Você está na página 1de 115

EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

Tema I

O Direito Constitucional nos grandes sistemas de Direito Contemporâneo.

Notas de Aula1

1. O Direito Constitucional nos grandes sistemas de Direito Contemporâneo

A norma de conduta não é o texto normativo em si. A norma não se confunde com a
própria regra expressa. O texto legal é uma fonte normativa, mas não é a norma em si:
representa a norma, mas não a delimita, ou melhor, não a limita.
Assim se dá também com a Constituição de um país: a Constituição não é o texto,
não é a regra expressa, somente; o texto constitucional representa grande parte das normas
constitucionais, umas à perfeição, outras nem tanto, demandando interpretações plúrimas. E
note-se que a Carta textual não resume todas as normas constitucionais de um ordenamento,
pois há normas de caráter constitucional que não estão expressas, nem mesmo implícitas,
no texto literal da CRFB. Assim o são, por exemplo, as normas constantes de tratados
internacionais sobre direitos humanos.
No Brasil, a concepção textual de Constituição é bastante arraigada, mas é
imprecisa. Em países em que a constituição é não escrita, esparsa, essa ideia de não
textualidade da Constituição fica mais clara, e é de mais fácil entendimento. Um bom e
recente exemplo dessa dinâmica se vê na atual situação sobre a prisão do depositário infiel
em nosso ordenamento: o artigo 5º da CRFB, no inciso LXVII, regra constitucional
expressa, permite tal prisão; todavia, o Pacto de São José da Costa Rica, subscrito pelo
Brasil, veda essa hipótese de prisão por dívida, na forma do seu artigo 7º, item 7 – e tal
vedação prevaleceu, como se vê na súmula vinculante 25. Veja os dispositivos:

“(...)
LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo
inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do
depositário infiel;
(...)”

“Artigo 7º, 7 – Ninguém deve ser detido por dívida. Este princípio não limita os
mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de
inadimplemento de obrigação alimentar.”

“Súmula Vinculante 25: É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que
seja a modalidade do depósito.”

A prevalência da norma mais protetiva do direito à liberdade, constante do Tratado


em tela, se deve justamente ao fato de a Constituição não se limitar ao texto: a Constituição
é a norma que o país adota, e não a regra meramente textual. A Constituição é normativa, e
não meramente literal. É por isso que uma norma proveniente de outra fonte assume caráter
constitucional, prevalecendo inclusive sobre a norma textualmente inserta na CRFB. Tal
abertura só é possível por conta da providência do constituinte originário em assim
vislumbrar, reconhecendo a normatividade da Constituição como superior à textualidade,
como se vê nos §§ 1º e 2º do próprio artigo 5º da CRFB:
1
Aula ministrada pelo professor Nagib Slaibi Filho, em 16/8/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 1


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

“(...)
§ 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação
imediata.
§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
(...)”

A Constituição não é o seu texto, mas sim a norma que é representada, explícita ou
implicitamente, nesse texto. Mesmo por isso, o processo de mutação silenciosa da
Constituição é possível, eis que os valores que substanciam as regras são mutáveis, de
acordo com a própria mutabilidade do ethos sobre o qual versa aquela Constituição.
O juiz não pode se eximir de julgar por entender que há lacuna legislativa, como se
sabe. Então, se efetivamente o direito fosse adstrito à regra expressa, não haveria forma de
se proceder a um julgamento quando, de fato, houvesse lacuna na positivação jurídica. É
por isso que a norma não se resume ao texto, e sim ao valor, que é personificado na lei
posta, mas também na principiologia aberta. A LICC estabelece dá a nota de tal abertura, no
artigo 4º:

“Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia,
os costumes e os princípios gerais de direito.”

Não se pense que a norma posta, positivada como regra, é de ser ignorada, porém.
Gustav Radbruch é autor de uma frase que revela com precisão o valor da regra expressa.
Diz ele que “o texto da lei é como o rebocador, que impulsiona o navio dentro da barra”, ou
seja, no primeiro momento, é a regra expressa que traça a diretriz, a qual servirá para que o
intérprete se guie quando precisar passar pelo oceano da normatividade aberta.
No sistema do Civil Law, da tradição romano-germânica, o texto legal predomina,
da exata forma que menciona Radbruch. Esse é nosso sistema originário. Já na Common
Law, sistema inglês, a diretriz básica é consuetudinária, antes da lei posta. Há ainda que se
mencionar um terceiro sistema, o Direito Muçulmano, em que a norma primária é a lei
religiosa, pois os países que assim se estruturam são Estados de base religiosa, e não de
Direito – não há laicidade estatal nesses Estados.
Pode-se entender, portanto, que a Constituição é viva: os indivíduos são a
Constituição, na medida em que os valores sociais que determinam o alcance das normas,
postas ou abstratas, são ditados pelos indivíduos.
O § 2º do artigo 5º da CRFB exibe esta lógica, porque garante caráter constitucional
a normas provenientes do regime, dos princípios, e de tratados internacionais. Vale dizer até
mesmo que, temeroso da abertura que esse § 2º representa, o legislador constituinte
derivado adicionou, em 2004, com a EC 45, o § 3º desse artigo 5º, pretendendo com isso
limitar a afecção do parágrafo antecedente:

“(...)
§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem
aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos
dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).”

Michell Nunes Midlej Maron 2


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

Com essa previsão, pretendeu o constituinte derivado estabelecer que apenas os


tratados que forem internalizados com aquelas formalidades serão tidos por norma de
quilate constitucional. Todavia, a aplicabilidade imediata do § 1º, combinada com a
abrangência do § 2º, não limitam dessa forma: mesmo se não houver tal formalidade na
internalização da norma, ela pode ter status constitucional, porque, repita-se, a Constituição
não é a regra expressa, não é a forma – é um organismo vivo, vigente e mutável,
independente da formalidade.

Casos Concretos

Michell Nunes Midlej Maron 3


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

Questão 1

Foi proposta ação direta de inconstitucionalidade pelo Procurador-Geral da


República em face dos artigos 22 e 28 da Lei 12.381, de 09/12/1994, do Estado do Ceará
e, como bem observado pela Advocacia-Geral da União, dos artigos 5º e 25º, § único, da
mesma Lei, que dispõem sobre o destino de percentual da arrecadação da taxa judiciária,
emolumentos e custas à Associação Cearense dos Magistrados, à Associação Cearense do
Ministério Público e à Caixa de Assistência dos Advogados, porquanto contrários ao
disposto no art. 145, II, da Constituição Federal.A Assembléia Legislativa do Estado do
Ceará apresentou informações, alegando, em síntese, que a competência para evidenciar
qualquer impropriedade jurídica quanto à norma ora impugnada seria da própria
Assembléia Legislativa do Estado, e que os dispositivos legais impugnados foram
aprovados para interpretação em conformidade com as Constituições Federal e Estadual.
O Governador do Estado do Ceará prestou informações sustentando a constitucionalidade
dos referidos dispositivos legais, por entender possível e lícita a vinculação de parte do
montante de custas e emolumentos como fonte de receita para a Associação Cearense dos
Magistrados, a Associação Cearense do Ministério Público e a Caixa de Assistência dos
Advogados. A ação foi julgada procedente, em consonância com jurisprudência pacificada
do STF, decidindo-se, posteriormente, em questão de ordem, pela extensão da
inconstitucionalidade a dispositivos não impugnados expressamente na inicial
(inconstitucionalidade por arrastamento), conforme voto do Ministro Gilmar Mendes: (...)
que o voto que proferi na sessão de 9 de junho é no sentido da procedência da ação com a
conseqüente declaração de inconstitucionalidade dos seguintes dispositivos: no art. 5º, a
expressão acrescidas e calculadas juntamente com a Taxa Judiciária e quotas para a
Associação Cearense dos Magistrados, para a Associação Cearense do Ministério Público
e para a Caixa de Assistência dos Advogados; o art. 22; no art. 25, a expressão outra para
o recolhimento dos valores destinados aos órgãos de classe especificados no art. 5º desta
Lei; e o art. 28 da Lei nº. 12.381, de 9 de dezembro de 1994, do Estado do Ceará. Contra
essa decisão, o Governador do Estado opôs embargos de declaração, alegando, em suma,
a nulidade do acórdão face à violação ao devido processo legal e ausência do
contraditório, por entender essencial a solicitação de informações ao Tribunal de Justiça
do Estado do Ceará, eis que a Lei nº. 12.381/94, que instituiu o Regimento de Custas do
Estado, foi de sua iniciativa. Sustenta também falha na petição inicial, por esta não ter
impugnado todos os dispositivos declarados inconstitucionais e requer seja decretada a
nulidade da decisão embargada. Decida a questão.

Resposta à Questão 1

Veja os julgados abaixo:

“ADI 2982 / CE STF – Rel. Relator(a): Min. GILMAR MENDES, j. 09/06/2004,


Tribunal Pleno.
EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade em face dos arts. 5º, 22, 25,
parágrafo único, e 28, todos da Lei no 12.381, de 9 de dezembro de 1994, do
Estado do Ceará, que destinam percentual da arrecadação da taxa judiciária,
emolumentos e custas à Associação Cearense dos Magistrados, à Associação
Cearense do Ministério Público e à Caixa de Assistência dos Advogados. 2.
Alegada ofensa ao art. 145, II, da Constituição. 3. Impossibilidade da destinação do

Michell Nunes Midlej Maron 4


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

produto da arrecadação, ou de partes deste, a instituições privadas, entidades de


classe e Caixa de Assistência dos Advogados. 4. Matéria pacificada na
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Precedentes: RP nº 1139, Rel. Alfredo
Buzaid, DJ 30.10.92; ADI nº 1378, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 30.05.97;
ADI nº 1.145-PB, Rel. Min. Carlos Velloso. 6. Ação Direta de
Inconstitucionalidade julgada procedente.”

“ADI 2982 QO / CE STF – Rel. Min. GILMAR MENDES, j. 17/06/2004, Tribunal


Pleno.
EMENTA: Questão de ordem. 2. Extensão da declaração de inconstitucionalidade a
dispositivos não impugnados expressamente na inicial. 3. Inconstitucionalidade por
arrastamento. 4. Explicitação no sentido de que a declaração de
inconstitucionalidade alcança os seguintes dispositivos: no art. 5º, a expressão
“acrescida e calculada juntamente com a Taxa Judiciária e quotas para a Associação
Cearense dos Magistrados, para a Associação Cearense do Ministério Público e
para a Caixa de Assistência dos Advogados”; o art. 22; no art. 25, a expressão
“outra para o recolhimento dos valores destinados aos órgãos de classe
especificados no Art. 5º desta Lei”; e o art 28 da Lei nº 12.381, de 9 de dezembro
de 1994, do Estado do Ceará.”

“ADI 2982 ED / CE STF – Rel. Min. GILMAR MENDES, j. 02/08/2006, Tribunal


Pleno.
EMENTA: Ação Direta de Inconstitucionalidade. 2. Embargos de Declaração.
Questões relacionadas à violação do devido processo legal, do contraditório e à
inconstitucionalidade por arrastamento. 3. Natureza objetiva dos processos de
controle abstrato de normas. Não identificação de réus ou de partes contrárias. Os
eventuais requerentes atuam no interesse da preservação da segurança jurídica e
não na defesa de um interesse próprio. 4. Informações complementares. Faculdade
de requisição atribuída ao relator com o objetivo de permitir-lhe uma avaliação
segura sobre os fundamentos da controvérsia. 5. Extensão de inconstitucionalidade
a dispositivos não impugnados expressamente na inicial. Inconstitucionalidade por
arrastamento. Tema devidamente apreciado no julgamento da Questão de Ordem. 6.
Inexistência de omissão, obscuridade ou contradição. 7. Embargos de declaração
rejeitados.”

Questão 2

Uma das principais características dos sistemas de direito oriundos do sistema


romano-germânico é ter como pilar referente à segurança jurídica o princípio da
legalidade, que serve como base para se garantir a satisfação social, bem como a
estabilidade política das instâncias de poderes constituídos da República. Todavia, com o
recente movimento de desestatização da ordem econômica brasileira (Lei nº 8.031/90),
houve a adoção da doutrina da deslegalização, transferindo-se o campo de delimitação da
aplicabilidade normativa de determinadas matérias da lei para o ato administrativo.
Assim, cite qual é o posicionamento da jurisprudência brasileira sobre o tema, citando,
ainda, o posicionamento doutrinário, pátrio e no Direito Comparado, sobre as
convergências e diferenças entre os princípios da legalidade e da reserva legal.

Resposta à Questão 2

Michell Nunes Midlej Maron 5


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

Veja o julgado abaixo:

“RE 140669 / PE STF – Rel. Min. ILMAR GALVÃO, j. 02/12/1998, Tribunal


Pleno.
EMENTA: TRIBUTÁRIO. IPI. ART. 66 DA LEI Nº 7.450/85, QUE AUTORIZOU
O MINISTRO DA FAZENDA A FIXAR PRAZO DE RECOLHIMENTO DO IPI,
E PORTARIA Nº 266/88/MF, PELA QUAL DITO PRAZO FOI FIXADO PELA
MENCIONADA AUTORIDADE. ACÓRDÃO QUE TEVE OS REFERIDOS
ATOS POR INCONSTITUCIONAIS. Elemento do tributo em apreço que,
conquanto não submetido pela Constituição ao princípio da reserva legal, fora
legalizado pela Lei nº 4.502/64 e assim permaneceu até a edição da Lei nº
7.450/85, que, no art. 66, o deslegalizou, permitindo que sua fixação ou alteração
se processasse por meio da legislação tributária (CTN, art. 160), expressão que
compreende não apenas as leis, mas também os decretos e as normas
complementares (CTN, art. 96). Orientação contrariada pelo acórdão recorrido.
Recurso conhecido e provido.”

Quanto ao direito comparado, veja os escorços abaixo:


“Portugal: ‘Quando uma matéria tiver sido regulada por acto legislativo, o grau
hierárquico desta regulamentação fica congelado e só um outro acto legislativo
poderá incidir sobre a mesma matéria, interpretando, alterando, revogando ou
integrando a lei anterior. Os princípios da tipicidade e da preeminência da lei
justificam logicamente o princípio do congelamento do grau hierárquico: uma
norma legislativa nova, substitutiva, modificativa ou revogatória de outra, deve ter
uma hierarquia normativa pelo menos igual à da norma que se pretende alterar,
revogar, modificar ou substituir. Este princípio não impede, rigorosamente, a
possibilidade de deslegalização ou de degradação do grau hierárquico. Neste caso,
uma lei, sem entrar na regulamentação da matéria, rebaixa formalmente o seu grau
normativo, permitindo que essa matéria possa vir a ser modificada por
regulamentos. A deslegalização encontra limites constitucionais nas matérias
constitucionalmente reservadas à lei. Sempre que exista uma reserva material-
constitucional de lei, a lei ou o decreto-lei (e, eventualmente, também, decreto
legislativo regional) não poderão limitar-se a entregar aos regulamento a disciplina
jurídica da matéria constitucionalmente reservada à lei.’ - grifamos. CANOTILHO,
J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 4a ed. Coimbra:
Almedina. 2000. p. 837.”

“Espanha: Eduardo Garcia de Enterria, em sua obra Legislacion Delegada, Potestad


Reglamentareia y Control Judicial, Civitas, Madrid, 3a Edição, conceitua a
deslegalização ou delegificação como a ‘operação efetuada por uma lei que, sem
entrar na regulação material do tema, até então regulado por uma lei anterior, abre
tal tema à disponibilidade do poder regulamentar da Administração. Mediante o
princípio do contrarius actus, quando uma matéria está regulada por determinada
lei se produz o que chamamos de congelamento de grau hierárquico normativo que
regula a matéria, de modo que apenas por outra lei contrária poderá ser inovada
dita regulação. Uma lei de deslegalização opera como contrarius actus da anterior
lei de regulação material, porém, não para inovar diretamente esta regulação,mas
para degradar fomalmente o grau hierárquico da mesma de modo que, a partir de
então, possa vir a ser regulada por simples regulamentos. Deste modo, simples
regulamentos poderão inovar e, portanto, revogar leis formais anteriores, operação
que, obviamente, não seria possível se não existisse previamente a lei degradador
(...) “não é uma lei de regulação material, não é uma norma diretamente aplicável
como norma agendi, não é uma lei cujo conteúdo deva simplesmente ser
completado; é uma lei que limita seus efeitos a abrir aos regulamentos a

Michell Nunes Midlej Maron 6


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

possibilidade de entrar em matéria até então regulada por lei’” (nossa livre
tradução. Os grifos são nossos.).”

“Direito pátrio: ‘A doutrina não raro confunde ou não distingue suficientemente o


princípio da legalidade e o da reserva de lei. O primeiro significa a submissão e o
respeito à lei, ou a atuação dentro da esfera estabelecida pelo legislador. O segundo
consiste em estatuir que a regulamentação de determinadas matérias há de fazer-se
necessariamente por lei formal. (...) Em verdade, o problema das relações entre os
princípios da legalidade e da reserva de lei resolve-se com base no Direito
Constitucional positivo, à vista do poder que a Constituição outorga ao Poder
Legislativo. Quando essa outorga consiste no poder amplo e geral sobre qualquer
espécie de relações, como vimos antes, tem-se o princípio da legalidade. Quando a
Constituição reserva conteúdo específico, caso a caso, à lei, encontramo-nos diante
do princípio da reserva legal’. SILVA, José Afonso; Curso de Direito
Constitucional Positivo, 19a edição, Malheiros editores, São Paulo, 2000, p. 425.”

Tema II

Michell Nunes Midlej Maron 7


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

Transição do controle incidental para o controle concentrado de constitucionalidade.

Notas de Aula2

1. Transição do controle incidental para o concentrado de constitucionalidade

O controle de constitucionalidade judicial, por meio de uma corte constitucional


concentrada, foi criado por Hans Kelsen, sendo um sistema originariamente adotado na
Alemanha. A Corte Constitucional Alemã tem competência para apreciar e julgar as
reclamações constitucionais, similares à ADPF brasileira, e as causas constitucionais que a
própria administração pública alemã a esta remete.
O outro grande sistema de controle de constitucionalidade, o difuso, como se sabe, é
de origem norte-americana, propugnado pelo juiz John Marshall. Vale mencionar, pelo
valor histórico, o momento em que surgiu esse controle difuso. A origem foi em um famoso
precedente, o caso Marbury vs. Madison, que foi decidido em 1803 pela Suprema Corte dos
Estados Unidos.
Em breve síntese, na eleição presidencial dos EUA de 1800, Thomas Jefferson
derrotou John Adams; após a derrota, John Adams resolveu nomear vários juízes em
cargos relevantes, para manter certo controle sobre o Estado, e entre eles se encontrava
William Marbury, nomeado Juiz de Paz.
Ocorre que Marbury não foi nomeado por quem deveria, o secretário de Estado
James Madison. Marbury, então, impetrou um mandado de segurança na Suprema Corte
Norte-Americana, no qual exigia sua diplomação. Julgando o caso, John Marshall, que
então era presidente da Suprema Corte, entendeu que a competência não seria da Suprema
Corte, naquele caso, mas que qualquer juizo poderia reputar uma norma como
inconstitucional, e deixar de aplicá-la – criando assim essa competência difusa, pela
primeira vez.
Outo sistema, recentemente desenvolvido, é o britânico, da Corte Constitucional do
Reino Unido, com peculiar função: essa corte, que é órgão parlamentar, é competente para
emitir pareceres prévios, função consultiva sobre a constitucionalidade, preventiva, e não
repressiva.
Na França é um pouco similar. O controle é também preventivo, exercido pelo
Conselho Constitucional, órgão com a mesma competência consultiva, apto a emitir
pareceres parlamentares sobre a constitucionalidade de leis, e também sobre a
aplicabilidade das leis – no que se aproxima à nossa interpretação conforme a Constituição.
Normalmente, nota-se uma correlação, no mundo, entre o parlamentarismo e o
controle concentrado, e o presidencialismo e o controle difuso, incidental.
Apesar dessa tradicional dicotomia, o que se experimenta, hoje, é uma sincretização
entre o controle difuso e o concentrado, pela percepção de que o controle difuso, ao menos
quando alça o STF, deve ter o mesmo efeito do concentrado. Pelo ensejo, vejamos um
artigo especifico sobre o tema, a objetivização do controle incidental, naturalemnte
subjetivo.

2
Aula ministrada pelo professor Nagib Slaibi Filho, em 16/8/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 8


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

2. A tendência de sincretização dos controles abstrato e concreto de


constitucionalidade no Supremo Tribunal Federal3

A constituição, por ser o diploma normativo que ocupa o ápice da pirâmide


hierárquica do ordenamento jurídico, deve pautar e servir de fundamento de validade para
todo e qualquer ato emanado pelo Poder Público. Portanto, a princípio, há de serem
considerados nulos – ou inexistentes - as leis ou quaisquer outros atos editados em
desconformidade com o texto constitucional.
Assim o é porque no Texto Constitucional estão assentados a Estrutura do Estado, a
Organização dos Poderes e os Direitos Fundamentais. Desse modo, a guarda dos preceitos
constitucionais é, em última análise, a própria preservação do Estado Democrático de
Direito que, por sua vez, é a base de todo o sistema político-jurídico do Estado Brasileiro.
A constituição rígida, então, em sua própria defesa, deve outorgar a um ou mais
órgãos estatais esta competência fiscalizatória das normas e atos que lhe são
hierarquicamente inferiores. A depender do número de órgãos responsáveis por esta
verificação, teremos o controle abstrato-concentrado ou o controle concreto-difuso.
O primeiro, empreendido única e exclusivamente pelo Supremo Tribunal Federal - e
por isso denominado concentrado - é realizado num plano abstrato, pois não há uma lide
subjacente à discussão de (in)constitucionalidade, ou seja, não há partes em conflito, o que
há é um processo objetivo.
O segundo pode ser levado a efeito por qualquer juiz ou tribunal (difuso) e a questão
constitucional não é mais o objeto principal da lide, tornando-se uma questão acessória,
incidental, ou mesmo prejudicial, a ser decidida antecedentemente ao mérito de um caso
concreto qualquer submetido ao judiciário. Como existem partes litigando em juízo, diz-se
que o controle difuso realiza-se dentro de um processo subjetivo.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 optou por um sistema misto de controle,
pois adotou o sistemas concentrado e o difuso para a aferição da (in)constitucionalidade das
leis.
Como a toda e qualquer decisão judicial, às declarações de inconstitucionalidade
exaradas no bojo dos controles de constitucionalidade, acima descritos, são atribuídos
certos efeitos.
No que concerne aos efeitos para as partes, estabelece o art. 102, §2º da CF/88 que
no modelo abstrato,

“As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas
ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de
constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante,
relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública
direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.”

A decisão, então, é dotada de efeitos erga omnes - alcançando todos os indivíduos


que estariam no âmbito de incidência da lei ou ato normativo impugnado - e vinculante

3
Transcrição integral, com livre adaptação da formatação, do artigo referenciado a seguir: CASTRO, Gustavo
Anderson Correia de. A tendência de sincretização dos controles abstrato e concreto de constitucionalidade no
Supremo Tribunal Federal. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2575, 20 jul. 2010. Disponível em:
<http://jus.uol.com.br/revista/texto/17018>. Acesso em: 19 ago. 2010. O texto é esclarecedor, mas me
permito, porém, discordar apenas de sua conclusão.

Michell Nunes Midlej Maron 9


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

quanto aos demais órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública direta e indireta,
em todos os seus níveis.
Quanto a este último, vale frisar que não é restrito apenas "à parte dispositiva, mas
refere-se, também, aos próprios fundamentos determinantes do julgado que o Supremo
Tribunal Federal venha a proferir em sede de controle abstrato". (DIDIER JÚNIOR et al,
2006, p. 416). É a denominada teoria da transcendência dos motivos determinantes da
decisão. É precisamente neste ponto que reside a distinção entre efeito erga omnes e
vinculante, sendo este "uma qualidade da sentença que vai além de suas eficácias comuns
(erga omnes, coisa julgada, efeito preclusivo), uma peculiar força obrigatória geral, uma
qualificada força de precedente, variável em cada sistema (...)" (ZAVASCKI, 2001, P.52).
No que diz respeito ao controle incidental, a declaração, a princípio, valerá apenas
para as partes litigantes, ainda que a decisão tenha sido proferida pelo Supremo Tribunal
Federal, seja no exercício de competência originária ou recursal. Como conseqüência,
temos que

“(...), continua a lei ou o ato normativo impugnado, e declarado inconstitucional em


relação àquelas partes, a vigorar e a produzir efeitos relativamente a outras
situações e pessoas, a menos que, igualmente, se provoque a jurisdição
constitucional, logrando essas pessoas obter idêntico pronunciamento (CUNHA
JÚNIOR, 2007, p. 146).”

Neste passo, percebe-se a inconveniência da decisão meramente inter partes,


decorrente da declaração de inconstitucionalidade no controle difuso, que é a possibilidade
de atribuir status jurídico diferenciado a indivíduos inseridos em idêntica situação fática.
Portanto, para evitar tais situações, foi inserida no art. 52, X da Constituição Federal
de 1988 a cláusula que atribui ao Senado Federal a competência para suspender a execução,
no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo
Tribunal Federal. Conforme explica Cunha Júnior (2007, p. 146):
“Para evitar essa problemática - leis ou atos normativos inconstitucionais para uns e
constitucionais para outros - a Constituição de 1988, na esteira das Constituições
anteriores (a partir da Constituição de 1934), outorgou ao Senado Federal a
competência para, ao suspender a execução do ato normativo declarado
incidentalmente inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal
Federal, conferir efeitos erga omnes a essa decisão da Excelsa Corte, de efeitos
originariamente inter partes, estendendo os efeitos da declaração de
inconstitucionalidade a todas as pessoas.”

Em princípio, tais características demonstram uma distinção nítida entre os dois


sistemas. Ocorre que, ultimamente, algumas medidas legislativas e decisões do Supremo
Tribunal Federal vêm concorrendo para a efetivação de um verdadeiro sincretismo entre o
controle difuso e o concentrado.
Entre as mais importantes manifestações deste fenômeno podemos citar, no plano
legislativo, o advento da Emenda Constitucional nº. 45 que introduziu no ordenamento
jurídico brasileiro os institutos da súmula vinculante e da repercussão geral e, no plano
jurisprudencial, algumas decisões do Supremo Tribunal Federal que acabaram por atribuir
uma nova feição ao recurso extraordinário.
Nas palavras do Ministro Gilmar Mendes (apud DIDIER JÙNIOR, 2008,
INTERNET) por ocasião do Processo Administrativo n. 318.715/STF:

Michell Nunes Midlej Maron 10


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

“O recurso extraordinário deixa de ter caráter meramente subjetivo ou de defesa de


interesses das partes, para assumir, de forma decisiva, a função de defesa da ordem
constitucional objetiva. (...). A função do Supremo nos recursos extraordinários –
ao menos de modo imediato – não é a de resolver litígios de fulano ou beltrano,
nem a de revisar todos os pronunciamentos das Cortes inferiores. O processo entre
as partes, trazido à Corte via recurso extraordinário, deve ser visto apensa [sic]
como pressuposto para uma atividade jurisdicional que transcende os interesses
subjetivos.”

Como ambiente favorável ao desenvolvimento destas transformações, o


assoberbamento do Supremo Tribunal Federal com uma quantidade inimaginável de
processos - o que é incompatível com as funções de uma Suprema Corte cuja atuação
deveria estar restrita apenas às grandes causas de interesse nacional - e a influência do pós-
positivismo e da nova hermenêutica constitucional que, como vimos - ao resgatar os valores
e princípios - arejaram a forma de enxergar a constituição, conferindo mais possibilidades
ao intérprete constitucional que não somente a letra fria do seu texto.
Esta tendência de fusão das características dos dois sistemas de controle vem sendo
chamada pela doutrina de "abstrativização" do controle concreto de constitucionalidade.
Isto porque o Supremo Tribunal Federal emprestou efeitos próprios do controle abstrato -
mormente os relativos à eficácia erga omnes e vinculante - a decisões tomadas no bojo do
controle difuso de constitucionalidade.
Vejamos as duas decisões mais representativas deste movimento. Numa delas,
referente ao julgamento do Recurso Extraordinário nº 197.917 (publicado no DJU de
27.02.2004) o Supremo

“interpretou a cláusula de proporcionalidade prevista no inciso IV do art. 29 da


CF/88, que cuida da fixação do número de vereadores em cada município. O TSE,
diante deste julgamento, conferindo-lhe eficácia erga omnes (note-se que se trata de
um julgamento em recurso extraordinário, controle difuso, pois), editou a
Resolução n. 21.702/2004, na qual adotou o posicionamento do STF. Essa
resolução foi alvo de duas ações direta de inconstitucionalidade (3.345 e 3.365, Rel
Min. Celso de Mello), que foram rejeitadas, sob o argumento de que o TSE, ao
expandir a interpretação constitucional definitiva dada pelo STF, "guardião da
constituição", submeteu-se ao princípio da força normativa da constituição. Aqui,
mais uma vez, aparece o fenômeno ora comentado: uma decisão proferida pelo
STF em controle difuso passa ter eficácia erga omnes, tendo sido a causa da edição
de uma Resolução do TSE (norma geral) sobre a matéria. (DIDIER JÚNIOR, 2008,
INTERNET).”

Já na decisão correspondente ao julgamento do HC 82.959/SP, o Supremo,

“ao menos aparentemente, passou a adotar a teoria da abstrativização do controle


difuso. Isto porque, em julgamento de habeas corpus, onde a inconstitucionalidade
era alegada como causa de pedir – portanto o controle era difuso – o STF afirmou
expressamente que a progressão de regime deveria, a partir daquele momento, ser
apreciada casuisticamente pelos magistrados. (MONTEZ, 2007, INTERNET).”

Em ambos os casos, verifica-se claramente que o Supremo Tribunal Federal atribuiu


efeito vinculante não apenas à parte dispositiva da decisão – que obrigaria apenas às partes
envolvidas na relação jurídico-processual, como determinado pelo art. 469, III do Código

Michell Nunes Midlej Maron 11


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

de Processo Civil – mas também à própria ratio decidendi, o que gera eficácia erga omnes
da decisão mesmo tomada em controle difuso de constitucionalidade.
Assim, autorizadas vozes da doutrina constitucionalista nacional, entre elas a do
ministro Gilmar Ferreira Mendes do Supremo Tribunal Federal, têm invocado a
obsolescência da competência senatorial (CF, art. 52, X) que teria perdido seu significado
com a relevante ampliação do controle abstrato de normas trazido pela Carta de 1988,
dando ensejo a uma nova interpretação para os efeitos da declaração de
inconstitucionalidade no controle difuso operado pelo Supremo Tribunal Federal.
Faidiga (2007, p. 194) questiona qual seria o sentido de atribuir a guarda da
Constituição à Suprema Corte Brasileira e ao mesmo tempo negar eficácia erga omnes e
efeito vinculante às suas declarações de inconstitucionalidade proferidas em sede de
controle concreto. Explica o autor:

“É preciso considerar que, se a Corte Suprema declara – ainda que incidentalmente


(na motivação da decisão) – uma norma inconstitucional e se essa norma tem
incidência geral e abstrata, a declaração também deve ter significado e eficácia
geral e abstrata, com imprescindibilidade de obediência geral. (FAIDIGA, 2007,
p.195).”

Ainda no mesmo sentido, o entendimento de Cunha Júnior:

“Essa competência do senado, todavia, se foi necessária nos idos de 1934, e talvez
até a década de 80, não revela hoje utilidade, em face do novel sistema jurídico
desenhado pela vigente Constituição da República. De feito, num sistema em que
se adota um controle concentrado-principal, e as decisões de inconstitucionalidade
operam efeitos erga omnes e vinculantes, a participação do Senado para conferir
eficácia geral às decisões do Supremo Tribunal Federal, prolatadas em sede de
controle incidental, é providência anacrônica e contraditória. (CUNHA JÚNIOR,
2007, p.152).”

Deve-se perquirir, portanto, se a cláusula inscrita no art. 52, X da Constituição é


obstáculo intransponível a que se atribua, sem a participação do Senado Federal, eficácia
geral às declarações de inconstitucionalidade proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em
sede de controle difuso de constitucionalidade.
Mendes levanta, então, a hipótese de ocorrência de mutação constitucional no art.
52, X da CF, que consistiria, grosso modo, em uma reforma da Constituição sem expressa
modificação do texto, recorrendo-se apenas a meios interpretativos.
Não há um entendimento doutrinário definitivo sobre o conceito de mutação
constitucional nem sobre sua extensão, isto é, se consiste em mero método interpretativo ou
se vai além para promover modificação informal do texto constitucional.
Para alguns autores, como Lenza (2008, p.154), a mutação constitucional é mera
alteração de sentido do texto normativo sem que haja sua modificação, pois "a
transformação não está no texto em si, mas na interpretação daquela regra enunciada. O
texto permanece inalterado".
Da mesma forma, anota Canotilho (apud NOGUEIRA, 2008, INTERNET) que

“Considerar-se-á como transição constitucional ou mutação constitucional a revisão


informal do compromisso político formalmente plasmado na constituição sem
alteração do texto constitucional. Em termos incisivos: muda o sentido sem mudar
o texto.”

Michell Nunes Midlej Maron 12


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

Já para outros autores, como Barroso (2004, p.145), seria uma forma de
interpretação evolutiva que gera, inclusive, alteração informal do texto da constituição, pois

“A interpretação evolutiva é um processo informal de reforma do texto da


Constituição. Consiste ela na atribuição de novos conteúdos à norma
constitucional, sem modificação do seu teor literal, em razão de mudanças
históricas ou de fatores políticos e sociais que não estavam presentes na mente dos
constituintes.”

Se vier a ser considerada um meio de emprestar legitimidade a uma "reforma


informal" do Texto Maior a ser empreendida diretamente pelo próprio Supremo Tribunal
Federal, a questão referente à mutação constitucional haverá de ser analisada de forma mais
cuidadosa, pois é "controvertida a questão da legitimidade das mutações constitucionais
operadas por via interpretativa". (NOVELINO, 2007, p. 107).
É que, se a mutação constitucional não é simples interpretação, ou seja, mera
verificação do sentido e alcance da norma subjacente ao texto, mas verdadeira reforma do
texto constitucional sem expressa modificação, faz-se necessário, então, verificar de quem é
a competência para fazê-lo.
Ora, é lição comezinha a de que a Carta Federal de 1988 conferiu apenas ao
Congresso Nacional, quando encarnado no papel de constituinte derivado, a atribuição de
reforma da Constituição. O argumento de obsolescência de determinado dispositivo
constitucional não transfere esta atribuição ao Supremo Tribunal Federal. A interpretação da
Constituição pelo Poder Judiciário é legítima apenas quando parte de um texto produzido
pelo poder constituinte (originário ou derivado) para se chegar a uma norma, mas não de
um texto para outro texto que substituirá o primeiro.
É neste exato sentido o entendimento de Streck (2008, INTERNET), pois

“(...) se o texto "mutado" é obsoleto, como admitir que o Supremo Tribunal Federal
"faça" outro, que confirme a tradição? De que forma se chega à conclusão de que
"um texto constitucional é obsoleto"? E de que modo é possível afirmar que, "por
ser obsoleto", o Supremo Tribunal Federal pode se substituir ao processo
constituinte derivado, único que poderia substituir o texto "obsoleto". (...) É que na
mutação constitucional caminhamos não de um texto a uma norma, porém de um
texto a outro texto, que substitui o primeiro.”

Segundo Mendes, em face desta suposta mutação do art. 52, X da constituição, o


Supremo Tribunal Federal deve passar a entender que a atuação do Senado Federal nos
casos de controle de constitucionalidade incidental servirá apenas para dar publicidade à
declaração de inconstitucionalidade, levando-a ao conhecimento de todos os cidadãos.
Desta forma, se o Supremo Tribunal Federal, em sede de controle incidental, chegar
à conclusão, de modo definitivo, de que a lei é inconstitucional, esta decisão terá efeitos
gerais, fazendo-se a comunicação ao Senado Federal para que este publique a decisão no
Diário do Congresso (MENDES, 2008, p. 1082).
De uma simples análise literal do texto inserido no art. 52, X da Constituição
Federal de 1988 percebe-se que a proposta, acima referida, de mutação constitucional do
dispositivo é realmente a alteração de seu texto e não apenas da norma a ele subjacente.
Vale dizer, é uma proposta de reforma da Constituição e não mera inovação interpretativa
do texto sob análise.

