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José Ferreira - Ano Letivo 2017/2018

Direito Processual Civil III (Processo Executivo) - Aulas Práticas (Vale e Reis)

Aula 1 - 27/02/18

Vamos falar só de direito processual executivo. Uma matéria um bocadinho árida e difícil.

Qual a importância social desta disciplina? Todo o professor acha que a cadeira que ensina é a mais importante do
mundo. Aqui, em bom rigor, basta olhar para a realidade, não é necessárias grandes teorias. Desde logo a comunicação
social (jornais, TV’s) - as ações/processos de dívida (ação executiva para pagamento de quantia certa). Quando se
fala do mau funcionamento da justiça portuguesa, fala-se do processo penal, e muitas vezes é devido aos processos
executivos (que entopem os tribunais - “dos 1,6 milhões de processos pendentes nos tribunais, 1,1 milhões são de
dívidas” - notícia do jornal Público de 01 de Março de 2011). Está aqui em causa ações executivas.

1. E temos menos tribunais que tínhamos em 2010 (eram assustadores estes números) - fez-se magia para a Troika ficar mais
satisfeita (determinar a extinção de processos por decreto, o legislador fez uma alteração ao CPC ainda antes da reforma de
2013, dizendo que se não encontrarem bens penhoráveis no prazo de 6 meses extingue-se a ação executiva, podendo esta
renascer se entretanto se encontrarem bens; houve menos pendência judiciária, apesar de haver menos dinheiro no bolso e menos
emprego, supostamente haveria mais ações de dívida). Mas mesmo assim, continua a ser um número avassalador. Pior fica a
questão quando se sabe que são ações de dívidas de pequena quantia cujos exequentes são grandes empresas (ex.: não pagou a
fatura da TV). A praga das ações executivas assume atualmente uma gravidade bem superior àquela que anteriormente
representou a dos cheques sem cobertura.

2. O que aconteceu em 2014 em, Portugal, de fenómeno social, para dar entrada tantas ações em tribunal (mais de 1 milhão vs os
milhares normais) e dar origem a tantas ações findas? Entrou em vigor uma reorganização do mapa/Sistema Judiciário (os
processos tiveram de dar entrada noutro tribunal, e a maioria dos processos surgiram no sistema como se fosse a primeira vez que
deram entrada no tribunal) - a magia do decreto.

Na justiça, como em outras áreas, acontece uma coisa que os ingleses designaram por princípio/efeito cobra -

quando a Índia ! era parte do território britânico, a coroa decidiu que havia demasiadas cobras; assim por decreto

designaram que quem matar uma cobra e a entregar no serviço administrativo x, recebe uma quantia y; depois o
governo britânico foi apreciar a aplicação do decreto, e as cobras não diminuíram apesar de estarem a pagar balúrdios
às pessoas, uma vez que começaram os indianos a criar cobras e as matar para as entregar nos serviços. Explica as
situações em que uma aparente solução para o problema não só não a resolve, como ainda propicia novos
problemas. O que tem a ver com a justiça? Veja-se o exemplo dos julgados de paz (que foram criadas por magia para
resolverem os litígios mais pequenos) - funcionaram os primeiros 5 anos muito bem, mas depois ficaram iguais aos
outras tribunais. Quando abrimos novos tribunais, essa oferta gera procura, e em pouco tempo já não vamos ter
resposta minimamente eficiente para dar a esse problema que queríamos resolver. Na ação executiva, é difícil
resolver o problema por decreto (pelas soluções magicas de criar mais tribunais, de especializar mais juizes, “dêem cá a
cobra que damos o dinheiro”).

Programa da disciplina:

1 - Conceito, natureza, fins e tipos de ação executiva;

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2 - Princípios fundamentais;
3 - Pressupostos da ação executiva;
3.1 - Título executivo;
3.2 - Certeza, exequibilidade e liquidez da obrigação exequenda
4 - Tipos e formas de Processo Executivo;
5 - Marcha do processo executivo comum para pagamento de quantia certa;
5.1 - Penhora1 ;
5.2 - Embargos de Terceiro;
5.3 - Venda executiva;
6 - Execução para entrega de coisa certa;
7 - Execução para prestação de facto.

Bibliografia:

• REMÉDIO MARQUES:

• Curso de Processo Executivo Comum à face do código revisto, Coimbra, Almedina, 2000 - para as partes teóricas iniciais,
melhoria;

• Ação Declarativa à luz do código revisto, 3ª Edição, Coimbra Editora, 2009 - menos importante, só algumas paginas que o Dr
costumava recomendar ler.

• LEBRE DE FREITAS - manual principal. Quase 100% atualizado, mas o legislador mexeu no código com a Lei do Orçamento de Estado
para 2018 (em matéria de penhora de vencimentos).

Aula 2 - 06/03/18

Caso Prático nº1

Em Janeiro de 2017, a sociedade Cópia Rápida, Lda. solicitou à sociedade Máquinas Maravilhosas, S.A. o fornecimento
de duas fotocopiadoras a laser, cujo preço global era de €40.000. A sociedade Cópia Rápida, Lda. não pagou os
equipamentos no prazo acordado.

Em face desse incumprimento, a sociedade Máquinas Maravilhosas, S.A. apresentou um requerimento de injunção no
Balcão Nacional de Injunções, pedindo o pagamento da referida quantia, acrescida dos juros de mora legais. Na
sequência da oposição apresentada, foi o processo apresentado à distribuição.

Na semana passada, foi proferida sentença em 1ª instância, julgando totalmente procedente a ação. Na data de hoje, a
sociedade Cópia Rápida, Lda. ainda não procedeu ao pagamento.

1 Uma coisa diz-se penhorada quando se trata de penhora, e empenhada quando se trata de penhor.

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1. A sociedade Máquinas Maravilhosas, S.A. pretende iniciar uma ação executiva. Que tipo de ação executiva seria
admissível neste caso?

Vamos depois ver se está verificado o pressuposto que nos mais interessa aqui (o do título executivo), mais à frente
veremos outros pressupostos (eles são cumulativos). Aqui seria admissível uma ação de execução para pagamento de
quantia certa - não é uma ação executiva especial (como a ação executiva para alimentos), também não se trata de
uma ação de execução para entrega de coisa certa (as máquinas são o objeto mediato da ação, mas aqui já foram
entregues), e muito menos de uma ação executiva para prestação de facto (positivo ou negativo). Vamos ver se estão
reunidos os pressupostos, principalmente se há titulo executivo.

Este caso vai-nos permitir falar dos tipos de ação executiva e do mare magnum que são os títulos executivos.

2. Imagine que havia sido interposto recurso da decisão da 1ª instância. Tem a sociedade Máquinas Maravilhosas, S.A.
ao seu dispor um título executivo?

Mais complicada esta questão. Há título executivo? Sim. Mas as sentenças de condenação em regra são título
executivo? Ou temos de dar uma voltinha aí? Ainda não transitou em julgado. Mas será que o trânsito em julgado da
sentença é uma condição obrigatória para que essa sentença possa valer como título executivo? Vamos ver.

3. A resposta seria a mesma em caso de extinção da instância na sequência de transação?

É uma das causas anormais de extinção da instância (3º ano). Uma ação declarativa pode terminar com uma sentença
de mérito (nosso caso), mas muitas vezes no dia do julgamento (mais do que na audiência prévia), o que acontece na
vida prática é que os advogados vão conversar com o juiz, muitas vezes no seu gabinete, e este pergunta srs. doutores
não há possibilidade de acordo, não há entendimento? Fazemos uma transação? E muitas vezes a transação é ditada
ali, pelas partes com a ajuda do juiz (comunidade de trabalho), está lá o funcionário judicial também. A transação é um
contrato típico e nominado (tem nomen iuris e tem uma regulamentação mínima no CCiv.).

Aconteceu há pouco num caso do futebol " ⚽ - o que aconteceu àquela ação entre SLB e o treinador de futebol Jorge Jesus num

juízo de trabalho de Lisboa. Houve transação, cedências recíprocas e o processo terminou. O juiz declara extinta a instância.

Coloca-se aqui a questão de saber se a transação pode valer como título executivo - a transação apenas diz que as
partes chegaram a acordo quanto ao objeto do litígio, mas a dívida pode continuar por saldar (ela não se extingue por
decreto, porque a sentença diz condene-se o réu a pagar). Havendo acordo, ainda que com a veste do tribunal é
preciso saber se o dinheiro sai da conta do A para a conta do B. E se isso não acontecer, se a dívida não for paga, o
advogado do credor tem um título executivo?

4. Imagine agora que o Tribunal da Relação apenas condenava a ré ao pagamento da quantia de €30.500. Tal juízo
poderia interferir numa eventual execução em curso?

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Pensemos no princípio do pedido - é sempre possível o tribunal condenar em quantidade inferior (mas já não superior
sob pena de nulidade da sentença nessa parte que condena em excesso), embora haja certas teorias (saber se em
certas situações ainda está a condenar em coisa diversa ou em quantidade inferior).

Resolução:

1 - A ação executiva é muito importante porque a atividade do juiz não se esgota na hetero-composição dos litígios (na
composição dos litígios por outrem, que é o terceiro imparcial - o juiz). A atividade do juiz nessa medida é muito
importante mas não pára aí, e não raras as vezes é preciso reparar efetivamente o direito violado - é preciso mexer
o mundo, porque a sentença da ação declarativa pode ser muito bonita mas muitas vezes não altera a realidade
pode ser preciso mudar o mundo, e esta nem sempre o faz. MIGUEL MESQUITA dá a seguinte imagem - a ação
declarativa é a balança e a ação executiva é a espada da justiça; a ação declarativa equilibra ou desequilibra a favor de
uma das partes, mas depois é preciso uma lâmina no mundo a fazer coisas. Ora essa parte agressiva no mundo real
cabe à ação executiva. Já uma sentença que diz que o direito foi violado e que tem direito a essa reparação, mas é
preciso reparar efetivamente o direito violado (art. 10º CPC).

Vejamos o art. 10º CPC. Já o ano passado passámos lá para ver as espécies de ações consonante o seu fim (temos
ações declarativas ou executivas, as declarativas podem ser de simples apreciação, de condenação ou constitutivas), e
no nº4 temos as ações executivas - “aquelas em que o credor requer as providencias adequadas à realização
coativa de uma obrigação que lhe é devida” - há sempre um credor de alguma coisa, há sempre uma relação
obrigacional na ação executiva, e pode ser uma obrigação de pagar, de dare ou de facere/non facere. Nos nº4 a 6
temos a nossa matéria praticamente toda resumida -

Os nº5 e 6 também são muito importantes (mas não precisavam de estar no CPC, têm uma função pedagógica). Toda a
ação executiva tem por base - não há ação executiva sem titulo, que vai determinar o fim e os limites da ação
executiva. No nosso caso, o título é uma sentença. Qual o limite da nossa execução? Os €40.000. A execução pode
ter por finalidade o pagamento de quantia certa, entrega de coisa certa e prestação de facto positivo ou
negativo.

Assim, como resposta ao caso, pode a ré como credora utilizar uma ação executiva - o art. 10º CPC prevê a
possibilidade de o credor para lograr/conseguir a realização coativa da prestação que está em falta, e tendo em conta
que está em causa o pagamento de uma quantia certa, esta ação executiva só poderia ser uma ação executiva para
pagamento de quantia certa (nº6).

2 - Tem já a ver com o título executivo (a matéria teórica está bem explicada no livro). 3 ideias teóricas que nos ajudam
a compreender certos aspetos práticos:

1. O titulo executivo, como vimos, e até pela letra da lei, define o tipo de ação executiva que se pode recorrer (ex.:
se na sentença condenatória se obrigasse a fazer algo, a ação executiva seria a de prestação de facto positiva)

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2. Mas é mais do que isso - é um pressuposto processual formal específico da ação executiva (art. 10º/5 CPC).
Todos os pressupostos que estudámos na ação declarativa valem aqui (competência, legitimidade, personalidade
judiciária, capacidade judiciaria, interesse em agir). Mas para além destes, há pressupostos específicos que se têm
de verificar só aqui na ação executiva, e o primeiro é o título executivo. O outro é a certeza, exigibilidade e liquidez
da obrigação exequenda (que vamos executar na ação executiva).

3. Por fim, diz-se que a realização coativa da prestação pressupõe o acertamento no que respeita à obrigação
exequenda e este deve resultar do título - introduzida pelos processualistas italianos. Vamos perceber melhor
quando falarmos da certeza, exigibilidade e liquidez. Exs:

1 - Eu tenho um título executivo que me diz que eu tenho de entregar mármore, tenho uma empresa de mármore e contratualmente
vinculei-me a entregar mármore, mas não ficou escolhido o mármore - será o da categoria a, b ou c -, e o credor desta obrigação de
entregar uma coisa, inicia uma ação executiva mas não terá grande sucesso quando ainda nem se escolheu o tipo de mármore que o
devedor tem de entregar, e está obrigação de entregar uma coisa ainda não está verdadeiramente acertada; ainda não temos
verdadeiramente definida o objeto da prestação).

2 - À partida, uma dívida que não está vencida não se deve executar, tem de haver pelo menos qualquer coisa previamente para se
poder avançar com uma execução. Se tinha um prazo para pagar a dívida, ainda não há acertamento da obrigação.

Para avançarmos na ação executiva porque vamos utilizar a espada, temos de ter a certeza do que estamos a fazer,
temos de ter a certeza de que prestação vamos realizar coativamente, brandindo a espada, porque é demasiado
gravoso. E a lógica do processo é a de que só avançamos para essa fase guerreira dos tribunais (que mais lesa,
legitimamente, os direitos individuais dos visados/administrados) se tivermos uma certeza muito forte de que estamos a
fazer correto e que tudo está acertado.

Que títulos executivos é que temos? Vale um princípio da taxatividade, art. 703º CPC (só são estes e mais nenhum).
VALE E REIS diz mais ou menos, porque temos uma alínea que abre a porta a títulos que não estão aqui diretamente e
expressamente previstos. “1 - À execução apenas podem servir de base:

• a) As sentenças condenatórias. Não se diz aqui sentenças constitutivas, e a lei também não diz de condenação, diz condenatórias
(a nuance é importante - uma sentença que decreta um divórcio ou uma sentença que resolve um contrato por incumprimento, são
sentenças proferidas numa ação declarativa constitutiva, são ações constitutivas com efeito destrutivo, no Brasil falam em ações
declarativas desconstitutivas, não precisam de execução porque os efeitos da sentença não precisam de nenhuma espada para se
imporem no mundo do direito, não é preciso mais nenhum ato - o contrato fica mesmo resolvido, os cônjuges ficam mesmo
separados por decisão do juiz; não se falou de sentenças de condenação porque uma ação declarativas constitutivas pode ter aqui
uma parte condenatória, uns pozinhos de condenação, p. ex., em custas; quanto à parte constitutiva da sentença não acontece mais
nada, mas quanto à parte condenatória da sentença pode ser necessário um título executivo, e assim abrange mais este termo; até
podem abranger sentenças proferidas num processo penal, na parte em que condenem no pagamento de uma quantia). Não se usou
esse termo para não se ser tão restrito quanto o âmbito das ações declarativas de condenação, há outras sentenças que podem dar
lugar a uma execução porque contêm uma execução, embora elas intrinsecamente não sejam sentenças proferidas numa ação
declarativa de condenação. É mais lato.

• b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para
tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação.

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• c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem
do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo;

• d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva”. Esta alínea é a do nosso caso prático.

Esta alínea d) de facto aumenta o número de títulos executivos - títulos são só estes, mas depois há outros aí
espalhados. Aqui temos a porta aberta para outros títulos executivos espalhados pela legislação. Podemos ter títulos
executivos em leis avulsas:

1. Nomeadamente o requerimento de injunção com fórmula executória. É mesmo uma fórmula mágica, pozinhos
de perlimpimpim - alguém que olha para o documento e diz “pozinhos de perlimpimpim, tens força executória”.

2. Também cabe aqui a ata da assembleia de condóminos.

O requerimento de injunção com fórmula executória (...).

Foi proferida uma sentença de uma ação declarativa de condenação proferida pela 1ª Instância, mas o advogado da ré
achou-se injustiçado e interpôs recurso para o Tribunal da Relação. No nosso caso, não tendo a sentença transitado em
julgado, há título executivo? Não, mas a ação executiva pode prosseguir - art. 704º CPC, tem de se tratar de uma
sentença suscetível de recurso ordinário ou de reclamação, transitada em julgado (não pode ser impugnada por via de
recurso ordinário nem de reclamação para o próprio juiz que proferiu a sentença), mas a não ser que se possa interpor
recurso com efeito meramente devolutivo que é hoje a regra.

Vamos ver: o recurso de uma sentença ou acórdão2 tem um de dois efeitos:

1. Efeito suspensivo - o efeito suspensivo significa que a decisão proferida e impugnada por via do recurso
nem sequer provisoriamente pode ser executada, nem sequer provisoriamente produz os seus efeitos. Fica
congelada.

2. Efeito meramente devolutivo (regra) - significa que a decisão proferida, e impugnada por via do recurso, pode ser
provisoriamente executada, pode provisoriamente produzir os seus efeitos.

É nesta medida que uma sentença proferida em 1ª instância, que á partida não seria um título executivo, pode dar
origem a uma ação executiva provisória. Podem chegar-se a vender-se bens, isso não é grave? A lei tem mecanismos
de salvaguarda, nunca se pode pagar nada ao credor sem este prestar caução (o credor sabe que quando tem
uma sentença que ainda não transitou em julgado, vai mover uma ação executiva não vai longe, que não resolver
definitivamente o problema enquanto não vier o acórdão definitivo/decisivo).

Vamos ver agora os seguintes exemplos:

2 A sentença é proferida por um só juiz, o acórdão é proferido por 3 juizes; antigamente no processo civil havia acórdãos logo na 1ª instância, ao haver processos julgado em
tribunal coletivo, isso acabou mas no processo penal ainda existem.

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1. Temos uma sentença da 1ª instancia que condenava o réu a pagar €15.000. Atendendo ao valor é possível recorrer
à Relação mas já não ao STJ (por força do valor da alçada). Entretanto, enquanto o réu recorre, porque o efeito era
meramente devolutivo, o credor (autor da ação) inicia a tal execução provisória da sentença. Quando for proferido o
acórdão da Relação (decisão definitiva), que diz que o réu só terá de pagar 5.000€, a execução provisória vai
modificar-se em conformidade (baixa o valor o acórdão da relação e o tribunal corrige o valor da execução, não se
extingue).

2. Temos uma sentença da 1ª instancia que condenava o réu a pagar €15.000. Mais uma vez é iniciada uma execução
provisória. Quando foi proferido o acórdão da Relação (decisão definitiva), absolve o réu, e assim a execução
provisória com base nesta decisão definitiva vai extinguir-se.

