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O Crime e a Sanção Penal

Resumo. A ninguém é lícito violar, sem justa causa, a ordem jurídica; por
isso, aos infratores são cominadas penas, que são o salário do crime. A não
haver punição para o transgressor da lei, tornava-se impossível a vida em
sociedade.

I. Convicto de crime, incide no réu a sanção do Direito Penal. A


pena, estipêndio da violação do bem jurídico protegido, serve a dois
propósitos capitais: expiação da falta cometida e advertência que não
torne o réu a delinquir.
A lição de Nélson Hungria a tal respeito escusa outras mais que
se possam arrolar: “A pena traduz primacialmente um princípio humano por
excelência, que é o da justa recompensa: cada um deve ter o que merece” (Novas
Questões Jurídico-Penais, p. 131).
A faltar o justo castigo nos casos de ofensa à lei, a própria
ordem social estava ameaçada; em verdade, unicamente com medidas
eficazes de prevenção e de repressão é que a criminalidade cessa ou
diminui.

II. Na boa formação da personalidade do indivíduo, com


preponderância dos sadios princípios e valores morais e cívicos, é que
a política de prevenção dos fatores criminógenos haverá deparar o seu
verdadeiro e sólido fundamento; donde a máxima da experiência:
Abrir escolas é fechar cadeias.
Mas, falhando os outros meios de contenção do crime — e
desde que superior a toda a dúvida a culpabilidade do réu —, tem lugar
a repressão: tocará ao Estado, por direito e dever indeclinável,
fulminar-lhe punição.
2

A esperança da impunidade, com efeito, já o advertia o


eloquente Cícero, passa pelo maior incentivo das práticas criminosas(1).
Ao infligir pena ao culpado, no entanto, será bem não
desconsidere o Juiz a bela parêmia do clássico Manuel Bernardes: “Deve
o rigor do castigo temperar-se sempre com a moderação da clemência” (Nova
Floresta, 1728, t. V, p. 466).

III. À conta do relevo que imprimiu a circunstâncias que, em tese,


podem mitigar a pena imposta a autor de furto, pareceu-me bem
reproduzir aqui o seguinte acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo:

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO E STADO DE SÃO PAULO

QUINTA C ÂMARA – S EÇÃO C RIMINAL

Apelação Criminal nº 993.08.037871-1


Comarca: Mairiporã
Apelante: AARL
Apelado: Ministério Público

Voto nº 10.480
Relator

(1) “Quis ignorat maximam illecebram esse peccandi impunitatis spem?” (“Pro
Milone”, 16, 43).
3

– Não se exime da tacha de larápio (e, pois, cai sob


o rigor da lei) o sujeito que, tendo-se enfrascado
em bebidas alcoólicas, entra em propriedade
alheia, subtrai animal (boi), que abate, e da carne
faz churrasco para amigos e vizinhos.
– O argumento da embriaguez não aproveita ao
infrator, exceto se completa e involuntária. A
embriaguez voluntária, dispõe a lei que não elide
a responsabilidade criminal do agente, porque
não lhe exclui a imputabilidade (art. 28, nº II, do
Cód. Penal).
– Ainda que do fato criminoso praticado na calada
da noite não haja outras testemunhas mais que as
estrelas do céu, incensurável é a sentença que,
baseada em confissões extrajudiciais harmônicas
e verossímeis, condena sujeitos acusados de
abigeato, ou furto de gado.
–“A confissão atendível é raio de luz que ilumina de jato
todos os escaninhos dos crimes ocultos, dissipa as
dúvidas, orienta as ulteriores investigações e conforta de
um só passo os escrúpulos do juiz e as preocupações de
justiça dos homens de bem” (Hélio Tornaghi, Curso de
Processo Penal, 1980, vol. I, p. 382).
– Em obséquio ao espírito da lei — que previne
todo prejuízo à jornada normal de trabalho do
condenado (art. 46, § 3º, do Cód. Penal) —, é de
bom exemplo, nos casos urgentes, alterar medida
substitutiva penal aplicada ao réu (prestação de
serviços à comunidade) para duas restritivas
de direitos: interdição temporária de direitos
(proibição de frequentar determinados lugares) e
multa (arts. 44, § 2º, 43, nº V, e 47, nº IV, do Cód.
Penal). Seria desarrazoado, com efeito, obrigá-lo a
prestar serviços gratuitos à comunidade em
detrimento da subsistência própria e da família.
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1. Da r. sentença que proferiu o MM. Juízo de Direito da 1a. Vara


da Comarca de Mairiporã, condenando-o à pena de 2 anos de
reclusão, no regime aberto, e 10 dias-multa, substituída a pena
privativa de liberdade por restritiva de direitos, por infração do art.
155, § 4º, nº IV, do Código Penal, interpôs recurso para este Egrégio
Tribunal, com o escopo de reformá-la, AARL.
Nas razões de recurso, elaboradas por diligente patrono,
afirma que a prova dos autos, precária e insegura, não justificava a
edição do decreto condenatório.
Argumenta, ainda, que o réu praticara o fato em estado de
embriaguez.
Destarte, espera que a colenda Câmara lhe proveja o recurso
para absolvê-lo. Mas, se lhe mantiver o edito condenatório, pleiteia
redução da pena, a seu aviso fixada com demasiado rigor (fls.
331/332).
As razões da Defesa, refutou-as, com bons fundamentos, a
douta Promotoria de Justiça e propugnou o provimento parcial da
apelação (fls. 335/336).
A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em abalizado e
escorreito parecer do Dr. Mário Luiz Sarrubbo, opina pelo
provimento parcial do recurso (fls. 380/384).
É o relatório.

