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Carlos Biasotti

Indenização
(Doutrina e Jurisprudência)

2021
São Paulo, Brasil
O Autor

Carlos Biasotti foi advogado criminalista, presidente da


Acrimesp (Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de
São Paulo) e membro efetivo de diversas entidades (OAB, AASP,
IASP, ADESG, UBE, IBCCrim, Sociedade Brasileira de
Criminologia, Associação Americana de Juristas, Academia Brasileira
de Direito Criminal, Academia Brasileira de Arte, Cultura e História,
etc.).

Premiado pelo Instituto dos Advogados de São Paulo, no


concurso O Melhor Arrazoado Forense, realizado em 1982, é autor de
Lições Práticas de Processo Penal, O Crime da Pedra, Tributo aos Advogados
Criminalistas, Advocacia Criminal (Teoria e Prática), Da Prova, Da Pena,
Direito Ambiental, O Cão na Literatura, etc., além de numerosos artigos
jurídicos publicados em jornais e revistas.

Juiz do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo


(nomeado pelo critério do quinto constitucional, classe dos
advogados), desde 30.8.1996, foi promovido, por merecimento, em
14.4.2004, ao cargo de Desembargador do Tribunal de Justiça.

Condecorações e títulos honoríficos: Colar do Mérito


Judiciário (instituído e conferido pelo Poder Judiciário do Estado
de São Paulo); medalha cívica da Ordem dos Nobres Cavaleiros de
São Paulo; medalha cultural “ Brasil 500 anos”; medalha “ Prof. Dr.
Antonio Chaves”, etc.
Indenização
(Doutrina e Jurisprudência)
Carlos Biasotti

Indenização
(Doutrina e Jurisprudência)

2021
São Paulo, Brasil
Índice

Prefácio....................................................................................11

I. Indenização: Doutrina e Jurisprudência (Ementas)..................15

II. Casos Especiais (Reprodução Integral do Voto).......................27


Prefácio

1. Princípio consagrado em todas as Legislações, o


dano obriga à indenização, já que somente a justa
reparação pode pôr cobro à violação do direito.
Entre nós, tem o Código Civil, a esse respeito,
disposição expressa: “Aquele que, por ato ilícito, causar
dano a outrem, fica obrigado a reparar” (art. 927).
De tanta urgência é essa obrigação, que, muita vez,
até “independentemente de culpa” ela se aperfeiçoa e
legitima (cf. art. 927, parág. único, do Cód. Civil).
No entanto, o dever de indenizar pressupõe, de
regra, a culpa do agente. Isto mesmo entende, em
termos hábeis, a jurisprudência dominante em nossos
Tribunais: “Perante nosso Direito codificado não há dano
sem culpa” (Rev. Tribs., vol. 48, p. 165).
12

Na Doutrina passa o mesmo(1).


Assim, incorre em caso da lei não só aquele que
comete crime contra a honra, como quem destrói coisa
alheia: estão ambos obrigados a satisfazer o dano.

2. Naquelas hipóteses, porém, em que o


ressarcimento pende da culpa do agente, ao autor da
ação cabe comprová-la. Em verdade, culpa não se
presume (“Culpa non praesumitur”).
Mais que muitas são as hipóteses em que, à luz do
Direito Civil, é obrigatória a repetição do dano, “verbi
gratia”: ato ilícito e abuso de direito (arts. 186 e 187 do
Cód. Civil), litigância de má-fé (art. 79 do Cód. Proc.
Civil), etc.
Eis a espécie jurídica de que trata, em breve suma,
o presente livrinho, em que estão compendiadas
ementas de votos que proferi na 4a. Câmara da Seção
de Direito Privado, antes de minha remoção para a

(1) Discorreu por este feitio Rui Barbosa, cuja autoridade é de todo o
ponto incontestável: “(…) o dano obriga à responsabilidade, seja qual for o
grau da culpa, e sujeita o responsável a compor não só o damnum emergens, mas
também o lucrum cessans” (Obras Completas, vol. XXXIII, t. II, p. 52).
Carlos Alberto Bittar, pelo mesmo teor: “Na concepção moderna
da teoria de danos morais prevalece, de início, a orientação de que a
responsabilização do agente se opera por força do simples fato da violação. Com
isso, verificado o evento danoso, surge ipso facto, a necessidade de reparação,
uma vez presentes os pressupostos de direito” (Reparação Civil por Danos
Morais, 1a. ed., p. 202; Editora Revista dos Tribunais).
13

5a. Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça


do Estado de São Paulo. Ao tirá-lo ao lume da
publicidade, não me moveu outro propósito que
reafirmar a muita importância desse instituto de Direito
Civil e render preito de homenagem àqueles que o
estudam; o que faço com sumo gosto!
O Autor
Ementário Forense
(Votos que, em matéria cível, proferiu o Desembargador
Carlos Biasotti, do Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo. Veja a íntegra dos votos no Portal do Tribunal de
Justiça: www.tjsp.jus.br).

• Indenização
(Art. 927 do Cód. Civil)

Voto nº 5567

Apelação Cível nº 129.072-4/3-00


Arts. 186 e 927 do Cód. Civil

— Ação de reparação de danos. Crimes contra a honra. Falta de


prova da culpa do réu. Improcedência do pedido.
— Como a obrigação de indenizar assenta na teoria da culpa “lato
sensu” (arts. 186 e 927 do Cód. Civil), reclama a Justiça, por acolher
o pedido do autor, a certeza de que o réu lhe violou direito ou
causou prejuízo.
—“Perante o nosso Direito codificado não há dano sem culpa” (Rev. Tribs.,
vol 48, p. 165).
16

Voto nº 5568

Apelação Cível nº 282.268-4/5-00


Arts. 186 e 927 do Cód. Civil; art. 133 da Const. Fed.;
Lei nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa)

— Indenização. Responsabilidade civil. Prejuízo sofrido por entidade


de direito privado por ato abusivo de seu procurador jurídico.
Inocorrência. Hipótese em que não tinha o réu função decisória,
senão opinativa, que não vinculava a administração. Imunidade
profissional do advogado. Pedido improcedente. Apelação
improvida.
— Incensurável é a sentença que julga improcedente pedido de
reparação de danos de entidade de direito privado contra
advogado de seu departamento jurídico. A imunidade profissional
do advogado (art. 133 da Const. Fed.) exclui-lhe a responsabilidade
por suas manifestações, se de caráter meramente opinativo.
— Ação de reparação de danos ajuizada por entidade de direito
privado. Aplicação da Lei nº 8.429/92 (Lei de Improbidade
Administrativa). Impossibilidade.
— A diferença de rito procedimental não permite que, em ação
de reparação de danos, entidade de direito privado pleiteie a
condenação do réu com base na Lei de Improbidade Administrativa
(Lei nº 8.429/92): falta-lhe a “pertinência subjetiva da ação”.
17

Voto nº 5619

Apelação Cível nº 252.718-4/5-00


Arts. 927 e 178, § 6º, nº II, do Cód. Civil;
Súmula nº 101 do STJ

— Seguro — Prescrição — Art. 178, § 6º, nº II, do Código Civil —


Súmula nº 101 do STJ.
— Corrente jurisprudencial majoritária professa a inteligência de que
a ação de indenização do segurado contra a seguradora prescreve
em um ano (art. 178, § 6º, nº II, do Cód. Civil).
—“A ação de indenização do segurado em grupo contra a seguradora
prescreve em um ano” (Súmula nº 101 do STJ).
18

Voto nº 5636

Apelação Cível nº 239.427-4/1-00

Arts. 927 do Cód. Civil e 333, nº I, do Cód. Proc. Civil;


art. 13.3 do Código de Obras e Edificações do Município de São Paulo

— Ação Ordinária de Indenização — Garagem de apartamento —


Vagas destinadas a veículos de tamanho médio — Dimensões que
atendem ao padrão legal (2,10 m de largura e 4,70 m de
comprimento) — Pedido de indenização improcedente.
— Não tem direito a indenização dono de apartamento a que
correspondam vagas de garagem de dimensões iguais ao padrão
legal: 2,10 m de largura e 4,70 m de comprimento, admitida
tolerância de 5% (art. 13.3 do Código de Obras e Edificações do
Município de São Paulo).
— Conforme velha máxima prestigiada pelo legislador processual, o
ônus da prova do fato constitutivo de seu direito cabe ao autor
(art. 333, nº I, do Cód. Proc. Civil).
19

Voto nº 5639

Agravo de Instrumento nº 362.565-4/3-00


Art. 927 do Cód. Civil;
art. 273 do Cód. Proc. Civil

— Antecipação de Tutela Jurisdicional — Prova inequívoca (isto é,


quase-certeza) da “causa petendi” — Necessidade — Art. 273 do Cód.
Proc. Civil.
— Nisto de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, cumpre
atender ao requisito da prova inequívoca da “causa petendi”, título
e fundamento do pedido (art. 273 do Cód. Proc. Civil).
— Perante nosso Direito codificado e a lição da Doutrina, inexiste
dano sem culpa. Ao demais, na teoria da culpa é que assenta a
responsabilidade civil, pressuposto do dever de indenizar.
20