Michell Nunes Midlej Maron 13


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

Veja-se. Diz, literalmente, o art. 52, X da CF que compete privativamente ao Senado


Federal suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por
decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal. Ora, não há como, através de simples
atividade hermenêutica, atribuir-se ao vocábulo "suspensão" o significado de "simples
publicidade" sem que se tenha uma verdadeira alteração do texto constitucional.
Trecho do voto do Ministro Eros Grau (apud NOGUEIRA, 2008, INTERNET),
proferido na Reclamação 4335-5/AC é bastante ilustrativo do que se afirma nos parágrafos
anteriores:

“(...) passamos em verdade de um texto [pelo qual] compete privativamente ao


Senado Federal suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada
inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, a outro texto:
"compete privativamente ao Senado Federal dar publicidade à suspensão da
execução, operada pelo Supremo Tribunal Federal, de lei declarada
inconstitucional, no todo ou em parte, por decisão definitiva do Supremo. (...) não
se limita a interpretar um texto, a partir dele produzindo a norma que lhe
corresponde, porém avança até o ponto de propor a substituição de um texto
normativo por outro. Por isso aqui mencionamos a mutação da Constituição.”

Ademais, esta proposta parece conferir ao Senado Federal uma competência inútil,
pois o Poder Judiciário tem - e sempre teve - meios próprios de divulgação de suas
decisões. Ora, o poder constituinte originário não iria atribuir a mera tarefa de dar
publicidade às decisões do Supremo Tribunal Federal a uma instituição da estatura do
Senado Federal que tem entre suas atribuições principais a de representar a Federação e, em
última análise, o povo.
Mais uma vez, explica Streck (2008, INTERNET):

“Excluir a competência do Senado Federal – ou conferir-lhe apenas um caráter de


tornar público o entendimento do Supremo Tribunal Federal – significa reduzir as
atribuições do Senado Federal à de uma secretaria de divulgação intra-legislativa
das decisões do Supremo Tribunal Federal (...)”

Vale reiterar: o julgamento da lide submetida à apreciação do poder judiciário,


especialmente se efetivada in concreto, pede uma solução restrita às partes em litígio, pois
foram as únicas que participaram do processo. Além disto, a decisão judicial de efeitos erga
omnes, mesmo que emitida pelo Supremo Tribunal Federal no papel de legislador negativo,
deve ser a exceção e não a regra. E estas exceções estão - e devem estar - previstas na
Constituição e na legislação processual de regência da matéria.
Ao reverso, dar-se-ia ensejo a que o Poder Judiciário assumisse indevidamente o
âmbito de atuação do legislativo - a quem cabe, primordialmente, a edição de regras
dotadas de generalidade e abstração - com grave violação do princípio da separação dos
poderes (arts. 2° e 60, § 4°, inc. III),

“(...) cláusula pétrea constitucional, na medida em que os Tribunais não podem


editar regras gerais e abstratas, com validade universal, e poder prescritivo próprio
das normas abstratas, uma vez que lhes cabe precipuamente o papel de decidir a lei
aplicável á espécie. Ao interpretar a lei com caráter geral e vinculativo os Tribunais
estariam se imiscuindo na área de competência constitucional do Poder Legislativo,
convertendo-se em autênticos legisladores anômalos, posto que, na prática, a
vontade do intérprete teria eficácia de lei; fixando um entendimento praticamente

Michell Nunes Midlej Maron 14


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

insusceptível de discussão, por exemplo, em matéria constitucional de jurisdição do


Supremo Tribunal Federal (DINIZ, 2008, INTERNET).”

Tanto é assim que, o poder constituinte derivado, quando quis atribuir efeitos gerais
e vinculantes às decisões proferidas pelo STF em sede de controle concreto, o fez através
das já citadas inovações incorporadas ao ordenamento jurídico brasileiro com a Emenda
Constitucional nº. 45.
Estas inovações legislativas, não levam, no entanto, à conclusão de que houve
mutação constitucional no dispositivo constitucional que prevê, expressa e literalmente, a
atribuição do Senado Federal para suspender a execução, no todo ou em parte, de lei
declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal.
Conclusão: a jurisdição constitucional, sob as duas formas, difusa e concentrada,
apesar da predominância do modelo difuso, até o advento da Constituição de 1988, assumiu
características próprias no Brasil, por incluir em seu sistema de controle de
constitucionalidade, uma forma mista que engloba os dois modelos.
A nova sistemática resultante das modificações introduzidas no controle de
constitucionalidade, em especial no controle concentrado de constitucionalidade, pela
Constituição Federal de 1988 e Emendas nºs 3 e 45 provocou uma séria restrição ao
controle difuso-incidental, apesar de ainda continuar tendo grande importância na solução
dos casos concretos, principalmente no processo de efetivação dos direitos fundamentais.
Há um movimento, tanto legislativo como jurisprudencial, no sentido de
objetivização do controle concreto, no entanto, tal entendimento não é razão suficiente para
se concluir que a função do Senado Federal no controle difuso é o de dar mera publicidade
às decisões do Supremo Tribunal Federal. A alteração desta competência senatorial só é
possível através de processo legislativo de emenda à constituição que há de ser promovido,
única e exclusivamente, pelo poder constituinte derivado.
Toda e qualquer exegese do Texto Maior deverá considerar um conceito mais amplo
de interpretação, que potencialize a influência das normas-princípio, em face da sua
generalidade, abstração, flexibilidade e superioridade axiológica em relação às normas-
regras, o que permite o arejamento do sistema normativo e a concretização dos direitos
fundamentais por parte do poder judiciário.
No entanto, a liberdade hermenêutica conquistada pelo intérprete (Poder Judiciário)
há de ser empreendida de forma equilibrada e responsável para que não se permita a
instauração uma ditadura de juízes - que, a pretexto de interpretar a lei e a Constituição,
colocar-se-iam acima e contrário a elas – os quais não estão investidos nos seus cargos por
meio de um mandato popular como acontece com os membros do poder legislativo.

Casos Concretos

Questão 1

Michell Nunes Midlej Maron 15


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

JOÃO CARLOS, condenado por crime hediondo no Estado do Acre, ajuíza uma
reclamação em maio de 2006, junto ao STF, pretendendo a progressão de seu regime.
Alega que o STF, ao julgar o HC 82959/SP, declarou incidentalmente a
inconstitucionalidade do art. 2º § 1º da Lei 8072/90, motivo pelo qual o benefício dever-
lhe-ia ser deferido. Ao se manifestar sobre o tema, o Ministério Público alega que o
benefício não deve ser deferido ao reclamante, já que a decisão apontada como paradigma
declarou a inconstitucionalidade apenas incidentalmente. Responda fundamentadamente,
sem levar em consideração a superveniência da lei 11464/07, se o pedido deve ser
deferido.

Resposta à Questão 1

Veja o seguinte julgado:

“Rcl 4335 / AC STF – Rel. Min. GILMAR MENDES, j. 21/08/2006.


DECISÃO: Trata-se de reclamação, ajuizada por VALDIR PERAZZO LEITE, em
face de decisão do Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais da Comarca de Rio
Branco/AC, que indeferiu o pedido de progressão de regime em favor de ODILON
ANTONIO DA SILVA LOPES, ANTONIO EDINEZIO DE OLIVEIRA LEÃO,
SILVINHO SILVA DE MIRANDA, DORIAN ROBERTO CAVALCANTE
BRAGA, RAIMUNDO PIMENTEL SOARES, DEIRES JHANES SARAIVA DE
QUEIROZ, ANTONIO FERREIRA DA SILVA, GESSYFRAN MARTINS
CAVALCANTE, JOÃO ALVES DA SILVA E ANDRÉ RICHARDE
NASCIMENTO DE SOUZA. Os condenados apontados pelo reclamante cumprem
penas de reclusão em regime integralmente fechado, em decorrência da prática de
crimes hediondos. Com base no julgamento do HC nº 82.959, que reconheceu a
inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2o da Lei 8.072/1990 (“Lei dos Crimes
Hediondos”), que proibia a progressão de regime de cumprimento de pena nos
crimes hediondos, solicitou o reclamante ao Juiz de Direito da Vara de Execuções
Penais fosse concedida progressão de regime aos apenados relacionados acima, que
indeferiu os pedidos de progressão de regime, sob a alegação de vedação legal para
admiti-la e o seguinte argumento: “ (...)conquanto o Plenário do Supremo Tribunal,
em maioria apertada (6 votos x 5 votos), tenha declarado incidenter tantum a
inconstitucionalidade do art. 2o, § 1o da Lei 8.072/90 (Crimes Hediondos), por via
do Habeas Corpus n. 82.959, isto após dezesseis anos dizendo que a norma era
constitucional, perfilho-me a melhor doutrina constitucional pátria que entende que
no controle difuso de constitucionalidade a decisão produz efeitos inter
partes.”(fl.23-24). Da denegação do pedido de progressão por parte do juízo a quo,
o reclamante impetrou habeas corpus perante o Tribunal de Justiça do Estado do
Acre (fl.4-12). Solicitei informações ao Juiz de Direito da Vara de Execuções
Penais da Comarca de Rio Branco/AC, que assim se manifestou na Petição no
72.377/2006 (fls. 20-25): “Inicialmente, opino pelo não conhecimento da
reclamação, posto que não preenchidos os requisitos do art. 13, da Lei n. 8.038/90.
Sendo o pedido de progressão de regime da competência da Vara de Execuções
Penais da Comarca de Rio Branco, vez que na Comarca cumprem pena os
interessados na Reclamação, não há que se falar em preservar a competência dessa
E. Corte; por outra, não é de conhecimento deste Juízo, até o momento, que o STF
tenha expedido ordem em favor de um dos interessados na reclamação, e, portanto,
não é hipótese de garantir a autoridade de decisão da Corte. Por outra, a reclamação
não foi regularmente instruída com os documentos necessários, talvez pelos
motivos apontados no parágrafo anterior, e indicam claramente que busca suprimir
instância, posto que conforme consta da inicial, contra a decisão deste Juízo que
negou a progressão para aqueles apenados por crimes hediondos ou equiparados

Michell Nunes Midlej Maron 16


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

manejou o reclamante habeas corpus perante o Tribunal de Justiça do Estado do


Acre. Quanto ao pedido, tenho a informar que efetivamente tramitam neste Juízo os
autos das execuções penais ns. 001.02.017345-9, 001.05.012072-8, 001.05.017431-
3, 001.04.000312-5, 001.05.015656-2, 001.05.013247-5, 001.02.007288-1,
001.06.003977-0, 001.05.014278-0 e 001.05.007298-7, cujos reeducandos figuram
como interessados na reclamação, e me permito reproduzir parcialmente as
informações prestadas ao Tribunal de Justiça do Estado do ACRE quando oficiado
a prestá-las, que são do seguinte teor: Sobre as alegações constantes no habeas
corpus, forçoso dizer que o impetrante lançou mão de argumentos que não
correspondem à verdade. No afã de conseguir seu intento, talvez tenha o impetrante
esquecido que este Juízo, conforme determinado pelas Portarias ns. 07 e 09 da
Corregedoria Geral da Justiça deste Estado, teve o seu expediente externo suspenso
em função do cadastramento dos processos de execução no Programa SAJ de
informatização de 13 a 31 de março passado. No referido período, todos os prazos
processuais foram suspensos, a fim de evitar prejuízo a qualquer das partes, e
obviamente, restou prejudicada a tramitação dos feitos, isto porque os próprios
servidores lotados na Vara de Execuções Penais - VEP executaram toda a árdua
tarefa de cadastrar um a um os processos. Assim, com o fim do cadastramento e o
reinício dos trabalhos, em três de abril passado, deu-se continuidade à tramitação
dos procedimentos de execução, sendo portanto os feitos encaminhados ao
Ministério Público, a fim de se colher o necessário parecer sobre o pedido.
Particularmente quanto ao pedido de progressão de regime do 7º paciente, verifica-
se que o mesmo foi objeto de julgamento no dia 25/04/2006 (decisão de
indeferimento do pedido de progressão). É latente a falta de diligência do nobre
defensor ao impetrar o presente writ ao 1º paciente (Odilon Antônio da Silva
Lopes) que sequer tem execução em andamento nesta VEP, e aos 3°, 5°, 6° e 10º
pacientes que cumprem pena por crimes comuns, tendo este último sido condenado
no regime semi-aberto. Devo frisar ainda, que causa espécie a alegação de que este
Magistrado tenha se eximido de decidir com base em comunicado que fiz veicular
no presente fórum. Tal comunicado foi veiculado única e exclusivamente com o
fim de evitar o número cada vez crescente de atendimentos solicitando informações
sobre o julgamento do STF perante esta VEP, e nada mais fez a não ser repassar a
informação constante no site do próprio STF quando do julgamento do HC 82959
(anexo), que tem o seguinte teor: “Como a decisão se deu no controle difuso de
constitucionalidade (análise dos efeitos da lei no caso concreto), a decisão do
Supremo terá que ser comunicada ao Senado para que o parlamento providencie a
suspensão da eficácia do dispositivo declarado inconstitucional. (...)” (in site
www.stf gov.br, notícias de 23.02.2006, cujo tema é 23/02/2006 - 19:05 - Supremo
afasta a proibição de progressão de regime nos crimes hediondos - 3° parágrafo.)
Em momento algum este Magistrado deixou de decidir o feito com base no
comunicado, posto que tal comunicado não foi juntado a qualquer processo,
basicamente por não se constituir em ato judicial processual. O atraso deu-se
unicamente em razão da suspensão do expediente externo, conforme apontado.
Quanto à decisão do STF de declarar inconstitucional o artigo da Lei 8.072/90 que
veda a progressão de regime de cumprimento de pena para condenados por crimes
hediondos e equiparados, é pacífico que, tratando- se de controle difuso de
constitucionalidade, somente tem efeitos entre as partes. Para que venha a ter
eficácia para todos é necessária a comunicação da Corte Suprema ao Senado
Federal, que, a seu critério, pode suspender a execução, no todo ou em parte, de lei
declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal (art.
52, X, da CF). Sobre o tema, verifica-se do Regimento Interno do STF: “Art. 178.
Declarada, incidentalmente, a inconstitucionalidade, na forma prevista nos artigos
176 e 177, far-se-á a comunicação, logo após a decisão, à autoridade ou órgão
interessado, bem como, depois do trânsito em julgado, ao Senado Federal, para os
çfeitos do art. 42, VII, da Constituição.” Assim, não havendo qualquer notícia de
que o Senado Federal tenha sido comunicado e que tenha suspendido a eficácia do

Michell Nunes Midlej Maron 17


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

artigo declarado incidenter tantum inconstitucional, o que se tem até a presente data
é que ainda está em vigor o art. 2°, § 1°, da Lei 8.072/90, que veda a progressão de
regime. Se a decisão do Supremo Tribunal Federal tivesse sido tomada em sede de
ação direta de inconstitucionalidade (controle concentrado), produziria eficácia
contra todos e efeito vinculante, relativa aos demais órgãos do Judiciário e até à
Administração Pública direta e indireta, nos exatos termos do art. 102, § 2°, da
Constituição Federal. Todavia, como dito, não foi o que se verificou - a decisão se
deu no controle difuso. A remansosa e respeitada doutrina nacional tem pacificado
esse entendimento sobre as formas de controle de constitucionalidade. De outro
lado, este Juízo não tem competência para modificar o título executivo judicial com
base em decisão judicial, mesmo que seja do Supremo Tribunal Federal. A lei
confere este poder ao Juiz da Vara de Execuções Penais somente no caso de lei
posterior que de qualquer modo favorecer o condenado (art. 66, I, da Lei de
Execução Penal), e este não é o caso. Para melhor elucidar, transcrevo a decisão
relativa a negativa de progressão de regime aos pacientes, cujos processos já foram
julgados. “Vistos, etc. O reeducando epigrafado ingressou com o pedido de
progressão de regime. Os autos vieram instruídos com a liquidação de pena, o
relatório carcerário e a certidão de antecedentes criminais. Instado, o Ministério
Público manifestou-se pelo indeferimento do pedido de progressão de regime por
falta de amparo legal, ante a vigência do art. 2º, § 1º da Lei 8.072/90, colacionando
julgado do Tribunal de Justiça de Goiás. É o breve relatório. Decido. Compulsando
os autos, ao analisar o pedido de progressão, em se tratando de execução de pena
por crime hediondo, tenho que há vedação legal para admiti-la. Conquanto o
Plenário do Supremo Tribunal, em maioria apertada (6 votos x 5 votos), tenha
declarado incidenter tantum a inconstitucíonalidade do art. 2.°, § 1.° da Lei
8.072190 (Lei dos Crimes Hediondos), por via do Habeas Corpus n. 82.959, isto
após dezesseis anos dizendo que a norma era constitucional, perfilho-me a melhor
doutrina constitucional pátria, que entende que no controle difuso de
constitucionalidade a decisão produz efeitos inter partes. Para que se estenda os
seus efeitos erga omnes, a decisão deve ser comunicada ao Senado Federal, que
discricionariamente editará resolução suspendendo o dispositivo legal declarado
inconstitucional pelo Pretório Excelso (conforme, aliás, o próprio STF informou
em seu site na internet, em notícia publicada no dia 23/02/2006, que é do seguinte
teor: “...Como a decisão se deu no controle difuso de constitucionalidade (análise
dos efeitos da lei no caso concreto), a decisão do Supremo terá que ser comunicada
ao Senado para que o parlamento providencie a suspensão da eficácia do
dispositivo declarado inconstitucional...”). A referida decisão operou-se para
solução de determinado caso concreto, no controle difuso de constitucionalidade,
sem a análise da lei em tese. Significa dizer que os seus efeitos se aplicam somente
entre as partes do processo, e mesmo que suspensa a eficácia da lei pelo Senado
Federal, no tempo, os efeitos se operam ex nunc. Diversamente, na declaração de
inconstítucionalidade por via do controle abstrato, analisa-se a lei e a Constituição
sem qualquer referência a um caso concreto e seus efeitos atingem a todos,
vinculando Juízes e Tribunais. Nestes casos, o STF decide se seus efeitos podem
atingir questões passadas, ou seja, se operam ex tunc. Entender de outra forma seria
negar vigência ao disposto no art. 52, inc. X, da Constituição Federal, contrariando
o sistema constitucional adotado, ou seja o check and balances, ou freios e
contrapesos, inspirado no modelo norte americano, onde um Poder é controlado
pelo outro. Dito isto, o que continua líquido e certo até o momento, ante a inércia
dos Poderes em fazer valer o disposto no art. 52, inc. X, da CF/88, é a eficácia do
dispositivo da Lei dos Crimes Hediondos (art. 2°, § 1°, da Lei n. 8.072/90) que
veda a progressão de regime aos crimes hediondos ou a eles equiparados. Neste
contexto, é sabido que compete ao Juízo da Execução Penal aplicar aos casos
julgados a lei posterior de que qualquer modo favorecer o condenado (art. 66, I, da
LEP, e Súmula n. 611 do STF), contudo até o momento não há lei nova que
favoreça aqueles que se encontram cumprindo pena pela prática de delitos

Michell Nunes Midlej Maron 18


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

hediondos ou assim equiparados. Ao Juiz da Vara de Execuções Penais cabe dar


cumprimento à coisa julgada e não desrespeitá-la, a pretexto de decisão que não
vincula juízes ou Tribunais, como já dito. Para rescindir a coisa julgada fora da
hipótese de lei nova em benefício do reeducando (autorizada ao Juízo da Execução
Penal), necessário que instância superior processe e julgue revisão criminal, ou o
faça por meio de habeas corpus, ou mesmo que declare incidenter tantum a
inconstitucionalidade de dispositivo legal. Isto posto, com fundamento no art. 2°, §
1°, da Lei n. 8.072/90 e nos arts. 2° e 52, inc. X, da Constituição Federal,
INDEFIRO o pedido de progressão de regime ao reeducando Antonio Aluizio
Alves da Silva, ante a sua impossibilidade jurídica.(...)” (fls. 20-25) O Ministério
Público Federal, em parecer de fls. 30-31, opinou pelo não conhecimento do
pedido, em virtude de inexistir decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal
cuja autoridade deva ser preservada, e, portanto, ser manifestamente descabida a
presente reclamação. Passo a decidir. A possibilidade de progressão de regime em
crimes hediondos foi decidida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no
julgamento HC no 82.959-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, (acórdão pendente de
publicação). Nessa assentada, ocorrida na sessão de 23.02.2006, esta Corte, por seis
votos a cinco, reconheceu a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2o da Lei
8.072/1990 (“Lei dos Crimes Hediondos”), que proibia a progressão de regime de
cumprimento de pena nos crimes hediondos. Conforme noticiado no Informativo
no 417/STF: “Em conclusão de julgamento, o Tribunal, por maioria, deferiu pedido
de habeas corpus e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do § 1º do
art. 2º da Lei 8.072/90, que veda a possibilidade de progressão do regime de
cumprimento da pena nos crimes hediondos definidos no art. 1º do mesmo diploma
legal - v. Informativos 315, 334 e 372. Inicialmente, o Tribunal resolveu restringir a
análise da matéria à progressão de regime, tendo em conta o pedido formulado.
Quanto a esse ponto, entendeu-se que a vedação de progressão de regime prevista
na norma impugnada afronta o direito à individualização da pena (CF, art. 5º,
LXVI), já que, ao não permitir que se considerem as particularidades de cada
pessoa, a sua capacidade de reintegração social e os esforços aplicados com vistas à
ressocialização, acaba tornando inócua a garantia constitucional. Ressaltou-se,
também, que o dispositivo impugnado apresenta incoerência, porquanto impede a
progressividade, mas admite o livramento condicional após o cumprimento de dois
terços da pena (Lei 8.072/90, art. 5º). Vencidos os Ministros Carlos Velloso,
Joaquim Barbosa, Ellen Gracie, Celso de Mello e Nelson Jobim, que indeferiam a
ordem, mantendo a orientação até então fixada pela Corte no sentido da
constitucionalidade da norma atacada. O Tribunal, por unanimidade, explicitou que
a declaração incidental de inconstitucionalidade do preceito legal em questão não
gerará conseqüências jurídicas com relação às penas já extintas nesta data, uma vez
que a decisão plenária envolve, unicamente, o afastamento do óbice representado
pela norma ora declarada inconstitucional, sem prejuízo da apreciação, caso a caso,
pelo magistrado competente, dos demais requisitos pertinentes ao reconhecimento
da possibilidade de progressão.” (HC no 82.959-SP, Rel. Min. Marco Aurélio,
Pleno, por maioria, acórdão pendente de publicação). Segundo salientei na decisão
que deferiu a medida liminar, o modelo adotado na Lei no 8.072/1990 faz tábula
rasa do direito à individualização no que concerne aos chamados crimes hediondos.
Em outras palavras, o dispositivo declarado inconstitucional pelo Plenário no
julgamento definitivo do HC no 82.959-SP não permite que se levem em conta as
particularidades de cada indivíduo, a capacidade de reintegração social do
condenado e os esforços envidados com vistas à ressocialização. Em síntese, o § 1o
do art. 2o da Lei no 8.072/1990 retira qualquer possibilidade de garantia do caráter
substancial da individualização da pena. Parece inequívoco, ademais, que essa
vedação à progressão não passa pelo juízo de proporcionalidade. Entretanto, apenas
para que se tenha a dimensão das reais repercussões que o julgamento do HC no
82.959-SP conferiu ao tema da progressão, é válido transcrever as seguintes
considerações do Min. Celso de Mello, proferidas em sede de medida liminar, no

Michell Nunes Midlej Maron 19


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

HC no 88.231-SP, DJ de 20.03.2006, verbis: “Como se sabe, o Plenário do


Supremo Tribunal Federal, ao julgar o HC 82.959/SP,. Rel. Min. MARCO
AURÉLIO, declarou, ‘incidenter tantum’, a inconstitucionalidade do § 1o do art.
2o da Lei no 8.072, de 25/07/1990, afastando, em conseqüência, para efeito de
progressão de regime, o obstáculo representado pela norma legal em referência.
Impende assinalar, no entanto, que esta Suprema Corte, nesse mesmo julgamento
plenário, explicitou que a declaração incidental em questão não se reveste de
efeitos jurídicos, inclusive de natureza civil, quando se tratar de penas já extintas,
advertindo, ainda, que a proclamação de inconstitucionalidade em causa - embora
afastando a restrição fundada no S 1° do art. 2° da Lei n° 8.072/90 - não afeta nem
impede o exercício, pelo magistrado de primeira instância, da competência que lhe
é inerente em sede de execução penal (LEP, art. 66, III, ‘b’), a significar, portanto,
que caberá, ao próprio Juízo da Execução, avaliar, criteriosamente, caso a caso, o
preenchimento dos demais requisitos necessários ao ingresso, ou não, do
sentenciado em regime penal menos gravoso. Na realidade, o Supremo Tribunal
Federal, ao assim proceder, e tendo presente o que dispõe o art. 66, III, ‘b’, da LEP,
nada mais fez senão respeitar a competência do magistrado de primeiro grau para
examinar os requisitos autorizadores da progressão, eis que não assiste, a esta
Suprema Corte, mediante atuação ‘per saltum’ - o que representaria inadmissível
substituição do Juízo da Execução -, o poder de antecipar provimento jurisdicional
que consubstancie, desde logo, a outorga, ao sentenciado, do benefício legal em
referência. Tal observação põe em relevo orientação jurisprudencial que esta
Suprema Corte firmou em torno da inadequação do processo de ‘habeas corpus’,
quando utilizado com o objetivo de provocar, na via sumaríssima do remédio
constitucional, o exame dos critérios de índole subjetiva subjacentes à
determinação do regime prisional inicial ou condicionadores da progressão para
regime penal mais favorável (RTJ 119/668 - RTJ 125/578 - RTJ 158/866 - RT
721/550, v.g). Não constitui demasia assinalar, neste ponto, não obstante o advento
da Lei n° 10.792/2003 - que alterou o art. 112 da LEP, para dele excluir a referência
ao exame criminológico -, que nada impede que os magistrados determinem a
realização de mencionado exame, quando o entenderem necessário, consideradas as
eventuais peculiaridades do caso, desde que o façam, contudo, mediante decisão
adequadamente motivada, tal como tem sido expressamente reconhecido pelo E.
Superior Tribunal de Justiça (HC 38.719/SP, Rel. Min. HÉLIO QUAGLIA
BARBOSA - HC 39.364/PR, Rel. Min. LAURITA VAZ - HC 40.278/PR, Rel. Min.
FELIX FISCHER - HC 42.513/PR, Rel. Min. LAURITA VAZ) e, também, dentre
outros, pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (RT 832/676 - RT
837/568): ‘(...). II - A nova redação do art. 112 da LEP, conferida pela Lei
10.792/03, deixou de exigir a realização dos exames periciais, anteriormente
imprescindíveis, não importando, no entanto, em qualquer vedação à sua utilização,
sempre que o juiz julgar necessária. III - Não há qualquer ilegalidade nas decisões
que requisitaria a produção dos laudos técnicos para a comprovação dos requisitos
subjetivos necessários à concessão da progressão de regime prisional ao apenado.
(...).’ (HC 37.440/RS, Rel. Min. GILSON DIPP - grifei) ‘A lei 10.792/2003 (que
deu nova redação ao art. 112 da Lei de Execução Penal) não revogou o Código
Penal; destarte, nos casos de pedido de benefício em que seja mister aferir mérito,
poderá o juiz determinar a realização de exame criminológico no sentenciado, se
autor de crime doloso cometido mediante violência ou grave ameaça, pela
presunção de perículosidade (art. 83, par. ún., do CP).’ (RT 836/535, Rel. Des.
CARLOS BIASOTTI - grifei) A razão desse entendimento apóia-se na
circunstância de que, embora não mais indispensável, o exame criminológico - cuja
realização está sujeita à avaliação discricionária do magistrado competente -
reveste-se de utilidade inquestionável, pois propicia, ‘ao juiz, com base em parecer
técnico, uma decisão mais consciente a respeito do benefício a ser concedido ao
condenado’ (RT 613/278). As considerações ora referidas, tornadas indispensáveis
em conseqüência do julgamento plenário do HC 82.959/SP, Rel. Min. MARCO

Michell Nunes Midlej Maron 20


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

AURÉLIO, evidenciam a impossibilidade de se garantir, notadamente em sede


cautelar, o ingresso imediato do ora sentenciado em regime penal mais favorável.
Cabe registrar, neste ponto, que o entendimento que venho de expor encontra apoio
em recentíssimo julgamento da colenda Segunda Turma do Supremo Tribunal
Federal, que, ao apreciar o RHC 86.951/RJ, Rel. Min. ELLEN GRACIE, deixou
assentado que, em tema de progressão de regime nos crimes hediondos (ou nos
delitos a estes equiparados), cabe, ao magistrado de primeira instância, proceder ao
exame dos demais requisitos, inclusive aqueles de ordem subjetiva, para decidir,
então, sobre a possibilidade, ou não, de o condenado vir a ser beneficiado com a
progressão do regime de cumprimento de pena.” (HC no 88.231-SP, Rel. Min.
Celso de Mello, decisão liminar, DJ de 20/03/2006) Em conclusão, a decisão do
Plenário buscou tão somente conferir máxima efetividade ao princípio da
individualização das penas (CF, art. 5o, LXVI) e ao dever constitucional-
jurisdicional de fundamentação das decisões judiciais (CF, art. 93, IX). Em sessão
do dia 07.03.2006, a 1ª Turma, ao apreciar a Questão de Ordem no HC no 86.224-
DF, Rel. Min. Carlos Britto, admitiu a possibilidade de julgamento monocrático de
todos os habeas corpus que versem exclusivamente sobre o tema da progressão de
regime em crimes hediondos. Em idêntico sentido, a 2a Turma, ao apreciar a
Questão de Ordem no HC no 85.677-SP, de minha relatoria, em sessão do dia
21.03.2006, reconheceu também a possibilidade de julgamento monocrático de
todos os habeas corpus que se encontrem na mesma situação específica. Tendo em
vista que a situação em análise envolve direito de ir e vir, vislumbro, na espécie, o
atendimento dos requisitos do art. 647 do CPP, que autorizam a concessão de
habeas corpus de ofício, “sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de
sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir (...).” Nestes termos,
concedo medida liminar, de ofício, para que, mantido o regime fechado de
cumprimento de pena por crime hediondo, seja afastada a vedação legal de
progressão de regime, até o julgamento final desta reclamação. Nessa extensão do
deferimento da medida liminar, caberá ao juízo de primeiro grau avaliar se, no caso
concreto, os pacientes atendem ou não os requisitos para gozar do referido
benefício, podendo determinar, para esse fim, e desde que de modo fundamentado,
a realização de exame criminológico. Conforme salientado nas informações
prestadas pelo Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais, às fls. 21, alguns dos
condenados apontados como interessados na reclamação (Odilon Antonio da Silva
Lopes - 1o, Silvinho Silva de Miranda - 3o, Raimundo Pimental Soares - 5o, Deires
Jhanes Saraiva de Queiroz - 6o e André Richarde Nascimento de Souza - 10o) não
se encontram na condição de cumpridores de pena por crime hediondo.
Conseqüentemente, o tema só deverá ser apreciado com relação aos demais
interessados, a saber: Antonio Edinezio de Oliveira Leão, Dorian Roberto
Cavalcante Braga, Antonio Ferreira da Silva, Gessyfran Martins Cavalcante e João
Alves da Silva. Comunique-se com urgência. Publique-se. Brasília, 21 de agosto de
2006. Ministro GILMAR MENDES Relator.”

Tema III

Jurisdição internacional dos direitos humanos.

Michell Nunes Midlej Maron 21


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

Notas de Aula4

1. Jurisdição internacional dos direitos humanos

Quando se fala em jurisdição internacional dos direitos humanos, algumas


diferenciações preliminares precisam ser feitas, pois há expressões que causam certa
confusão, até mesmo na doutrina sobre o tema.
A primeira diferenciação a ser feita é entre os conceitos de direitos humanos e
direitos fundamentais. Em que pese parte da doutrina realmente tratar tais institutos como
sinônimos, há uma diferença básica realmente existente: direitos humanos são aqueles
reconhecidos no plano internacional, em tratados e declarações internacionais, enquanto
direitos fundamentais são direitos reconhecidos em plano interno, constitucional, para que
façam parte do próprio fundamento daquele Estado que os consagra internamente. Quando
o artigo 5º, § 3º, fala dos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos,
portanto, está empregando corretamente a nomenclatura:

“(...)
§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem
aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos
dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
(...)”

A CRFB emprega a expressão “direitos da pessoa humana” para definir direitos que,
se violados, ensejam intervenção federal, como se vê no artigo 34, VII, “b”, ou o fenômeno
da federalização da competência, na forma do seu artigo 109, § 5º. Veja os dispositivos:

“Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:
(...)
VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:
(...)
b) direitos da pessoa humana;
(...)”

“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:


(...)
§ 5º Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da
República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes
de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá
suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou
processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal.
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”

Sobre o artigo 34, VII, “b”, há divergências sobre seu alcance, havendo quem
defenda que se reduza aos direitos humanos tecnicamente, e havendo quem diga que ali se
encartam também os direitos fundamentais, do plano interno. Sobre o artigo 109, § 5º, a
interpretação é técnica: se refere, de fato, aos direitos humanos, do plano internacional.
Segunda diferenciação preliminar se refere à tripartição, no plano internacional, em
três esferas de direitos internacionais: os humanos, os direitos humanitários, e os direitos
4
Aula ministrada pelo professor João Mendes Rodrigues, em 20/8/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 22


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

dos refugiados. Estes últimos são adstritos à proteção das vítimas de perseguição, que
buscam amparo em outros Estados soberanos. Os direitos humanitários, por seu turno, são
destinados à proteção das vítimas de guerra, interna ou internacional – as vítimas de
conflitos armados em geral. Os direitos humanos, por fim, resultam por exclusão, sendo
aqueles que emprestam proteção às vítimas de abusos estatais, excluídas as violações que se
enquadram no direito humanitário ou dos refugiados.
Ainda que sejam ramos diversos, não são absolutamente estanques, pois que se
relacionam e influenciam mutuamente, as três searas. Afinal, em última análise, o objeto de
todos é comum: a proteção da pessoa humana em patamar internacional.
Feitas as considerações preliminares, passemos ao estudo dos pontos mais
relevantes dos direitos humanos, stricto sensu.

1.1. Direitos humanos na CRFB

A dignidade da pessoa humana é um fundamento do Estado brasileiro, na forma do


artigo 1º, III, da CRFB:

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos


Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de
Direito e tem como fundamentos:
(...)
III - a dignidade da pessoa humana;
(...)”

O ser humano é o centro gravitacional de toda a ordem jurídica, que é


absolutamente antropocêntrica: o direito é para o homem, e a dignidade da pessoa humana
é o epicentro dessa organização, que se irradia para toda a ordem jurídica – a chamada
eficácia irradiante da dignidade da pessoa humana.
A dignidade da pessoa humana, tal como os demais princípios constitucionais, é
dotada de uma certa “porosidade”, expressão que pretende identificar a plasticidade das
normas constitucionais, a possibilidade de que estas se moldem ao conteúdo social que as
permeia. A doutrina também emprega o termo “ductilidade” para refletir essa
adaptabilidade, maleabilidade dos princípios constitucionais. A vagueza dos princípios
constitucionais tem por razão de ser justamente a necessidade de contemplar tal
adaptabilidade.
É a partir da dignidade da pessoa humana, primeira referência constitucional a
direitos humanos, que se estuda o tema na nossa Carta Magna. Em seguida, o artigo 4º, II,
dá sequência ao tema, na CRFB:

“Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais


pelos seguintes princípios:
(...)
II - prevalência dos direitos humanos;
(...)”

A prevalência de direitos humanos é um princípio que o Brasil elege como


prioritário nas relações internacionais.
O § 2º, abaixo, e o § 3º, supra, do artigo 5º da CRFB são também referências
constitucionais aos direitos humanos, absolutamente relevantes:

Michell Nunes Midlej Maron 23


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

“(...)
§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
(...)”

Outra referência constitucional é o artigo 34, VII, supra, em que os direitos humanos
são elevados a princípio constitucional sensível, permitindo a intervenção quando violados.
O artigo 60, § 4º, IV, da CRFB, torna pétreos os direitos e garantias individuais, e aí
se enquadram os direitos humanos.

“Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:


(...)
§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
(...)
IV - os direitos e garantias individuais.
(...)”

Por fim, o já transcrito artigo 109, § 5º, da CRFB, cita as graves violações de
direitos humanos como passíveis do incidente de deslocamento de competência, ou
federalização. É importante tratar mais detalhadamente deste incidente, por sua relevância.

