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Caderno Especial

O NOVO PROCESSO CIVIL


CADERNO V TEXTOS E JURISPRUDÊNCIA
(JORNADAS DE PROCESSO CIVIL–JANEIRO 2014 E JURISPRUDÊNCIA
DOS TRIBUNAIS SUPERIORES SOBRE O NOVO CPC)

setembro de 2015
“O Novo Processo Civil” consiste num conjunto de Cadernos
que o CEJ preparou com o objetivo de fornecer à comunidade
jurídica um conjunto de elementos de trabalho que pudessem
facilitar a abordagem e o estudo do Código de Processo Civil
vigente desde 1 de setembro de 2013.
Com uma vertente essencialmente prática e vocacionada para
os profissionais do Direito pretende ser um contributo para a
necessária reflexão sobre as novas soluções normativas.
O compêndio passa agora a comportar cinco Cadernos (I –
correspondente à estrutura das Jornadas do Processo Civil do
CEJ, de abril de 2013, acrescido de outros textos, originais ou
produzidos noutras conferências; II – textos de doutrina que
acompanharam o processo legislativo com o intuito de permitir
a compreensão da evolução normativa e o porquê das opções
tomadas; III – trabalhos e estudos sobre o novo CPC dos
Auditores de Justiça do 30º Curso – sob a orientação dos
docentes do CEJ – elaborados em 2013; IV – textos sobre os
impactos do Novo CPC no Processo do Trabalho; V – textos e
jurisprudência).
Nos dias 23 e 24 de janeiro de 2014, decorreram as segundas
Jornadas de Processo Civil do CEJ, nas quais se apreciou o
impacto da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil,
fazendo-se o ponto da situação da reforma e aprofundando-se
a discussão das alterações mais relevantes.
Dois anos volvidos sobre a entrada em vigor Código de
Processo Civil de 2013, torna-se patente a necessidade de
trazer a lume os textos produzidos nas Jornadas de Processo
Civil de 2014, juntando uma resenha jurisprudencial de
acórdãos do Tribunal Constitucional, do Supremo Tribunal de
Justiça e dos Tribunais das Relações de Lisboa, Porto, Coimbra,
Guimarães e Évora, já sobre o NCPC.
Com este último caderno, o CEJ completa o projeto relativo ao
novo processo civil esperando ter atingido os objetivos
propostos.
Ficha Técnica

Jurisdição Civil, Processual Civil e Comercial


Gabriela Cunha Rodrigues (Coordenadora)
Laurinda Gemas
Margarida Paz
Miguel Ângelo Carmo

Nome:
Caderno V – O Novo Processo Civil – Textos e Jurisprudência (Jornadas de Processo Civil–
janeiro 2014 e Jurisprudência dos Tribunais Superiores sobre o novo CPC)

Categoria:
Caderno Especial – O Novo Processo Civil

Colaboração:
Núcleo de Apoio Documental e Informação Jurídica do Tribunal Constitucional
Gabinete dos Juízes Assessores do Supremo Tribunal de Justiça – Assessoria Cível

Intervenientes:
João Correia (Advogado e Coordenador da Comissão de Reforma do Processo Civil)
Susana Videira (Diretora-Geral da Política de Justiça e Professora da Faculdade de
Direito da Universidade de Lisboa)
Ana Isabel de Azeredo Coelho* (Juíza de Direito, Auxiliar do Tribunal da Relação de
Lisboa)
Margarida Paz (Procuradora da República e Docente do CEJ)
Isabel Maria Alexandre (Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa)
Carlos Lopes do Rego (Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça e Membro da
Comissão de Reforma do Processo Civil)
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Juíza Conselheira do Supremo Tribunal de Justiça)
Salazar Casanova (Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça)
Elizabeth Fernandez (Professora da Escola de Direito da Universidade do Minho e
Advogada)
Paulo Ramos de Faria* (Juiz de Direito dos Juízos Cíveis do Porto)
António Santos Abrantes Geraldes (Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça e

*
À data da sua intervenção.
Membro da Comissão de Reforma do Processo Civil)
Manuel Tomé Soares Gomes* (Juiz Desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa)
Rui Pinto (Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa)
Henrique Araújo (Juiz Desembargador do Tribunal da Relação do Porto)

Auditores de Justiça (31.º Curso):


Alexandra Sofia dos Santos Pires Cotrim Nunes
Ana Gabriela Ferreira Rocha
Ana Isa de Sousa Ribeiro Moura
Ana Luisa Charters Ribeiro Sá
Ângela Susana Oliveira Trindade Pinto
António Marcos Ferreira Calado
Bruno Marcelo Correia Alves
Carla dos Santos Pimenta Pereira
Carlos Manuel Dias dos Santos
Catarina Maria Borges Costa de Brandão Proença
Cátia Alexandra Duarte Lobo
Cátia José Lourenço da Costa
Celma Castelo David
Cláudia Susana Fialho Bichinho Ventura
Diana Filipa Tato Lopes da Silva
Diana Isabel Mota Fernandes
Eliana Patrícia Marques Pereira
Eva Josefina Calvete Tomé
Filipa Vaz da Fonseca
Frederico Camolino de Melo Santos
Henrique António Gonçalves Candeias da Guerra Maio
João Guilherme Martelo de Almeida
José Joaquim da Silva Ferreira Braga
Luís Daniel da Silva Amador
Luís Filipe Guerra de Oliveira Rodeiro
Lusa Tatiana Pinto César Correia de Paiva
Mafalda de Sá Morais Rodrigues Leonardo
Maria Beatriz de Castro Tavares Monteiro Pacheco
Maria Inês Cunha Oliveira Silva
Maria Manuela Ferreira Taborda
Maria Teresa Barros Ferreira
Mário Jorge Lopes Afonso Rodrigues Ribeiro
Neuza Soraia Rodrigues Carvalhas
Patricia Penque Vicente
Patrícia Silva Pereira
Paulo Alexandre Gaspar Gomes Cardoso Lopes
Paulo Alexandre Silva Gomes
Rui Paulo Rodrigues Santos
Rute Isabel Bexiga Ramos
Valder Ceita Ramos
Violeta Sofia Pereira Martins

Revisão final:
Edgar Taborda Lopes (Coordenador do Departamento da Formação do CEJ, Juiz de
Direito)
Joana Caldeira (Técnica Superior do Departamento da Formação)

Forma de citação de um livro eletrónico (NP405‐4):

AUTOR(ES) – Título [Em linha]. a ed. Edição. Local de edição: Editor, ano de
edição.
[Consult. Data de consulta]. Disponível na internet:<URL:>. ISBN.

Exemplo:
Direito Bancário [Em linha]. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2015.
[Consult. 12 mar. 2015].
Disponível na
internet:<URL:http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/Direito_Bancario.pdf.
ISBN 978-972-9122-98-9.
ÍNDICE

Ponto da situação da Reforma do Processo Civil. A metamorfose comportamental – João


Correia ......................................................................................................................................... 13
Sumário .................................................................................................................................. 15
Videogravação da comunicação ............................................................................................ 16
Tendências do Processo Civil: desformalização e simplificação – Susana Antas Videira ........... 17
Texto da intervenção ............................................................................................................. 19
Videogravação da comunicação ............................................................................................ 32
Dever de gestão processual. A gestão do processo e a gestão dos processos – Ana Isabel de
Azeredo Coelho............................................................................................................................ 33
Texto da intervenção ............................................................................................................. 35
Videogravação da comunicação ............................................................................................ 85
Apresentação em powerpoint ................................................................................................ 87
O Novo Processo Civil – Desafios para o Ministério Público – Margarida Paz ......................... 145
Apresentação em prezzi ....................................................................................................... 147
Videogravação da comunicação .......................................................................................... 173
Vícios dos actos processuais: alguns apontamentos sobre problemas colocados pelo CPC de
2013 – Isabel Maria Alexandre.................................................................................................. 175
Sumário e texto da intervenção ........................................................................................... 177
Incidentes da instância – Carlos Lopes do Rego ....................................................................... 205
Sumário e texto da intervenção ........................................................................................... 207
Videogravação da comunicação .......................................................................................... 212
Ónus da impugnação – Maria dos Prazeres Pizarro Beleza ...................................................... 213
Texto da intervenção ........................................................................................................... 215
Videogravação da comunicação .......................................................................................... 233
Poderes de cognição do juiz em matéria de facto – Salazar Casanova .................................... 235
Sumário e texto da intervenção ........................................................................................... 237
Videogravação da comunicação .......................................................................................... 260

Temas da prova e instrução ..................................................................................................... 261


- Elizabeth Fernandez ........................................................................................................... 261
Sumário ........................................................................................................................... 263
Videogravação da comunicação ..................................................................................... 264
- Paulo Ramos Faria ............................................................................................................. 265
Sumário ........................................................................................................................... 267
Videogravação da comunicação ..................................................................................... 268
Sentença Cível – António Santos Abrantes Geraldes ................................................................ 269
Texto da intervenção ........................................................................................................... 271
Videogravação da comunicação .......................................................................................... 300
Nótula sobre a Jurisdição Cível – António Santos Abrantes Geraldes....................................... 301
Texto .................................................................................................................................... 301
Da sentença cível – Manuel Tomé Soares Gomes ..................................................................... 327
Texto da intervenção ........................................................................................................... 329
Videogravação da comunicação .......................................................................................... 387
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto – Henrique Araújo ................................... 389
Sumário e texto da intervenção ........................................................................................... 391
Videogravação da comunicação .......................................................................................... 411
Os Títulos Executivos e as formas do processo de execução. Alguns reparos à reforma da
execução na Lei nº 41/2013, de 26 de junho – Rui Pinto.......................................................... 413
Sumário ................................................................................................................................ 415
Videogravação da comunicação .......................................................................................... 416

ANEXOS ..................................................................................................................................... 417


• Jurisprudência............................................................................................................ 417
− Jurisprudência do Tribunal Constitucional ........................................................... 419
− Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça ................................................... 423
− Jurisprudência dos Tribunais de Relação .............................................................. 465
 Tribunal da Relação de Coimbra...................................................................... 467
 Tribunal da Relação de Évora .......................................................................... 510
 Tribunal da Relação de Guimarães .................................................................. 520
 Tribunal da Relação de Lisboa ......................................................................... 540
 Tribunal da Relação do Porto .......................................................................... 580
Registo das revisões efetuadas ao e-book

Identificação da versão Data de atualização

Versão inicial – 31/08/2015

Versão 1 20/10/2015

Notas:
Foi respeitada a opção dos autores na utilização ou não do novo Acordo Ortográfico.
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Acrobat Reader.
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software: Internet Explorer 9 ou posterior; Chrome; Firefox ou Safari e o Flash Media
Player nas versões mais recentes.
Ponto da situação da Reforma do Processo Civil.
A metamorfose comportamental

[João Correia]
Ponto da situação da Reforma do Processo Civil. A metamorfose comportamental

Ponto da situação da Reforma do Processo Civil. A


metamorfose comportamental
João Correia

Sumário:
I – As questões que o novo CPC suscita imediatamente:
a) As normas transitórias;
b) Conteúdo e significado dos Art.os 3.º, 5.º e 6.º
II – O desafio à cultura instalada. As diversas abordagens
III – Os institutos de difícil absorção. Exemplos:
 O activismo judiciário;
 A gestão processual;
 A tramitação da Acção Declarativa
IV – As consequências relacionais
V – O Centro de Estudos Judiciários e a Ordem dos Advogados
 A formação inicial e a formação contínua
VI – O Ministério da Justiça
VII – Os Conselhos Superiores da Magistratura e do Ministério Público
VIII – A Organização Judiciária
IX – A perspectiva a curto e médio alcance

15
Videogravação da comunicação

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Tendências do Processo Civil: desformalização e
simplificação

[Susana Antas Videira]


Tendências do Processo Civil: desformalização e simplificação

Tendências do Processo Civil: desformalização e


simplificação
Susana Videira

Senhoras e Senhores,

Começo por manifestar a minha satisfação por estar presente nestas Jornadas de
Processo Civil, agradecendo ao Centro de Estudos Judiciários e, em particular, ao seu Diretor –
Professor Pedro Barbas Homem – o convite que me foi dirigido.
Num espaço e num tempo em que a realidade política e económica precede, tantas vezes,
o movimento das ideias e os conceitos de liberdade, de solidariedade e de justiça social
sobrevivem enfraquecidos pelo desenvolvimento das leis do mercado, o novo Leviatã que
deixa a democracia sem meios para garantir, de forma eficiente, o seu poder de limitação do
arbítrio, é urgente – diria mesmo, é inadiável – recuperar a discussão, o diálogo, o
pensamento, como hoje e amanhã, nestas jornadas, iremos fazer.
A Europa está, como é por todos reconhecido, a atravessar uma dura experiência na sua
vida social. A situação histórica do nosso tempo, que já alguém caracterizou como uma
angustiosa exasperação, acompanhada de profunda desespiritualização, obriga a pensar em
Justiça e no aprofundamento da democracia de direitos fundamentais.
Internamente, a crise financeira também ajuda a colocar Justiça [e a apologia da sua
reforma] na ordem do dia.
Mas, para além do seu lado mais sombrio, a situação financeira do país também oferece
uma janela de oportunidade quase única em que se reúnem os elementos económicos,
culturais e políticos para ousar pensar os problemas estruturais da Justiça portuguesa,
reinventando, a este nível, o modelo de relação entre o Cidadão e o Estado.
Por consequência, a Justiça não é apenas um tema para o decisor político e para o
legislador. É um concurso a que todos somos convocados, particularmente os Juízes, os
Magistrados do Ministério Público, os Advogados e os demais profissionais da área forense,
porque melhor do que ninguém têm consciência da necessidade de encontrar soluções para os
problemas estruturais e conjunturais do sistema de Justiça português.
Entre esses problemas, conta-se o da morosidade e o da excessiva pendência, não raro
consequências de uma enorme complexidade das soluções jurídicas gizadas.

19
Tendências do Processo Civil: desformalização e simplificação

Por isso, nos últimos anos, e especialmente a partir de 2011, pelas vicissitudes que todos
conhecemos, temos assistido, em Portugal, a um enorme esforço de simplificação e de
desformalização de muitos dos institutos jurídicos, com especial enfoque no âmbito do
processo civil, que, como é sabido, foi objeto de uma profunda reordenação traduzida na
aprovação do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho,
entrado em vigor no passado dia 1 de setembro de 2013.
Com efeito, uma das maiores exigências – e mesmo urgências – da sociedade portuguesa
é, precisamente, a de ter um sistema de Justiça mais justo, mas também mais célere e mais
eficaz, que afaste, pelo seu próprio desempenho, a imagem generalizada, e nem sempre
equitativa, de que o funcionamento da Justiça é um obstáculo à vida das pessoas e das
empresas.
O Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica
assinado a 17 de maio de 2011 entre Portugal e a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu
e o Fundo Monetário Internacional, no que concerne ao sistema judicial, previu um vasto
conjunto de medidas destinadas a melhorar o funcionamento do sistema judicial e a aumentar
a eficiência desse mesmo sistema.
O Plano de reformas que foi estabelecido para a Justiça teve como desígnio,
reiteradamente afirmado pelo decisor político, não apenas melhorar a prestação e a
administração da justiça, mas também fazê-la mais simples e entendível pelo cidadão, mais
transparente e mais dotada de instrumentos que permitam que se gere uma verdadeira
cultura de prestação de contas no sistema judiciário.
Não obstante, importa recordar que estas reformas surgem num contexto muito
específico, já que, no âmbito da execução do memorandum de entendimento antes referido, o
Governo assumiu fortes compromissos estruturais na área da Justiça, que passam por alterar a
organização judiciária, intervir por forma a reduzir a pendência processual em atraso, em
especial na área da Execuções, e promover a revisão do Processo Civil.
Na vertente do processo civil, a que nos ocupa nesta intervenção, identificavam-se
dificuldades na valoração da materialidade das causas e eram possíveis arrastamentos legais –
eventualmente não legítimos - dos pleitos.
Nesta medida, a reforma do processo civil, cujo texto, por opção política, acabou por se
reconverter num código novo, para benefício dos utilizadores, veio introduzir medidas que
visam quer a celeridade processual e a definição concreta, numa fase inicial tanto quanto
possível, dos momentos mais relevantes no processo, quer um maior poder de intervenção do
juiz.

20
Tendências do Processo Civil: desformalização e simplificação

Não me alongarei a referir os aspetos mais relevantes do Novo Código.


Todavia, e cuidando de responder ao convite que me foi dirigido para testemunhar,
durante os próximos minutos, o enorme esforço que tem sido empreendido no nosso país,
com o envolvimento de todos os parceiros judiciários, em torno das “novas” tendências do
processo civil, procurarei destacar as principais medidas de simplificação e de desformalização
adotadas, que estão a permitir alcançar resultados muitíssimo significativos no combate à
pendência processual em atraso, particularmente no domínio da ação executiva.
No âmbito da ação declarativa, uma dessas medidas tem que ver com a consagração do
dever de gestão processual.
Este dever, previsto no artigo 6.º, do CPC, contribui para a simplificação processual na
medida em que, determinando que o juiz deve “dirigir ativamente o processo e providenciar
pelo seu andamento célere”, lhe dá poderes para “recusar o que for impertinente ou
meramente dilatório” e para adotar “mecanismos de simplificação e agilização processual que
garantam a justa composição do litígio em prazo razoável”.
Trata-se, por isso, de um poder-dever ao qual o juiz deverá recorrer (ouvindo as partes)
sempre que considere existir uma solução que simplifique e agilize o processo, garantindo a
justa composição do litígio.
Outra medida de simplificação prevista no novo CPC é a consagração da forma única do
processo comum declarativo (que substituiu as formas ordinária, sumária e sumaríssima),
uniformizando prazos para a prática de atos. Esta medida deve ser analisada, naturalmente,
tendo em conta a já referida consagração do dever de gestão processual, que permite ao juiz
“adaptar” a forma única às circunstâncias de cada processo em concreto.
Por outro lado, ao conferir mais amplos poderes de gestão processual ao juiz, o Legislador
pôde prescindir de alguns processos especiais, pois agora é possível adaptar a marcha da única
forma de processo às necessidades do caso concreto de molde a obter uma melhor e mais
eficiente composição da contenda.
Por isso, procedeu-se à eliminação de diversos processos especiais que estavam previstos
no anterior CPC:
 Reforço e substituição das garantias especiais das obrigações;
 Expurgação de hipotecas e da extinção de privilégios;
 Venda antecipada de penhor;
 Reforma de documentos;
 Reforma de livros;
 Liquidação judicial de sociedades.

21
Tendências do Processo Civil: desformalização e simplificação

Ainda nesta sede, procedeu-se a revogação de dois regimes processuais que se


encontravam previstos em diplomas autónomos: o Regime Processual Civil Experimental e o
Regime de Processo Civil Simplificado.
Em termos de marcha processual, outra das medidas simbólicas no que respeita à
tentativa de simplificação, bem como à obtenção de uma maior celeridade, foi a consagração,
como regra geral, da existência de apenas dois articulados durante o processo – a petição
inicial e a contestação – nos quais se devem concentrar as grandes questões a discutir.
Para tal limitou-se a possibilidade de apresentação de réplica aos casos de dedução da
defesa quanto à matéria da reconvenção, deixando esta de ser admissível para responder às
exceções deduzidas (as quais devem ser respondidas em articulado superveniente, ficando por
isso à consideração do juiz a sua aceitação), e eliminou-se a possibilidade de apresentação de
tréplica.
Outra matéria onde se inovou, quer em termos de maior simplificação de procedimentos,
quer no domínio da celeridade, é a da nova disciplina da citação.
Estudos recentes concluíram que cerca de 50% do tempo de duração de um processo
corresponde ao período que decorre desde que a citação “sai” pela primeira vez do tribunal
até ao momento em que se considera o réu citado. É, portanto, claramente uma matéria onde
era e é possível melhorar.
Por isso mesmo, ao nível da citação das pessoas coletivas, o novo CPC introduz mudanças
significativas, passando a citação a ser efetuada por carta registada com aviso de receção para
a morada constante do ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas
Coletivas.
Adota-se um regime semelhante ao que existia para o domicílio convencionado, sendo
por isso um regime que responsabiliza as pessoas coletivas, mas que se baseia numa obrigação
que estas já tinham anteriormente, que é a de manter atualizada a morada constante do
referido ficheiro central.
Relativamente à citação de pessoas singulares, o regime previsto no novo CPC é
essencialmente idêntico ao anteriormente em vigor, com uma inovação que se justifica,
precisamente, pela simplificação - no caso de citação edital por incerteza do lugar em que o
citando se encontra, os anúncios são publicados já não em jornais, mas num site, alargando-se
assim a todos os processos a solução anteriormente prevista no Regime Processual Civil
Experimental.

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Tendências do Processo Civil: desformalização e simplificação

Uma das matérias do novo CPC que pode suscitar mais discussões jurisprudenciais e
doutrinárias, até porque o próprio Código parece dar uma larga margem para interpretação
deste conceito, é o dos temas de prova.
Não procuro antecipar um tema, que vai ser objeto de oportuna discussão amanhã, mas
parece-me importante referir que o referido conceito, ao abandonar uma visão rígida da
alegação e prova dos factos, ainda sob influência do conceito dos “quesitos”, em prol de uma
visão mais ampla e ágil, pode contribuir, em função do modo como se concretizar esse
conceito a nível jurisprudencial e doutrinário, para decisões materialmente mais justas (sendo
a justeza das decisões o grande objetivo pretendido atingir com esta alteração), mas pode
contribuir também, e em simultâneo, para a simplificação e agilização processual.
Outro dos aspetos em que a nova disciplina da ação declarativa pretendeu simplificar e
desformalizar procedimentos tem a ver com a nova regulação da audiência prévia.
Essa preocupação é evidente na alínea e), do n.º 1, do artigo 591.º, quando determina
que um dos objetivos da audiência prévia é “(d)eterminar, após debate, a adequação formal, a
simplificação ou a agilização processual, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º e no artigo
547.º” do novo Código de Processo Civil.
Mas essa preocupação também está presente quando, na alínea g), do mesmo número, se
prevê igualmente como fim da audiência prévia “(p)rogramar, após audição dos mandatários,
os atos a realizar na audiência final, estabelecer o número de sessões e a sua provável duração
e designar as respetivas datas”.
Trata-se de uma medida de calendarização da audiência final (anterior audiência de
julgamento) que, acreditamos, contribuirá para uma melhor gestão do processo por parte não
só do tribunal mas também das partes, permitindo-lhes conhecer melhor e por isso prever
melhor o desenrolar do processo, antecipando constrangimentos que poderão surgir numa
fase posterior, e com isso evitando-os, nomeadamente através do recurso a mecanismos de
simplificação ou agilização processual que sejam considerados adequados.
Para além disso, esta calendarização permitirá convocar outros intervenientes
(nomeadamente testemunhas e peritos) apenas para o dia e para a hora em que de facto têm
que intervir no processo, podendo assim contribuir para reduzir o número de situações em
que ocorrem deslocações inúteis aos tribunais.
Nesta breve resenha das medidas de simplificação introduzidas pelo novo Código de
Processo Civil, uma referência é, ainda, devida ao regime da prova testemunhal e ao facto de a
regra geral passar a ser a apresentação das testemunhas pela parte, procedendo o tribunal à
sua notificação apenas nos casos em que tal seja requerido. Criam-se assim condições para

23
Tendências do Processo Civil: desformalização e simplificação

libertar os tribunais, nomeadamente as secretarias, de um conjunto significativo de


notificações.
No entanto, a maior inovação nesta matéria no que à simplificação diz respeito talvez seja
a introdução de um novo meio de prova, ou se quiserem, de uma nova modalidade da
inspeção judicial: a verificação não judicial qualificada (regulada no artigo 494.º, do novo CPC).
Esta nova modalidade permite ao juiz determinar que, em situações onde é possível a
realização de inspeção judicial, mas o juiz considere que não se justifica a perceção direta dos
factos pelo tribunal, se realize uma verificação através de técnico ou pessoa qualificada (que,
em função do caso concreto, até pode ser um funcionário judicial, por ex.).
Esta solução, ao “desformalizar” os requisitos da inspeção judicial, permitindo que a
inspeção seja feita por terceiro, contribui também para a simplificação e para a agilização
processual, libertando o tribunal para outras atividades sem colocar em causa a realização da
inspeção e os benefícios que dela se podem tirar.
Outra das alterações previstas no novo CPC e que tem reflexos ao nível da simplificação e
agilização processual é a eliminação da dicotomia julgamento/alegações de facto e alegações
de direito, realizadas em momentos diferentes. No novo CPC, estas alegações ocorrem num
único momento, no termo da audiência final, com as alegações finais, que condensam as
anteriores alegações de facto e de direito, não havendo lugar a uma decisão prévia sobre a
matéria de facto.
Também ao nível do regime da prática de atos pelos mandatários se registaram algumas
medidas de simplificação processual, em especial a determinação da prática de atos pelos
mandatários exclusivamente por via eletrónica (conforme o disposto no artigo 144.º, do novo
CPC).
Esta solução permite uniformizar os prazos e regimes das notificações entre mandatários
(agora efetuadas exclusivamente através da aplicação informática), libertando o tribunal de
várias atividades como o controlo da realização das notificações entre mandatários.
No que respeita às providências cautelares, a maior alteração será porventura a previsão
da possibilidade de inversão do contencioso, ou seja de, em determinadas circunstâncias, o
juiz dispensar o requerente do ónus de propositura da ação principal.
Estamos assim perante uma medida que possibilita a obtenção de uma composição
definitiva do litígio sem que seja necessário intentar um novo processo judicial, sendo por isso
também uma clara medida de simplificação processual.

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Tendências do Processo Civil: desformalização e simplificação

Outra medida que importa, neste contexto, referir é a consagração da possibilidade,


prevista no artigo 146.º, do suprimento de deficiências formais de atos das partes.
Trata-se de um mecanismo de agilização processual que não tinha correspondência no
CPC anterior, e que permite a retificação de certos erros, vícios ou omissões, por decisão do
juiz e a requerimento das partes, desde que a falta não se possa imputar a dolo ou culpa grave
e o suprimento ou a correção não implique prejuízo relevante para o regular andamento da
causa.
Outro mecanismo de simplificação processual foi a eliminação da figura da interrupção da
instância. O CPC anterior previa a interrupção da instância quando o processo estivesse parado
durante mais de 1 ano. Caso a instância estivesse interrompida durante 2 anos, considerava-se
a instância deserta, o que levava a que o processo tivesse que estar parado durante 3 anos
para que fosse considerado como tal. Estes prazos, pela sua largueza, não estavam de modo
nenhum ajustados à necessária celeridade que se pretende imprimir ao sistema de justiça, pois
um dos pressupostos de uma decisão justa é precisamente e também a existência de uma
decisão tão pronta quanto possível.
Com a eliminação da figura da interrupção da instância e com o encurtamento do prazo
de deserção da instância para 6 meses (no seguimento de anteriores medidas adotadas no
âmbito da ação executiva), procedeu-se a uma muito significativa agilização da figura da
deserção, responsabilizando-se as partes pela sua atuação no processo de modo muito mais
consequente.

Senhoras e Senhores,

Referimos a ação executiva.


De forma tão isenta quanto possível há que reconhecer que a reforma da Ação Executiva,
desenvolvida num passado próximo, se traduziu em pouco mais do que num complexo vazio
organizativo, sem agentes de execução capazes de realizar os serviços que haviam recebido,
sem que a Administração Pública cooperasse com esses intervenientes processuais e, acima de
tudo, alongando o circuito da tramitação, encarecendo o serviço e sem resultados práticos
evidentes.
O processo executivo requeria, pois, particular atenção porquanto se impunha reduzir,
significativamente, as pendências cíveis em atraso e criar as condições para que os processos
se concluam em tempo útil e razoável, dando adequada resposta às expectativas, não só
sociais, como económicas.

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Tendências do Processo Civil: desformalização e simplificação

De facto, como é tragicamente sabido, a dinâmica social e económica que modela a


sociedade portuguesa potenciou o sobre-endividamento das famílias e das empresas,
acarretando consequências penosas de comportamentos de ostentação, aliados a baixíssimos
níveis de poupança, ao crédito fácil e à escassez de atividades produtivas geradoras de riqueza
real, que, no conjunto, quase hipotecaram o nosso futuro.
É neste contexto que avultam os níveis de incumprimento das obrigações contraídas,
tanto das empresas como dos particulares, aumentando significativamente a atividade
jurisdicional relativa à cobrança de créditos.
As estatísticas da Justiça estão aí, para o comprovar: em 31 de dezembro de 2012, as
ações executivas cíveis representavam 73% do total de processos pendentes nos tribunais
judiciais de 1.ª Instância.

A 30 de junho de 2013, estavam pendentes 1.153 mil ações executivas.


Mas as estatísticas da justiça do segundo trimestre deste ano também revelam algo que
há muito não observávamos: um decréscimo de 4,9% face ao primeiro trimestre de 2013,
assistindo-se a uma redução de 59.364 ações executivas cíveis pendentes nos tribunais
judiciais de 1.ª instância.
Esta tendência, já iniciada no final de 2012 e reforçada no primeiro trimestre deste ano,
contrasta com o comportamento de sucessivos aumentos registados até então.
A taxa de resolução processual, que mede a capacidade do sistema enfrentar a procura e
que desejavelmente deve ser igual ou superior a 100%, atingiu neste segundo trimestre de
2013 o valor inédito de 190,3%.
Considerando os períodos homólogos desde 2007, a evolução observada foi a mais
favorável de todos os períodos.
A redução fica a dever-se de forma clara ao elevado número de processos findos, que
conseguiram ultrapassar largamente o número de processos entrados.
Estes resultados são o efeito do enorme esforço que tem sido desenvolvido, desde o final
de 2011, pelo Ministério da Justiça em estreita articulação com as demais entidades com
responsabilidade no âmbito da ação executiva.
Com efeito, em finais de 2011, por despacho da Ministra da Justiça foi constituído um
grupo de trabalho, que eu tive a oportunidade e o privilégio de coordenar, o qual tem reunido
regularmente e onde participam, além de diversos serviços do próprio Ministério, o Conselho
Superior da Magistratura, a Câmara dos Solicitadores, o Colégio da Especialidade dos Agentes
de Execução e a Comissão para a Eficácia das Execuções.

26
Tendências do Processo Civil: desformalização e simplificação

Este grupo tem dinamizado um conjunto alargado de medidas operacionais,


administrativas, técnicas e legislativas que evidenciam agora de forma expressiva os seus
efeitos: desde o desenvolvimento de novas funcionalidades nos sistemas informáticos de
suporte à atividade dos tribunais e dos agentes de execução, à promoção de novas
metodologias de trabalho e de reorganização de recursos humanos, passando por ações de
formação e de acompanhamento dos agentes de execução e pela concepção de um conjunto
de medidas legislativas pontuais e direcionadas aos problemas detetados, de que o sistema
carecia para libertar os tribunais de processos inviáveis.
Com a aprovação do novo Código de Processo Civil, os resultados favoráveis que já se
observam terão tendência, segundo cremos, para se manter e, até, para melhorar.
Com efeito, de entre todas as medidas de simplificação e desformalização adotadas na lei
em vigor, talvez se possa erigir como uma das mais relevantes a operacionalização do regime
das penhoras eletrónicas de contas bancárias, que, estando já prevista há muito, nunca tinha
logrado alcançar o seu propósito, por inúmeras dificuldades atinentes à sua operacionalização.
Sucede que, na verdade, o regime anterior não oferecia regras firmes que permitissem
aos agentes de execução saber que contas bancárias dispunham de saldos aptos a serem
penhorados, nem estavam definidos claramente quais deveriam ser os procedimentos a
adotar para tornar efetiva essa mesma penhora por meios eletrónicos.
Ora, sucede que, à luz dos artigos 749.º, n.º 6 e 780.º, do CPC toda essa “matéria escura”
foi dissipada, tendo-se instituído, de um lado, o dever de o Banco de Portugal facultar aos
agentes de execução informação sobre a existência, ou não, de contas bancárias abertas em
nome de um executado determinado, e do outro, o poder de o agente de execução ordenar,
também por via eletrónica, às instituições de crédito nas quais tais contas se encontram
abertas, o bloqueio dos saldos existentes, observadas certas condições e dentro de
determinados limites, impostos para tutela dos legítimos interesses dos executados.
A este propósito e para demonstrar a relevância desta medida, julgo revestir a maior
importância falar-vos dos dados que foi possível obter com a colaboração da Câmara dos
Solicitadores nesta matéria e que nos permitem perceber que, desde a entrada em vigor do
novo Código e até 31 de dezembro, já foram realizados 339.563 pedidos de bloqueio, dos
quais resultaram 49.494 contas bloqueadas para um montante global de €123.216.109,53.
Dos bloqueios realizados foram convertidos em penhora 22.374 pedidos, num montante
global de €48.591.570,66.

27
Tendências do Processo Civil: desformalização e simplificação

Os números, pela sua simplicidade, falam por si: trata-se de um instituto que,
seguramente, permitirá recuperar muito mais facilmente créditos devidos aos credores, com a
inerente redução de custos derivada de todo o processado se efetivar por via eletrónica, o
que, obviamente, conduz a uma simplificação de procedimentos e a uma desformalização
ímpares neste domínio.
Outra das áreas em que a simplificação e a desformalização do processo civil mais se fez
sentir com a reforma resultante do novo processo civil prendeu-se com a forma de instauração
da ação executiva e a desnecessidade que passou a existir de se intentar uma nova ação
executiva quando já tenha sido instaurada ação declarativa com o intuito de se fazer
reconhecer um qualquer direito e este haja sido declarado pelo tribunal através de sentença.
Nestas situações, deixa de ser necessário propor-se ação para tornar efetivo o que o
tribunal já declarou, tramitando a execução nos autos em que correu a ação declarativa.
Este mecanismo, agora regulado no artigo 85.º, do novo CPC, é o elo de ligação que
muitos reclamavam faltar entre a declaração de um direito e a sua execução, e que agora o
Legislador consagrou, para evitar a ocorrência de atos inúteis nos processos, que, já tendo sido
praticados na fase declaratória, não carecem de ser repetidos na fase executiva.
Também com o intuito de simplificar e clarificar procedimentos e a marcha processual da
ação executiva, merece realce a reintrodução na ordem jurídica interna da clara destrinça
entre a forma sumária e a ordinária nas execuções para pagamento de quantia certa, prevista
no artigo 550.º, do novo CPC, tendo-se visado pôr fim a uma aparente simplificação da forma
do processo executivo que não passava disso mesmo: uma aparência simplificadora.
Se à luz do anterior regime, que propalava só existir uma única forma de ação executiva,
toda a marcha processual era uma espécie de “caixinha de surpresas”, que variava mediante
diversos circunstancialismos, o que complicava de sobremaneira a compreensão da marcha do
processo, a lei passa agora a marcar claramente quais são os passos a observar em cada uma
das referidas formas processuais, afirmando a que títulos executivos fortes corresponde uma
forma de ação mais simplificada e vice-versa.
Um outro formalismo combatido pelo novo CPC é a existência na ordem jurídica de ações
executivas ainda vivas que, na verdade o já não deveriam estar, pois que ou já produziram os
seus efeitos e os credores encontram-se a receber regularmente as importâncias que servem
para pagamento do que lhes é devido ou não são justificáveis porque os executados não
dispõem de bens para que a satisfação dos créditos dos exequentes se possa efetivar.

28
Tendências do Processo Civil: desformalização e simplificação

Assim, o Legislador cuidou de clarificar que seja pela inexistência de bens do executado,
seja pelo facto de estarem em curso penhoras atinentes a rendimentos periódicos, o novo
Código de Processo Civil, mantendo as causas de extinção da execução vigentes no regime
anterior, acrescentou três novas situações, que vêm, precisamente, permitir a redução das
pendências nos tribunais cíveis, fazendo face a estas situações que aumentavam de forma
injustificada a pendência nos tribunais.
Com efeito, o artigo 849.º, do novo Código de Processo Civil, relativo à extinção da
execução, acrescenta às causas de extinção da ação executiva as seguintes situações:

 Na fase da penhora, se não forem encontrados bens penhoráveis no prazo de três


meses a contar da notificação do início das diligências para a penhora e se nem o
exequente nem o executado indicarem bens penhoráveis no prazo de 10 dias,
extingue-se - sem mais - a execução;
 No que concerne à penhora de rendas, abonos, vencimentos ou salários, findo o prazo
de oposição, se esta não tiver sido deduzida, ou julgada a oposição improcedente, caso
não sejam identificados outros bens penhoráveis, o agente de execução, depois de
assegurado o pagamento das quantias que lhe sejam devidas a título de honorários e
despesas, adjudica as quantias vincendas, notificando a entidade pagadora para as
entregar diretamente ao exequente, extinguindo a execução;
 No caso de concurso de credores, e verificando-se uma pluralidade de execuções sobre
os mesmos bens, a sustação integral da segunda execução determina a extinção da
execução, sem prejuízo de o exequente poder requerer a renovação da instância
quando indicar os concretos bens a penhorar.

O objetivo de simplificação processual não conduziu, porém, o Legislador a afrouxar as


suas preocupações com a salvaguarda dos mais legítimos direitos dos executados, pelo que
esta reforma também procurou, sempre que tal foi considerado necessário, reforçar as
garantias que aos mesmos são devidas.
Assim, e para ilustrar com um exemplo o que se acaba de referir, sublinho que uma das
medidas mais relevantes tomadas ao nível da ação executiva no reforço dos direitos dos
executados prendeu-se com a perda da força executiva dos documentos particulares,
assegurando-se, desta forma, a garantia contra execuções injustas, fundadas, tantas vezes, em
escritos de compreensão e validade muito questionáveis.

29
Tendências do Processo Civil: desformalização e simplificação

A não exequibilidade de documentos particulares incute, claro está, uma maior segurança
jurídica nas ações executivas, evitando oposições para discussão do documento particular e da
relação subjacente ao mesmo.
Os documentos particulares que importem a constituição ou reconhecimento de qualquer
obrigação, para valerem como título executivo, deverão ser exarados ou autenticados por
notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, a bem da certeza e
da segurança jurídicas.
Por outro lado, ao abrigo do novo Código de Processo Civil e com o especial intuito de
simplificar a muitos o acesso ao sistema de justiça, os particulares podem agora recorrer aos
funcionários judiciais para cobrarem dívidas não profissionais até aos dez mil euros.
Tratando-se de trabalhadores, essa possibilidade alarga-se às execuções destinadas à
cobrança de créditos laborais até trinta mil euros.
Regista-se, pois, que o Legislador, a par de preocupações de simplificação e de
desformalização processual, não esqueceu, como, de resto, se impõe, que é necessário
reforçar os mecanismos de acesso ao direito e à justiça.

Senhoras e Senhores,

Após este excurso, já longo, sobre algumas das medidas que me parecem mais relevantes
no que tange à simplificação e desformalização no âmbito do processo civil, foco central desta
intervenção, não posso deixar de assinalar que o esforço simplificador não se limitou ao direito
processual civil, havendo, noutras áreas do sistema de justiça, afloramentos claros destas
tendências.
O novo processo especial de revitalização, um procedimento simples e altamente
desformalizado criado pela Lei n.º 16/2012, de 20 de abril, que alterou o Código da Insolvência
e da Recuperação de Empresas, que tem provado contribuir para a recuperação de um
número significativo de empregos e de empresas e a reforma em curso do Código do
Procedimento Administrativo (CPA), com o objetivo de modernizar o funcionamento da
Administração no seu relacionamento com os cidadãos e assim conseguir que a Administração
Pública portuguesa, com total transparência e isenção, se paute por critérios de eficiência,
celeridade e economicidade, pondo-se termo à morosidade que desincentiva tantas vezes os
nossos agentes económicos ao investimento são, apenas, dois exemplos de áreas em que se
adotaram ou procuram adotar procedimentos simplificadores.

30
Tendências do Processo Civil: desformalização e simplificação

Mas se competitividade do país e o futuro de Portugal não dispensam a ousadia de


empreender, a qual passa, também, pela simplificação de procedimentos, em ordem a atingir
uma resposta mais célere, imporá terminar, recordando, que a plena concretização do
conceito de cidadania também exige, particularmente ao decisor político e ao legislador que
jamais esqueçam que a justiça é, como lembra Rawls, a carta fundamental de uma sociedade
humana em boa ordem!

Muito obrigada!

31
Videogravação da comunicação

32
Dever de gestão processual. A gestão do processo e a
gestão dos processos

[Ana Isabel de Azeredo Coelho]


Dever de gestão processual. A gestão do processo e a gestão dos processos

Dever de gestão processual. A gestão do processo e a


gestão dos processos
Ana Isabel de Azeredo Coelho

RESUMO

O texto aborda a gestão processual em duas dimensões: a gestão de cada processo e a


gestão de um conjunto de processos, considerando que estas duas dimensões são vertentes
de um mesmo percurso: o da preocupação com a qualidade da decisão judicial e da efetiva
gestão do Judiciário pelo juiz, em cada processo e na organização/tribunal.
Entende-se que o dever de gestão processual previsto no artigo 6.º do CPC 2013 não se
reduz à aplicação perita das leis processuais, mesmo através da adequação formal, antes tem
conteúdo autónomo que decorre do comando em que se consubstancia: o juiz tem o dever de
dirigir ativamente o processo em ordem a obter com eficiência a composição justa e célere
do litígio.
A autonomia da gestão do processo face à mera aplicação de normas processuais torna
útil e adequado o recurso aos instrumentos da gestão considerando a missão do processo, a
visão que decorre da conformação que lhe é dada pelo sistema jurídico, os valores que o
enformam para definição da estratégia expressa em objetivos operacionais e ações.
Para além do bom uso das normas processuais, o juiz do processo tem de considerar
todos os recursos afetos à atividade administrativa que é suporte da sua atividade
jurisdicional, sendo também um gestor dos meios públicos e responsável pelo modo como os
mesmos são por si, ou sob a sua direção, geridos.
A gestão processual a que o juiz está obrigado não é apenas a gestão do processo
individual mas também a de todos os processos que lhe estão distribuídos, entre os quais se
verifica uma concorrência e interdependência de recursos.
Esta dimensão apela para a complementaridade das competências pois a gestão
processual é cometida ao juiz em exercício de funções jurisdicionais – o titular do processo -,
mas também aos juízes em exercício de funções de gestão – o juiz presidente e o juiz
coordenador, no modelo de gestão das Leis 52/2008 e 62/2013 -, acrescendo as competências
dos órgãos da administração pública da justiça.

35
Dever de gestão processual. A gestão do processo e a gestão dos processos

As competências de gestão processual do juiz presidente têm a sua fonte nos critérios que
enformam a gestão do processo, o que determina a centralidade das competências dos juízes
em exercício de funções jurisdicionais. As competências do juiz presidente surgem como mero
facilitador organizacional.
Descrevendo a experiência concreta da comarca da Grande Lisboa Noroeste, a mesma é
considerada apenas ao nível da própria comarca, prescindindo da interação com órgãos
externos, e isola um aspeto crítico da qualidade do sistema – a duração do processo.
Baseando-se no exercício colegial das competências dos juízes com funções de gestão e dos
juízes com funções jurisdicionais, e intervém a diversos níveis de organização do trabalho e das
tarefas, no pressuposto da unidade do tribunal/organização e da instrumentalidade das
funções administrativas face à função jurisdicional.
A dimensão e assunto central não permitem abordar senão indiretamente as
condicionantes organizacionais e processuais que se refletem negativamente no exercício de
uma efetiva gestão processual, desde o modo de organização do sistema judiciário macro, à
indefinição de lideranças, à vetustez das estruturas ou à inexistência de um sistema de
informação para a gestão, mas esses fatores são essenciais.

I) A GESTÃO PROCESSUAL: DIMENSÕES

Enfrentando o tema «dever de gestão processual» procurámos na legislação publicada a


expressão numa primeira tentativa de perceber o modo como o legislador conforma a gestão
processual.
O conjunto de diplomas1 em que a expressão aparece pode dividir-se nos seguintes
grupos de afinidade: aqueles em que gestão processual tem o sentido de gestão de
1
Lei n.º 127-A/97. DR 293/97 SÉRIE I-A 1º SUPLEMENTO de 1997-12-20; Lei n.º 3-A/2000. DR 80 SÉRIE I-A 1º
SUPLEMENTO de 2000-04-04; Lei n.º 107-A/2003. DR 301 SÉRIE I-A 1º SUPLEMENTO de 2003-12-31; Portaria
n.º 1067/2004. DR 201 SÉRIE I-B de 2004-08-26; Decreto-Lei n.º 108/2006. DR 111 SÉRIE I-A de 2006-06-08;
Portaria n.º 349/2007. DR 64 SÉRIE I de 2007-03-30; Portaria n.º 593/2007. DR 92 SÉRIE I de 2007-05-14;
Resolução do Conselho de Ministros n.º 106/2007. DR 156 SÉRIE I de 2007-08-14; Lei n.º 66-B/2007. DR 250
SÉRIE I, 1º SUPLEMENTO de 2007-12-28; Portaria n.º 99/2008. DR 22 SÉRIE I de 2008-01-31; Portaria n.º
114/2008. DR 26 SÉRIE I de 2008-02-06; Resolução do Conselho de Ministros n.º 66/2008. DR 73 SÉRIE I de
2008-04-14; Portaria n.º 457/2008. DR 118 SÉRIE I de 2008-06-20; Lei n.º 52/2008. DR 166 SÉRIE I de 2008-
08-28; Decreto-Lei n.º 181/2008. DR 166 SÉRIE I de 2008-08-28; Portaria n.º 1538/2008. DR 251 SÉRIE I de
2008-12-30; Portaria n.º 419-A/2009. DR 75 SÉRIE I, 1º SUPLEMENTO de 2009-04-17; Portaria n.º 649-
A/2009. DR 111 SÉRIE I, 1º SUPLEMENTO de 2009-06-09; Resolução do Conselho de Ministros n.º 112/2012.
DR 252 SÉRIE I de 2012-12-31; Lei n.º 41/2013. DR 121 SÉRIE I de 2013-06-26; Lei n.º 45/2013. DR 126 SÉRIE

36
Dever de gestão processual. A gestão do processo e a gestão dos processos

procedimentos burocráticos de um determinado serviço, aqueles em que gestão processual é


reportada ao sistema informático de tramitação eletrónica dos processos judiciais ou “afins”,
aquelesm que gestão processual se refere à gestão da tramitação de um concreto processo
judicial e aqueles em que gestão processual visa a gestão de um conjunto de processos
(unificado ou pelo órgão, jurisdicional ou para-judicial, a quem foram distribuídos, ou pela
afetação a uma unidade orgânica de tramitação processual, v.g. secção de processos, ou pela
afetação a uma comarca).
As normas que se referem à gestão processual reportada ao sistema informático de
tramitação dos processos judiciais, reconduzem-se afinal a um destes dois últimos grupos,
consoante está em causa a utilização do sistema para tramitar um processo ou as virtualidades
do mesmo para proporcionar dados e informação para a gestão de um conjunto de processos.
As normas que se reportam à gestão dos procedimentos burocráticos de um serviço
público podem aproximar um conceito de gestão organizacional que, reportada ao tribunal
enquanto entidade administrativa, não é sem influência, embora indireta, na gestão do
processo ou dos processos.
Em suma, dois conjuntos significativos de normas se perfilam: as que se reportam à
gestão do processo e as que respeitam à gestão global de um conjunto de processos. Com
incidência nos processos judiciais, integram o primeiro grupo a do artigo 6.º do CPC e suas
antecessoras, as dos artigos 265.º-A, e 31.º/3 do CPC na redação de 95/96 e 2.º do Decreto-Lei
108/2006, e o segundo grupo a do artigo 88.º da Lei 52/2008 (NLOFTJ) e sua sucessora, a do
artigo 94.º da Lei 62/2013 (LOSJ).
Não cabendo no âmbito deste texto uma revisão dos diversos aspetos em que possa
conceptualizar-se a gestão processual2, trataremos apenas de postular uma delimitação
descritiva e ponderar da sua concretização naquelas dimensões.
Tomaremos de empréstimo a delimitação estabelecida por (Schwarzer & Hirsch, 2013, p.
187) por referência às regras federais de processo civil dos EUA. Referem esses Autores:
«A gestão processual, no essencial, envolve a utilização pelo juiz das ferramentas que tem
ao seu dispor, com equidade e bom senso, por um modo que se adeque à sua personalidade e
estilo», em ordem a «assegurar a justa, célere e económica resolução de todas as ações”»
(nosso sublinhados e negrito).

I de 2013-07-03; Lei n.º 62/2013. DR 163 SÉRIE I de 2013-08-26; Portaria n.º 280/2013. DR 163 SÉRIE I de
2013-08-26; Resolução do Conselho de Ministros n.º 91/2013. DR 248 SÉRIE I de 2013-12-23.
2
Sobre várias definições de gestão processual ver (Alexandre, 2013).

37
Dever de gestão processual. A gestão do processo e a gestão dos processos

A atual preocupação com a gestão processual nos Judiciários corresponde a uma nova
maneira de perspetivar a “eterna” preocupação: a qualidade da decisão judicial3.
Parafraseando (Frydman, 2007, p. 19) dir-se-ia que a questão da qualidade da decisão
judicial primeiro confinada à legalidade da decisão ou à sua proporcionalidade, sindicável pelo
sistema de recursos, prosseguiu com a consideração da argumentação como lugar de
legitimidade, vincando a necessidade de fundamentação, para desembocar na exigência do
processo equitativo e justo decidido em prazo razoável (e previsível) que é ainda
procedimental/processual mas é também, muito, organizacional.
Percurso que passa, assim, da sindicância da legalidade estrita para a da legitimidade
argumentativa e do processo à organização4.
O lugar da gestão processual – exigência de processo equitativo e justo decidido em prazo
razoável, previsível5 e com eficiência – convoca aquelas duas grandes áreas de densificação do
dever de gestão processual – a da gestão do processo e a da gestão dos processos.
Áreas que têm em comum a utilização de instrumentos de organização eficiente dos
recursos disponíveis em ordem à prossecução de uma finalidade.

3
(Jean, 2007, p. 30) refere os diversos níveis em que essa preocupação de espelha atualmente: a qualidade
dos sistemas judiciários, a qualidade dos processos judiciais e a qualidade da decisão judicial.
4
Cf. (Frydman, 2007, p. 19): «L’hypothèse que je développerai est celle d’un glissement progressif, dans la
théorie et dans la pratique contemporaines, d’une conception substantielle vers une conception procédurale
et à présent managériale de la qualité des décisions de justice, qui s’accompagne, sur le plan du contrôle,
d’une multiplication des modalités et des instances qui s’empilent en quelque sorte les unes sur les autres.
Pour le montrer, nous distinguerons cinq stades successifs au fil d’un parcours à marche forcée de l’histoire
des idées et des pratiques judiciaires. Nous partirons du contrôle de légalité classiquement confié à la Cour
de cassation (1) pour envisager ensuite le contrôle marginal de proportionnalité, caractéristique de la
jurisprudence sociologique (2). Nous verrons comment ce premier mouvement en amène d’autres, d’abord, à
la suite du tournant argumentatif, le développement du contrôle de motivation (3), puis, à la faveur du
tournant procédural, le contrôle du respect des guaranties du procès équitable, sous la haute autorité de la
Cour européenne des Droits de l’Homme (4) et enfin le contrôle de qualité proprement dit portant sur
l’administration et le fonctionnement de la justice (5)».
5
A CEPEJ vem insistindo nesta dimensão “temporal” do processo que é a previsibilidade da sua duração e o
conhecimento de tal pelas partes que é também compromisso do sistema. Cf. CEPEJ (2004) 19
(www.coe.int/CEPEJ).

38
Dever de gestão processual. A gestão do processo e a gestão dos processos

II) A GESTÃO DO PROCESSO

A gestão do processo não é uma novidade. A gestão enquanto estratégia de abordagem e


solução de problemas, questões, situações de vida, é algo inerente à ação humana.
O processo é um problema, coloca questões e submete situações de vida a juízo. Nessa
medida gera estratégias. Estratégias de cada um dos intervenientes. E são muitos. Estratégias
das partes, desde logo, estratégias do juiz, estratégias das secções, estratégias das
testemunhas, dos peritos, das instituições que nele intervêm (v.g. Segurança Social, Direcção-
Geral de Reinserção Social, Instituto de Medicina Legal, etc, etc).
No meu estágio de iniciação conheci desde logo uma estratégia: «é preciso chutar a
bola». A metáfora futebolística pretendia transmitir que não devia o juiz ficar com a “batata
quente” na mão, que o mesmo é dizer, em versão culinária, que o processo não devia aquecer
na nossa secretária e dela devia sair, a bem ou a mal, em benefício de uma honrosa aposição
final do “ds”.
É uma gestão. Correspondia-lhe a bem descrita guerra secção/juiz de (Mendes, 2010),
com episódicos momentos de conciliação ou com tratados de paz duradouros, destinados a
conseguir que ambas as partes (juiz e secção) obtivessem a prossecução máxima das suas
finalidades.
Esta gestão não tem principalmente a ver com a malevolência dos intervenientes, mas
com “pecados sociais” ou “pecados organizacionais” relacionados com a ausência de
lideranças, com o anacronismo dos critérios de avaliação do desempenho individual, com a
ausência de critérios de desempenho organizacional, com errática e desintegrada afetação de
recursos. Enfim, com verdadeira falência de gestão do tribunal como organização e do
processo à sua finalidade, que o aumento quantitativo e qualitativo do recurso aos tribunais só
tornou mais patente.
A gestão do juiz tendia a gerir o despacho dos processos (muitos ou poucos) que lhe eram
apresentados pela secção com critérios determinados pelo Escrivão, mais ou menos
explicitamente.
A gestão do processo pelo juiz, numa metáfora parental que não paternalista, bastava-se
com um regime de visitas quinzenal (despachos de fundo) e alguns lanches ocasionais
(despacho de expediente), no termo do que, com sorte, o processo desembocava numa
maioridade por decurso do tempo, sem projeto educativo discernível, ou caía na
marginalidade dos incidentes sem fim à vista.

39
Dever de gestão processual. A gestão do processo e a gestão dos processos

O que era potenciado por uma manifesta deficiência de informação quando o acervo
processual fosse de dimensão (no meu tribunal de ingresso os processos pendentes cabiam
em quatro mal cheias prateleiras de menos de um metro, o que constituía informação
manifestamente digerível por um juiz, mas não é sempre assim…), falta de informação
impeditiva de uma gestão digna desse nome.
A descrição caricatural passa-se no horizonte após a reforma da organização judiciária de
1987, com a constituição de uma autonomia hierárquica e inspetiva das secretarias, a
dissociação da avaliação de desempenho por corporações profissionais e não por organização
tribunal, acompanhada do aumento da litigância já referida e o consequente aumento
exponencial do número de processos pendentes nos tribunais.
As reformas organizativas subsequentes continuam a tentar contrariar esta tendência
(Mendes, 2010, p. 109 e ss) numa deriva inovatória/revogatória que ainda não cessou. As leis
processuais caminham, com idêntico propósito, para o paradigma do juiz ativo, efetivo gestor
do processo, embora com hesitações e contradições manifestas que mereceriam alguma
atenção6.
É esta procura do juiz ativo que expressam as normas do artigo 265.º-A, do CPC na
redação de 95/96 (CPC 95), do artigo 2.º do Decreto-Lei 108/2006 (RPCE) e do artigo 6.º do
CPC na redação da Lei 41/2013 (CPC 2013, constituindo afinal um elemento da política pública
de justiça.
Como referia o preâmbulo do Decreto-Lei 108/20067:
«Este regime confere ao juiz um papel determinante, aprofundando a conceção sobre a
atuação do magistrado judicial no processo civil declarativo enquanto responsável pela direção
do processo e, como tal, pela sua agilização. Mitiga-se o formalismo processual civil, dirigindo
o juiz para uma visão crítica das regras».
O atual artigo 6.º do CPC é herdeiro desta visão reportando-se à gestão de cada processo
pelo juiz que dele é titular, tanto genericamente, em termos de atitude do juiz perante o

6
A questão desenrola-se nas páginas da Revista Julgar, sendo amplamente debatida por (Gouveia, 2007) e
(Mendonça, 2007), retomada por (Matos, 2007).
7
Cf. Acórdão do Tribunal Constitucional 132/2010: «Ou seja, pretendeu-se criar uma forma de processo
única sujeita ao princípio da gestão, aplicável a todos os tribunais cíveis a que não caiba regime especial.
Trata-se de uma tramitação flexível que funciona como uma espécie de paradigma e que não deve
prejudicar o dever de gestão processual. Esta tramitação única será tendencialmente aplicável aos processos
a que actualmente se aplica a forma de processo declarativo comum, consequentemente o elemento
relevante para o mencionado Decreto-Lei é a forma de processo e não a competência do tribunal».

40
Dever de gestão processual. A gestão do processo e a gestão dos processos

processo, como na regulação concreta de determinadas atuações que o legislador entende


exprimirem essa atitude.
O que coloca a questão da autonomia do dever de gestão processual relativamente aos
atos em que se traduz. Autonomia ou falta dela que se coloca com especial incidência quanto
ao dever de adequação formal8.
Desde logo, a interrogação sobre a autonomia desse dever face ao conteúdo próprio da
missão do juiz: a decisão dos casos concretos submetidos, em obediência única à Constituição
e à lei, nomeadamente à lei processual. Confunde-se o dever de gestão processual do processo
com a aplicação perita das leis processuais (adequadas à adjetivação das substantivas) ao caso
concreto submetido?
O dever de gestão processual do processo, com esta denominação, surgiu na lei com o
artigo 2.º9 do Decreto-Lei 108/2006.
Esta norma reafirmou o princípio da direção do processo pelo juiz e apelou, nas suas
alíneas b) e c), ao seu exercício mediante a aplicação da lei processual, sem qualquer
autonomia de outras normas para as quais aliás remete: proibição de atos inúteis e
simplificação e agilização previstas na lei. Ou seja, mais chamada de atenção, do que novidade.
Na sua alínea a) a norma é mais promissora ao apelar à adequação formal. Promissora
sobretudo pelo espírito do Decreto-Lei em que se insere, já que a adequação formal já se
encontrava prevista no anterior artigo 265.º-A do CPC 95/9610.
É sobretudo o carácter experimental do diploma, que se anuncia destinado a conformar a
futura revisão do CPC, e a aplicação empenhada que dele foi feita11 que vão constituir
novidade.
A gestão processual nasce, assim, colada à adequação formal, confundindo-se com ela,
agregando sobretudo regras de boa utilização das normas processuais.

8
Cf. (Alexandre, 2013) e (Faria, s.d.) CEJ.
9
Norma com o seguinte teor: «O juiz dirige o processo, devendo nomeadamente:
a) Adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma
dos atos processuais ao fim que visam atingir;
b) Garantir que não são praticados atos inúteis, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório;
c) Adotar os mecanismos de agilização processual previstos na lei».
10
Sobre história do preceito e (des)necessidade de acordo das partes (Brito, 1997) que a este respeito cita o
preâmbulo do Decreto-Lei 180/96 quando explica o afastamento da necessidade de acordo das partes: «a
adeauação não visa a criação de uma espécie de processo alternativo, da livre discricionariedade dos
litigantes, mas possibilitar a ultrapassagem de eventuais desconformidades com as previsões genéricas das
normas de direito adjectivo».
11
Ver (Faria, 2009).

41
Dever de gestão processual. A gestão do processo e a gestão dos processos

Cremos, porém, que a gestão do processo ultrapassa em muito a adequação formal,


mesmo se os atos de adequação formal são um dos conteúdos da gestão do processo. O que a
actual inserção sistemática da adequação formal – artigo 547.º – tão bem exprime.
Analisando a atual norma.
Compreendendo a utilidade prática da partição da norma do artigo 6.º proposta por
(Faria, s.d.), afigura-se que em sede de consagração do dever de gestão processual esta norma
contém um único comando:
O juiz deve «dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere».
Mas assim confrontados com o comando podemos perguntar: Porquê? Para quê?
Lembremos o passeio de Carlos e do Ega pelo Aterro, no final de Os Maias, jurando,
ambos, não sair, «por fortuna ou império», do «passinho lento, prudente, correto, que é o
único que se deve ter na vida» e assim assentando a «teoria definitiva da vida»: «não vale a
pena fazer um esforço, correr com ânsia para coisa alguma». Teoria firme que a prática
imediata infirma quando se lançam em vibrante corrida para apanhar o Americano que surgia
ao fundo da ladeira, para irem a … lado nenhum.
Não é assim com a gestão do processo. O CPC não nos manda correr para o Americano
sem destino, antes estabelece a razão da corrida que é aqui metáfora da celeridade.
Fá-lo no final do n.º 1 do artigo 6.º estabelecendo a finalidade «a justa composição do
litígio em prazo razoável».
Ou no artigo 7.º, em sede de dever de cooperação: «concorrendo para obter com
brevidade e eficácia a justa composição do litígio».
Um breve parêntesis para referir que a menção da eficácia tem na norma o sentido de
eficiência, ou seja, utilização mínima de recursos necessários à prossecução do fim. Só assim a
menção é útil pois entendida como obtenção dos resultados seria tautológica.
Eficiência12 que, em termos estritamente processuais, aflora como princípio da tramitação
processual, no artigo 130.º, e na forma dos atos, no artigo 131.º. Estas normas integram o
comando relativo ao dever de gestão processual: «dirigir ativamente o processo e providenciar
pelo seu andamento célere»13.

12
Cf. (Brito, 1997, p. 37): «deve empregar-se o mínimo de actividade para se atingir o máximo resultado
processual».
13
O artigo 6.º também indica, com alguma redundância, o que o legislador entende serem exemplos da
direção ativa – a) promoção oficiosa das diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação (entre as
quais se contam as necessárias ao «suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de
sanação»), b) recusa do que for impertinente ou meramente dilatório, c) adoção de mecanismos de
simplificação e agilização processual – mas esses são meros exemplos, não são a delimitação do dever.

42
Dever de gestão processual. A gestão do processo e a gestão dos processos

A dimensão de eficiência aflorada quanto ao uso das normas e à forma dos atos, perpassa
em termos mais vastos o dever de gestão, alargando-o a dimensões já não estritamente de
aplicação normas processuais mas de organização e utilização do conjunto dos recursos
disponíveis – humanos, materiais e tecnológicos.
Com o que temos delimitado o dever de gestão processual do juiz enunciado no CPC
2013:
O juiz tem o dever de dirigir ativamente o processo em ordem a obter com eficiência a
composição justa e célere do litígio.
A autonomia deste dever de gestão (ou deste dever como gestão) implica uma
abordagem distinta da integração descritiva dos diversos atos em que se possa exprimir.
Ou seja, antes de saber se a gestão processual implica a simplificação ou abrange também
a complexificação14 do processo, se implica uma calendarização, se pode consubstanciar-se
num afastamento dos prazos legais ou das formas de notificação de atos ou para comparência,
temos de encarar aquele dever na sede em que se coloca: a gestão estratégica do processo,
norteada pelas regras específicas desta área do saber.
Pelo que é útil e adequado o recurso aos instrumentos de gestão holística desenvolvidos
nomeadamente para o sector público15 que se ajustam aos diversos níveis em que a gestão se
consubstancia.
Instrumentos que implicam a consideração da missão do processo, da visão que decorre
da conformação que lhe é dada pelo sistema jurídico, e dos valores que o enformam em
ordem à definição da estratégia empregue na sua gestão, definindo em concreto objetivos
operacionais e ações a empreender.
Consideração expressa nas perspetivas dos cidadãos em geral (conformação pela
comunidade dos princípios gerais do processo civil, considerando a função do Estado de
administração da Justiça e as finalidades prosseguidas), das partes em particular (princípios do
dispositivo, do contraditório, da proibição da indefesa, da igualdade), dos procedimentos
internos de funcionamento (regras processuais e administrativas), da aprendizagem e dos
recursos disponíveis (humanos – juiz, funcionários e serviços vários privados e públicos –,
materiais – equipamento, edifícios, etc – e tecnológicos – sistema informático e
equipamentos).

14
No sentido da admissibilidade (Freitas, 2013, pp. 174-175)
15
Cf. (Kaplan & Norton, 1996) definindo o Balanced Scorecard como instrumento de gestão e de definição
da estratégia organizacional em geral e (Kaplan, 2013) especificamente nas organizações não lucrativas.

43
Dever de gestão processual. A gestão do processo e a gestão dos processos

Instrumentos que permitem encarar a gestão do processo como atividade com autonomia
em relação à tramitação processual e que potenciam o seu efeito.
Deixa de fazer sentido então perguntar se a adequação formal se confunde com o dever
de gestão processual, pois naturalmente ambos encontram o seu campo de autonomia, sem
perderem a sua interligação. A adequação formal constitui um exercício de gestão processual
que é mais ampla do que aquele.
Como também deixa de ter sentido saber se o dever de gestão processual tem o seu lugar
ótimo nos litígios de massa ou na litigância nuclear16. A gestão é inerente à abordagem de cada
processo, diferindo naturalmente os conteúdos dessa abordagem.
Daí que, o dever de gestão processual, enquanto dever de gestão, beneficia de um
enquadramento autónomo do processual, com apelo às regras da gestão e aos instrumentos
diversos pela mesma proporcionados, dos quais se destacam pela sua adequação
instrumentos holísticos que partem da missão expressa em valores e da visão orientadora da
estratégia17 e da definição das ações a empreender18.