3. O problema está nas decisões intermédias. A regra é a do duplo grau de jurisdição - tenho direito à minha causa
ser apreciada em 2 recursos. E o que acontece nas decisões intermédias? Temos aqui o nosso caso prático. Temos
a decisão da 1ª instância, essa sentença foi impugnada em sede de recurso, mas foi iniciada a execução provisória,
e veio o Tribunal da Relação com uma decisão intermédia (que não a decisão final), e depois a decisão final
proferida pelo STJ. Em que medida uma decisão intermédia interfere ou não com a execução provisória? Tudo vai
depender do efeito atribuído ao recurso dessa decisão (como ela não é a última decisão, ela pode ou não ser
“congelada”). As decisões intermédias (Tribunal da Relação) interferem ou não com a execução provisória em
curso, consoante o efeito atribuído ao recurso delas interposto - se esse recurso tiver efeito suspensivo a
execução continua nos exatos termos, se esse recurso tiver efeito meramente devolutivo a execução
provisória modifica-se (o réu deve mais/menos) ou suspende-se (acórdão absolutório) em conformidade. Se
tiver efeito suspensivo, é como se nem sequer houvesse o acórdão da Relação; se tiver efeito meramente
devolutivo, o acórdão da Relação vai vingar provisoriamente sobre a sentença da 1ª instância, e aquela
execução tem de se adaptar ao novo acórdão (porque não ficou congelado) - quando vier o acórdão da
Relação a execução já não é provisória, é definitiva e há-de ser executado até ao fim de acordo com o valor que o
STJ (?) determinar. Parece que se suspende quando o efeito é meramente devolutivo (e não quando é suspensivo),
mas no efeito suspensivo aquilo que se congela é a decisão acabada de proferir que eventualmente poderia
interferir com a decisão. Suspensivo significa que vamos congelar, e se congelamos a decisão impugnada ela não
vai interferir minimamente com a execução (nem suspendendo, nem modificando); agora se tiver efeito meramente
devolutivo, ela vai vingar provisoriamente, interferindo com a execução (suspendendo-a ou modificando-a) - MARIA
OLINDA GARCIA. Basicamente eu tenho aqui um acórdão diferente da sentença que estou a executar
provisoriamente, vou dar mais valor ao acórdão ou vou continuar a executar a sentença? É diferente executar
€30.000 ou €30.500. E só vou responder a esta pergunta sabendo qual é o efeito atribuído ao recurso. É só ler a
lei.

No nosso caso prático, temos como título executivo uma sentença proferida numa ação declarativa de execução. Mas a
a dada altura aparece uma história em que se fala de uma injunção. A injunção é uma matéria muito prática, e teremos
logo contacto com esta matéria. Tem uma relevância elevadíssima para a ação executiva, e é aliás a injunção é um
drama social - a grande maioria das pessoas na sala tem um amigo ou familiar que já se deparou com uma notificação
do BNI (Balcão Nacional de Injunções), e muitas vezes o leigo não sabe bem o que é - o colocar na gaveta ou o gato
comer o papel, no caso da injuncao é grave (pode trazer complicações à pessoa, fazer gastar mais dinheiro do que o
que gastaria reagindo prontamente) -, e isto porque a injunção é utilizada pela esmagadora maioria dos fornecedores

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(telecomunicações, energia, compras a prestações). Obviamente que a injunção tem um âmbito de aplicação
larguíssimo, mas é geralmente usada para pequenas dívidas.

A finalidade do requerimento de injunção é a de o credor obter um título executivo rapidamente, mais rápido do
que com uma sentença. No caso, não se diz que se trata de um requerimento de injunção com a tal fórmula
executória, porque a dada altura houve um volte-face e houve a distribuição (foi o processo apresentado a distribuição) -
não houve requerimento de injunção com fórmula executória, pois houve oposição. O credor, quando inicia o
requerimento de injunção, está na expectativa de que não há oposição à dívida (o devedor não contesta a
dívida) e isso sim faz nascer o título executivo rapidamente, porque se houver oposição já não tem grande vantagem
pois aquele requerimento de execução não será título executivo nunca.

Está regulada no DL nº 269/98 e alterações posteriores. Uma das alterações muito significativas foi a de 2003, por força
do direito comunitário. Por força do DUE, este procedimento de injunção teve um alargamento enormíssmo por força
das dívidas comerciais:

• Obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000 e obrigações emergentes de
transações comerciais abrangidas pelo DL 32/2003 de 17 de Fevereiro (independentemente do valor da divida -
entre as empresas a UE diz não há limite, podem ser milhões);

• Tramitação no Balcão Nacional de Injunções que funciona como secretaria judicial autonomizada (competência
exclusiva), com sede no Porto - Portaria nº 220-A/2008 de 4 de Março.

• Tem uma causa de pedir, porque isto pode dar lugar a uma ação. Tem de se explicar um bocadinho a história. Se der
lugar a ação declarativa, o Sr. Juiz pede ao requerente-autor para apresentar uma petição inicial (tinha lá pouco
espaço para escrever), à luz do princípio da gestão processual (precisa de mais factos).

Portanto a injunção só chega a título executivo em certas situações. A injunção só dá lugar a título executivo, quando o
caminho é encurtado (só aqui é que as coisas correm bem para o credor). Vamos ver o esquema da injunção;

1. Foi apresentada injunção no BNI, por via electrónica (nem tem de enviar por correio), nem é necessária a
constituição de advogado. Pode haver frustração da notificação (não se conseguiu notificar o requerido, o
devedor):

- Aquele requerimento vai ser distribuído para uma ação declarativa, e vai-se tentar citar o requerido (aí já como
réu);

- Ou então é devolvido à procedência (se o credor/requerente não tiver requerido a distribuição). Pode não
querer ir a tribunal, e dá-se essa opção. É uma cruzinha que se preenche no requerimento;

2. Pode haver oposição:

- Ação declarativa.

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3. Pode não haver oposição:

- Constará no documento “este documento tem força executiva”. Se não houver as tais palavras, a injunção era
um mero papel sem qualquer outra consequência.

Trata-se no nosso caso de um título executivo baseado numa sentença proferida numa ação declarativa de condenação
(não se trata de um requerimento de injunção com fórmula executória). Está em causa o cumprimento de uma
obrigação pecuniária cujo montante está acertado, é uma execução para pagamento de quantia certa.

3 - E se houvesse extinção da instância por transação? As partes tinham chegado a acordo no tribunal, e queriam pôr
termo ao litígio. A transação é uma das causas anormais de extinção da instância. É um acordo/contrato que está
regulado no CCiv., pelo qual as partes previnem um litígio (pode ocorrer antes da entrada da ação no tribunal, mas o
mais normal é a transação ocorrer já com a ação proposta e a contestação apresentada no tribunal) e as partes fazem
recíprocas concessões (cede um bocadinho aqui, cede um bocadinho ali).

Se uma transação é um título executivo? Não, a transação em si não é um título executivo. Este é ainda uma
decisão judicial, uma sentença condenatória, porque esse acordo tem de ser homologado pelo juiz. Carece de
homologação judicial, e o título executivo é essa sentença homologatória do acordo das partes. Entra na alínea
das sentenças condenatórias.

Qual a razão de ser? Porque obrigatoriamente o juiz tem de verificar a legalidade do acordo - podemos estar
perante uma ação relativa a direitos indisponíveis, ou no limite pode-se ter violado uma qualquer norma legal imperativa.
Há uma certa ideia de que, iniciado o processo, este não é totalmente das partes - o juiz controla certos atos como os
da desistência, o acordo das partes, e fá-lo através dessa sentença homologatória. Aliás, o juiz na sentença
homologatória diz que considera válida a transação apresentada, e diz a lei que tem de acrescentar que condena as
partes a cumpri-lo nos seus exatos termos.

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Aula 3 - 13/03/18

Temos de ver outros títulos executivos.

• Alínea b) documentos elaborados autênticos ou autenticados, por notário ou por outras entidades que
importem a constituição/o reconhecimento de qualquer obrigação - escritura pública (documento que o próprio
notário vai exarar), testamento público (mas aqui uma advertência - não para a transmissão dos bens por via
sucessória, não é necessário ser título executivo pois esse efeito translativo decorre da lei, é título executivo na
medida em que o testador nele constituiu ou reconhece a favor de outrem/terceiro uma obrigação). Cabe aqui também
o documento particular autenticado (quem escreve a escritura pública é o notário - “eu, fulano tal, notário com cartório
na rua tal, declaro que compareceu nesta data perante mim fulano e cicrano” -, enquanto o documento particular
autenticado é, em primeiro lugar, um documento elaborado pelas partes/pela parte/advogado da parte, pode até ser
um documento unilateral, como um contrato de arrendamento, e é preciso que intervenha uma outra autoridade com
competência legal, a entidade certificadora - advogado/notário/solicitador - que vai exarar outro documento que
certifica que compareceram diante de si estas pessoas com este documento, e confere que a vontade das partes
corresponde ao que está no documento), e desde 2008 serve para transmitir ou constituir direitos reais (naquilo que
constitui um regime muito excecional mesmo em níveis mundiais, não era assim antes de 2008 e não é assim na
esmagadora maioria dos países do mundo - no Brasil, onde só há um regime excecional para certos imóveis de de
pequeno valor, em Espanha, Itália - é essa a tradição latina e anglo-saxónica que tem a figura do deed -, mas não é
assim na Escandinávia onde pode haver documento particular).

• Alínea c) títulos de créditos, ainda que meros quirógrafos - títulos de crédito são cheques, letras, livranças
(regime próprio da LULL e da Lei Uniforme dos Cheques) 3. No âmbito do direito comercial, qual foi a grande invenção
do título de crédito? o titulo de credito foi inventado pelos juristas para responder à necessidade de dar celeridade ao
comércio jurídico, sobretudo na área comercial (ex.: A vende a B uma mota, por €5.000 e o comprador passa um
cheque; quando o vendedor vai ao Banco depositar o cheque, este não lhe vai perguntar qual é a vossa relação
causal, tem ali uma ordem e se há dinheiro paga e ponto final, ninguém está a perguntar se o negócio subjacente tem
vícios ou não). Mas para que este documento funcione como título de crédito, tem de se respeitar as regras - o
cheque, p. ex., tem de ser apresentado ao pagamento no prazo de 8 dias; o prazo de prescrição da obrigação cartolar
para que o cheque possa valer como título crédito, essa obrigação que é independente da relação causal, prescreve
no prazo de 6 meses (não prescreve a dívida). Posso ter um cheque que é um título de crédito, e muito bem ele é
título executivo; mas se por qualquer motivo já não estiverem cumpridos os requisitos (já não pode valer como título
de crédito) da LUC, o que tenho nas mãos? É um título de crédito que vale como mero quirógrafo. Um documento

3 Títulos de Crédito no Brasil:

• LETRA DE CÂMBIO - é uma ordem de pagamento.

• NOTA PROMISSÓRIA - teve suas origens nos romanos e desenvolveu-se através dos gregos que tinham os chirographos, que eram uma casta especial, pois sabiam ler e
escrever (o que não era comum na época) e tinham a permissão de emitir as notas promissórias - eram simples obrigações de dívidas formuladas por escrito.

• CHEQUE - teve suas origens na Idade Média.

• DUPLICATA - é especialíssima para o Direito brasileiro, pois é criação própria e surge com o art. 219º do Código Comercial brasileiro.

• Existem outros títulos de crédito: os títulos de crédito chamados impróprios, entre eles o warrant, o conhecimento de frete, ações, debêntures, etc.

http://www.ebah.pt/content/ABAAABJjoAH/titulos-credito-ii-44

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quirógrafo significa um documento particular assinado pelo punho do autor/devedor (título de crédito ainda que
assinado pelo devedor). Mas quando se fala na expressão mero quer dizer que significa menos que algo - o credor
tem de alegar/contar a relação subjacente/causal (a história) que está por detrás daquele cheque, porque ele já não
pode valer como título de crédito (o tal regime que dispensa a alegação dos factos constitutivos da relação subjacente/
causal). Esta alínea c) antes da reforma do CPC de 2013 era muito diferente, foi um ponto muito mexido - antes,
qualquer documento particular assinado pelo devedor, sem reconhecimento de assinaturas, valia como título executivo
(podemos fazer aqui um título executivo na sala - como um reconhecimento/confissão de dívida). A lógica do
legislador foi apertar a malha do que é um título executivo - mas isso criou um outro problema, o que acontece aos
documentos particulares assinados pelo devedor com data anterior a 01 Setembro de 2013? Valem como título
executivo? Podem hoje dar início a uma ação executiva? (ex.: no dia 15 de Agosto de 2013, alguém vai ter com João
a pedir dinheiro, este empresta mas pede ao devedor para assinar uma confissão de dívida, que vale como título
executivo; entrou em vigor o novo CPC a 01 de Setembro de 2013, e o advogado do João estava de férias no Algarve
e não se apercebeu de que a alínea c) já não permite este título executivo; a dívida não foi paga e João foi bater à
porta do advogado, e já não chega para intentar ação executiva - temos de intentar uma ação declarativa, e depois
uma executiva se ele não cumprir. O legislador podia ter dito que, num período de 2 anos, os títulos executivos com
data anterior podiam dar lugar a ações executivas (uma norma transitória). Mas não existe - é uma norma genérica,
que se aplica a todos os processos iniciados após 01 de Setembro de 2013. E havia outro problema - ações
pendentes com base em títulos executivos, e essas ações puderam tramitar. Houve vários juizes que disseram que
não. Argumentos:

- A favor da validade dos meros quirógrafos como títulos executivos:

a) Certeza e segurança jurídica, e da proteção da confiança dos cidadãos - a lei dizia que eu tinha um
título executivo, confiei nisso, sou um cidadão normal medianamente informado e não vou a correr a
ler o que está a ser aprovado pela AR (porque se soubesse ia logo a correr ter com o advogado, para
que intentasse a ação rapidamente). Um jurista técnico, esse sim, para não ser apanhado nas curvas,
está sempre atento ao DR, mas mesmo estes só em relação a certas matérias que estão a ser
discutidas em Parlamento. Ler os DR é pedir demais.

- Contra a validade dos meros quirógrafos como títulos executivos:

a) O legislador terá querido apertar a malha daquilo que são títulos executivos, e estaríamos assim a
defraudar a sua intenção;

b) Aplica-se a lei processual vigente no momento em que se intenta a ação;

c) Se vamos abrir a porta a que esses títulos sejam possíveis, vão começar a escrever hoje, em 2018,
títulos com data de 2013 (porque a data põe-se a que quiser, e um credor aflito pode ser tentado na
retrodatação)

• Veja-se o Acórdão TC nº 408/2015, que foi sensível ao argumento da proteção da confiança dos cidadãos - não
era exigível ao cidadão comum contar com aquela alteração legislativa, e que portanto impediu de

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internar a ação executiva depois de Setembro de 2013 (é demasiado gravoso). “O art. 703º conjugado com o
art. 6º/3 Lei 41/2013 de 26 de Julho não pode ser interpretado no sentido de afastar a força executiva, dos
documentos particulares assinados pelo devedor que a tinham antes da entrada em vigor do novo código. Está
em causa o princípio da confiança que sairia violado, na medida que não era exigível ao credor contar com a
alteração legislativa.”. Daqui decorre que os quirógrafos anteriores a Setembro de 2013 continuam a ter
força executiva.

• E os títulos falsos? Os documentos de 2018 assinados com data de 2013. Há mecanismos do direito para
resolver isto - direito penal (falsificação de documentos é crime), na ação executiva (é possível alegar a falsidade
do título. Depois é uma questão de prova - mesmo que haja casos em que não se consiga provar (o credor não
confessa), o direito não dá resposta a tudo, nem toda a criminalidade é investigada nem dá origem a sanções,
nem todos os danos causados a terceiros são indemnizados. Mas esse risco não suplanta o prejuízo que seria
impedir as pessoas de intentar ações executivas quando confiavam que a podiam intentar.

• Alínea d) documentos a que por disposição especial, seja atribuídas força executiva - é a norma caldeirão, que
abrange outros títulos judiciais espalhados pela lei. É o caso dos títulos judiciais impróprios (ou parajudiciais), que são
formados no decurso de um processo, mas que não resultam verdadeiramente de uma decisão judicial que resolve o
litígio/conflito de interesses, que aprecia o mérito do litígio (não é pela intervenção do ius imperii do juiz ao resolver um
conflito de interesses). Exemplos:

• O requerimento de injunção com fórmula executória, que se forma no âmbito de um processo parajudicial;

• A petição inicial com força executiva (art. 2º do Anexo ao DL 269/98, de 1 de Setembro) - aquele diploma que
regula a injunção, regula também a AECOPEC (ação especial para o cumprimento de obrigações pecuniárias
emergentes de um contrato) - o credor que tenha uma dívida emergente de um contrato cujo valor não €15.000,
ou lança mão de uma injunção ou lança mão e uma AECOPEC. Se acha que o devedor não vai apresentar
oposição, deve lançar uma injunção; mas se estiver na dúvida se vai ou não contestar mais vale avançar com
uma AECOPEC, e aqui 2 coisas podem acontecer - se é oferecida contestação o juiz lá dará a sua sentença no
fim, caso contrário, à semelhança do que acontecia com a injunção em que o secretário do BNI a acrescentava lá
as palavras mágicas, o juiz pega na petição inicial feita pelo advogado e confere força executiva à petição (porque
não houve contestação) não tendo de elaborar uma sentença. Se o secretário do BNI já o podia fazer, porque não
o juiz que até é mais que ele? Divergência doutrinal entre Lebre de Freitas e Remédio Marques, e há argumentos
para ambos os lados:

1. LEBRE DE FREITAS acha que ainda assim estamos perante uma sentença condenatória e não uma sentença
parajudicial, é uma sentença condenatória (art. 703º/a) CPC). A letra da lei parece que aponta no sentido de se
tratar de uma sentença condenatória, quando a lei diz ali “(...) com o valor de decisão condenatória”.

2. REMÉDIO MARQUES entende que não, estamos perante um título judicial impróprio, parajudicial. O juiz ali não
está a resolver o mérito da causa, não está propriamente a resolver um conflito de interesses, tem uma função
meramente administrativa dizer “olhe tá bem não contestou, tem força executiva” como faz o secretário judicial
no BNI.

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• A ata de reunião da assembleia de condóminos (assembleia de condemónios - os vizinhos estão todos


diabolizados uns com os outros). Tem tem este poder muito importante de poder funcionar como título executivo
para se penhorarem os bens do condómino devedor (não precisa de intentar uma ação declarativa). Até nem
pode ser preciso um advogado, art. 6º/1 DL 268/94 de 2 de Outubro. Há várias opiniões jurisprudenciais
relativamente a muitas coisas aqui (orais de melhoria) - se tem de efetivamente estar assinada pelo condómino
devedor, e agora a corrente maioritária até já contradiz o que está ali escrito (não é preciso, basta que tenha sido
regularmente convocada a assembleia, e notificado o devedor); se tem de ser ata que fixa as quantias a pagar
pelos condóminos em conjunto com a ata que determina o quantitativo em dívida, ou se basta a primeira.

Isto é relevante, porque depois o tipo de título executivo tem diferença na própria tramitação da ação executiva. Com
relevo prático.

Caso Prático nº2

António, com negligência grosseira, causou infiltrações no apartamento da sua vizinha Micaela, tendo sido condenado
pelo tribunal a:

• Pagar à autora as obras de reparação na sua fracção em consequência das ditas infiltrações, avaliadas no montante
de €15.000;

• Pagar à autora o valor de quatro pares de sapatos “Louboutin”, dois blazers “Prada” e dois pares de calças “Dior”, “no
montante que vier a ser liquidado”.

Micaela, perante o incumprimento de António, pretende iniciar de imediato uma ação executiva com base na sentença
transitada em julgado, liquidando, nessa sede, o valor das quantias devidas por António. Quid iuris?

Resolução:

Temos uma quantia já fixa, depois uma quantia a roupas aparentemente caras. Este valor é preciso definir para iniciar
uma ação executiva? Posso iniciar uma ação executiva sem ter este montante liquidado? Este caso prático tem a ver
com a certeza, exigibilidade e liquidez da obrigação exequenda - do ponto de vista da certeza está tudo certo (ele tem
de prestar dinheiro, a qualidade da prestação), mas do ponto de vista da quantidade põe-se um problema. Diz a lei
neste art. 713º CPC que a execução principia pelas diligências, a requerer pelo exequente, destinadas a tornar a
obrigação certa, exigível e líquida, se o não for em face do título executivo - não vamos avançar para a ação
executiva sem ter este problema resolvido.

