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Direito

Disciplina: Fundamentos do Direito Processual


Profª. Mayelli Slongo

Material de Apoio

7. PENSAMENTO CONTEMPORÂNEO DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Com o passar do tempo o direito processual civil passou por diversas fases
voltadas para sua afirmação científica, fixação de seu objeto e método.
1) Fase sincrética:
Nas suas origens o direito processual civil era visto como mero apêndice do
próprio direito material. Era entendido como sendo um reflexo ou desdobramento
necessário das regras de direito material.
Neste período as normas processuais e materiais não conseguiam ser vistas e
analisadas separadamente.
2) Fase autonomista ou científica:
Marco histórico: obra de Oskar Von Bulow de 1968. A partir da obra Teoria dos
pressupostos processuais e das exceções dilatórias que o passou‐se a identificar a
natureza jurídica do processo como sendo distinta da natureza jurídica do que se está
contido ou vinculado nele.
Assim, uma realidade jurídica é o processo que sempre terá natureza de direito
público enquanto que outra relação jurídica é a de direito material nele inserida, que
nem sempre será de direito público.
Conduziu o estudo do processo para algo distante da realidade, muito distante
do direito material controvertido, transformando‐o em uma ciência pouco prática ou
extremamente difícil de coloca rem prática.
3) Contemporâneo:
Prevalece o entendimento de que o estudo científico do processo deve evitar
excessos ou extremos das fases anteriores, de modo que deve ser visto o direito
processual civil como tendo finalidades exteriores a ele, que devem ser alcançadas.
Assim, os elementos externos ao processo relacionam‐se com sua finalidade, com a sua
razão de ser e pro isso não podem ser deixados de lado.
Nesta fase, entende‐se que o direito processual não se confunde com o direito
material, mas, contudo, faz‐se necessário que tenha o devido entrosamento com o
direito material.
Pode‐se dizer que o direito processual é alimentado pelo direito substancial para
realizar adequadamente sua finalidade, que é a de concretização, forçada se for
necessário, das regras relativas ao plano material.

 As relações entre direito material e processual derivam diretamente da


Constituição Federal. Assim, não se trata de verificar em que condições o direito
material será realizado concretamente pelo processo, mas sim de verificar em que
condições o Estado‐juiz pode impor com autoridade a solução para o reconhecimento
do direito controvertido.
 Neste contexto, o processo deve ser entendido como método de atuação
do Estado no sentido de técnica a ser utilizada para prática e exteriorização da vontade
do Estado em cada caso concreto, observando‐se que esta vontade do Estado é
vinculada a determinados fins preestabelecidos.
 Há uma necessária comunicação entre o direito processual e o direito
material embora um não se confunda com o outro.

8. FONTES DO DIREITO PROCESSUAL

A expressão fontes do direito é empregada em dois sentidos:


 Fontes materiais ou reais: causas ou fatores econômicos, políticos e sociais
que determinam o conteúdo histórico das normas. Corresponde ao porquê
da norma.
 Fontes formais: são as formas pelas quais se manifestam ou exteriorizam as
regras jurídicas. Podem ser conceituadas como os meios de produção,
interpretação ou expressão da norma jurídica.
Analisaremos as fontes formais do direito processual.
São fontes formais do direito processual as diferentes espécies normativas que
o ordenamento jurídico considera como formas válidas de expressão do direito.
São fontes do direito processual:

1) Constituição Federal

Estabelece as principais disposições a respeito dos princípios e regras regrais que


deverão ser seguidos na relação processual.

2) Tratados internacionais

Incorporados ao direito interno após a aprovação por decreto legislativo do


congresso nacional e promulgação por decreto do poder executivo.
Exemplo: Pacto San José da Costa Rica – proibição prisão depositário infiel

3) Lei complementar

Diz respeito a uma espécie legislativa mais estável do que a lei ordinária por ser
aprovada pelo Congresso Nacional com quórum qualificado, com caráter autônomo.
Matérias aprovadas por Lei Complementar não podem ser objeto de medida provisória,
já que essas têm hierarquia de Lei Ordinária.
A Constituição prevê os casos que deverão ser regulamentados por Lei
Complementar, sendo três os referentes a matéria processual: o Estatuto da
Magistratura, organização e competência da Justiça Eleitoral (art. 121 e código eleitoral
de 1965) e as normas sobre direito processual do Código Tributário Nacional.

4) Lei ordinária

É a grande fonte formal de direito processual. Isso porque o próprio Código de


Processo Civil encaixa‐se nessa espécie (Lei Ordinária n. 13.105 de 2015). Existem lei
extravagantes, por exemplo Lei 9.099/95 (Juizado especial cível).
5) Leis de organização judiciária, resoluções e regimentos internos dos
tribunais

O objeto principal é a competência. A competência, conforme será estudado,


refere‐se ao conjunto de regras que organiza a distribuição dos processos entre os
diversos órgãos jurisdicionais.
Não são, portanto, fontes formais de direito processual, mas sim de organização
judiciária. Mesmo não versando sobre regras e princípios diretamente destinados a esse
ramo, exercem influência direta na primeira matéria.
O regimento interno dos tribunais, especificamente, visa a regular o seu
funcionamento dentro da própria autonomia.
As resoluções visam complementar a disciplina processual, a fim de suprir
lacunas.

