Você está na página 1de 5

2.

b) Tendo presentes os artigos 879.º, alínea b) e 777.º, n.º 1 CC, a sua resposta seria a
mesma se o regime jurídico consagrado no artigo 6.º-A da Lei n.º 1- A/2020, de 19 de
março, na redaçã o da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, constasse nã o de Lei da Assembleia
da Repú blica, mas de Resoluçã o do Conselho de Ministros?
Neste exercício está em causa um problema de hierarquias. Por um lado, temos as normas
do có digo civil aprovado por um decreto lei e, por outro lado, temos as normas de
resoluçã o do conselho de ministros que constitui um regulamento administrativo. O
có digo civil assume a forma de lei solene porque é uma lei em sentido material e em
sentido formal. É uma lei em sentido material dado que é segundo Oliveira ascensã o “um
texto ou forma significativa de uma ou mais regras imanada com observâ ncia das formas
estabelecidas de uma autoridade competente para pautar critérios jurídicos de soluçã o de
situaçõ es concretas. É uma lei em sentido formal visto que se reveste da forma destina por
excelência ao exercício da funçã o legislativa do estado. As resoluçõ es do conselho de
ministros enquanto regulamento de expressã o assumem a forma de lei comum porque
embora sendo lei em sentido material, nã o o sã o em sentido formal. Nem sempre as leis
sã o exequíveis porque frequentemente precisam de regulamento e que lhes confiram
executoriedade, tendo assim o Governo um poder normativo originá rio que se exerce na
obediência á s leis existentes conforme o disposto no art.199º alínea c) da CRP, os
regulamentos têm um cará ter subordinado sendo que estes devem respeitar as posiçõ es
legais, o que nã o significa que cada regulamento pressuponha uma lei determinada que
venha concretizar visto que pode haver regulamentos autó nomos subordinados á ordem
jurídica no seu conjunto mas sem estrita dependência de uma certa lei.
Quando surjam em conflito normas emanadas de hierarquia de fontes, prefere a norma
hierá rquica superior por força do princípio da superioridade. Para aplicar este princípio é
preciso conhecer a hierarquia entre leis sendo que no topo da pirâ mide estã o as leis
constitucionais sendo seguidas das leis reforçadas, vindo depois as leis, decretos-lei e
decretos legislativos regionais, desde que respeitadas as regras de competência absoluta e
as regras de competência relativa dos ó rgã os de onde emanam os diplomas. Por fim estã o
os regulamentos, dentro deste está o decreto regulamentar do governo, do conselho de
ministros, a portaria e por ú ltimo os factos normativos.
Deste modo, as normas da resoluçã o do conselho de ministros ainda que posteriores nã o
derrogam os arts. 879º alínea b) e 777º n1 do CC porque as normas deles contidas sã o
hierarquicamente superiores. Assim, Ana deve desocupar o imó vel e entregá -lo a Bruno.

3. Á lvaro, casado com Bruna, é atropelado por Xavier que conduzia embriagado. Á lvaro
nã o morre, mas sofre graves lesõ es corporais, ficando em estado vegetativo. Na sequência
do acidente, Bruna vê a sua vida irreversivelmente alterada e entra numa depressã o
profunda, pretendendo, por isso, ser ressarcida dos danos nã o patrimoniais sofridos com
fundamento no artigo 496.º, n.º 2 CC. Xavier entende que Bruna só teria direito a ser
compensada se do acidente tivesse resultado a morte de Á lvaro, conforme resulta do texto
do mencionado preceito.
a) Fazendo uma interpretaçã o metodologicamente correta do artigo 496.º, n.º 2 CC, diga se
os danos nã o patrimoniais sofridos por Bruna sã o ressarcíveis.
Neste caso existe uma divergência da interpretaçã o do art.496 n2. Por um lado, Xavier
socorrendo-se do elemento literá rio da interpretaçã o, ou seja, da letra da lei. Faz uma
interpretaçã o meramente declarativa da norma, a norma refere-se à morte e como tal, se
Á lvaro está vivo nã o há lugar á aplicabilidade do preceito. Diferentemente, Bruna lançando
mã o do elemento teleoló gico, defende a compensabilidade destes danos nos casos em que
a lesã o corporal, apesar de nã o produzir a morte provoca afetaçõ es graves da saú de do
lesado imediato e em que se possa por isso afirmar a idêntica gravidade das consequências
danosas.
Bruna, concluindo que a letra do texto fica aquém do seu espírito procede a uma
interpretaçã o extensiva.
A ratio legis do preceito legal é proteger os familiares mais pró ximos da vítima, uma vez
que com a morte desta vivenciam um profundo sofrimento. Se assim for, podemos admitir
uma interpretaçã o extensiva da norma nos moldes em que a faz bruna porque o
sofrimento dos familiares em caso de morte é equipará vel ao sofrimento deles num caso
como o nosso em que a vítima fica num estado irreversível.