1.1.1. Incidente de federalização

Trata-se, esse incidente, de um deslocamento da competência para processamento e


julgamento da causa, da justiça estadual para a federal. A CRFB estabelece que se o Brasil é
parte de um tratado internacional de direitos humanos, e se há violação a algum direito ali
incorporado, pode ser requerido tal deslocamento.
Veja que o incidente não é possível a qualquer violação de direitos fundamentais
que se perceba. A federalização só pode acontecer por violação de direitos humanos
previstos em tratados dos quais o Brasil seja parte.
A legitimidade para promover o pedido de deslocamento é exclusiva do Procurador-
Geral da República, e a competência para determinar o deslocamento ou não incumbe ao
STJ. O incidente pode ser proposto em qualquer fase do inquérito ou do processo.
Algo que não está expresso no texto, mas é construção jurisprudencial consolidada,
é o pressuposto da razoabilidade no deferimento do deslocamento. O STJ só admitirá o
deslocamento de competência se verificar que é razoável tal providência. Isso significa que,
para se justificar o deslocamento da competência, é necessário que a polícia e a justiça
estadual não estejam cumprindo seus papeis, não apresentando condições de promover a
adequada responsabilização dos envolvidos na violação apontada, quer por leniência, quer
por falta de vontade política, ou mesmo por falta de estrutura.
A necessidade da razoabilidade como pressuposto se deve à potencial quebra do juiz
natural que esse incidente representa. Se não se exigisse a proporcionalidade, qualquer
violação seria apta a deslocar a competência, causando grave prejuizo do princípio do juiz
natural.
No IDC 1, assim se posicionou o STJ. Trata-se do famoso caso Dorothy Stang, em
que não se concedeu o deslocamento, justamente por falta da razoabilidade nessa
providência. Veja:

Michell Nunes Midlej Maron 24


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

“IDC 1 / PA. INCIDENTE DE DESLOCAMENTO DE COMPETÊNCIA. Relator


Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA. Órgão Julgador - TERCEIRA SEÇÃO.
Data do Julgamento: 08/06/2005. Data da Publicação/Fonte DJ 10/10/2005 p. 217
RSTJ vol. 198 p. 435
Ementa: CONSTITUCIONAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO
DOLOSO QUALIFICADO. (VÍTIMA IRMÃ DOROTHY STANG). CRIME
PRATICADO COM GRAVE VIOLAÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS.
INCIDENTE DE DESLOCAMENTO DE COMPETÊNCIA – IDC. INÉPCIA DA
PEÇA INAUGURAL. NORMA CONSTITUCIONAL DE EFICÁCIA CONTIDA.
PRELIMINARES REJEITADAS. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO JUIZ
NATURAL E À AUTONOMIA DA UNIDADE DA FEDERAÇÃO. APLICAÇÃO
DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. RISCO DE
DESCUMPRIMENTO DE TRATADO INTERNACIONAL FIRMADO PELO
BRASIL SOBRE A MATÉRIA NÃO CONFIGURADO NA HIPÓTESE.
INDEFERIMENTO DO PEDIDO.
1. Todo homicídio doloso, independentemente da condição pessoal da vítima e/ou
da repercussão do fato no cenário nacional ou internacional, representa grave
violação ao maior e mais importante de todos os direitos do ser humano, que é o
direito à vida, previsto no art. 4º, nº 1, da Convenção Americana sobre Direitos
Humanos, da qual o Brasil é signatário por força do Decreto nº 678, de 6/11/1992,
razão por que não há falar em inépcia da peça inaugural.
2. Dada a amplitude e a magnitude da expressão “direitos humanos”, é verossímil
que o constituinte derivado tenha optado por não definir o rol dos crimes que
passariam para a competência da Justiça Federal, sob pena de restringir os casos de
incidência do dispositivo (CF, art. 109, § 5º), afastando-o de sua finalidade
precípua, que é assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados
internacionais firmados pelo Brasil sobre a matéria, examinando-se cada situação
de fato, suas circunstâncias e peculiaridades detidamente, motivo pelo qual não há
falar em norma de eficácia limitada. Ademais, não é próprio de texto constitucional
tais definições.
3. Aparente incompatibilidade do IDC, criado pela Emenda Constitucional nº
45/2004, com qualquer outro princípio constitucional ou com a sistemática
processual em vigor deve ser resolvida aplicando-se os princípios da
proporcionalidade e da razoabilidade.
4. Na espécie, as autoridades estaduais encontram-se empenhadas na apuração dos
fatos que resultaram na morte da missionária norte-americana Dorothy Stang, com
o objetivo de punir os responsáveis, refletindo a intenção de o Estado do Pará dar
resposta eficiente à violação do maior e mais importante dos direitos humanos, o
que afasta a necessidade de deslocamento da competência originária para a Justiça
Federal, de forma subsidiária, sob pena, inclusive, de dificultar o andamento do
processo criminal e atrasar o seu desfecho, utilizando-se o instrumento criado pela
aludida norma em desfavor de seu fim, que é combater a impunidade dos crimes
praticados com grave violação de direitos humanos.
5. O deslocamento de competência – em que a existência de crime praticado com
grave violação aos direitos humanos é pressuposto de admissibilidade do pedido –
deve atender ao princípio da proporcionalidade (adequação, necessidade e
proporcionalidade em sentido estrito), compreendido na demonstração concreta de
risco de descumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais
firmados pelo Brasil, resultante da inércia, negligência, falta de vontade política ou
de condições reais do Estado-membro, por suas instituições, em proceder à devida
persecução penal. No caso, não há a cumulatividade de tais requisitos, a justificar
que se acolha o incidente.
6. Pedido indeferido, sem prejuízo do disposto no art. 1º, inc. III, da Lei nº 10.446,
de 8/5/2002.”

Michell Nunes Midlej Maron 25


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

Houve um outro caso, em São Paulo, que sequer chegou ao STJ, porque o próprio
PGR, instado a promover o IDC, entendeu ausente este pressuposto da razoabilidade, e não
propôs o deslocamento.

1.2. Proteção internacional dos direitos humanos

O estudo da proteção internacional dos direitos humanos passa por duas


perspectivas distintas. A primeira é uma análise dos direitos humanos no plano normativo,
ou seja, o estudo das normas de direito internacional que versam sobre direitos humanos. A
segunda perspectiva é a análise dos mecanismos, entidades e órgãos internacionais
dedicados à proteção dos direitos humanos.
A proteção internacional dos direitos humanos também assume duas grandes
ramificações: a do sistema universal das Nações Unidas, e a dos sistemas regionais de
proteção. O sistema universal da ONU é baseado em três documentos básicos – não os
únicos, mas os fundamentais –, quais sejam: a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, de 1948; o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, de 1966; e o Pacto
Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, também de 1966.
A Declaração de 1948, documento pós-guerra induzido justamente pelo trauma da
Segunda Guerra Mundial, é o principal marco na proteção internacional dos direitos
humanos. Outro grande marco foi a Conferência de Viena, de 1993. Um dos principais
avanços da Declaração Universal dos Direitos Humanos foi elevar o indivíduo ao patamar
de sujeito de direito internacional, o que significa que titulariza direitos e responde por
obrigações no plano internacional, a partir de então. Não significa que, com isso, o
indivíduo ganhe legitimidade para celebrar tratados, por exemplo, mas significa que detém
alguns poderes e deveres internacionais, podendo figurar como legitimado ativo ou passivo
na jurisdição internacional de direitos humanos.
A Declaração de 1948, no entanto, não é um tratado internacional subscrito por
países membros, e por isso não tem força normativa tal como um tratado teria. Por isso, a
feitura de tratados internacionais concretizando as previsões da Declaração foi necessária, e
daí vieram os dois outros documentos que formam a base do sistema universal da ONU, o
Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais.
A elaboração desses dois tratados, formando o tripé fundamental da ONU, e não de
apenas um, se deu em razão dos tempos de guerra fria. Mesmo assim, há uma relação de
interdependência e complementaridade em tais documentos, relação que decorre da
indivisibilidade dos direitos humanos.
Nos sistemas regionais, há três grandes modelos principais. O primeiro sistema
regional, em importância e cronologicamente, é o Sistema Europeu de Direitos Humanos,
baseado na Convenção Europeia de Direitos Humanos, de 1950. Vale ressaltar que não se
confunde, de forma alguma, esse sistema, com a União Europeia – são sistemas diversos,
com objetivos diferentes, mas coexistentes.
Segundo sistema regional é o Sistema Americano de Direitos Humanos, fundado na
Convenção Americana de Direitos Humanos – o Pacto de São José da Costa Rica, de 1969.
O Brasil só incorporou essa convenção em 1992. Esse sistema apresenta dois órgãos de
proteção: a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, e a Corte Interamericana de
Direitos Humanos.

Michell Nunes Midlej Maron 26


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

A Comissão exerce funções básicas como a promoção dos direitos humanos, a


fiscalização de seus cumprimentos, e a função de conciliação. A Corte, por seu turno,
exerce função de contencioso e função consultiva, caso em que a Corte procede a uma
análise da legislação interna dos países, a fim de verificar se está compatível com o sistema
protetivo.
Qualquer indivíduo pode peticionar à Comissão, mas não à Corte: é a Comissão que
analisa o pleito inicial do indivíduo, e tenta conciliar este com o Estado, somente então
remetendo ou não para a Corte. É a Comissão que provoca a Corte, quando entender
necessário.
Terceiro sistema regional é o Sistema Africano de Direitos Humanos. Esse sistema
foi constituído pela Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, ou Carta de Banjul,
de 1981, e se parece bastante com o Sistema Interamericano, havendo uma Comissão e uma
Corte Africana do Direito dos Povos, as quais atuam de forma bastante parecida com o
Sistema Interamericano.
As condenações internacionais de Estados são cumpridas, em regra, por decreto
espontâneo do país condenado. Não seguem o rito de precatórios, tampouco dependem de
homologação de sentença ou de exequatur, porque tais condenações não são sentenças
estrangeiras, mas sim sentenças internacionais.
Se o país não cumprir espontaneamente tal decisão, não há um órgão internacional
capaz de coactá-lo a tal cumprimento. A coerção pode ser imposta, no máximo, pelo uso
dos mecanismos internacionais de pressão, como os embargos diplomáticos, políticos ou
econômicos, e até mesmo, em casos extremamente drásticos, o uso de forças armadas.

2. Tribunal Penal Internacional

Primeiramente, deve-se abordar os antecedentes históricos do Tribunal Penal


Internacional (doravante TPI). O primeiro registro histórico foi a criação dos tribunais de
Nuremberg e Tóquio, de 1945 e 1946, respectivamente, os quais foram tribunais
constituídos para o julgamento dos criminosos de guerra, da Segunda Guerra Mundial. Tais
tribunais, que foram temporários, apresentaram algumas características que colocam em
cheque sua legitimidade: são tribunais post factum e ad hoc, e são tribunais compostos
pelos vencedores da guerra. Essas três características fazem com que tais tribunais sejam
considerados de exceção, e por isso carentes de legitimidade.
Outros dois tribunais ad hoc foram criados, mais recentemente: o da ex Iugoslávia e
o de Ruanda, dois tribunais de exceção com as mesmas características da temporariedade,
de serem criados pós fato e de serem compostos pelos vencedores.
Vale consignar que o tribunal que julgou, ainda mais recentemente, Saddam
Hussein, não se tratou de um tribunal internacional: foi composta uma corte interna do
Iraque, mas também com todas as características de tribunal de exceção.
O mesmo debate sobre legitimidade se impôs quando da criação do TPI. Contudo,
perderam força as discussões quando a guerra fria arrefeceu.
Em 1998, foi elaborado o Estatuto de Roma, que entrou em vigor em 2002. Trata-se
de um tratado internacional que contém normas de natureza penal, processual e orgânica,
tipificando os crimes de competência do TPI, estabelecendo o processo criminal e a
estrutura do TPI.

Michell Nunes Midlej Maron 27


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

Quatro são os crimes de competência do TPI. O primeiro é o crime contra a


humanidade, que se define como sendo o ataque generalizado contra uma população civil,
ataque que pode ser procedido por meio do extermínio em massa, da segregação completa
de um povo, da esterilização de uma raça, ou outras atrocidades coletivas desse gênero, que
se dediquem a extinguir aquele grupo.
Segundo crime de competência do TPI é o genocídio: trata-se do ataque contra um
grupo que apresente elo de identidade, como um grupo religioso, ou um grupo étnico ou
racial, ou ainda um grupo nacional. O ataque aos judeus, na Segunda Grande Guerra, foi
caso de genocídio.
Terceira tipificação de competência do TPI são os crimes de guerra. A definição de
crime de guerra vem em outros tratados, pelo que, de forma genérica, pode-se definir como
tal o crime que viole alguma das Convenções de Haia. Essas convenções criam uma
espécie de comportamento minimamente ético nas guerras, vedando o emprego de armas
cruéis e métodos desumanos ou desonrosos na consecução dos objetivos de guerra. O
emprego de armas que se destinam a mutilar, deformar o inimigo, é considerado crime de
guerra, eis que mais violador da dignidade humana do que a própria morte – é
extremamente desumano; o uso de escudos humanos formados por civis, por seu turno, é
expediente desonroso, igualmente contrário ao mínimo ético.
Países que não fazem parte do TPI jamais terão seus cidadãos julgados por essa
Corte. Perceba uma curiosa situação: em guerras envolvendo países alheios ao TPI, mesmo
se forem inobservadas as regras éticas de guerra pelo país que não é membro do TPI,
aquele que o seja não estará isentado da responsabilidade de cumprir as regras dessa Corte
– mesmo sem poder esperar a reciprocidade. É o que a doutrina chama de ocaso da
reciprocidade, pois apenas um dos lados do conflito estará obrigado a agir conforme a
norma ética do TPI.
O quarto crime de competência do TPI é o crime de agressão, o qual está previsto
sob a competência do TPI, mas não foi tipificado em documento algum.
A aprovação da criação do TPI não foi unânime. Há votos contrários de peso, como
os de EUA, China e Turquia, que não se submetem, portanto, à jurisdição do TPI.
Os juizes do TPI, apesar de serem necessariamente de nacionalidade de países
subjugados ao TPI, não são representantes das nações que se sujeitam a essa Corte. Não há
uma vinculação de representatividade. Esses juizes ocupam seus cargos a titulo pessoal, e
não a título representativo de seus países – tanto que ao fim do mandato, que é de nove
anos, o cargo pode ser preenchido por juiz de outra nacionalidade, diferente daquela do que
deixá-lo.
Quanto às penas, o TPI pode aplicar: prisão perpétua; reclusão por até trinta anos;
confisco de bens auferidos pelo criminoso com a prática do crime; e a pena de indenização.
Aqui surgem conflitos aparentes relevantes entre o TPI e a CRFB. O primeiro diz
respeito à possibilidade de o Brasil entregar brasileiro nato à jurisdição do TPI, porque a
CRFB veda a extradição de brasileiro nato, como se vê no seu artigo 5º, LI:

“(...)
LI - nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime
comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em
tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei;
(...)”

Michell Nunes Midlej Maron 28


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

A solução é puramente conceitual: a entrega do brasileiro nato ao TPI é possível


porque não se trata, esse envio, de extradição, mas sim de uma entrega sui generis. A
extradição é a entrega de uma pessoa sob uma jurisdição nacional para outra jurisdição
nacional, enquanto na remessa da pessoa ao TPI há entrega dela para uma jurisdição
internacional, desconfigurando a extradição.
A competência do TPI é sempre subsidiária à do Estado original, ou seja, só se
despertará a jurisdição do TPI quando o Estado original se demonstrar completamente
inapto a promover a responsabilização do criminoso, por inércia, falta de vontade política
ou falta de recursos materiais para tanto.
A promoção de causas no TPI é feita por um Ministério Público que funciona junto
a esta Corte, e que detém a primeira palavra sobre a adequação do caso à jurisdição do TPI
– tal como qualquer parquet, que exerce a primeira opinio sobre a propositura ou não da
demanda penal. Promovida a denúncia, o processo criminal não se diferencia, em essência,
de qualquer processo criminal comum, apresentando apenas peculiaridades rituais pontuais.
Segundo conflito aparente relevante diz respeito à pena de prisão perpétua,
inadmissível na jurisdição interna do Brasil. Novamente, se resolve tal conflito pela
natureza internacional do TPI: não se trata de jurisdição nacional estrangeira, mas sim de
jurisdição internacional, especial, alheada à vedação constitucional. Mesmo assim, há quem
critique tal possibilidade, mas prevalece a admissão dessa prisão perpétua.
Terceiro problema interpretativo diz respeito às imunidades de cargos e funções, que
simplesmente não se aplicam no TPI. Quer seja o réu presidente de um país, quer seja um
desempregado, não há diferenças – contrariando o que a CRFB apregoa para a jurisdição
interna brasileira, mas prevalecendo a especificidade do TPI.
Quarto aspecto problemático diz respeito à relativização da coisa julgada interna
pela jurisdição internacional do TPI: pode ser desconsiderada por essa Corte uma
condenação ou uma absolvição interna, quando se demonstrarem viciadas. Note-se que é
uma exceção, tal relativização: no TPI, tem vigor o ne bis in idem, e em regra a sentença
interna é respeitada, somente sendo desconsiderada quando for caso de julgamento interno
flagrantemente inadequado.
Há ainda que se falar da execução da pena imposta no TPI. Como se disse, não há
que se falar em homologação da sentença pelo STJ, tampouco em exequatur. Se a pena for
de prisão, será executada em algum país membro do TPI que aceite tal encargo de receber o
condenado, inclusive o próprio país de origem do condenado – mas em regra é em outro
país.
Por fim, vale dizer que os crimes do TPI são imprescritíveis: mesmo que
internamente tenham prescrito, internacionalmente podem ser perseguidos.

Casos Concretos

Questão 1

JOÃO GENO, Embaixador do Brasil em Roma, impetra mandado de segurança no


Supremo Tribunal Federal contra ato do Presidente da República que, a pedido do
Tribunal Penal Internacional, pretende entregar o nacional à jurisdição internacional
daquela Corte, em virtude de sua condenação à pena de prisão perpétua por crime contra
a humanidade, praticado no território nacional. Alega, em síntese:- a vedação da

Michell Nunes Midlej Maron 29


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

extradição de brasileiro nato;- a vedação, pela Constituição, da pena aplicada pelo


Tribunal;- a falta do exequatur do Superior Tribunal de Justiça;- a ocorrência de bis in
idem, pois o impetrante já respondeu junto à justiça brasileira pelos mesmos fatos em
processo extinto pela prescrição;- que a imunidade diplomática garante-lhe o direito de
ser julgado pela justiça brasileira. Responda, fundamentadamente, se a ordem deve ser
concedida.

Resposta à Questão 1

Todos os argumentos do impetrante são incabíveis: não se trata de extradição, mas


de entrega sui generis, pois é feita a uma jurisdição internacional, e não a outra jurisdição
nacional estrangeira; a pena só é vedada internamente; não se exige exequatur; não há bis
in idem, pois os crimes são imprescritíveis; e as imunidades constitucionais são irrelevantes
no plano internacional.

Tema IV

Controle de constitucionalidade da Carta Estadual.

Notas de Aula5

1. Controle de constitucionalidade na Constituição Estadual

5
Aula ministrada pelo professor Humberto Peña de Moraes, em 18/8/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 30


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

Duas são as espécies de controle de constitucionalidade judicial, a concreta e a


abstrata. Como esse estudo genérico, abrangente, foi aprofundado em oportunidades
anteriores, faz-se dispensável sua repetição, aqui. Passemos, portanto, ao estudo específico
do controle no âmbito estadual, no qual a norma paradigmática é a Constituição Estadual.
Nesse controle estadual, pode ser objeto a lei ou o ato normativo estadual ou
municipal. Não se controla, porém, jamais, a constitucionalidade de lei ou ato normativo
federal perante a constituição estadual: o paradigma do controle de constitucionalidade das
normas federais é sempre e somente a CRFB. A rigor, há uma só caso em que se poderia
suscitar que há controle, por via reflexa, da constitucionalidade da lei federal perante a
constituição estadual: quando se promove o controle estadual de norma estadual idêntica à
norma federal. Não há, de fato, aponte da norma federal como objeto do controle estadual,
perante a constituição estadual – e por isso é claro que não há interferência das instâncias,
podendo a norma federal ser questionada perante a CRFB –, pelo que não se torna uma
exceção à regra, em verdade.

1.1. Controle difuso

O controle difuso estadual é feito nos mesmos moldes do controle federal. A


competência incumbe a todo órgão de jurisdição estadual. Observa-se, também aqui, o
princípio da reserva de plenário, segundo o qual apenas o pleno ou o órgão especial de um
tribunal podem declarar, no colegiado, a inconstitucionalidade perante a constituição
estadual. Também se aplica aqui, mutatis mutandis, a exceção do parágrafo único do artigo
481 do CPC:

“Art. 481. Se a alegação for rejeitada, prosseguirá o julgamento; se


for acolhida, será lavrado o acórdão, a fim de ser submetida a questão
ao tribunal pleno.
Parágrafo único. Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão
ao plenário, ou ao órgão especial, a argüição de
inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do
plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão. (Incluído pela
Lei nº 9.756, de 17.12.1998).”

Quando a reserva de plenário se fizer imponível, opera-se o que se chama de cisão


horizontal de competência, pois passa-se a outro órgão da mesma instância – o pleno ou o
órgão especial – a competência de parte da matéria, a qual, julgada, passa a integrar o
julgamento do mérito pela turma ou câmara – e por isso não cabe recurso da decisão do
órgão especial ou pleno, pois tal recurso deverá alvejar a decisão final do órgão fracionário,
como um todo.
Tal como no controle federal, na seara estadual há a previsão da suspensão da
eficácia da norma reconhecida inconstitucional perante a constituição estadual, o que se dá
por resolução legislativa, na forma do artigo 52, X, da CRFB. Na CE do Rio de Janeiro, a
norma se reprisou no artigo 99, XVI:

“Art. 99 - Compete privativamente à Assembléia Legislativa:


(...)

Michell Nunes Midlej Maron 31


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

XVI - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei ou de ato


normativo estadual ou municipal declarado inconstitucional por
decisão definitiva do Tribunal de Justiça;
(...)”

Tal como na seara federal, em que o artigo 52, X, da CRFB, sofreu a mutação
constitucional, aqui também se opera esse raciocínio, deixando o artigo em questão de ser
entendido como impositivo da resolução para que haja a suspensão da eficácia, para ser
entendido como norma meramente dedicada a dar publicidade à suspensão erga omnes, que
já se opera desde quando declarada a inconstitucionalidade pelo órgão competente – na
seara estadual, o órgão especial ou pleno. Não é em todo Estado que assim se procede,
porém, podendo a respectiva CE prever como melhor entenderem os constituintes
estaduais.

1.2. Controle concentrado

O instrumento de controle direto e concentrado por excelência, no plano estadual, é


a representação de inconstitucionalidade, a RI. O artigo 125, § 2º, da CRFB, é a matriz de
tal instrumento:

“Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os


princípios estabelecidos nesta Constituição.
§ 1º - A competência dos tribunais será definida na Constituição do
Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal
de Justiça.
§ 2º - Cabe aos Estados a instituição de representação de
inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou
municipais em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da
legitimação para agir a um único órgão.
(...)”

Todos os Estados-Membros regulamentaram o tema em suas respectivas


Constituições, ou seja, há RI em todos os estados brasileiros. No Rio de Janeiro, vem no
artigo 161, IV, “a”, da CE:

“Art. 161 - Compete ao Tribunal de Justiça:


(...)
IV - processar e julgar originariamente:
a) a representação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo,
estadual ou municipal, em face da Constituição Estadual;
(...)”

Os atos normativos que podem ser alvejados pela RI são, tal como na ADI, aqueles
atos estatais de caráter abstrato e geral, ou seja, as leis em sentido material (e não só as leis
em sentido formal). No controle concentrado estadual, podem ser objetos de controle as leis
ou atos normativos estaduais e municipais.
No mais, a RI é muito similar à ADI.

Michell Nunes Midlej Maron 32


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

É possível que o Estado institua, em sua CE, a RI por omissão, sem embargos. As
ações diretas de constitucionalidade, por seu turno, poderiam ser instituídas na CE,
espelhando-se na ADC federal? Há duas correntes sobre o tema: a primeira, amplamente
majoritária, reputa perfeitamente possível, eis que se essa ação é de caráter dúplice,
ambivalente, não difere da própria ADI, ou da RI, em efeitos. A segunda corrente,
minoritária, entende que não é possível tal criação, pela simples ausência de previsão
constitucional.
As emendas constitucionais estaduais não podem ser controladas perante a própria
CE, porque entre esta e aquelas não há a hierarquia que se percebe entre a CRFB e suas
emendas: no plano da CE, todas as normas são decorrentes do poder constituinte derivado
decorrente institucionalizador, não havendo manifestação do poder constituinte originário.
Todavia, nada impede que a emenda à CE seja controlada perante a CRFB, no controle
federal.
A sede da RI na CE do Rio de Janeiro está no artigo 162 desse diploma:

“Art. 162 - A representação de inconstitucionalidade de leis ou de


atos normativos estaduais ou municipais, em face desta Constituição,
pode ser proposta pelo Governador do Estado, pela Mesa, por
Comissão Permanente ou pelos membros da Assembléia Legislativa,
pelo Procurador-Geral da Justiça, pelo Procurador-Geral do Estado,
pelo Defensor Público Geral do Estado, por Prefeito Municipal, por
Mesa de Câmara de Vereadores, pelo Conselho Seccional da Ordem
dos Advogados do Brasil, por partido político com representação na
Assembléia Legislativa ou em Câmara de Vereadores, e por federação
sindical ou entidade de classe de âmbito estadual.
§ 1º - O Procurador-Geral da Justiça deverá ser previamente ouvido
nas ações de
inconstitucionalidade.
§ 2º - Declarada a inconstitucionalidade, por omissão de medida para
tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder
competente para adoção das providências necessárias e, em se
tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em 30 (trinta) dias.
§ 3º - Quando não for o autor da representação de
inconstitucionalidade, o Procurador-Geral do Estado nela oficiará.
§ 4º - Declarada a inconstitucionalidade, a decisão será comunicada a
Assembléia Legislativa ou a Câmara Municipal.”

A figura do amicus curiae está presente também na RI, espelhando-se na CRFB.


Não só é possível como recomendável essa figura. E veja que, mesmo que a CE não o
preveja, o amicus curiae pode ser deferido, por aplicação direta da norma federal que o
permite, artigo 7º, § 2º, da Lei 9.868/99:

“Art. 7º Não se admitirá intervenção de terceiros no processo de ação


direta de inconstitucionalidade.
§ 1º (VETADO)
§ 2º O relator, considerando a relevância da matéria e a
representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível,

Michell Nunes Midlej Maron 33


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a


manifestação de outros órgãos ou entidades.”

1.3. Controle de constitucionalidade em face da Lei Orgânica do Distrito Federal

Ao contrário das leis orgânicas municipais comuns, a do DF é bastante peculiar:


naquele diploma, é exercido o poder legislativo ordinário, em matérias de competência
municipal, como qualquer lei orgânica, mas também é exercido o poder constituinte
derivado decorrente, nas matérias de competência estadual. Em relação a estas últimas, é
viável o controle de constitucionalidade das normas municipais e distritais tendo por
paradigma as normas da lei orgânica distrital que contemplem matéria de constituição
estadual.
É claro que, quando o paradigma for a norma da lei orgânica distrital que se refira a
competência municipal, o controle é de legalidade, e não constitucionalidade, pois essas
normas não apresentam carga constitucional.
A Lei Orgânica do DF era a Lei Federal 8.185/91, mas foi revogada pela Lei
11.697/08. Veja o artigo 8º, I, “n” e “o” da lei vigente:

“Art. 8º Compete ao Tribunal de Justiça:


I – processar e julgar originariamente:
(...)
n) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do
Distrito Federal em face de sua Lei Orgânica;
o) a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo
do Distrito Federal em face de sua Lei Orgânica;
(...)”

Michell Nunes Midlej Maron 34


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

Casos Concretos

Questão 1

Trata-se de representação de inconstitucionalidade ajuizada pelo Exmº Prefeito do


Município de Guadalajara Mirim, tendo por objeto a Lei nº. 646/2003, que dispõe sobre a
gratuidade do uso de estacionamentos, tanto controlados pelo referido Município quanto
nos logradouros públicos, em prol dos Oficiais de Justiça Avaliadores. O representante
alega que a legislação municipal em questão implica ofensa à norma contida no artigo
112, §2º, da Constituição do Estado de Guadalajara, que veda a outorga de gratuidade em
serviço público, sem a indicação da correspondente fonte de custeio. O Presidente da
Câmara Municipal de Guadalajara Mirim prestou informações, ressaltando a
constitucionalidade da lei municipal questionada, e alegou que a Carta Estadual não pode
impor normas de organização aos Municípios, por serem entes federativos autônomos.
Responda, justificadamente:
1) Na questão acima poderia ser argüida, incidentalmente, a inconstitucionalidade
do artigo 112, § 2º da Constituição do Estado de Guadalajara?
2) Deve prosperar a presente representação de inconstitucionalidade?

Resposta à Questão 1

1) O controle incidental é possível, tendo por paradigma a CRFB e por objeto a


CE, sem qualquer dúvida. Contudo, no curso de uma RI, não há sentido na
postulação da inconstitucionalidade incidental, vez que se está diante de um
processo objetivo, abstrato, sem partes ou litígio, e a dedução incidental é
própria do controle difuso, concreto, servindo à solução de lide.

2) A RI é improcedente, porque não se trata, o estacionamento controlado pela


municipalidade, de serviço público propriamente dito, e por isso não colidem as
normas objeto e paradigma.

Veja o julgado abaixo:

“RI 2003.007.00127 TJRJ – Rel. DES. HELENA BEKHOR, j.


16/10/2006, ORGAO ESPECIAL.
REPRESENTACAO POR INCONSTITUCIONALIDADE. LEI
MUNICIPAL N. 3532, DE 2003. AREA DE ESTACIONAMENTO
DE VEICULOS. LOGRADOURO PUBLICO. OFICIAL DE
JUSTICA. ISENCAO DO PAGAMENTO.
Representação por inconstitucionalidade total da Lei Municipal n.
3.532 de 07.04.2003. Isenção de pagamento por uso de

Michell Nunes Midlej Maron 35


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

estacionamentos controlados pelo Município e nos logradouros


públicos, pelos Oficiais de Justiça Avaliadores Estadual e Federal,
quando em realização de diligências Improcedência da
Representação, na esteira do parecer ministerial, ante a ausência de
colisão do mencionado dispositivo com o disposto no art. 112, par. 2.
da Constituição Estadual. Vencidos os Des. Marcus Faver, Salim
Chalub, Marcus Tullius, Gamaliel Quinto de Souza, Álvaro Mayrink,
Laerson Mauro, Marlan Marinho, Walter D’Agostino e Roberto
Wider.”

Questão 2

A Federação Nacional de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares, que congrega


oito entidades na base sindical do Estado do Rio de Janeiro, impugnou a validade da Lei
nº. 3.385, publicada em 12 de abril de 2002, do Município do Rio de Janeiro, que proíbe a
utilização de embalagens devassáveis de molhos e temperos de mesa e congêneres, nos
bares, restaurantes, padarias, lanchonetes e similares. O Senhor Presidente da Câmara
Municipal suscitou preliminar de ilegitimidade da Federação, em decorrência do artigo
162 da Carta Estadual, que trata da legitimidade para propositura de representação de
inconstitucionalidade de leis ou de atos normativos estaduais ou municipais, referindo-se à
federação sindical ou entidade de classe de âmbito estadual. Responda:
1) A expressão do texto constitucional estadual ("federação sindical ou entidade de
classe de âmbito estadual") representa um bloqueio para a atuação de entidades nacionais
ou municipais? A Carta Estadual pode disciplinar sobre legitimidade para propositura da
representação de inconstitucionalidade contrariando dispositivo da Constituição Federal?
2) O tema em debate nesta representação guarda pertinência objetiva com os fins
institucionais da representante?
3) Há inconstitucionalidade a ser declarada na hipótese em tela?
Respostas justificadas.

Resposta à Questão 2

1) A federação nacional não está alijada da legitimidade ad causam para tanto, pois
o sistema sindical brasileiro permite tal representação, vez que se a federação estadual é
parte do todo que é a federação nacional, nenhuma lógica haveria em vetar a atuação do
todo, quando a fração é legitimada. A Carta Estadual pode dispor de forma diferente da
CRFB, mas não a pode contrariar, ou seja, não pode subverter o que quer que esteja
expresso na CRFB.

2) Sim: faz parte do seu mister justamente zelar pela atividade hoteleira,
gastronômica, e de bares. Por isso, guarda total pertinência temática o tema em questão
com a finalidade da entidade sindical.

3) A RI é procedente: a lei alvejada é formalmente inconstitucional, pois a matéria


veiculada é de competência da União, e não do Município – é matéria de ordem sanitária.

Michell Nunes Midlej Maron 36


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

Veja os seguintes julgados:

“RI 2006.007.00034 TJRJ – Rel. DES. NAGIB SLAIBI, j.


20/08/2007, ORGAO ESPECIAL.
Direito Constitucional estadual. Controle concentrado de
constitucionalidade. Representação por inconstitucionalidade. ADIn
estadual, posta por federação nacional que congrega oito entidades na
base sindical do Estado do Rio de Janeiro, voltada para a defesa dos
interesses da categoria econômica de hotéis, restaurantes, bares e
similares. Impugnação da validade da Lei nº 3.385, de 10, publicada
em 12 de abril de 2002, do Município do Rio de Janeiro, que proíbe a
utilização de embalagens devassáveis de molhos e temperos de mesa
e congêneres, nos bares, restaurantes, padarias, lanchonetes e
similares. O disposto no art. 162 da Constituição do Estado do Rio de
Janeiro, ao se referir a entidade de classe de âmbito estadual, não
restringiu somente à entidade de âmbito estadual a legitimação ativa
ad causam na representação de inconstitucionalidade. E nem poderia
fazê-lo em face da vedação constante do art. 19, III, da Carta da
República, que impede os entes federativos de distinguir, entre os
brasileiros, proibição que abrange o tratamento diferenciado de
pessoas físicas e jurídicas nacionais em razão de sua origem dentro
do país. Não tem o legislador local competência para dispor a
respeito de embalagens e sachês de molhos, temperos de mesa e
congêneres, nos bares, restaurantes, padarias, lanchonetes e similares,
quando o tema se insere na fiscalização sanitária federal. Procedência
da representação de inconstitucionalidade.”

“RI 2006.007.00034 TJRJ – Rel. DES. NAGIB SLAIBI, j.


20/08/2007, ORGAO ESPECIAL.
Direito Processual Civil. Embargos de declaração. Fins de
prequestionamento. Desnecessidade. Os embargos de declaração
destinam-se, precipuamente, a desfazer obscuridades, a afastar
contradições e a suprir omissões que eventualmente se registrem na
decisão (Código de Processo Civil, art. 535).O enfoque jurídico dado
pelo v. acórdão foi suficientemente claro para dispensar a
necessidade de novo debate para que o embargante se defendesse, em
outras instâncias, de possível alegação de falta de prévio
questionamento. Recurso extraordinário e prequestionamento. O
prequestionamento para o RE não reclama que o preceito
constitucional invocado pelo recorrente tenha sido explicitamente
referido pelo acórdão, mas é necessário que este tenha versado
inequivocamente a matéria objeto da norma que nele se contenha, o
que ocorreu no caso. (AI 297.742-AgR, Rel. Min. Sepúlveda
Pertence, julgamento em 25-6-07, DJ de 10-8-07).Precedentes do
Supremo Tribunal Federal. Desprovimento dos embargos.”

Michell Nunes Midlej Maron 37


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

Tema V

Regime constitucional dos diversos estatutos pessoais do cidadão.

