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Ficha de trabalho nº 11

1. As fontes do direito, em sentido técnico jurídico, sã o os modos de formaçã o e ou


revelaçã o de regras jurídicas. A questã o que se coloca neste caso é saber se a
doutrina constitui fonte de direito em Portugal. A doutrina consiste no conjunto
das orientaçõ es e opiniõ es dos jurisconsultos, é a ciência do direito.
Historicamente a doutrina foi fonte de direito, mas hoje já nã o o é porque nã o gera
regras jurídicas. Em Portugal a atividade dos jurisconsultos, nã o é a de criaçã o de
direito novo, mas sim de elaboraçã o e desenvolvimento científico do direito já
existente. A doutrina extrai a sua autoridade da justificaçã o que tem toda a teoria,
assim sendo, a autoridade da doutrina nã o é extrínseca, antes assenta na valia
intrínseca das posiçõ es propugnadas. A autoridade da doutrina é ato incontestá vel,
daí que nos litígios jurídicos cada parte procure reforçar as suas alegaçõ es com
citaçã o de jurisconsultos que se tiverem pronunciado no mesmo sentido. É prá tica
comum a junçã o aos processos de pareceres emitidos por jurisconsultos de
especial autoridade. Pode acontecer e frequentemente acontece que o tribunal
adira a uma posiçã o sustentada pela doutrina. Nã o suscita surpresa que o STJ
fundamente a sua decisã o num caso de responsabilidade civil por acidente de
viaçã o com base nos entendimentos doutores Varela e Pires de Lima, reputados
civilistas portugueses, que se dedicaram ao estudo do tema, todavia tal nã o
significa que a doutrina seja fonte de direito, uma vez que o juiz nã o está vinculado
à s opiniõ es exprimidas, nem mesmo que se demonstre que a totalidade da
doutrina se orientou naquele sentido. O juiz apenas deve obediência ao direito
objetivo constituído, que está presente no artigo 203º da constituiçã o e no artigo
4º nº1 do estatuto dos magistrados judiciais, portanto o juiz poderá sempre
afastar-se da doutrina maioritá ria se no seu entender outra for a interpretaçã o das
fontes. É de salientar, contudo a importâ ncia fundamental da doutrina para a
revelaçã o, desenvolvimento e sistematizaçã o do ordenamento jurídico. Em
conclusã o a estudante M nã o tem razã o.

2. A empresa ao alegar que a norma da portaria é atual “lei morta” parece estar a
invocar a cessaçã o da vigência do referido artigo. Os modos de cessaçã o de
vigência da lei sã o nos termos do artigo 7º nº1 apenas a revogaçã o ou a
caducidade. A vigência de uma lei cessa por revogaçã o quando entra em vigor nova
lei que lhe põ e termo expressa ou tacitamente, já a vigência de uma lei cessa por
caducidade quando ocorre um facto que a pró pria lei prevê que leve à sua cessaçã o
de vigência ou quando desaparecem os pressupostos de aplicaçã o da lei. No caso
concreto nã o se verifica nenhuma destas causas dado que nã o se trata de lei
temporá ria nã o desapareceram os pressupostos da sua aplicaçã o e nã o houve
revogaçã o expressa ou tácita por lei posterior. O mero desuso nã o importa a sua
extinçã o, a lei só cessará por desuso se se criar a convicçã o de que é obrigató rio
proceder assim, portanto se se formar um verdadeiro costume contra legem. Por
exemplo as autoridades podem tolerar longamente a circulaçã o de motociclistas
sem capacete ou a travessia das ruas por peõ es fora das passadeiras , com isto a lei
que impõ e uso de capacete e a lei que proíbe a travessia das ruas fora das
passadeiras nã o cessaram a sua vigência , só cessarã o se se criar no espirito
daqueles que habitualmente a convicçã o que é licito proceder-se assim, o simples
desuso de uma lei nã o implica a sua extinçã o enquanto nã o for sustentada por um
verdadeiro costume. Temos portanto de equacionar a possibilidade de cessaçã o da
lei por costume contra legem , para isso importa primeiro analisar a questã o da
admissibilidade de um costume como fonte de direito em Portugal. Começando
pelos argumentos contra:
 A secçã o do có digo civil relativa à s fontes nã o faz mençã o ao costume.
 Artigo 7º nº1 que estabelece os modos de cessaçã o de vigência da lei exclui o
costume contra legem.