2. Foi o réu chamado a prestar contas à Justiça Criminal porque,


em 23.1.2004, pelas 9h30, na Rua Um (Jardim Paraíso, Terra Preta),
em Mairiporã, obrando em concurso e unidade de propósitos com
Carlos JM e José CM (vulgo “Zé Magrela”), subtraiu para si um animal
bovino, pertencente a Benedita Antonia Romero.
Reza a denúncia que, nas mesmas condições de tempo e lugar,
Carlos JM mantinha sob sua guarda e ocultava arma de fogo de uso
proibido, sem autorização e em desacordo com determinação legal
ou regulamentar.
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Consta dos autos que o réu e seus comparsas entraram na


propriedade da vítima e, após apartar uma das reses do rebanho,
conduziram-na a outro local, onde a abateram, dividindo-lhe a
carne entre si.
Avisada dos fatos, a Polícia empreendeu diligências; ao cabo,
encontrou, na casa dos larápios, parte da “res furtiva”.
Instaurada a persecução criminal, foram os réus condenados
pela r. sentença de fls. 318/323, com a qual não concordou o
apelante, que clama por absolvição.

3. A despeito de seus protestos de inocência, o inconformismo


do réu não procede, “data venia”.
Com efeito, ainda que digno de louvor o empenho de seu
nobre patrono, está cumpridamente demonstrado que fora um dos
autores do furto e subsequente abate do animal descrito na
denúncia.
No claro intento de descaracterizar o ilícito penal que lhe foi
imputado, o réu, ouvido no inquérito e em Juízo, ensaiou versão
escusatória, com dizer que encontrara o animal vagando pela rua, sem
dono, pelo que deliberou levá-lo consigo para o abate (fls. 8 e 110/111).
Tal alegação, porém, não tem visos de verdade, antes argui
imaginação destemperada.
De fato, aquele que não justifica, além de dúvida, a posse de
coisa alheia, entende-se que a adquiriu por meio criminoso.
Como alegou causa escusativa de criminalidade do fato,
afirmando deparara com o animal abandonado, cumpria ao réu
comprová-lo, “ad satiem”, conforme a regra de direito (art. 156 do Cód.
Proc. Penal), sob pena de incorrer na censura de réu confesso.
Vem aqui de molde o magistério da Jurisprudência:
“Em tema de delito patrimonial, a apreensão da coisa subtraída em
poder do réu gera a presunção de sua autoria e, invertendo-se o ônus da
prova, impõe-lhe justificativa inequívoca” (RJTACrimSP, vol. 43,
p. 253; rel. Rulli Júnior).
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Tendo admitido a autoria do furto, a mais prova oral já se


mostrava escusada.
Com efeito, passa por verdade irrefutável a confissão da
autoria do fato em Juízo, pela certeza de que livre de todo o
constrangimento.
Esta é a lição de Hélio Tornaghi, em seu esplêndido livro:
“É sumamente tranquilizador para a consciência do Juiz ouvir dos lábios
do réu uma narrativa convincente do fato criminoso com a declaração
de havê-lo praticado” (Curso de Processo Penal, 1980, vol. I, p. 381).
Do valor da confissão estão repletos os livros de graves
autores. Serve ao intento este passo de José Frederico Marques:
“Para os chamados penalistas práticos, a confissão do acusado se
equiparava à própria coisa julgada, como ensinava Farinácio: Confessio
habet vim rei judicatae” (Estudos de Direito Processual Penal, 1a. ed.,
p. 290).

4. A alegação do réu, a modo de defesa, de que surripiara o


animal porque se achava sob o efeito do álcool, não lhe aproveita.
Com efeito, consoante a sistemática do Código Penal, a
embriaguez, por álcool ou substância análoga, só é causa excludente
de culpabilidade quando completa, involuntária ou proveniente de
caso fortuito ou força maior (art. 28, § 1º, do Cód. Penal).
A lição de Damásio E. de Jesus faz muito ao caso:
“Se o sujeito comete uma infração penal sob efeito de embriaguez,
voluntária ou culposa, não há exclusão da imputabilidade e, por
consequência, não fica excluída a culpabilidade. Ele responde pelo
crime” (Código Penal Anotado, 8a. ed., p. 116).
Em face do que levo expendido, nenhuma outra solução era
compatível com o acervo probatório, exceto a condenação do réu.
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Primário e autor de furto qualificado pelo concurso de


agentes, a pena que a r. sentença impôs ao réu (2 anos de reclusão)
não sofre alteração. Também no substituí-la por pena alternativa
obrou a nobre Magistrada com acerto e bom critério.
Todavia, como observou com grande penetração o insigne
Procurador de Justiça, o cumprimento da jornada de 8 horas
semanais, em contradição com o que preceitua o art. 46, § 3º, do
Código Penal, poderá prejudicar o desempenho da atividade
profissional do réu.
Assim, em obséquio ao espírito da lei — que previne todo
prejuízo à jornada normal de trabalho do condenado (art. 46, § 3º,
do Cód. Penal) —, hei por bem alterar a pena substitutiva do
réu (prestação de serviços à comunidade) para duas restritivas:
interdição temporária de direitos (proibição de frequentar
determinados lugares) e 10 dias-multa, no valor mínimo legal (arts.
44, § 2º, 43, nº V, e 47, nº IV, do Cód. Penal).
Seria desarrazoado, com efeito, obrigá-lo a prestar serviços
gratuitamente à comunidade em detrimento da subsistência própria
e da família (fls. 110 e 117).
Afora esse pouco, mantenho no mais, por seus bons e
jurídicos fundamentos, a r. sentença que proferiu a distinta e culta
Juíza Dra. Carla Zoéga Andreatta Coelho.

