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2018

O Autor

Carlos Biasotti foi advogado criminalista, presidente da


Acrimesp (Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de
São Paulo) e membro efetivo de diversas entidades (OAB, AASP,
IASP, ADESG, UBE, IBCCrim, Sociedade Brasileira de
Criminologia, Associação Americana de Juristas, Academia
Brasileira de Direito Criminal, Academia Brasileira de Arte, Cultura
e História, etc.).

Premiado pelo Instituto dos Advogados de São Paulo, no


concurso O Melhor Arrazoado Forense, realizado em 1982, é autor de
Lições Práticas de Processo Penal, O Crime da Pedra, Tributo aos
Advogados Criminalistas, Advocacia Criminal (Teoria e Prática), além
de numerosos artigos jurídicos publicados em jornais e revistas.

Juiz do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo


(nomeado pelo critério do quinto constitucional, classe dos
advogados), desde 30.8.1996, foi promovido, por merecimento, em
14.4.2004, ao cargo de Desembargador do Tribunal de Justiça.

Condecorações e títulos honoríficos: Colar do Mérito


Judiciário (instituído e conferido pelo Poder Judiciário do Estado de
São Paulo); medalha cívica da Ordem dos Nobres Cavaleiros de São
Paulo; medalha “Prof. Dr. Antonio Chaves”, etc.
Direito Ambiental
Jurisprudência
Carlos Biasotti

Direito Ambiental
Jurisprudência

2018
São Paulo, Brasil
Índice

l. Proêmio 11
2. Direito Ambiental: Jurisprudência (Lei nº 9.605/98) 13
3. Exploração ilegal de produto de origem vegetal
(art. 46, parág. único) 16
4. Crime contra a fauna (art. 29); estado de necessidade
(art. 37, nº I) 21
5. Destruição ou danificação de floresta (art. 38) 29
6. Exploração ilegal de produto de origem vegetal
(art. 46, parág. único) 34
7. Pesca proibida (art. 34, “caput”) 41
8. Crime contra a flora: dificultar a regeneração natural
de floresta (art. 48) 46
9. Maus-tratos de animais domésticos; briga de galo
(art. 32). 52
10. Pesca proibida (art. 34); falta de comprovação do
corpo de delito; absolvição 57
11. Exploração ilegal de produto de origem vegetal
(art. 46, “caput”) 65
12. Exploração ilegal de recursos minerais (art. 55) 71
13. Crime contra a flora: corte de árvores (art. 39) 78
14. Crime contra a flora: corte de árvores (art. 39) 86
15. Dano a Unidade de Conservação (art. 40) 92
16. Destruição ou danificação de floresta (art. 38) 98
17. Depósito irregular de produto nocivo ao meio
ambiente (art. 56) 103
10

18. Pesca proibida (art. 34); estado de necessidade;


absolvição 112
19. Crime contra a fauna (art. 29) 120
20. Apreensão do produto e do instrumento de infração
administrativa (art. 25) 124
21. Crime contra a flora: corte de árvores (art. 39) 131
22. Destruição ou danificação de floresta (art. 38) 138
23. Imagens do Patriarca da Floresta 145
24. XI Mandamento: Não desmatarás (desenho de
Ziraldo) 152
25. Indicações bibliográficas 153
26. Encarte especial: O Patriarca da Floresta 155
27. Lei do Meio Ambiente (Lei nº 9.605/98)........................157
Proêmio

Acostumado já ao clamor da Humanidade e às


maravilhas da Natureza, talvez não leve a mal o benévolo e
paciente leitor estas poucas páginas que escrevi com duplo
fim: tirar a lume alguns votos que, integrante da 5a.
Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo, proferi em processos instaurados por
infração da Lei nº 9.605/98 (Lei do Meio Ambiente), e
apresentar pequeno subsídio à cruzada que espíritos de
escol vêm empreendendo para salvar o planeta e as formas
de vida nele existentes.
Nesse intuito, pareceu-me bem reproduzir a imagem,
a um tempo assombrosa e bela, do Patriarca da Floresta,
denominação por que se conhece o grande jequitibá-rosa
do Parque Estadual de Vassununga (Santa Rita do Passa
Quatro, SP), “considerado a árvore mais antiga do
Brasil”(1), que ilustra a capa deste livrinho.
Sempre que estive a seu pé — e isto por quatro
vezes —, pude sentir (e, comigo, meu filho Carlos
Augusto Biasotti, que me acompanhava) comoção
indescritível!
Arrebatados perante o majestoso jequitibá, era força
nos confirmássemos na verdade daquele verso do poeta:
“uma árvore somente Deus pode fazer”!(2)

O Autor

(1) Cf. Revista Veja, 7.11.2007, p. 134.


(2) “(...) only God can make a tree” (A.J. Kilmer; apud Ettore Barelli e Sergio
Pennacchietti, Dicionário das Citações, 2001, p. 386; Editora Martins Fontes;
São Paulo).
Direito Ambiental: Jurisprudência(*)

I. Como estou perante auditório respeitabilíssimo, peço


licença para falar em pé.

Saúdo os ilustres colegas integrantes da Mesa de


trabalho e todos aqueles que nos vieram honrar com a
presença, interessados na “questão ambiental”.

Convidado pelo Des. Gilberto Passos de Freitas


para discorrer brevemente da jurisprudência em matéria
ambiental, entro a cumprir o que me foi determinado.

Jurisprudência, conforme tradicional conceituação,


“é o direito aplicado com sabedoria”(1).

Para Mário Guimarães, insigne ministro do


Supremo Tribunal Federal, que emprestou o nome ao
Fórum Criminal de São Paulo, “a jurisprudência é, nos
tribunais, a sabedoria dos experientes. É o conselho
precavido dos mais velhos (...). Manter quanto possível a
jurisprudência, será obra de boa política judiciária,
porque inspira no povo confiança na Justiça”(2).

(*) Participação no ciclo de palestras sobre Direito Ambiental promovido pela


Escola Paulista da Magistratura (EPM), em 30.9.2005.
(1) De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, 3a. ed., vol. III, p. 902.
(2) O Juiz e a Função Jurisdicional, 1958, p. 327.
14

Assim, embora os Tribunais Superiores não obriguem


os inferiores salvo quanto ao caso concreto, será de bom
exemplo guardar conformidade àquelas decisões que,
proferidas sob o influxo da reta razão e da equidade,
aproveitem às partes sem ofender o zelo da Justiça.

II. Também na esfera do Direito Ambiental se vai


firmando, paulatinamente, jurisprudência acerca dos variados
temas que o compõem.

Releva notar que, nos casos da Lei do Meio Ambiente


(Lei nº 9.605/98), não é só a lógica do Direito que
comunica beleza aos julgados, mas os próprios bens
jurídicos protegidos, como as riquezas minerais, os recursos
hídricos, a fauna, a flora, etc. Quem não se comove, com
efeito, diante das soberbas cataratas da Foz do Iguaçu, ou
do caudaloso Rio Tietê, que mãos criminosas poluíram?!
Quem ainda não se extasiou com o canto ameno do sabiá,
ou com o perfil solene de uma árvore centenária, que a
cegueira da cupidez de sujeitos gananciosos não trepidará
em deitar abaixo?!

Mário Guimarães, em sua reputada obra, refere que,


nos primórdios da civilização, “o rei, sentado à sombra
do carvalho, ouvia os litigantes”(3).

(3) Op. cit., p. 358.


15

Esta alusão ao velho e frondoso carvalho tange as


fibras sensíveis do homem responsável e exorta-o a preservar
sempre os primores da Natureza!

Da muita estima, em que os caracteres bem formados


tiveram estas dádivas da Criação, há em Joaquim Nabuco
exemplo curioso. Desejando o nosso egrégio patrício
homenagear o colega e amigo Machado de Assis, mandou-
lhe, num rasgo de originalidade, um galho do carvalho de
Tasso, com uma carta de autenticação do prefeito de
Roma(4). Reza a tradição que era debaixo dessa árvore que
o poeta italiano Torquato Tasso costumava cobrar alento
para as fadigas do espírito e achar conforto para seu ânimo
turbado e inquieto.

Não só os poetas, senão ainda os cultores do Direito,


procuremos amar e respeitar tudo aquilo que afirme e
exalte a vida! Criminalistas que somos, defendamos
também a Natureza!

III. Nisto de acórdãos, afirmou alguém, parodiando Luís


Gama, “há de toda casta, pois que a espécie é muito
vasta”(5).

Deles darei, a seguir, duas dezenas.

(4) Machado de Assis, Obras Completas, 1959, vol. 31, p. 91.


(5) Cf. Vicente Azevedo, Curso de Direito Judiciário Penal, 1958, vol. I, p. 71.
1º Caso:(6)

Ementa
– Salvo a hipótese (que requer prova cabal) do sujeito
que, para prover às suas primeiras necessidades e da
família, extrai pequenas quantidades de palmitos de
florestas consideradas de preservação permanente,
constitui crime tê-los em depósito ou para venda, em
grande escala, sem licença da autoridade competente
(art. 46, parág. único, da Lei do Meio Ambiente).
–“O desconhecimento da lei é inescusável” (art. 21 do
Cód. Penal).

1. Da r. sentença que proferiu o MM. Juízo de Direito


da 1a. Vara Distrital de Bertioga (Comarca de Santos),
condenando-o a cumprir, sob o regime aberto, a pena de 6
meses de detenção e 10 dias-multa, substituída a pena
privativa de liberdade por restritiva de direitos (prestação
de serviços à comunidade), por infração do art. 46, parág.
único, da Lei nº 9.605/98 (Lei do Meio Ambiente), interpôs
recurso para este Egrégio Tribunal, com o intuito de
reformá-la, WS.

Alega, nas razões de apelação, que explorou recursos


naturais para a sua subsistência, pois que pessoa
extremamente humilde e desprovida de meios.

Ao demais, afirma sua combativa patrona, carecia o


réu do conhecimento do ilícito.

(6) (TacrimSP; Ap. nº 1.246.499/5 – Santos).


17

Assim, pela consciência da ilicitude do fato, era força


absolvê-lo.

É o que impetra à colenda Câmara (fls. 118/119).

A douta Promotoria de Justiça contrapôs fortes


argumentos à pretensão da nobre Defesa e terçou pela
confirmação da r. sentença apelada (fls. 122/123).

A ilustrada Procuradoria Geral de Justiça, em firme e


circunspecto (como de seu estilo) parecer do Dr. José
Albino Zorthea, opina pelo improvimento do recurso
(fls. 135/137).

É o relatório.

2. O órgão da Acusação Pública meteu o réu em


processo porque, no dia 6 de abril de 1998, pelas 15h45, na
Av. Um, às margens do Rio Itapanhaú (Parque Itapanhaú),
em Bertioga, transportava produto de origem vegetal, sem
licença válida para todo o tempo da viagem, outorgada pela
autoridade competente.

Foi o caso que policial militar florestal, em


patrulhamento ordinário, deparou com o réu e dois outros
indivíduos, que estavam a transportar 16 dúzias de palmitos
“in natura”.

Instaurada a persecução criminal com a lavratura do


termo circunstanciado de fl. 5, foram os autos remetidos ao
Juizado Especial Criminal.
18

Já processado por outro crime, a Promotoria de


Justiça deixou de propor ao réu a suspensão condicional do
processo, nos termos do art. 89 da Lei nº 9.099/95 (fl. 36).

Após regular tramitação do processo, debaixo do rito


comum, foi o réu condenado pela r. sentença de fls.
108/110, mas, irresignado com o êxito adverso da lide
penal, comparece perante esta augusta Corte de Justiça em
busca de absolvição, ou atenuação de seu castigo.

3. A pretensão absolutória deduzida no recurso não se


afigura merecedora de acolhida, porquanto em franca
divergência com os elementos de prova reunidos no
processado.

Com efeito, em seu interrogatório judicial, confessou


o réu, sem rodeios nem ambages, a imputação: declarou
que recolhera os palmitos para vender e acudir à sua
sobrevivência (fl. 46).

Sua autodefesa, no entanto, não se mostra aceitável: à


uma, porque o estado de necessidade não basta alegá-lo,
antes deve ser comprovado “ad satiem”; à outra, porque a
alegação de que obrara sob a descriminante legal é
desmentida pela própria circunstância da quantidade dos
palmitos extraídos. Fossem alguns apenas, com que
intentasse suprir o estado famélico e, decerto, parecera
razoável reconhecer, no particular, hipótese de causa
objetiva de exclusão de criminalidade. No caso, entretanto,
eram 16 dúzias de palmitos, o que, a ser verdadeira a
19

versão do réu (de que se destinavam à sua subsistência),


certo lhe haveriam de romper as vísceras!

Salvo a hipótese (que requer prova cabal) do sujeito


que, para provar às suas primeiras necessidades e da
família, extrai pequenas quantidades de palmitos de
florestas consideradas de preservação permanente, constitui
crime tê-los em depósito ou para venda, em grande escala,
sem licença da autoridade competente (art. 46, parág.
único, da Lei do Meio Ambiente).

4. Também o argumento com que pretendeu afastar a


espada da Justiça, inculcando desconhecer a ilicitude do
fato, não o favorece.

Deveras, dispõe o art. 21 do Código Penal que “o


desconhecimento da lei é inescusável”.

Por fim, não deve ser tomada ao sério a alegação do


réu de que ignorava o caráter criminoso da atividade de
extrair palmito ou transportar outros produtos de origem
vegetal, sem licença válida para todo o tempo da viagem
(...), outorgada pela autoridade competente (art. 46, parág.
único da Lei do Meio Ambiente)... É que ele próprio o
confessou em seu interrogatório que responde a outro
processo “por corte de palmito” (fl. 46).

Sua conduta, portanto, lesiva ao meio ambiente,


justificava o rigor da lei.
20

A pena detentiva, imposta criteriosamente, com


substituição por restritiva de direitos (prestação de serviços
à comunidade), está correta e não tolera modificação.

Confirmo, em suma, por seus próprios e jurídicos


fundamentos, a sentença que proferiu o distinto e culto
Magistrado Dr. Guilherme Kirschner.

5. Pelo exposto, nego provimento ao recurso.

São Paulo, 1º de maio de 2001


Carlos Biasotti
Relator

____________________
2º Caso:(7)

Ementa
– A alegação do réu de que praticara o fato em estado de
necessidade — art. 37, nº I, da Lei nº 9.605/98 (Lei do
Meio Ambiente) —, ao pescar mediante a utilização de
petrecho não permitido (rede), mostra-se atendível, por
inferência lógica imediata, se os autos revelam que se
tratava de sujeito rústico, desempregado e com prole
numerosa por sustentar. Àquele que nada tem de seu é
lícito recorrer às dádivas da Natureza.
–“A luta pela existência é a lei suprema de toda a
criação animada; manifesta-se em toda a criatura sob
a forma de instinto da conservação” (Ihering, A Luta
pelo Direito, 20a. ed., p. 17; trad. João Vasconcelos).
– Quem haverá, de ânimo tão obdurado e insensível, que
faça rosto àquela sublime apóstrofe do Evangelho:
“Qual de vós porventura é o homem que, se seu filho
pedir pão, lhe dará uma pedra? Ou porventura, se lhe
pedir um peixe, lhe dará uma serpente?” (Mt 7, 9-10)?
– As sutilezas do direito não constituem o direito
(“apices juris non sunt jura”).

1. Da r. sentença que proferiu o MM. Juízo de Direito


da Comarca de Cardoso, condenando-o à pena de 1 ano de
detenção, substituída por restritiva de direitos (prestação de
serviços à comunidade), por infração do art. 34, parág.
único, nº II, da Lei nº 9.605/98 (Lei do Meio Ambiente),
combinado com o art. 65, nº III, alínea d, do Código Penal,
interpôs recurso para este Egrégio Tribunal, com o intuito
de reformá-la, JCS.

(7) (TacrimSP; Ap. nº 1.302.861/3 – Cardoso).


22

Nas razões de apelação, apresentadas por diligente


causídico, afirma que o ilustre Magistrado, diferentemente
do que sucede nas mais das vezes, não preiteou
homenagem plena ao Direito e à Justiça.

Acrescenta que o conjunto probatório não se


afigurava apto para autorizar condenação: à uma, porque
praticou o fato sob o império de causa excludente de
ilicitude jurídica; à outra, por falhar a tipicidade penal (o
petrecho de pesca utilizado atendia à prescrição da lei).

À derradeira, argumenta a combativa Defesa que o


réu, sujeito rústico e de pouquíssima ilustração, ainda não
dera pela vigência da recente Lei do Meio Ambiente.

Espera, destarte, que a colenda Câmara o absolva


(fls. 106/108).

A douta Promotoria de Justiça respondeu-lhe ao


recurso, que repeliu, e do mesmo passo propugnou a
manutenção da r. sentença de Primeiro Grau (fls. 110/111).

A ilustrada Procuradoria Geral de Justiça, em incisivo


e criterioso parecer da Dra. Ana Margarida M. Junqueira
Beneduce, opina pelo improvimento do recurso (fls.
119/120).

É o relatório.
23

2. Caiu o réu nas malhas da Justiça Criminal porque, aos


27 de novembro de 1999, pelas 7h, no lago do reservatório
da Usina Hidroelétrica de Água Vermelha, no município
de Cardoso, policiais florestais surpreenderam-no a pescar
mediante a utilização de petrechos proibidos (redes).

Instaurada a persecução penal, transcorreu o processo


conforme os preceitos legais; ao cabo, a. r. sentença de
fls. 96/97 afastou os argumentos expendidos pela Defesa
— ignorância da lei, atipicidade do fato e estado de
necessidade, conforme o art. 37, nº I, da Lei nº 9.605/98 —
e decretou a condenação do réu. Este, inconformado com o
desfecho da lide penal, vem à Superior Instância, assistido
de Advogado, à espera de absolvição.

3. Consta dos autos que o réu, mediante utilização de


rede, pescara cerca de 4 kg de peixes pacus e corvinas.

Não era pescador profissional, senão simples amador;


por isso, lavrou-lhe a Polícia Florestal auto de infração
(fl. 6).

O órgão do Ministério Público, esse o deu incurso nas


sanções do art. 43, parág. único, nº II, da Lei nº 9.605/98,
que proíbe a pesca mediante rede, exceto se profissional o
pescador.

A r. sentença de fls. 96/99 condenou o réu José. E os


fundamentos a que se arrimou lhe conferem mesmo grande
força e expressão: com rigor de lógica jurídica, seu distinto
prolator deu de mão aos argumentos expostos pela Defesa,
24

especialmente ao que entendia com a excludente criminal


do estado de necessidade invocada pelo réu. É da r. decisão
este passo: “A necessidade exige prova cabal, inocorrente
in casu, restando apenas a isolada palavra do acusado,
razão pela qual afasto a aplicação do inciso I, do art. 37
da Lei nº 9.605/98” (fl. 97).

Nenhuma testemunha — que nenhuma indicara —


compareceu a Juízo para abonar a vida social do réu.
Ao próprio réu, nas oportunidades em que se manifestou
(fls. 31 e 66), esqueceu-lhe — talvez porque não
perguntado ao respeito — esqueceu-lhe discorrer de
eventuais dificuldades com que se abraçasse.

Declarou, no entanto, o que era suficiente para arguir


a aspereza de sua condição: pedreiro, com idade de 48
anos, estava sem serviço há mais de 8 meses (fl. 66); por
fim, vive amasiado e tem seis filhos (fl. 34).

Afirmou em seu interrogatório, sem desmentido,


nunca fora antes processado (fl. 66 v.).

4. Tenho por mui arrazoado o clamor do réu contra a


sorte que lhe foi reservada nos autos do processo a que
responde, por haver pescado com rede, petrecho cuja
utilização lhe não era permitida, mas somente a
profissionais (fl. 6).

Remeto à sombra a justificativa com que policiais o


deram incurso em juízo de censura — estava a pescar com
25

rede, o que lhe era defeso, uma vez simples amador — e


entro a examinar as circunstâncias em que o fazia.

Avulta dos autos a convicção de que, ao tempo dos


fatos, oprimia o réu extrema penúria.

Já o demonstra que farte a circunstância de lhe ter


sido relevada multa administrativa por não poder satisfazê-
-la.

Isto mesmo se deixa conhecer de seu interrogatório


judicial (fl. 66), onde afirmou que, pedreiro de profissão,
fazia 8 meses não achava trabalho. Consta ainda dos autos
que é pai de 6 filhos (fl. 34).

