se com a tal proibição do arbítrio mencionada, uma
vez que ambas as ideias são expressão de um sentido de justiça comummente reconhecido
e não controverso. Aquilo que é igual não deve ser arbitrariamente tratado como
desigual.7
JORGE REIS NOVAIS admite explica que terá de existir uma razão para (in)diferenciar,
tendo de existir um controlo jurisdicional quando em causa estejam Direitos
Fundamentais, sendo que este controlo será tanto maior quanto maior afetação em causa. 8
Para que haja algum tipo de comportamento discriminatório e desigual, é necessário que
haja uma concreta fundamentação e que esse comportamento tenha por base a segurança
jurídica, a proporcionalidade, a justiça e a solidariedade que não se baseie em qualquer
tipo de motivo que não seja constitucionalmente válido. Quando existir um tratamento

4
J.J. GOMES CANOTILHO, VITAL MOREIRA, “Constituição da República Portuguesa anotada, artigos
1º a 107º”, Coimbra Editora (2007), pp. 336-337
5
J. MELO ALEXANDRINO, “Lições de Direito Constitucional”, Vol.II, AAFDL EDITORA, 2016,
reimpr, p.88
6 J.J. GOMES CANOTILHO, VITAL MOREIRA, “Constituição da República Portuguesa anotada,

artigos 1º a 107º”, Coimbra Editora (2007),, p. 340


7 I JORGE REIS NOVAIS, “Princípios Estruturantes do Estado de Direito”, Almedina (2019), p.80.
8 Idem, p.82

6
desigual impõem-se que haja uma justificação para essa desigualdade, sendo que este
comportamento se deve pautar por critérios de justiça.9

2.1. O princípio da igualdade na jurisprudência do Tribunal Constitucional, bem


como no âmbito do Ac. nº 396/11
Ao logo dos anos o Tribunal Constitucional teve que apreciar se as normas elaboradas
pelo legislador estariam em conformidade com o princípio da igualdade.
Assim, o primeiro Acórdão proferido sobre o princípio da igualdade, conta com a
posição do Tribunal Constitucional, na qual este se baseia na doutrina da Comissão
Constitucional10, estabelecendo que o princípio da igualdade consagrado no artigo
13º/1 da CRP, se identifica com a proibição de medidas que sejam manifestamente
desproporcionais ou inadequadas no que toca à ordem constitucional dos valores e
também à situação fáctica que se pretende regulamentar ou ao problema que se
pretende resolver.11
No Ac. nº189/90 do Tribunal Constitucional é afirmado que a teoria da proibição do
arbítrio não é um critério definidor do conteúdo do princípio da igualdade, mas antes
que limita a competência do controlo judicial, não colocando em causa a liberdade de
conformação do legislador ou da discricionariedade legislativa. Desta forma, afirma
o Tribunal Constitucional, que a proibição do arbítrio acaba por ser um critério
negativo segundo o qual se vão censurar os casos de flagrante e intolerável
desigualdade.
Já o Acórdão nº157/88 do Tribunal Constitucional refere que a proibição do arbítrio
se relaciona com o facto de saber se o tratamento desigual tem um fundamento
racional, atentando à natureza e especificidade da situação, bem como, os fins e
princípios constitucionais.
Atualmente, o Tribunal Constitucional continua a aplicar a proibição do arbítrio,
contudo, na maioria dos casos, tem vindo a preferir fazer um controlo mais exaustivo

9 J.J. GOMES CANOTILHO, VITAL MOREIRA, “Constituição da República Portuguesa anotada,


artigos 1º a 107º”, Coimbra Editora (2007), pp. 340-341
10 MIGUEL LOBO ANTUNES, “A fiscalização da constitucionalidade das leis no primeiro período

constitucional: a Comissão Constitucional” Análise Social, nº 81-82, (1984), pp. 309-336.