5. Pelo exposto, dou provimento parcial ao recurso para alterar a


pena substitutiva do réu — prestação de serviços à comunidade
para duas restritivas de direitos: interdição temporária de direitos
(proibição de frequentar lugares) e 10 dias-multa, no valor mínimo
legal (arts. 44, § 2º, 43, nº V, e 47, nº IV, do Cód. Penal), mantida, no
mais, a r. sentença de Primeiro Grau.

São Paulo, 29 de agosto de 2008


Des. Carlos Biasotti
Relator
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IV. Pena. Coletânea Jurídica

a) Introdução
Nos arrazoados forenses, decisões, sentenças e artigos jurídicos,
aproveita muito ao prestígio da forma literária, no caso de vir a ponto,
a citação de brocardos do Direito e máximas da experiência.
Em verdade, o advogado(2), quando deduz em juízo uma
pretensão, e o juiz(3), ao fundamentar suas sentenças e despachos, não
lhes é defeso cultivar em grau assinalado a arte de bem escrever.
Ora, da petição inicial e dos arrazoados forenses sempre foi
apanágio a clareza e a precisão, que por força pressupõem a ciência e o
domínio dos cabedais da língua; numa palavra: a boa exação
gramatical(4). Outro tanto, em referência às decisões do Poder
Judiciário, que serão fundamentadas, “sob pena de nulidade” (art. 93,
nº IX, da Const. Fed.). Neste particular, a expressão verbal apropriada,
exata e escorreita é a que satisfará ao preceito da lei(5).

(2) Não estranhe a alguém que o advogado, a par da ciência do Direito,


dê a conhecer também invulgares prendas literárias, que isto mesmo
recomendavam os primorosos versos de Antônio Ferreira, poeta e
jurisconsulto português (1528-1569):
“Não fazem dano as musas aos doutores,
antes ajuda a suas letras dão,
e com elas merecem mais favores” (Poemas Lusitanos, 1973, p. 103).
(3) A lição não é menos que de Mário Guimarães, honra e glória da
Magistratura brasileira: “Pode o juiz, se a tanto lhe ajudar o engenho e arte, dar
contorno elegante a cada frase. A elegância não se opõe à simplicidade. Coexistem uma
e outra, e até bem vai que se associem” (O Juiz e a Função Jurisdicional, 1958, p. 360).
(4) “Os fatos e os fundamentos jurídicos do pedido”, rezava o art. 158,
nº III, do Código de Processo Civil (de 1939), serão “expostos com precisão e clareza”.
(5) “Não há bom Direito em linguagem ruim”, afirmou com assaz de razão
Hildebrando Campestrini (Como Redigir Ementas, 1994, p. 40).
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Por fim, escusa lembrar que, nisto de citações, como em tudo o


mais, há mister proceder sempre com peso e medida.