Assim, constitui-se ele próprio critério de aferição da adequação das opções processuais
do legislador.
Em termos gráficos poderíamos representar tal abordagem do seguinte modo:

16
Sobre o conceito, contraposto à litigância de massas (litígios de baixa densidade) (Matos, 2007, pp. 94-96
maxime).
17
Para uma leitura do processo enquanto estratégia (Teixeira, 2010).
18
(Kaplan & Norton, 1993)

44
Dever de gestão processual. A gestão do processo e a gestão dos processos

Alguns aspetos das perspetivas propostas


As perspetivas indicadas podem funcionar como pólos aglutinadores da reflexão e da ação
de gestão processual. A título de mera ilustração, salientaremos alguns aspectos, sem
preocupação de sistematização e integração.

Perspetiva dos cidadãos: a direção ativa


Ao impor um dever de direção ativa do processo pelo juiz o legislador toma claramente
posição quanto ao modelo de juiz que pretende vigore: um modelo de juiz cujos poderes de
direção são exercidos não apenas por promoção das partes (princípio do dispositivo) mas no
exercício de iniciativa própria (princípio do inquisitório).
Esta visão de juiz e esta noção de processo não é sem polémica19 e, diga-se, sem perigos,
assimilada que é a uma visão autoritária do processo de que o nosso CPC por interposto CPC
de 39 seria tributário.
Cremos que o juiz que “serve a solução” defendido por (Gouveia, 2007)20 é o juiz do
presente, sem prejuízo do notável contributivo reflexivo dado pelos que se preocupam com o
«vírus autoritário» (Mendonça, 2007).
Este juiz é o juiz que convive com manuais de boas práticas processuais21, que conforma a
tramitação do processo (simplificando-a ou complexificando-a22), que simplifica os atos em

19
Cf. (Brito, 1997, p. 31) a respeito em concreto apenas da adequação formal: «A possibilidade agora
consagrada [reforma de 95/96] de o juiz adaptar a tramitação do processo (…) tem tanto de aliciante para a
realização da justiça no processo civil, como de ameaçador para as garantias daqueles que exercem o seu
direito à jurisdição».
20
«Assegurados estes direitos, deve defender-se o papel activo do juiz, sem qualquer receio de
autoritarismo. A flexibilidade só é possível com um juiz activo, com uma gestão processual presente,
concreta, informada, disponível. Esta agilidade da magistratura é essencial à sua legitimação. Saber que em
certos processos deve estar mais distante, mais passiva; saber que em outros deve ser mais activa, mais
próxima. A elasticidade dos poderes atribuídos ao magistrado civil, a supletividade das regras processuais
deve ser assim entendida.
Defendo, pois, que o actual processo civil não é autoritário. É colaborante, é flexível, é próximo. Os direitos
das partes estão garantidos e são respeitados. O juiz é um elemento fulcral na condução do processo. A sua
importância pode implicar uma actuação decidida, mas pode também, por vezes, tornar-se transparente,
deixando ao contraditório das partes o avanço do processo. Seja qual for a postura, o magistrado está
sempre ao serviço das partes, das pessoas e não de uma ideia absoluta de verdade ou de justiça. Não há
donos do processo, nem há senhores da verdade. Há pessoas, com problemas, com litígios normais
decorrentes das relações humanas. É preciso resolvê-los, eficazmente. É necessário servir a solução, saciando
quem a requereu» p. 65.
21
Ver, por exemplo, (Schwarzer & Hirsch, 2006).

45
Dever de gestão processual. A gestão do processo e a gestão dos processos

função da sua razão de ser e da sua finalidade, em ordem à consecução no caso do “processo
equitativo e justo decidido em prazo razoável” do artigo 6.º da Convenção Europeia dos
Direitos Humanos (CEDH) na leitura que dela faz também a Comissão Europeia para a Eficácia
da Justiça (CEPEJ).
É o modelo de juiz a que faz apelo o artigo 6.º do CPC.
Um juiz/gestor com valores que também se exprimem com especificidade na gestão
processual e se enumeram de modo exemplificativo:
Independência (na relação com os órgãos de gestão e na interdependência das
competências);
Imparcialidade («igual preocupação com a sorte de todas as pessoas» (Dworkin, 2011, p.
14));
Humildade (respeitando «totalmente a responsabilidade e o direito de cada pessoa a
decidir por si própria» (Dworkin, 2011, p. 14); conhecer a realidade da inserção em
organização);
Coragem («o juiz deve ter poderes que lhe permitam uma efetiva e ativa gestão dos
procedimentos» (CEPEJ-SATURN, (2013)4) e deve usar os poderes que tem);
Verdade (na relação com as partes, nomeadamente, quanto ao tempo dos processos
prestando informação correta quanto às causas de desvios e quanto às medidas para as
debelar);
Ciência (utilização das normas processuais e da sua articulação com as substantivas que
regem a declaração do direito);
Cultura dialogal e diretiva (do processo e na intervenção nele, com assunção da
cooperação e da firmeza na direção).

Perspetiva das partes


O aviso que fazem os defensores do denominado modelo liberal do processo civil não
deve cair em cesto roto. O admirável mundo da gestão tem de incorporar que o processo civil
é um espaço de livre exercício de direitos, em que a conflitualidade se exprime e não pode ser
reduzida a uma comunidade de trabalho, sendo direito das partes a conformação da lide, a

22
(Alexandre, 2013) coloca a questão: «Tenho dúvidas em dizer que a gestão processual – tal como está
concebida na PL 113/XII – pode conduzir a uma densificação da tramitação legalmente desenhada, porque o
art. 6º/1 da PL 113/XII, a propósito do dever de gestão processual, também alude a mecanismos de
simplificação processual. Por outro lado, se a gestão processual visa essencialmente a agilização, ideia
reforçada pela parte final do n.º 1 do art. 6º, como é que pode também visar a complexificação, que com ela
parece incompatível?».

46
Dever de gestão processual. A gestão do processo e a gestão dos processos

escolha das armas (o processo integra a violência mas integrar não é obliterar) e a
previsibilidade das regras do combate, no caso as regras processuais, de que decorre a
importância do mitigado princípio de tipicidade das formas processuais.
Esta perspetiva, que se afigura essencial, torna sensíveis questões como o contraditório
ou a recorribilidade das decisões.

Contraditório
Pedra angular de um processo civil equitativo e justo o princípio do contraditório
consubstancia-se na possibilidade de a parte participar ativamente em todo o processo,
exprimindo-se nos planos da alegação, da prova e do direito (Freitas, 2013, p. 124 e ss).
Considerando o núcleo fulcral da gestão processual que a adequação formal constitui, são
especialmente sensíveis neste ponto as questões relacionadas com o contraditório,
especialmente quando a intervenção do juiz seja oficiosa.
Embora o artigo 547.º do CPC não refira expressamente a necessidade de audição das
partes, a mesma resulta do princípio geral do artigo 3.º/3 que aliás é retomado no artigo 6.º,
n.º 1, IIª parte.

Recorribilidade
Porque se a recorribilidade genérica pode bloquear o processo, postergando a almejada
celeridade, a irrecorribilidade demasiado ampla é o húmus ideal para o desenvolvimento do
vírus autoritário para que adverte (Mendonça, 2007)23.
É certo que como defende (Geraldes, s.d.), a recorribilidade pode demorar o processo.
Mas, como o refere também, há que ponderar os valores envolvidos e conflituais.
Embora não haja em processo civil um direito constitucional ao recurso, a especial
delicadeza das questões que podem ser convocadas em sede de gestão processual pode
aconselhar seja estabelecida a recorribilidade das decisões, tanto quanto a eficácia e a
eficiência, no estrito sentido da duração, a desaconselham.

23
Com uma impressiva metáfora que não resistimos a transcrever: «No final do século XIX um vírus infectou
o processo civil. Nem todos os processos sucumbiram, mas todos foram, de alguma forma, por ele afectados.
A comunidade científica deu-lhe o nome de «vírus autoritário». (…) O vírus provocava sintomas curiosos
entre as suas vítimas. Estas começavam por afirmar que o processo servia não para tutelar os direitos
subjectivos e os interesses legítimos dos particulares, mas para restaurar a norma material e o dirito
objectivo; acrescentavam, consequentemente, que o processo não servia as partes, mas pelo contrário eram
estas que o serviam; os juízes sentiam-se ungidos por uma força estranha que os impelia não tanto a dirimir
os concretos conflitos entre os seus concidadãos, mas a querer fazer justiça entre os homens».

47
Dever de gestão processual. A gestão do processo e a gestão dos processos

O nosso legislador tomou posição nos termos constantes da norma do artigo 630.º/2 do
CPC que estatui serem irrecorríveis as decisões de agilização e simplificação processuais
previstas no artigo 6.º/1 e as decisões de adequação formal previstas no artigo 547.º.
(Freitas, 2013, p. 231 e ss) defende embora que «a norma do art. 630-2 talvez deva, por
isso, ser racionalmente interpretada no sentido de só excluir o recurso autónomo de apelação
das decisões de gestão processual, que não sejam de mero expediente (…), deixando aberta a
possibilidade da sua impugnação com a sentença final, nos termos do art. 644-3. Suscetíveis,
pelo contrário, de apelação autónoma (cf. art. 644-2-i, bem como o art. 644-2-d) são as
decisões que contendam com os princípios do contraditório ou da igualdade ou com as normas
que regulam a introdução dos factos no processo e a admissibilidade dos meios probatórios».
Dir-se-ia que a salvaguarda de recorribilidade quando violados os princípios que a norma
indica nos levaria a resistir ao “vírus”. Embora se afigure que essas melhor seriam questões de
procedência do recurso do que de admissibilidade, parece-nos que mesmo assim pode não
estar salvaguardado o afastamento do “autoritarismo”24.
Afigura-se-nos que as decisões de adequação formal do artigo 547 ( e as de agilização
processual do 6/1?) têm uma dupla vertente: a opção pela adequação formal ou agilização
processual e a conformação processual mediante a indicação de uma tramitação alternativa.
Vertentes que exprimem decisões diferentes: a decisão de inadequação das formas típicas e
de necessidade da adequação formal e a decisão sobre a forma a aplicar.
Qual destas decisões é declarada irrecorrível pelo artigo 630.º/2: ambas ou apenas uma
delas? É possível interpretar a norma no sentido de que apenas a decisão sobre a tramitação é
irrecorrível, sendo recorrível a decisão que opta pela adequação formal25 justificando a
inadequação das formas típicas?26

24
(Marinoni, 2006) adverte para a importância das questões relacionadas com a fundamentação e a
sindicância das decisões em caso de adequação formal: «as normas processuais abertas não apenas
conferem maior poder para a utilização dos instrumentos processuais, como também outorgam ao juiz o
dever de demonstrar a idoneidade do seu uso, em vista da obviedade de que todo poder deve ser exercido de
maneira legítima». Continuando adiante: «a ampliação do poder de execução do juiz, ocorrida para dar
maior efetividade à tutela dos direitos, possui, como contrapartida, a necessidade de que o controle da sua
atividade seja feita a partir da compreensão do significado das tutelas no plano do direito material, das
regras da adequação e da necessidade e mediante o seu indispensável complemento, a justificação judicial.
Em outros termos: pelo fato de o juiz ter poder para a determinação da melhor maneira de efetivação da
tutela, exige-se dele, por conseqüência, a adequada justificação das suas escolhas. Nesse sentido se pode
dizer que a justificativa é a outra face do incremento do poder do juiz».
25
Em contrário parece pronunciar-se (Brito, 1997, p. 69) ao referir: «a decisão do juiz de adequação é
sindicável, não quanto à decisão sobre se deve adequar ou não quando o faça oficiosamente, mas quando

48
Dever de gestão processual. A gestão do processo e a gestão dos processos

Os princípios indicados como fundamento de recorribilidade apontam para a decisão de


concreta conformação processual e não para a decisão pela necessidade de recorrer à
adequação formal. Não se vê em que poderia esta violar aqueles princípios.
Coisa diversa é a da oportunidade da subida do recurso ou seja, a de saber se cabe
apelação autónoma dessas decisões27.

Perspetiva dos procedimentos internos


1. O tempo/processo

A celeridade enquanto duração razoável e previsível é um dos principais aspetos


motivadores da direção ativa do juiz.
A consideração do tempo no processo implica a previsibilidade, a calendarização, a gestão
dos prazos e a identificação das etapas críticas.
Previsibilidade: indicação da previsibilidade de resolução do litígio com eventual indicação
do desvio-padrão, dos critérios de agendamento e da situação da UO que o determina.
Calendarização da lide em concreto nos diversos passos que a compõem e no cuidado em
nunca deixar o processo sem prazo – «em todos os processos deve haver, em cada momento,
uma data fixada para a prática de um ato, o que o levará, então, à atenção do juiz»28 – a fim
de evitar que caia em “roda-livre”. A calendarização do processo é praticamente impossível
fora da adequação formal que é um instrumento muito pesado; a abundância de prazos que o
juiz não pode alterar são um exemplo de negação da gestão processual.
Calendarização efetiva dos atos a praticar em concreto.
Gestão dos prazos: fixação de critérios para os casos em que o prazo é marcado pelo juiz,
compatibilização entre os prazos assinados às partes e prazos gerais concretos do processo
(fixar três dias à parte para praticar um ato na sequência de seis meses de inércia do tribunal

decida adequar, o conteúdo positivo da decisão é susceptível de recurso». Embora se pronuncie num quadro
legal em que inexistia norma como a do artigo 630.º do CPC.
26
«A justificação, obedecendo a esses critérios, dá às partes a possibilidade de controle da decisão
jurisdicional. A diferença é a de que, em tais situações, o controle da atividade do juiz é muito mais complexa
e sofisticada do que aquela que ocorria com base no princípio da tipicidade, quando o juiz apenas podia usar
os instrumentos processuais definidos na lei. Mas essa mudança de forma de pensar o controle jurisdicional
é apenas reflexo da necessidade de se dar maior poder ao juiz – em parte a ele já entregue pelo próprio
legislador ao fixar as normas abertas – e da transformação do próprio conceito de direito, que submete a
compreensão da lei aos direitos fundamentais» (Marinoni, 2006).
27
A que se refere (Freitas, 2013).
28
(Schwarzer & Hirsch, 2013, p. 195)

49
Dever de gestão processual. A gestão do processo e a gestão dos processos

não é um bom exemplo); adequação de prazos dos atos mediante “negociação” com as partes
(ressalvando invocações de indefesa ou de prejuízo da defesa em razão da exiguidade dos
prazos). Parecem maus exemplos de rigidez inadequada à gestão processual o recurso
frequente à fixação de prazos legais quando os mesmos poderiam ser fixados pelo juiz de
modo mais adequado ao caso concreto v.g. artigos 654.º/1 e 655.º/1.

2. A identificação das etapas críticas

Cada forma processual tem etapas críticas a considerar em termos de calendarização e de


intervenção reguladora prévia.
Restringindo-nos à ação declarativa comum em primeira instância os grandes momentos
de gestão do processo concreto são a gestão inicial do despacho liminar (que é deixado ao
critério do juiz – 590.º/1 – sendo a primeira opção de gestão processual que lhe cumpre
tomar), a gestão inicial do despacho pré-saneador (artigo 590.º), a audiência prévia (artigos
591.º a 598.º) e a audiência de julgamento/sentença (artigos 599.º e ss e 607.º e ss).

Gestão inicial: Despacho liminar


Esta etapa do processo pode não ter lugar na ação declarativa comum. A opção a que
alude o artigo 590.º/1 deve ser tomada e constitui uma atividade de gestão processual prévia à
existência do processo, a que estaria adequada a provimentação.
Provimentação que é um poderoso instrumento de gestão processual e engloba atos
diversos: autorizações, delegações, desenho de procedimentos, despachos genéricos,
regulamentos, adequação da forma dos atos, etc.
O contacto inicial com o processo na fase liminar permite identificação das questões
colocadas pelos pressupostos formais (atividade necessária à sanação ou à decisão quando
insanáveis), identificação das especificidades objetivas e subjetivas (princípio da igualdade
substancial), ponderação da necessidade de adequação formal e identificação das questões
substantivas (improcedência, aperfeiçoamento).

Gestão inicial: Despacho pré-saneador


A etapa processual que o CPC denomina gestão inicial é o anterior despacho ou atividade de
pré-saneamento: sanação de pressupostos processuais; correcção de irregularidades dos
articulados; junção de documento para conhecimento de exceção ou do mérito.

50
Dever de gestão processual. A gestão do processo e a gestão dos processos

Audiência Prévia
Preparação: da conciliação; identificação dos pressupostos em falta (decisão ou sanação);
identificação das deficiências fácticas; identificação dos temas “destacáveis” (prescrições;
prova legal) que possam ser conhecidos mediante produção de prova em audiência prévia
(com ou sem adequação formal); conhecimento de exceção ou mérito; identificação dos meios
probatórios adequados; temas da prova.
Despacho regulador:
Indicação dos intervenientes;
Indicação da ordem de trabalhos;
Indicação do modo como se perspetiva a realização da audiência prévia concretamente a
indicação do modo como será feita a enunciação dos temas da prova: debate e organização de
facto sem guião; proposta escrita remetida com o despacho; proposta escrita apresentada no
momento; debate e redação ulterior; pedido de propostas no despacho ou na audiência, etc.;
Indicação quanto a antecipação de produção de prova v.g tomada de depoimento de
parte nos termos do artigo 546.º/3 e da possibilidade de conhecer exceção ou mérito;
Indicação da necessidade de adequação formal (audição, proposta, fixação).
Calendarização: data e agenda da audiência (início e termos de cada sessão);
requerimentos passíveis de apresentação em julgamento; o tempo de inquirição de cada
testemunha; o tempo das alegações.

Audiência de julgamento
Cumprimento da programação estabelecida
Indicação a final da data previsível da prolação da sentença

3. A provimentação

Afigura-se muito desejável a provimentação como instrumento de gestão processual,


podendo assumir âmbitos diversos, nomeadamente:
 orientação da secção ou de auxiliares judiciários como os agentes de execução, os
administradores de insolvência ou os peritos;
 determinações quanto a prática oficiosa de atos;
 esclarecimento quanto ao entendimento seguido pelo juiz e instruções para seu
cumprimento;
 intervenção na fase de citação (226.º/2);

51
Dever de gestão processual. A gestão do processo e a gestão dos processos

 despachos genéricos de organização da tramitação pela secretaria.

4. A organização do dossier eletrónico e físico


A título de exemplo:
 o conteúdo do processo físico
 a utilização de pastas de classificação de despachos a proferir
 a classificação dos despachos proferidos
 a organização temática (não parece que tenha cabimento legal, mas seria útil)
 a organização de um ou vários índices

Perspetiva da aprendizagem
A formalização dos procedimentos permite a transmissão do saber prático que é
elemento essencial de geração de conhecimento da “organização”.

Perspetiva dos recursos


Como dissemos, a gestão do processo convoca a mobilização de outro tipo de recursos
para além do tempo/processo e das normas processuais.
O juiz do processo tem de considerar todos os recursos afetos à atividade administrativa
que é suporte da sua atividade jurisdicional: humanos, materiais e tecnológicos.
Entre os recursos humanos, o do seu próprio tempo, o tempo/juiz, cuja gestão implica a
sua diferenciação e a diferenciação das intervenções29, a definição de regras de agendamento,
a organização do apoio da secção e a consideração concreta das capacidades desta enquanto
grupo e individuais.
Entre os recursos materiais a disponibilidade de sala de audiência, mas também de
equipamentos de gravação ou vídeo-conferência, de veículos, de digitalizadores, etc.
Entre os recursos tecnológicos o sistema de tramitação dos processos e as diversas
funcionalidades de recolha de dados para a gestão, embora se reconheça que o mesmo está
desenhado para as secções e não para o juiz.
O juiz do processo é também um gestor dos meios públicos e é responsável pelo modo
como os mesmos são por si, ou sob a sua direção, geridos ou ignorados30.

29
(Lopes, 2010, p. 141).
30
Vejam-se por exemplo as questões ligadas á eficiência na gestão desses recursos que também envolve as
dimensões financeiras dos mesmos . A título de exemplo, o apelo à eficiência na sua dimensão diretamente

52
Dever de gestão processual. A gestão do processo e a gestão dos processos

económica em (Schwarzer & Hirsch, 2013) e no programa “Justice judiciaire” introduzido pela lei francesa de
enquadramento financeiro de 2001, a “Loi organique des lois de finances” (LOLF).
Esta lei veio impor na administração pública e no sistema de justiça, por via orçamental, a perspetiva de
transpor para o setor público os métodos tradicionalmente utilizados no setor lucrativo da economia,
chamando a atenção para a dimensão económica do Estado e para a necessidade de introduzir exigências
de eficiência na utilização dos recursos e na dispensa dos serviços.
«No plano económico, a LOLF introduziu as finanças públicas numa nova era. Anteriormente, os progressos
do direito faziam-se através do formalismo e dos processos com uma primeira preocupação de assegurar os
princípios de apresentação do orçamento, o conhecimento efetivo das operações pela apresentação
transparente de contas e uma execução regular. Entrámos numa segunda era quando, no século XX se
decidiu utilizar o orçamento como instrumento de regulação da economia nacional, função apresentada
como determinante. No fim do século, quando o intervencionismo orçamental se mostrou ineficaz face às
crises económicas e sociais, impôs-se o facto de que as pessoas públicas, incluindo o estado, devem respeitar
as leis fundamentais da economia, nomeadamente demonstrando a sua eficiência, o que exige que lhes
sejam aplicados os meios de gestão já consagrados. Esta é a contribuição da LOLF» (Hertzog, 2006, p. 16).
O mesmo autor, referindo exatamente as questões da gestão pública explicita: «face ao fracasso das
instituições públicas só há dois remédios: ou a privatização ou a reforma. (…) A LOLF é um texto de rutura,
não porque rejeite as antigas finalidades – regularidade das operações e utilização económica do orçamento
– mas porque introduz uma nova finalidade no coração do direito orçamental: melhorar o desempenho do
estado. (…) A LOLF coloca, doravante, o processo orçamental, no seu conjunto, sob tensão para que a
produção pública atinja melhores resultados e os diferentes agentes sejam colocados em situação de prestar
atenção sobretudo a estes novos objetivos» (Hertzog, 2006, p. 30).
Introduzindo estes novos elementos de avaliação e melhoria do desempenho, a LOLF estabelece diversas
missões do estado, cuja organização não se abordará, pese embora tenha sido imensamente debatida . Uma
dessas missões refere-se ao sistema judicial sob a denominação “Programme 166 – Justice Judiciaire”,
englobando os Tribunais Judiciais, a Escola Nacional de Oficiais de Justiça e o Registo Criminal.
O programa está incluído no Ministério da Justiça, o responsável do programa é o diretor dos serviços
judiciários, concretizando-se pela definição de objetivos de longo prazo, com indicadores de medida
definidos a nível do programa.
Não é sem perplexidade que esta abordagem «económica» surge em matéria de justiça, por exemplo no
confronto entre o objetivo de controlar as despesas processuais e o direito de prescrever os meios de
investigação em que as mesmas são assumidas, direito/dever dos magistrados titulares da investigação ou o
indicador do provimento de recursos em relação com a qualidade das decisões.
Referimo-nos em breve apontamento ao regime sem pesquisa detalhada da sua aplicação na área da
Justiça, que a natureza do texto não permite, por o entendermos muito relevante na concretização da
ligação financeira da definição de objetivos e de avaliação do desempenho, com as questões que levanta,
nomeadamente em confronto com a independência dos tribunais e as consequências na determinação
oficiosa de provas dispendiosas.
Referindo-se ao modo de definição de objetivos diz (Serverin, 2011, p. 42): «o modelo produtivista roda no
vazio: trata-se de proferir cada vez mais depressa mais decisões sem que se saiba a que pedidos elas

53
Dever de gestão processual. A gestão do processo e a gestão dos processos

Mas a gestão processual a que o juiz está obrigado não é apenas a gestão do processo
individual31. O juiz está também obrigado à gestão processual do conjunto dos seus processos,
dos processos que lhe estão distribuídos. Cada processo convive com os outros e os direitos
das partes de um processo convivem com os direitos das partes em cada um dos demais.
Dizendo de outro modo, entre os processos de um mesmo juiz, de um mesmo Juízo ou de uma
mesma comarca, verifica-se uma concorrência e interdependência de recursos afetos32.
O que apela para a gestão de um conjunto de processos33 (mais ou menos vasto e com
critérios de afetação por órgão jurisdicional, por matéria ou por território). Apela também para
a complementaridade das competências pois a gestão processual é cometida ao juiz em
exercício de funções jurisdicionais – o titular do processo –, mas também aos juízes em
exercício de funções de gestão – o juiz presidente e o juiz coordenador34.

respeitam nem a quem são destinadas. Pelo menos no plano dos indicadores da justiça [referindo-se aos da
LOLF], a lógica gestionária levou a melhor sobre a da missão dos tribunais».
31
A esse respeito veja-se o Regulamento de Inspecções Judiciais nomeadamente os artigos 1.º e 13.º que se
transcrevem na parte pertinente: Artigo 1.º «1— Tendo em vista contribuir para a melhoria da qualidade do
sistema de justiça, com especial incidência nas áreas da eficiência e da racionalização das práticas
jurisdicionais, administrativas e de gestão, os serviços de inspecção do Conselho Superior da Magistratura
têm as seguintes atribuições: (…) f) Facultar aos juízes todos os elementos para uma reflexão dos próprios
quanto à correcção dos procedimentos anteriormente adoptados, tendo em vista o aperfeiçoamento e
uniformização dos serviços judiciais, pondo-os ao corrente das práticas administrativas e de gestão, ainda
que processuais, tidas por inadequadas à obtenção de uma mais eficiente e célere administração da justiça.
32
«A evolução para um modelo gestionário, como o da “qualidade total” consagrado pela Fundação
Europeia para a Qualidade de Gestão (EFQM) e tido como modelo de referência para as reformas das
administrações públicas, que assenta na liderança, na gestão das pessoas, no desenvolvimento do seu
potencial, na definição clara das políticas e estratégias organizacionais, na gestão das parcerias e dos
recursos internos, na eficiência dos procedimentos, nos resultados como indicadores de satisfação e do seu
impacto na sociedade, determinará que os profissionais que detêm a responsabilidade na função primária
da organização tribunal, ou sejam os juízes, tenham maiores responsabilidades (liderança) organizativas»
(Mendes, 2010, p. 113).
33
«A gestão processual não pode hoje ser entendida de forma desgarrada, importando contextualiza-la
como parte integrante da gestão dos tribunais (court management)» (Matos, 2010, p. 135).
34
Certo é que esta actuação mais ou menos racional ou mais ou menos condicionada do juiz, o que envolve
também outras ponderações de cariz emocional e simbólico, terá de ser necessariamente compatibilizada
com um esquema de gestão e administração das tarefas jurisdicionais, tanto por via da consagração de
mecanismos de integração sistemática de administração dos tribunais, do nível macro para o micro, como
pela via da disponibilização de métodos de gestão processual, de auxílio funcional e de outro instrumental
técnico e material que possibilite solucionar os problemas suscitados, mormente com a sobrependência. (…)
Mas, por outro lado, a complexificação das tarefas a cargo dos tribunais, o aumento das pendências e o
acréscimo do número dos juízes e dos funcionários cria a necessidade, por si própria, de implementar

54
Dever de gestão processual. A gestão do processo e a gestão dos processos

Disso se ocupará o ponto seguinte.

III) A GESTÃO DOS PROCESSOS


1. O modelo de gestão

A alusão que faremos a uma experiência concreta determina se pressuponha um


determinado modelo de gestão, o decorrente da aplicação da Lei 52/2008 (NLOFTJ). Porém,
com alterações não muito significativas, a experiência é transponível para a gestão do
conjunto de processos distribuídos a um juiz ou para a gestão do conjunto de processos de
uma unidade orgânica.
O modelo de gestão da Lei 52/2008 pretendeu introduzir uma atitude gestionária35 e
permitiu a concentração de competências ao nível das comarcas36 destinadas a planear,
promover a ação, alocar recursos, acompanhar a execução e avaliar o serviço de justiça
prestado pelo tribunal, pretendendo a definição uniformizada e coerente de prioridades,
critérios e objetivos, sobretudo mediante a consagração de um quadro inovador de
competências do presidente da comarca, que a lei impõe seja um juiz.
O quadro de princípios e valores decorrente da Constituição da República especifica a
independência e imparcialidade como atributos dos tribunais37, indicando a NLOFTJ um
conceito potencialmente aglutinador de sentido na referência à «qualidade do serviço de
justiça prestado aos cidadãos» como critério de avaliação de desempenho.
Assim, a abordagem à organização do tribunal na perspetiva do novo modelo de juiz
presidente não se reduz à gestão administrativa, antes abrange as diversas dimensões da
qualidade no judiciário, nas quais se incluem as questões da organização da tramitação
processual do conjunto dos processos38 e, bem assim, todas as competências instrumentais de

estruturas organizacionais complexas, as quais, de maneira inevitável, influem no modo pelo qual as
decisões jurisdicionais se vão conformar» (COELHO, 2008, pp. 102-103)
35
Maxime artigo 88º da NLOFTJ e 34º, nº 2, do DL 28/09.
36
(GOMES coord, 2010)
37
V.g. artigo 203º, da Constituição da República Portuguesa (CRP). Valores que são dos dos tribunais e dos
juízes.
38
Está obviamente excluída qualquer intervenção do juiz presidente na tramitação de processos concretos
da competência única do juiz titular. Utilizar-se-á a expressão «gestão processual macro» para designar a
atividade de organização da tramitação do conjunto de processos de um tribunal ou unidade orgânica,
excluindo aquela dimensão de gestão processual do caso.

55
Dever de gestão processual. A gestão do processo e a gestão dos processos

alocação de recursos, de definição de processos de trabalho, de simplificação de atos, de


supressão de redundâncias.
Neste contexto a relevância das competências do juiz presidente cujo estatuto (Mendes &
Coelho, 2007, p. 156) referem necessitar de definição, situação que se mantém com a Lei
62/2013 (LOSJ). Relevância nomeadamente ao atribuir ao juiz presidente competências de
gestão processual que como tal indica no artigo 88.º39, n.º 4.
São elas as competências de implementação de métodos de trabalho e objetivos
mensuráveis, de acompanhamento e avaliação da atividade do tribunal, nomeadamente da
qualidade do serviço de justiça prestado aos cidadãos, de acompanhamento do movimento
processual do tribunal, da realização dos objetivos fixados, de promoção de reuniões de
planeamento e avaliação e de medidas de agilização e simplificação processuais.
Esta gestão processual cometida ao juiz presidente tem de ser entendida, como já dito,
em conjugação com as competências dos juízes que exercem funções jurisdicionais,
centrando-se na gestão e organização da tramitação do acervo processual no seu conjunto
com o parâmetro de qualidade do serviço de justiça que engloba vertentes muito diferentes
do acompanhamento ou organização do movimento processual.
A gestão processual macro não se reporta à disciplina do encadeamento de atos
processuais a que nos referimos na primeira parte, antes pressupõe a ligação entre as tarefas a
realizar e os recursos a alocar, o conhecimento da capacidade de trabalho de cada unidade
face ao volume existente, o equilíbrio das unidades orgânicas dentro da comarca e a definição
de prioridades e objetivos à luz de concretas dimensões de qualidade do judiciário:
independência, imparcialidade, igualdade de tratamento, accountability (nas dimensões de
informação sobre os critérios e opções e de prestação de contas das consequências dessas
opções).
Mas as competências de gestão processual macro têm a sua fonte nos critérios que
enformam a gestão do processo a que antes nos referimos, o que determina a centralidade
das competências dos juízes em exercício de funções jurisdicionais, sendo as do juiz presidente
de mero facilitador organizacional.
Este sumariamente o quadro normativo da gestão processual macro do tribunal de
comarca, prescindindo nesta exposição das determinantes interações com a gestão macro do
Judiciário e das aporias que introduzem num quadro que nada tem de unívoco e em muitos

39
Embora numa amálgama de competências descritas no seu artigo 88º por vezes com sistematização
pouco cuidada, por exemplo ao incluir entre as competências de representação e direção aspetos
claramente de gestão processual – v.g. alíneas a) a d), do nº 2.

56
Dever de gestão processual. A gestão do processo e a gestão dos processos

casos está profundamente eivado de contradições. Quadro que é, no entanto essencial à


efectividade da gestão processual e da qualidade do sistema40.

2. A gestão processual macro: delimitação na comarca da Grande Lisboa Noroeste


No caso da GLN, para delimitação do que seria a gestão processual macro, o método
seguido foi o do debate em reuniões com os juízes de direito41 em que foram ponderados
diversos aspetos a ter em conta.
O procedimento de definição da atividade de gestão processual a empreender fez uso do
instrumento formal fornecido pelo artigo 88º, nº 2, alínea c): reuniões de planeamento.
Considerada a situação genérica da comarca – elevada pendência processual com
processos muito antigos e com atrasos significativos na tramitação –, foi definido que a ação
de gestão processual se devia centrar no acompanhamento da tramitação dos processos nas
unidades orgânicas, ou seja, na dimensão do planeamento da tramitação do conjunto de

40
«La distinction entre les processus et les procédures permettrait de différencier ce qui relève de
l’indépendance de la justice, essentiellement sur le plan juridictionnel, et ce qui n’en relève pas, c’est-à-dire
les éléments d’administration de la justice ou de gestion. La distinction n’est pas aisée à établir puisqu’elle
conduit à distinguer clairement autorité judiciaire constitutionnelle et service public de la justice. Mais c’est
probablement une piste pour parvenir à une certaine qualité de la justice ; la qualité des decisions
juridictionnelles suppose un environnement global permettant de rendre des décisions dans des conditions
matérielles et intellectuelles sereines. Une gestion sereine, cohérente et lisible d’une juridiction permet
d’organiser de manière adaptée le travail qui s’y effectue. Le management judiciaire paraît donc bien
constituer un pré-requis de la qualité de la décision juridictionnelle» (Pauliat, 2007, p. 131).
41
Um dos instrumentos privilegiados de gestão do tribunal e de gestão processual têm sido as reuniões de
planeamento. Envolvendo juízes e funcionários permitem o conhecimento direto dos problemas, o
diagnóstico das causas e a intervenção dos diferentes decisores.
As reuniões de planeamento são: a) ordinárias com periodicidade trimestral, por secções, para avaliação do
estado dos serviços e da execução do planeamento e para diagnóstico de eventuais dificuldades; b)
extraordinárias, por sugestão do juiz presidente, dos juízes das secções ou dos escrivães de direito, para
resolução de problemas concretos.
Nas reuniões participam: a) nas reuniões ordinárias todos os funcionários da secção e os Juízes que
entendam participar; b) nas extraordinárias, segundo a natureza do problema, apenas os juízes, apenas os
funcionários (todos ou apenas os escrivães de direito), os juízes e os funcionários.
As reuniões de planeamento são documentadas em atas das quais constam: a) a questão a tratar; b) o
debate da questão; c) as decisões da juiz presidente sobre a questão em debate; d) os provimentos dos
juízes da secção; e) as deliberações conjuntas da juiz presidente e dos juízes da secção; f) as propostas ao
CSM, à DGAJ ou ao IGFIJ.

57
Dever de gestão processual. A gestão do processo e a gestão dos processos

processos pendentes no tribunal e sua execução42. Acompanhamento a exercer colegialmente,


envolvendo juiz presidente e juízes com funções jurisdicionais, a fim de permitir a intervenção
integrada que a diversidade e complementaridade das competências possibilitava43.
Sem prejuízo da correção da visão integradora e global das diversas competências
inovadoramente atribuídas ao juiz presidente, as competências de gestão processual44 surgem
como as mais relevantes pela sua novidade e por se dirigirem ao core business do tribunal: a
administração da justiça mediante a resolução dos casos concretos submetidos. Urgia, em
consequência, implementar na prática a nova gestão no seu núcleo significativo45: a gestão
processual macro.
A organização da gestão processual macro pressupõe a posse de informação tanto quanto
possível completa do estado das diversas secções de processos do tribunal de comarca: o
problema central colocado foi o da obtenção de dados o mais exatos possível sobre os
processos pendentes e as tarefas a desempenhar.

Estes dados deviam incidir sobre o estado dos processos na perspetiva dos atos a praticar,
uma vez que a intervenção de gestão implicava a definição de uma estratégia global para a
prática daqueles atos que fosse explícita, coerente e équa, que possibilitasse a definição
concreta de objetivos. Permitindo, nomeadamente, a responsabilidade por essa estratégia
face aos cidadãos e aos diversos órgãos de governação do judiciário e estabelecê-la com
critérios de independência e imparcialidade próprios dos juízes.
Em reuniões envolvendo os escrivães de direito, foram sendo definidos, a partir da
experiência empírica, os principais parâmetros a ter em atenção para a agregação dos atos,
acabando por estabelecer-se que seriam considerados: os «prazos» – processos que aguardam
o decurso de um prazo para a prática de um ato pela secção –, as «conclusões/vistas» –
processos que aguardam despacho do juiz ou promoção do magistrado do Ministério Público

42
A restrição da análise ao aspeto da gestão processual nos termos delimitados no texto não ignora que as
questões da qualidade do serviço de justiça são de muito maior amplitude do que a da organização da
tramitação dos processos e, bem assim, que a organização da tramitação envolve também aspetos
relacionado com o trabalho dos juízes e dos magistrados do Ministério Público.
43
V. g. as competências de definição de critérios e de alocação de recursos humanos do juiz presidente e as
competências jurisdicionais dos restantes juízes que envolvem a direção funcional dos funcionários - artigo
25º, do Decreto-Lei 28/09, de 28 de Janeiro.
44
Artigo 88º , nº 4 e als a) a d) do nº 2.
45
De outros pontos de vista foi implementado o sistema de gestão, nomeadamente administrativo, de
gestão de recursos humanos, financeiros e materiais, de representação e contacto com entidades
exteriores.

58
Dever de gestão processual. A gestão do processo e a gestão dos processos

ou que para tal devem ser apresentados pela secção –, os «despachos» – processos em que foi
proferido despacho pelo juiz (em sentido amplo, englobando as decisões finais, intercalares e
os despachos de mero expediente) que deve ser cumprido pela secção –, o «papel»
designação tradicional dada a todas as comunicações trazidas ao processo por entidades
externas (partes, advogados, outros) –, e a conta/contabilidade – atos de contagem do
processo em sentido estrito e a todas as operações subsequentes relacionadas com a receção,
pagamento ou destino de verbas.
Nesta fase tornou-se evidente que em secções com grande número de processos essa
informação não era possível, em secções com menor número de processos essa informação
não era acessível a todos os que dela necessitavam; em todos os casos a informação assim
obtida não era atual, completa e normalizada quanto aos atos processuais a praticar e aos
prazos respetivos46.
Em conclusão, não havia um meio de obter informação de gestão estruturada,
permanente e de pesquisa rápida sobre os atos a praticar pelas secções, informação
indispensável à organização eficiente do trabalho das secções47.

3. Obtenção de informação. Planeamento, Execução, Avaliação48


Neste contexto, a Escrivã do Juízo de Execução apresentou uma proposta de solução
através da inclusão manual de códigos nos processos eletrónicos, identificando o ato
processual a praticar e a data da sua prática, de modo a que a consulta pelo código permitisse
a obtenção daqueles dados49. Debatida e aceite a proposta pelos juízes iniciou-se a sua

46
Na verdade, a informação disponível resultava do recurso a dados dispersos e parciais do sistema
informático em uso nos tribunais, ao conhecimento pessoal dos funcionários e à consulta manual processo a
processo.
47
O sistema informático Habilus é um repositório de dados que não está organizado para as necessidades
específicas de gestão: contém a informação relevante mas não é possível aceder-lhe de forma estruturada.
O caminho deverá ser, aliás, o de um sistema de informação com classificação (meta-dados) e não o sistema
manual que foi encontrado na comarca que é apenas «melhor do que nada».
48
O sistema está descrito nos termos que constam do Manual e Procedimentos operativos elaborados na
comarca em Junho de 2011 (Anexo I). Esta descrição decorre da ideia inicial da Escrivã de Direito Luísa
Coelho e incorpora os desenvolvimento dessa ideia ocorridos sob o seu impulso, da sua secção e,
posteriormente, de muitos outros funcionários da comarca, apoiado e incentivado pelos órgãos de gestão,
sendo a implementação e extensão a toda a comarca resultado de decisão da presidência.
49
O sistema proposto pela Escrivã do Juízo - Luísa Coelho - possibilita a obtenção daquela informação a todo
o momento e não apenas num momento fixo no tempo e consiste na utilização de um dos campos do
Habilus para anotar em cada processo um código correspondente ao ato processual a praticar.

59
Dever de gestão processual. A gestão do processo e a gestão dos processos

implementação. Não relevando nesta sede a descrição do processo50, importa apenas referir
que o mesmo possibilita conhecer quais os atos a praticar em cada um dos processos
pendentes, qual a “entidade” a quem cabe a prática desses atos e qual a data em que os
mesmos devem ser praticados. Permite ainda a consulta integrada ou por conjunto de
processos51.
A fase de operação, após a indicada codificação, consiste na agregação dos dados52 de
modo a permitir aos juízes de direito (juiz presidente e juízes titulares), em diálogo com a
secção e na ponderação da capacidade de trabalho instalada, efetuar a gestão das prioridades,
o planeamento do trabalho e a definição dos objetivos, de modo adaptado (por isso diverso)
consoante as unidades orgânicas.
De forma genérica, todas as unidades orgânicas elaboram mensalmente os mapas de
53
atos a praticar em relação com as respetivas datas de execução, os quais são analisados pelos
juízes (presidente e em exercício de funções jurisdicionais).
Com base nos mapas de atos, os juízes, em diálogo com os funcionários, planeiam o
trabalho a efetuar e definem prioridades, podendo fazê-lo de forma sistemática – originando
os mapas de execução que o escrivão de direito concretiza efetuando a distribuição das tarefas
pelos funcionários do Juízo ou, de forma mais genérica, pela identificação do planeamento de
conclusões e da definição e objetivos concretizados a cada secção de processos.
O planeamento descrito corresponde ao sistema total mas assume aspetos diversos (com
supressão ou alteração de passos consoante as unidades orgânicas, de modo a que se possa
adequar ao seu estado, recursos e jurisdição), sendo sempre estabelecido em reuniões de
planeamento com os juízes e os funcionários.

50
Esse caminho está descrito no fluxograma que constitui a Ilustração 2. Como já referimos, o caminho
percorrido não foi previamente construído nos termos que constam do fluxograma descritivo. Porém, a
ferramenta em causa permite salientar os diversos pontos nevrálgicos do percurso.
Como resulta do fluxograma, ratificando a experiência vivida, os pontos nevrálgicos relacionaram-se com os
recursos humanos que implicaram a articulação de decisões de diversas entidades exteriores à comarca.
Também a redução a um fluxograma do percurso de determinação dos códigos permite salientar os
requisitos a ter em conta e os aspetos mais significativos da definição dos mesmos. A representação gráfica
segundo as regras da ferramenta permite evidenciar questões que não foram patentes desde o início e
provocaram a necessidade de diversas alterações dos códigos inicialmente fixados (letras para os regimes
legais; agregação de indicadores, etc).
51
Cf. Ilustração 8.
52
Elaboração dos mapas de atos (Ilustração 7).
53
Segundo o procedimento operativo definido em anexo ao mencionado Manual (PO1.MA.ED).

60
Dever de gestão processual. A gestão do processo e a gestão dos processos

A gestão prosseguida envolve que a situação seja seguida mensalmente pela presidência e
analisada com frequência diversa em reuniões envolvendo todos os juízes e funcionários das
unidades orgânicas.
No fim do período de planeamento, a execução é analisada em reunião conjunta,
originando o novo planeamento que tem em conta a avaliação feita e os novos mapas de
atos54. As situações críticas detetadas são analisadas autonomamente, também em reuniões
de planeamento, implicando a tomada de medidas a partir da análise das suas causas55.
O sistema descrito foi operacionalizado sem qualquer quadro teórico que lhe desse
substrato ou que permitisse a sua avaliação ou crítica, correspondendo antes a uma resposta
empírica à oportunidade gerada pela mudança de regime legal, às dificuldades de resposta
adequada ao movimento processual e ao decurso da sua execução na vida quotidiana da
comarca.
Correspondeu à aceitação da necessidade de introdução de um modelo gestionário, à
opção central pela gestão processual, ao reconhecimento de que a mera gestão intuitiva,
fundada na experiência e nas tradições das diversas profissões judiciárias envolvidas (juízes
com pouca intervenção na gestão das secções e nenhuma na dos recursos humanos e
escrivães mais ou menos autónomos gerindo com base num conhecimento pessoal próprio e
pouco transmissível), não era adequada à resposta a dar aos cidadãos e à comunidade, sendo
necessária mas não suficiente.
A opção foi aliar aquele conhecimento tradicional e intuitivo à obtenção de informação
factual tanto quanto possível atual e completa, de modo a gerar um conhecimento e
possibilitar a gestão orientada para a tramitação dos processos de forma uniforme, com
tratamento équo das diversas situações e com definição de critérios e responsabilidades pela
sua escolha, definição centrada nos juízes enquanto titulares do órgão de soberania tribunal,
integrante do poder judicial, coordenado e assumido pela presidência do tribunal, com a
participação ativa de todos os funcionários, não só na execução mas também no debate
prévio.

54
São também tidas em conta as reclamações recebidas dos cidadãos ou o que decorre das reuniões da
Comissão Permanente ou do Conselho Geral do Conselho de Comarca. Apesar de ter sido elaborado um
questionário de satisfação na comarca, o mesmo restringe-se às testemunhas, recolhe poucos contributos e
não foi ainda tratado de forma sistemática de acordo com os valores do sistema a considerar.
55
V.g. alteração da alocação de recursos humanos, materiais ou de equipamento, a afetação de
cumprimento de processos a outras unidades orgânicas, a alteração da divisão de trabalho na secção, a
análise dos processos de trabalho para eliminação de atividades redundantes ou inúteis, medidas que
posteriormente são acompanhadas.

61
Dever de gestão processual. A gestão do processo e a gestão dos processos

Como referimos, o regime legal da NLOFTJ centra o exercício das novas competências de
gestão na “qualidade do serviço de justiça prestado aos cidadãos” convocando explicitamente
as preocupações da qualidade para o âmago da gestão dos tribunais. Não é objeto deste texto
a delimitação do conceito de qualidade no contexto dos tribunais ou a dilucidação dos valores
e princípios a ter em conta, sendo certo que a definição concreta da atividade central de
gestão processual nos termos que se descreveram é extremamente limitada. A limitação não
decorre da opção por uma visão restritiva do âmbito da qualidade no judiciário, mas de uma
opção prática para solução de uma questão urgente: os atrasos nos processos e a inexistência
de critérios gerais de prioridades e calendário que pudessem ser expostos aos
cidadãos/utentes e sujeitos a apreciação e controlo externos56.
A consideração da qualidade como uma experiência global não está arredada da concreta
perspetiva de gestão, concentrando-se por opção de otimização em torno da gestão
processual macro, sem descurar aspetos como a gestão de recursos e administrativa, sendo
que uma perspetiva holística apenas seria possível num quadro coerente de política pública,
em concreto inexistente, incontrolável ao nível a que se situa a experiência, e na definição
global de indicadores de medida e de acesso a dados necessários à implementação desses
indicadores57.
O caso prático com que a comarca se defrontou inicialmente isolou um problema como
constituindo um fator de não qualidade – os atrasos e a inexistência de critérios uniformes e
équos na tramitação processual nessas circunstâncias de atraso – e elegeu-o como o problema
central a debelar.
Este objetivo é um objetivo geral dos judiciários de todos os países (artigo 6º da CEDH)
estando descrito como tal em instrumentos diversos58. Embora seja um objetivo limitado, é
central59, sendo certo que a decisão atempada é relevante em termos de confiança no sistema
e de incentivo à procura e viabilidade de acesso. Por outro lado, a ênfase dada não se ficou

56
Não tem essas características a gestão atomista por cada escrivão, já mencionada, que é a corrente nos
tribunais portugueses, não possibilitando igualdade de critérios, acrescendo que a intervenção dos juízes
permite caracterizar as opções de gestão da tramitação dos processos de características de independência e
imparcialidade que devem ser as notas características do sistema como um todo e não apenas na decisão
concreta.
57
Esta necessidade vem já explicitada, mesmo em termos da sua operacionalização, na LOSJ – artigos 90.º e
91.º (objetivos estratégicos e processuais) – devendo a gestão processual cometida ao juiz presidente
observá-los, como estatui o artigo 94.º, n.º 4.
58
(COURTS, 2005) medida 3.
59
(GOMES, 2011) maxime 33-46.

62
Dever de gestão processual. A gestão do processo e a gestão dos processos

pela mera consideração do tempo dos processos, antes a relacionou com a igualdade de
tratamento das situações idênticas, obstando a discricionariedade ou aleatoriedade60.
Estas preocupações práticas encontram assim enquadramento nas preocupações teóricas
com a qualidade do judiciário, embora não as esgotem e sejam restritivas face a uma
consideração mais abrangente que teve o seu lugar na experiência na sua completude, que
não é possível abordar neste âmbito, relacionada com a previsibilidade das decisões e com a
melhoria de procedimentos61.

4. Um caso de aplicação: o Juízo de Grande Instância Cível


A descrição do percurso talvez beneficie se considerarmos especificamente a sua
concretização numa UO. Escolhi no caso o Juízo de Grande Instância Cível. A escolha teve que
ver com o facto de ser um Juízo com um enorme problema de pendências e de processos em
atraso, ter uma dimensão processual razoável62 e diversos juízes, com a vantagem adicional de
integrar as competências de uma juiz coordenadora, o que permite evidenciar as
potencialidades desse órgão de gestão63.
O quadro que segue apresenta as concretas reuniões de planeamento que tiveram lugar
no juízo, os intervenientes, as matérias tratadas, as decisões tomadas, com indicação de alguns
procedimentos a que deram lugar, não constando aqueles que foram proferidos sob a forma
de despachos de alocação de recursos, nomeadamente de colocação de funcionários.

60
Critérios diversos decorrentes não de qualquer ilegítima vontade de assim agir, mas da inexistência de
padrões informativos e conformadores que possibilitassem a equidade de tratamento.
61
V.g. a preocupação com uniformização de procedimentos; com adoção de critérios idênticos pelos
Magistrados do Ministério Público em determinadas situações; com a abordagem de decisões de
competência e das divergências entre juízes da comarca na sua decisão (sem intervenção de órgãos de
gestão mas tão somente dos próprios e sem carácter vinculativo); com a compatibilização de agendas dos
juízes com a capacidade de trabalho da secção e com a capacidade das salas de audiência estabelecendo
regras de agendamento; com a definição de níveis mínimos de marcação de diligências pelos juízes, etc.
62
No relatório de Dezembro de 2009 os dados referidos, recolhidos do Habilus nos termos nele referidos e
com ressalva das inexactidões a que a transição deu lugar, são os seguintes. «A pendência global do Juízo é
de 6820 processos, sendo 3150 sem decisão e 3670 com decisão. Dos processos pendentes sem decisão 780
processos têm mais de cinco anos e 2370 menos de cinco anos».
63
Pese embora o seu atual desenho na LOSJ (artigo 95.º) seja de incidência territorial e não material o que
lhe retira, a nosso, ver, muitas das suas potencialidades.

63
Dever de gestão processual. A gestão do processo e a gestão dos processos

No caso deste Juízo, a provimentação teve caráter residual por ter sido privilegiada a
tomada de decisões colegiais em reuniões de planeamento que, em muitos casos, tiveram na
prática a mesma utilidade64.

Reuniões de planeamento da GICV65

64
Ilustração 5.
65
Tem-se em conta o período de 14 de Abril de 2009 a 31 de Agosto de 2012.

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IV) CONCLUSÕES

O dever de gestão processual consagrado no nosso ordenamento jurídico tem expressão


enquanto gestão do processo e enquanto gestão de um acervo processual.
Estas duas dimensões são vertentes de um mesmo percurso: o da efetiva gestão do
Judiciário pelo juiz, em cada processo e na organização que em tal tem incidência.
O dever de gestão do processo tem, assim, autonomia face à missão de aplicação das
normas v.g. processuais ao caso concreto e beneficia de um enquadramento gestionário,
embora a sua expressão principal se situe ao nível do uso das normas processuais.
Gerir o processo implica, dada a interdependência e concorrência de recursos, com a
gestão do conjunto de processos e com a gestão do tribunal, convocando o exercício integrado
de competências complementares, com fontes e legitimidades diversas.
A experiência concreta da Grande Lisboa Noroeste descrita, considerada apenas ao nível
da própria comarca e prescindindo da interação com órgãos externos, isolou um aspeto crítico
da qualidade do sistema e baseou-se no exercício colegial das competências dos juízes com
funções de gestão e dos juízes com funções jurisdicionais, com intervenção a diversos níveis de
organização do trabalho e das tarefas, no pressuposto da unidade do tribunal/organização e
da instrumentalidade das funções administrativas face à função jurisdicional.
Permitiu, nomeadamente, estabelecer a estratégia com critérios de independência e
imparcialidade próprios dos juízes e estabelecer a responsabilidade dos juízes pela gestão,
face aos cidadãos e aos diversos órgãos de governação do judiciário.

72
Dever de gestão processual. A gestão do processo e a gestão dos processos

ANEXOS

Ilustração 1 – Definição do âmbito da Gestão Processual Macro na GLN

Fonte: elaboração própria

Ilustração 2 – Gestão processual macro – Procedimento para obtenção de informação

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Fonte: elaboração própria

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Fonte: elaboração própria

Ilustração 4 – Temas das reuniões de planeamento

Fonte: elaboração própria a partir dos dados das atas de reuniões de planeamento

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Ilustração 5 – Provimentos na GICV

Fonte: Comarca da Grande Lisboa Noroeste

Ilustração 6 – Evolução de pendências

Fonte: Dados que resultaram da consulta mês a mês do sistema Habilus, sem
consolidação e apenas como informação para a gestão

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Dever de gestão processual. A gestão do processo e a gestão dos processos

Ilustração 7 – Mapas de atos (exemplos)

Gabinete

Despachos e agendas

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Contabilidade e outros

Fonte: Dados recolhidos por pesquisa dos códigos

Ilustração 8 – Informação agregada dos atos a praticar na comarca (Julho 2012)

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Fonte: Relatório da presidência da comarca da GLN/Julho 2012

Ilustração 9 – Mapa de conclusões GICV

Fonte: Elaboração própria e acta 141 da GICV

81
Dever de gestão processual. A gestão do processo e a gestão dos processos

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23 de janeiro de 2014

84
Videogravação da comunicação

Vídeo 1 Vídeo 2

85
DEVER DE GESTÃO PROCESSUAL
A gestão do processo e a gestão dos processos

Centro de Estudos Judiciários

Ana de Azeredo Coelho

23 de Janeiro de 2014
ÍNDICE

I – Gestão Processual: Dimensões

II – A Gestão do Processo

III – A Gestão do conjunto de Processos (Tribunal, Unidade Orgânica) na


experiência da Lei 52/2008

IV – Conclusões

2
I – GESTÃO PROCESSUAL: Dimensões

3
Em suma, dois conjuntos significativos de normas se perfilam:

- as que se reportam à gestão do processo


- e as que respeitam à gestão global de um conjunto de processos.

Com incidência nos processos judiciais, integram o primeiro grupo a do artigo


6.º do CPC e suas antecessoras, as dos artigos 265.º-A, do CPC na redação de
95/96 e 2.º do Decreto-Lei 108/2006, e o segundo grupo a do artigo 88.º da Lei
52/2008 (NLOFTJ) e sua sucessora, a do artigo 94.º da Lei 62/2013 (LOSJ).

Tomaremos de empréstimo a delimitação estabelecida por (Schwarzer & Hirsch,


2013, p. 187) por referência às regras federais de processo civil dos EUA.

Referem esses Autores:

«A gestão processual, no essencial, envolve a utilização pelo juiz das


ferramentas que tem ao seu dispor, com equidade e bom senso, por um
modo que se adeque à sua personalidade e estilo», em ordem a «assegurar
a justa, célere e económica resolução de todas as ações”

4
A atual preocupação com a gestão processual nos Judiciários corresponde a uma nova
maneira de perspetivar a “eterna” preocupação: a qualidade da decisão judicial.

Parafraseando (Frydman, 2007, p. 19) dir-se-ia que a questão da qualidade da decisão


judicial primeiro confinada à legalidade da decisão ou à sua proporcionalidade,
sindicável pelo sistema de recursos, prosseguiu com a consideração da argumentação
como lugar de legitimidade, vincando a necessidade de fundamentação, para
desembocar na exigência do processo equitativo e justo decidido em prazo razoável
(e previsível) que é ainda procedimental/processual mas é também, muito,
organizacional.

Percurso que passa, assim, da sindicância da legalidade estrita para a da


legitimidade argumentativa e do processo à organização

5
O lugar da gestão processual – exigência de processo equitativo e justo decidido
em prazo razoável, previsível e com eficiência – convoca aquelas duas grandes
áreas de densificação do dever de gestão processual:

- a da gestão do processo
- e a da gestão dos processos

Áreas que têm em comum utilização de instrumentos de organização eficiente dos


recursos disponíveis em ordem à prossecução de uma finalidade.

6
II – A GESTÃO DO PROCESSO

7
A gestão do processo não é uma novidade. A gestão enquanto estratégia de
abordagem e solução de problemas, questões, situações de vida, é algo inerente à
ação humana.

O processo é um problema, coloca questões e submete situações de vida a juízo.


Nessa medida gera estratégias. Estratégias de cada um dos intervenientes. E são
muitos.

Estratégias das partes, desde logo, estratégias do juiz, estratégias das secções,
estratégias das testemunhas, dos peritos, das instituições que nele intervêm (v.g.
Segurança Social, Direcção-Geral de Reinserção Social, Instituto de Medicina Legal,
etc).

8
A estratégia do tribunal / organização desenvolveu-se muito em perspetivas
desconexas e burocráticas, alheando-se da finalidade do processo, de cada processo.

O que não tem principalmente que ver com a malevolência dos intervenientes, mas
com “pecados sociais” ou “pecados organizacionais” relacionados com a ausência de
lideranças, com o anacronismo dos critérios de avaliação do desempenho individual,
com a ausência de critérios de avaliação de desempenho organizacional, com errática
e desintegrada afetação de recursos.

Enfim, com verdadeira falência de gestão do tribunal como organização e do


processo à sua finalidade que o aumento quantitativo e qualitativo do recurso aos
tribunais só tornou mais patente.

Uma linha de reflexão se evidencia: a ligação entre a gestão do processo e a gestão


do tribunal

9
A gestão do juiz tendia a gerir o despacho dos processos (muitos ou poucos) que lhe
eram apresentados pela secção com critérios determinados, mais ou menos
explicitamente, pelo Escrivão.

O que era potenciado por uma manifesta deficiência de informação quando o acervo
processual fosse de dimensão.

O que abre como linha de reflexão a ligação entre a gestão processual e a obtenção de
dados e de informação, que retomaremos a propósito da gestão de um conjunto de
processos.

10
As reformas organizativas do século XXI continuam a tentar contrariar esta tendência,
numa deriva inovatória/revogatória que ainda não cessou e que nem sempre resulta de
reflexão e experiência.

As leis processuais caminham, com idêntico propósito, para o paradigma do juiz ativo,
efetivo gestor do processo, embora também com hesitações e contradições.

É esta procura do juiz ativo que expressam as normas do artigo 265.º-A, do CPC na
redação de 95/96 (CPC 95), do artigo 2.º do Decreto-Lei 108/2006 (RPCE) e do artigo 6.º
do CPC na redação da Lei 41/2013 (CPC 2013).

Como referia o preâmbulo do Decreto-Lei 108/2006:

«Este regime confere ao juiz um papel determinante, aprofundando a


conceção sobre a atuação do magistrado judicial no processo civil
declarativo enquanto responsável pela direção do processo e, como tal, pela
sua agilização. Mitiga-se o formalismo processual civil, dirigindo o juiz para
uma visão crítica das regras».

11
O atual artigo 6.º do CPC é herdeiro desta visão reportando-se à gestão de cada
processo pelo juiz que dele é titular, tanto genericamente, em termos de atitude do
juiz perante o processo, como na regulação concreta de determinadas atuações
que o legislador entende exprimirem essa atitude.

O que coloca a questão da autonomia do dever de gestão processual relativamente


aos atos em que se traduz.

O dever de gestão processual constitui mera chamada de atenção quanto à


necessidade de o juiz aplicar criticamente as leis processuais?

Confunde-se o dever de gestão processual do processo com a aplicação perita das


leis processuais (adequadas à adjetivação das substantivas) ao caso concreto
submetido?

12
A gestão processual nasce, assim, colada à adequação formal, confundindo-se
com ela, agregando sobretudo regras de boa utilização das normas processuais.

Cremos, porém, que a gestão do processo ultrapassa em muito a adequação


formal, mesmo se os atos de adequação formal são um dos seus conteúdos de
eleição.

Afigura-se que em sede de consagração do dever de gestão processual esta norma


contém um único comando:

O juiz deve «dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento


célere».

13
E o CPC estabelece a razão da celeridade.

Fá-lo no final do n.º 1 do artigo 6.º estabelecendo como finalidade «a justa composição
do litígio em prazo razoável».

Ou no artigo 7.º, em sede de dever de cooperação: «concorrendo para obter com


brevidade e eficácia a justa composição do litígio».

14
A dimensão de eficiência, aflorada quanto ao uso das normas e à forma dos atos
(artigos 130.º, 131.º e 547.º), perpassa em termos mais vastos o dever de gestão,
alargando-o a dimensões que se reportam à organização e utilização do conjunto dos
recursos disponíveis – humanos, materiais e tecnológicos.

Com o que temos delimitado o dever de gestão processual do juiz enunciado no CPC
2013:

O juiz tem o dever de dirigir ativamente o processo em ordem a obter com


eficiência a composição justa e célere do litígio.

15
A autonomia deste dever de gestão (ou deste dever como gestão) implica
uma abordagem distinta da integração descritiva dos diversos atos
meramente processuais em que se possa exprimir.

Pelo que é útil e adequado o recurso aos instrumentos de gestão holística


desenvolvidos nomeadamente para o sector público.

O que implica

- a consideração da Missão do processo, da Visão que decorre da


conformação que lhe é dada pelo sistema jurídico, e dos Valores que o
enformam em ordem à definição da estratégia, definindo em concreto
objetivos operacionais e ações a empreender.

- o enquadramento em Perspetivas diversas:


- dos Cidadãos
- das Partes
- dos Procedimentos
- dos Recursos
- da Aprendizagem

16
A Gestão processual do processo

Visão
Resolução célere, justa e eficiente do litígio
Missão

Valores
Composição dos litígios

Perspetiva “Partes”:
Perspetiva “Recursos”: - Igualdade (formal e substancial)
- Materiais -Contraditório (resposta e
Perspetiva “Cidadãos”: - Tecnológicos influência)
- Direção ativa - Humanos (Juiz - tempo/juiz, -Responsabilidade e liberdade
- Justiça (verdade material) agenda - e Funcionários) (factos e prova)
- Celeridade (prazo razoável e -Eficiência
previsível)
- Eficiência Perspetiva “Procedimentos”:
- Tempo/processo (previsibilidade,
Perspetiva “Aprendizagem”:
calendarização, gestão dos prazos)
- Etapas críticas (gestão inicial, audiência - Manuais de Boas Práticas
prévia, audiência de julgamento) - Formação funcionários
- Provimentação
- Organização do dossier físico e eletrónico

17
Em suma,

O enquadramento do dever de gestão processual, enquanto dever de gestão, é autónomo da


dimensão meramente processual, com apelo às regras da gestão e aos instrumentos diversos
pela mesma proporcionados, dos quais se destacam pela sua adequação instrumentos
holísticos que partem da Missão expressa em Valores e da Visão orientadora da estratégia
e da definição das ações a empreender. (Kaplan & Norton, 1993)

Assim, constitui-se ele próprio critério de aferição da adequação das opções processuais do
legislador, aliado aos critérios que os princípios processuais clássicos constituem.

18
Perspetiva dos “cidadãos”: direção ativa

Ao impor um dever de direção ativa do processo pelo juiz o legislador toma claramente
posição quanto ao modelo de juiz que pretende vigore:

- um modelo de juiz cujos poderes de direção são exercidos não apenas por promoção
das partes (princípio do dispositivo) mas no exercício de iniciativa própria
(princípio do inquisitório).