11 R. AFONSO PEREIRA, “Estudos Críticos: Igualdade e Proporcionalidade: um comentário às decisões

do Tribunal Constitucional de Portugal sobre cortes salariais no sector público”, 2013, p.320, disponível
em: https://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/4391806.pdf

7
e que vá além desta questão, tentando fazer uma utilização simultânea do princípio da
proporcionalidade com o princípio da igualdade. 12
Desta forma, o que o Tribunal Constitucional fez foi construir o princípio da igualdade
como um direito de liberdade, tendo um âmbito de proteção normativa
constitucionalmente determinado com limites estabelecidos, entre os quais se inclui o
princípio da proporcionalidade.13
Quanto ao Acórdão nº 396/11 do TC, este acabou por não considerar verificada a
violação do princípio da igualdade quanto à redução salarial aplicada às pessoas que
têm uma relação de emprego público, entendendo não existir um direito
constitucionalmente protegido quanto à irredutibilidade dos salários e sendo que não
estava em causa o direito a um mínimo salarial.
O Tribunal decidiu ainda que tendo em conta o fim da norma, esta não seria arbitrária,
sendo que estaria especificamente vinculada à prossecução do interesse público.

2.2. Opinião crítica confrontando o princípio da igualdade com o Acórdão


em apreço

Quanto ao Acórdão em análise (Ac. nº396/11 TC), o Tribunal Constitucional


considerou que, tendo em conta o universo de trabalhadores que foi abrangido por
esta redução salarial, raras seriam as situações em que trabalhadores pagos por
dinheiros públicos não fossem abrangidos por esta medida.
No que diz respeito a esta temática, os requerentes invocam a violação do princípio
da igualdade por considerarem que atingindo apenas trabalhadores da Administração
Pública se está perante a violação do mesmo.
Para além disto, pode-se ler no Acórdão que ficaram excetuadas as pessoas que
auferiam menos de 1500€ e que, desta forma, não se pode considerar que haja uma
violação do princípio da igualdade quanto às mesmas.
Ora, atentando no critério da justificação adequada para a diferenciação de tratamento,
poderíamos considerar que o comando constitucional da igualdade só seria violado se
diferentes categorias fossem tratadas de modo diferente sem que existisse entre os

12Neste sentido, podemos ver o Acórdão nº 370/94 do TC.


13R. AFONSO PEREIRA, “Estudos Críticos: Igualdade e Proporcionalidade: um comentário às decisões
do Tribunal Constitucional de Portugal sobre cortes salariais no sector público”, 2013, p.328, disponível
em: https://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/4391806.pdf

8
dois grupos diferenças que pudessem justificar essa diferença de tratamento, isto é, o
que aqui temos de ponderar não é a gravidade da restrição do Direito Fundamental,
mas a própria diferença de tratamento. Assim, nesta questão em concreto, podemos
considerar não haver violação do princípio da igualdade, uma vez que é necessário
garantir que este grupo teria um mínimo de rendimento para subsistência da sua
família e para ter uma vida condigna (artigo 59º/1-a) CRP).
Um outro fundamento invocado prende-se com as consequências da aplicação destas
normas ao grupo de pessoas em causa, sendo que se defendeu que teria efeitos
bastante diferentes na redução salarial. De facto, conseguimos entender que os efeitos
se podem sentir de forma mais intensa em quem recebe menos, sendo que, seguindo
esta linha de pensamento e confrontando com o facto do princípio da igualdade não
impor que todos recebam o mesmo, deve ser tido em conta que, em termos de justiça
distributiva, as reduções salariais devem ser proporcionais e quantitativamente
idênticas ao valor mais ou menos elevado da remuneração auferida.
Ora, de modo a aferir a possível violação do princípio da igualdade, devemos atender
ao critério intermédio, atendendo ao facto de que este controlo jurisdicional se centra
no plano da justificação das razões invocadas para proceder à diferenciação. 14 Ou seja,
tem de haver uma justa medida entre a diferenciação produzida e as razões que a
fundamentam, sendo que a densidade e exigibilidade de justificação variam em
função da gravidade da afetação que resulta da diferenciação de tratamento.15
A meu ver, parece-me não haver qualquer razão plausível para a diferenciação neste
segundo caso, pelo que me parece que estamos perante a violação do princípio da
igualdade, discordando das conclusões espelhadas no Acórdão.