Além de que, passa por fato isolado em sua vida —


que deita já por 48 anos — o delito com que foi levado à
barra da Justiça Criminal (fl. 66 v.).

5. Dou que o réu, em verdade, não comprovou “usque


ad nauseam” a alegação de que praticara o fato em estado
de necessidade, que “exige prova cabal”, como ressaltou a
r. decisão condenatória (fl. 97).

Mas — e já o advertira o insigne Antonio Dellepiane


— “um inocente estará às vezes impossibilitado de provar
o fato que infirme ou destrua o indício que o prejudica”
(Nova Teoria da Prova, 1958, p. 70; trad. Érico Maciel).

No caso, entretanto, a versão exculpatória do réu


prova-se por inferência lógica imediata: por força que
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houvera de viver sob o constrangimento de inauditas


dificuldades o sujeito que, pai de 6 filhos, havia 8 meses
não podia desempenhar seu obscuro mister de pedreiro,
tendo sido já isento do pagamento de certa multa, por sua
notória escassez de meios.

Àquele que nada tem de seu é sempre lícito recorrer


às dádivas da Natureza.

Doutrina é esta em que todos concordam, como


pontificou o profundo Ihering:

“A luta pela existência é a lei suprema de toda


a criação animada; manifesta-se em toda a criatura
sob a forma de instinto da conservação” (A Luta
pelo Direito, 20a. ed., p. 17; trad. João Vasconcelos).

Ainda, quem haverá de ânimo tão obdurado e


insensível, que faça rosto àquela sublime apóstrofe do
Evangelho:

“Qual de vós porventura é o homem que, se seu filho


lhe pedir pão, lhe dará uma pedra? Ou porventura,
se lhe pedir um peixe, lhe dará uma serpente?” (Mt
7, 9-10)?

Quem haverá, por igual, tão refratário ao sentimento


de justiça, que não professe a verdade do célebre aforismo:
As sutilezas do direito não constituem o direito (“apices
juris non sunt jura”)?!
27

6. Dispõe a Lei nº 9.605, de 12.8.98 (Lei do Meio


Ambiente), que a pesca não configura crime quando
praticada “em estado de necessidade, para saciar a fome
do agente ou de sua família” (art. 37, nº I).

Em escólio ao sobredito preceito legal, escrevem


Édis Milaré e Paulo José da Costa Jr., em apreciada
obra:

“Necessitas non habet legem, vale dizer, diante da


necessidade não há que falar em lei. Ela é por demais
eloquente” (Direito Penal Ambiental, 2002, p. 101;
Millennium Editora).

Por esta mesma craveira têm decidido nossos


Tribunais:

“Embora tecnicamente insustentável a alegação de


estado de necessidade, no caso em razão de pobreza
e prole numerosa, merece ser considerada pelo Juiz
Criminal, para outros fins, pois a pobreza —
ressalvada a dos bem-aventurados, a quem pertence
o reino dos céus — não é um estado de espírito, mas
de carência existencial, que poderá ser de tal ordem
que justifique, por si mesma, a conduta do réu”
(EJTRF, vol. 68, p. 25; rel. Washington Bolivar).

Examinada à justa luz a espécie dos autos, não


repugna à razão lógica sustentar que o réu praticou o fato
em estado de necessidade; pelo que, não cometeu crime.
28

7. Pelo exposto, dou provimento à apelação para


absolver JCS, com fulcro no art. 386, nº V, terceira figura,
do Cód. Proc. Penal.

São Paulo, 24 de junho de 2002


Carlos Biasotti
Relator

____________________
3º Caso:(8)

Ementa
– Atenta contra a Natureza e incorre na sanção da Lei
nº 9.605/98 (art. 38), por lesar o Meio Ambiente,
o sujeito que, ao construir tanques para criação
de peixes, destrói e inutiliza, com máquinas (tratores),
parte de floresta considerada de preservação
permanente.
– Contra aquele que, infenso à ética ambiental, concorre
para o desmatamento de floresta considerada de
preservação permanente, prevalece o rigor da lei,
como “ultima ratio”, em ordem a que “o mundo não
seja, num futuro não-remoto, um deserto fuliginoso e
morto” (José Renato Nalini, Ética Ambiental, 2003,
p. 234).

1. Da r. sentença que proferiu o MM. Juízo de Direito


da 2a. Vara da Comarca de Registro, condenando-o à pena
de 1 ano de detenção, substituída por restritiva de direitos
(prestação de serviços à comunidade, por infração do art.
38, “caput”, da Lei nº 9.605/98 (Lei do Meio Ambiente),
interpôs recurso para este Egrégio Tribunal, com o intuito
de reformá-la, JPS.

Alega, nas razões de apelo, que nenhum crime


cometeu, pois não destruiu nem danificou floresta: apenas
procedera à reforma de tanque de piscicultura, com
movimentação de terra em área de pastagem.

(8) (TacrimSP; Ap. nº 1.369.579/6 – Registro).


30

Acrescenta que as edificações e benfeitorias já


existiam no local antes da Lei nº 9.605/98, visto que
adquiriu o imóvel no ano de 1991.

Destarte, espera que a colenda Câmara lhe atenda aos


protestos de inocência e o absolva (fls. 186/189).

Apresentou contrarrazões a douta Promotoria de


Justiça: repeliu a pretensão da nobre Defesa e propugnou a
manutenção da r. sentença de Primeira Instância (fls.
191/193).

A ilustrada Procuradoria Geral de Justiça, em


minucioso e abalizado parecer do Dr. Marcílio Grecco,
opina pelo improvimento da apelação, mantida por seus
próprios e jurídicos fundamentos a r. sentença de Primeiro
Grau (fls. 199/201).

É o relatório.

2. O órgão do Ministério Público ofereceu denúncia


contra o réu porque, aos 21 de agosto de 1999, na “Estrada
do Lajeado”, na cidade de Registro, na condição de
possuidor da “Fazenda del Rey”, destruiu e inutilizou, com
máquinas, uma área de 0,12 ha de floresta considerada de
preservação permanente.

Reza a denúncia que policiais militares florestais, em


fiscalização ordinária, tomaram para a propriedade
do réu e, ali, entraram no conhecimento de que,
utilizando máquinas, estava a danificar e destruir floresta
31

de preservação permanente; pretendeu justificá-lo,


esclarecendo que iria construir um tanque para criação de
peixes.

Instaurada a persecução criminal, transcorreu o


processo na forma da lei. Ao cabo, a r. sentença de fls.
160/166 decretou a condenação do réu, o qual,
inconformado com o desfecho adverso da causa,
manifestou recurso para esta augusta Corte de Justiça,
na expectativa de absolvição.

3. Ainda que louvável o empenho de seu douto patrono,


o clamor do réu não se mostra atendível, porque em
desacordo com a prova dos autos.

Deveras, é incontroverso que, no dia dos fatos, o réu


executava atividade que importou destruição e danificação
de floresta considerada de preservação permanente.

Realmente, a testemunha Amarildo de Souza, policial


militar, inquirida na fase de instrução do processo, declarou
que, ao percorrer o sítio dos fatos, deparou com “uma
área devastada onde existia floresta de preservação
permanente”. Ajuntou que, no local, atolado, havia “um
trator” (fl. 146).

Com suas declarações concorda o depoimento do


colega Oziel de França Leite: depondo em Juízo, asseverou
que, na propriedade do réu, fora encontrada maquinaria.
Referiu também a destruição de “parte da floresta”
(fl. 145).
32

A área danificada pelo réu, segundo o laudo de


vistoria de dano ambiental (fls. 81/84), “é considerada
como área de proteção permanente”.

De todo ponto irrelevante — como observou, com


fina penetração, o douto parecer da Procuradoria Geral de
Justiça — é a questão “se o réu estava construindo um
tanque ou simplesmente reformando um tanque já
existente” (fl. 200), pois, sem a devida licença do órgão
competente, tomara sobre si a iniciativa de realizar obras
em sua propriedade, que acarretaram a supressão de
vegetação natural.

4. Ora, tratando-se de conduta lesiva ao meio ambiente,


era força dar incurso o réu nas sanções do art. 38 da Lei
nº 9.605/98.

Com efeito, o teor de proceder do réu mostra-se grave


e penalmente punível, pois agrediu o meio ambiente. Coisa
muito de ver e juntamente lastimar é que o desmatamento
irracional está transformando o País num imenso deserto!

Ao condenar o réu, portanto, a r. sentença satisfez à


prova dos autos, aos cânones do Direito e da Justiça e à
vocação da ética ambiental, conforme aquilo do insigne e
douto Magistrado José Renato Nalini:

“Cada qual encontrará a melhor forma de atuar para


que o mundo não seja, num futuro não-remoto, um
deserto fuliginoso e morto” (Ética Ambiental, 2003,
p. 234; Millennium Editora).
33

A pena do réu, fixada no mínimo legal e substituída


por medida alternativa, está correta e não sofre
modificação.

Em suma: proferida segundo as provas dos autos e o


rigor da lei, interpretada à luz da razão lógica, quer-se
mantida a r. sentença de Primeiro Grau, que faz honra a seu
ilustre subscritor, o distinto e culto Magistrado Dr. Caio
Moscariello Rodrigues.

5. Pelo exposto, nego provimento ao recurso.

São Paulo, 24 de novembro de 2003


Carlos Biasotti
Relator

____________________
4º Caso:(9)

Ementa
– A lei não concede foral de impunidade àquele que tem
em depósito ou guarda, para fins comerciais ou
industriais, produtos de origem vegetal (como o
palmito), sem licença da autoridade competente; antes,
reprime-lhe severamente a conduta (art. 46, parág.
único, da Lei nº 9.605/98), por atentar com insigne
desdém e execrável cupidez contra floresta
considerada de preservação permanente e, portanto,
contra o patrimônio comum do País e da Humanidade.
– Pena de curta duração, por crime cometido sem
violência a pessoa, pode o Juiz determinar que o réu a
cumpra sob o regime aberto, ainda que reincidente.
Solução é esta que se conforma com os princípios da
política criminal, máxime o da reação penal mínima
(art. 36 do Cód. Penal).

1. Da r. sentença que proferiu o MM. Juízo de Direito


da Comarca de Apiaí, condenando-o à pena de 7 meses de
detenção, além de 11 dias-multa, por infração do art. 46,
parág. único, da Lei nº 9.605/98 (Lei do Meio Ambiente),
interpôs recurso para este Egrégio Tribunal, com o escopo
de reformá-la, JA.

Nas razões de recurso, argui extinção da punibilidade


pela prescrição da pretensão punitiva; no âmbito do mérito,
alega inocência, que nenhum ilícito penal praticara.

(9) (TacrimSP; Ap. nº 1.324.521/1 - Apiaí).


35

Acrescenta que detinha licença válida para o


transporte e armazenamento temporário do produto
(palmitos).

Pleiteia, destarte, à colenda Câmara tenha a bem


julgar-lhe extinta a punibilidade ou absolvê-lo por
insuficiência de prova (fls. 215/217).

A douta Promotoria de Justiça apresentou


contrarrazões de recurso, nas quais repeliu a pretensão da
nobre Defesa e propugnou a manutenção da r. sentença
apelada (fls. 219/220).

A ilustrada Procuradoria Geral de Justiça, em


minucioso e avisado parecer do Dr. Rodolfo Valter
Rodrigues Alves, opina pela rejeição da preliminar e,
quanto ao mérito, pelo improvimento do recurso (fls.
245/249).

É o relatório.

2. Foi o réu de novo conduzido às barras da Justiça


Criminal porque, no dia 16 de março de 1999, pelas 10h30,
na Rua Celso Augusto, cidade de Iporanga, comarca de
Apiaí, guardou palmitos procedentes de florestas, sem
licença válida para o armazenamento, outorgada pela
autoridade competente.

Instaurada a persecução criminal, transcorreu o


processo na forma da lei.
36

O órgão do Ministério Público deixou de fazer


proposta de transação penal ao acusado, ou de suspensão
condicional de seu processo, por não satisfazer aos
requisitos legais (art. 76, § 2º, nº III, da Lei nº 9.099/95).

A r. sentença de fls. 205/206 decretou a condenação


do réu, o qual, inconformado com o desfecho da lide penal,
comparece perante esta augusta Corte de Justiça, em busca
de absolvição ou alívio para seu castigo.

3. A matéria que faz objeto da alegação preliminar —


extinção da punibilidade pela prescrição retroativa da
pretensão punitiva estatal — não pode ser desatada em
favor do réu.

Com efeito, deitadas boas contas, não se consumou o


lapso prescricional.

A pena imposta ao réu — 7 meses de detenção —


prescreve em 2 anos, na trilha do art. 109, nº VI, do Código
Penal.

A modalidade retroativa, que invoca a Defesa, há de


computar-se da data do fato à do recebimento da denúncia,
ou desta até à da publicação da sentença condenatória.

Ora, no particular de que se trata, o prazo


prescricional não se aperfeiçoou, uma vez que, da data do
fato — 16.3.1999 (fl. 7) — até à data do recebimento da
denúncia — 29.11.1999 (fl. 117) —, ou desta à da
37

publicação da sentença — 15.8.2001 (fl. 205) —, não


decorreu o biênio prescricional.

Logo, por improcedente, rejeito o argumento da


prescrição.

4. “Circa merita”, não se mostra atendível o clamor do


réu, porque os elementos reunidos no processado lhe
evidenciaram a culpabilidade.

É fora de dúvida, em verdade, que, em cumprimento


de mandado judicial de busca e apreensão, policiais
surpreenderam na Rua Celso Augusto, na cidade de
Iporanga, “uma fabriqueta clandestina de beneficiamento
de palmitos extraídos de floresta da região”, além de 129
potes de vidro do vegetal e diversos apetrechos para o
beneficiamento, pertencentes ao réu.

O investigador de polícia Renato Machado da Silva,


dela incumbido, confirmou a realização da diligência e suas
circunstâncias (fls. 6 e 168).

O próprio réu, no termo de fl. 4, admitiu, sem salvas


nem rodeios, a imputação.

Em seu interrogatório judicial, ensaiou uns longes de


retratação (fl. 210 v.); suas palavras, no entanto, não podem
ser recebidas, porquanto desamparadas do acervo de provas
dos autos.
38

A testemunha policial ressaltou que os objetos


apreendidos no local dos fatos são os que se costumam
utilizar no processo de industrialização do palmito.

A pretensão do apelante, ao demais, refutou-a com


vantagem o douto parecer da Procuradoria Geral de Justiça:
“foi condenado por infringir o disposto no parágrafo
único, do artigo 46 da Lei nº 9.605/98, ou seja, ter em
depósito produto de origem vegetal sem licença válida
para todo o tempo do armazenamento, outorgada pela
autoridade” (fl. 248); tal licença, porém, não demonstrou
o réu que a tivesse.

O conjunto probatório, portanto, não deixa dúvida de


que o réu, como exarou o douto Magistrado, “explorava,
clandestinamente, produto vegetal sem exibir a
correspondente licença outorgada pela autoridade
competente” (fl. 206).

Ora, quem procede nessa conformidade, por força


que incide nas penas do art. 46, parág. único, da Lei
nº 9.605/98.

Em verdade:

“É a licença fornecida pela autoridade que irá


possibilitar o controle daquele que extraiu a madeira,
ou outros produtos naturais da floresta. É a chamada
guia florestal, devendo acompanhar os produtos
desde a extração, o transporte, até a venda final. É
obrigatória para todos aqueles que comercializam,
39

consomem, transportam, mantêm em depósito,


compram, vendem ou utilizam qualquer matéria-
prima proveniente de florestas” (Édis Milaré e
Paulo José da Costa Jr., Direito Penal Ambiental,
2002, pp. 127/128; Millennium Editora).

A condenação do réu, destarte, é superior a toda a


questão.

A pena foi-lhe fixada com bom critério e dentro nos


limites legais, havendo consideração a seus maus
antecedentes.

Todavia, a despeito de sua áspera biografia social,


fica deferido ao réu o regime aberto para o cumprimento
da pena, de curta duração.

O crime que praticou, ainda que reprovável,


desaconselha o encarceramento, mesmo que sob a
modalidade de regime semiaberto, que se deve reservar aos
infratores de quatro costados, autores de crimes graves.

“O regime prisional de cumprimento da pena de


detenção para o reincidente deve ser o aberto, ou
semiaberto, salvo o caso de regressão” (STJ; RHC
nº 1.735; rel. Min. Carlos Thibau; DJU 1º.6.92,
p. 8.058; apud Alberto Silva Franco et alii, Código
Penal e sua Interpretação Jurisprudencial, 6a. ed.,
vol. I, t. I, p. 515).
40

O réu, contudo, já é tempo de emendar a mão e


percorrer a trilha da responsabilidade social e da vida
digna, sem devastar florestas nem lesar bens naturais,
com insaciável cupidez; em suma: que, no réu, o epíteto
de agente exterminador e inimigo juramentado da
Humanidade ceda incontinenti ao de cidadão prestante,
responsável e honrado!

Apenas neste pouco ouso modificar, mantendo-a


no mais, a r. sentença que proferiu o distinto e culto Juiz
Dr. Eduardo Pereira Santos Júnior.

5. Pelo exposto, dou provimento parcial ao recurso


para fixar ao réu regime aberto.

São Paulo, 6 de agosto de 2002


Carlos Biasotti
Relator

___________________
5º Caso:(10)

Ementa
– Infringe a Lei do Meio Ambiente (art. 34, “caput”, e
parág. único, nº II, da Lei nº 9.605/98) o sujeito que
realiza pescaria mediante a utilização de petrecho não
permitido (tarrafa).
– A alegação do agente de que em seu favor milita causa
de justificação — pescando, entendia no sustento da
família e, pois, obrigado da necessidade —, não
merece acolhida sem prova plena e cabal do
preenchimento dos requisitos do art. 24 do Cód. Penal.

1. Da r. sentença que proferiu o MM. Juízo de Direito


da Comarca de Lucélia, condenando-o à pena de 11
dias-multa, por infração do art. 34, “caput”, e parág.
único, nº II, da Lei nº 9.605/98 (Lei do Meio Ambiente),
interpôs recurso para este Egrégio Tribunal, no intento de
reformá-la, MAS.

Nas razões de apelação, subscritas por dedicado


patrono, afirma que a prova obtida não era hábil para
justificar-lhe a condenação.

Acentua que, sujeito simples e miserável, trabalhador


como os que mais o eram, estava realmente a pescar, para
prover ao sustento da família.

Contudo, nenhum peixe ainda havia colhido, pelo que


não podia incorrer na censura da lei.

(10) (TacrimSP; Ap. nº 1.378.396/5 – Lucélia).


42

Isto de trazer consigo tarrafa, considerada petrecho


proibido, não constituía ilícito penal, pois não houvera
pesca predatória.

Assim, em vista da extrema indigência da prova, era


de preceito absolvê-lo, com fulcro no art. 386, nº VI, do
Código de Processo Penal (fls. 125/127).

A douta Promotoria de Justiça repeliu os argumentos


da nobre Defesa e propugnou a manutenção da r. sentença
de Primeiro Grau (fls. 129/132).

A ilustrada Procuradoria Geral de Justiça, em firme e


incisivo parecer do Dr. Mário Cândido de Avelar
Fernandes, opina pelo improvimento da apelação (fls.
140/142).

É o relatório.

2. A Justiça Pública demandou o réu na esfera criminal


porque, no dia 10 de março de 2001, cerca do meio-dia, na
Cachoeira do Salto Carlos Botelho, no Rio Aguapeí, em
Lucélia, pescou em lugar interditado por órgão competente
e mediante a utilização de aparelho de pesca não permitido.

Reza a denúncia que policiais militares florestais


surpreenderam-no a pescar na Cachoeira do Salto Carlos
Botelho, local proibido à pesca, nos termos do art. 3º, da
Portaria nº 73/2000, do Ibama-SP.
43

Consta ainda que, na ocasião, o réu utilizava-se de


tarrafa, aparelho de pesca proibido, nos termos do § 2º do
art. 3º, combinado com o art. 5º, da referida portaria.

Instaurada a “persecutio criminis in judicio”, foi


decretada a revelia do réu, nos termos do art. 366 do
Código de Processo Penal (fl. 67).

Ao cabo, a r. sentença de fls. 113/115 decretou-lhe a


condenação; malcontente com o desate da causa, vem o réu
a esta colenda Corte de Justiça, protestando inocência, à
espera de absolvição.