6) Convenções Processuais

Diz respeito a possibilidade de as próprias partes estabelecerem a forma de


gestão do processo e disposição do direito processual ou procedimentais, antes ou após
o surgimento do litígio.
Previamente é a convenção de arbitragem.
No decorrer do processo estão previstas nos artigos 190, 191 e 200 do CPC, por
exemplo: calendário processual.

7) Equidade

Está prevista no artigo 140 do CPC. Somente é permitida decisão por equidade
nos casos permitidos por lei.
Leonardo Greco define a equidade como sendo “a justiça do caso concreto; ela
é o critério de decisão do juiz fundado no sentimento de justiça que lhe revelam as
circunstâncias do caso concreto”.
Sendo assim, respeitando o princípio da legalidade e só decidindo com base na
equidade os casos previstos em lei, o juiz poderá exercer um juízo de conveniência e
oportunidade sobre a decisão mais pertinente para o caso que tiver em mãos, sem que
haja choque com a lei.
Não se trata, contudo, de uma autorização ao juízo arbitrário; isso porque, por
força do dispositivo em questão, o magistrado continua subordinado, além de à
utilização dessa fonte processual apenas nos casos previstos, também aos limites
estabelecidos em lei. A sua margem de discricionariedade se encontra em âmbito
interno aos limites estabelecidos, visto que o caso concreto que demandar juízo
discricionário não estará imune à incidência da legislação processual.

9) Analogia

A analogia é vista como uma forma de integração do ordenamento jurídico,


utilizada para preencher lacunas.
Consiste em aplicar a uma situação não prevista pela lei uma norma idêntica à
norma aplicável a uma situação semelhante a não prevista.
É um método subsidiário.

10) Costumes

Também é fonte formal subsidiária do direito processual.


Não é produzido pelo legislador. Trata‐se de uma regra jurídica não escrita,
proveniente dos usos populares e aceita como necessária pelo próprio povo.

11) Princípio gerais do direito

São as normas que estabelecem as proposições fundamentais do ordenamento


jurídico. Compõem o “espírito do sistema”, no sentido de princípios que inspiram todo
o sistema do direito.

12) Precedentes
De um modo geral, pode‐se dizer que precedente é uma decisão judicial tomada
em um caso concreto que poderá servir de diretriz para julgamentos posteriores de
casos similares.

9. INTERPRETAÇÃO DO DIREITO PROCESSUAL

Interpretar significa atribuir um sentido a um conteúdo jurídico. Consiste em


determinar o significado e fixar o seu alcance.
Em outras palavras trata‐se de determinar seu conteúdo e alcance.
Existem diversos métodos de interpretação da norma jurídica que se estendem
a norma processual. São eles:
 Literal ou gramatical: leva em consideração o significado literal das palavras
que formam a norma. Procura determinar o sentido do texto a partir da
significação que se apoia nos elementos linguísticos. Possui crítica por parte
da doutrina, no sentido de que é o menos adequado para determinar o
sentido do texto, já que limitaria a investigar o significado dos vocábulos e
suas relações recíprocas, sem preocupação com a realidade social.
 Sistemático: segundo o qual a norma é interpretada em conformidade com
as demais regras do ordenamento jurídico, que devem compor um sistema
lógico e coerente que se estabelece a partir da Constituição. Baseia‐se no
postulado fundamental de que não é possível o conhecimento das coisas
isoladas, faz‐se necessário uma análise em conjunto de todo o ordenamento
jurídico.
 Histórico: em que a norma é interpretada em consonância com os seus
antecedentes históricos, resgatando as causas que a determinaram.
 Teleológico ou Lógica: que objetiva buscar o fim social da norma, a mens
legis. Busca‐se reconstruir o pensamento e a vontade do legislador. É Quando
o intérprete se serve de regras gerais do raciocínio para compreender o
espírito da lei.
 Comparativo: se baseia na comparação com os ordenamentos estrangeiros,
buscando no direito comparado subsídios para a interpretação da norma.
Outra classificação trazida pela doutrina diz respeito ao resultado alcançado.
Assim, a atividade interpretativa pode ser classificada em:
 Declarativa: atribuindo à norma o significado de sua expressão literal. exato
sentido proveniente do significado das palavras que a expressam.
 Restritiva: limitando a aplicação da lei a um âmbito mais estrito, quando o
legislador disse mais do que pretendia.
 Extensiva: conferindo‐se uma interpretação mais ampla que a obtida pelo
seu teor literal, hipótese em que o legislador expressou menos do que
pretendia;
 Ab‐rogante: quando conclui pela inaplicabilidade da norma, em razão de
incompatibilidade absoluta com outra regra ou princípio geral do
ordenamento