Mas esta visão de juiz e esta noção de processo não é sem polémica e, diga-se, sem
perigos, assimilada que é a uma visão autoritária do processo de que o nosso CPC por
interposto CPC de 39 seria tributário.

O juiz que “serve a solução” é o juiz do presente, sem prejuízo do notável contributivo
reflexivo dado pelos que se preocupam com o «vírus autoritário»

(Gouveia, 2007)
(Mendonça, 2007)

19
Um juiz/gestor com valores que assim se enumeram de modo exemplificativo:

- Independência (na relação com os órgãos de gestão e na interdependência das


competências)

- Imparcialidade («igual preocupação com a sorte de todas as pessoas» (Dworkin,


2011, p. 14))

- Humildade (respeitando «totalmente a responsabilidade e o direito de cada pessoa a


decidir por si própria» (Dworkin, 2011, p. 14); conhecer a realidade da inserção em
organização)

- Coragem («o juiz deve ter poderes que lhe permitam uma efetiva e ativa gestão
dos procedimentos» (CEPEJ-SATURN, (2013)4) e deve usar os poderes que tem)

- Verdade (na relação com as partes, nomeadamente, quanto ao tempo dos processos
prestando informação correta quanto às causas de desvios e quanto às medidas para as
debelar)

- Ciência (utilização das normas processuais e da sua articulação com as


substantivas que regem a declaração do direito)

- Cultura dialogal e diretiva (do processo e da intervenção nele, sem prejuízo de


assunção dos poderes de direção mas antes como o modo de os exercer com firmeza)

20
Perspetiva das “partes”: contraditório

Pedra angular de um processo civil equitativo e justo o princípio do contraditório


consubstancia-se na possibilidade de a parte participar ativamente em todo o processo,
exprimindo-se nos planos:

- da alegação
- da prova
- do direito.
(Freitas, 2013, p. 124 e ss).

Considerando o núcleo fulcral da gestão processual que a adequação formal constitui,


são especialmente sensíveis neste ponto as questões relacionadas com o
contraditório, nomeadamente quando a intervenção do juiz seja oficiosa.

21
Perspetiva “Partes”: recorribilidade

O legislador tomou posição nos termos constantes da norma do artigo 630.º/2 do CPC
que estatui serem irrecorríveis as decisões de agilização e simplificação processuais
previstas no artigo 6.º/1 e as decisões de adequação formal previstas no artigo 547.º.

(Freitas, 2013, p. 231 e ss) defende embora que «a norma do art. 630-2 talvez deva, por isso
[risco do exercício arbitrário dos poderes de gestão], ser racionalmente interpretada no
sentido de só excluir o recurso autónomo de apelação das decisões de gestão processual, que
não sejam de mero expediente (…), deixando aberta a possibilidade da sua impugnação com a
sentença final, nos termos do art. 644-3.».

(Marinoni, 2006) adverte para a importância das questões relacionadas com a fundamentação
e a sindicância das decisões em caso de adequação formal: «as normas processuais abertas
não apenas conferem maior poder para a utilização dos instrumentos processuais, como
também outorgam ao juiz o dever de demonstrar a idoneidade do seu uso».
«pelo fato de o juiz ter poder para a determinação da melhor maneira de efetivação da
tutela, exige-se dele, por conseqüência, a adequada justificação das suas escolhas. Nesse
sentido se pode dizer que a justificativa é a outra face do incremento do poder do juiz»

22
Perspetiva “Procedimentos” internos

1. O tempo/processo

Previsibilidade: indicação da previsibilidade de resolução do litígio, do desvio-padrão, dos


critérios de agendamento e despacho, da situação da UO que o determina.

Calendarização da lide em concreto nos diversos passos que a compõem e no cuidado em nunca
deixar o processo sem prazo - «em todos os processos deve haver, em cada momento, uma data
fixada para a prática de um ato, o que o levará, então, à atenção do juiz»- a fim de evitar que caia
em “roda-livre”. A calendarização do processo é praticamente impossível fora da adequação
formal que é um instrumento muito pesado; a abundância de prazos que o juiz não pode alterar
são um exemplo de negação da gestão processual.

Calendarização de actos específicos

Gestão dos prazos: fixação de critérios para os casos em que o prazo é marcado pelo juiz,
compatibilização entre os prazos assinados às partes e prazos gerais concretos do processo;
adequação de prazos dos atos mediante “negociação” com as partes (ressalvando invocações de
indefesa ou de prejuízo da defesa em razão da exiguidade dos prazos).

23
2. A identificação das etapas críticas

Cada forma processual tem etapas críticas a considerar em termos de calendarização e


de intervenção reguladora prévia.

Restringindo-nos à ação declarativa comum em primeira instância os grandes


momentos de gestão do processo concreto são:

 a gestão inicial do despacho liminar (que é deixado ao critério do juiz – 590.º/1


- sendo a primeira opção de gestão processual que lhe cumpre tomar),

 a gestão inicial do despacho pré-saneador (artigo 590.º),

 a audiência prévia (artigos 591.º a 598.º),

 e a audiência de julgamento/sentença (artigos 599.º e ss e 607.º e ss).

24
 Gestão inicial: Despacho liminar

Esta etapa do processo pode não ter lugar na ação declarativa comum.

A opção a que alude o artigo 590.º/1 deve ser tomada e constitui uma atividade de gestão processual
prévia à existência do processo, a que estaria adequada a provimentação que engloba

Âmbitos diversos:
- orientação da secção
- orientação de auxiliares judiciários como os agentes de execução, os administradores de
insolvência ou os peritos

Atos diversos:
- Autorizações e determinações quanto a prática oficiosa de atos
- Delegações
- Desenho de procedimentos
- Despachos genéricos
- Regulamentos
- Esclarecimentos quanto ao entendimento seguido pelo juiz e instruções para seu
cumprimento
- Disciplina concreta de atos (nomeadamente o controle de citação 226.º/3, sendo certo que
está estabelecido no artigo 162.º/5 um dever de controle genérico pelo juiz presidente)

25
 Gestão inicial: Despacho pré-saneador

A etapa processual consiste no anterior despacho ou atividade de pré-saneamento:

- Suprimento de exceções dilatórias;


- Aperfeiçoamento dos articulados;
- Junção de documentos para apreciação de exceções dilatórias ou o conhecimento, no
todo ou em parte, do mérito da causa;
- Suprimento de as irregularidades dos articulados;
- Suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da
matéria de facto alegada.

É essencial ao exercício efetivo do dever de gestão processual na dimensão eficiência uma


visão integrada e concentrada desta atividade e da fase global em que se enquadra, pese
embora a prejudicialidade de algumas questões em relação a outras.

A gestão processual é o contrário do despacho a conta-gotas que por vezes ocorre


nesta fase.

26
 Audiência Prévia

Preparação

- Conciliação
- Identificação dos pressupostos em falta (decisão ou sanação)
- Identificação das deficiências fácticas
- Identificação dos temas “destacáveis” (prescrições; prova legal) que possam ser
conhecidos com/sem produção de prova em audiência prévia
- Identificação das necessidades de adequação formal
- Identificação dos meios probatórios adequados
- Temas da prova

27
Despacho

- Indicação dos intervenientes

- Indicação concreta e detalhada da ordem de trabalhos

- Indicação do modo como se perspetiva a realização da audiência prévia,


concretamente a indicação do modo como será feito o debate para enunciação dos
temas da prova:
- debate e organização de facto sem guião
- proposta escrita remetida com o despacho
- proposta escrita apresentada no momento
- debate e redação ulterior
- pedido de propostas no despacho ou na audiência, etc.

- Indicação quanto a antecipação de produção de prova v.g tomada de depoimento de


parte nos termos do artigo 546.º/3

- Indicação da possibilidade de conhecimento de exceção ou mérito

- Indicação da necessidade de adequação formal (audição, proposta, fixação)

28
Calendarização e disciplina

- Data e agenda da audiência de julgamento (início e termo de cada sessão);

- Requerimentos passíveis de apresentação em julgamento;

- Duração da inquirição de cada testemunha;

- Duração das alegações.

29
 Audiência de julgamento

- Cumprimento da programação

- Indicação a final da data previsível da prolação da sentença

30
3. A organização do dossier eletrónico e físico

A título de exemplo:

- o conteúdo do processo físico

- a utilização de pastas de classificação de despachos a proferir (CITIUS)

- a classificação dos despachos proferidos

- a organização temática (não parece que tenha cabimento legal, mas seria útil)

- a organização de um ou vários índices

31
Perspetiva dos “recursos”

A gestão do processo convoca a mobilização de outro tipo de recursos para além do


tempo/processo e das normas processuais.

O juiz do processo tem de considerar todos os recursos afetos à atividade administrativa que é
suporte da sua atividade jurisdicional: humanos, materiais e tecnológicos.

Entre os recursos humanos, o do seu próprio tempo, o tempo/juiz, cuja gestão implica a sua
diferenciação e a diferenciação das intervenções, a definição de regras de agendamento, a
organização do apoio da secção e a consideração concreta das capacidades desta enquanto
grupo e individuais.

32
Entre os recursos materiais a disponibilidade de sala de audiência, mas também de
equipamentos de gravação ou vídeo-conferência, de veículos, de digitalizadores, etc.

Entre os recursos tecnológicos o sistema de tramitação dos processos e as diversas


funcionalidades de recolha de dados para a gestão, embora se reconheça que o
mesmo está desenhado para as secções e não para o juiz.

O juiz do processo é também um gestor dos meios públicos e é


responsável pelo modo como os mesmos são por si, ou sob a sua
direção, geridos ou ignorados

33
Perspetiva da “aprendizagem”

A formalização dos procedimentos permite a transmissão do saber prático que é


elemento essencial de geração de conhecimento da “organização” que se pode exprimir
em Manuais de Boas Práticas a que faz apelo o actual regulamento das inspeções
judiciais.

34
Mas a gestão processual a que o juiz está obrigado não é apenas a gestão do
processo individual mas a do conjunto dos processos que lhe estão distribuídos.

Ora, cada processo convive com os outros e os direitos das partes de um processo
convivem com os direitos das partes em cada um dos demais.
Dizendo de outro modo, entre os processos de um mesmo juiz, de um mesmo Juízo
ou de uma mesma comarca, verifica-se uma concorrência e interdependência de
recursos afetos.

O que apela para a gestão de um conjunto de processos (mais ou menos vasto e com
critérios de afetação por órgão jurisdicional, por matéria ou por território).

Apela também para a complementaridade das competências pois a gestão


processual é cometida ao juiz em exercício de funções jurisdicionais – o titular do
processo -, mas também aos juízes em exercício de funções de gestão – o juiz
presidente e o juiz coordenador.

35
III – A Gestão do conjunto de Processos
(Tribunal, Unidade Orgânica)
na experiência da Lei 52/2008

36
A alusão que faremos a uma experiência concreta determina se pressuponha um
determinado modelo de gestão, o decorrente da aplicação da Lei 52/2008 (NLOFTJ).

Porém, com alterações não muito significativas, a experiência é transponível para a


gestão do conjunto de processos distribuídos a um juiz ou para a gestão do conjunto
de processos de uma unidade orgânica.

O quadro de princípios e valores decorrente da Constituição da República especifica


a independência e imparcialidade como atributos dos tribunais , indicando a
NLOFTJ um conceito potencialmente aglutinador de sentido na referência à
«qualidade do serviço de justiça prestado aos cidadãos» como critério de avaliação
de desempenho.

37
A gestão processual cometida ao juiz presidente tem de ser entendida em conjugação com as
competências dos juízes que exercem funções jurisdicionais, centrando-se na gestão e
organização da tramitação do acervo processual no seu conjunto com o parâmetro de
qualidade do serviço de justiça que engloba vertentes muito diferentes do acompanhamento
ou organização do movimento processual.

Mas as competências de gestão processual macro têm a sua fonte nos critérios que enformam
a gestão do processo a que antes nos referimos, o que determina a centralidade das
competências dos juízes em exercício de funções jurisdicionais, sendo as do juiz presidente
de mero facilitador organizacional.

Este sumariamente o quadro normativo da gestão processual macro do tribunal de comarca,


prescindindo nesta exposição das determinantes interações com a gestão macro do Judiciário
e das aporias que introduzem num quadro que nada tem de unívoco e em muitos casos está
profundamente eivado de contradições.

38
Definição do âmbito da Gestão Processual Macro na GLN

Realização de
- Gestão Processual Macro:
reuniões com os
acompanhamento da tramitação dos
Juízes de Direito
Modelo de gestão processos nas unidades orgânicas
sem recurso a
da NLOFTJ - Identificação do principal problema:
qualquer
obtenção de informação exata e de
ferramenta
forma sistematizada
sistematizada

Características das reuniões:


- Objetivo específico
- Debate
- Elaboração de atas Brainstorming

- Melhor compreensão das opções


tomadas, das encaradas e suas
motivações
- Possibilidade de retoma de determinadas
questões em estádios diferentes

Fonte: elaboração própria

39
Reuniões de planeamento e avaliação

Um dos instrumentos privilegiados de gestão do tribunal e de gestão processual foi a


realização de reuniões de planeamento e avaliação. Envolvendo juízes e funcionários
permitiu o conhecimento directo dos problemas, o diagnóstico das causas e a intervenção
dos diferentes decisores.

a) ordinárias com periodicidade trimestral, por secções, para


avaliação do estado dos serviços e da execução do
planeamento e para diagnóstico de eventuais dificuldades.
Natureza:
b) extraordinárias, por sugestão do juiz presidente, dos juízes
das secções ou dos escrivães de direito, para resolução de
problemas concretos.
Participantes:
a) nas reuniões ordinárias para organização do serviço das secções
Sujeitos: todos os funcionários da secção e os Juízes que entendam
participar.
b) nas reuniões ordinárias para organização do serviço dos juízes
todos os Juízes envolvidos.
c) nas extraordinárias, segundo a natureza do problema, apenas os
juízes, apenas os funcionários (todos ou apenas os escrivães de
direito), os juízes e os funcionários.

40
As reuniões de planeamento foram documentadas em actas com o seguinte teor:

a) Apresentação da questão
b) Debate
Decisões / c) Decisões da juiz presidente
Deliberações: d) Provimentos dos juízes
e) Deliberações conjuntas dos juízes (presidentes e titulares)
f) Propostas ao CSM, à DGAJ ou ao IGFIJ;

As deliberações constantes das actas eram notificadas aos interessados e o texto das
mesmas disponibilizado na INTRANET da comarca.

41
Informação, planeamento e avaliação

Nesta fase ficou desenhado o método de gestão cujos esboços haviam sido traçados
nas reuniões iniciais com os juízes da comarca:

- informação sobre as UO

- planeamento da actividade de cada uma com


estabelecimento de prioridades e objectivos

- execução das actividades planeadas

- monitorização e avaliação da execução do planeado

- redefinição do planeamento com base naquela avaliação


e na informação actualizada

Iniciou-se a prática de obtenção mensal de informação respeitante a cada UO do estado


da pendência, dos atrasos no cumprimento de processos e das dificuldades experimentadas,
informação tratada aos diversos níveis de intervenção

42
Gestão processual Macro - Procedimento de organização da tramitação
Início

Plan

Act Do
Codificação estática Plan

Check

Mapas de atos
(segundo os códigos e
as datas)

Reuniões de
planeamento (Juízes
de Direito)

Definição de
Definição de objetivos
prioridades

Mapas de execução
(momento da prática
dos atos/prioridades)

Mapas de tarefas
(Distribuição das
tarefas segundo os
mapas de execução)

43
1

Do
Atos
(oficiosidades,
Papel Atendimento
conclusões / vistas,
diligências

Conclusão da
execução

Atualização da
codificação dos
processo 
Codificação dinâmica

Relatório de execução
(dos mapas de atos)

Reunião de avaliação Check

S Objetivos
3
cumpridos?

2
44
3 2

Análise das causas /


implementação de Check
ações corretivas

Recursos Recursos Processos de Ocorrências


humanos materiais trabalho excecionais

Aumento / Adoção de
Alterações de Afetação Alteração medidas Act
estrutura excecionais

Identificação de ações
preventivas (que evitem a
ocorrência de potenciais erros
– ex. ações de formação)

Identificação de ações de
melhoria

Conclusão da
avaliação

Fonte: elaboração própria


Fim

45
Temas das reuniões de planeamento

Fonte: elaboração própria a partir dos dados das atas de reuniões de planeamento

46
Mapa de conclusões GICV

Segunda Terça Quarta Quinta Sexta


X7 X02 X11 X00
Cls - sentença Cls – Marcação de Cls - Sentença de Abrir Conclusão
conferência preceito

X8 X03 X12 X01.1 X48


Cls – fase de recurso Cls – fase de instrução Cls – Desistência Fase de citação Visto em correição
(após sentença e antes (nomeadamente
do trânsito) aguardando relatórios)

X9 X04 X13 X01.2


Cls – fase de execução Cls – marcar julgamento Cls - Transacção Fase de articulados
de medida (ou AP em TE)

X10 X05 X01.3


Cls – após trânsito Cls – fase de julgamento Fase Pré-
saneador/Saneador/AP

X14 X06
Cls – 285º CPC Cls – fase de decisão
(marcar julgamento ou
decisão)

X17 X17 X17 X17 X17


Abrir Vista Abrir Vista Abrir Vista Abrir Vista Abrir Vista

X18 X18 X18 X18 X18


Notificar o MP Notificar o MP Notificar o MP Notificar o MP Notificar o MP

Fonte: elaboração própria e ata 141 da GICV


47
Provimentos na GICV

DATA
E ASSUNTO DECISÕES PROCEDIMENTOS
SUBSCRITORES

2009-05-18 Suporte físico do Impressão dos termos e atos do processo para Conhecimento a órgãos de
Juízes processo além dos considerados na Portaria 114/2008 gestão
(em exercício de
funções Notificação de todos os
jurisdicionais) funcionários

2009-09-08 Suporte físico do Impressão dos termos e atos do processo para Conhecimento a órgãos de
Juízes processo além dos considerados na Portaria 114/2008 gestão
(em exercício de
funções Notificação de todos os
jurisdicionais) funcionários

Fonte: comarca da Grande Lisboa Noroeste

48
Mapas de atos
Gabinete
Unidade Orgânica Juízo de Grande Instância Cível - 1ª Secção
Ja n e iro Fe ve re iro Ma rç o Ab ril Ma io Ju n h o Ju lh o Ag o s to S e te mb ro O u tu b ro No ve mb roDe z e mb ro
Código Ac to p ro c e s s u a l
< = mê s < = mê s < = mê s < = mê s < = mê s < = mê s < = mê s < = mê s < = mê s < = mê s < = mê s < = mê s
XX0 Com Conclusão 9 9 6 4
XX1.1 Fase de citação 0 0 0 0
XX1.2 Fase de articulados 1 1 1 0
XX1.3 Fase Pré-saneador/Saneador/AP
13 5 24 17
XX2 Cls – marcação de conferência 1 1 0 0
XX3 Cls – fase de instrução (nomeadamente aguardando relatórios)
1 1 1 1
XX4 Cls – marcar julgamento (ou AP em TE) 1 1 4 4
XX5 Cls – fase de julgamento 0 0 1 1
XX6 Cls – fase de decisão (marcar julgamento ou decisão após relatórios)
0 0 0 0
XX7 Cls - sentença 31 7 23 6
XX8 Cls – fase de recurso (após sentença e antes do trânsito)
5 5 1 1
XX9 Cls – fase de execução de medida 0 0 1 1
XX10 Cls – após trânsito 0 0 0 0
XX11 Cls - Sentença de preceito 0 0 4 4
XX12 Cls – Desistência 0 0 0 0
XX13 Cls - Transacção 0 0 0 0
XX14 Cls – 285º CPC 0 0 0 0

XX15
XX16
XX17 Com Vista 2 2 2 2
XX18 Aguarda assinatura 1 1 0 0
Tota is 65 33 68 41 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

Fonte: dados recolhidos por pesquisa dos códigos


49
Despachos e agenda

Unidade Orgânica Juízo de Grande Instância Cível - 1ª Secção


Ja n e iro Fe ve re iro Ma rç o Ab ril Ma io Ju n h o Ju lh o Ag o s to S e te mb ro O u tu b ro No ve mb roDe z e mb ro
Có d ig o Ac to p ro c e s s u a l
< = mê s < = mê s < = mê s < = mê s < = mê s < = mê s < = mê s < = mê s < = mê s < = mê s < = mê s < = mê s
X20 Cumprimento de despacho de mero expediente
221 140 90 63
X21 Cumprimento de Notificação – saneador
10 3 2 2
X22 Cumprimento de Julgamento agendado < 90 dias
6 6 8 8
X23 Cumprimento de Julgamento agendado > 90 dias
49 28 52 24
X24 Cumprimento de Notificação – sentença 2 2 0 0
X25 Cumprimento do transito/Capital de remissão
0 0 0 0
X26 Cumprimento de despacho/decisão de prescrição
0 0 0 0
X27 Cumprimento de extinções de pena 0 0 0 0
X28 Artº 78º do CRC/Assinar acta/ARTº 89º CPT
8 8 4 4
X29 Com diligência agendada já cumprido 15 14 9 7
X30 Insistir com agente de execução - citação 13 7 14 10
X31 Insistências diversas 49 30 69 51
X32 Insistir relatório DGRS
X33 Insistir relatório ECJ
X34 Insistir relatório OPC
X35 Insistir relatório SS
X36 Insistir pelo cumprimento de mandado de detenção

X37 Administrador (Juízo do Comércio)

X38 Pesquisa de bens 3 0 2 0


X39 Pesquisa de paradeiro 0 0 0 0
Tota is 376 238 250 169 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

Fonte: dados recolhidos por pesquisa dos códigos


50
Contabilidade e outros

Unidade Orgânica Juízo de Grande Instância Cível - 1ª Secção


Ja n e iro Fe ve re iro Ma rç o Ab ril Ma io Ju n h o Ju lh o Ag o s to S e te mb ro O u tu b ro No ve mb roDe z e mb ro
Có d ig o Ac to p ro c e s s u a l
< = mê s < = mê s < = mê s < = mê s < = mê s < = mê s < = mê s < = mê s < = mê s < = mê s < = mê s < = mê s
X40 Re me te r à conta – Código ante rior a 2004 112 11 118 10
X41 Remeter à conta – Código de 2004 316 29 340 31
X42 Elaborar a conta – Regulamento das Custas Processuais
521 47 570 57
X43 Prestações 1 0 1 1
X44 Avisar a conta 0 0 0 0
X45 Dar baixa da conta 79 10 68 8
X46 Com saldo para corrigir 0 0 0 0
X47 Remeter à distribuição (instrução)/MP (Trabalho)

X48 Visto em correição 73 5 58 4


X49 Remeter ao arquivo geral 2928 78 2976 52
Outras situações

X50 Processos com mandados de detenção pendentes

X51* Mafra
X52* Amadora
X53 Processos com arguidos não notificados da sentença

X54 Processos a aguardarem resposta da SS

X55 Processos a aguardarem prazo da renovação do FGDAM

X56 Processos a aguardarem informações diversas dos OPC

X57 Processos urgentes

Fonte: dados recolhidos por pesquisa dos códigos


51
Informação agregada dos atos a praticar na comarca
Junho 2012

Fonte: relatório da presidência da comarca da GLN / Julho 2012


52
Fonte: relatório da presidência da comarca da GLN / Julho 2012

53
IV - Conclusões

54
 O dever de gestão processual consagrado no nosso ordenamento
jurídico tem expressão enquanto gestão do processo e enquanto
gestão de um acervo processual.
 Estas duas dimensões são vertentes de um mesmo percurso: o da
efetiva gestão do Judiciário pelo juiz, em cada processo e na
organização que em tal tem incidência.
 O dever de gestão do processo tem, assim, autonomia face à missão
de aplicação das normas v.g. processuais ao caso concreto e beneficia
de um enquadramento gestionário, embora a sua expressão principal
enquanto gestão do processo seja o uso crítico das normas
processuais.
 Gerir o processo implica, dada a interdependência e concorrência de
recursos, a gestão do conjunto de processos e a gestão do tribunal,
convocando o exercício integrado de competências complementares,
com fontes e legitimidades diversas.

55
 A experiência concreta da Grande Lisboa Noroeste descrita teve em
atenção apenas o nível da comarca e prescindiu da consideração da
interação com órgãos externos.
 Essa experiência isolou um aspeto crítico da qualidade do sistema – a
duração dos processos - e baseou-se no exercício colegial das
competências dos juízes com funções de gestão e dos juízes com
funções jurisdicionais.
 Permitiu, por isso, intervenção a diversos níveis de organização do
trabalho e das tarefas e teve como pressuposto a unidade do
tribunal/organização e a instrumentalidade das funções administrativas
face à função jurisdicional.
 Permitiu, nomeadamente, estabelecer a estratégia com critérios de
independência e imparcialidade próprios dos juízes e estabelecer a
responsabilidade dos juízes pela gestão, face aos cidadãos e aos diversos
órgãos de governação do judiciário.

56
FIM

57
O Novo Processo Civil – Desafios para o Ministério
Público

[Margarida Paz]
Videogravação da comunicação

Vídeo 1 Vídeo 2

173
Vícios dos actos processuais: alguns apontamentos
sobre problemas colocados pelo CPC de 2013

[Isabel Maria Alexandre]


Vícios dos actos processuais: alguns apontamentos sobre problemas colocados pelo CPC de
2013

Vícios dos actos processuais: alguns apontamentos sobre


problemas colocados pelo CPC de 2013
Isabel Maria Alexandre

Sumário:
I – Deficiências formais de actos das partes (art. 146º)
II – Nulidades principais: o novo vício do erro na qualificação do meio processual
(art. 193º/3) e o eventual novo regime da sanabilidade da ineptidão da petição
inicial (art. 186º/3)
III – Nulidades secundárias: o novo regime atinente à recorribilidade das
decisões sobre elas proferidas (art. 630º/2)
IV – Omissão do dever de gestão processual (art. 6º/1):
 Constitui uma nulidade secundária?
 Em caso afirmativo, em que termos é recorrível a decisão que se
pronuncie sobre a correspondente arguição?
V – Acto de gestão processual (art. 6º/1):
 Está sujeito ao regime das nulidades secundárias?
 Em que termos é recorrível a decisão de gestão processual?
 Reclamação e recurso (art. 593º/3)
VI – Regime das deficiências que afectam o despacho que identifica o objecto do
litígio e enuncia os temas da prova (art. 596º)
VII – Regime das irregularidades da gravação da audiência final ou da audiência
prévia (arts. 155º e 591º/4):
 Consubstanciam nulidades secundárias?
 Podem ser arguidas em recurso?
 São de conhecimento oficioso?
VII – Regime das irregularidades da gravação da audiência final ou da audiência
prévia (arts. 155º e 591º/4):
VIII – Vícios da sentença (arts. 607º e segs.)

177
Vícios dos actos processuais: alguns apontamentos sobre problemas colocados pelo CPC de
2013

Senhoras e Senhores,

Começo por manifestar a minha satisfação por estar presente nestas Jornadas de
Processo Civil, agradecendo ao Centro de Estudos Judiciários e, em particular, ao seu Director
– Professor Pedro Barbas Homem – o convite que me foi dirigido.

I. Deficiências formais de actos das partes


As deficiências formais de actos das partes vêm tratadas no artigo 146º, do CPC de 2013,
que constitui preceito sem correspondência no anterior Código.
Gabriela Cunha Rodrigues, num estudo intitulado “A audiência declarativa comum”,
constante de um e-book do CEJ sobre o novo processo civil (Caderno I)
http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/Caderno_I_Novo%20_Processo_Civil.
pdf, relaciona o estatuído no artigo 146º, com o dever de gestão processual mas, sobretudo,
com o princípio da prevalência da substância sobre a forma.

É o seguinte o teor do artigo 146º:


“Artigo 146.º
Suprimento de deficiências formais de atos das partes
1 — É admissível a retificação de erros de cálculo ou de escrita, revelados no contexto da
peça processual apresentada.
2 — Deve ainda o juiz admitir, a requerimento da parte, o suprimento ou a correção de
vícios ou omissões puramente formais de atos praticados, desde que a falta não deva imputar-
se a dolo ou culpa grave e o suprimento ou a correção não implique prejuízo relevante para o
regular andamento da causa.”.

II. Nulidades principais

1. Erro na qualificação do meio processual


O artigo 193º/3 do CPC de 2013, também ele, como assinala Gabriela Cunha Rodrigues
(no estudo já assinalado), reflexo da prevalência da substância sobre a forma, determina o
seguinte: “O erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido
oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados.”

178
Vícios dos actos processuais: alguns apontamentos sobre problemas colocados pelo CPC de
2013

Ou seja, este erro de qualificação não parece importar a anulação de qualquer acto,
quando seja, como parece ser a regra, conhecido pelo juiz no momento em que é cometido.
Quando não seja conhecido neste momento, parece que o regime será o dos n.ºs 1 e 2, do
artigo 193º (anulam-se apenas os actos que não possam ser aproveitados e sempre com
ressalva das garantias do réu).

2. Sanabilidade da ineptidão da p.i.


Como salienta o Professor Lebre de Freitas (no livro A ação declarativa comum, 3ª ed.,
págs. 49-50 e 135-137), no CPC de 2013, a réplica deixou de ter como função a resposta às
excepções deduzidas na contestação (é o que resulta da comparação entre o artigo 502º/1, 1ª
parte, do CPC de 1961, e o artigo 584º/1, do CPC de 2013), pelo que se coloca o problema de
saber se, havendo ineptidão da petição inicial por ininteligibilidade do pedido ou da causa de
pedir e havendo lugar a réplica, o autor pode sanar, na réplica, o vício da ininteligibilidade
mediante nova alegação (como, dantes, se sustentava, à luz do Assento 12/94).
O ponto é duvidoso, segundo o Professor Lebre de Freitas, até porque desapareceu a
tréplica: qualquer solução, porém, na sua perspectiva, sempre teria de assegurar o
contraditório.
Parece preferível considerar que a réplica deve continuar a poder ser utilizada para sanar
o vício em referência (quando haja lugar a réplica, claro), porque as alternativas seriam a
sanação do vício em articulado autónomo ou a redução das possibilidades de sanação do vício,
que se afiguram prejudiciais, respectivamente, para a economia processual e para a justiça da
decisão e, portanto, contrárias à orientação geral do Código.

III. Nulidades secundárias


Há alterações ao regime geral das nulidades dos actos processuais.

É certo que o art. 195º, do CPC de 2013, corresponde ao anterior art. 201º:
“Artigo 195.º
Regras gerais sobre a nulidade dos atos
1 — Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não
admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só
produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir
no exame ou na decisão da causa.

179
Vícios dos actos processuais: alguns apontamentos sobre problemas colocados pelo CPC de
2013

2 — Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes


que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do ato não prejudica as outras
partes que dela sejam independentes.
3 — Se o vício de que o ato sofre impedir a produção de determinado efeito, não se têm
como necessariamente prejudicados os efeitos para cuja produção o ato se mostre idóneo.”.

Mas há uma importante alteração à regra da recorribilidade dos despachos proferidos


sobre arguições de nulidade, que deixa de ser a regra geral e passa a ser a regra particular do
art. 630º/2:
“Artigo 630.º
Despachos que não admitem recurso
1 — Não admitem recurso os despachos de mero expediente nem os proferidos no uso
legal de um poder discricionário.
2 — Não é admissível recurso das decisões de simplificação ou de agilização processual,
proferidas nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º, das decisões proferidas sobre as
nulidades previstas no n.º 1 do artigo 195.º e das decisões de adequação formal, proferidas
nos termos previstos no artigo 547.º, salvo se contenderem com os princípios da igualdade
ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios
probatórios.” (negrito acrescentado).

Ou seja: Em princípio, não são recorríveis os despachos proferidos sobre arguições de


nulidade, a não ser que a irregularidade cometida contenda com a igualdade das partes,
contraditório, aquisição processual de factos ou admissibilidade de meios probatórios.
E a regra aplica-se apenas aos despachos que indefiram, ou também aos que defiram
arguições de nulidade? Parece que a ambos: o interessado na manutenção do acto não há-de
ter mais direitos do que o interessado no seu afastamento, no que diz respeito à aferição da
sua legalidade pelo tribunal superior.

IV. Consequências do exercício do dever de gestão processual: omissões de gestão


processual
(Estas questões, bem como, em parte, a questão de que trato no subsequente ponto V., já
foram por mim analisadas num estudo publicado no site do CEJ:
http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/Texto_intervencao_Isabel_Alexandre
.pdf)

180
Vícios dos actos processuais: alguns apontamentos sobre problemas colocados pelo CPC de
2013

O novo CPC indica, no art. 6º, que a gestão processual constitui um dever do juiz e não um
poder discricionário, isto é, que o não uso dos poderes de agilização e simplificação processual
que a lei lhe atribui constitui a omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreve,
importando assim uma nulidade processual (cfr. o novo art. 195º, n.º 1, a que já fizemos
referência).
Este entendimento é acentuado pela circunstância de os projectos de um novo CPC de
Setembro de 2012 e Dezembro de 2011 aludirem a um “princípio” e não a um dever, como
agora sucede.
Harmoniza-se com este entendimento a regra que hoje consta expressamente do artigo
590º/4 (e que difere da constante do correspondente artigo 508º/3, do CPC de 1961): o
proferimento de despacho convidando as partes ao suprimento das insuficiências ou
imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada traduz um poder
vinculado do juiz.
Mas, a haver uma nulidade decorrente do não exercício do dever de gestão processual,
qual o seu regime? Haverá recurso da decisão que indefira a arguição dessa nulidade ou não
haverá tal recurso, por a nulidade não contender com os princípios da igualdade ou do
contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios
probatórios (cfr. o art. 630º, n.º 2, do novo CPC, já mencionado)?
Parece que a omissão do dever de gestão processual, uma vez que este dever está
conexionado com a agilização e simplificação processual (não consideramos agora, claro, o
dever de suprimento da falta de pressupostos processuais, previsto no art. 6º/2, do novo CPC;
referimo-nos ao dever de gestão processual em sentido estrito, consagrado no art. 6º/1), não
constituirá, em princípio, uma nulidade, uma vez que a irregularidade não é susceptível de
influir no exame ou na decisão da causa (influi, quanto muito, na celeridade do processo ou na
quantidade ou complexidade dos actos processuais a praticar) e, portanto, não integra a
previsão do art. 195º, n.º 1, do CPC.
Repare-se que esta solução é aplicável mesmo que se considere o dever de gestão
processual como um verdadeiro dever e portanto a omissão do seu exercício como a omissão
de um acto que a lei prescreve.

E do despacho que indefira a arguição de nulidade, o interessado pode recorrer?


À luz do novo CPC, que determina, no art. 630º, n.º 2, que não é admissível recurso das
decisões proferidas sobre as nulidades previstas no n.º 1 do artigo 195º, salvo se estas
contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual

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Vícios dos actos processuais: alguns apontamentos sobre problemas colocados pelo CPC de
2013

de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios, parece estranhamente que estas


duas últimas circunstâncias – a conexão com a aquisição processual de factos e a conexão com
a admissibilidade de meios probatórios – constituem simultaneamente uma condição de
admissibilidade (nos termos desse n.º 2) e uma condição de procedência do recurso (nos
termos do n.º 1, do artigo 195º).
As outras duas circunstâncias – violação do princípio da igualdade ou do contraditório –
bastam para a admissibilidade do recurso, mas parece que este não terá provimento se a
irregularidade cometida não puder influir no exame ou na decisão da causa (porque neste caso
não está preenchida a previsão do n.º 1, do artigo 195º).
Portanto, à luz do novo CPC, dir-se-ia que mesmo que seja recorrível o despacho que
indefira uma arguição de nulidade por omissão do dever de gestão processual – com o
fundamento de que essa omissão significou, por ex., uma violação do princípio da igualdade
(cfr. o n.º 2, do artigo 630º) –, o recurso não terá provimento se a nulidade cometida não tiver
influído no exame ou na decisão da causa (e não terá influído se se prender apenas com a
agilização e simplificação do processo).
Esta solução é estranha: um recurso admissível que está condenado a fracassar.

V. Consequências do exercício do dever de gestão processual: actos de gestão processual

1. Não aplicação da regra do artigo 195º/1


E quando o juiz exerça o seu dever de gestão processual?
Nesta eventualidade já não se coloca o problema da aplicabilidade da regra do artigo
195º, n.º 1, referente aos casos em que se verifica uma nulidade processual, atendendo a que
a aplicação desta regra pressupõe normalmente que não há despacho (“das nulidades
reclama-se; dos despachos recorre-se”): ora quando o juiz exerce o seu dever de gestão
processual proferirá um despacho.
O que significa que, quando o juiz exerce o seu dever de gestão processual, a
irregularidade que eventualmente cometa nesse exercício deverá ser atacada mediante
recurso, e não mediante reclamação por nulidade. Isto não significa, porém, que a lei não
possa prever a reclamação em relação a alguns desses despachos: é o que sucede, como
veremos, em relação aos despachos previstos nos artigos 591º/1, e) e g), 593º/2, b) e d) e
597º, d) e f). Isto não significa também que o despacho não possa ser nulo por aplicação das
regras sobre as nulidades de sentença e sobre as nulidades (secundárias) dos actos
processuais.

182
Vícios dos actos processuais: alguns apontamentos sobre problemas colocados pelo CPC de
2013

2. Aplicação da regra do artigo 630º/2


As decisões proferidas no uso de poderes de gestão processual são recorríveis? E quais os
poderes do tribunal de recurso na apreciação dessa gestão processual?
Quanto ao problema da recorribilidade destas decisões, cabe salientar que não é
imperativo que estejam em causa, na gestão processual em sentido estrito (isto é, na área em
que a gestão processual se diferencia da aplicação do princípio da oficiosidade), apenas
despachos que possam ser qualificados como discricionários ou de mero expediente (e que,
por esse motivo, sejam irrecorríveis).
Aliás, esta conclusão decorre da leitura do art. 630º, que distingue os despachos de mero
expediente e discricionários (regulados, quanto à sua recorribilidade, no n.º 1) das decisões de
simplificação ou de agilização processual (reguladas, quanto à sua recorribilidade, no n.º 2).

Segundo o artigo 630º, n.º 2, do novo CPC:


“2 — Não é admissível recurso das decisões de simplificação ou de agilização processual,
proferidas nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º, das decisões proferidas sobre as
nulidades previstas no n.º 1, do artigo 195.º e das decisões de adequação formal, proferidas
nos termos previstos no artigo 547.º, salvo se contenderem com os princípios da igualdade
ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios
probatórios.” (negrito acrescentado)
Esta regra, claro, subordina-se à do artigo 629º/1, referente ao valor da causa e da
sucumbência: não faria sentido que as decisões de gestão processual fossem equiparadas,
quanto à sua recorribilidade, àquelas relativamente às quais o recurso é sempre admissível
com certo fundamento.
A questão da recorribilidade das decisões de gestão processual tem sido controversa ao
longo do processo legislativo que culminou no CPC de 2013.
O novo CPC, embora tenha suprimido as referências à irrecorribilidade destas decisões,
que constavam de anteriores projectos, não chega porém ao ponto de remeter para as regras
gerais de recorribilidade, solução que se afigurava a melhor do ponto de vista teórico, uma vez
que aquelas decisões podem ter uma natureza muito variada e, como tal, não há razão
nenhuma para que sejam irrecorríveis, se não puderem ser qualificadas como despachos de
mero expediente ou despachos proferidos no uso legal de um poder discricionário, ou se,
mesmo que o puderem ser, a decisão haja violado algum princípio fundamental do processo
civil.

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Vícios dos actos processuais: alguns apontamentos sobre problemas colocados pelo CPC de
2013

O novo CPC é porém mais restritivo: só a violação de certos princípios – igualdade e


contraditório – ou certas consequências da decisão de gestão processual – ao nível da
aquisição processual de factos ou da admissibilidade de meios probatórios – torna o recurso
admissível.
Esta restrição levanta porém dois problemas:
a) Não haverá o perigo de a recorribilidade da decisão depender do preenchimento de
conceitos indeterminados, gerando-se assim incerteza?
b) Admitido o recurso, quais os poderes da Relação?

A primeira questão merece resposta afirmativa, embora o problema não seja novo:
pense-se, por exemplo, nos pressupostos de que depende a revista excepcional (art. 672º/1, a)
e b)).
Quanto à segunda questão, parece que deve admitir-se o controlo da observância do
princípio violado em recurso ou das consequências da decisão ao nível da aquisição processual
de factos ou admissibilidade de meios probatórios, mas não que a Relação, aproveitando o
controlo de legalidade que lhe é permitido fazer, aproveite para fazer um controlo de mérito,
isto é, que a Relação faça, ela própria, gestão processual.
Em conclusão: o despacho de gestão processual está sujeito a regras de recorribilidade
mais restritivas que a generalidade das decisões judiciais (art. 630º/2).
Mas se se traduzir num despacho discricionário ou num despacho de mero expediente (o
que não é forçoso suceder!), parece aplicável o art. 630º/1: só será recorrível na parte em que
deve obediência à lei (isto é, na parte em que não é discricionário ou de mero expediente).
Refira-se que a solução do art. 630º/2 – para os despachos de gestão processual que não
possam ser qualificados como discricionários ou de mero expediente, porque se assim for
aplica-se, como se disse, o n.º 1 – parece ter-se ficado a dever à ASJP, que propôs a extensão à
gestão processual e à adequação formal do regime do recurso das decisões sobre as
reclamações de nulidade previsto no art. 195º/4, da Proposta de Lei 113/XII (que esteve na
base do actual CPC), isto é, a ASJP propôs que as decisões de adequação formal e de
simplificação ou de agilização processual só fossem recorríveis se contendessem com os
princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a
admissibilidade de meios probatórios (cfr. a sugestão de redacção para o art. 630º/2,
constante de pág. 54, do Parecer da ASJP de Janeiro de 2013, in
http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/Parecer-ASJP-Janeiro-2013.pdf).

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Vícios dos actos processuais: alguns apontamentos sobre problemas colocados pelo CPC de
2013

Esta solução da ASJP, que acabou por ficar legalmente consagrada, não parece porém a
melhor, tal como não parece a melhor a redacção do art. 195º/4, da PL 113/XII – que acabou
por ficar integrada no actual artigo 630º, n.º 2 –, que se presta a muitas confusões.
Considera-se, com efeito, que as regras gerais sobre recorribilidade seriam suficientes e
que a regulação pelo legislador dos casos em que o recurso é admissível revela alguma
desconfiança em relação à interpretação que os juízes venham a fazer dos poderes que lhes
são atribuídos e respectivos limites.
Por outro lado, e como refere o Prof. Lebre de Freitas no Parecer que entregou à AR
(disponível no site da AR em
http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheAudicao.aspx?BID=94512),
o regime do art. 660º (que se inspirou na previsão do nº 2, do artigo 710º, do CPC de 1961, na
redacção anterior à introduzida pelo DL 303/2007) é garantia suficiente contra recursos
excessivos, ao determinar que a impugnação das decisões interlocutórias que subam a final só
é provida quando a infracção cometida puder modificar a decisão final ou quando o
provimento tenha interesse para o recorrente.

O artigo 660º dispõe o seguinte:


“Artigo 660.º
Efeitos da impugnação de decisões interlocutórias
O tribunal só dá provimento à impugnação das decisões interlocutórias, impugnadas
conjuntamente com a decisão final nos termos do n.º 3, do artigo 644.º, quando a infração
cometida possa modificar aquela decisão ou quando, independentemente dela, o provimento
tenha interesse para o recorrente.”.

3. Reclamação e recurso
A recorribilidade das decisões de gestão processual, nos termos do art. 630º, n.º 2, não
exclui a possibilidade de, em relação a certas dessas decisões, se seguir primeiro a via
impugnatória da reclamação: é o que decorre do art. 593º, n.º 3.
Segundo o artigo 593º/3, no caso de ter sido dispensada a audiência prévia, se alguma das
partes pretender reclamar do despacho a determinar a simplificação ou a agilização processual
nos termos do art. 6º/1, ou do despacho destinado a programar os actos a realizar na
audiência final, a estabelecer o número de sessões e a sua provável duração e a designar as
respectivas datas – despachos estes que se encontram previstos no artigo 593º/2, alíneas b) e
d) e que podem ser qualificados como despachos de gestão processual, sendo aliás duvidosa a

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Vícios dos actos processuais: alguns apontamentos sobre problemas colocados pelo CPC de
2013

necessidade de autonomização do segundo, atendendo a que ainda se enquadra no âmbito do


primeiro –, pode requerer, em 10 dias, a realização de audiência prévia.
Requerendo a parte a audiência prévia com essa finalidade, a audiência deve realizar-se
num dos 20 dias seguintes e destina-se a apreciar as questões suscitadas e, acessoriamente, a
fazer uso do disposto na alínea c), do n.º 1, do artigo 591º, isto é, a discutir as posições das
partes, com vista à delimitação dos termos do litígio, e suprir as insuficiências ou imprecisões
na exposição da matéria de facto que ainda subsistam ou se tornem patentes na sequência do
debate.
É a seguinte a redacção do artigo 593º:
“Artigo 593.º
Dispensa da audiência prévia
1 — Nas ações que hajam de prosseguir, o juiz pode dispensar a realização da audiência
prévia quando esta se destine apenas aos fins indicados nas alíneas d), e) e f) no n.º 1 do artigo
591.º.
2 — No caso previsto no número anterior, nos 20 dias subsequentes ao termo dos
articulados, o juiz profere:
a) Despacho saneador, nos termos do n.º 1 do artigo 595.º;
b) Despacho a determinar a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual,
nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º e no artigo 547.º;
c) O despacho previsto no n.º 1 do artigo 596.º;
d) Despacho destinado a programar os atos a realizar na audiência final, a estabelecer o
número de sessões e a sua provável duração e a designar as respetivas datas.
3 — Notificadas as partes, se alguma delas pretender reclamar dos despachos previstos
nas alíneas b) a d) do número anterior, pode requerer, em 10 dias, a realização de audiência
prévia; neste caso, a audiência deve realizar-se num dos 20 dias seguintes e destina-se a
apreciar as questões suscitadas e, acessoriamente, a fazer uso do disposto na alínea c) do n.º
1 do artigo 591.º.” (negrito acrescentado)

O artigo 593º/3 prevê portanto uma audiência prévia potestativa, como explica Gabriela
Cunha Rodrigues, no estudo já atrás citado:
“O n.º 3 do artigo 591.º, em consonância com a ideia de que se pretende uma visão
participada do processo, acaba por conferir aos mandatários a faculdade de provocar uma
audiência prévia potestativa (14) nos casos em que pretendam reclamar dos despachos
previstos nas alíneas b) (despacho a determinar a adequação formal, a simplificação ou a

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Vícios dos actos processuais: alguns apontamentos sobre problemas colocados pelo CPC de
2013

agilização processual), c) (despacho que identifica o objecto do litígio e enuncia os temas da


prova) e d) (despacho destinado a programar a audiência final).
Nesse caso, será designada a audiência prévia num dos 20 dias seguintes, a qual se
destinará, em primeira linha, a apreciar as questões suscitadas (segunda parte, do n.º 3, do
artigo 591.º).
Em nosso entender, tal como o juiz deve ser transparente quando designa a data para a
audiência prévia, indicando o seu objecto e as suas finalidades, ao abrigo do disposto no n.º 2,
do artigo 591.º, também a parte deve apontar qual o despacho ou o segmento de despacho
sobre o qual pretende reclamar, devendo ainda, em casos pontuais, indicar as razões da
reclamação, ao abrigo do princípio da colaboração entre as partes e o tribunal (artigo 7.º, do
NCPC), sob pena de o juiz não poder avaliar se o direito de convocar uma audiência prévia
cumpre os requisitos legais.
A título de exemplo, imagine-se que o advogado da parte não pretende reclamar da
calendarização dos actos da audiência mas apenas declarar que está impedido em serviço
noutro tribunal.
Será de convocar uma audiência prévia só para este efeito?
Parece-nos que não, pois não se trata de uma questão relativa à calendarização dos actos,
mas sim relativa ao impedimento a que se reporta o artigo 151.º, n.º 2, do NCPC.”.

O artigo 593º/3 levanta as seguintes dúvidas:


1) Será que só admite reclamação (dos despachos de gestão processual que prevê)
quando não haja audiência prévia?
2) Será que a reclamação desses despachos só pode ter lugar na audiência prévia, não
pode ter lugar numa peça processual avulsa?
3) Será que a reclamação desses despachos exclui a possibilidade de recurso dos
mesmos?
4) Será que a reclamação dos despachos de gestão processual previstos no art. 593º/3
não é possível nas acções de valor não superior a metade da alçada da Relação, a que
o art. 597º alude?

Relativamente à primeira dúvida, parece que a reclamação dos despachos de gestão


processual previstos no art. 593º/3 só faz sentido quando os mesmos hajam sido proferidos
fora de audiência prévia. Caso esta tenha lugar, tais despachos são proferidos após debate –
conforme decorre do artigo 591º/1, alíneas e) e g) –, pelo que se a parte não se conformar

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Vícios dos actos processuais: alguns apontamentos sobre problemas colocados pelo CPC de
2013

com eles não tem sentido reclamar; o que deve fazer é recorrer, nos termos gerais do artigo
630º/2. Esta solução parece ser corroborada pelo artigo 591º/1, f), que só prevê reclamações,
tendo havido audiência prévia, em se tratando do despacho que identifica o objecto do litígio e
enuncia os temas da prova.
Relativamente à segunda dúvida, parece que a reclamação dos despachos de gestão
processual previstos no art. 593º/3 (isto é, dos mencionados no art. 593º/2, alíneas b) e d))
tem de ser feita em audiência prévia, isto é, não pode ser feita numa peça processual avulsa.
É o que decorre da regra da não duplicação de meios impugnatórios, isto é, da regra
segundo a qual se a lei prevê o recurso (como de facto prevê no artigo 630º/2), então não há
também lugar a reclamação.
É o que também decorre da exposição de motivos do projecto apresentado em Setembro
de 2012, que esteve na base do actual CPC:
“Notificadas as partes, se alguma delas pretender reclamar do que foi decretado pelo juiz
(excepção feito ao despacho saneador, cuja impugnação haverá de ser feita por via de recurso,
nos termos gerais), o meio próprio é requerer a realização da audiência prévia destinada a
tratar dos pontos sob reclamação”.
Relativamente à terceira dúvida, parece que, apresentada a reclamação, se esta for
indeferida, a parte pode recorrer do despacho nos termos do artigo 630º/2. Mas a apelação
será não autónoma, por força do artigo 644º/3.
Relativamente à quarta dúvida, que é a de saber se a reclamação pode ter lugar nas
acções de valor não superior a metade da alçada da Relação, refira-se que a mesma é
pertinente, porquanto o artigo 597º não alude a qualquer reclamação. Supomos, porém, que a
sustentar-se um tal direito de reclamação, o mesmo não terá de ser necessariamente exercido
em audiência prévia, atendendo a que cumpre ao juiz, nos termos do artigo 597º (corpo)
ponderar sempre a necessidade e a adequação deste acto ao fim do processo. O que significa,
parece, que a reclamação dos despachos de gestão processual previstos no art. 597º, d) e f), a
admitir-se que possa ser deduzida nestas acções (e não se vê por que motivo não o deva poder
ser), pode ter lugar numa peça processual escrita.

VI. Irregularidades do despacho que identifica o objecto do litígio e enuncia os temas da


prova
O artigo 596º trata do despacho destinado a identificar o objecto do litígio e a enunciar os
temas da prova, prevendo a possibilidade de reclamação desse despacho (reclamação essa
que, como já atrás se disse, pode ter lugar, ainda que o despacho haja sido proferido em

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Vícios dos actos processuais: alguns apontamentos sobre problemas colocados pelo CPC de
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audiência prévia: cfr. o artigo 591º/1, f)), bem como a possibilidade de recurso do despacho
que decida as reclamações.
Relativamente a esse despacho, diz Paulo Pimenta, num estudo intitulado “Os temas da
prova”, constante de um e-book do CEJ dedicado ao novo processo civil (Caderno I)
(http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/Caderno_I_Novo%20_Processo_Civil
.pdf ):
“Com o regime ora proposto, fica claro que na fase intermédia do processo do que se
trata é de, primeiro, identificar o objeto do litígio e, segundo, de enunciar os temas da prova.
Quanto ao objecto do litígio, a sua identificação corresponde a antecipar para este
momento dos autos aquilo que, até agora, só surgia na sentença, sendo salutar e proveitoso,
quer para as partes, quer para o juiz, esta sinalização depois de finda a etapa dos articulados.
Este acto terá a virtualidade de, em devido tempo, focar os intervenientes processuais no
enquadramento jurídico da lide.
Relativamente aos temas da prova a enunciar, não se trata mais de uma quesitação
atomística e sincopada de pontos de facto, outrossim de permitir que a instrução, dentro dos
limites definidos pela causa de pedir e pelas excepções deduzidas, decorra sem barreiras
artificiais, com isso se assegurando a livre investigação e consideração de toda a matéria com
atinência para a decisão da causa. Quando, mais adiante, o juiz vier a decidir a vertente fáctica
da lide, aquilo que importará é que tal decisão expresse o mais fielmente possível a realidade
histórica tal como esta, pela prova produzida, se revelou nos autos.
*…+
Relativamente aos critérios que deverão nortear a enunciação dos temas da prova,
cumpre dizer, desde já, que o método a empregar é fluído, não sendo susceptível de se
submeter a “regras” tão precisas e formais quanto as relativas ao questionário e mesmo à base
instrutória.
*…+
Agora, a enunciação dos temas da prova deverá ser balizada somente pelos limites que
decorrem da causa de pedir e das excepções invocadas. Nessa conformidade, os temas da
prova serão aqueles que os exactos termos da lide justifiquem.
No limite, pode dizer-se que haverá tantos temas da prova quantos os elementos
integradores do tipo legal em causa, o que implica que o juiz e os mandatários das partes
atentem nisso.
*…+

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Vícios dos actos processuais: alguns apontamentos sobre problemas colocados pelo CPC de
2013

Deve notar-se que a flexibilidade ínsita no conceito de temas da prova garante, só por si,
que a respectiva enunciação seja ora mais vaga ou difusa, ora mais concreta ou precisa, tudo
dependendo daquilo que seja, realmente, adequado às necessidades de uma instrução apta a
propiciar a justa composição do litígio. Por exemplo, é de antecipar que, numa acção que
tenha por objecto vícios de construção numa empreitada, os temas da prova sejam
enunciados com um grau de minúcia maior do que nos casos acima referidos. Assim,
antevendo-se desaconselhável que o tema de prova que se reporte só aos “defeitos” que a
obra apresenta, fará sentido segmentar tais defeitos (v. g., infiltrações, rachadelas, soalho,
pintura, portas, janelas, sistema eléctrico, sistema de exaustão). Tudo dependerá, afinal,
daquilo que ao próprio processo convier para que, insiste-se, a instrução conduza à descoberta
da verdade, isto é, ao apuramento da realidade da concreta obra a que os autos se reportam.”.
O primeiro problema que se coloca neste domínio é o de saber quais os possíveis
fundamentos da reclamação e recurso previstos no artigo 596º, desde logo porque:
– No caso do despacho destinado a identificar o objecto do litígio, não é facilmente
alcançável a sua finalidade e o seu conteúdo possível, atendendo à vigência do princípio da
oficiosidade em matéria de direito. Parece que se esse despacho for entendido como
reportado aos direitos que se pretendem fazer valer na acção (e parece que, na prática dos
tribunais, é assim que está a ser entendido) – por exemplo, o direito a uma indemnização por
dano moral –, ele não pode significar qualquer condicionamento do juiz quanto à fonte legal
de tal direito (a norma X ou a norma Y);
– No caso do despacho destinado a enunciar os temas da prova, a lei não fornece um
critério seguro para a elaboração do despacho e, além disso, parece ter querido cometer ao
juiz da primeira instância uma grande latitude de poderes, permitindo-lhe por exemplo
escolher os casos em que a enunciação dos temas da prova versa ou não versa sobre factos; e,
em se tratando de acção de valor não superior a metade da alçada da Relação, fica até ao
critério do juiz o proferimento do próprio despacho, atendendo a que, segundo a lei, o juiz só
o profere “consoante a necessidade e a adequação do acto ao fim do processo”.
Ao que parece, a reclamação do despacho que identifica o objecto do litígio pode ter
como fundamento a errada percepção do direito que se faz valer na acção: por exemplo, a
parte insurgir-se-á contra o despacho que considerou que na acção se faz valer um direito de
indemnização, porque na sua perspectiva está em causa o direito à entrega de um bem.

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Vícios dos actos processuais: alguns apontamentos sobre problemas colocados pelo CPC de
2013

Mas quais os fundamentos possíveis da reclamação do despacho que enuncia os temas da


prova?
No CPC anterior (artigo 511º), a propósito da fixação da base instrutória, dizia-se que esta
devia compreender matéria relevante para a decisão da causa, ter em conta as várias soluções
plausíveis da questão de direito, e dizer respeito a matéria controvertida; dizia-se ainda que as
reclamações podiam versar tanto a matéria incluída na base instrutória como a matéria
considerada assente; e dizia-se finalmente que as reclamações podiam ter como fundamento
deficiência, excesso ou obscuridade.
Ou seja, no direito anterior os fundamentos possíveis da reclamação da fixação da base
instrutória eram mais perceptíveis do que os fundamentos possíveis da reclamação da
enunciação dos temas da prova.
Parece que, à luz do CPC de 2013, a reclamação pode ter fundamentos muito
diversificados, desde a indevida inclusão nos temas de prova de factos que já estão provados,
até à indevida inclusão de factos em vez de elementos integradores de um tipo legal, passando
pela falta de concretização factual nos casos em que ela se justificaria (como no exemplo
acima, de Paulo Pimenta, da acção fundada em vícios de empreitada), até à colocação, como
tema da prova, de algo que não integre qualquer previsão legal; parece, ainda, que o recurso
da decisão que julgue a reclamação pode destinar-se a controlar juízos de adequação e de
oportunidade da 1ª instância.
O Professor Lebre de Freitas (no livro – já atrás citado – A ação declarativa comum, 3ª ed.,
pág. 175 e nota 18), porém, salienta que a reclamação do despacho que enuncia os temas da
prova pode ter por fundamento deficiência (aqui referindo a omissão de pontos relevantes
para a decisão da causa), excesso (aqui referindo a inclusão de pontos irrelevantes, fora do
objecto do processo ou não introduzidos pelas partes, devendo sê-lo) ou obscuridade (aqui
referindo a redacção que suscite dúvidas quanto ao enunciado dos temas da prova), o que
significa que o Autor considera ainda essencialmente aplicáveis no direito actual os
fundamentos de reclamação que o direito anterior contemplava.
Seja como for, nem a reclamação nem o recurso que estão previstos no artigo 596º
assentam num vício processual, numa nulidade de decisão: dirigem-se, antes, ao conteúdo da
decisão. Sob este ponto de vista, aqueles meios impugnatórios aproximam-se da reclamação e
do recurso da decisão de gestão processual, de que tratámos no ponto anterior.
O que não significa, uma vez que estamos perante despachos, que a estes não sejam
aplicáveis as disposições sobre as nulidades da sentença, uma vez que estas são, em regra,

191
Vícios dos actos processuais: alguns apontamentos sobre problemas colocados pelo CPC de
2013

também aplicáveis a qualquer despacho (cfr. o art. 613º/3); e, sendo despachos, são
igualmente actos processuais, pelo que as regras do art. 195º lhes são extensíveis.

Quanto ao recurso previsto no art. 596º, refira-se ainda a seguinte observação do CSM,
constante de págs. 145-146 do Parecer sobre a Proposta de Lei 113/XII (in
http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/parecer13_novocpc.pdf):
“Nos nºs 3 e 4 do art. 596º vem previsto o seguinte:
«3 – O despacho proferido sobre as reclamações apenas pode ser impugnado no recurso
interposto da decisão final.
4 – Quando ocorram na audiência prévia e esta seja gravada, os despachos e as
reclamações previstas nos números anteriores podem ter lugar oralmente».
Este nº 4 constitui uma novidade, face ao último projecto submetido a discussão pública.
Da conjugação destes preceitos se retira que, se não houver transcrição da audiência
prévia (nos termos do art. 155º, no qual vem estabelecido que a secretaria procede à
transcrição de requerimentos e respectivas respostas, despachos e decisões que o juiz,
oficiosamente ou a requerimento, determine, por despacho irrecorrível), no que a esta matéria
das reclamações concerne, havendo impugnação, no recurso da decisão final, do despacho
que decidiu as reclamações, terá de subir à Relação o suporte contendo a gravação a essa
questão atinente, a juntar à relativa à eventual impugnação da matéria de facto. Ora, crê-se
que seria conveniente que se estabelecesse que ficassem exarados em acta o despacho que
enuncia os temas da prova, as reclamações e o despacho que as decide, ou, em alternativa, se
determinasse a transcrição obrigatória desses actos, para que, no tribunal superior (ademais,
com o reforço de poderes em sede de reapreciação da matéria de facto e as delongas daí
advindas), não haja que acrescentar à audição da prova gravada também a de actos da
audiência prévia.
Ademais, mesmo na 1ª instância, pode dar-se o caso de o juiz que presidir à audiência
prévia não ser o mesmo da audiência final, parecendo que se imporá materializar, reduzindo a
escrito, o que, em matéria tão fulcral para a “economia” do julgamento, se decidiu naquela
fase intermédia do processo.”

192
Vícios dos actos processuais: alguns apontamentos sobre problemas colocados pelo CPC de
2013

VII. Irregularidades na gravação da audiência final e da audiência prévia

1. O artigo 155º, do CPC de 2013


O novo CPC contém, ao contrário do anterior Código, regras sobre a disponibilização da
gravação às partes, sobre a arguição da falta ou deficiência da gravação, e sobre a arguição da
desconformidade da transcrição com a gravação.

Essas regras constam do artigo 155º, o qual corresponde, mas só em parte, aos artigos
159º e 522º-C, nº 1, do CPC de 1961, e aos artigos 7º, n.º 2 e 9º, do DL 39/95, de 15 de
Fevereiro; o n.º 1, do artigo 155º, não tem, porém, correspondência em preceitos anteriores.
Determina o artigo 155º:
“Artigo 155.º
Gravação da audiência final e documentação dos demais atos presididos pelo juiz
1 — A audiência final de ações, incidentes e procedimentos cautelares é sempre gravada,
devendo apenas ser assinalados na ata o início e o termo de cada depoimento, informação,
esclarecimento, requerimento e respetiva resposta, despacho, decisão e alegações orais.
2 — A gravação é efetuada em sistema sonoro, sem prejuízo de outros meios audiovisuais
ou de outros processos técnicos semelhantes de que o tribunal possa dispor.
3 — A gravação deve ser disponibilizada às partes, no prazo de dois dias a contar do
respetivo ato.
4 — A falta ou deficiência da gravação deve ser invocada, no prazo de 10 dias a contar
do momento em que a gravação é disponibilizada.
5 — A secretaria procede à transcrição de requerimentos e respetivas respostas,
despachos e decisões que o juiz, oficiosamente ou a requerimento, determine, por despacho
irrecorrível.
6 — A transcrição é feita no prazo de cinco dias a contar do respetivo ato; o prazo para
arguir qualquer desconformidade da transcrição é de cinco dias a contar da notificação da
sua incorporação nos autos.
7 — A realização e o conteúdo dos demais atos processuais presididos pelo juiz são
documentados em ata, na qual são recolhidas as declarações, requerimentos, promoções e
atos decisórios orais que tiverem ocorrido.
8 — A redação da ata incumbe ao funcionário judicial, sob a direção do juiz.
9 — Em caso de alegada desconformidade entre o teor do que foi ditado e o ocorrido, são
feitas consignar as declarações relativas à discrepância, com indicação das retificações a

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Vícios dos actos processuais: alguns apontamentos sobre problemas colocados pelo CPC de
2013

efetuar, após o que o juiz profere, ouvidas as partes presentes, decisão definitiva, sustentando
ou modificando a redação inicial.” (negrito acrescentado)
À audiência prévia aplica-se este regime, por força do disposto no artigo 591º/4.