b) Pena: Pecúlio de Máximas, Aforismos e Doutrina Jurídica


1. “Não há pena sem prévia cominação legal” (art. 1º do Cód. Penal).
2. “Poena debet culpae respondere, commensurari delicto”. Deve a pena
corresponder à culpa, medindo-se pelo delito.
3. “Poena praesuponit culpam”. A pena pressupõe a culpa.
4. “Poena non irrogatur, nisi expresse jure caveatur”. Não se impõe pena
sem lei expressa que a decrete.
5. “Poenis benignior fit interpretatio”. Nisto de penas, prevalece a
interpretação mais benigna.
6. “Nemo inauditus damnari potest”. Ninguém pode ser condenado
sem ser ouvido.
7. “Cavendum est ne major poena quam culpa sit” (Cicero, De Off., I, 24).
Cumpre atender a que não seja a pena maior que a culpa.
8. “Confessio spontanea minuit delictum et poenam”. Confissão
espontânea diminui o delito e a pena (cf. art. 65, nº III, letra d,
do Cód. Penal).
9. “Culpa, ubi non est, nec poena esse debet”. Onde não há culpa não
deve haver pena.
10. “Dolus, ubi non adest, non est delictum poena dignun”. Onde não há
dolo, não há delito merecedor de pena.
11. Em princípio, todo castigo é contraproducente (Erasmo de
Roterdã, “De Pueris” — Dos Meninos —, p. 70; trad. Luiz
Feracine).
12. Bater só em caso extremo, mas moderadamente (Idem, ibidem,
p. 80).
13. Não há animal tão manso que não fique furioso ante tratos
imoderados (Idem, ibidem, p. 72).
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14. “Qui parcit virgae odit filium suum; qui autem diligit illum instanter
erudit” (Prov. XIII, 24). Aquele que poupa a vara aborrece seu
filho; mas o que o ama, continuamente o corrige (Bíblia
Sagrada, 1881, t. I, p. 677; trad. Antônio Pereira de Figueiredo).
15. “Quos amo, arguo et castigo. A quem amo, advirto e castigo” (apud Rui
Barbosa, A Imprensa e o Dever da Verdade, 1920, p. 67).
16. “Pena de talião — É uma lei que remonta à Antiguidade mais remota,
pois figura nos livros sagrados. A Bíblia esclarece, no Êxodo, que
ela consiste em infligir, ao autor de uma transgressão, punição
em tudo igual ao crime” (R. Magalhães Júnior, Dicionário de
Provérbios e Curiosidades, 1960, p. 213).
17. “Suprima-se a pena (quod Deus avertat) e o crime seria, talvez, a lei da
maioria” (Nélson Hungria, Comentários ao Código Penal, 1978, vol.
I, t. II, p. 196).
18. Não deve contudo a pena ter caráter só retributivo ou de
expiação pelo mal praticado; há de ser também medida salutar
de defesa social e meio de reeducação do infrator. Na frase
original de Platão, deve ser a medicina da alma (cf. Revista da
Faculdade de Direito de São Paulo, vol. 419, p. 96).
19. A pena deve operar no infrator a finalidade que lhe reconhecia
já o divino Platão: medicina da depravação moral (cf. Górgias, cap.
XXIV).
20. “A pena-retributiva jamais corrigiu alguém” (Nélson Hungria,
Comentários ao Código Penal, 1980, vol. I, t. I, p. 14).
21. A prisão é crime pior que o cometido pelo sentenciado, seja qual for
(Bernard Shaw; apud Ataliba Nogueira, Pena sem Prisão, 1956,
p. 9). O cárcere: “la scuola normale del delitto” (Colajanni; apud
Valdemar César da Silveira, Sentenças Criminais, 1941, p. 79).
22. Além de corretivo do infrator, a pena é cominada e aplicada para
aterrar e afastar do crime os espíritos tendentes ao mal (Filangieri;
apud Fernando Nery, Lições de Direito Criminal, 3a. ed., p. 350).
23. Palavras do magistrado francês Osvaldo Bardot: Consultai o
bom-senso, a equidade, o amor do próximo, antes da autoridade e da
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tradição. A lei se interpreta. Ela dirá o que quiserdes que ela diga. Sem
mudar um til, pode-se, com os mais sólidos considerandos do mundo,
dar a razão a uma parte ou a outra, absolver ou condenar à pena
máxima. Desse modo, que a lei não vos sirva de álibi (apud Jucid
Peixoto do Amaral, Manual do Magistrado, 4a. ed., p. 42).
24. A nímia liberalidade na aplicação do texto legal pode desfechar
em impunidade, mas a moderação em impor penas ao réu
passa por pedra de toque do verdadeiro julgador.
25. A jurisprudência dos Tribunais preconiza que, em se tratando
de réu primário, “a regra é partir da pena-base no grau mínimo”
(cf. Celso Delmanto, Código Penal Comentado, 5a. ed., p. 107).
26. Consequência forçosa do delito, a pena é “o meio de garantia
social de reduzir o criminoso à impossibilidade de prejudicar, ou de
torná-lo inofensivo, tendo como fim principal a segurança pública”
(João Vieira; apud Fernando Nery, Lições de Direito Criminal,
1933, p. 356).
27. Justiça excessiva não é senão injustiça, proclamou com assaz
de razão o eloquente Cícero: “Summum jus, summa injuria” (“De
Officiis, I, 10).
28. É incensurável — porque não apenas legítima e justa, mas
também sábia — a decisão que substitui por prestação
pecuniária (consistente em doação de cesta básica) a prestação
de serviços à comunidade imposta a autor de estelionato que,
trabalhador rural, não a podia cumprir sem notável prejuízo
de suas atividades. Não esqueça aos aplicadores do Direito a
advertência de Anatole France: Se a lei é morta, deve-lhe o Juiz dar
vida.
29. “A pena é força de reserva na defesa da ordem jurídica” (Nélson
Hungria, Comentários ao Código Penal, 1980, vol. VII, p. 182).
30. A exasperação da pena do réu, em caso de crime cometido
contra velho, bem se justifica. A velhice é coisa sagrada;
ofender um velho, na elegante expressão de um escritor, “é
apedrejar uma árvore carregada de frutos” (Alberto Pimentel, Vinte
Anos de Vida Literária, 1908, p. 39).
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31. Advertidamente escreveu o Marquês de Beccaria: Para ser justa,


não deve a pena ter senão o grau de rigor que baste a afastar os homens
da senda do crime (Dos Delitos e das Penas, § XVI).
32. Expressão de equidade e bom aviso, não há que reparar na
sentença que, ao fixar a pena do réu, compensa-lhe os maus
antecedentes com a confissão espontânea. “Aquele que se acusa a
si mesmo escusa acusador, e faz leve o seu delito”, escreveu o clássico
Manuel Bernardes (Nova Floresta, 1711, t. III, p. 259).
33. A pena, para ser justa, há mister do rigor somente que baste a
desviar os homens do caminho do crime: “Perchè una pena sia
giusta, non deve avere che quei soli gradi d’intensione che bastano a
rimuovere gli uomini dai delitti” (Cesare Beccaria, Dei Delitti e delle
Pene, cap. XVI).
34. Comprovada a morte do agente, é força julgar-lhe extinta a
punibilidade (art. 107, nº I, do Cód. Penal e art. 61 do Cód. Proc.
Penal). A morte é o termo natural de todas as coisas. “Mors
omnia solvit”, reza velho aforismo jurídico.
35. “Sendo pessoal a responsabilidade penal, a morte do agente faz com que
o Estado perca o jus puniendi, não se transmitindo a seus herdeiros
qualquer obrigação de natureza penal: mors omnia solvit” (Damásio E.
de Jesus, Código Penal Anotado, 17a. ed., p. 336).
36. Frutos de seu trabalho e, pois, estipêndio do suor, os dias
remidos do preso têm alguma coisa de sagrado, que os guarda
do rigor do Juízo da execução penal. “É inadmissível a perda dos
dias remidos por decisão judicial, em virtude de falta grave cometida pelo
sentenciado” (RJTACrimSP, vol. 39, p. 416).
37. No geral consenso dos doutos, a pena deve medir-se pelo
delito.
38. “Fazer justiça não é, em muitos casos, obedecer à lei e, sim, obedecer ao
direito que é a fonte da lei” (Eliézer Rosa, A Voz da Toga, 1a. ed.,
p. 41).
39. “Não trepidei em mudar de voto, pública e declaradamente, toda vez que
novos argumentos ou provas concludentes me convenceram do desacerto
do veredictum anterior; acima do melindre pessoal de cada um está a
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sacrossanta causa da Justiça” (Carlos Maximiliano, Hermenêutica e