1. Certeza - diz respeito à natureza qualitativa daquilo que se tem de prestar. O que é que tem de ser prestado? Qual a
qualidade/natureza daquilo que tem de ser prestado? É certa a obrigação cuja prestação se encontra
qualitativamente determinada (ainda que esteja por liquidar ou individualizar). Não é certa aquela em que a

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determinação ou escolha da prestação entre uma pluralidade está por fazer (art. 400º CCiv.). Temos como exemplos
de obrigações cuja prestação está incerta temos as obrigações alternativas (art. 543º CCiv.) ou as obrigações
genéricas de espécie indeterminada (art. 539º CCiv.) 4. O problema destas obrigações incertas é a escolha - quem é
que escolhe a prestação que vai ser realizada? Aqui várias hipóteses se colocam (pode ser o devedor, o credor ou
um terceiro), e mais estamos no domínio da autonomia privada, vale o que as partes quiserem (podem até dizer que
é o Papa que escolhe a prestação, e depois vamos ver o que a lei diz se o terceiro não escolher) desde que não
violem normas imperativas. As normas supletivas indicam que a escolha em princípio cabe ao devedor (arts. 539º e
543º CCiv.). E na ação executiva o que diz o direito processual? Arts. 714º e 724º/1/h) CPC - se a escolha cabe ao
credor, este deve fazê-la no requerimento executivo (peça que inicia a ação executiva); se a escolha cabe ao
devedor, quando ele é citado para se opor à execução, ele tem o ónus de, no mesmo prazo, escolher a prestação;
se a escolha cabe a um terceiro, ele é notificado/chamado à ação executiva para fazer a escolha no prazo que for
fixado. E se o devedor e o terceiro não dão cumprimento ao ónus? A lei tem uma solução, devolve-se a escolha ao
credor (para resolver o impasse, senão era fácil não haver ação executiva). No nosso caso já está determinada.

2. Exigibilidade - a prestação é exigível quando a obrigação se encontra vencida ou o seu vencimento


depende, de acordo com estipulação expressa ou com a norma geral supletiva do art. 777º/1 CCiv., de
simples interpelação do devedor. Trocando por miúdos, todas as obrigações vencidas são exigíveis, o problema é
que o conceito de exigibilidade é mais amplo - tenho obrigações que ainda não estão vencidas, e já são exigíveis, já
posso avançar com a ação executiva. Quais? São as obrigações puras - são aquelas relativamente às quais as
partes não fixaram prazo para o cumprimento (ex.: A deve a B €100.000 an trepar sem prazo, quando for pedido o
dinheiro), e se vencem com uma simples interpelação ao devedor (quando a obrigação for pedida), p. ex. uma
cartinha. A obrigação já era exigível e passou a estar vencida com a interpelação do devedor. Neste tipo de
obrigações que não têm prazo para cumprimento, eu posso iniciar a ação executiva sem ter interpelado
extrajudicialmente o devedor, claro. O que funciona como interpelação ao devedor? A citação para a ação executiva.
Há um problema, algo de certa forma estranho que o credor pudesse interpelar o credor extrajudicialmente, e
utilizando a mão da justiça para fazer algo que poderia fazer com uma simples carta - neste caso, o credor tem de
pagar as custas do processo. A exigibilidade é mais amplo que vencimento e não é o mesmo que este conceito (há
obrigações não vencidas que já são exigíveis).

• E ainda podemos complicar mais, podemos dizer que numa obrigação vencida não há mora do devedor (ex.: tinha
de se pagar até ao dia 28 de Fevereiro, passou e a obrigação não foi paga - está vencida mas não há mora do
devedor) - porquê? Porque pode haver mora do credor, pode ter de realizar atos de cobrança do crédito, e a mora
do credor afasta a mora do devedor.

• Não são exigíveis:

1. Obrigação de prazo certo, e este ainda não decorreu (art. 779º CCiv.);

4 Exs.:

1. O Sr. A comprometeu-se a entregar 2 toneladas de mármore que pode ser da categoria a, b ou c (alguém decidirá depois) - é uma obrigação genérica de espécie indeterminada.
A prestação está definida quanto ao género (mármore) mas não quanto à espécie dele. É uma obrigação incerta, tem muita escolha de mármore.

2. O Sr. A obrigou-se formalmente a construir uma casa até ao final do ano, ou assim não sendo pagando a quantia de €100.000. Isto é uma obrigação alternativa, e termos uma
prestação incerta - pode ser para entregar dinheiro, pode ser para construir uma morada.

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2. Obrigação de prazo incerto e a fixar pelo tribunal (art. 777º/2 CCiv.);

3. Obrigação sujeita a condição suspensiva, que ainda não se verificou (arts. 270º CCiv. e 715º/1 CPC) -
a condição suspensiva é a cláusula acessória típica nos termos da qual os efeitos do negócio jurídico ficam
na dependência de um acontecimento futuro e incerto (ex.: eu dou-te o quadro se o Benfica for campeão).
Enquanto não se verifica a condição, os efeitos do negócio jurídico não se produzem, e a prestação não
pode ser exigível

4. Em caso de sinalágma, o credor não satisfez a contraprestação (art. 428º CCiv. e 715º/1 CPC) -
prestações para ambas as partes sem prazo diferente para a realização de cada uma delas (ex.: celebro
um contrato com o jardineiro para vir arranjar o jardim, e dou x, mas não se estipularam prazos diferentes
para a realização das prestações - pode dizer “eu não vou cortar a relva enquanto não me deres o
dinheiro”), enquanto nçao for realizada uma prestação a outra não é exigível.

• Quanto em causa está uma obrigação pura, pode, não obstante, ser instaurada uma ação executiva. No presente
caso, não há um problema de certeza e não há um problema de exigibilidade. De facto, o problema situa-se ao nível
da liquidez da obrigação. Neste sentido, importa perceber o que é a liquidez.

Aula 4 - 03/04/18

3. Liquidez - a obrigação é, nestes termos, ilíquida quando tem por objeto uma prestação cujo quantitativo não
está ainda apurado. A contrario, a obrigação é líquida quando o quantitativo da prestação está apurado. Ora, no
caso concreto, parte da prestação está determinada, contudo outra parte não está determinada. E, a esse propósito,
revela-se pertinente questionar se isso é possível. De facto, é possível porquanto o CPC permite que sejam feitos
pedidos genéricos [esta expressão não é, porém, a mais pertinente, uma vez que, em bom rigor, se deveria dizer
“pedido ilíquido” (é disso que se trata)], e isso é frequente em ações de responsabilidade civil extracontratual
(designadamente nos domínios de acidentes de viação e responsabilidade médica). Aliás, o próprio art. 569º CCiv.
dá abertura para a formulação desses pedidos, a par dos arts. 557º e 559º CPC. Com efeito, quando o advogado
utiliza esta possibilidade legal de formular um pedido genérico/ilíquido, dará origem à existência de uma condenação
genérica/ilíquida (art. 609º/2 CPC, “o tribunal condenará no que vier a ser liquidado”). Por conseguinte, em face do
exposto, aquilo que sucedeu no caso concreto é perfeitamente admissível. Assim se chega ao problema da
(i)liquidez de uma obrigação exequenda prevista numa sentença - como fazer a liquidação da obrigação
exequenda? A esse propósito, ter-se-á que distinguir se o título executivo é uma sentença condenatória ou,
diferentemente, é qualquer outro título diverso de sentença condenatória. Ainda, poder-se-á ter uma obrigação
ilíquida, podendo essa falta de liquidez da obrigação ser difícil ou fácil de resolver (veja-se, a obrigação pode ser
uma obrigação de pagar 100.000 rublos à taxa de câmbio oficial do dia X, estando a mesma prevista numa escritura
pública - esta é uma obrigação ilíquida porquanto têm que ser feitos cálculos para se chegar ao montante em €
devido ao credor, no entanto esses cálculos não são difíceis de fazer com base nos dados indicados; neste caso, a
liquidação depende tão-só de cálculo aritmético; todavia, no caso concreto, os cálculos aritméticos não são
suficientes). Desta forma, se o título executivo for uma sentença condenatória:

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1. Se a liquidação depende de simples cálculo aritmético, art. 716º/1 CPC. Aqui, o credor exequente deverá indicar
o montante já líquido no requerimento executivo (se as contas forem mal feitas, haverá sempre contraditório).

2. Se a liquidação não depende de simples cálculo aritmético, art. 358º ss. CPC. Aqui, a norma insere-se no
âmbito dos “incidentes da instância”, estando em causa um incidente de liquidação. Assim, há um conjunto de
normas no CPC que trata de obrigações ilíquidas, nestes termos. Portanto, nestes casos, a liquidação não pode, por
imperativo legal, ser feita na própria ação executiva. Deste modo, ter-se-á que voltar à ação declarativa - renovando
a instância -, “abrindo” o incidente de liquidação. É certo que isto vai contra a celeridade processual, no entanto é
necessário que assim seja, uma vez que em causa está uma situação em que houve condenação (designadamente
por razões de celeridade processual), no entanto sem que o objeto dessa mesma sentença estivesse certo. Tudo
isto porque em causa está uma sentença como título executivo, não devendo a sentença ser completada na ação
executiva. E compreenda-se que o incidente de liquidação será sempre feito na 1ª instância. Por fim, note-se que
isto é frequente em casos, p. ex., de acidentes de viação, em que, muitas vezes, os danos se verificam tão-apenas
mais tarde (e, desde logo, tem que ser assegurado o contraditório, uma vez que esse dano pode não advir daquele
facto ilícito típico em juízo).

• Se o título executivo for diverso de sentença condenatória:

1. Se a liquidação depende de simples cálculo aritmético - art. 716º/1 CPC;

2. Se a liquidação não depende de simples cálculo aritmético -art. 716º/4 CPC.

Note-se que precedentemente não era assim, porquanto a liquidação que dependia de simples cálculo aritmético
também era feita através daquela via - incidente de liquidação. Contudo, fácil é constatar que isso provocava uma
morosidade excessiva e, diga-se, desnecessária. Certo é que, tanto antigamente como atualmente, não pode haver
liquidação na ação executiva de obrigações cuja liquidação não dependa de simples cálculo aritmético; diversamente,
quando a liquidação dependa de simples cálculo aritmético poder-se-á já proceder à liquidação na própria ação
executiva.

Caso Prático nº3

O Banco DINHEIRO FÁCIL, com sede em Lisboa, obteve a condenação de Bernardo, que tinha como seu único
herdeiro o seu filho Roberto, ambos residentes em Coimbra, no Juízo central cível de Coimbra. Bernardo foi condenado
a pagar a quantia de 60.000€ [capital e juros] ao referido Banco, por falta de cumprimento de um contrato de mútuo
celebrado entre as partes. Bernardo faleceu já depois do trânsito em julgado da sentença.

Com base na referida decisão judicial, o Banco quer instaurar acção executiva contra Roberto, no referido Juízo central
cível de Coimbra, sendo que o requerimento executivo foi subscrito e enviado por via eletrónica por um advogado
estagiário.

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Aprecie os pressupostos processuais da competência interna5 , legitimidade processual e patrocínio judiciário; sua
verificação; consequências da falta de verificação.

Resolução:

Nestes casos práticos, invariavelmente, é colocado uma nota de rodapé quanto à competência da comarca que nos
ajuda. Temos de recordar o que estudamos em OJ - Lei nº 62/2013 de 26 de agosto, na redação da Lei n.º 40-A/2016
de 22 de dezembro (a LOSJ).

Tribunais de 1ª instância

1. Tribunais de competência territorial alargada (competência especializada), art. 83º LOSJ:

1. Tribunal da propriedade intelectual

2. Tribunal da concorrência, regulação e supervisão;

3. Tribunal marítimo;

4. Tribunal de execução de penas;

5. Tribunal central de instrução criminal.

2. Existem 23 tribunais de comarca. Interessa-nos saber que os tribunais de comarca estão desdobrados em juízos,
art. 81º/3 LOSJ:

1. Juízos de competência especializada.

1. Juízos centrais cíveis;

2. Juízos locais cíveis;

3. Juízos centrais criminais;

4. Juízos de comercio;

5. Juízos de execução;

6. Juízos de família e menores;

5 Raramente saem casos com competência internacional, nos exames.

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7. etc.

• Os que nos vão interessar essencialmente são os juízos de execução quando existam.

2. Juízos de competência genérica;

3. Juízos de proximidade.

• A Competência dos tribunais judiciais para a ação executiva (por ordem):

1. Competência material geral dos tribunais judiciais para a ação executiva - ver se são competentes os
tribunais judiciais ou administrativos e fiscais).

2. Competência em razão da hierarquia;

3. Competência em razão do território;

4. Competência da razão da matéria (dentro dos tribunais judiciais) para a concreta ação executiva - ver se
existem juízos especializados competentes;

5. Competência internacional.

Análise dos critérios de competência:

1. Competência material geral dos tribunais judiciais para a ação executiva (aqui compara-se a competência dos
tribunais judiciais com, p. ex., a competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais. Em causa está, portanto, a
competência material entre ordens jurisdicionais). Há dois critérios complementares neste domínio, um duplo
critério - um critério de atribuição positiva e um critério de competência residual.

1. Com efeito, nos termos do 1º critério, cabem na competência dos tribunais judiciais todas as ações
executivas baseadas na não realização de uma prestação que é devida segundo as normas do
Direito Privado.

2. Diferentemente, nos termos do 2º critério, cabem na competência dos tribunais judiciais todas as
ações executivas que não caibam no âmbito da competência atribuída aos tribunais de outra ordem
jurisdicional.

• Antes existiam muitas ações executivas a tramitar em tribunais judiciais relativas a empreitadas públicas, matéria de
direito administrativo, e isto porque não cabia na competência dos tribunais administrativos e fiscais (cabia por isso
mesmo na competência residual dos tribunais judiciais).

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2. Competência em razão da hierarquia - os tribunais superiores - Relação e STJ - não têm competência executiva.
Deste modo, tão-só os tribunais de 1ª instância têm competência executiva (art. 86º CPC). Significa isto que é
sempre o tribunal de 1ª instância a tramitar a ação executiva, ainda que o título executivo seja um acórdão da
Relação ou do STJ. E mesmo nos casos excecionais, em que os tribunais superiores funcionam como tribunais de
1ª instância, havendo lugar a execução, ela tem que ser tramitada num tribunal de 1ª instância.

3. Competência em razão do território - aqui, pretende determinar-se, dentre as 23 Comarcas, qual a


competente in concreto. Com efeito, se o título for uma decisão judicial (sentença condenatória), o
requerimento executivo é apresentado no próprio processo em que a sentença foi proferida, correndo a
execução nos próprios autos (art. 85º/1 CPC). Portanto, aqui a Comarca é a do tribunal que decidiu executar.
Contudo, pode haver nessa Comarca um juízo de execução, caso em que o legislador não quer que a
execução corra nos próprios autos, querendo que a execução seja tramitada no juízo de execução (art. 85º/2
CPC) - vale o princípio de que o tribunal onde só são feitas execuções, fará a execução de melhor forma. A este
propósito, refira-se que o próprio advogado, cumprindo todos os requisitos, neste último caso, pode apresentar o
requerimento executivo no juízo de execução (o princípio da economia processual vai justamente nesse sentido).

• Se o título for uma decisão de um tribunal arbitral, é competente o tribunal do lugar do funcionamento da
arbitragem (art. 85º/3 CPC).

• Diferentemente, sendo o título qualquer outro que não é uma decisão do tribunal ou do tribunal arbitral, há que
distinguir diferentes situações.

• Assim, se a execução for para entrega de coisa certa ou por dívida com garantia real, é competente o tribunal
do lugar em que a coisa se encontre ou situe (art. 89º/2 CPC).

• Ao invés, se se tratar de dívida pecuniária ou de prestação de facto sem garantia real, é competente o tribunal
do domicílio do executado, podendo o exequente, em certos casos, optar pelo tribunal do lugar onde a
obrigação devia ser cumprida (art. 89º/1 CPC).

4. Competência em razão da matéria (dentro dos tribunais judiciais) para a concreta ação executiva - aqui, está-
se no âmbito de uma determinada comarca, onde também há separação em razão da matéria. Por isso mesmo se
tem que ultrapassar este obstáculo. Neste contexto, a pergunta obrigatória é: há, na comarca, juízo de execução?

1. Havendo juízo de execução, este tem competência exclusiva (art. 129º/1 LOSJ).

1. No entanto, essa competência exclusiva tem exceções - 129º/2 LOSJ. Deste modo, quando se
retira a competência a um juízo de execução, sendo a mesma atribuída a outro juízo? Quando o
título executivo é uma sentença proferida por outro juízo de competência especializada de
família e menores, trabalho, e comércio (há mais exceções previstas na lei, contudo estas
são as mais importantes). Neste sentido, se se tratar de uma execução por alimentos - execução
especial -, ainda que na comarca haja juízo de execução, a execução correrá no juízo de família e
menores; se se tratar de uma execução no âmbito do direito do trabalho, será o juízo do trabalho o

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competente. Portanto, há a cedência desta competência exclusiva do juiz de execução, a um


critério de especialização em razão da matéria (é matéria executiva, no entanto em matéria de
família e menores, p.ex.).

2. Diferentemente, não havendo juízo de execução, tem que se questionar qual é o título executivo:

1. Se se tratar de título judicial, a ação executiva será tramitada no tribunal e no processo


onde correu a ação declarativa (e, diga-se, é bom que seja o tribunal que proferiu a decisão, o
tribunal que a executa);

2. Diferentemente, se se tratar de título extrajudicial (p.ex., uma escritura pública, um cheque),


ter-se-á que questionar qual o valor da ação executiva, e deste modo, se o valor da ação
cível for superior a €50.000 é competente o juízo central cível [art. 117º/1/b) LOSJ], ao invés,
se o valor for igual ou inferior a €50.000, é competente o juízo local cível [art. 130º/2/c)
LOSJ].

Se houver infração das normas de competência em razão da matéria, da hierarquia e competência internacional,
há incompetência absoluta, nos termos do art. 96º CPC.

Havendo infração das normas de competência em razão do valor e território, há incompetência relativa, nos
termos do art. 102º CPC.

No presente caso, segundo a regra, estas ações devem correr no âmbito dos tribunais judiciais segundo o critério da
atribuição positiva. Por outro lado, quanto à hierarquia esta ação deverá correr perante os tribunais de 1ª instância, pois
só eles tem competência executiva (art. 86º CPC). Quanto ao território, e sendo o título judicial, o requerimento é
apresentado no tribunal do processo em que a decisão foi proferida, correndo a execução nos próprios termos, pelo que
no caso concreto será o juízo central cível de Coimbra o competente (art. 85º/1 CPC), mas atenção que pode haver
juízo de execução competente (art. 86º/2 CPC). Foi o juízo central cível que proferiu a decisão, pelo que será a comarca
de Coimbra a competente para executar. No entanto, será o juízo de execução ou o juízo central cível de Coimbra o
competente para a ação executiva? Como se sabe, o requerimento executivo é apresentado no processo em que
aquela foi proferida, correndo a execução nos próprios autos (art. 85º/1 CPC), no entanto havendo juízo de execução, a
competência pertence-lhe (art. 85º/2 CPC). Deste modo, em princípio, o juízo competente seria o juízo de execução.
Contudo, como se sabe, há exceções ao art. 129º/1 LOSJ (ver nº2), sendo, no caso concreto, competente o juízo
central cível de Coimbra (a ação vale €60.000).

5. Competência internacional - Não lecionado.

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Aula 5 - 10/04/2018 (continuação)

LEGITIMIDADE PROCESSUAL

A legitimidade resulta do próprio título executivo. Neste sentido, têm legitimidade como exequente e executado,
respetivamente, quem no título figura como credor e como devedor (art. 53º CPC). Porém, o título pode estar
desatualizado, relativamente a quem é credor e devedor - sendo essa a situação do caso concreto. Por outro lado, o
título pode não identificar ninguém, i.e., nenhum credor (p.ex.: títulos ao portador). É, com efeito, o art. 54º CPC
aquele que prevê desvios à regra geral da determinação da legitimidade:

1. Tendo havido sucessão6 no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das
pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda. No próprio requerimento para
a execução, o exequente deduz os factos constitutivos da sucessão. Esta norma não vale apenas para a sucessão
mortis causa, vale também para a sucessão inter vivos.