2. Qualificação da falta ou deficiência da gravação como nulidade processual e


possibilidade da sua arguição em recurso, à luz do CPC de 1961
Levanta-se a questão de saber se as irregularidades da gravação configuram nulidade
processual e, em caso afirmativo, qual o meio processual adequado para arguir essa nulidade,
se a reclamação ou se o recurso.
Sobre esta questão já escreveu Maria Adelaide Domingos, em 30/10/2012, no contexto
do processo legislativo conducente ao actual CPC, num estudo intitulado “Recursos – um olhar
convergente sobre aspetos dissonantes: questões práticas”, constante de um e-book do CEJ
sobre o novo processo civil (Caderno II) (in
http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/Caderno_II_Novo%20_Processo_Civil
.pdf ).
A Autora dá conta dos contornos desse problema à luz do anterior CPC, referindo que
uma corrente jurisprudencial tendia a considerar que as irregularidades da gravação podiam
ser arguidas em recurso. Como explica a Autora:
“*…+ quando as gravações dos depoimentos apresentam deficiências, colocam-se dúvidas
sobre o tempo e modo de arguição das mesmas e quais as suas consequências.
*…+
O regime vigente instituído pelo Decreto-Lei n.º 39/95, de 15/02, não prevê uma data
limite para ser requerida a entrega das fitas magnéticas contendo a gravação, atualmente, o
CD com a gravação.
Prevê tão só um prazo de 8 dias para serem entregues, após terem sido solicitadas (artigo
7.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 39/95).
A deficiência da gravação, que pode ir desde a impercetibilidade total ou parcial de algum
ou de todos os depoimentos, constituiu uma nulidade, por poder influir no exame e decisão
sobre a matéria de facto.
Alguns entendem que se enquadra no regime das nulidades processuais e segue o regime
de arguição dos artigos 201.º e seguintes do CPC (Ac. RL, de 25/05/2010, proc.
179/05.5TBSRQ.L1-8, www.dgsi.pt).
Outros entendem, que se trata de uma irregularidade especial com um regime especial de
arguição, imposto pelo manifesto interesse de ordem pública que se visa alcançar com a

194
Vícios dos actos processuais: alguns apontamentos sobre problemas colocados pelo CPC de
2013

gravação, conforme decorre do regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 39/95 (Ac. STJ, de
16/12/2010, proc. 170/06.4TCGMR.G1, www.dgsi.pt).
A questão dissonante reside no seguinte:
Se as deficiências apenas forem detetadas aquando da elaboração da minuta do recurso,
decorridos mais de 10 dias após a entrega do suporte e no limite do esgotamento do prazo de
interposição do recurso, influindo as deficiências na apreciação no exame e decisão da
impugnação da matéria de facto, poderá a parte argui-las em sede de alegações? Ou a
nulidade encontra-se sanada por não ter sido arguida atempadamente, força do disposto nos
artigos 201.º e 205.º, n.º1, do CPC?
As respostas da jurisprudência têm evoluído, e apesar de tudo, parecem tender a alguma
consensualização.
Partindo da constatação que não compete à parte controlar as boas ou más condições da
gravação, que é razoável que esta apenas ouça as gravações no momento em que elabora as
alegações (o que poderá fazer até ao ultimo dia do prazo para interpor recurso motivado), e,
por outro lado, a impossibilidade de se apurar o momento exato em que a parte se apercebeu
da deficiência, tem alguma jurisprudência defendido a admissibilidade da arguição em sede de
alegações (Cfr. entre outros, Ac. RL, de 15/05/2011, proc. 64/1996.L1-2, www.dgsi.pt).”.

Identicamente, no sentido da possibilidade de arguição das irregularidades da gravação


em sede de alegações, RP, 8-10-2012
(http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/e94f63841075a28580257
a9f005686a9?OpenDocument):
“I- A falta ou a falha na gravação da prova constitui nulidade processual nos termos
definidos pelo art.º 201.º n.º1 do C.P.CIVIL, pois trata-se de irregularidade susceptível de influir
no exame e decisão da causa, desde logo por retirar ao recorrente a possibilidade de impugnar
em sede de recurso o julgamento da matéria de facto.
II- A tal nulidade será aplicável o regime das nulidades atípicas, aplicando-se a regra geral
sobre o prazo de arguição consignada no artº 205.º nº 1, 2ª parte, do Código de Processo Civil,
sendo que, e no que tange à sua tempestividade a mesma pode ser arguida nas alegações do
recurso de apelação.
III- Às partes não incumbe o ónus de controlar a qualidade das gravações realizadas, pois
que a lei preceitua que serão realizadas pelo próprio Tribunal, nem tal lhes é possível verificar,
tratando-se de acto que não é imediatamente perceptível.”.

195
Vícios dos actos processuais: alguns apontamentos sobre problemas colocados pelo CPC de
2013

Veja-se também RP 17-4-2012, salientando, diversamente, que a possibilidade de arguir o


vício nas alegações não se sobrepõe ao ónus de arguir o vício no prazo de 10 dias após o seu
conhecimento
(http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/9097d5e9a6d0e9cf80257
9ed004f1da2?OpenDocument):
“I – A nulidade decorrente da deficiente gravação da audiência pode ser arguida dentro
do prazo da alegação de recurso, salvo se se demonstrar que o reclamante teve conhecimento
do vício mais de dez dias antes do termo desse prazo, podendo tal alegação ter lugar nessa
própria alegação;
II – A arguição dessa nulidade não tem a virtualidade de suspender o prazo para a
apresentação das alegações então em curso desde logo porque se trata de um prazo
processual, estabelecido por lei, sendo, por isso, contínuo.”.

Veja-se, ainda, RP 09-6-2010, que, além de conter um bom relato dos problemas que, na
prática, se colocavam quanto à audibilidade das gravações, trata do motivo pelo qual se
justifica que as respectivas deficiências consubstanciem nulidade
(http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/26d64c1bbb069ece80257
7970047d1ac?OpenDocument):
“O artº 201º do Código de Processo Civil, com décadas de experiência e redigido num
tempo de mais cuidadas técnicas de elaboração legislativa, estabelece que as irregularidades
cometidas no processo só produzem nulidade, na ausência de estatuição legal nesse sentido,
como ocorre na presente situação, quando ela possa influir no exame e decisão da causa,
devendo ser um sentido próximo deste aquele que se há-de atribuir ao referido artº 9º [do DL
39/95, de 15 de Fevereiro]. Se o Tribunal de 1ª instância, depois de ouvidas as testemunhas e
tendo em conta os demais elementos de prova dos autos define quais os factos provados e
quais os não provados e parte de um depoimento gravado não for perceptível, a sua não
repetição, tanto mais que o recorrente o invoque, terá sempre repercussões na decisão da
causa, pelo menos no sentido que impede o Tribunal de 2ª instância de verdadeiramente
reapreciar a decisão proferida sobre a matéria de facto, diminuindo a amplitude do direito ao
recurso.”

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Vícios dos actos processuais: alguns apontamentos sobre problemas colocados pelo CPC de
2013

3. Conhecimento oficioso da irregularidade da gravação, à luz do CPC de 1961 e do art.


9º, do DL 39/95
No direito anterior ao CPC de 2103, além do problema de saber se as deficiências da
gravação consubstanciavam nulidade processual e podiam ser arguidas em recurso, levantava-
se ainda a questão de saber se o vício era de conhecimento oficioso pela Relação.

Como salienta ainda Maria Adelaide Domingos, no estudo já referido, parecia que a
questão devia ser respondida de modo afirmativo, atendendo ao disposto no artigo 9º, do DL
n.º 39/95:
“Também tem surgido como controvertido saber se a Relação pode oficiosamente
conhecer da nulidade quando se apercebe das deficiências da gravação, sem que a mesmas
tenha sido arguidas pelas partes.
A resposta positiva baseia-se no artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 39/95, na medida em que
estipula “Se, em qualquer momento, se verificar que foi omitida qualquer parte da prova ou
que esta se encontre imperceptível, proceder-se-á à sua repetição sempre que for essencial ao
apuramento da verdade.” (Cfr. Ac. STJ, de 16/12/2010, proc. 170/06.4TCGMR.G1; Ac. RP, de
23/02/2010, proc. 4595/05.4TBSTS.P1; Ac. RP, de 23/11/2009, proc. 640/08.0TTMTS.P1,
todos em www.dgsi.pt; Ac. RL, de 24/03/2010, CJ 2010, II, P.160).”.

4. A solução do artigo 155º, do CPC de 2013: as irregularidades da gravação não devem


ser arguidas nas alegações de recurso nem são de conhecimento oficioso;
articulação, quanto a este último aspecto, com o artigo 662º/2, a)
O artigo 155º, do novo CPC, contém regras específicas sobre a invocação das
irregularidades da gravação, das quais parece resultar que estas não podem ser arguidas nas
alegações de recurso.

Como explica Maria Adelaide Domingos (no artigo já referenciado), a este propósito:
“ Suscita-se a dúvida se o n.º 2 do artigo 157.º [correspondente ao n.º 2 do artigo 155º do
CPC de 2013] vai ser interpretado no sentido da disponibilização da gravação do ato, ser
oficiosa, sem precedência de requerimento da parte.
E se assim for, parece ser de entender que o recorrente deixa de poder arguir a nulidade
emergente das deficiências da gravação apenas em sede de alegações, recaindo sobre o
mesmo o ónus de conferir a conformidade da gravação, nos 10 dias seguintes à sua
disponibilização (n.º 4 do artigo 157.º) e arguir, nesse prazo, a nulidade”.

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Vícios dos actos processuais: alguns apontamentos sobre problemas colocados pelo CPC de
2013

As regras do artigo 155º, do CPC de 2013, parecem ainda sobrepor-se, no domínio do


processo civil, ao artigo 9º, do DL n.º 39/95, do que resultaria que as irregularidades da
gravação não são de conhecimento oficioso. Quanto a este último aspecto, porém, haverá que
atender ao disposto no artigo 662º acerca dos poderes da Relação de modificação da decisão
sobre a matéria de facto, que aponta para uma conclusão diferente.
Acerca da questão do conhecimento oficioso das irregularidades da gravação assinala
ainda Maria Adelaide Domingos, no estudo já várias vezes citado:
“Fica, ainda a dúvida, se desaparece a previsão do atual artigo 9.º do Decreto-Lei n.º
39/95 que tem permitido o conhecimento oficioso das deficiências da gravação.
Ou seja, se a nulidade não for atempadamente arguida, e se a Relação constar que a
deficiência compromete a compreensão do depoimento, sendo o mesmo essencial para
apreciar a impugnação, qual a solução?
Deixa de reapreciar e decide com base nos demais meios probatórios, se os houver?
Caberá esta possibilidade na alínea a), do artigo 663.º [correspondente ao artigo 662º/2, alínea
a), do CPC de 2013], entendendo-se que há séria dúvida sobre o sentido do depoimento e
ordena-se a renovação daquele meio probatório perante a Relação?”.
Julga-se que a solução correcta é esta última. Não faria sentido que a Relação, em caso de
dúvida fundada sobre a prova realizada, pudesse ordenar a produção de novos meios de prova
(cfr. o artigo 662º/2, b)), mas já não pudesse ordenar a renovação de um meio de prova
anteriormente produzido; excluir o conhecimento oficioso de uma irregularidade da gravação
e, como tal, reduzir o âmbito do controlo pela Relação por um motivo tão singelo, constituiria,
na verdade, um retrocesso no nosso sistema.

5. Recurso da decisão que indefira uma arguição de nulidade por irregularidade da


gravação, à luz do CPC de 2013
A decisão que indefira uma arguição de nulidade por irregularidade da gravação parece
ser recorrível com fundamento no artigo 630º/2, porque esta irregularidade afecta a
possibilidade de controlo, pela Relação, da decisão da matéria de facto e, desse modo, a
aquisição processual de factos; pode eventualmente entender-se também que a irregularidade
afecta o contraditório, na sua expressão de direito à prova, assim preenchendo a previsão do
artigo 630º/2.

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Vícios dos actos processuais: alguns apontamentos sobre problemas colocados pelo CPC de
2013

VIII. Vícios e reforma da sentença


1. Não proferimento da sentença no prazo legal
Não implica qualquer vício da sentença o seu proferimento fora do prazo, porque o prazo
não é peremptório.

É o que se extrai das seguintes disposições:


“Artigo 607.º
1 - Encerrada a audiência final, o processo é concluso ao juiz, para ser proferida sentença
no prazo de 30 dias *…+
*…+”.
“Artigo 156.º
*…+
4 – Decorridos três meses sobre o termo do prazo fixado para a prática de ato próprio do
juiz, sem que o mesmo tenha sido praticado, deve o juiz consignar a concreta razão da
inobservância do prazo.
5 – A secretaria remete, mensalmente, ao presidente do tribunal informação discriminada
dos casos em que se mostrem decorridos três meses sobre o termo do prazo fixado para a
prática de ato próprio do juiz, ainda que o ato tenha sido entretanto praticado, incumbindo ao
presidente do tribunal, no prazo de 10 dias contado da data de receção, remeter o expediente
à entidade com competência disciplinar.”.

2. Vícios da sentença e vícios dos despachos


O preceito referente à aplicação, aos despachos, das regras atinentes aos vícios e reforma
da sentença, foi ligeiramente alterado com a revisão do Código, passando agora a dizer o
seguinte:
“Artigo 613.º
Extinção do poder jurisdicional e suas limitações
1 — Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz
quanto à matéria da causa.
2 — É lícito, porém, ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a
sentença, nos termos dos artigos seguintes.
3 — O disposto nos números anteriores, bem como nos artigos subsequentes, aplica-se,
com as necessárias adaptações aos despachos.” (negrito acrescentado).

199
Vícios dos actos processuais: alguns apontamentos sobre problemas colocados pelo CPC de
2013

O CPC de 1961 utilizava, no art. 666º/3, uma redacção diferente: dizia que a aplicação das
regras relativas aos vícios e reforma da sentença devia ser feita, até onde seja possível, aos
próprios despachos. Supõe-se, porém, que a alteração de redacção não tem nenhum
significado.

3. Esclarecimento de dúvidas pelo juiz


O art. 666º/2 do CPC de 1961 dizia que o juiz podia, mesmo depois do proferimento da
sentença, esclarecer dúvidas existentes na sentença.
Essa possibilidade não passou para o Código actual: veja-se o correspondente artigo
613º/2.
A supressão da referência justifica-se pela circunstância de a obscuridade ou ambiguidade
da sentença que tornem ininteligível a decisão deverem ser resolvidas através da arguição de
nulidade, nos termos do artigo 615º/1, c).

4. Rectificação de erros materiais


O regime da rectificação de erros materiais do novo CPC (art. 614º) não apresenta
inovações de monta relativamente ao regime do anterior Código.

5. Ininteligibilidade da decisão como causa de nulidade da sentença


Com o novo Código, deixou de figurar como causa de nulidade da sentença a omissão “no
que respeita à fixação da responsabilidade por custas, nos termos do n.º 4 do artigo 659º”,
que passa agora a estar prevista no artigo 614º/1, enquanto causa de rectificação de erros
materiais da sentença.

A inovação mais importante consiste, porém, em consagrar, como causa de nulidade da


sentença, a ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível: veja-se o novo
artigo 615º/1, c). Concomitantemente, desaparece a possibilidade de a parte requerer no
tribunal que proferiu a sentença o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade da
decisão ou dos seus fundamentos, requerimento esse que seria feito na alegação, se da
decisão coubesse recurso (regime este que estava previsto no artigo 669º, do CPC de 1961).
É o seguinte o teor do novo artigo 615º:
“Artigo 615.º
Causas de nulidade da sentença
1 — É nula a sentença quando:

200
Vícios dos actos processuais: alguns apontamentos sobre problemas colocados pelo CPC de
2013

a) Não contenha a assinatura do juiz;


b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade
ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar -se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de
questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 — A omissão prevista na alínea a) do número anterior é suprida oficiosamente, ou a
requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que
proferiu a sentença, devendo este declarar no processo a data em que apôs a assinatura.
3 — Quando a assinatura seja aposta por meios eletrónicos, não há lugar à declaração
prevista no número anterior.
4 — As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante
o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso,
no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.” (negrito acrescentado).

O Professor Lebre de Freitas, num estudo intitulado “Sobre o novo Código de Processo
Civil (uma visão de fora)” (in http://www.oa.pt/upl/%7Ba3edae75-10cb-46bc-a975-
aa5effbc446d%7D.pdf) critica a solução, que considera excessiva, por entender que as partes
têm o direito de compreender a sentença, não apenas a sua parte decisória (como agora se
prevê) mas também os seus fundamentos, podendo a finalidade de evitar abusos ser
prosseguida com a possibilidade de requerer a aclaração em recurso, não esperando a
interposição deste pela resposta do juiz quanto ao pedido de aclaração (além de que a sanção
para os abusos deve ser encontrada no regime da litigância de má fé):
“Em nome da repressão do abuso de direitos processuais, é suprimida a faculdade de
pedir o esclarecimento da sentença.
É facto que os advogados das partes frequentemente recorriam sem fundamento à
reclamação por obscuridade da decisão, amiúde para assim ganharem tempo antes de se
decidirem quanto ao recurso a interpor. E é facto igualmente que os juízes usavam
sistematicamente indeferir o pedido de esclarecimento, ainda quando, nos casos em que ele
se justificava, iam dizendo qual o sentido da decisão tomada. Por essa ser a realidade de facto,
o DL 303/2007 veio determinar que o pedido de esclarecimento passasse a ser feito na
alegação de recurso (art. 669.º-3 do código revogado): o juiz não ficava desobrigado de
apreciar o requerimento (art. 670.º-1 do código revogado), mas a interposição do recurso

201
Vícios dos actos processuais: alguns apontamentos sobre problemas colocados pelo CPC de
2013

deixava de aguardar essa apreciação. Simultaneamente, o DL 303/2007 deixou expresso, em


sentido oposto à interpretação corrente nos tribunais, que não só a parte decisória da
sentença, mas também os seus fundamentos, podiam ser objeto do pedido de esclarecimento.
Esta possibilidade é, além do mais, pedagógica: a parte tem direito a compreender
integralmente o que o juiz decide e porque decide, tal contribuindo para a transparência da
justiça. Quanto ao abuso, a forma adequada para o reprimir é a sanção por má fé, não a
supressão dum meio que, criteriosamente utilizado, é útil. Optando por esta via e deixando
subsistir apenas, como fundamento de nulidade, a ininteligibilidade da parte decisória, que
muito raramente ocorre (art. 615-1-c), a proposta optou pelo caminho mais fácil, mas talvez
não pela solução mais equilibrada.”.

6. Reforma da sentença
O regime referente à reforma da sentença quanto a custas e multa foi em parte alterado,
levantando-se agora um problema (suscitado pelo n.º 3) quanto ao requerimento, em recurso,
dessa reforma, de que dá conta Pereira Gil (in
http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/NCPC_Confronto_VCPC.pdf).
Determina o art. 616º:
“Artigo 616.º
Reforma da sentença
1 — A parte pode requerer, no tribunal que proferiu a sentença, a sua reforma quanto a
custas e multa, sem prejuízo do disposto no n.º 3.
2 — Não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a
reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz:
a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica
dos factos;
b) Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si,
impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.
3 — Cabendo recurso da decisão que condene em custas ou multa, o requerimento
previsto no n.º 1 é feito na alegação.” (negrito acrescentado)

Segundo Pereira Gil, no estudo acima assinalado:


“O nº 3 corresponde ao nº 3 do artigo 669º do CPC, inovando na qualificação da decisão
passível de recurso. Significa isto que a reforma a que alude o nº 1 tem que ser feita na
alegação de recurso sempre que a decisão que condena em custas ou multa seja de per si

202
Vícios dos actos processuais: alguns apontamentos sobre problemas colocados pelo CPC de
2013

recorrível ou basta que a decisão em que está incluída a condenação tributária ou em multa
objecto de reforma seja recorrível pelas regras gerais? A qualificação no NCPC parece apontar
no primeiro sentido. Mas se assim for, dado o disposto no artigo 635º, nº 3, do NCPC (artigo
684º, nº 2, 2ª parte do CPC), parece injustificado que cabendo recurso da sentença, se cinda a
reforma quanto a custas multa da restante matéria decidida na sentença objecto de recurso”.

7. Processamento da questão da nulidade da sentença ou da sua reforma


O processamento subsequente da questão da nulidade da sentença ou da sua reforma
sofreu algumas modificações no novo CPC, como resulta da comparação entre o actual artigo
617º e o artigo 670º do Código anterior.
São de salientar os novos n.ºs 4, 5 e 6 do artigo 617º:
“Artigo 617.º
Processamento subsequente
1 — Se a questão da nulidade da sentença ou da sua reforma for suscitada no âmbito de
recurso dela interposto, compete ao juiz apreciá-la no próprio despacho em que se pronuncia
sobre a admissibilidade do recurso, não cabendo recurso da decisão de indeferimento.
2 — Se o juiz suprir a nulidade ou reformar a sentença, considera-se o despacho proferido
como complemento e parte integrante desta, ficando o recurso interposto a ter como objeto a
nova decisão.
3 — No caso previsto no número anterior, pode o recorrente, no prazo de 10 dias, desistir
do recurso interposto, alargar ou restringir o respetivo âmbito, em conformidade com a
alteração sofrida pela sentença, podendo o recorrido responder a tal alteração, no mesmo
prazo.
4 — Se o recorrente, por ter obtido o suprimento pretendido, desistir do recurso, pode
o recorrido, no mesmo prazo, requerer a subida dos autos para decidir da admissibilidade da
alteração introduzida na sentença, assumindo, a partir desse momento, a posição de
recorrente.
5 — Omitindo o juiz o despacho previsto no n.º 1, pode o relator, se o entender
indispensável, mandar baixar o processo para que seja proferido; se não puder ser apreciado
o objeto do recurso e houver que conhecer da questão da nulidade ou da reforma, compete
ao juiz, após a baixa dos autos, apreciar as nulidades invocadas ou o pedido de reforma
formulado, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o previsto no n.º 6.
6 — Arguida perante o juiz que proferiu a sentença alguma nulidade, nos termos da
primeira parte do n.º 4 do artigo 615.º, ou deduzido pedido de reforma da sentença, por

203
Vícios dos actos processuais: alguns apontamentos sobre problemas colocados pelo CPC de
2013

dela não caber recurso ordinário, o juiz profere decisão definitiva sobre a questão suscitada;
porém, no caso a que se refere o n.º 2 do artigo anterior, a parte prejudicada com a
alteração da decisão pode recorrer, mesmo que a causa esteja compreendida na alçada do
tribunal, não suspendendo o recurso a exequibilidade da sentença.” (negrito acrescentado)

Sobre estes n.ºs 4, 5 e 6, refere Pereira Gil, no estudo já assinalado:


“O nº 4 é inovador e inspira-se no antigo regime dos agravos quando se verificava a
reparação do agravo.
A primeira parte do nº 5 tem alguma correspondência com a segunda parte do nº 5 do
CPC, passando a baixa do processo a não ser imperativa. A segunda parte do nº 5 é inovadora.
O nº 6 é em certa medida inovador, regressando a segunda parte ao regime previsto no
nº 4 do artigo 670º do CPC, na redacção introduzida pelo decreto-lei nº 180/96, de 25 de
Setembro”.

204
Incidentes da instância

[Carlos Lopes do Rego]


Incidentes da instância

Incidentes da instância
Carlos Lopes do Rego

Sumário:
I – As questões que o novo CPC suscita imediatamente:
a) As normas transitórias;
b) Conteúdo e significado dos Art.os 3.º, 5.º e 6.º
II – O desafio à cultura instalada. As diversas abordagens
III – Os institutos de difícil absorção. Exemplos:
 O activismo judiciário;
 A gestão processual;
 A tramitação da Acção Declarativa
IV – As consequências relacionais
V – O Centro de Estudos Judiciários e a Ordem dos Advogados
 A formação inicial e a formação contínua
VI – O Ministério da Justiça
VII – Os Conselhos Superiores da Magistratura e do Ministério Público
VIII – A Organização Judiciária
IX – A perspectiva a curto e médio alcance

207
Incidentes da instância

I – Intervenção de terceiros:

1. Manutenção da tipologia das formas de intervenção de terceiros em causa


pendente, estruturalmente condicionadas pela natureza da situação jurídica invocada como
base da legitimidade para intervir e da sua conexão com a relação material controvertida,
permitindo distinguir os tipos de incidentes consoante ocorra:
 invocação de um direito próprio, paralelo ao de alguma das partes primitivas, com
quem o interveniente se pretende associar;
 alegação de um direito incompatível juridicamente com a pretensão do A.;
 invocação de uma situação jurídica dependente ou subordinada da relação material
controvertida, (visando o interveniente auxiliar, numa posição subordinada, a parte de
cujo direito está dependente);
 bem como da iniciativa da intervenção (intervenção espontânea ou provocada);
 e dos poderes que assistem ao interveniente no confronto das partes primitivas
(estatuto de parte principal ou de parte acessória).

2. Principais alterações introduzidas pela reforma:


2.1. Eliminação da figura da intervenção coligatória activa – art. 311º – por o interesse
em intervir, com base numa relação autónoma, embora conexa, com a controvertida entre as
partes não justificar - num sistema que permite amplamente a apensação de acções na fase de
instrução e julgamento – a perturbação causada pela intervenção tardia na tramitação da
causa pendente, na fase dos articulados, necessariamente repetidos no confronto do
interveniente (Ex.: acidente de viação com múltiplos lesados, não sendo admissível a
superveniente dedução das suas pretensões indemnizatórias na acção iniciada apenas por um
dos lesados, obrigando a repetir a fase dos articulados sempre que um dos lesados deduz a sua
pretensão).
Mantêm-se, porém, as situações de admissibilidade da intervenção coligatória ressalvadas
por lei especial, obviamente não derrogada pelo CPC (acidentes de trabalho que
simultaneamente se configuram como acidentes de viação, reclamação de dívidas
hospitalares).

2.2. Redefinição do campo da intervenção principal provocada – art. 316º – operando a


substituição da amplíssima cláusula geral que delimitava o âmbito da intervenção principal
provocada (facultando o chamamento relativamente a todos os que tivessem o direito de

208
Incidentes da instância

intervir na causa pendente, como associados quer do chamante, quer da parte contrária –
antigo art. 325º) por um sistema de tipificação, assente na natureza e indispensável
atendibilidade e relevância do interesse que legitima o chamamento (já que nem todos os
casos que justificam a intervenção espontânea devem permitir a dedução da intervenção
provocada), distinguindo-se:
a) os casos de litisconsórcio necessário, em que o chamamento, amplissimamente
facultado, visa assegurar um pressuposto processual;
b) os casos de chamamento, pelo primitivo A., de litisconsortes voluntários ou
subsidiários do R., contra os quais , alterando a sua estratégia processual originária,
pretenda dirigir também supervenientemente a sua pretensão, ampliando o objecto e
o âmbito subjectivo do litígio;
c) os casos de chamamento, suscitado pelo R.:
 quer de possíveis litisconsortes passivos ou condevedores da relação material
controvertida, não demandados pelo A./credor, de modo a operar uma defesa
conjunta ou assegurar a efectivação do direito de regresso; porque não há
chamamento sem interesse atendível (fica claro que demandado apenas o
devedor principal, não pode este chamar a intervir o mero garante da obrigação,
contra o qual nunca poderá ter direito de regresso, e que o credor não curou de
responsabilizar pelo débito).
 quer de possíveis litisconsortes voluntários do A., obtendo por esta via uma
apreciação global e definitiva do litígio, no confronto de todos os possíveis
interessados activos, contra os quais formula uma espécie de pretensão negatória
de apreciação do respectivo direito, não exercitado em juízo contra o
R./chamante (ex: o possuidor ou detentor da coisa, demandado apenas por um
dos comproprietários, requer a intervenção, na acção de reivindicação de todos
eles, a fim de, no confronto de todos eles, demonstrar a inverificação do direito à
restituição da coisa reivindicada).
d) Eliminam-se, assim, os casos em que a intervenção se esgotaria na formulação de um
mero convite para intervir, totalmente desprovido de efeitos se o
interveniente/chamado não deduzisse efectivamente o seu direito – só neste caso
apreciado na sentença, em termos de constituir caso julgado – cfr. o antigo art. 328º,
nº2, al. a) (ex: intervenção, provocada pelo autor, de possíveis litisconsortes
voluntários activos, para deduzirem na causa os respectivos direitos, paralelos aos do
A./chamante: um dos comproprietários desencadeia a acção de reivindicação, não

209
Incidentes da instância

tendo qualquer utilidade o chamamento por este dos restantes comproprietários que
com ele se não quiseram associar inicialmente na lide).

2.3. Alteração da tramitação da intervenção principal espontânea, – art. 315º –


eliminando-se o ónus de cumulação da oposição ao incidente com a resposta à matéria da
causa principal e estabelecendo a imediata decisão sobre a admissibilidade da intervenção
requerida, obedecendo ao seguinte figurino:
 requerimento de intervenção;
 apreciação liminar;
 resposta das partes primitivas;
 decisão imediata sobre a admissibilidade do incidente;
 só depois se processando a apresentação entre as partes dos articulados subsequentes
que a forma processual comporte (amplamente restringidos com a adopção, na versão
actual do CPC, da forma única de processo declaratório comum).

2.4. Restrição à admissibilidade da intervenção acessória provocada – art. 322º –


facultando-se ao juiz – como reflexo do reforço dos poderes de gestão processual - uma
apreciação definitiva, prudencial e casuística da relevância e seriedade da suscitação do
incidente – e limitando para 60 dias o prazo de consumação de todas as citações originadas
pelo incidente.

2.5. Exigência de que, na oposição provocada - art. 338º - o opoente que declara estar
disposto a satisfazer a prestação - só não o fazendo por desconhecer a verdadeira identidade
do credor - consigne logo em depósito a quantia ou coisa devida: deste modo, o alegado
reconhecimento pelo R. da obrigação tem logo de se corporizar em factos (o depósito do
objecto da dívida que se alega reconhecer), como condição de prosseguimento do incidente,
de modo a desincentivar possíveis manobras dilatórias do demandado.

II – O incidente de justo impedimento:

 como causa da prorrogação de um prazo peremptório para a prática de acto


processual a parte ( art. 140º);
 como causa de um excepcional adiamento da audiência marcada por acordo de
agendas ( art.603º) ;

210
Incidentes da instância

 como causa da excepcional admissibilidade de os actos da parte serem praticados por


meios não compreendidos na tramitação electrónica ( art. 144º, nº8).

211
Videogravação da comunicação

Vídeo 1 Vídeo 2

212
Ónus da impugnação

[Maria dos Prazeres Pizarro Beleza]


Ónus da impugnação

Ónus da impugnação 1
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

1. Repartição do tema

De acordo com a repartição que o Senhor Conselheiro Salazar Casanova e eu fizemos do


tema comum da intervenção, Ónus da alegação e ónus da impugnação, coube-me prestar
particular atenção ao ónus da impugnação.
Não faz sentido repetir exposições; no entanto, dada a estreita relação entre um e outro
ónus, começo por fazer um brevíssimo apanhado da solução consagrada no Código de
Processo Civil 2013 quanto à alegação de factos, com o objectivo de a estabelecer.

2. Princípio dispositivo, alegação e impugnação de factos:

Suponho que existe uma ligação estreita entre o ónus da alegação e o ónus da
impugnação de factos, porque penso que, para além das razões que se costumam apontar
para a imposição do ónus da impugnação,

• forçar a parte a tomar posição sobre os factos alegados pela parte contrária,
responsabilizando-a pelas afirmações de facto,
• disciplina processual,
• sendo que é a parte quem tem melhor conhecimento dos factos, aproveitar esse
conhecimento, impondo-lhe um ónus que a “incita” a colaborar, pois não é indiferente
ao tribunal ter ou não uma versão bilateral dos factos…

As consequências ligadas ao respectivo incumprimento são ainda uma importante


manifestação da força do princípio dispositivo no processo civil vigente:

1
Notas que serviram de base à intervenção realizada no dia 24 de Janeiro de 2014, nas Jornadas de
Processo Civil organizadas pelo Centro de Estudos Judiciários.

215
Ónus da impugnação

• porque, de um acto da parte (de uma omissão, ou melhor, do seu silêncio), a lei retira
a consequência de que o facto não impugnado se tem como assente
vinculativamente para o tribunal, que não pode submetê-lo a prova para averiguar se
ocorreu ou não;
• SALVO quanto aos factos instrumentais, porque aí a admissão por acordo, que se
presume, pode vir a ser “afastada por prova posterior” (nº 2 do 574º);0
• MAS quanto aos factos instrumentais, também não vale o princípio dispositivo para
a alegação: podem ser oficiosamente considerados, desde que resultem da instrução
da causa (5º, nº 2, a)). Desapareceu a afirmação expressa que essa consideração podia
ser oficiosa, como estava no ex-264º, nº3; mas o regime permanece.

ISTO É: a imposição do ónus da alegação não é uma consequência necessária do


princípio dispositivo.

• Não existia no Código de Processo Civil 1876, salvo para os chamados processos
cominatórios (ex: despejo).
• O Decreto de 29 de Maio de 1907, que criou o processo sumário; veio cominar a falta
de impugnação com a condenação no pedido.
• O Decreto nº 13979, de 25 de Julho, estendeu ao processo ordinário o ónus da
impugnação, com a cominação de admissão por acordo.
• Daí passou para Decreto nº 21287, de 26 de Maio de 1932, e daí para o Código de
Processo Civil 1939.

MAS a consequência do incumprimento é própria de um processo dispositivo, porque o


facto fica assente em virtude de um acto da parte, sem que o juiz possa submetê-lo a mais
prova.
ASSIM:
3. O novo Código de Processo Civil eliminou a referência ao princípio dispositivo.
• Constava do art 264º, relativo à alegação de factos e aos factos de que o tribunal podia
conhecer [epígrafe: “Princípio dispositivo”].
• O art equivalente, 5º, tem essa epígrafe (“Ónus de alegação das partes e poderes de
cognição do tribunal “); Mas eliminou-se a expressão “princípio dispositivo”.

216
Ónus da impugnação

Não me parece claro o objectivo da eliminação; admito que se tenha pretendido dar a
indicação de que se quis acentuar o aumento de poderes do juiz, face aos poderes das partes.

A verdade é que o princípio dispositivo continua a valer quanto aos aspectos


fundamentais do processo; como não podia deixar de ser, uma vez que os litígios julgados
segundo as regras do Processo Civil respeitam a direitos privados disponíveis, que não podem
ver a sua natureza subvertida por regras processuais.
O Processo Civil é um direito instrumental, como os demais ramos de Direito Processual: o
princípio dispositivo acaba por ser a tradução processual dessa disponibilidade e da autonomia
da vontade.

4. No Processo Civil português, as partes dispõem do objecto do processo, ou seja, do


conjunto formado pelo pedido e pela causa de pedir, ampliado pela eventual
dedução de excepções (o mesmo vale para a reconvenção, pelo que se não trata aqui
autonomamente) - como é natural: natureza privada disponível dos direitos das partes
– e, por essa via, determinam o âmbito dos poderes de cognição do tribunal e do caso
julgado.
A disponibilidade do objecto do processo decorre da natureza disponível dos direitos
apreciados segundo as regras do processo civil.
Deixando agora de lado as questões relativas ao pedido, e demais manifestações do
princípio dispositivo.

5. A causa de pedir, a excepção e a alegação de factos

Questão: saber se o princípio dispositivo vale também para a delimitação dos factos de
que o tribunal pode conhecer para julgar o pedido , integrantes ou não da causa de pedir (ou
fundamentadores da excepção) – ou seja, saber se têm de ser alegados para que o tribunal
deles possa conhecer, se existe um ónus de alegação,

CÓDIGO ANTERIOR (ex-artigo 664º com as limitações previstas no ex-artigo 264º):


1.º – Regra: às partes cabia alegar os factos integrantes da causa de pedir e das excepções
e,
2º – em geral, o tribunal só podia conhecer dos factos alegados pelas partes, salvo
tratando-se de:

217
Ónus da impugnação

• factos notórios (factos de que têm conhecimento as pessoas medianamente


informadas, no espaço geográfico relevante) – ex 514º;
• factos de que o tribunal toma conhecimento em virtude do exercício das
suas funções - ex 514º;
• factos necessários para evitar o uso anormal do processo - ex 665º;
• ou, com certas exigências, de factos instrumentais.

3.º - quanto aos factos complementares ou concretizadores dos factos essenciais,


resultantes da instrução ou discussão da causa, exigia-se uma “alegação a posteriori”: a parte a
quem aproveitavam tinha manifestar a vontade correspondente, para que o tribunal deles
pudesse conhecer.

Como é no Código Novo:

1º- A afirmação (do ex-664º) de que o tribunal está limitado pelos factos alegados pelas
partes não passou para o novo Código.
2º- No artigo 5º, nº 1, diz-se agora que cabe às partes alegar “os factos essenciais que
constituem a causa de pedir e aqueles em que baseiam as exceções invocadas”.
3º- No nº 2, define-se o regime de conhecimento dos factos instrumentais e dos factos
complementares e concretizadores dos que as partes alegaram (não alegados nos articulados,
nem tendo a parte sido convidada a alegá-los, nos termos do artigo 590º).
4º - No artigo 612º, trata-se do regime dos factos notórios e de que o tribunal tem
conhecimento em virtude do exercício das suas funções.

Vejamos então:

1º – Distinção entre factos que integram a causa de pedir e outros factos: remeto para a
exposição anterior. Apenas recordo que os termos da lei aprovada parecem querer distinguir
entre os factos necessários à identificação da causa de pedir e os (demais) factos necessários à
procedência do pedido do autor.

A mesma questão se coloca quanto à delimitação dos factos que integram a excepção
peremptória (individualizam a excepção /são necessários para conseguir a improcedência da
acção).

218
Ónus da impugnação

Quanto às excepções, não se coloca, evidentemente, o problema da ineptidão; mas põe-


se o problema paralelo de saber o que é preciso alegar para que o tribunal conheça da
excepção; e o mesmo se diga quanto aos factos complementares ou concretizadores (também
necessários, não para a identificação, mas para a procedência da excepção).

2º – Do ponto de vista da disponibilidade, que é a que agora me interessa, tem


relevância esta distinção? Há alterações, face ao Código anterior?
Suponho que a resposta seja esta:

1º- Há disponibilidade sobre os factos essenciais (que seguramente integram a causa de


pedir; o mesmo quanto à excepção): o tribunal só pode conhecê-los se forem alegados (nº 1,
do artigo 5º) – alegação directa das partes;
2º- Quanto aos factos complementares ou integradores, (e seja qual for a opinião sobre
o conceito de causa de pedir), a sua utilização pelo tribunal não está dependente de alegação
directa (nº 2, b), do artigo 5º), pode conhecê-los:
• quer tenham sido alegados, inicialmente ou em resposta ao convite ao
aperfeiçoamento feito nos termos do artigo 590º,
• quer não, desde que resultem da instrução da causa (Código anterior, também
da discussão) e que as partes tenham a possibilidade de se pronunciar sobre eles.

Foi eliminado o requisito constante do ex- 264º “desde que a parte interessada manifeste
vontade de deles se aproveitar”, que tinha a função de uma “alegação a posteriori”; presume-
se que a parte quis deles beneficiar.

• Questão: a parte beneficiada tem o direito de se opor à consideração desses factos?


Entendo que sim e, portanto, que ainda estão na disponibilidade da parte. É a solução
conforme com a disponibilidade da relação material.

• Mas esta possibilidade de consideração de factos complementares ou concretizadores


da causa de pedir ou da excepção significa que a parte tem o direito de os alegar
depois dos articulados? Durante a instrução, por exemplo?

219
Ónus da impugnação

Creio que uma resposta afirmativa seria dificilmente compatível com a manutenção das
regras relativas à alegação de factos posteriores aos articulados, definidas a propósito dos
factos supervenientes (588º),ou com as limitações ao convite ao aperfeiçoamento (590º).

Nota importante: há naturalmente que distinguir o ónus de alegação (de factos) e


a preclusão (da possibilidade de alegação).

3º- Quanto aos factos instrumentais, com função probatória, não estão dependentes de
alegação, para poderem ser conhecidos; podem ser utilizados desde que resultem da instrução
da causa e não estão na disponibilidade da parte. Não estão abrangidos pelo ónus de alegação.
E, sendo de conhecimento oficioso, podem ser alegados enquanto puderem ser oficiosamente
conhecidos.

Porquê a diferença? Porque desempenham um função probatória, neste sentido não


autónoma (base de presunções); porque o juiz tem amplos poderes inquisitórios do juiz, no
que respeita à prova – artigo 411º.
Já antes da reforma de 95, o Prof. Antunes Varela defendia que os factos instrumentais,
dada a sua função probatória, podiam ser oficiosamente considerados pelo tribunal.
Razão de ser da necessidade de resultarem da instrução (cfr. actas da Comissão de
Revisão do Código de Processo Civil, presidida por Antunes Varela): delimitação objectiva da
forma como chegaram ao conhecimento do tribunal; imparcialidade do juiz e contraditório.

6. O ónus da impugnação.

É habitual tratar-se da impugnação e do ónus da impugnação a propósito da contestação.


É aliás na contestação que o Código de Processo Civil o regula, definindo o âmbito, as
excepções e a consequência da falta de cumprimento – artigo 574º.
E assim o vou tratar.
Na verdade, porém, não está apenas em causa uma das regras de organização da
contestação, mas antes uma questão mais geral, que se coloca a ambas as partes e em
relação aos factos alegados pela parte contrária (ou até aos conhecidos oficiosamente? ou não
alegados mas resultantes da instrução do processo?).
• Vejamos, por ex:

220
Ónus da impugnação

1º- réplica: o artigo 587º estende a regra do ónus da impugnação à “falta de


apresentação da réplica ou [à] falta de impugnação dos novos factos alegados pelo réu” – ou
seja, à atitude do autor perante a alegação de novos factos pelo réu, seja na reconvenção, seja
na acção de simples apreciação negativa ou seja na excepção, nº 1;
e às excepções deduzidas na réplica, nº 2, o que levanta dificuldades acrescidas na lei
actual, tendo em conta a limitação da réplica e a inexistência de tréplica (quando o autor se
defende por excepção da reconvenção);
2º- vale para os articulados supervenientes – 588º, nº 4;
3º- e quanto aos factos conhecidos oficiosamente? Notórios e etc., e instrumentais? [3º,
nº 3, contraditório!]
4º- e quanto aos factos complementares e concretizadores, resultantes da instrução do
processo?
A lei anterior dizia “desde que tenha sido facultado o contraditório” à parte contrária à
que deles beneficia. Hoje, sem distinguir as partes, diz “desde que sobre eles tenham tido a
possibilidade de se pronunciar”.

7. Continuação
Por facilidade, vou analisar o ónus da impugnação a propósito da contestação; no fim,
chamo a atenção para a necessidade de generalização. Assim:
1º. É habitual distinguir ( 571º, ex 487º), na contestação-defesa,
a defesa
• por impugnação
• por excepção
isto é, não sair do círculo dos factos constitutivos do direito do autor/ alegar contra-
factos, factos novos (excepções peremptórias) ou obstáculos ao conhecimento de mérito
(excepções dilatórias).

2º.Importância da distinção:
a) anteriormente: número de articulados admissíveis. CPC 2013: não releva quanto a
este aspecto, porque só é admissível réplica em caso de reconvenção e nas acções de
simples apreciação negativa. Mantêm-se, no entanto, as exigências do princípio do
contraditório, quanto à possibilidade de resposta à excepção, seja qual for a forma de
a apresentar (na audiência? artº 3º, nº 4? na réplica, se tiver havido reconvenção?);

221
Ónus da impugnação

b) ónus de discriminar as excepções, na contestação, sob pena de os factos que as


integram não se considerarem admitidos por acordo se não forem impugnados pelo
autor, de acordo com a regra da impugnação definida (CPC 2013, art. 572º, c));
c) ónus da prova: a defesa por impugnação, ainda que indirecta, não cria nenhum ónus
da prova para o réu. Mantém-se o ónus da prova do autor, quanto aos factos
constitutivos do direito que invocou.

3º. e, dentro da impugnação,


• impugnação de facto
• impugnação de direito

e, dentro da impugnação de facto,


• impugnação directa,
• impugnação indirecta.

Desenvolvimento:
a. Impugnar de direito, apenas, significa reconhecer os factos alegados;
b. Na perspectiva do ónus da impugnação, só interessa a impugnação de facto. Não há
nenhuma disponibilidade quanto à qualificação jurídica dos factos alegados pelo autor, nem
quanto ao efeito jurídico que deles pretende retirar (ou seja, do pedido e da causa de pedir)

Como se sabe, não há disponibilidade quanto à qualificação jurídica dos factos, nem, em
geral, quanto à solução jurídica do litígio:
• 1 – Não vincula o tribunal, a subsunção dos factos integrantes da causa de pedir (por
exemplo, na responsabilidade contratual ou extracontratual, na qualificação de
contratos ou de vícios);
• 2 – Não vincula o tribunal um eventual acordo das partes sobre qualificações jurídicas
(de contratos, por ex., ou de vícios) ou sobre a aplicação de um determinado regime
legal;
• 3 – O mesmo se diga quanto ao enquadramento jurídico do pedido, desde que
respeitado o efeito prático que o autor pretende de modo diverso daquele que o autor
lhe deu ;
Pex: o autor pediu a declaração de nulidade ou a anulação de um acto que impugna;
mas o efeito “certo” para a causa de pedir invocada é a ineficácia. Pense-se na

222
Ónus da impugnação

impugnação pauliana: o credor quer executar os bens alienados, e até no património


do adquirente. O tribunal pode declarar a ineficácia do acto impugnado, quando foi
pedida a sua anulação? Ou julga improcedente a acção?
Suponho que a resposta seja afirmativa: pode julgar o acto ineficaz.
Acórdão de Uniformização n.º 3/2001 (23.1.2001): Tendo o autor, em acção de
impugnação pauliana, pedido a declaração de nulidade ou a anulação do acto jurídico
impugnado, tratando-se de erro na qualificação jurídica do efeito pretendido, que é a
ineficácia do acto em relação ao autor (n.º 1 do artigo 616.º do Código Civil), o juiz
deve corrigir oficiosamente tal erro e declarar tal ineficácia, como permitido pelo artigo
664.º do Código de Processo Civil (Nota: tem votos de vencido, por causa do 661º, nº 2
anterior).

Vejamos então o ónus da impugnação:

8. Ónus da impugnação definida


Quanto à defesa por impugnação (de facto), o Código de Processo Civil continua a
consagrar o ónus da impugnação definida, ou seja:
O réu tem de tomar posição definida perante os factos alegados pelo autor, sob pena
de se considerarem admitidos por acordo.
Vejamos os pontos que interessam:
1º. O que se entende por posição definida;
2º. De entre os factos alegados pelo autor, a que factos se refere o ónus;
3º. Quais são as consequências da falta de impugnação;
4º. Quais são as excepções ao ónus de impugnação;
5º. Impugnação e simples desconhecimento.

1º– Posição definida:


1– Até à reforma de 1995, falava-se em ónus de impugnação especificada e proibia-se
expressamente a contestação por negação (global, ou genérica).
Utilizando a expressão posição definida, o (então) artigo 490º dizia que se tinham
como admitidos por acordo os factos não impugnados especificadamente.
2– Em 1985 (Decreto-Lei nº 242/85, 9 de Julho, Reforma Intercalar do Processo),
previu-se a possibilidade de impugnação por remissão para os artigos da petição inicial;

223
Ónus da impugnação

3– Em 1995, com o objectivo de atenuar a rigidez, eliminaram-se a expressão


“impugnação especificada” e a proibição expressa da contestação por negação.
Ora:
O alcance, ou o nível de impugnação exigido, deve ser interpretado em função da
razão de ser do ónus correspondente. O que se pretende é que o réu assuma uma posição
quanto aos factos que o autor alega (todos os que são abrangidos pelo ónus de impugnação).

Isso não significa:


1– que tenha de se pronunciar por referência a um por um dos factos. Tendo em conta
a relação que existir entre os factos alegados pelo autor, a impugnação de um facto de que
outros dependem dispensa a impugnação dos factos dependentes;
2– a contestação tem de ser interpretada globalmente: não podem ter-se como
admitidos factos que não foram impugnados directamente, mas que são incompatíveis com
outros que o foram; assim como não se devem considerar impugnados factos que o réu afirma
estar a impugnar, sem o fazer subsidiariamente, quando a versão global da contestação
assenta numa lógica incompatível com essa impugnação;
3– que significa a eliminação da proibição da contestação por negação?
Continuo a entender que não vale como impugnação a negação global, genérica
(incompatível com a razão de ser da imposição do ónus de impugnação definida…).
Ex: Acórdão Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de Dezembro de 2004, www.dgsi.pt,
proc. nº 04A404 – a suficiência da impugnação e a eventual negação global tem de ser avaliada
em cada caso.

4– E os factos negativos? Quando estão suficientemente impugnados?


Tal como quanto ao ónus da prova, não há nenhuma inversão do ónus de alegação
quanto aos factos negativos: não há que afirmar factos positivos contrários.

2º– Factos alegados pelo autor: que factos?


Na definição do conteúdo da petição inicial (552º) e da contestação (572º) diz-se,
quanto à alegação de facto,
• que o autor expõe “os factos essenciais que constituem a causa de pedir” (CPC anterior
dizia “expor os factos”);

224
Ónus da impugnação

• e que o réu “expõe os factos essenciais em que se baseiam as excepções deduzidas”


(CPC anterior dizia “expor as razões de facto e de direito por que se opõe à pretensão
do autor”);
• e, quanto ao ónus da impugnação, que o réu “tem de tomar posição definida perante
os factos que constituem a causa de pedir” (CPC anterior dizia “tomar posição definida
perante os factos articulados na petição”).

Quererá isto dizer que o ónus da impugnação só existe quanto aos factos essenciais –
os tais que constituem a causa de pedir (na perspectiva “minimalista”)?
NÃO: o ónus da impugnação abrange
1- os factos essenciais;
2- os factos complementares ou concretizadores daqueles;
3- os factos instrumentais.

ISTO É:
• Factos complementares: tendo sido alegados pelo autor, recai sobre o réu o ónus de
os impugnar.

A redacção pode induzir um sentido diferente, mas:


• em primeiro lugar, referindo-se a lei aos factos instrumentais, não faria sentido
concluir que o ónus da impugnação abrange os factos instrumentais, se alegados pelo
autor, mas não os factos complementares ou concretizadores;
• em segundo lugar, cfr. artº 590º, nº 6 (limites ao aperfeiçoamento resultante de
convite, no despacho pré-saneador, ex. 508º): prevê-se expressamente que o
aperfeiçoamento, não incida sobre o núcleo da causa de pedir, pois não pode implicar
a respectiva alteração, e não sirva para suprir a falta de impugnação definida.

O convite não pode incidir sobre factos essenciais, no sentido de integradores da causa
de pedir, nem terá grande utilidade para os factos instrumentais. Interessa, sobretudo, para os
factos complementares ou concretizadores dos factos essenciais, alegados pelas partes.

• A DIFERENÇA está em que, quanto aos factos instrumentais (nº 2, do 574º), não é
definitiva a consequência da falta de impugnação definida, porque “a admissão dos

225
Ónus da impugnação

factos instrumentais pode ser afastada por prova posterior”; mas estão abrangidos
pelo ónus de impugnação, se tiverem sido alegados.

3º– Quais são as consequências da falta de impugnação.


A falta de impugnação definida implica que os factos se consideram admitidos por
acordo (por isso se fala de ónus, uma vez que o seu não cumprimento importa consequências
desfavoráveis).

Que significa exactamente isso?


1- No processo: os factos têm-se por assentes (admitidos por acordo; a lei não diz
confessados, como na revelia).

Não é indiferente a escolha das palavras, embora, na prática a diferença entre


confissão e admissão por acordo não seja muito expressiva.
No entanto, revelam diferentes atitudes psicológicas ou diferentes ponderações: a
admissão pode significar, apenas, que a parte não quer discutir um facto, seja por o considerar
irrelevante, seja por outro motivo qualquer. Por isso mesmo, é diverso o regime aplicável a
eventual falta ou vício da vontade. Recorde-se que o regime de anulação ou de declaração de
nulidade, previsto no artigo 359º, do Código Civil, para a confissão expressa, é aplicável à
revelia, com as devidas adaptações.

Na prática, que sucede aos factos não impugnados eficazmente:


• Antes de 95, eram incluídos na especificação, se relevantes;
• Depois de 95, na “lista de factos assentes”;
• Com o CPC 2013, não haverá necessariamente essa lista, sem prejuízo de, na audiência
prévia, poderem ser indicados.
Caberá ao juiz escolher a solução que se lhe afigurar mais adequada, dentro dos poderes
gerais de adequação formal e gestão processual, nomeadamente, fazendo a “lista” dos factos
assentes.
A complexidade da matéria de facto pode recomendá-lo.

• EM QUALQUER CASO, os factos, se relevantes, são considerados na sentença, sem que


sobre eles recaia prova. Sentença ( art. 607º, nº 4).

226
Ónus da impugnação

(Temas da prova genéricos; necessidade de respeito pelos factos assentes, na produção


da prova)
Poderá suceder que, frequentemente, haja factos assentes que respeitem a matéria
incluída nos temas da prova.

“Admissão ficta”: tal como na revelia, também aqui a lei atribui significado declarativo
(de admissão) ao silêncio da parte.
No fundo, há uma presunção de admissão, não ilidível: ficta, como na revelia
(confissão ficta).

2- Fora do processo: não aplicável o regime relativo ao valor extra-processual das


provas (à revelia também não é aplicável).
Suponho que nem será aplicável à admissão expressa (diferentemente do que sucede
com a confissão judicial expressa).

3- E se houver pluralidade de partes?


• não há regra semelhante à da revelia – 568º, a);
• daí não decorre, necessariamente, que se um dos réus não impugnar um facto, o
mesmo se tem como assente quanto a ele e como não assente quanto aos demais;
• embora não se coloque, aqui, o problema da unidade de tramitação (que existe na
revelia), a verdade é que, pelo menos nos casos de litisconsórcio necessário, não
poderá valer a consequência da admissão por acordo apenas por parte dos
litisconsortes.

Assim, acórdão Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de MAIO 2009, www.dgsi.pt, proc.


nº 86/05.1TVPRT.S1, que, aliás trata de várias outras questões interessantes para o tema,
nomeadamente a consideração da admissão por acordo como uma confissão.

4. Excepções ao ónus de impugnação


Art. 574º, nº 2 e nº 4: A falta de impugnação não importa a admissão por acordo:
1ª– “Se [os factos não definidamente impugnados] estiverem em oposição com a
defesa no seu conjunto”.
Razão de ser: Necessidade de interpretação global da contestação, de não a tornar
intrinsecamente contraditória.

227
Ónus da impugnação

Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de Julho de 2008, www.dgsi.pt,


proc. nº 07B3704.

2ª– “Se não for admissível confissão sobre eles” – se não for admissível a confissão,
relativamente aos factos alegados pelo autor e não impugnados pelo réu.
Razão de ser: princípio da submissão aos limites substantivos, instrumentalidade do
processo. Código Civil, art. 354º. Ex: direitos indisponíveis.

3ª “Se só puderem ser provados por documento escrito”


Mesma excepção na revelia, art. 568º, d).
Razão de ser: 364º. Código Civil .
Todos sabemos que um documento escrito pode ser exigido por lei ou por convenção
das partes e, em ambos os casos, como requisito de forma ou apenas de prova. Assim:
Se o documento for exigido por lei como
• requisito de forma;
• requisito de prova.
Tal como sucede na revelia, em que a confissão ficta não pode substituir um
documento exigido por lei como requisito de forma ou de prova (ou seja, o facto em causa não
se considera provado por confissão), em caso algum o documento legalmente exigido pode ser
substituído pela admissão por acordo presumida. Isto porque se um documento é exigido por
lei como requisito de forma de uma declaração, a falta desse documento provoca invalidade
(nulidade) por falta de forma: o documento em falta só pode ser substituído por outro meio de
prova ou outro documento de força probatória superior (364º, nº 1).
Se o documento apenas é exigido, por lei, como requisito de prova, a sua falta não
torna a declaração inválida; mas só por confissão expressa pode ser provado (364º, nº 2).
Razão de ser: a confissão é o meio de prova mais difícil de obter, porque provém da parte a
quem a prova prejudica.

MAS e se a exigência de documento escrito resultar de convenção das partes?


• também pode ser exigido por convenção das partes como
 requisito de forma ;
 requisito de prova.

228
Ónus da impugnação

Se for exigido como forma: a convenção tem como efeito a presunção de que as partes
se não quiseram vincular a não ser pela forma convencionada (art. 223º, Código Civil), e esta
presunção não pode ser elidida por confissão ficta (revelia) ou admissão ficta (ónus da
impugnação) (presunção contra presunção…).
Se for exigido como prova, aplicar-se-á o regime das convenções sobre meios de prova
(art. 345º, Código Civil); se a convenção for válida, o documento em falta não pode ser
substituído por falta de contestação ou de impugnação.

4ª Se o réu for incapaz, ausente ou incerto, quando representado pelo Ministério


Público ou advogado oficioso.
Razão de ser: fácil de ver, protecção dos incapazes.
Não vale quando houver advogado constituído.

Cfr. com a revelia:


• Nunca há revelia operante de réu incapaz;
• Ausentes e incertos: citados editalmente, se permanecerem em situação de revelia
absoluta (desde 1995, anteriormente só se lhes aplicava o regime da revelia se
constituíssem advogado), não se lhes aplicam os efeitos da revelia.

5 – Impugnação e afirmação de desconhecimento


Questão: que consequência tem a afirmação, pelo réu, de que desconhece o facto
alegado pelo autor?
A lei distingue consoante se tratar ou não
• de factos pessoais ;
• de factos de que o réu deva ter conhecimento.

Tratando-se de factos pessoais ou de que o réu deva ter conhecimento, a afirmação de


desconhecimento vale como confissão (sic). No caso contrário, como impugnação.

Razão de ser: fácil de ver. Respeito pela finalidade da regra da impugnação; boa fé;
maior dificuldade de prova para o autor do que para o réu, no caso de factos pessoais deste ou
de factos de que ele tenha ou deva ter conhecimento.
Problema: o que são factos pessoais, nomeadamente em caso de representação (p. ex.
de incapazes, ou quando é réu uma entidade colectiva).

229
Ónus da impugnação

Cfr. depoimento de parte; cfr. Acórdão Supremo Tribunal de Justiça, de 21 MARÇO de


2012, www.dgsi.pt, proc. nº 2359/06.7TVLSB.L1.S1. e “Processo laboral sumário, falta do réu a
julgamento, factos pessoais, poderes do Supremo”, in Colectânea de Jurisprudência, ano XIII,
tomo III, 1988, pág.49 e segs.

9. Aplicação a outros articulados


• Réplica, art. 587º.
• Articulados supervenientes, art. 588º, nº 3, c).

1º- Réplica:
Código anterior, art. 505º: fácil de aplicar. A réplica era admitida para responder às
excepções, à reconvenção, aos factos constitutivos do direito do réu, nas acções de simples
apreciação negativa; sendo admissível, podia ainda ser utilizada para alterar o pedido (não
releva agora) e a causa de pedir.
Era admissível a tréplica para responder às excepções opostas pelo autor à
reconvenção; ou em caso de alteração (do pedido ou) da causa de pedir, na réplica.
Assim, a falta do articulado (réplica, tréplica) ou a falta de impugnação definida, nesse
articulado, dos factos alegados no anterior tinha como consequência a respectiva admissão
por acordo.
Cfr. acórdão Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de Junho de 2008, www.dgsi.pt, proc.
nº 07B3704.

Código de Processo Civil de 2013:


• Manteve, no art. 587º, o mesmo regime (só para a réplica, porque nunca há
tréplica).
ASSIM:
• vigora a mesma solução para contestar a reconvenção e para a resposta aos factos
constitutivos do direito alegado pelo réu, nas acções de simples apreciação
negativa;
• e para as excepções, alegadas pelo réu na contestação,

 ou pelo autor, em resposta à reconvenção


 ou nas acções de simples apreciação negativa?

230
Ónus da impugnação

Não se prevê réplica ou outro articulado para responder às excepções – como funciona
o ónus da impugnação, imposto pela al. c), do artigo 572º e pelo nº 2, do 587º, neste quadro?
Art. 572º, c), 587º, nº 1 e 2: necessidade de individualizar, na contestação ou na
réplica, as excepções, sob pena de não se terem como admitidos por acordo os factos
correspondentes, se não forem (definidamente) impugnados.

Tem de funcionar, seja qual for a forma encontrada para as respostas (na audiência
prévia ou final, art. 3º nº 3, na réplica, em articulado admitido pelo juiz…).

2º– Articulados supervenientes: aplica-se a regra da impugnação definida, sob pena


de admissão por acordo (ou seja, vale o ónus da impugnação definida). Não alterações de
regime, relativamente ao anterior.

10. Conclusões:
Da conjugação entre as regras relativas à alegação de factos e à impugnação (do autor/
do réu, quanto aos factos que fundamentam as excepções), parece-me resultar o seguinte:
• 1ª) Manutenção do ónus da alegação quanto aos factos essenciais.
• 2ª) Manutenção da possibilidade de consideração de factos complementares ou
concretizadores não alegados, desde que resultem da instrução da causa e as
partes tenham a oportunidade de sobre eles se pronunciarem.

No entanto
• desapareceu a “discussão” como “fonte” do conhecimento do facto (“e resultem da
instrução e discussão da causa”, nº 3 do anterior artigo 264º).
• desapareceu expressamente a “alegação a posteriori”, mas suponho que isso só
deve significar que há uma presunção de que a parte quer aproveitar o facto, que
deve ceder se a parte disser que não quer.

• 3ª) Manutenção do regime, quanto aos factos instrumentais:


• são de conhecimento oficioso, não estão dependentes de alegação e podem ser
alegados enquanto puderem ser conhecidos oficiosamente: não existe ónus de
alegação (já não existia, desde 95).

231
Ónus da impugnação

• 4ª) O ónus da alegação não se confunde com a preclusão. (Ónus: se a parte tem de
alegar ou de impugnar, para que o tribunal possa considerar o facto ou a sua
impugnação; preclusão: até quando a parte pode alegar ou impugnar).

Quanto à preclusão:
• atenuada em 1995, com a previsão do convite ao aperfeiçoamento dos articulados
(art. 590º, ex pré-saneador; audiência prévia, ex-preparatória): mantém-se
• tal como não funciona a preclusão para os factos instrumentais;
• e funciona para os tais essenciais da causa de pedir.

E quanto aos complementares ou concretizadores?


Podem ser conhecidos desde que resultem da instrução da causa; significa que podem
ser alegados também depois dos articulados (no sentido de ter a parte o direito de os alegar
depois dos articulados, nomeadamente durante a instrução da causa)?

Problema:
Mantiveram-se as regras:
1– dos limites ao aperfeiçoamento: mantiveram-se os limites do princípio da
concentração da defesa, da falta de impugnação definida, da alteração da causa de pedir
(muito estreita, como se sabe… sem acordo, só aproveitando uma confissão do réu) – art.
590º, nº 6 - valem para o aperfeiçoamento na audiência prévia (art. 591º, nº 1, c));
2– da possibilidade de alegação posterior aos articulados, com a exigência de que se
trate de factos supervenientes (arts. 588º e 611º, que parece que obrigam a concluir no
sentido de que continua a funcionar a regra da preclusão).

5ª) Especificamente quanto ao ónus da impugnação, atenuação real só encontro


quanto aos factos instrumentais, por não ser definitiva a admissão por acordo.

Nota: creio que a eliminação da possibilidade de alteração da causa de pedir, nos


termos anteriores, veio obrigar o autor a uma mais extensa alegação e, portanto, obrigar o réu
à correspondente impugnação.

232
Videogravação da comunicação

Vídeo 1 Vídeo 2

233
Poderes de cognição do juiz em matéria de facto

[Salazar Casanova]
Poderes de cognição do juiz em matéria de facto

Poderes de cognição do juiz em matéria de facto


Salazar Casanova

Sumário:
1. Ónus de alegação
2. Limites dos poderes de cognição
3. Concretização e complementaridade referenciam-se aos factos alegados
4. Factos novos não alegados
5. Insuficiência da alegação com aperfeiçoamento
6. Insuficiência de alegação sem aperfeiçoamento
7. Suficiência dos factos alegados e factos novos resultantes da instrução
8. Sentido interpretativo do artigo 5.º
9. Factos novos integrativos de diversa previsão normativa
10. Alegação de factos essenciais e doutrina da substanciação
11. Causa de pedir
12. Factos instrumentais
13. Âmbito da oficiosidade
14. Poderes do Tribunal
15. Temas de Prova
16. Superveniência
17. Prova

Ónus de alegação

1. As partes têm o poder de alegar livremente mencionando os factos que entenderem


pertinentes tendo em vista a pretensão deduzida.
A lei prescreve que às partes cabe "alegar os factos essenciais que constituem a causa de
pedir e aqueles em que se baseiam as exceções apresentadas" (artigo 5.º/1) 1.

1
Os preceitos sem indicação de origem referem-se ao Código de Processo Civil de 2013, aprovado pela Lei
n.º 41/2013, de 26 de junho.