Aplicação do Direito, 16a. ed., p. 377).
40. É apotegma de Direito Penal que o castigo deve responder à
culpa, em igual medida. Suposto mereça todo o infrator a
proteção da lei, não é de bom exemplo dispensar mercês, em
detrimento da ordem social, àqueles que fazem do crime
profissão.
41. Uma vez conspirem todos os requisitos legais para sua
concessão, denegar ao sentenciado o benefício da comutação
de penas fora o mesmo que frustrar, em seu espírito e forma,
o Decreto do Presidente da República e, sobre isso, mentir ao
ideal de justiça.
42. Ao condenado que satisfaz o requisito objetivo (lapso
temporal) é bem se conceda comutação de pena. Pequenas
deficiências de cunho íntimo ou subjetivo, que acaso
apresente, deve supri-las o Juiz com o espírito mesmo que
preside à outorga do benefício do indulto: o nobre e generoso
sentimento de compreensão humana, com que, pelo Natal, o
chefe de Estado sói amercear-se de todo o encarcerado, “o mais
pobre de todos os pobres”, na pungente expressão de Carnelutti
(As Misérias do Processo Penal, 1995, p. 21; trad. José Antonio
Cardinalli).
43. O farol que deve orientar o Juiz na decisão da causa são as
provas dos autos. Se elas não indicam com segurança a culpa
do réu, será força pronunciar o “non liquet” e absolvê-lo.
“Nenhuma presunção, por mais veemente que seja, dará motivo para
imposição de pena” (art. 36 do Código Criminal do Império).
44. A pena, segundo Garófalo, é o remédio para a falta de adaptação do
réu” (apud Fernando Nery, Lições de Direito Criminal, 1933, p. 355).
A punição do infrator, portanto, não é outra coisa que a
legítima reação da ordem social contra o crime.
45. O decurso do tempo apaga a memória do fato punível e a
necessidade do exemplo desaparece (Abel do Vale; apud
Ribeiro Pontes, Código Penal Brasileiro, 8a. ed., p. 154).
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46. Configura “bis in idem”, que importa evitar, a exasperação da


pena do réu pelos maus antecedentes e de igual passo pela
reincidência; é que todo reincidente por força tem maus
antecedentes.
47. “A justiça deve ser equânime; concilie, sempre que for possível, a retidão
com a bondade em toda a acepção da palavra” (Carlos Maximiliano,
Hermenêutica e Aplicação do Direito, 16a. ed., p. 170).
48. “As atenuantes não permitem a redução da pena abaixo do mínimo
previsto na lei para o crime” (Rev. Tribs., vol. 644, p. 379).
49. “Quanto mais o sujeito se aproxima da consumação, menor deve ser a
diminuição da pena (um terço); quanto menos se aproxima da
consumação, maior deve ser a atenuação (dois terços)” (Damásio E. de
Jesus, Código Penal Anotado, 1994, p. 42).
50. “A pena é um mal, não somente para o réu e sua família, senão também,
sob o ponto de vista econômico, para o próprio Estado” (Nélson
Hungria, Comentários ao Código Penal, 1980, vol. VII, p. 173).
51. Não é incompatível a justiça com a indulgência, máxime
quando esta põe a mira na redenção do homem, alma e escopo
de toda pena.
52. De tanto vulto é a circunstância atenuante da menoridade do
agente (art. 65, nº I, do Cód. Penal), que se sobrepõe até mesmo
à reincidência.
53. Se, perante o Magistrado, o réu assumiu francamente sua
culpa, é bem que dele se amerceie a Justiça. Essa, a que se
pudera chamar coragem moral, é digna sempre de galardão, não
só de louvores.
54. Segundo princípio de razão lógica e de justiça, a confissão do
réu, ainda que dela se haja retratado, é circunstância que lhe
assegura, nos termos do art. 65, nº III, alínea d, do Cód. Penal, o
direito ao benefício da redução da pena, sobretudo se a tomou
em conta o Magistrado para fundamentar o decreto
condenatório.
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55. O critério para a redução da pena, em obséquio à tentativa, é o


“iter criminis” percorrido: “quanto mais o sujeito se aproxima da
consumação, menor deve ser a diminuição da pena (1/3)” (cf. Damásio
E. de Jesus, Código Penal Anotado, 5a. ed., p. 42).
56. Tratando-se de réu primário, condenado a pena de curta
duração, não só é legal, mas justa e sábia a decisão que lhe
concede “sursis” e regime prisional aberto (art. 33, § 2º, alínea c,
do Cód. Penal).
57. É razoável a diminuição da pena em 1/3 (e não 2/3), pela
tentativa, se o autor do roubo se adiantou tanto no “iter
criminis”, que pouco faltou para consumá-lo.
58. “Nessa quadra da vida (até aos 21 anos) o crime costuma ser episódio
isolado, para o qual não há necessidade, nem conveniência, de excessivo
rigor” (Basileu Garcia, Instituições de Direito Penal, 1975, vol. I, t. II,
p. 482).
58. A substituição da pena privativa de liberdade por medida
alternativa é providência de efeito salutar, uma vez que, sobre
cooperar na reeducação do infrator, importa benefícios para a
comunidade. Não hesite o Juiz em adotá-la generosamente (art.
44 do Cód. Penal).
59. Prêmio de sinceridade, tem direito a especial redução da pena
o réu que, espontaneamente, confessa perante a autoridade
pública o crime que cometeu (art. 65, nº III, alínea d, do Cód.
Penal).
60. À luz da lógica jurídica e por princípio de justiça, a escorreita
exegese do art. 126 da Lei de Execução Penal deve compreender
também, no conceito de trabalho, a atividade escolar do preso,
por sua transcendental importância como fator de promoção
humana e poderoso instrumento de reforma de vida e
costumes. Destarte, comprovando que frequentou aulas em
curso patrocinado pelo sistema penitenciário, tem jus o
condenado à remição de penas, na proporção de um dia para
cada 12 horas de efetiva atividade escolar.
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61. Se “o estudo é a luz da vida” — conforme entendem e proclamam