Voto nº 5656

Apelação Cível nº 293.288-4/1-00


Art. 927 do Cód. Civil;
arts. 330, nº I, e 334, nº II, do Cód. Proc. Civil

— Causa — Réu confesso — Antecipação de julgamento —


Possibilidade.
— Não incorre em censura a sentença que, em face da confissão do
réu – que, na frase de célebre jurista, “faz vezes de cousa julgada”
– denega dilação probatória e conhece diretamente do pedido
(arts. 330, nº I, e 334, nº II, do Cód. Proc. Civil).
— Indenização — Danos morais — Inclusão do nome no cadastro de
inadimplentes do SCPC e Serasa — Alegação de falha no sistema de
informatização da empresa administradora de cartões de crédito —
Circunstância que não exime do dever de indenizar.
— É jurisprudência consagrada nos Tribunais que a inscrição
indevida no rol onomástico de inadimplentes do SCPC ou Serasa,
por alegada falha no sistema de informatização da empresa
administradora de cartões de crédito, implica prejuízo moral
relevante ao indivíduo e, por isso, impõe o dever de indenizar.
— Indenização — Valor — Critério — Razoabilidade.
— O valor da indenização não pode ser aferido por craveira
mesquinha; cumpre atender às circunstâncias da espécie sujeita,
pois aqueles que fazem caso e cabedal dos preceitos da honra e do
bom nome não hesitam, muita vez, em antepô-los à própria vida.
21

Voto nº 5661

Agravo de Instrumento nº 361.206-4/9-00


Art. 927 do Cód. Civil;
arts. 125 e 286, nº II, do Cód. Proc. Civil

— Ação de Indenização — Responsabilidade civil — Dano Moral —


Formulação de pedido genérico — Admissibilidade — Fixação do
valor da causa — Pensão do Juiz, com prudente arbítrio.
— Em caso de responsabilidade civil fundada em dano moral, a
melhor doutrina e a jurisprudência dos Tribunais admitem a
formulação de pedido genérico. Ao Juiz, na condição de diretor
do processo e como a quem toca a quantificação do dano, caberá
fixar, com prudente arbítrio, o valor da indenização, à luz dos
princípios da razoabilidade e da proporcionalidade (arts. 125 e
286, nº II, do Cód. Proc. Civil).
22

Voto nº 5664

Agravo de Instrumento nº 358.642-4/0-00


Art. 927 do Cód. Civil;
art. 273 do Cód. Proc. Civil

— Tutela Antecipada — Prova — Exigência e natureza.


— Proclama a jurisprudência de nossos Tribunais que a prova para o
deferimento da tutela antecipada não pode ser menos segura nem
evidente que a exigida para a decisão do mérito da causa (art. 273
do Cód. Proc. Civil).
— Responsabilidade Civil — Teoria da culpa — Fundamento legal —
Ônus da prova.
— O Código Civil (art. 927) assentou, em tese, a responsabilidade civil
na teoria da culpa, que não se presume, aliás o autor deve
comprová-la à saciedade.
23

Voto nº 5697

Agravo de Instrumento nº 360.126-4/6-00


Art. 927 do Cód. Civil;
art. 126 do Cód. Proc. Civil

— Direito à Saúde — Preferência sobre interesse de ordem


econômica — Regra que sobe de ponto no caso de pessoa idosa.
— O bem da saúde deve preferir sempre às preocupações de ordem
econômica, máxime em relação a pessoa já na última idade:
“Senectus ipsa morbus est” (Terêncio).
—“Justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”
(Rui, Oração aos Moços, 1a. ed., p. 42).
— Jurisdição — Indeclinabilidade — Art. 126 do Cód. Proc. Civil —
Postergação ou diferimento de prestação jurisdicional —
Diferença.
— Pelo princípio da “indeclinabilidade da jurisdição”, consagrado no
art. 126 do Cód. Proc. Civil, não pode o Juiz eximir-se de
despachar, nos casos de sua competência; mas, diferir ou
postergar a prestação jurisdicional, por amor da instrução do
processo, não é denegar jurisdição.
—“O mais importante talvez dos princípios é o que manda ouvir ambas as
partes. É o princípio da audiência bilateral, em absoluto inseparável da
administração da justiça organizada. Já se encontra no preceito romano:
audiatur et altera pars” (Lopes da Costa, Medidas Preventivas,
1996, p. 28).
24

Voto nº 5698

Agravo de Instrumento nº 365.091-4/1-00


Art. 927 do Cód. Civil;
art. 273 do Cód. Proc. Civil

— Indenização — Consórcio passivo — Ação proposta contra gestor da


Internet — Responsabilidade porém do usuário — Ausência de
legitimação “ad causam” — Exclusão — Necessidade.
— Não cai em censura a decisão que exclui do polo passivo da
relação processual, por falta de “pertinência subjetiva da ação”,
órgão gestor da Internet no Brasil, que não concorreu para a
prática do ato considerado abusivo e ilegal atribuído a seu
usuário.
— Tutela Jurisdicional — Antecipação — Caráter satisfativo —
Necessidade de preenchimento dos requisitos legais.
— Por seu caráter satisfativo, ou de solução do mérito da causa, a
decisão que defere tutela jurisdicional deve assentar em prova
inequívoca do direito alegado pela parte (cf. art. 273 do Cód. Proc.
Civil).
25

Voto nº 5728

Apelação Cível nº 173.240-4/8-00


Art. 927 do Cód. Civil;
art. 267, nº VI, do Cód. Proc. Civil

— Ação de Indenização — Seguro habitacional — Ilegitimidade


passiva “ad causam” — Preliminar acolhida — Extinção do processo
— Art. 267, nº VI, do Cód. Proc. Civil.
— Incensurável é a decisão que extingue o processo por ilegitimidade
passiva “ad causam”, se não comprovou o autor, com a respectiva
apólice, ter a ré firmado contrato de seguro com a construtora
para a cobertura dos danos físicos no imóvel adquirido pelo
Sistema Financeiro da Habitação (art. 760 do Cód. Civil).
26

Voto nº 5750

Agravo de Instrumento nº 358.234-4/9-00


Art. 927 do Cód. Civil;
art. 1º da Lei nº 1.060/50

— Valor da Causa — Ação de Indenização por dano moral — Pode o


Juiz reduzi-lo de ofício, em caso de exagero.
— O valor da causa na ação de indenização por dano moral deve
atender ao princípio da razoabilidade, não venha a transformar-se
– por exagerado – em óbice ao acesso da parte contrária à
Justiça. Diretor do processo, pode o Juiz reduzi-lo de ofício.
— Assistência Judiciária — Direito da pessoa necessitada — Previsão
legal.
— Desde que necessitada, tem a parte o direito à gratuidade de
justiça, nos termos da lei (art. 1º da Lei nº 1.060/50).
Casos Especiais
(Reprodução Integral do Voto)
PODER JUDICIÁRIO

1
T RIBUNAL DE J USTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

QUARTA C ÂMARA — S EÇÃO DE DIREITO PRIVADO

Apelação Cível nº 129.072-4/3-00


Comarca: São Paulo
Apelante: EBB
Apelado: JOMR

Voto nº 5567
Relator

— Ação de reparação de danos. Crimes


contra a honra. Falta de prova da
culpa do réu. Improcedência do
pedido.
— Como a obrigação de indenizar
assenta na teoria da culpa “lato sensu”
(arts. 186 e 927 do Cód. Civil), reclama
a Justiça, por acolher o pedido do
autor, a certeza de que o réu lhe
violou direito ou causou prejuízo.
—“Perante o nosso Direito codificado não há
dano sem culpa” (Rev. Tribs., vol 48,
p. 165).
30

1. Da r. sentença que proferiu o MM. Juízo de


Direito da 19a. Vara Cível da Comarca da Capital,
julgando-lhe improcedente pedido de reparação de
danos materiais e morais formulado contra JOMR,
interpôs EBB Apelação para este Egrégio Tribunal, no
intuito de reformá-la.

Afirma, nas razões de recurso, elaboradas por


distinto e culto patrono, que a r. decisão não avaliara
escorreitamente as provas dos autos, aliás teria sido
condenado o réu a pagar-lhe verba indenizatória
equivalente a 200 salários mínimos, nos termos dos arts.
49, nº I, 51, nº IV, e 52 da Lei nº 5.250/67.

Pleiteia ainda a retratação pública em assembleia e


a isenção de toda a responsabilidade nos casos sujeitos
(fls. 484/511).