237
Poderes de cognição do juiz em matéria de facto

Não há, portanto, nenhuma proibição para as partes no que respeita à alegação de factos,
o que se compreende porque seria inadmissível que a lei impusesse qualquer obstáculo ao
poder de as partes alegarem os factos, sejam eles de que natureza forem, que considerem
relevantes para a decisão do litígio de acordo com a estratégia que reputem mais adequada
aos seus interesses.
2. As alterações introduzidas na lei de processo não têm por objetivo levar as partes à
elaboração de articulados mais concisos, expurgados de factos instrumentais ou menos
extensos na qualificação jurídica dos factos; o objetivo da lei foi, a nosso ver, o de evitar,
mediante a intervenção subsidiária do Tribunal, que as ações e as exceções fossem julgadas
improcedentes por insuficiência da matéria de facto alegada ou que os factos não alegados
mas revelados durante a instrução da causa não pudessem em circunstância alguma ser objeto
de aquisição processual.
No entanto, como é evidente, não interessa às partes ficarem sujeitas à contingência do
aproveitamento de factos revelados apenas durante a instrução da causa se puderem desde
logo alegá-los.
Pode causar estranheza que factos que são do conhecimento das partes não sejam desde
logo alegados, designadamente os factos complementares ou concretizadores de factos
essenciais alegados que, não obstante a conexão indispensável ao seu aproveitamento, não
deixam de constituir factos essenciais 2. Se é verdade que muitas vezes, por inadvertência, as
partes não indicam aos seus mandatários factos de que têm conhecimento e, por vezes,
excluem-nos com base num préjuízo quanto à sua conveniência, na maior parte dos casos a
explicação encontra-se no conhecimento limitado e deficiente das realidades conjugado
muitas vezes com a dificuldade, para não dizer impossibilidade, de obtenção de elementos
probatórios na fase pré-judicial.
3. Crê-se que a constatação de que a parte tinha (ou devia ter) conhecimento de
determinado facto quando propôs a ação, não basta para se considerar que agiu de má fé,
visando escamotear uma determinada realidade para tornar mais difícil o exercício do
contraditório ou para se valer do efeito surpresa – que sempre existe – designadamente
quando a "revelação" do facto ocorre durante a audiência final. No entanto, é evidente que o

2
Da redação constante do artigo 264.º/3, do C.P.C. 61 (redação em vigor à data da entrada em vigor do
C.P.C. de 2013) resultava expressamente que, quando a lei se refere a factos complementares ou
concretizadores de outros que as partes hajam oportunamente alegado, se tinha em vista os factos
essenciais: "serão ainda considerados na decisão os factos essenciais à procedência das pretensões
formuladas ou das exceções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros que as partes
hajam oportunamente alegado […]".

238
Poderes de cognição do juiz em matéria de facto

Tribunal deve estar atento, quando determinado facto se revela durante a discussão da causa,
sobre se a omissão de alegação no articulado é reveladora de litigância de má fé traduzida na
"omissão de factos relevantes para a decisão da causa" (artigo 542.º/2, alínea b)) mesmo
quando estes interessam à parte que os omitiu. A nosso ver, a litigância de má fé será nestas
circunstâncias uma situação rara de ocorrer, mas possível caso se demonstre que a omissão de
certos factos foi pré-determinada tendo em vista o efeito surpresa da sua revelação de modo a
dificultar o exercício do contraditório.

Limites dos poderes de cognição


4. Seja como for, a lei pretende que o ónus de alegação não constitua um obstáculo à
admissibilidade de certos factos que venham a revelar-se nos autos. O Rubicão da sua
admissibilidade está na sua inserção na causa de pedir e na sua conexão com factos essenciais
alegados por deles serem concretização ou complemento.

Concretização e complementaridade referenciam-se aos factos alegados


5. Resulta expressamente do texto do artigo 5.º/2, alínea b), no que respeita aos factos
concretizadores e complementares, que estes se referenciam a factos alegados. Por isso, é
sempre com referência aos factos alegados que importa atender para se considerar se o novo
facto revelado na instrução da causa deve ser admissível enquanto facto concretizador ou
complementar.

Factos novos não alegados


6. Se o autor alega que exerceu ao longo de vários anos atos demonstrativos de posse
correspondente ao exercício de propriedade (artigo 1251.º, do Código Civil) sobre um
determinado terreno, atos que concretizou (cultivo do terreno, plantação de pomar, inscrição
do imóvel na matriz em seu nome e pagamento de impostos) tendo em vista provar a
aquisição da propriedade desse terreno por usucapião, a revelação em julgamento de outros
factos, igualmente concretizadores da invocada posse, implica a questão de saber se tais
factos podem ser processualmente adquiridos.
Referindo-se na instrução da causa ou na audiência final que foi construída pelo autor
uma cerca em rede que delimitou o terreno, que a propriedade foi pelo autor arrendada a um
vizinho durante o período em que o autor esteve ausente no estrangeiro, que o autor
procedeu à abertura no terreno de um furo artesanal e à construção de uns casinhotos para
recolha de alfaias e pesticidas, a questão que se suscita é a de saber qual a natureza destes

239
Poderes de cognição do juiz em matéria de facto

novos factos considerando que os factos alegados eram suficientes para se demonstrar a
posse.
7. Sem dúvida que estes novos factos são reveladores de posse mas, como se disse,
importa equacionar a consideração de factos novos igualmente constitutivos da invocada
posse. A abertura do furo artesanal e a construção dos casinhotos com as mencionadas
finalidades são, a nosso ver, factos instrumentais dos factos alegados respeitantes ao cultivo
do terreno e à plantação do pomar, ou seja, são factos por via dos quais se visa a prova dos
factos essenciais alegados.
Já quanto aos outros constata-se que estamos perante factos essenciais constitutivos da
posse 3. Por comodidade de raciocínio, admitamos que o tribunal não considerou que os factos
instrumentais permitissem julgar provado os factos essenciais alegados sobre os quais
igualmente não se produziu prova. Pode o Tribunal reconhecer a posse com base apenas nos
factos resultantes da instrução da causa?

Insuficiência de alegação com aperfeiçoamento


8. Admita-se que o autor, para fundamentar a invocada posse sobre o terreno, se limitou
na petição a alegar que cultivava o prédio há mais de 20 anos e que o juiz, considerando que
tal facto não era suficiente para se considerar provada a posse, sentiu a necessidade, no
despacho pré-saneador, de convidar ao aperfeiçoamento do respetivo articulado, alegando
então o autor todos os factos a que nos referimos.
9. Constata-se, assim sendo, que a parte que alegou insuficientemente vem a ser
beneficiada relativamente à parte que alegou suficientemente se esta não puder aproveitar-se
dos factos novos essenciais revelados na audiência final sendo certo que a posse apenas seria
reconhecida mercê da prova desses factos novos.
10. A não admissibilidade desses factos novos essenciais justificar-se-ia com base no ónus
de alegação. No entanto, atente-se que, quando a lei diz que "às partes cabe alegar os factos
essenciais que constituem a causa de pedir", ela nada nos diz sobre a questão de saber se,
uma vez alegados os factos essenciais que a parte entendeu por bem alegar constitutivos do

3
Não se veja nesta afirmação a ideia de que um determinado facto não pode assumir natureza múltipla.
Parece-nos que um facto pode constituir simultaneamente facto essencial quando da sua prova resultar o
preenchimento normativo visado, mas igualmente facto instrumental se dele resulta a prova de outros
factos alegados. No exemplo apontado seria sustentável considerar-se que o arrendamento do terreno para
cultivo e a vedação do terreno, para além de demonstrarem diretamente a posse do autor sobre o terreno,
demonstravam ainda que o autor detinha e destinava aquele terreno para efetivo cultivo, não importando,
para o efeito, se o cultivava por si ou por mero detentor (artigo 1253.º, alínea c), do Código Civil).

240
Poderes de cognição do juiz em matéria de facto

direito que pretende reconhecido, o Tribunal pode ou não pode conhecer de todos os factos
que podiam ter sido alegados e não foram que chegaram ao seu conhecimento durante a
instrução da causa.

Insuficiência de alegação sem aperfeiçoamento


11. A razão da admissibilidade dos factos concretizadores ou complementares4
encontramo-la nas "Linhas Orientadoras da Nova Legislação Processual Civil" 5 onde se refere
que "com vista a permitir, em situações limite, uma maior aproximação à verdade material,
deverá consagrar-se o dever de o juiz considerar na decisão factos essenciais à procedência da
pretensão formulada pelo autor ou da exceção ou reconvenção deduzidas pelo réu que,
embora insuficientemente ou incompletamente alegados pela parte interessada
(complemento de uma 'causa petendi' complexa, concretização de conceitos de direito, etc.
resultem da instrução e discussão da causa, desde que aquela manifeste intenção de os
aproveitar e à parte contrária tenha sido facultada a produção, em prazo razoável, de
contraprova ou prova do contrário". 6

4
Definem-se factos complementares como aqueles que "não são necessários à identificação da situação
jurídica alegada pela parte, mas são indispensáveis à procedência da ação ou exceção. É, por isso que,
quando respeitante ao autor, a falta de alegação de factos essenciais se traduz na ineptidão da petição
inicial por inexistência de causa de pedir […] e que a ausência de um facto complementar não implica
qualquer inviabilidade ou ineptidão, mas importa a improcedência da ação"(Miguel Teixeira de Sousa,
Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág. 72).
5
Edição do Ministério da Justiça, sine data; ver ainda Código de Processo Civil Anotado por José Lebre de
Freitas, João Redinha, Rui Pinto, Vol I (artigos 1.º a 380.º), 1999, pág. 465/468
6
O artigo 664.º do C.P.C./61 antes da revisão de 1995/1996 prescrevia: "o juiz não está sujeito às alegações
das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito; mas só pode servir-se
dos factos articulados pelas partes, salvo o que vai disposto nos artigos 514.º e 665.º".
Propôs-se na comissão revisora que o artigo 650.º/2, alínea f) do C.P.C. de 1961 respeitante aos poderes do
presidente passasse a ter a seguinte redação: "ao presidente do tribunal compete em especial: f) formular,
até ao encerramento da discussão, quesitos novos que interessem à boa decisão da causa, sem prejuízo,
porém, do disposto no artigo 664.º"; propôs-se, para o artigo 664.º, a seguinte redação: "o juiz não está
sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito; mas
só pode servir-se dos factos que as partes, expressa ou implicitamente, tenham invocado em favor das suas
pretensões, salvo o disposto nos artigos 514.º e 665.º". Quer dizer: onde a lei dizia "o juiz não está sujeito
às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito mas só pode
servir-se dos factos articulados pelas partes, salvo o que vai disposto nos artigos 514.º e 665.º", limitando,
portanto, os poderes de cognição "aos factos articulados pelas partes", orientação que vinha do Código de
1939, abre-se a brecha consistente em permitir-se que o juiz possa conhecer oficiosamente dos " factos que
as partes, expressa ou implicitamente, tenham invocado a seu favor" (ver ata n.º 43 de 6 de novembro de

241
Poderes de cognição do juiz em matéria de facto

1985, B.M.J. n.º 367, pág. 110 e segs). Considerou o Prof. Antunes Varela que "a fórmula utilizada é ,
porém, mais restritiva que a que o Dr. Cardona Ferreira sugeriu, a que pretende que possam ser conhecidos
todos os factos revelados pela discussão da causa". Relativamente ao artigo 664.º, o Cons. Campos Costa
inquiriu sobre o real alcance do termo "implicitamente". Assim, "perguntou se abrange a possibilidade de,
tendo uma parte alegado não factos concretos mas um conceito de direito, serem aditados quesitos que
representem o seu desdobramento nesses factos concretos; se, tendo a parte alegado um facto conclusivo,
o juiz o pode transformar num facto concreto; se, tendo uma testemunha referido que uma terceira pessoa
lhe disse que o autor lhe afirmara ter recebido certa quantia do réu, esse facto (novo, mas meramente
instrumental relativamente ao pagamento) pode ser aditado". Fez ainda o Prof. Antunes Varela um balanço
das várias posições."Começou por verificar haver acordo quanto à necessidade de poder haver lugar a
diligências probatórias relativamente aos quesitos aditados, através da prorrogação do período instrutório.
Quanto aos outros aspetos há divergências. Na verdade, ou se pretende manter a atual limitação, objetiva,
aos factos articulados quanto à matéria de que o tribunal pode conhecer, ou não. Nesta segunda hipótese,
abrem-se dois caminhos. O primeiro, seguido pelo Cons. Rodrigues Bastos, consiste em possibilitar o
conhecimento de factos apenas implícita ou tacitamente alegados; não necessariamente articulados, mas,
pelo menos, invocados.'Implicitamente' é um termo bastante vago (sempre se poderá sustentar que quem
baseia a sua pretensão numa determinada norma legal está implicitamente a invocar todos os factos que
integram a sua previsão); 'tacitamente' é uma palavra muito menos perigosa. O segundo, mais restrito e
cauteloso, foi o escolhido pelo Dr. Cardona Ferreira, ao limitar a possibilidade de conhecimento de factos
não articulados aos que resultarem da discussão da causa. Se é mais restritivo por esse motivo, é, porém,
mais flexível de outro ponto de vista, já que não exige que o facto chegado ao conhecimento do tribunal
tenha sido invocado (ou seja, alegado pelas partes) podendo ser trazido, por exemplo, por uma
testemunha". Defendeu o Dr. Cardona Ferreira que " para além dos factos articulados no momento devido,
o tribunal só se pode servir dos factos que resultem da instrução". O texto proposto para o artigo 664.º
ficou assim redigido: "o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e
aplicação das regras de direito; mas só pode servir-se dos factos que as partes tenham invocado, expressa
ou tacitamente, nos seus articulados, em favor das suas pretensões, salvo o disposto nos artigos 514.º e
655.º".
No anteprojeto de 1988 a matéria do artigo 664.º passou a constar do artigo 8.º com a epígrafe "Princípio
dispositivo" assim redigido:
1. O juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes e nos factos instrumentais que, por
indagação oficiosa, lhes sirvam de base.
2. Podem ainda ser considerados na decisão os factos essenciais que, embora não articulados, tenham sido
invocados na instrução e discussão da causa, quando a parte por eles prejudicada os não tenha impugnado,
devendo tê-lo feito.
3. Havendo indícios de que as partes, ou uma delas, pretendem usar o processo para fim ilícito, incumbe ao
juiz promover as diligências necessárias ao esclarecimento do caso e à frustração do fim prosseguido".
Deste preceito, no que respeita ao n.º 2, a crítica incidiu, não sobre a possibilidade de serem considerados
factos essenciais não articulados que tenham sido invocados na instrução e discussão da causa, mas no
segmento "quando a parte por eles prejudicada os não tenha impugnado, devendo tê-lo feito".
Reconhecendo-se que o intuito do legislador "pode ser meritório - no sentido em que com tal preceito se

242
Poderes de cognição do juiz em matéria de facto

visa ampliar o princípio da aquisição processual em busca da verdade material" perguntou-se: " como se há
de então entender que a parte prejudicada - que tenha o ónus de impugnar tais factos - aceitou os
mesmos? Terá de haver alguma intimação em audiência para o efeito? O tribunal avisa do facto os
mandatários judiciais? Provoca-se um depoimento de parte ad hoc , obrigando a comparecer a parte?
("Anteprojeto do Código de Processo Civil" por Armindo Ribeiro Mendes e José Lebre de Freitas, R.O.A, Ano
49, setembro 1989, pág. 613-689, designadamente pág. 621).
Certo é que esta previsão veio a sofrer nova alteração com o projeto Antunes Varela. Ficou, assim, redigido
o artigo 9.º sob a epígrafe "Princípio dispositivo":
1. O juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes e nos factos instrumentais que, por
indagação oficiosa, lhes sirvam de base.
2. Podem, todavia, ser considerados factos essenciais à procedência da pretensão formulada pelo autor ou
da exceção ou reconvenção deduzidas pelo réu, que só por manifesto lapso a parte interessada não tenha
alegado, desde que à parte contrária tenha sido efetivamente facultada a produção de contraprova ou de
prova do contrário.
3. Havendo indícios de que as partes ou uma delas, pretendem usar o processo para fim ilícito, incumbe ao
juiz promover as diligências necessárias ao esclarecimento do caso e à frustração do fim prosseguido.
A observação essencial que este preceito suscitou foi a da necessidade de ser completado "com a expressa
consagração da faculdade de a parte a quem aproveitam alegar supervenientemente os factos que
completam a causa de pedir, requerendo logo ou em 7 dias as respetivas provas, se já tiver passado o
momento processual de o fazer". Salientou-se que "sob pena de desigualdade entre as partes, os factos
essenciais à procedência da pretensão não poderão integrar - não obstante a amplitude da redação do
artigo, que seria de retificar - uma nova causa de pedir, mas apenas completar a causa de pedir invocada, tal
como completam a exceção deduzida" ("Projeto de Código de Processo Civil, Lebre de Freitas, R.O.A.,Ano
50, 1990, pág.729-811, designadamente pág. 752/753).
O projeto de fevereiro de 1995, apresentado pela Comissão revisora designada pelo Despacho n.º 14/94, de
15 de abril do Ministro da Justiça Laborinho Lúcio propôs a seguinte redação ao artigo 264.º com a epígrafe
"Princípio dispositivo":
1. As partes delimitam, através da dedução das respetivas pretensões, o objeto do litígio, incumbindo ao juiz
apreciá-las exaustivamente, sem as exceder.
2. Sem prejuízo do disposto nos artigos 514.º e 665.º, o juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados
pelas partes, bem como nos factos instrumentais que, por indagação oficiosa, lhes sirvam de base.
3. Podem ainda ser considerados na decisão factos essenciais à procedência da pretensão formulada pelo
autor ou da exceção ou reconvenção deduzidas pelo réu que, embora insuficientemente alegadas pela parte
interessada, resultem da instrução e discussão da causa, desde que aquela manifeste vontade de os
aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório".
Sobre este preceito fez-se a seguinte observação:
"O artigo 264.º/3 consagra a atendibilidade dos factos essenciais à procedência da pretensão ou de
exceções que 'embora insuficientemente alegadas pela parte interessada, resultem da instrução (e
discussão?) da causa, desde que aquela manifeste a vontade de os aproveitar (princípio dispositivo) e tenha
sido assegurada à parte contrária a possibilidade de contraprova ou de prova do contrário (princípio do
contraditório). A redação da norma já tinha sido enunciada nas Linhas Orientadoras, esclarecendo-se aí que

243
Poderes de cognição do juiz em matéria de facto

12. Pode, porém, considerar-se uma outra situação: os factos alegados são insuficientes,
mas o Tribunal não proferiu despacho de aperfeiçoamento, revelando-se em julgamento os
novos factos concretizadores da posse. Neste caso, continuam a deparar-se-nos factos
constitutivos, ou seja, factos que, uma vez provados, conduzem à procedência da ação. A parte
que alegou insuficientemente, se desses factos não pudesse beneficiar, dir-se-ia duplamente
prejudicada: não beneficiou do aperfeiçoamento e não viu os factos revelados serem
admitidos.
Argumentar-se-á, a favor do aproveitamento, que a partir do momento em que a lei
comete ao Tribunal o dever de suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou
concretização da matéria de facto (artigo 590.º/3) não faz sentido que a insuficiência de factos
cujo suprimento não foi ordenado não justifique o aproveitamento dos factos revelados na
instrução da causa que colmatam essa insuficiência. A preclusão derivada da omissão de
reclamação obviamente não deve estender os seus efeitos à proibição da admissão dos factos
novos.
Dir-se-á, contra o aproveitamento, que esta é a consequência da preclusão derivada da
omissão de reclamação do despacho de aperfeiçoamento; dir-se-á ainda que esta é a
consequência da omissão de alegação de factos essenciais.
Não se nos afigura que a preclusão tenha este alcance: ou seja, do que se trata agora de
saber é se os factos novos essenciais que resultaram da instrução da causa devem ou não
devem ser admitidos independentemente da possibilidade de a parte os ter alegado
oportunamente.
13. Isto tem interesse, porque se os factos alegados não eram suficientes para se poder
considerar que o autor possuía como proprietário há longos anos o aludido imóvel, tais factos
são factos essenciais concretizadores e, por conseguinte, o Tribunal podia deles conhecer
oficiosamente. 7

se visavam situações como as de complemento duma causa de pedir complexa ou de concretização de


conceitos de direito. Tratava-se, pois, não propriamente de factos insuficientemente alegados, mas de factos
não alegados em complemento ou concretização de outros constantes (nem que fosse com uma
generalidade próxima da que é própria dos conceitos de direito) dos articulados" ("Revisão do Processo
Civil" por Lebre de Freitas, R.O.A.,Ano 55, 1995, págs. 417-518, designadamente pág. 430). O texto final
respeita ao artigo 264.º, do C.P.C. (revisão de 1995/1996).
7
Estas considerações valem igualmente para os factos concretizadores. Alegando o autor facto genérico
conclusivo – que trata do terreno como seu dono há muitos anos – os factos mencionados são todos factos
concretizadores e, por conseguinte, ainda que não tivesse sido proferido despacho de aperfeiçoamento, o
Tribunal pode sempre considerá-los nos termos do artigo 5.º/2, alínea b).

244
Poderes de cognição do juiz em matéria de facto

A lei, como resulta do artigo 5.º/1, alínea b), admite o aproveitamento destes factos.

Suficiência dos factos alegados e factos novos resultantes na instrução


14. Fica-nos uma última situação: os factos alegados foram suficientes e, por conseguinte,
não se pôs ao Tribunal a necessidade de convidar ao aperfeiçoamento, mas o autor decaiu na
sua prova; a ação apenas pode ser julgada procedente com base nos factos resultantes da
instrução.
Pergunta-se: franqueou a lei a admissibilidade dos novos factos revelados durante a
instrução da causa a todos os factos suscetíveis de concretizar ou de complementar os factos
alegados?

Sentido interpretativo do artigo 5.º


15. Justificar-se-á uma interpretação do artigo 5.º no sentido de se admitirem factos
novos essenciais que visem o reconhecimento do direito ou da relação material visados que se
revelarem durante a instrução da causa independentemente da suficiência ou insuficiência dos
factos essenciais alegados?
Ou tais factos novos apenas devem ser admitidos a posteriori quando se constate que,
face à prova produzida incidente sobre os factos essenciais alegados de modo suficiente,
aqueles que o Tribunal considerou provados não se revelam suficientes para a qualificação
jurídica visada?
Ou, finalmente, tais factos novos pura e simplesmente não podem ser admitidos?
16. Não nos parece aceitável o segundo entendimento, assim perspetivado, porque não
se trata aqui de uma admissão condicional de factos novos com base na falta de prova dos
factos alegados. Atente-se que o juízo sobre a admissibilidade dos factos é prévio e indiferente
ao juízo de prova sobre esses mesmos factos. Se o Tribunal entender que um facto revelado
durante a instrução da causa não é admissível, não pode obviamente declará-lo provado ainda
que sobre ele haja incidido prova - designadamente a que o revelou - que levaria a considerá-
lo provado.
17. Não existindo atualmente separação entre o julgamento de facto e o julgamento de
direito, o juiz, no processo íntimo de análise dos factos e do direito, começará por verificar se
determinados factos novos revelados na instrução são admissíveis e só depois decidirá se deve
julgá-los provados ou não provados 8.

8
A circunstância de se produzir prova sobre o facto novo não significa necessariamente que o Tribunal fique
vinculado no sentido de se lhe impor a admissibilidade desse facto. No entanto, se resultar da audiência que

245
Poderes de cognição do juiz em matéria de facto

18. A noção de facto concretizador ou a de facto complementar parece pressupor uma


situação de insuficiência de alegação.
19. De um ponto de vista conceptual importa atentar que a suficiência ou insuficiência
podem ser consideradas relativamente aos factos essenciais concretamente alegados, mas
também podem ser consideradas relativamente a todos os factos essenciais que podiam ter
sido alegados e não foram.
20. À luz desta última perspetiva, e tratando-se designadamente de uma causa de pedir
complexa, a complementaridade seria sempre considerada em função da relação material que
fundamenta o direito que se pretende reconhecido.
O conceptualismo revela por vezes algumas fragilidades: no caso, acode ao espírito a
estranheza de se considerar provado o facto essencial complementar de um facto alegado sem
que este esteja provado.
21. Dir-se-á então que a complementaridade deve ser encarada de modo a abranger, não
apenas a realidade que completa a que foi insuficientemente alegada, mas também aquela
que se acrescenta ou se adiciona à factualidade que foi suficientemente alegada com esta se
conjugando (complementando) de modo a alcançar-se com efetividade a compreensão
normativa visada.
22. No caso apontado, a lei referencia o facto jurídico de que deriva o direito real - a
propriedade - ou seja, como referia Anselmo de Castro, "seja qual for a causa de pedir
concreta da relação jurídica invocada, tais direitos" - direito de propriedade, direitos absolutos
- são sempre os mesmos individualizando-se pelo objeto e não pela causa. Assim, numa ação
de reivindicação, a causa de pedir será o direito de propriedade em si próprio, dado que tal
direito é o mesmo, quer tenha como fonte a sucessão, a compra e venda, a prescrição, a
doação ou qualquer outro título" 9.
Ora, nas ações reais, posto que a lei imponha a menção do facto de que deriva o direito
real (artigo 581.º/4), "aventa-se a ideia de que o título aquisitivo da propriedade é sempre a
usucapião, pois os outros apenas podem transmitir a propriedade, mas não constituí-la" 10 e,
assim sendo, a complementaridade ou concretização não se referenciam ao facto jurídico de

o Tribunal proferiu decisão, admitindo a prova requerida, ou determinando-a oficiosamente, incidente


sobre facto novo revelado em julgamento - v.g. convocando testemunha, designando prova pericial, etc. - o
Tribunal fica vinculado tão somente quanto a essa decisão; tal vinculação não obsta a que, na sentença, o
juiz considere que tal facto novo não pode relevar por razões de ordem substantiva (o facto em causa não
poderia ser provado por testemunhas) ou processual (o facto referencia-se a diversa causa de pedir).
9
Direito Processual Civil Declaratório, Vol I, 1981, pág. 205.
10
Noções Elementares de Processo Civil, por Manuel A. Domingos Andrade, 1976, pág. 322

246
Poderes de cognição do juiz em matéria de facto

que deriva o direito real, mas ao conjunto dos factos que visam provar a aquisição da
propriedade por usucapião.
23. Nas causas em que a causa de pedir se referencia ao facto jurídico, a concretização ou
complementaridade a que alude o artigo 5.º/2, alínea b), não se referenciam necessariamente
aos factos concretos "que as partes hajam alegado"; referenciam-se, pelo menos nas ações
reais, ao objeto da ação individualizado através do seu próprio conteúdo: no caso, o
reconhecimento da propriedade por usucapião. Por isso, a insuficiência é considerada em
função de todos os factos que permitem esse reconhecimento e não em função dos factos
concretos alegados para o efeito.
24. O juiz, quando da prolação da sentença, verificará, como se disse, se os factos novos
essenciais revelados têm em vista o pedido e causa de pedir determinados à luz dos factos
alegados. Se assim suceder, por certo que tais factos, se fossem insuficientes os alegados
tendo em vista a norma (ou normas) a integrar, concretizariam ou complementariam os
alegados.
O juiz passará a considerá-los, se não houver razão obstativa de ordem processual ou
substantiva, julgando-os provados ou não provados. E por certo também o juiz igualmente os
deve considerar, ainda que sejam suficientes os factos alegados e ainda que estes se tenham
provado, pois relevam todos eles para a procedência da pretensão.
25. De um ponto de vista prático, que não deve ser minimizado, este entendimento é de
aplicação fácil e de alcance equitativo: basta pensar que, a não se considerarem tais factos
novos, uma alteração da matéria de facto no tocante aos factos provados, designadamente no
âmbito de recurso interposto em que se impugnasse a matéria de facto, poderia levar a ação à
improcedência, o que já não sucede a partir do momento em que se admitem os factos novos.
26. Do exposto resulta que, no caso apontado, o Tribunal reconheceria a admissibilidade
de tais factos revelados na instrução da causa e, uma vez provados tais factos novos - os únicos
provados - não poderia com base neles deixar de reconhecer a posse do autor sobre o aludido
prédio rústico.
27. Sabendo-se que, não havendo registo do título nem da mera posse, a usucapião só
pode dar-se ao fim de quinze anos, se a posse for de boa fé, e de vinte anos, se for de má fé
(artigo 1296.º, do Código Civil), os factos que se revelem durante a instrução demonstrativos
de que o autor agia perante toda a população como dono daquela propriedade são factos
concretizadores da invocada posse pública, mas são igualmente complementares dos demais
factos que, em conjunto com aqueles, permitem considerar provada a usucapião pelo decurso
de quinze anos de posse de boa fé e pública.

247
Poderes de cognição do juiz em matéria de facto

28. Significa isto que o Tribunal pode considerar o facto novo revelado em audiência
considerando que o autor praticou todos aqueles atos à vista e com conhecimento de toda a
comunidade, visto que inequivocamente se está face a um facto complementar dos factos
alegados demonstrativos da posse, muito embora seja este facto também um facto essencial
tendo em vista a prova da usucapião.

Factos novos integrativos de diversa previsão normativa


29. Se A. pede a condenação de B. no pagamento de sinal dobrado porque, celebrado
contrato-promessa de compra e venda que, de acordo com o estipulado, devia ter sido
realizada no prazo de 6 meses, cumprindo ao promitente vendedor a marcação da escritura, o
que este não fez, nem mesmo depois de ser interpelado para o fazer no prazo de 30 dias que
lhe foi fixado, será que o decaimento do autor no pedido pela falta de prova destes factos
pode ser impedido pela revelação em julgamento do facto novo não alegado consistente na
celebração, já decorridos os 6 meses estipulados, pelo promitente-vendedor de contrato-
promessa de compra e venda com outro indivíduo a quem entregou, para utilização, esse
mesmo imóvel? 11
Estamos, no caso, não diante de um facto concretizador ou complementar dos factos
alegados, mas perante um facto novo essencial integrativo de diversa previsão, a saber, o
incumprimento definitivo do contrato-promessa por perda objetiva de interesse na prestação
por parte do autor, promitente-comprador que não tem interesse na aquisição de propriedade
de um imóvel ocupado.
Repare-se que no primeiro caso a causa de pedir invocada não era posta em causa,
digamos assim, pela prova dos factos novos: tinha-se em vista saber se o autor era possuidor
do prédio rústico pelo tempo necessário à aquisição da propriedade por usucapião. Tratava-se
tão somente de saber se, apesar de serem suficientes os factos alegados para a prova da
invocada posse, o Tribunal podia ainda assim considerar factos novos revelados na discussão
do litígio, não se estando, portanto, a visar uma nova realidade causal.
No exemplo agora indicado constata-se que o autor não alegou factos visando a perda
objetiva do interesse na celebração da escritura de compra e venda em consequência de,
decorrido já o prazo fixado para a outorga da escritura de compra e venda, o promitente
vendedor ter outorgado contrato-promessa com terceiro a quem entregou, para utilização, o
imóvel, integrando tais factos um diverso conceito normativo causal: a perda de interesse na
realização da prestação.

11
Pressupõe-se que não estamos diante de facto superveniente.

248
Poderes de cognição do juiz em matéria de facto

Alegação de factos essenciais e doutrina da substanciação 12


30. Quando a lei refere que "às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a
causa de pedir" (artigo 5.º/1, do C.P.C.) não parece que se esteja a afastar a doutrina da
substanciação de acordo com a qual, como é sabido, se exige a indicação do facto jurídico
concreto em que se baseia o direito do autor". Aliás, o C.P.C. de 2013 não alterou nos artigos
186.º, 580.º, 581.º, a redação dos correspondentes artigos 193.º, 497.º e 498.º, do C.P.C. de
1961.
31. De acordo com este entendimento, "o tribunal não conhece de puras abstrações, de
meras categorias legais; conhece de factos reais, particulares e concretos e tais factos quando
sejam suscetíveis de produzir efeitos jurídicos, é que constituem a causa de pedir. Como nota
Chiovenda e já assinalámos, a causa petendi não é norma de lei que a parte invoca em juízo; é
o facto que se alega como capaz de converter em concreto a vontade abstrata da lei". 13

Causa de pedir
32. Ou, pelo contrário, deveremos hoje considerar afastado este entendimento? Pode
aceitar-se que, tendo o autor proposto ação de divórcio com fundamento em determinados
factos que consubstanciam adultério, o tribunal, face à revelação de outros factos não
alegados - por exemplo, agressões que vitimaram o autor - decrete o divórcio? Pode aceitar-se
que, não invocada pelo autor a perda de interesse na outorga da escritura de compra e venda
mas tão somente o incumprimento definitivo por recusa do cumprimento por parte do
promitente-vendedor, o Tribunal condene o promitente-vendedor no pagamento do sinal
dobrado por incumprimento definitivo do contrato-promessa por falta de interesse do
promitente-comprador? (artigo 808.º, do Código Civil)?
33. Se a lei impõe a alegação de factos essenciais que constituem a causa de pedir (artigos
5.º/1 e 552.º/1, alínea d)) é essa causa de pedir que concretamente o Tribunal deve
considerar. A admissibilidade de novos factos pressupõe que a causa de pedir não seja
alterada. Tratando-se de factos complementares ou concretizadores dos factos alegados que
obviamente caracterizam a causa de pedir não se vê que tal possa suceder. A dificuldade
centra-se, portanto, desde logo na definição da causa de pedir a considerar no caso concreto.

12
Como refere Anselmo de Castro, loc. cit., "para a doutrina da substanciação a causa de pedir, ainda nos
direitos absolutos, será o facto gerador do direito, divergindo a ação sempre que seja diferente o facto
constitutivo invocado. Daí a designação 'teoria da substanciação': o que substancia ou fundamenta a ação (a
pretensão) igualmente a individualiza" (pág. 206).
13
Código de Processo Civil Anotado, por José Alberto dos Reis, Vol III, 3.ª edição, 1981, págs. 125/128.

249
Poderes de cognição do juiz em matéria de facto

34. Se a parte alega factos que não são suficientes para a procedência da ação, não é a
falta ou ininteligibilidade de causa de pedir o que está em causa, mas a improcedência da ação
à luz da caracterizada causa de pedir. Se A. pede a condenação de B. no pagamento do preço
por fornecimentos, a causa de pedir não está suficientemente caracterizada - que
fornecimentos foram efetuados, qual o período de tempo a que respeitam? Mas, com base na
doutrina da substanciação, não pode aceitar-se a condenação do réu considerando que, afinal,
o valor reclamado respeitava, não ao preço da mercadoria fornecida, mas aos prejuízos que
resultaram para o vendedor pelos custos de depósito da mercadoria em consequência do
atraso pelo comprador na receção da mercadoria.
35. A complementaridade ou a concretização têm em vista uma determinada causa de
pedir que, sob pena de ineptidão, há-de estar minimamente caracterizada desde a petição de
modo a que se haja com a citação estabilizada a instância (artigos 186.º, 259.º/2). Assim, o
incumprimento definitivo daquele contrato-promessa face à interpelação admonitória, o
divórcio por violação do dever de fidelidade face ao alegado adultério, o não pagamento do
preço de mercadoria fornecida referenciam-se sempre aos factos essenciais alegados que
constituem a causa de pedir, não admitindo a lei a consideração oficiosa de factos essenciais
não alegados referenciados a causa de pedir diversa daquela que deles resulta.
36. Quando o adultério constituía fundamento autónomo do divórcio ou de separação
judicial de pessoas e bens (artigo 1778.º, alínea a), do Código Civil de 1966), as agressões
físicas integravam o fundamento que constava da alínea g), desse mesmo artigo 1778.º, a
saber, "qualquer outro facto que ofenda gravemente a integridade física ou moral do
requerente".
No entanto, atualmente, a norma que tais factos têm em vista é a que consta da alínea d),
do artigo 1781.º, do Código Civil - "quaisquer outros factos que, independentemente da culpa
dos cônjuges, mostrem a ruptura definitiva do casamento" e, por isso, a menção de agressões,
a par do adultério, constituem factos concretizadores da ruptura do casamento.
Esta previsão normativa pode ser preenchida com quaisquer factos que evidenciem o fim
do casamento.
37. Releva nas ações constitutivas "o facto concreto que se invoca para obter o efeito
pretendido" (artigo 581.º/4); então, assim sendo, dir-se-á, o facto concreto essencial a atender
é aquele que foi concretamente alegado de modo suficiente para a caracterização da causa de
pedir e não todos os factos essenciais suscetíveis de preencher a categoria normativa "ruptura
definitiva do casamento".

250
Poderes de cognição do juiz em matéria de facto

38. Se o autor alega factos imprecisos ou insuficientes para a caracterização do adultério


enquanto ato violador do dever de fidelidade (artigo 1672.º do Código Civil), pergunta-se: o
convite ao aperfeiçoamento não lhe permite invocar outros factos essenciais diversos dos que
se destinam a provar o adultério enquanto causa concretamente alegada que evidencia
"ruptura definitiva do casamento", face ao disposto no artigo 265.º, conjugado com o artigo
591.º/6?
39. À luz da doutrina da substanciação, a causa de pedir não se reconduz à categoria
normativa tida em vista ("ruptura definitiva do casamento"; consubstancia-se nos factos
concretos alegados de tal sorte que a ação não deixará de proceder, caso os factos preencham
categoria normativa diversa da que foi visada. Assim, se o autor pede o divórcio considerando
que há uma rutura definitiva do casamento alegando que, por causa do invocado adultério,
deixou de fazer vida comum com o réu há mais de um ano, apesar de ambos partilharem a
mesma casa, o que só sucede por razões económicas, o Tribunal, ainda que não se prove o
adultério, não deixará de julgar a ação procedente constatada a separação de facto por um
ano consecutivo (artigo 1781.º, alínea a), do Código Civil).
40. No entanto, tratando-se de factos complementares ou concretizadores, estes, como
se disse, referenciam-se em função "dos que as partes hajam alegado" (artigo 5.º/2, alínea b).
Nas ações em que a causa de pedir "é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca
para obter o efeito pretendido", a complementaridade ou concretização devem ser vistas em
função desses factos concretos e não em função da própria pretensão emergente do facto
jurídico invocado como sucede tratando-se de direito real.
41. Por isso, revelados que sejam durante a instrução da causa factos essenciais nunca
alegados caracterizadores de agressão física, o Tribunal - dir-se-á - não afastada a doutrina da
substanciação, não pode admitir tais factos e, com base neles, decretar o divórcio. Por outras
palavras, a complementaridade ou concretização não deixam a órbita da causa de pedir
consubstanciada nos factos concretamente alegados para passarem a abranger a órbita da
previsão normativa que os factos visam preencher.
42. Note-se, porém, que uma alegação factual imprecisa pode suscitar fundadas dúvidas.
Se o autor alegou que a ruptura do casal é definitiva porque o réu incorreu em atos violentos
demonstrativos da violação do dever de recíproco respeito, designadamente a ligação
sentimental do réu com outra pessoa, a prova em julgamento de atos concretos de agressão
constitui ato concretizador de facto essencial conclusivo alegado: a prática de atos violentos
que vitimaram o autor.

251
Poderes de cognição do juiz em matéria de facto

43. Não se verificando tal situação, só se pode aceitar tal facto novo essencial não alegado
se não reconduzirmos a causa de pedir à violação de deveres conjugais que "mostrem a
ruptura definitiva do casamento" (artigos 1672.º e 1781.º, alínea d), do Código Civil). A causa
de pedir invocada seria o limite, a revelação dos factos novos no decurso da instrução seria a
condição.
44. No exemplo figurado, resultando da instrução que o réu agredira o autor, nenhuma
dúvida se suscita de que tal facto traduz violação do dever de respeito e, por si, é suscetível de
demonstrar a ruptura do casamento. Este facto não é todavia complementar nem
concretizador dos factos invocados comprovativos do adultério demonstrativos da violação do
dever de fidelidade; nem se pode afirmar que este facto – a agressão – seria alguma vez
suscetível de se conjugar com os factos alegados visando demonstrar a rutura definitiva do
casamento por violação do dever de fidelidade.
45. Repare-se todavia no seguinte: a violação dos deveres conjugais não constitui a
referência normativa causal com base na qual se irá reconhecer ou não a "ruptura definitiva do
casamento". É que, hoje, a culpa não releva enquanto fundamento do divórcio; releva a
constatação dos factos que evidenciem tout court a existência de uma rutura. Então, assim
sendo, os factos integrativos do divórcio são todos os factos, entre outros, suscetíveis de
revelar essa rutura que é ela em si a causa do pedido de divórcio.
46. Trata-se, portanto, mais uma vez, de ponderar se a suficiência dos factos alegados
obsta ou não obsta a que o Tribunal possa admitir factos complementares dos factos alegados
no sentido que considerámos anteriormente: factos que se conjugam com os alegados tendo
em vista o preenchimento da realidade normativa causal. Ora, para esta concorrem todos os
factos essenciais ocorridos, existindo sempre insuficiência quando não são alegados todos os
factos que podiam ter sido alegados.
47. O Tribunal, revelada a agressão em julgamento, pode considerar oficiosamente este
facto e decretar o divórcio; também, no âmbito do pré-saneador, a parte pode alegar este
facto ainda que haja sido convidada a alegar factos concretizadores de uma alegação
insuficiente de adultério. Acrescente-se, em nota final, que se a causa de pedir fosse
constituída pela violação culposa de deveres conjugais, não podia o autor invocar factualidade
integrativa de diversa causa de pedir: a violação do dever de respeito quando estava em causa
a violação do dever de fidelidade.

252
Poderes de cognição do juiz em matéria de facto

Factos instrumentais
48. Quanto aos factos instrumentais não impende sobre as partes nenhum ónus de
alegação. É também aqui evidente que é do interesse das partes a alegação de factos
instrumentais – que são aqueles que, por si, não bastam para a procedência da ação ou da
exceção, como sucede com os factos essenciais, mas permitem "inferir a demonstração dos
correspondentes factos principais" 14.
49. Nalguns casos será seguramente difícil a qualificação de um facto como instrumental
ou como facto essencial. No exemplo anteriormente apontado, pelo menos alguns atos
mencionados integrativos da posse por si sós não seriam suficientes para se considerar que o
autor era um possuidor. Tais atos poderiam por tal motivo ser vistos como atos meramente
instrumentais. Importa, segundo nos parece, ter, quanto a este aspeto, algum cuidado: um
facto que, em si, não permita preencher a categoria normativa causal visada, não é
necessariamente um facto instrumental. Não se afigura que a natureza essencial do facto
deixe de subsistir pela circunstância de ele carecer de se conjugar - de se complementar - com
outro facto para se preencher o tipo legal visado, o que sucede frequentemente nas causas de
pedir complexas.
50. Há, no entanto, factos instrumentais que, pelo seu significado probatório, quase se
confundem com os factos essenciais alegados. Veja-se o caso, que era muito comum nos
tribunais, da ação de despejo com fundamento na falta de residência permanente do
arrendatário. Alegando o autor que o réu não habita no local arrendado - seria este hoje o
tema de prova - a concretização dessa afirmação, equivalente à menção de que o réu não tem
no local arrendado a sua residência permanente, fazia-se normalmente alegando-se que ali
não come, não dorme nem é visto. A ausência de prova sobre tais factos apoiada em prova
testemunhal e por inconcludência nos gastos de luz, água e gás levaria a ação à improcedência;
assim não sucederá perante o facto novo instrumental revelado em julgamento de que o réu
vive noutra localidade em casa própria, adquirida por si, ali vivendo com os filhos menores.

Âmbito da oficiosidade
51. Atente-se que o Tribunal pode considerar os factos complementares ou
concretizadores revelados na instrução da causa ainda que a parte a quem aproveitam nada
diga, mas o Tribunal apenas pode considerar tais factos se à parte contrária tiver sido
proporcionada a possibilidade de se pronunciar (artigo 5.º/1, alínea b).

14
Teixeira de Sousa, loc. cit., pág. 72.

253
Poderes de cognição do juiz em matéria de facto

É certo, quanto aos factos dessa natureza que se revelam na discussão da causa, que a
presença dos mandatários implica o conhecimento dos factos e a possibilidade de se
pronunciarem sobre eles; é certo também que, tratando-se de factos que resultem de atos
praticados na fase de instrução, pode assim não suceder. Mas isso não significa que o Tribunal
possa sem mais considerar tais factos adquiridos em termos probatórios.
52. Não tem, a nosso ver, o juiz, no decurso do julgamento e perante o desenrolar da
prova, de mencionar pari passu que estão a ser revelados factos novos de natureza
instrumental. As partes não podem deixar, perante tais factos, se entenderem que se justifica
a produção de prova destinada a infirmar o que brotou de novo no julgamento, requerê-la
efetivando o exercício do contraditório.
53. A possibilidade de exercício do contraditório é fundamental. Por isso, constatando o
juiz que determinado facto revelado em audiência – a instrução não constitui uma fase
estanque, prolonga-se durante a audiência final e mesmo, limitadamente embora, para além
dela – constitui facto complementar ou concretizador dos factos que as partes hajam alegado
à luz da causa de pedir que deles promana, deve o juiz, na audiência, informar as partes da
relevância desse facto e da natureza que o caracteriza no âmbito do litígio a fim de, querendo,
exercerem o contraditório. Tal matéria passa a constituir tema de prova à semelhança do que
sucede com os factos supervenientes que interessam à decisão da causa (artigo 588.º/6). Se o
juiz não tiver ampliado o tema de prova em audiência, pode reabri-la para o efeito (artigo
607.º) salvo se a parte interessada declarar que não pretende exercer o contraditório
relativamente a tal matéria; o Tribunal da Relação pode igualmente determinar a ampliação do
tema de prova a fim de ser objeto de discussão a nova factualidade que resulta da instrução da
causa (artigo 662.º/2, alínea c)).
54. Na verdade, o exercício do contraditório pressupõe uma clara definição dos temas de
prova; entende-se que o Tribunal pode conhecer desses factos revelados na instrução da causa
independentemente da vontade das partes sem o que afinal não existiria oficiosidade. E se
esta existe é precisamente para se viabilizar, tanto quanto possível no interesse da verdade,
uma ampla cognoscibilidade em matéria de facto. No entanto, o processo está fundado em
princípios fundamentais, um dos quais é precisamente o princípio do contraditório.
55. Ora se aceitamos que o juiz pode conhecer de factos complementares e
concretizadores com o âmbito já mencionado e se entendemos que a possibilidade de
conhecimento dos factos novos não está dependente da vontade das partes quando eles são
revelados em audiência ou na instrução da causa, não seria aceitável que as partes pudessem

254
Poderes de cognição do juiz em matéria de facto

ficar sujeitas à incerteza decorrente da consideração pelo juiz de uma realidade de facto
essencial sem existir um juízo prévio sobre a relevância dessa realidade.

Poderes do Tribunal
56. O Tribunal pode impedir direta ou indiretamente a produção de prova sobre factos
alegados?
A resposta é afirmativa. Se o artigo 6.º/1 prescreve que o juiz pode recusar "o que for
impertinente ou meramente dilatório" é evidente que devem ser recusadas as diligências de
prova e também a produção de prova admitida sobre factos impertinentes ou meramente
dilatórios. Também o artigo 410.º prescreve que a instrução tem por objeto "os factos
necessitados de prova" e não são seguramente factos necessitados de prova os factos
impertinentes ou meramente dilatórios.
A circunstância de o juiz oficiosamente sujeitar ao crivo do contraditório factos
complementares ou concretizadores que estejam no âmbito dos seus poderes de cognição,
não obsta, como é evidente, que a parte interessada requeira que seja constituído como tema
de prova determinado facto de natureza complementar ou concretizadora revelado em
audiência e viabilizado o contraditório.

Temas de prova
57. No entanto, a instrução tem em primeira linha (artigo 410.º) por objeto "os temas de
prova enunciados" (artigo 596.º/1) e aqui já estamos perante uma alegação factual de
natureza genérica.
58. Se o tema de prova consiste em saber se o acidente resultou da invasão da faixa de
rodagem onde circulava o veículo A. pelo veículo B que, vindo de entroncamento à direita,
considerado o sentido de marcha daquele, não parou ao sinal de Stop ali existente, toda a
averiguação sobyre factos complementares, concretizadores e instrumentais referentes ao
mencionado tema de prova não deixará de ser admissível exatamente nos mesmos termos em
que seria admissível a produção de prova que sobre eles houvesse de incidir quesitados que
fossem per se. A prova de que o condutor entrou no entroncamento desrespeitando o sinal de
aproximação de estrada com prioridade e não o sinal de Stop não pode deixar de ser
admissível conquanto se esteja face a um facto essencial concretizador da alegada existência
no local de sinal de trânsito que não confere prioridade a quem circula nessa via. A
concretização não deve ser vista com referência ao assinalado sinal de Stop, mas com
referência a um assinalado sinal de perda de prioridade sob pena de se beneficiar quem alega

255
Poderes de cognição do juiz em matéria de facto

genericamente no confronto com aquele que, embora errando, procura concretizar o mais
possível as razões que entende assistir-lhe.
59. A elaboração de temas de prova não constitui todavia nenhum passaporte para um
interrogatório de testemunhas não factual do tipo "diga o senhor s.f.f. o que sabe sobre o
acidente ocorrido entre os veículos A. e B"; tão pouco constitui passaporte para um
interrogatório em que a parte interrogue a testemunha sobre factos alegados sem pertinência
para o litígio em concreto do tipo "a senhora testemunha disse que não presenciou o acidente,
mas diga-me s.f.f. se aquele é um local em que os veículos circulam habitualmente a grande
velocidade”, diga-me se o condutor do veículo B é pessoa cuidadosa na condução sendo
impensável que alguma vez desrespeitasse o sinal de Stop que se lhe deparasse à entrada de
entroncamento, etc. etc.).
60. Por isso, em audiência final, a prova há-de principiar sempre e tão somente sobre os
factos necessariamente essenciais integrativos dos temas de prova enunciados. É certo que a
lei, no que à prova pericial respeita, admite que esta se reporte aos factos articulados e não
apenas às questões de facto essenciais que se inserem nos temas de prova (artigo 475.º/2).
Isto significa que à prova pericial podem interessar, conquanto articulados, factos
concretizadores, factos instrumentais e factos complementares desde que se insiram nos
temas de prova enunciados o que evidencia o interesse, anteriormente referido, das partes em
muitos casos não se limitarem nos articulados à mera alegação dos factos essenciais.
No entanto, como é evidente, a prova será admitida se tais factos forem pertinentes e,
por isso, a lei 15 prescreve que o juiz pode indeferir "as questões suscitadas pelas partes que
considere inadmissíveis ou irrelevantes" (artigo 476.º/2).
No decurso da instrução da causa que não se reduz à audiência final - embora seja esta
que temos agora principalmente em vista - podem evidenciar-se factos que não tenham sido
alegados. São factos novos precisamente porque não foram alegados.

Superveniência
61. Tais factos, se forem instrumentais, podem ser sempre considerados pelo Tribunal e,
ainda que sejam supervenientes, não estão sujeitos ao regime de admissibilidade constante do
artigo 588.º e segs, pois com eles visa-se a prova de factos revelados durante a instrução da
causa, portanto, de conhecimento oficioso. Com efeito, se A. propõe contra B. ação de despejo
alegando que B. não utiliza o local arrendado para habitação há mais de um ano, ninguém o

15
Ainda que o não dissesse, seria de entender da mesma forma.

256
Poderes de cognição do juiz em matéria de facto

tendo visto nem à mulher nem aos filhos, constitui facto instrumental a menção de que no
local arrendado está a viver a filha casada do réu que o réu visita de tempos a tempos.
62. Se forem factos complementares ou concretizadores dos factos que as partes hajam
alegado, afigura-se-nos distinguir as situações de superveniência subjetiva das situações de
superveniência objetiva. Se o tribunal pode conhecer oficiosamente dos factos revelados
durante a instrução da causa que sejam complemento ou concretização dos factos alegados
com o sentido que já foi referido, a necessidade de se provar que a parte não tinha
conhecimento do facto excluiria a própria oficiosidade. Já quanto à superveniência objetiva, a
necessidade da sua alegação resulta da oficiosidade valer quanto aos factos novos
conexionados com os factos alegados. Sucede que os factos novos a ter em conta
oficiosamente são todos e apenas aqueles suscetíveis de terem sido alegados, ou seja, todos os
que já se tinham verificado quando a ação foi proposta.

Prova
63. Constitui facto essencial complementar dos factos alegados reveladores da
incapacidade do testador entre os quais o de se esquecer do nome de pessoas próximas, o de
se esquecer de que já falecera o seu cônjuge, pedindo a sua presença e lastimando-se da sua
ausência etc. etc., a menção efetuada em audiência final de que ele padecia há anos de
doença de Alzheimer que tinha já atingido um grau de evolução em que o próprio não estava
apto a medir o sentido da sua própria declaração (artigo 2199.º, do Código Civil).
64. Se em muitos casos a revelação de tais factos não constituirá uma surpresa no sentido
em que, atento o alegado, seria admissível que da prova resultasse esse facto novo - parece-
nos ser o caso do exemplo apontado respeitante à posse – já noutros – será o que acontece no
exemplo da incapacidade – o facto é inesperado porque seria de esperar que, pela sua
relevância, fosse o primeiro a ser alegado. A controvérsia sobre a incapacidade do testador
quando lavrou o testamento tinha em vista uma situação em que os factos apontariam para
uma incapacidade acidental e não para uma incapacidade permanente.
65. Não pode, a nosso ver, ser inviabilizada a produção de prova destinada a infirmar o
que desses factos resulta (v.g. a junção aos autos de toda a documentação clínica respeitante
ao testador e apreciação pericial tendo em vista saber se, face ao que da documentação clínica
consta, padecia o testador da referida doença) pois à parte prejudicada com a valorização
probatória desses factos novos "a possibilidade de se pronunciar" sobre eles não se restringe
ao exercício do contrainterrogatório, ou seja, "as instâncias indispensáveis para se completar

257
Poderes de cognição do juiz em matéria de facto

ou esclarecer o depoimento" (artigo 517.º/2). Com isto se quer dizer que em muitos casos o
exercício do contraditório pode implicar atos de instrução relevantes.
66. Aliás, no âmbito do despacho pré-saneador, a lei admite que seja apresentado novo
articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido (artigo 590.º/4) ficando os
factos aditados sujeitos às regras gerais sobre contraditoriedade e prova (artigo 590.º/5). De
igual modo o exercício do contraditório e prova também são admissíveis se houver que
proceder ao suprimento das insuficiências da matéria de facto na audiência prévia com a
diferença de que, em tal caso, é desnecessária a apresentação de articulado visto que, logo
nessa ocasião, devem ser indicados os factos que integrem o exercício do contraditório.
67. Atente-se, porém, que a parte que não alegou factos essenciais ou complementares
dos factos essenciais alegados corre o risco, se deles tinha conhecimento quando propôs a
ação, de não poder beneficiar da sua aquisição processual se tais factos não "entrarem" no
processo por via da instrução da causa.
68. Assiste-lhe o direito de produzir prova sobre factos que se tenham revelado durante a
instrução da causa salvo, como é evidente, se o Tribunal considerar que tais factos não são
relevantes ou que, embora relevantes, não podem ser considerados por implicar a sua
aquisição processual violação da causa de pedir 16.

16
A consideração de factos novos revelados na instrução da causa não significa, assim sendo, que a parte
tenha incorrido em insuficiência de alegação. Refira-se que o convite que o Tribunal deve dirigir tendo em
vista o aperfeiçoamento não é admissível se os factos em causa constituírem causa de pedir diversa da
causa de pedir alegada ou que a parte tinha concretamente em vista. Ex: A. demanda B. considerando que o
veículo segurado não respeitou o sinal de stop invadindo a faixa em que circulava; B. nega a existência
naquele momento no local do embate de um sinal de Stop que dali teria sido removido ou de qualquer
outro sinal que conferisse prioridade ao condutor do veículo A; resultando todavia do auto de sinistro
elaborado pela autoridade policial a existência de rastos de travagem e a referência pelo condutor do
veículo A. que o outro veículo surgiu subitamente na via em manobra de travagem, não pode o Tribunal
convidar o A a alegar que o veículo segurado em B circulava com velocidade inadequada para quem se
aproxima de um cruzamento, ainda que com prioridade por vir da direita, impondo-se sempre uma
manobra de aproximação à via realizada lenta e cuidadosamente? Implicam tais factos novos não alegados
causa de pedir diversa? A causa de pedir em acidentes de viação é complexa, inclui todos os factos que
contribuíram para a eclosão do acidente. Se considerarmos apenas os factos alegados (o condutor do
veículo segurado entrou na via violando sinal de Stop), a falta de prova desse facto conduz à improcedência
da ação porque afinal lhe assistia prioridade; provando-se os factos que resultaram da instrução da causa,
ou seja, que o veículo segurado na ré, beneficiando da prioridade por se apresentar pela direita, entrou com
velocidade no cruzamento sem abrandar a velocidade de que vinha animado, pode decidir-se que a
responsabilidade do acidente pertence aos dois condutores.

258
Poderes de cognição do juiz em matéria de facto

Concluindo:
I- A lei não impõe qualquer limitação ao ónus de alegação dos factos, dispondo as partes
de toda a liberdade para alegarem os factos essenciais e instrumentais que reputem
convenientes, aceitando-se que o façam de forma exaustiva visto que o seu aproveitamento
oficioso em fase ulterior do processo está condicionado à sua revelação na instrução da causa.
II- A superveniência subjetiva não obsta à admissibilidade de factos novos que resultam
da instrução da causa pois a lei admite o seu conhecimento oficioso.
III- A admissibilidade de factos complementares ou concretizadores pressupõe que se
conexionem (a) com factos que as partes hajam alegado, que resultem da instrução da causa
(b) e que as partes (c) sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciarem.
IV- Os factos novos têm de respeitar a causa de pedir que emerge dos factos
concretamente alegados; no entanto, no que respeita à qualificação jurídica, esta pode ser
diversa da que as partes tinham em vista à luz da causa de pedir que invocaram; ou seja, a
causa de pedir é aquela que resulta dos factos alegados e, por conseguinte, o direito pode ser
reconhecido ainda que fundado em causa de pedir diversa da invocada desde que esta tenha
suporte nos factos alegados.
V- Não obsta à admissibilidade dos factos novos que resultam da instrução da causa
enquanto factos complementares ou concretizadores dos factos alegados a suficiência destes
tendo em vista a pretensão deduzida.
VI- A complementaridade ou concretização dos factos novos deve ser considerada à luz da
causa de pedir que emerge dos factos concretamente alegados e a conexão com estes deve
ser considerada, tendo em vista a totalidade dos factos ocorridos integrativos dessa causa de
pedir que podiam ter sido alegados e não foram alegados, interpretação que está em
conformidade com a letra e o espírito do artigo 5.º, do C.P.C.
VII- Os factos novos concretizadores podem ser tanto os factos que emergem de
conclusões de facto alegadas como os que emergem de conceitos de direito desde que estes
se conexionem com factos alegados respeitantes à mesma causa de pedir.
VIII- Se o Tribunal, no decurso da instrução, constatar que se evidenciam factos de
natureza complementar ou concretizadora deve considerar oficiosamente que tais factos
constituem tema de prova, convidando as partes para, querendo, quanto a eles exercerem o
contraditório.

259
Videogravação da comunicação

260
Temas da prova e instrução

[Elizabeth Fernandez]
Temas da prova e instrução

Temas da prova e instrução


Elizabeth Fernandez

Sumário:
I – As mudanças na produção de alguns meios de prova: a prova testemunhal e a
prova documental.
II – Crítica da inconsequente apresentação inicial dos requerimentos probatórios.
III – O que deveria ter mudado e nao mudou: cuidados de interpretação com a
prova pericial.
IV – As novas provas: as declarações de parte e as verificações não judiciais
qualificadas.

263
Videogravação da comunicação

Vídeo 1 Vídeo 2

264
Temas da prova e instrução

[Paulo Ramos Faria]


Temas da prova e instrução

Temas da prova e instrução


Paulo Ramos Faria

Sumário:
I – Temas da prova
 I.I – Distinção entre (identificação do) objeto do litígio (arts. 596.º, n.º 1, e
607.º, n.º 2) e (enunciação das) questões que ao tribunal cumpre
solucionar (art. 607.º, n.º 2) – cfr., ainda (conhecimento das) questões a
resolver (arts. 595.º, n.º 2, e 608.º)
 I.II – Enunciação dos temas da prova (art. 596.º, n.º 1)
II – Instrução
 II.I – Oportunidade de apresentação e de alteração dos requerimentos
probatórios
 II.II – Meios de prova
 II.II.I – Prova por documentos
 II.II.II – Declarações de parte
 II.II.III – Verificações não judiciais qualificadas
 II.II.IV – Prova testemunhal
(III – Audiência final)

267
Videogravação da comunicação

Vídeo 1 Vídeo 2

268
 Sentença Cível

 Nótula sobre a Jurisdição


Cível1

[António Santos Abrantes Geraldes]

1
Texto cedido pelo autor para a presente publicação.
Sentença Cível

Sentença Cível 1
António Santos Abrantes Geraldes

1. No processo civil, o termo “sentença” designa o “acto pelo qual o juiz decide a causa
principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa” (art. 152º, nº 2, do
NCPC). Tal expressão abarca também, além da decisão final dos procedimentos cautelares, o
despacho saneador que conhece imediatamente do mérito da causa, isto é, que aprecia o
pedido ou algum dos pedidos ou excepção peremptória, nos termos do art. 595º, nº 1, al. b),
do NCPC.
Porém, atenta a recentíssima entrada em vigor do NCPC, incidirei especialmente sobre as
alterações que se materializaram no art. 607º, respeitante à “sentença”, como acto que, após
a audiência final, congrega tanto a decisão da matéria de facto, como a respectiva integração
jurídica, por comparação com o que anteriormente emergia dos arts. 653º (decisão da matéria
de facto) e 659º (sentença).

2. O sistema anterior caracterizava-se pela dualidade de julgamentos: num primeiro


momento, o Tribunal (quase em absoluto, o juiz singular) proferia a decisão da matéria de
facto, expondo o resultado da sua convicção relativamente aos diversos pontos da base
instrutória, seguida da motivação colhida da apreciação crítica dos meios de prova produzidos;
num segundo momento, depois de eventuais alegações de direito, o processo era apresentado
ao juiz para proferir a sentença, com identificação, interpretação e aplicação das normas
jurídicas aos factos considerados provados.
Já então era possível, em determinadas situações, antecipar a prolação da sentença,
como acontecia quando as partes optavam por alegações de direito orais (arts. 657º, nº 1, e
659º, nº 5) ou no processo sumário (art. 791º, nº 3).
Ainda assim, mantinha-se a repartição entre o julgamento da matéria de facto e a
apreciação jurídica, como decisões autónomas, ainda que formalmente agregadas.
Esta metodologia, que sobreviveu a diversas reformas do processo civil, apresentava
alguns inconvenientes que o NCPC procurou afastar.

1
Corresponde ao texto-base da intervenção nas “Jornadas de Processo Civil” organizadas pelo CEJ, em 23 e
24 de Janeiro de 2014.

271
Sentença Cível

Para além da sua inadequação a um modelo que praticamente abolira a intervenção do


Tribunal Colectivo e em que, por conseguinte, tanto o julgamento da matéria de facto, como a
respectiva apreciação jurídica, eram atribuídos a um órgão uninominal, a referida
autonomização formal tinha como pressuposto essencial a possibilidade de se estabelecer
uma perfeita delimitação entre o que constituía matéria de facto e o que deveria considerar-se
matéria de direito, desiderato que nem sempre era viável ou conveniente.
Acrescia ainda que o estabelecimento de uma separação formal e temporal entre a
decisão da matéria de facto e a aplicação do direito dificultava uma correcta integração de
ambos os fundamentos da sentença 2.
Ademais, a separação entre a decisão da matéria de facto e a sentença potenciava ainda
que fossem subscritas por juízes diversos, nos casos em que o juiz que dirigira a audiência de
discussão e julgamento e proferira a decisão da matéria de facto era transferido para outro
Tribunal de 1ª instância ou promovido à Relação, uma vez que o princípio da plenitude da
assistência apenas vigorava para a audiência de julgamento 3.
A percepção dos inconvenientes da anterior solução esteve na génese das modificações
operadas e que essencialmente se traduziram no seguinte: “encerrada a audiência final, o
processo é concluso ao juiz, para ser proferida sentença no prazo de 30 dias” (art. 607º, nº 1,
do NCPC).

2
É evidente que a decisão da matéria de facto não deve ser condicionada por uma preconcebida solução
jurídica, devendo o juiz verter na mesma o resultado da convicção formada sobre os meios de prova sujeitos
a livre apreciação ou o que decorre de meios de prova vinculada. Mas tal não significa que o juiz, nesse
momento, se abstraia e desconsidere as respectivas consequências jurídicas.
Assim, com respeito pelos deveres deontológicos que obrigam a um distanciamento em relação ao resultado
da lide e sem embargo da necessidade e obrigatoriedade de o juiz motivar a decisão sobre a matéria de
facto, não poderá deixar de antecipar os efeitos que resultam da prova ou da falta de prova de certos factos,
assim como deve ponderar, em face dos institutos jurídicos em causa, os factos cuja prova se revela
necessária para que a acção ou a excepção proceda.
3
As atribulações do processo legislativo que começou por ter como objectivo uma alteração do anterior CPC
e acabou com a aprovação de um novo CPC explicam algumas incongruências, traduzindo-se uma delas na
inserção do nº 4 no art. 605º, segundo o qual “nos casos de transferência ou promoção, o juiz elabora
também a sentença”. Este preceito justificar-se-ia se tivesse sido mantida a cisão entre o julgamento da
matéria de facto e a respectiva integração jurídica. Já não se mostra necessário no modelo adoptado na
versão final do NCP, que prescreve a fusão de ambos os julgamentos na sentença, bastando para o efeito o
que está previsto no nº 3, nos termos do qual a transferência ou a promoção do juiz não interferem na
conclusão do julgamento.