os pedagogos —, como pretender, sem injúria da razão, que o
trabalho intelectual represente um “minus” em respeito do
trabalho físico?! Falou avisadamente quem disse: “Abrir escolas é
fechar cadeias”; daqui se mostra bem a suma importância que o
convívio escolar tem na formação do caráter do indivíduo.
62. Comprovada a precária situação financeira do réu, será bem
lhe faculte a Justiça o pagamento parcelado da pena de
prestação pecuniária, na conformidade de precedente
judiciário (cf. STJ; HC nº 17.583-MS; rel. Min. José Arnaldo da
Fonseca; DJU 4.2.2001, p. 439).
63. O argumento da pena longa não é poderoso a obstar a
concessão de livramento condicional ao sentenciado, se já
cumpriu dela a metade (necessariamente longa). Tampouco lhe
serve de empecilho à obtenção do benefício o registro de falta
grave (fuga) se, ao depois, revelou, por largo espaço de tempo,
exemplar conduta carcerária e notável dedicação ao trabalho,
sinais inequívocos de emenda e ressocialização.
64. A fuga — “incoercível revolta do instinto”, na lapidar expressão de
Rui (Discursos e Conferências, 1907, p. 101) — não é, por si só,
razão impeditiva de concessão de livramento condicional ao
sentenciado, visto configura anseio de liberdade inerente ao
homem.
65. “Ao mesmo Demônio se deve fazer justiça, quando ele a tiver” (Antônio
Vieira, Sermões, 1959, t. III, p. 329).
66. Vinte séculos nada puderam contra o esplendor da verdade
destas palavras de Cícero: “Summum jus, summa injuria” (De
Officiis, I, 10), que, em nosso vulgar, respondem assim: Justiça
excessiva o mesmo é que injustiça.
67. Ainda que se possa computar, na pena privativa de liberdade,
“o tempo de prisão provisória” (art. 42 do Cód. Penal), não é
admissível dele deduzir o lapso temporal referente a outro
processo a que o réu tenha respondido.
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68. Nos casos de insignificante lesão ao bem jurídico protegido e


mínimo o grau de censurabilidade da conduta do agente, pode
o Magistrado, com prudente arbítrio, deixar de aplicar-lhe
pena. É que, nas ações humanas, o Direito Penal somente deve
intervir como providência “ultima ratio”.
69. Passa por iniquidade manter preso, enquanto lhe tramita o
processo, réu que poderá, no caso de condenação, ter
cumprido já a máxima parte de sua pena. Ao demais, ninguém
ignora que o cárcere é o pior lugar do mundo antes do
cemitério, tendo-lhe Dostoiévski chamado, com propriedade,
“casa dos mortos”.
70. “A pena, em nosso sistema, não representa vindita ou castigo, mas
instrumento de defesa da sociedade (…)” (Rev. Forense, vol. 130,
p. 532; rel. Min. Sampaio Costa).
71. Aos Magistrados não esqueçam nunca as sublimes palavras de
Rui Barbosa: “Não estejais com os que agravam o rigor das leis, para se
acreditar com o nome de austeros e ilibados. Porque não há nada menos
nobre e aplausível que agenciar uma reputação malignamente obtida em
prejuízo da verdadeira inteligência dos textos legais” (Oração aos Moços,
1a. ed., p. 43).
72. “Amparando os mais fracos, não fazemos favor, senão justiça”
(Teodomiro Dias; apud Odilon da Costa Manso, Letras Jurídicas,
1971, p. 111).
73. “Deve o juiz usar a lógica do jurista, que é, precisamente, a lógica do
razoável e do humano” (Goffredo Telles Jr., A Folha Dobrada, 1999,
p. 162).
74. Toda a condenação penal, ainda se trate de acusado de
abominável vida pretérita, somente pode ser decretada em face
de prova plena e cabal de sua culpabilidade.
75. Segundo a comum opinião dos doutores, o benefício da
redução da pena (art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06) defere-se
apenas ao traficante esporádico ou eventual, jamais ao que se
associa para a prática do tráfico ilícito de drogas, porque é em
especial contra este que se levanta o braço implacável da Lei.
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76. O Ministério Público, segundo princípio consagrado, é o