Notas de Aula6

1. Regime constitucional dos diversos estatutos pessoais do cidadão

O tema é absolutamente ínsito ao estudo do princípio da igualdade. Em linhas


gerais, quando se fala em igualdade, se fala no modo pelo qual o ideal de justiça se
implementa – o ideal de dar a cada um o que lhe é seu, o que é próprio, o que é adequado.
Estamos falando, então, da igualdade substancial, material.
A igualdade material é comumente atrelada à máxima de Rui Barbosa, que dizia que
é igualdade “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida em que se
desigualem”. Mas o que é atribuído a Rui Barbosa, já fora dito por Aristóteles, na Grécia
antiga. Trata-se de um modelo ideal de justiça distributiva, melhor do que o de justiça
meramente retributiva.
Pelo ideal de distributividade, mesmo aqueles que não podem contribuir precisam
de mínimos existenciais, e para dar tal amparo, os demais devem ser conclamados a
compartilhar daquilo que se fizer necessário. O termo necessidade, inclusive, é intimamente
ligado ao conceito de igualdade material, pois é para suprir necessidades essenciais,
decorrentes da desigualdade, que se conferem aparentes vantagens a determinadas
categorias.

6
Aula ministrada pelo professor Rogério Luiz Nery da Silva, em 19/8/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 38


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

É com base nessa promoção da isonomia substancial que, por exemplo, o pai tem
licença paternidade de cinco dias, e a mãe de seis meses: a mãe é a responsável maior pelos
primeiros meses da criança, e por isso sua necessidade de um prazo maior é fundamento
para essa aparente vantagem.
Outro exemplo é o princípio tributário da capacidade contributiva: aqueles que
podem mais, contribuem com mais, por mera questão de isonomia. Outro exemplo, bem
óbvio, o dos trabalhadores, que são historicamente subjugados pelos empregadores. Em
direito penal, há a presunção de inocência a militar em favor do perseguido. E, para fugir
do óbvio, pode-se citar, apenas, as normas que favorecem os acionistas minoritários,
claramente mais fracos na sociedade empresária.
Nesse diapasão, as ações afirmativas do Estado ganham destaque. As cotas,
atendimentos prioritários, e similares, são ações que primam pela promoção da igualdade
material. Assim, criam-se os estatutos pessoais do cidadão, a serem observados em prol
daqueles que, desigualados, precisam ser favorecidos em certa monta, a fim de se reigualar.
Vejamos alguns desses estatutos.

1.1. Proteção consumerista

O CDC é um exemplo notável desses estatutos, todo este, bem como algumas
explicações sobre institutos ali previstos são decorrentes dessa noção de igualdade. É por se
pautar na isonomia material que, por exemplo, se adotou a teoria finalista, e não a
maximalista, para o conceito de consumidor: apenas aquele destinatário final, que retira o
bem da cadeia de produção de forma definitiva, é consumidor, e não todo adquirente de
bens, pois se assim o fosse o CDC teria uma abrangência tal que não mais se prestaria a
reequilibrar as relações. Se a presunção jure et de jure de vulnerabilidade fosse entregue a
todo e qualquer adquirente de bens e serviços, haveria clara manutenção de desigualdades –
o ordenamento estaria tratando com igualdade pessoas desiguais.
No mesmo sentido, o conceito de fornecedor é extremamente amplo, justamente
para evitar que se furte à responsabilidade aquele que está em posição de preponderância de
forças.
Com a chancela do CDC, o consumidor passa a ter benefícios que diminuem a
distância entre sua posição vulnerável e o domínio de seu fornecedor. É assim que se lhe
entrega a inversão do ônus da prova no processo, a interpretação pró consumidor dos
contratos, etc.

1.2. Equalização etária

Dois diplomas oferecem promoção da igualdade material para aqueles que, em


função da idade, se vêem em posição desfavorável: o ECA e o Estatuto do Idoso.
O ECA tutela as pessoas em especial condição de desenvolvimento. Por estarem
nessa situação, tais indivíduos estão em posição de desigualdade, desfavorecidos. É por isso
que se garante um tratamento extremamente mais benéfico às crianças e adolescentes do
que estabelece aos adultos, garantindo-lhes, por exemplo, a proteção integral e a prioridade
absoluta no atendimento a suas necessidade.
O ECA ainda traz uma peculiaridade: esse diploma não tutela apenas os direitos das
crianças e adolescentes; tutela os interesses dessas pessoas, o que é muito mais abrangente,

Michell Nunes Midlej Maron 39


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

pois protege muito além do direito subjetivo objetivamente identificado. Entenda-se: as


crianças têm direito subjetivo de serem matriculadas em escolas em seu bairro de
residência, de forma a simplificar o acesso à educação. Ocorre que, na casuística, pode
acontecer de ser melhor para a criança que esta seja matriculada em escola situada no local
de trabalho de sua mãe. A lei não garante essa matrícula, mas pela observância da tutela do
interesse da criança, essa vaga se torna exigível, mesmo que não exista direito subjetivo
objetivamente consignado.
No mesmo patamar, e com a mesma estrutura básica, contando com algumas
diferenças, o Estatuto do Idoso intenta projetar direitos tais que equiparem o idoso aos
demais cidadãos. Por sua condição etária, o idoso tem prioridade e gratuidade em diversos
serviços essenciais, por exemplo. Vige, aqui também, a proteção integral e a tutela do
interesse, tal como no ECA.

1.3. Proteção do portador de necessidades especiais

O Decreto 6.949, de 25 de agosto de 2009, que promulga a Convenção Internacional


sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em
Nova York, em 30 de março de 2007, é o primeiro tratado internacional internalizado na
forma do artigo 5º, § 3º, da CRFB, significando que tem status inegável de emenda
constitucional. Reveja:

“(...)
§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos
que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois
turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão
equivalentes às emendas constitucionais. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)
(...)”

A mais patente das situações desfavoráveis é a do portador de necessidades


especiais, ainda que temporárias. Por isso, essa ação afirmativa é absolutamente
inquestionável em seu valor. Veja o artigo 1º desse tratado, que fala do propósito desse
diploma:

“Artigo 1
Propósito
O propósito da presente Convenção é promover, proteger e assegurar
o exercício pleno e eqüitativo de todos os direitos humanos e
liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e
promover o respeito pela sua dignidade inerente. Pessoas com
deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de
natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em
interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as
demais pessoas.”

Michell Nunes Midlej Maron 40


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

Casos Concretos

Questão 1

Carlos e Pedro mantiveram relacionamento durante dezoito anos. Viveram juntos


sob o mesmo teto, adquiriram bens e partilharam despesas.
Em decorrência do falecimento de Pedro, Carlos ajuizou ação contra o Instituto
Nacional de Seguro Social - INSS, pleiteando o percebimento do benefício previdenciário
da pensão por morte, bem como o respectivo complemento da PREVI.
Sustentou o autor que se relacionou e conviveu com o de cujus, à semelhança das
relações heterossexuais concubinárias, dividindo despesas e compartilhando alegrias e
tristezas. Argumentou que o direito à pensão reclamada se embasa na própria Constituição
Federal, nos princípios consagrados da liberdade e da igualdade, bem como tem fulcro no
art. 16, I, da Lei 8.213/91. Ressaltou, ainda, que recebeu seguro de vida do falecido, e que
suportou as despesas com o funeral.
Ao contestar o pedido, o réu sustentou que a parte autora não se enquadra na
qualidade de dependente do segurado, condição necessária ao percebimento do benefício
pretendido. Por fim, ressaltou que a norma do § 3º do art. 226 da Constituição Federal
exclui a união estável entre pessoas do mesmo sexo.

Michell Nunes Midlej Maron 41


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

Na análise do caso concreto, decida a questão, indicando os fundamentos de fato e


de direito aplicáveis à possibilidade de reconhecimento da união estável entre pessoas do
mesmo sexo.

Resposta à Questão 1

A cobertura previdenciária é pacificamente aceita, mas o reconhecimento de união


estável é ainda minoritário, especialmente na jurisprudência.
Veja o julgado abaixo:

“REsp 395904 / RS STJ – Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA


BARBOSA, SEXTA TURMA, j. 13/12/2005.
RECURSO ESPECIAL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO
POR MORTE. RELACIONAMENTO HOMOAFETIVO.
POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.
MINISTÉRIO PÚBLICO. PARTE LEGÍTIMA.
1 - A teor do disposto no art. 127 da Constituição Federal, “ O
Ministério Público é instituição permanente, essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica,
do regime democrático de direito e dos interesses sociais e
individuais indisponíveis.” In casu, ocorre reivindicação de pessoa,
em prol de tratamento igualitário quanto a direitos fundamentais, o
que induz à legitimidade do Ministério Público, para intervir no
processo, como o fez.
2 - No tocante à violação ao artigo 535 do Código de Processo Civil,
uma vez admitida a intervenção ministerial, quadra assinalar que o
acórdão embargado não possui vício algum a ser sanado por meio de
embargos de declaração; os embargos
interpostos, em verdade, sutilmente se aprestam a rediscutir questões
apreciadas no v. acórdão; não cabendo, todavia, redecidir, nessa
trilha, quando é da índole do recurso apenas reexprimir, no dizer
peculiar de PONTES DE MIRANDA, que a jurisprudência consagra,
arredando, sistematicamente, embargos declaratórios, com feição,
mesmo dissimulada, de infringentes.
3 - A pensão por morte é : “o benefício previdenciário devido ao
conjunto dos dependentes do segurado falecido - a chamada família
previdenciária - no exercício de sua atividade ou não (neste caso,
desde que mantida a qualidade de segurado), ou, ainda, quando ele já
se encontrava em percepção de aposentadoria. O benefício é uma
prestação previdenciária continuada, de caráter substitutivo,
destinado a suprir, ou pelo menos, a minimizar a falta daqueles que
proviam as necessidades econômicas dos dependentes. “ (Rocha,
Daniel Machado da, Comentários à lei de benefícios da previdência
social/Daniel Machado da Rocha, José Paulo Baltazar Júnior. 4. ed.
Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora: Esmafe, 2004. p.251).

Michell Nunes Midlej Maron 42


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

4 - Em que pesem as alegações do recorrente quanto à violação do


art. 226, §3º, da Constituição Federal, convém mencionar que a
ofensa a artigo da Constituição Federal não pode ser analisada por
este Sodalício, na medida em que tal mister é atribuição exclusiva do
Pretório Excelso. Somente por amor ao debate, porém, de tal preceito
não depende, obrigatoriamente, o desate da lide, eis que não diz
respeito ao âmbito previdenciário, inserindo-se no capítulo ‘Da
Família’. Face a essa visualização, a aplicação do direito à espécie se
fará à luz de diversos preceitos constitucionais, não apenas do art.
226, §3º da Constituição Federal, levando a que, em seguida, se possa
aplicar o direito ao caso em análise.
5 - Diante do § 3º do art. 16 da Lei n. 8.213/91, verifica-se que o que
o legislador pretendeu foi, em verdade, ali gizar o conceito de
entidade familiar, a partir do modelo da união estável, com vista ao
direito previdenciário, sem exclusão, porém, da relação homoafetiva.
6- Por ser a pensão por morte um benefício previdenciário, que visa
suprir as necessidades básicas dos dependentes do segurado, no
sentido de lhes assegurar a subsistência, há que interpretar os
respectivos preceitos partindo da própria Carta Política de 1988 que,
assim estabeleceu, em comando específico: “ Art. 201- Os planos de
previdência social, mediante contribuição, atenderão, nos termos da
lei, a: [...] V - pensão por morte de segurado, homem ou mulher, ao
cônjuge ou companheiro e dependentes, obedecido o disposto no § 2
º.
7 - Não houve, pois, de parte do constituinte, exclusão dos
relacionamentos homoafetivos, com vista à produção de efeitos no
campo do direito previdenciário, configurando-se mera lacuna, que
deverá ser preenchida a partir de outras fontes do direito.
8 - Outrossim, o próprio INSS, tratando da matéria, regulou, através
da Instrução Normativa n. 25 de 07/06/2000, os procedimentos com
vista à concessão de benefício ao companheiro ou companheira
homossexual, para atender a determinação judicial expedida pela
juíza Simone Barbasin Fortes, da Terceira Vara Previdenciária de
Porto Alegre, ao deferir medida liminar na Ação Civil Pública nº
2000.71.00.009347-0, com eficácia erga omnes. Mais do que
razoável, pois, estender-se tal orientação, para alcançar situações
idênticas, merecedoras do mesmo tratamento.
9 - Recurso Especial não provido.”

Michell Nunes Midlej Maron 43


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

Tema VI

Direito Comunitário. Mercosul.

Notas de Aula7

1. Direito Comunitário

O direito internacional se divide, como é cediço, em internacional público e privado.


O primeiro ramo se refere predominantemente às relações entre Estados e organizações
internacionais, mas há hoje o reconhecimento de um terceiro ator no plano do direito
internacional público: a pessoa natural. Há tratados que reconhecem a legitimidade, em
alguns pontos do direito internacional público, da pessoa natural, mas o Brasil não é parte
em nenhum deles, não reconhecendo a legitimidade do indivíduo. A via de regra do acesso
do cidadão brasileiro aos institutos do direito internacional público, portanto, é por
intermédio de instituições legitimadas para tal.
A maior dificuldade no plano internacional é a enorme diversidade cultural, que
torna quase utópica a perspectiva de universalidade que se pretende nesse ramo. Por isso,
surge com tanta importância o direito comunitário, ou o direito regional, que são espécies
de ramos menores, em abrangência, de direito internacional. Bom exemplo de paradoxo
praticamente intransponível referente à universalidade, especialmente dos direitos
humanos, vem dos casos de abusos violentos da dignidade da pessoa humana, como nos
casos de condenação à morte por apedrejamento de mulheres supostamente adúlteras, ou de
extirpação de partes do corpo (nariz, orelhas, membros) de mulheres insubordinadas ao
homem – tudo amparado pela ordem jurídica retrógrada dos seus países islâmicos.
Com isso, o surgimento de um direito supranacional único universal fica
praticamente inviável. É por isso que a supranacionalidade regional, comunitária, assume
maior importância, porque é um meio de se “universalizar regionalmente” os direitos
internacionalmente relevantes.
O direito internacional é desde há muito reputado como jus cogens, inquestionável e
perfeito. Tal concepção vem de sua origem, em organizações internacionais da quais os
países optam por participar ou não: se cada país é parte a quem foi facultada a entrada, e se
as normas são produzidas por esses membros facultativos, o direito é perfeito, até mais do
que o próprio direito constitucional, porque todos os indivíduos que se colocam sob uma
Constituição não optaram por tal subjugo – e daí a nota de pura legitimidade do direito
internacional, em que vige a cooperação, e não a subordinação.
Ocorre que essa lógica recebe muitas críticas, especialmente no que se refere à
forma de adesão do País: o povo, em si, pouco participa dessa adesão. Ao menos no Brasil,
é o Presidente, sozinho, quem firma a adesão do país, como se sabe do nosso processo
legislativo, podendo o Congresso apenas vetar ou não tal entrada, sem propor modulações
ou alterações.

7
Aula ministrada pelo professor Rogério Luiz Nery da Silva, em 19/8/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 44


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

Segundo uma corrente de direito internacional, esse é um direito de coordenação,


mais do que de cooperação. Há uma sociedade de Estados, criadores de organizações
internacionais, porque nessas os Estados são ao mesmo tempo emitentes e recipientes de
ordens.
A outra corrente, que defende o prisma da cooperação, entende que o que surge, no
direito internacional público, é uma comunidade internacional, na qual não há necessidade
de coordenação, mas apenas cooperação entre os membros para a busca de objetivos
comuns.
Aqui é relevante falar das teorias monista e dualista do direito internacional, com
suas variantes intermediárias. O Brasil se reconhece, desde há muito, como monista
moderado, porque embora na esfera interna e externa a norma seja a mesma – o tratado
internacional firmado é transposto ao ordenamento pátrio tal como subscrito –, é preciso
que haja uma norma interna internalizando-o. Na prática: é publicado um decreto, fazendo
o tratado viger internamente, e o tratado passa a ser um anexo desse decreto. Isso se
percebe no artigo 49, I, da CRFB:

“Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:


I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos
internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao
patrimônio nacional;
(...)”

No monismo radical, a internalização é automática: firmado o tratado, ele próprio já


assume vigência interna automática. No dualismo, há duas normas estanques: o tratado
internacional é firmado, e com base nele se cria uma norma interna de reprise, que é a que
vai viger internamente.
O STF, na ADI-MC 1.480, tratou de muitos pontos relevantes sobre os tratados. Ali,
o STF expõe a lógica monista moderada, e dá a nota pela qual os tratados são internalizados
em nosso ordenamento: são postos ao lado de leis ordinárias, na escala normativa. Veja:

“ADI 1480 MC / DF - DISTRITO FEDERAL. MEDIDA


CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. Relator Min. CELSO DE MELLO.
Julgamento: 04/09/1997. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação
DJ 18-05-2001.
E M E N T A: - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
- CONVENÇÃO Nº 158/OIT - PROTEÇÃO DO TRABALHADOR
CONTRA A DESPEDIDA ARBITRÁRIA OU SEM JUSTA CAUSA
- ARGÜIÇÃO DE ILEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DOS
ATOS QUE INCORPORARAM ESSA CONVENÇÃO
INTERNACIONAL AO DIREITO POSITIVO INTERNO DO
BRASIL (DECRETO LEGISLATIVO Nº 68/92 E DECRETO Nº
1.855/96) - POSSIBILIDADE DE CONTROLE ABSTRATO DE
CONSTITUCIONALIDADE DE TRATADOS OU CONVENÇÕES
INTERNACIONAIS EM FACE DA CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA - ALEGADA TRANSGRESSÃO AO ART. 7º, I, DA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E AO ART. 10, I DO ADCT/88

Michell Nunes Midlej Maron 45


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

- REGULAMENTAÇÃO NORMATIVA DA PROTEÇÃO CONTRA


A DESPEDIDA ARBITRÁRIA OU SEM JUSTA CAUSA, POSTA
SOB RESERVA CONSTITUCIONAL DE LEI COMPLEMENTAR -
CONSEQÜENTE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DE TRATADO
OU CONVENÇÃO INTERNACIONAL ATUAR COMO
SUCEDÂNEO DA LEI COMPLEMENTAR EXIGIDA PELA
CONSTITUIÇÃO (CF, ART. 7º, I) - CONSAGRAÇÃO
CONSTITUCIONAL DA GARANTIA DE INDENIZAÇÃO
COMPENSATÓRIA COMO EXPRESSÃO DA REAÇÃO ESTATAL
À DEMISSÃO ARBITRÁRIA DO TRABALHADOR (CF, ART. 7º,
I, C/C O ART. 10, I DO ADCT/88) - CONTEÚDO
PROGRAMÁTICO DA CONVENÇÃO Nº 158/OIT, CUJA
APLICABILIDADE DEPENDE DA AÇÃO NORMATIVA DO
LEGISLADOR INTERNO DE CADA PAÍS - POSSIBILIDADE DE
ADEQUAÇÃO DAS DIRETRIZES CONSTANTES DA
CONVENÇÃO Nº 158/OIT ÀS EXIGÊNCIAS FORMAIS E
MATERIAIS DO ESTATUTO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO -
PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR DEFERIDO, EM PARTE,
MEDIANTE INTERPRETAÇÃO CONFORME À
CONSTITUIÇÃO. PROCEDIMENTO CONSTITUCIONAL DE
INCORPORAÇÃO DOS TRATADOS OU CONVENÇÕES
INTERNACIONAIS. - É na Constituição da República - e não na
controvérsia doutrinária que antagoniza monistas e dualistas - que se
deve buscar a solução normativa para a questão da incorporação dos
atos internacionais ao sistema de direito positivo interno brasileiro. O
exame da vigente Constituição Federal permite constatar que a
execução dos tratados internacionais e a sua incorporação à ordem
jurídica interna decorrem, no sistema adotado pelo Brasil, de um ato
subjetivamente complexo, resultante da conjugação de duas vontades
homogêneas: a do Congresso Nacional, que resolve, definitivamente,
mediante decreto legislativo, sobre tratados, acordos ou atos
internacionais (CF, art. 49, I) e a do Presidente da República, que,
além de poder celebrar esses atos de direito internacional (CF, art. 84,
VIII), também dispõe - enquanto Chefe de Estado que é - da
competência para promulgá-los mediante decreto. O iter
procedimental de incorporação dos tratados internacionais -
superadas as fases prévias da celebração da convenção internacional,
de sua aprovação congressional e da ratificação pelo Chefe de Estado
- conclui-se com a expedição, pelo Presidente da República, de
decreto, de cuja edição derivam três efeitos básicos que lhe são
inerentes: (a) a promulgação do tratado internacional; (b) a
publicação oficial de seu texto; e (c) a executoriedade do ato
internacional, que passa, então, e somente então, a vincular e a
obrigar no plano do direito positivo interno. Precedentes.
SUBORDINAÇÃO NORMATIVA DOS TRATADOS
INTERNACIONAIS À CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. - No

Michell Nunes Midlej Maron 46


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

sistema jurídico brasileiro, os tratados ou convenções internacionais


estão hierarquicamente subordinados à autoridade normativa da
Constituição da República. Em conseqüência, nenhum valor jurídico
terão os tratados internacionais, que, incorporados ao sistema de
direito positivo interno, transgredirem, formal ou materialmente, o
texto da Carta Política. O exercício do treaty-making power, pelo
Estado brasileiro - não obstante o polêmico art. 46 da Convenção de
Viena sobre o Direito dos Tratados (ainda em curso de tramitação
perante o Congresso Nacional) -, está sujeito à necessária
observância das limitações jurídicas impostas pelo texto
constitucional. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DE
TRATADOS INTERNACIONAIS NO SISTEMA JURÍDICO
BRASILEIRO. - O Poder Judiciário - fundado na supremacia da
Constituição da República - dispõe de competência, para, quer em
sede de fiscalização abstrata, quer no âmbito do controle difuso,
efetuar o exame de constitucionalidade dos tratados ou convenções
internacionais já incorporados ao sistema de direito positivo interno.
Doutrina e Jurisprudência. PARIDADE NORMATIVA ENTRE
ATOS INTERNACIONAIS E NORMAS
INFRACONSTITUCIONAIS DE DIREITO INTERNO. - Os
tratados ou convenções internacionais, uma vez regularmente
incorporados ao direito interno, situam-se, no sistema jurídico
brasileiro, nos mesmos planos de validade, de eficácia e de
autoridade em que se posicionam as leis ordinárias, havendo, em
conseqüência, entre estas e os atos de direito internacional público,
mera relação de paridade normativa. Precedentes. No sistema jurídico
brasileiro, os atos internacionais não dispõem de primazia hierárquica
sobre as normas de direito interno. A eventual precedência dos
tratados ou convenções internacionais sobre as regras
infraconstitucionais de direito interno somente se justificará quando a
situação de antinomia com o ordenamento doméstico impuser, para a
solução do conflito, a aplicação alternativa do critério cronológico
("lex posterior derogat priori") ou, quando cabível, do critério da
especialidade. Precedentes. TRATADO INTERNACIONAL E
RESERVA CONSTITUCIONAL DE LEI COMPLEMENTAR. - O
primado da Constituição, no sistema jurídico brasileiro, é oponível ao
princípio pacta sunt servanda, inexistindo, por isso mesmo, no direito
positivo nacional, o problema da concorrência entre tratados
internacionais e a Lei Fundamental da República, cuja suprema
autoridade normativa deverá sempre prevalecer sobre os atos de
direito internacional público. Os tratados internacionais celebrados
pelo Brasil - ou aos quais o Brasil venha a aderir - não podem, em
conseqüência, versar matéria posta sob reserva constitucional de lei
complementar. É que, em tal situação, a própria Carta Política
subordina o tratamento legislativo de determinado tema ao exclusivo
domínio normativo da lei complementar, que não pode ser substituída

Michell Nunes Midlej Maron 47


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

por qualquer outra espécie normativa infraconstitucional, inclusive


pelos atos internacionais já incorporados ao direito positivo interno.
LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DA CONVENÇÃO Nº
158/OIT, DESDE QUE OBSERVADA A INTERPRETAÇÃO
CONFORME FIXADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
- A Convenção nº 158/OIT, além de depender de necessária e ulterior
intermediação legislativa para efeito de sua integral aplicabilidade no
plano doméstico, configurando, sob tal aspecto, mera proposta de
legislação dirigida ao legislador interno, não consagrou, como única
conseqüência derivada da ruptura abusiva ou arbitrária do contrato de
trabalho, o dever de os Estados-Partes, como o Brasil, instituírem, em
sua legislação nacional, apenas a garantia da reintegração no
emprego. Pelo contrário, a Convenção nº 158/OIT expressamente
permite a cada Estado-Parte (Artigo 10), que, em função de seu
próprio ordenamento positivo interno, opte pela solução normativa
que se revelar mais consentânea e compatível com a legislação e a
prática nacionais, adotando, em conseqüência, sempre com estrita
observância do estatuto fundamental de cada País (a Constituição
brasileira, no caso), a fórmula da reintegração no emprego e/ou da
indenização compensatória. Análise de cada um dos Artigos
impugnados da Convenção nº 158/OIT (Artigos 4º a 10).”

O fato de os tratados se submeterem ao controle de constitucionalidade induz à


conclusão de que o Brasil não é partidário do princípio da prevalência do direito
internacional sobre o interno. Para haver controle de constitucionalidade, é porque há a
supremacia da Constituição, a rigidez constitucional, e a investidura do órgão competente.
O direito regional, o comunitário ou de integração, para alguns, são sinônimos, mas
há, na verdade, pequenas diferenças. A principal é referente ao alcance da
supranacionalidade. O Mercosul, que será alvo principal do estudo, adiante, por exemplo,
não é idêntico, em caracteres, à União Européia, por exemplo – e por isso não é muito
preciso colocar ambos na mesma classificação. A supranacionalidade da União Européia é
muito mais extensa, com muito mais abrangência do que a do Mercosul: há, na UE, a
pretensão de se criar um “supraestado”, por assim dizer, o que ainda não é concebível no
Mercosul, que tem vistas essencialmente econômicas, somente.
Assim, o direito comunitário buscaria a formação de uma verdadeira comunidade
internacional, como no caso da UE, enquanto o regional se restringe a aspectos
fisiográficos e econômicos. O direito de integração, por seu turno, diz respeito à vontade
internacional de buscar a coesão em determinadas regiões, referindo-se a aspectos mais
formais do que os direitos substanciais do direito comunitário: o direito de integração seria
o complexo de regras de formação dos blocos, somente, enquanto o direito comunitário
seria o direito material vigente em tais blocos. A discussão é puramente acadêmica, eis que
inócua, na prática.

Michell Nunes Midlej Maron 48


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

1.1. Direito comunitário vs. direito interno

A prevalência do direito comunitário sobre o interno é repudiada, no Brasil, pois,


como se disse, por aqui não vige o princípio da prevalência do direito internacional sobre o
interno. Em ponto nenhum pode a norma de direito comunitário, inclusive o Mercosul,
alterar a CRFB.
O conceito de bloco de constitucionalidade, aqui, é relevante: se o tratado contraria
legislação, lato sensu, que tenha ganhado status de norma materialmente constitucional,
será hoje refreado por esse bloco, como se à própria CRFB contrariasse. É uma mudança de
concepção, pois há não muito tempo atrás assim não se entendia – o bloco de
constitucionalidade é protegido com status constitucional, apenas não se prestando a ser
paradigma de controle concentrado de constitucionalidade, nem se postando sob a tutela da
rigidez constitucional (tendência que também está em vias de modificar-se, diga-se).
Há que se mencionar também o critério de resolução de antinomias da especialidade
e cronologia, que se aplica nesse conflito entre normas internacionais e nacionais: A norma
especial e posterior derroga a anterior genérica, o que se aplica também em relação aos
tratados internacionais e às normas internas infraconstitucionais. É assim que se soluciona,
por exemplo, o conflito entre as convenções internacionais sobre vôos comerciais
(Varsóvia, Nova Iorque e Quebec) e o CDC, especialmente na questão indenizatória, que
não pode submeter-se à tarifação que tais convenções impõem, inaplicável ante a
regulamentação específica e posterior das relações consumeristas pelo CDC.
Surpreendentemente, o STF, em decisão de 2006, deu guarida à tese contrária,
entendendo preponderar a convenção internacional porque mais específica para relações de
aviação do que o CDC, que é geral para relações de consumo, dentre as quais as de
transporte. Esse é o posicionamento atual do STF, mas a questão ainda é polêmica, tanto
que é considerada de repercussão geral. Veja:

“RE 297901 / RN - RIO GRANDE DO NORTE. RECURSO


EXTRAORDINÁRIO. Relatora Min. ELLEN GRACIE.
Julgamento: 07/03/2006. Órgão Julgador: Segunda Turma.
Publicação: DJ 31-03-2006.
EMENTA: PRAZO PRESCRICIONAL. CONVENÇÃO DE
VARSÓVIA E CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. 1. O
art. 5º, § 2º, da Constituição Federal se refere a tratados
internacionais relativos a direitos e garantias fundamentais, matéria
não objeto da Convenção de Varsóvia, que trata da limitação da
responsabilidade civil do transportador aéreo internacional (RE
214.349, rel. Min. Moreira Alves, DJ 11.6.99). 2. Embora válida a
norma do Código de Defesa do Consumidor quanto aos
consumidores em geral, no caso específico de contrato de transporte
internacional aéreo, com base no art. 178 da Constituição Federal de
1988, prevalece a Convenção de Varsóvia, que determina prazo
prescricional de dois anos. 3. Recurso provido.”

“AI 762184 RG / RJ - RIO DE JANEIRO. REPERCUSSÃO GERAL


NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. Relator Min. MIN. CEZAR

Michell Nunes Midlej Maron 49


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

PELUSO. Julgamento: 22/10/2009. Publicação: DJe-237 DIVULG


17-12-2009.
EMENTA: RECURSO. Extraordinário. Extravio de bagagem.
Limitação de danos materiais e morais. Convenção de Varsóvia.
Código de Defesa do Consumidor. Princípio constitucional da
indenizabilidade irrestrita. Norma prevalecente. Relevância da
questão. Repercussão geral reconhecida. Apresenta repercussão geral
o recurso extraordinário que verse sobre a possibilidade de limitação,
com fundamento na Convenção de Varsóvia, das indenizações de
danos morais e materiais, decorrentes de extravio de bagagem.”

1.2. Mercosul

O Mercosul é fruto do movimento de globalização. O surgimento de grupos


supranacionais tem-se mostrado necessário para possibilitar que os países, assim agrupados,
tenham mais poder de barganha no cenário internacional. É manifestação daquilo que se
chama de “teoria da caixa de fósforos”, em clara analogia, segundo a qual enquanto a
quebra de um palito é fácil, a de todos unidos é mais difícil.
O Brasil e a Argentina foram os grandes motrizes da criação do Mercado Comum do
Sul, o Mercosul. A entrada de novos membros deve ser aprovada de forma unânime pelos
signatários atuais, o que hoje é um problema, ante a presença da Venezuela semi-ditatorial
de Hugo Chávez, que deverá aprovar qualquer entrada, ou ela não ocorrerá.
O Tratado de Assunção criou o Mercosul em 1991, para começar a viger em 1994.
Também em 1994, o Brasil assinou também os tratados de Brasília e de Ouro Preto – que
são protocolos8, na verdade –, com regramentos referentes ao Mercosul. O Protocolo de
Brasília se dedica à solução de controvérsias referentes ao mercado comum, e o Protocolo
de Ouro Preto se destina a regulamentar a cooperação jurisdicional entre os países
membros, especialmente no tocante às medidas cautelares entre os países.
Em 1995, o Brasil subscreveu o Protocolo de Lãs Leñas, também referente à
cooperação judiciária entre os países membros, com mais especificidade no que se refere às
rogatórias.
O Mercosul é palco de relações econômicas de alta relevância, e por isso é também
cenário de enormes litígios. Para tal aspecto, os membros firmaram o primeiro Protocolo de
Olivos, que é dedicado à solução de controvérsias, sendo firmado, recentemente, um
segundo Protocolo de Olivos em complemento ao primeiro.
Este é o composto de normas originárias do Mercosul: o tratado de Assunção e os
protocolos de Brasília, Ouro Preto, Lãs Leñas, e os dois de Olivos. Mas há também normas
derivadas, provenientes de componentes menores do Mercosul, como conselhos e grupos
de objeto restrito e definido, internos à estrutura desse mercado comum – resoluções,
diretrizes e decisões compõem esse corpo normativo derivado.
O Protocolo de Brasília criou os tribunais arbitrais ad hoc, facultativos. O
Protocolo de Olivos II trouxe os tribunais de revisão desses tribunais ad hoc, prevendo
também procedimentos para liberação cautelar de mercadorias perecíveis em desembaraços
aduaneiros litigiosos.

8
Há uma enormidade de termos para identificar os atos internacionais, mas, regra geral, o termo tratados
pode se prestar como gênero.

Michell Nunes Midlej Maron 50


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

Aquele que adere ao Mercosul, deve sujeitar-se a toda a normativa estabelecida.


Não se admite, na subscrição do Mercosul, a feitura de ressalvas por quem esteja aderindo
– o ingresso é incondicional, sem possibilidade de restrições pelo aderente.
Os princípios de direito internacional, em sua maioria, se projetam no direito
comunitário, regional e de integração: supranacionalidade, supletividade, subsidiariedade e
proporcionalidade são alguns exemplos. Há alguns princípios atinentes à implantação do
bloco econômico, apenas, como o da flexibilidade, progressividade e gradualidade, porque
não se pode entender que um grupamento como o Mercosul a sua criação seja instantânea.
Outro princípio adotado, esse de manutenção, é o do equilíbrio: as medidas adotadas pelo
Mercosul devem promover isonomia entre os países membros, e não a imposição de
maiores ônus ou vantagens para uns do que para outros.
A finalidade do Mercosul, além do próprio mercado comum interno que estabelece,
é a criação de uma representatividade mais forte perante os mercados internacionais – a
mencionada teoria da caixa de fósforos –, e a proteção do meio ambiente (consignação
finalística feita no Mercosul que não é, de fato, seu objetivo). A formação do bloco
econômico forte é mesmo, em verdade, o objetivo maior do Mercosul. A ideia central do
bloco é o livre comércio de bens e fatores produtivos entre os países, a livre circulação dos
cidadãos, e o fortalecimento perante outros mercados.
A respeito do princípio do equilíbrio, vale mencionar que o Brasil foi causador da
maior crise pela qual o Mercosul já passou até hoje: em 1999, o súbito aumento
exponencial do dólar americano no Brasil quase levou à extinção o Mercosul, porque
desestabilizou, desequilibrou o bloco, eis que com a desvalorização do real, o aporte de
recursos, aqui, ficou mais interessante aos investidores internacionais do que nos demais
paises do bloco.
O Mercosul também contempla a eliminação de barreiras alfandegárias entre os
membros, a fim de permitir o livre comércio real, promovendo condições adequadas de
concorrência.
Há também o compromisso de harmonização das legislações internas entre os
membros, sem violar a soberania, porém. Tal medida visa a prevenir a ocorrência de
eventos danosos, tais como o dumping, que permite que um mercado se torne
artificialmente atrativo (como o dumping social que ocorre na china, com a mão de obra
sub remunerada).
A implantação é gradual em todos os sentidos, inclusive nas políticas tarifárias
aduaneiras: o ideal é que, internamente, cheguem a zero, caminhando gradualmente para
isso.
O Conselho do Mercosul assume papel de uma diretoria do mercado comum,
cuidando da sua gestão. É composto pelos presidentes e pelos ministros de relações
exteriores. O Conselho se reúne uma vez ao ano, ao menos. A presidência do Conselho é
preenchida em ordem alfabética, alterando-se a cada seis meses.
Outro órgão interno do Mercosul é o Grupo do Mercado Comum, órgão executor do
Mercosul. Há também uma Secretaria Executiva sediada em Montevidéu.
Os idiomas oficiais do Mercosul são o espanhol e o português. O Mercosul tem
existência estabelecida por tempo indeterminado.
A denúncia do Mercosul é possível a qualquer tempo, mas é ato extremamente
formal, e o país que se retira se mantém obrigado por sessenta dias após o depósito da
denúncia.