3. Do Princípio da Proteção da Confiança


O princípio da proteção da confiança tem vindo a ser encarado como um subprincípio do
princípio da segurança jurídica, sendo este último um componente essencial do princípio
do Estado de Direito Democrático. Todavia, a segurança jurídica é um conceito mais

14
JORGE REIS NOVAIS, “Princípios Estruturantes de Estado de Direito, Coimbra, Almedina”, (2019),
reimpr., p. 81
15
Idem, p.82

9
amplo que a proteção da confiança, pelo que nem sempre as soluções propostas por uma
e outra se revelam coincidentes.16
O princípio da proteção da confiança visa garantir a previsibilidade do direito, tentando
proteger a confiança que a pessoa tenha depositado na manutenção de uma situação que
lhe seja favorável.17
A proteção da confiança legítima pode reconduzir-se ao princípio da boa fé, o Estado de
Direito deve atuar de boa fé no relacionamento com os particulares e, por sua vez, estes
podem esperar que o Estado se comporte como pessoa em quem se pode confiar, podendo
planear a sua vida num ambiente de previsibilidade, paz e segurança jurídica. 18
O princípio da proteção da confiança exprime uma ideia de justiça inerente ao próprio
Estado de Direito Democrático, sendo que proíbe o Estado de legislar alterando as
expetativas legitimas dos cidadãos quanto às suas posições jurídicas. Desta feita, devem
prevalecer a necessidade e o valor dos fins desejados, tendo em conta a segurança e
solidez das expetativas. 19
O princípio da proteção da confiança trata-se da norma-princípio com raiz no princípio
do Estado de Direito (artigo 2º da CRP), que determina que as autoridades públicas não
devem contrariar ou afetar com os seus atos as expetativas legitimas dos particulares, a
não ser que um interesse de peso superior justifique essa afetação.20
O princípio da proteção da confiança é aplicável quando não está em causa um sacrifício
de bens, interesses ou valores objeto de posições jurídicas decorrentes de um direito
fundamental ou não.21
JORGE REIS NOVAIS defende que para averiguar se o princípio da proteção da
confiança está sustentado, devemos ter em atenção duas dimensões.
A primeira dimensão passa pelo facto de o interesse prosseguido pelo legislador ter de
superar o peso das expetativas dos particulares, sendo que se deve ponderar a

16
MARTA VICENTE, “Investidores, trabalhadores do sector público, estudantes e pensionistas: quem
“confia” na jurisprudência constitucional?” in e-pública, vol.5, nº1 (2018), disponível em https://www.e-
publica.pt/volumes/v5n2a07.html#_ftn16
17
Idem, p. 3
18
JORGE REIS NOVAIS, “Princípios Estruturantes de Estado de Direito, Coimbra, Almedina”, (2019),
reimpr., p. 148.
19
Neste sentido, Ac. do Tribunal Central Administrativo do Norte, Proc. Nº 62/11.5BEPRT, de 20 de maio.
20
VITALINO CANAS, “Constituição prima facie: igualdade, proporcionalidade, confiança”, in e-pública,
Vol. I, (2014), p. 36
21 JORGE REIS NOVAIS, “Princípios Estruturantes de Estado de Direito, Coimbra, Almedina”, (2019),

reimpr., p. 269.