3. A absolvição que pleiteia a nobre Defesa afigura-se


inatendível, que o não permitem as provas dos autos.

Deveras, os policiais militares florestais, depondo em


Juízo, informaram ter percebido que o réu estava a pescar
junto das pedras do “Salto Botelho”, mas tanto que
os avistou, imediatamente deu com a tarrafa na água,
rompendo em fuga. Logrou a Polícia, porém, detê-lo
(fls. 96/97).

A testemunha Édson Costa Vieira Júnior disse que, na


função de policial militar ambiental, “já autuou o réu
várias vezes por pesca predatória” (fl. 97).

Portanto — e isto mesmo exarou a r. sentença de


Primeiro Grau —, “o acusado estava pescando em local
proibido, utilizando uma tarrafa, petrecho este de
utilização vedada à pesca amadora” (fl. 114).
44

O argumento em que se esforça a digna Defesa, i.e., o


réu pescava para suprir as suas necessidades, não deparou
comprovação nos autos.

Como se trata de causa de exclusão da ilicitude


jurídica do fato, incumbia-lhe demonstrá-lo inequivocamente.

Faz muito ao caso, o ven. aresto que a douta


Promotoria de Justiça menciona, por sua ementa (fl. 131):

“É impossível aceitar a tese do estado de necessidade


se o réu podia superar esta circunstância, passando
a desenvolver trabalho lícito e honesto, pois a
descriminante só pode ser reconhecida em face da
presença de perigo atual e inexigibilidade de
sacrifício do bem ameaçado, sendo certo que há
hipossuficiência e as dificuldades financeiras nunca
podem justificar a prática de delitos contra o
patrimônio, já que se assim fosse, estaria justificada
e legitimada a maioria dos furtos e roubos que
ocorrem no Brasil, país pobre e subdesenvolvido”
(RJTACrimSP, vol. 37, p. 143; rel. Junqueira
Sangirardi).

Por último, como o assinalou a r. sentença de


Primeiro Grau, o crime imputado ao réu tipifica-se,
“independentemente da captura de peixes” (fl. 114).

Pelo teor de seu proceder, incorreu o apelante, sem


dúvida, na sanção do Direito.
45

A pena, fixada com moderação e nos limites legais,


está correta e não admite modificação.

Em suma: porque proferida com excelentes


fundamentos, que lhe supeditou a Dra. Sonia Cavalcante
Pessoa Mateus Peres, confirmo a r. sentença de Primeiro
Grau.

4. Pelo exposto, nego provimento à apelação.

São Paulo, 21 de outubro de 2003


Carlos Biasotti
Relator

____________________
6º Caso:(11)

Ementa
– Incide nas penas do art. 48 da Lei nº 9.605/98 (Lei do
Meio Ambiente) o sujeito que realiza gradeamento em
terreno às margens de represa, pois com seu ato
impede ou dificulta a regeneração natural de florestas
e demais formas de vegetação.
– Ainda que o não tenha pleiteado a denúncia, pode o
Magistrado, ao julgá-la procedente, impor ao réu
infrator do art. 48 da Lei nº 9.605/98 (Lei do Meio
Ambiente), além da pena restritiva de liberdade, multa
reparatória (art. 20).

1. Inconformado com a r. sentença que proferiu o MM.


Juízo de Direito da 5a. Vara Criminal da Comarca de São
José do Rio Preto, condenando DP à pena de 6 meses de
detenção e 10 dias-multa, substituída a privativa de
liberdade pelo pagamento de R$ 2.400,00, por infração do
art. 48 da Lei nº 9.605/98 (Lei do Meio Ambiente), dela
interpuseram recurso para este Egrégio Tribunal, com o
escopo de reformá-la, o réu e o ilustre representante do
Ministério Público.

O réu, nas razões de apelação deduzidas por


esforçado e culto patrono, afirma que a prova dos autos não
prestigiou a pretensão punitiva; pelo que, devia ser
absolvido.

(11) (TacrimSP; Ap. nº 1.241.445/1 – São José do Rio Preto).


47

Acrescenta que, a manter-se, porém, o edito


condenatório, era força afastar a sanção referente à
reparação do dano, pois que o art. 48 da Lei nº 9.605/98
o não menciona.

À derradeira, na hipótese de se lhe fixar o valor


da reparação dos danos, deveria ser o “mínimo” (fls.
104/110).

O órgão do Ministério Público, esse alega que,


embora correta a r. sentença ao julgar procedente o pedido
e condenar o réu, equivocou-se ao substituir a pena
privativa de liberdade pela multa reparatória, “cuja fixação
está prevista no art. 20 da citada lei”.

Ressalta que a substituição a que aludiu o digno


Magistrado somente poderia ser a de que trata o art. 46 do
Código Penal, e não “pela multa reparatória que tem a
finalidade única e exclusiva de reparar o dano ambiental
causado”.

Pleiteia, por isso, a “substituição da pena privativa


de liberdade por outra pena de multa, somando-se àquela
já prevista no próprio art. 48 da Lei Ambiental, mantendo-
-se, por outro lado, a multa reparatória bem fixada”
(fls. 94/95).

As partes responderam aos recursos (fls. 100/102 e


113/116).
48

A ilustrada Procuradoria Geral de Justiça, em firme e


incisivo parecer do Dr. Carlos Eduardo de Athayde
Buono, opina pelo provimento do recurso do Ministério
Público, improvido o da Defesa (fls. 123/125).

É o relatório.

2. A Justiça Pública ofereceu denúncia contra o réu


(fls. 71/72) porque, no dia 28 de setembro de 1999, na
qualidade de proprietário da Fazenda Santa Helena,
situada no município de Guapiaçu, em São José do Rio
Preto, impediu ou dificultou a regeneração natural de
floresta em área de preservação permanente, gradeando
12.000 m2, ameaçando, dessa forma, o equilíbrio do meio
ambiente.

Encetada a persecução criminal, transcorreu o


processo na forma da lei.

Formulada ao réu proposta de aplicação da norma


prevista no art. 89, “caput”, da Lei nº 9.099/95, recusou-a
o autor do fato, sob color de que não praticara crime de
dano ao meio ambiente.

A r. sentença de fls. 88/90 julgou procedente a


denúncia e condenou-o como incurso nas sanções do
art. 48 da Lei nº 9.605/98, impondo-lhe a pena de 6 meses
de detenção e 10 dias-multa.
49

Preenchidos os requisitos legais, substituiu-lhe a pena


privativa de liberdade pela pecuniária, que fixou em
R$ 2.400,00.

3. De que o réu violou o art. 48 da Lei do Meio


Ambiente não há duvidar, pois o demonstrou claramente a
prova dos autos.

Com efeito, os laudos periciais, as fotografias que os


ilustram e a confissão mesma do réu evidenciam que
impediu ou dificultou a regeneração natural da floresta em
área de preservação permanente, na propriedade rural
denominada Fazenda Santa Helena, numa extensão
aproximada de 12.000 m2 (fls. 23/27).

É que — e bem o acentuou o douto parecer da


Procuradoria Geral de Justiça — “houve prejuízo à
natureza, à regeneração da vegetação, sendo inegável que
o mero plantio de árvores (de seu interesse), não afasta o
prejuízo havido, especialmente em local às margens de
uma represa” (fl. 124).

A alegação de que realizara o gradeamento às


margens da represa para dotar o terreno de curvas de nível,
com que o guardasse de erosões (fls. 85/86), ressente-se,
como o observou a zelosa Promotoria de Justiça, de
manifesto vício lógico: fosse o intuito do réu proteger o
meio ambiente de eventual devastação, “não era
necessário o gradeamento do terreno às margens da
represa” (fl. 114); bem ao revés, obrando a seu talante,
precipitou a degradação ambiental, pois favoreceu o
50

assoreamento da represa e deu ocasião a futuras erosões no


solo devastado (fls. 114/115).

4. Por outra parte, a increpação da combativa Defesa à


r. sentença de ter-se desabraçado da postulação do
Ministério Público e, pois, decidido “ultra” ou “extra
petita” (fl. 106), carece de fomento jurídico.

Na real verdade, é preceito venerável o da


congruência ou correlação entre a imputação e a sentença
(“sententia debet esse conformis libello”).

No particular em causa, todavia, ao contrário do que


sustenta o apelante, o decreto judicial ateve-se ao teor da
denúncia: condenou o réu por infração do dispositivo legal
que mencionou (art. 48 da Lei Federal nº 9.605/98).

A imposição da multa era decorrência forçosa do


preceito do art. 42 do mencionado diploma.

5. Acho razão ao apelo do Ministério Público.

A pena privativa de liberdade deve substituir-se por


pena pecuniária e não por multa reparatória, de finalidade
específica.

Assim, a substituição da pena corporal é disciplinada


pelo art. 44, § 2º, do Código Penal, com as modificações
que lhe introduziu a Lei nº 9.714/98.
51

Pelo que, tomando em linha de conta as circunstâncias


do caso e as condições pessoais do réu, substituo-lhe a
pena corporal por pecuniária, equivalente a 60 dias-multa,
no valor mínimo legal, sem prejuízo da multa de caráter
reparatório dos danos ao meio ambiente causados por sua
atividade ilegal.

Apenas neste pouco ouso modificar a r. sentença que


proferiu o distinto e culto Magistrado Dr. Robledo Matos
Alves de Morais.

6. Pelo exposto, nego provimento ao recurso do réu; o


do Ministério Público provejo-o para os fins que constarão
do acórdão.

São Paulo, 4 de abril de 2001


Carlos Biasotti
Relator

____________________
7º Caso:(12)

Ementa
– Incorre nas penas do art. 32 da Lei nº 9.605/98 (Lei do
Meio Ambiente) quem pratica maus-tratos contra os
animais, estando nesse número os que promovem
briga de galos, espetáculo que, por sua crueza,
repugna ao sentimento ético-social da humanidade.
–“Protege a lei os animais não só por sentimento de
piedade como ainda para educar o espírito humano, a
fim de evitar que a prática de atos de crueldade
possam transformar os homens em seres insensíveis ao
sofrimento alheio, tornando-os também cruéis para
com os semelhantes” (cf. Rev. Tribs., vol. 295, p. 343).

1. O órgão do Ministério Público ofereceu denúncia


contra o réu porque, no dia 9 de janeiro de 1999, pelas
9h50, na Rodovia Fernão Dias, km 47, em Atibaia,
policiais rodoviários federais surpreenderam-no quando,
em seu veículo GM S-10, placa CFC-7863/São Paulo,
transportava inadequadamente (uma vez que o fazia de
forma que causava maus-tratos e ferimentos às aves) quatro
galos e uma galinha.

Reza ainda a denúncia que o réu transportava também


apetrechos usados em briga de galos.

Instaurada a persecução penal, propôs o Ministério


Público a aplicação imediata de pena restritiva de direitos

(12) (TacrimSP; Ap. nº 1.239.789/1 – Atibaia).


53

(art. 76 da Lei nº 9.099/95), o que o réu e seu defensor


rejeitaram.

Correu o processo em forma legal; ao cabo, a r.


sentença julgou procedente a denúncia e condenou o réu, o
qual, inconformado, comparece perante este órgão colegiado,
protestando inocência.

2. O clamor do réu não está no caso de ser atendido. A


razão é que os elementos que instruem o processo lhe
definiram, sem falta, a responsabilidade criminal.

Com efeito, ouvido somente na fase policial, o réu


confirmou transportava as aves. Acrescentou, porém, que o
fazia de modo regular.

Pelo que respeita aos objetos encontrados em seu


veículo, alegou tê-los adquirido numa feira.

Negou promovesse rinha (ou briga de galos), apenas


criava aves para venda.

Em que pese às suas declarações (não confirmadas


em Juízo, em face da revelia), a mais prova dos autos
evidenciou que o réu maltratara as aves, transportando-as
amarradas e machucadas.
A testemunha Moacir, policial militar florestal,
esclareceu em Juízo que as aves eram conduzidas num
saco, os pés amarrados.
54

Informou ainda que foram apreendidos instrumentos


como bico e esporas de alumínio, utilizados em rinha.

Pelo mesmo teor depôs a testemunha Atamis


Gusmão: durante fiscalização, policiais apreenderam no
veículo de propriedade do réu aves amarradas, algumas
com o bico cortado.

Além de que, trazia petrechos próprios de briga de


galos.

Confirmou-o também a testemunha Antônio.

As testemunhas inquiridas em obséquio da Defesa


emolduraram o caráter do réu e negaram se dedicasse à
prática de briga de galos.

O conjunto probatório, no entanto, prestigiou a


acusação.

Destarte, a condenação do réu era imperiosa e justa.

3. Ante a certeza de ter infligido maus-tratos a aves —


trazia-as amarradas e feridas dentro de um saco —, o
réu violou o art. 32 da Lei nº 9.605/98 (Lei do Meio
Ambiente), que pune todo aquele que “praticar ato de
abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres,
domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos”.
55

Que praticara crueldade contra os animais está a


demonstrá-lo a circunstância de que, juntamente com aves
feridas e mutiladas (com o bico cortado), transportava o
réu apetrechos próprios de briga de galos.

Incorreu, portanto, na censura da lei.

Vem aqui a ponto a lição de Ravizza, comemorada


por Bento de Faria:

“Protege a lei os animais não só por sentimento de


piedade como ainda para educar o espírito humano,
a fim de evitar que a prática de atos de crueldade
possam transformar os homens em seres insensíveis
ao sofrimento alheio, tornando-os também cruéis
para com os semelhantes” (cf. Rev. Tribs., vol. 295,
p. 343).

A condenação do réu, portanto, conformou-se à prova


dos autos e aos melhores de direito.

Primário, a pena foi-lhe fixada no mínimo legal e


deve ser mantida.

Mas, uma vez concorrem os requisitos do art. 44,


§ 2º, do Código Penal, substituo a pena privativa de
liberdade do réu por restritiva de direitos, consistente na
arrecadação de uma cesta básica de donativos, no valor de
um salário mínimo, a uma entidade pública ou privada com
destinação social.
56

4. Pelo exposto, dou provimento parcial ao recurso


para substituir a pena privativa de liberdade do réu por
restritiva de direitos, mantida no mais a r. sentença de
Primeira Instância.

São Paulo, 15 de fevereiro de 2001


Carlos Biasotti
Relator

________________
8º Caso:(13)

Ementa
– Não pode subsistir a condenação pelo crime do art. 34,
“caput”, da Lei nº 9.605/98 (Lei do Meio Ambiente),
sem prova do corpo de delito, ou da existência do
fato. À Acusação corre o ônus de demonstrar, além de
dúvida, que o réu pescou em período no qual era a
pesca proibida.
– De todas as máximas que devem guiar o Julgador, não
há mais sagrada nem importante que esta: condenação
exige certeza. Apenas a prova plena e incontroversa da
materialidade do fato criminoso, de sua autoria e da
culpabilidade do agente pode autorizar a edição de
decreto condenatório. Se incomprovado o fato, o
próprio juízo de reprovação carecerá de substrato
lógico e a pena será, menos que retribuição pelo
malfeito, pura expressão de arbítrio. “A prova é a
alma do processo” (Pereira e Sousa; apud João
Mendes Jr., Direito Judiciário Brasileiro, 1918,
p. 202).

1. Inconformados com a r. sentença que proferiu o MM.


Juízo de Direito da Comarca de Cananeia, condenando-os à
pena de 1 ano de detenção, substituída por restritiva de
direitos (prestação de serviços à comunidade), por infração
do art. 34, “caput”, da Lei nº 9.605/98, combinado com o
art. 70 do Código Penal, interpuseram recurso para este
Egrégio Tribunal, com o propósito de reformá-la, EM e
EM.

Nas razões de recurso, elaboradas com esmero e


talento por seu distinto e culto patrono, alegam que o

(13) (TacrimSP; Ap. nº 1.270.987/6 – Cananeia).


58

conjunto probatório, precário, frágil e aguado, não induzia


certeza acerca da materialidade do fato criminoso.

Acrescentam que a afirmação de que a Polícia


Florestal apreendera perto de 30 kg de pescados, entre
camarões, peixes e crustáceos, passava por arrojada e
inverossímil, pois careceu de comprovação material.

Afirmam ainda que, ao revés do que constara da


r. sentença, a fotografia de fl. não permitia verificar
“grande quantidade de camarões pescados”.

Os que retiraram o pescado do mar, prosseguem os


apelantes, foram os policiais mesmos que os detiveram.

Ajuntaram mais que não se conformava ao gênio


da língua o passo da r. sentença, por onde a pesca se
consumava “com o lançamento da rede ao mar”; em
abono de sua argumentação reproduz a douta Defesa a
lição do lexicógrafo Aurélio Buarque de Holanda.

Os recorrentes, ao demais, notaram a r. sentença de


“insensibilidade inaudita à desgraça alheia”, pois não
tomara em linha de conta a dramática situação dos que
habitam as solitárias plagas do Vale do Ribeira, que se
sustentam da pesca exclusivamente, máxime a gente
heroica de Cananeia, que lembra, com pouca diferença, os
que demoram no inóspito Sertão Nordestino.

Por fim, à guisa de libelo contra a forma de


tratamento que, a seu aviso, a Justiça reserva aos pobres,
59

reproduzem tópicos de artigos jornalísticos assinados por


José Genoíno.

Pleiteiam, por isso, absolvição, como obra de justiça;


se não, tenha a bem a colenda Câmara reconhecer-lhes
a causa de exclusão da tipicidade do art. 15 do Código
Penal: arrependimento eficaz.

A douta Promotoria de Justiça repeliu a pretensão da


nobre Defesa e propugnou a manutenção da r. sentença de
Primeiro Grau.

A ilustrada Procuradoria Geral de Justiça, em incisivo


e lapidar parecer do Dr. Sólon Fernandes Filho, opina
pelo provimento do recurso para que sejam os réus
absolvidos, com fulcro no art. 386, nº VI, do Código de
Processo Penal.

É o relatório.

2. A Justiça Pública submeteu os réus a processo


porque, no dia 13 de abril de 2000, pelas 11h, na Costa da
Ilha Camboriú, em Cananeia, obrando em concurso e com
unidade de propósitos, pescaram vários camarões em
período proibido, consoante dispõe a Portaria nº 21/99, do
IBAMA, utilizando-se de petrechos não permitidos.

Reza a denúncia que policiais militares, em


patrulhamento destinado à repressão da pesca de camarão,
avistaram a embarcação dos réus (Evipesca), e perceberam
que efetuavam o “arrasto de camarões”.
60

Os réus, tanto que notaram a presença dos policiais,


cortaram os cabos da rede e tentaram evadir-se. No
momento da fuga, deitaram ao mar grande quantidade de
camarões, que estavam em uma caixa de isopor.

Após perseguição, lograram os milicianos interceptar a


trajetória dos réus e passar à sua embarcação, na qual
realizaram vistoria; encontraram em seu interior 30 kg de
peixes e camarões.

Por essa época (15 de fevereiro a 15 de maio) era


defesa a pesca de camarões, pois se tratava de período de
procriação.

As redes de arrasto são consideradas petrechos não


permitidos, pois caracterizam a pesca predatória, que causa
a morte indiscriminada de peixes infinitos em número.

Instaurada a persecução criminal, tramitou o processo


na forma da lei; por fim, a r. sentença de fls., julgando
procedente em parte a pretensão punitiva, condenou os
réus, os quais, inconformados e jurando inocência,
comparecem perante esta augusta Corte de Justiça, na
expectativa de absolvição.

3. Sem deslustre para o insigne Magistrado que a


proferiu, nos quais concorrem assinalados dotes de espírito,
a r. sentença de Primeiro Grau cede o flanco às oportunas e
avisadas ponderações expostas no parecer da egrégia
Procuradoria Geral de Justiça.
61

Em verdade, análise detida e percuciente dos autos


evidencia que os elementos de prova que encerram não se
afiguram hábeis a comprovar a materialidade do fato
criminoso nem a culpabilidade dos réus.

Assim, correndo em silêncio, por acessórios, alguns


tópicos do veemente recurso dos réus — v.g.: lídima
acepção do verbo pescar e o paralelo geopolítico entre
Cananeia e o Sertão de Canudos — , entro a examinar de
plano a causa, em ordem a perquirir se, no particular, há
prova cabal da existência do delito atribuído aos réus.

Não há mister desatar a dúvida que atormenta a nobre


Defesa a respeito do vero sentido do vocábulo pescar.
Tratou a questão “ex professo” o grande Rui em sua
famosa Réplica (nº 209).