272
Sentença Cível

3. As modificações introduzidas com o NCPC determinam algumas alterações no que


concerne à elaboração da sentença, umas de natureza formal e outras de cariz substancial 4.
Desde logo, não podem olvidar-se os contributos que nas sucessivas reformas processuais
o legislador vem procurando dar no sentido da simplificação dos actos processuais, como
factor que potencia a eficácia e a celeridade na resposta judiciária. Objectivos nem sempre
bem compreendidos, uma vez que, malgrado as modificações legais, ainda é recorrente a
concentração de esforços na descrição do litígio (em que o pretendido relatório se transforma
no relato de todas as incidências processuais ou na transcrição de todos os fundamentos da
acção ou da defesa) ou na exposição (ou na transcrição facilitada pelo copy past) de elementos
de natureza doutrinal ou jurisprudencial sem efectivo relevo para a resolução das questões a
decidir.
Sendo recorrentes as observações que se fazem relativamente a determinadas opções
legislativas, é mister que se admita, nesta área específica, que as reformas no âmbito do
processo civil têm apostado precisamente na simplificação dos actos, objectivo que deve ser
prosseguido na prática judiciária.

4. A aludida simplificação deve orientar o juiz, desde logo, na elaboração do segmento


relativo à identificação das partes, não se compreendendo a reprodução de todos os
elementos que obrigatoriamente já terão sido enunciados pelo autor na petição inicial (art.
552º, nº 1, al. a)), nem a reprodução dos domicílios ou sedes sociais.
Menos ainda se justificará, em face do texto legal (art. 607º, nº 1), que praticamente já
reproduz o que constava do art. 659º, nº 1, do anterior CPC, que, em lugar de uma correcta e
sintética identificação do objecto do litígio, continuem a ser feitas transcrições dos articulados
sem qualquer utilidade, desviando a atenção daquilo que verdadeiramente é importante.
Por ser necessária à compreensão da sentença, a lei apenas exige que o juiz enuncie, em
traços gerais, os contornos do litígio, com identificação clara do pedido ou dos pedidos
formulados, a par da síntese dos respectivos fundamentos (causa ou causas de pedir) e dos

4
Relativamente à Reforma do Processo Civil de 1996/97, poderão ser colhidas observações mais completas
que inseri em “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. I (princípios gerais e fase inicial) e vol. II (audiência
preliminar, despacho saneador, decisão da matéria de facto).
Já relativamente ao NCPC, abordei a matéria dos recursos em “Recursos no Novo CPC” (2013), e remeto
ainda, no que concerne aos Trabalhos Preparatórios, para textos publicados na revista Julgar, nº 16 (2012)
(“Nova Reforma do processo Civil”), em II Cadernos da Revista do Ministério Público (2012) (“Recursos”) e na
Revista da Ordem dos Advogados (2012) (“Reforma do Processo Civil”).

273
Sentença Cível

fundamentos apresentados pelo réu, máxime quando se defenda por excepção que ainda não
tenha sido apreciada no despacho saneador.
Culminará este segmento da sentença com a enunciação das “questões jurídicas” que
cumpre apreciar, na certeza, porém, de que as mesmas não correspondem a meros
argumentos jurídicos, antes aos vectores fundamentais da acção e da defesa, a que poderão
ainda acrescer outras que sejam de conhecimento oficioso 5.
Este enunciado, que ganhou forma há cerca de 30 anos, com o DL nº 242/85, de 9 de
Julho, repudia naturalmente a descrição pormenorizada de todos os passos processuais, tal
como é avesso à reprodução de todas as alegações ou argumentos apresentados nos diversos
articulados, devendo registar-se apenas aquilo que seja necessário à compreensão do que será
objecto de apreciação 6.
Em todos os casos o relatório da sentença (e dos acórdãos) deve respeitar o critério que o
legislador fixou, orientado por factores que favoreçam a clareza, a simplicidade e a utilidade
dos elementos expostos. Sendo escasso o tempo e os meios disponibilizados, os juízes devem
concentrar-se naquilo que é fundamental, não podendo ignorar o relevo que deve ser dado a
factores de eficiência associada à garantia judiciária em prazo razoável, como o determina a
Constituição e o art. 2º, nº 1, do NCPC 7.

5
Em regra, verificar-se-á uma coincidência entre o “objecto do litígio” a que se reporta o art. 607º, nº 2, e o
modo como o juiz, na audiência prévia, delimitou os “termos do litígio” (art. 591º, nº 1, al. c)).
Porém, para além de esta delimitação não ser vinculativa nem para o juiz que a concretizou, nem para o que
venha a realizar o julgamento e a proferir a sentença, não está afastada a possibilidade de, através de uma
análise mais profunda dos autos, se revelarem outras questões que resultem dos articulados, que tenham
sido suscitadas posteriormente ou que sejam de apreciação oficiosa.
Em tais circunstâncias, importará verificar se o contraditório se mostra garantido ou se, ao invés, é
necessária a audição das partes que evite decisões-surpresa, nos termos do art. 3º, nº 3.
6
A simplicidade do relatório não é uma característica específica da sentença, devendo também orientar a
estruturação dos acórdãos da Relação (art. 663º) e do Supremo Tribunal de Justiça (art. 679º), em que ainda
menos se compreendem extensos relatos dos passos processuais, numa ocasião em que se exige uma
concentração nas questões que integram o objecto do recurso, cujos limites não coincidem
necessariamente com o objecto da acção.
Aqui o que fundamentalmente importa é que sejam trazidos para o relatório os aspectos que importem à
delimitação do objecto do recurso e à inteligibilidade do seu julgamento.
7
Em termos pragmáticos, o juiz deve colocar-se na perspectiva de quem vai ser confrontado com a
sentença: a parte, os mandatários, os juízes dos Tribunais Superiores ou mesmo terceiros que à mesma
acedam. Assegurando que a sentença seja facilmente compreendida, deve omitir os elementos que não
revelem qualquer utilidade, nem prática, nem jurídica.

274
Sentença Cível

5. No anterior modelo, na estruturação da sentença, seguia-se a transcrição dos factos


provados que, em geral, se traduzia na reprodução dos factos anteriormente considerados
assentes e dos resultantes das respostas dadas aos diversos pontos da base instrutória.
Já então era necessário que o juiz coligisse dos autos outros factos cuja prova derivasse de
acordo das partes, de confissão reduzida a escrito ou de documentos.
Posto que na sua generalidade, tais factos já tivessem sido recolhidos, na fase da
condensação, para os “factos assentes” (“especificação”, na terminologia inicial do CPC), essa
selecção não precludia a possibilidade e a necessidade de serem atendidos outros factos com
relevo para a decisão das questões jurídicas sob apreciação cuja prova emergisse
vinculadamente dos autos.
Também neste campo da descrição da matéria de facto considerada provada eram
frequentes situações patológicas a que urge dar resposta.
Alguns dos vícios tinham a sua génese no modo como as partes cumpriam o ónus de
alegação da matéria de facto. Uma vez que a lei não impunha nem impõe limites formais (nem
qualitativos, nem quantitativos) relativamente a tal matéria, com frequência se verificava (e,
porventura, continuará a verificar-se) a apresentação de extensos articulados, sem efectiva
concentração nos factos essenciais, com excessiva alegação de factos instrumentais ou
circunstanciais, por vezes de forma repetida, prejudicando ou dificultando a compreensão dos
verdadeiros termos do litígio.
Dir-se-ia que, na posterior fase da condensação, se impunha que o juiz, dotado de maior
objectividade, apenas relevasse como “factos assentes” ou para a “base instrutória” aqueles
que efectivamente fossem determinantes para o resultado da acção, segundo as diversas
soluções plausíveis da questão de direito.
Mas nem sempre essa selecção era efectuada com o necessário rigor, de tal modo que os
vícios que caracterizavam os articulados acabavam por contaminar quer os “factos assentes”,
quer a “base instrutória”.
No que concerne à base instrutória, constatava-se com muita frequência que, em vez de
concentrar os factos controvertidos verdadeiramente decisivos para o desfecho da acção,
acabava por integrar, sem critério e de forma anárquica, a multiplicidade de factos alegados
por cada uma das partes, sem respeito pelas regras de distribuição do ónus da prova e por
vezes em versões antagónicas.
Para além dos efeitos negativos que se revelavam através do arrastamento da audiência
de julgamento, a fundamentação da sentença posteriormente elaborada acabava por reflectir
os erros ou vícios anteriores. Situação que era agravada ainda por uma outra deficiência muito

275
Sentença Cível

comum quando o juiz praticamente se limitava a reproduzir na sentença os factos assentes e


os resultantes das respostas aos pontos da base instrutória, sem respeitar uma descrição
lógica ou cronológica da matéria de facto apurada, numa teia que tornava muitas vezes
incompreensível a realidade carecida de integração jurídica.
Não se procurem na lei adjectiva anterior justificações para esta situação, a qual era
resultado do simples incumprimento de uma regra elementar: a de que a sentença deve
enunciar a realidade que cumpre integrar, o que necessariamente impunha e impõe a sua
descrição de forma inteligível e segundo uma ordem lógica que facilite a compreensão dos
termos do litígio e a razão da necessidade de composição judicial 8.

6. Os mencionados objectivos de clareza e de simplificação devem ser prosseguidos com


o NCPC que, nesta parte, introduziu algumas modificações.

8
A sentença, como os demais actos processuais, deve ser redigida em português (art. 133º, nº 1, do NCPC),
mas numa linguagem corrente e fluente que, sem ser coloquial, permita a fácil compreensão do seu
conteúdo.
No que concerne à matéria de facto provada, deve evidenciar, de forma imediata, coerente e lógica, a
realidade sob apreciação, o que de modo algum se satisfaz com a colagem de diversos elementos que nem
sequer internamente se mostram ordenados.
Tal como acontece com um puzzle, em que o encaixe das peças se revela imprescindível à representação da
imagem, também a realidade que o Tribunal considera apurada apenas ganha sentido com a ordenação dos
diversos segmentos da matéria de facto. Ainda que se mantenha o número de componentes, o amontoado
de peças (ou o arrazoado de factos) não permite perceber a imagem (ou a realidade) em que se integra cada
um dos elementos.
Acresce que determinados segmentos da matéria de facto apenas revelam o seu verdadeiro sentido depois
de contextualizados, atendendo, por um lado, ao modo como foram alegados e, por outro, aos motivos por
que foram considerados provados.
Com facilidade se encontram exemplos de uma deficiente metodologia na elaboração de decisão judiciais,
designadamente em acções de responsabilidade civil por acidente de viação, em que é usual a mera
transcrição dos factos assentes, seguida de outros que decorrem da alegação do autor e do réu, uns
relativos às circunstâncias do acidente, outros aos diversos danos invocados, numa amálgama dificilmente
decifrável. Nestas e noutras situações, só uma ordenação lógica e coerente da matéria de facto permite
percepcionar a realidade que está em causa, tarefa que, uma vez executada, facilita a sua integração
jurídica.

276
Sentença Cível

6.1. A primeira e principal modificação respeita à concentração na mesma peça


processual da decisão da matéria de facto controvertida e da integração jurídica, o que
justificou a ampliação do prazo de prolação de 10 para 30 dias 9.
A separação entre o que constitui matéria de facto e o que integra matéria de direito é
questão que percorre toda a instância processual, desde os articulados, passando pela
sentença, até aos recursos, maxime ao recurso de revista.
Mas pese embora o relevo que essa delimitação apresenta, jamais se conseguiu ou
conseguirá a enunciação de um critério universal que responda a todas as questões suscitadas.
Continuando a lei a prever tal delimitação, os respectivos contornos poderão sofrer variações
em função das concretas circunstâncias, designadamente em razão do verdadeiro objecto do
processo, de tal modo que uma mesma proposição pode assumir, num determinado contexto,
uma questão de facto e, noutro contexto, uma questão de direito.
Posto que o julgamento da matéria de facto não deva confundir-se com o julgamento
da matéria de direito, a manutenção, a todo o custo, de uma linha de separação revela-se
frequentemente artificial e prejudicial à justa resolução da lide, sendo, por isso, admissível e
desejável uma maior concentração da factualidade considerada provada, ainda que com
auxílio de formulações de pendor mais genérico, mas que permitam uma correcta e inteligível
compreensão da realidade que o Tribunal conseguiu isolar 10.

6.2. Um dos segmentos principais da sentença deve reportar o resultado da convicção


formada pelo juiz relativamente à matéria abarcada pelos “temas de prova”, em resultado da

9
Não era nem será concebível a prolação das famigeradas “sentenças por apontamento”, com declaração
oral do resultado do litígio, tal como não é sustentável a separação cronológica da decisão da matéria de
facto e da sua integração jurídica.
Já nada impede que a sentença seja proferida oralmente, no final da audiência de julgamento, ficando
gravada, nos termos dos arts. 155º, nº 1, e 153º, nº 3, opção que se revela especialmente eficiente nos
casos mais simples.
10
Tal como ocorre na pintura, o estilo realista ou naturalista não é o único capaz de representar a realidade.
Posto que estejam afastadas técnicas associadas ao abstraccionismo e sem embargo de determinadas
situações carecerem de uma maior pormenorização, uma linguagem impressionista ou expressionista pode
revelar-se suficiente para descrever a realidade em sentenças judiciais, desde que essa realidade seja
perceptível não apenas pelo juiz, como pelas partes e, depois, pelos Tribunais Superiores.

277
Sentença Cível

apreciação dos meios de prova que foram produzidos na audiência final ou da análise do
processado 11.
O julgamento da matéria de facto provada e não provada será o resultado de dois
processos decisórios submetidos a regimes diversificados.
Determinados meios de prova não consentem qualquer margem de apreciação,
gozando de força probatória plena. Assim ocorre com a confissão que a lei admita (arts. 354º e
358º do CC) e com os documentos autênticos, autenticados e mesmo particulares, nos termos
que estão regulados nos arts. 371º, nº 1, e 376º, nº 1, do CC.
A força probatória plena equivalente à confissão acompanha também os factos
relativamente aos quais exista acordo expresso ou tácito das partes, nos termos dos arts. 574º,
nºs 2 e 3, e 587º, nº 1, do NCPC, sem embargo das limitações aí previstas.
Nestes casos, os factos que encontrem em tais meios de prova força plena terão de ser
obrigatoriamente assumidos pelo juiz, sem que possam ser infirmados por outro género de
provas (v.g. testemunhas, perícias ou presunções judiciais).
E numa outra perspectiva, acautelada no art. 607º, nº 5, também é vedado ao juiz
declarar provados determinados factos para os quais a lei exija determinada formalidade
especial ou por documentos sem que essa exigência legal se mostre satisfeita.
Fora destas situações vigora o princípio da livre apreciação, nos termos do qual o juiz
aprecia os meios de prova segundo a sua prudente convicção, aplicando no exercício desse
múnus as legis artis adequadas (nº 5 do art. 607º).
Tal revela-se especialmente relevante no que concerne à prova testemunhal (com as
excepções previstas nos arts. 393º a 395º do CC), à prova por declarações de parte (art. 466º,
nº 3, do NCPC), à prova pericial (em que esse princípio expresso no art. 389º do CC deve ser
usado cum granu salis), à prova por inspecção judicial e por verificação não judicial qualificada

11
Manifestando-se neste momento o confronto entre a verdade material e a verdade processual, limitar-
me-ei a evidenciar a necessidade de o juiz adoptar um critério de razoabilidade no que concerne à
afirmação da prova ou da falta de prova dos factos controvertidos.
Cientes de que a verdade absoluta é estranha ao Direito e que, por conseguinte, a formulação de juízos
judiciários deve assentar, conforme as circunstâncias e a natureza do caso, em critérios que se orientem
pela verosimilhança ou pela maior ou menor probabilidade, não devem ser feitas exigências probatórias
irrealistas que, na prática, acabem por revelar uma situação de denegação de justiça.
Importa, por outro lado, ponderar, além dos aspectos ligados à distribuição do ónus da prova, os dados
revelados pela experiência judiciária no que concerne ao exercício desse ónus, sem ignorar sequer a postura
concretamente adoptada pela parte contrária sobre a qual também recaem exigências decorrentes do dever
de cooperação relativamente à descoberta da verdade e outras associadas ao ónus de contraprova.

278
Sentença Cível

(nos termos do art. 391º do CC e do art. 494º, nº 3, do NCPC) e à prova por presunções que
sofre as limitações previstas para a prova testemunhal (art. 351º do CC).

6.3. No que concerne à decisão sobre a matéria de facto provada e não provada, não
será indiferente nem o modo como as partes exerceram o seu ónus de alegação, nem a forma
como o juiz, na audiência prévia ou em despacho autónomo, enunciou os temas da prova,
tarefas relativamente às quais foram introduzidas no NCPC importantes alterações que
visaram quebrar rotinas instaladas e afastar os efeitos negativos a que conduziu a metodologia
usualmente aplicada no âmbito do anterior CPC 12.
Quanto ao ónus de alegação cumpre destacar o que agora dispõe o art. 5º, nº 1,
devendo o autor e o réu concentrar-se nos factos essenciais que constituem a causa ou causas
de pedir 13 ou em que se baseiam as excepções invocadas (a que deve acrescer a alegação,
ainda que não preclusiva, dos respectivos factos complementares), sem excessiva preocupação
pelos factos instrumentais, já que estes poderão ser livremente discutidos na audiência final.
Naturalmente o referido ónus de alegação exerce influência na enunciação dos temas
da prova que deverão ter por base os fundamentos de facto da acção e da defesa, sem que
essa vinculação leve ao extremo (revelado pela prática anterior) de inserir toda a factualidade
alegada (e controvertida) só por que foi alegada 14.

12
Sem embargo do necessário aggiornamento que se adapte às formulações legais constantes do NCPC,
remeto para o que já tratei em “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, 4ª ed. (2010), págs. 216 e segs.,
onde, com mais desenvolvimento, abordei diversas questões atinentes à “decisão da matéria de facto”,
designadamente os segmentos decisórios de conteúdo positivo, negativo, restritivo e explicativo, a par das
patologias reveladas pelo teor excessivo, obscuro, contraditório ou puramente jurídico.
13
Foi praticamente abolida a possibilidade de alteração ou de ampliação da causa de pedir ou do pedido
(arts. 264º e 265º do NCPC), o que necessariamente se deve reflectir na elaboração da petição inicial,
designadamente no que concerne à fundamentação da pretensão.
14
Como regra que deve ser adaptada às circunstâncias do caso, os temas da prova devem centrar-se apenas
nos factos essenciais relativamente aos quais persista a controvérsia, excluindo, por isso, em regra, os factos
instrumentais que não integram qualquer pressuposto legal da acção ou da defesa.
Mas tal não significa que se mantenha a anterior metodologia que rodeava a elaboração da base instrutória,
parecendo-me inteiramente ajustada aquela para que apontam Ramos Faria e Ana Loureiro, em Primeiras
Notas ao NCPC, vol. I, quando assumem com frontalidade que os temas de instrução podem ser
identificados até por referência a conceitos de direito ou conclusivos, desde que todos os sujeitos
compreendam de facto o que está em discussão (pág. 510) e a forma usada permita o adequado julgamento
da causa em que se integram (pág. 508). Em suma, asseveram que “sem grande preocupação sobre a
qualificação dos factos, a enunciação dos temas da prova deve permitir apenas que se conheça o que está
ainda em causa na instrução, que questões de facto ainda não estão resolvidas”.

279
Sentença Cível

A matéria de facto provada deve ser descrita pelo juiz de forma mais fluente e
harmoniosa do que aquela que resultava anteriormente da mera transcrição do resultado de
respostas afirmativas, positivas, restritivas ou explicativas a factos sincopados que usualmente
preenchiam os diversos pontos da base instrutória do anterior CPC.
Se, por opção, por conveniência ou por necessidade, nos temas de prova se
inscreveram factos simples, a decisão será o reflexo da convicção formada sobre tais factos
convertida num relato natural da realidade fixada.
Já quando porventura se tenha optado por proposições de carácter mais abrangente
ou de pendor mais genérico ou conclusivo, mas que permitam delimitar e compreender a
matéria de facto que é relevante para a resolução do concreto litígio, poderá justificar-se um
maior labor na sua concretização, seguindo um critério funcional que atenda às necessidades
do concreto litígio, desde que, como é natural, seja respeitada a correspondência com a prova
que foi produzida e bem assim os limites materiais da acção e da defesa.

6.4. Como se disse anteriormente, na enunciação dos factos apurados o juiz deve usar
uma metodologia que permita perceber facilmente a realidade que considerou demonstrada,
de forma linear, lógica e cronológica, a qual, uma vez submetida às normas jurídicas aplicáveis,
determinará o resultado da acção.
Por isso é inadmissível (tal como já o era anteriormente) que se opte pela enunciação
desordenada de factos, uns extraídos da petição, outros da contestação ou da réplica, sem
qualquer coerência interna.
Este objectivo – que o bom senso já anteriormente deveria ter imposto como regra
absoluta – encontra agora na formulação legal um apoio suplementar, já que o art. 607º, nº 4,
2ª parte, impõe ao juiz a tarefa de compatibilizar toda a matéria de facto adquirida, o que
necessariamente implica uma descrição inteligível da realidade litigada, em lugar de uma
sequência desordenada de factos atomísticos.
Em tal enunciação cabem necessariamente os factos essenciais que foram alegados
para sustentar a causa de pedir ou para fundar as excepções ainda não apreciadas no
despacho saneador, a par dos factos complementares (que, de acordo com o tipo legal, se
revelem necessários para que a acção ou a excepção proceda) e, se se mostrar necessário, dos

Semelhante juízo é formulado por Lebre de Freitas, em A Acção Declarativa Comum, 3ª ed., pág. 197,
quando refere que o juiz deve enunciar a matéria controvertida em “traços gerais”, exemplificando com
uma situação em que pode mostrar-se controvertido “se ou não foi celebrado o contrato X entre as partes”
e “qual dos contraentes não cumpriu as obrigações dele decorrentes”.

280
Sentença Cível

factos concretizadores daquela factualidade, na medida em que a mesma se mostre


necessária.
Se relativamente aos factos essenciais funciona plenamente o princípio da preclusão
que impede a sua alegação posterior aos articulados, já quanto aos factos complementares e
factos concretizadores, para além de poderem ser introduzidos no processo em resposta a um
eventual despacho de aperfeiçoamento (art. 590º, nº 4), poderão ainda ser considerados na
sentença, desde que resultem da instrução da causa e as partes tenham tido a possibilidade de
sobre eles se pronunciar (art. 5º, nº 2, al. b)).

6.5. Mais dificuldades suscita o tratamento que deve ser conferido na sentença aos
factos instrumentais. Dificuldades que advêm do excessivo relevo que lhes foi dado no âmbito
do anterior CPC e que também decorrem das alterações legais que agora cumpre interpretar e
aplicar.
No sistema anterior, a lei apenas se referia aos factos instrumentais no art. 264º, nº 2,
do CPC, ainda assim para legitimar a sua consideração por parte do juiz, mesmo a título
oficioso, quando resultassem da instrução e discussão da causa.
Apesar disso e malgrado a função secundária de tais factos ligada à formação da
convicção sobre os factos constitutivos, impeditivos ou extintivos do direito invocado, era
comum a sua inserção na base instrutória só porque tinham sido alegados e se encontravam
controvertidos. Lograda, deste modo, a sua integração nessa peça fundamental, acabavam por
ser submetidos ao mesmo juízo probatório que presidia à apreciação dos demais factos,
culminando na sua integração na sentença.
Os excessos a que este sistema conduziu (law in action) são bem visíveis, quer através
da morosidade que foi induzida nas audiências finais, quer da extensão dos “fundamentos de
facto” que, uma vez relatados nas sentenças, acabavam por ser transpostos para a
fundamentação dos acórdãos da Relação ou mesmo do Supremo Tribunal de Justiça.
A morosidade das audiências era consequência do excessivo relevo formal que era
dado a tal factualismo. Na verdade, a mera integração acriteriosa dos factos instrumentais na
base instrutória confrontava as partes com a necessidade ou, ao menos, com a conveniência
de produzirem prova sobre os mesmos, a par daquela que deveriam apresentar relativamente
aos factos essenciais à procedência ou improcedência da acção 15.

15
O excessivo relevo atribuído a tais factos não era apenas da responsabilidade dos juízes, pois também as
próprias partes revelavam grande dificuldade em separar-se dessa factualidade que fora alegada nos seus
articulados, reclamando frequentemente contra a sua não inserção na base instrutória.

281
Sentença Cível

Não sendo concebível a manutenção de um tal sistema, com todo o rol de


consequências negativas que eram visíveis, impõe-se uma outra metodologia que, sem colocar
em crise a justa decisão do litígio, permita trazer para o processo as vantagens da celeridade e
da eficiência da actividade judiciária.
É o que agora se busca através do disposto nos arts. 5º, nº 2, al. a), e 607º, nº 4, do
NCPC.
Para além de os factos instrumentais não carecerem de alegação (bastando, para o
efeito que se aleguem os factos essenciais de cuja prova depende a procedência ou
improcedência da acção), os mesmos poderão ser livremente discutidos e apreciados na
audiência final 16. Consequentemente, atenta a função secundária que desempenham no
processo, tendente a justificar simplesmente a alegação ou a prova dos factos essenciais ou
complementares, os factos instrumentais não terão que integrar a base instrutória e, além
disso, nem sequer deverão ser objecto, ao menos em regra, de um juízo probatório específico.
Independentemente de os factos instrumentais terem ou não terem sido alegados,
desde que resultem da instrução da causa (maxime da audiência final), o juiz, em associação
com as regras de experiência que se traduzem na aplicação de presunções judiciais, deve
tomá-los em consideração quando se tratar de motivar a afirmação ou a negação dos factos
verdadeiramente relevantes.

6.6. Os factos de natureza instrumental revelam-se especialmente importantes


quando se relacionam com as presunções judiciais.

Fosse como fosse, a valorização formal de tais factos, traduzida na sua integração na base
instrutória, acabava por implicar a necessidade ou a utilidade de as partes produzirem prova
sobre cada um dos segmentos, utilidade que também era encontrada quando se projectava
ou antecipava a eventual impugnação da decisão da matéria de facto perante a Relação.
Enfim, os excessos de alegação inicial, em lugar de serem removidos, acabavam por repercutir-
se em toda a tramitação processual, até à fase de recurso.
16
A degradação formal do valor dos factos instrumentais transparece ainda do teor do art. 574º, nº 2, in
fine, uma vez que mesmo a eventual admissão anterior desses factos pela parte contrária não impede a
produção de prova sobre os mesmos, pondo o NCPC o acento tónico nos factos essenciais à procedência da
acção ou da excepção.
Tal como já resultava do anterior CPC, não existe qualquer fundamento legal para impedir ou dificultar a
produção de meios de prova sobre factos instrumentais, maxime prova testemunhal em audiência de
julgamento, importando unicamente que se integrem no círculo delimitado pelos factos essenciais ou
complementares a que se refere o art. 5º.

282
Sentença Cível

O direito substantivo estabelece dois tipos de presunções: as presunções legais,


assentes na verificação de determinados pressupostos de facto que devem ser demonstrados
(juris et de jure ou juris tantum) e as presunções judiciais que correspondem a ilações extraídas
pelo juiz, de acordo com as regras de experiência, a partir de determinados factos conhecidos
(arts. 349º a 351º do CC).
Relativamente às presunções legais, a afirmação do efeito legalmente presumido
corresponde a uma conclusão jurídica, não prescindindo, por isso, da emissão de um juízo
probatório sobre os respectivos pressupostos de facto que, sendo essenciais para a extracção
daquela conclusão, devem ser objecto de pronúncia judicial explícita 17.
Por exemplo, a lei presume que a “titularidade do direito real de gozo” sobre um bem
pertence ao respectivo “possuidor”. Deste modo, tal conclusão apenas pode ser extraída num
contexto em que se apure, através de decisão explícita, que o interessado tem a qualidade de
possuidor, a qual é decomposta pelos elementos objectivo e subjectivo (arts. 1268º e 1252º,
nº 2, do CC).
Outro exemplo: a lei presume a “paternidade/filiação” quando o filho seja reputado e
tratado como tal pelo pretenso pai e reputado como filho também pelo público, ou quando o
pretenso pai manteve relacionamento sexual com a mãe do investigado no período legal de
concepção (art. 1871º, nº 1, als. a) e e), do CC). Assim sendo, a afirmação da paternidade
presumida não prescinde da formulação de um juízo probatório explícito sobre os factos que
determinam as referidas presunções legais, sendo, nessa medida, factos essenciais e não
factos instrumentais.
Em tal situação, se acaso não for elidida a presunção legal que emerge da
demonstração dos respectivos pressupostos, nos termos que a lei prescreve, a acção será

17
Teixeira de Sousa qualifica como instrumentais os factos que servem de base às presunções legais,
exemplificando precisamente com as presunções legais de paternidade previstas no art. 1871º, nº 1, do CC
(Algumas questões sobre o ónus de alegação e de impugnação em processo civil, em Scientia Iuridica, nº
332º, pág. 401).
Ainda que conclua que tais factos, apesar da natureza instrumental, terão de ser alegados, creio mais
ajustada a sua qualificação como factos essenciais, na medida em que deles se extrai, por via directa e sem
necessidade de intermediação do juiz, o efeito jurídico que a lei prescreve, no caso, a relação de
paternidade.
Na medida em que os factos que sustentam as presunções legais sejam qualificados como essenciais,
sofrem as limitações constantes dos arts. 264º e 265º no que concerne à alteração da causa de pedir.
Consequentemente também fica vedado ao juiz considerar na sentença factualidade essencialmente diversa
daquela que foi alegada, não podendo, por exemplo, reconhecer a paternidade com base numa presunção
legal diversa daquela que foi invocada pelo autor.

283
Sentença Cível

julgada procedente, declarando o tribunal o efeito jurídico que se traduz no estabelecimento


da relação de paternidade biológica.

6.7. Diversa é a situação quando nos confrontamos com meras presunções judiciais.
Constituindo estas meras ilações que o julgador extrai de um facto conhecido para
afirmar um facto desconhecido, as mesmas podem assentar em factos essenciais que tenham
sido considerados provados ou que resultem plenamente dos autos, mas podem também
derivar da convicção formada sobre factos de natureza puramente instrumental que resultem
do processo ou da instrução da causa, tenham ou não tenham sido alegados pelas partes 18.
Por conseguinte, relativamente aos factos que apenas sirvam de suporte à afirmação
de outros factos por via de presunções judiciais, para além de não se mostrar necessária a sua
alegação (art. 5º) e de poderem ser livremente discutidos na audiência final (cfr. os arts. 410º e
516º), nem sequer terão de ser objecto de um juízo probatório específico. Em regra, bastará
que sejam revelados na motivação da decisão da matéria de facto, no segmento em que o juiz,
analisando criticamente as provas produzidas, exterioriza o percurso lógico que o conduziu à
formulação do juízo probatório sobre os factos essenciais ou complementares.
O importante é que o juiz exponha com clareza os motivos essenciais que o
determinaram a decidir de certa forma a matéria de facto controvertida contida nos temas de
prova, garantindo que a parte prejudicada pela decisão (com a aludida sustentação) possa
sindicar, perante a Relação, o juízo probatório formulado relativamente a tal factualidade,

18
Sempre os Tribunais de 1ª instância fizeram uso de presunções judiciais, previstas na lei substantiva como
meios de formação da convicção. Acontece, porém, que, antes da reforma do processo civil de 1996/97,
esse uso nem sempre era explicitado, na medida em que a lei processual se bastava com uma
fundamentação genérica quanto aos factos considerados provados. O seu relevo formal apenas se tornou
mais evidente com as exigências de fundamentação introduzidas com aquela reforma processual, quer no
sentido de tornar transparente o percurso cognitivo seguido pelo juiz, quer de reforçar a decisão da matéria
de facto, tendo sempre presente a efectiva possibilidade de a decisão de facto ser sindicada pela Relação
nos casos em que a mesma fosse impugnada.
Foi a partir daquela reforma que se acentuaram as virtualidades dos factos instrumentais, como pontos de
apoio para sustentar a afirmação ou a negação dos factos essenciais (que antes podia ser sustentada, por
exemplo, “nos depoimentos das testemunhas do A. e na análise da documentação dos autos”), os quais
foram alcandorados a um tal posto que torna agora mais difícil a retoma da função que verdadeiramente
devem exercer no processo.
Não se estranhe, pois, que as maiores resistências quanto à concretização de um downgrading
relativamente a tais factos advenha dos juízes, sem que, no entanto, essas dificuldades tenham de redundar
na manutenção do statu quo.

284
Sentença Cível

designadamente na medida em que foi sustentada em factos instrumentais e nas regras de


experiência que foram expostas.
Em tais circunstâncias a Relação, em sede de apreciação do recurso sobre a matéria de
facto, tendo acesso a todos os meios de prova que foram produzidos e aos que foram
prestados oralmente (que, por isso, foram gravados, nos termos do art. 155º, nº 1), estará
apta a reapreciar a decisão e o correspondente juízo probatório formulado relativamente aos
factos principais.

6.8. Exemplificando:
O recurso a presunções judiciais, para justificar a afirmação da prova dos factos
essenciais à procedência, é frequente quando se trata de acções de declaração de nulidade
com base em simulação absoluta ou relativa.
A falta de meios de prova directa de factos 19 que integram cada um dos pressupostos
normativos (em concreto, a divergência entre a declaração negocial e a vontade dos
declarantes, o acordo dos contraentes e o intuito de enganar terceiros) explica a necessidade
de normalmente se inferir a sua existência a partir de um conjunto mais ou menos alargado de
sinais exteriores que a experiência comum considera relevantes: v.g. o “transmitente”
continuou a habitar no prédio “vendido”, externamente continua a ser reputado como dono
do imóvel, continuou a pagar os impostos e a assumir as despesas de conservação, o negócio
foi celebrado com um familiar próximo, o valor declarado na escritura é muito inferior ao valor
de mercado, etc.
Ora, nestas situações, não vejo necessidade, nem de isolar para os temas de prova,
nem de recolher para a decisão da matéria de facto esses ou outros factos instrumentais,
bastando para a apreciação da acção que o juiz se pronuncie sobre os pressupostos fácticos da
simulação (naturalmente traduzidos por proposições que correspondam ao conteúdo dos
aludidos requisitos legais), expondo simultaneamente os motivos que o levaram a declarar os
que considerou provados e não provados.
O mesmo se verifica noutra acção paradigmática, a de impugnação pauliana, no que
concerne à demonstração e assunção do elemento subjectivo (comportamento doloso dos
contraentes ou existência de má fé) que concretamente se revele necessário para a sua
19
Com efeito, não é habitual que as partes subscrevam uma contra-declaração e menos ainda o será que tal
declaração, a existir, seja apresentada numa acção de simulação interposta por terceiro alheio ao negócio.
Daí a naturalidade com que deve ser encarada a valoração dos factos instrumentais e a admissibilidade ou
necessidade de inferir os factos ocultos a partir dos elementos circunstanciais revelados pelas testemunhas
ou decorrentes de outros meios de prova apresentados.

285
Sentença Cível

procedência. Sendo o mesmo apreendido a partir de factos instrumentais, bastará que estes
figurem no segmento da motivação, sem que exista a necessidade de formulação de um juízo
probatório 20.
Outrossim nas acções de investigação de paternidade, cuja apreciação se encontra
agora muito facilitada pelo recurso à prova pericial, de natureza científica, com força intrínseca
para, através da superação de lacunas probatórias, levar à demonstração dos factos essenciais
ou melhor, do facto essencial: o vínculo biológico.
Apesar dos avanços científicos que, além de facilitarem o direito probatório formal e
material, beneficiaram o direito substantivo, pode acontecer que as circunstâncias não
permitam a recolha do material biológico necessário à realização do exame de ADN 21. Nestas
circunstâncias e na falta de presunção legal de paternidade, para responder à questão de facto
essencial em redor da exclusividade do relacionamento sexual entre o pretenso pai e a mãe do
investigado, no período legal de concepção, não é necessária a emissão de um juízo probatório
explícito sobre os factos instrumentais que relevam para o efeito (vivência comum, relação de
namoro, etc.), bastando que os mesmos figurem, juntamente com outros elementos
probatórios, na motivação da decisão.
Os exemplos poderiam multiplicar-se, sendo que o modo de encarar as situações se
mantém.
Pela sua frequência, o uso de presunções judiciais, para fundamentar a decisão que
julga provados ou não provados determinados factos, ocorre com muita frequência em
matéria de acidentes de viação. O facto de nem sempre existirem testemunhas presenciais e
as dificuldades associadas ao cumprimento do ónus de prova ou de contraprova, pode levar o
juiz a decidir a matéria controvertida (v.g. factos relacionados, por exemplo, com a causalidade
ou com a culpa) com recurso a presunções judiciais, em que se associam os (poucos) factos
recolhidos através de depoimentos, croquis ou perícias e as regras de experiência.
20
Assim foi feito no Ac. da Rel. de Lisboa, de 25-3-03 (www.dgsi.pt, e na CJ, tomo II, pág. 91), relatado pelo
signatário, sendo alterado o juízo probatório vindo da 1ª instância com base na apreciação dos elementos
documentais que haviam sido apresentados e em presunções judiciais extraídas das regras de experiência.
Esse e outros casos que são descritos em diversos acórdãos das Relações ou do Supremo são bem
reveladores, por um lado, das dificuldades que os tribunais de 1ª instância manifestam quando se trata de
manusear o uso de presunções judiciais e, por outro lado, do nível de exigência probatória que acaba por
ser imposto ao credor que recorre à impugnação pauliana para salvaguardar a sua garantia patrimonial.
21
Dificuldades que, em determinados casos, podem ser superadas com exumação do cadáver do pretenso
pai (Ac. do STJ, de 24-5-12, www.dgsi.pt) e noutros casos, de recusa de colaboração, através da inversão do
ónus da prova (Ac. do STJ, de 16-10-12, www.dgsi.pt). Situações extremas que, no entanto, não colidem
com a livre apreciação da recusa de colaboração, nos termos do art. 417º, nº 2, do NCPC.

286
Sentença Cível

Estando em causa, por exemplo, a determinação da velocidade a que o veículo seguia


ou, de forma mais genérica, havendo controvérsia sobre se a velocidade que o condutor
imprimia ao veículo era ou não era excessiva (considerando designadamente o estado ou o
perfil da via e as condições de tempo), não vejo que exista alguma utilidade imediata
emergente da formulação de um juízo probatório específico, por exemplo, sobre o rasto de
travagem. Constituindo elemento que, conjuntamente com outros, permitirá afirmar (ou
negar) o facto ilícito imputado ao condutor, na falta de outro interesse mais directo, basta que
figure na motivação da decisão.

6.9. É natural que em algumas situações o juiz se confronte com uma dúvida objectiva
relativamente à qualificação jurídico-processual e à função de determinados factos. Uma
mesma proposição resultante da alegação das partes pode assumir num determinado
contexto um cunho essencial ou complementar, não ultrapassando noutro contexto o plano da
instrumentalidade.
Em tais circunstâncias, o juiz não deve guiar-se por critérios de base conceptual.
Quer na ocasião em que elabora os temas de prova 22, quer naquela que profere a
sentença, será mais avisado que se oriente por um critério funcional que, além de privilegiar a
natureza mais solene, permita o aproveitamento dos factos em sede de integração jurídica,
reduzindo a margem de risco relativamente a eventuais anulações da sentença motivadas pela
omissão de factos que a Relação, porventura, reconheça como relevantes no âmbito do
recurso de apelação (art. 663º, nº 1, al. c), in fine).
Pode ainda acontecer que, atenta a fundamentação da acção ou o conteúdo da defesa,
um mesmo facto desempenhe uma mera função instrumental ou explicativa de um facto
essencial e simultaneamente tenha a virtualidade de sustentar, por si, um determinado
pressuposto normativo determinante para o resultado da acção, de acordo com alguma das
diversas soluções plausíveis da questão de direito. Nesta eventualidade justificar-se-á
naturalmente que sobre o mesmo recaia um juízo probatório específico.
O que de modo algum se justifica, repita-se, é a manutenção da praxis anterior,
desconsiderando as alterações significativas que decorrem não apenas da aprovação formal de
um Novo CPC, como ainda da modificação substancial do seu conteúdo, designadamente no
22
Os argumentos apresentados pelas partes na audiência prévia, a densidade do que foi alegado, a
pertinência para a resolução do caso ou a antevisão das implicações futuras de uma ou de outra das opções
servirão para orientar o juiz na enunciação dos temas de prova, sem que estas cautelas devam conduzir a
que na elaboração dessa peça processual ou da sentença se mantenha uma prática viciosa que o novo
sistema pretendeu inequivocamente abolir e que o bom senso deve evitar.

287
Sentença Cível

que concerne às normas que regulam a alegação da matéria de facto, as que regem a
enunciação dos temas de prova como algo diferente, quer da base instrutória, quer do anterior
questionário, e aquelas que se reportam à estrutura e conteúdo da sentença.
Mantendo-se incólumes os objectivos do sistema de justiça cível e a função que devem
desempenhar os instrumentos de natureza processual e sem que de modo algum deva ser
prejudicada a justa decisão da causa (que implica, além do mais, a maior correspondência
possível entre a verdade material e a verdade formal), importa que não se ignorem, agora mais
do que nunca, outros princípios orientadores de toda a tramitação processual, como o da
economia de meios e o da celeridade.
Competindo aos Tribunais dar sequência a exigências vindas da sociedade no sentido
de os litígios e os conflitos de interesses serem resolvidos ou compostos em prazo razoável,
aqui, como noutros campos, terão de ser acolhidas as propostas que se destinaram a
simplificar a tramitação processual e a abreviar quer as audiências finais, quer a duração global
dos litígios, objectivos que poderão ser melhorados, além do mais, através do ajustado
tratamento que seja dado aos factos meramente instrumentais.

6.10. Tanto na exposição dos factos que se julgam provados como daqueles que forem
considerados não provados, o juiz não deve orientar-se por uma preconcebida solução jurídica
do caso, antes deve assegurar que sejam recolhidos todos aqueles que se mostrem relevantes
em função das diversas soluções plausíveis da questão de direito.
Assim era no modelo anterior, atento o disposto no art. 511º, nº 1, quando se tratava
de elaborar a base instrutória. Mas ainda que não se encontre no NCPC uma norma de teor
semelhante, a mesma diligência deve manter-se, a fim de garantir, em caso de eventual
recurso da sentença, a possibilidade de a Relação ou o Supremo Tribunal de Justiça
enveredarem por outra solução jurídica, sem necessidade de ampliação da matéria de facto,
nos termos previstos nos arts. 662º, nº 1, al. c), in fine, e 682º, nº 3.
Na verdade, pode acontecer que, na perspectiva do juiz, para que a acção ou a
excepção proceda, baste um determinado enunciado de factos provados ou não provados.
Apesar disso, se houver outras soluções defensáveis, dependentes do apuramento de outros
factos, o juiz deve assegurá-las, inscrevendo na fundamentação da matéria de facto os
elementos que se mostrarem relevantes.
A opção pela elaboração dos “temas da prova” em lugar de atomísticos “pontos da
base instrutória” ou de “quesitos” comporta ainda uma outra consequência muito importante.
Na ocasião em que o juiz se pronuncia sobre a matéria de facto provada e não provada não

288
Sentença Cível

deve estar condicionado pelas regras de distribuição do ónus da prova 23, devendo verter na
sua decisão o resultado objectivo da apreciação dos meios de prova que foram produzidos,
apenas limitado pelo objecto do processo circunscrito pela causa de pedir e pelas excepções
que foram invocadas.

6.11. Ao enunciar na fundamentação da sentença os factos que considera provados, o


juiz não tem que atender simplesmente aos que são envolvidos especificamente nos temas da
prova, devendo ainda extrair dos autos outros factos relevantes 24.
O art. 607º, nº 4, 2ª parte, do NCPC, mantém a necessidade de serem inseridos na
fundamentação da sentença os factos que estejam provados por acordo das partes (em
resultado da sobreposição dos articulados ou por via de qualquer actuação avulsa posterior),
por confissão extrajudicial ou judicial reduzida a escrito 25 ou por prova documental dotada de
força plena, quer se trate de documento autêntico ou autenticado, quer mesmo de
documento particular 26.
Não estamos perante qualquer novidade legislativa, já que também no anterior CPC a
sentença deveria ser mais do que um rol de factos que anteriormente tivessem sido
considerados assentes e dos resultantes das respostas aos pontos da base instrutória. O art.

23
Neste sentido cfr. Lebre de Feitas, A Acção Declarativa Comum, 3ª ed., págs. 197 e 198.
24
Mas só os factos relevantes, excluindo, por isso, aqueles que, ainda que admitidos por acordo ou
confissão, não interfiram de modo algum na solução jurídica.
Para simplificação dessa tarefa e simultaneamente para agilização da audiência final, nada impede que, logo
no início desta ou no seu decurso, mediante iniciativa das partes ou do juiz, sejam imediatamente
assinalados os factos que dispensam a produção de outros meios de prova, por decorrerem de acordo das
partes, de confissão ou de documento com força probatória suficiente. Sem necessidade de então se
proceder logo à sua transcrição, basta a identificação de tais factos, por referência aos articulados, para
tornar evidente e incontroversa a desnecessidade de outras diligências probatórias e para simplificar e
abreviar a audiência final.
Trata-se, aliás, de uma solução que, conquanto também não estivesse formalmente consagrada no CPC
anterior, já era permitida, admitindo-se que, independentemente da posição assumida pelas partes nos
articulados, estas circunscrevessem os termos do litígio em matéria de direitos disponíveis.
25
É de notar que mesmo a confissão em audiência final deve ser reduzida a escrito para ganhar foros de
prova plena, nos termos dos arts. 358º, nº 1, do CC, e 463º, nº 1, do NCPC.
26
O facto provado por documento não corresponde ao próprio documento. Em vez de o juiz se limitar a
“dar por reproduzido o teor do documento X”, importa que extracte do mesmo o segmento ou segmentos
que sejam concretamente relevantes, assinalando, assim, o específico meio de prova em que se baseou.
Imposição que obviamente colide com a pura reprodução de todo o documento, mesmo dos segmentos que
não são de modo algum determinantes para a apreciação do caso.

289
Sentença Cível

659º, nº 3, já impunha que o juiz importasse para a fundamentação da sentença os factos


admitidos por acordo, os provados por documentos e os resultantes de confissão reduzida a
escrito.
Todavia, o relevo desta actuação é agora bem superior. Não existindo uma peça
processual que concentre e antecipe (ainda que com efeitos não definitivos) a matéria
assente, nos termos que se previam no art. 511º, nº 2, do anterior CPC, é fundamental que
aquando da elaboração da sentença seja feita a análise detalhada dos articulados e do
restante processado, recolhendo os elementos de facto que se mostrem relevantes para a
integração dos pressupostos normativos de que depende o resultado da acção.
Este segmento da matéria de facto caracteriza-se especialmente por dele estar
excluído o princípio da livre apreciação, sendo o mero resultado da aplicação de normas sobre
prova vinculada que não deixam ao juiz qualquer margem de subjectivismo. Regras que
igualmente justificam que, mesmo oficiosamente, tanto a Relação como o Supremo Tribunal
de Justiça, devam interferir na matéria de facto provada e não provada quando, no âmbito da
apelação ou da revista, se verificar que a mesma está afectada por erro de direito probatório
material, quer na vertente da atribuição de força probatória plena a meios que dela
destituídas, quer na vertente do desrespeito dessa força probatória 27.

6.12. Em lugar de a sentença ser, como era anteriormente frequente, qual navio
graneleiro, o mero repositório dos factos tidos por assentes e dos factos emergentes das
respostas aos pontos da base instrutória, é agora ainda mais evidente que deve ser elaborada
com base em princípios de racionalidade, em que a matéria de facto apurada revele, de forma
escorreita e segundo uma enunciação lógica ou cronológica, a realidade que será
juridicamente integrada no segmento posterior 28.
Nesse esforço de enunciação e de integração insere-se ainda a harmonização da
matéria de facto considerada provada, desde que, em respeito pelos deveres legais e
deontológicos, tal corresponda ao resultado da formação da convicção sobre os meios de
prova que foram produzidos, dentro do círculo de factos essenciais que tenham sido alegados.

27
Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo CPC, 2013, pág. 248.
28
Sobre a matéria cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo CPC, 2013, pág. 249.
A experiência demonstra que a ordenação lógica dos factos provados é o primeiro passo para uma correcta
integração jurídica, na medida em que não só permite um melhor entendimento da matéria em litígio como
ainda potencia uma melhor compreensão do relevo que, nesse conflito, deve ser atribuído à prova ou falta
de prova de determinados factos.

290
Sentença Cível

Nessa tarefa se inscreve ainda a superação de eventuais contradições mediante uma


análise mais aprofundada dos autos.
Poderá até acontecer – embora não seja conveniente que isso se transforme em regra
– que uma mais atenta percepção das normas substantivas aplicáveis ao caso ou uma melhor
observação dos meios de prova que foram ou poderiam ter sido produzidos na audiência final
acabem por revelar a necessidade da sua reabertura, possibilidade que foi acautelada pelo nº 1
do art. 607º do NCPC (correspondente ao anterior art. 653º, nº 1).
Mais do que ocorria no âmbito do anterior CPC, o facto de ter findado a cisão entre o
julgamento da matéria de facto e da matéria de direito potencia um melhor ajustamento da
decisão final à realidade, na medida em que, em determinadas situações, as lacunas
relacionadas com a prova de certos factos apenas se tornam visíveis ou relevantes na ocasião
em que o juiz se confronta com as normas que tem de aplicar ao caso concreto. Então, tratar-
se-á de realizar as diligências de prova que forem reputadas pertinentes sobre os factos
anteriormente já discutidos ou sobre outros que, relevando dos autos, não tenham sido
objecto de discussão.

6.13. Ao invés dos temas de prova que se destinam fundamentalmente a enunciar os


traços gerais do conflito que divide as partes e que, como já se disse, poderão assumir um
carácter genérico e até conclusivo que abra a oportunidade a que a instrução se processo com
naturalidade, na fundamentação da sentença devem ser relatados os factos que o juiz
considerou provados (e não provados) 29.
Nessa enunciação o juiz deve adequar-se às circunstâncias e exigências do caso, tendo
em conta designadamente as virtualidades que decorram de uma maior concentração da
factualidade apurada ou de uma maior discriminação ou pormenorização que, além de
antecipar a resolução de problemas de integração jurídica, possa ainda obviar a eventuais
impugnações sustentadas em argumentos de pendor formal em redor da delimitação do que
constitui matéria de facto ou matéria de direito 30.
Como elemento coadjuvante da compreensão do novo regime é significativo que não
se encontre no NCPC a norma do nº 4 do art. 646º do anterior CPC que considerava “não
escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito”.
29
Como referem Ramos Faria e Ana Loureiro, “a decisão sobre a matéria de facto nunca se poderá bastar
com formulações genéricas, de direito ou conclusivas, exigindo-se que o tribunal se pronuncie sobre os
factos essenciais e instrumentais pertinentes à questão enunciada adquiridos pelo processo” (Primeiras
Notas ao NCPC, vol. I, pág. 510).
30
Sobre a matéria cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo CPC, 2013, págs. 237 e segs.

291
Sentença Cível

Esta opção não significa obviamente que seja admissível doravante a assimilação entre
o julgamento da matéria de facto e o da matéria de direito ou que seja possível, através de
uma afirmação de pendor estritamente jurídico, superar os aspectos que dependem da
decisão da matéria de facto. Mas, para além de revelar o artificialismo a que conduzia a
anterior solução, em que se pretendia a todo o custo essa separação, tem subjacente a
admissibilidade de uma metodologia em que, com mais maleabilidade, se faça o cruzamento
entre a matéria de facto e a matéria de direito. Uma vez que a decisão da matéria de facto e a
matéria de direito são agregadas na mesma peça processual elaborada pelo mesmo juiz, tal
facilita e simplifica a decisão do litígio.

6.14. Com as devidas cautelas, ao menos numa fase transitória em que todos
procurarão adaptar-se ao NCPC, será preferível uma opção que se traduza na maior
concretização da factualidade apurada, com o que se evitarão eventuais anulações do
julgamento 31.
O que acima de tudo se deve modificar é uma postura essencialmente assente em
argumentos de natureza formal que determinou que a aplicação do anterior CPC tivesse
desembocado nos excessos já referidos, tanto ao nível da alegação, como da decisão da
matéria de facto, mesmo quando a realidade poderia ser condensada através de expressões
de conteúdo mais abrangente, sem qualquer prejuízo para a compreensão do litígio e para os
objectivos da justiça material.
Um caso paradigmático que pode ser extraído da experiência judiciária respeita às
acções de resolução do contrato de arrendamento por falta de residência permanente.
Sendo variáveis as situações que podem determinar a afirmação ou a negação desse
fundamento de resolução, de modo algum se pode compreender que, perante a recusa de
concentração daquela realidade numa expressão de conteúdo mais amplo, as partes tenham
sido conduzidas aos excessos de alegação que se traduziram numa pormenorização
estereotipada e com laivos caricaturais que geralmente se traduziu na descrição de que o
arrendatário “não dorme”, “não toma as refeições”, “não recebe as suas visitas” e “não recebe

31
Também este risco se procurou atalhar através de uma medida cujo pragmatismo é evidente: quando
houver anulação do julgamento pela Relação, o novo recurso que eventualmente seja interposto da
sentença é atribuído ao mesmo relator, nos termos do art. 218º do NCPC.
Solução que é extensiva a todos os casos de revogação da sentença pela Relação ou de ampliação da
decisão da matéria de facto determinada pelo Supremo (art. 682º, nº 3).

292
Sentença Cível

a sua correspondência” ou “tem reduzidos consumos de água e de electricidade” na casa


arrendada.
Sendo verdade, tanto no que concerne à enunciação dos temas de prova, como à
decisão da matéria de facto, que continuará a ser inviável a utilização de conceitos
indeterminados, com directa repercussão na decisão do caso concreto, como a “boa fé”, a
“culpa” ou o “incumprimento do contrato”, não se detectam motivos que obriguem a
converter necessariamente qualquer expressão com algum cunho jurídico em factos
naturalísticos, sendo importante, isso sim, que a realidade em causa possa ser compreendida,
sem que restem dúvidas quanto ao sentido do que é afirmado ou negado.
Por conseguinte, propugna-se uma verdadeira concentração naquilo que é essencial,
depreciando o acessório, com prevalência de critérios que não sejam demasiado rigoristas,
sendo importante que o juiz consiga traduzir em linguagem normal a realidade apreendida,
explicitando depois os motivos que o determinaram, com destaque para os factos
instrumentais de onde extraiu as ilações ou presunções judiciais 32.
O facto de ser o juiz que dirigiu a audiência de julgamento que necessariamente vai
integrar o caso nas normas aplicáveis e extrair as suas consequências, tarefas executadas na
mesma ocasião e inscritas no mesmo acto processual, constitui um novo ingrediente que
deverá impulsionar uma nova forma de retratar a realidade.

6.15. Manteve-se a determinação legal que obriga o juiz a expor a análise crítica das
provas que foram produzidas, quer quando se trate de prova vinculada, em que a margem de
liberdade é inexistente, quer quando de trate de provas submetidas à sua livre apreciação,
envolvendo os motivos essenciais que o determinaram a formular o juízo probatório
relativamente aos factos essenciais.
Não é necessária, nem aconselhável que essa motivação se traduza na reprodução ou
no resumo dos depoimentos prestados pelas testemunhas. A apreciação crítica destes ou de
quaisquer outros meios de prova basta-se com a exposição dos aspectos que para o juiz se
revelaram decisivos para a enunciação dos factos que considerou provados e não provados,
devendo reforçar a motivação quando tenha sido confrontado com meios de prova não
coincidentes 33.
Esse dever não se basta obviamente com a alusão genérica e indiscriminada a
determinados meios de prova (v.g. “a prova testemunhal” ou “a prova pericial”).

32
Sobre a matéria cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo CPC, 2013, págs. 238 e 239.
33
Sobre a matéria cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo CPC, 2013, págs. 242 a 244.

293
Sentença Cível

Correspectivamente, é curial que a motivação seja individualizada relativamente a


cada facto ou factos que entre si formem um bloco.
Importa que também a motivação seja transparente, por forma a habilitar as partes a
compreender as razões essenciais em que o juiz sustentou a sua decisão e, em casos de
discordância, a proceder à sua impugnação.
A apreciação crítica dos meios de prova deve permitir às partes e, depois, ao Tribunal
da Relação, perceber as razões essenciais que levaram o juiz a pronunciar-se de determinado
modo relativamente aos factos essenciais, com indicação, por exemplo, das razões de ciência
que relevou, por forma a ficar garantida tanto a impugnação da decisão, como a sua
reapreciação pela Relação.

6.16. Merece destaque o tratamento dos documentos a que não seja atribuída força
probatória plena e que, por isso, se situam no campo da livre apreciação do juiz.
A prática revela uma enorme dificuldade dos Tribunais em enfrentar tais documentos,
como se tivessem de ser necessariamente secundados por outros meios de prova, com
destaque para a prova testemunhal.
Os resultados estão à vista: ante o receio de que a documentação apresentada não
seja valorada livremente, como deveria ser, as partes antecipam a necessidade de arrolarem
testemunhal, mesmo quando esta não seria necessária, com efeitos evidentes na morosidade
da resposta judiciária decorrente das longas ou sucessivas sessões de julgamento.
Ora, importa relembrar que os documentos particulares a que não corresponda força
probatória plena são meios de prova como quaisquer outros que a lei submete à livre
apreciação do julgador. Por isso, sem embargo da necessidade que, em concreto, possa existir
relativamente à demonstração da veracidade ou do sentido de tais documentos, não existe
qualquer imposição genérica no sentido de a parte os reforçar com prova testemunhal,
exigência tanto mais incompreensível quanto é certo que esta é a mais falível de todas provas.
Assim, em lugar de tais exigências injustificadas, cumpre ao juiz enfrentar tais
documentos ao abrigo do princípio da livre apreciação, extraindo deles e dos demais meios de
prova o que objectivamente deles resultar, com menção na motivação das razões que foram
determinantes.

294
Sentença Cível

7. Quanto à matéria de direito:


7.1. O segmento da identificação, interpretação e aplicação do direito aos factos
apurados não foi alvo de modificações legais, a não ser as que estão associadas à
simultaneidade e à maior capacidade de o juiz proceder a uma mais completa integração, sem
exclusão sequer do recurso a outras presunções judiciais que não tenham sido extraídas
aquando da apreciação dos meios de prova ou despoletadas a partir da análise conjugada dos
factos apurados (art. 607º, nº 4).
Cumpre então ao juiz apreciar as questões jurídicas ainda carecidas de resolução,
obedecendo à ordem lógica que concretamente se revelar mais eficiente. A não ser que a
apreciação de alguma questão esteja prejudicada pela resposta dada a outra 34, o juiz deverá
conhecer de todas as questões, evitando a nulidade por omissão de pronúncia prevista no art.
615º, nº 1, al. d), 1ª parte.
Determina o art. 608º que seja dada prioridade às questões de natureza processual
que ainda estejam por resolver (nulidades, excepções dilatórias ainda por apreciar ou outras
questões de natureza processual que interfiram no resultado), sem embargo do que se dispõe
no art. 278º, nº 3, relativamente a deter-minadas excepções dilatórias que visem tutelar o
interesse da parte vencedora relativamente ao mérito da causa (quebra do dogma da
prioridade de conhecimento das excepções dilatórias).
É já no mérito da causa que se inscrevem as excepções peremptórias, as quais apenas
devem ser apreciadas se na medida em que o caso concreto o justificar ou porventura como
reforço da decisão proferida relativamente a outras questões 35.
Sem embargo da apreciação ds questões que sejam de conhecimento oficioso, o juiz
deve limitar-se às questões que tenham sido invocadas, evitando, deste modo, a nulidade da
sentença por excesso de pronúncia, nos temos do art. 615º, nº 1, al. d), in fine.
Nas questões de conhecimento oficioso a liberdade do juiz está condicionada pelo que
resultar do processo. A nulidade contratual é evidenciada quando, por exemplo, se trate de
vício de forma (v.g. contrato que não respeitou a forma legalmente prescrita). Porém, quando
emergir de vícios materiais ou substanciais (v.g. simulação contratual), a sua apreciação não

34
Relativamente a questões cuja decisão seja prejudicada pode, ainda assim, justificar-se a apreciação que
sirva para reforçar o resultado declarado, como ocorre quando a improcedência da acção encontre o duplo
fundamento na integração jurídica dos factos provados e na caducidade ou na prescrição.
35
Ainda que a acção improceda por razões ligadas à matéria de facto apurada, no confronto com as normas
jurídicas, pode haver utilidade em reforçar a sentença, por exemplo, com a declaração de procedência da
excepção peremptória de caducidade ou de prescrição.

295
Sentença Cível

dispensará de modo algum a prévia alegação e a posterior demonstração dos factos


pertinentes.
Por outro lado, não deve ser descurado relativamente a tais questões o respeito pelo
princípio do contraditório que, nas concretas circunstâncias, pode determinar a audição das
partes para se pronunciarem, nos termos do art. 3º, nº 3, formalidade apenas dispensada
quando se trata de casos de manifesta desnecessidade.
Diligência que deve ser acautelada também quando o juiz, no uso do poder/dever de
indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, nº 3), configure uma
solução ou um efeito jurídico que se revele surpreendente para as partes 36.

7.2. Relativamente a todas as questões jurídicas deve o juiz ponderar que a sua função
essencial é a de identificar, interpretar e aplicar as normas jurídicas que se ajustem ao caso
concreto, não devendo a sentença servir de pretexto para a exposição gratuita de
conhecimentos jurídicos ou para a reprodução de textos jurídicos sem qualquer utilidade para
a resolução do concreto litígio.
Enunciadas as questões a resolver e identificada a ordem lógica pela qual devem ser
apreciadas, o juiz deve concentrar-se naquilo que é essencial para a sua resolução,
encontrando o justo equilíbrio no que concerne à fundamentação jurídica, a qual, não
podendo ser dispensada (art. 154º), deve ser moderada, evitando que se transforme num
mero repositório de considerações jurídicas irrevelantes para o caso concreto 37.

36
Sobre a matéria cfr. Lopes do Rego, O princípio dispositivo e os poderes de convolação do juiz no
momento da sentença, em Obra em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, vol. I, págs. 781 e
segs.
Não ficando de modo algum afectada a aplicabilidade do regime jurídico que o juiz considere mais ajustado,
deste modo se assegura que as partes possam pronunciar-se, quer no sentido de sustentar a solução
anunciada, quer no sentido de a contrariar.
As referidas cautelas devem estender-se a todas as excepções que, na perspectiva do juiz, determinem a
absolvição da instância, não sendo de modo algum compreensível que nesta ocasião as partes sejam
confrontadas com um tal efeito sem que lhes seja dada a oportunidade de se pronunciarem.
Aliás, pode ainda acrescentar-se que tais cautelas devem desde logo ser asseguradas na audiência prévia,
aquando da delimitação dos termos do litígio (art. 591º, nº 1, al. c)).
37
Sobre a matéria cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo CPC, 2013, págs. 250 e segs.
À irrelevância das considerações jurídicas despropositadas deve ainda acrescentar-se, como efeitos
preventivos, a irrelevância de considerações extrajurídicas cujo ruído acabe por prejudicar a compreensão
daquilo que verdadeiramente está em discussão.

296
Sentença Cível

Não menos censurável me parece a opção que se traduza na excessiva transposição de


opiniões alheias, não encontrando qualquer justificação esta dependência argumentativa num
sistema, como o nosso, que naturalmente reconhece ao juiz autoridade para identificar,
interpretar e aplicar a lei ao caso concreto 38.
Como ocorre noutros casos, é perante as exigências do caso concreto e do seu nível de
complexidade que deve buscar-se o ponto de equilíbrio entre a deficiente e a excessiva
fundamentação, apreciando a necessidade ou conveniência de corroborar as soluções
propugnadas com argumentos doutrinários ou jurisprudenciais, sem que se invertam os
termos do acto judicativo.
A sentença, na parte da motivação jurídica, deve exercer a função de convencer as
partes quanto ao trajecto percorrido e de habilitar a parte vencida a deduzir, querendo, a sua
impugnação. Em situações particularmente discutíveis, considero até que devem ser expostos
os diversos argumentos, favoráveis e desfavoráveis à tese adoptada.
Ainda que o juiz não se encontre adstrito à jurisprudência dos Tribunais Superiores,
nem sequer quando se trata de jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça,
deveres de ordem deontológica, associados a objectivos de eficiência do sistema judiciário,
deverão servir de travão a inconsistentes posturas de recusa de entendimentos
generalizados 39.