Apresentou o apelado contrarrazões de apelação,


nas quais arguiu preliminar de não-conhecimento do
recurso pela preclusão consumativa; no mérito,
propugna o improvimento do apelo (fls. 514/518).

Ante a notícia do falecimento do recorrente (fls.


524/ 525), o r. despacho de fl. 526 determinou se lhe
procedesse à substituição processual, o que foi feito
segundo a lei (fls. 530/581).
31

É o relatório.

2. EBB, engenheiro civil e arquiteto – falecido no


curso deste processo –, ajuizara Ação de Reparação de
Danos contra JOMR, também engenheiro de profissão,
que o teria ofendido em sua honra.

Foi o caso que, durante assembleia do CREA,


realizada aos 22 de agosto de 1996, o requerido,
aludindo ao autor, afirmara que “já havia sido condenado
pelo Confea”, pois cometera delito de “apropriação
indébita”, o que tudo porém não respondia à verdade;
destarte, incorrera nos crimes de calúnia, difamação e
injúria, que o obrigavam à reparação de danos morais
e materiais (fls. 2/ 12).

O réu contestou-lhe a pretensão: arguiu


preliminares e repeliu os artigos do libelo inicial (fls.
169/184). A r. sentença de fls. 469/471 deu pela
improcedência do pedido.

Inconformado com o revés processual, o autor veio


com razões de apelação, na expectativa de que esta
colenda Corte de Justiça lhe propiciasse a reparação dos
danos que afirma ter sofrido.
32

3. Em que pese aos bons esforços e vastos cabedais de


espírito de seu subscritor, as razões de apelo não foram
poderosas a abalar os sólidos fundamentos da r.
sentença de Primeiro Grau.

De feito, o apelante encetou processo contra o


apelado, forte na alegação de que este o ofendera de
palavras numa assembleia do Conselho Regional de
Engenharia e Arquitetura − CREA −, com imputar-lhe
o delito de apropriação de importâncias equivalentes a
diárias recebidas indevidamente e declarar que pessoas
de seu estofo, para manter-se no cargo, não trepidavam
em “violentar direitos básicos e éticos”.

O direito à indenização por dano material e moral


está expressamente consagrado na Constituição da
República (art. 5º, ns. V e X).

Assim, todo aquele que produzir lesão no


patrimônio de outrem estará obrigado a repará-la.
Também o patrimônio moral – v.g.: a honra e a
reputação do indivíduo –, quando violado, rende
ensejo à indenização, ainda que morto seu titular. A
razão elegantemente no-la deu Matias Aires:
33

“Acabando tudo com a morte, só a desonra não acaba,


porque o labéu ainda vive mais do que quem o padece;
por mais insensível que esteja o cadáver na sepultura
(permita-se a hipérbole), lá parece que a lembrança de
uma infâmia, que existe na memória dos que ficam, lhe
está animando as cinzas, para o fazer capaz de aflição e
sentimento: (…) a única desgraça que se imprime na
alma, como um caráter imortal!” (Reflexões sobre a
Vaidade dos Homens, 1752, p. 42).

4. Mas, desde que a obrigação de indenizar assenta na


teoria da culpa “lato sensu”, é mister, para acolher o
pedido do autor, a certeza de que o réu lhe violou
direito ou causou prejuízo (arts. 186 e 927 do Cód. Civil).

Rezam os autos que, seu adversário político nas


disputas internas do CREA-SP, o autor-apelante, às
vésperas das eleições para a presidência da entidade (fls.
17/60), usando da palavra em assembleia, afirmara que
decisão do Confea teria determinado a instauração de
inquérito administrativo contra adversários seus, dentre
os quais o réu-apelado, ex-presidente da “Mútua de
Assistência dos Profissionais da Engenharia, Arquitetura e
Agronomia”.
34

Na mesma ocasião, respondendo a tais afirmações,


o réu-apelado ajuntara que nem o apelante se eximira
de inquérito policial que lhe mandara instaurar o Confea
(fls. 48/49 e 516).

O apelante, contudo, não levou a bem essa a que


se pudera chamar autodefesa ou retorsão do apelado;
ao revés, protestou que nunca existira o fato que lhe
atribuía o apelante, “scilicet”, haver respondido a
inquérito administrativo por apropriação indébita.
Deitou a barra ainda mais longe: increpou o apelado de
haver-lhe salteado a honra. Este, o capítulo da acusação;
esta, a “causa petendi”.

Deu-se, porém, que o fato que o apelado carregou


ao apelante não foi simples sopro de voz ou incontinência
verbal; prova idônea irrefutável evidenciou-lhe a realidade,
como o significou a r. sentença apelada: auditoria
apurou que “houve irregularidades por parte do autor e
em benefício próprio, como presidente da Mútua na gestão de
1979 a 1986, quanto ao pagamento de diárias”. Ainda: para
a devolução dos “valores recebidos indevidamente”, houve
até “ajuizamento de ação perante o Poder Judiciário” (fl.
471).
35

De tudo o sobredito claramente se mostra que o


fato ilícito que o apelado afirmara do apelante deparou
prova boa e segura nos autos.

5. Há ainda que fazer um reparo: embora nos crimes


de difamação não se admita a “exceção da verdade”, salvo
se funcionário público o ofendido (art. 139, parág. único,
do Cód. Penal), todavia no particular de que se trata não
ficou demonstrada cabalmente a existência de crime.

Tão somente a certeza de que incorrera em crime


poderia impor ao apelado a obrigação de indenizar o
apelante. Mas, o teor de seu proceder não se mostra
inconciliável com a possibilidade de ter obrado nos
melhores de direito.

Ao demais, não fez o autor prova do “fato


constitutivo de seu direito”, ônus que lhe incumbia “ex vi”
do art. 333 do Código de Processo Civil; tampouco
demonstrou a culpabilidade do réu, causa e fundamento
da obrigação de indenizar, uma vez que “perante o nosso
Direito codificado não há dano sem culpa” (Rev. Tribs., vol.
48, p. 165).
36

A r. sentença recorrida decidiu conforme a prova


dos autos e os cânones de Direito; por isso, merece
confirmada.

6 Pelo exposto, nego provimento à apelação.

São Paulo, 26 de junho de 2004


Des. Carlos Biasotti
Relator
PODER JUDICIÁRIO

2
T RIBUNAL DE J USTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

QUARTA C ÂMARA — S EÇÃO DE DIREITO PRIVADO

Apelação Cível nº 282.268-4/5-00


Comarca: Barretos
Apelante: Fundação Educacional de Barretos - FEB
Apelado: LJ

Voto nº 5568
Relator

— Indenização. Responsabilidade civil.


Prejuízo sofrido por entidade de
direito privado por ato abusivo de seu
procurador jurídico. Inocorrência.
Hipótese em que o réu não tinha
função decisória, senão opinativa,
que não vinculava a administração.
Imunidade profissional do advogado.
Pedido improcedente. Apelação
improvida.
38

— Incensurável é a sentença que julga


improcedente pedido de reparação de
danos de entidade de direito privado
contra advogado de seu departamento
jurídico. A imunidade profissional do
advogado (art. 133 da Const. Fed.)
exclui-lhe a responsabilidade por suas
manifestações, se de caráter meramente
opinativo.
— Ação de reparação de danos ajuizada por
entidade de direito privado. Aplicação
da Lei nº 8.429/92 (Lei de Improbidade
Administrativa). Impossibilidade.
— A diferença de rito procedimental não
permite que, em ação de reparação
de danos, entidade de direito privado
pleiteie a condenação do réu com base
na Lei de Improbidade Administrativa
(Lei nº 8.429/92): falta-lhe a “pertinência
subjetiva da ação”.

1. Inconformado com a r. sentença que proferiu o


MM. Juízo de Direito da 2a. Vara Cível da Comarca
de Barretos, julgando-lhe improcedente pedido de
reparação de danos que formulara contra LJ, dela
interpôs Apelação para este Egrégio Tribunal, com o
intuito de reformá-la, Fundação Educacional de
Barretos - FEB.
39

Nas razões de apelação, elaboradas por ilustre e


competente patrono, afirma, “in limine”, que, fundação
municipal, a autora caía sob a letra do art. 475, nº I,
do Código de Processo Civil, assento legal da “remessa
obrigatória”.

Pelo que respeita ao “meritum causae”, tem para si


que a r. sentença não podia prevalecer, porquanto
comprovado haver-lhe o recorrido causado prejuízo,
com determinar, “de forma abusiva e ilegal”, o
recebimento de mensalidade de alunos com descontos
excepcionais.

Requer ainda a aplicação ao apelado das


disposições da Lei nº 8.429/92 (Lei de Improbidade
Administrativa).

Reclama, à derradeira, contra a verba honorária,


que, a seu aviso, não fora fixada com observância do
princípio da “apreciação equitativa” (fls. 396/403).