Também escusa discorrer das contínuas privações


e agruras que, verdadeiras sombras, acompanham a
população caiçara do Vale do Ribeira.

O de que apenas cumpre fazer caso e cabedal é se,


nos autos, ficou demonstrado, positivamente, o corpo de
delito da infração penal carregada aos réus.

4. O conspícuo subscritor do parecer de fl., examinando


de fito o processado, teve para si que a grande quantidade
de camarões que os réus haviam pescado (e vinha retratada
em fotografia) não excedia a meia dúzia. E isto mesmo
examinada “com uma lupa”.
62

Tal asserto, que pudera parecer tropo de linguagem,


não sofre contradita, antes nele se confirma todo aquele
que, com imparcialidade, descer ao exame da causa.

A r. sentença de Primeiro Grau, para dar força e


relevo à argumentação, mencionou terem sido apreendidos
cerca de 30 kg de camarões.

A afirmação, no entanto, acha-se às testilhas com o


próprio laudo pericial de fls., ilustrado por fotografia de
recipiente em que se individualizam alguns camarões.

Além de que, e bem o observou o douto parecer, não


foi o referido laudo homologado.

A prova da materialidade do fato criminoso é


precedente lógico da culpabilidade do réu: é força
demonstrar, antes da apuração da responsabilidade penal
do acusado, a existência do crime que lhe imputou a
denúncia.

Nos crimes que deixam vestígio, deve toda a


acusação amparar-se no corpo de delito, que, na definição
clássica de João Mendes Jr., é “o conjunto de elementos
sensíveis do fato criminoso” (Direito Judiciário Brasileiro,
1918, p. 235).

O ven. aresto do Supremo Tribunal Federal, que o


lúcido parecer reproduz por sua ementa, faz ao nosso
intento:
63

“É preciso que não se confunda o exame de corpo de


delito com o próprio corpo de delito. Aquele é um
auto em que se descrevem as observações dos
peritos e este é o próprio crime na sua tipicidade. O
corpo de delito comprova-se através da perícia e o
laudo deve registrar a existência e a realidade do
próprio delito” (Rev. Trim. Jurisp., vol. 45, p. 625).

A r. sentença condenatória, suposto obra de alentado


raciocínio lógico, não guardou conformidade estrita com o
fato de que foram arguidos os réus: condenou-os por
haverem pescado 30 kg de camarões, o que encontra a
evidência dos autos.

5. De todas as máximas que devem guiar o Julgador,


não há mais sagrada nem importante que esta: condenação
exige certeza. Apenas a prova plena e incontroversa da
materialidade do fato criminoso, de sua autoria e da
culpabilidade do agente pode autorizar a edição de decreto
de condenatório.

Se indemonstrado o fato, o próprio juízo de


reprovação carecerá de substrato lógico e a pena será,
menos que retribuição pelo malfeito, pura expressão de
arbítrio.

Donde a lição do eminente Heleno Cláudio Fragoso:

“A certeza é aqui a conscientia dubitandi secura, de


que falava Vico, e não admite graus. Tem de fundar-
-se em dados objetivos indiscutíveis, de caráter
64

geral, que evidenciam o delito e a autoria (...), sob


pena de conduzir tão somente à íntima convicção,
insuficiente” (Jurisprudência Criminal, 1973, vol. II,
p. 404).

Pela fragilidade extrema da prova, fora temerário


condenar os réus, como clama a combativa Defesa e
persuade a voz da sociedade, por seu representante nesta
Superior Instância.

Assim, à falta de prova — que o gênio de Pereira e


Sousa definia pela “alma do processo” (apud João
Mendes Jr., op. cit., p. 202) —, será força desviar da
cabeça dos réus o golpe da punição.

Em verdade, não seria de bom exemplo ficassem


presos nas malhas da Justiça dois humildes réus-
-pescadores, se o barco da Acusação foi o que fez água.
Absolvo-os e mando-os em paz!

6. Pelo exposto, dou provimento ao recurso para


absolver os réus, com fundamento no art. 386, nº VI, do
Código de Processo Penal.

São Paulo, 29 de outubro de 2001


Carlos Biasotti
Relator

____________________
9º Caso:(14)

Ementa
– Atenta contra a Natureza e incorre na sanção da Lei
nº 9.605/98 (art. 46), por lesar o Meio Ambiente, o
sujeito que, sem exigir a exibição de licença do
vendedor, expedida pela autoridade competente,
adquire, para fins comerciais, palmitos extraídos da
palmeira juçara, produto vegetal típico da Mata
Atlântica e da região compreendida na área de
proteção ambiental de Cananeia, Iguape e Peruíbe.
– Contra aquele que, infenso à ética ambiental, concorre
para o desmatamento de floresta considerada de
preservação permanente, prevalece o rigor da lei,
como “ultima ratio”, em ordem a que “o mundo não
seja, num futuro não-remoto, um deserto fuliginoso e
morto” (José Renato Nalini, Ética Ambiental, 2001,
p. 204).
– Não repugna à consciência jurídica nem quebranta a
vontade da lei a decisão que defere a réu (mesmo
reincidente) o regime aberto, se condenado a pena de
curta duração. Casado e chefe de família, os efeitos de
sua prisão alcançariam também pessoas inocentes (a
mulher e os filhos); donde o prescrever o direito
positivo que, ao aplicar a lei, deve olhar o Juiz o bem
da sociedade (art. 5º da Lei de Introdução ao Cód.
Civil).

1. Da r. sentença que proferiu o MM. Juízo de Direito


da Comarca de Cananeia, condenando-o à pena de 8 meses
de detenção, além de 13 dias-multa, no regime semiaberto,
por infração do art. 46, “caput”, da Lei nº 9.605/98 (Lei

(14) (TacrimSP; Ap. nº 1.301.121/2 – Cananeia).


66

do Meio Ambiente), interpôs recurso para este Egrégio


Tribunal, com o intuito de reformá-la, CAS.

Alega, nas razões de apelo, que nenhum crime


cometeu, pois os palmitos que a Polícia apreendeu em sua
casa destinavam-se ao consumo próprio e da família.

Destarte, espera que a colenda Câmara lhe atenda aos


protestos de inocência e mande-o em paz.

Apresentou contrarrazões a douta Promotoria de


Justiça: repeliu a pretensão da nobre Defesa e propugnou a
manutenção da r. sentença de Primeira Instância.

A ilustrada Procuradoria Geral de Justiça, em


minucioso e abalizado parecer da Dra. Marisa Germano
Bortolin, opina pelo improvimento do recurso.

É o relatório.

2. O órgão do Ministério Público ofereceu denúncia


contra o réu porque, aos 17 de fevereiro de 2000, adquiriu
de pessoa desconhecida, para fins comerciais e industriais,
sem exigir a exibição de licença do vendedor, outorgada
pela autoridade competente, 5 potes de palmitos
industrializados e 1 palmito, “in natura”, extraídos de
palmeiras da espécie juçara (Euterpe edulis Mart.).

Instaurada a persecução criminal, transcorreu o


processo em forma legal. Ao cabo, a r. sentença decretou a
condenação do réu, o qual, inconformado com o desfecho
67

adverso da causa, manifestou recurso para esta augusta


Corte de Justiça.

3. Ainda que louvável o empenho de seu douto patrono,


o clamor do réu não se mostra atendível, porque em
desacordo com a prova dos autos.

Deveras, é incontroverso que, em sua residência, a


Polícia apreendeu palmitos, como consta do auto de fl., os
quais o laudo pericial comprovou que foram extraídos de
palmeiras juçaras (Euterpe edulis Mart.), uma espécie
botânica das mais características e comuns da costa
atlântica, “região onde estão incluídas as florestas do Vale
do Ribeira”.

Admitiu o réu a posse daqueles produtos de origem


vegetal. Alegou tê-los adquirido a “um índio para consumo
próprio”.

Com os palmitos, foram também apreendidos objetos


e petrechos relacionados com a industrialização clandestina
de palmitos “in natura”. Do que avulta a convicção de que
o réu mantinha “um pequeno comércio de venda de
palmito”, como o consignou o douto parecer de fl.

Ora, tratando-se de conduta lesiva ao meio ambiente


— aquisição, para fins comerciais ou industriais, de
“produtos de origem vegetal” (típicos da Mata Atlântica e
da região compreendida na área de proteção ambiental
de Cananeia, Iguape e Peruíbe), “sem exigir a exibição
de licença do vendedor, outorgada pela autoridade
68

competente” —, era força dar incurso o réu nas sanções do


art. 46 da Lei nº 9.605/98.

Com efeito — e isto mesmo ressaltou a r. sentença


recorrida —, “a ofensa a um tal bem (meio ambiente) se
revela grave, quando o desmatamento irracional vem
transformando o País num verdadeiro deserto”.

Ao condenar o réu, portanto, a r. sentença satisfez à


prova dos autos, aos cânones do Direito e da Justiça e à
vocação da ética ambiental, conforme aquilo do insigne e
douto Magistrado José Renato Nalini:

“Cada qual encontrará a melhor forma de atuar para


que o mundo não seja, num futuro não-remoto, um
deserto, fuliginoso e morto” (Ética Ambiental, 2000,
p. 204; Millennium Editora).

4. A pena do réu, fixada alguma coisa além do mínimo


(por seus maus antecedentes), está correta e não sofre
modificação.

O regime prisional, contudo, oferece o flanco a


pequeno reparo.

Em verdade, suposto reincidente, as infrações penais


cometidas pelo réu não pertencem à ordem das que mais
repugnam à consciência jurídica e ao organismo social.

Ao demais, trata-se de indivíduo de escassa ou


nenhuma periculosidade, que exerce o módico ofício de
69

pedreiro e tem família constituída, de tal arte que seu


encarceramento atingirá também inocentes.

Pelo que, sua pena o réu irá cumpri-la sob o regime


aberto.

A estipulação, no caso, do regime prisional aberto


não se acha em contradição com o direito positivo nem
com a jurisprudência dos Tribunais.

Com efeito, a nota de reincidência apenas é óbice à


concessão do regime aberto quando a pena do réu é
superior a 4 anos; não há proibição legal de que, se inferior
a 4 anos, lho defira o Magistrado.

No silêncio da lei, podem suprir-lhe a lacuna os


princípios gerais do Direito e até a Equidade.

Isto mesmo têm proclamado nossas Cortes de Justiça:

a)“Não impede a concessão do regime aberto a


reincidência em crime doloso quando resultante de
condenação anterior a pena de multa. Tenho por
irrecusável a ilação de que, se a condenação
anterior a pena de multa não impede a concessão do
sursis (CP, art. 77, I e § 1º), a fortiori não pode
obstaculizar o deferimento do benefício menor, que
é o cumprimento em regime inicial aberto da pena
privativa de liberdade” (Rev. Tribs., vol. 651, p. 360;
rel. Min. Sepúlveda Pertence);
70

b)“A reincidência não deve ser entendida como sinal


revelador de maior culpabilidade, atuando como
valor absoluto para a determinação do regime de
cumprimento da pena porque, muitas vezes, o crime
anterior nada significa em termos de relevância
penal, e pode ter representado apenas um fato
episódico na vida do réu (...), sendo possível a
fixação, em tais casos, do regime aberto para início
de cumprimento de pena” (RJDTACrimSP, vol. 28,
p. 218; rel. Márcio Bártoli).

5. Pelo exposto, dou provimento parcial ao recurso


para deferir ao apelante regime aberto, mantida no mais a
r. sentença de Primeira Instância.

São Paulo, 16 de fevereiro de 2002


Carlos Biasotti
Relator

____________________
10º Caso:(15)

Ementa
– Incorre nas penas da Lei nº 9.605/98 (Lei do Meio
Ambiente) aquele que, sem a competente autorização,
extrai recurso mineral (areia) e, em consequência,
dificulta a regeneração natural de floresta e outras
formas de vegetação, danificando-as (arts. 55, 48 e
50).
– Ao reprimir a atividade lesiva ao meio ambiente, pôs
a mira o legislador em preservar a Natureza como bem
inestimável da Humanidade e garantir às futuras
gerações a posse de herança comum: as condições
ideais de uma vida saudável e feliz!
– Oportuna e abalizada é a admoestação de José Renato
Nalini, insigne jurista e apóstolo infatigável da ética
ambiental: “Derrubar uma árvore é um crime. Não
apenas previsto pela Lei de crimes ambientais, mas um
crime contra o futuro, uma lesão contra a
Humanidade. E antes de ser crime, é evidente infração
ética” (Ética Ambiental, 2001, p. 81; Millennium
Editora).

1. Da r. sentença que proferiu o MM. Juízo de Direito


da Vara Distrital de Aguaí (Comarca de São João da Boa
Vista), condenando-o à pena de 1 ano e 3 meses de
detenção e 30 dias-multa, substituída a pena privativa de
liberdade por prestação pecuniária no valor de R$ 2.500,00,
por infração dos arts. 55, 48 e 50 da Lei nº 9.605/98 (Lei
do Meio Ambiente), interpôs recurso para este Egrégio
Tribunal, com o intuito de reformá-la, JST.

(15) (TacrimSP; Ap. nº 1.262.285/1 – São João da Boa Vista).


72

Nas razões de recurso, apresentadas por seu distinto e


culto patrono, afirma que o acervo probatório, débil e
inseguro, não autorizava edito de condenação.

Acrescenta que nos autos não havia prova cabal de


sua culpabilidade.

Reitera a alegação de que nenhum delito praticou.

Pleiteia, por isso, firme no princípio do “in dubio pro


reo”, absolvição; no caso de a colenda Câmara confirmar o
decreto de condenação, espera lhe seja reduzido o valor da
prestação pecuniária.

A douta Promotoria de Justiça apresentou contrarrazões


de recurso, nas quais repele a pretensão da nobre Defesa e
encarece a manutenção da r. sentença de Primeiro Grau.

A ilustrada Procuradoria Geral de Justiça, em detido e


criterioso parecer da Dra. Ana Margarida M. Junqueira
Beneduce, opina pelo improvimento do recurso.

É o relatório.

2. Foi o apelante chamado a prestar contas à Justiça


Criminal porque, no dia 28 de setembro de 1998, cerca do
meio-dia e meia, na Fazenda Palmeiras, bairro dos Turcos,
no município de Aguaí, policiais florestais em exercício na
região procediam a vistoria ordinária, quando deram com o
corréu RAC a executar, a mando do apelante (JST), a
73

extração de recursos minerais (areia), sem autorização,


permissão, concessão ou licença do órgão ambiental
competente.

Reza ainda a denúncia que os réus, sobretudo o


apelante, já haviam sido orientados pela Polícia Florestal
que não procedessem à extração da areia sem autorização
do órgão ambiental.

Isto se dera aos 20 de janeiro de 1998, data em que o


empreendimento foi embargado administrativamente.

Mas, a despeito do embargo, continuaram os réus a


promover a atividade degradadora do meio ambiente.

Consta ainda da peça de introito da ação penal que,


além de executar extração de areia sem licença do órgão
ambiental, os réus causaram degradação da natureza, “com
a derrubada de várias árvores, além do comprometimento
de outras, uma vez que o sistema radicular encontra-se
exposto. A frente de lavra ocorre em direção à mata ciliar
do Rio Jaguari-Mirim, causando-lhe degradação”.

Com o exercício da atividade mineradora, remata a


peça de acusação, além de provocar a queda de várias
árvores, impediam os réus a regeneração natural da floresta
estacional e de qualquer outra forma de vegetação no sítio
dos fatos. A floresta estacional nativa da região é protegida
pelo Decreto Federal nº 750/93 (art. 1º, parág. único, e
art. 3º), o qual proíbe seu corte, exploração ou supressão.
74

Instaurada a persecução criminal, transcorreu o


processo conforme os cânones legais; ao cabo, a r.
sentença, acolhendo os artigos do libelo, decretou a
condenação dos réus.

Intimados pessoalmente da r. sentença, manifestou


recurso o apelante, na expectativa de ser absolvido.

3. Ainda que louvável o empenho da Defesa, as razões


de recurso não lograram convelir os rijos fundamentos da
r. sentença de Primeiro Grau, que dirimiu, à justa luz e com
rigor de lógica jurídica, os fatos imputados ao réu.

Na verdade, assim a existência dos fatos delituosos


como a responsabilidade do réu ficaram comprovadas além
de toda a dúvida.

Suposto negasse, em Juízo, a imputação, a mais prova


dos autos incrimina-o implacavelmente.

Com efeito, o corréu RA, interrogado na fase do


inquérito, declarou que extraía areia no local, à ordem de
seu patrão, o apelante.

As testemunhas inquiridas na instrução confirmaram-


-lhe as palavras. Os policiais militares florestais, deveras,
depuseram que, fiscalizando a região, perceberam que o réu
procedia à extração irregular de areia. Acentuaram tê-lo já
advertido que o não fizesse. Informaram, à derradeira, que,
ao chegar ao sítio dos fatos, a draga estava a funcionar, isto
é, tirava areia.
75

O laudo de dano ambiental consigna que, embora


em atividade, não possuía o empreendimento “nenhuma
documentação referente ao porto de areia”.

Relata que “a frente de lavra ocorre em direção


à mata ciliar do Rio Jaguari-Mirim, causando-lhe
degradação”.

Descreve ainda o laudo pericial que o sítio dos fatos


se caracteriza como “braço de rio” (meandro abandonado).

Completam e ilustram o trabalho dos peritos fotografias


do local.

4. Salvo o devido respeito ao esforço de seu combativo


patrono, o clamor de inocência do réu ficou abafado pelo
volume e densidade das provas.

Ora, o art. 55 da Lei nº 9.605/98 prescreve pena a


quem extrai minério sem a competente autorização,
permissão ou concessão.

Para mais, com a extração irregular do minério


provocou o réu danos de vulto ao meio ambiente, pela
destruição de parte da floresta nativa e, sobre isso,
dificultou a recuperação ambiental, impedindo a regeneração
da mata destruída.

De que a ação ilícita do réu foi daninha ao ambiente


bem se colige da disposição admonitória da engenheira
76

agrônoma que subscreveu o laudo pericial: “o responsável


deverá assinar termo de compromisso de recuperação
ambiental junto ao DEPRN (Departamento Estadual de
Proteção de Recursos Naturais)”.

Infringiu, portanto, o réu, em seu espírito e forma, os


preceitos dos arts. 55, 48 e 50 da Lei nº 9.605/98 (Lei do
Meio Ambiente), porque, ao executar lavra e extrair
recurso mineral (areia), sem a competente autorização,
destruiu floresta nativa e dificultou-lhe a regeneração.

5. De todo o ponto ineficaz se antolha a escusa de que


não obrara o réu com culpa “lato sensu”, pois o contrário
inculca a circunstância de haver procedido à extração de
minério, em frontal desrespeito a embargo oposto pela
administração pública.

Daqui por que, e bem o concluiu a r. sentença apelada,


o “conjunto probatório é forte, robusto e inequívoco, suficiente
para embasar o decreto condenatório”.

As penas, fixadas em seu grau mínimo, estão corretas


e não sofrem alteração.

O valor da prestação pecuniária responde à imensa


lesão que o réu, com o seu proceder, causou ao meio
ambiente.

Ao reprimir a atividade lesiva ao meio ambiente, pôs


a mira o legislador em preservar a Natureza como bem
inestimável da Humanidade e garantir às futuras gerações a
77

posse de herança comum: as condições ideais de uma vida


saudável e feliz!

Oportuna e abalizada é a admoestação de José


Renato Nalini, insigne jurista e apóstolo infatigável da
ética ambiental: “Derrubar uma árvore é um crime. Não
apenas previsto pela Lei de crimes ambientais, mas um
crime contra o futuro, uma lesão contra a Humanidade.
E antes de ser crime, é evidente infração ética” (Ética
Ambiental, 2001, p. 81; Millennium Editora).

A substituição da pena corporal por prestação de


serviço à comunidade satisfez à vontade da lei e revelou
magnífico senso judicante do ilustre Magistrado de
Primeira Instância.

Quer-se mantida, em suma, por seus próprios e


jurídicos fundamentos, a r. sentença que proferiu o distinto
e culto Juiz Dr. Heitor Siqueira Pinheiro.