guardião da lei e o fiscal de sua execução (art. 257 do Cód. Proc.
Penal). Sua intervenção nos incidentes de execução de sentença
traduz, pois, dever institucional. Há casos, no entanto, em que
ao Magistrado, sem fazer tábua rasa das atribuições do
Ministério Público, é lícito proceder de modo que atenda, com
superior exação, ao preceito da rapidez e eficiência na
prestação jurisdicional. A restrição da liberdade do indivíduo,
ainda quando necessária, é sempre causa de sofrimento e
angústia e, portanto, um mal considerável. Difícil coisa é unir a
dor à paciência: ao que padece repugna esperar. Donde o haver
proclamado um alto espírito: “Não há maior tormento no mundo
que o esperar” (Pe. Antônio Vieira, Sermões, 1959, t. V, p. 210). Por
amor da cessação do constrangimento, pode o Juiz (se é que
o não deva) abreviar, com prudente arbítrio, nos ritos
procedimentais, fórmulas que se lhe afigurem escusadas. Não
lhe esqueça a grave exortação de Rui: “Justiça atrasada não é
justiça, senão injustiça qualificada e manifesta” (Oração aos Moços, 1a.
ed., p. 42).
77. Se primário o réu e cometida a infração penal sem violência
nem ameaça à pessoa, é obra de louvável política criminal
substituir-lhe pela pena restritiva de direito a privativa de
liberdade não superior a 4 anos (art. 44 do Cód. Penal).
78. A “mens legis” da subsituição da pena corporal por restritiva de
direitos é impedir que réus condenados a pena de curta
duração, por delitos praticados sem violência nem ameaça à
pessoa, sejam submetidos ao rigor do cárcere, que não reeduca
nem recupera, senão que perverte e despersonaliza o infrator
(art. 44 do Cód. Penal). “A promiscuidade engendra maus caracteres.
É grande o influxo de nocividade que sofrem os condenados primários
nas prisões. Por isso, é precisa a frase de Mirabeau: O amontoamento
de homens, como o de maçãs, gera a podridão” (Hoeppner Dutra, O
Furto e o Roubo, 1955, p. 163).
79. A doutrina comum e a jurisprudência dos Tribunais têm
professado o entendimento de que, se a não cumprir o réu, a
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pena restritiva de direitos converte-se em privativa de


liberdade pelo tempo da pena original (cf. Damásio E. de Jesus,
Lei dos Juizados Especiais Criminais Anotada, 4a. ed., p. 85; Julio
Fabbrini Mirabete, Juizados Especiais Criminais, 2a. ed., p. 133;
Rev. Tribs., vol. 755, p. 674, etc.). A conversão da pena restritiva
de direitos em privativa de liberdade é providência legítima,
demais de pedagógica e salutar, pois traduz sanção do direito
pela inadimplência de obrigação contraída perante a Justiça
(art. 181, § 1º, alínea c, da Lei de Execução Penal).
80. O sistema vicariante, ou das penas substitutivas, adotado pelo
Código Penal, pressupõe, além dos requisitos objetivos,
méritos pessoais do sentenciado (art. 44, nº III).
81. Desde que preenchidos os requisitos legais, pode o Magistrado
conceder ao réu “sursis”, em vez de substituir-lhe a pena
restritiva de direitos por prestação pecuniária, de caráter não
raro mais gravoso (art. 77 do Cód. Penal).
82. Incensurável se mostra a sentença que, havendo consideração
aos graves malefícios da prisão e às circunstâncias pessoais do
réu — alcoólatra condenado por furto simples —, defere-lhe
“sursis”, embora reincidente. Trata-se de solução heroica,
verdadeira “ultima ratio”, por evitar a ruína física e moral de
infrator ainda jovem. Ao aplicá-la, deve o Juiz atender ao fim
social da lei, e isto com a lógica do razoável.
83. Tratando-se de condenada com filho de tenra idade, faculta a
lei e recomenda o princípio da dignidade humana cumpra sua
pena, ainda que reincidente, sob o regime de prisão-albergue
domiciliar (art. 117, nº III, da Lei de Execução Penal). Até entre as
espécies inferiores passa por nociva (e ainda perversa) a
segregação precoce da cria. Tal benefício, entendem graves
autores, é concedido mais em favor da criança, pela
necessidade que tem do amparo materno.
84. É superior a toda a crítica a sentença que, atendendo à natureza
da infração penal (furto qualificado) e aos notórios malefícios
do regime recluso, faculta ao réu, embora reincidente, cumpra
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sua pena de curta duração no regime aberto. Cabe ressaltar


que o próprio Nélson Hungria, “Pontifex Maximus” do Direito
Penal pátrio, não teve mão em si que não verberasse a pena-
-castigo: “A pena-retributiva jamais corrigiu alguém” (Comentários ao
Código Penal, 1980, vol. I, t. I, p. 14).
85. Se primário o réu e de pequeno valor a coisa receptada — a
que se equipara a ausência de prejuízo —, é de razão lhe
conceda o Juiz o privilégio do art. 180, § 5º, “in fine”, do Código
Penal, com aplicação de multa somente, por atenuar e prevenir
empecilhos à vida futura, que toda a pena corporal sói
deslustrar.
86. O sujeito que, por motivo fútil e sob o efeito do álcool, ofende
a integridade física da mulher com socos e pontapés, não
oferece apenas eloquente exemplo da miserável condição a que
a bebida pode reduzir o homem, confinando-o com a
animalidade bruta, senão ainda é réu de crime, pois incorre na
sanção do Direito Penal. Ao agressor da companheira, que se
arrepende do ato ignóbil que praticou e torna à vida em
comum, não é despropositado conceda a Justiça o benefício do
“sursis”, se não por merecê-lo, ao menos como oportunidade de
expiar sua falta grave e reeducar-se para o convívio social,
debaixo do imprescindível respeito, notadamente para com as
pessoas de sua obrigação.
87. Incorre nas penas da lei (art. 302 do Cód. Trânsito) o motorista
que, imprudente, por dirigir embriagado seu veículo, e em
velocidade excessiva, perde-lhe o controle e arremete-o contra
obstáculo, causando a morte de passageiro. (De tão grave, sua
culpa como que argui dolo eventual).
88. Há casos em que o Magistrado que dá de mão aos ápices da Lei
e rejeita queixa-crime argui não somente abalizada ciência do
Direito, senão alto grau de sabedoria. É que o Estado, como
escreveu o primeiro de nossos penalistas, “só deve recorrer à
pena quando a conservação da ordem jurídica não se possa obter com
outros meios de reação” (Nélson Hungria, Comentários ao Código
Penal, 1978, vol. I, t. I, p. 19). Ainda que simples infortúnio, o
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recebimento da queixa-crime que não atende aos cânones