10
legitimidade, solidez e relevância das expetativas, bem como, a importância ou premência
de realização do interesse público prosseguido pelo legislador.
Por outro lado, a segunda dimensão, é assente na prevalência da realização do interesse
público sobre as expetativas dos particulares, ainda que seja necessário verificar se seria
ou não possível sem colocar em causa a prossecução do interesse público proteger
também as expetativas e a confiança dos particulares.22
No âmbito deste princípio temos de ter em conta as expetativas dos particulares (tal como
referido anteriormente). Quanto a estas expetativas, existe uma possibilidade
constitucional de invocação do princípio da proteção da confiança que pressupõe a
reunião de vários pressupostos, sendo estes a existência de expetativa legitima na
continuidade de uma dada situação jurídica ou de um regime jurídica e uma alteração
inesperada do comportamento do Estado quanto ao quadro jurídico em vigor e que frustra
a confiança dos particulares e se traduz na lesão dos seus interesses.23

3.1. Do Princípio da Proteção da Confiança no âmbito do Ac. nº 396/2011

Após o supramencionado, cabe ter em conta o Princípio da Proteção da Confiança,


fazendo um balanceamento e ponderação entre os interesses dos particulares que foram
afetados de forma desfavorável por esta alteração do quadro normativo que regula o
interesse público e que justifica esta alteração que ocorreu.
Quanto a esta questão, os requerentes alegam que houve uma violação do princípio da
proteção da confiança, considerando que não há justificação material suficiente e que a
redução é arbitrária, uma vez que assenta num pressuposto temporário, tendo caráter
permanente.
Destarte, deveremos ter em conta o peso relativo dos bens em confronto, bem como da
contenção das soluções impugnadas dentro dos limites de razoabilidade e de justa medida,
de onde irá resultar o juízo definitivo quanto à sua conformidade constitucional. 24

22
Idem, pp. 166-167
23
Idem, pp. 158-19
24 Acórdão no128/2009, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 2009, o TC referiu os critérios da

jurisprudência constitucional relativos ao princípio da protecção da confiança, são eles:«é necessário, em


primeiro lugar, que o estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos
privados “expectativas” de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e
fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a
perspectiva de continuidade do “comportamento” estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram
razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que
gerou a situação de expectativa».

11
Para se admitir a referência ao princípio da proteção da confiança é preciso que haja um
caráter legitimo de expetativas, sendo que quaisquer posições dos particulares que se
sustentem em ilegalidades praticadas por eles ou pelas administrações não teriam
qualquer peso.
JORGE REIS NOVAIS refere que as expetativas que forem consolidadas ao longo do
tempo terão diferente consistência.
O interesse público surge como justificação para a alteração de regime, dado que olhando
ao peso das expetativas dos particulares esse deve ser tido em conta para os interesses
públicos, sendo que este pretenderá justificar uma alteração jurídica que motivará a
quebra da confiança que os particulares depositavam na continuidade de certa posição
jurídica.25
Deverá sempre existir uma fundamentação relativa à restrição dos direitos fundamentais
que revele a falsidade da justificação apresentada, não podendo ser levada a sério se não
for aceite pelo Tribunal Constitucional como justificação para frustrar as expetativas dos
particulares, quanto mais um corte salarial. Assim, JORGE REIS NOVAIS aborda uma
“cláusula de reversibilidade” segundo a qual ficaria evidente que não estaríamos a falar
de uma medida de justiça relativa, mas antes de uma medida justificada por um objetivo
de redução do défice.26
Olhando à situação em apreço, não podemos duvidar que estas medidas de redução
remuneratória visavam salvaguardar um interesse público que deve ser tido como
prevalecente. Isto é, para o Tribunal Constitucional, este interesse público acabou por ser
uma razão importante e fundamental para que este acabasse por rejeitar a alegação de que
estava perante uma falta de proteção da confiança e que iria contra aquilo que está
constitucionalmente consagrado.
Olhando para o assunto em apreço, podemos ponderar se o fim em causa seria possível
de alcançar através de uma via menos agressiva da confiança e dos interesses dos
particulares, sendo que existindo uma associação ao princípio da proibição do excesso,
tudo aquilo que, em agressividade, fosse para além desse sacrifício apto a alcançar os fins
legislativos deve ser considerado inconstitucional por constituir uma afetação gratuita,
desnecessária ou arbitrária da confiança que os particulares depositavam na ordem
jurídica vigente.