6. Pelo exposto, nego provimento à apelação.

São Paulo, 16 de agosto de 2001


Carlos Biasotti
Relator

____________________
11º Caso:(16)

Ementa
– Conforme doutrina geralmente recebida, a corrigenda
do libelo (“emendatio libelli”) é possível até à
prolação da sentença final.
– Por não incorrer na censura de inépcia, a denúncia
oferecida contra réu acusado de infração do art. 39 da
Lei nº 9.605/98 (Lei do Meio Ambiente) deve basear-
-se na certeza de que as árvores cortadas sem
permissão da autoridade competente pertenciam a
floresta considerada de preservação permanente.
Apenas com a satisfação desse requisito — elemento
normativo do tipo — é lícito processar quem
transgrediu a lei e violou o mandamento que a
consciência ecológica aditou ao decálogo divino,
parafraseando-o: Não desmatarás!
– “A acusação deve estar acompanhada do inquérito
policial ou de elementos que habilitem o Ministério
Público a promover a ação penal (art. 39, § 5º, do
Cód. Proc. Penal)” (José Frederico Marques,
Elementos de Direito Processual Penal, 2a. ed., vol. II,
p. 162).

1. A favor de VFM os ilustres advogados Dr. Helvio


Cagliari e Dr. André Luís Machado Arantes impetram
ordem de “habeas corpus” a este Egrégio Tribunal, sob a
alegação de que padece constrangimento ilegal da parte
do MM. Juízo de Direito da 1a. Vara da Comarca de
Igarapava.

(16) (TacrimSP; HC nº 380.996/1 – Igarapava).


79

Afirmam os impetrantes, na petição de fls. 2/9, que o


paciente foi denunciado como incurso nas sanções do art.
39 da Lei Federal nº 9.605/98 (Lei do Meio Ambiente),
combinado com o art. 29 do Código Penal, por “cortar
árvores em floresta considerada de preservação permanente,
sem permissão de autoridade competente”.

Aduzem mais os impetrantes que o fato imputado ao


paciente não se ajustava ao tipo legal, que apenas se integra
se a floresta de preservação permanente estiver “ao longo
de rios, lagos e cursos de água”.

Acrescentam que a mesma digna Promotora de


Justiça que ofereceu denúncia contra o paciente atribuíra-
-lhe, ao instaurar inquérito civil para a apuração de sua
responsabilidade, a prática do delito tipificado no art. 48
da Lei Federal nº 9.605/98.

Destarte, ajuntam os combativos impetrantes, faltara


justa causa para a “persecutio criminis in judicio”.

Requerem, por isso, à colenda Câmara a concessão de


ordem de “habeas corpus” a fim de trancar a ação penal
instaurada contra o paciente.

Alternativamente, pedem a declaração da “extinção


da punibilidade” do paciente, ancião de 78 anos de idade.

Instruíram o pedido com cópias das peças principais


dos autos da ação penal (fls. 10/126).
80

O r. despacho de fl. denegou a medida liminar: que


concedê-la implicava “análise cuidadosa do conjunto
probatório carreado aos autos, impossível de ser realizada
na cognição sumária da Vice-Presidência”.

Prestou informações a mui digna autoridade indicada


como coatora.

Confirmou os termos da impetração e esclareceu que


os autos aguardavam a realização do interrogatório do
paciente, designado para o dia 3 de abril próximo.

Sua Excelência acostou ao ofício de informações


novas cópias de peças dos autos.

A ilustrada Procuradoria Geral de Justiça, em detido,


abalizado e escorreito parecer do Dr. José Manoel Mendes
Castanho, opina pela concessão parcial da ordem para
anular a ação penal desde a denúncia, inclusive, facultado o
oferecimento de outra que atendesse aos requisitos do art.
41 do Código de Processo Penal, com extensão dos efeitos
da decisão aos corréus.

É o relatório.

2. Pretendem os autos que o paciente e dois corréus


tenham incorrido na letra do art. 39 da Lei nº 9.605/98, que
pune a ação de quem corta árvores de reserva florestal.

É que o paciente e os corréus, utilizando-se de


motosserra, teriam cortado várias árvores existentes em
81

área típica de preservação permanente, no imóvel rural


denominado Fazenda Caxeta.

Argumentam os impetrantes que o fato imputado ao


paciente não se subsume à sobredita figura penal.

Daqui por que encarecem a retificação da capitulação


legal da denúncia.

3. A questão agitada pelos dignos impetrantes, que


entende com a extinção da punibilidade do paciente pela
prescrição da pretensão punitiva estatal, “data venia”, não
colhe. Nem mesmo a circunstância da redução do prazo
pela metade, por amor da idade do paciente (78 anos), é
poderosa a determinar-lhe o reconhecimento.

A razão é que, antes de transitar em julgado a


sentença final, dispõe o art. 109 do Código Penal que a
prescrição se regula pelo máximo da pena privativa de
liberdade cominada ao crime.

Ora, a pena máxima cominada ao delito do art. 39 da


Lei nº 9.605/98 são 3 anos, cujo prazo prescribente o
art. 109, nº IV, do Código Penal fixa em 8 anos.

Portanto, uma vez não ocorreu a prescrição, afasto o


argumento com que a Defesa pretende alcançá-la.

4. Conforme doutrina geralmente recebida, a corrigenda


do libelo (“emendatio libelli”) é possível até à prolação da
sentença.
82

Bem a propósito discorreu o insigne Damásio E. de


Jesus:

“Errônea qualificação legal do crime. Pode ser


corrigida a qualquer tempo antes da prolação da
sentença final. Assim, não tem relevância a
circunstância de o Promotor Público, descrevendo
crime de furto, referir-se ao art. 168 do CP, que
define apropriação indébita. O Juiz, na sentença,
pode corrigir o erro (emendatio libelli). É orientação
do STF” (RTJ 79/95) (Código de Processo Penal
Anotado, 13a. ed., p. 250).

A hipótese dos autos, contudo, não cai sob o império


daquele princípio geral.

O motivo bem o expôs o avisado parecer da


Procuradoria Geral de Justiça: “não foi devidamente apurado
se a área na qual ocorreu o corte de árvores é de
preservação permanente”.

A definição de área de preservação permanente


pertence para os arts. 2º e 3º da Lei nº 4.771/65 (Código
Florestal).

Os laudos periciais, juntados por cópia às fls. destes


autos, não no esclareceram.

Impossível, portanto, afirmar, em rigor, que a área


danificada é tida como de preservação permanente.
83

Tal comprovação incumbia ao órgão do Ministério


Público primeiro que encetasse a persecução criminal
contra o paciente, pois entre a verificação desta circunstância
e a instauração da relação jurídico-processual lavra um
como nexo ideológico ou liame de causalidade.

A certeza de que o corte de árvores se deu em área de


preservação permanente é pressuposto fático e lógico do
exercício do direito de ação pelo Ministério Público por
infração do art. 39 da Lei do Meio Ambiente.

Pelo muito que tem de apropositado neste lugar,


transcrevo o julgado a que se refere o lúcido parecer da
Procuradoria Geral de Justiça:

“Não basta à admissibilidade da ação penal, como


outrora já se entendeu, a singela imputação de fato
que em tese constitua crime. Não basta ao recebimento
da denúncia ou queixa-crime o atendimento às
formalidades do artigo 41 do CPP, nem a descrição
de comportamento hábil em tese à caracterização da
figura típica. Reclama-se, mais do que isso, um
princípio de correspondência entre o fato imputado e
o comportamento do agente retratado nos autos da
informatio delicti” (Rev. Tribs., vol. 733, p. 598; rel.
Lopes de Oliveira).

O r. despacho que recebeu a denúncia, por fato de


duvidosa tipicidade (pois se não comprovou “ad satiem”
tivesse transgredido a Lei do Meio Ambiente), importou ao
paciente constrangimento ilegal.
84

Meteu em processo o réu pela prática de delito, a


despeito da carência de prova do elemento normativo do
tipo, isto é, de que as árvores que abatera pertenciam a
floresta considerada de preservação permanente (art. 39
da Lei nº 9.605/98).

Apenas em tal hipótese terá transgredido a lei e


violado o mandamento que a consciência ecológica aditou
ao decálogo divino, parafraseando-o: “Não desmatarás!”

5. Ensina José Frederico Marques, jurista de alto


coturno, que, incidindo o juízo de admissibilidade do
recebimento da denúncia na viabilidade da instância a ser
instaurada, “cumpre ao Juiz o exame liminar de pressupostos
processuais básicos para a regular constituição da relação
processual” (Elementos de Direito Processual Penal, 2a.
ed., vol. II, p. 162).

Pouco mais abaixo, diz o mesmo autor:

“Prende-se, ainda, à inviabilidade da instância a falta


de elementos que instruam a denúncia para
fundamentar a opinio delicti do órgão da acusação. A
acusação deve estar acompanhada do inquérito
policial ou de elementos que habilitem o Ministério
Público a promover a ação penal”: art. 39, § 5º, do
Cód. Proc. Penal (Idem, ibidem).

É força, portanto, conceder em parte a ordem


impetrada, para anular a ação penal (proc. nº 364/99; 1a.
Vara de Igarapava), a denúncia inclusive, facultado o
85

oferecimento de outra, que satisfaça aos requisitos do art.


41 do Código de Processo Penal, estendendo-se os efeitos
desta decisão aos corréus.

6. Concedo em parte a ordem de “habeas corpus” para


anular a ação penal instaurada contra o paciente, com
extensão dos efeitos do julgado aos corréus.

São Paulo, 17 de março de 2001


Carlos Biasotti
Relator

____________________
12º Caso:(17)

Ementa
– Matéria de alta indagação, como a que entende com
o elemento moral do crime (dolo), é insuscetível
de exame em processo de “habeas corpus”, de rito
sumaríssimo; apenas tem lugar na instância ordinária,
com observância da regra do contraditório.
– Trancamento de ação penal por falta de justa causa
unicamente se admite quando comprovada, ao primeiro
súbito de vista, a atipicidade do fato imputado ao réu,
ou a sua inocência (art. 648, nº I, do Cód. Proc.
Penal).

1. Em favor de PD o ilustre advogado Dr. Alfredo


Lúcio dos Reis Ferraz impetra a este Egrégio Tribunal
ordem de “habeas corpus”, sob a alegação de que está a
padecer constrangimento ilegítimo da parte do MM. Juízo
de Direito da Vara Distrital de Arujá (Comarca de Santa
Isabel).

Afirma que o paciente está sendo processado por


infração do art. 38, “caput”, da Lei nº 9.605/98 (Lei do
Meio Ambiente).

Foi o caso que — acentua o nobre impetrante — o


paciente, proprietário de sítio no município de Arujá,
determinara a empregados seus eliminassem a vegetação
daninha que ali havia e cortassem “uma árvore de raízes
venenosas”.

(17) (TacrimSP; HC nº 434.524/1 – Santa Isabel).


87

Acrescenta que o paciente, obrando por esse feitio,


levava a mira em preservar a saúde de seus empregados
e familiares (crianças, inclusive) e animais, além de
propiciar-lhes melhores condições de vida.

Assevera também que o paciente já firmara acordo


com órgão da Administração Pública, em ordem à
recuperação ambiental.

Arremata o douto impetrante que, a essa conta, faltava


justa causa para a “persecutio criminis in judicio”; pelo que,
requereu o trancamento da ação penal, a fim de cessar a
coação ilegítima (fls. 2/7).

Instruiu o pedido com cópia dos autos da ação penal


(fls. 9/88).

A egrégia Vice-Presidência do Tribunal denegou a


medida liminar (fl. 95).

Prestou as informações de estilo a mui digna


autoridade judiciária indicada como coatora. Esclareceu
que, por ofício requisitório do Ministério Público, foi
instaurado inquérito policial contra o paciente para apurar-
-lhe a responsabilidade pela prática de crime ambiental.

Informou ainda que, já recebida a denúncia, a douta


Promotoria de Justiça formulou ao paciente proposta de
suspensão condicional do processo, nos termos do art. 89
da Lei nº 9.099/95.
88

Ajuntou, por fim, a douta Magistrada haver assinado


o dia 15 de julho deste ano para o interrogatório do
paciente e do corréu, “ocasião em que será proposta a
suspensão do feito” (fls. 98/99).

Novas cópias de peças processuais ilustram a


Instância (fls. 100/108).

A ilustrada Procuradoria Geral de Justiça, em


pormenorizado e criterioso parecer do Dr. Gilberto
Martins Lopes, opina pela denegação da ordem
(fls. 110/116).

É o relatório.

2. Ainda que tenha em muito o esforço do distinto


causídico em prol do paciente — sujeito já entrado em
anos —, os elementos probatórios dos autos não me
persuadiram seja caso de conceder o remédio legal do
“habeas corpus”; pois, ao revés do que inculca o
impetrante, acha-se presente, no particular, a justa causa
para a ação penal.

A alegação de que o paciente procedera guiado por


móvel benemérito — i.e., proteção da saúde e vida de
pessoas e de animais inferiores — não está comprovada.

Demais, repugna à natureza do “habeas corpus”


o exame aprofundado de questão de fato.
89

Ainda: não demonstrou o impetrante que a vegetação


que o paciente mandara roçar e as árvores que mandara
cortar (“perobas d’água”) fossem realmente daninhas à
saúde.

Por último, a materialidade do fato está comprovada


por laudo do Instituto de Criminalística (fls. 48/51),
fartamente ilustrado (fls. 52/62).

Vem a ponto transcrever este passo do lúcido parecer


da Procuradoria Geral de Justiça: “Tem-se o auto de
infração ambiental e laudo técnico de vistoria firmado
por engenheiro florestal que nos dão conta da ação
degradadora da vegetação nativa existente em área de
proteção permanente, em nada aproveitando ao suplicante
o fato de se reparar aquele dano causado à natureza, pois,
consoante o inc. II do art. 14 da Lei no 9.605/98, quando
muito, tal conduta somente se constitui em circunstância
atenuante da pena” (fls. 114/115).

3. A impetração de ordem de “habeas corpus”, com


base na alegação de falta de justa causa para a persecução
criminal do paciente, não é passível de despacho favorável.

De feito, em razão de seu rito sumaríssimo, na via


heroica do “habeas corpus” é defeso proceder a exame de
matéria de alta indagação. Isto de haver ou não o paciente
obrado com dolo ou concorrido para a prática de crime,
como se trata de questão que apenas pode ser dirimida na
quadra de dilação probatória, na instância ordinária, não há
apreciá-la no raio exíguo do processo de “habeas corpus”.
90

Trancamento da ação penal por falta de justa causa


(art. 648, nº I, do Cód. Proc. Penal) apenas se admite
quando comprovada, ao primeiro súbito de vista, a
atipicidade do fato imputado ao réu, ou sua inocência.

Esta, com efeito, é a jurisprudência consagrada por


nossos Tribunais, em acórdãos infinitos em número:

“Somente pode ser reconhecida e afirmada, em sede


de habeas corpus, quando os fatos apontados como
delituosos são atípicos ou quando a inocência do
acusado se manifesta de forma desembuçada, clara,
precisa, límpida e incontestável” (Rev. Tribs., vol.
499, p. 488).

Ainda:

“Só na hipótese de que o fato denunciado não


constitua crime, em tese, é possível obter, por via de
habeas corpus, o trancamento do processo” (Rev.
Forense, vol. 134, p. 233; rel. Orosimbo Nonato).

Os elementos dos autos não evidenciam esteja o


paciente a sofrer constrangimento ilegal; por isso, não tem
jus ao remédio que pede.
91

4. Pelo exposto, denego a ordem de “habeas corpus”.

São Paulo, 28 de março de 2003


Carlos Biasotti
Relator

____________________
13º Caso:(18)

Ementa
– Sob pena de constituir violência contra o “status
dignitatis” do indivíduo, a instauração de persecução
penal unicamente se admite em face de prova cabal da
existência do crime e de indícios veementes de sua
autoria.
– Comprovada a falta de justa causa, ou de fundamento
razoável para a acusação, será força obstar à
persecução penal, em obséquio ao “status dignitatis”
do indivíduo, que deve estar ao abrigo de
procedimentos ilegítimos e temerários.
– Comprovada a falta de justa causa para a persecução
criminal — isto é, a “inexistência de fundamento
razoável para a acusação” (José Frederico Marques,
Exposição de Motivos do Anteprojeto do Código
de Processo Penal) —, merece deferida a ordem
impetrada para trancar a ação penal (arts. 647 e 648,
nº I, do Cód. Proc. Penal).

1. O ilustre advogado Dr. Osmar Benedito Priante


impetra a este Egrégio Tribunal ordem de “Habeas
Corpus”, com pedido de liminar, em prol de EA, sob o
argumento de que padece constrangimento ilegítimo da
parte do MM. Juízo de Direito da 1a. Vara da Comarca de
Santa Isabel.

Afirma, na petição de fls. 2/7, que o paciente,


engenheiro civil de profissão, foi denunciado por crimes
contra o Meio Ambiente: art. 40 da Lei nº 9.605/98 (causar

(18) (TJ; HC nº 990.09.107443-8 – Santa Isabel).


93

dano direto ou indireto às Unidades de Conservação) e art.


68 (que reza: “deixar, aquele que tiver o dever legal ou
contratual de fazê-lo, de cumprir obrigação de relevante
interesse ambiental”).

Alega que, no entanto, sofria o paciente constrangimento


ilegal, por falta de justa causa para a “persecutio criminis
in judicio”, já que atípico o fato que lhe imputou a
denúncia.

Argumenta ainda o douto impetrante que em prol do


paciente concorria causa extralegal de exclusão de
culpabilidade, i.e., inexigibilidade de conduta diversa.

Pleiteia, por isso, a concessão de ordem de “habeas


corpus” ao paciente para trancar-lhe a ação penal.

Instruiu o pedido com cópias de peças processuais de


interesse da causa (fls. 8/160).

O despacho de fls. 162/166 indeferiu a medida


liminar pleiteada.

A mui digna autoridade judiciária indicada como


coatora prestou as informações de praxe (fls. 181/183), nas
quais esclareceu que o paciente foi denunciado por infração
dos arts. 40, “caput”, e § 1º, da Lei nº 9.605/98, conjugado
com o art. 29 do Código Penal, e 68 da Lei nº 9.605/98.

A ilustrada Procuradoria Geral de Justiça, em firme e


escorreito parecer do Dr. Mário Luiz Sarrubbo, opina
pela concessão da ordem (fls. 197/200).
94

É o relatório.

2. Da denúncia juntada a estes autos por cópia (fls.


184/187) consta que, no dia 12 de agosto de 2005, em
Santa Isabel, o paciente, obrando em concurso e unidade de
propósitos com EEGJ, causou dano direto ou indireto em
Área de Proteção Ambiental dos Mananciais do Vale do
Paraíba.

Instaurada a “persecutio criminis in judicio”,


comparece o paciente a esta augusta Corte, assistido de
competente patrono, com o escopo de obter o trancamento
da ação penal por falta de justa causa.

3. Da mesma guisa que o douto Procurador de Justiça


em seu exímio parecer (fls. 174/179), estou em que se deve
conceder ao paciente a ordem de “habeas corpus” que
impetra, para trancar, por falta de justa causa, o
procedimento criminal que lhe foi instaurado.

Deveras, segundo a comum opinião dos doutores,


na esfera do “habeas corpus” é possível discutir a
legitimidade da “persecutio criminis”, para efeito de
trancamento da ação penal, se manifesta a ilegalidade do
ato ou a ausência de justa causa.

Ora, no caso de que se trata, conforme observou o


douto parecer da Procuradoria Geral de Justiça:“(...) a
autorização concedida pelo paciente se baseou justamente
na declaração de desinterdição ambiental emitida pelo
95

DPRN — Departamento Estadual de Proteção de Recursos


Naturais”. Ainda: “(...) por ocasião da expedição do
alvará não havia qualquer óbice à realização da obra.
Mais do que isso, o alvará, ao contrário do que diz a
denúncia, somente foi expedido tendo em vista a
desinterdição efetivamente declarada pelo órgão de
proteção ambiental” (fl. 178).

À derradeira, conforme o lapidar parecer da


Procuradoria Geral de Justiça, “não há qualquer notícia
nos autos de que, com relação aos fatos praticados em
agosto de 2005, tenha o paciente atuado a título de ação
ou omissão”, nem houvesse “conhecimento daquela ação
danosa ao meio ambiente” (ibidem).

4. Destarte, pois faltou justa causa para a instauração do


inquérito, é inegável que o paciente sofre constrangimento
ilegal, reparável por “habeas corpus” (art. 648, nº I, do
Cód. Proc. Penal).