2. A execução por dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro segue diretamente contra este se o
exequente pretender fazer valer a garantia, sem prejuízo de poder desde logo ser também demandado o
devedor. Este é o caso, p.ex., do pai que diz, embora não acredite no negócio que o filho quer construir, para irem pedir dinheiro
ao Banco, dando como garantia um bem seu. O pai não é devedor, porquanto o crédito não se dirige a si, no entanto o Banco
aceita o bem, uma vez que é um bem. Contudo, o negócio falhou. Consequentemente, o filho não pagou o crédito. Assim, em que
condições pode a pessoa que concedeu a garantia ser chamada ao processo executivo? Se o Banco quiser fazer valer a garantia,
tem que intentar a ação executiva diretamente contra o proprietário/titular do bem dado em garantia. Isto não se confunde com a
fiança, porquanto essa é uma garantia pessoal, não uma garantia real. É que na fiança, o fiador responde pelo cumprimento da

obrigação com todo o património, mas o património que tiver nesse momento.

3. Entre mais duas hipóteses previstas no artigo. É o caso do nº3, da legitimidade passiva sucessiva, se o bem de terceiro é
insuficiente, pode-se chamar o devedor para ser também ele executado.

Como se sabe, a ilegitimidade constitui uma exceção dilatória de conhecimento oficioso (art. 577º/e), e 578º
CPC).

Ora, em relação ao caso concreto, constate-se que o Banco pode intentar a ação executiva contra o Roberto (art. 54º/1
CPC), no entanto o Banco tem o ónus de, no próprio requerimento para a execução, deduzir os factos constitutivos da
sucessão. Tem de atualizar o título, o Banco, o exequente tem o ónus de trazer aos autos os elementos de onde decorre
a prova de que ocorreu a sucessão. O Banco tem de provar que Roberto é filho de Bernardo. E se a herança não foi
aceite? Significa que a sucessão na herança do de cujus não aconteceu. Se o Banco por engano o chamar, ele
defende-se dizendo que não aceitou. E se for mais de um herdeiro? Nada muda, há apenas mais do que um sucessor
do direito. Estes vão receber os bens da herança com respeito pela ordem de sucessíveis, e é também com base
nesses critérios que se vai aferir a responsabilidade de cada um. O critério geral não deixa de ser o mesmo.

6 Não está tão-apenas em causa a sucessão mortis causa na obrigação. De facto, é mais frequente, inclusive, a sucessão inter vivos (p.ex.: cessão da posição contratual; cessão
de créditos). Pense-se, a este propósito, na COFIDIS, que concede créditos (grande parte do crédito é “pago”, no entanto há “créditos malparados”). Há as sociedades financeiras
que emprestam dinheiro, e há outras empresas que tratam do crédito mal parado (não pago), o crédito não pago é cedido pelas empresas de crédito a estas últimas empresas para
que estas cobrem estes créditos e por isso muitas ações executivas não tem do lado ativo a entidade de crédito mas sim empresas cessionárias.

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PATROCÍNIO JUDICIÁRIO

Por fim, pretende saber-se a ação executiva do caso concreto podia ser executada com um requerimento
executivo que foi subscrito e enviado por via eletrónica por um advogado estagiário. As regras, aqui, são diversas
relativamente às da ação declarativa. Com efeito:

1. Se o valor da causa exceder a alçada da Relação (superior a €30.000), é obrigatória a constituição


de advogado (art. 58º/1/1ª parte CPC);

2. Se o valor da causa está entre a alçada da Comarca e da Relação (superior a €5.000 mas inferior ou
igual a €30.000), o patrocínio é igualmente obrigatório, mas pode ser exercido por advogado,
advogado estagiário ou solicitador (art. 58º/3 CPC). A contrario, se ação tiver valor igual ou valor inferior
a €5.000, a parte pode estar sozinha em tribunal;

3. Em caso de ação ou incidente que siga os termos do processo declarativo (p.ex.: embargos) ou, no
apenso da verificação do crédito para apreciação deste, e quanto o valor exceder a alçada da
comarca (superior a €5.000), é obrigatória a constituição de advogado (arts. 58º/1/2ª parte e 58º/2
CPC).

Aula 6 - 17/04/18

Caso Prático nº4

MARISA obteve a condenação de RUI, em Dezembro de 2016, no pagamento da quantia de €35.000, correspondente a
uma dívida comercial. Já depois do trânsito em julgado, e na sequência de acordo celebrado entre ambos, RUI pagou
parcialmente a dívida (no montante de €10.000) em Janeiro de 2018. Não obstante, MARISA, por intermédio do seu
advogado, entregou um requerimento executivo, para obter o pagamento por parte de RUI da quantia global, ou seja,
€35.000.

Analise o caso apresentado quanto à tramitação inicial da ação executiva e quanto ao exercício do contraditório por
parte do executado.

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Resolução:

(Tramitação inicial da ação executiva)

Na ação executiva, qualquer dos tipos que ela possa ter, pode seguir tanto a forma comum como a forma especial.
Por sua vez, a forma comum pode ser ordinária ou sumária (art. 550º/1, 2 e 3 CPC). Há execuções que seguem uma
forma especial?

1. A execução por alimentos (art. 933º CPC).

2. A investidura em cargos sociais.

Vamos estudar sobretudo a forma comum ordinária e a sumaria. Curiosamente, o código de setembro de 2013 acabou com a forma
ordinária, sumária e sumaríssima da ação declarativa, e recuperou aquilo que já não existia na ação executiva. Um comportamento
completamente esquizofrénico, acha que na ação declarativa não é bom haver forma ordinária, sumária e sumaríssima, e foi recuperar
aquilo que já se entendeu ser bom nas ações executivas, depois mau e bom outra vez - não se compreende este loop contínuo. Ou é
bom para a ação declarativa e executiva, ou é mau para ambas.

Na forma comum, o que distingue lapidarmente a forma ordinária e a sumária? Haverá, desde logo, mais tramitação/
solenidade na forma ordinária e menos na forma sumária como é evidente, mas o que mais contrasta é que na forma
ordinária haverá despacho liminar e citação prévia do executado antes de se fazer a penhora, na forma comum
sumária não vou ter em regra despacho liminar, nem haverá citação do executado antes da penhora. Na ação
executiva de forma comum sumária avanço logo para as penhoras, sem chamar o executado, na forma comum
ordinária faz-se o despacho liminar e então a seguir mando citar o executado antes de se lhe agredir o património, e ele
vai-se defender antes da agressão. Depois haverá outras diferenças de pormenor.

Antes de 2013 era exatamente assim, só que o legislador não chamava desta forma (havia isto e não havia nomes, agora é mais fácil
explicar a matéria).

Coisa diferente, é quando se aplica uma e outra, e aqui o legislador resolve-nos o problema no art. 550º CPC, muito
embora tenha havido uma certa deslealdade do legislador - no direito das obrigações estudámos que as partes devem
adotar uma conduta honestas, corretas e leais (boa fé), e aqui parte do artigo deixa-nos a pensar uma coisa quando na
verdade é outra. Este artigo faz a separação das águas, que diz em que situações aplico a forma comum ordinária e em
que situações aplico a forma comum sumária - “1 - O processo comum para pagamento de quantia certa é ordinário ou sumário.
2 - Emprega-se o processo sumário nas execuções baseadas:

• a) Em decisão arbitral ou judicial nos casos em que esta não deva ser executada no próprio processo; Na aula passada vimos as

situações em que há um tribunal que profere a decisão da ação declarativa, e depois há juízos de execução que
executam, salvo situações em que sejam envolvidos menores (?). A execução não vai correr nos próprios autos, vai
para outro juízo. A contrario sensu retiramos daqui de que se a execução decorrer no próprio processo, parece que o
processo é ordinário, só que depois o art. 626º/2 CPC diz exatamente o contrário - “Sem prejuízo do disposto no nº3 do
artigo 550º, a execução da decisão condenatória no pagamento de quantia certa segue a tramitação prevista para a forma sumária,

havendo lugar à notificação do executado após a realização da penhora.”. Quando é uma execução para pagamento de

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quantia certa, sendo o título executivo uma sentença o processo é sempre sumário, independentemente do
local onde essa execução decorra - se nos próprios autos, ou se no tal juízo de execução. Há razões para isto
acontecer, mas a técnica legislativa podia ter sido claramente melhor.

• b) Em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória; Quando é que também há processo sumário?
Quando a execução seja baseada em requerimento de execução com forma executória [alínea b)]. A consequência
prática é que passamos imediatamente para as penhoras, o agente de execução vai imediatamente penhorar o
património do executado.

• c) Em título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida, garantida por hipoteca ou penhor; Está-se a pensar num cheque ou
numa escritura pública, e se a obrigação pecuniária estiver provida de garantia real (hipoteca ou penhor), a ação
executiva também segue a forma comum sumária (mais abreviada, sem despacho liminar e sem citação prévia).

• d) Em título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida cujo valor não exceda o dobro da alçada do tribunal de 1ª instância. Se for

um cheque como título executivo, e a execução não seja superior a €10.000 é processo sumário.

• 3 - Não é, porém, aplicável a forma sumária: a) Nos casos previstos nos artigos 714º e 715º; b) Quando a obrigação exequenda
careça de ser liquidada na fase executiva e a liquidação não dependa de simples cálculo aritmético; c) Quando, havendo título
executivo diverso de sentença apenas contra um dos cônjuges, o exequente alegue a comunicabilidade da dívida no requerimento
executivo; d) Nas execuções movidas apenas contra o devedor subsidiário que não haja renunciado ao benefício da excussão
prévia. São exceções que à partida seriam de forma sumária, mas depois a lei devolve - a alínea a) e b) estão

relacionadas com situações em que não está resolvida a situação da certeza, exigibilidade e liquidez da obrigação
exequenda; na alínea c) abrangem-se as situações em que há título executivo contra um dos cônjuges, que não uma
sentença, e o exequente alega a comunicabilidade da dívida (ex.: um dos cônjuges foi ao IKEA comprar um sofá, com
um cheque em nome dele e da conta dele, lá para casa, é uma dívida contraída em proveito comum do casal, logo de
responsabilidade de ambos os cônjuges; imaginemos que o cheque não tinha cobertura, o IKEA tinha um título
executivo diferente de sentença, e como só há título executivo contra um deles, ia acontecer que o exequente só ia
poder intentar ação executiva contra um deles, interessa alegar a comunicabilidade da dívida porque pode penhorar
bens comuns do casal; para tal, apesar de o valor ser €1.000, o processo já não segue a forma comum sumária, por
razões que veremos infra 7);

• 4 - O processo comum para entrega de coisa certa e para prestação de facto segue forma única.”

Passos da tramitação:

1. Requerimento executivo (equivalente à petição inicial da ação executiva). Hoje é apresentada por via eletrónica
(os advogados hoje não precisam de apresentar nada em papel), nem sequer é preciso o original do título, só se o
juiz o pedir.

7Nestes casos, é possível criar um título virtual/fantasma na ação executiva contra o outro cônjuge, para poder penhorar bens comuns do casal (pode conseguir ou não alargar
esse título ao outro). Depois isto tem um mini-processo que vamos ver.

Hoje discute-se se este regime, prejudicial para os cônjuges, porque um compra e o outro pode ter de responder pela dívida, deve ser alargado às uniões de facto (tese de
mestrado) - o dono da loja, quando está a tratar um cliente, não sabe se está perante um casal ou perante 2 pessoas em união de facto, e o credor pode ver-se mais protegido
quando lida com um casal (pelo menos tem este instituto da comunicabilidade da dívida). Também há argumentos contra - quem quer casar vai casar, e o credor, quando lida com
os devedores (futuros executados) tem de presumir que pode estar perante uma situação ou outra, e tem de se defender na medida do possível, a vida dos negócios é assim. No
Brasil hoje, por força de decisões judiciais, é exatamente a mesma coisa estar casado ou viver em união de facto (do ponto de vista sucessório, do ponto de vista patrimonial, do
ponto de vista dos alimentos), talvez só não funcione a presunção de paternidade (o vínculo automático) - cá não há efeitos sucessórios, há efeitos quanto à casa de morada da
família, direito de arrendamento, direito a continuar com o arrendamento.

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2. O requerimento executivo pode ser recusado pela secretaria do tribunal, mas ainda assim a lei diz que a parte
pode discordar (“a senhora não sabe o que é uma livrança? A livrança é um título executivo!”), podendo o advogado
reclamar perante o juiz. E depois das duas uma - ou ele tem razão e é como se ele tivesse apresentado título
executivo normalmente; se não tiver razão e o juiz confirmar-se a decisão da secretaria, termina ali a ação
executiva, art. 725º CPC.

• Ainda há outra situação, em caso de recusa pela secretaria (notou que havia uma falha e recusou), dá-se a
possibilidade ao requerente no prazo de 10 dias apresentar novo requerimento executivo, e tudo se passa como se
tivesse apresentado na data inicial. Ex.: um cheque, o título executivo não foi acompanhado do requerimento (por
lapso), e ele pode apresentar um 2º requerimento executivo, que é depois remetido para a mesma ação executiva).

Requerimento

executivo

Recusa

Novo Extinção da

requerimento execução

Requerimento
executivo

Recebimento
pela secretaria

Tramitação subsequente

3. Despacho liminar, o juiz vai deferir um despacho (aparece in limine, no início da lide). Este despacho liminar pode
ter um conteúdo multíplice/variado. Que conteúdos podem ser esses do despacho liminar?

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1. Um despacho de indeferimento total ou parcial - o juiz apercebe-se, p. ex., que é formulado um pedido
na ação executiva e o título executivo não tem nada a ver com o pedido que é formulado (ex.: o cheque foi
emitido em nome de uma pessoa que não tem nada a ver com o executado; ou o cheque tem uma quantia
de €500 e a ação executiva foi pedida para €1.000).

2. Pode ser um despacho de aperfeiçoamento - ex.: o juiz apercebe-se que a parte não tem advogado num
daqueles casos em que devia ter (devia estar representada por um advogado e não está), vai dizer para
constituir mandatário judicial.

3. Pode ser um despacho que ordena a citação prévia do executado (relativamente à penhora) - é o que
é normal acontecer na ação executiva na forma comum ordinária. O juiz olha para o processo, vê que está
tudo bem e ordena a citação prévia do executado. Antes de procedermos à penhora dos bens, vamos ouvir
o executado.

4. Pode ser um despacho de dispensa da citação prévia do executado (relativamente à penhora) -


parece que é uma contradição nos termos, que ação ordinária posso ter despacho preliminar, mas esse
despacho pode ser de dispensa da citação prévia do executado. Vejamos o art. 727º CPC que prevê a 3ª e
4ª hipótese - “1 - O exequente pode requerer que a penhora seja efetuada sem a citação prévia do executado, desde
que alegue factos que justifiquem o receio de perda da garantia patrimonial do seu crédito e ofereça de imediato os
meios de prova.”. Soa ao procedimento cautelar do arresto, é um procedimento cautelar enxertado na ação

executiva, tem todas as características de um procedimento cautelar. Aqui até é mais importante que o
arresto (quando se arrestam os bens não há ação executiva), aqui já há ação executiva pendente (ex.: o
réu pôs foto no Facebook a vender o carro, no OLX a vender os quadros) - o juiz quando determina a
dispensa da citação prévia do executado, diz “avanço para as penhoras”, é melhor que o arresto (“oh
agente de execução, vai lá apanhar os bens e depois é que o vamos ouvir”). E tal como o arresto, é
decretada a providência sem o contraditório do executado. Com este efeito conservatório da garantia
patrimonial, não sabe que vai ser penhorado e não se apressa em sonegar os bens.

• Havendo citação prévia (hipótese normal), o executado é citado para pagar ou para opor-se à execução (ele vai
procurar extinguir a execução).

4. Oposição à execução. A oposição do executado visa a extinção da execução - visa procurar demonstrar que
não existe direito exequendo (total ou parcialmente), ou então vai levantar uma questão a nível processual (ex.: não
há legitimidade das partes, o tribunal não é competente, a obrigação não é certa, etc). Porém, temos de ter noção
que o legislador, no que respeita à possibilidade de defesa do executado, não admite todas as formas de
defesa para o executado (não se pode defender amplamente), sobretudo e particularmente em que o título
executivo é uma sentença (art. 729º CPC). Fará sentido? Isto pode ser injusto para o executado, estamos aqui a
cercear o contraditório do executado. A justificação material para esta solução está relacionada com o facto de ter
havido um processo declarativo antes, e esse processo declarativo já teve o seu momento adequado para o
executado exercer o seu direito de defesa/contraditório, e falámos no 3º ano no princípio da concentração da defesa
(ele tem de se defender sob pena de preclusão, é um ónus processual, tem de apresentar uma verdadeira defesa).
Daí entendemos que a porta da defesa não esteja totalmente franquiada na ação executiva, não vai poder dizer na

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ação executiva coisas que poderia e deveria ter dito na defesa da ação declarativa. O que pode então dizer quando
o título executivo é uma sentença? “Fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos
seguintes:

1. a) Inexistência ou inexequibilidade do título; Nem sequer existe a sentença.

2. b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução; A

sentença é um documento falso, resultou de um processo falso.

3. c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu
suprimento;

4. d) Falta ou nulidade da citação para a ação declarativa quando o réu não tenha intervindo no processo; Quando o réu

não tenha intervindo no processo, nem sequer foi chamado para a ação declarativa.

5. e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução;

6. f) Caso julgado anterior à sentença que se executa; Há sentença que não foi executada anterior a essa (?)

7. g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no
processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por
qualquer meio; É a alínea do nosso caso prático. O pagamento, ainda que parcial, é um facto extintivo da

obrigação. Decorre desta alínea que se pode invocar o pagamento desta dívida na ação executiva,
mas desde que esse pagamento tenha decorrido após o encerramento da ação declarativa (a fase da
discussão é a fase final do julgamento em que se dá às partes a possibilidade de discutir o facto e o direito,
antes da prolação da sentença). Se esse pagamento ocorreu ainda no decurso da ação declarativa,
não pode ser invocado na ação executiva. Isto pode parecer muito drástico mas é mesmo assim - se ele
pagou na pendência da ação declarativa, não disse isso na ação declarativa e deixou formar a sentença,
tinha o ónus e agora não pode vir na ação executiva vir dizer que já pagou. Pode ter de pagar 2 vezes,
depois há institutos como o enriquecimento sem causa para acautelar estas situações. Mas se vem invocar
o pagamento 2 dias, 30 dias, 4 meses depois da sentença declarativa claro que já pode, e é o normal.
Parece uma situação inusitada, mas as relações jurídicas estão hoje massificadas - pensemos nas grandes
instituições financeiras ou empresas como a MEO ou a NOS, têm milhões de clientes (em vários países),
não têm a certeza se o crédito já foi pago ou não, ou é um caso de dívidas em prestações em que não se
sabe se o pagamento foi feito para pagar uma dívida antiga ou esta dívida, então propõem a ação
executiva para prevenir e o executado que se venha defender.

8. h) Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos;

9. i) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transação, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade


desses atos.

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• E se o título executivo for um requerimento de injunção com fórmula executória? Quais são os fundamentos de
oposição à execução por parte do executado? O executado pode-se defender amplamente, restritivamente (o caso
da sentença) ou a meio termo? É o tal título parajuducial (ou judicial impróprio).