25 JORGE REIS NOVAIS, “Princípios Estruturantes de Estado de Direito, Coimbra, Almedina”, (2019),
reimpr., p. 164
26
Idem, p. 166

12
Quanto a este princípio em concreto, já o Acórdão nº 303/90 do Tribunal Constitucional
se pronunciou referindo que a respeito de saber se a diminuição no montante do
vencimento de uma certa categoria de funcionários o afetaria, dizendo que deveria ser
averiguado se a questão residiria em saber se a afetação revestiria de forma arbitrária ou
excessivamente onerosa, sendo que se for implicante de uma mudança na ordem jurídica
tendo repercussão nas situações já alcançadas com a qual os cidadãos razoavelmente não
podiam nem deveriam contar, terá de ser tido em conta a salvaguarda das expetativas e
verificar se as mesmas não terão sido salvaguardadas para que outros direitos ou
interesses constitucionalmente protegidos prevalecessem.
Por outro lado, no Acórdão nº 141/2002, fundamentou-se que os motivos da declaração
de inconstitucionalidade seriam a redução substancial da remuneração com efeitos
imediatos, bem como a inexistência de um interesse público específico que pudesse
justificar tal medida.
Bem, no que toca ao caso em apreço (Ac. nº 396/11 do TC), teremos de verificar se
merecerá idêntico tratamento, isto é, será que esta redução salarial não estará justificada
através de um interesse público?
Do ponto de vista da previsibilidade, é unânime que não seria previsível a redução
remuneratória que abrangesse universalmente todas as pessoas pagas por dinheiros
públicos. Estas reduções contrariam a normalidade estabelecida.
Ainda que na perspetiva da previsibilidade tal não fosse imaginável, não podemos negar
que esta medida de redução remuneratória visa a salvaguarda de um interesse público que
tenderá a ser prevalecente, sendo que não poderemos dizer que estamos perante uma
desproteção da confiança desconforme constitucionalmente.
Deste modo e seguindo o entendimento previsto no Acórdão, é necessário compreender
que as reduções remuneratórias se integram num conjunto de medidas que o poder
político resolveu tomar para que houvesse um reequilíbrio das contas públicas, sendo que
era bastante necessário para que não houvesse consequências devastadoras para a
economia portuguesa.
Neste caso em concreto, não há dúvidas de qual é o interesse público em causa, sendo
este de enorme importância, podendo equacionar-se a sua prevalência, mesmo que não se
ignore o sacrifício que acabou por causa nas esferas dos particulares que por ele foram
abrangidos.

4. Decisão do Tribunal Constitucional e opinião pessoal. Conclusões

13
O Tribunal Constitucional acabou por se socorrer da prossecução do interesse público
dentro de uma altura considerada excecional, para acabar a decidir no sentido da não
inconstitucionalidade.
Esta decisão acabou por ter em vista vários pressupostos, sendo estes, a necessidade do
legislador ter elaborado comportamentos que geraram expetativas de continuidade nos
privados; as expetativas serem legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; os
privados devem ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do
comportamento e, por fim, não existirem motivos de interesse público que justifiquem a
não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa. 27
O Tribunal Constitucional entendeu que apesar de se ter atingindo o princípio da proteção
da confiança, se deveria dar prevalência ao interesse púbico, uma vez que as reduções
introduzidas frustram expetativas fundadas. Assim, invocando o princípio da
proporcionalidade, o Tribunal Constitucional decidiu ainda que se estava dentro dos
limites do sacrifício e que, portanto, os montantes das reduções seriam legítimos e
necessários tendo em conta a situação do país, sendo que era necessário reduzir a despesa
do Estado e tentar reequilibrar as contas.
O Tribunal Constitucional desconsiderou ainda o direito a um quantum salarial, referindo
que a intocabilidade salarial é uma dimensão garantística contida na proteção do direito
à retribuição por causa do trabalho, contudo, o Tribunal diz que esta não redução não se
traduz na restrição deste direito.
Desta forma, a meu ver, a argumentação apresentada pelo tribunal, de que não existem
normas constitucionais que estabeleçam autonomamente uma garantia de irredutibilidade
dos salários, afirmando que apenas se cinge tanto ao Regime de Contrato em Funções
Públicas (artigo 89º-d)), bem como ao Código do Trabalho no artigo 129º/1-d), está
completamente correta. Assim, apenas poderá constituir direito fundamental, o direito à
retribuição.
O Tribunal Constitucional considerou que a redução salarial ocorrida no ano de 2011, por
via do artigo 19º da Lei nº 55-A/2010, de 31 de dezembro se continha dentro dos limites
do sacrifício exigível.