Apresentou o apelado, em causa própria, extensas e


minudentes contrarrazões de recurso, nas quais repeliu
a pretensão da apelante e encareceu os predicados da
r. sentença de Primeiro Grau, ao parecer, digna de
subsistir (fls. 409/422).
40

Requereu também o benefício de prioridade no


julgamento, pois já cumprira os 72 anos de sua idade
(fls. 441/ 442), o que lhe deferiu o r. despacho de
fl. 443.

O órgão do Ministério Público declinou de


manifestar-se em grau de recurso, consignando-o nos
autos (fls. 425/ 426).

É o relatório.

2. Fundação Educacional de Barretos — FEB, entidade


de direito privado, ajuizou Ação de Reparação de Danos
contra LJ, advogado de profissão, porque, na qualidade
de seu “Diretor Jurídico”, autorizara “o recebimento de
mensalidades escolares com substanciais descontos”, sem
competência para fazê-lo.

Em assim obrando, aduziu a autora, na petição


inicial, que o apelado lhe causara prejuízos ao
patrimônio.

Ressaltou ainda que tais atos não foram


homologados pelo Conselho Diretor.
41

Em sua defesa, o réu repudiou com veemência os


artigos do libelo inaugural, firme no argumento de que
inerente a seu cargo era só a atribuição de “opinar”
sobre os pedidos de descontos nas mensalidades
escolares, não “autorizá-los” (fl. 108).

A r. sentença de fls. 390/392 excluiu-o de


responsabilidade por eventuais danos à autora: como
“não tinha poderes para conceder descontos” – apenas
expedia pareceres, que eram “submetidos ao Conselho
de Administração da FEB” –, não podia alcançá-lo a
imputação de lhe haver lesado o patrimônio.

Tendo decaído da causa, comparece a autora


perante esta augusta Corte de Justiça, clamando por
seus direitos.

3. Em obséquio ao princípio informativo do art. 475,


nº II, do Código de Processo Civil (e condição de eficácia
da sentença) – i.e., remessa obrigatória –, entro a
examinar, em sua plenitude, a matéria do litígio.

Encarregado do Departamento Jurídico da


Fundação Educacional de Barretos — FEB, emitia o
apelado pareceres opinativos em pedidos de descontos
de mensalidades escolares de seus alunos e ex-alunos.
42

As propostas de pagamento dos débitos, instruídas


com o parecer, eram submetidas ao Conselho de
Administração, ao qual tocava deferir, ou não, os
parcelamentos.

Consultor e assessor jurídico da Fundação, a


atuação do apelado resumia-se a verificar, à luz do bom
direito, a regularidade formal dos requerimentos de
descontos dos alunos; não detinha poderes para
autorizá-los. Somente opinava, não decidia; seu parecer,
portanto, não obrigava a administração da entidade.

Por sua liberdade de pensamento ou de convicção


doutrinária, não havia mesmo submetê-lo às barras da
Justiça, que o defendia e guardava de todo o rigor
punitivo, conforme o texto lapidar da Carta Magna: “é
livre a manifestação do pensamento” (art. 5º, nº IV).
Tratando-se de advogado, há dispositivo expresso em
relação ao ponto: “O advogado é indispensável à
administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e
manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”
(art. 133).

Já nos tempos áureos de Roma, Ulpiano confiara


ao bronze o texto imortal: “Cogitationis poenam nemo
patitur”. Ninguém pode ser punido por pensar. Logo, o
43

Dr. LJ não cometeu ilícito algum: exerceu um direito


inerente a sua profissão de advogado.

A circunstância de, após a audiência com o


Procurador Jurídico, efetuarem os alunos pagamento à
Tesouraria da Fundação, sem a autorização de seu
Conselho Diretor, não faz contra o apelado.

A razão é que, se os funcionários da Tesouraria


aceitavam esses pagamentos, então – como ressaltou
com bons fundamentos a r. sentença de Primeiro Grau
– sobre eles recaía a responsabilidade por aquilo que a
Fundação deixara de receber.

4. A r. sentença afastou, com acerto, a incidência da


Lei nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa).

O pedido de condenação do apelado, por violação


do art. 12 do referido diploma legal, não assentava em
bons foros, pois convinha à ação civil pública, e não
à ação de reparação de danos.

A disciplina procedimental da Lei de Improbidade


Administrativa, prevista em seu art. 14 e seguintes,
difere notavelmente daquela que rege a ação de
reparação de danos.
44

Além de que, por suas restritas finalidades


institucionais, não teria a autora, conforme anotou a r.
sentença, legitimidade para propor ação civil pública.
Falecia-lhe, pois, a “pertinência subjetiva da ação”.

5. Por outra parte, não cabe à autora a tacha de


litigante de má-fé, que o apelado lhe irrogou.

A circunstância de não ter sido acolhida a


pretensão do autor não basta, por si só, para havê-lo na
conta de “improbus litigator”. É mister haja ao menos
indícios de que deduzira pretensão que sabia infundada
e ilegítima; seu estado de dúvida acerca da “causa
petendi”, ou título do pedido, exclui a figura jurídica da
litigância de má-fé.

Cai a lanço notar que o órgão do Ministério


Público, na manifestação de fls. 384/388, opinara
pela procedência parcial do pedido, o que abona o
entendimento de que a autora não agira temerariamente.

6. À derradeira, estipulados segundo o padrão legal


(art. 20 do Cód. Proc. Civil), não há que opor aos
honorários advocatícios. Ao fixá-los no índice máximo,
45

atendeu a sentença ao grau de dificuldade, natureza e


importância da causa – que obrigou o réu, já varão
septuagenário, a prover à própria defesa, acudindo por
sua honra, nome e patrimônio – e à regra da
“apreciação equitativa”, que não significa “necessariamente
modicidade” (cf. Nelson Nery Jr., Código de Processo Civil
Comentado, 3a. ed., p. 297).

Merece confirmada, em suma, por seus lógicos e


jurídicos fundamentos, a r. sentença recorrida.

7. Pelo exposto, nego provimento à apelação.

São Paulo, 10 de junho de 2004


Des. Carlos Biasotti
Relator
PODER JUDICIÁRIO

3
T RIBUNAL DE J USTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

QUARTA C ÂMARA — S EÇÃO DE DIREITO PRIVADO

Agravo de Instrumento nº 362.565-4/3-00


Comarca: São Paulo
Agravante: PLS
Agravada: Sociedade Beneficente de Senhoras do
Hospital Sírio-Libanês

Voto nº 5639
Relator

— Antecipação de Tutela Jurisdicional —


Prova inequívoca (isto é, quase-
-certeza) da “causa petendi” —
Necessidade — Art. 273 do Cód. Proc.
Civil.
— Nisto de antecipação dos efeitos da
tutela jurisdicional, cumpre atender
ao requisito da prova inequívoca da
“causa petendi”, título e fundamento
do pedido (art. 273 do Cód. Proc.
Civil).
47

— Perante nosso Direito codificado e a


lição da Doutrina, inexiste dano sem
culpa. Ao demais, na teoria da culpa
é que assenta a responsabilidade civil,
pressuposto do dever de indenizar.

1. Da r. decisão que proferiu o MM. Juízo de


Direito da 6a. Vara Cível do Foro Central da Comarca
da Capital, indeferindo-lhe, nos autos da Ação de
Indenização por Danos Morais e Danos Materiais e
Responsabilidade Civil que promove contra Sociedade
Beneficente de Senhoras do Hospital Sírio-Libanês,
tutela antecipada, “inaudita altera parte”, interpôs PLS
Agravo de Instrumento para este Egrégio Tribunal, com
o escopo de reformá-la.

Alega, na minuta de fls. 2/5, que, no particular em


exame, concorriam os pressupostos legais para o
deferimento do pedido: pelo que, tendo-lho denegado,
o r. despacho de Primero Grau fizera rosto à lei
expressa.

Pleiteia, destarte, à colenda Câmara tenha a bem


prover-lhe o recurso e deferir tutela antecipada, como
de Direito e Justiça.

É o relatório.
48

2. Afirma PLS que, por 15 anos, trabalhara no


Hospital Sírio-Libanês, na função de mensageiro
interno.

Acrescenta que, injunção da própria atividade,


percorria todos os setores do hospital, em contacto com
os pacientes e, pois, sujeito a todo tipo de vírus e
bactérias. (Recebia até, a essa conta, “adicional de
insalubridade” equivalente a 10% do salário mínimo).

Ajunta mais que, em razão de seu trabalho,


contraiu doença gravíssima, de que lhe ficaram sequelas
irreversíveis, pela negligência com que o hospital o
assistira.

Assim, ante o nexo de causalidade entre sua


moléstia e a culpa da ré, propôs-lhe Ação Ordinária de
Indenização, com pedido de antecipação de tutela,
denegado pelo r. despacho de fl. 129.