1. Antes de Setembro de 2013, o legislador dizia que era igual à sentença (os meios de defesa são
reduzidíssimos). Veio o TC dizer não não, caros amigos nada disso, este regime de dizer que é igual o
requerimento de injunção ser igual à sentença para efeitos de definição dos meios de defesa do executado
é inconstitucional (entre outras coisas que não vamos aqui desenvolver), por violação da tutela jurisdicional
efetiva. A injunção é uma ação - quando se fala do processo declarativo completo, de facto há essa fase
preliminar do contraditório depois o julgamento, e o requerimento de injunção é um papel que chega lá a
casa, e a pessoa mete na gaveta (mas isto depois tem consequências sérias para o executado. Portanto
penhora antes da citação do executado, e antes de 2013 ainda se dizia meios de defesa quase nenhuns.
Lá está, a injunção é um processo declarativo e o cidadão comum pode ser apanhado desprevenido/nas
curvas, e então o TC declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral da norma do código
anterior que dizia que era a mesma coisa.

2. Vem a reforma de 2013, e o legislador devia ter ajustado o código à jurisprudência do TC, dizer que não era
a mesma coisa. Optou então por não dizer que o executado se podia defender amplamente, vem dizer
neste art. 857º CPC que a porta fica entreaberta/quase fechada - os meios de defesa são os mesmos da
sentença mais qualquer coisinha, o executado pode dizer que não se conseguiu defender no momento
adequado da injunção e portanto deve poder defender-se agora (aquele ónus de demonstrar ao tribunal
que houve um problema de contraditório na injunção e que ele não é culpado disso, e por esse motivo
devia ter a porta aberta para se defender). Mas o TC veio uma vez mais dizer não, também não dá lamento
muito mas tenho uma consulta às 5 - este regime ainda viola a tutela jurisdicional efetiva (Ac. TC nº

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264/2015 8), não pode aplicar-se esta norma se ela significar uma redução dos meios de defesa ao
executado quando o título executivo é um requerimento de injunção com fórmula executória.

3. Esta jurisprudência parece avisada para VALE E REIS, porque a experiência mostra que as pessoas não
reparam a notificação para a injunção, e isso tem de ter a resposta adequada pelo direito, até porque pode
haver vários motivos para não ter pago (ex.: discute-se se o serviço foi ou não prestado). Uma coisa é uma
sentença (houve vários julgamentos, foi condenado e compreende-se que haja limites à sua defesa), outra
é a injunção muito mais complicada (do ponto de vista social são coisas diferentes).

• Ver arts. 732º e 733º CPC - termos da oposição à execução, matéria muito teórica.

• Esquema - a oposição à execução tem o nome de embargos de executado (≠ embargos de terceiro, que é uma
forma de oposição à penhora). Tudo começa com um despacho liminar, citação prévia, oposição à execução
mediante embargos, o juiz faz um despacho liminar nos próprios embargos (os embargos é uma ação declarativa
enxertada na ação executiva, corre por apenso. O próprio juiz tem de fazer o despacho liminar aceitando os
embargos, e depois o exequente será réu nos embargos (invertem-se os papéis, e vai contestar a petição de
embargo apresentada pelo executado). Depois a ação segue a tramitação do processo comum declarativo.

8 “(...) 14 - Por razões a que a própria Constituição não é alheia, a modelação adotada pelo ordenamento processual civil assenta no princípio segundo o qual a complexidade
inerente às formas de processo admitidas é diretamente proporcional ao valor da causa. Por assim ser, no âmbito do "balanceamento ou ponderação de interesses" que o legislador
infraconstitucional é chamado a realizar, as "exigências de simplificação e celeridade" com base nas quais vêm sendo estabelecidos "certos efeitos cominatórios ou preclusivos" -
assentes na "necessidade de dirimição do litígio em tempo útil" (cf. Lopes do Rego, in "Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e
cominações e o regime da citação em processo civil", Estudos em homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra Editora, 2003, p. 855) - serão para aquele
efeito tanto mais atendíveis quanto menos expressivo for o valor da obrigação em dívida e, por consequência, o possível impacto da solução adotada sobre a situação da pessoa
contra a qual é instaurado o procedimento. No âmbito da apreciação da conformidade constitucional da norma constante do artigo 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil,
aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, quando interpretada "no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de
injunção à qual foi aposta a fórmula executória", parece, assim, poder afirmar-se que, quanto mais elevado for o valor da obrigação cuja cobrança coerciva é admitida no
âmbito do processo executivo em que se verifica o efeito preclusivo dos meios de oposição à pretensão do credor, desacompanhado da correspondente advertência
prévia, maior é a premência ou a necessidade de garantir que o bem jurídico celeridade, globalmente prosseguido através dos procedimentos de injunção, não
comprometa, de forma desproporcional, o princípio do contraditório e as garantias de defesa, sob pena de violação incomportável do acesso à tutela jurisdicional
efetiva. A censura constitucional que, por força do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, recaiu sobre a norma contida no artigo 857.º,
n.º 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, quando interpretada «no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada
com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória , não poderá, assim, deixar de atingir também as execuções baseadas em título formado no âmbito
"

dos procedimentos de injunção que visem exigir o cumprimento de obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro,
na medida em que tais procedimentos, apesar de apenas poderem ser instaurados contra empresas ou entidades públicas, não deixam de apresentar, quando confrontados com os
procedimentos de injunção destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª instância,
previstas no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, a especificidade, para aquele efeito não despicienda, de poderem conduzir à formação de um título executivo
independentemente do valor da dívida. Se, em relação ao devedor contra o qual haja sido instaurada execução com base em requerimento destinado a exigir o cumprimento de
obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro, o efeito preclusivo dos meios de oposição à pretensão do credor se
produz independentemente do valor da obrigação exequenda, não parece que a situação em que o mesmo é por essa razão colocado possa ser diferenciada da posição de quem é
executado com base em título formado no âmbito dos procedimentos de injunção destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor
não superior a (euro) 15.000, ao ponto de justificar, perante o princípio da proibição da indefesa, a formulação de um juízo inverso àquele que as decisões proferidas no âmbito da
fiscalização concreta fizeram recair sobre a norma constante do artigo 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, quando interpretada
"no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória”. E, nessa medida, o juízo
de desconformidade constitucional da norma constante do artigo 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, quando interpretada "no
sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória", abrangerá os procedimentos
de injunção que visem exigir o cumprimento de obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro, digo, n.º 62/2013, de
10 de maio.

III - Decisão 15 - Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decide-se declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 857.º, n.º 1, do
Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, quando interpretada "no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base
em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória", por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da
República Portuguesa.”

Veja-se, contudo o voto de vencido: “DECLARAÇÃO DE VOTO Vencido em parte, no essencial, pelas razões da declaração aposta ao Acórdão n.º 388/2013. Com efeito, apesar
de ter sido o relator do Acórdão n.º 714/2014 (e, bem assim, da Decisão Sumária n.º 59/2015), continuo a entender, de resto reforçadamente na sequência da Diretiva 2011/7/EU do
Parlamento e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, e do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio, que no domínio específico das transações comerciais se justifica uma distinta
ordem de ponderações daquela que é feita relativamente às obrigações pecuniárias emergentes de um comum contrato de valor não superior a (euro) 15 000,00.

a) Em primeiro lugar, porque no âmbito daquelas transações, além de não colherem as preocupações com uma eventual indefesa da «parte mais fraca» (ou, porventura, menos
atenta ou informada) - uma vez que estão em causa relações entre profissionais a quem é exigível uma diligência consistente com a atuação em mercado concorrencial -, é
justamente a proteção dessa «parte» que reclama um combate eficaz aos atrasos de pagamentos por fornecimentos já realizados a entidades públicas ou a grandes empresas
comerciais. Conforme se salienta no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio, "nas transações comerciais entre empresas, ou entre empresas e entidades
públicas, verifica-se com frequência que os pagamentos são feitos mais tarde do que o acordado no contrato ou do que consta das condições comerciais gerais. Os atrasos de
pagamento desta natureza afetam a liquidez e dificultam a gestão financeira das empresas, em especial das pequenas e médias empresas (PME), particularmente em período
de recessão, quando o acesso ao crédito é mais difícil".

b) Entendo, por outro lado, que o apelo ao princípio - e trata-se de um princípio, não de uma regra - da correlação entre as garantias processuais inerentes a uma forma de
processo mais complexa e o valor da causa é in casu deslocado. Desde logo, porque esse valor reveste um significado meramente indiciário e insuscetível de, por si só,
justificar no âmbito de processos de execução uma relação de proporcionalidade direta entre o valor da causa e a sua complexidade. Mas, sobretudo, porque o que está
concretamente em causa no regime de injunção objeto de apreciação é o modo de o devedor ser chamado ao processo e de ser advertido para as cominações em que incorre
em caso de não oposição imediata. Ora, quanto à aludida necessidade de uma forma de processo adequada que tenha em conta a complexidade da causa indiciada pelo
respetivo valor, a verdade é que o legislador, no exercício da sua liberdade de conformação, não a ignorou, conforme resulta claramente do artigo 7.º do anterior Decreto-Lei n.º
32/2003, de 17 de fevereiro, e, agora, do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio. - Pedro Machete

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Oposição à Despacho
Despacho Citação execução liminar do juiz Recebimento
liminar prévia mediante aceitando os pela secretaria
embargos embargos

Tramitação Notificação do
processo comum exequente para
Primeiro procede se
declarativo contestar
a penhora e depois
segue se o
processo. Se houver dispensa de citação prévia do executado, a oposição à execução é concentrada/acoplada à oposição

à penhora (vai aparecer mais tarde, e no momento em que o executado se defender da penhora vai-se defender
também da execução, podem estar juntas e no mesmo momento processual o executado apresenta as 2 defesas).
Aparecem num momento processual concomitante - “eu já paguei (defesa relativamente à execução), não me podem
penhorar 2/3 do meu vencimento (defesa contra a penhora)”.

Finalmente, relativamente à ação executiva que segue a forma sumária, a oposição à execução e a oposição à
penhora acontecem no mesmo momento processual. Sempre. O que caracteriza a forma sumária é a Inexistência de
despacho liminar e citação previa
Pois não
Fazer
houve
remissã
lugar a No nosso caso prático, a ação é um processo sumário (art. 550º/2/a) ou 626º/2 CPC). O nosso Rui só se vai defender o de
despacho
uma
liminar depois da penhora, e relativamente à execução e à penhora. Tem fundamento a invocar para deduzir oposição à norma
nem
execução? Art. 729º/g) CPC estando a invocar um pagamento parcial da dívida que ocorreu após o trânsito em julgado. para a
citação
outra
previa.

(Nas aulas seguintes, há o resto da tramitação).

Aula 7 - 24/04/18

Caso Prático nº5

Gervásio, munido do respetivo título executivo, intentou ação executiva contra Felismina. Nessa ação, foram
penhorados os seguintes bens:

• Um apartamento de férias de Felismina, sito na Figueira da Foz9;

• O único microondas existente nesse apartamento10;

9Pode-se penhorar uma casa de férias? Sim. E se fosse uma casa de morada de família? Aí pode, mas já vamos ver (no Brasil recai uma impenhorabilidade sobre a casa de
morada de família), vamos até ver um caso de uma pessoa que era deficiente.

10 Se calhar pode ser, mas é muito útil para aquecer a comida, há aqui uma certa ligação a uma lógica de imprescindibilidade (vamos ver se forte ou fraca).

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• Metade do salário de Felismina, como valor global líquido de €5.00011;

• O computador que Felismina utiliza na sua atividade de organizadora de eventos sociais12;

• Um cão da raça Rottweiler, de nome “Killer”13;

Felismina considera a penhora destes bens ilegal e pretende reagir. Para além disso, quer aproveitar uma boa proposta
para a venda do apartamento da Figueira da Foz. Quid iuris?

Resolução:

Há várias penhoras, temos de ver se são legais ou ilegais. Depois dos embargos de executado aparece a tal penhora, e
a seguir à oposição à penhora.

Mas na ação comum ordinária, como vimos, pode haver um despacho do juiz de dispensa da citação prévia do
executado - o contraditório do executado em relação à penhora e à execução vai ser concentrado. Ele só vai ser
chamado ao processo depois de as penhoras já terem sido feitas (vai-se defender nos 2 planos concomitantemente).

No processo sumário temos a inexistência de despacho liminar e de citação prévia do executado, e o executado quando
for chamado as penhoras já foram feitas e termos cumuladas as oposições à execução e à penhora.

O que é a penhora14 ? É um ato de apreensão do património do executado, em ambiente judicial (de uma ação
executiva), embora realizado por um agente de execução, e que tem por objetivo a obtenção de meios para
pagar a dívida exequenda. A penhora não é um fim em si mesmo (a ação executiva não existe para penhorar bens),
mas antes um instrumento imprescindível para pagar ao credor exequente.

O agente de execução só aparece no nosso direito em 2003 (e era solicitador de execução, só podiam ser
solicitadores). Hoje a função de agente de execução pode ser exercida por solicitadores ou advogados. Foi
importada da França, do huissier, e é um “funcionário judicial” só que não, na verdade é um profissional liberal,
que tem o seu escritório, e a partir daí prática atos que estavam anteriormente atribuídos aos funcionários do
tribunal (fazer penhoras, modificações, promover venda de bens). A lógica do legislador foi que isto funciona melhor
se tiver esta figura em outsourcing (a lógica da atividade privada, fora do tribunal) e que mais expeditamente vai fazer
andar a ação executiva. O agente de execução tem sempre a figura tutelar do juiz da ação executiva, que de certa
maneira supervisiona o comportamento do agente de execução.

11 Foi metade do salário, será que nestes casos em que temos uma truta (alguém que ganha muito bem) podemos ir além de 1/3?

12 Podiam ser também livros de estudo, indispensáveis à formação académica.

13Primeiro era preciso apanhá-lo, coitado do agente de execução com um cão desta raça, não deve ser fácil! Mas conseguindo ele apanhá-lo, pode penhorar um animal de
companhia? E se for uma tartaruga? $ E se for uma vaca, e este for um objeto/coisa imprescindível ao sustento do executado/a? % & Nuns casos a lei responde com certeza
absoluta, mas há aqui muitas zonas cinzentas.

14Ver https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/18633/1/Proibição%20do%20pacto%20Comissório%20-%20Fundamento%20e%20Extensão.pdf sobre a proibição do pacto


comissório - o pacto comissório é a convenção pela qual o credor pode fazer seus os bens que lhe tenham sido dados em garantia em caso de incumprimento do devedor.

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Na penhora há regras:

1. Só podem ser penhorados bens do executado (regra de ouro). Mas o executado não é necessariamente o
devedor - o executado pode ser o devedor (art. 735º/1 CPC) ou um terceiro (art. 735º/2 CPC). Pensemos novamente
no exemplo do pai que aceitava que fosse constituída uma hipoteca sobre um bem que lhe pertencia para ajudar o filho, pois é o
que acontece aqui. O pai que faz o patrocínio não deve €0,01 ao Banco, ele é um terceiro em relação àquela relação obrigacional,
mas o Banco quer que ele seja executado, e pode sê-lo, porque ele deu um bem em garantia - vamos ter alguém que não é
devedor na pele de executado. Objeto da penhora. Regra: só podem ser penhorados bens do executado, mas o executado
pode ser o devedor, 735/1 CPC, ou um terceiro, 735/2 CPC.

2. Sendo executado, não podem ser penhorados todos os seus bens (impenhorabilidades):

1. Bens absolutamente impenhoráveis - Bens que são sempre insuscetíveis de penhora (arts. 736º e 739º
CPC).

1. As coisas ou direitos inalienáveis;

2. Os bens do domínio público que não do domínio privado do Estado e das restantes
pessoas coletivas;
Exemplo numa
execução fiscal, o
fisco tentou 3. Os objetos cuja apreensão seja ofensiva dos bons costumes ou careca de justificação
penhorar numa
pastelaria bolos. económica pelo seu diminuto valor venal - entra aqui p. ex. a roupa interior do executado, mas
alguma roupa ou acessórios podem ser penhorados (uma mala cara). O que há é certos domínios
que nos chocam que possam ser invadidos pela penhora, então aqui há o apelo aos bons
costumes (zona cinzenta, depende da interpretação do juiz);

4. Objetos especialmente destinados ao exercício de culto público - uma igreja reconhecida ao


abrigo da liberdade religiosa, pode ter bens penhoráveis e outros impenhoráveis. A lei apenas diz
que são aqueles bens que estão especialmente destinados ao exercício do culto público (o altar,
os instrumentos que o padre/pastor utiliza na cerimónia, etc). Se for uma aparelhagem depende -
se estiver lá destinada às sessões de culto é difícil dizer que será penhorável, mas se a igreja tiver
um salão de festas ao lado onde faz uns arraiais, tem lá equipamento eletrónico de elevado valor
podemos penhorar. Além disso culto público, se for uma capela privada já pode ser penhorada (já
não está no âmbito da norma);

5. Túmulos;

6. Animais de companhia (alínea g) - versão posterior à Lei 8/2017, 03 de Março (entrou em vigor
no dia 01 de Abril de 2017). Não abrange o gado, porque esses também não são abrangidos pelo
regime do CCiv. que se aplica aos animais de companhia (seres vivos dotados de especial
sensibilidade, mas que são detidos por alguém nessa lógica de lhes fazer companhia e não na
lógica de fazer produção de carne para consumo humano, produção de leite, produção de lãs). E
se alguém quiser ter como animal de companhia um animal de gado? Ainda não temos nenhuma
decisão judicial nesse sentido, mas à partida temos de dizer que se podem penhorar (continuam

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coisas para o direito das coisas, penhoráveis e com valor económico). E se aquele animal for meio
de sustento daquela pessoa? É pouco verosímil atualmente, mas até há poucos anos era muito
frequente nas zonas mais rurais (objeto pelo qual a pessoa recebe proventos do seu trabalho - a
vaca que era ordenhada para dar leite). Zona cinzenta, mas no nosso caso prático o Rottweiler
não podia ser penhorado.

7. Atentemos na alínea f), os instrumentos e objetos indispensáveis aos deficientes e ao


tratamento de doentes. Cabem aqui, p. ex., uma cadeira de rodas, uma cadeira ortopédica,
cama articulada, aparelhos de diálise, as muletas. Há até uma certa sobreposição de critérios - a
penhorabilidade destes instrumentos choca com os bons costumes, e até podem ter algum valor
venal. Caso do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 5/25/2017 15 - Imaginemos
um senhor com uma deficiência de 80% (só consegue andar em cadeira de rodas), e é executado
numa ação executiva. Tem uma habitação completamente transformada para as suas
necessidades e para poder habitar lá. Pode a sua casa ser penhorada? Podemos configurar
várias posições:

1. Até se pode defender a impenhorabilidade da habitação, mas faltam elementos no caso -


p. ex. se não houvesse mais ninguém que o ajudasse, ou encontrar outro lugar onde
pudesse habitar. Temos de ver se para proteger o direito de crédito não estejamos já a
invadir a esfera impenhorável por violação dos direitos de personalidade. Uma certa
jurisprudência dos sentimentos.

2. Mas também não pode ser beneficiado - não pagou uma dívida, a sociedade também não
pode ser uma sociedade em que só há caridade, caso contrário os direitos de crédito
nada valiam. Os direitos de crédito são tutelados pelo nosso ordenamento jurídico. Aliás,
pode até se ter colocado a jeito, com aqueles investimentos que fez (onde a lei admite
que certos bens impenhoráveis serão penhoráveis se a execução se destinar a obter o
seu preço). Uma certa jurisprudência mais fria e calculista, e às vezes o jurista tem de ser
assim.