processuais representa mal insigne para o indivíduo porque,
atingindo-lhe o “status dignitatis”, é sempre fonte e ocasião de
prejuízos imensos, muita vez irrecuperáveis.
89. Incorre nas penas do art. 306 do Código de Trânsito o sujeito que
conduz veículo automotor de forma anormal, sob a influência
do álcool, nada importando a taxa de alcoolemia (cf. Damásio
E. de Jesus, Crimes de Trânsito, 1998, p. 152). É jurisprudência
consagrada nos Tribunais que, em se tratando de motorista
profissional, repugna, por amor da necessidade que tem de
prover à subsistência, impor-lhe a pena restritiva de direitos
consistente na suspensão de habilitação para dirigir veículo
automotor (art. 293 do Cód. Trânsito).
90. Não desacredita a Justiça nem recomenda mal o Juiz substituir
a pena privativa de liberdade de autor de furto mínimo, ainda
que reincidente, por restritiva de direitos, socialmente
recomendável (art. 44, § 3º, do Cód. Penal).
91. Em obséquio ao espírito da lei — que previne todo prejuízo à
jornada normal de trabalho do condenado (art. 46, § 3º, do
Cód. Penal) —, é de bom exemplo, nos casos urgentes, alterar
medida substitutiva penal aplicada ao réu (prestação de
serviços à comunidade) para duas restritivas de direitos:
interdição temporária de direitos (proibição de frequentar
determinados lugares) e multa (arts. 44, § 2º, 43, nº V, e 47, nº IV,
do Cód. Penal). Seria desarrazoado, com efeito, obrigá-lo a
prestar serviços gratuitos à comunidade em detrimento da
subsistência própria e da família.
92. Aplicado inconsideradamente, o princípio da insignificância
representa violação grave da lei, que manda punir o infrator;
destarte, subtrair a seu rigor o culpado, sem relevante razão de
direito, fora escarnecer da Justiça, que dispensa a cada um o
que merece. Em verdade, conforme aquilo de Alberto Oliva,
“todo homem deve saber do fundo de seu coração o que é certo e o que
é errado” (apud Ricardo Dip e Volney Corrêa de Moraes, Crime e
Castigo, 2002, p. 3).
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93. Incorre nas penas da lei (art. 342, § 1º, do Cód. Penal) a
testemunha que, ao depor em processo-crime, falta com a
verdade acerca de fato juridicamente relevante, com o intuito
de favorecer o réu. A mentira não pode ter entrada no templo
da Justiça! Se exerce ocupação lícita e tem filhos menores,
a mulher condenada por falso testemunho, ainda que
reincidente, faz jus à substituição de sua pena privativa de
liberdade por restritivas de direitos, medida socialmente
recomendável (art. 44, §§ 2º e 3º, do Cód. Penal).
94. De presente, já não é lícito ao Juiz dar ao art. 127 da Lei de
Execução Penal outra interpretação que a literal restrita, por
força da Súmula Vinculante nº 9, editada pelo Supremo Tribunal
Federal, que mandou inscrever entre os dogmas jurídicos a
perda, para o condenado “que for punido por falta grave”, do
direito ao tempo remido pelo trabalho.
95. Embora inaptos para configurar a agravante da reincidência
(art. 64, nº I, do Cód. Penal), condenações pretéritas do sujeito
sempre lhe caracterizam maus antecedentes, que o cálculo da
pena-base não pode relegar à sombra. Com efeito, não há ficar
indiferente o julgador ao passado de crimes do indivíduo,
quando lhe examina o perfil moral. Enfim, somos o que
fomos!
96. Mais que meras conjecturas acerca da culpabilidade do
acusado, são necessárias, para sua condenação, provas tão
claras como a luz meridiana: “probationes luce meridiana clariores”
(cf. Giovanni Brichetti, L’Evidenza nel Diritto Processuale Penale,
1950, p. 111).
97. Não cabe censura à decisão do Magistrado que, forte no poder
discricionário que lhe confere a lei, aplica a usuário de drogas a
pena de prestação de serviços à comunidade, em vez de
advertência (art. 28, ns. I e II, da Lei nº 11.343/06). Tal medida
não tem somente caráter retributivo, próprio de toda a pena,
mas atende ao fim precípuo de recuperar o viciado, com
espertar-lhe na consciência o sentido pleno da vida e
fortalecer-lhe a vontade para que evite os malefícios das
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drogas. Ao mesmo tempo que o afasta da ociosidade, mãe de


todos os vícios, a prestação de serviços à comunidade enseja
ao usuário ou dependente de drogas as condições de que
necessita para reintegrar-se no convívio social, pois o trabalho
é o melhor fator de promoção humana.
98. Incorre nas penas de tentativa de latrocínio o agente que, ao
praticar roubo, efetua disparos de arma de fogo contra a
vítima, com evidente “animus necandi” (arts. 157, § 3º, 2a. parte, e
14, nº II, do Cód. Penal).
99. Em ponto de crime continuado, não deve o Juiz reduzir demasiado
seu alcance, tornando-lhe impossível o reconhecimento; antes
lhe importa, de par com a preocupação de ordem jurídica e
social, atender ao fim do instituto, convém a saber, evitar o
exagero punitivo sob o influxo da equidade, pois meta do
Direito Penal é também a recuperação do infrator. “O réu tem
direito ao crime continuado, agindo ou não com unidade de desígnio,
pois essa foi a vontade do legislador” (Guilherme de Souza Nucci,
Código Penal Comentado, 2000, p. 216).
100. De toda a sanção é pressuposto a culpa. “Condenar um possível
delinquente é condenar um possível inocente” (Nélson Hungria,
Comentários ao Código Penal, 1981, vol. V, p. 65).

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