27
ALEXANDRE SOUSA PINHEIRO, “A jurisprudência da crise: Tribunal Constitucional português
(2011-2013)”, in Observatório da Jurisdição Constitucional, (2014), Ano 7, nº1, p. 171

14
Em resposta a este Acórdão, podemos analisar o Acórdão nº413/2014 do TC que
diferentemente decidiu pela inconstitucionalidade com força obrigatória geral das
reduções remuneratórias. Assim, ainda que a decisão do Acórdão que até então temos
vindo a analisar, é suscetível de assumir medida geradora de criar dificuldade de
manutenção como as que se encontravam dentro dos limites de sacrífico.
Ainda assim, o Tribunal Constitucional acaba por considerar excessivos os valores em
causa, falando de uma igualdade proporcional, ou seja, parece-lhe que a limitação de
3,5‰ a 10‰ é razoável, sendo que o acréscimo de 14,3‰ já seria demasiado.
Este Acórdão acaba por ser um marco importante, dado que em sede de fiscalização
abstrata sucessiva, acabou por não declarar a inconstitucionalidade do artigo 19º da Lei
nº55-A/2010 de 31 de dezembro.
Este Acórdão acaba por não ter unanimidade sendo que algumas das questões por ele
definidas foram objeto de revisão e até alteração em Acórdãos posteriores.
Na minha opinião, parece existir uma espécie de inevitabilidade das medidas excecionais,
isto é, de acordo com o Acórdão em apreço temos de considerar que as reduções
remuneratórias se integram num conjunto de medidas que o poder político necessitou
tomas, de modo a reequilibrar as suas contas públicas, sendo que isso seria estritamente
necessário para a prevenção de consequências que se previam bastante complicadas,
parecendo-me que estas medidas, de facto, visam a salvaguarda de um interesse público
que deverá ser prevalecente.
Olhando ao princípio da confiança já enquadrado anteriormente, podemos referir que este
Acórdão trouxe a identificação das expetativas legítimas dos particulares como
manutenção das remunerações anteriores, bem como a não interrupção do pagamento de
subsídios de natal e de férias, sendo que o interesse púbico não poderia deixar de ser
salvaguardado.
No que diz respeito ao princípio da igualdade (também enquadrado anteriormente), este
exige igualdade perante os encargos públicos, sendo que, de acordo com o Acórdão nº
396/2011 são exigidos sacrifícios inerentes à satisfação de necessidades públicas que seja
distribuída por todos os cidadãos e todos estes deverão contribuir de igual forma para os
encargos públicos, tendo em conta a sua capacidade contributiva.
O Acórdão acaba por não ser unânime, tal como já terei referido anteriormente. Desta
forma, parece-me pertinente observarmos algumas das preocupações levantadas nos
votos de vencido do mesmo.