3. O TRG veio a dizer que a penhora era legal, esta alínea aplica-se sem dúvida à cadeira
de rodas e a instrumentos dessa natureza (objetos diretamente ligados à condição

15http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/3177537f0ec6394a80258155004d0186?OpenDocument (há muitos acórdãos deste dia). Veja-se a


argumentação do advogado do senhor:

1. “O imóvel penhorado nos autos sofreu adaptações necessárias à vida do executado portador de 80% de deficiência;

2. O executado necessita tanto da casa, como da cadeira de rodas em que se move;

3. Sendo ambos instrumentos indispensáveis à sua vida de deficiente, são, nessa medida, impenhoráveis (artigo 736º alínea f) do Código de processo Civil);

4. Mesmo que se entenda que o exequente tem direito a penhorar o imóvel, tal direito é abusivo porque violador de uma hierarquia de valores aceite em sociedade, nos
termos da qual os valores pessoais sobrepõem-se aos patrimoniais;

5. Podendo o exequente dispor de outros bens dos demais executados, não deve obter a satisfação do seu crédito, violando o direito à saúde, à habitação, à proteção na
deficiência previstos nos artigos 64º, 65º e 71º da Constituição da República Portuguesa;

6. Violação esta que o executado ora recorrente invocou e de que a douta sentença de que se recorre não conheceu, cometendo nulidade por omissão de pronúncia, que
expressamente se invoca.

7. A douta sentença violou o disposto no artigo 736º, alínea f) do Código de Processo Civil, 64º, 65º e 71º da Constituição da República Portuguesa e artigo 615º, nº 1, alínea d) do
Código de Processo Civil.

Deve, por isso ser revogada e substituída por outra que determine a impenhorabilidade da casa de morada do executado AM por aplicação analógica do artigo 736º, alínea f) do
Código de Processo Civil ou que declare ser abusivo o direito da penhora do imóvel invocado pelo exequente.”

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psicossomática do réu), mas não à casa - não obstante estar adaptada, outras casas
podem ser adaptadas). Mas as sentenças são muitas vezes invertidas, e cabe aos
advogados das partes lutar contra jurisprudência que considerem injusta - não é uma
verdade absoluta.

4. VALE E REIS tenderia a defender a penhorabilidade da casa, sem prejuízo de muitos


outros fatores que não estão presentes neste caso que poderiam influenciar a decisão no
sentido da impenhorabilidade da casa.

• Atenção que toda a penhora (o ato de agressão do património) obedece sempre a uma lógica de
proporcionalidade - não só em relação ao valor em causa, mas também em relação à condição em que a
penhora é feita (ex.: se o executado tem uma conta bancária suficiente para pagar a dívida, não se deve
penhorar a casa). O juiz até pode entender que uma certa penhora ofende o princípio da
proporcionalidade, e levantar a penhora daquela penhora e ordenar a penhora de outros bens - o juiz não
está limitado ao pedido (tem de se encontrar bens numa lógica de proporcionalidade, e pode ordenar o
levantamento da penhora e a substituição da penhora daquele bem por outro).

• Note-se que aquele indivíduo com a penhora da casa não se vai embora de lá - vai ficar depositário da
casa e fica lá a viver, ainda se pode encontrar património para pagar a dívida.
Aqui cabem os
bens utilizados
como instrumentos
2. Bens relativamente impenhoráveis - Bens que são insuscetíveis de penhora, mas só em certos casos
de trabalho, ao (arts. 737º, 743º e 744º CPC).
abrigo do artigo
737/2 CPC.
Também os bens
imprescindíveis a 3. Bens ou direitos que são sempre suscetíveis de penhora, independentemente do tipo de ação
qualquer economia
executiva:
doméstica, como o
caso do nosso
microondas. Desde
que se encontrem 1. Bens totalmente penhoráveis
na casa efetiva de
família, nos termos
do 737/3 CPC. 2. Bens parcialmente penhoráveis (art. 738º CPC). Vamos ver o que acontece aos salários e
outros rendimentos equiparados. O salário não é um bem totalmente penhorável, lá está a
ponderação de interesses (direitos do credor, mas um mínimo de subsistência do devedor). Que
parte do salário é penhorável? 1/3 do salário, a contrario, é penhorável (nº1, a regra) - 2/3
impenhoráveis. Mas esta regra pode ser injusta por um lado quando o nosso executado ganha
muito dinheiro, ou por outro lado quando ganha pouco dinheiro - no nº3 têm um desvio à regra.

O limite máximo da impenhorabilidade é 3 salários mínimos nacionais. Para aqueles indivíduos que ganham um valor elevado.
Por norma do DL 117/2018.

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Truque para resolver todos os casos práticos que envolvam penhora de salários

O caso prático ou está ao abrigo do nº1 ou ao abrigo do nº3 - ou se pode penhorar 1/3 ou mais/menos de 1/3 (caso excecional em
que uma pessoa ou ganha muito ou ganha pouco.

O DL 157/2017 de 28 de Dezembro fixou, com efeitos a partir de 01 de Janeiro de 2018, o salário mínimo nacional em €580. Isto
Hoje o salário mínimo é 600€
significa que:

1. Casos em que uma pessoa ganha muito (pode-se penhorar mais de 1/3):

600x3= 1800€
1. Multiplicar o salário mínimo nacional por 3, ou seja 580 x 3 = €1.740 (valor igual para todos os casos práticos).

2. Olhar para o vencimento do executado e aplicar os 2/3, para chegar a um valor. No nosso caso prático chegamos ao
valor de €3.333,33. 1ª conclusão infalível - se o valor obtido for superior aos €1.740 (das 3x o salário mínimo
1800€
nacional), já não estamos ao abrigo do nº1 mas sim do nº3.

3. 2ª conclusão infalível - neste caso, vou poder penhorar mais do que 1/3 do salário. Quanto posso penhorar? Pode-se
penhorar metade p. ex., desde que se deixe ao executado a quantia de €1.740. Neste terceiro momento vemos se a
penhora foi ou não ilegal - perguntamos quanto é que foi penhorado do salário do executado? No nosso caso, ficou na
mão da executada €2.500, logo a penhora é legal (mais do que aquilo que a lei diz que se tem de deixar como mínimo
nestes casos em que se ganhe mais), podia-se penhorar ainda mais. O que muitas vezes acontece é que o agente de
execução sabe que a pessoa ganha mais ou menos x, então para não cair na ilegalidade pede ao tribunal para
penhorar metade. E também não convém apertar muito o devedor, porque pode entrar em incumprimento com outros
credores.

2. Casos em que uma pessoa ganha menos (pode-se penhorar menos de 1/3), imaginemos que uma pessoa ganha €600:

1. 580 x 3 = €1.740

2. Não posso penhorar 1/3 de €600 (€200), penhora-se €20 (subtrai-se o salário mínimo nacional ao salário auferido)
Se a pessoa ganhar 600 euros não se pode penhorar nada, se ganhar mais 20 euros apenas de pode penhorar o excesso ao
salário mínimo.
3. Casos normais - são os casos em que, aplicando a regra do 1/3, a deixa com mais do salário mínimo nacional (ex.: uma pessoa
ganha €1.200 líquidos, 2/3 são €800 e 1/3 são €400, e aqui temos a situação de que retirando 1/3 ainda fica com muito mais do
que o salário mínimo nacional). Estamos ao abrigo do nº1 sempre até chegarmos ao ponto em que, retirando 1/3 a pessoa fica
com muito mais do que €1.740 - abrange um espetro muito largo de vencimentos.

No nosso caso, vamos ver ponto por ponto as penhoras:

• Quanto ao apartamento, vamos ver na próxima aula. Mas se a casa de um senhor com 80% de incapacidade pode
ser penhorada, por maioria de razão a casa de habilitação pode ser penhorada (≠ do que acontece no Brasil ou
noutros países). Pode ser vendida uma casa penhorada (busílis da questão)? Veremos, mas uma casa penhorada
pode ser vendida.

• O único microondas nesse apartamento - tem a ver com os bens relativamente impenhoráveis. O art. 737º/3 CPC diz
que “Estão ainda isentos de penhora os bens imprescindíveis a qualquer economia doméstica que se encontrem na casa de

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habitação efetiva do executado, salvo quando se trate de execução destinada ao pagamento do preço da respetiva aquisição ou do
custo da sua reparação.”. Um microondas é um bem imprescindível a uma economia doméstica, a menos que haja 10

microondas numa casa. Não se encontra na casa de habitação efetiva, mas não é feliz a lei (parece que quer dizer
que a casa de morada efetiva é onde ele estiver - quando está em Coimbra tem uma casa de morada efetiva, e
quando está com os seus pais está numa casa de morada efetiva -, mas não é isso, é a residência habitual à primeira
morada). É penhorável porque não está na morada de habitação efetiva, a lei quer afastar a impenhorabilidade nas
casas de férias.

• Uma PlayStation, seria imprescindível numa economia doméstica? Pode ser, imaginemos uma casa com 4
miúdos que só se calam se lhes derem um comando para à mão. E uma TV com ziliões de polegadas? Não há
mais nada em casa, não têm dinheiro e está lá aquele bem para ver a bola. Uma TV é imprescindível a uma
economia doméstica, mas se há 3/4 ou 1 em cada divisão essas podem ser penhoradas. Mas mesmo estes bens
imprescindíveis a uma economia doméstica podem ser penhorados (penhorabilidade relativa), quando se trata
de execução destinada ao pagamento do preço da respetiva aquisição ou do custo da sua reparação [nº2/
b)].

• Metade do salário da Felismina - pode (art. 738º/3 CPC), até podia penhorar mais desde que deixássemos €1.740
por mês.

• O computador - podia ser penhorado, mas apenas e só se esta execução se destinasse a obter o preço da sua
aquisição ou o custo da sua reparação. Pela negativa, não podia ser penhorado a não ser que se tratasse de
execução destinada a obter o preço da sua aquisição ou o custo da sua reparação.

• O cão - não pode, art. 736º/g) CPC

Nota - o art. 738º CPC foi alterado pela última alteração ao LOE. Temos de ir à Lei nº 114/2017 de 29 de Dezembro, que
acrescenta o nº8.
O fiador
tem o
benefício Vamos falar telegraficamente dos casos de penhorabilidade subsidiaria - a lógica aqui é dizer que os bens ou todo o
da
excussão património só podem ser penhorados depois de outros bens ou outro património se ter revelado insuficiente para o
previa,
primeiro pagamento do crédito exequendo (ex.: a fiança - o fiador tem o benefício da excussão prévia a menos que renuncie a
tem de ele, não se toca no património dele enquanto não estiver exaurido o património do executado; os cônjuges - pode ser
esgotar o
património agredida a meação comum do cônjuge, mas depois de esgotados os seus bens próprios).
do fiado
antes de Em caso de herança, o herdeiro subingressa na posição do devedor. Se alguém aceitar a herança pura e simplesmente, não pode
insurgir reagir contra penhora, tem de provar que os bens da herança são insuficientes. Art 2071 CC. Se for aceite com benefício de
sobre o inventário apenas os bens inventariado podem ser penhorados, caso contrário os credores tem de provar que os bens da herança
património não foram todos inventariado.
do fiador.
745 CPC Aula 8 - 15/05/18
Sim mas a venda
seria ineficaz em
Falta resolver o caso num ponto - podia a Felismina vender ou não o apartamento penhorado na ação executiva? relação a
execução!

Mas antes de chegarmos a esse ponto em concreto, temos de recuperar o Caso Prático nº3 (pergunta de exame
escrito), estamos a falar de penhorabilidades (vimos o caso a propósito da legitimidade):

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José Ferreira - Ano Letivo 2017/2018

Imaginemos que a herança de Bernardo fora aceite pura e simplesmente. Se a execução prosseguir (regularizada
quanto aos pressupostos processuais), e se nela for penhorado um veículo automóvel de Roberto, pode este reagir
contra tal penhora?

Resolução:

Quando alguém aceita uma herança aceita todas as coisas, boas ou más (ubi commoda, ibi incommoda - onde há
créditos e bens - ativos - também podem haver dívidas - passivos). Mas o senso comum sabe que quem aceita uma
herança tem responder pelas dívidas da herança, mas não com o seu património pessoal pois estas dívidas são pagas
com os bens da herança, e num plano social nem se compreenderia que outra solução houvesse (para aceitar a
herança do avô não tem de responder com os seus bens pelas dívidas da herança dele) - art. 2071º CCiv.. Desta norma
retira-se, que tem uma norma correspondente no CPC art. 744º, que há 2 formas de aceitação da herança - uma
aceitação a benefício do inventário (uma aceitação com base numa lista dos bens da herança), e uma aceitação pura e
simples, e tanto num caso como no outro a regra do direito substantivo é a mesma (pelas dívidas e encargos da
herança responde a herança), a diferença está no ónus que recai sobre certas pessoas em função da modalidade de
aceitação da herança:

1. Se a herança foi aceite a benefício de inventário, são os credores e os legatários que têm de provar que essa lista
está incompleta (peca por defeito).

2. Se a herança é aceite pura e simplesmente, então quem tem o ónus de dizer que não há mais bens que aqueles
que recebeu e que já foram identificados, quem tem esse ónus é o herdeiro que aceita pura e simplesmente.

A componente adjetiva deste regime vai resolver o nosso caso prático, art. 744º CPC - “Bens a penhorar na execução
contra o herdeiro - 1 - Na execução movida contra o herdeiro só podem penhorar-se os bens que ele tenha recebido do autor da
herança. 2 - Quando a penhora recaia sobre outros bens, o executado, indicando os bens da herança que tem em seu poder, pode
requerer ao agente de execução o levantamento daquela, sendo o pedido atendido se, ouvido o exequente, este não se opuser. 3 -
Opondo-se o exequente ao levantamento da penhora, o executado só pode obtê-lo, tendo a herança sido aceite pura e simplesmente,
desde que alegue e prove perante o juiz: a) Que os bens penhorados não provieram da herança; b) Que não recebeu da herança mais
bens do que aqueles que indicou ou, se recebeu mais, que os outros foram todos aplicados em solver encargos dela.”. A resposta

começa por ser afirmativa - se aquele bem não é da herança ele pode reagir contra esta penhora, mas calma porque
não acaba aqui a lei diz que o nosso Roberto tinha de dizer “alto alto alto! O carro não é meu, os bens da herança estão
aqui, e eu peço senhor agente de execução que levante a penhora”, e o agente de execução levanta a penhora se o
exequente não se opuser (o assunto fica resolvido). E se o exequente não se opuser? Tem de provar ao juiz que aquele
carro não provém da herança e que não recebeu da herança mais bens do que aqueles que indicou ou, se recebeu
mais, que os outros foram todos aplicados para pagar as dívidas da herança.

Voltando ao Caso Prático nº5

Temos de falar da responsabilidade subsidiária no caso das dívidas dos cônjuges (arts. 740º, 741º e 742º CPC) -
sai sempre nos exames e nas orais.

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Notas:

1. Podemos ter dividas que são da responsabilidade exclusiva de um dos cônjuges, ou dividas que são da
responsabilidade de ambos os cônjuges:

1. Pelas dívidas que são da responsabilidade de ambos os cônjuges, respondem os bens comuns do
casal e só na sua falta ou insuficiência respondem solidariamente os bens próprios de qualquer
um dos cônjuges (art. 1695º/1 CCiv.).

2. Pelas dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges, respondem os bens próprios do


cônjuge devedor, e só na sua falta ou insuficiência é que responde a sua meação nos bens
comuns (art. 1696º CCiv.). Temos um caso de responsabilidade subsidiária (como o do fiador) - um
património só é agredido depois de outro se ter revelado insuficiente.

Os cônjuges têm sempre património próprio e comum, a não ser que estejam no regime da separação de bens.

2. Podemos ter titulo executivo contra um ou ambos os cônjuges.

3. Pode ser uma sentença ou um título extrajudicial.

Para que servem estes artigos processuais? Resolvem problemas diferentes:

1. O art. 740º CPC está pensado para os casos em que a dívida é da responsabilidade exclusiva do cônjuge
executado. Permite-se a separação das águas em termos patrimoniais do casal, para que se possa proteger
a meação do outro cônjuge que não é devedor, e se possam penhorar bens da meação do cônjuge devedor.
Ou seja, não se impõe aos cônjuges a dissolução do casamento (por causa do problema de dividas, podem fazer a
separação dos seus patrimónios sem ser preciso esperarem pela dissolução do casamento - permite que se
penhorem bens que são bens comuns, ao não haver bens próprios do cônjuge devedor, e depois a dada altura vai-
se permitir ao outro cônjuge a separação das águas do ponto de vista patrimonial para que se agrida apenas a
meação de um deles - o cônjuge devedor - e se proteja a meação do outro). Pode ter acontecido que um bem
comum que foi penhorado, na partilha ir parar à meação do cônjuge que não é devedor (e já se penhorou 1,2 3
bens comuns - ex.: penhorou-se logo à partida um carro no valor de €10.000, era bem comum e não havia bens
próprios do cônjuge devedor, vai-se fazer a partilha para proteger o outro cônjuge e pode acontecer que aquele
carro na partilha ficou para o outro cônjuge; vai ter de haver aqui uma substituição de penhoras, de bens
penhorados, aquele entretanto ficou na parte da meação que não vai responder pela dívida). É um mecanismo
importante para proteger o cônjuge não devedor - para permitir desde logo a penhora de bens comuns, e proteger
a meação do cônjuge não devedor. Depois vai-se a ver a quem vai calhar, se calhar ao cônjuge não devedor vai
substituir-se a penhora por outra.

2. Os arts. 741º e 742º CPC visam resolver outro tipo de problema. Estão pensados para as hipóteses em que a
execução foi movida apenas contra 1 dos cônjuges, mas a dívida é comum de acordo com o direito
substantivo, e o exequente só tem título executivo contra um dos cônjuges (ex.: um casal compra um sofá

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para a casa onde vivem, e o marido paga com um cheque de uma conta sua que não tem provisão; há título
executivo, não foi paga a dívida, trata-se de uma despesa que foi feita em proveito comum do casal por muito que
o marido queira ver o futebol lá apenas ele, e assim é uma dívida da responsabilidade de ambos os cônjuges, mas
o exequente só tem título executivo contra um deles, o marido). Permite que se crie na ação executiva um título
“fantasma”/virtual (que se complemente o título que já existe) contra o cônjuge que responde também pela
dívida mas que não é executado ainda, de forma a que haja título contra os 2 cônjuges. MAS ATENÇÃO, só

Sublinhar na lei!!!
pode acontecer quando o título de que vamos complementar/que deu origem àquela execução não seja
uma sentença, porque se for não vamos acrescentar nada (a sentença é intocável deste ponto de vista - se o
título é uma sentença, significa que houve uma ação declarativa que correu apenas contra um dos cônjuges, por
isso é que só um deles foi condenado; se o credor exequente queria ter título/sentença contra ambos, devia ter
proposto a ação declarativa contra ambos os cônjuges, ele tratou a dívida desde o início como se se tratasse de
uma dívida da exclusiva responsabilidade de um). Vale portanto para o requerimento de injunção com fórmula
executória, um cheque, uma escritura pública, etc... A isto chama-se o incidente da comunicabilidade da dívida.
Veja-se: “1 - Movida execução apenas contra um dos cônjuges, o exequente pode alegar fundamentadamente que a dívida,
constante de título diverso de sentença, é comum; a alegação pode ter lugar no requerimento executivo ou até ao início das
diligências para venda ou adjudicação, devendo, neste caso, constar de requerimento autónomo, deduzido nos termos dos
artigos 293º a 295º e autuado por apenso. 2 - No caso previsto no número anterior, é o cônjuge do executado citado para, no
prazo de 20 dias, declarar se aceita a comunicabilidade da dívida, baseada no fundamento alegado, com a cominação de que, se
nada disser, a dívida é considerada comum, sem prejuízo da oposição que contra ela deduza. (...) 4 - A dedução do incidente
previsto na segunda parte do nº1 determina a suspensão da venda, quer dos bens próprios do cônjuge executado que já se
mostrem penhorados, quer dos bens comuns do casal, a qual aguarda a decisão a proferir, mantendo-se entretanto a penhora já
realizada.”. Este incidente, se olharmos para a epígrafe do art. 741º CPC, pode ser deduzido pelo exequente, ou

pelo próprio cônjuge executado (art. 742º CPC - o cônjuge executado pode dizer “não não, a dívida não é só da
minha responsabilidade, o sofá foi comprado pelos dois e não é só o meu património próprio que responde na falta
de bens comuns, é também o património dela”; “1 - Movida execução apenas contra um dos cônjuges e penhorados bens
próprios do executado, pode este, na oposição à penhora, alegar fundamentadamente que a dívida, constante de título diverso de
sentença, é comum, especificando logo quais os bens comuns que podem ser penhorados, caso em que o cônjuge não
executado é citado nos termos e para os efeitos do nº2 do artigo anterior. 2 - Opondo-se o exequente ou sendo impugnada pelo
cônjuge a comunicabilidade da dívida, a questão é resolvida pelo juiz no âmbito do incidente de oposição à penhora,
suspendendo-se a venda dos bens próprios do executado e aplicando-se ainda o disposto nos nºs 5 e 6 do artigo anterior, com as
necessárias adaptações.”). E note-se ainda (truque muito usado pelos advogados, e atenção para as orais), o art.