Irresignado, manifestou recurso para esta augusta


Corte de Justiça, na expectativa de alcançar antecipação
dos efeitos da tutela jurisdicional pretendida.

Recebido em seu efeito ordinário devolutivo,


conforme a lei (art. 497 do Cód. Proc. Civil), determinou-se
49

o processamento do agravo, indeferida a antecipação


da tutela, por ausência dos requisitos legais: prova
inequívoca da verossimilhança do direito alegado e do
perigo da irreversibilidade do provimento.

3. Ao denegar-lhe antecipação de tutela, argumentou


o MM. Juízo que o agravante não comprovara “ad
satiem” a relação jurídica entre a culpa do preposto da ré
que lhe prestara atendimento médico e os danos que,
por sua negligência e imperícia, lhe causara.

Trata-se de prova indeclinável, pois que perante


nosso Direito codificado e a lição da Doutrina inexiste
dano sem culpa. Ao demais, na teoria da culpa é que
assenta a responsabilidade civil, pressuposto do dever de
indenizar.

Nisto de pedido de antecipação dos efeitos da


tutela jurisdicional, cumpre atender ao requisito da
prova inequívoca da “causa petendi”, título e fundamento
do pedido (art. 273 do Cód. Proc. Civil).

O magistério de Carlos Roberto Feres faz muito ao


propósito:
50

“Deve haver prova inequívoca. Assim o exige a norma.


Refere-se à causa de pedir. Não poderá o juiz, baseado
em qualquer prova, frágil, presumida, emprestada, etc.,
passar ao exame dos demais requisitos de concessão. Deve
o pedido vir adequadamente instruído, de forma que a
prova acostada à inicial não deixe dúvidas quanto à
existência do direito do postulante e à matéria de fato,
que induz à quase-certeza quanto à verdade dos fatos”
(Antecipação da Tutela Jurisdicional, 1999, p. 54).

Em suma: primeiro que obtenha o Juiz, na quadra


de dilação probatória, o grau de certeza que torne
verossímil a alegação do autor, fora temerário deferir-
-lhe tutela antecipada. É que, segundo a avisada opinião
de J. J. Calmon de Passos, a “antecipação pede a mesma
prova inequívoca da que pede a decisão definitiva” (Inovações
no Código de Processo Civil, 2a. ed., p. 16).

4. Pelo exposto, nego provimento ao agravo.

São Paulo, 7 de setembro de 2004


Des. Carlos Biasotti
Relator
PODER JUDICIÁRIO

4
T RIBUNAL DE J USTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

QUARTA C ÂMARA — S EÇÃO DE DIREITO PRIVADO

Apelação Cível nº 293.288-4/1-00


Comarca: Diadema
Apelante: Carrefour — Administradora de Cartões de
Crédito, Comércio e Participações Ltda.
Apelada: IAA

Voto nº 5656
Relator

— Causa — Réu confesso — Antecipação


de julgamento — Possibilidade.
— Não incorre em censura a sentença
que, em face da confissão do réu –
que, na frase de célebre jurista,
“faz vezes de cousa julgada” –
denega dilação probatória e conhece
diretamente do pedido (arts. 330,
nº I, e 334, nº II, do Cód. Proc. Civil).
52

— Indenização — Danos morais —


Inclusão do nome no cadastro de
inadimplentes do SCPC e Serasa —
Alegação de falha no sistema
de informatização da empresa
administradora de cartões de crédito
— Circunstância que não exime do
dever de indenizar.
— É jurisprudência consagrada nos
Tribunais que a inscrição indevida no
rol onomástico de inadimplentes do
SCPC ou Serasa, por alegada falha no
sistema de informatização da empresa
administradora de cartões de crédito,
implica prejuízo moral relevante ao
indivíduo e, por isso, impõe o dever
de indenizar.
— Indenização — Valor — Critério —
Razoabilidade.
— O valor da indenização não pode
ser aferido por craveira mesquinha;
cumpre atender às circunstâncias da
espécie sujeita, pois aqueles que
fazem caso e cabedal dos preceitos da
honra e do bom nome não hesitam,
muita vez, em antepô-los à própria
vida.

1. Da r. sentença que proferiu o MM. Juízo de


Direito da 2a. Vara Cível do Foro da Comarca de
Diadema, julgando procedente em parte o pedido
deduzido na Ação de Indenização que lhe intentara IAA,
53

interpôs recurso de Apelação para este Egrégio Tribunal,


com o escopo de reformá-la, Carrefour — Administradora
de Cartões de Crédito, Comércio e Participações Ltda.

Nas razões de apelação, elaboradas por esforçado


e culto patrono, arguiu preliminar de nulidade da
sentença, por infração dos princípios do contraditório,
da ampla defesa e da isonomia.

Pelo que respeita ao mérito, afirma devia ser


julgado improcedente o pleito, por haver a apelada
concorrido com culpa, na modalidade de negligência,
para o evento danoso.

Acrescenta, à derradeira, que se devia deduzir o


valor da indenização, em ordem a que se não
convertesse em fator de enriquecimento ilícito (fls.
92/107).

A apelada apresentou contrarrazões de recurso, nas


quais repeliu a pretensão da apelante e propugnou
a manutenção da r. sentença de Primeiro Grau (fls.
112/114).

É o relatório.
54

2. A autora demandou a empresa-ré por dano moral


e material, visto que lhe ofendera a boa reputação,
com restringir seu crédito perante terceiros,
injustificadamente.

Foi o caso que, mediante contrato celebrado com a


ré, a autora recebera-lhe cartão de crédito. Além de seu
cartão principal, solicitara outro (cartão adicional) para
AMND, que o utilizara na compra de um fogão.

Mas —— e aqui bate o ponto ——, suposto houvesse


a compradora pago pontualmente as parcelas relativas
à aquisição do bem ——, a autora passou a receber
cobrança da ré.

Acudindo por seu bom nome, a autora dirigiu-se à


ré, que lhe desse as razões dos avisos de cobrança. Esta
lhe explicou ter havido “erro no sistema”, o que seria
prontamente regularizado. Afiançou-lhe nenhum abalo
sofreria o seu crédito.

No entanto, quando tentava efetuar compras em


outro estabelecimento comercial, a pretensão da autora
foi rejeitada, sob a alegação de falta de crédito, pois seu
nome estava, em 6.11.2001, apontado entre os maus
clientes, no rol do Serasa e nos arquivos do SCPC —
Serviço Central de Proteção ao Crédito.
55

Indignada quanto surpresa, a autora foi ter de novo


com a ré, em busca de explicações. E aí ouvira a
cantilena do costume: “ocorreu um erro de sistema”, e que
outra coisa não podia fazer, senão regularizar-lhe a
situação perante aquele órgão de proteção ao crédito.

Ainda aqui, porém, a ré não se houvera com


diligência, pois somente após largo trato de tempo ——
“janeiro de 2002 ——, foi solucionado o problema, que
causou tanto desgosto e transtorno à autora.

Estes foram os fatos expostos pela autora no libelo;


esta, a “causa petendi” (fls. 2/8).

A ré contestou o pedido, em alentada peça forense,


na qual, ao mesmo tempo que reconhecia ter havido
“falha no sistema” de informatização, imputava culpa
à autora, que lhe não apresentara o “comprovante de
pagamento da parcela do seu cartão” (fls. 59/74).

A r. sentença, julgando segundo o estado do


processo, houve por procedente em parte o pedido de
indenização por dano moral, excluído o dano material
(fls. 84/86).
56

Irresignada com o desate do litígio, a ré


manifestou recurso para esta Corte de Justiça, no
aguardo de modificá-lo.

3. As questões preliminares que a apelante suscitou


não são para acolher, “data venia”, ainda que revelem
primores de forma e substância.

Com efeito, a arguição de nulidade da sentença ——


porque proferida em processo que averbou de nulo ——
não assenta em bom fundamento.

Mais que arrojada, passa por injusta a alegação da


apelante de que o Magistrado violara as regras do
contraditório, coartara a ampla defesa e conculcara o
princípio de isonomia ou igualdade das partes.

Ao conhecer diretamente do pedido, exerceu Sua


Excelência o poder que lhe conferia a lei expressa (art.
330, nº I, do Cód. Proc. Civil), uma vez que não havia
necessidade de produzir prova em Juízo. Deveras, não
depende de prova o fato que uma parte afirma e a outra
confessa (art. 334, nº II).
57

Ora, tendo a ré confessado explicitamente o fato


(fl. 61), e sendo um dos efeitos da confissão, na frase de
clássico processualista, “fazer vezes de cousa julgada”
(Joaquim José Caetano Pereira e Souza, Primeiras
Linhas sobre o Processo Civil, 1907, p. 167), quem, em seu
acordo e razão, houvera de fulminar censuras ao MM.
Juiz que, desde logo, rendeu sua jurisdição?!