Michell Nunes Midlej Maron 51


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

O Mercosul está passando ainda pelas etapas de formação de um verdadeiro


mercado comum. A primeira etapa, já cumprida, é a de preferências tarifárias. A segunda, a
eliminação de barreiras tarifárias, também já cumprida. A terceira, a união aduaneira, é a
eliminação de óbices fronteiriços – recentemente alcançada. Mas a quarta etapa, que é a
criação efetiva do mercado comum, com livre circulação de mercadorias, insumos, e
políticas monetárias e fiscais uniformes, ainda não foi atingida. Ao final, o objetivo maior é
o de uma união supranacional econômica, monetária e politicamente organizada, como hoje
se encontra a UE.
Casos Concretos

Questão 1

Trata-se de recurso interposto contra ato decisório que negou exequatur a carta
rogatória expedida pela Justiça Federal da República Argentina, com a finalidade de
viabilizar, em território brasileiro, a efetivação de atos de caráter executório. O recorrente
alega que o panorama normativo regulador do Mercosul (Tratado de Assunção, Protocolo
de Ouro Preto e Protocolo de Brasília, entre outros) possibilita a mais ampla e frutífera
cooperação jurisdicional entre os Estados-Membros. Pergunta-se:
1) A recepção dos tratados ou convenções internacionais em geral e dos Acordos
celebrados no âmbito do Mercosul está sujeita à disciplina fixada na Constituição?
Justifique, indicando artigos da Constituição da República.
2) Qual é o procedimento de incorporação de convenções internacionais em geral e
dos tratados de integração (Mercosul)?
3) O sistema constitucional brasileiro consagra o princípio do efeito direto e o
postulado da aplicabilidade imediata dos tratados ou convenções internacionais?
4) Qual é a posição do STF a respeito de cartas rogatórias passivas para efeito de
realização, em território brasileiro, de diligências de natureza executória?

Resposta à Questão 1

1) A internalização do tratado deve responder ao regramento constitucional, que


entrega as competências do Presidente e do Congresso para tanto. Tanto os gerais como os
do Mercosul, são sujeitos às normas constitucionais, do artigo 84, VIII, e 49, I, da CRFB:

“Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:


(...)
VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a
referendo do Congresso Nacional;
(...)”

“Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:


I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos
internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao
patrimônio nacional;
(...)”

Michell Nunes Midlej Maron 52


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

2) O rito começa com a negociação e assinatura, depois passa pela análise e


aprovação pelo Congresso, ratificação, promulgação e publicação; ou simplesmente pela
adesão, sem a discussão do conteúdo, a depender do tratado.

3) O artigo 2º da LICC determina que a lei publicada tem, em regra, efeito imediato,
mas não é disso que se está tratando.

“Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até


que outra a modifique ou revogue.
§ 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o
declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule
inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
§ 2º A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par
das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.
§ 3º Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura
por ter a lei revogadora perdido a vigência.”

A aplicabilidade imediata, no âmbito internacional, é o que a LICC chama de efeitos


diretos – entrada em vigor e produção de efeitos. O efeito direto, no plano internacional, é a
produção de efeitos entre particulares. O Brasil não adota nenhuma das duas premissas: até
a publicação do tratado, este não tem qualquer eficácia, aqui.

4) As medidas de cunho não executório são cumpridas, sem percalços. Para as


medidas que trazem carga executória, porém, o STF entende que não se cumprem senão
quando definitivas, e após a homologação da sentença. Quando se trata de cautelar ou
antecipação da tutela, é preciso que haja acordo de cooperação entre os países, pois do
contrário o Brasil não as cumpre.
No âmbito do Mercosul, o Protocolo de Las Leñas é esse acordo, e para os membros
(e não meramente associados) há a possibilidade de cumprimento de medidas cautelares, de
forma simplificada. Veja os artigos 19 a 21 desse diploma:

“Artigo 19
O pedido de reconhecido e execução de sentença e de laudos arbitrais
por parte das autoridades jurisdicional será tramitado por via de
cartas rogatórias e por intermédios da Autoridade Central.”

“Artigo 20
As sentenças e os laudos arbitrais a que se refere o artigo anterior
terão eficácia extraterritorial nos Estados Partes quando reunirem as
seguintes condições:
a) que venham revestidos das formalidades externas necessárias que
sejam considerados autênticos nos Estados de origem;
b) que estejam, assim como os documentos anexos necessários,
devidamente traduzidos para o idioma oficial do Estado em que se
solicita seu reconhecimento e execução;

Michell Nunes Midlej Maron 53


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

c) que emanem de um órgão jurisdicional ou arbitral competente,


segundo as normas do Estado requerido sobre jurisdição
internacional;
d) que a parte contra a qual se pretende executar a decisão tenha sido
devidamente citada e tenha garantido o exercício de seu direito de
defesa;
e) que a decisão tenha força de coisa julgada e / ou executória no
Estado em que foi ditada;
f) que claramente não contrariem os princípios de ordem pública do
Estado em que se solicita seu reconhecimento e / ou execução.
Os requisitos das alíneas (a), (c), (d), (e) e (f) devem estar contidos na
cópia autêntica da sentença ou do laudo arbitral.”

“Artigo 21
A parte que, em juízo, invoque uma sentença ou um laudo arbitral de
um dos Estados Partes deverá apresentar cópia autêntica da sentença
ou do laudo arbitral com os requisitos do artigo precedente.”

É também necessária a homologação, como se vê, mas nesse rito mais simples dos
artigos supra, com o pedido formal de exequatur.

Veja os julgados abaixo, que respondem a todas as questões:

“CR 8279 AgR / AT – ARGENTINA. AG.REG.NA CARTA


ROGATÓRIA. Relator Min. CELSO DE MELLO.
Julgamento: 17/06/1998. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação
DJ 10-08-2000.
E M E N T A: MERCOSUL - CARTA ROGATÓRIA PASSIVA -
DENEGAÇÃO DE EXEQUATUR - PROTOCOLO DE MEDIDAS
CAUTELARES (OURO PRET0/MG) - INAPLICABILIDADE,
POR RAZÕES DE ORDEM CIRCUNSTANCIAL - ATO
INTERNACIONAL CUJO CICLO DE INCORPORAÇÃO, AO
DIREITO INTERNO DO BRASIL, AINDA NÃO SE ACHAVA
CONCLUÍDO À DATA DA DECISÃO DENEGATÓRIA DO
EXEQUATUR, PROFERIDA PELO PRESIDENTE DO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL - RELAÇÕES ENTRE O DIREITO
INTERNACIONAL, O DIREITO COMUNITÁRIO E O DIREITO
NACIONAL DO BRASIL - PRINCÍPIOS DO EFEITO DIRETO E
DA APLICABILIDADE IMEDIATA - AUSÊNCIA DE SUA
PREVISÃO NO SISTEMA CONSTITUCIONAL BRASILEIRO -
INEXISTÊNCIA DE CLÁUSULA GERAL DE RECEPÇÃO
PLENA E AUTOMÁTICA DE ATOS INTERNACIONAIS,
MESMO DAQUELES FUNDADOS EM TRATADOS DE
INTEGRAÇÃO - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. A
RECEPÇÃO DOS TRATADOS OU CONVENÇÕES
INTERNACIONAIS EM GERAL E DOS ACORDOS

Michell Nunes Midlej Maron 54


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

CELEBRADOS NO ÂMBITO DO MERCOSUL ESTÁ SUJEITA À


DISCIPLINA FIXADA NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. - A
recepção de acordos celebrados pelo Brasil no âmbito do
MERCOSUL está sujeita à mesma disciplina constitucional que rege
o processo de incorporação, à ordem positiva interna brasileira, dos
tratados ou convenções internacionais em geral. É, pois, na
Constituição da República, e não em instrumentos normativos de
caráter internacional, que reside a definição do iter procedimental
pertinente à transposição, para o plano do direito positivo interno do
Brasil, dos tratados, convenções ou acordos - inclusive daqueles
celebrados no contexto regional do MERCOSUL - concluídos pelo
Estado brasileiro. Precedente: ADI 1.480-DF, Rel. Min. CELSO DE
MELLO. - Embora desejável a adoção de mecanismos
constitucionais diferenciados, cuja instituição privilegie o processo
de recepção dos atos, acordos, protocolos ou tratados celebrados pelo
Brasil no âmbito do MERCOSUL, esse é um tema que depende,
essencialmente, quanto à sua solução, de reforma do texto da
Constituição brasileira, reclamando, em conseqüência, modificações
de jure constituendo. Enquanto não sobrevier essa necessária reforma
constitucional, a questão da vigência doméstica dos acordos
celebrados sob a égide do MERCOSUL continuará sujeita ao mesmo
tratamento normativo que a Constituição brasileira dispensa aos
tratados internacionais em geral. PROCEDIMENTO
CONSTITUCIONAL DE INCORPORAÇÃO DE CONVENÇÕES
INTERNACIONAIS EM GERAL E DE TRATADOS DE
INTEGRAÇÃO (MERCOSUL). - A recepção dos tratados
internacionais em geral e dos acordos celebrados pelo Brasil no
âmbito do MERCOSUL depende, para efeito de sua ulterior execução
no plano interno, de uma sucessão causal e ordenada de atos
revestidos de caráter político-jurídico, assim definidos: (a) aprovação,
pelo Congresso Nacional, mediante decreto legislativo, de tais
convenções; (b) ratificação desses atos internacionais, pelo Chefe de
Estado, mediante depósito do respectivo instrumento; (c)
promulgação de tais acordos ou tratados, pelo Presidente da
República, mediante decreto, em ordem a viabilizar a produção dos
seguintes efeitos básicos, essenciais à sua vigência doméstica: (1)
publicação oficial do texto do tratado e (2) executoriedade do ato de
direito internacional público, que passa, então - e somente então - a
vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno. Precedentes.
O SISTEMA CONSTITUCIONAL BRASILEIRO NÃO
CONSAGRA O PRINCÍPIO DO EFEITO DIRETO E NEM O
POSTULADO DA APLICABILIDADE IMEDIATA DOS
TRATADOS OU CONVENÇÕES INTERNACIONAIS. - A
Constituição brasileira não consagrou, em tema de convenções
internacionais ou de tratados de integração, nem o princípio do efeito
direto, nem o postulado da aplicabilidade imediata. Isso significa, de

Michell Nunes Midlej Maron 55


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

jure constituto, que, enquanto não se concluir o ciclo de sua


transposição, para o direito interno, os tratados internacionais e os
acordos de integração, além de não poderem ser invocados, desde
logo, pelos particulares, no que se refere aos direitos e obrigações
neles fundados (princípio do efeito direto), também não poderão ser
aplicados, imediatamente, no âmbito doméstico do Estado brasileiro
(postulado da aplicabilidade imediata). - O princípio do efeito direto
(aptidão de a norma internacional repercutir, desde logo, em matéria
de direitos e obrigações, na esfera jurídica dos particulares) e o
postulado da aplicabilidade imediata (que diz respeito à vigência
automática da norma internacional na ordem jurídica interna)
traduzem diretrizes que não se acham consagradas e nem positivadas
no texto da Constituição da República, motivo pelo qual tais
princípios não podem ser invocados para legitimar a incidência, no
plano do ordenamento doméstico brasileiro, de qualquer convenção
internacional, ainda que se cuide de tratado de integração, enquanto
não se concluírem os diversos ciclos que compõem o seu processo de
incorporação ao sistema de direito interno do Brasil. Magistério da
doutrina. - Sob a égide do modelo constitucional brasileiro, mesmo
cuidando-se de tratados de integração, ainda subsistem os clássicos
mecanismos institucionais de recepção das convenções internacionais
em geral, não bastando, para afastá-los, a existência da norma inscrita
no art. 4º, parágrafo único, da Constituição da República, que possui
conteúdo meramente programático e cujo sentido não torna
dispensável a atuação dos instrumentos constitucionais de
transposição, para a ordem jurídica doméstica, dos acordos,
protocolos e convenções celebrados pelo Brasil no âmbito do
MERCOSUL.”

“CR 10479 AgR / BO STF – Rel. Min. MARCO AURÉLIO, j.


23/04/2003, Tribunal Pleno. CARTA ROGATÓRIA - PENHORA -
INVIABILIDADE DE EXECUÇÃO - MERCOSUL –
PARÂMETROS SUBJETIVOS. A regra direciona à necessidade de
homologação da sentença estrangeira, para que surta efeitos no
Brasil. A exceção corre à conta de rogatória originária de país com o
qual haja instrumento de cooperação, o que não ocorre relativamente
à Bolívia, ante o fato de não estar integrada ao Mercosul e de ainda
não haver sido aprovado, pelo Congresso Nacional, o Acordo de
Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial,
Trabalhista e Administrativa entre os Estados Partes do Mercosul e as
Repúblicas da Bolívia e do Chile, nos termos do artigo 49, inciso I,
da Carta da República.”

Questão 2

A constituição e o desenrolar de acontecimentos de um bloco econômico somente


pode ocorrer com a existência de instituições permanentes, que venham a respaldar o seu

Michell Nunes Midlej Maron 56


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

processo de integração. No Mercosul não tem sido diferente, pois grande importância vem
sendo dada ao aperfeiçoamento do seu sistema de controvérsias e aos graus de integração
de confiança repassados para a comunidade internacional. Cite, explique e indique a base
normativa do atual Sistema de Solução de Controvérsias adotado no âmbito do Mercosul.

Resposta à Questão 2

O atual sistema de solução de controvérsias encontra-se disciplinado pelas normas


originárias e derivadas. Das originárias, são pertinentes o Protocolo de Brasília e os
Protocolo de Olivos, I e II, e se desenvolve nas seguintes fases: 1) Negociações Diretas; 2)
Intervenção do Grupo de Mercado Comum; 3) Contenciosa; 4) Tribunal Arbitral Ad Hoc
(facultativo); e 5) Tribunal Permanente de Revisão.

Michell Nunes Midlej Maron 57


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

Michell Nunes Midlej Maron 58


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

Tema VII

Temas do regime presidencialista.

Notas de Aula9

1. Introdução: O Estado

Manoel Gonçalves Ferreira Filho, quando leciona sobre Estado, sentencia que não
há Estado sem Poder Político. O poder faz parte da concepção do Estado e sempre esteve
presente na história da humanidade, na história das civilizações, desde o seu inicio. Seja o
Estado na forma de polis, civitas, império, landers, ou então, como Maquiavel chamou no
ano de 1523, em sua obra “O Príncipe”, a forma de organização política chamada Estado,
seja qual for a sua denominação, Estado e Poder possuem uma relação simbiótica, porque
onde há gente, onde há território, há a necessidade de tomada de decisões políticas. Então,
o poder, que é esse centro de decisões políticas, está arraigado na própria definição de
Estado.
Zimerman diz que o Estado é a forma de organização política na modernidade,
composta pelos elementos povo, território e governo, sendo que Schmidt ainda acrescenta
que o Estado, além de todos esses elementos, goza de soberania.
Existem várias formas de analisar esse Estado e a distribuição de Poder Político.
Pode se avaliar o Estado quanto a sua forma de governo, sob o ângulo da descentralização
ou não de Poder Político em termos geográficos, assim como quanto aos seus regimes ou
sistemas de governo, em que se faz a distinção entre regimes presidencialistas e
parlamentaristas, como veremos mais adiante.
Vale ressaltar que é impossível falar de regime presidencialista, sem partirmos da
premissa de que Estado e Poder Político possuem uma relação simbiótica já na
modernidade, porque nos primórdios das civilizações o Poder Político, ou seja, o centro das
decisões, esteve nas mãos de um só, do rei, do soberano, do monarca, aquele que
personificava a figura de Deus na terra e apenas prestava contas a esse entidade superior e a
mais ninguém. Essa é uma forma de governo divina.

2. Separação de poderes e os freios e contrapesos

Lord Acton já dizia, “o poder corrompe, quando centralizado nas mãos de um só”.
A necessidade de descentralização política, na modernidade, se fez presente. A separação de
poderes é um dos corolários do constitucionalismo. A Constituição Francesa de 1789 chega
a dizer que “não há constituição onde não houver separação de poderes e direitos e
garantias fundamentais”. A concentração de poderes nas mãos de um só produz massacres,
violência, e o excesso de poder nas mãos de um só é tirania.
Ao longo da história, a separação de poderes foi passando por uma série de
redefinições, sendo que Montesquieu, na obra “O espírito das leis”, escreveu que deveria
estar enraizada no sistema de freios e contrapesos, impondo a cada Poder limitações
recíprocas de Poder Político. Ou seja, cada uma das funções do Poder realiza atividades
típicas, mas não deixa de fiscalizar a atividade do outro Poder. Então, o Poder Executivo,

9
Aula ministrada pelo professor Flávia Bahia Martins, em 23/8/2010.

Lívia Dornelas Resende 59


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

administra, mas também legisla e julga; o Poder legislativo legisla e fiscaliza, mas também
administra e julga; e o juiz, além de exercer as suas atividades jurisdicionais, também
legisla e administra.
É nessa relação de freios e contrapesos que o Supremo Tribunal Federal traz a
seguinte visão: a separação de poderes, como cláusula pétrea na Carta de 1988, visa
evitar a formação de uma força hegemônica de Poder Político com a dominação
institucional de um poder pelo outro. Então não é à toa que o artigo 60, §4º, III da CRFB
prevê exatamente que não será objeto de deliberação proposta de emenda tendente a abolir
a separação de poderes à luz desse sistema de freios e contrapesos, dessa relação
harmoniosa que deve existir de limitações recíprocas entre o Poder Político:

“Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:


(…)
§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente
a abolir:
(…)
III - a separação dos Poderes;
(...)”

3. Sistemas de governo

O Estado em si está relacionado ao Poder, que já foi governado por um só, mas ao
longo da história foi se dissipando em funções ou em poderes distintos que não realizam
apenas atividades típicas, mas também realizam atividades atípicas numa relação de
fiscalização recíproca.
Dentro dessa relação entre os três Poderes, o Judiciário tem as funções bem
definidas, mas o Executivo e o Legislativo não têm essas atividades tão delimitadas assim.
Muitas vezes as relações se aproximam, e o sistema de governo pretende justamente
determinar se naquele Estado o Executivo e o Legislativo dividem funções.
Se o Executivo depende ou não do Legislativo para realizar as suas atividades
administrativas; se ele é monocrático ou se ele é dual; o Executivo precisa da confiança do
parlamento para administrar ou não; e qual é a função do parlamento na instituição desse
Poder Político. Tudo isso é definido pelo sistema de governo adotado pelo Estado.
O sistema de governo pretende identificar de que maneira os Poderes Legislativo e
Executivo se relacionam, tendo em vista que o Poder Judiciário tem seus limites de atuação
bem definidos.
As funções do Executivo se dividem em Chefia de Estado, que significa
representação perante a comunidade internacional daquele país e internamente também
representa a forma daquela federação, e de Governo, que é a própria movimentação da
administração da pública, a movimentação da máquina estatal de um país. Essas funções,
num Estado parlamentarista, são funções exercidas por autoridades distintas.
O parlamentarismo é um sistema de governo utilizado tanto pelas monarquias
quanto pelas repúblicas, sendo que o Chefe de Estado aqui é o rei ou o presidente, que
apenas representam o Estado perante a comunidade internacional, não possuindo qualquer
responsabilidade política. Já a Chefia de Governo é realizada pelo Premier ou pelo
Primeiro Ministro, que é indicado, normalmente, pelo Chefe de Estado, e aprovado pelo
Parlamento, sendo que ele só governa enquanto tiver a confiança desse órgão.

Lívia Dornelas Resende 60


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

O Primeiro Ministro nomeia membros de um Conselho de Ministros que também


tem a atuação monitorada pelo Parlamento. A responsabilidade desse conselho é solidária,
ou seja, se o Primeiro Ministro deixar de gozar da confiança do Parlamento, todos deixarão
o governo. É o sistema adotado pela Inglaterra, França, Alemanha, Austrália.
Já o regime presidencialista é típico das repúblicas, e o Chefe de Estado, que é o
Presidente, é ao mesmo tempo Chefe de Governo, e tem plena responsabilidade política e
amplas atribuições. O Poder Executivo é exercido monocraticamente pelo Presidente,
auxiliado pelos Ministros de Estado, e o Presidente não depende da confiança do
Parlamento para realizar as suas atividades, sendo que o Congresso não pode determinar a
perda da confiança no Presidente da República e, por conseguinte, destituí-lo. O Presidente
da República é eleito pelo povo, não importando se as eleições são diretas ou indiretas. É o
sistema adotado no EUA, México, África do Sul e Argentina.
No Brasil, em 1993, fomos instados a nos manifestarmos através de um plebiscito
sobre qual sistema de governo nós preferíamos, e foi escolhido o presidencialismo, mesmo
após o impeachment do Fernando Collor de Mello.
Os autores, capitaneados por Paulo Bonavides, são unânimes em afirmar que os
sistemas de governo, seja presidencialista ou parlamentarista, só se aplicam em regimes
democráticos, sejam monarquias ou repúblicas. Isso porque na ditadura há uma deturpação
completa da ordem constitucional, havendo a concentração de Poderes nas mãos de um só,
e por tempo indeterminado.

4. O presidencialismo na CRFB

O artigo 76 da CRFB é aonde está previsto que nós adotamos o regime


presidencialista. Nele está disposto que o Poder Executivo é exercido pelo Presidente da
República, auxiliado pelos Ministros de Estado, que são livremente nomeados e exonerados
pelo Presidente.

“Art. 76. O Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República,


auxiliado pelos Ministros de Estado.”

O STF, no julgamento da ADI 981, consignou que o resultado do plebiscito de 1993,


em que o povo confirmou a vontade do constituinte e escolheu o regime presidencialista,
não mais poderia ser alterado pelo Congresso Nacional sem uma prévia análise do povo.

“ADI 981 MC / PR - PARANÁ MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO


DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Relator(a): Min. NÉRI DA SILVEIRA
Julgamento: 17/12/1993
Órgão Julgador: Tribunal Pleno
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. RESOLUÇÃO
N. 1 - RCF, DO CONGRESSO NACIONAL, DE 18.11.1993, QUE
DISPÕE SOBRE O FUNCIONAMENTO DOS TRABALHOS DE
REVISÃO CONSTITUCIONAL E ESTABELECE NORMAS
COMPLEMENTARES ESPECIFICAS. AÇÃO DE
INCONSTITUCIONALIDADE AJUIZADA PELO GOVERNADOR
DO ESTADO DO PARANA. ALEGAÇÕES DE OFENSA AO

Lívia Dornelas Resende 61


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

PARAGRAFO 4. DO ART. 60 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL,


EIS QUE O CONGRESSO NACIONAL, PELO ATO
IMPUGNADO, "MANIFESTA O SOLENE DESIGNIO DE
MODIFICAR O TEXTO CONSTITUCIONAL", MEDIANTE
"'QUORUM' DE MERA MAIORIA ABSOLUTA", "EM TURNO
ÚNICO" E "VOTAÇÃO UNICAMERAL". SUSTENTA-SE, NA
INICIAL, ALÉM DISSO, QUE A REVISÃO DO ART. 3. DO ADCT
DA CARTA POLITICA DE 1988 NÃO MAIS TEM CABIMENTO,
POR QUE ESTARIA INTIMAMENTE VINCULADA AOS
RESULTADOS DO PLEBISCITO PREVISTO NO ART. 2. DO
MESMO INSTRUMENTO CONSTITUCIONAL TRANSITORIO.
"EMENDA" E "REVISÃO", NA HISTORIA CONSTITUCIONAL
BRASILEIRA. EMENDA OU REVISÃO, COMO PROCESSOS DE
MUDANCA NA CONSTITUIÇÃO, SÃO MANIFESTAÇÕES DO
PODER CONSTITUINTE INSTITUIDO E, POR SUA NATUREZA,
LIMITADO. ESTA A "REVISÃO" PREVISTA NO ART. 3. DO
ADCT DE 1988 SUJEITA AOS LIMITES ESTABELECIDOS NO
PARAGRAFO 4. E SEUS INCISOS, DO ART. 60, DA
CONSTITUIÇÃO. O RESULTADO DO PLEBISCITO DE 21 DE
ABRIL DE 1933 NÃO TORNOU SEM OBJETO A REVISÃO A
QUE SE REFERE O ART. 3. DO ADCT. APÓS 5 DE OUTUBRO
DE 1993, CABIA AO CONGRESSO NACIONAL DELIBERAR NO
SENTIDO DA OPORTUNIDADE OU NECESSIDADE DE
PROCEDER A ALUDIDA REVISÃO CONSTITUCIONAL, A SER
FEITA "UMA SÓ VEZ". AS MUDANCAS NA CONSTITUIÇÃO,
DECORRENTES DA "REVISÃO" DO ART. 3. DO ADCT, ESTAO
SUJEITAS AO CONTROLE JUDICIAL, DIANTE DAS
"CLAUSULAS PETREAS" CONSIGNADAS NO ART. 60, PAR. 4.
E SEUS INCISOS, DA LEI MAGNA DE 1988. NÃO SE FAZEM,
ASSIM, CONFIGURADOS OS PRESSUPOSTOS PARA A
CONCESSÃO DE MEDIDA LIMINAR, SUSPENDENDO A
EFICACIA DA RESOLUÇÃO N. 01, DE 1993 - RCF, DO
CONGRESSO NACIONAL, ATÉ O JULGAMENTO FINAL DA
AÇÃO. MEDIDA CAUTELAR INDEFERIDA.”

Segundo José Afonso da Silva, que mudou o seu posicionamento após esse julgado,
o sistema de governo presidencialista não pode ser alterado por uma Emenda
Constitucional sem uma consulta prévia ao povo, ressaltando que não se trata de cláusula
pétrea, mas sim uma limitação material implícita ao poder de reforma, o que veda a
possibilidade de transformação em parlamentarismo, tendo em vista o resultado do
plebiscito realizado em 1993.
O artigo 84 da CRFB também revela o sistema presidencialista, porque apresenta
atribuições do Presidente da República que ora são de Chefe de Estado, ora são de Chefe de
Governo. No primeiro caso, podemos citar como exemplo os incisos VIII, XX e XXII do
referido artigo. Quanto às demais atribuições, podemos citar os incisos IV a VI.

Lívia Dornelas Resende 62


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

A Emenda Constitucional 32, que inseriu o inciso VI no artigo 84 da CRFB,


aumentou as atribuições de Chefia de Governo do Presidente da República quando instituiu
o decreto autônomo. Veja:

“Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:


(…)
IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir
decretos e regulamentos para sua fiel execução;
V - vetar projetos de lei, total ou parcialmente;
VI - dispor, mediante decreto, sobre: (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 32, de 2001)
a) organização e funcionamento da administração federal, quando
não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos
públicos; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos;(Incluída
pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
(...)
VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a
referendo do Congresso Nacional;
(...)
XX - celebrar a paz, autorizado ou com o referendo do Congresso
Nacional;
(...)
XXII - permitir, nos casos previstos em lei complementar, que forças
estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam
temporariamente;
(...)”

Observe-se que o Presidente da República deve respeitar os limites impostos no


inciso VI do artigo 84 da CRFB ao editar o decreto autônomo. Regular além do que está
descrito nesse artigo é usurpação de atribuição do Congresso Nacional, fere a separação de
poderes, e é inconstitucional.
O decreto autônomo é uma regra primária, diferente dos decretos meramente
regulamentares, porque tem a sua base normativa extraída diretamente da Constituição.
Então, ele pode sofrer qualquer controle de constitucionalidade em face da CRFB.
Sobre a constitucionalidade do decreto autônomo previsto no inciso VI, o STF, na
ADI 2564, entendeu que não fere o princípio da reserva legal, e reforça o poder do
Presidente da República como chefe supremo da administração pública federal:

“ADI 2564 / DF - DISTRITO FEDERAL. AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE Relator(a): Min. ELLEN GRACIE.
Julgamento: 08/10/2003. Órgão Julgador: Tribunal Pleno.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DECRETO N.º
4.010, DE 12 DE NOVEMBRO DE 2001. PAGAMENTO DE
SERVIDORES PÚBLICOS DA ADMINISTRAÇÃO FEDERAL.
LIBERAÇÃO DE RECURSOS. EXIGÊNCIA DE PRÉVIA
AUTORIZAÇÃO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA. Os artigos

Lívia Dornelas Resende 63


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

76 e 84, I, II e VI, a, todos da Constituição Federal, atribuem ao


Presidente da República a posição de Chefe supremo da
administração pública federal, ao qual estão subordinados os
Ministros de Estado. Ausência de ofensa ao princípio da reserva
legal, diante da nova redação atribuída ao inciso VI do art. 84 pela
Emenda Constitucional nº 32/01, que permite expressamente ao
Presidente da República dispor, por decreto, sobre a organização e o
funcionamento da administração federal, quando isso não implicar
aumento de despesa ou criação de órgãos públicos, exceções que não
se aplicam ao Decreto atacado. Ação direta de inconstitucionalidade
cujo pedido se julga improcedente.”

“INFORMATIVO Nº 324. Liberação de Recursos: Autorização


Presidencial. PROCESSO: ADI - 2564
Julgado improcedente o pedido formulado em ação direta ajuizada
pelo Partido Comunista do Brasil - PC do B contra o Decreto
4.010/2001, que vincula a liberação dos recursos para pagamento dos
servidores da Administração Pública Federal direta, autárquica e
fundacional, à expressa autorização do Presidente da República. O
Tribunal considerou não caracterizada, na espécie, a alegada ofensa
ao princípio da reserva legal - dado que o art. 84, VI, da CF, na
redação dada pela EC 32/2001 permite ao Presidente da República
dispor, por decreto, sobre a organização e o funcionamento da
administração federal quando isso não implicar aumento de despesa
ou criação de órgãos públicos -, afastando, ainda, a argumentação do
requerente de que a norma impugnada privaria os ministros de Estado
da atuação nas áreas de sua competência, já que, na forma prevista
nos artigos 76 e 84, II, da CF, o Poder Executivo é exercido pelo
Presidente da República, com o auxílio dos ministros de Estado. ADI
2.564-DF, rel. Ministra Ellen Gracie, 8.10.2003. (ADI-2564)”

5. Princípio republicano na CRFB

O presidencialismo é sistema de governo típico do regime político republicano. O


regime político é a relação que se dá entre governantes e governados e a forma de
instituição de poder político. As formas de governos são: a monarquia, que normalmente
tem como sistema de governo o parlamentarismo, e a república, que normalmente tem
como sistema de governo o presidencialismo.
Na monarquia o Poder é instituído pode Deus e, por essa razão, o monarca exercerá
o poder até morrer e transmitirá esse poder a seus sucessores legítimos – daí porque se
afirma que a monarquia é vitalícia e hereditária. Ressalte-se que essa é a monarquia
existente antes de se instaurar a separação de poderes. Hoje em dia, nós não temos mais
monarquias absolutistas, mas sim constitucionalistas.
Com efeito, considerando que o rei somente presta contas de seu governo a Deus,
tem-se como característica da monarquia absolutista a irresponsabilidade política do
governante. Hoje, essa irresponsabilidade é ponderada pela supremacia da constituição.

Lívia Dornelas Resende 64


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

A República – res publicae – traduz o governo do povo e é uma forma de governo


em que se tem como características: as eleições periódicas, mandatos temporários,
necessidade premente de alternância de poder político e a responsabilidade política dos
governantes.
O Princípio Republicano se encontra na CRFB no artigo 1º como um fundamento da
República Federativa do Brasil, é também um princípio constitucional sensível no artigo
34, inciso VII, alínea “a”, e, segundo a doutrina, é uma limitação implícita ao poder
reformador, tendo em vista o resultado do plebiscito do ano de 1993.

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união


indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,
constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio
de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta
Constituição.”

“Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal,
exceto para:
(…)
VII - assegurar a observância dos seguintes princípios
constitucionais:
a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;
(...)”

6. Reeleição

O Brasil não tem tradição de reeleição para os membros do Poder Executivo,


tratando-se que uma experiência constitucional nova, instituída pela Emenda Constitucional
16/97, de proposta do então Presidente Fernando Henrique Cardoso, que alterou o § 5º no
artigo 14 da CRFB:

“Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e


pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos
da lei, mediante:
(…)
§ 5º O Presidente da República, os Governadores de Estado e do
Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou
substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um
único período subseqüente.(Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 16, de 1997)

Lívia Dornelas Resende 65


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

§ 6º - Para concorrerem a outros cargos, o Presidente da República,


os Governadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos devem
renunciar aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito.”

A questão que se coloca desde então é: será que a reeleição é democrática? Ou será
que ela fere o princípio republicano e presidencialista? Na ocasião do julgamento, o STF
valeu-se muito do direito comparado, trazendo, principalmente, a visão norte-americana.
Avaliando o republicanismo e o presidencialismo dos EUA, entendeu que a existência de
dois mandatos consecutivos para a realização de atividades do Poder Executivo não
comprometem, em princípio, nem a forma de governo, nem o regime democrático. Ocorre
que o STF esqueceu de considerar que nos EUA o mesmo governante somente pode ser
chefe de governo por duas oportunidades na vida, sejam elas consecutivas ou não. No
nosso país, ficou instituído que a reeleição consecutiva somente poderá de dar por dois
mandatos, mas nada impede que, após no mínimo uma legislatura afastado do Poder
Executivo, um ex-Presidente se candidate novamente.
Torna-se importante relembrar que, ano passado, no Brasil, chegou-se a especular
sobre a treeleição e, o que até então era apenas um grande boato, acabou se tornando
proposta de emenda constitucional perante o Congresso Nacional, com a adesão de cento e
noventa e oito deputados federais apoiando essa tese. Será que é possível se questionar a
constitucionalidade desse terceiro mandato à luz da forma de governo republicana, a luz do
regime democrático? Com certeza que sim, e é certo que se essa emenda constitucional
fosse aprovada, ela seria imediatamente objeto de uma ADI.
O terceiro mandato não é democrático. Fere o princípio republicano e o
presidencialismo, porque no sistema e na forma de governo adotado no Brasil, o mandato
tem que ser temporário, vez que a alternância de poder político é uma marca. Afora isso, se
diz que numa república e num presidencialismo o poder não é personificado. Então, o
“Chavismo”, “Peronismo”, “Lulismo”, são totalmente antidemocráticos, porque o Poder é
impessoal e um terceiro mandato, de certa maneira, configuraria uma personificação do
atual Presidente no Poder.
Além disso, haveria uma quebra da separação de poderes, uma vez que os Ministros
do STF são nomeados pelo Presidente da República. Com oito anos de mandato, o Lula já
nomeou sete ministros do STF e ainda nomeará outro para ocupar o lugar do Eros Grau. Se
fosse conferido mais um mandato de quatro anos ao Lula, ele certamente nomearia mais.
Isso dá margem para que os Ministros se “julguem” impedidos por convicção pessoal,
sendo certo que é o STF quem tem competência para julgar o Presidente da República por
crime comum, assim como as principais ações que são propostas em face dele.
Note que a EC 16/97 que alterou a redação do §5º do artigo 14 da CRFB/88, não
alterou o §6º do mesmo artigo para exigir a desincompatibilização do Chefe do Poder
Executivo pelo período de seis meses anteriores para se candidatar à reeleição, mantendo
essa exigência apenas se ele for se candidatar a outro cargo, como se vê no § 6º do artigo 14
da CRFB, supra.
Nesse sentido, o Presidente da República, o Governador e o Prefeito que se
candidatarem à reeleição, podem permanecer no cargo durante todo o período de campanha
eleitoral e de eleições, o que configuram um evidente abuso de poder e utilização da
máquina estatal para fazer campanha.
Por conta disso, em 1998 foi proposta Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.805,
que teve a sua medida cautelar indeferida por entender que não há configuração de

Lívia Dornelas Resende 66


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

relevância jurídica dos fundamentos da inicial, para a concessão da liminar pleiteada,


visando à suspensão de vigência dos referidos dispositivos até o julgamento final da ação.
Essa ADI ainda encontra-se pendente de julgamento, mas já há parecer do Procurador Geral
da República pugnando pela improcedência do pedido.