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Em primeiro lugar, CARLOS PAMPLONA DE OLIVEIRA declara o seu voto de
vencido essencialmente por pensar que as normas analisadas são inconstitucionais,
violando o princípio do Estado de Direito Democrático, que vem previsto no artigo 2º da
CRP, bem como o princípio da igualdade decorrente dos artigos 13º/1 e 2 e 59º/1-a) da
CRP.
Segundo CARLOS PAMPLONA DE OLIVEIRA o princípio do Estado de Direito
Democrático exige que haja um mínimo de certeza e de segurança no direito e que haja
uma previsibilidade nas expetativas que as pessoas acabam por ir criando juridicamente,
sendo que, desta feita, considera merecer proteção constitucional a expetativa dos
cidadãos.
Assim sendo, ainda que não concorde na totalidade com o Conselheiro, parece-me que a
preocupação deste faz todo o sentido.
Por outro lado, o Conselheiro CUNHA BARBOSA, emite também um voto de vencido,
segundo o qual não poderá ser insensível à gravidade e excecionalidade do desequilíbrio
financeiro das contas públicas que afeta o país, todavia, as medidas excecionais a serem
aplicadas não poderão conduzir a uma situação de afastamento de todo o controlo judicial,
aliás, tal como refere o professor JORGE REIS NOVAIS, a igualdade em termos
constitucionais conduz a um padrão de controlo da sua observância, segundo o qual o
julgador é remetido para juízos de valoração que incidem sobre os fundamentos ou os
critérios que pretendem justificar.
Por fim, o Conselheiro JOÃO CURA MARIANO, faz também um voto de vencido,
segundo o qual refere que face à violação da confiança dos cidadãos e dos danos que se
seguirão, esta medida terá que ser a mais suave entre todas as que são possíveis para
alcançar o fim desejado, referindo que se o fim perseguido é a redução do défice das
contas públicas, então o mesmo poderá ser obtido por via do aumento da receita pela via
da diminuição da despesa.
Na realidade e deixando a minha opinião pessoal quanto a este assunto, parece-me que
terá sido importante que a decisão do tribunal tenha sido sujeita a estes três votos de
vencido, demonstrando que houve uma noção de que se estava a violar o princípio da
confiança. Seguindo o pensamento de JOÃO CURA MARIANO, parece-me que
devemos ter em conta a situação financeira que estaria fortemente debilitada, contudo, a
superioridade do peso do interesse público, não deixa espaço para dúvidas de que há
interesses particulares a sair bastante afetados.

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No seguimento de tudo o referido, parece-me ser importante tomar uma posição concreta
e direta, referido que tenho de concordar com os votos de vencido dos Conselheiros, dado
que me parece existir uma desconformidade com a lei, sendo que o resultado será o da
inconstitucionalidade, sendo que, por exemplo, olhando para os artigos 20º e 21º da Lei
do Orçamento em causa, há uma injustificação da redução que daí resulta, sendo que se
irá fundar numa violação do princípio da proteção da confiança, tendo em conta a ideia
de proporcionalidade. Acaba por se colocar em crise os valores da segurança jurídica e
da proteção da confiança perante a expetativa criada aos destinatários face ao quadro
normativo vigente na data da introdução de tais normas, tal como refere JOÃO CUNHA
BARBOSA.
Já no seguimento de CARLOS PAMPLONA DE OLIVEIRA, a justificação que é
invocada para fundamentar a aprovação das normas que determinam os cortes nos salários
diz respeito à comunidade no seu conjunto e não apenas aos funcionários públicos que é
o grupo que acaba por ser afetado em exclusividade, inexistindo uma justificação para
afetar apenas estes trabalhadores.
Por fim, seguindo ainda o entendimento de JOÃO CURA MARIANO, não está
demonstrado que exista uma diferença significativa nos efeitos da opção da redução dos
vencimentos dos funcionários públicos, relativamente a uma tributação acrescida dos
rendimentos de todos os cidadãos, sendo que ambas as situações iriam alcançar o objetivo
de redução do défice público.
Desta forma, a minha opinião final será a de que as normas em análise do Orçamento de
Estado demonstram ser violadoras dos diversos Direitos Fundamentais já discutidos, pelo
que deveriam ter sido declaradas inconstitucionais, dando provimento ao requerido pelo
Grupo Parlamentar. Assim, devo discordar das conclusões do Acórdão em causa.

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Bibliografia

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2019, reimpr.

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