7.3. No âmbito da sentença deve ser destacado o segmento decisório, não só porque a
lei o determina (art. 607º, nº 3, do NCPC), como ainda pelo facto de o mesmo evidenciar com
mais clareza o resultado da lide.
No confronto com o pedido ou pedidos formulados e dentro dos respectivos limites,
cumpre ao juiz exarar a sua procedência total ou parcial, culminando com a declaração do
efeito jurídico determinado e que varia em função da natureza da acção (condenatória, de
simples apreciação ou constitutiva) 40.

38
Nesta vertente, importa ainda que, quando se revele necessária ou útil a invocação de argumentos de
ordem doutrinal ou jurisprudencial, se mencione a respectiva fonte. Se é verdade que nenhuma norma o
determina, basta para o efeito invocar os deveres deontológicos que devem orientar toda a actividade
profissional do juiz.
39
Matéria que abordo mais desenvolvidamente em Recursos no Novo Código de Processo Civil (2013), págs.
360 e segs.
40
Nem sempre a enunciação das pretensões é feita de modo correcto, cumprindo, assim, ao juiz, na
sentença, ajustar a condenação ao efeito jurídico efectivamente pretendido.

297
Sentença Cível

Deve ser especialmente ponderada a necessidade de respeitar a natureza ou o valor


do pedido formulado, sob pena de nulidade, nos termos do art. 615º, nº 1, al. e) 41.
Importa ainda evidenciar a necessidade de se afastar a contradição entre os
fundamentos e a decisão ou situações de ambiguidade ou de obscuridade que determinem a
nulidade da sentença, nos termos do art. 615º, nº 1, al. c).

7.4. Segue-se a decisão sobre custas judiciais, de acordo com as regras gerais, mas sem
olvidar que o nº 6 do art. 607º obriga a que seja fixada a proporção da responsabilidade em
situações em que esta seja repartida entre o autor e o réu ou seja distribuída entre dois ou
mais sujeitos que ocupem a mesma posição processual 42.
É neste campo que pode justificar-se o uso do instrumento previsto no nº 7 do art.
530º do NCPC (e art. 6º, nº 5, do RCP), aplicando à parte vencida a taxa de justiça agravada (o
dobro da taxa normal, nos termos da Tabela I-C do RCP), designadamente quando se verifique
que apresentou articulados escu-sadamente prolixos 43, quando as questões debatidas tenham
elevada complexidade ou quando tenham sido complexas ou morosas as diligências de prova.
Nas situações abarcadas pelo art. 531º, pode ainda justificar-se a aplicação à parte
vencida a taxa sancionatória especial (art. 10º do RCP, entre 2 e 15 UC’s) quando a pretensão
ou a defesa seja manifestamente improcedente e a parte tenha agido sem a prudência ou
diligência devida.
Deve ainda ser dada a devida atenção a situações que, excedendo a anterior, revelem
litigância de má fé instrumental ou substancial de alguma das partes 44, nos termos dos arts.

Por exemplo, são frequentes as petições em que o autor pede a “condenação do Réu a reconhecer que é
proprietário de um determinado prédio e a entregá-lo” (ou “condenação no reconhecimento de que o
contrato é nulo”), sendo que, rigorosamente, se trata simplesmente de obter o “reconhecimento” judicial de
que o A. (no confronto com o Réu) é o proprietário do prédio (ou de que o contrato é nulo), condenando-o
no cumprimento da obrigação correspondente (v.g. restituição ou pagamento da quantia mutuada).
41
Sobre a apreciação de pedidos genéricos, subsidiários, alternativos ou de prestações vincendas remeto
para o que desenvolvi em Temas da Reforma do Processo Civil, I vol., 2ª ed., págs. 156 e segs.
42
Conexa com a taxa de justiça está a questão do valor processual. Este deve ser fixado no despacho
saneador, mas admite-se que tal fixação ocorra na sentença, quando não haja despacho saneador, ou que o
valor anteriormente fixado seja corrigido, quando se trate de processo de liquidação cuja utilidade
económica sofra variações na pendência da acção (art. 306º, nº 2, do NCPC).
43
É este o único instrumento que o juiz pode utilizar para contrariar a manutenção de uma excessiva
tendência para a prolixidade ou para a demasiada extensão dos articulados, em desrespeito pela regra geral
prevista no art. 5º que orienta as partes para a concentração no que se revele essencial.
44
Matéria que mais desenvolvidamente já tratei em Temas Judiciários (1998).

298
Sentença Cível

542º a 545º (com condenação na multa entre 2 e 100 UC’s, nos termos do art. 27º, nº 3, do
RCP, e eventual indemnização à parte contrária, se esta a solicitar), assinalando-se, como
elemento inovador do NCPC, que se a parte que litiga maliciosamente for pessoa colectiva ou
sociedade, arcará directamente com a responsabilidade, em vez de recair unicamente sobre o
seu representante legal (art. 544º), como prescrevia o anterior CPC.

299
Videogravação da comunicação

300
Nótula sobre a Jurisdição Cível

Nótula sobre a Jurisdição Cível 1


António Santos Abrantes Geraldes

1. O texto inicial desta nótula foi redigido em Setembro de 2010, no final de uma década
de exercício de funções no Tribunal da Relação, assentando as observações e comentários, em
grande parte, em elementos recolhidos da prática judiciária, como relator ou como adjunto.
É claro que se trata de uma visão parcelar, essencialmente fundada no contacto com os
processos em que tive intervenção, a que não faltará uma certa dose de subjectivismo
reflectido designadamente na escolha dos aspectos a salientar ou na posição que sobre os
mesmos foi adoptada.
Mas os casos enunciados permitem, em meu entender, que se reflicta sobre a função e os
objectivos do processo civil e, paralelamente, sobre o modo como o juiz deve assumir a
direcção do processo (agora sob a capa do dever de gestão processual) e tutelar os direitos
subjectivos e os interesses juridicamente relevantes.
A verdade é que, sem embargo das críticas que possam ser dirigidas a determinadas
opções do legislador, há muito que deixou de fazer sentido invocar obstáculos ou
impedimentos sustentados numa determinada visão formalista do processo civil – que até
Alberto dos Reis rejeitaria – não faltando agora instrumentos ou mecanismos que,
devidamente interpretados e conjugados, confluem para a valorização dos aspectos de ordem
substantiva, em detrimento de soluções formais, assim (cor)respondendo melhor aos
objectivos do sistema de Administração da Justiça e às necessidades da sociedade civil2.
Para o efeito, ainda que aos resultados projectados não sejam alheios outros profissionais
do foro, com destaque para os advogados, tendo em conta o uso que frequentemente é feito
de certos instrumentos processuais ou o recurso abusivo determinados expedientes de pendor
dilatório, incidirei especialmente sobre os actos funcionalmente atribuídos ao juiz. A direcção
do processo e os princípios gerais que o sustentam transportam consigo especiais
responsabilidades relativamente à satisfação das exigências e aos objectivos do sistema.
Os casos que apresento são meramente exemplificativos. Importa referir ainda que as
decisões que, em meu entender, são passíveis de maior crítica, por não fazerem jus à

1
Texto cedido pelo autor para a presente publicação.
2
Objectivos e instrumentos que o NCPC veio reforçar.

301
Nótula sobre a Jurisdição Cível

verdadeira função do processo civil ou por não reflectirem como deviam a verdadeira função
que aos Tribunais e aos respectivos juízes é atribuída, serão largamente minoritárias.
No entanto, ainda são em número significativo as situações que reflectem uma tendência,
posto que minoritária, para um certo revivalismo no que concerne à função do processo civil,
como se constituísse um fim em si mesmo, em vez de estar ao serviço da satisfação dos
direitos de natureza substantiva.
Depois de diversas reformas processuais que já apontavam o mesmo caminho, a aplicação
do NCPC não pode deixar de ser guiada pelos objectivos, regras e princípios que o enformam e
que apelam à simplificação processual, à prevalência do mérito sobre a forma, à economia de
meios, à celeridade e à eficácia dos mecanismos processuais.
2. Antes de avançar, porém, é justo que se reconheça a notória melhoria da generalidade
das decisões dos Tribunais de 1ª instância, com destaque especial para os despachos
saneadores e de condensação (agora resumida aos “temas da prova”) e para as sentenças de
mérito, incluindo as decisões finais dos procedimentos cautelares.
Depois de alguma resistência inicial à reforma do processo civil de 1996, tanto na parte
em que modificou a estrutura do processo, como naquela em que pretendeu valorizar o
recurso aos princípios gerais, são notórios os efeitos positivos que se traduzem na efectiva
subvalorização de aspectos formais, com prevalência para as decisões de mérito, e na
qualidade formal e substancial das decisões. Qualidade que também transparece da motivação
das decisões da matéria de facto, demonstrada através de uma efectiva apreciação crítica dos
meios de prova.
Todavia, a situação referida não parece inteiramente consolidada, começando a
pressentir-se ainda, aqui e ali, um certo retrocesso em relação ao entendimento correcto da
função desempenhada pelos mecanismos processuais. Com uma frequência superior à que os
antecedentes legislativos e as exigências do sistema poderiam tolerar, deparei-me com
algumas situações em que os processos pareciam constituir um fim em si mesmo,
enveredando-se por decisões de pendor formal, com recusa de utilização dos mecanismos e
dos poderes postos à disposição dos juízes no sentido de privilegiar a justiça substancial, e com
relativa indiferença em relação à utilidade dos meios processuais.
Por certo que nenhum sistema está imune a tais situações, sem que isso, no entanto,
deva impedir que se identifiquem alguns pontos críticos como forma de impedir retrocessos
numa altura em que cada vez mais se reclama contra a deficiente concretização dos objectivos
de eficácia, de celeridade e de economia de meios e de processos.

302
Nótula sobre a Jurisdição Cível

O facto de ter entrado em vigor o NCPC justifica que se analise criticamente o passado,
como terapêutica que evite a persistência de erros de perspectiva no que concerne à função
desempenhada pelos instrumentos processuais e ao posicionamento do juiz no âmbito da
administração da justiça cível.

3. Estas nótulas assentam essencialmente em dados recolhidos da experiência pessoal,


enunciando apenas os aspectos que, na minha perspectiva, conflituam de forma mais flagrante
com a natureza e função atribuída ao processo civil 3.

3.1. Da parte dos juízes:


a) Recusa de prolação de despachos de convite ao aperfeiçoamento dos articulados ou
de correcção de aspectos de ordem processual, com posterior extracção de efeitos das
deficiências verificadas 4;
b) Indeferimento liminar de requerimentos em procedimentos cautelares em situações
em que se justificaria o despacho de aperfeiçoamento;
c) Excessiva demora na prolação da decisão final em procedimentos cautelares, com
diligências probatórias excessivas;
d) Falta de efectiva direcção do processo, em casos em que se exige a recusa do que é
impertinente ou a delimitação das questões que já foram apreciadas, daquelas que
ainda estão por apreciar (v.g. nos processos de inventário) 5;
e) Levantamento da excepção de incompetência material ou territorial em casos em que
a mesma não foi suscitada, nem decorre manifestamente dos autos 6;
f) Dispensa de audiência preliminar fora dos casos em que a lei o admite 7;
g) Falta de efectiva direcção das audiências, consentindo no seu arrastamento por
diversas sessões 8;

3
Algumas das situações enunciadas encontram no NCPC argumentos que reforçam a necessidade de
obterem um tratamento diverso.
4
Postura agora de todo insustentável em face do art. 590º, do NCPC.
5
O que agora convoca o cumprimento do dever de gestão processual previsto no art. 6º, do NCPC.
6
A proximidade da entrada em vigor de uma nova lei de organização judiciária deve alertar-nos para a
necessidade de não adicionar às perturbações inerentes à sua implantação no terreno outras que advêm
apenas de incidentes processuais suscitados em torno da definição da competência dos Tribunais.
7
Foram os abusos na dispensa de audiências preliminares que determinaram as modificações legais no que
concerne à regulamentação das audiências prévias no NCPC (arts. 591º a 593º).

303
Nótula sobre a Jurisdição Cível

h) Excessiva exigência no que concerne ao preenchimento do ónus da prova, com


elevação da fasquia da convicção a um ponto que torna por vezes inviável a prova dos
factos relevantes, designadamente quando se trata de factos negativos ou cuja prova
directa se mostra difícil ou impossível;
i) Opção pelo resumo dos depoimentos das testemunhas na motivação da decisão da
matéria de facto, em vez da apreciação crítica dos meios de prova;
j) Elaboração da sentença sem ordenação lógica ou cronológica dos factos provados;
k) Incompreensível paralisação de alguns processos em fases cruciais, designadamente
nas fases do saneamento e da sentença;
l) Considerações jurídicas sem efectivo relevo para o caso concreto, designadamente
quando as questões não são objecto de qualquer divergência, muitas vezes com uso e
abuso de copy paste de decisões anteriores;
m) Aproveitamento de considerações jurídicas extraídas de outras decisões ou de obras
jurídicas sem menção das respectivas fontes;
n) Desconsideração de direitos e interesses legítimos em litígios que emergem de
relações familiares ou que exigem actuação urgente;
o) Prevalência dada a argumentos formais, em detrimento de razões substanciais que
privilegiam a justiça material;
p) Insuficiente uso de poderes inquisitórios em matéria de direito probatório;
q) Insuficiente uso de mecanismos legais que possibilitam a simplificação da tramitação e
dos actos processuais, como a elaboração de sentenças;
r) Determinação da remessa do processo para a Relação sem verificação do dever de

instrução dos recursos com subida em separado com as peças processuais que os
devem acompanhar;
s) Falta de condenação da parte como litigante de má fé em casos em que
manifestamente existem comportamentos processuais reprováveis;
t) Falta de efectivo poder de direcção por parte do juiz em relação à secretaria judicial,
permitindo que em tribunais de competência genérica exista uma efectiva
subvalorização dos processos cíveis em comparação com os processos criminais ou
que, sem qualquer justificação, se verifiquem atrasos no cumprimento dos actos.

8
O NCPC, para além de ter reforçado os poderes de direcção do juiz na condução do processo, pretende
ainda que esses poderes se manifestem na direcção das audiências, sendo essencial o empenho na sua
programação e, depois, na sua direcção, nos termos do art. 602º, nº 2, als. a) e d).

304
Nótula sobre a Jurisdição Cível

3.2. Da parte dos advogados:


a) Articulados com deficiências na articulação da matéria de facto ou com excessiva e
repetitiva alegação 9;
b) Falta de clara separação, na contestação, do que constitui matéria de impugnação e
matéria de excepção 10;
c) Alegações nos articulados qualitativamente inferiores às alegações de recurso;
d) Falta de efectiva colaboração na audiência preliminar (agora audiência prévia);
e) Adiamento de audiências por motivos fúteis, apesar de o seu agendamento ter tido em
consideração a compatibilização de agendas 11;
f) Apresentação de documentos na audiência de julgamento que já estavam disponíveis
na fase dos articulados, com o fim de se extrair proveito do efeitosurpresa, sem
consideração pelos inconvenientes que determina na justa decisão da causa e na
demora do processo 12;
g) Não uso da faculdade de produção de depoimentos testemunhais por escrito;
h) Abusiva apresentação de requerimentos de arguição de nulidade ou de aclaração da
sentença em casos em que esta não admite recurso 13;
i) Excessivo recurso à arguição de nulidades da sentença, em vez da concentração de
esforços na impugnação da decisão;
j) Colocação nas alegações de questões não invocadas nos articulados;
k) Generalizada insatisfação do ónus de formulação de verdadeiras conclusões nos
recursos, a exigir a sintetização das questões e a identificação das normas jurídicas
violadas ou da interpretação que lhes deve ser atribuída;

9
Contra esta “técnica” se pode invocar agora o que dispõe o art. 5º e a possibilidade de ser aplicada taxa de
justiça agravada, nos termos do art. 530º, nº 7, al. a), do NCPC.
10
Situação que, além de outras consequências, determina os efeitos previstos no art. 572º, al. c), 2ª parte,
do NCPC.
11
Situação a que o art. 151º, do NCPC, pretendeu pôr cobro.
12
Situação também foi objecto de uma mudança radical, já que, em regra, a junção de documentos apenas
pode ocorrer até ao 20º dia anterior ao início da audiência final (art. 423º, nº 2, do NCPC).
13
Agora com a medida paliativa que consta dos arts. 618º e 670º, do NCPC.

305
Nótula sobre a Jurisdição Cível

l) Deficiente impugnação da decisão da matéria de facto, com referências genéricas a


erros decisórios, sem uma efectiva apreciação crítica dos meios de prova, nem tomada
de posição clara sobre o sentido da decisão pretendida;
m) Intervenção indiscriminada junto das Relações (e, depois, junto do Supremo) de
advogados sem experiência profissional;
n) Falta de efectiva responsabilização, pela Ordem dos Advogados, das situações que
envolvem litigância de má fé da responsabilidade dos advogados.

3.3. Da parte das secretarias judiciais:


a) Paralisação dos processos cíveis em comparação com os processos criminais;
b) Excessiva solicitação da intervenção do juiz em situações em que se impõe uma
actuação imediata da secretaria;
c) Falta de acompanhamento das inovações legislativas;
d) Frequentes situações de deficiente gravação ou falta de gravação das audiências finais,
originando escusadas repetições de julgamentos;
e) Deficiente sinalização dos locais onde se encontram gravados os depoimentos;
f) Não envio das gravações das audiências;
g) Não envio dos elementos extraídos do processo electrónico e que se mostram
necessários para apreciar o recurso.

4. Concretizando algumas situações respeitantes aos juízes:


a) Declaração oficiosa de incompetência do Tribunal em casos em que a excepção nem
sequer é suscitada, nem existem motivos evidentes para tal.

Trata-se de uma situação algo frequente sempre que ocorrem modificações na orgânica
judiciária e que persiste muitas vezes, apesar de sucessivos acórdãos da Relação que
contrariam as decisões de declaração de incompetência.
Ora, a definição da competência em função do território, da forma de processo ou do
valor constitui uma questão cujo relevo é relativo, de modo que a intervenção oficiosa apenas
deve ocorrer quando os autos revelem, de forma inequívoca, “os elementos necessários”, nos
termos do art. 104º, nº 1, do NCPC.

306
Nótula sobre a Jurisdição Cível

Mesmo em relação à incompetência em razão da matéria, apenas se justifica a apreciação


oficiosa quando não suscitar dúvidas, sendo de todo incompreensível que ocorra a partir de
argumentos questionáveis e, além disso, que não seja precedida da audição das partes 14.
b) Adiamento de audiências finais, sem esgotamento das possibilidades de
aproveitamento da data para a realização das diligências pertinentes 15.
c) Convocação para as audiências finais de um número excessivo de testemunhas, em
lugar da sua distribuição por várias sessões 16.
d) Recusa de respostas restritivas ou explicativas a pontos da base instrutória, com opção
por respostas negativas, apesar de os meios de prova o consentirem.

Entre respostas totalmente positivas ou negativas, justificam-se, por vezes, respostas


restritivas, como ocorre frequentemente em acções de acidentes de viação, quando se
discutem valores de danos ou velocidades de veículos 17. O importante é que o juiz se situe
dentro da matéria de facto controvertida, vertendo para a decisão o que efectivamente
resultar da sua apreciação dos meios de prova que foram produzidos.
Por exemplo, sendo questionado se um veículo seguia a 90 km/h ou a 50 km/h, a falta de
prova de qualquer dos valores não deve determinar respostas negativas. Em tais circunstâncias
justificar-se-á, ao menos, que se considere provada uma velocidade não superior a 70 km/h ou
não inferior a 80 km/h ou, uma decisão que, sem se comprometer com qualquer velocidade,

14
Prevendo-se a aprovação de uma nova lei de organização judiciária, é mister que as regras sobre
distribuição da competência relativamente aos novos processos ou sobre a afectação dos processos
pendentes sejam claras. Mas impõe-se igualmente que seja feito um uso adequado das regras de
interpretação, por forma a evitar decisões erradas ou contraditórias.
15
Para além dos impedimentos colocados às partes relativamente aos adiamentos das audiências finais (art.
603º, nº 1, do NCPC), também se procurou moralizar os adiamentos suscitados por razões atinentes ao
Tribunal (arts. 151º e 603º, nº 2), impondo, além disso, o máximo aproveitamento dos actos, com a maior
economia de meios e com a redução dos incómodos para as partes e para terceiros, designadamente para
as testemunhas.
16
Trata-se de uma actuação que já era infirmada pela lei anterior e que se revelará inteiramente
injustificada em face do art. 507º, nº 1, do NCPC, e da necessidade de calendarização da audiência final ou
das diversas sessões.
17
Com o NCPC deixou de haver pontos da base instrutória, os quais foram substituídos pelos temas de
prova, de modo que, de acordo com as circunstâncias (conteúdo dos temas de prova, necessidades do caso
concreto, nível de discussão a que foram submetidos na audiência final), caberá ao juiz enunciar a matéria
de facto que considera provada e não provada, de uma forma inteligível e coerente, por forma a conseguir
traduzir a realidade observada.

307
Nótula sobre a Jurisdição Cível

aponte para uma “velocidade não determinada” 18. O mesmo se diga em relação aos prejuízos
de natureza patrimonial que sejam causados em casos de embate ou de colisão de veículos 19.
e) Omissão de prolação de despacho de aperfeiçoamento.
Já verifiquei a recusa de admissão da intervenção de sujeito necessário para assegurar o
litisconsórcio necessário passivo (in casu, o Fundo de Garantia Automóvel) ou recusa de
prolação de despacho de aperfeiçoamento no sentido de ser chamado a intervir o sujeito que
assegure o litisconsórcio necessário activo ou passivo, para, acto contínuo, ser declarada a
absolvição do réu da instância com fundamento na preterição desse litisconsórcio 20.

f) Desconsideração dos interesses em causa em acções que exigem dos Tribunais uma
especial atenção, como ocorre na generalidade das questões do Direito da Família.
Numa acção para prestação de alimentos em que não se provou se um dos progenitores
tinha ou não tinha rendimentos e em que, por isso, foi absolvido do pedido, deixei escrito o
seguinte:
“A única questão que cumpre apreciar é se, apesar da falta de apuramento de qualquer
facto relativo às condições económicas do pai da menor, que se encontra em paradeiro
desconhecido, deve ser fixada uma prestação alimentícia a seu cargo. A resposta que
aprioristicamente se obtém quando nos deparamos com uma situação como a dos autos vai
no sentido afirmativo, de modo a que não sejam prejudicados os interesses do menor. É,
afinal, a resposta que se obtém quando se abandona uma estrita lógica formal que subjaz à
decisão recorrida.

A simples constatação dos anteriores elementos deixa claro que a decisão recorrida, em
vez de tutelar os interesses do menor que estão em causa, acaba por produzir um resultado
inadequado, levando a que o requerido, apesar de se encontrar juridicamente vinculado pela

18
Afinal, se o veículo ou veículos estavam em movimento, seguiam a velocidade superior a 0 km/hora!
19
Se o veículo ficou danificado, algum prejuízo patrimonial terá sofrido o seu proprietário, ainda que
porventura não possa ser imediatamente quantificado. O que não se admite é que, em face das
dificuldades, se considere pura e simplesmente não provada a ocorrência de um prejuízo patrimonial,
inviabilizando a liquidação posterior.
20
Tal corresponderia, agora, ao incumprimento do dever legal que consta dos arts. 6º, nº 2, e 590º, nº 3,
sendo de notar ainda que em face do NCPC deve receber o mesmo tratamento a situação que se caracterize
pelas insuficiências ou deficiências dos articulados no que concerne à alegação da matéria de facto (art.
590º, nº 3).

308
Nótula sobre a Jurisdição Cível

paternidade, continue totalmente desonerado de qualquer responsabilidade decorrente do


poder paternal, incluindo a contribuição para alimentos da sua filha.
Ao negar a fixação de uma qualquer prestação, ao menos partindo de padrões de
normalidade, a sentença recorrida acaba por deixar desprotegido quem o Direito da Família
pretende essencialmente tutelar: a menor.
É verdade que, nos termos do art. 2004º do CC, os alimentos deverão se proporcionais
aos meios daquele que houver de prestá-los. Mas também resulta de tal preceito que devem
ser ajustados às necessidades do credor, sendo que, tratando-se de menor de tenra idade, a
contribuição dos pais (de ambos os pais) é vital para assegurar o seu desenvolvimento. Acresce
que no caso concreto a requerente limita-se a peticionar a prestação mensal de € 125,00
mensais, sendo que a decisão de alimentos nunca é definitiva, permitindo-se a sua
modificação caso se modifiquem circunstâncias relevantes.
Perante este quadro, é caso para perguntar: que indivíduo, não afectado por qualquer
incapacidade grave, tendo sobre si o encargo de suportar uma parte dos alimentos de uma
filha de tenra idade, não está em condições de dispor, pelo seu trabalho, daquela quantia, se
necessário, fazendo um esforço suplementar?
A resposta que imediatamente se intui quanto a essa questão elementar é a de que,
nessas circunstâncias (e outras não são visíveis no caso concreto, não podendo, por isso, ser
consideradas), também ao requerido pode e deve ser fixada uma prestação alimentícia como
reflexo (mínimo) do seu poder/dever paternal. Ainda que estivesse apurado – e não está – que
o requerido não aufere qualquer rendimento, tal não contenderia com aquela obrigação, já
que é inerente à relação de paternidade a necessidade de realizar esforços e de ajustar a
vivência por forma a que se consigam obter rendimentos que, além do mais, possam servir
para prover às necessidades de quem, como o filho menor, não tem possibilidades de
sobrevivência autónoma”.
Noutro caso, em que se pretendia o decretamento de uma providência cautelar
antecipatória com fundamento na ruína de um prédio e do perigo que representava para as
pessoas, o requerimento inicial foi liminarmente indeferido.
Na revogação desse despacho exarei o seguinte:
“Ora, os requerentes alegaram a situação de ruína iminente do prédio e o facto de
representar perigo para a vida dos requeridos, dos clientes que frequentam o estabelecimento
e do público em geral, quer decorrentes do perigo de derrocada, quer do perigo de incêndio.
Invocaram ainda o receio de que a manutenção da situação e a concretização de algum
dos referidos perigos possa ser causa de responsabilização.

309
Nótula sobre a Jurisdição Cível

Para o efeito, instruíram o requerimento inicial com dois relatórios da responsabilidade


de técnicos de engenharia civil, nos quais se refere, além do mais, que os edifícios ameaçam
“ruir a qualquer momento”, exigindo-se a “imediata desocupação de todos os seus ocupantes e
bens”, concluindo pela existência de “risco de derrocada iminente e de um eventual e
consequente incêndio”.
No segundo relatório conclui-se que existem “problemas a nível de coesão e da
estabilidade das paredes” e que o “quadro patológico implica graves riscos de segurança e de
saúde na utilização dos espaços interiores e públicos envolventes”.
Tais relatórios contêm diversa informação e também vêm acompanhados de fotografias
do interior e do exterior dos edifícios.
Trata-se, como é evidente, de meras alegações ou informações sobre as quais os
requeridos ainda se não pronunciaram. Tão pouco o tribunal sobre os mesmos se debruçou,
limitando-se a considerações de ordem genérica, sem descer à valoração de tais meios
probatórios em confronto com os pressupostos dos procedimentos cautelares.
A mera ponderação dos factos alegados pelos requerentes e mais ainda a sua conjugação
com elementos probatórios apresentados revela ter sido precipitada a rejeição liminar, sem
que sequer tenha sido apreciada a realidade que subjaz ao presente litígio.
Não se concebe efectivamente que a pretensão de natureza cautelar que pelos
requerentes foi deduzida seja resolvida (“arrumada”) com a argumentação que consta de fls.
101 (afinal, o único trecho relevante), onde ficou expresso que: “em face da factualidade
alegada afigura-se-nos que a mesma não justifica o receito dos requerentes de que os
requeridos causem lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito de denúncia dos
contratos de arrendamento para demolição do prédio” … “pois que não estão impedidos de o
exercer pela via legalmente existente para o efeito”.
Não se nos afigura correcta a opção da rejeição liminar que põe o acento tónico na
possibilidade de os requerentes interporem uma acção de denúncia do contrato de
arrendamento, sem se debruçar sobre os pressupostos que levaram os requerentes a solicitar
o decretamento de uma medida cautelar de efeitos antecipatórios.
Deste modo, foram total e injustificadamente desvalorizadas as alegações feitas pelos
requerentes e os meios de prova apresentados quanto à situação em que o prédio se encontra
e quanto aos danos que podem alegadamente ser provocados em terceiros, com implicações
nos próprios requerentes.
Concluiu o Tribunal a quo que do necessário recurso àquela acção de denúncia dos
contratos não resultará para os requerentes “qualquer prejuízo”.

310
Nótula sobre a Jurisdição Cível

Trata-se de uma conclusão precipitada e que desconsidera por completo a situação de


perigo alegada pelos requerentes, que pretendem, na sua tese, eliminar uma fonte de perigo e
precaver-se contra eventuais acções de responsabilização que possam ser contra si deduzidas.
Numa época em que continua a verificar-se uma excessiva morosidade no funcionamento
dos mecanismos jurisdicionais comuns (sendo que o Tribunal recorrido não constitui excepção)
e em que, além disso, frequentemente se verifica uma situação de inércia por parte de outras
entidades (maxime Municípios) com competências na área do urbanismo e, mais
concretamente, na cessação de situações de risco de desmoronamento de prédios urbanos,
através de despejos administrativos ou de intimação para a realização de obras coercivas de
demolição, não deverão ser os Tribunais (que, por vezes, constituem o último e o principal
bastião na tutela de direitos, e de defesa de interesses juridicamente protegidos) a recusar,
mediante juízos sumários e precipitados como aqueles que perpassam pela decisão recorrida,
a possibilidade de exercerem as funções de que foram constitucionalmente incumbidos.
Impõe-se, isso sim que, fazendo jus aos poderes de que constitucionalmente estão
investidos, apreciem a factualidade invocada e os meios de prova apresentados em face dos
pressupostos formais e substantivos aplicáveis ao caso concreto.
No caso, nada justifica a eliminação radical da pretensão na fase liminar, justificando-se a
passagem para a fase subsequente”.
Noutro procedimento cautelar discutia-se uma situação de perigo para a saúde pública
decorrente de animais doentes ou mortos cuja remoção era pretendida, a qual também foi
indeferida liminarmente:
“Perante este quadro integrado, como se disse, por factos alegados, com que se lida na
ocasião em que é proferido despacho liminar, somos impelidos a formular a seguinte
interrogação de pendor retórico: para que a pretensão da requerente passe a fase liminar que
permita o posterior confronto do Tribunal com os factos que se apurarem que mais seria
necessário alegar?
Uma tal interrogação acaba por conter a resposta, deixando bem evidente a necessidade
de revogar a decisão agravada, para que os autos prossigam.
Ao invés do que consta da decisão agravada, não pode extrair-se do facto de o diferendo
recuar a 2004 ou 2005 argumento que permita justificar o indeferimento liminar. A maior
duração da situação apenas agrava a situação danosa, ao invés do que concluiu o Tribunal a
quo.
Nem o facto de a requerente se ter abstido de interpor qualquer acção com carácter
definitivo pode ser invocada. É que o CPC prevê no seu art. 2º o exercício do direito de acção,

311
Nótula sobre a Jurisdição Cível

como direito subjectivo oposto ao dever do Estado de dirimir litígios de direito privado, bem
diverso de um dever de agir judicialmente com consequências na apreciação liminar das
pretensões deduzidas.
A requerente, como alega, procurou encontrar nas autoridades administrativas a solução
para o caso. Atitude que, se for verdadeira, é irrepreensível, pois que, sem embargo dos
efeitos que a situação provoca na sua esfera jurídica, existirão outros bem mais graves que
devem ser tutelados por entes públicos, ainda que com posteriores reflexos na esfera dos
direitos privados.
A crer naquilo que a requerente alega, a ocorrência de perigos para a saúde pública, a
violação de preceitos regulamentares em termos de licenciamento de explorações pecuárias
ou o incumprimento de normas legais relacionadas com a posse de animais apresentam
virtualidades que bem poderiam ter servido para que a fonte de perigo fosse
administrativamente eliminada sem os encargos que decorrem do recurso aos Tribunais cíveis.
Não tendo surtido efeito as diligências que a requerente terá empreendido, não poderá
de modo algum ser penalizada.
O não exercício anterior do direito de acção judicial e, mais do que isso, a opção pelo
acionamento de mecanismos de direito administrativo com posterior inércia dos entes
públicos jamais pode redundar em prejuízo dos titulares de direitos afectados e que se
encontrem em situação de lesão grave, iminente ou reiterada.
Como decorre do direito de acção consagrado no art. 2º do CPC, a qualquer situação
juridicamente protegida corresponde uma acção, sem exclusão sequer da acção cautelar,
desde que, neste caso, se verifiquem os requisitos específicos. Por outro lado, as funções de
que sejam incumbidas autoridades policiais ou administrativas não contendem com a
legitimidade dos particulares de requererem providências de carácter inibitório,
acompanhadas ou não de medidas que imponham determinados comportamentos.
Não sendo seguro que os interessados a quem a lei reconhece determinado direito
possam actuar directamente sobre tais autoridades no sentido de as levar a cumprir as suas
funções, resta a possibilidade de lhes ser facultada a intervenção dos tribunais para a defesa
dos seus direitos ou dos interesses reconhecidos”.

g) Uso inadequado do princípio de livre apreciação.


Numa expropriação por utilidade pública não foi atendido o parecer emitido por quatro
dos cinco peritos, aderindo-se ao parecer apresentado pelo perito que fora indicado pelo
expropriado.

312
Nótula sobre a Jurisdição Cível

Sendo verdade que o juiz não está necessariamente submetido ao juízo pericial, ainda que
maioritário, não poderá deixar de sustentar essa recusa em argumentos sólidos, o que não
ocorrer no caso que relato:
“O juiz – qualquer juiz, quer o da 1ª instância, quer os da Relação – não têm que aceitar
cegamente as opiniões dos peritos. Mas, não havendo razões para duvidar dos conhecimentos
técnicos, nem estando em causa algum factor relacionado com a idoneidade e objectividade
de um parecer subscrito por 4 dos 5 dos peritos, não é de ânimo leve que aquele deve ser
desconsiderado e que se acolham os elementos do outro perito ou que, à revelia do que
qualquer dos peritos deixou expresso, se façam juízos a partir de elementos avulsos
constantes do processo e que, pela sua natureza genérica, não podem ser directamente
aplicáveis à concreta parcela em causa, com características próprias, constituindo meros
referenciais estatísticos, com as suas virtualidades, mas sem a essencial de terem como
objecto uma concreta parcela destinada a piscicultura extensiva”.

h) Indeferimento liminar de requerimentos iniciais de procedimentos cautelares em casos


em que se justificava a prolação de despacho de aperfeiçoamento.
São frequentes estas situações, o que motivou que, numa delas, tenha referido o
seguinte:
“Decorrida mais de uma década sobre a importante reforma do processo civil que
pretendeu assinalar o relevo que deve ser dado ao direito material, passando para um plano
secundário aspectos de natureza formal, deveria ser desnecessário relembrar que só em casos-
limite aspectos de natureza formal deverão ter como consequência a rejeição liminar ou
qualquer outra decisão de extinção da instância por motivos formais. Nos demais, deve o juiz
fazer uso de outras soluções que, sem quebra de quaisquer princípios relevantes, confluem
para a melhoria da resposta do sistema às solicitações dos cidadãos ou das empresas.

Em suma, como é próprio do direito adjectivo, o CPC não pode ser entendido como um
“breviário” onde se encontrem todos os passos que devem ser dados, desde que o processo se
inicia até que é proferida a decisão que regula o conflito de interesses.
Longe disso, deve ser encarado como diploma cuja função essencial, para além da
indicação do objectivo a atingir, é o de enunciar as regras e os passos essenciais que permitam
atingir aquele desiderato, com obediência aos grandes princípios que lhe servem de lastro.

313
Nótula sobre a Jurisdição Cível

Se a Mª Juíza a quo entendia que era relevante para a decisão do procedimento a junção
dos documentos a que aludiu, o esclarecimento do número efectivo de comproprietários ou a
determinação das respectivas quotas tinha à sua disposição um meio facílimo de o conseguir:
determinar a notificação do requerente para o efeito.
Acresce que, como muito bem o refere o apelante, nem sequer se mostravam necessários
os referidos documentos ou esclarecimentos. O requerimento inicial enunciava com suficiência
tudo quanto de relevante deveria ter sido alegado pelo requerente para confrontar a parte
contrária antes de o Tribunal decidir”.
E noutro procedimento:
“Porém, o direito adjectivo não é apenas um conjunto de abstracções mais ou menos
apoiadas em doutrina e jurisprudência. Servindo de veículo ao direito substantivo, de que é
instrumental, jamais pode separar-se das concretas situações.
A excessiva atenção dada a aspectos formais correspondeu a uma corrente que fez escola
noutros tempos. À sombra de uma determinada interpretação que se fazia dos ensinamentos
de Alberto dos Reis, com excessivo apelo a aspectos formais, com relativa frequência os
Tribunais cíveis acabavam por sobrepor o direito processual ao direito substantivo.
Diversos autores vinham alertando para a inusitada frequência com que se suscitavam
questões processuais, invertendo-se frequentemente a ordem de valores por que deveria
pautar-se a actividade jurisdicional e que, no essencial, deveria ser dedicada à definição dos
direitos subjectivos e à resolução dos conflitos submetidos pelas partes à decisão dos
tribunais.
Contra esta tendência, de todo inaceitável nos tempos modernos, vem o legislador
actuando em sucessivas reformas, merecendo especial destaque a de 1996/97, através da qual
se pretendeu reduzir a justos limites as situações em que ficava impedido o conhecimento do
mérito da causa.
A fim de se operarem transformações visíveis no sistema e nos resultados derivados da
aplicação do direito adjectivo, consignou-se o alargamento da possibilidade de salvar a acção
inquinada por vício impeditivo do conhecimento de mérito, mas que resulte de falhas
menores, para além de uma outra solução mais arrojada, resultante do art. 288º, nº 3, do CPC,
que permite, nalgumas situações de persistência de excepções dilatórias, a prolação de
decisão de mérito.
A supremacia atribuída ao direito material, a instrumentalidade que caracteriza o direito
processual e a largueza com que o legislador encarou a intervenção do juiz na direcção do
processo e no afastamento de obstáculos formais confluem no sentido de se obterem

314
Nótula sobre a Jurisdição Cível

resultados mais ajustados no campo do direito material, em vez de decisões que, limitando-se
a absolver da instância, mantêm sem resolução material o litígio.
Por isso, na acção declarativa, sem exclusão sequer das acções não contestadas, o juiz não
deve limitar-se a verificar e a sancionar a existência de uma excepção dilatória. Ao invés,
impõe-se que exerça os poderes que a lei lhe confere no que respeita à superação de falhas
processuais susceptíveis de sanação, mesmo quando impliquem com pressupostos processuais
básicos, abarcando, quando tal se justifique, o convite ao esclarecimento de deficiências ou
imprecisões na matéria de facto, nos termos dos arts. 508º, nº 1, al. a), e 265º, nº 2, do CPC.
Reformulado o regime de aperfeiçoamento dos articulados, com ampliação dos poderes
do juiz e transposto para o fim dos articulados, não se compreende a insistência em decisões
formais, antes de se esgotarem os mecanismos alternativos que permitem o aproveitamento
do processado para a prolação de decisões de mérito”.

i) Não aplicação da regra substantiva referente às situações de colisão de veículos (art.


506º, do CC), optando-se pela absolvição da seguradora com fundamento na ausência
de prova da culpa ou de presunção de culpa.
Por diversas vezes me confrontei com sentenças em que, malgrado a falta de prova de
culpa ou de presunção de culpa de qualquer dos condutores, se optou pela absolvição da Ré
Seguradora, com fundamento na falta de prova da culpa do condutor do veículo segurado.
Aqui o que está em causa já não é o incumprimento de regras de processo civil, antes o
desrespeito flagrante de uma regra elementar de direito substantivo que obriga a que, em tais
circunstâncias, se deva repartir a responsabilidade por ambos os condutores de acordo com o
grau de risco de cada um dos veículos, nos termos do art. 506º, do CC.

j) Não uso das regras da experiência ou não atendibilidade das regras da experiência
comum para efeitos de presunções judiciais.
Esta situação é frequente nas acções cuja procedência depende da prova de factos que
são do foro interno da outra parte ou relativamente aos quais não é natural nem possível a
apresentação de prova testemunhal ou documental, exigindo-se do juiz que forme a sua
convicção sobre o facto desconhecido a partir da prova de factos instrumentais.
Assim deveria ter acontecido – e não aconteceu – numa acção de impugnação pauliana:
“A prova de factos do foro interno, como aqueles de que depende a afirmação do
requisito da má fé necessário à impugnação pauliana (tal como ocorre com a simulação
contratual condicionada pela prova do acordo simulatório e da intenção de prejudicar

315
Nótula sobre a Jurisdição Cível

terceiros), constitui uma das mais espinhosas tarefas a cargo da parte sobre quem recai o ónus
probatório.
Sem descurar tais dificuldades, a afirmação da prova de um certo facto representa
sempre o resultado da formulação de um juízo humano. Uma vez que jamais este pode basear-
se na absoluta certeza, o sistema jurídico basta-se com a verificação de uma situação que, de
acordo com a natureza dos factos e/ou dos meios de prova, permita ao Tribunal a formação da
convicção assente em padrões de probabilidade, que permita afastar a situação de dúvida
razoável.
A natureza subjectiva dos factos constitui um factor que indubitavelmente complica essa
tarefa mas que, apesar disso, não deve servir para negar tutela a direitos cujo exercício
dependa da prova desses factos. Por isso, desde que na motivação da decisão se justifiquem os
fundamentos concretos da convicção, o juiz deve usar um critério tanto menos rigoroso
quanto maior for a dificuldade de reunir os elementos de prova adequados. Por outro lado,
não deve ficar totalmente alheio ao processo de formação da convicção o comportamento
processual da parte contrária, pois se é verdade que o ónus da prova não lhe pertence,
também é certo que, como parte interessada no litígio, a sua actuação processual pode e deve
ser valorada de acordo com as regras da experiência comum.

Ganham, assim, especial relevo os dados recolhidos da experiência que nos revelam a
multiplicidade e a sofisticação das estratégias de fuga aos credores, merecendo destaque a
transferência de bens para pessoas ligadas aos interessados por relações de confiança ou a
intervenção de "testas de ferro" que formalmente assumem a titularidade dos bens que, de
facto, continuam na disponibilidade dos transmitentes, a favor de quem subscrevem
geralmente procuração irrevogável.
Mais elaborada e tecnicamente mais difícil de detecção é a utilização de sociedades off
shore (por vezes, incentivadas por entidades bancárias) obedecendo a um regime favorável no
que concerne à sua constituição e ao regime fiscal vigente em determinados (e bem
publicitados) "paraísos fiscais", possibilitam complementarmente, através do secretismo
adoptado quanto à identificação dos verdadeiros titulares do capital social, a ocultação de
bens que, de outro modo, ficariam à mercê dos credores.
É da experiência da vida que nestas e noutras circunstâncias os implicados não emitem
uma declaração confessória da realidade que se esconde por detrás da modificação da
titularidade jurídica dos bens. Tal elemento de prova objectivo pura e simplesmente não existe

316
Nótula sobre a Jurisdição Cível

ou não se mostra acessível, razão pela qual o sistema deve consentir que os interessados
façam prova dessa realidade por outras vias menos evidentes mas, ainda assim, que permitam,
com razoável segurança, a afirmação da veracidade de determinados factos controvertidos.
Ganham, assim, especial relevo as presunções definidas pelo art. 349º, do CC, como
“ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto
desconhecido”, e que incluem ainda as presunções judiciais ou “ad hominem”.
Condicionadas a uma utilização prudente e sensata, isenta de excessivo voluntarismo, as
presunções judiciais constituem um instrumento precioso a empregar, quando necessário e
quando tal for legalmente admitido (art. 351º, do CC), na formação da convicção que antecede
a resposta à matéria de facto, o que se torna premente quando se trata de proferir decisão
que, como ocorre relativamente à impugnação pauliana, se tornam dificilmente atingíveis
através de meios de prova directa.
Conquanto nem sempre resulte explícita a sua intervenção na formação da convicção
jurisdicional, constituem um importante mecanismo que pode levar o Tribunal a afirmar a
verificação de certo facto controvertido, suprindo as lacunas de conhecimento ou de
informação que não possam ser preenchidas por outros meios de prova; podem servir ainda
para valorar os meios de prova produzidos”.

k) Incumprimento das regras da motivação da matéria de facto, sem a devida apreciação


crítica dos meios de prova ou opção errada pelo resumo dos depoimentos prestados.
Num apreciado em que tal incumprimento se verificou expus o seguinte:
“No caso concreto, estamos no âmbito de uma acção em cuja audiência de julgamento
foram inquiridas diversas testemunhas, em várias e arrastadas sessões de julgamento, tendo
cujos depoimentos ficaram gravados.
Ora, apesar da evidente contrariedade dos factos alegados por ambas as partes (que
fundamentalmente se podem condensar nos dois quesitos que condensam as versões das
partes quanto à (in)capacidade de E.) e malgrado os meios de prova apresentados
(basicamente integrados por prova testemunhal, com depoimentos divergentes quanto ao
estado psíquico de E. na ocasião em que foram outorgados os actos jurídicos impugnados), o
Mº Juiz a quo praticamente se limitou a referir, relativamente aos factos não provados, que os
depoimentos das testemunhas identificadas teriam sido “inconsistentes, inconclusivos, não
convencendo o tribunal de modo diferente do das respostas dadas”; e, em relação aos factos
provados, que outras ou as mesmas testemunhas teriam respondido “com segurança,

317
Nótula sobre a Jurisdição Cível

demonstrando conhecimento pessoal dos factos, convencendo assim o Tribunal no sentido das
respostas dadas”.
Decerto que o esforço desenvolvido pelas partes na fase de instrução, a importância do
processo e o grau de litigiosidade que através dele se detecta mereciam do Tribunal a que se
dirigiram melhor resposta. O número de testemunhas, a quantidade e a duração das sessões
de julgamento (com interrogatórios, instâncias e perguntas feitas, respectivamente, pelos
Exmºs mandatários e pelo Mº Juiz a quo) não encontram eco na forma utilizada pelo Mº Juiz a
quo para expressar os motivos da sua decisão.
Face a tão inusitada motivação (pela natureza formal e pela notória incompatibilidade da
justificação), abriu-se o flanco a justificadas e escusadas dúvidas quanto ao acerto do
julgamento ou, ao menos, quanto aos reais motivos que terão levado o Tribunal a responder
da forma como o fez, sendo naturais a perplexidade e as dificuldades da apelante quanto à
compreensão do fio lógico que conduziu ao resultado declarado.
Dificuldades que também a este Tribunal se suscitam na ocasião em que, em sede de
recurso, lhe é solicitado que reaprecie a decisão da matéria de facto. Com efeito, tal
motivação, feita por quem acompanhou e mediou a produção da prova oralmente produzida
não consegue superar as dúvidas quanto ao valor intrínseco que terá sido atribuído a cada um
dos depoimentos ou quanto ao valor probatório atribuído a documentos (sentença e relatório
pericial elaborado por dois médicos psiquiatras), designadamente aos que foram extraídos do
processo de interdição e que directamente respeitam à capacidade de entendimento da
declarante E.
Tendo em conta o princípio da imediação que envolve a condução da audiência de
julgamento onde os depoimentos foram prestados, o Mº Juiz a quo estava em condições e
tinha o dever de deixar claros os motivos que o levaram a responder positiva ou
negativamente aos quesitos formulados, sendo fundamental para a correcta tramitação dos
processos judiciais que esses sinais sejam deixados bem visíveis para que as partes possam
reagir pelos meios de que dispõem e para que o Tribunal ad quem possa sindicar
correctamente a decisão impugnada.
Num processo em que uma tão grande riqueza de depoimentos se colhe da simples
leitura das transcrições feitas a partir das gravações, de modo algum se compreende a opção
manifestada na motivação da decisão sobre a matéria de facto caracterizada pela sua natureza
genérica, tabelar, enfim, vazia de conteúdo, aliás, bem longe da prática que, ao abrigo do novo
regime, se constata pela análise dos processos que sobem a esta Relação.

318
Nótula sobre a Jurisdição Cível

Noutra situação alertei para o uso incorrecto dessa prática:


“Demandando a lei que o juiz, no final da audiência de discussão e julgamento, proceda à
análise crítica das provas produzidas e que especifique os fundamentos que se revelaram
decisivos para a formação sua convicção, não basta (como, aliás, já não bastava
anteriormente) que se enunciem apenas os meios de prova, sem alusão às razões de ciência
invocadas pelas testemunhas ou sem a necessária explicitação dos reais motivos que levaram
o Tribunal a atribuir credibilidade a uns depoimentos e não a outros ou a desvalorizar certos
meios de prova em face de outros que foram produzidos.
Foi, aliás, por causa do prolongado desrespeito desses deveres que o sistema recebeu as
mais severas críticas e que determinaram a alteração da lei processual civil.
Por isso, o necessário acatamento da lei positiva, associado à necessidade de garantir a
transparência das decisões judiciais, impõe um maior esforço na racionalização do processo de
formação da convicção, sendo ilegítimo esconder, por detrás de meras justificações formais, os
reais motivos da decisão, ou optar pela mera enunciação dos meios de prova, sem qualquer
concretização que deixe transparecer o esforço desenvolvido na execução da tarefa de
apreciação da prova.
Que se leia o que a este respeito tem sido escrito ultimamente acerca do dever de
fundamentação das decisões judiciais, reparando, por exemplo, naquilo que ensina Teixeira de
Sousa, para quem “o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das
regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela
convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da
decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz,
mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através da
fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente”.
Atente-se ainda no que ensina Lebre de Freitas, para quem “o tribunal deve, por exemplo,
explicitar porque acreditou em determinada testemunha e não em outra, porque se afastou
das conclusões dum relatório pericial para se aproximar das de outro, por que razão o
depoimento de uma testemunha com qualificações técnicas o convenceu mais do que um
relatório pericial divergente ou por que é que, não obstante vários depoimentos produzidos
sobre certo facto, não se convenceu de que ele se tivesse realmente verificado”.
Ou o que também a este respeito escreve Lopes do Rego quando refere que o juiz deve
proceder à indicação dos fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, com
especificação dos meios de prova e das razões ou motivos substanciais por que relevaram ou
obtiveram credibilidade.

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Nótula sobre a Jurisdição Cível

Afinal, razões que já eram anunciadas por Antunes Varela, para quem mesmo antes da
reforma do processo civil já se impunha a indicação das razões de credibilidade ou da força
decisiva reconhecida aos meios de prova, de modo que, por exemplo, havendo depoimentos
testemunhais contraditórios sobre a mesma ocorrência, o Tribunal necessitaria de indicar as
razões por que preferiu o depoimento A ao depoimento B.
Neste contexto, impondo-se, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, que se
estabeleça o fio condutor entre os meios de prova usados na aquisição da convicção
(fundamentos) e a decisão da matéria de facto (resultado), fazendo a apreciação crítica
daqueles, nos seus aspectos mais relevantes, a decisão encontrar-se-á viciada quando não
forem observadas as regras contidas no art. 653º, nº 2.”.

l) Não valorização autónoma de documentos sem força probatória plena.


Por diversas vezes verifiquei a recusa de apreciação livre de meios de prova objectivos,
como os documentos particulares, como se houvesse necessidade de invariavelmente ser
produzida prova testemunhal sobre os mesmos factos.
Ora, tais documentos, quando não estejam cobertos por força probatória plena
decorrente do reconhecimento de determinados factos, estão sujeitos a livre apreciação pelo
juiz. Sem embargo dos casos em que sejam impugnados, não existe qualquer regra que
imponha que o seu teor seja corroborado por testemunhas, prática que em grande parte é
responsável pelo relevo excessivo que acaba por ser atribuído à prova testemunhal, mesmo
em situações em que não seria natural que a mesma fosse produzida.

m) Adesão a uma tese jurisprudencial minoritária, em vez da tese largamente maioritária.


O juiz não está sujeito à jurisprudência dos Tribunais Superiores. Mas, sem embargo da
autonomia decisória que lhe é atribuída, é natural que essa jurisprudência constitua um
referencial importante, designadamente quando seja maioritária e mais ainda quando seja
sustentada em Acórdão de Uniformização do Supremo Tribunal de Justiça. Em qualquer dos
casos, a eventual divergência não se justifica por si só, devendo ser o resultado de uma firme
convicção que não corresponda simplesmente a uma atitude de rebeldia ou de voluntarismo
que, além de potenciar o tratamento diferenciado de questões idênticas, abra uma brecha
escusada no vector da certeza do Direito.
Num caso em que estava em discussão a questão da necessidade de protesto da letra em
relação ao avalista do aceitante, com resposta negativa praticamente unânime na

320
Nótula sobre a Jurisdição Cível

jurisprudência e na doutrina, mas em que na sentença recorrida se enveredara, sem


justificação alguma, pela tese manifestamente minoritária, expressei o seguinte:
“Cumpre deixar claro que não é o facto de a decisão apelada revelar a adesão a uma tese
minoritária que constitui fundamento primário de repúdio. A exclusiva obediência dos juízes à
Lei, nos termos do art. 4º do EMJ, transporta consigo a possibilidade e a legitimidade de uma
opção divergente, desde que, em consciência, seja julgada mais adequada. Ponto é que a
solução seja metodologicamente sustentável em face dos critérios de interpretação normativa.
A Jurisprudência, no seu sentido mais lato, que abarca também a Doutrina, não constitui
fonte imediata do Direito. Por isso, inexiste imposição de obediência a entendimentos, ainda
que maioritários, sendo sustentável a defesa de teses contrárias, desde que fundadas em
sólida e ponderada argumentação.
Diga-se ainda que a evolução do Direito, através da Jurisprudência, pode exigir o sacrifício
de soluções aparentemente estabilizadas mas que, por exemplo, correspondam a uma mera
cristalização de entendimentos que se revelem insustentáveis em face das circunstâncias que
se verificam no momento da aplicação da lei aos factos, nos termos do art. 9º do CC.
Todavia, sem embargo da verificação de justificados motivos de divergência, não poderá
deixar de se ponderar também a necessidade de contribuir para a aplicação uniforme do
Direito, ponderando o valor da segurança jurídica que só se consegue quando se respeita o
factor da previsibilidade.
É o que decorre do art. 8º, nº 3, do CC, segundo o qual “nas decisões que proferir, o
julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de
obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”, norma que visa fundamentalmente
evitar interpretações casuísticas e que vincula o juiz a adoptar, em concreto, a solução que
perfilharia perante casos semelhantes, com o apelo ao princípio da igualdade na resolução dos
conflitos de interesses que conjugam idênticas razões de facto e de direito.
A liberdade de julgamento que constitui um dos pilares do nosso ordenamento jurídico,
não prescinde da ponderação séria dos resultados e da necessidade de se atentar também
noutros valores fundamentais em qualquer Estado de Direito, tais como a segurança jurídica, a
certeza do Direito, a justiça material ou a eficácia do sistema.
Razões de ordem ética ou deontológica (inconfundíveis com pura subserviência
intelectual ou com uma postura acrítica relativamente a opiniões alheias) deverão ser
convocadas para que possam existir os necessários ajustamentos.
Por isso, se o sentido de uma determinada norma recebe, em determinado
circunstancialismo, a generalizada aceitação da jurisprudência e da doutrina, mais se impõe

321
Nótula sobre a Jurisdição Cível

uma atitude reflexiva que evitem soluções que, no contexto judiciário, acabem por constituir
verdadeiras decisões surpresa.

Assim, a adesão a uma tese minoritária, sem argumentação jurídica substancialmente


convincente, num quadro fáctico que não contém qualquer circunstância que apele a um
outro sentido, para além da falta de apoio na letra da lei, conduziria a uma quebra da
uniformidade na interpretação e aplicação da lei que não encontra no caso qualquer razão
justificativa”.

n) Opção por uma solução de cariz formal, em lugar de outra de natureza substancial.
Considero paradigmática a situação que a seguir relato emergente de um litígio em redor
de um contrato de seguro de grupo, do Ramo Vida, em que se colocava a questão da
legitimidade activa do segurado, e onde deixei expresso o seguinte:
“O simples facto de a R., empresa seguradora, integrar o mesmo grupo do Banco
financiador deveria ter servido de travão a uma solução como a que decorre da decisão
agravada e cujo pendor formal da argumentação não pode deixar de ser realçado.
Considerar-se que relativamente à relação material controvertida era unicamente o Banco
que concedeu os créditos e que foi constituído beneficiário do seguro o detentor de
legitimidade para reclamar a liquidação do seguro de vida constitui um resultado
insustentável, na medida em que a correspondente absolvição da instância, com fundamento
na ilegitimidade dos AA., acabaria por se traduzir em benefício exclusivo da seguradora que
integra o grupo económico do Banco.
Potenciar-se-ia, assim, uma situação paradoxal: mesmo que fosse incontroversa a
verificação de todos os pressupostos da exigibilidade do capital seguro, continuaria a recair
sobre os AA. a obrigação de pagamento das prestações acordadas, a qual apenas cessaria se e
quando a entidade bancária resolvesse accionar a seguradora ... do seu próprio grupo.
Ao invés do que ficou expresso na decisão recorrida, deve reconhecer-se aos AA. um
interesse legítimo, porque directo e não meramente reflexo, para, na presente acção,
discutirem com a R. a verificação ou não dos pressupostos de que depende o accionamento do
referido contrato de seguro.
O reconhecimento da legitimidade processual, como mero pressuposto formal, não
implica naturalmente a procedência da pretensão. Basta que permita a manutenção da
instância para no âmbito da posterior tramitação se discutirem e apurarem os aspectos ligados

322
Nótula sobre a Jurisdição Cível

ao mérito da pretensão material. Repare-se que, no caso concreto, os AA. não reclamam para
si o pagamento do capital seguro. No seu segmento essencial, pretendem apenas que o
mesmo seja entregue ao banco mutuante para ser aplicado na liquidação dos empréstimos
que perante o mesmo contraíram.
Ora, na medida em que, pela eventual procedência da acção, os AA. vejam saldadas as
dívidas que assumiram perante o Banco, ficarão definitivamente exonerados do pagamento
das prestações que ficaram convencionadas nos contratos de mútuo, pois que, nos termos do
art. 767º do CC, nada obsta a que a prestação seja feita por terceiro. A presença do referido
interesse directo na demanda torna-se ainda mais evidente quando se verifica que os
contratos de mútuo celebrados com o Banco beneficiário do seguro ficaram garantidos por
hipoteca, sendo que o pagamento do capital mutuado, por via do accionamento do contrato
de seguro, é passível de determinar a extinção dessa garantia real, nos termos do art. 730º do
CC”.
Noutro caso – processo de insolvência – decidi que:
“Para além de se revelar a insuficiência de bens, verifica-se que o requerido, tendo para
isso oportunidade, não se esforçou por demonstrar que, apesar do diferencial aparente entre
o seu activo e o seu passivo, reúne condições (v.g. ao nível da obtenção de crédito, de
desenvolvimento de negócios futuros, etc.) para cumprir com as suas obrigações, maxime a
obrigação exequenda, elidindo, deste modo, a presunção de insolvência reflectida por aquele
factoíndice.
Tendo sido dada ao requerido a possibilidade de ilustrar com factos e meios de prova uma
diversa situação patrimonial ou a verificação de circunstâncias demonstrativas de uma
situação de solvência, nos termos e para efeitos do nº 3 do art. 30º, do CIRE, nada adiantou
para além de confirmar a titularidade da fracção hipotecada e de alegar que a mesma ainda
não foi penhorada. Nem sequer alegou, e tão pouco provou, que o seu valor seja suficiente
para suportar o pagamento das suas dívidas, facto de todo implausível tendo em conta, por
um lado, a natureza da bem (fracção autónoma), a sua localização e a pendência de hipotecas
sobre a mesma.
Nestas circunstâncias, não parecem ajustadas as conjecturas de valor meramente
especulativo formuladas pelo Mº Juiz a quo quando aludiu à possibilidade de a única fracção
referida potenciar o cumprimento das obrigações do requerido.
Se nem o requerido, conhecedor da concreta realidade, foi a tal ponto, muito menos essa
possibilidade, directamente contrariada pelos dados da experiência relacionados com a
natureza e localização da fracção autónoma, poderia ser adiantada pelo Tribunal.

323
Nótula sobre a Jurisdição Cível

Também não se admitem semelhantes conjecturas feitas a partir de uma eventual


possibilidade de a dívida exequenda ser suportada pelo património integrante da massa
insolvente da T. aceitante da letra em que o requerido interveio como avalista e que
entretanto foi declarada em estado de insolvência.
O quotidiano dos tribunais, maxime quando lida com processos de insolvência, não
permite que se façam tais extrapolações sobre a capacidade da massa insolvente para suportar
as dívidas que na mesma se integram. Muito menos tal conclusão pode ser extraída num caso
como o presente em que se ignora por completo se existe algum activo nessa massa insolvente
ou qual a sua dimensão em termos absolutos e em relação com o passivo existente”.

o) Demasiada morosidade em determinados processos que exigem tratamento


preferencial, como os procedimentos cautelares ou processos relativos a menores.
Não se compreende de modo algum que certos processos a que legalmente é atribuída
natureza urgente acabem por ter um tratamento semelhante aos demais no que concerne à
sua tramitação e morosidade.
Incompreensão que acompanha uma certa passividade em relação aos incidentes que são
suscitados ou em relação às diligências probatórias que são requeridas, mesmo quando a lei
prescreve que o juízo decisório seja formulado a título provisório e, por isso, passível de
posterior modificação quando, na acção principal, for apreciado o litígio.

p) Excessiva amplitude dos relatórios das sentenças, com extensas reproduções dos
articulados ou com relato de todas as incidências processuais, contrariando a
metodologia prevista na norma que regula a sentença e que claramente aponta para a
sintetização.
q) Falta de equilíbrio na fundamentação, variando entre a fundamentação excessiva e a
ausência de fundamentação ou a omissão de pronúncia.
Sendo obrigatória a fundamentação das decisões judiciais, o certo é que o maior ou
menor investimento nessa área exige que se abrevie a fundamentação em casos em que tal se
justifique (falta de efectiva litigiosidade, falta de oposição, carácter repetitivo da questão
apreciada, pacificação da solução a nível doutrinal ou jurisprudencial), guardando o maior
investimento (através de maior investigação, estudo e reflexão) para questões ou casos que
verdadeiramente exijam uma pronúncia judicial.