741º CPC diz que este incidente pode ser logo deduzido no requerimento executivo (no início), ou até ao
início das diligências para venda ou adjudicação em requerimento autónomo (mais tarde, quase até à
venda dos bens). Mas se for feito no requerimento executivo, há uma consequência processual
importantíssima, a ação segue a forma ordinária, o que significa que não se vão fazer penhoras antes de se
ouvir o executado, há citação prévia antes da penhora (pode assim haver interesse do advogado em não
deduzir este incidente logo no requerimento executivo, ele pode querer chegar à penhora dos bens o mais
rapidamente possível, e depois de penhorado o património chama-se o executado) - art. 550º/3/c) CPC.

Note-se que não precisamos aqui de recorrer ao art. 745º CPC - aqui temos uma regra substantiva que nos resolve o
problema da penhorabilidade subsidiária. São os casos em que há um devedor principal e um devedor subsidiário, e a
subsidiariedade das dívidas dos cônjuges está ao nível do património e não do responsável.

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Resta agora responder à questão de saber se ela podia ou não vender a casa de férias depois de penhorada. Será que
pode aproveitar uma boa proposta de negócio para vender a casa penhorada, que é sua ainda, na ação executiva?
Para explicar isto temos de atender aos 3 efeitos da penhora. São os mesmos efeitos do arresto - só tem interesse se
houver ação executiva, o arresto a única coisa que faz é congelar os bens do devedor e isso não paga o crédito. Ou o
credor paga e levanta-se o arresto, ou o credor tem de seguir para a ação executiva e converter aquele arresto em
penhora com anterioridade temporal (art. 822º/2 CCiv.).

São três:
Efeitos da penhora: 1. Indisponibilidade material
2.Indisponibilidade jurídica
3. Confere se ao exequente um direito real de garantia.
1. Indisponibilidade material dos bens penhorados (o desapossamento dos bens, esses poderes de facto
transferem-se para o tribunal). Transferência para o tribunal dos poderes de gozo que integram o direito do
executado. Se eu pegar num certo bem, para o vender se não a tenho na posse não a preciso de entregar (não
vivemos em Portugal num sistema de traditio, temos um sistema de título e não de modo, o registo não é em regra
constitutivo por força do princípio da consensualidade, art. 408º CCiv.), se é assim a remoção do património do
devedor de pouco valeria no direito português (eu posso vender coisas que não tenho em meu poder, porque não
as tenho de entregar, não tem de haver traditio) as coisas continuam a arrastar no comércio jurídico/a passar de
mão em mão, e de certa forma obstacularizavam-se os interesses que a penhora quer acautelar, daí o segundo
efeito da penhora. Note-se que este desapossamento dos bens existe em muitas situações, mas em muitas outras
é um efeito esbatido - ex: o executado fica depositário dos bens (a casa de morada de família).

2. Indisponibilidade jurídica dos bens penhorados - uma ineficácia relativa dos atos dispositivos ou de
oneração dos direitos subsequentes (e também do arrendamento - feita a penhora, o arrendamento é inoponível
ao exequente, pois o arrendamento faz diminuir drasticamente o valor do imóvel, agora menos porquê já têm um
prazo mais limitado). Artigo 819 CC

• Posso vender um bem penhorado, mas a venda de um bem penhorado não é inexistente (vício mais grave do
negócio jurídico), nem nula (se fosse nula ou inexistente podia-se dizer que a venda não era juridicamente válida),
nem anulável (aqui já poderia dizer que era válido, o negócio jurídico consolida-se por sanação ao fim do prazo de
admissão da anulabilidade), e não há ineficácia absoluta (a venda produz efeitos perante os outros - o vizinho do
lado não pode dizer que não reconhece o novo proprietário, porque aquele ato não produz efeitos contra si).
Inventou-se uma solução que fez com que esses atos dispositivos sejam relativamente inoponíveis (ineficácia
relativa à execução e ao exequente), ou seja pode-se vender um bem penhorado. A genialidade da solução é está -
garantem-se os interesses da execução, permite-se ao executado ter alguma folga e disponibilidade relativamente
ao seu património ao ponto de poder encontrar um bom negócio, e toda a gente fica satisfeita com esta solução).
Mas compra-se um bem penhorado com muitas cautelas (é preciso que confie no executado, ou então tem de ser
um preço muito bom para correr esse risco, e/ou tem de pedir uma garantia bancária à 1ª solicitação/on first
demand16 ). Por isso é que é raro haver vendas de bens penhorados, por causa dos perigos envolvidos desde logo
para o comprador.

16O cheque pode não ter dinheiro. Quem é que garante o pagamento? Só uma garantia bancária on first demand. Quando há uma garantia bancária à primeira solicitação, o Banco
garante que se fulano x pedir para entregar este dinheiro por conta de um negócio que teve com este senhor, entrega e não discute. É a mesma coisa que ter o dinheiro depositado
no Banco. Claro que são caríssimas. E pois claro que quem consegue essas garantias não é um indivíduo que anda cheio de ações executivas.

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• Muito importante é a noção de terceiros para efeitos de registo (exames), art. 819º CCiv.. Como funciona aqui
esta teoria dos terceiros para efeitos de registo nesta venda de bens em que está envolvida uma penhora? Quando
falámos desta matéria em outras disciplinas foi dito o seguinte - há situações em que o registo, que não é constitutivo em
Portugal, muito excecionais, atribui direitos. São os casos de dupla alienação - o mesmo autor/causante/transmitente vende o
imóvel a B que não regista, e vende também a C que entretanto regista a venda. Aqui o registo deu direitos porque A vendeu a B,
e a partir desse momento (art. 408º CCiv.) deixou de ser proprietário, e por força do art. 892º CCiv. a venda de A a C é nula
(venda de coisa alheia). Já dizia ORLANDO DE CARVALHO, que o registo aqui funciona como exceção ao princípio do nemo plus
iuris in alium transferre potest quam ipse habet (ninguém pode transmitir mais direitos do que aqueles que tem), o A já não tem o
direito mas transmite o direito, e a solução jurídica normalmente é a nulidade, mas aqui não para protegermos aquele que confiou
no registo (olhou para lá e estava o registo em nome de A, e ele foi lá registar a seguir. Também como no caso da hipoteca, aqui o
registo vai dar direitos a quem à partida não teria possibilidade de aceder a eles por ter adquirido de um causante/transmitente
sem direito. Aqui o problema é ligeiramente diferente, mas parecido, e questiona-se se deve valer aqui o conceito de

terceiro para efeitos de registo. Veja-se que na ação executiva já não acontece a dupla alienação, mas uma história
muito diferente - o A vende a B, e o B adquire, o A não vai vender de novo a ninguém e não há uma dupla
alienação, o A vai contrair dívidas que não paga, e a seguir alguém move uma ação executiva, e o agente de
execução olha para o património registado em nome de A, e penhora o apartamento que tinha sido vendido ao B
em 2008 e não registado; A não vende a B e depois a C, mas há um terceiro que vem adquirir, na sequência desta
penhora registada antes do registo da venda, pela via da ação executiva, será que vai adquirir direito como o outro
adquiria em desvio ao nemo plus iuris? Ou seja, vamos proteger o conceito de terceiro para efeitos de registo
também nas situações de penhora? É que para o fazermos temos de defender um conceito amplo de terceiros para
efeitos de registo, daí a conceção restrita e a conceção ampla que abrange figuras como a penhora (ou hipotecas
judiciais, arresto). Vamos proteger a penhora pelo conceito de terceiros para efeitos de registo, e permitir que, não
obstante termos penhorado um bem que já não pertencia ao exequente, aquele que adquire por via de uma ação
executiva vai ser protegido porque a penhora foi registada? Ou antes vamos dizer que não, aplicando o art. 408º
CCiv., e o proprietário é o B (princípio da consensualidade, o registo não é requisito para aquisição do direito)?
Importância prática: Não só
aqueles
que
adquirem
1. Se defendermos a conceção ampla, protegendo o adquirente por via da ação executiva, o B vem dizer do mesmo
que quer embargar de terceiros e depois perde - a penhora foi registada primeiro, terceiros para efeitos alienante
direitos
de registo e quem compra na ação executiva tem prevalência sobre ti. incompatív
eis, mas
também
aquela
Pessoas que do 2. Se adotarmos a conceção restrita, o efeito prático é B vir aos embargos, e ganha os embargos porque
cujos
mesmo autor ou direitos
transmitente
se aplica o art. 408º CCiv., ele é proprietário e prior in tempore potior in iure.
adquiridos
adquirem ao abrigo
direitos da lei
incompatíveis • Depois há uma situação muito parecida, reparemos que o A nem sequer indicou o bem à penhora (o A faz a dupla tenham
sobre o mesmo esse
bem alienação e vende a B e a C), apenas contraiu dívidas e não pagou, e depois vão apanhar o bem que não é dele.
alienante
Isto merece o mesmo tratamento material que as situações de dupla alienação? como
sujeito
passivo,
ainda que
• A conceção restrita de terceiros para efeitos de registo foi defendida num Acórdão do STJ de uniformização de ele não
jurisprudência, Ac. STJ 3/99 de 18 de Maio. Embora este acórdão tivesse acrescentado a boa fé - O terceiro era tenha
intervindo
protegido se estivesse de boa fé, isto é, se desconhecesse o negócio anterior. Foi defendida por ilustres nos atos
jurídicos
professores desta casa (MANUEL DE ANDRADE, ORLANDO DE CARVALHO, MOTA PINTO), e esta conceção restrita, a tal respetivos.
que não protege a penhora, foi consagrada na lei em 1999, no art. 5º/4 CRPred..

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José Ferreira - Ano Letivo 2017/2018

• Note-se que isto não é consensual, nem toda a doutrina que defende a conceção ampla se deu por vencida,
A dr MJ diz
porque a letra da lei não é perfeita (faltou-lhe ali uma filigrana que não ficou na versão final) e portanto não vêem que a
concencao
que no art.5º/4 CRPred. obrigatoriamente se consagre a conceção restrita. É defendida nesta casa a conceção ampla
devia estar
ampla por ilustres autores, como ANTUNES VARELA, HENRIQUE MESQUITA e MÓNICA JARDIM (tese de doutoramento
consagrada
sobre estes assuntos, com argumentos muito fortes, tese brilhante e muito elogiada). Foi também consagrada num mas não
está.
acórdão anterior ao de à pouco, também de uniformização de jurisprudência, Ac. STJ 15/97 de 20 de Maio.

• Mas o argumento histórico, o preâmbulo da lei que alterou o CRPred., vai no sentido de se consagrar a conceção
restrita. VALE E REIS considera forçado e difícil não ver na lei outra conceção que não a restrita (o que não quer
dizer que a defenda).

3. Confere-se ao exequente um direito real de garantia - art. 822º/1 CCiv.. A penhora tem todos os efeitos de um
direito real de garantia - incide sobre um bem (princípio da especialidade), e constitui preferência a favor do
A vantagem do
arresto quando exequente (tem o direito a ser pago, com preferência relativamente aos demais credores), e até direito de sequela
é convertido (se a coisa for vendida, o exequente vai atrás da coisa, porque essas alienações não o afetam). Há situações em
numa penhora
é a criação de que o exequente não tem garantia nenhuma, e a penhora oferece-lhe a primeira garantia, que depois é importante
um direito real
de garantia, para reclamar créditos.
desde o
momento do
arresto.

Aula 9 - 22/05/18

Caso Prático nº6

A sociedade Crédito Fácil, S.A. moveu ação executiva contra João, com fundamento no incumprimento, por parte deste,
de um contrato de mútuo.

João está casado com Maria, no regime da comunhão de adquiridos, desde 2010.

Nessa ação executiva, foi penhorado um prédio urbano que havia sido adquirido por Maria, por via sucessória, em 2009.

Pode Maria reagir contra esta penhora? Como?

Resolução:

É um caso atinente à oposição à penhora (retirado dos exames). São 2 questões diferentes:

1. Pode Maria reagir?

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1. Temos uma ação executiva movida apenas contra o marido. O normal é haver título executivo apenas
contra ele, e assim se o titulo for uma sentença obrigatoriamente trata-se de uma dívida de
responsabilidade exclusiva do João. Ora, aquele bem de Maria é próprio (regime da comunhão de
adquiridos, é um bem adquirido por via sucessória, e igual seria se fosse um bem adquirido na sequência
de uma oneração), e não pode responder pela dívida, nem sequer subsidiariamente.

2. Se o título for diferente de sentença, poderia ser deduzido o incidente da comunicabilidade da dívida (arts.
741º e 742º CPC, pelo exequente ou pelo executado) - ex., um cheque ou uma escritura pública. Se
deduzirmos o incidente da comunicabilidade da dívida, desse incidente pode resultar:

1. A dívida é comum, e é da responsabilidade de ambos os cônjuges. Aqui já o bem de Maria pode


responder, mas subsidiariamente (trata-se de uma dívida de responsabilidade de ambos os
cônjuges, responde em primeira linha os bens comuns e na sua falta/insuficiência
subsidiariamente e solidariamente os bens próprios de cada um dos cônjuges).

2. A dívida é da responsabilidade exclusiva de João. Aqui aquele bem está afastado (o bem que é
próprio de Maria não responde por aquela dívida), e a penhora é ilegal. Maria tem fundamento
legal para reagir perante esta penhora, é objetivamente ilegal (incide sobre um bem que não
responde pela dívida).

2. Como? Quais são as formas de reação contra uma penhora ilegal? Como se exerce o contraditório relativamente à
penhora? No nosso direito processual civil há 4 meios de reação contra uma penhora que se considera ilegal:

1. Oposição por simples requerimento;

2. Incidente de oposição à penhora;

3. Embargos de terceiros;

4. Ação de reivindicação;

Os 2 primeiros meios aqui enunciados têm lugar no próprio processo executivo, ainda que o incidente de
oposição à penhora corra por apenso (há uma capa com o processo principal, e depois anexada/acoplada a essa
capa/processo principal, com o mesmo número e com uma letra - se for o primeiro apenso a letra A, o segundo a letra
B, e por aí fora -, há uma outra capa/processo/outro conjunto de folhas, e têm uma vida relativamente autónoma, mas
ainda estamos dentro da mesma ação executiva). Os 2 últimos constituem ações declarativas, sendo certo que os
embargos também correm por apenso à ação executiva, e a ação de reivindicação é totalmente autónoma (é um
processo completamente diferente).

Vamos analisar cada um deles:

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1. Oposição por simples requerimento (art. 764º/3 CPC) - fala da possibilidade de se fazer, perante o juiz,
prova documental inequívoca de que a coisa penhorada pertence a terceiro, mediante simples
requerimento acompanhado dessa prova, presumindo-se até lá que a coisa pertence ao executado. Quando
um agente de execução faz a remoção de bens (a penhora pressupõe a remoção de bens), entra numa casa, a lei
permite-lhe presumir ser do executado os bens que estão no seu poder. É uma forma de certa maneira, com algum
risco, facilitar a apreensão dos bens para acautelar o interesse e o direito do credor exequente, mas há o tal risco
de se apreender património que não é do executado, alheio (como acontece muitíssimas vezes17). Se estão no
poder do executado presumem-se dele, mas com facilidade de ilidir a presunção por mero requerimento ao juiz,
desde que faça prova documental inequívoca 18. É um certo risco do sistema com o qual temos de viver e aceitar,
porque do outro lado estão interesses também atendíveis. Na dúvida, o agente de execução manda penhorar e
depois entenda-se com o juiz. LEBRE DE FREITAS diz que esta oposição fácil à penhora mediante requerimento
para estes casos deve ser considerado mais amplo, e de certa forma permitir em todas as circunstâncias
sempre esta reação por simples requerimento (admite doutrinalmente um mecanismo genérico de reação contra
uma penhora através de simples requerimento, seja pelo executado ou por terceiro).

2. Incidente de oposição à penhora/embargos de executado (art. 786º CPC) - é um mecanismo da própria ação
executiva que corre por apenso, é um mini-processo/incidente autónomo (não é uma ação declarativa). Quem tem
legitimidade? Desde logo a pessoa executada, ou o seu cônjuge enquanto não tiver sido citado (tem na ação
executiva a possibilidade de proteger os interesses e património do seu cônjuge executado). Sobre os
fundamentos, tramitação e efeitos ver arts. 784º e 785º CPC. 3 grupos de fundamentos que podem fundamentar
uma oposição à penhora:

1. Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente aprendidos, ou da extensão com que ela foi
realizada - ex.: foi penhorado mais de 1/3 do salário quando só se podia penhorar 1/3, não se respeitou a
regra da impenhorabilidade dos 2/3 do salário.

2. Penhora de bens que só subsidiariamente respondem pela dívida exequenda - ex.: situações em que
se penhorou o património do fiador (que tem o benefício da excussão prévia - direito a que se primeiro
esgote o património principal e só depois o seu), não foi respeitada a regra da subsidiariedade; há uma
dívida de responsabilidade comum do casal, e foram penhorados bens próprios de ambos sem ter sido
esgotado primeiro o património comum.

3. A penhora incidiu sobre bens que não respondem nos termos do direito substantivo - ex.: os casos
de impenhorabilidade absoluta (nomeadamente, são penhorados bens afetos ao culto público).

17Imagine-se, num processo em que é executado alguém, morou numa determinada casa, deu essa morada ao Banco/sociedade financeira, vai-se fazer remoção de bens que
estão nessa casa. Mas quem lá vive já não é o devedor, é outra pessoa que entretanto tomou de arrendamento a casa, ou até pode ser o senhorio.

18 Exs.:

1 - Penhora-se uma TV, não é do devedor.

2 - Num arresto, foi apreendida ilegalmente as camas de dormir e outros móveis que estavam no quarto das crianças. Os pais eram devedores (as crianças não têm personalidade
jurídica, têm capacidade de gozo mas não de exercício, mas são centros autónomos de imputação de direitos e obrigações (as crianças são pessoas distintas dos pais). Aquelas
mobílias tinham sido oferecidas pelos avós às meninas e foram arrestadas. Tinha de ser demonstrado ao juiz, e o avô até tinha lá a cópia do cheque e a fatura em como pagou as
camas que ofereceu aos netos (como é tão frequente), por simples requerimento (não é preciso grandes formalismos) expedito rápido ao juiz, e o juiz mediante aquela prova
inequívoca faz o levantamento da penhora/arresto.

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• Sobre a tramitação desta oposição à penhora - o executado tem um prazo de 10 dias para se opor a contar da
citação (art. 785º CPC), a execução não fica suspensa com a apresentação da oposição à penhora (só é
suspensa se o executado prestar caução, e havendo-a será apenas em relação aos bens em causa - a execução
pode seguir com a penhora de outros bens relativamente aos quais não haja problema nenhum).