“ADI 1805 MC / DF - DISTRITO FEDERAL. MEDIDA


CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. Relator Min. NÉRI DA SILVEIRA.
Julgamento: 26/03/1998. Órgão Julgador: Tribunal Pleno
EMENTA: - Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Art. 14, § 5º, da
Constituição, na redação dada pela Emenda Constitucional nº
16/1997. 3. Reeleição do Presidente da República, dos Governadores
de Estado e do Distrito Federal e dos Prefeitos, bem como dos que os
hajam sucedido ou substituído no curso dos mandatos, para um único
período subseqüente. 4. Alegação de inconstitucionalidade a) da
interpretação dada ao parágrafo 5º do art. 14 da Constituição, na
redação da Emenda Constitucional nº 16/1997, ao não exigir a
renúncia aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito,
para o titular concorrer à reeleição; b) do § 2º do art. 73 e do art. 76,
ambos da Lei nº 9.504, de 30.7.1997; c) das Resoluções do Tribunal
Superior Eleitoral nºs 19.952, 19.953, 19.954 e 19.955, todas de
2.9.1997, que responderam, negativamente, a consultas sobre a
necessidade de desincompatibilização dos titulares do Poder
Executivo para concorrer à reeleição. 5. Não conhecimento da ação
direta de inconstitucionalidade, no que concerne às Resoluções
referidas do TSE, em respostas a consultas, porque não possuem a
natureza de atos normativos, nem caráter vinculativo. 6. Na redação
original, o § 5º do art. 14 da Constituição era regra de inelegibilidade
absoluta. Com a redação resultante da Emenda Constitucional nº
16/1997, o § 5º do art. 14 da Constituição passou a ter a natureza de
norma de elegibilidade. 7. Distinção entre condições de elegibilidade
e causas de inelegibilidade. 8. Correlação entre inelegibilidade e
desincompatibilização, atendendo-se esta pelo afastamento do cargo
ou função, em caráter definitivo ou por licenciamento, conforme o
caso, no tempo previsto na Constituição ou na Lei de
Inelegibilidades. 9. Não se tratando, no § 5º do art. 14 da
Constituição, na redação dada pela Emenda Constitucional nº
16/1997, de caso de inelegibilidade, mas, sim, de hipótese em que se
estipula ser possível a elegibilidade dos Chefes dos Poderes
Executivos, federal, estadual, distrital, municipal e dos que os hajam
sucedido ou substituído no curso dos mandatos, para o mesmo cargo,
para um período subseqüente, não cabe exigir-lhes
desincompatibilização para concorrer ao segundo mandato, assim
constitucionalmente autorizado. 10. Somente a Constituição poderia,
de expresso, estabelecer o afastamento do cargo, no prazo por ela
definido, como condição para concorrer à reeleição prevista no § 5º

Lívia Dornelas Resende 67


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

do art. 14, da Lei Magna, na redação atual. 11. Diversa é a natureza


da regra do § 6º do art. 14 da Constituição, que disciplina caso de
inelegibilidade, prevendo-se, aí, prazo de desincompatibilização. A
Emenda Constitucional nº 16/1997 não alterou a norma do § 6º do
art. 14 da Constituição. Na aplicação do § 5º do art. 14 da Lei Maior,
na redação atual, não cabe, entretanto, estender o disposto no § 6º do
mesmo artigo, que cuida de hipótese distinta. 12. A exegese conferida
ao § 5º do art. 14 da Constituição, na redação da Emenda
Constitucional nº 16/1997, ao não exigir desincompatibilização do
titular para concorrer à reeleição, não ofende o art. 60, § 4º, IV, da
Constituição, como pretende a inicial, com expressa referência ao art.
5º, § 2º, da Lei Maior. 13. Não são invocáveis, na espécie, os
princípios da proporcionalidade e razoabilidade, da isonomia ou do
pluripartidarismo, para criar, por via exegética, cláusula restritiva da
elegibilidade prevista no § 5º do art. 14, da Constituição, na redação
da Emenda Constitucional nº 16/1997, com a exigência de renúncia
seis meses antes do pleito, não adotada pelo constituinte derivado. 14.
As disposições do art. 73, § 2º, e 76, da Lei nº 4.504/1997, hão de ser
visualizadas, conjuntamente com a regra do art. 14, § 5º, da
Constituição, na redação atual. 15. Continuidade administrativa e
reeleição, na concepção da Emenda Constitucional nº 16/1997.
Reeleição e não afastamento do cargo. Limites necessários no
exercício do poder, durante o período eleitoral, sujeito à fiscalização
ampla da Justiça Eleitoral, a quem incumbe, segundo a legislação,
apurar eventuais abusos do poder de autoridade ou do poder
econômico, com as conseqüências previstas em lei. 16. Não
configuração de relevância jurídica dos fundamentos da inicial, para
a concessão da liminar pleiteada, visando a suspensão de vigência,
até o julgamento final da ação, das normas infraconstitucionais
questionadas, bem assim da interpretação impugnada do § 5º do art.
14 da Constituição, na redação da Emenda Constitucional nº 16/1997,
que não exige de Chefe de Poder Executivo, candidato à reeleição, o
afastamento do cargo, seis meses antes do pleito. 17. Ação direta de
inconstitucionalidade conhecida, tão-só, em parte, e indeferida a
liminar na parte conhecida.”

“INFORMATIVO Nº 104. ADIn e Emenda à CF – 2.


ARTIGO: Em seguida, o Tribunal, por maioria, indeferiu a medida
liminar em que se requeria fosse concedida interpretação conforme à
Constituição Federal ao mencionado § 5º, do art. 14, da CF,
pretendendo a aplicação, aos casos de reeleição para o mesmo cargo,
da renúncia do mandato prevista no § 6º do mesmo art. 14, da CF
("Para concorrerem a outros cargos, o Presidente da República, os
Governadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos devem
renunciar aos respectivos mandatos até seis m eses antes do pleito.").
À primeira vista, entendeu-se não ser possível interpretar a CF de
modo a criar cláusula restritiva de direitos políticos não prevista,

Lívia Dornelas Resende 68


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

expressamente, no texto constitucional. Considerou-se, ainda, que a


tese sustentada pelos aut ores da ação - ofensa aos princípios
constitucionais da razoabilidade, da proporcionalidade, da isonomia e
da moralidade na administração (CF, art. 60, § 4º, IV c/c § 2º, do art.
5º) - não possuía a relevância jurídica necessária para justificar a
conces são de medida liminar, uma vez que não restou comprovada a
ofensa direta a nenhuma das cláusulas pétreas pelo mencionado § 5º,
do art. 14, da CF, porquanto não se declara a inconstitucionalidade de
ato normativo por violação ao sistema da CF, mas apenas a
dispositivo expresso desta. Vencido o Min. Marco Aurélio, que
deferia a cautelar por entender que não se poderia emprestar alcance
ao § 5º do art. 14, da CF, de modo a que os candidatos à reeleição
permanecessem nos seus respectivos cargos sem a necessidade da
desincompatibilização, sob pena de conflito com o sistema
constitucional em vigor. ADInMC 1.805-DF, rel. Min. Néri da
Silveira, 26.3.98.”

“INFORMATIVO Nº 104. Consulta ao TSE: Natureza


Administrativa.
ARTIGO: Não se conhece de ação direta ajuizada contra resposta do
TSE à consulta prevista no art. 23, inciso XII, do Código Eleitoral
("Compete ainda, privativamente, ao Tribunal Superior: ... XII -
responder, sobre matéria eleitoral, às consultas que lhe forem feitas
em tese por autoridade com jurisdição federal ou órgão nacional de
partido político.") por tratar-se de ato de caráter administrativo, sem
eficácia vinculativa, insusceptível de controle abstrato de
constitucionalidade. Com esse fundamento, o Tribunal não conheceu
em parte de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada por
diversos partidos políticos - PDT, PT, PC do B e PL - no ponto em
que impugna as Resoluções nºs 19.952, 19.953, 19.954, 19.955, todas
de 1997, do TSE, que responderam a consulta sobre a necessidade de
desincompatibilização do Presidente da República, Governadores e
Prefeitos, candidatos à reeleição. ADInMC 1.805-DF, rel. Min. Néri
da Silveira, 26.3.98.”

7. As medidas provisórias e o regime presidencialista

O artigo 62 da CRFB dispõe que o Presidente da República pode adotar medidas


provisórias, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional que decidirá sobre a
sua manutenção ou não, veja:

“Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da


República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei,
devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

Lívia Dornelas Resende 69


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

I - relativa a: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)


a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e
direito eleitoral; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de
2001)
b) direito penal, processual penal e processual civil; (Incluído pela
Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira
e a garantia de seus membros; (Incluído pela Emenda Constitucional
nº 32, de 2001)
d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos
adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º;
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
II - que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou
qualquer outro ativo financeiro; (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 32, de 2001)
III - reservada a lei complementar; (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 32, de 2001)
IV - já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso
Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República.
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
§ 2º Medida provisória que implique instituição ou majoração de
impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só
produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido
convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada.
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
§ 3º As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12
perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no
prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por
igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto
legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes. (Incluído pela
Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
§ 4º O prazo a que se refere o § 3º contar-se-á da publicação da
medida provisória, suspendendo-se durante os períodos de recesso do
Congresso Nacional.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de
2001)
§ 5º A deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional
sobre o mérito das medidas provisórias dependerá de juízo prévio
sobre o atendimento de seus pressupostos constitucionais. (Incluído
pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
§ 6º Se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco
dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência,
subseqüentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional,
ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais
deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando. (Incluído
pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

Lívia Dornelas Resende 70


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

§ 7º Prorrogar-se-á uma única vez por igual período a vigência de


medida provisória que, no prazo de sessenta dias, contado de sua
publicação, não tiver a sua votação encerrada nas duas Casas do
Congresso Nacional. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de
2001)
§ 8º As medidas provisórias terão sua votação iniciada na Câmara dos
Deputados. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
§ 9º Caberá à comissão mista de Deputados e Senadores examinar as
medidas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem
apreciadas, em sessão separada, pelo plenário de cada uma das Casas
do Congresso Nacional. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32,
de 2001)
§ 10. É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida
provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia
por decurso de prazo. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de
2001)
§ 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até
sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida
provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos
praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas.
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
§ 12. Aprovado projeto de lei de conversão alterando o texto original
da medida provisória, esta manter-se-á integralmente em vigor até
que seja sancionado ou vetado o projeto.(Incluído pela Emenda
Constitucional nº 32, de 2001).”

No entanto, há quem diga que a medida provisória é um resquício da vontade dos


Congressistas de instaurar um sistema de governo parlamentarista no país, e que foi
atipicamente trazida para o sistema de governo presidencialista. Isso porque, no sistema
parlamentarista, a medida provisória é editada pelo Chefe de Governo, que é o Primeiro
Ministro, que só governa enquanto gozar da confiança do parlamento. Assim sendo, se num
sistema parlamentarista o Primeiro Ministro se excede ao editar medidas provisórias, ele
perderá a confiança e será derrubado pelo Parlamento. Por isso, há um controle muito mais
rigoroso na edição das MPs no sistema parlamentarista do que no presidencialista.
Já no sistema presidencialista, as medidas provisórias são editadas quase que
diariamente e o Presidente da República não é derrubado porque perdeu a confiança do
Congresso Nacional.
O STF, até 2002, entendia que não podia avaliar os requisitos de relevância e
urgência para a edição de medida provisória, porque tratar-se-ia de uma violação à
separação de poderes. Todavia, desde então, o STF começou a perceber que se não mudasse
o seu entendimento, o excesso de MPs seria ainda mais devastador para o nosso pais. Hoje,
a Corte Suprema entende ser possível a declaração de inconstitucionalidade de uma medida
provisória que tenha se excedido nos requisitos de relevância e urgência.
A relevância é analisada sob um ponto de vista mais material, ou seja, uma medida
provisória é relevante do ponto de vista social, econômico, previdenciário, tributário.
Assim, quase todas as medidas provisórias são relevantes. Mas muitas das vezes falta-lhes a
urgência, que consiste numa situação inesperada que justifica a edição de uma espécie

Lívia Dornelas Resende 71


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

normativa pelo Presidente da República, sem passar por toda a tramitação do processo
legislativo pelo Congresso Nacional.
Veja o informativo de jurisprudência do STF sobre o assunto:

“INFORMATIVO Nº 527. MP: Requisitos de Imprevisibilidade e


Urgência e Análise pelo Supremo – 2. ADI - 4049
Em seguida, rejeitou-se, de igual modo, o eventual prejuízo da ação
direta em face da conversão da Medida Provisória 402/2007 na Lei
11.656/2008. Após esclarecer que inexistiu alteração substancial por
efeito dessa conversão e de que houve pedido de aditamento à inicial,
aplicou-se a orientação fixada pelo Supremo no sentido da ausência
de óbice processual ao julgamento da ação direta de
inconstitucionalidade, porque a lei de conversão não convalida os
vícios existentes na medida provisória. No mérito, entendeu-se,
também na linha do aludido precedente (ADI 4048 MC/DF), que
nenhuma das despesas a que faz referência a norma impugnada se
ajusta aos conceitos de imprevisibilidade e urgência exigidos pelo §
3º do art. 167 da CF, destinando-se ela, ao contrário, “à execução de
investimentos e de despesas de custeio imprescindíveis ao
desenvolvimento de ações do Governo Federal.” Concluiu-se que
estaria caracterizada, na hipótese, uma tentativa de contornar a
vedação imposta pelo inciso V do art. 167 da CF, visto que a Medida
Provisória 402/2007 categoriza como de natureza extraordinária
crédito que, em verdade, não passa de especial, ou, então,
suplementar, tipos que dependem de prévia autorização legislativa.
Vencidos os Ministros Menezes Direito e Cezar Peluso, que
denegavam a cautelar ao fundamento de não ser possível ao Supremo
substituir-se no exame da urgência ou da imprevisibilidade das
providências tomadas no campo do Poder Executivo em termos de
crédito extraordinário. Vencido, também, o Min. Ricardo
Lewandowski, que admitia a aferição desses pressupostos pelo
Judiciário apenas em casos de abuso de poder ou desvio de
finalidade, o que não teria ocorrido na espécie, e salientava, ainda,
que o § 3º do art. 167 da CF apresenta um rol exemplicativo e não
taxativo, e o Min. Eros Grau, que, reputando possível essa aferição,
considerava, entretanto, tendo em conta os argumentos do Min.
Ricardo Lewandowski, presentes, no caso, os referidos pressupostos.
ADI 4049 MC/DF, rel. Min. Carlos Britto, 5.11.2008. (ADI-4049)”
8. Comissão parlamentar de inquérito

As CPIs estão ligadas à idéia de separação de poderes, ao sistema de freios e


contrapesos, mais especificamente, de fiscalização do Poder Executivo, de verba pública e
de sua destinação, de assuntos de interesse nacional e de instrumento de limitação do Poder
Político.

Lívia Dornelas Resende 72


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

A CRFB pela primeira vez equiparou os poderes da CPI a alguns poderes do


Judiciário, sendo certo que o STF vem mitigando essa equiparação cada vez mais, à luz do
princípio da reserva de jurisdição, do poder de cautela do juiz e da separação de poderes.
Como se sabe, a CPI pode determinar a quebra do sigilo de dados bancário,
telefônicos e fiscais dos investigados; pode convocar autoridades para depor ou para
participar das audiências; pode determinar a realização de perícias pelos Tribunais de
Contas, ou auditorias; pode colher depoimentos, determinando inclusive a condução
coercitiva das testemunhas. No entanto, a CPI não pode determinar interceptação
telefônica, nem violação de domicílio; não pode realizar busca e apreensão ou qualquer
outra constrição no patrimônio dos investigados; não pode ordenar prisão cautelar de
ninguém, assim como não pode impedir que qualquer pessoa saia do país ou de
determinada localidade.

9. As imunidades do Presidente da República

O Presidente da República goza de imunidade formal quanto à prisão, quanto ao


processo e também quanto à cláusula de irresponsabilidade penal relativa. Quanto à prisão,
o § 3º do artigo 86 da CRFB dispõe que o Presidente da República somente pode ser preso
se houver sentença penal condenatória transitada em julgado. Quanto à processo, ele
somente pode ser levado a julgamento após o juízo de admissibilidade que é feito sempre
pela Câmara dos Deputados. Se ela aceitar a acusação, o STF pode instaurar o processo
criminal contra o Presidente ou se a Câmara do Deputados aceitar a acusação, o Senado
poderá julgar o impeachment do Chefe do Poder Executivo Nacional por crime de
responsabilidade. Isso está previsto no caput do artigo 86 da CRFB/88.
No que tange à clausula de irresponsabilidade penal relativa, esta está prevista no
§4º do artigo 86 da CRFB/88 que dispõe que o Presidente da República, na vigência de seu
mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.
Trata-se da cláusula do rei, sendo esta extremamente derrogatória da responsabilidade do
Presidente da República.

“Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por


dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a
julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais
comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de
responsabilidade.
§ 1º - O Presidente ficará suspenso de suas funções:
I - nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-
crime pelo Supremo Tribunal Federal;
II - nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo
pelo Senado Federal.
§ 2º - Se, decorrido o prazo de cento e oitenta dias, o julgamento não
estiver concluído, cessará o afastamento do Presidente, sem prejuízo
do regular prosseguimento do processo.
§ 3º - Enquanto não sobrevier sentença condenatória, nas infrações
comuns, o Presidente da República não estará sujeito a prisão.

Lívia Dornelas Resende 73


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

§ 4º - O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não


pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas
funções.”

Ressalte-se que a prescrição dos crimes cometidos pelo Presidente durante o


mandato acaba não sendo interrompida, porque não pode haver persecução penal dele
durante o exercício de seu mandado, sendo que conforme artigo 117, inciso I, do CP o que
interromperia a prescrição nesse caso seria o recebimento da denúncia pelo juízo, o que não
irá ocorrer. Veja jurisprudência do STF sobre o assunto:

“O que o art. 86, § 4º, confere ao Presidente da República não é


imunidade penal, mas imunidade temporária à persecução penal: nele
não se prescreve que o Presidente é irresponsável por crimes não
funcionais praticados no curso do mandato, mas apenas que, por tais
crimes, não poderá ser responsabilizado, enquanto não cesse a
investidura na presidência. Da impossibilidade, segundo o art. 86, §
4º, de que, enquanto dure o mandato, tenha curso ou se instaure
processo penal contra o Presidente da República por crimes não
funcionais, decorre que, se o fato é anterior à sua investidura, o
Supremo Tribunal não será originariamente competente para a ação
penal, nem consequentemente para o habeas corpus por falta de justa
causa para o curso futuro do processo. Na questão similar do
impedimento temporário à persecução penal do Congressista, quando
não concedida a licença para o processo, o STF já extraíra, antes que
a Constituição o tornasse expresso, a suspensão do curso da
prescrição, até a extinção do mandato parlamentar: deixa-se, no
entanto, de dar força de decisão à aplicabilidade, no caso, da mesma
solução, à falta de competência do Tribunal para, neste momento,
decidir a respeito. (HC 83.154, Rel. Min. Sepúlveda Pertence,
julgamento em 11-9-2003, Plenário, DJ de 21-11-2003.)”
“A imunidade do chefe de Estado à persecução penal deriva de
cláusula constitucional exorbitante do direito comum e, por traduzir
consequência derrogatória do postulado republicano, só pode ser
outorgada pela própria CF. Precedentes: RTJ 144/136, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence; RTJ 146/467, Rel. Min. Celso de Mello. (ADI
1.021, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 19-10-1995,
Plenário, DJ de 24-11-1995.)”

“O art. 86, § 4º, da Constituição, ao outorgar privilégio de ordem


político-funcional ao Presidente da República, excluiu-o, durante a
vigência de seu mandato – e por atos estranhos ao seu exercício –, da
possibilidade de ser ele submetido, no plano judicial, a qualquer ação
persecutória do Estado. A cláusula de exclusão inscrita nesse preceito
da Carta Federal, ao inibir a atividade do poder público, em sede
judicial, alcança as infrações penais comuns praticadas em momento
anterior ao da investidura no cargo de chefe do Poder Executivo da
União, bem assim aquelas praticadas na vigência do mandato, desde

Lívia Dornelas Resende 74


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

que estranhas ao ofício presidencial. A norma consubstanciada no art.


86, § 4º, da Constituição, reclama e impõe, em função de seu caráter
excepcional, exegese estrita, do que deriva a sua inaplicabilidade a
situações jurídicas de ordem extrapenal. O Presidente da República
não dispõe de imunidade, quer em face de ações judiciais que visem a
definir-lhe a responsabilidade civil, quer em função de processos
instaurados por suposta prática de infrações político-administrativas,
quer, ainda, em virtude de procedimentos destinados a apurar, para
efeitos estritamente fiscais, a sua responsabilidade tributária. A
Constituição do Brasil não consagrou, na regra positivada em seu art.
86, § 4º, o princípio da irresponsabilidade penal absoluta do
Presidente da República. O chefe de Estado, nos ilícitos penais
praticados in officio ou cometidos propter officium, poderá, ainda
que vigente o mandato presidencial, sofrer a persecutio criminis,
desde que obtida, previamente, a necessária autorização da Câmara
dos Deputados. (Inq 672-QO, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento
em 16-9-1992, Plenário, DJ de 16-4-1993.)”

Segundo o STF, como o único Chefe de Estado é o Presidente da República, à luz


do Princípio Republicano, a regra é a responsabilidade, e não a irresponsabilidade dos
Governadores e Prefeitos, pois esses são apenas Chefes de Governo. Com isso, a imunidade
formal quanto à prisão do artigo 86, §3º da CRFB, assim como a cláusula de
irresponsabilidade penal prevista no §4º do mesmo artigo, são exclusivas do Presidente da
República e não podem ser estendidas a Governadores e Prefeitos. Veja a jurisprudência:

“Os Governadores de Estado – que dispõem de prerrogativa de foro


ratione muneris, perante o Superior Tribunal de Justiça (CF, art. 105,
I, a) – estão sujeitos, uma vez obtida a necessária licença da
respectiva Assembleia Legislativa (RTJ 151/978-979 – RTJ 158/280
– RTJ 170/40-41 – Lex/Jurisprudência do STF 210/24-26), a
processo penal condenatório, ainda que as infrações penais a eles
imputadas sejam estranhas ao exercício das funções governamentais.
(HC 80.511, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 21-8-2001,
Segunda Turma, DJ de 14-9-2001.)”

“"Os Estados-membros não podem reproduzir em suas próprias


Constituições o conteúdo normativo dos preceitos inscritos no art. 86,
§ 3º e § 4º, da Carta Federal, pois as prerrogativas contempladas
nesses preceitos da Lei Fundamental – por serem unicamente
compatíveis com a condição institucional de chefe de Estado – são
apenas extensíveis ao Presidente da República. (ADI 978, Rel. p/ o
ac. Min. Celso de Mello, julgamento em 19-10-1995, Plenário, DJ de
24-11-1995.)”

Casos Concretos

Lívia Dornelas Resende 75


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

Questão 1

Durante investigações realizadas por uma Comissão Parlamentar de Inquérito na


Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, destinada a investigar denúncias de
irregularidades e de corrupção na LOTERJ e no RIOPREVIDÊNCIA, a Mesa Diretora
decide oficiar ao Banco Central para que este informe sobre a movimentação financeira
dos investigados.O Banco Central, por sua vez, recusa-se a oferecer os dados requeridos,
alegando o sigilo dos dados bancários dos investigados, bem como a quebra do pacto
federativo, uma vez que o art. 4º da Lei Complementar 105/2001 somente autoriza o
fornecimento de dados bancários, pelo Banco Central, ao Poder Legislativo
Federal.Responda fundamentadamente se a Mesa Diretora poderia tomar a decisão de
oficiar ao Banco Central, bem como se a conduta do Banco foi correta.

Resposta à Questão 1

Na ACO 730/RJ, o STF decidiu que os Estados membros, em nome do Princípio da


Separação dos Poderes e da Cláusula Federativa, podem criar as suas CPI’s com poderes
equiparados à CPI’s no âmbito federal. Em que pese não existir previsão na LC 105/2001,
com base no artigo 58, §3º, a CPI Estadual tem poderes de oficiar as instituições bancárias,
determinando a quebra do sigilo de dados, devendo, entretanto, manter em segredo essas
informações em nome da intimidade e vida privada.

“ACO 730 / RJ - RIO DE JANEIRO - AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA.


Relator Min. JOAQUIM BARBOSA. Julgamento: 22/09/2004.
Órgão Julgador: Tribunal Pleno.
EMENTA: AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA. MANDADO DE
SEGURANÇA. QUEBRA DE SIGILO DE DADOS BANCÁRIOS
DETERMINADA POR COMISSÃO PARLAMENTAR DE
INQUÉRITO DE ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA. RECUSA DE
SEU CUMPRIMENTO PELO BANCO CENTRAL DO BRASIL.
LEI COMPLEMENTAR 105/2001. Potencial conflito federativo (cf.
ACO 730-QO). Federação. Inteligência. Observância obrigatória,
pelos estados-membros, de aspectos fundamentais decorrentes do
princípio da separação de poderes previsto na Constituição federal de
1988. Função fiscalizadora exercida pelo Poder Legislativo.
Mecanismo essencial do sistema de checks-and-counterchecks
adotado pela Constituição federal de 1988. Vedação da utilização
desse mecanismo de controle pelos órgãos legislativos dos estados-
membros. Impossibilidade. Violação do equilíbrio federativo e da
separação de Poderes. Poderes de CPI estadual: ainda que seja omissa
a Lei Complementar 105/2001, podem essas comissões estaduais
requerer quebra de sigilo de dados bancários, com base no art. 58, §
3º, da Constituição. Mandado de segurança conhecido e parcialmente
provido.”

Lívia Dornelas Resende 76


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

Tema VIII

Temas do regime federativo.

Notas de Aula10

1. Introdução

Tratar de Presidencialismo, Republicanismo, Federalismo é tratar de Estado, por


serem características e propriedades ínsitas a ele. O Estado é uma forma de organização
política na modernidade que tem como elementos clássicos o povo, o território, o governo e
a soberania.
Estado, na história da humanidade, sempre foi visto como mais forte o Poder
concentrado, como por exemplo o Estado totalitário. A dissipação de Poder Político em
termos geográficos, como ocorre na atualidade, é uma novidade na história da Teoria do
Estado, no Direito Constitucional.
Aqui importa remeter aos Estado Unidos, berço do Federalismo no mundo, no final
do Século XVIII, sendo que até hoje não existem tantas federações assim, porque existem
mais Estados unitários do que Estados federativos. Existem apenas 26 federações no
mundo.
As duas formas de Estado que mais se destacam no mundo hoje são o Estado
Unitário e o Federativo.
O Estado Unitário é altamente concentrado, onde a relação entre as vontades
regionais e locais está subordinada pela vontade central. O Poder é relacionado em um grau
de subordinação e não de colaboração. As unidades regionais e locais são meramente
divisões administrativas, não exercendo qualquer poder político, porque não legislam, não
governam. O Poder nesses Estados é altamente concentrado, somente havendo um
legislativo, um executivo e um judiciário para o Estado todo. Não há uma relação de
coordenação internamente.
O modelo de Estado composto federativo é novo e tem raiz no Século XVIII nos
Estados Unidos e consiste numa forma de Estado bem diferente, onde há verdadeira
descentralização geográfica de poder político. A relação entre o Poder Central e as
vontades regionais e locais é regida pela coordenação entre eles.
Paulo Bonavides ensina que não há Estado federativo sem estados-membros. Esses
são os típicos entes federativos. O poder político é diluído entre o poder central e o poder
regional, representado pelos estados-membros. A Federação brasileira é atípica, porque é
uma federação de municípios, porque aqui eles são considerados entes federativos, sendo
que em qualquer outro lugar eles não são.
Ao contrário do que muitos autores defendem, Augusto Zimmerman defende que é
possível que os municípios sejam entes federativos, porque o Poder Constituinte Originário
é livre juridicamente, não havendo necessidade de se seguir estritamente a forma que o
10
Aula ministrada pela professora Flávia Bahia Martins, em 23/8/2010.

Lívia Dornelas Resende 77


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

Direito comparado segue. O Poder Constituinte Originário não está limitado juridicamente
por nenhuma outra federação e nem por qualquer dogma.

2. Estado federativo

No Estado federativo tem-se uma raiz principal que o identifica, qual seja a
autonomia dos Entes Federativos que é representada pela tríplice capacidade de auto-
organização, de auto governo e de auto-administração.
Uma federação é marcada pela união de autonomias vinculadas por uma soberania e
protegida por uma Constituição. Os entes federativos são a União, os Estados, o Distrito
Federal e os municípios. Os territórios não são entes porque não lhe foi dada autonomia,
cada ente isoladamente é uma pessoa jurídica de direito público interno, mas o somatório
desses entes faz nascer a República Federativa do Brasil, sendo essa uma pessoa jurídica de
direito público externa.
A República Federativa do Brasil guarda soberania e cada ente federativo
isoladamente goza de autonomia, ou seja, gozam de capacidade de poder político que é
internamente observada e a soberania pode ser avaliada sob o aspecto internacional.

3. História da federação

Paulo Bonavides quando trata do tema federação deixa bem claro que saber como se
operou o início da história da federação significa conhecer um pouco mais do Estado
Federativo de hoje.
Ao avaliarmos a federação norte-americana e a federação brasileira, encontramos
muitas diferenças. Na federação norte-americana cada ente é independente em relação aos
outros, sendo uns mais liberais, outros mais conservadores, cada um com a sua legislação
própria que muitas das vezes se distingue por completo das demais.
Isso se deve ao fato de que o histórico do nascimento do federalismo norte-
americano é o oposto do histórico do nascimento da federação brasileira.
O federalismo norte-americano nasceu em 1787, na Convenção que aconteceu no
Estado da Filadélfia, as treze ex colônias inglesas resolveram abrir mão de sua soberania e
independência em prol da formação de um estado fortalecido que veio a se tornar uma
grande potência econômica e financeira mundial. Esses estados isoladamente, enquanto ex
colônias inglesas, já eram fortalecidos, porque a forma de colonização se deu em forma de
povoamento e não de colonização de exploração como foi a brasileira.
No entanto, essas treze colônias americanas, enquanto tal, não tinham muita
representação perante a comunidade internacional. Assim para evitar que a Inglaterra
fizesse novas invasões, resolveram se reunia para trazer ao mundo um modelo de estado
que virou paradigma desde a sua origem.
Alguns autores dizem até que essa é a forma de estado mais augusta já criada na
história da humanidade, porque trata-se de uma forma de estado que permite muita
liberdade interna aos entes que a compõe. Não há um poder centralizado e fortificado, pois
toda dissipação de poder é democrática. Mas ela nasceu de um federalismo por agregação,
ou seja, por vontade própria as treze ex colônias inglesas decidiram abrir mão de sua

Lívia Dornelas Resende 78


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

independência em prol de um estado federal, sendo que esse é um federalismo nascido por
uma força centrípeta (de fora para dentro).
É claro que quem abre mão de certo poder ainda detém um pouco de poder em suas
mãos, ou seja, não se abre mão de tudo aquilo que lhe foi dado, mas sim apenas de uma
parcela, mantendo outra, para que permaneça com certa independência.
O Brasil trouxe uma federação inspirada em motivos bem distintos. Zimmerman
chega a questionar se foi a República que trouxe o federação ou será que foram as
demandas que as antigas províncias já faziam na época do Império no sentido de terem
mais poderes políticos que foram responsáveis pela República? Destaque-se que o autor
não responde a essa questão, mas busca chamar a atenção para o fato de que o dia 15 de
novembro não se comemora somente a proclamação da República, mas também a
instituição do federalismo no Brasil.
Em 1889, no Brasil, a federação nasceu completamente distinta da federação norte-
americana. O Império já fragilizado pelos ideais republicanos, resolve abrir mão dos seu
poder, convertendo as antigas provinciais em Estados-membros.
Assim sendo, conclui-se que o movimento não veio por agregação, mas sim por
segregação e quem deu poder, mantendo uma parcela para si, foi a União que desde o início
era fortalecida. Aqui a força foi centrífuga.
Por essa razão os entes federativos brasileiros não tem muita autonomia,
comparados aos estados norte-americanos. Os poderes dos Estados-membros são residuais
aos poderes da União e dos municípios, sobrando para aqueles quase nada.
Ao analisar na Constituição Federal as competência administrativas e legislativas
elas são em sua maioria da União. O Estado até exerce competência por delegação,
suplementar, mas na verdade o nosso poder é altamente centralizado na União.

4. Federalismo Dual e Federalismo Cooperativo

Quando a federação foi criada em 1889 no Brasil e em 1787 no EUA havia um


rígido sistema de repartição de competência. A União tinha as suas atribuições, os Estados
tinhas outras atribuições, não havendo uma conjugação de tarefas. Não havia uma união de
atribuições para a realização de tarefas conjuntas.
Esse Federalismo Dual perdurou por bastante tempo, pois a primeira Constituição
brasileira federativa foi assim, dual com um rígido sistema de repartição de competência. A
primeira Constituição Federativa no mundo, que foi a dos EUA, foi exatamente igual a
assim, dual.
O que mudou na história do Direito Constitucional que também influenciou na
mudanças das Federações no que tange o sistema de repartição de competência foi
constitucionalismo social.
O início do Século XX inaugurou o Estado do Bem Estar Social, estado que até hoje
não nasceu de verdade, mas que pelo menos na teoria, as Constituições Sociais trouxeram
uma série de Direito Sociais como moradia, saúde, educação, lazer, direito dos
trabalhadores e, em razão disso, os Estados-membros foram obrigados a abrir as suas
constituições para um federalismo diferente, para um federalismo de participação.
Quando se exige uma série de prestações positivas por parte do Estado é mais fácil
somar, é mais fácil dividir atribuições e não singularizá-las para um ente específico. Então,

Lívia Dornelas Resende 79


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

o dualismo foi perdendo a sua força na história do país, das federações para o federalismo
cooperativo.
Por exemplo, o federalismo cooperativo fiscal poder ser explicado da seguinte
maneira: se há atribuições para os entes, atribuições compartilhadas, eles precisam
arrecadar, pois é que eles irão cumprir essas muitas atribuições cooperativas sociais, sem
uma repartição de receitas tributárias.
O STF, a luz do federalismo cooperativo administrativo, já proferiu decisão em uma
ADI que visava combater uma lei estadual obrigava os cartórios a avisar ao Tribunal
Regional Eleitoral quando ocorre o falecimento de alguém, ou seja, ao expedirem uma
Certidão de Óbito eles são obrigados a apresentar esse documento ao TER local. O STF
entendeu que é válida a lei, pois ela está afinada com o federalismo cooperativo que
também deve guiar a administração. A determinação que a lei impõe faz com que os órgãos
eleitorais possam se organizar melhor quanto a lista de eleitores e administração funciona
de uma maneira mais conjugada.

“ADI 2254 MC / ES - ESPÍRITO SANTO. MEDIDA CAUTELAR


NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Relator(a):
Min. SEPÚLVEDA PERTENCE. Julgamento: 08/02/2001. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJ 26-09-2003.
EMENTA: Estado Federal: discriminação de competências
legislativas: lei estadual que obriga os ofícios do registro civil a
enviar cópias das certidões de óbito (1) ao Tribunal Regional
Eleitoral e (2) ao órgão responsável pela emissão da carteira de
identidade: ação direta de inconstitucionalidade por alegada
usurpação da competência privativa da União para legislar sobre
registros públicos (CF, art. 22, XXV): medida cautelar indeferida por
falta de plausibilidade dos fundamentos, quanto à segunda parte da
norma impugnada, por unanimidade de votos - pois impõe
cooperação de um órgão da Administração estadual a outro; e, quanto
à primeira parte, por maioria - por entender-se compreendida a
hipótese na esfera constitucionalmente admitida do federalismo de
cooperação.”

É possível falar dessa união de esforços em vários setores. Hoje já é possível falar
em Estado Constitucional Cooperativo e um bom exemplo disso é o protocolo de Kioto.
Um não exemplo de Estado Constitucional Cooperativo é o fato de os EUA não ter
assinado o protocolo de Kyoto.
Os artigos 23 e 24 da CRFB são os marcos constitucionais do federalismo
cooperativo na Carta de 1988:

“Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito


Federal e dos Municípios:
I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições
democráticas e conservar o patrimônio público;
II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das
pessoas portadoras de deficiência;

Lívia Dornelas Resende 80


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor


histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais
notáveis e os sítios arqueológicos;
IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de
arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural;
V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência;
VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de
suas formas;
VII - preservar as florestas, a fauna e a flora;
VIII - fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento
alimentar;
IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das
condições habitacionais e de saneamento básico;
X - combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização,
promovendo a integração social dos setores desfavorecidos;
XI - registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de
pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus
territórios;
XII - estabelecer e implantar política de educação para a segurança
do trânsito.
Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a
cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do
bem-estar em âmbito nacional. (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 53, de 2006)”

“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar


concorrentemente sobre:
I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e
urbanístico;
II - orçamento;
III - juntas comerciais;
IV - custas dos serviços forenses;
V - produção e consumo;
VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do
solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da
poluição;
VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e
paisagístico;
VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a
bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e
paisagístico;
IX - educação, cultura, ensino e desporto;
X - criação, funcionamento e processo do juizado de pequenas
causas;
XI - procedimentos em matéria processual;
XII - previdência social, proteção e defesa da saúde;

Lívia Dornelas Resende 81


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

XIII - assistência jurídica e Defensoria pública;


XIV - proteção e integração social das pessoas portadoras de
deficiência;
XV - proteção à infância e à juventude;
XVI - organização, garantias, direitos e deveres das polícias civis.
§ 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da União
limitar-se-á a estabelecer normas gerais.
§ 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não
exclui a competência suplementar dos Estados.
§ 3º - Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados
exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas
peculiaridades.
§ 4º - A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a
eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.”