Pelo muito que tem de apropositada, não resisto à


força que em mim faz o desejo de reproduzir a bela e
imortal lição do insigne Carrara:

“O processo criminal é o que há de mais sério no


mundo. Quer dizer: tudo nele deve ser claro como a
luz, certo como a evidência, positivo como qualquer
grandeza algébrica; nada de suposto, nada
de anfibológico, nada de ampliável; acusação
positivamente articulada, para que a defesa seja
possivelmente segura; banida a analogia, proscrito o
paralelismo, assente o processo exclusivamente sobre
96

a precisão morfológica legal, e esta outra precisão


mais salutar ainda: a da verdade sempre desataviada
de dúvidas” (apud Romeiro Neto, O Direito Penal
Militar nos Casos Concretos, 1966, p. 30).

Pelo mesmo teor, a lição de Rogério Lauria Tucci,


processualista emérito: no Direito Penal, atento o seu
caráter coercitivo e sancionador, é força “preservar,
no âmbito do processo penal, em sua integridade, a
preocupação secular dos nossos legisladores de acautelar,
sempre e sempre, a inocência e a própria justiça, contra
os procedimentos infundados, levianos e temerários”
(in Rev. Tribs., vol. 571, pp. 291-294).

Isto mesmo têm proclamado nossos Tribunais, em


acórdãos infinitos em número:

a)“Para o exercício regular da ação penal pública


ou privada, indispensável o requisito da justa
causa, expressa em suporte mínimo da prova da
imputação. O simples relato do fato, sem qualquer
elemento que indique sua provável ocorrência,
inviabiliza o recebimento da queixa-crime ou da
denúncia” (Rev. Tribs., vol. 674, p. 341; rel. Min.
José Cândido);

b)“Para que a ação penal tenha condições de


viabilidade, é preciso que haja o fumus boni juris.
É imperativo o controle do Juiz sobre essa
condição de viabilidade do pedido acusatório,
pois, se assim não for, podem ser atingidos,
indevidamente, o status libertatis, e o status
97

dignitatis do acusado” (Rev. Tribs., vol. 451,


p. 337; rel. Dalmo Nogueira).

Em suma, comprovada a falta de justa causa para


a persecução criminal — isto é, a “inexistência de
fundamento razoável para a acusação” (José Frederico
Marques, Exposição de Motivos do Anteprojeto do Código
de Processo Penal) —, merece deferida a ordem impetrada
para trancar a ação penal (arts. 647 e 648, nº I, do Código
de Processo Penal).

5. Pelo exposto, concedo ordem de “habeas corpus”


ao paciente para trancar a ação penal que lhe foi instaurada
perante o MM. Juízo de Direito da 1a. Vara da Comarca de
Santa Isabel (proc. nº 5/2006).

São Paulo, 23 de julho de 2009


Des. Carlos Biasotti
Relator

____________________
14º Caso:(19)

Ementa
– Atenta contra a Natureza e incorre na sanção da Lei
nº 9.605/98 (art. 38), por lesar o Meio Ambiente, o
sujeito que, ao construir tanques para criação de
peixes, destrói e inutiliza, com máquinas (tratores),
parte de floresta considerada de preservação
permanente.
– Contra aquele que, infenso à ética ambiental, concorre
para o desmatamento de floresta considerada de
preservação permanente, prevalece o rigor da lei,
como “ultima ratio”, em ordem a que “o mundo não
seja, num futuro não-remoto, um deserto fuliginoso e
morto” (José Renato Nalini, Ética Ambiental, 2003,
p. 234).

1. Da r. sentença que proferiu o MM. Juízo de Direito


da 2a. Vara da Comarca de Registro, condenando-o à pena
de 1 ano de detenção, substituída por restritiva de direitos
(prestação de serviços à comunidade), por infração do art.
38, “caput”, da Lei nº 9.605/98 (Lei do Meio Ambiente),
interpôs recurso para este Egrégio Tribunal, com o intuito
de reformá-la, JPS.

Alega, nas razões de apelo, que nenhum crime


cometeu, pois não destruiu nem danificou floresta: apenas
procedera à reforma de tanque de piscicultura, com
movimentação de terra em área de pastagem.

(19) (TacrimSP; Ap. nº 1.369.597/6 – Registro).


99

Acrescenta que as edificações e benfeitorias já


existiam no local antes da Lei nº 9.605/98, visto que
adquiriu o imóvel no ano de 1991.

Destarte, espera que a colenda Câmara lhe atenda aos


protestos de inocência e o absolva (fls. 186/189).

Apresentou contrarrazões a douta Promotoria de


Justiça: repeliu a pretensão da nobre Defesa e propugnou
a manutenção da r. sentença de Primeira Instância
(fls. 191/193).

A ilustrada Procuradoria Geral de Justiça, em


minucioso e abalizado parecer do Dr. Marcílio Grecco,
opina pelo improvimento da apelação, mantida por seus
próprios e jurídicos fundamentos a r. sentença de Primeiro
Grau (fls. 199/201).

É o relatório.

2. O órgão do Ministério Público ofereceu denúncia


contra o réu porque, aos 21 de agosto de 1999, na Estrada
do Lajeado, na cidade de Registro, na condição de
possuidor da Fazenda del Rey, destruiu e inutilizou, com
máquinas, uma área de 0,12 ha de floresta considerada de
preservação permanente.

Reza a denúncia que policiais militares florestais, em


fiscalização ordinária, tomaram para a propriedade do réu
e, ali, entraram no conhecimento de que, utilizando
máquinas, estava a danificar e destruir floresta de preservação
100

permanente; pretendeu justificá-lo, esclarecendo que iria


construir um tanque para criação de peixes.

Instaurada a persecução criminal, transcorreu o


processo na forma da lei. Ao cabo, a r. sentença de
fls. 160/166 decretou a condenação do réu, o qual,
inconformado com o desfecho adverso da causa,
manifestou recurso para esta augusta Corte de Justiça,
na expectativa de absolvição.

3. Ainda que louvável o empenho de seu douto patrono,


o clamor do réu não se mostra atendível, porque em
desacordo com a prova dos autos.

Deveras, é incontroverso que, no dia dos fatos, o réu


executava atividade que importou destruição e danificação
de floresta considerada de preservação permanente.

Realmente, a testemunha Amarildo de Souza, policial


militar, inquirida na fase de instrução do processo, declarou
que, ao percorrer o sítio dos fatos, deparou com “uma
área devastada onde existia floresta de preservação
permanente”. Ajuntou que, no local, atolado, havia “um
trator” (fl. 146).

Com suas declarações concorda o depoimento do


colega Oziel de França Leite: depondo em Juízo, asseverou
que, na propriedade do réu, fora encontrada maquinaria.
Referiu também a destruição de “parte da floresta”
(fl. 145).
101

A área danificada pelo réu, segundo o laudo de


vistoria de dano ambiental (fls. 81/84), “é considerada
como área de proteção permanente”.

De todo ponto irrelevante — como observou, com


fina penetração, o douto parecer da Procuradoria Geral de
Justiça — é a questão “se o réu estava construindo um
tanque ou simplesmente reformando um tanque já
existente” (fl. 200), pois, sem a devida licença do órgão
competente, tomara sobre si a iniciativa de realizar obras
em sua propriedade, que acarretaram a supressão de
vegetação natural.

4. Ora, tratando-se de conduta lesiva ao meio ambiente,


era força dar incurso o réu nas sanções do art. 38 da Lei
nº 9.605/98.

Com efeito, o teor de proceder do réu mostra-se grave


e penalmente punível, pois agrediu o meio ambiente. Coisa
muito de ver e juntamente lastimar é que o desmatamento
irracional está transformando o País num imenso deserto!

Ao condenar o réu, portanto, a r. sentença satisfez à


prova dos autos, aos cânones do Direito e da Justiça e à
vocação da ética ambiental, conforme aquilo do insigne e
douto Magistrado José Renato Nalini:

“Cada qual encontrará a melhor forma de atuar para


que o mundo não seja, num futuro não-remoto, um
deserto fuliginoso e morto” (Ética Ambiental, 2003,
p. 234; Millennium Editora).
102

A pena do réu, fixada no mínimo legal e substituída


por medida alternativa, está correta e não sofre modificação.

Em suma: proferida segundo as provas dos autos e o


rigor da lei, interpretada à luz da razão lógica, quer-se
mantida a r. sentença de Primeiro Grau, que faz honra a seu
ilustre subscritor, o distinto e culto Magistrado Dr. Caio
Moscariello Rodrigues.

5. Pelo exposto, nego provimento ao recurso.

São Paulo, 24 de novembro de 2003


Carlos Biasotti
Relator

____________________
15º Caso:(20)

Ementa
– À luz do art. 118 e segs. do Cód. Proc. Penal, os bens
apreendidos somente podem ser restituídos, se já não
interessarem ao processo nem houver dúvida quanto ao
direito do reclamante.

– Apenas a violação de direito líquido e certo, pedra


angular do instituto, autoriza a impetração de
mandado de segurança (art. 5º, nº LXIX, da Const.
Fed.).
– O direito líquido, certo e incontestável, objeto do
mandado de segurança, conforme os anais do Pretório
Excelso, “é aquele contra o qual se não podem opor
motivos ponderáveis, e sim meras e vagas alegações
cuja improcedência o magistrado pode reconhecer
imediatamente sem necessidade de detido exame” (apud,
Themistocles Brandão Cavalcanti, Do Mandado de
Segurança, 1957, p. 128).

1. TR, empresa de direito privado, com sede na cidade


de Limeira, impetra a este Egrégio Tribunal Mandado de
Segurança contra ato do MM. Juízo de Direito da 2a. Vara
Criminal da Comarca de Limeira, que lhe teria violado
direito líquido e certo.

Afirma, na petição de fls. 2/6, que, aos 15 de


dezembro de 2003, o proprietário da impetrante e seus
funcionários foram presos e autuados em flagrante delito,
sob a alegação de que se associaram em bando para o fim

(20) (TJ; MS nº 1.044.563-3/3-00 – Limeira).


104

de cometer crimes, definidos no art. 288 do Código Penal;


art. 1º, nº I, da Lei nº 8.176/91 (crimes contra a ordem
econômica); art. 7º, nº III, conjugado com o art. 12, nº I,
da Lei nº 8.137/90 (crimes contra a ordem tributária e as
relações de consumo), e arts. 56 e 60 da Lei nº 9.605/98
(Lei do Meio Ambiente), como consta da denúncia juntada
a estes autos por cópia (fls. 27/33).

Acrescenta que, em consequência da lacração de suas


dependências e apreensão de veículos, fora compelida a
paralisar as atividades.

Acentua ainda que, em liberdade seu proprietário e


funcionários (após 14 meses de prisão), retomou as
atividades.

Sua situação financeira, no entanto, fora abalada, o


que a obrigou a tomar empréstimos para ocorrer a
despesas.

Ajunta mais que as dependências onde funciona a


empresa foram lacradas pela ANP – Agência Nacional do
Petróleo, e que em vão tentara obter o deslacramento, já
que a mui digna autoridade judiciária indicada como
coatora somente lhe apreciaria o pedido “após a prolação
da sentença”.

Argumenta que, tendo-lhe sido liberados já “os


caminhões, as carretas e seus documentos”, por força do
ven. acórdão deste Egrégio Tribunal, proferido em
15.12.2005 (Mandado de Segurança nº 871.775-3/4-00),
105

não havia razão para permanecer lacrado “o espaço


físico da impetrante” (fl. 5). Ao demais — ressalta a
impetrante —, se a Equipe Técnica da ANP já colheu as
amostras necessárias dos combustíveis para análise,
constituía paradoxo manter sob constrição oficial “o
espaço físico e os tanques subterrâneos” (fl. 5), que
cumpria de imediato vender para satisfazer a largas dívidas.

Instruiu o pedido com documentos de interesse da


ação (fls. 7/33).

O despacho de fls. 36/41 indeferiu a medida liminar


pleiteada.

A mui digna autoridade impetrada prestou as


informações de praxe, nas quais confirmou os termos da
petição inicial e esclareceu que a restituição ou perda dos
bens será apreciada na sentença (fls. 49/50).

A ilustrada Procuradoria Geral de Justiça, em firme e


criterioso parecer do Dr. Valter de Jesus Fernandes,
opina pela denegação da segurança (fls. 52/54).

É o relatório.

2. É o mandado de segurança o remédio jurídico-


processual destinado a proteger direito líquido e certo
contra ilegalidade ou abuso de poder, dispõe o art. 5º,
nº LXIX, da Constituição da República.
106

Essa teoria, abraçada pela Carta Magna, consta de


acórdãos infinitos em número, proferidos no âmbito dos
Tribunais, sem excetuar a Justiça Criminal:

a)“Admite-se, desde que presentes os pressupostos


do fumus boni juris e o periculum in mora, a
impetração de mandado de segurança contra ato
judicial passível de recurso com efeito meramente
devolutivo” (RJDTACrimSP, vol. 22, p. 215; rel.
Nogueira Filho);

b)“O objeto do mandado de segurança é a correção


de um ato ou omissão do Poder Público, desde que
ilegal e lesivo de direito individual, subjetivo,
líquido e certo, e as decisões judiciais não
escapam a esta regra, ensejando o mandamus
sempre que não possam ser sustadas por recurso
ou intervenção correicional capaz de impedir a
lesão” (RJDTACrimSP, vol. 31, p. 352; rel.
Ericson Maranho).

Pedra angular do edifício do mandado de segurança,


importa saber que coisa seja direito líquido e certo.

Cunha Mello, em texto lapidar, discorre ao propósito


nesta substância:

“Colhe-se da pesquisa feita nos Anais da Suprema


Justiça Federal o conceito correntio do que,
na técnica jurídica, se chama direito certo e
incontestável: é aquele contra o qual se não podem
107

opor motivos ponderáveis, e sim meras e vagas


alegações cuja improcedência o magistrado pode
reconhecer imediatamente sem necessidade de detido
exame” (apud Themistocles Brandão Cavalcanti,
Do Mandado de Segurança, 1957, p. 128).

Tem esse caráter o direito violado cujo restabelecimento o


impetrante reclama na via judicial do mandado de
segurança? Fico que não, porque ainda não decidido o
mérito da causa-crime instaurada contra os sócios da
impetrante.

3. Arguida a impetrante de associar-se para adulteração de


combustível, mandou-lhe a Justiça lacrar os tanques
instalados em sua propriedade.

A impetrante, porém, argumenta que, liberados seus


caminhões, carretas e documentos, devia sê-lo também,
“ipso facto”, seu espaço físico.

Ora, na conformidade da disposição preceptiva do


art. 120 do Código de Processo Penal, a restituição das
coisas apreendidas “poderá ser ordenada pela autoridade
policial ou juiz, mediante termo nos autos, desde que não
exista dúvida quanto ao direito do reclamante”.

Mas — o que admitiu o advogado mesmo da


impetrante —, o MM. Juízo pretende analisar o pedido de
liberação do local quando da prolação da sentença.
108

Ainda: na trilha das informações do mui digno


Magistrado, a providência de liberação do local em que a
impetrante mantém seus tanques de combustível “não
depende apenas do Juízo, mas também de cumprimento de
outras exigências no âmbito ambiental e autorização da
ANP”. E, o que é mais, “existem indícios razoáveis de que
foi montada uma enorme estrutura destinada a adulteração
de combustível, sob o manto de uma distribuidora” (fl. 58).

Donde o avisado parecer da Procuradoria Geral


de Justiça: “É certo que a lacração dos tanques está
plenamente relacionada com o objeto do crime cometido.
Portanto, poderá o Magistrado decretar a perda de bens e
direitos, devendo analisar, na sentença, tal circunstância”
(fl. 53).

Tudo recomenda, pois, se preserve a situação de fato,


até à decisão do mérito da causa.

A lição da Doutrina faz muito ao caso:

“Dominando o instituto da restituição das coisas


apreendidas, há uma regra muito importante que
deflui do art. 118 do Cód. Proc. Penal: antes de
transitar em julgado a sentença final, as coisas
apreendidas não poderão ser restituídas enquanto
interessarem ao processo” (Tourinho Filho,
Processo Penal, 1997, vol. 3º, pp. 5-7).
109

As circunstâncias da lacração do espaço da


impetrante — possibilidade de adulteração de combustível —
arguem para logo a falta de liquidez e certeza do direito
reclamado.

Releva notar que todo o esforço para perquirir a


alegada procedência lícita do combustível importaria
análise aprofundada das provas, operação incompatível
com a natureza e finalidade do instituto do mandado de
segurança.

O ven. acórdão do Colendo Superior Tribunal de


Justiça, abaixo reproduzido por sua ementa, faz muito ao
caso:

“A utilização da ação mandamental contra ato judicial


é aceita quando o mesmo seja manifestamente ilegal ou
revestido de teratologia. Não é o caso dos autos.
Inadequada a via do mandado de segurança para
buscar a discussão acerca da possível origem ilícita
dos bens apreendidos. Recurso desprovido” (RMS
nº 18.438/SP; rel. Min. José Arnaldo da Fonseca,
DJU 7.3.2005).

Ao demais, o ilustre Magistrado — conforme traz a


impetrante mesma — examinar-lhe-á o pedido “após a
prolação da sentença” (fl. 4). Donde claramente se mostra
que Sua Excelência não lhe indeferiu o pedido, apenas lhe
condicionou a apreciação ao julgamento do mérito da
causa, ou pedido principal.
110

Em suma, não fez prova a impetrante, como lhe


competia, da aparência de seu bom direito (“fumus boni
juris”).

Vem aqui a ponto a lição de Pedro Gagliardi:

“A liminar é medida de natureza cautelar. Sua


finalidade precípua é assegurar maior presteza aos
remédios heroicos constitucionais evitando que se
complete uma coação ilegal ou impedindo seu
prosseguimento.

Por se tratar de medida cautelar, a sua concessão


exige que estejam presentes o fumus boni juris e o
periculum in mora, pressupostos indispensáveis a
toda medida dessa natureza. Ausente qualquer
desses pressupostos, não se verifica hipótese de
deferimento da medida excepcional” (As Liminares
em Processo Penal, 1999, p. 18).

À derradeira, no caso “sub judice” não conspiram os


dois requisitos que, segundo a melhor doutrina, autorizam a
concessão de mandado de segurança, i.e., “a relevância do
fundamento e o receio de lesão ao direito” (cf. Carlos
Alberto Menezes Direito, Manual do Mandado de
Segurança, 4a. ed., p. 124).

Em suma: dado que não comprovou a impetrante a


liquidez e certeza de seu direito à restituição do bem
apreendido, não faz jus à segurança requerida.
111

4. Pelo exposto, denego a segurança.

São Paulo, 27 de março de 2007


Des. Carlos Biasotti
Relator

____________________
16º Caso:(21)

Declaração de Voto (vencido)

Ementa
– Não decai a Justiça de sua grandeza e confiança, antes
se recomenda ao louvor dos espíritos retos, se, aferindo
por craveira benigna lesão a bem jurídico penalmente
tutelado, rejeita denúncia por crime ambiental: pesca
mediante a utilização de petrechos não permitidos
(art. 34, parág. único, nº II, da Lei nº 9.605/98).
–“Aquele que passa fome
fica tão prisioneiro da sua fome
que não lhe sobra liberdade
para mais nada”
(Carlos Ayres Britto, A Pele do Ar, 2a. ed., p. 108).
– Ao Juiz não esqueçam jamais aquelas severas palavras
de Rui: “Não estejais com os que agravam o rigor das
leis, para se acreditar com o nome de austeros e
ilibados. Porque não há nada menos nobre e
aplausível que agenciar uma reputação malignamente
obtida em prejuízo da verdadeira inteligência dos
textos legais” (Oração aos Moços, 1a. ed., p. 43).
– Nos casos de insignificante lesão ao bem jurídico
protegido e mínimo o grau de censurabilidade da
conduta do agente, pode o Magistrado, com prudente
arbítrio, deixar de aplicar-lhe pena (e ainda pôr termo à
“persecutio criminis”). É que, nas ações humanas, o
Direito Penal somente deve intervir como providência
“ultima ratio”.

(21) (TJ; RSE nº 1.078.126-3/3-00 – Presidente Prudente).


113

1. Da r. decisão que proferiu o MM. Juízo de Direito da


1a. Vara Criminal da Comarca de Presidente Prudente,
rejeitando-lhe a denúncia que ofereceu contra EAN, FFS
e JCC, por infração do art. 34, parág. único, da Lei
nº 9.605/98, conjugado com o art. 29 do Código Penal,
interpôs recurso para este Egrégio Tribunal, com o intuito
de reformá-la, o ilustre representante do Ministério
Público.