No caso, era-lhe dever (não só faculdade) proceder


segundo esse estalão, como tem proclamado o Colendo
Superior Tribunal de Justiça:

“Presentes as condições que ensejam o julgamento


antecipado da causa, é dever do juiz, e não mera
faculdade, assim proceder” (REsp. nº 2.832-RJ; 4a. T.;
rel. Min. Sálvio de Figueiredo; DJU 17.9.90,
p. 9.513; v.u.; apud Theotonio Negrão, Código de
Processo Civil, 26a. ed., p. 295).

Assim, ao revés do que inculca a apelante, a r.


sentença recorrida não vulnerou nem afrontou os
princípios do contraditório, da isonomia e da defesa.

Cai a lanço o ven. acórdão, de que foi relator o


Min. Sálvio de Figueiredo:
58

“Constantes dos autos elementos de prova documental


suficientes para formar o convencimento do julgador,
inocorre cerceamento de defesa se julgada antecipadamente
a controvérsia” (STJ; Ag. nº 14.952-DF; 4a. T., DJU
3.2.92, p. 472; v.u.; apud Theotonio Negrão, op.
cit., p. 296).

Rejeito, por isso, a matéria prejudicial.

4. No que pertence ao mérito, é força manter, por


seus fundamentos, a r. sentença de Primeiro Grau.

Em verdade, está comprovado nos autos, além de


toda a dúvida sensata, que, a despeito de haver a apelada
pago regularmente a parcela vencida em 6.11.2001 (fl.
6/7), a apelante apontou-lhe o nome assim ao SCPC —
Serviço Central de Proteção ao Crédito como ao Serasa.

Fê-lo por “falha no sistema”, segundo o admitiu em


seu arrazoado (fl. 61). Foi, destarte, por incúria e
negligência —— visto como não lhe proveu acerca da
segurança dos direitos e interesses ——, que a apelante
deu causa à inscrição da apelada na relação onomástica
de inadimplentes do Serasa.
59

Que a apelada tenha sofrido insigne “abalo


psicológico” é coisa que se não pode negar sem
imprudência, máxime porque a usuária do cartão punha
timbre em pagar “antecipadamente” as parcelas de seus
débitos (fl. 85).

Ora, é doutrina corrente que a divulgação indevida


de restrições de crédito, por implicar dano moral
relevante para o indivíduo, impõe a obrigação de
indenizar.

Por dano entende-se a “lesão ou redução patrimonial,


sofrida pelo ofendido, em seu conjunto de valores protegidos no
Direito, seja quanto à sua própria pessoa —— moral ou
fisicamente —— seja quanto a seus bens ou a seus direitos. É a
perda, ou a diminuição, total ou parcial, de elemento, ou de
expressão, componente de sua estrutura de bens psíquicos,
físicos, morais ou materiais” (Carlos Alberto Bittar,
Responsabilidade Civil, 2a. ed., p. 8).

Passa o mesmo no âmbito dos Tribunais:

“Não cabe a alegação de falha no preenchimento do CPF


no contrato com o banco, para se eximir da
responsabilidade por danos morais causados a cliente que
tem seu nome incluído nos cadastros de negatividade de
60

crédito, visto que, a inexatidão da inclusão, por ter sido


realizada sem motivo, gera direito à indenização” (Rev.
Tribs., vol. 805, p. 246; rel. Frank Hungria).

Embora “cumuláveis as indenizações por dano material


e por dano moral no mesmo fato”, nos termos da Súmula
nº 37 do Colendo Superior Tribunal de Justiça, não se
desempenhou a autora mais que da produção de prova
do dano moral, o qual, portanto, unicamente, se deverá
ressarcir.

O montante da indenização, que pareceu


exagerado à apelante —— 40 salários mínimos ——,
tenho-o por mui compatível com as circunstâncias da
espécie sujeita. Ao demais, aqueles que fazem caso e
cabedal dos preceitos da honra e do bom nome, esses
não hesitam, muita vez, em antepô-los à própria vida.
Não é muito, pois, que a r. sentença tivesse determinado
o pagamento da indenização à apelada no valor de 40
salários mínimos, por dano moral que lhe causara a
apelante.

Merece confirmada, em suma, por seus jurídicos


fundamentos, a r. decisão que proferiu o distinto e culto
Magistrado Dr. Antonio Luiz Tavares de Almeida.
61

5. Pelo exposto, rejeitada a preliminar de nulidade da


sentença, nego provimento à apelação.

São Paulo, 3 de outubro de 2004


Des. Carlos Biasotti
Relator
PODER JUDICIÁRIO

5
T RIBUNAL DE J USTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

QUARTA C ÂMARA — S EÇÃO DE DIREITO PRIVADO

Agravo de Instrumento nº 301.206-4/9-00


Comarca: São Paulo
Agravante: Unibanco — União de Bancos Brasileiros S.A.
Agravada: Três Editorial Ltda.

Voto nº 5661
Relator

— Ação de Indenização — Responsabilidade


civil — Dano Moral — Formulação de
pedido genérico — Admissibilidade —
Fixação do valor da causa — Pensão do
Juiz, com prudente arbítrio.
63

— Em caso de responsabilidade civil


fundada em dano moral, a melhor
doutrina e a jurisprudência dos
Tribunais admitem a formulação de
pedido genérico. Ao Juiz, na condição
de diretor do processo – e como a
quem toca a quantificação do dano –,
caberá fixar, com prudente arbítrio,
o valor da indenização, à luz dos
princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade (arts. 125 e 286, nº
II, do Cód. Proc. Civil).

1. Da r. decisão que proferiu o MM. Juízo de Direito


da 13a. Vara Cível do Foro Central da Comarca da
Capital, determinando-lhe, nos autos da Ação de
Indenização que promove contra Três Editorial Ltda.,
emendasse a petição inicial, sob pena de indeferimento,
interpôs recurso de Agravo de Instrumento para este
Egrégio Tribunal, com o intuito de reformá-la,
Unibanco — União de Bancos Brasileiros S.A

Afirma, na minuta de agravo, que a r. decisão de


Primeiro Grau lhe ordenou emendasse o libelo para
“estimar o montante pretendido a título de indenização pelo
dano moral para fornecer parâmetro ao Juízo, garantir a
ampla defesa e possibilitar a correta fixação do valor da
causa”.
64

Acrescenta que, no entanto, o r. despacho não se


eximia de reparo, uma vez contrariava de frente o
direito positivo, o qual prescreve que “ninguém será
obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em
virtude de lei” (art. 5º, nº II, da Const. Fed.).

Ajunta que ao autor era lícito deduzir pedido


genérico, sempre que “não for possível determinar, de modo
definitivo, as consequências do ato ou do fato ilícito” (art.
286, nº II, do Cód. Proc. Civil).

Ilustrou a argumentação com jurisprudência


copiosa deste Egrégio Tribunal e requereu efeito
suspensivo ao agravo.

2. Unibanco — União de Bancos Brasileiros S.A.


propôs Ação de Indenização, por danos morais, contra
Três Editorial Limitada.

Afirmou, na petição de fls. 18/25, que a revista


“IstoéDinheiro”, editada pela ré —— edição de 21 de abril
de 2004 ——, publicou matéria assinada pelo jornalista
Hugo Studart (que a divulgara também pelo sítio da
“Internet”), sob o título “A aposta perdida do Unibanco” e
65

subtítulo “Como o banco de Pedro Moreira Salles tentou se


associar ao bicheiro Carlos Cachoeira num esquema de
loterias, mas acabou desistindo depois do escândalo Waldomiro
e após ser interpelado judicialmente pela Caixa Econômica
Federal”.

Acrescentou que, além das expressões malsoantes


que nela se continham, ilustravam a reportagem duas
fotografias: uma, em requadro negro, de Pedro Moreira
Salles; outra, presumidamente de Carlos Augusto
Pereira Ramos, com a legenda: “Cachoeira: sua empresa
Combrolog seria sócia do Unibanco”.

Alegou ainda que, ao revés do que inculcava a ré,


jamais tivera (o autor) comunicação com o referido
Carlos Augusto Pereira Ramos; tampouco a Presidência
do Unibanco fora procurada alguma vez pela revista
“IstoéDinheiro”.

Ajuntou mais que “o maior patrimônio de uma


instituição bancária é a sua credibilidade”, que o escrito da
ré abalara.

Pelo que, ao menos na prática ilícita de difamação


a ré teria incorrido, donde seu dever de reparação
monetária.
66

Destarte, argumentando que “a pessoa jurídica pode


sofrer dano moral” (Súmula nº 227 do STJ), pleiteou a
condenação da ré ao pagamento de indenização, em
valor que o MM. Juízo, equitativamente, houvesse por
bem arbitrar.

