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Ficha 15

5.
b) O RAU estabelecia que, “na falta de estipulaçã o”, o contrato se considerava
celebrado pelo prazo de 5 anos. A regra supletiva passou, todavia, a ser de
10 anos com o NRAU. Sabendo que nada se estabeleceu no contrato, diga
qual o prazo de duraçã o do arrendamento celebrado por A.
Temos uma sucessã o de leis no tempo. Há que determinar qual das duas leis, se a
lei antiga que previa o prazo de 5 anos, se a lei nova que previa o prazo de 10 anos
é aplicá vel ao caso em apreço. A regra geral é nos termos do art.12º n1, a de que a
lei apenas dispõ e para o futuro – principio geral da nã o retroatividade da lei. O
art.12º n2 vem densificar o critério geral da aplicaçã o da lei no tempo. Dele resulta
que e aplica: só aos factos novos a lei que dispõ e sore as condiçõ es de validade
substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos; á s pró prias
situaçõ es já constituídas a lei que dispuser sobre o conteú do de certas relaçõ es
jurídicas abstraindo dos factos que lhes deram origem. Na primeira parte do
art.12º n1, prevê-se a hipó tese da lei regular efeitos sabendo-se que o pró prio
conteú do de situaçõ es jurídicas pode ser considerado um efeito de um facto, surge
a necessidade de distinguir os efeitos que estã o previsos na primeira parte do
preceito e os que caiem já no â mbito da segunda parte. o elemento decisivo está na
referencia à lei que dispomos sobre o conteú do de certas situaçõ es jurídicas
abstraindo dos factos que lhes deram origem. É que a lei nova pode regular efeitos
como expressã o de uma valoraçã o dos factos que lhes deram origem. Nesse caso,
aplica-se só aos factos novos. Pelo contrá rio, a lei nova pode atender diretamente à
situaçã o seja qual for o facto que a tiver originado. Por outras palavras, a lei nova
regula os efeitos de um facto com abstençã o desse facto sempre que os efeitos se
encontrem de tal modo autonomizados do seu facto originador que nã o implicam
nenhuma valoraçã o desse mesmo facto, nã o fazendo sentido aplica-se a lei antiga.
Aplica-se entã o imediatamente a lei nova. No nosso caso, a lei nova, dispõ e sobre o
conteú do da relaçã o jurídica de arrendamento. Para sabermos se a lei nova se
aplica á s relaçõ es jurídicas contratuais constituídas antes do seu início de vigência,
mas que se mantém temos de averiguar se a lei nova regula o conteú do da relaçã o
jurídica sem atender ao facto que lhe deu origem, abstraindo-se dele. O facto que
aqui dá origem à relaçã o jurídica é a celebraçã o do contrato pelas partes. Estando
em causa a alteraçã o de uma norma supletiva, nã o se pode considerar haver
abstraçã o dos factos que deram origem à relaçã o jurídica nos termos, e para os
efeitos do art.12º n2 2º parte. sendo a norma supletiva uma norma dispositiva que
supre a falta de manifestaçã o de vontade das partes parece dever entender-se que
no fundo as partes tomaram a decisã o de incluir aquele regime supletivo na
disciplina contratual e, deste modo, deve considerar-se nã o haver abstraçã o dos
factos que deram origem à relaçã o jurídica. a norma supletiva deve considerar-se
como incorporada no contrato por ter sido como tacitamente acolhida nas suas
disposiçõ es, pela vontade das partes e esta deve ser respeitada salvos quando
motivos ponderosos impunham o seu sacrifício. Desde modo, a lei nova, que altera
o prazo supletivo do contrato nã o se aplica ao contrato celebrado por A, mantendo-
se o prazo supletivo de 5 anos. Caso estivemos perante uma norma imperativa, que
nã o pode ser afastada por vontade das partes, a soluçã o já seria diferente. Já se
considera haver abstraçã o dos factos que deram origem à relaçã o jurídica e a
norma nova aplica-se mesmo à s relaçõ es jurídicas anteriormente constituídas.