Nas razões de fls. 97/104, elaboradas com esmero e


elegância, afirma que a conduta imputada aos acusados foi
típica e antijurídica; nenhuma causa de isenção de pena, ao
demais, atuava em seu favor; pelo que, era de preceito a
instauração do devido processo legal.

Pleiteia, destarte, à colenda Câmara tenha a bem


receber a denúncia e determinar a instauração da
persecução penal em Juízo, na forma da lei.

A Defesa repeliu a pretensão do recorrente e


propugnou a mantença da r. decisão de Primeiro Grau,
como obra de justiça (fls. 115/118 e 121/128).

O r. despacho de fl. 132 manteve, por seus próprios


fundamentos, a r. decisão impugnada.

A ilustrada Procuradoria Geral de Justiça, em


minucioso e abalizado parecer do Dr. Newton Reginato,
opina pelo provimento do recurso (fls. 135/136).

É o relatório.
114

2. Foram os recorridos chamados à barra da Justiça


Criminal porque, pela madrugada do dia 18 de março de
2006, na “Represa Cica”, águas do Rio Santo Anastácio,
em Presidente Prudente, obrando em concurso e unidade de
propósitos, pescavam, utilizando-se de petrechos não
permitidos.

Instaurada a “persecutio criminis”, foram os autos de


inquérito remetidos a Juízo.

Oferecida a denúncia, rejeitou-a a r. decisão de fls.


89/95, sob color de que a “insignificância da conduta” não
justificava a intervenção judicial.

3. A materialidade e a autoria do fato imputado aos


recorridos não podem ser infirmadas sem imprudência, pois
assentaram em base probatória firme e incontroversa.

A despeito, porém, dos cabedais de talento e zelo do


subscritor das razões de recurso, a solução adotada pela
decisão de Primeira Instância era, a meu aviso, a que
realmente devia caber na alçada da Justiça Criminal.

Nos casos de insignificante lesão ao bem jurídico (e


mínimo o grau de censurabilidade), o fato não constitui
crime. É que, nas ações humanas, o Direito Penal apenas
intervém como providência “ultima ratio”.
115

Mesmo quando conspirem os elementos constitutivos do


crime, sempre se reconheceu ao Juiz discrição para atalhar
o curso da persecução penal, se esta lhe parecer, mais do
que intolerável absurdo, violação grave do ideal e dos
preceitos da Justiça.

Não decai de sua grandeza e confiança a Justiça,


antes se recomenda ao louvor dos espíritos retos, se,
aferindo por craveira benigna lesão a bem jurídico
penalmente tutelado, rejeita denúncia por crime ambiental:
pesca mediante a utilização de petrechos não permitidos
(art. 34, parág. único, nº II, da Lei nº 9.605/98).

No caso sujeito, haviam os réus pescado com tarrafa


(petrecho proibido) e retornavam a casa, trazendo consigo
alguns peixes — cerca de 5 kg (fls. 26/27) — quando os
policiais lhes deram voz de prisão. Acerca dos fatos,
alegaram que não sabiam “era proibido pescar com
tarrafa” (fls. 7/8).

Os peixes que haviam pescado, afirmaram que se


destinavam ao consumo próprio (fls. 47/49).

A alegação de que ignoravam que pescar com tarrafa


era proibido não se recebe sem um grão de sal. Na verdade,
as permanentes campanhas em prol do Meio Ambiente, em
que se fulmina a pesca predatória, retiram aos pescadores o
direito de eximir-se de responsabilidade pela invocação de
semelhante argumento.
116

Ao demais, “o desconhecimento da lei é inescusável”


(art. 21 do Cód. Penal).

A explicação dos denunciados — de que os peixes


que acabavam de pescar se destinariam ao suprimento
da família — não pode entretanto, sensatamente, ser
contestada: todos o declararam. Ajuntaram-lhe até o móvel
moral: passavam por “dificuldades financeiras”, e os
peixes, uma vez levados à mesa, serviriam de “mistura”
(fls. 48/49).

À derradeira, a pôr-se fé inteira nas palavras


dos policiais que lhes lavraram o “auto de infração
ambiental”, era pouco expressiva a quantidade de peixes
que os acusados transportavam: coisa de 5 kg (fls. 36/37).

4. As circunstâncias do caso — natureza da infração,


quantidade (escassa) dos produtos apreendidos e sua
destinação, presumida primariedade dos acusados, reduzido
grau de censurabilidade do ato, etc. —, possibilitavam,
senão ainda sugeriam, a providência adotada pelo insigne e
prudente Magistrado: rejeição da denúncia.

Além dessas, pareceu-me forçosa a razão que deram


os acusados, a saber: com os peixes iriam prover à
subsistência (própria e da família); em suma: buscariam
saciar a fome.
117

Ora:

“Aquele que passa fome


fica tão prisioneiro da sua fome
que não lhe sobra liberdade
para mais nada”
(Carlos Ayres Britto, A Pele do Ar, 2a. ed.,
p. 108).

Ao Juiz não esqueçam jamais aquelas severas


palavras de Rui:

“Não estejais com os que agravam o rigor das


leis, para se acreditar com o nome de austeros e
ilibados. Porque não há nada menos nobre
e aplausível que agenciar uma reputação
malignamente obtida em prejuízo da verdadeira
inteligência dos textos legais” (Oração aos
Moços, 1a. ed., p. 43).

Tal exegese conforma-se com o alto magistério do


Colendo Supremo Tribunal Federal, como está a persuadi-
-lo a ementa a seguir reproduzida:

“Deve o órgão investido do ofício judicante


resistir à tendência de, em época de
delinquência exacerbada, caminhar para a
persecução criminal a ferro e fogo, com
desprezo de normas comezinhas, entre as
quais surge, com relevância maior, a alusiva
118

ao princípio da não-culpabilidade” (Rev.


Trim. Jurisp., vol. 171, p. 584; rel. Min. Marco
Aurélio).

5. Ao Juiz a Lei determina — e não apenas assegura —


que, no aplicá-la, atenda “aos fins sociais” e “às
exigências do bem comum” (art. 5º da Lei de Introdução
ao Código Civil).

Casos haverá (sendo o dos autos desse número) em


que ao Magistrado corre o dever de repelir, com retidão e
sabedoria, a ingrata censura, na qual se detinham e
compraziam já nossos maiores, por onde “regimentos não
se executam senão nos pobres; leis e prisões não se
guardam, senão contra os desamparados” (Diogo do
Couto, Diálogo do Soldado Prático, 1790, p. 19).

Isto mesmo tem proclamado esta prestigiosa Corte


Criminal, em acórdãos numerosos, subscritos por seus mais
eminentes Juízes:

“A lei penal jamais deve ser invocada para atuar


em casos menores, de pouca ou escassa
gravidade. E o princípio da insignificância
surge justamente para evitar situações dessa
espécie, atuando como instrumento de
interpretação restritiva do tipo penal, com o
significado sistemático e político-criminal da
expressão da regra constitucional do nullum
crimen sine lege, que nada mais faz do que
revelar a natureza subsidiária e fragmentária
119

do direito penal” (Rev. Tribs., vol. 733, p. 579;


rel. Márcio Bártoli).

O princípio da insignificância como causa de


exclusão de tipicidade penal tem, entre nós, padroeiros de
grande vulto e peso:

“Embora não presente em texto legal, o princípio da


intervenção mínima, de cunho político-criminal,
impõe-se ao legislador e ao intérprete, por sua
compatibilidade com outros princípios jurídico-
-penais dotados de positividade, e com os
pressupostos políticos do estado democrático de
direito” (Carlos Vico Mañas, O Princípio da
Insignificância como Excludente da Tipicidade no
Direito Penal, 1994, p. 57).

Em suma, quer-se confirmada, por seus jurídicos e


lógicos fundamentos, a r. decisão que proferiu o distinto e
culto Magistrado Dr. Antonio Roberto Sylla.

6. Pelo exposto, nego provimento ao recurso.

São Paulo, 30 de novembro de 2007


Des. Carlos Biasotti
Relator

____________________
17º Caso:(22)

Ementa
– Se o processo tramitou perante o Juizado Especial
Criminal, por ser a infração de menor potencial
ofensivo (art. 61 da Lei nº 9.099/95), será competente
(“ratione materiae”) para conhecer de eventual
recurso o Colégio Recursal, não o Tribunal de
Justiça.
– “As Turmas de Recurso constituem-se em órgão de
segunda instância, cuja competência é vinculada aos
Juizados Especiais e de Pequenas Causas” (art. 84,
§ 1º, da Const. Estadual).

1. O ilustre advogado Dr. Douglas de Paiva Santos


impetra a este Egrégio Tribunal ordem de “Habeas
Corpus”, com pedido liminar, em favor de MCP, sob o
argumento de que padece coação ilegítima da parte do
MM. Juízo de Direito da 1a. Vara da Comarca de Santa Fé
do Sul.

Alega, na petição de fls. 2/6, ter sido o paciente


condenado a cumprir sua pena sob o regime semiaberto.

Acrescenta que, sem embargo de lhe ter sido deferido


regime semiaberto, achava-se recolhido o paciente em
estabelecimento próprio do regime fechado, o que, a seu
aviso, constituía ofensa a direito seu legítimo.

(22) (TJ; HC nº 993.08.042l68-4 – Santa Fé do Sul).


121

Destarte, firme na Doutrina e na Jurisprudência,


requer a concessão da ordem, que lhe ponha cobro à
situação irregular, mediante transferência imediata para
estabelecimento adequado ao cumprimento da pena ou
aguarde, sob o regime aberto, o surgimento de vaga.

O pedido acompanha-se de cópias de peças


processuais (fls. 7/8).

O despacho de fls. 11/14 denegou a medida liminar.

Prestou as informações de estilo a mui digna


autoridade indicada como coatora: esclareceu que o
paciente foi condenado por infração do art. 29, § 1º, nº III,
da Lei nº 9.605/98, à pena de 7 meses e detenção, sob o
regime semiaberto, e pagamento de 11 dias-multa.

Informou ainda que, por decisão de 4.6.2008, foi o


paciente removido ao regime aberto (fl. 166).

O ofício de informações acompanha-se de cópias de


peças processuais de interesse da ação (fls. 167/179).

A ilustrada Procuradoria Geral de Justiça, em firme e


escorreito parecer do Dr. Roberto Calderaro, opina pelo
não-conhecimento da impetração, com determinação de
remessa dos autos ao competente Colégio Recursal (fls.
157/160).

É o relatório.
122

2. Assiste razão ao diligente e culto subscritor do


parecer da Procuradoria Geral de Justiça, ao propor não
conheça a colenda Câmara da impetração e remeta os autos
ao Colégio Recursal.

De feito, a ação penal a que responde o paciente foi


instaurada perante o Juizado Especial, visto se tratava de
infração penal de menor potencial ofensivo: art. 29, § 1º,
nº III, da Lei nº 9.605/98 (crime contra a fauna).

Se julgado o processo perante a Justiça Comum, seria


competente para conhecer-lhe de recurso o Tribunal,
consoante jurisprudência do Excelso Pretório:

“Compete ao Tribunal estadual de 2º grau e não à


Turma Recursal o julgamento de processo referente
a crime de menor potencial ofensivo julgado pela
Justiça comum” (HC nº 85.312-9-SC; 2a. Turma;
rel. Min. Carlos Velloso; j. 12.4.2005).

Assim, esta augusta Corte de Justiça é incompetente


“ratione materiae” para conhecer e julgar do “habeas
corpus” impetrado em favor do paciente. Cabe-lhe o
julgamento a uma das Turmas Recursais, nos termos do
art. 84, § 1º, da Constituição do Estado de São Paulo: “As
Turmas de Recursos constituem-se em órgão de segunda
instância, cuja competência é vinculada aos Juizados
Especiais e de Pequenas Causas”.
123

O ven. acórdão adiante reproduzido por sua ementa


faz muito ao caso:

“Processo penal — Delito de menor potencial


ofensivo — Processo que seguiu o rito da Lei nº
9.099/95 até a entrega da prestação jurisdicional —
Competência de Turma Recursal para apreciação
e julgamento do inconformismo” (Rev. Tribs., vol.
858, p. 672; rel. José Carlos Carstens Köhler).

3. Pelo exposto, não conheço do pedido e determino a


remessa dos autos ao Colégio Recursal.

São Paulo, 2 de julho de 2008


Des. Carlos Biasotti
Relator

____________________
18º Caso:(23)

Ementa
– Somente a violação de direito líquido e certo, pedra
angular do instituto, autoriza a impetração de
mandado de segurança (art. 5º, nº LXIX, da Const.
Fed.).
– O direito líquido, certo e incontestável, objeto do
mandado de segurança, conforme os anais do Pretório
Excelso, “é aquele contra o qual se não podem opor
motivos ponderáveis, e sim meras e vagas alegações
cuja improcedência o magistrado pode reconhecer
imediatamente sem necessidade de detido exame”
(apud, Themistocles Brandão Cavalcanti, Do
Mandado de Segurança, 1957, p. 128).
– Por violar direito líquido e certo, pode ser impugnada
mediante mandado de segurança a decisão que, com
base no art. 25, § 2º, da Lei nº 9.605/98 (Lei do Meio
Ambiente), decreta o perdimento da totalidade de
mercadoria (carga de madeira serrada), apreendida pela
Polícia por irregularidade consistente na diferença
entre seu peso real e o declarado em nota fiscal. Nesse
caso, por evitar lesão ao direito de propriedade e em
atenção ao critério da razoabilidade, comum a todo ato
decisório, apenas na parte excedente irregular haverá
de recair a sanção legal do perdimento.

1. MC, empresa de direito privado com sede na cidade


de Pouso Alegre-MG, impetra a este Egrégio Tribunal
Mandado de Segurança contra ato do MM. Juízo de
Direito do Juizado Especial Cível e Criminal da Comarca

(23) (TJ; MS nº 990.08.157127-7 – Votuporanga).


125

de Votuporanga, que lhe teria violado direito líquido e


certo.

Afirma o impetrante que, no dia 18.7.2008, a Polícia


Rodoviária Estadual de São Paulo, em operação
fiscalizadora, apreendeu-lhe um veículo — “caminhão
trator da marca e modelo Scania R440, de placas HBN
4754, de Pouso Alegre/MG”, e dois semirreboques, da
marca Rondon (com carroceria aberta), que lhe estavam
atrelados — e a respectiva carga (madeira serrada): o
veículo foi apreendido porque as carrocerias dos reboques
não atendiam às normas regulamentares quanto ao
peso e ao comprimento; a carga, porque as madeiras
discriminadas na Nota Fiscal e na Guia Florestal (GF3)
não coincidiam com respeito à quantidade: “a composição
transportava 4,67 m³ de madeira a mais do que o
especificado na nota e na guia florestal” (fl. 70).

Alega mais a impetrante que, obtida a liberação do


caminhão-trator e dos semirreboques, requereu à mui digna
autoridade judiciária indicada como coatora também lhe
ordenasse a restituição da carga, i.e., da madeira serrada.
Em bem de sua pretensão, argumentou que a mercadoria
(subproduto vegetal na forma de madeira serrada) havia
sido regularmente adquirida, como o demonstravam os
documentos entranhados nos autos. Isto de ter havido
alguma diferença, aliás de pouca monta, entre a quantidade
de madeira apreendida e aquela relativa à Nota Fiscal e à
Guia Florestal, bem se poderia lançar à conta de erro de
cálculo, não obra de malícia.
126

Acrescenta que a douta Magistrada, no entanto, não


lhe deferiu o pedido de liberação da madeira e, o que é
mais, determinou-lhe o perdimento e, após avaliação, sua
doação a instituições científicas, hospitalares, penais e
outras com fins beneficentes, conforme o disposto no
art. 25, § 2º, da Lei nº 9.605/98 (Lei do Meio Ambiente).

Remata a impetrante que a madeira apreendida


representava a magna parte de seu capital social.

Pleiteia, destarte, à colenda Câmara tenha a bem


conceder a segurança para cassar a r. decisão de Primeiro
Grau e restituir-lhe os bens cuja perda declarou em favor
do Estado (fls. 2/7).

Requereu ainda a concessão de medida liminar que


pusesse cobro ao ato, que considerava ilegal e lesivo para
seus interesses, e lhe suspendesse os efeitos.

Instruiu o pedido com copiosos documentos (fls.


9/91).

O despacho de fls. 93/97 deferiu a medida liminar


pleiteada.

A mui digna autoridade impetrada prestou as


informações de praxe (fls. 102/103), nas quais confirmou
os termos da petição inicial e esclareceu ter declarado o
perdimento da carga de madeira apreendida, em razão de
sua irregularidade.
127

O ofício de informações acompanha-se de novas


cópias de peças dos autos da ação penal (fls. 104/129).

A ilustrada Procuradoria Geral de Justiça, em parecer


criterioso, firme e abalizado (como sempre) do Dr. José
Alves de Cerqueira Cesar, opina pela concessão da
segurança (fls. 135/137).

É o relatório.

2. Da mesma sorte que o distinto e culto subscritor do


parecer da Procuradoria Geral de Justiça, tenho por mui
digno de acolher o pedido formulado pela impetrante, sem
violar as regras de Direito nem ofender o zelo da Justiça,
antes com bom crédito seu.

Com efeito, é o mandado de segurança o remédio


jurídico-processual destinado a proteger direito líquido e
certo contra ilegalidade ou abuso de poder, dispõe o art. 5º,
nº LXIX, da Constituição da República.

Essa teoria, abraçada pela Carta Magna, consta de


acórdãos infinitos em número, proferidos no âmbito dos
Tribunais, sem excetuar a Justiça Criminal:

a)“Admite-se, desde que presentes os pressupostos


do fumus boni juris e o periculum in mora, a
impetração de mandado de segurança contra
ato judicial passível de recurso com efeito
meramente devolutivo” (RJDTACrimSP, vol.
22, p. 215; rel. Nogueira Filho);
128

b)“O objeto do mandado de segurança é a


correção de um ato ou omissão do Poder
Público, desde que ilegal e lesivo de direito
individual, subjetivo, líquido e certo, e as
decisões judiciais não escapam a esta regra,
ensejando o mandamus sempre que não possam
ser sustadas por recurso ou intervenção
correicional capaz de impedir a lesão”
(RJDTACrimSP, vol. 31, p. 352; rel. Ericson
Maranho).

Pedra angular do edifício do mandado de segurança,


importa saber que coisa seja direito líquido e certo.

Cunha Mello, em texto lapidar, discorre ao propósito


nesta substância:

“Colhe-se da pesquisa feita nos Anais da Suprema


Justiça Federal o conceito correntio do que,
na técnica jurídica, se chama direito certo e
incontestável: é aquele contra o qual se não podem
opor motivos ponderáveis, e sim meras e vagas
alegações cuja improcedência o magistrado pode
reconhecer imediatamente sem necessidade de
detido exame” (apud Themistocles Brandão
Cavalcanti, Do Mandado de Segurança, 1957,
p. 128).
129

Tem esse caráter o direito violado cujo restabelecimento


a impetrante reclama na via judicial do mandado de
segurança? Fico que sim, em face das circunstâncias mui
particulares do caso.

3. Requer a impetrante a restituição de seus bens, por


indevidamente apreendidos. Assiste-lhe razão.

Deveras, no caso de que se trata, passava por


desarrazoado menoscabar a força do argumento que
deduziu na petição inicial: a “diferença de medida”
na documentação fiscal e ambiental — 4,67 m³ —
correspondia a 10% somente da madeira transportada — a
saber: 44,706 m³ —, pelo que não era justo se declarasse
perdida toda a carga (fl. 3).

Isto mesmo exarou com rigor de lógica jurídica, o


douto parecer da Procuradoria Geral de Justiça: “(...) sendo
legal o transporte de 44,70 m³ de madeira e com respaldo
na guia florestal de fls. 58, havendo, é certo, um excedente
não regular de 4,67 m³, consoante apurado, inclusive, pelo
laudo pericial de fls. 68/70, não se justificava a declaração
de perdimento completo da mercadoria, mas sim, apenas,
do excedente em situação irregular” (fl. 136).