5. Federalismo simétrico e assimétrico

Zimmermam tratar sobre a federação, ele analisa sob dois ângulos, quanto ao grau
de homogeneidade ou não. Assim, uma federação poderá ser simétrica ou assimétrica,
levando-se em consideração alguns fatores, como por exemplo: a língua falada, a cultura, o
equilíbrio econômico e financeiro entre os entes que compõe a federação.
Então, na Suíça, por exemplo, fala-se quatro línguas: italiano, suíço, alemão e
frânces. O Canadá também fala-se duas línguas, o inglês e o francês, sendo essas duas
federações nitidamente assimétricas.
No Brasil, muito embora em nosso país somente falemos uma língua, o nosso
federalismo tende a ser assimétrico tendo em vista as discrepâncias financeiras, econômicas
e sociais existentes entre os entes.
Contudo, a nossa federação assimétrica é representada no Senado Federal de modo
simétrico, pois cada Estado-membro é representado por três Senadores, independente da
condição financeira, econômica, social ou populacional.
Já os EUA não só por falarem a mesma língua, mas também por não ter tanto grau
de disparidade econômica entre os Estados, talvez eles seja o país mais próximo do
federalismo simétrico.
6. A Cláusula pétrea federativa e os limites das emendas constitucionais

Quais são os limites que uma emenda constitucional deve enfrentar para que ela não
atinja ou viole a Cláusula Pétrea federativa prevista no artigo 60, § 4º, I, CRFB/88?
A cláusula pétrea visa defender a essência de seus institutos, razão pela qual a
cláusula pétrea federativa deverá defender a essência da federação, ou seja, as suas
características essenciais, os seus princípios informadores tais quais: autonomia dos entes,
existência de repartição de competência, existência do Senado Federal como órgão
federativo a representar a unidade dos entes, existência de um Poder Judiciário forte para
dirimir os conflitos existentes entre os entes federativos, existência do controle de
constitucionalidade para evitar uma usurpação de competências entre os entes, existência de
poderes constituintes derivados aos Estados-membros; a intervenção do Estado Federal
como mecanismo de defesa do pacto federativo. Assim, as emendas constitucionais não
podem jamais violar essas características essências da federação

Lívia Dornelas Resende 82


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

Então, pode-se dizer que são características essenciais da Federação: a


descentralização político-administrativa entre os entes; a autonomia, a repartição de
competências; a existência de órgão do Poder Judiciário para dirimir os conflitos
federativos; a existência de controle de constitucionalidade; poderes constituintes derivados
decorrentes aos Estados-membros; e por fim, a existência da intervenção federal como
mecanismo de defesa do pacto federativo.

7. A existência do sistema de repartição de competências

José Afonso da Silva, quando leciona sobre o tema, ensina que não há federação
quando não há repartição de competência, porque essa é a própria divisão de atribuições. É
quando se descobre que um ente não exerce sozinho todas as tarefas constitucionais, porque
há uma dissipação, uma descentralização nas tarefas de fazer realizar a nossa vontade
constitucional.
A repartição de competência possui três naturezas: legislativa; materiais ou
administrativas; e tributárias. Essas repartições de competência estão espalhadas entre os
artigos 21 a 25 e 30 da CRFB/8811:

“Art. 21. Compete à União:


I - manter relações com Estados estrangeiros e participar de
organizações internacionais;
II - declarar a guerra e celebrar a paz;
III - assegurar a defesa nacional;
IV - permitir, nos casos previstos em lei complementar, que forças
estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam
temporariamente;
V - decretar o estado de sítio, o estado de defesa e a intervenção
federal;
VI - autorizar e fiscalizar a produção e o comércio de material bélico;
VII - emitir moeda;
VIII - administrar as reservas cambiais do País e fiscalizar as
operações de natureza financeira, especialmente as de crédito,
câmbio e capitalização, bem como as de seguros e de previdência
privada;
IX - elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do
território e de desenvolvimento econômico e social;
X - manter o serviço postal e o correio aéreo nacional;
XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou
permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que
disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão
regulador e outros aspectos institucionais;(Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 8, de 15/08/95:)
XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou
permissão:

11
Ver no link http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/ do sítio do STF as jurisprudências relacionadas a cada
um desses artigos e incisos.

Lívia Dornelas Resende 83


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens;(Redação


dada pela Emenda Constitucional nº 8, de 15/08/95:)
b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento
energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde
se situam os potenciais hidroenergéticos;
c) a navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária;
d) os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos
brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de
Estado ou Território;
e) os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional
de passageiros;
f) os portos marítimos, fluviais e lacustres;
XIII - organizar e manter o Poder Judiciário, o Ministério Público e a
Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios;
XIV - organizar e manter a polícia civil, a polícia militar e o corpo de
bombeiros militar do Distrito Federal, bem como prestar assistência
financeira ao Distrito Federal para a execução de serviços públicos,
por meio de fundo próprio;(Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 19, de 1998)
XV - organizar e manter os serviços oficiais de estatística, geografia,
geologia e cartografia de âmbito nacional;
XVI - exercer a classificação, para efeito indicativo, de diversões
públicas e de programas de rádio e televisão;
XVII - conceder anistia;
XVIII - planejar e promover a defesa permanente contra as
calamidades públicas, especialmente as secas e as inundações;
XIX - instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos
hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso;
XX - instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive
habitação, saneamento básico e transportes urbanos;
XXI - estabelecer princípios e diretrizes para o sistema nacional de
viação;
XXII - executar os serviços de polícia marítima, aeroportuária e de
fronteiras; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de
1998)
XXIII - explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer
natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o
enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio
de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes
princípios e condições:
a) toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida
para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional;
b) sob regime de permissão, são autorizadas a comercialização e a
utilização de radioisótopos para a pesquisa e usos médicos, agrícolas
e industriais; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 49, de
2006)

Lívia Dornelas Resende 84


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

c) sob regime de permissão, são autorizadas a produção,


comercialização e utilização de radioisótopos de meia-vida igual ou
inferior a duas horas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº
49, de 2006)
d) a responsabilidade civil por danos nucleares independe da
existência de culpa; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 49, de
2006)
XXIV - organizar, manter e executar a inspeção do trabalho;
XXV - estabelecer as áreas e as condições para o exercício da
atividade de garimpagem, em forma associativa.”

“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:


I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário,
marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;
II - desapropriação;
III - requisições civis e militares, em caso de iminente perigo e em
tempo de guerra;
IV - águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão;
V - serviço postal;
VI - sistema monetário e de medidas, títulos e garantias dos metais;
VII - política de crédito, câmbio, seguros e transferência de valores;
VIII - comércio exterior e interestadual;
IX - diretrizes da política nacional de transportes;
X - regime dos portos, navegação lacustre, fluvial, marítima, aérea e
aeroespacial;
XI - trânsito e transporte;
XII - jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia;
XIII - nacionalidade, cidadania e naturalização;
XIV - populações indígenas;
XV - emigração e imigração, entrada, extradição e expulsão de
estrangeiros;
XVI - organização do sistema nacional de emprego e condições para
o exercício de profissões;
XVII - organização judiciária, do Ministério Público e da Defensoria
Pública do Distrito Federal e dos Territórios, bem como organização
administrativa destes;
XVIII - sistema estatístico, sistema cartográfico e de geologia
nacionais;
XIX - sistemas de poupança, captação e garantia da poupança
popular;
XX - sistemas de consórcios e sorteios;
XXI - normas gerais de organização, efetivos, material bélico,
garantias, convocação e mobilização das polícias militares e corpos
de bombeiros militares;
XXII - competência da polícia federal e das polícias rodoviária e
ferroviária federais;
XXIII - seguridade social;

Lívia Dornelas Resende 85


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

XXIV - diretrizes e bases da educação nacional;


XXV - registros públicos;
XXVI - atividades nucleares de qualquer natureza;
XXVII - normas gerais de licitação e contratação, em todas as
modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e
fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios,
obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e
sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III;
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
XXVIII - defesa territorial, defesa aeroespacial, defesa marítima,
defesa civil e mobilização nacional;
XXIX - propaganda comercial.
Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a
legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste
artigo.”

“Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito


Federal e dos Municípios:
I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições
democráticas e conservar o patrimônio público;
II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das
pessoas portadoras de deficiência;
III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor
histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais
notáveis e os sítios arqueológicos;
IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de
arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural;
V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência;
VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de
suas formas;
VII - preservar as florestas, a fauna e a flora;
VIII - fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento
alimentar;
IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das
condições habitacionais e de saneamento básico;
X - combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização,
promovendo a integração social dos setores desfavorecidos;
XI - registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de
pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus
territórios;
XII - estabelecer e implantar política de educação para a segurança
do trânsito.
Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a
cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do
bem-estar em âmbito nacional. (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 53, de 2006)”

Lívia Dornelas Resende 86


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar


concorrentemente sobre:
I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e
urbanístico;
II - orçamento;
III - juntas comerciais;
IV - custas dos serviços forenses;
V - produção e consumo;
VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do
solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da
poluição;
VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e
paisagístico;
VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a
bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e
paisagístico;
IX - educação, cultura, ensino e desporto;
X - criação, funcionamento e processo do juizado de pequenas
causas;
XI - procedimentos em matéria processual;
XII - previdência social, proteção e defesa da saúde;
XIII - assistência jurídica e Defensoria pública;
XIV - proteção e integração social das pessoas portadoras de
deficiência;
XV - proteção à infância e à juventude;
XVI - organização, garantias, direitos e deveres das polícias civis.
§ 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da União
limitar-se-á a estabelecer normas gerais.
§ 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não
exclui a competência suplementar dos Estados.
§ 3º - Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados
exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas
peculiaridades.
§ 4º - A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a
eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.”

“Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e


leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição.
§ 1º - São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam
vedadas por esta Constituição.
§ 2º - Cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão,
os serviços locais de gás canalizado, na forma da lei, vedada a edição
de medida provisória para a sua regulamentação.(Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 5, de 1995)
§ 3º - Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir
regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões,

Lívia Dornelas Resende 87


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar


a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de
interesse comum.”

“Art. 30. Compete aos Municípios:


I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como
aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas
e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;
IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação
estadual;
V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou
permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de
transporte coletivo, que tem caráter essencial;
VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do
Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental;
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)
VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do
Estado, serviços de atendimento à saúde da população;
VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial,
mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da
ocupação do solo urbano;
IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local,
observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.”

O princípio mor da repartição de competências é o da predominância de interesses


públicos, federais, regionais, distritais e locais. Quando há dúvidas em discernir de quem é
a competência para atuar ou legislar em determinado assunto é porque, provavelmente,
estaremos diante das matérias que são comuns ou concorrentes, porque interessam a todos
os entes federativos. Por exemplo, a Amazônia interessa ao Amazonas e a todo Brasil.
As súmulas do STF sobre o tema de repartição de competência são as de número
645, 646 e 647, veja:

“Súmula nº 645
É competente o município para fixar o horário de funcionamento de
estabelecimento comercial.”

“Súmula nº 646
Ofende o princípio da livre concorrência lei municipal que impede a
instalação de estabelecimentos comerciais do mesmo ramo em
determinada área.”

“Súmula nº 647
Compete privativamente à união legislar sobre vencimentos dos
membros das polícias civil e militar do distrito federal.”

Lívia Dornelas Resende 88


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

A Teoria dos Poderes Implícitos confere À União Federal mais poderes dos que ela
já possui. O Estado de Rondônia editou uma lei dispondo que todo o armamento ilegal
apreendido pela polícia será destinado à própria polícia, considerando que a polícia
necessita de armamento eficaz. No entanto, julgando a constitucionalidade dessa lei o STF
entendeu que o Estado de Rondônia não tem competência para legislar sobre armamentos,
com base no artigo 21, inciso VI, CRFB/88, veja:

“ADI 3258 / RO – RONDÔNIA. AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE. Relator(a): Min. JOAQUIM
BARBOSA. Julgamento: 06/04/2005. Órgão Julgador: Tribunal
Pleno.
EMENTA: CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. COMPETÊNCIA DA UNIÃO
PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO PENAL E MATERIAL
BÉLICO. LEI 1.317/2004 DO ESTADO DE RONDÔNIA. Lei
estadual que autoriza a utilização, pelas polícias civil e militar, de
armas de fogo apreendidas. A competência exclusiva da União para
legislar sobre material bélico, complementada pela competência para
autorizar e fiscalizar a produção de material bélico, abrange a
disciplina sobre a destinação de armas apreendidas e em situação
irregular. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.”

Observe-se que o artigo 21, inciso VI, CRFB/88 dispõe que a União é competente
para legislar sobre a produção e o comércio de armas, nada mencionando sobre a apreensão
de armas de criminosos e o reaproveitamento pela polícia. Mas com base naquele inciso e
na Teoria dos Poderes Implícitos o STF entendeu que tudo o que diz respeito a matérias
bélico é de interesse da União e o Estado de Rondônia não poderia legislar sobre essa
matéria.
Outro exemplo ocorreu no Distrito Federal, quando lá foi editada uma lei que
dispunha que o trabalhador tinha direito de chegar quinze minutos mais cedo do horário de
trabalho e ganhar um café com leite e um pão do empregador. O STF entendeu que, em que
pese tenha sido louvável a intenção do DF, somente a União pode legislar sobre o Direito
do Trabalho, com base na Teoria dos Poderes Implícitos.
Com base nessa teoria, a União se agiganta diante do sistema de repartição de
competências.
Quantos às técnicas de repartição de competências, no Brasil adotou a técnica
clássica, em que o poderes da União são delimitados pela CRFB/88 e remanescentes para
os Estados-membros. Aqui, o sistema de repartição de competências é altamente
concentrado na União. O nascimento da federação faz toda a diferença nos sistema de
repartição de competência que ela vem adotar.

Lívia Dornelas Resende 89


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

Casos Concretos

Questão 1

Os legisladores estaduais e municipais podem editar leis proibindo a cobrança de


estacionamento de veículos nas dependências de empreendimento comercial privado de
afluência coletiva? Justifique a resposta, tendo em vista a partilha de competências
federativas e demais normas constitucionais aplicáveis à matéria.

Resposta à Questão 1

Na ADI 1623 o STF entendeu que lei estadual não pode vedar a cobrança ao usuário
de estacionamento em área privada, tendo em vista a sua inconstitucionalidade material,
artigo 5º, inciso XXII, CRFB/88 (propriedade privada) e ainda sob o ângulo da
inconstitucionalidade formal, ofensa ao artigo 22, I, CRFB/88 (Direito Civil). Esse
raciocínio serve também para os casos em que o ente obrigue os estacionamentos a
cobrarem, pois viola da mesma maneira os dispositivos citados

“ADI 1623 MC / RJ - RIO DE JANEIRO. MEDIDA CAUTELAR


NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Relator(a):
Min. MOREIRA ALVES.
EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n 2.050, de 30
de dezembro de 1992, do Estado do Rio de Janeiro. Vedação de
cobrança ao usuário de estacionamento em área privada. Pedido de
liminar. - Tendo em vista o precedente invocado na inicial - o da
concessão de liminar na ADIN 1.472 que versa hipótese análoga à
presente - não há dúvida de que é relevante a fundamentação jurídica
do pedido, quer sob o aspecto da inconstitucionalidade material
(ofensa ao artigo 5º, XXII, da Constituição Federal, por ocorrência de
grave afronta ao exercício normal do direito de propriedade), quer
sob o ângulo da inconstitucionalidade formal (ofensa ao artigo 22, I,

Lívia Dornelas Resende 90


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

da Carta Magna, por invasão de competência privativa da União para


legislar sobre direito civil). - Por outro lado, manifesta-se a
conveniência da concessão da liminar, inclusive pela possibilidade de
aumento dos distúrbios sociais que vem causando a aplicação dessa
lei. Medida cautelar deferida, para suspender, "ex nunc", a eficácia da
lei estadual em causa.”

“ADI 1918 / ES - ESPÍRITO SANTO. AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE. Relator(a): Min. MAURÍCIO
CORRÊA. Julgamento: 23/08/2001. Órgão Julgador: Tribunal Pleno.
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.
ARTIGO 2º, CAPUT E §§ 1º E 2º, DA LEI Nº 4.711/92 DO
ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. ESTACIONAMENTO DE
VEÍCULOS EM ÁREAS PARTICULARES. LEI ESTADUAL QUE
LIMITA O VALOR DAS QUANTIAS COBRADAS PELO SEU
USO. DIREITO CIVIL. INVASÃO DE COMPETÊNCIA
PRIVATIVA DA UNIÃO. 1. Hipótese de inconstitucionalidade
formal por invasão de competência privativa da União para legislar
sobre direito civil (CF, artigo 22, I). 2. Enquanto a União regula o
direito de propriedade e estabelece as regras substantivas de
intervenção no domínio econômico, os outros níveis de governo
apenas exercem o policiamento administrativo do uso da propriedade
e da atividade econômica dos particulares, tendo em vista, sempre, as
normas substantivas editadas pela União. Ação julgada procedente.”

“ADI 2448 / DF - DISTRITO FEDERAL. AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE. Relator(a): Min. SYDNEY
SANCHES. Julgamento: 23/04/2003. Órgão Julgador: Tribunal
Pleno.
EMENTA: - DIREITO CONSTITUCIONAL E CIVIL. AÇÃO
DIRETA DA INCONSTITUCIONALIDADE DA EXPRESSÃO
"OU PARTICULARES" CONSTANTE DO ART. 1º DA LEI Nº
2.702, DE 04/04/2001, DO DISTRITO FEDERAL, DESTE TEOR:
"FICA PROIBIDA A COBRANÇA, SOB QUALQUER
PRETEXTO, PELA UTILIZAÇÃO DE ESTACIONAMENTO DE
VEÍCULOS EM ÁREAS PERTENCENTES A INSTITUIÇÕES DE
ENSINO FUNDAMENTAL, MÉDIO E SUPERIOR, PÚBLICAS
OU PARTICULARES". ALEGAÇÃO DE QUE SUA INCLUSÃO,
NO TEXTO, IMPLICA VIOLAÇÃO ÀS NORMAS DOS ARTIGOS
22, I, 5º, XXII, XXIV e LIV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
QUESTÃO PRELIMINAR SUSCITADA PELA CÂMARA
LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL: a) DE
DESCABIMENTO DA ADI, POR TER CARÁTER MUNICIPAL A
LEI EM QUESTÃO; b) DE ILEGITIMIDADE PASSIVA "AD
CAUSAM". 1. Não procede a preliminar de descabimento da ADI
sob a alegação de ter o ato normativo impugnado natureza de direito
municipal. Argüição idêntica já foi repelida por esta Corte, na

Lívia Dornelas Resende 91


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

ADIMC nº 1.472-2, e na qual se impugnava o art. 1º da Lei Distrital


nº 1.094, de 31 de maio de 1996. 2. Não colhe, igualmente, a
alegação de ilegitimidade passiva "ad causam", pois a Câmara
Distrital, como órgão, de que emanou o ato normativo impugnado,
deve prestar informações no processo da A.D.I., nos termos dos
artigos 6° e 10 da Lei n° 9.868, de 10.11.1999. 3. Não compete ao
Distrito Federal, mas, sim, à União legislar sobre Direito Civil, como,
por exemplo, cobrança de preço de estacionamento de veículos em
áreas pertencentes a instituições particulares de ensino fundamental,
médio e superior, matéria que envolve, também, direito decorrente de
propriedade. 4. Ação Direta julgada procedente, com a declaração de
inconstitucionalidade da expressão "ou particulares", contida no art.
1° da Lei n° 2.702, de 04.4.2001, do Distrito Federal.”

Questão 2

O Governador de determinada unidade federativa propõe representação de


inconstitucionalidade junto ao Tribunal de Justiça em face de dispositivo da Constituição
estadual que dispõe que a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de
municípios far-se-ão por Lei Estadual, dentro do período determinado por Lei
Complementar Federal dependerão ainda de consulta prévia, mediante plebiscito, às
populações dos municípios envolvidos, após a divulgação dos Estudos de Viabilidade
Municipal, apresentados e publicados na forma Lei, e que a participação de qualquer
município em uma região metropolitana, aglomeração urbana ou microrregião dependerá
de prévia aprovação pela respectiva Câmara Municipal.
Alega que estas normas violam o regime federativo.
Responda fundamentadamente se o pleito do Governador tem respaldo no ordenamento
jurídico nacional.

Resposta à Questão 2

Inicialmente, cabe considerar que a RI proposta é por omissão e foi proposta em


face da omissão da Assembléia Legislativa de editar a referida lei, e não em face da
Constituição Estadual.
A norma constante na Constituição Estadual em questão reproduz exatamente
conteúdo do artigo 18, §4º, CRFB/88 e, portanto, é uma norma de observância obrigatória,
porque visa observar o equilíbrio da federação, não deixando com o Estado-membro o
único papel de criar o seu município. Contudo, o princípio democrático do plebiscito que
deve ser realizado, a lei estadual, dentro de um período fixado por uma lei complementar
federal, dentro de uma federação equilibrada, porque senão acontece uma criação
exagerada de municípios com base apenas em leis estaduais, não respeitando, inclusive, o
ano eleitoral.
Assim, o pleito do governador não tem respaldo no ordenamento nacional, porque
trata-se de uma norma de observância obrigatória, fruto do artigo 18, §4º da CRFB/88.
Cabe ressaltar que esse assunto já foi regulado pela EC 57/2008, “lavando a roupa
suja, mas não limpando completamente, ou seja, colocando a sujeira para de baixo do

Lívia Dornelas Resende 92


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

tapete” (sic), pois ela regularizou a situação dos municípios criados até 31 de dezembro de
2006 com base apenas em leis municipais, sendo que, por óbvio, os municípios criados a
partir de 01 de janeiro de 2007 permanecem irregulares e a lei complementar federal até
hoje não foi criada.

“Art. 18. A organização político-administrativa da República


Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta
Constituição.
(…)
§ 4º A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de
Municípios, far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado
por Lei Complementar Federal, e dependerão de consulta prévia,
mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após
divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e
publicados na forma da lei.(Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 15, de 1996) (Vide art. 96 – ADCT)”

“ADI 3682 / MT - MATO GROSSO. AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE. Relator(a): Min. GILMAR
MENDES. Julgamento: 09/05/2007. Órgão Julgador: Tribunal Pleno.
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
POR OMISSÃO. INATIVIDADE DO LEGISLADOR QUANTO AO
DEVER DE ELABORAR A LEI COMPLEMENTAR A QUE SE
REFERE O § 4O DO ART. 18 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL,
NA REDAÇÃO DADA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL NO
15/1996. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. 1. A Emenda
Constitucional n° 15, que alterou a redação do § 4º do art. 18 da
Constituição, foi publicada no dia 13 de setembro de 1996. Passados
mais de 10 (dez) anos, não foi editada a lei complementar federal
definidora do período dentro do qual poderão tramitar os
procedimentos tendentes à criação, incorporação, desmembramento e
fusão de municípios. Existência de notório lapso temporal a
demonstrar a inatividade do legislador em relação ao cumprimento de
inequívoco dever constitucional de legislar, decorrente do comando
do art. 18, § 4o, da Constituição. 2. Apesar de existirem no Congresso
Nacional diversos projetos de lei apresentados visando à
regulamentação do art. 18, § 4º, da Constituição, é possível constatar
a omissão inconstitucional quanto à efetiva deliberação e aprovação
da lei complementar em referência. As peculiaridades da atividade
parlamentar que afetam, inexoravelmente, o processo legislativo, não
justificam uma conduta manifestamente negligente ou desidiosa das
Casas Legislativas, conduta esta que pode pôr em risco a própria
ordem constitucional. A inertia deliberandi das Casas Legislativas
pode ser objeto da ação direta de inconstitucionalidade por omissão.
3. A omissão legislativa em relação à regulamentação do art. 18, § 4º,
da Constituição, acabou dando ensejo à conformação e à

Lívia Dornelas Resende 93


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

consolidação de estados de inconstitucionalidade que não podem ser


ignorados pelo legislador na elaboração da lei complementar federal.
4. Ação julgada procedente para declarar o estado de mora em que se
encontra o Con gresso Nacional, a fim de que, em prazo razoável de
18 (dezoito) meses, adote ele todas as providências legislativas
necessárias ao cumprimento do dever constitucional imposto pelo art.
18, § 4º, da Constituição, devendo ser contempladas as situações
imperfeitas decorrentes do estado de inconstitucionalidade gerado
pela omissão. Não se trata de impor um prazo para a atuação
legislativa do Congresso Nacional, mas apenas da fixação de um
parâmetro temporal razoável, tendo em vista o prazo de 24 meses
determinado pelo Tribunal nas ADI n°s 2.240, 3.316, 3.489 e 3.689
para que as leis estaduais que criam municípios ou alteram seus
limites territoriais continuem vigendo, até que a lei complementar
federal seja promulgada contemplando as realidades desses
municípios.”

“EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 57, DE 18 DE DEZEMBRO


DE 2008. Acrescenta artigo ao Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias para convalidar os atos de criação, fusão, incorporação e
desmembramento de Municípios.
As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos
do § 3º do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte
Emenda ao texto constitucional:
Art. 1º O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias passa a
vigorar acrescido do seguinte art. 96:
"Art. 96. Ficam convalidados os atos de criação, fusão, incorporação
e desmembramento de Municípios, cuja lei tenha sido publicada até
31 de dezembro de 2006, atendidos os requisitos estabelecidos na
legislação do respectivo Estado à época de sua criação."
Art. 2º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua
publicação.
Brasília, em 18 de dezembro de 2008.”

Lívia Dornelas Resende 94


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

Tema IX

A Constituição e o regime jurídico das famílias modernas.

Notas de Aula12

1. O regime jurídico da família no plano constitucional moderno

A principiologia constitucional sobre o direito de família tem sido a guia das


decisões nessa seara, felizmente, especialmente pelo guia maior de todos eles, qual seja, o
princípio da afetividade.
A concepção da família moderna, a família atual, não é mais a clássica união
homem, mulher e filhos, pautada somente no casamento. Há modelos familiares muito
diversos, com conformações de todos os tipos: monoparentais, pluriparentais, formadas por
parentes colaterais, por união estável, etc. A definição é absolutamente fluida e casuística.
O artigo 226 da CRFB deve ser observado:

“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do


Estado.
§ 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união
estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a
lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade
formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
§ 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são
exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. (Redação
dada Pela Emenda Constitucional nº 66, de 2010)
§ 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da
paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do
casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e
científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma
coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
§ 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada
um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência
no âmbito de suas relações.”

A previsão de que a família é a base da sociedade é inovação da CRFB de 1988,


pois nas Cartas anteriores só se falava em que a família é baseada no casamento. O caput
desse artigo 226 é chamado de cláusula geral da inclusão.
A família pautada na união homoafetiva, no entanto, ainda é um tabu a ser posto
abaixo. Há ainda muita resistência ao reconhecimento dessa união, com a finalidade de
formação de família.

12
Aula ministrada pela professora Fabrícia Cristina Estrella Figueiredo Pereira, em 20/8/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 95


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

Como dito, o princípio da afetividade é o mais relevante, de fato, por conta do peso
que tem nas definições dos contornos e das obrigações em direito de família. Há decisões
que, pautadas nesse princípio, entregam direitos ou criam deveres em relações que, na
literalidade normativa do direito das famílias, não gerariam tais imposições. Um exemplo
marcante foi o de uma empregada doméstica que, após anos de dedicação a uma família,
conseguiu, com base exclusivamente na socioafetividade, direito de visitação dos filhos do
casal, por ela criados, que ficaram na guarda do pai após a separação.
Tão relevante quanto o princípio da afetividade é o do melhor interesse da criança:
tudo que se refere às relações envolvendo a criança é orientado por esse postulado, o que
foi reforçado pela entrada do ECA no ordenamento.
O casamento, sem dúvida, é o modelo mais clássico de família. A diferença, hoje, é
que ele não é o único instituto reconhecido positivamente como família, como era antes da
CRFB de 1988. Como dito, há uma infinidade de modelos familiares, definidos na
casuística com o pano de fundo da afetividade.
Talvez o exemplo mais marcante dessa amplitude é o que se tem chamado de
poliamor. Trata-se de uma suposta família formada por mais de um homem unidos a mais
de uma mulher, relacionandos entre si com anuência de todos, por vezes convivendo sob o
mesmo teto. Apesar de não se reconhecer claramente como família, há problemas, de ordem
patrimonial e relacionados à prole, que precisam ser resolvidos, e têm sido enfrentados pela
jurisprudência.
A família pautada na união estável é uma entidade plenamente reconhecida, mesmo
que a união estável não seja equiparada ao casamento. Como se vê no § 3º do artigo 226,
supra, há o reconhecimento pleno, constitucional, da união estável como entidade familiar.
Veja o enunciado 97 do CJF, que trata da extensão das normativas relativas ao casamento À
união estável:

“Enunciado 97, CJF – Art. 25: no que tange à tutela especial da


família, as regras do Código Civil que se referem apenas ao cônjuge
devem ser estendidas à situação jurídica que envolve o companheiro,
como, por exemplo, na hipótese de nomeação de curador dos bens do
ausente (art. 25 do Código Civil).”

Essa equiparação não significa igualdade, porém, dos companheiros aos cônjuges,
como se sabe. Há diferenças sucessórias, por exemplo, absolutamente significativas. O que
se previu, ali, é que naquilo que não houver previsão expressa para a união estável, a regra
do casamento se estenderá.
O concubinato, a relação em que haja pessoa impedida de casar, não é reconhecido
como família, decerto, mas há alguns direitos que precisam ser reconhecidos ao concubino,
em apreço à dignidade da pessoa humana. A jurisprudência ainda é bastante oscilante sobre
o tema, mas há uma tendência geral de conceder alguns direitos, especialmente
patrimoniais, ao concubino, como a partilha de pensão previdenciária. O STF não tem
reconhecido, desde 2007, essa partilha da pensão. O STJ, atualmente, aplica a
regulamentação da sociedade de fato à relação concubinária, reconhecendo direitos
patrimoniais desde que se façam provas do esforço comum do concubino para a formação
do patrimônio, indo até além da mera partilha da pensão.
Há ainda a família monoparental, formada por apenas um dos pais e os filhos, e a
pluriparental, formada por parentes diversos.

Michell Nunes Midlej Maron 96


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

A família homoafetiva ainda não é reconhecida, mas a jurisprudência, a todo ver,


caminha nesse sentido. A homossexualidade, que já foi até mesmo doença catalogada no
CID, não é mais discriminada como outrora, reconhecendo-se aos consortes homoafetivos
ao menos a sociedade de fato, tal como o STJ reconhece na relação de concubinato. Note-se
que não há direito de família reconhecido aos homoafetivos: há apenas direitos
obrigacionais. Um avanço nessa proteção, porém, é a permissão de inclusão de um parceiro
homoafetivo como dependente previdenciário, o que tem sido admitido
jurisprudencialmente e, mais recentemente, até mesmo em legislações e atos normativos
previdenciários setoriais, como no caso da previdência dos servidores públicos municipais e
estaduais do Rio de Janeiro, que admite expressamente essa inclusão.

Michell Nunes Midlej Maron 97


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

Casos Concretos

Questão 1

Ricardo, que vivia em união estável com Luzia, da qual nasceram dois filhos, veio a
falecer deixando, pensão por morte a ser satisfeita pelo Instituto Nacional do Seguro
Social. A antiga companheira procurou a autarquia para ser beneficiária do provento
deixado pelo então segurado. No entanto, surpreendeu-se com a notícia de que outra
pessoa já havia se habilitado. Descobre, então, que o falecido manteve um relacionamento
paralelo com Joana durante todo o tempo em que vivera com o "de cujus", resultando daí
uma filha. Responda fundamentadamente quem tem direito à pensão, utilizando
argumentos constitucionais.

Resposta à Questão 1

Veja o seguinte julgado:

“RE 590779 / ES STF – Rel. Min. MARCO AURÉLIO, j.


10/02/2009, Primeira Turma.
COMPANHEIRA E CONCUBINA - DISTINÇÃO. Sendo o Direito
uma verdadeira ciência, impossível é confundir institutos, expressões
e vocábulos, sob pena de prevalecer a babel. UNIÃO ESTÁVEL –
PROTEÇÃO DO ESTADO. A proteção do Estado à união estável
alcança apenas as situações legítimas e nestas não está incluído o
concubinato. PENSÃO - SERVIDOR PÚBLICO - MULHER -
CONCUBINA - DIREITO. A titularidade da pensão decorrente do
falecimento de servidor público pressupõe vínculo agasalhado pelo
ordenamento jurídico, mostrando-se impróprio o implemento de
divisão a beneficiar, em detrimento da família, a concubina.”

“INFORMATIVO Nº 535 DO STF


Pensão por Morte e Rateio entre Esposa e Concubina
A Turma, por maioria, deu provimento a recurso extraordinário no
qual esposa questionava decisão de Turma Recursal dos Juizados
Especiais Federais de Vitória-ES, que determinara o rateio, com
concubina, da pensão por morte do cônjuge, tendo em conta a
estabilidade, publicidade e continuidade da união entre a recorrida e o
falecido. Reiterou-se o entendimento firmado no RE 397762/BA
(DJE de 12.9.2008) no sentido da impossibilidade de configuração de
união estável quando um dos seus componentes é casado e vive
matrimonialmente com o cônjuge, como na espécie. Ressaltou-se
que, apesar de o Código Civil versar a união estável como núcleo

Michell Nunes Midlej Maron 98


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

familiar, excepciona a proteção do Estado quando existente


impedimento para o casamento relativamente aos integrantes da
união, sendo que, se um deles é casado, esse estado civil apenas deixa
de ser óbice quando verificada a separação de fato. Concluiu-se,
dessa forma, estar-se diante de concubinato (CC, art. 1.727) e não de
união estável. Vencido o Min. Carlos Britto que, conferindo trato
conceitual mais dilatado para a figura jurídica da família, desprovia o
recurso ao fundamento de que, para a Constituição, não existe
concubinato, mas companheirismo. RE 590779/ES, rel. Min. Marco
Aurélio, 10.2.2009. (RE-590779)”

Questão 2

MARCUS e ANDREW propõem, perante a 5ª Vara de Família do Rio de Janeiro,


ação declaratória de união estável sob a alegação de que iniciaram relacionamento
homoafetivo no ano de 1988 de forma duradoura, contínua e pública, pautada pela
consideração e respeito mútuo, pela assistência moral e material recíproca. Em sua peça
inicial, narram que se conheceram em São Conrado, quando ANDREW, que é canadense,
veio a serviço de seu país ao Brasil, e que, após, decidiram iniciar relacionamento afetivo,
morar sob o mesmo teto, no Canadá, sendo que adquiriram patrimônio naquele país e com
o apoio moral dos amigos e familiares, casaram-se, segundo permite a lei canadense,
passando a ter uma união estável pautada pela consideração e respeito mútuos. Porém, em
virtude de laços mais íntimos com o Brasil, e no intuito de ver reconhecida a sua união
estável, ante a necessidade de o companheiro canadense obter visto permanente neste país,
ajuizaram a presente ação declaratória de união estável. Responda fundamentadamente se
o pleito merece acolhida.

Resposta à Questão 2

Veja o seguinte julgado:

“REsp 820475 / RJ. RECURSO ESPECIAL. Relator Ministro


ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO. Relator p/ Acórdão Ministro
LUIS FELIPE SALOMÃO. Órgão Julgador - QUARTA TURMA.
Data do Julgamento 02/09/2008. Data da Publicação/Fonte DJe
06/10/2008.
Ementa: PROCESSO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE
UNIÃO HOMOAFETIVA. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA
DO JUIZ. OFENSA NÃO CARACTERIZADA AO ARTIGO 132,
DO CPC. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ARTIGOS 1º
DA LEI 9.278/96 E 1.723 E 1.724 DO CÓDIGO CIVIL.
ALEGAÇÃO DE LACUNA LEGISLATIVA. POSSIBILIDADE DE
EMPREGO DA ANALOGIA COMO MÉTODO INTEGRATIVO.