Pelo r. despacho de fl. 15, o MM. Juízo de Direito


da 13a. Vara Cível do Foro Central da Comarca da
Capital, determinou que o autor, sob pena de
indeferimento, emendasse a inicial, a fim de “estimar o
montante pretendido a título de indenização pelo dano moral
(…)” e “adequar o valor da causa ao total do proveito
econômico perseguido (…)”.

Como não levasse a bem o teor da r. decisão de


Primeiro Grau, o autor manifestou recurso de agravo
para esta augusta Corte de Justiça, com o fito de
modificá-la.

3. Por evitar lesão grave a direito ou interesse da


parte, dispôs a lei que o relator do agravo de
instrumento podia atribuir-lhe efeito suspensivo ou
deferir, em antecipação de tutela, a pretensão recursal
(art. 527, nº III, do Cód. Proc. Civil).
67

Assim, presentes os requisitos legais, foi deferido


o efeito suspensivo ao agravo, até seu julgamento
definitivo pela Câmara.

Dispensaram-se as informações da mui digna


autoridade judiciária, cujo entendimento acerca da
questão já se achava expresso com toda a clareza na
decisão recorrida, e a intimação da agravada, porque
ainda não citada para os atos e termos da ação.

É o relatório.

4. Tendo constado do libelo o pedido de condenação


da ré ao pagamento da indenização por danos morais no
valor que MM. Juízo se dignasse arbitrar, o r. despacho
de fl. 15 determinou que o próprio autor o estimasse,
pena de indeferimento.

Estou, porém, que a boa doutrina processual que


a r. decisão professou não se conforma nem aplica à
hipótese dos autos, ainda quando se pudesse praticar no
geral dos casos.

A razão é que, “em se tratando de responsabilidade


civil fundada em dano moral, admite-se que o pedido seja
formulado sem se especificar o valor pretendido a título de
68

indenização”, como proclamou o Colendo Superior


Tribunal de Justiça, em ven. aresto, cuja ementa a
estrênua e competente Defesa menciona (REsp. nº
169.867-RJ; 4a. T.; rel. Min. Cesar Asfor Rocha; j.
5.12.2000).

Este, ao demais, é o sentimento comum dos mais


opinados juristas, consoante o persuade o primoroso
ensaio que escreveu o Magistrado André Gustavo
Corrêa de Andrade, tirado a lume na Revista dos
Tribunais (vol. 781, pp. 33-49), sob o título “Dano Moral
e Pedido Genérico de Indenização”:

“Ao contrário, entregar ao autor o ônus de determinar o


valor da indenização redundaria em levá-lo, quase
sempre, a sucumbir parcialmente na demanda, com as
consequências daí advindas, quais sejam, a distribuição
proporcional das despesas processuais e dos honorários
advocatícios, nos termos do art. 21 do Cód. Proc. Civil,
pois, como aqui já assinalado, dificilmente a régua do
autor teria a mesma medida da régua do Juízo”
(p. 39).

Ainda:

“A imprevisibilidade do valor é, por consequência, o fator


que diferencia a ação em que se busca a indenização por
69

dano moral das demais ações condenatórias. Daí por que


não é justo, nem jurídico, exigir do autor da ação de
indenização por dano moral que indique o valor certo,
apostando virtualmente em uma soma, que dependerá
exclusivamente do critério subjetivo do Julgador”
(p. 40).

Esta mesma colenda 4a. Câmara tem sufragado a


sobredita opinião, conforme se extrai do ven. acórdão
de que foi relator o eminente e culto Des. Carlos
Stroppa:

“É irrelevante que o pedido de indenização por dano


moral tenha sido proposto de forma genérica, uma vez
que cabe ao prudente arbítrio do Juiz a fixação do
quantum a título de reparação” (Rev. Tribs., vol. 760,
p. 310).

Destarte, e havendo consideração a que, à luz da


exegese mais bem reputada, não repugna ao art. 286, nº
II, do Código de Processo Civil “a formulação de pedido
genérico de indenização por dano moral” (in Rev. Tribs., vol.
781, p. 49); considerando mais que “a exigência de pedido
certo de reparação por dano moral, por constranger o autor a
subestimar o valor da indenização, para se forrar aos riscos de
uma sucumbência parcial, constitui violação aos correlatos
70

princípios constitucionais do amplo acesso ao Poder Judiciário


e da efetividade do processo (art. 5º, XXXV), assim como aos
princípios que garantem à vítima do dano moral o direito ao
recebimento da indenização mais ampla possível (art. 5º, V e
X)” (ibidem); considerando, por fim, que “a formulação
genérica de indenização não configura violação aos princípios
da ampla defesa e do contraditório, porque autor e réu se
encontram em situação de absoluta igualdade quanto à
imprevisibilidade do valor do dano moral; e ao réu sempre
será possível discutir, debater ou refutar raciocínios,
argumentações e critérios concernentes à fixação do valor”
(ibidem), é força prover o recurso do agravante.

Portanto, uma vez estabelecida a relação processual


e assegurados os princípios da ampla defesa e do
contraditório, caberá ao MM. Juiz, na condição de
diretor do processo (art. 125 do Cód. Proc. Civil) —— e
como a quem toca a quantificação do dano ——, fixar,
com prudente arbítrio, o valor da indenização.

Como já pagou a taxa judiciária sobre o valor dado


à causa para os efeitos da lei (fl. 19), eventual diferença a
maior o autor deverá recolher ao termo do processo.

Merece provido, em suma, o recurso para os fins e


efeitos acima indicados.
71

5. Pelo exposto, dou provimento ao agravo para cassar a


r. decisão recorrida. Comunique-se ao MM. Juiz da
causa.

São Paulo, 11 de outubro de 2004


Des. Carlos Biasotti
Relator
PODER JUDICIÁRIO

6
T RIBUNAL DE J USTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

QUARTA C ÂMARA — S EÇÃO DE DIREITO PRIVADO

Agravo de Instrumento nº 358.234-4/9-00


Comarca: São Paulo
Agravante: MSN
Agravados: Banco Itaú S.A. e Outro

Voto nº 5750
Relator

— Valor da Causa — Ação de Indenização


por dano moral — Pode o Juiz
reduzi-lo de ofício, em caso de
exagero.
— O valor da causa na ação de
indenização por dano moral deve
atender ao princípio da razoabilidade,
não venha a transformar-se – por
exagerado – em óbice ao acesso da
parte à Justiça. Diretor do processo,
pode o Juiz reduzi-lo de ofício.
73

— Assistência Judiciária — Direito da


pessoa necessitada — Previsão legal.
— Desde que necessitada, tem a parte o
direito à gratuidade de justiça, nos
termos da lei (art. 1º da Lei nº
1.060/50).

1. Da r. decisão do MM. Juízo de Direito da 21a.


Vara Cível do Foro Central da Comarca da Capital –
nos autos da Ação Declaratória de Inexistência de Relação
Jurídica, cumulada com Indenização por Danos Morais e
Responsabilidade Civil, com pedido de tutela antecipada,
que promove contra Banco Itaú S.A. e Banco Bradesco
S.A. –, indeferindo-lhe gratuidade de justiça e
reduzindo o valor da causa, interpôs recurso de Agravo
de Instrumento para este Egrégio Tribunal, no intuito de
reformá-la, MSN.

Na minuta de agravo, elaborada por diligente


patrono, afirmou que o r. despacho impugnado não
podia prevalecer porque fizera rosto ao direito positivo.

Acrescentou que, “necessitado” na acepção jurídica


do vocábulo, tinha jus aos benefícios da assistência
judiciária, nos termos da Lei nº 1.060/50 (art. 4º).
74

Acentuou mais que, atribuição exclusiva da parte


fixar o valor da causa, não podia o MM. Juiz alterá-lo de
ofício.

Pleiteou, destarte, à colenda Câmara tivesse a bem


prover-lhe o agravo para modificar a r. decisão “a quo”,
deferido o efeito suspensivo (fls. 2/17).

2. Foi determinado o processamento do agravo em


seu regular efeito (art. 497 do Cód. Proc. Civil), pois os
elementos informativos e probatórios dos autos não
demonstravam, “ictu oculi”, a satisfação dos requisitos
que pudessem autorizar-lhe a atribuição de efeito
suspensivo (art. 558).

Intimados os agravados para responder, se o


quisessem, em 10 dias, dispensaram-se as informações
da mui digna autoridade judiciária, por escusadas no
particular em exame.

Os agravados apresentaram contraminutas, nas


quais refutaram os argumentos do agravante e
pugnaram pela mantença da r. decisão de Primeiro
Grau (fls. 84/88 e 100/106).

É o relatório.
75

3. MSN intentou Ação Declaratória de Inexistência de


Relação Jurídica, cumulada com Indenização por Danos
Morais e Responsabilidade Civil contra Banco Itaú S.A. e
Banco Bradesco S.A., sob a alegação de que, obrando
com culpa, na modalidade de negligência, abriram
conta corrente em nome de indivíduo que se atribuíra
falsamente a identidade do agravante e emitira cheques
sem provisão de fundos, em detrimento de sua
reputação.