Em face do que levo expendido, não há senão deferir


à impetrante segurança, para que possa reaver a parte de
sua mercadoria — madeira serrada —, que transportava
conforme o disposto na legislação ambiental vigente.
130

4. Pelo exposto, concedo à impetrante a segurança


requerida para determinar a restituição da parte regular
do bem que lhe foi apreendido (carga de madeira com
40,03 m³), ou seja, descontada a parte que excedia os
limites legais (4,67 m³). Comunique-se à mui digna
autoridade judiciária impetrada, com as homenagens da
colenda 5a. Câmara de Direito Criminal do Tribunal de
Justiça.

São Paulo, 13 de fevereiro de 2009


Des. Carlos Biasotti
Relator

____________________
19º Caso:(24)

Ementa
– Matéria de alta indagação, como a que entende com o
elemento moral do crime (dolo), é insuscetível de
exame em processo de “habeas corpus”, de rito
sumaríssimo; apenas tem lugar na instância ordinária,
com observância da regra do contraditório.
– Trancamento de ação penal por falta de justa causa
unicamente é possível quando comprovada, à prima
vista, a atipicidade do fato imputado ao réu, ou a sua
inocência (art. 648, nº I, do Cód. Proc. Penal).
– O trancamento do inquérito policial, por implicar
profunda quebra da atividade inerente à Polícia
Judiciária e ao Ministério Público, somente se admite
quando salte aos olhos a falta de justa causa para a
persecução penal.

1. O ilustre advogado Dr. Alfredo Lúcio dos Reis


Ferraz impetra a este Egrégio Tribunal ordem de “habeas
corpus” a favor de VNS, sob o argumento de que padece
coação ilegítima da parte do MM. Juízo de Direito da Vara
Distrital de Arujá (Comarca de Santa Isabel).

Alega, na petição de fls. 2/7, que o paciente está


sendo processado por infração do art. 38, “caput”, da Lei
nº 9.605/98 (Lei do Meio Ambiente).

(24) (TacrimSP; HC nº 438.500/7 – Santa Isabel).


132

Relata o digno impetrante que o paciente, empregado


rural, cortara, por determinação de seu patrão (o corréu
PD), “árvore de raízes venenosas”, em sítio do município
de Arujá.

Assevera que, atuando conforme ordem do empregador,


o paciente levara em vista eliminar vegetação daninha, além
de preservar a saúde dos empregados e familiares (crianças,
inclusive) e animais inferiores, e também propiciar-lhes
melhores condições de vida.

Acrescenta que o paciente já se compusera com órgão


da Administração Pública, para efeito da recuperação
ambiental.

Conclui o nobre impetrante que, a essa conta, falecia


justa causa para a “persecutio criminis in judicio”; pelo
que, requer o trancamento da ação penal, a fim de que
cesse o constrangimento ilegítimo.

Instruiu o pedido com cópia dos autos da ação penal


(fls. 8/87).

A egrégia Vice-Presidência do Tribunal, pelo r.


despacho de fl. 91, indeferiu a medida liminar.

Prestou as informações de estilo a mui digna


autoridade judiciária indicada como coatora. Esclareceu
que, por ofício requisitório do Ministério Público, foi
instaurado inquérito policial contra o paciente e seu patrão
133

para apurar-lhes a responsabilidade pela prática de crime


ambiental.

Informou ainda que, recebida já a denúncia, a douta


Promotoria de Justiça formulou ao paciente proposta de
suspensão condicional do processo, nos termos do art. 89
da Lei nº 9.099/95.

Ajuntou, por fim, a douta Magistrada haver assinado


o dia 15 de julho deste ano para o interrogatório do
paciente e do corréu, “ocasião em que será proposta a
suspensão do feito” (fls. 94/95).

Novas cópias de peças processuais ilustram a


Instância (fls. 96/112).

A ilustrada Procuradoria Geral de Justiça, em


minucioso e abalizado parecer do Dr. Gilberto Martins
Lopes, opina pela denegação da ordem (fls. 114/119).

É o relatório.

2. Suposto digno de louvor o esforço do distinto


causídico em prol do paciente — “pobre, na expressão
jurídica do termo” —, os elementos probatórios não me
convenceram seja o dos autos caso de concessão do
remédio legal do “habeas corpus”; pois, ao revés do que
inculca o impetrante, acha-se presente, no particular, a justa
causa para a ação penal.
134

A alegação de que o paciente atendera à determinação


do empregador, em pontos de grande relevo social — i.e.,
proteção da vida e da saúde humana —, não está
comprovada.

Demais, repugna à natureza do “habeas corpus” o


exame aprofundado de questão de fato.

Ainda: não demonstrou o impetrante que a vegetação


e as árvores que o paciente cortarara (“perobas d’água”)
fossem realmente daninhas à saúde.

À derradeira, a materialidade do fato está comprovada


por laudo do Instituto de Criminalística, fartamente
ilustrado (fls. 47/61).

Vem a lanço transcrever este passo do lúcido parecer


da Procuradoria Geral de Justiça: “Tem-se o auto de
infração ambiental e laudo técnico de vistoria firmado por
engenheiro florestal que nos dão conta da ação
degradadora da vegetação nativa existente em área de
proteção permanente”, (...) “em nada aproveitando ao
suplicante o fato de se reparar aquele dano causado à
natureza, pois, consoante o inc. II do art. 14 da Lei no
9.605/98, quando muito, tal conduta somente se constitui
em circunstância atenuante da pena” (fls. 117/118).

3. A impetração de ordem de “habeas corpus”, com


base na alegação de falta de justa causa para a persecução
criminal do paciente, não merece acolhida, com a devida
vênia.
135

Com efeito, em razão de seu rito sumaríssimo, na via


heroica do “habeas corpus” é defeso proceder a exame de
matéria de alta indagação. Isto de haver ou não o paciente
obrado com dolo ou concorrido para a prática de crime,
como se trata de questão que apenas pode ser dirimida na
quadra de dilação probatória, na instância ordinária, não há
apreciá-la no raio exíguo do processo de “habeas corpus”.

Trancamento da ação penal por falta de justa causa


(art. 648, nº I, do Cód. Proc. Penal) apenas se admite
quando comprovada, ao primeiro súbito de vista, a
atipicidade do fato imputado ao réu, ou sua inocência.

Esta, com efeito, é a jurisprudência consagrada por


nossos Tribunais, em acórdãos infinitos em número:

a)“É impossível o trancamento do inquérito policial,


pela via estreita do habeas corpus, se a alegada
falta de justa causa não é desde logo perceptível,
com dispensa do confronto de provas; pois,
se existe, em tese, um fato delituoso, trancar
procedimento naquela hipótese corresponderia
a absolver sumariamente e sem processo”
(RJTACrimSP, vol. 51, p. 229; rel. Ricardo
Dip);

b)“Inexiste constrangimento ilegal na abertura


do inquérito policial para apuração de crime
em tese, mormente quando os elementos
informativos obtidos geram justificada suspeita
da configuração do delito. Sendo o inquérito
136

policial mero procedimento administrativo


preparatório para a ação penal, tem por objeto a
apuração do fato tido como delituoso e a
respectiva autoria, não devendo ser obstados
pela restrita via do habeas corpus, para que não
se incorra no risco de coarctar as atividades da
Polícia Judiciária e do Ministério Público”
(Rev. Tribs., vol. 718, p. 482; rel. Min. Fláquer
Scartezzini; apud Alberto Silva Franco et alii,
Código de Processo Penal e sua Interpretação
Jurisprudencial, 1999, vol. I, p. 988);

c)“Trata-se de antigo equívoco, que Nélson Hungria


já classificou de autêntica superstição: matéria
de prova existe em todo processo de habeas
corpus, necessariamente, e o essencial é que
se demonstre, através dela, o constrangimento
ilegal ou o abuso de poder. A única limitação
quanto à prova no âmbito do HC é que seja
absolutamente estreme de dúvidas e inteiramente
inequívoca. A regra a ser considerada é então a
seguinte: não se pode admitir em HC matéria
de prova duvidosa ou controvertida” (Heleno
Claudio Fragoso, Jurisprudência Criminal, 1973,
vol. II, p. 390).

Ainda:

“Só na hipótese de que o fato denunciado não


constitua crime, em tese, é possível obter, por via
de habeas corpus, o trancamento do processo”
137

(Rev. Forense, vol. 134, p. 233; rel. Orosimbo


Nonato).

Os elementos dos autos não evidenciam esteja o


paciente a sofrer constrangimento ilegal; por isso, não tem
jus ao remédio que pede.

4. Pelo exposto, denego a ordem de “habeas corpus”.

São Paulo, 25 de abril de 2003


Carlos Biasotti
Relator

____________________
20º Caso:(25)

Ementa
– Adequado para impugnar decisão que declara,
antecipadamente, prescrição da pretensão punitiva
é o Recurso em Sentido Estrito, por força do
preceito do art. 581, nº VIII, do Cód. Proc. Penal.
– Reza o art. 579 do Cód. Proc. Penal que, “salvo a
hipótese de má-fé, a parte não será prejudicada
pela interposição de um recurso por outro.
Consagra essa norma o que Pontes de Miranda
denomina de princípio da fungibilidade da
interposição dos recursos” (José Frederico
Marques, Elementos de Direito Processual Penal,
1a. ed., vol. IV, p. 201).
– Não é de bom exemplo antecipar o exame do
mérito à produção da prova com o intuito de aferir
prescrição virtual, que isto implica descaso pela
obrigatoriedade da ação penal e violação grave
da primeira garantia de todo o acusado: ter
oportunidade de comprovar sua inocência (art. 107,
nº IV, do Cód. Penal).
– Se a pena ainda não foi concretizada na sentença,
não há reconhecer prescrição, antecipadamente,
com fundamento em juízo de provável condenação,
visto como pode suceder que o réu venha a ser
absolvido, o que terá por benefício de maior quilate
que a extinção de sua punibilidade pela porta ampla
da prescrição.

(25) (TJ; RSE nº 990.09.125024-4 – Ubatuba).


139

–“A maioria da jurisprudência não aceita a chamada


prescrição virtual” (Guilherme de Souza Nucci,
Código Penal Comentado, 5a. ed., p. 469).

1. Da r. decisão que proferiu o MM. Juízo de Direito da


2a. Vara Criminal da Comarca de Ubatuba, extinguindo a
punibilidade de HJG, denunciado por infração do art. 38
da Lei nº 9.605/98, interpôs Recurso em Sentido Estrito, no
intuito de reformá-la, o ilustre representante do Ministério
Público.

Nas razões de recurso, alentadas e substanciosas —


que lhe acrescentam a boa reputação de jurista —, argui
questão preliminar, na qual esforça pedido de decretação da
nulidade da r. decisão “a quo” (fls. 214/228), em vista da
contradição entre seus fundamentos e o dispositivo.

Pelo que respeita ao mérito, afirma que a decisão


recorrida, com inaplicar a “sanctio juris” por ocorrência de
prescrição virtual, fizera rosto a princípios capitais do
sistema jurídico-processual.

Requer, destarte, o provimento do recurso para que,


reformada a decisão de Primeiro Grau, prossiga o feito nos
termos da lei.

A Defesa respondeu ao recurso, em elegante


arrazoado, e propugnou a mantença da r. decisão atacada
(fls. 230/237).
140

A ilustrada Procuradoria Geral de Justiça, em


esmerado e escorreito parecer do Dr. José Ricardo Peirão
Rodrigues, opina pelo provimento do recurso (fls.
247/250).

É o relatório.

2. Adequado para impugnar decisão que declara,


antecipadamente, prescrição da pretensão punitiva é o
Recurso em Sentido Estrito, por força do preceito do
art. 581, nº VIII, do Código de Processo Penal, como
observou, com sua reconhecida penetração e lucidez, o
distinto subscritor do parecer da Procuradoria Geral de
Justiça (fl. 248).

Sob esse “nomen juris”, com efeito, é que se deve


receber o inconformismo do Ministério Público, a tempo
manifestado por Apelação.

Faz ao intento a lição de José Frederico Marques:

“De acordo com o art. 579 do Cód. Proc. Penal,


salvo a hipótese de má-fé, a parte não será
prejudicada pela interposição de um recurso por
outro. Consagra essa norma o que Pontes de
Miranda denomina de princípio da fungibilidade da
interposição dos recursos. Seu objetivo foi o de
evitar o formalismo excessivo no conhecimento dos
recursos e também as consequências iníquas e
injustas muitas vezes daí advindas” (Elementos de
Direito Processual Penal, 1a. ed., vol. IV, p. 201).
141

Conheço, pois, da Apelação como Recurso em


Sentido Estrito, e entro a examinar a questão submetida ao
Tribunal.

3. A decisão que pôs fecho e cláusula ao litígio, em que


pese aos cabedais de espírito de seu distinto prolator,
estava a merecer algum reparo, “data venia”.

Deveras, não é de bom exemplo antecipar o exame do


mérito à produção da prova com o intuito de prognosticar a
ocorrência, ou não, da prescrição, que isto implicaria não
só descaso pela obrigatoriedade da ação penal e violação
grave da primeira garantia de todo o acusado — ter
oportunidade de comprovar sua inocência —, senão ainda
decidir conforme a convicção íntima (“secundum
conscientiam”), em que a verdade jurídica (ao invés do que
passa com o princípio do livre convencimento) assenta na
consciência do juiz.

Ao extinguir a punibilidade do recorrido, debaixo do


argumento de que era indeclinável a ocorrência da
prescrição, adiantou-se o ilustre Magistrado no exame
do “meritum causae”, o que lhe era defeso, pois “seu
momento pontual de ser decidido é aquele que surge
depois de estar a causa completamente instruída,
habilitando o julgador a formar o juízo” (Eliézer Rosa,
Dicionário de Processo Civil, 1973, p. 292).

4. De outra parte, incidiu em engano a r. sentença ao


calcular a prescrição.
142

Com efeito, antes da sentença condenatória, regula-


-se a prescrição pelo máximo da pena privativa de
liberdade (art. 109 do Cód. Penal).

Ora, o réu responde por infração do art. 38 da Lei


nº 9.605/98 (crime contra a flora), a que a Lei comina a
pena máxima de 3 anos, que prescreve em 8; assim, apenas
depois de 8 anos é que se consumaria a prescrição. Mas
esse trato de tempo não transcorreu ainda; pelo que, fora
incurial alegar a prescrição.

Vem aqui de molde, por isso, a ementa de ven.


acórdão:

“Se a pena não foi ainda concretizada, através de


sentença, não há como reconhecer a prescrição,
antecipadamente, com base em juízo de uma
provável condenação, uma vez que, também em tese,
é possível que o réu venha a ser absolvido, sendo
certo que lhe é mais favorável, moralmente, uma
decisão de mérito que a simples extinção da
punibilidade, via da prescrição” (Rev. Tribs., vol.
749, p. 701).

Esta é a opinião comum de renomados penalistas,


como Guilherme de Souza Nucci:

“A maioria da jurisprudência não aceita a chamada


prescrição virtual, pois entende que o juiz estaria se
143

baseando numa pena ainda não aplicada, portanto


num indevido pré-julgamento, embora seja
realidade que, muitas vezes, sabe-se, de antemão,
que a ação penal está fadada ao fracasso” (Código
Penal Comentado, 5a. ed., p. 469).

E, passos avante:

“Mas, no Código Penal, não há amparo para tal


modalidade de prescrição, embora o legislador
devesse cuidar dela no futuro, prevendo-a de
maneira expressa” (ibidem).

5. Pelo exposto, conhecida como Recurso em Sentido


Estrito a Apelação do Ministério Público, dou-lhe
provimento para cassar a r. decisão proferida pelo MM.
Juízo de Direito da 2a. Vara Criminal da Comarca de
Ubatuba e determinar prossiga na forma da lei a ação penal
instaurada contra HJG.

São Paulo, 7 de setembro de 2009


Des. Carlos Biasotti
Relator

____________________
Fazendo cada um sua parte — assim como
as árvores reunidas formam a floresta —, estará
contribuindo para a preservação da Natureza e das
condições de vida no planeta!
145

JEQUITIBÁ-ROSA
(O Patriarca da Floresta)
_______________
Parque Estadual de Vassununga;
Santa Rita do Passa Quatro (SP); Brasil
146

Altura: 40 m
147

Diâmetro: 3,6 m
148

Circunferência: 11,31 m
149

A copa, o tronco, as raízes e o córtex (casca)


da árvore gigantesca.

Fruto capsular alongado e sementes aladas.


150

O autor e o portentoso jequitibá


(“si parva licet componere magnis!”)*

(*) Se é lícito comparar as coisas pequenas às grandes! (Virgílio, Geórgicas,


liv. IV, v. 176).
151

Registro e classificação do Ibama


(Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e
dos Recursos Renováveis).
152
Indicações bibliográficas

I. Os interessados no assunto poderão consultar, com real


proveito, a obra do eminente Des. Gilberto Passos de Freitas — A
Jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo em Matéria
Ambiental (2 vols.), Millennium Editora —, em que se acha exposta,
com rigor de critério e à luz de copiosas decisões, toda a legislação do
Meio Ambiente.

II. Mui digno de ler (e divulgar) é também o livro Ética Ambiental


— Millennium Editora —, escrito por José Renato Nalini,
Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e
membro da Academia Paulista de Letras. Pela excelência da doutrina,
força e beleza do estilo, é reputado verdadeiro evangelho do Meio
Ambiente!
Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998
Trabalhos Jurídicos e Literários de
Carlos Biasotti

1. A Sustentação Oral nos Tribunais: Teoria e Prática;


2. Adauto Suannes: Brasão da Magistratura Paulista;
3. Advocacia: Grandezas e Misérias;
4. Antecedentes Criminais (Doutrina e Jurisprudência);
5. Apartes e Respostas Originais;
6. Apelação em Liberdade (Doutrina e Jurisprudência);
7. Apropriação Indébita (Doutrina e Jurisprudência);
8. Arma de Fogo (Doutrina e Jurisprudência);
9. Cartas do Juiz Eliézer Rosa (1a. Parte);
10. Citação do Réu (Doutrina e Jurisprudência);
11. Crime Continuado (Doutrina e Jurisprudência);
12. Crimes contra a Honra (Doutrina e Jurisprudência);
13. Crimes de Trânsito (Doutrina e Jurisprudência);
14. Da Confissão do Réu (Doutrina e Jurisprudência);
15. Da Presunção de Inocência (Doutrina e
Jurisprudência);
16. Da Prisão (Doutrina e Jurisprudência);
17. Da Prova (Doutrina e Jurisprudência);
18. Da Vírgula (Doutrina, Casos Notáveis, Curiosidades,
etc.);
19. Denúncia (Doutrina e Jurisprudência);
20. Direito Ambiental (Doutrina e Jurisprudência);
21. Direito de Autor (Doutrina e Jurisprudência);
22. Direito de Defesa (Doutrina e Jurisprudência);
23. Do Roubo (Doutrina e Jurisprudência);
24. Estelionato (Doutrina e Jurisprudência);
25. Furto (Doutrina e Jurisprudência);
26. “Habeas Corpus” (Doutrina e Jurisprudência);
27. Legítima Defesa (Doutrina e Jurisprudência);
28. Liberdade Provisória (Doutrina e Jurisprudência);
29. Mandado de Segurança (Doutrina e Jurisprudência);
30. O Cão na Literatura;
31. O Crime da Pedra (Defesa Criminal em Verso);
32. O Crime de Extorsão e a Tentativa (Doutrina e
Jurisprudência);
33. O Erro. O Erro Judiciário. O Erro na Literatura
(Lapsos e Enganos);
34. O Silêncio do Réu. Interpretação (Doutrina e
Jurisprudência);
35. Os 80 Anos do Príncipe dos Poetas Brasileiros;
36. Princípio da Insignificância (Doutrina e
Jurisprudência);
37. “Quousque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?”;
38. Tópicos de Gramática (Verbos abundantes no
particípio; pronúncias e construções viciosas;
fraseologia latina, etc.);
39. Tóxicos (Doutrina e Jurisprudência);
40. Tribunal do Júri (Doutrina e Jurisprudência);
41. Absolvição do Réu (Doutrina e Jurisprudência);
42. Tributo aos Advogados Criminalistas (Coletânea de
Escritos Jurídicos); Millennium Editora Ltda.;
43. Advocacia Criminal (Teoria e Prática); Millennium
Editora Ltda.;
44. Cartas do Juiz Eliézer Rosa (2a. Parte);
45. Contravenções Penais (Doutrina e Jurispudência);
46. Crimes contra os Costumes (Doutrina e
Jurispudência);
47. Revisão Criminal (Doutrina e Jurispudência).
http://www.scribd.com/Biasotti

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