Passando agora para os argumentos a favor:


 Nã o cabe à lei (fonte de direito) admitir ou recursar outras fontes de direito, há até
quem diga que o elenco de fontes deveria constar na constituiçã o e nã o no có digo
civil por se tratar de um problema com dignidade constitucional. A vantagem de
constar no có digo civil é a longevidade e estabilidade que este regista.
 O costume constitui a mais pura manifestaçã o de criaçã o normativa é uma prá tica
reiterada acompanhada de convicçã o de obrigatoriedade que surge
espontaneamente na vida em sociedade.
 A pró pria lei no artigo 348º admitir a possibilidade de invocaçã o em juízo de uma
prá tica consuetudiná ria

Aceitando-se admissibilidade do costume como fonte do direito, apesar de a lei nã o


admitir, entã o há que analisar se a norma o artigo 3º da portaria nã o terá cessado a sua
vigência em virtude da formaçã o do costume contra legem. Os elementos do costume sã o o
corpus que é o elemento material ou pratica social reiterada e o animus que é o elemento
psicoló gico que é a convicçã o de obrigatoriedade de prá tica social reiterada. Apesar de
resultar do enunciado a resistência de uma prá tica de desrespeito pela norma da portaria,
parece que esta prá tica ainda nã o obedece com a natureza reiterada e constante que
permita verificar o corpus. O requisito do animus também nã o parece estar justificado,
dado que falta a convicçã o da obrigatoriedade ou legitimidade da prá tica adotada. A
norma que impõ e limites má ximos de passageiros nos autocarros é desrespeitada nã o por
se ter criado no espírito das pessoas a convicçã o de que é legitimo ou obrigató rio violar-se
esses limites, mas antes por haver falta de autocarros. Por conseguinte nã o se pode dizer
que a referida norma da portaria tenha cessado a sua vigência através de costume contra
legem.

3. O sistema jurídico português integra-se na família romano – germâ nico ou “civil


law” , nã o reconhecendo a jurisprudência como fonte de direito na decisã o de
casos concretos, é inexiste o precedente obrigató rio característico dos países da
“common law”, no entanto vigora o princípio da independência judicial. O artigo
8º, nº3 é uma salvaguarda da certeza e igualdade sem, no entanto, criar um dever
de respeito por decisõ es anteriores, o artigo 10 nº3 consagra um poder de criaçã o
de norma ad hoc para efeitos de integraçã o de lacunas. A norma ad hoc nã o
constitui norma jurídica por nã o obedecer à s exigências de generalidade e
abstraçã o que caracterizam esta figura, trata-se de uma norma vá lida para o caso
concreto sub iudice nã o virando, portanto, direito. O artigo 2º previa que nos casos
declarados da lei podem os tribunais fixar por meio de assentos a doutrina com
força obrigató ria geral , tal norma foi negada por inconstitucionalidade dos
assentos com fundamento no princípio da liberdade de julgar dos juízes e no
princípio de separaçã o de poderes, violava-se também, como diz o Tribunal
Constitucional no acó rdã o 810/93, o artigo 112º da constituiçã o que prevê os atos
normativos e nã o consta desse elenco os assentos tendo eles apesar disso
verdadeira força de lei. Apesar dos assentos terem sido declarados
inconstitucionais a contradiçã o dos julgados continua a poder existir a necessidade
de atingir maior segurança nas decisõ es e evitar desperdício da atividade
jurisprudencial de casos semelhantes muitas vezes repetidos levou a que se criasse
a figura dos AUJ , estes nã o tendo a força vinculativa dos assentos exercem papel
de precedente persuasivo. A diferença dos AUJ e os assentes, é que os primeiros
nã o sã o obrigató rios permitindo-se que o juiz decida diferentemente desde que o
fundamente que a decisã o em sentido contrario é perfeitamente vá lida, mas
constitui motivo para se recorrer. Na resoluçã o de casos concretos a
jurisprudência nunca é fonte de direito em Portugal a questã o coloca-se no
acó rdã o com força obrigató ria geral porque eles interferem com a ordem jurídica
uma vez que extinguem normas jurídicas e por isso tem poder extintivo. A
qualificaçã o destes acó rdã os como fonte de direito depende do sentido que se
atribui à noçã o fonte de direito. Para aqueles que encaram como facto ou ato
jurídico pelo qual se cria, modifica ou extingue uma ordem jurídica entã o de facto
os acó rdã os com força obrigató ria geral, na medida em que extinguem normas, sã o
fonte de direito. Para aqueles que aderem ao entendimento de fonte de direito
como modo de formaçã o e ou revelaçã o de regras jurídicas, estes acó rdã os nã o
poderã o ser considerados fonte de direito pois nã o têm força criadora, têm apenas
poder extintivo. Extinguem normas já existentes, mas nã o criam nem revelam
normas novas. É de salientar ainda assim a importâ ncia inegá vel da jurisprudência
para revelaçã o, desenvolvimento e sistematizaçã o do ordenamento jurídico.

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