6. Apó s um fim de semana passado na Serra da Estrela em inícios de fevereiro


de 1996, A, seguia, de regresso para o Porto, no seu veículo pela EN230,
quando, devido a uma falta repentina de travõ es, se despistou, indo embater
numa á rvore. B, colega da Faculdade de A, a quem A dava boleia para o
Porto, foi, com o embate, projetado contra o tabliê, tendo sofrido diversas
fraturas. B ficou internado até meados de fevereiro de 1996. Durante mais
de um mês, B teve de ir a consultas externas e a tratamentos
fisioterapêuticos, com os quais teve elevados custos, para além do
sofrimento físico que experienciou na recuperaçã o. Acresce que, durante
este período, ficou impossibilitado de trabalhar, tendo deixado de auferir os
seus salá rios. À data da ocorrência do acidente, o artigo 504.º, n.º 2 CC
estatuía que: “[n]o caso […] de transporte gratuito, o transportador
responde apenas, nos termos gerais, pelos danos que culposamente causar”.
Esta redaçã o foi alterada pelo Decreto-Lei n.º 14/96, de 6 de março, cujo n.º
3 passou a estatuir que: “[n]o caso de transporte gratuito, a
responsabilidade abrange apenas os danos pessoais da pessoa
transportada”. No dia 15 de abril de 1996, B, pretendendo responsabilizar A
pelos danos que sofreu, intenta contra ele uma açã o de indemnizaçã o. B
fundamenta a sua pretensã o na nova redaçã o do artigo 504.º, que, embora
restrinja a responsabilidade do transportador aos danos pessoais do
transportado, prescinde da culpa do transportador. A contesta a açã o,
alegando que nada tem de ressarcir, já que o artigo 504.º CC, na redaçã o
vigente ao tempo do acidente, só previa, no transporte gratuito, a
responsabilidade do transportador, em caso de culpa do transportador no
acidente, culpa essa que, no caso dos autos, nã o existiu (na medida em que o
acidente se ficou a dever a uma falta de travõ es que nã o lhe é imputá vel).
Quid iuris?

Está em causa o problema da aplicaçã o da lei no tempo. Há data da ocorrência do


acidente a lei estipulava que se tratando de transporte gratuito só eram
ressarcíveis os danos culposamente causados pelo transportador. Sucede que,
ainda antes de a açã o de indeminizaçã o dar entrada em tribunal a redaçã o da lei foi
alterada, passando a prever que no caso de transporte gratuito sã o ressarcíeis
independentemente de culpa, os danos pessoais causados na pessoa transportada,
por exemplo lesõ es à integridade física. Para o ressarcimento dos danos pessoais
do transportado deixa de se exigir a culpa do transportador na causaçã o desses
danos. Temos uma sucessã o de leis no tempo e por isso há que determinar qual das
duas leis é aplicá vel ao caso em apreço. A lei nova vem alterar os pressupostos que
se devem verificar para haver responsabilidade civil. A lei antiga determinava que
para haver responsabilidade pelos danos sofridos pelo transportado
gratuitamente, o transportador rinha de ter culpa na produçã o do acidente,
causador dos danos. A culpa constituía um prossuposto da responsabilidade civil
do transportador. A lei nova vem dispensar estes requisitos. O transportador passa
a responder independente de culpa sua na produçã o do acidente. Se a lei nova
altera os pressupostos de facto que devem estar preenchidos para haver
responsabilidade civil e consequentemente obrigaçã o de indemnizar, está em
causa um facto constitutivo. De acordo com BM, podemos sintetizar a teoria da
aplicaçã o da lei no tempo distinguindo entre conteú do e constituiçã o das situaçõ es
jurídicas. À constituiçã o das situaçõ es jurídicas aplica-se a lei de momento em que
essa constituiçã o se verifica. Ao conteú do das situaçõ es jurídicas que subsistem à
data do inicio de vigência da lei nova, aplica-se imediatamente a lei nova, exceto se
esta regular o conteú do as relaçõ es jurídicas atendendo ao facto que lhes deu
origem. Para sabermos qual das duas leis é aplicá vel, temos de atentar no facto
constitutivo da situaçã o jurídica. a lei nova nã o se aplica a factos constitutivos
ocorrido antes do seu inicio de vigência. No nosso caso, o facto constitutivo da
responsabilidade civil é o acidente que ocorreu no domínio da lei antiga pelo que
se aplica a lei antiga e nã o a lei nova. A responsabilidade civil extracontratual é
regulada pela lei vigente ao tempo da prá tica do facto gerador da responsabilidade.
Assim, A tem razã o, aplicando-se a lei antiga e nã o tendo o acidente procedido de
culpa sua, nã o terá de indemnizar os danos sofridos por B.