b) Suponha que, atendendo à divergência de julgados nesta matéria relativa ao alcance do


artigo 496.º, n.º 2 CC, foi emitido um acó rdã o uniformizador de jurisprudência. Pode um
tribunal de 1.ª instâ ncia proferir uma decisã o em sentido contrá rio?
Na questã o em aná lise surge a problemá tica das fontes de direito e dos AUJ, na sequência
da aboliçã o dos assentos por inconstitucionalidade a necessidade de atingir maior
segurança nas decisõ es e evitar desperdício de atividade jurisprudencial perante casos
semelhantes muitas vezes repetidos levou ao surgimento dos AUJ. No nosso sistema
jurídico, pertencente à família da Civil Law, nã o existe o precedente obrigató rio
característico dos sistemas de Common Law. Vigorando antes o princípio da dependência
judicial nos termos previstos do art.203º da CRP e art.4 nú mero 1 do estatuto dos
magistrados judiciais segundo os quais os juízes julgam apenas de acordo com o direito
objetivo. Significa isto que os ó rgã os jurisdicionais inferiores nã o têm de julgar conforme o
que fizeram já tribunais superiores. Assim, o tribunal de primeira estâ ncia nã o está
vinculado a seguir o AUJ que o STJ haja referido sobre a matéria, podendo contrariar a
jurisprudência uniformizado e decidir noutro sentido, nã o obstante, os AUJ têm um valor
reforçado por serem adotados pelo pleno das secçõ es do STJ e nessa medida exercem o
papel de precedente persuasivo. Porém os tribunais inferiores contrariamente ao que
sucedia com os assentos nã o estã o obrigados a seguir os AUJ, o que garante a
independência judicial e permite afirmar que a jurisprudência nã o é entre nó s fonte de
direito. Deste modo, um tribunal de primeira estâ ncia pode decidir diferentemente
daquilo que constando AUJ, mas isso constitui motivo para a admissibilidade especial por
recurso.