 Integração
O direito, considerado como ordenamento jurídico, não apresenta lacunas:
sempre haverá no ordenamento jurídico, ainda que latente e inexpressa, uma regra para
disciplinar cada possível situação ou conflito entre pessoas.
O mesmo não acontece com a lei. Por mais imaginativo e previdente que fosse o
legislador, jamais conseguiria através da norma jurídica todas as situações que a
multifária riqueza da vida social, nas suas constantes mutações, poderá ensejar. Muitas
vezes depara‐se com situações conflituosas não previstas pelo legislador. Mas, como é
intolerável a permanência de situações indefinidas perante o direito, torna‐se então
necessário o preenchimento da lacuna da lei. A essa atividade dá‐se o nome de
integração.
Dispõe o artigo 140 do CPC: O juiz não se exime de decidir sob a alegação de
lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico.
Parágrafo único. O juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei.
Percebe‐se, portanto, que o art. 140 do CPC, preceitua a vedação ao non liquet,
isto é, proíbe que o juiz alegue lacuna legal como fator de impedimento à prolação da
decisão.
Para tanto, há de se valer dos meios legais de preenchimento lacunas, previstos
no art. 4º, LINDB, a saber: a analogia (utiliza‐se de regra jurídica prevista para hipótese
semelhante), os costumes (que são fontes da lei) e os princípios gerais do Direito
(princípios decorrentes do próprio ordenamento jurídico).

10. EFICÁCIA ESPACIAL E TEMPORAL DAS NORMAS PROCESSUAIS

A norma jurídica tem eficácia limitada no espaço e no tempo, ou seja, aplica‐se


apenas dentro de dado território e por um certo período de tempo. Tais limitações
também se aplicam à norma processual.
A eficácia espacial das normas processuais é determinada pelo princípio da
territorialidade, conforme expressa o artigo 16 do CPC. O princípio, com fundamento na
soberania nacional, determina que a lei processual pátria deve ser aplicada em todo o
território brasileiro (não sendo proibida a aplicação da lei processual brasileira fora dos
limites nacionais), ficando excluída a possibilidade de aplicação de normas processuais
estrangeiras diretamente pelo juiz nacional.
No que diz respeito à eficácia temporal das normas, aplica‐se o art. 14 do CPC,
segundo o qual a lei processual tem aplicação imediata, alcançando os atos a serem
realizados e sendo vedada a atribuição de efeito retroativo.
Em relação ao início de sua vigência, no entanto, de acordo com o art. 1º da Lei
de Introdução ao Código Civil, a lei processual começa a vigorar quarenta e cinco dias
após a sua publicação, salvo disposição em contrário (na prática, é comum que se
estabeleça a vigência imediata), respeitando‐se, todavia, o direito adquirido, o ato
jurídico perfeito e a coisa julgada, em conformidade com o art. 5º, XXXVI, da CRFB e art.
6°, LINDB.
Assim, mesmo quando a lei nova atinge um processo em andamento, nenhum
efeito tem sobre os fatos ou atos ocorridos sob o império da lei revogada. Alcança o
processo no estado em que se achava no momento de sua entrada em vigor, mas
respeita os efeitos dos atos já praticados, que continuam regulados pela lei do tempo
em que foram consumados. É exatamente o que se contém na regra do art. 14 do NCPC.
Em síntese: as leis processuais são de efeito imediato perante os feitos
pendentes, mas não são retroativas, pois só os atos posteriores à sua entrada em vigor
é que se regularão por seus preceitos. Tempus regit actum.
Questão que se discute no tocante aos processos em andamento por ocasião do
início de vigência da lei nova.
Três sistemas diferentes poderiam hipoteticamente ter aplicação, na resolução
do problema:
1) o da unidade processual, segundo o qual, apesar de se desdobrar em uma
série de atos diversos, o processo apresenta tal unidade que somente
poderia ser regulado por uma única lei, a nova ou a velha, de modo que a
velha teria de se impor para não ocorrer a retroação da nova, com prejuízo
dos atos já praticados até sua vigência;
2) o das fases processuais, para o qual distinguir‐se‐iam fases processuais
autônomas (postulatória, ordinatória, instrutória, decisória e recursal), cada
uma suscetível, de per si, de ser disciplinada por uma lei diferente;
3) o do isolamento dos atos processuais, segundo o qual a lei nova não atinge
os atos processuais já praticados, nem seus efeitos, mas se aplica aos atos
processuais a praticar, sem limitações relativas às chamadas fases
processuais. Esse último sistema tem contado com a adesão da maioria dos
doutrinadores.

Função subsidiária: O art. 15 do CPC estabelece que “na ausência de normas que
regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste
Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente”. O CPC possui papel de fonte
de preenchimento de todas as lacunas dos outros diplomas processuais.

Referências
BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de Direito Processual Civil,
volume 1. 10. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO,
Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 35. ed. São Paulo: Malheiros, 2015.
DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 19ª ed. São Paulo:
Atlas, 2016
ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo. 10. Ed. São Paulo: Atlas,
2009.
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Volume I. 56ª
ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

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