Requereu, assim, a procedência do pedido para


declarar a inexistência das relações jurídicas e obrigar os
bancos a indenizá-lo por danos morais.

Pleiteou também gratuidade de justiça e deu à


causa o valor de R$ 120.000,00 (fls. 18/32).

O r. despacho de fl. 56 indeferiu-lhe justiça


gratuita e reduziu o valor da causa a R$ 15.000,00, com
o que entretanto o autor não concordou; daqui, o seu
recurso.

4. A dois fins precípuos armam as razões do recurso


interposto pelo agravante: obter gratuidade de justiça e
manutenção do valor que dera à causa.
76

No que toca ao valor da causa, procedeu com bom


aviso e acertadamente o douto Magistrado, reduzindo-o
de R$ 120.000,00 a R$ 15.000,00 (fl. 56).

De feito, porque entrassem a circular vários


cheques – em razão de contas-correntes abertas
ilicitamente em seu nome – determinou consigo o
agravante processar os bancos-réus por danos materiais
e morais.

No entanto, embora em tese os réus possam


responder civilmente pela abertura de conta-corrente
por falsários e pelos protestos promovidos indevidamente
contra o agravante, o valor da causa terá sido demasiado.

Ao MM. Juiz era lícito, pois, modificá-lo “ex


officio”, conforme entendimento deste Egrégio Tribunal:

“Valor da Causa — Impugnação — Alteração de ofício pelo


Juiz do valor inicialmente dado à causa — Possibilidade,
ainda que a parte contrária não haja impugnado tal
valor — Recurso não-provido” (TJSP; AI nº 100.973-1
— Garça; 1a. Câm. Civ.; rel. Luiz de Azevedo;
j. 10.5.88; RJTJESP, vol. 114, p. 363).
77

Está a justificá-lo o ven. acórdão reproduzido por


sua ementa:

“Ainda que o efetivo valor da indenização por dano


moral vá ser aferido somente na execução, deve o
magistrado, em nome do princípio da razoabilidade,
adotar estimativa plausível para o valor da causa na
ação de indenização. Do contrário, permitir-se-ia que
quantias exorbitantes fossem pedidas sem qualquer ônus
imediato ao autor. O direito não pode admitir que
o elevado valor atribuído à causa por estimativa
unilateral de uma das partes possa violar o amplo acesso
à justiça da parte contrária, por mais poderosa que essa
possa ser, por ser direito garantido constitucionalmente
a todos” (TACivSP; Ag. nº 857.235-2; v.u.; apud
Nelson Nery Junior et alia, Código de Processo Civil
Comentado, 8a. ed., p. 694).

5. Pelo que respeita ao pedido de justiça gratuita,


faz-lhe jus o agravante, que declarou carecer de recursos
para pleitear seus direitos na barra da Justiça (fl. 48).
Ora, segundo jurisprudência consagrada por nossos
Tribunais, “o benefício da justiça gratuita deve ser concedido
à vista de simples afirmação de pobreza do interessado”
(cf. TJSP; AI nº 48.584-4 — São Carlos; 2a. Câmara de
Direito Privado; rel. Cezar Peluso; j. 22.4.97; v.u.).
78

Isto de havê-la requerido à Segunda Instância não


obsta à concessão da assistência judiciária gratuita ao
agravante, como o significou o ven. acórdão adiante
referido: “(…) o benefício da assistência judiciária gratuita
pode ser requerido em qualquer fase do processo, e o seu efeito
se dá não para excluir aquilo que já se condenou a pagar, mas
para suspender a sua execução (Lei nº 1.060/50; art. 12)”
(2º TAC; AI nº 530.199; 8a. Câm.; rel. Milton Gordo;
j. 10.6.98).

6. Pelo exposto, dou provimento parcial ao recurso para


deferir ao agravante justiça gratuita.

São Paulo, 23 de dezembro de 2004


Des. Carlos Biasotti
Relator
Trabalhos Jurídicos e Literários de
Carlos Biasotti

1. A Sustentação Oral nos Tribunais: Teoria e Prática;


2. Adauto Suannes: Brasão da Magistratura Paulista;
3. Advocacia: Grandezas e Misérias;
4. Antecedentes Criminais (Doutrina e Jurisprudência);
5. Apartes e Respostas Originais;
6. Apelação em Liberdade (Doutrina e Jurisprudência);
7. Apropriação Indébita (Doutrina e Jurisprudência);
8. Arma de Fogo (Doutrina e Jurisprudência);
9. Cartas do Juiz Eliézer Rosa (1a. Parte);
10. Citação do Réu (Doutrina e Jurisprudência);
11. Crime Continuado (Doutrina e Jurisprudência);
12. Crimes contra a Honra (Doutrina e Jurisprudência);
13. Crimes de Trânsito (Doutrina e Jurisprudência);
14. Da Confissão do Réu (Doutrina e Jurisprudência);
15. Da Presunção de Inocência (Doutrina e Jurisprudência);
16. Da Prisão (Doutrina e Jurisprudência);
17. Da Prova (Doutrina e Jurisprudência);
18. Da Vírgula (Doutrina, Casos Notáveis, Curiosidades, etc.);
19. Denúncia (Doutrina e Jurisprudência);
20. Direito Ambiental (Doutrina e Jurisprudência);
21. Direito de Autor (Doutrina e Jurisprudência);
22. Direito de Defesa (Doutrina e Jurisprudência);
23. Do Roubo (Doutrina e Jurisprudência);
24. Estelionato (Doutrina e Jurisprudência);
25. Furto (Doutrina e Jurisprudência);
26. “Habeas Corpus” (Doutrina e Jurisprudência);
27. Legítima Defesa (Doutrina e Jurisprudência);
28. Liberdade Provisória (Doutrina e Jurisprudência);
29. Mandado de Segurança (Doutrina e Jurisprudência);
30. O Cão na Literatura;
31. O Crime da Pedra (Defesa Criminal em Verso);
32. O Crime de Extorsão e a Tentativa (Doutrina e Jurisprudência);
33. O Erro. O Erro Judiciário. O Erro na Literatura (Lapsos e
Enganos);
34. O Silêncio do Réu. Interpretação (Doutrina e Jurisprudência);
35. Os 80 Anos do Príncipe dos Poetas Brasileiros;
36. Princípio da Insignificância (Doutrina e Jurisprudência);
37. “Quousque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?”;
38. Tópicos de Gramática (Verbos abundantes no particípio;
pronúncias e construções viciosas; fraseologia latina, etc.);
39. Tóxicos (Doutrina e Jurisprudência);
40. Tribunal do Júri (Doutrina e Jurisprudência);
41. Absolvição do Réu (Doutrina e Jurisprudência);
42. Tributo aos Advogados Criminalistas (Coletânea de Escritos
Jurídicos); Millennium Editora Ltda.;
43. Advocacia Criminal (Teoria e Prática); Millennium Editora
Ltda.;
44. Cartas do Juiz Eliézer Rosa (2a. Parte);
45. Contravenções Penais (Doutrina e Jurisprudência);
46. Crimes contra os Costumes (Doutrina e Jurisprudência);
47. Revisão Criminal (Doutrina e Jurisprudência);
48. Nélson Hungria (Súmula da Vida e da Obra);
49. Ação Penal (Doutrina e Jurisprudência);
50. Crimes de Falsidade (Doutrina e Jurisprudência);
51. Álibi (Doutrina e Jurisprudência);
52. Da Sentença (Doutrina e Jurisprudência);
53. Fraseologia Latina;
54. Da Pena (Doutrina e Jurisprudência);
55. Ilícito Civil e Ilícito Penal (Doutrina e Jurisprudência);
56. Regime Prisional (Doutrina e Jurisprudência);
57. Alimentos (Doutrina e Jurisprudência);
58. Estado de Necessidade (Doutrina e Jurisprudência);
59. Receptação (Doutrina e Jurisprudência);
60. Inquérito Policial. Indiciamento (Doutrina e Jurisprudência);
61. A Palavra da Vítima e seu Valor em Juízo;
62. A Linguagem do Advogado;
63. Memorando aos Colegas da Advocacia e da Magistratura;
64. Código de Defesa do Consumidor (Casos Especiais em Matéria
Criminal);
65. Crime de Dano (Doutrina e Jurisprudência);
66. Nulidade Processual (Doutrina e Jurisprudência);
67. Da Coação no Direito Penal (Doutrina e Jurisprudência);
68. Violação de Domicílio (Doutrina e Jurisprudência).
84

www.scribd.com/Biasotti
Indenização (Doutrina e Jurisprudência) Carlos Biasotti

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