Michell Nunes Midlej Maron 99


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

1. Não há ofensa ao princípio da identidade física do juiz, se a


magistrada que presidiu a colheita antecipada das provas estava em
gozo de férias, quando da prolação da sentença, máxime porque
diferentes os pedidos contidos nas ações principal e cautelar. 2. O
entendimento assente nesta Corte, quanto a possibilidade jurídica do
pedido, corresponde a inexistência de vedação explícita no
ordenamento jurídico para o ajuizamento da demanda proposta. 3. A
despeito da controvérsia em relação à matéria de fundo, o fato é que,
para a hipótese em apreço, onde se pretende a declaração de união
homoafetiva, não existe vedação legal para o prosseguimento do
feito. 4. Os dispositivos legais limitam-se a estabelecer a
possibilidade de união estável entre homem e mulher, dês que
preencham as condições impostas pela lei, quais sejam, convivência
pública, duradoura e contínua, sem, contudo, proibir a união entre
dois homens ou duas mulheres. Poderia o legislador, caso desejasse,
utilizar expressão restritiva, de modo a impedir que a união entre
pessoas de idêntico sexo ficasse definitivamente excluída da
abrangência legal. Contudo, assim não procedeu. 5. É possível,
portanto, que o magistrado de primeiro grau entenda existir lacuna
legislativa, uma vez que a matéria, conquanto derive de situação
fática conhecida de todos, ainda não foi expressamente regulada. 6.
Ao julgador é vedado eximir-se de prestar jurisdição sob o argumento
de ausência de previsão legal. Admite-se, se for o caso, a integração
mediante o uso da analogia, a fim de alcançar casos não
expressamente contemplados, mas cuja essência coincida com outros
tratados pelo legislador. 5. Recurso especial conhecido e provido.”
Tema X

Temas da seguridade social.

Notas de Aula13

1. Seguridade social

Comecemos a abordagem do tema pelo primeiro dispositivo constitucional que o


sedia, o artigo 194 da CRFB:

“Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de


ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a
assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência
social.
Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei,
organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:
I - universalidade da cobertura e do atendimento;
II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às
populações urbanas e rurais;
13
Aula ministrada pelo professor Alex Assis, em 20/8/2010.

Michell Nunes Midlej Maron 100


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e


serviços;
IV - irredutibilidade do valor dos benefícios;
V - eqüidade na forma de participação no custeio;
VI - diversidade da base de financiamento;
VII - caráter democrático e descentralizado da administração,
mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores,
dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos
colegiados. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de
1998)”

A seguridade é gênero, que abarca as espécies previdência social, assistência social


e saúde. O INSS, Instituto Nacional do Seguro Social, gere tanto a previdência quanto a
assistência social, e a saúde é dada a todos os entes e à iniciativa privada. Vejamos cada
ramo.

1.1. Previdência social

Previdência é sinônimo de seguro social, pois se baseia na contributividade, como


diz o artigo 201, caput, da CRFB:

“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de


regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória,
observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial,
e atenderá, nos termos da lei, a: (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 20, de 1998)
I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade
avançada; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de
1998)
II - proteção à maternidade, especialmente à gestante; (Redação dada
pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário;
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos
segurados de baixa renda; (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 20, de 1998)
V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou
companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º. (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
§ 1º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a
concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de
previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob
condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e
quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos
definidos em lei complementar. (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 47, de 2005)

Michell Nunes Midlej Maron 101


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

§ 2º Nenhum benefício que substitua o salário de contribuição ou o


rendimento do trabalho do segurado terá valor mensal inferior ao
salário mínimo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de
1998)
§ 3º Todos os salários de contribuição considerados para o cálculo de
benefício serão devidamente atualizados, na forma da lei. (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
§ 4º É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes,
em caráter permanente, o valor real, conforme critérios definidos em
lei. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
§ 5º É vedada a filiação ao regime geral de previdência social, na
qualidade de segurado facultativo, de pessoa participante de regime
próprio de previdência. (Redação dada pela Emenda Constitucional
nº 20, de 1998)
§ 6º A gratificação natalina dos aposentados e pensionistas terá por
base o valor dos proventos do mês de dezembro de cada ano.
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
§ 7º É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência
social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições:
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
I - trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de
contribuição, se mulher; (Incluído dada pela Emenda Constitucional
nº 20, de 1998)
II - sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de
idade, se mulher, reduzido em cinco anos o limite para os
trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas
atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o
produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal. (Incluído dada
pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
§ 8º Os requisitos a que se refere o inciso I do parágrafo anterior
serão reduzidos em cinco anos, para o professor que comprove
exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério
na educação infantil e no ensino fundamental e médio. (Redação dada
pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
§ 9º Para efeito de aposentadoria, é assegurada a contagem recíproca
do tempo de contribuição na administração pública e na atividade
privada, rural e urbana, hipótese em que os diversos regimes de
previdência social se compensarão financeiramente, segundo critérios
estabelecidos em lei. (Incluído dada pela Emenda Constitucional nº
20, de 1998)
§ 10. Lei disciplinará a cobertura do risco de acidente do trabalho, a
ser atendida concorrentemente pelo regime geral de previdência
social e pelo setor privado. (Incluído dada pela Emenda
Constitucional nº 20, de 1998)
§ 11. Os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão
incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e

Michell Nunes Midlej Maron 102


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

conseqüente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei.


(Incluído dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
§ 12. Lei disporá sobre sistema especial de inclusão previdenciária
para atender a trabalhadores de baixa renda e àqueles sem renda
própria que se dediquem exclusivamente ao trabalho doméstico no
âmbito de sua residência, desde que pertencentes a famílias de baixa
renda, garantindo-lhes acesso a benefícios de valor igual a um
salário-mínimo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 47, de
2005)
§ 13. O sistema especial de inclusão previdenciária de que trata o §
12 deste artigo terá alíquotas e carências inferiores às vigentes para
os demais segurados do regime geral de previdência social. (Incluído
pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)

A segunda característica, além da contributividade, é a obrigatoriedade da filiação,


também colhida desse artigo supra. Exercida a atividade remunerada, o indivíduo está
obrigatoriamente filiado à previdência social, ao regime básico.
Por fim, resta a característica da substitutividade dos benefícios previdenciários,
trazida no § 2º do artigo supra: o benefício substitui a renda alimentar do indivíduo
segurado. Assim ocorre, por exemplo, com a aposentadoria por invalidez, pois se o
indivíduo não pode trabalhar, não há como se manter, e o benefício substitui sua renda
mensal. Há benefícios que, por não terem essa natureza substitutiva, podem ser fixados em
valor inferior ao do salário mínimo, pois são complementares.
O Regime Geral da Previdência Social, denominado RGPS, conta com dez
benefícios previdenciários diferentes, e dois deles não são substitutivos: o salário-família,
que complementa a remuneração do segurado de baixa renda que tem filhos para sustentar;
e o auxílio-acidente, que tem natureza indenizatória, e não substitutiva, pois o segurado
ainda poderá trabalhar, assim que se recuperar – há apenas incapacidade temporária para o
trabalho.

1.1.1. Regimes de previdência

As Leis 8.212 e 8.213, de 1991, regulamentam, respectivamente, o custeio e os


benefícios previdenciários. Existem dois regimes na previdência social: o RGPS, já
mencionado, destinado a todos; e o RPPS, Regime Próprio da Previdência Social, destinado
aos servidores públicos efetivos. O RGPS está no artigo 201 da CRFB, supra, e o RPPS
está no artigo 40 da Constituição:

“Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos


Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas
autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de
caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo
ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas,
observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e
o disposto neste artigo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº
41, 19.12.2003)

Michell Nunes Midlej Maron 103


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

§ 1º Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata


este artigo serão aposentados, calculados os seus proventos a partir
dos valores fixados na forma dos §§ 3º e 17: (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)
I - por invalidez permanente, sendo os proventos proporcionais ao
tempo de contribuição, exceto se decorrente de acidente em serviço,
moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, na
forma da lei; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41,
19.12.2003)
II - compulsoriamente, aos setenta anos de idade, com proventos
proporcionais ao tempo de contribuição; (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 20, de 15/12/98)
III - voluntariamente, desde que cumprido tempo mínimo de dez anos
de efetivo exercício no serviço público e cinco anos no cargo efetivo
em que se dará a aposentadoria, observadas as seguintes condições:
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98)
a) sessenta anos de idade e trinta e cinco de contribuição, se homem,
e cinqüenta e cinco anos de idade e trinta de contribuição, se mulher;
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98)
b) sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de
idade, se mulher, com proventos proporcionais ao tempo de
contribuição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de
15/12/98)
§ 2º - Os proventos de aposentadoria e as pensões, por ocasião de sua
concessão, não poderão exceder a remuneração do respectivo
servidor, no cargo efetivo em que se deu a aposentadoria ou que
serviu de referência para a concessão da pensão. (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98)
§ 3º Para o cálculo dos proventos de aposentadoria, por ocasião da
sua concessão, serão consideradas as remunerações utilizadas como
base para as contribuições do servidor aos regimes de previdência de
que tratam este artigo e o art. 201, na forma da lei. (Redação dada
pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)
§ 4º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a
concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata
este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis
complementares, os casos de servidores: (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 47, de 2005)
I portadores de deficiência; (Incluído pela Emenda Constitucional nº
47, de 2005)
II que exerçam atividades de risco; (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 47, de 2005)
III cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que
prejudiquem a saúde ou a integridade física. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 47, de 2005)
§ 5º - Os requisitos de idade e de tempo de contribuição serão
reduzidos em cinco anos, em relação ao disposto no § 1º, III, "a",

Michell Nunes Midlej Maron 104


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

para o professor que comprove exclusivamente tempo de efetivo


exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino
fundamental e médio. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº
20, de 15/12/98)
§ 6º - Ressalvadas as aposentadorias decorrentes dos cargos
acumuláveis na forma desta Constituição, é vedada a percepção de
mais de uma aposentadoria à conta do regime de previdência previsto
neste artigo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de
15/12/98)
§ 7º Lei disporá sobre a concessão do benefício de pensão por morte,
que será igual: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41,
19.12.2003)
I - ao valor da totalidade dos proventos do servidor falecido, até o
limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de
previdência social de que trata o art. 201, acrescido de setenta por
cento da parcela excedente a este limite, caso aposentado à data do
óbito; ou (Incluído pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)
II - ao valor da totalidade da remuneração do servidor no cargo
efetivo em que se deu o falecimento, até o limite máximo
estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social
de que trata o art. 201, acrescido de setenta por cento da parcela
excedente a este limite, caso em atividade na data do óbito. (Incluído
pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)
§ 8º É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes,
em caráter permanente, o valor real, conforme critérios estabelecidos
em lei. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41,
19.12.2003)
§ 9º - O tempo de contribuição federal, estadual ou municipal será
contado para efeito de aposentadoria e o tempo de serviço
correspondente para efeito de disponibilidade. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 20, de 15/12/98)
§ 10 - A lei não poderá estabelecer qualquer forma de contagem de
tempo de contribuição fictício. (Incluído pela Emenda Constitucional
nº 20, de 15/12/98)
§ 11 - Aplica-se o limite fixado no art. 37, XI, à soma total dos
proventos de inatividade, inclusive quando decorrentes da
acumulação de cargos ou empregos públicos, bem como de outras
atividades sujeitas a contribuição para o regime geral de previdência
social, e ao montante resultante da adição de proventos de inatividade
com remuneração de cargo acumulável na forma desta Constituição,
cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração,
e de cargo eletivo. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de
15/12/98)
§ 12 - Além do disposto neste artigo, o regime de previdência dos
servidores públicos titulares de cargo efetivo observará, no que
couber, os requisitos e critérios fixados para o regime geral de

Michell Nunes Midlej Maron 105


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

previdência social. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de


15/12/98)
§ 13 - Ao servidor ocupante, exclusivamente, de cargo em comissão
declarado em lei de livre nomeação e exoneração bem como de outro
cargo temporário ou de emprego público, aplica-se o regime geral de
previdência social. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de
15/12/98)
§ 14 - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, desde
que instituam regime de previdência complementar para os seus
respectivos servidores titulares de cargo efetivo, poderão fixar, para o
valor das aposentadorias e pensões a serem concedidas pelo regime
de que trata este artigo, o limite máximo estabelecido para os
benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art.
201. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98)
§ 15. O regime de previdência complementar de que trata o § 14 será
instituído por lei de iniciativa do respectivo Poder Executivo,
observado o disposto no art. 202 e seus parágrafos, no que couber,
por intermédio de entidades fechadas de previdência complementar,
de natureza pública, que oferecerão aos respectivos participantes
planos de benefícios somente na modalidade de contribuição
definida. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41,
19.12.2003)
§ 16 - Somente mediante sua prévia e expressa opção, o disposto nos
§§ 14 e 15 poderá ser aplicado ao servidor que tiver ingressado no
serviço público até a data da publicação do ato de instituição do
correspondente regime de previdência complementar. (Incluído pela
Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98)
§ 17. Todos os valores de remuneração considerados para o cálculo
do benefício previsto no § 3° serão devidamente atualizados, na
forma da lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 41,
19.12.2003)
§ 18. Incidirá contribuição sobre os proventos de aposentadorias e
pensões concedidas pelo regime de que trata este artigo que superem
o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de
previdência social de que trata o art. 201, com percentual igual ao
estabelecido para os servidores titulares de cargos efetivos. (Incluído
pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)
§ 19. O servidor de que trata este artigo que tenha completado as
exigências para aposentadoria voluntária estabelecidas no § 1º, III, a,
e que opte por permanecer em atividade fará jus a um abono de
permanência equivalente ao valor da sua contribuição previdenciária
até completar as exigências para aposentadoria compulsória contidas
no § 1º, II. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)
§ 20. Fica vedada a existência de mais de um regime próprio de
previdência social para os servidores titulares de cargos efetivos, e de
mais de uma unidade gestora do respectivo regime em cada ente

Michell Nunes Midlej Maron 106


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

estatal, ressalvado o disposto no art. 142, § 3º, X. (Incluído pela


Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)
§ 21. A contribuição prevista no § 18 deste artigo incidirá apenas
sobre as parcelas de proventos de aposentadoria e de pensão que
superem o dobro do limite máximo estabelecido para os benefícios
do regime geral de previdência social de que trata o art. 201 desta
Constituição, quando o beneficiário, na forma da lei, for portador de
doença incapacitante. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 47, de
2005)”

São destinatários do RGPS os segurados da iniciativa privada, quais sejam: os


empregados; os empregados domésticos; os contribuintes individuais; os trabalhadores
avulsos; e os segurados especiais; e os segurados facultativos. Há que se ressaltar que o
servidor público comissionado, sem vínculo efetivo, é alcançado pelo RGPS, como se vê no
artigo supra, no § 13: é ali inserido na condição de empregado.
O RPPS é instituído, em favor dos servidores de cada ente, por meio de lei desse
próprio ente. Nem todos os municípios do Brasil têm RPPS instituído para seus servidores
efetivos. Como não pode haver exclusão de ninguém da previdência social, ante a
universalidade da proteção previdenciária, há o encarte desses servidores no RGPS,
também como segurado empregado.
O RGPS conta com um teto remuneratório aos beneficiários, que hoje está pouco
abaixo de três mil e oitocentos reais. Assim, não há benefício superior a esse teto, no RGPS.
Para obter benefício acima desse valor, é preciso buscar aposentadoria privada
complementar, junto à iniciativa privada – o que é facultativo, por óbvio.
No RPPS, não há essa vinculação ao limite máximo do RGPS, mas há que se
instituir um regime de previdência complementar de natureza pública, o qual deve ser
instituído por lei ordinária do ente em questão, em regime fechado, apenas acessível aos
servidores de determinada esfera, e com plano de benefício de contribuição definida, e não
de benefício definido nem contribuição variável.
Antes da EC 41/03, não havia previsão, na CRFB, de contribuição previdenciária
sobre inativos. Assim, à luz do § 12 do artigo 40, supra, da CRFB, que permite a aplicação,
ao RPPS, do artigo 195, II, da CRFB, era inconstitucional qualquer norma que impusesse
contribuição sobre proventos de inativos:

“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade,


de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos
provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
(...)
II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não
incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo
regime geral de previdência social de que trata o art. 201; (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
(...)”

Hoje, a vedação à tributação dos inativos do RGPS continua vigente, mas a dos
inativos do RPPS não mais se aplica: é possível incidir contribuição sobre o RPPS, porque

Michell Nunes Midlej Maron 107


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

a EC 41/03 incluiu o § 18 no artigo 40, supra, assim permitindo. Contudo, por mera questão
de isonomia, a contribuição só poderá incidir sobre o valor que exceder ao teto do RGPS,
pois até esse valor há pessoas idênticas em situações jurídicas idênticas, e se o RGPS não
pode ser tributado, o RPPS, até esse limite, também não pode.
Há ainda outra ressalva: o portador de doença incapacitante somente contribuirá
sobre o valor que exceder ao dobro do teto do RGPS, na forma do § 21 do artigo 40 da
CRFB, porque se presume que essa pessoa precisa de mais recursos que o normal.
Aqueles que já estavam aposentados antes da EC 41/03 não poderão invocar direito
adquirido, eis que não pode haver essa invocação em face de um novo regime, não havendo
imunidade tributária absoluta na CRFB. Mas veja que a tributação deve ser equiparada,
para quem se aposentou antes ou depois, e para qualquer esfera federativa, pois do contrário
há quebra do princípio da isonomia tributária.

1.2. Assistência social

A assistência social, na forma do artigo 203 da CRFB, independe de contribuições


para ser devida: é entregue a quem dela necessite, independentemente de qualquer
contribuição.

“Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar,


independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por
objetivos:
I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à
velhice;
II - o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III - a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência
e a promoção de sua integração à vida comunitária;
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa
portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir
meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua
família, conforme dispuser a lei.”

O benefício de amparo assistencial, benefício de prestação continuada – BPC –, está


previsto no inciso V do artigo supra, e no artigo 20 da Lei Orgânica da Assistência Social –
LOAS –, Lei 8.742/93, é concedido apenas ao idoso ou deficiente que apresentar condição
de miserabilidade. Essa miserabilidade é objetiva: é miserável aquele idoso ou deficiente
que pertença a família cuja renda mensal per capita seja inferior a um quarto do salário
mínimo. Se for igual a um quarto, já não há miserabilidade.

“Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um)


salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso
com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir meios
de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua
família.

Michell Nunes Midlej Maron 108


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, entende-se como família o


conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei no 8.213, de 24 de
julho de 1991, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada
pela Lei nº 9.720, de 30.11.1998)
§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de
deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o
trabalho.
§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa
portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per
capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
§ 4º O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo
beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de
outro regime, salvo o da assistência médica.
§ 5º A situação de internado não prejudica o direito do idoso ou do
portador de deficiência ao benefício.
§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita a exame médico pericial
e laudo realizados pelos serviços de perícia médica do Instituto
Nacional do Seguro Social - INSS. (Redação dada pela Lei nº 9.720,
de 30.11.1998) (Vide Lei nº 9.720, de 30.11.1998)
§ 7º Na hipótese de não existirem serviços no município de
residência do beneficiário, fica assegurado, na forma prevista em
regulamento, o seu encaminhamento ao município mais próximo que
contar com tal estrutura. (Incluído pela Lei nº 9.720, de 30.11.1998)
§ 8º A renda familiar mensal a que se refere o § 3o deverá ser
declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se
aos demais procedimentos previstos no regulamento para o
deferimento do pedido.(Incluído pela Lei nº 9.720, de 30.11.1998)”
A jurisprudência, porém, tem reconhecido, porém, que a miserabilidade pode ser
comprovada por outros elementos, sendo considerado miserável mesmo que sua família
ostente renda maior do que um quarto do salário mínimo per capita. Assim ocorre, por
exemplo, se o idoso ou deficiente demonstrar que tem despesas com saúde que superam o
porte financeiro de sua família.
O STF, outrora, já repudiou essa tese, e já se manifestou pela objetividade do
critério, na forma da lei, em sede até mesmo de reclamação. Recentemente, no entanto, a
Corte Suprema tem se curvado ao argumento de aferição casuística da miserabilidade,
acatando essa lógica, muito mais correta, de fato. Vale dizer que, administrativamente,
nunca será concedido o benefício pelo INSS sem a prova da miserabilidade objetiva,
pautada no limite de um quarto do salário mínimo.

1.3. Saúde

Veja o artigo 196 da CRFB:

“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido


mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco
de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às
ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

Michell Nunes Midlej Maron 109


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

A organização da saúde, no Brasil, é feita principalmente pela Lei 8.080/90.

Casos Concretos

Questão 1

REGINA LÚCIA SILVA, servidora aposentada do TJERJ, impetra mandado de


segurança em face do Secretário da Receita Estadual. Alega que, por se encontrar
aposentada desde março de 1995, não deveria ser abarcada pela reforma da previdência
sistematizada através da EC 41/2003, uma vez que, a se manter o referido desconto,
haveria violação de direito adquirido, pois quando de sua aposentadoria, era assegurada
aos inativos, a imunidade tributária, pugnando assim pela inconstitucionalidade do art. 4º
da referida Emenda.
Já MÔNICA SOUZA, sua amiga, 63 anos de idade, impetra outro mandado de
segurança, desta vez sob o argumento de que, por ser funcionária da Justiça Estadual,
contribuiria sobre um valor maior do que o dos servidores da União, cujos vencimentos
estariam iguais ao seu; violar-se-ia, assim, o princípio da isonomia.
Em suas respostas, o Secretário Flavio Figueira alega que a cobrança está em
vigor, de acordo com a superveniente Emenda Constitucional. Alerta também para o fato
de que, caso as postulantes entendam como inconstitucional a referida cobrança, pelo
menos a reconheçam como uma contraprestação pelo serviço que recebem do Estado. Isto
porque as duas encontram-se em tratamento na rede estadual de saúde tendo em vista

Michell Nunes Midlej Maron 110


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

sérios problemas de obesidade mórbida, cujos caros remédios são fornecidos


gratuitamente às rés.
Responda, fundamentadamente, se deve ser deferido o writ.

Resposta à Questão 1

Veja o que entendeu o STF, na ADI 3.105:

“ADI 3105 / DF STF – Rel. Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) p/


Acórdão: Min. CEZAR PELUSO, j. 18/08/2004, Tribunal Pleno
1. Inconstitucionalidade. Seguridade social. Servidor público.
Vencimentos. Proventos de aposentadoria e pensões. Sujeição à
incidência de contribuição previdenciária. Ofensa a direito adquirido
no ato de aposentadoria. Não ocorrência. Contribuição social.
Exigência patrimonial de natureza tributária. Inexistência de norma
de imunidade tributária absoluta. Emenda Constitucional nº 41/2003
(art. 4º, caput). Regra não retroativa. Incidência sobre fatos geradores
ocorridos depois do início de sua vigência. Precedentes da Corte.
Inteligência dos arts. 5º, XXXVI, 146, III, 149, 150, I e III, 194, 195,
caput, II e § 6º, da CF, e art. 4º, caput, da EC nº 41/2003. No
ordenamento jurídico vigente, não há norma, expressa nem
sistemática, que atribua à condição jurídico-subjetiva da
aposentadoria de servidor público o efeito de lhe gerar direito
subjetivo como poder de subtrair ad aeternum a percepção dos
respectivos proventos e pensões à incidência de lei tributária que,
anterior ou ulterior, os submeta à incidência de contribuição
previdencial. Noutras palavras, não há, em nosso ordenamento,
nenhuma norma jurídica válida que, como efeito específico do fato
jurídico da aposentadoria, lhe imunize os proventos e as pensões, de
modo absoluto, à tributação de ordem constitucional, qualquer que
seja a modalidade do tributo eleito, donde não haver, a respeito,
direito adquirido com o aposentamento.
2. Inconstitucionalidade. Ação direta. Seguridade social. Servidor
público. Vencimentos. Proventos de aposentadoria e pensões.
Sujeição à incidência de contribuição previdenciária, por força de
Emenda Constitucional. Ofensa a outros direitos e garantias
individuais. Não ocorrência. Contribuição social. Exigência
patrimonial de natureza tributária. Inexistência de norma de
imunidade tributária absoluta. Regra não retroativa. Instrumento de
atuação do Estado na área da previdência social. Obediência aos
princípios da solidariedade e do equilíbrio financeiro e atuarial, bem
como aos objetivos constitucionais de universalidade, equidade na
forma de participação no custeio e diversidade da base de
financiamento. Ação julgada improcedente em relação ao art. 4º,
caput, da EC nº 41/2003. Votos vencidos. Aplicação dos arts. 149,
caput, 150, I e III, 194, 195, caput, II e § 6º, e 201, caput, da CF. Não
é inconstitucional o art. 4º, caput, da Emenda Constitucional nº 41, de

Michell Nunes Midlej Maron 111


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

19 de dezembro de 2003, que instituiu contribuição previdenciária


sobre os proventos de aposentadoria e as pensões dos servidores
públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
incluídas suas autarquias e fundações.
3. Inconstitucionalidade. Ação direta. Emenda Constitucional (EC nº
41/2003, art. 4º, § únic, I e II). Servidor público. Vencimentos.
Proventos de aposentadoria e pensões. Sujeição à incidência de
contribuição previdenciária. Bases de cálculo diferenciadas.
Arbitrariedade. Tratamento discriminatório entre servidores e
pensionistas da União, de um lado, e servidores e pensionistas dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de outro. Ofensa ao
princípio constitucional da isonomia tributária, que é particularização
do princípio fundamental da igualdade. Ação julgada procedente para
declarar inconstitucionais as expressões “cinqüenta por cento do” e
“sessenta por cento do”, constante do art. 4º, § único, I e II, da EC nº
41/2003. Aplicação dos arts. 145, § 1º, e 150, II, cc. art. 5º, caput e §
1º, e 60, § 4º, IV, da CF, com restabelecimento do caráter geral da
regra do art. 40, § 18. São inconstitucionais as expressões “cinqüenta
por cento do” e “sessenta por cento do”, constantes do § único,
incisos I e II, do art. 4º da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de
dezembro de 2003, e tal pronúncia restabelece o caráter geral da
regra do art. 40, § 18, da Constituição da República, com a redação
dada por essa mesma Emenda.”

“Decisão
O Tribunal, por unanimidade, rejeitou as preliminares. Votou o
Presidente. Em seguida, após os votos da Senhora Ministra Ellen
Gracie, Relatora, e Carlos Britto, que julgavam procedente a ação e
declaravam a inconstitucionalidade do artigo 4º, caput, parágrafo
único, incisos I e II, da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de
dezembro de 2003, e do voto do Senhor Ministro Joaquim Barbosa,
que a julgava improcedente, pediu vista dos autos o Senhor Ministro
Cezar Peluso. Falaram, pelas requerentes, Associação Nacional dos
Membros do Ministério Público-CONAMP, o Dr. Aristides Junqueira
Alvarenga e pela Associação Nacional dos Procuradores da
República - ANPR, o Dr. Artur de Castilho Neto; pelas amici curiae,
Federação Nacional dos Auditores Fiscais da Previdência Social-
FENAFISP; Sindicato dos Policiais Civis de Londrina e Região-
SINDIPOL; Associação Nacional dos Advogados da União e dos
Advogados das Entidades Federais- ANAJUR; Sindicato Nacional
dos Docentes das Instituições de Ensino Superior-ANDES;
Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Previdência Social-
ANFIP; Federação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores do
Judiciário Federal e Ministério Público da União-FENAJUFE;
Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal-
UNAFISCO SINDICAL; Sindicato dos Trabalhadores do Poder
Judiciário e do Ministério Público da União no Distrito Federal-

Michell Nunes Midlej Maron 112


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

SINDJUS-DF, os Drs. Mauro Menezes e José Luiz Wagner; pela


Advocacia-Geral da União, o Dr. Álvaro Ribeiro Costa e, pelo
Ministério Público Federal, o Dr. Cláudio Lemos Fonteles,
Procurador-Geral da República. Presidência, em exercício, do Senhor
Ministro Nelson Jobim, Vice-Presidente. Plenário, 26.05.2004.
Renovado o pedido de vista do Senhor Ministro Cezar Peluso,
justificadamente, nos termos do § 1º do artigo 1º da Resolução nº
278, de 15 de dezembro de 2003. Presidência do Senhor Ministro
Nelson Jobim. Plenário, 23.6.2004. O Tribunal, por maioria, julgou
improcedente a ação em relação ao caput do artigo 4º da Emenda
Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, vencidos a Senhora
Ministra Ellen Gracie, Relatora, e os Senhores Ministros Carlos
Britto, Marco Aurélio e Celso de Mello. Por unanimidade, o Tribunal
julgou inconstitucionais as expressões “cinqüenta por cento do” e
“sessenta por cento do”, contidas, respectivamente, nos incisos I e II
do parágrafo único do artigo 4º da Emenda Constitucional nº
41/2003, pelo que aplica-se, então, à hipótese do artigo 4º da EC nº
41/2003 o § 18 do artigo 40 do texto permanente da Constituição,
introduzido pela mesma emenda constitucional. Votou o Presidente, o
Senhor Ministro Nelson Jobim. Redigirá o acórdão o Senhor Ministro
Cezar Peluso. Plenário, 18.08.2004.”

Questão 2

O Município de Pirapora do Oeste ingressa em juízo pleiteando a anulação de


notificação lavrada por auditor-fiscal da Receita Federal do Brasil o qual, durante a
atividade fiscal, enquadrou todo o secretariado do Município na qualidade de segurados
empregados do RGPS, sob argumento de que ocupariam somente cargo em comissão, o
que exclui a possibilidade de vínculo com o Regime Próprio de Previdência do Município.
O Município alega que tal enquadramento viola sua autonomia, colocando em risco o
pacto federativo, e por isso seria inconstitucional art. 40, § 13 da Constituição, acrescido
pela EC n° 20/98, além de ser a tributação contrária à da imunidade recíproca, fixada no
art. 150 da Constituição. Decida a questão.

Resposta à Questão 2

De acordo com previsão expressa do art. 40, § 13 da Constituição, na redação dada


pela EC n. 41/03, a vinculação de servidor ocupante, exclusivamente, de cargo em
comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração bem como de outro cargo
temporário ou de emprego público, é necessariamente frente ao RGPS. Naturalmente, se
possuir também cargo de provimento efetivo, poderá manter-se vinculado ao respectivo
regime próprio, nos termos do art. 40, caput da Constituição. Ocupantes de Cargo em
Comissão e Regime Geral de Previdência O Tribunal julgou improcedente pedido
formulado em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Governador do Estado de
Mato Grosso do Sul contra o § 13 do art. 40 da Constituição Federal, introduzido pela EC
20/98, que estabelece que, ao servidor ocupante, exclusivamente, de cargo em comissão,

Michell Nunes Midlej Maron 113


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

bem como de outro cargo temporário ou de emprego público, aplica-se o regime geral de
previdência social.
Afastou-se, inicialmente, a alegação de que o dispositivo impugnado ofenderia o art.
60, § 4°, I da CF por tendente a abolir a forma federativa do Estado, asseverando-se que
esta não pode ser conceituada a partir de um modelo ideal e apriorístico de Federação, mas,
sim, daquele que o constituinte originário concretamente adotou e erigiu em limite material
imposto às futuras emendas à Constituição. Esclareceu-se que as limitações materiais ao
poder constituinte de reforma que o art. 60, § 4°, da CF enumera não significam a
intangibilidade literal da respectiva disciplina na Constituição originária, mas apenas a
proteção do núcleo essencial dos princípios e institutos cuja preservação nelas se protege.
Salientou-se, também, a orientação firmada pela Corte no sentido da constitucionalidade do
preceito questionado quando do julgamento do MS 23047 MC/DF (DJU de 14.11.2003).
Ressaltou-se, ademais, que a matéria da disposição discutida, por ter natureza
providenciaria, comporta norma geral de âmbito nacional de validade, que à União se
facultava editar, sem prejuízo da legislação estadual suplementar ou plena, na falta de lei
federal (CF, artigos 24, XII e 40, § 2°, na redação original). Assim, se a matéria podia ser
tratada por lei federal, com base nos preceitos do texto constitucional originário, com maior
razão não tenderia a abolir a autonomia dos Estados-membros seu tratamento por emenda
constitucional. Por fim, rejeitou-se o argumento de ofensa ao princípio da imunidade
tributária recíproca, haja vista o entendimento do Supremo de que a imunidade tributária
prevista no art. 150, VI, da CF refere-se apenas aos impostos, não podendo ser invocada na
hipótese de contribuições previdenciárias.
Veja os julgados abaixo:

“MS 23047 MC / DF STF – Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, j.


11/02/1998, Plenário
I. Emenda constitucional: limitações materiais (cláusulas pétreas);
controle jurisdicional preventivo (excepcionalidade); a proposta de
reforma previdenciária (PEC 33-I), a forma federativa de Estado (CF,
art. 60, § 1º) e os direitos adquiridos (CF, art. 60, § 4º, IV, c/c art. 5º,
36): alcance das cláusulas invocadas: razões do indeferimento da
liminar.
II. Mandado de segurança: pedido de liminar: possibilidade de sua
submissão ao Plenário pelo relator, atendendo a relevância da matéria
e a gravidade das conseqüências possíveis da decisão.”

“ADI 2024 / DF STF – Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, j.


03/05/2007, Tribunal Pleno
I. Ação direta de inconstitucionalidade: seu cabimento - sedimentado
na jurisprudência do Tribunal – para questionar a compatibilidade de
emenda constitucional com os limites formais ou materiais impostos
pela Constituição ao poder constituinte derivado: precedentes.
II. Previdência social (CF, art. 40, § 13, cf. EC 20/98): submissão dos
ocupantes exclusivamente de cargos em comissão, assim como os de
outro cargo temporário ou de emprego público ao regime geral da
previdência social: argüição de inconstitucionalidade do preceito por
tendente a abolir a “forma federativa do Estado” (CF, art. 60, § 4º, I):

Michell Nunes Midlej Maron 114


EMERJ – CP VI Direito Constitucional VI

improcedência. 1. A “forma federativa de Estado” - elevado a


princípio intangível por todas as Constituições da República – não
pode ser conceituada a partir de um modelo ideal e apriorístico de
Federação, mas, sim, daquele que o constituinte originário
concretamente adotou e, como o adotou, erigiu em limite material
imposto às futuras emendas à Constituição; de resto as limitações
materiais ao poder constituinte de reforma, que o art. 60, § 4º, da Lei
Fundamental enumera, não significam a intangibilidade literal da
respectiva disciplina na Constituição originária, mas apenas a
proteção do núcleo essencial dos princípios e institutos cuja
preservação nelas se protege. 2. À vista do modelo ainda
acentuadamente centralizado do federalismo adotado pela versão
originária da Constituição de 1988, o preceito questionado da EC
20/98 nem tende a aboli-lo, nem sequer a afetá-lo. 3. Já assentou o
Tribunal (MS 23047-MC, Pertence), que no novo art. 40 e seus
parágrafos da Constituição (cf. EC 20/98), nela, pouco inovou “sob a
perspectiva da Federação, a explicitação de que aos servidores
efetivos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, “é
assegurado regime de previdência
de caráter contributivo, observados critérios que preservem o
equilíbrio financeiro e atuarial”, assim como as normas relativas às
respectivas aposentadorias e pensões, objeto dos seus numerosos
parágrafos: afinal, toda a disciplina constitucional originária do
regime dos servidores públicos - inclusive a do seu regime
previdenciário - já abrangia os três níveis da organização federativa,
impondo-se à observância de todas as unidades federadas, ainda
quando - com base no art. 149, parág. único - que a proposta não
altera – organizem sistema previdenciário próprio para os seus
servidores”: análise da evolução do tema, do texto constitucional de
1988, passando pela EC 3/93, até a recente reforma previdenciária. 4.
A matéria da disposição discutida é previdenciária e, por sua
natureza, comporta norma geral de âmbito nacional de validade, que
à União se facultava editar, sem prejuízo da legislação estadual
suplementar ou plena, na falta de lei federal (CF 88, arts. 24, XII, e
40, § 2º): se já o podia ter feito a lei federal, com base nos preceitos
recordados do texto constitucional originário, obviamente não afeta
ou, menos ainda, tende a abolir a autonomia dos Estados-membros
que assim agora tenha prescrito diretamente a norma constitucional
sobrevinda. 5. É da jurisprudência do Supremo Tribunal que o
princípio da imunidade tributária recíproca (CF, art. 150, VI, a) -
ainda que se discuta a sua aplicabilidade a outros tributos, que não os
impostos - não pode ser invocado na hipótese de contribuições
previdenciárias. 6. A auto-aplicabilidade do novo art. 40, § 13 é
questão estranha à constitucionalidade do preceito e, portanto, ao
âmbito próprio da ação direta.”

Michell Nunes Midlej Maron 115

Você também pode gostar