Ficha 15
1. Invocando o estado de emergência financeira, o Governo apresentou à Assembleia da
Repú blica uma proposta de lei destinada a atenuar as dificuldades financeiras resultantes
da declaraçã o de inconstitucionalidade de algumas medidas do Orçamento do Estado de
2013. A proposta foi aprovada, com os votos da maioria, tendo dado origem à Lei n.º
X/2013, em 20/04/2013. Uma das medidas aprovadas consistia na eliminaçã o dos dias de
férias suplementares a que tinham direito os funcioná rios pú blicos (em virtude da idade,
da antiguidade ou da avaliaçã o de desempenho), determinando a Lei n.º X/2013 que este
regime se aplica a todas as férias ainda nã o gozadas. A “Associaçã o de Funcioná rios
Pú blicos Amigos do Lazer” indignou-se contra esta disposiçã o, que diz ser “retroativa”, já
que o direito a férias se vence no dia 1 de janeiro. A “Associaçã o dos Amigos do Trabalho”
afirma que a retroatividade nã o é proibida em Portugal. Quid iuris?
As leis sucedem-se no tempo. Nã o chega a haver um conflito real de normas aplicá veis por
força do princípio da posterioridade, mas isso nã o significa que nã o possa haver um
conflito de leis no tempo. É que a entrada em vigor de uma nova lei nã o provoca um corte
radical na continuidade da vida social. Há factos e situaçõ es que se tendo verificado antes
do início da vigência da lei nova tendem a continuar no futuro ou a projetar-se nele, e
nesses casos põ e-se o problema de saber qual das leis deve ser aplicada, se a lei nova se a
lei antiga. Está , portanto, em causa a problemá tica da aplicaçã o da lei no tempo. A lei nova
é retractiva pois aplica-se a direitos adquiridos anteriormente em 1 de janeiro de 2013,
afetando-os, porém, nã o estando em causa matéria de direitos liberdades e garantias,
direito penal e direito fiscal, a retroatividade da lei nã o é proibida do ordenamento
jurídico português. É de notar, contudo que a Jurisprudência constitucional tem vindo a
entender que a lei nova que afete efeitos garantidos por uma lei antiga deve ser
considerada inconstitucional se violar o princípio da proteçã o da confiança dos cidadã os
que decorre do princípio da segurança jurídica, baseado no princípio do Estado de direito
democrá tico, previsto no art. 2° da CRP, excluindo-se deste modo a proibiçã o arbitrá ria de
direitos adquiridos. A Jurisprudência constitucional sobre o princípio da segurança
jurídica na vertente material da confiança, para que esta ú ltima seja tutelada é necessá rio
que se reú nam 2 pressupostos: a afetaçã o de expectativas em sentido desfavorá vel será
inadmissível quando constitua uma mutaçã o da ordem jurídica com que razoavelmente os
destinatá rios das normas dela constantes nã o possam contar. Quando nã o for ditado pela
necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que
devam considerar-se prevalecentes. Deve recorrer-se aqui ao princípio da
proporcionalidade consagrado a propó sito dos DLG no art.18° da CRP.
2. O artigo 5.º da Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, prevê a alteraçã o da taxa de
tributaçã o autó noma para despesas de representaçã o relacionadas com viaturas ligeiras
de passageiros, prevista no artigo 81.º, n.º 3, alínea b) do Có digo do IRC, de 5% para 10%,
produzindo efeitos desde 1 de janeiro de 2008. Da aplicaçã o desta norma resultou para o
Banco A um excesso de 1176,42€ no apuramento da matéria de tributaçã o autó noma. A
vem alegar, em tribunal, a inconstitucionalidade desta norma, dizendo que “é uma norma
verdadeiramente retroativa e, consequentemente, inconstitucional por violar o princípio
da nã o retroatividade da lei fiscal”. Quid iuris?
Neste caso está em causa a aplicaçã o da lei tributá ria no tempo. Em matéria fiscal existe
um princípio geral de proibiçã o de retroatividade de lei que crie ou aumente impostos,
constitucionalmente consagrado no art.103º da CRP. A Jurisprudência tem feito uma
distinçã o na aplicaçã o deste princípio entre retroatividade autêntica e retroatividade
impró pria. A proibiçã o da retroatividade no domínio fiscal apenas se aplica à
retroatividade autêntica que é aquela em que o facto tributá rio que a lei pretende regular
já produziu todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga. A retroatividade é impró pria
quando a lei nova é aplicada a factos passados, mas cujos efeitos ainda perduram no
presente como sucede quando as normas fiscais produzem um agravamento da posiçã o
fiscal dos contribuintes em relaçã o a factos fiscais tributá rias que nã o acorreram ao abrigo
da lei antiga e que continuam a formar-se no decurso do mesmo ano fiscal na vigência da
lei nova, por exemplo os impostos sobre o rendimento. Nesta hipó tese nã o se aplica a
proibiçã o de retroatividade. Tendo esta distinçã o presente é preciso agora ver se a
aplicaçã o da lei nova in caso envolve uma retroatividade autêntica ou uma simples
retroatividade impró pria para se averiguar se ela é constitucionalmente proibida ou nã o.
Neste caso a lei nova vem alterar uma taxa de tributaçã o autó noma agravando. As taxas de
tributaçã o autó noma incidem sobre certas despesas que o legislador pode pretender
penalizar. Sã o calculadas de forma independente e autó noma do IRC. Na tributaçã o
autó noma, o facto tributá rio que dá origem ao imposto é instantâ neo, isto é, esgota-se no
ato de realizaçã o de determinada despesa que está sujeita a tributaçã o. O facto de a
liquidaçã o de um imposto ser efetuada num determinado período nã o transforma esse
imposto num imposto perió dico de carácter duradouro. Essa operaçã o de liquidaçã o
traduz-se apenas na agregaçã o para efeito de cobrança do conjunto de operaçõ es sujeitas
a essa tributaçã o autó noma, por consequência, a aplicaçã o da lei nova com uma taxa
agravada a despesas de representaçã o já efetuadas no passado, envolve uma
retroatividade autêntica constitucionalmente vedada por quando se traduzir à aplicaçã o
de uma lei nova a factos passados que já produziram todos os seus efeitos ao abrigo da lei
antiga. Assim, nã o pode a lei nova, sob pena de violaçã o da proibiçã o da retroatividade,
imposta no art. 103º da CRP agravar o valor da taxa de tributaçã o autó noma relativamente
a despesas já efetuadas aquando da sua entrega em vigor. Por isso, A tem razã o sendo a
norma inconstitucional.

Você também pode gostar