7. Carlos e Diana viveram em uniã o de facto durante 22 anos, residindo no


apartamento de Carlos, sito em Gondomar, até à data do falecimento deste,
em 1 de fevereiro de 2007. À data do falecimento de Carlos, estava em vigor
a Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, cujo artigo 4.º, n.º 1 dispunha que: “[e]m
caso de morte do membro da uniã o de facto proprietá rio da casa de morada
comum, o membro sobrevivo tem direito real de habitaçã o, pelo prazo de
cinco anos, sobre a mesma, e, no mesmo prazo, direito de preferência na sua
venda”. Desde o falecimento de Carlos, Diana tem residido na casa de
morada comum ao abrigo desta norma. Sucede que, em 2010, a Lei n.º
7/2001 foi alterada pela Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto, passando a
matéria em causa a ser regulada pelo artigo 5.º, n.ºs 1 e 2, com a seguinte
redaçã o: “1 - Em caso de morte do membro da uniã o de facto proprietá rio
da casa de morada da família e do respetivo recheio, o membro sobrevivo
pode permanecer na casa, pelo prazo de cinco anos, como titular de um
direito real de habitaçã o e de um direito de uso do recheio. 2 - No caso de a
uniã o de facto ter começado há mais de cinco anos antes da morte, os
direitos previstos no nú mero anterior sã o conferidos por tempo igual ao da
duraçã o da uniã o”. Sabendo que o atual proprietá rio da casa de morada
comum, herdeiro de Carlos, pretende que Diana deixe de residir na
habitaçã o e que esta se recusa a sair, diga quem terá razã o.

No caso em apreço surge a problemá tica da aplicaçã o da lei no tempo porque


quando a lei nova veio alterar a duraçã o do direito real de habitaçã o de Diana
sobre a casa de Carlos aumentado para 22 anos antes de terminar o prazo inicial
de duraçã o desse direto (5anos) que lhe havia sido conferido ao abrigo da lei
antiga. A regra geral é a da nã o retroatividade da lei nova nos termos do art.12º n1,
pelo que em principio da lei nova nã o tem aplicabilidade no caso. No entanto, de
acordo com o art.12º n2, a modificaçã o operada pela lei nova incide sobre o
conteú do da relaçã o jurídica que se estabelece entre diana na qualidade de
membro sobrevivo da uniã o de facto e o atual proprietá rio da casa, herdeiro de
Carlos abstraindo dos factos que lhe deram origem. Por outras palavras, a lei nova
dispõ e sobre o conteú do temporal do direito real de habitaçã o da uniã o de facto
depois da morte do ex membro com quem vivia sem indicar se se pretende aplicar
a situaçõ es jurídicas que se constituam apó s a sua entrada em vigor. Nessa medida,
aplica-se a lei nova á s situaçõ es jurídicas materialmente constituídas, mas que
ainda produçã o efeitos à data da sua entrada em vigor, como é aqui o caso. A lei
nova vem alterar o prazo de duraçã o do direito real de habitaçã o, alargando-o. A
aplicaçã o no tempo das leis sobre prazos é referida no art.287º, e em conformidade
com este artigo, aplica-se o prazo da lei nova 22 anos) mas conta-se todo o prazo
decorrido desde do momento inicial. É necessá rio computar-se todo o tempo
decorrido desde o falecimento de Carlos que faleceu em, 2007 em que o direito
tinha a duraçã o de 5 anos e a lei nova entra em vigor em 2010, aumentando a
duraçã o do direito para 22 anos. Em 2010, tinha decorrido 3 anos de duraçã o do
direito. Assim, Diana tem o direito de 22 anos, mas é necessá rio descontar os 3
anos já decorridos ao abrigo da lei antiga pelo que lhe restam 19 anos. Por fim,
como refere BM, a nora do 287º n2 nã o passa de uma aplicaçã o direta dos critérios
gerais de direito transitó rio previstos no art.12º. com efeito, tendo o recurso global
do prazo o valor de um facto extintivo do direito, se tal prazo ainda se achava em
curso no momento do inicio de vigência da lei nova é porque tal direito nã o se
achava ainda extinto nesse momento. Assim, cabe à lei nova a competência para
determinar os requisitos da extinçã o desse direito. A lei nova aplica-se
imediatamente

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