3. Embargos de terceiros (art. 342º e ss. CPC) - famosíssimos. Já falámos disto a propósito dos meios de defesa
da posse no direito das coisas. Os bens de terceiro (relativamente à execução), isto é, de pessoa que não seja
exequente nem executado, não são penhoráveis. Esse terceiro pode vir à ação executiva e embargar. Nota -
estes embargos de terceiros estão regulados nos arts. 342º e ss. CPC, não estão regulados nas normas
destinadas à ação executiva. Porquê? Não são um mecanismo exclusivo de reação contra a penhora, servem para
reagir contra qualquer diligência judicial que ofenda a posse ou outro qualquer direito incompatível com essa
diligência (ex.: no arresto também podem haver embargos de terceiro). Pergunta para um milhão de dólares - o que
é um direito incompatível com a penhora? Sei já que a penhora não é um fim em si mesma, tem um objetivo que é
permitir a venda executiva - temos de olhar para a venda executiva. Ou seja a pergunta tem de ser que direito é
incompatível com a venda executiva? É um direito que faz com que a venda não seja “limpinha” (a venda faz
caducar os direitos que recaem sobre a coisa), sem problemas, e os embargos servem para proteger este princípio
(vamos permitir que alguém que possa ter um direito que interfira com esta lógica, venha à ação executiva
embargar, para que depois não haja “roupa suja”).

• Ex.: O A é proprietário de uma casa, e constituiu sobre ela um usufruto por muito tempo (desmembramento da propriedade, passa
a ser nu proprietário). Na prática, o usufruto pode ser feito como forma de partilha de bens em vida (os pais passam a nua
propriedade aos filhos, dividem o património, e ficam usufrutuários dos bens; quando morrerem a propriedade fica consolidada
nos filhos e ninguém se chateia, é uma forma de conseguir a paz social antes, não andam os filhos em conflito por causa de
património (vão à conservatória coisa barata, o usufruto vigora enquanto o último morrer, depois pode haver o direito a acrescer).
Podem usar e fruir (utendi e fruendi), só não podem abusar (abutendi - só o proprietário pode destruir o bem), mas o nu
proprietário também não pode destruir porque está limitado nesse direito pelo usufruto dos pais. Vamos imaginar que esta casa foi
penhorada numa ação executiva em que é executado o A. B, usufrutuário, tem o tal direito incompatível com a penhora? Pode
embargar? A resposta é diferente consoante várias hipóteses:

• Hipótese A - foi penhorada apenas a nua propriedade. Aqui o que vai ser vendido é a nua propriedade. Aquela venda não
está ferida de algum problema, o seu direito está incólume. Não tem um direito incompatível com a penhora, a penhora não o
afeta porque a venda executiva também não o vai afetar. Não pode embargar, porque também não precisa de embargar.

• Hipótese B - foi penhorada a propriedade plena daquela casa (erradamente). O agente de execução penhora, o juiz não
repara, o executado quer lá saber, o exequente penhora a propriedade plena, e tem de ser o usufrutuário tem de vir propor
uma ação de reivindicação ou com embargos de terceiro. Há um direito incompatível com a penhora.

• No manual há várias páginas dedicadas à questão de se saber em quem tem um direito incompatível. Porquê há
situações que são discutidas doutrinalmente, outras não.

• P. ex., o possuidor pode? Tem corpus (exerce poderes de facto) e animus (intenção de se comportar como
proprietário). O possuidor que não seja executado pode embargar de terceiro. O possuidor goza da presunção
da titularidade do direito (os embargos de terceiro são um meio de defesa da posse).

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• E os meros detentores aos quais é alargada a tutela possessória? O comodatário, o arrendatário, locatário, o
depositário e o parceiro pensador (parceria pecuária - dava o penso aos animais, alimentava o animal).
Exercem uma posse precária, podem usar os embargos quando eles sejam possuidores em nome de terceiro
que não o executado. Dito de outra forma, se o senhorio é o executado, o arrendatário não pode embargar de
terceiro. Agora, se a coisa lhe foi dada de arrendamento por outro que podia embargar, então mero detentor em
nome desse terceiro pode embargar.

• E o apanágio de cônjuge sobrevivo? Vem do latim apaguem (o pão, alimento), era a forma de sobreviver, de se
alimentar.

• E o promitente-comprador de um imóvel (apartamento) com tradição da coisa? Aqui a doutrina diverge


fortemente, não na parte em que se o promitente-comprador for um terceiro (pode embargar, é um mero
detentor em nome de terceiro), mas se quem promete vender e entrega a coisa é o executado pode? LEBRE DE
FREITAS entende que não, que este promitente-comprador com traditio, tendo o promitente-vendedor sido o
executado não pode embargar, não tem interesse em embargar. Mas MIGUEL MESQUITA (tese de mestrado
brilhante) e REMÉDIO MARQUES já acham que sim (MELHORIAS!). Note-se que tem direito de retenção, mas
quem tem um direito real de garantia não pode embargar, porque podem fazer uma coisa melhor para eles que
é reclamar créditos na ação executiva (têm garantia, reclamam créditos na ação executiva, por isso é que os
direitos reais de garantia caducam com a venda executiva).

• No nosso caso, em bom rigor, o que houve foi uma submodalidade dos embargos de terceiro que se chama
embargos do cônjuge (art. 343º CPC). Para defesa dos seus direitos relativos aos bens próprios, bem como
dos relativos aos bens comuns que indevidamente hajam sido atingidos pela penhora. A nossa Maria deduz
embargos do cônjuge para defender o seu património próprio.

4. Ação de reivindicação - se não se apercebesse da ação executiva, tinha sempre a possibilidade do direito
substantivo (direito das coisas) da sequela (seguir a coisa onde ela se encontrar, fazendo valer o seu direito real).
O legislador considera que a sacrificar alguém será aquele que comprou na venda executiva de terceiro. É uma
ação declarativa comum, ao alcance do proprietário (ou titular de outro direito real menor) cujo direito
tenha sido ofendido pela penhora. É um meio totalmente autónomo relativamente ao processo executivo. Art.
839º/1/d) CPC - pode levar, a todo o tempo, à anulação (ineficácia?) da venda que neste for efetuada.

Aula 10 - 29/05/18

Caso Prático nº7

Em ação executiva movida contra João, foram penhorados vários bens pertencentes ao executado.

Rodrigo, credor de João (mas não exequente naquela ação) quer reclamar créditos.

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Pode Rodrigo fazê-lo, ainda que só disponha de título executivo contra João?

Resolução:

Parece que lhe falta qualquer coisa. Chegados a esta fase da ação executiva, depois da penhora, a ação executiva
começa a ser muito frequentada - há pessoas que estão ali naquela casa e que vão ali beber um copo na ação
executiva, e até mais do que isso querem ir pedir o que lhes cabe na ação executiva. Aquilo que era uma relação entre
2, passa a ser uma relação aberta. É a fase da convocação e concurso de credores. Efetuada a penhora, são
convocados para a execução os credores do executado para reclamarem os seus créditos. Só são convocados os
credores que gozam de garantia real sobre o bem penhorado (arts. 786º/1/b) e 788º/1 CPC), e só podem reclamar
os que tiverem título executivo contra o devedor/executado.

Por que é que se chamam os credores com garantia real sobre os bens penhorados? Por uma razão meramente prática
- os bens penhorados vão ser vendidos livres de direitos reais de garantia (caducam todos). A razão de ser dessa
caducidade é que se dá a possibilidade dos seus titulares de virem reclamar créditos à ação executiva.

Orais e exames escritos - o que pode fazer o credor que não tem direito real de garantia e não tem titulo executivo, e
vice-versa? Pergunta-se o que pode fazer o credor para reclamar o seu crédito quando tem falta de 1 destes 2:

1. Tem título executivo sobre os bens penhorados, mas não tem direito real de garantia:

1. Como tem um título executivo contra aquele executado, pode propor uma 2ª ação executiva contra
o mesmo executado, e indicar à penhora os mesmos bens penhorados na primitiva ação executiva.
Com essa penhora já tem um direito real de garantia sobre aqueles bens, e pode então reclamar créditos
na primitiva ação executiva, e a 2ª ação executiva que ele propôs susta-se (suspender-se) relativamente
aos bens penhorados duplamente (podendo seguir essa 2ª ação executiva em relação a outros bens) -
arts. 788º/5 e 794º CPC.

2. Pode conseguir um arresto ou uma hipoteca judicial sobre os bens penhorados.

2. Tem direito real de garantia sobre os bens penhorados, mas não tem título executivo:

1. Pode, dentro do prazo da reclamação dos créditos, pedir que a graduação destes aguarde a sua
obtenção de um título executivo, em ação já pendente ou a propor num prazo de 20 dias - arts.
792º/1 e 792º/7/a) CPC.

2. Pode este credor reclamante obter um título executivo na própria ação executiva (mais um exemplo
de título virtual ou fantasma), requerendo a notificação do executado para, num prazo de 10 dias, se
pronunciar sobre a existência do seu crédito. Se o executado reconhecer o seu crédito ou se nada
o disser, forma-se título executivo contra o próprio executado e a favor daquele credor (art. 792º/2
CPC).

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No nosso caso, era a primeira situação - tinha de fazer aquilo que já vimos.

O concurso de credores tramita por apenso ao processo de execução (art. 788º/8 CPC), que termina com uma
graduação dos créditos. O juiz pega numa folha e faz uma ordem em função da preferência dos credores (haverá
credores com melhor preferência do que outros), e com base nessa graduação, vai-se fazer o pagamento das dívidas
(tanto do exequente como dos credores que reclamaram o seu crédito) - ou seja, logo que estejam verificados
todos os créditos reclamados o juiz gradua-os, isto é, estabelece a ordem pela qual devem ser satisfeitos, incluindo o
crédito do exequente, de acordo com os preceitos aplicáveis de direito substantivo.

Caso Prático nº8

Em ação executiva movida contra João, foi penhorado e vendido um automóvel que lhe pertencia.

Diga que direitos caducaram com a venda executiva, sabendo que sobre o automóvel, além da penhora, também
incidiam um direito de retenção a favor do dono de uma oficina de reparação automóvel, uma hipoteca a favor do
exequente, e um usufruto constituído a favor de Manuel (3º), constituído e registado antes do registo da penhora?

Resolução:

É um caso relativo aos efeitos da venda executiva. É uma pergunta retirada de um exame. Cronologicamente temos a
venda executiva (momento final), temos uma hipoteca, um direito de retenção (anterior à penhora e depois da
hipoteca - não temos verdadeiramente a localização temporal destes direitos, é natural que tenha sido o direito de
retenção constituído depois da hipoteca - a hipoteca terá sido exigida no momento da aquisição do automóvel, o Banco
financiou e ficou com a hipoteca sobre o automóvel, fenómeno raro aliás19 ) e um usufruto constituído a favor de um
terceiro antes da penhora (não sabemos se anterior ou posterior à hipoteca - há 2 soluções possíveis assim).

A venda executiva não é hoje, como tradicionalmente uma venda em hasta pública, que se prestava a muitos acordos
de favor entre quem promovia e os interessados. A dada altura o legislador acabou com essa venda (embora haja aqui
uma figura parecida, que é a venda em estabelecimento de leiloes com regras próprias). O agente de execução tem de
escolher, num ambiente de contraditório, uma modalidade de venda:

1. Venda mediante propostas em carta fechada;

2. Venda em mercados regulamentados

3. Venda direta a pessoas ou entidades que tenham direito a adquirir os bens penhorados

4. Venda por negociação particular

19 Porquê? Os automóveis desvalorizam imenso, mal saem do stand.

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5. Venda em estabelecimento de leiloes

6. Venda em depósito público ou equiparado

7. Venda em leilão eletrónico

A venda é a forma através da qual se aliena a coisa, consegue dinheiro e se entrega ao exequente. Notas:

1. A adjudicação dos bens penhorados é uma figura especial híbrida, misto de venda executiva/alienação e
pagamento da dívida ao próprio exequente - permite-se que o exequente fique com a coisa, que a coisa seja
adjudicada ao exequente como forma de pagamento da dívida, e ao mesmo tempo de alienação da coisa, faz um 2
em 1, art. 799º CPC. Há exames em que se pergunta a distinção entre venda executiva e adjuducação. Vamos
colocar o bem na esfera jurídica do exequente como forma de lhe pagar o bem. “1 - O exequente pode pretender
que lhe sejam adjudicados bens penhorados, não compreendidos nos artigos 830.º e 831.º, para pagamento, total ou parcial, do
crédito. 2 - O mesmo pode fazer qualquer credor reclamante, em relação aos bens sobre os quais tenha invocado garantia; mas,
se já houver sido proferida sentença de graduação de créditos, a pretensão do requerente só é atendida quando o seu crédito
haja sido reconhecido e graduado.”.

2. Há ainda a figura do direito de remição (art. 842º CPC) ≠ diferente da remissão da dívida como forma de extinção
das obrigações (o perdão da dívida). É um direito de preferência qualificado de certos familiares do
executado, designadamente o cônjuge e os parentes em linha reta - pais, avós, filhos (é uma forma de
conservar o património na família). Se podemos vender ao A ou à família nas mesmas condições, vendemos à
família.

⚠ Efeitos da venda executiva, art. 824º CCiv.:

• “2. Os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem, bem como dos demais direitos reais que não tenham
registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com exceção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos
em relação a terceiros independentemente de registo.”. A letra da lei diz qualquer coisa, mas não diz tudo. Há algumas

coisas que percebemos, os direitos reais de garantia vão à vida, depois outros direitos reais sim e outros não
dependendo se são anteriores.

• “3. Os direitos de terceiro que caducarem nos termos do número anterior transferem-se para o produto da venda dos respetivos
bens.”. Se houver um direito que caduca, e houver ainda algum resto de dinheiro que permita ressarci-lo da

caducidade daquele direito então haverá aqui uma sub-rogação e poderá esse direito transmitir-se para o prooduto da
venda.

Vamos então analisar verdadeiramente este artigo. Efeitos da venda executiva:

1. Os direitos reais de garantia caducam todos. A coisa em venda executiva é vendida livre dos direitos de
garantia, mesmo que o titular não tenha vindo à ação executiva exercer as suas prerrogativas (nomeadamente,

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reclamando o seu crédito). Há porém um autor (posição minoritária), MENEZES CORDEIRO, que acha que o direito de
retenção do promitente-comprador com tradição da coisa não caduca - faz uma interpretação da letra do art. 824º
CCiv. como ainda permitindo a não caducidade deste direito, de forma a tutelar a habitação e da sua estabilidade20.

2. Se o direito real de gozo for anterior a qualquer direito real de garantia que possa ser exercido na ação
executiva, o direito real de gozo prevalece (não caduca). Ex.: um usufruto constituído em 2010, antes de
qualquer outro direito real de garantia, hipoteca em 2011, penhora em 2012. O A só hipotecou a nua propriedade, e
em 2012 apenas foi penhorada a nua propriedade. Se a venda executiva o afetar, vai embargar de terceiro/intentar
ação de reivindicação. Aquilo que vai ser verdadeiramente penhorado e vendido não o afeta. É o caso do nosso
caso prático, se o usufruto for anterior a tudo (não nos é dito quando foi constituído).

3. Se direito real de gozo não é anterior a um direito real de garantia que pode ser exercido na ação executiva
(é posterior) temos 3 sub-hipóteses (correspondentes a uma linha da tabela):

1. O direito real de gozo é posterior à penhora - depois da penhora, o proprietário-executado constituiu um


usufruto a favor de terceiro. Inoponibilidade relativa, este direito real de gozo não afeta a ação executiva e
caduca com a venda executiva.

2. O direito real de gozo é anterior à penhora, mas posterior a um direito real de garantia do exequente - o
sujeito (ainda não executado, vai ser) precisa de dinheiro, vai ao Banco X (que vai ser exequente) e este
empresta-lhe dinheiro na condição de se constituir hipoteca. Depois de constituída a hipoteca sobre o
bem, constitui um usufruto a favor de B. Num terceiro momento, numa ação executiva o Banco vai
transformar a hipoteca numa penhora (não foi pago o crédito), vai indicar aquele bem à penhora. Aqui o
usufruto claro que vai caducar.

3. O direito real de gozo é anterior à penhora, mas posterior a um direito real de garantia de um credor
reclamante - mais complicadinha. A vai ao Banco para pedir dinheiro emprestado e este pede uma
hipoteca. Mais tarde, vai ser movida execução contra A, mas o Banco não é o exequente (é um credor
reclamante). Constituiu-se hipoteca sobre a propriedade plena. Depois dessa hipoteca, o nosso executado
constitui um usufruto a favor de terceiro, que sabia que a coisa estava hipotecada. É igual à 2ª hipótese
com um twist - é que a ação executiva vai ser proposta por um outro credor que não tinha um direito real
de garantia sobre o bem. O outro credor encontra no património do executado a nua propriedade do bem,
porque entretanto já tinha sido constituído o usufruto. Este indivíduo tem a seu favor no registo a nua
propriedade deste bem, e indica à penhora a nua propriedade. Para já quem aqui está tramado é o Banco
- só pode ser vendido o que foi penhorado, só foi penhorada a nua propriedade, logo só pode ser vendida
a nua propriedade. A nua propriedade vale muito menos que a propriedade plena, logo podia não haver
dinheiro para pagar ao Banco para pagar o crédito. Não havia ninguém à sua frente quando constituiu a
hipoteca, e agora é aqui “enganado”, será que o usufruto não caduca? A solução não está na lei, mas
retira-se de todos os princípios de direito substantivo e de direito adjetivo. O Banco aqui, credor
reclamante, tem um ónus processual muito importante com implicações materiais - tem o ónus de ir à

20A exceção da parte final do aludido preceito abrange também os direitos de garantia, pelo que não caducam os que, sendo anteriores à penhora, sejam oponíveis a terceiros,
independentemente de registo, pois, na sua tese, o direito de retenção visa também assegurar o gozo da coisa.

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ação executiva requerer o alargamento da penhora ao âmbito da sua garantia, para que possa ser
vendido aquilo que é exatamente a sua garantia na ação executiva, e ele conseguir dinheiro para se
ressarcir do crédito que foi incumprido. Se cumprir este ónus, o usufruto caduca, vai ser vendida a
propriedade plena. Se não cumprir este ónus, o usufruto não caduca e é só vendida a nua propriedade, é
como se ele tivesse renunciado ao crédito (e será pago apenas pelo valor da nua propriedade). Se não
houver outros bens, o exequente pode não ver nada (recebe bola, €0), a penhora não-lhe adianta de
muito quando tem uma hipoteca lá atrás que incide sobre a propriedade plena. A penhora (direito real de
garantia) sobre aquele bem também caduca com a venda executiva, o advogado deveria ter tido o
cuidado de ver quais os bens que ele tem, e se há garantias anteriores. Aliás, há muitas ações executivas
que param por nem sequer haver vencimento.

Momento A Momento B Momento C

1 Penhora do bem (exequente C) A (executado) constitui usufruto


a favor de B (3º)

2 A (executado) constitui A (executado) constitui usufruto Penhora do bem (exequente X)


hipoteca a favor de X a favor de B (3º)
(exequente)

3 A (executado) constitui A (executado) constitui usufruto Penhora do bem (exequente X)


hipoteca a favor de Z (vai ser a favor de B (3º)
credor reclamante)

No nosso caso prático, se o usufruto fosse anterior à hipoteca, aqui ele ia caducar tanto na linha 2 como na linha 3
(neste caso mediante o requerimento de alargamento da penhora ao âmbito da sua garantia). A probabilidade de um
direito real de gozo posterior a um direito real de garantia exercido na ação executiva é elevadíssimo, só há um caso em
que não caduca - quando o credor reclamante não cumpre este ónus de pedir o alargamento da penhora ao âmbito da
sua garantia. O usufrutuário não recebe nada, pois ele aceitou esta posição arriscadíssima de ter um usufruto sobre um
bem hipotecado, não temos de ter pena dele pois estava conhecedor dos seus riscos. O Banco é o primeiro a ser pago,
mas só com o dinheiro que se realizar com a venda.

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