324
Nótula sobre a Jurisdição Cível

r) Rejeição oficiosa da execução sem que a questão tenha sido levantada e sem que os
autos revelem elementos suficientes.
Numa questão desta natureza tive a oportunidade de enunciar o seguinte:
“Mas uma tal intervenção tem de ser necessariamente encarada com parcimónia por
parte do juiz, ponderando sempre o facto de ao executado ter sido dada a oportunidade de
deduzir oposição e reservando a actuação de natureza complementar para situações-limite em
que a irregularidade da acção executiva não deixe margem para dúvidas. O uso do mecanismo
do art. 820º do CPC tem que ser necessariamente reservado para situações excepcionais em
que a ocorrência de alguma das situações abstractamente previstas decorra da mera análise
dos elementos fornecidos pelos autos, sem necessidade de intervenção judicial, de pendor
inquisitório”.

s) Ausência de um discurso autónomo em relação às questões sob apreciação, com mera


reprodução de entendimentos alheios extraídos de acórdãos ou de obras jurídicas,
ainda assim muitas vezes sem menção das fontes.
Mais do que seria desejável, são frequentes estas situações. A facilidade de recolha de
elementos via Internet propicia muitas vezes o simples aproveitamento de considerações
jurídicas, nem sempre apropriadas às circunstâncias do caso e, além disso, sem o cuidado de
identificar a sua origem.
A situação é mais frequente quando se trata de reproduzir argumentos extraídos de
acórdãos (alguns deles afectados pelo mesmo vício) e torna-se ainda mais intolerável quando
são apresentados como próprios argumentos que pura e simplesmente são copiados de obras
jurídicas.

t) Colocação de entraves injustificados à antecipação da resolução definitiva do litígio no


âmbito do procedimento cautelar de apreensão de bem na locação financeira.
Sobre esta matéria já expressei o seguinte:
“O presente caso é verdadeiramente paradigmático no que concerne à inversão de
valores que o legislador estabeleceu e que aos tribunais cumpre preservar. A decisão deixa
clara a sobrevalorização de aspectos de natureza puramente tributária, claramente marginais
e acesso rios, em detrimento dos de ordem substancial que deveriam se prioritariamente
atendidos.
Revela ainda que certos entendimentos, de pendor burocratizante, acabam por impedir a
consecução dos objectivos do processo civil reflectidos através de princípios gerais que

325
Nótula sobre a Jurisdição Cível

privilegiam, com base em padrões de eficácia, de economia de meios e de simplificação


processual, a substância sobre a forma.
Na tese assumida na decisão recorrida considerou-se que a antecipação do juízo definitivo
da acção constituía um incidente sujeito ao prévio pagamento de uma taxa de justiça não
abarcada pela taxa de justiça prevista para a apresentação do requerimento inicial do
procedimento cautelar.
Trata-se de conclusão sem base legal, não se compreendendo o esforço desenvolvido
para sustentar uma resposta de todo inadequada aos objectivos propostos pelo legislador
quando, nos termos concretizados pelo art. 21º, nº 7, do Dec. Lei nº 145/95, de 24-6, e no
seguimento do que já fora anunciado pelo art. 16º do Dec. Lei nº 108/06, de 8-6 (que prevê o
regime processual experimental), promoveu o aproveitamento do procedimento cautelar para
a emanação de um juízo definitivo sobre a pretensão material, dispensando a propositura de
uma acção declarativa.
Com tal medida o legislador pretendeu garantir a eficácia, a economia e a celeridade dos
meios processuais, não fazendo sentido impedir a obtenção de tais efeitos a partir da duvidosa
invocação de aspectos de natureza meramente tributária.
Com efeito, o reclamado juízo definitivo surge enxertado no próprio procedimento
cautelar que, apesar disso, não perde a sua natureza, de modo que a taxa de justiça paga pela
interposição de tal procedimento abarca também a actividade jurisdicional correspondente à
eventual prolação da decisão definitiva”.

António Santos Abrantes Geraldes

326
Da sentença cível

[Manuel Tomé Soares Gomes]


Da sentença cível

Da sentença cível
Manuel Tomé Soares Gomes

Nota Introdutória

Ao elaborar este trabalho, intitulado Da Sentença Cível, no contexto da recente Reforma


do Código de Processo Civil, aprovada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, ressoaram, no
meu espírito, as palavras do proeminente biólogo e naturalista Edward O. Wilson, escritas no
seu livro, em tradução portuguesa, A Conquista da Terra – A nova história da evolução
humana, 2012, quando observa que:

“Hoje o homem é como um sonâmbulo, preso entre as fantasias do sono e o caos do


mundo real. O espírito procura mas não logra encontrar o local e o tempo exacto. Criámos
uma civilização ao estilo de Guerra das Estrelas, com emoções da Idade da Pedra, instituições
medievais e tecnologia quase divina”.

Tais palavras exprimem bem o que hoje sentimos, ao sermos agitados pelos ventos da
Reforma do CPC, em busca de novos procedimentos para lidarmos com comportamentos
eivados de emoções remotas, ante a transmutação de um quadro normativo que se vem
revelando desfasado dos nossos tempos e, quiçá, inebriados pelas invenções tecnológicas
emergentes da “Revolução Informática” que, senão olímpica, pelo menos, reveladora de um
mundo virtual nunca dantes imaginado.
Como é sabido, em geral, a sentença tem por função obter o conhecimento da matéria
dos litígios e proceder à sua justa resolução. É, pois, um ato de racionalidade prático-jurídica,
através do qual o juiz julga os factos provados e os não provados e, nessa base, convoca o
quadro normativo aplicável, declarando o direito em concreto para valer com força de caso
julgado.
Ora, a produção de um conhecimento sólido, qualquer que seja a sua natureza, requer a
prévia definição dos parâmetros por que se rege a sua elaboração, pois deles deriva a
consistência e validade do conhecimento assim produzido. O método a seguir é, por
conseguinte, uma garantia de qualidade do resultado que se pretende.

329
Da sentença cível

Foi nesta linha de pensamento que procurei orientar o presente trabalho na mira de
contribuir, de forma modesta, mas com apelo à minha experiência profissional, para a reflexão
que se impõe sobre a economia do ato de julgar.
Estou em crer que a tão desejada simplificação das decisões judiciais melhor se alcança
com o aprimoramento racional do método decisório do que por via de simplismos redutores,
ao sabor de experimentalismos imaginativos, algo difusos, que, em vez de conduzir a uma
compreensão mútua dos critérios do agir processual, pode gerar um clima de incerteza e de
desconfiança entre os agentes judiciários e, em última análise, aos olhos dos cidadãos em
geral.
Não pretendo que as ideias e observações aqui veiculadas sejam entendidas como
modelos de actuação. Longe disso, procuro tão só partilhar o empenhamento numa aposta de
maior racionalidade no agir judiciário que contribua para uma realização mais célere e
proficiente da Justiça. É certo que essa racionalidade não se deve cingir à singularidade
estrutural do ato de julgar, mas antes abarcar todo o fenómeno processual como quadro
complexo e dinâmico em que se edificam os alicerces da decisão. Todavia, será a partir do
plano decisório que talvez melhor se descortine e perspetive a racionalidade teleológica do
processo.
Ganhar essa aposta depende do esforço comum. Deixo-vos o meu lance, nessa jogada, e
fico na expectativa de que seja coberto por melhores trunfos.
Talvez assim possamos, em conjunto, despertar do sono das fantasias e afrontar o
aparente caos do mundo real.

Da sentença cível

1. Função e Natureza da Sentença

A sentença 1 é, na sua essência, um ato de racionalidade prático-jurídica, através do qual o


juiz julga os factos provados e os não provados e, com base naqueles, convoca o quadro
normativo aplicável, declarando o direito em concreto, com força de caso julgado. Consiste,

1
Segundo o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de JOSÉ PEDRO MACHADO, a palavra sentença
deriva do vocábulo latino sententia, que significa, etimologicamente, “sentimento, opinião, ideia, maneira
de ver, opinião (dada no senado), voto, sufrágio (dado nos comícios); falando de juízes: sentido, significação,
ideia, pensamento ...”. De notar que o termo sententia, no sistema das legis actiones do Direito Romano
Antigo, “significava ... simplesmente a opinião ou a convicção jurídica do iudex privatus sobre a questão
litigiosa” – vide SANTOS JUSTO, in Direito Privado Romano – I Parte Geral, Coimbra Editora, 2000, pag. 303.

330
Da sentença cível

pois, na tomada da decisão final sobre o objeto da causa principal ou do procedimento


cautelar ou incidental que tenha a estrutura de uma causa, como decorre da noção dada no
n.º 2 do artigo 152.º do Código de Processo Civil (CPC), na redacção dada pela Lei n.º 41/2013,
de 26 de junho 2.
Por sua vez, a fase processual da sentença consiste na etapa terminal do processo
declarativo, em primeira instância, que tem por finalidade a prolação da sentença, mas
compreende também os trâmites subsequentes para a respetiva notificação às partes, bem
como os procedimentos para eventual retificação, suprimento de nulidades e reforma da
mesma, quando admissível, perante o juiz que a proferiu. Já a impugnação daquela decisão
perante um tribunal superior constitui uma nova fase processual – a fase de recurso.

2. Do Objeto da Sentença
Os requisitos relativos ao delineamento periférico do objeto da sentença têm a sua sede
legal, essencialmente, nos artigos 5.º e 608.º a 612.º do CPC.
Assim, a sentença tem por objecto:
a) em primeira linha, as questões processuais, mormente as que possam determinar a
absolvição da instância – n.º 1 do artigo 608.º do CPC;
b) em seguida, as questões de mérito suscitadas pelas partes e as que a lei permita ou
imponha que o juiz conheça oficiosamente, excetuadas as que se considerem
prejudicadas pela solução dada a outras – n.º 2 do citado artigo 608.º.
Para tal efeito, por questão entende-se o efeito pretendido pelo autor (pedido) e os
respectivos fundamentos (causa de pedir), bem como as exceções dilatórias ou perentórias e
seus fundamentos, arguidas ou de que cumpra ao juiz conhecer oficiosamente 3. No domínio
de cada questão em apreço, podem aduzir-se diversos argumentos ou linhas de raciocínio a
sustentar o enquadramento jurídico pertinente à solução do caso, mas que não constituem em
si mesmo uma questão. Ao juiz impõe-se apreciar todas as questões em causa, não tendo de
ocupar-se de todos os argumentos expendidos pelas partes, mas somente dos que se afigurem
relevantes para a dilucidação dos pontos controvertidos.

2
Doravante, a indicação de artigos do CPC ou de artigos sem qualquer outra menção refere-se ao Código de
Processo Civil português na redação dada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho.
3
Sobre a noção de questões, mormente para os efeitos dos atuais artigos 608.º e 615.º n.º 1, alínea d), do
CPC, correspondentes, respetivamente aos artigos 660.º e 668.º, n.º 4, do CPC de 1939, vide, por todos,
ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil anotado, Vol. V, reimpressão, Coimbra Editora, 1981, pp. 51 a
58.

331
Da sentença cível

No âmbito das questões prejudicadas pela solução dada a outras, importa destacar
aquelas que devem ser apreciadas a título subsidiário ou de reforço. Se, por exemplo, se
concluir pela prescrição do direito peticionado, mas também tiverem sido invocadas outras
exceções perentórias igualmente procedentes, é recomendável que o juiz as aprecie, ainda
que a título subsidiário, em particular quando a questão da prescrição corra risco de insucesso
em eventual recurso que se vier a interpor; o mesmo se dirá quando se conclua, desde logo,
pela improcedência do fundamento do direito invocado, mas em que tenha sido também
suscitada a exceção de prescrição e que esta se mostre procedente, podendo assim ser
tomada em consideração, a título subsidiário.
Outrossim, quando se invoquem causas de pedir concorrentes ou múltiplas 4, deverão ser
todas objeto de apreciação, mesmo que qualquer delas determine, por si só, a procedência da
acção, até porque a procedência de algumas não prejudica o conhecimento das demais, se
tivermos em linha de conta que está também em causa o âmbito ou a latitude do fundamento
do caso julgado.
É certo que, nos termos dos n.º 2 e 3, do artigo 665.º, do CPC, se o tribunal recorrido
deixar de conhecer de certas questões por considerar que ficam prejudicadas pela solução
dada ao litígio, o tribunal de recurso deve conhecer delas, se entender que conduzem à
procedência do recurso e dispuser dos elementos necessários para tal, ouvindo previamente
as partes. De qualquer modo, a apreciação feita logo pelo tribunal de 1.ª instância dá mais
garantias de efetivação do princípio do duplo grau de jurisdição e evita a dilação decorrente da
reabertura do contraditório.
Em rigor, só ficam verdadeiramente prejudicadas as questões cuja apreciação seja
incompatível ou destituída de qualquer alcance útil, na perspetiva da solução dada ao litígio.
Por exemplo, se houver lugar à absolvição da instância não se poderá entrar na apreciação do
mérito da causa, salvo na hipótese prevista no n.º 3, do artigo 278.º, do CPC. Também caso se
conclua pela procedência de uma exceção dilatória ou de uma excepção perentória, com a
consequente absolvição do réu da instância ou absolvição do réu do pedido, respetivamente,
não tem, em princípio, qualquer efeito prático conhecer da mera improcedência de outras
exceções, na medida em que desta improcedência não se retiraria qualquer alcance útil da
decisão do julgado.

4
Importa não confundir causas de pedir concorrentes ou múltiplas com a causa de pedir complexa: no
âmbito daquelas, cada causa de pedir serve de fundamento autónomo à pretensão deduzida, enquanto que
a causa de pedir complexa é corporizada numa factualidade composta de vários elementos que, na sua
aglutinação, constituem o fundamento da pretensão.

332
Da sentença cível

Quanto à delimitação do objeto da sentença, o juiz:


a) Deve confinar-se ao âmbito das pretensões formuladas pelas partes, aferível pelo
efeito prático-jurídico pretendido, não podendo condenar o demandado em
quantidade superior ou em objecto diverso do peticionado, como decorre dos artigos
3.º, n.º 1, 608.º, n.º 2, e 609.º, n.º 1, do CPC; pode, porém, qualificar o efeito
pretendido em base legal diversa da indicada pelo autor, nos termos que abaixo se
analisarão, e em particular nas hipóteses previstas no n.º 3, do artigo 609.º
(manutenção/restituição da posse) e no artigo 901.º, n.º 1 (interdição/ inabilitação);
b) Está sujeito aos factos que as partes alegam a título de causa de pedir ou como
fundamento de exceções (art.º 5.º, n.º 1, CPC), mas deve tomar em consideração:
(i) - os factos instrumentais que resultem da instrução da causa, nos termos do artigos
5.º, n.º 2, alínea a), e 411.º e 413.º, do CPC,
(ii) – os factos que, embora essenciais à procedência da ação sem implicar alteração da
causa de pedir, sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado
e resultem da instrução, desde que sobre eles tenham tido a oportunidade de se
pronunciar - art.º 5.º, n.º 2, alínea b);
(iii) – os factos notórios e os que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício
das suas funções – artigos 5.º, n.º 2, al.c), e 412.º;
(iv) – e ainda os respeitantes ao uso anormal do processo, nos termos do art.º 612.º;
c) Pode conhecer, oficiosamente, de exceções perentórias que não dependam da
invocação do interessado (as chamadas exceções impróprias), desde que os factos que
lhe servem de fundamento constem do processo – artigos 413.º, 2.ª parte, e 579.º, a
contrario sensu, do CPC;
d) Tem poderes de indagação alargada sobre factos não alegados, nos casos previstos no
artigo 572.º, 2.ª parte, do CC e nos artigos 360.º, n.º 4 (incidente de liquidação), 901.º,
n.º 4, (processo especial das interdições e das inabilitações) e 986.º, n.º 2 (processos
de jurisdição voluntária), todos do CPC;
e) Não está, porém, sujeito ao enquadramento normativo invocado pelas partes,
podendo indagar, interpretar e aplicar as normas jurídicas que considerar adequadas à
solução do caso – na linha da velha máxima iura novit curia -, desde que se inscrevam
no âmbito do efeito prático-jurídico pretendido, como resulta das disposições
conjugadas dos artigos 5.º, n.º 3, e 608.º e 609.º, do CPC.
No que respeita ao enquadramento jurídico, quando se mostre ao juiz aplicável um
quadro normativo não equacionado pelas partes, deve ser dada, previamente, a estas

333
Da sentença cível

oportunidade para se pronunciarem, por forma a evitar decisões-surpresa e a salvaguardar o


princípio do contraditório, nos termos do n.º 3, do artigo 3.º, do CPC.
Quando tiver sido deduzido pedido genérico, ao abrigo do disposto no artigo 556.º, do
CPC, ou, sendo deduzido pedido específico, não houver elementos para fixar o respetivo
objeto ou quantidade, a sentença condenará o réu no que vier a ser liquidado em incidente
declarativo posterior, nos termos dos artigos 358.º, n.º 2, 360.º, n.º 3 e 4, e 609.º, n.º 2, do
CPC. No âmbito deste incidente de liquidação póstumo, incumbe ao juiz fixar a quantia que se
mostre devida, ainda que tenha de recorrer a indagação oficiosa de prova, nos termos do n.º
4, do artigo 360.º, do CPC e, em última análise, a juízos de equidade, em conformidade com o
preceituado no n.º 3, do artigo 566.º, do CC.

3. Da Fase da Sentença
3.1. Preliminar

Como foi referido, a fase da sentença compreende a sequência dos atos processuais
respeitantes à prolação da decisão final da causa e à sua subsequente notificação às partes,
bem como os meios de eventual retificação e impugnação perante o juiz que a proferiu.
Esquematicamente, a fase processual em referência:
• tem início, após o encerramento da audiência final, com a conclusão do processo ao
juiz, nos termos do n.º 1, do art.º 607.º, do CPC;
• atinge o seu momento nobre com a prolação da sentença;
̶ compreende também os procedimentos subsequentes da secretaria relativos ao
registo da sentença e à sua notificação às partes (arts. 153.º, n.º 4, 220.º, 252.º e
253.º, do CPC);
• e pode comportar ainda procedimentos eventuais de retificação, suprimento de
nulidades e reforma da sentença, previstos nos artigos 613.º a 617.º, do CPC.

3.2. Procedimentos
3.2.1. Conclusão do processo ao juiz

Encerrada a audiência final, a secretaria deve fazer o processo concluso ao juiz para
proferir sentença, nos termos dos artigos 162.º, n.º 1, e 607.º, n.º 1, do CPC.

334
Da sentença cível

3.2.2. Elaboração da sentença


3.2.2.1. Prazo

No domínio do processo declarativo comum, o juiz deve proferir a sentença, por escrito,
dentro do prazo máximo de 30 dias, mas se não se julgar suficientemente esclarecido, pode
ainda ordenar a reabertura da audiência para ouvir as pessoas que entender ou ordenar as
diligências que tenha por necessárias (art. 607.º, n.º 1, do CPC). Nos processos de jurisdição
voluntária, a sentença deve ser proferida no prazo de 15 dias (art.º 986.º, n.º 3).
Nos incidentes da instância e nos procedimentos cautelares, a decisão final deve ser
proferida de imediato, por escrito, após a produção da prova seguida de uma breve alegação
oral (artigos 295.º e 365.º, n.º 3, do CPC); mas nos alimentos provisórios e no arbitramento de
reparação provisória, a sentença é proferida oralmente, a consignar na ata, logo após a
produção da prova (artigos 385.º, n.º 3, e 389.º, n.º 1, do CPC).
Mesmo nas hipóteses em que disponha do prazo máximo acima referido, o juiz deverá
gerir essa disponibilidade no sentido de ajustá-la ao grau de complexidade ou de simplicidade
de cada caso, reservando mais tempo para os casos complexos que careçam de estudo
aprofundado e despendendo menos tempo nos casos mais simples ou de ocorrência mais
repetida.
Ainda neste capítulo, há que referir a norma inovadora do n.º 4, do art.º 605.º, do CPC,
que reforça o princípio da plenitude da assistência do juiz, ao determinar que “nos casos de
transferência ou promoção, o juiz elabora também a sentença”, impondo assim a identidade
do juiz que realize o julgamento e do que profere a sentença, o que se justifica, além do mais,
pela simples razão de que a decisão de facto passa agora a estar integrada na sentença.

3.2.2.2. Requisitos externos da sentença

A sentença deve, em regra, ser proferida por escrito, designadamente mediante o uso de
meios informáticos, e deve ser datada e assinada pelo próprio punho do juiz, o qual rubricará
também as folhas não manuscritas, como se preconiza nos artigos 153.º, n.º 1, do CPC. A
assinatura do juiz pode ser aposta com o nome abreviado, mas não com a mera rubrica (artigo
153.º, n.º 2, do CPC).
Porém, segundo o artigo 19.º, da Portaria n.º 280/2013, de 26 e agosto 5, em vigor desde
01-09-2013, os atos dos magistrados são praticados em suporte informático, com aposição de

5
Esta Portaria revogou as anteriores Portarias n.º 114/2008, de 06-02, e n.º 109/2006, de 13-10.

335
Da sentença cível

assinatura electrónica qualificada ou avançada, que substitui e dispensa, para todos os efeitos,
a assinatura autografada em suporte de papel.
Nalguns casos a sentença deve ou pode ser proferida oralmente no decurso da audiência,
ficando então consignada na respetiva ata, cuja assinatura pelo juiz garante a fidelidade da
reprodução (art. 153.º, n.º 3, do CPC), como, por exemplo, na hipótese prevista no artigo
385.º, n.º 3, do CPC.
A redação deve ser expressa em língua portuguesa (art. 133.º, n.º 1, do CPC) e deve
pautar-se pela clareza do conteúdo, observando-se o disposto nos artigos 131.º, n.º 3 e 4, e
153.º, n.º 1, do CPC, quanto às ressalvas e à utilização de abreviaturas e de algarismos.

3.2.2.3. Estrutura lógica da sentença


3.2.2.3.1. Quadro geral

A estrutura da sentença integra, nos termos definidos nos artigos 607.º, n.º 2 e 3, e 608.º,
do CPC, os seguintes segmentos:
a) O relatório a identificar as partes e o objeto do litígio, bem como a enunciar as
questões a resolver;
b) O saneamento, se for caso disso, em sede de conhecimento de exceções dilatórias ou
nulidades processuais;
c) A fundamentação de facto e de direito, que compreende:
(i) – em primeira linha, a enunciação dos factos provados e dos factos não provados;
(ii) – seguidamente, a motivação do julgamento de facto mediante a análise crítica das
provas e a especificação dos fatores que foram decisivos para a convicção sobre cada
facto, com a indicação dos concretos meios de prova convocados para tal efeito;
(iii) – e a rematar com a fundamentação de direito, indicando, interpretando e
aplicando as normas jurídicas correspondentes;
d) A decisão ou dispositivo, contendo o juízo de procedência ou de improcedência da
ação e da reconvenção, quando deduzida, bem como os consequentes comandos e
efeitos a decretar, em caso de procedência, e ainda a condenação nas custas que
sejam devidas; se for julgada procedente alguma exceção dilatória, a decisão consistirá
no juízo de absolvição do réu, ou eventualmente do reconvindo, da respetiva instância.

336
Da sentença cível

A este propósito, importa referir que, apesar de a lei ser omissa relativamente a estrutura
lógica dos despachos 6, para além do disposto, em geral, nos artigos 131.º, 133.º, 153.º e 154.º,
do CPC, afigura-se conveniente seguir o esquema paradigmático da sentença, com as devidas
adaptações simplificadoras, na medida em que tal esquema se revele adequado à
compreensibilidade da decisão, o que, obviamente, deixa de fora os despachos de mero
expediente.
Com alguma frequência, se proferem despachos que, começando logo pela decisão,
alinham, de seguida, a respetiva análise argumentativa, sem uma definição prévia e precisa da
questão a resolver e, quanto vezes, sem fixar sequer o contexto ou as vicissitudes processuais
relevantes.
Assim, na metodologia da elaboração dos despachos ditos jurisdicionais 7, dever-se-á:
a) começar por enunciar a questão a resolver, tal como vem formulada pelas partes ou
for reformulada ou suscitada, oficiosamente, pelo tribunal;
b) seguidamente, fixar os elementos circunstanciais do contexto e das vicissitudes
processuais relevantes para a resolução da questão;
c) depois, proceder à respetiva análise jurídica;
d) por fim, formular a decisão.

Cada um dos segmentos integradores da estrutura da sentença merece abordagem


específica relativamente aos seus perfis e conteúdos e, até em relação a alguns deles, a análise
das suas condicionantes.

6
Só quanto ao regime legal dos vícios dos despachos, o n.º 3, artigo 613.º, do CPC, manda aplicar, com as
necessárias adaptações, o preceituado naquele artigo e seguintes.
7
Os despachos jurisdicionais são as decisões, normalmente interlocutórias, que, não se ocupando da
decisão final de uma causa ou de um incidente com estrutura de causa, versem sobre questões que sejam
susceptíveis de ofender os direitos das partes ou de terceiros, ainda que de natureza puramente processual,
podendo assumir a natureza de: a) - despachos discricionários, se proferidos no uso legal de um poder de
decidir segundo o prudente arbítrio do tribunal (art. 152º, nº 4, do CPC); b) - despachos vinculados, quando
devam ser proferidos segundo critérios de legalidade ou de razoabilidade não confinada ao livre poder
discricionário do tribunal.

337
Da sentença cível

3.2.2.3.2. Desenvolvimento
3.2.2.3.2.1. O relatório

O relatório é a parte inicial ou cabeçalho da sentença, de matriz expositiva, em que, de


forma sintética, são identificadas as partes e o objeto da causa e se fixam ou enunciam as
questões que cumpre ao tribunal apreciar e decidir.
Na economia do relatório, não cabe reproduzir as exposições de facto e as razões de
direito feitas pelas partes nos articulados, nem tão pouco consignar o desenvolvimento
processual, salvo quando se revele útil mencionar alguma vicissitude que complemente os
contornos iniciais da causa 8. Importa somente traçar de forma sucinta o perfil do litígio, ou
seja, indicar a pretensão ou as pretensões formuladas, quanto ao efeito pretendido (o pedido)
e ao quadro genérico da sua fundamentação mediante identificação categorial da respetiva
causa de pedir. Também, de forma igualmente resumida, se indicará a defesa impugnativa,
excetiva ou reconvencional deduzida, devendo esta última ser identificada em termos
similares aos da ação.
A referência às posições substancialmente assumidas pelas partes nos articulados, ou
porventura na audiência prévia, sobre as diversas questões e argumentos em apreço terá
lugar, na medida do que se afigure necessário, no quadro dos tópicos da fundamentação
respeitante à análise fáctico-jurídica.
A linguagem a utilizar na identificação do objeto da causa deve ser, no que for possível, de
preferência, em terminologia de recorte elementar.
Por sua vez, as questões a equacionar versam sobre as pretensões deduzidas, integradas
pelo pedido e pela causa de pedir, incluindo a eventual pretensão reconvencional, e as
exceções invocadas no terreno da defesa ou de que o juiz deva conhecer oficiosamente, nos
termos do art.º 608.º, do CPC. Todavia, no âmbito de tais questões, devem ainda ser
enunciados os tópicos específicos que importe identificar como configuração da grelha da

8
O n.º 1, do art. 659.º, do CPC, na versão anterior à Reforma Intercalar introduzida pelo Dec.-Lei n.º
242/85, de 9 de Julho, exigia que o relatório contivesse, para além de uma exposição concisa do pedido e
dos seus fundamentos, bem como dos fundamentos e conclusões da defesa, de forma resumida as
ocorrências processuais cujo registo pudesse interessar para o conhecimento do litígio e que concluísse pela
descrição da causa tal como tivesse emergido da discussão final, fixando então com precisão as questões a
resolver. Dada a prática de alguma prolixidade na feitura dos relatórios, nomeadamente com a reprodução,
quase integral, do teor dos articulados, a Reforma Intercalar pretendeu imprimir maior simplificação nessa
formalidade e assim obter mais celeridade.

338
Da sentença cível

análise jurídica a empreender 9. Por consequência, aqui a linguagem terá de ser,


necessariamente, de matriz mais técnica, como umbral que é para o discurso jurídico da
fundamentação.
A enunciação na sentença das questões a decidir não fica condicionada pelo teor do
despacho identificativo do objeto do litígio proferido na fase da audiência prévia, previsto no
n.º 1, do artigo 596.º, do CPC. Mas, em caso de se suscitarem questões jurídicas não
envolvidas nesse despacho, devem as partes ser prevenidas, oportunamente, dessa
eventualidade para evitar a ocorrência de uma decisão-surpresa, nos termos do n.º 3, do art.º
3.º, do CPC.

3.2.2.3.2.2. Do saneamento

Antes de entrar no exame do objeto da causa, o juiz deve conhecer das nulidades
processuais ou das questões que determinem a absolvição do réu da instância (falta de
pressupostos processuais), desde que sejam de apreciação oficiosa ou que as partes hajam
arguido, salvo nos casos de preclusão, como os previstos, nomeadamente, nos artigos 97.º, n.º
2, 200.º, n.º 2, 1.ª parte, do CPC. Deve, pois, o juiz assegurar-se de que não foram suscitadas
pelas partes questões prévias ainda por decidir e de que não ocorrem questões dessa natureza
que importem conhecimento oficioso.
Como forma de certificar a observância desse controlo, era prática habitual consignar, de
forma destacada, logo após o relatório, que “a instância mantêm-se válida e regular, não
existindo questões prévias de que cumpra conhecer”, fórmula esta que, embora dispensável,
tem o efeito prático de evitar qualquer distração na atuação daquela função de controlo.
Verificando-se a procedência de exceção dilatória que importe a absolvição do réu da
instância, a sentença assim o declarará, nos termos dos artigos 278.º, 576.º, n.º 2, e 577.º, do
CPC, pondo termo ao processo mediante uma decisão de forma.
Porém, ainda que subsistam exceções dilatórias destinadas a tutelar o interesse de uma
das partes, não se decretará a absolvição da instância se, não existindo outro motivo que obste
ao conhecimento de mérito, tal conhecimento conduzir a uma resolução do litígio

9
O delineamento dessas questões no despacho identificativo do objeto do litígio a que se refere o n.º 1, do
art.º 596.º, do CPC é como que a rosa-dos-ventos, pela qual as partes norteiam o coeficiente de esforço
probatório que lhes incumbe.

339
Da sentença cível

inteiramente favorável a essa parte, como se dispõe no n.º 3, parte final, do artigo 278.º, do
CPC 10.

3.2.2.3.2.3. Da fundamentação

A sentença deverá ser fundamentada através da exposição dos factos relevantes e das
razões de direito em que se estriba a decisão, como impõem os artigos 205.º, n.º 1, da
Constituição e 154.º, n.º 1, e 607.º, n.º 3 e 4, do CPC.

A fundamentação da sentença desdobra-se:


A – na enunciação, de forma discriminada, dos factos licitamente admitidos por acordo,
provados por documento e por confissão, com força probatória plena, dos factos provados em
resultado da prova livre produzida, declarando-se ainda os factos julgados não provados;
B – na subsequente motivação dos factos que se consideram provados e dos não
provados;
C – por fim, no enquadramento normativo dessa factualidade, na perspetiva da pretensão
do autor e dos meios de defesa.

A – A enunciação discriminada dos factos pertinentes


A enunciação factológica tem por objeto os factos que se consideram admitidos por
acordo, provados por documento ou por confissão, com eficácia probatória plena, bem como
os factos que forem julgados por provados e por não provados, em resultado da prova livre
produzida, mormente na audiência final – artigo 659.º, n.º 3 e 4, do CPC.

Essa enunciação suscita, no entanto, problemas metodológicos, técnicos e práticos, tais


como:
a) o critério de seleção dos factos a enunciar: factos essenciais, simples e complexos, e
factos instrumentais;
b) o critério de aferição da relevância dos factos para a resolução do litígio;

10
Sobre a prevalência da decisão de mérito, vide, TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o Novo Processo Civil,
Lex, 2.ª Edição, Lisboa, 1997, pags. 82 e segs; do mesmo autor, Sobre o sentido e a função dos pressupostos
processuais (Algumas reflexões sobre o dogma da apreciação prévia dos pressupostos processuais na acção
declarativa, ROA nº 49 (1989), pp. 85 e segs..

340
Da sentença cível

c) a questão da necessidade de se formular ou não um juízo probatório específico sobre


os factos instrumentais;
d) a textura vocabular dos enunciados de facto;
e) a segmentação dos factos.

Analisemos, pois, cada um desses problemas.

a) O critério de seleção dos factos a enunciar

Quanto ao critério de seleção dos factos a submeter a juízo probatório, importa reter que
o julgamento da matéria de facto controvertida, submetida a instrução e discussão em
audiência final, sob a forma de temas de prova, deve ser formulado através de juízos
probatórios, tendo por objeto os factos alegados pelas partes nos respetivos articulados ou na
audiência prévia, bem como aqueles de que for lícito ao tribunal conhecer nos termos do n.º 2,
do artigo 5.º, do CPC, mormente os factos complementares ou concretizadores de outros
oportunamente alegados e que tenham decorrido da instrução. Mas o tribunal só deve
atender aos factos que, tendo sido oportunamente alegados ou licitamente introduzidos
durante a instrução, forem relevantes para a resolução do pleito, não cabendo pronunciar-se
sobre factos que se mostrem inequivocamente desnecessários para tal efeito.

Assim, desde logo, são relevantes:


• os factos essenciais à procedência das pretensões deduzidas, ou seja, aqueles que
têm a virtualidade de preencher a previsão normativa (facti species) favorável a tais
pretensões, na perspetiva do efeito pretendido, segundo as regras de repartição do
ónus da prova;
• os factos essenciais suscetíveis de integrar os fundamentos de exceção perentória
deduzida ou que deva ser objeto de conhecimento oficioso.

De entre os factos essenciais, há que destacar os que respeitam a factualismos complexos


tendentes a preencher conceitos de direito indeterminados ou cláusulas gerais (culpa,
necessidade do locado para habitação, justa causa, abuso de direito, boa fé, alteração normal
das circunstâncias, posse, sinais vísiveis e permanentes para efeitos de servidão de passagem,
etc.).

341
Da sentença cível

Nesse tipo de factualidade, o facto essencial não é consubstanciado num núcleo definido
e cerrado, mas irradia-se numa multiplicidade de circunstâncias moleculares que, na sua
aglutinação, preenchem o conceito indeterminado ou a cláusula genérica da facti species
normativa. É sobretudo no âmbito deste tipo de factos complexos que podem ocorrer
concretizações ou complementaridades dimanadas da produção da prova em audiência,
suscetíveis de levar ao ajustamento do contexto narrativo dos articulados ao contexto
histórico do litígio.
Tais concretizações ou complementaridades fácticas podem ser introduzidas no objeto da
prova, ao abrigo e nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b), do CPC, mas, pelo
menos, têm de encontrar-se respaldadas em factualidade nuclear já alegada, não sendo
legítimo que subvertam esta factualidade em termos de contender com os princípio do
contraditório e da igualdade substancial das partes.

Uma outra preocupação a ter é a de referenciar os juízos probatórios com os factos


alegados nos articulados, ou porventura na audiência prévia, ou com a sua introdução já em
sede de audiência final.
Com efeito, na medida em que os temas da prova são hoje enunciados mediante fórmulas
mais genéricas, sob a forma de tópicos, se, na sentença, não se conectarem os juízos
probatórios com a respetiva alegação ou com o modo como foram introduzidos no processo, a
falta dessa conexão dificultará a sua reapreciação em sede de recurso, em particular, quando
se questione a exorbitância daqueles juízos probatórios em relação ao perímetro dos factos
alegados ou introduzidos durante a atividade instrutória.
Por isso, é conveniente que, pelo menos nos casos mais complexos, os enunciados dos
factos provados e não provados sejam referenciados com os artigos sob os quais foram
alegados ou, não tendo sido alegados, com as circunstâncias em que foram introduzidos
durante a instrução.
Também os factos provados por acordo e por confissão ou documento com eficácia
probatória plena devem ser referenciados, na sentença, como tal, face ao disposto no artigo
574.º e 607.º, n.º 3, do CPC.

b) O critério de aferição da relevância dos factos para a resolução do litígio

A aferição da relevância dos factos para a resolução do caso deverá ser feita em função de
três vectores confluentes:

342
Da sentença cível

(i) – Em primeiro lugar, o referencial normativo traçado na facti species legal, simples,
complexa ou concorrente, em que se inscreve a pretensão deduzida ou a exceção
perentória em causa, atentas as regras, gerais ou especiais, de distribuição do ónus da
prova, numa perspetiva aberta do quadro de soluções de direito plausíveis que o tribunal
possa vir, a final, a considerar, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 5.º do CPC 11;
(ii) – Em segundo plano, o contexto factológico narrativo alegado pelas partes na fase dos
articulados e complementado, conforme os casos:
• por via de articulados supervenientes – artigos 588.º, 589.º e 611.º, do CPC;
• através de articulados complementares ou corretivos, deduzidos na sequência de
despacho de aperfeiçoamento - art.º 590.º, n.º 2, alínea b), 4, a 6, do CPC);
• em sede de discussão dos termos do litígio na audiência prévia - artigos 3.º, n.º 4,
e 591.º, n.º 1, alínea c), do CPC;
• ou mesmo durante a instrução da causa, na audiência final, nos termos do art.º
5.º, n.º 2, alínea b), do CPC;
(iii) – Por fim, o contexto histórico ou real do litígio, que, em regra, emerge da produção
da prova.

Os três vectores referidos – o referencial normativo, o contexto factológico narrativo e o


contexto factual histórico – representam um esquema de base, triangular, fundamental para
delinear tanto o objeto da prova a submeter a instrução na audiência final como para
administrar as provas, no sentido de apurar tudo o que se revele necessário e útil para a
decisão da causa.
Com efeito, o referencial normativo indica o quadro das soluções de direito plausíveis,
incluindo a repartição do ónus da prova, para que melhor se possa divisar o alcance jurídico de
cada facto submetido a prova e o coeficiente de esforço probatório exigido a cada uma das
partes.
Por sua vez, o contexto factológico narrativo permite situar dada espécie factual no
universo de cada uma das versões apresentadas pelos litigantes, de modo a ter presente o
sentido que ali lhe é dado e a sua coerência como os restantes segmentos fácticos em causa.

11
Este referencial normativo deve também nortear a identificação do objeto do litígio feita quer no
despacho a que se refere o art.º 596.º, do CPC, quer na enunciação das questões a resolver inserida no
relatório da sentença nos termos do art.º 607.º, n.º 2, parte final, do mesmo Código, tanto mais que, na
configuração daquele despacho, às partes podem divisar, de antemão, o coeficiente de esforço probatório
que lhe é exigido.

343
Da sentença cível

Tal perspetiva integrada evitará sobreposições, aporias ou mesmo contradições entre os juízos
probatórios e proporcionará maior economia na própria atividade instrutória.
Por fim, o contexto histórico do litígio, que, em regra, emerge da produção da prova,
permite pôr em linha o contexto narrativo das partes com a sua matriz factológica, no sentido
de um maior apego à dimensão real dos factos, possibilitando, consequentemente, uma
concretização ou complementação dos juízos probatórios, quando tal se afigura útil para a
subsequente análise jurídica.
A este propósito, convém recordar que a jurisprudência tem alinhado no sentido de
considerar que a decisão de facto não se deve ficar por enunciados demasiadamente secos,
mas que, na medida do possível e do necessário, sejam complementados por extensões
concretizadoras, de modo, dir-se-á, a ajustar o contexto narrativo dos factos no processo ao
contexto histórico que deflui da prova, tendo em vista o referencial normativo das questões se
direito a resolver. Assim, a arte de valorar a prova passa, portanto, pela habilidade do julgador
nesse jogo triangular.

c) Da formulação de juízo probatório específico sobre os factos instrumentais

Pode colocar-se a questão de saber se, na enunciação dos factos provados e não
provados, o tribunal deve cingir-se apenas aos factos essenciais à procedência da acção ou de
exceção perentória, ou se também deve formular juízos probatórios sobre factos se afigurem
meramente instrumentais daqueles factos essenciais.
Ora o n.º 4, do artigo 607.º, do CPC, prescreve que:
Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados
e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as
ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que
foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que
estão admitidos por acordo, provados por documento ou por confissão reduzida a
escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida, extraindo dos factos
apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.

Por sua vez, o artigo 5.º, n.º 2, alínea a), do mesmo Código, consigna que:
Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) – Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa.

344
Da sentença cível

Do artigo 574.º, n.º 2, parte final, colhe-se também que a admissão de factos
instrumentais pode ser afastada por prova posterior.

Acresce que o artigo 449.º, n.º 2, manda incluir, nos temas da prova enunciados, a
matéria do incidente respeitante à ilisão da autenticidade ou da força probatória de
documento, que como é sabido, versa sobre factos auxiliares da prova, os quais respeitam à
admissibilidade, idoneidade e valoração de determinados meios de prova 12.
Da conjugação do disposto nos citados artigos 5.º, n.º 2, alínea a), e 607.º, n.º 4, colhe-se
que o tribunal deve tomar em consideração os factos instrumentais e extrair deles as ilações
em sede de presunções judiciais, mas de tais normativos não consta, pelo menos
expressamente, que sobre tais factos deva recair um juízo probatório específico.
Perante isso, poderá pensar-se que sobre os factos instrumentais não tem de recair um
específico juízo probatório, bastando indicá-los na motivação da decisão de facto a propósito
dos factos essenciais que deles se inferem, ou seja, como mero argumento probatório.
Afigura-se, no entanto, que uma tal degradação do juízo probatório em mero argumento
probatório, em sede de factos instrumentais, tem de ser equacionada com algumas cautelas 13.
Em primeiro lugar, há que ter presente que, na prática, nem sempre é nítida a linha de
fronteira entre a essencialidade e a instrumentalidade de um facto, podendo até suceder que
determinado facto se mostre, à partida, instrumental, e que, a final, acabe por se assumir
como essencial. Por exemplo, no caso de um acidente de viação, um rasto de travagem pode
ser instrumental enquanto indício de uma velocidade superior a determinado limite legal
(excesso de velocidade), mas a sua prova não ser conclusiva nesse sentido; no entanto, pode
bem acontecer que aquele mesmo rasto de travagem conjugado com outros elementos de
facto - como a força do impacto dos veículos e a sua posição relativa após o embate -, permita
preencher o conceito indeterminado de velocidade excessiva (art.º 24.º, n.º 1, do CE) e levar,
por consequência, ao juízo de culpabilidade do condutor do veículo, o que o torna agora num
elemento do facto essencial em que se traduz tal factualismo complexo.
Por outro lado, há factos de determinada natureza, nomeadamente os factos do foro
psicológico – cognitivos (v.g. o erro), afetivos (v.g. o abalo psíquico, o desgosto, a tristeza, a
jovialidade) e volitivos (vontade negocial, o animus possessório) – que não são, em regra,
12
Sobre os factos auxiliares da prova, vide o estudo do ora signatário, intitulado Um Olhar sobre a Prova em
Demanda da Verdade no Processo Civil, Separata da Revista do CEJ (2005), número 3, Almedina, pp.150-151.
13
A este propósito, no sentido da sujeição dos factos instrumentais a juízo probatório, vide LEBRE DE
FREITAS, A Ação Declarativa Comum, À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª Edição, Coimbra Editora,
pag. 315 e seguintes.

345
Da sentença cível

suscetíveis, de perceção direta, sendo, frequentemente, inferidos, à luz da experiência


comum, a partir de factos instrumentais ou indiciários. Nestes casos, a valoração probatória
decisiva incide precisamente sobre tais factos instrumentais.
Quanto à necessidade de formular juízos probatórios sobre os factos instrumentais,
também designados pela doutrina por factos secundários, atente-se no ensinamento de
Michele Taruffo 14, quando escreve que:
“… se debe observar que la decisión no versa sólo los llamados hechos principales, es
decir, los hechos que son calificados jurídicamente, sino también sobre los llamados
hechos secundarios (o simples), que son lógicamente relevantes en la medida que
constituyen las premissas de inferências probatorias relativas a los hechos principales.
También los hechos secundarios son objeto de decisión, entre otras razones porque
deben ser determinados (…) para poder constituir las premissas para a formulacion de
inferencias válidas relativas a otros hechos…”
“Es necesario, entonces, que respecto de cada enunciado singular se identifiquem las
pruebas que se refieren específicamente a él, y se determine el grado de confirmación
que ellas le atribuyen. Esto vale para las ciscunstancias que constituyen los hechos
principales de la causa, dado que estos enunciados representan el objetivo final de
todo el conjunto de las inferencias probatorias. Pero el mismo discurso vale también
respecto de los enunciados relativos a los hechos secundários, ya que también
respecto de estos enunciados debe existir una confirmación probatoria adecuada, sin
la cual éstos no podrían constituir premisas de inferencias referidas a los enunciados
sobre hechos principales.”

Com efeito, se os factos instrumentais com tal relevo forem apenas disseminados na
motivação dos factos essenciais que indiciam, sem sobre eles recair um juízo probatório
específico, corre-se o risco de, por um lado, se eclipsar a sua conexão com os concretos meios
de prova em que se baseiam e, por outro, de se diluir o respectivo critério de valoração, tanto
mais que tal critério pode variar em função da natureza de cada facto indiciário, sabido como é
que alguns deles podem ser colhidos por via percetiva, enquanto outros o serão de um modo
mais fragmentário ou ténue com maior apelo às regras da experiência, o que poderá tornar a
sua reapreciação, em sede de recurso de apelação, mais problemática. Aliás, a não submissão
de tais factos instrumentais a um juízo probatório expresso pode dar azo à manipulação das

14
In Simplesmente la verdad – El juez y la construcción de los hechos, tradução espanhola, Marcial Pons,
2010, pp. 223 e 252.

346
Da sentença cível

presunções judiciais, em sede de mera argumentação probatória, mas sem ter presente a base
factual objetiva e segura em que assentam.
Não quer isto dizer que tenha de haver pronúncia expressa sobre todos os factos
instrumentais, mas tão só que deverá ser formulado juízo probatório sobre aqueles em que
repousa a essência do julgamento do facto fundamental, a ponderar no contexto de cada caso.
Assim, parece curial que se formulem juízos probatórios sobre os factos instrumentais
mais decisivos para servir de base às presunções judiciais e que devam ser concretamente
conectados com determinados meios de prova.
De igual modo, devem formular-se juízos probatórios sobre alguns dos factos auxiliares
da prova, como aqueles que respeitam a impugnação ou arguição de falsidade de documentos.
Já os factos auxiliares da prova decorrentes, por exemplo, da razão de ciência do testemunho,
da contradita ou da acareação deverão ser integrados como meros argumentos probatórios
em sede de motivação da decisão de facto.

d) Da linguagem dos enunciados de facto

A enunciação da matéria de facto traduz-se na exposição descritivo-narrativa tanto da


factualidade assente por efeito legal da admissão por acordo ou da eficácia probatória plena
de confissão ou de documentos, como dos factos provados ou não provados durante a
instrução, devendo ser expurgada de valorações jurídicas, de locuções metafóricas e de
excessos de adjetivação.
Os enunciados de facto devem ser expressos numa linguagem natural e exata, de modo a
retratar com objetividade a realidade a que respeitam, e devem ser estruturados com correção
sintática e propriedade terminológica e semântica. A adequação dos enunciados de facto deve
pautar-se pela exigência de evitar que esses enunciados se apresentem obscuros (de sentido
vago ou equívoco), contraditórios (integrados por termos ou proposições reciprocamente
excludentes) e incompletos (de alcance truncado), vícios estes que figuram como fundamento
de anulação da decisão de facto, em sede de recurso de apelação, nos termos do artigo 662.º,
n.º 2, alínea c), do CPC.

Como é sabido, a linguística deixou, hoje, de ser confinada às suas duas dimensões
primárias – a dimensão gramatical (lógico-sintática) e a dimensão semântica – para se
alcandorar, agora, numa nova dimensão, que é a dimensão pragmática, a qual relaciona a
linguística com os contextos vivenciais e com as estratégias comunicacionais. Esta nova

347
Da sentença cível

dimensão foi brilhantemente versada por Jürgen Habermas na sua “teoria da acção
comunicativa”, com a distinção entre “agir estratégico” e “agir comunicacional” 15.
Para Habermas:
“Os discursos práticos têm de fazer com que os conteúdos lhe sejam dados. Sem o
horizonte do mundo da vida de um determinado grupo social e sem conflitos de acção num
determinada situação, na qual os participantes considerem como sua tarefa a regulação
consensual de uma matéria social controversa, não teria sentido querer empreender um
discurso prático”.
Cumprirá, por sua vez, ao juiz, na formulação dos juízos de prova, expurgar tais
deformações, sendo que, como é entendimento jurisprudencial corrente, não se encontra
adstrito à forma vocabular e sintática da narrativa das partes, mas sim ao seu alcance
semântico. Deve, pois, adotar enunciados que, refletindo os resultados probatórios, sejam
portadores de um sentido semântico, o mais consensual possível, de forma a garantir que a
controvérsia se desenvolva em sede da sua substância factual e não no plano meramente
epidérmico dos seus modos de expressão linguística.
Os enunciados de facto devem também ser expostos numa ordenação sequencial lógica e
cronológica que facilite a conjugação dos seus diversos segmentos e a compreensão do
conjunto factual pertinente, na perspetiva das questões jurídicas a apreciar. Com efeito, a
ordenação sequencial das proposições de facto, bem como a ligação entre elas, é um fator de
inteligibilidade da trama factual, na medida em que favorece uma interpretação contextual e
sinótica, em detrimento de uma interpretação meramente analítica, de enfoque atomizado ou
fragmentário. Por isso mesmo, na sentença, cumpre ao juiz ordenar a matéria de facto – que
se encontra, de algum modo parcelada, em virtude dos factos assentes por decorrência da
falta de impugnação – na perspetiva do quadro normativo das questões a resolver. De resto,
só uma adequada ordenação dos factos provados permite compatibilizar toda a matéria
factual adquirida, como se determina no artigo 607.º, n.º 4, parte final, do CPC.
Por exemplo, numa ação emergente de responsabilidade contratual, devem enunciar-se,
em primeiro plano, os factos respeitantes à formação do contrato, incluindo o respetivo
clausulado, e só depois enunciar as vicissitudes da sua execução relacionadas com o
incumprimento; numa ação emergente de responsabilidade civil por acidente de viação, deve
consignar-se, em primeiro lugar, a factualidade concernente à infraestrutura do acidente

15
“Teorias da Verdade”, in Teorias de la Acción Comunicativa: Complementos y Estudios Previos, Madrid,
Ediciones Cátedra, 1994.

348
Da sentença cível

(local, tempo, condições viárias, etc.), depois os factos respeitante aos comportamentos ilícitos
ou aos factores de risco da manobra efectuada e só por fim os danos causados.
Além disso, como já foi dito, os enunciados dos juízos de prova devem nortear-se pela
completude, clareza e coerência possíveis, em face dos resultados da prova, de forma a
prevenir os vícios formais de deficiência, obscuridade e contradição, que constituem
fundamento de anulação do julgamento nos termos do art.º 662.º, n.º 2, alínea c), do CPC.

e) Da segmentação dos factos

Sob este tópico, importa atentar no critério prático a seguir na segmentação dos factos.
Ora, dos artigos 452.º, n.º 2 (prova por confissão), 475.º, n.º 2 (prova pericial) e 516.º, n.º
1 e 2 (prova testemunhal), todos do CPC, decorre que a a actividade probatória, embora se
inscreva nos delineados temas da prova, nos termos do art.º 596.º, n.º 1, deve incidir sobre os
factos concretamente alegados ou licitamente emergentes da instrução. Por sua vez, do
disposto no artigo 607.º, n.º 3 a 5, do CPC colhe-se que a convicção do julgador se forma e a
sua enunciação se formaliza sobre a singularidade de cada facto. Ponto é saber como se deve
proceder à segmentação ou fragmentação textual desses enunciados, atenta a exigência de tal
singularidade factológica.
Segundo as regras gerais da sintaxe, o discurso descritivo-narrativo expressa-se mediante
proposições verbais (ou orações) integradas em frases, por sua vez, organizadas em conjuntos,
como são os períodos e os parágrafos, em harmonia com a maior ou menor proximidade das
ideias ou do fio de pensamento ali veiculado, tendo em vista uma adequada compreensão da
matéria exposta, por parte dos respetivos destinatários. Assim a sintaxe, mormente no campo
literário, obedece a regras linguísticas, de estética e de comunicação.
Contudo, a narrativa factológica processual requer especificidades ditadas pelo seu
próprio contexto e funcionalidade, em que predominam exigências de objetividade, clareza e,
em suma, de suficiente compreensibilidade para os destinatários das decisões judiciais.
Nessa linha, a segmentação dos factos tem de ser ponderada não em função de
arquétipos abstratos, porventura de pendor estético, nem de simplismos redutores, mas
atentando no concreto contexto do litígio, em especial na intensidade impugnativa que tenha
recaído sobre cada ponto de facto e na conjugação com os concretos meios de prova
convocados para a sua demonstração e até mesmo em vista das exigências de
operacionalidade na articulação do argumentário probatório com os enunciados fácticos nele
reportados.

349
Da sentença cível

Assim, por exemplo, no âmbito do clausulado de um contrato, pode ocorrer uma


particular intensidade impugnativa sobre algumas das cláusulas dele constantes e ter sido
produzida prova de determinada espécie ou diferenciada por conjuntos de testemunhas, que
imponham o destaque ou a atomização dessas cláusulas, de modo a melhor se poder articular
o juízo probatório com os concretos meios de prova produzidos nesse âmbito. Também,
quando estamos perante um factualismo complexo integrador de um conceito indeterminado
ou de uma cláusula geral, pode suceder que algum dos elementos moleculares ou acessórios
desse factualismo tenha sido objeto de impugnação intensa e de produção de prova de
determinada espécie ou diferenciada, que torne necessária a sua fragmentação em relação ao
conjunto em que se integra.
Se, porventura, se concentrarem num só enunciado factual vários segmentos que
mereceram impugnação e produção de prova específica ou diferenciada, tal concentração
dificultará, sem dúvida, o reporte a fazer em sede de argumentação probatória, bem como o
exercício do ónus de impugnação exigido ao recorrente e ao recorrido pelo artigo 640.º, n.º 1,
alíneas a) e b), e n.º 3, do CPC, e, por fim, a identificação e reapreciação dos pontos
impugnados por parte do tribunal de recurso.
Em suma, a segmentação dos enunciados de facto deve ter por base a natureza dos factos
em causa, a sua estrutura morfológica empírico-normativa, o seu contexto impugnativo e
probatório, e ainda as exigências de objetividade e clareza requeridas pela sua conjugação com
a respetiva motivação em 1.ª instância e pela impugnação e reapreciação em sede de recurso.

O teor dos enunciados de facto correspondentes aos juízos probatórios deve ser depurado
de referências aos meios de prova ou às respectivas fontes de conhecimento, sendo de banir
dizeres como provado apenas que “a testemunha... viu o réu a entrar na casa do autor” ou, no
caso em se discuta a origem de um incêndio, provado apenas que “os bombeiros verificaram
não existir no local sinais do foco de incêndio”. Estas referências aos meios de prova, quando
muito, podem constituir argumento probatório, a consignar na motivação, para fundamentar
um juízo afirmativo ou negativo, pleno ou restritivo, do facto em causa.
Nessa linha, o que se requer é que o julgador assuma uma posição clara sobre o
julgamento de facto, decidindo o que deve decidir, sem evasivas. Por exemplo, se o que está
em causa é apurar a origem de um incêndio, o que o juiz tem de ajuizar é se o facto para tal
alegado está ou não provado, sendo que a verificação pelos bombeiros de não existir sinais do
foco de incêndio é apenas um dos meios de prova nesse sentido. Igualmente, se o que está em
discussão é indagar sobre a vontade real, expressa ou tácita, manifestada num contrato

350
Da sentença cível

escrito, o que tem de ser decidido é se está ou não provada a alegada vontade real, pelo que,
muitas vezes, o dar como provado apenas o que consta do documento se traduz numa forma
evasiva de julgar aquela questão.
Por outro lado, há que usar de muita cautela na remissão para o teor de documentos
juntos ao processo, devendo-se, em princípio, transcrever os conteúdos do teor do documento
que reproduzam factos considerados provados. Nessa linha, o juízo probatório deve refletir, de
modo inequívoco, as declarações negociais ou de ciência constante de documento que se
considerem ou não assumidas pelos seus autores, sem deixar margem para especular sobre
essa assunção, como sucede quando se afirma “provado apenas o que consta do documento
x”. O grau de precisão do juízo probatório deverá ser aferido, por um lado, em função e no
contexto narrativo do que vem alegado e, por outro lado, de harmonia com os resultados da
produção de prova e da convicção que o julgador sobre eles formar. Porém, quando se esteja
em presença de documentos em que se registam dados de leitura e definição inequívocas,
como, por exemplo, uma fatura donde conste as espécies, quantidades, datas e importâncias
de fornecimento de bens, não se vê inconveniente em que o juízo probatório se faça por
remissão para tais dados. Neste domínio, dada a diversidade dos casos concretos, não será
possível estabelecer critérios rígidos, devendo o julgador pautar-se por parâmetros de ordem
prática que confiram ao juízo de prova uma inteleção objetiva e precisa.

B – A motivação do julgamento de facto

Depois da enunciação dos factos provados e dos factos não provados, a sentença deverá
conter a respetiva motivação, nos termos do artigo 607.º, n.º 4, do CPC, de modo a:
a) por um lado, indicar, de forma sintética, o fundamento dos factos assentes admitidos
por acordo e os provados por confissão ou documento com eficácia probatório plena,
com a mera referência a tal circunstância, bem como dos factos notórios e daqueles de
que o tribunal tem conhecimento por virtude das suas funções (factos judicialmente
notórios);
b) por outro lado, relativamente aos factos controvertidos submetidos a prova livre,
proceder à análise crítica do resultado probatório, extraindo as ilações pertinentes dos
factos instrumentais, especificando os fundamentos que foram decisivos para a
convicção do julgador, com a indicação dos meios concretos de prova em que se haja
fundado essa convicção.

351
Da sentença cível

c) e compatibilizar toda a matéria de facto adquirida, extraindo dos factos apurados as


presunções legais e judiciais.

Importa, antes de mais, considerar que a valoração da prova, por parte do tribunal, se
consubstancia na formação de juízos de razoabilidade sobre os factos controvertidos
relevantes para a resolução do litígio, em função do material probatório obtido através da
atividade instrutória, à luz das regras da experiência e da coerência lógica dum raciocínio
pragmático sobre as ocorrências da vida.
Neste capítulo, tem sido colocada a questão de saber o que se deve entender por objeto
da prova: se é a verdade material qua tal ou se é a factualidade alegada pelas partes no
processo, consistente no que se designa por dados de facto. Significa isto saber se o objeto da
prova se deve centrar na investigação dessa verdade material ou, diversamente, se se deve tão
só ajuizar sobre a correspondência entre a factualidade alegada e os resultados da prova do
acontecer histórico retratado nesta factualidade.
Como é sabido, em termos gnoseológicos, a dita “verdade material ou absoluta”, exterior,
é praticamente inatingível em qualquer domínio do saber. O entendimento humano versa
sobre a realidade fenoménica que, por sua vez, esconde uma realidade velada.
Assim, os mecanismos de perceção, de sensibilidade e de elaboração do pensamento
captam os múltiplos sinais dessa realidade fenoménica, interpretam-nos e assimilam-nos, com
base na experiência adquirida e nas próprias estruturas cognitivas, e convertem-nos em
conhecimento empírico e inteletivo, pelo que a realidade assimilada não é a reprodução pura e
simples da realidade fenoménica, mas antes um constructus dessa realidade elaborado pelo
próprio entendimento humano.
Ora a “reconstrução cognitiva” da verdade, por via judicial, não tem, nem jamais poderia
ter, a finalidade de obter uma explicação exaustiva e porventura quase irrefragável do
acontecido, nem tão pouco tal sucede sequer nos domínios da verdade história ou da verdade
científica. Muito menos pode repousar sobre uma crença inabalável na intuição pessoal e
íntima do julgador. Diversamente, a prova judicial tem como objetivo lograr uma compreensão
suficientemente provável da realidade em causa, nos limites de tempo e condições
humanamente possíveis, que satisfaça a resolução justa e legítima do caso 16.

16
Sobre a natureza do conhecimento judicial dos factos, seu carácter ideográfico, e as condicionantes
práticas e normativas da averiguação judicial, vide MARINA GASCÓN ABELLÁN, Los Hechos en el Derecho –
Bases argumentales de la prueba, Marcial Pons, Barcelona, 1999, pag. 97 a 123. Sobre o contexto da pro-va

352
Da sentença cível

Nessa linha de entendimento, a verdade judicial constrói-se a partir da narrativa dos


factos alegados pelas partes, no sentido de apurar o grau de correspondência entre essa
narrativa e a realidade empírica, extraprocessual, versada por aquela e revelada através dos
meios de prova produzidos 17. Trata-se, pois, de uma “reconstrução cognitiva” desta realidade
empírica, num contexto problemático e polémico sobre a mesma, cuja legitimação advém
precisamente da dialética contraditória das versões apresentadas perante o tribunal, como
decisor imparcial, segundo regras legais pré-estabelecidas.
A heurística probatória da verdade judicial assenta em dois vectores fundamentais:
a) uma adequada investigação da factualidade relevante com base nas narrativas
apresentadas pelas partes;
b) um grau de suficiência exigido pelos padrões de probabilidade por que se rege a prova
livre, como são, por exemplo, os critérios da prova bastante (art. 346.º, do CC) ou,
nalguns casos, o da verosimilhança (art. 368.º, n.º 1, do CPC) 18.
Quanto à adequação do nível de investigação, importa que, na abordagem probatória do
facto controvertido, se atente bem na natureza e alcance do troço de realidade em foco, não
só no plano da sua estrita dimensão sociológica, mas ainda no que dela factualmente pode
relevar para o enquadramento jurídico do litígio. Isto implica que, como já acima referido, os
enunciados de facto não devem ser considerados numa leitura meramente literal, mas
sobretudo no alcance semântico da sua conexão com a realidade sobre que incidem. Como
afirma G. Carrió 19, “o significado das palavras está em função do contexto linguístico em que
aparecem e da situação humana em que é aplicada”, o mesmo é dizer vivenciada.

No que respeita à formação do juízo probatório, já longe vão os tempos da tradição


empírico-narrativista, em que dominava o lema de que factos são factos e não necessitam de
ser argumentados. Com efeito, a verdade judicial é fruto de um raciocínio problemático,

judicial e o objectivo institucional da verdade aí prosseguida, vide JORDI FERRER BELTRÁN, La valoración
racional de la prueba, Marcial Pons, 2007, pag. 29 e seguintes.
17
Sobre as doutrinas da verdade judicial como mera coerência persuasiva ou como correspondência com a
realidade empírica, vide MICHELE TARUFFO, La Prueba, Marcial Pons, Madrid, 2008, pag. 26-29. Quanto à
configuração do objecto da prova e a sua relação com o thema probandum, vide EDUARDO GAMBI, A Prova
Civil – Admissibilidade e relevância, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, Brasil, 2006, pag. 295 e
seguintes; LLUÍS MUÑOZ SABATÉ, Fundamentos de Prueba Judicial Civil L.E.C. 1/2000, J. M. Bosch Editor,
Barcelona, 2001, pag. 101 e seguintes.
18
A este propósito, vide LARRY LAUDAN, in Prólogo à monografia de Jordi Ferrer Beltrán citada na nota
precedente.
19
In Notas sobre Derecho e lenguaje, Buenos Aires, 1990, pag. 90.

353
Da sentença cível

sustentado na razão prática mediante a análise crítica dos dados de facto veiculados pela
atividade probatória, em regra, por via de inferências indutivas ou analógicas pautadas pelas
regras da experiência comum, colhidas da normalidade social, ou mesmo da experiência
qualificada em determinado sector de atividade, que não pelo mero convencimento íntimo do
julgador, não podendo assim a intuição deixar de passar pelo crivo de uma razoabilidade
persuasiva e suscetível de objetivação, sem excluir, de todo, a interferência de fatores de
índole intuitiva, compreensíveis ainda que porventura inexprimíveis 20. No entanto, a intuição
não é um dado, mas um estímulo, qual motor de pesquisa, devendo ser ponderada com o
sentido crítico da reflexão. Ponto é que a motivação se paute pelo princípio da completude
racional, de forma a esconjurar o arbítrio 21.
Neste campo, há que estar prevenido contra a ocorrência de dois perigos frequentes 22:
por um lado, a tendência de generalização fácil do conhecimento empírico; por outro, o perigo
da obnubilação do abstrato, que ofusca a concreticidade dos factos sob o véu tanslúcido de
arquétipos categoriais. Como afirma Gaston Bachelard, “no ser humano predomina a
obscuridade do “eu sinto” sobre a clareza do “eu vejo” 23, o que pode conduzir à referida
generalização. Mas também, por vezes, irrompe o deslumbramento pelas fórmulas abstratas
redutoras dos fenómenos percepcionados.
Na valoração e formulação do juízo probatório deve, pois, procurar-se o equilíbrio entre o
sentido do real e a sua razão prática.
É nessa linha que se deve inscrever a ponderação dos depoimentos colhidos, tendo em
conta o respetivo teor, o seu nicho contextual, bem como as razões de ciência e a credibilidade
dos testemunhos. Só assim se poderá satisfazer o critério da prudente convicção na apreciação
da prova livre, ditado pelo n.º 5, do artigo 607.º, do CPC, e obter uma decisão que se possa ter
por justa e legítima.

20
Sobre o modelo cognitivo racional da prova, em detrimento de modelo puramente empírico, vide, entre
outros autores, MARINA GASCÓN ABELLÁN, Los Hechos en el Derecho – Bases argumentales de la prueba,
Marcial Pons, Barcelona, 1999, pag. 97 a 123.
21
Sobre o princípio da completude da motivação da decisão judicial ditado, pela necessidade da justificação
cabal das razões em que se funda, com função legitimidora do poder judicial, vide acórdão do STJ, de 17-01-
2012, relatado pelo Exm.º Juiz Cons. Gabriel Catarino, no processo n.º 1876/06.3TBGDM.P1.S1, disponível
na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj.
22
GASTON BACHELARD, A Formação do Espírito Científico – Contribuição para uma Psicanálise do
Conhecimento, tradução de Estela dos Santos Abreu, Dinalivro, 2006, pp. 33 a 109.
23
In ob. cit. na nota precedente, pag. 196.

354
Da sentença cível

Já no campo da motivação da decisão de facto, importa ter presente que a reapreciação


dessa decisão, em sede de recurso, não se traduz propriamente num novo julgamento da
causa, mas sim numa sindicância sobre o invocado erro de julgamento da 1.ª instância, no
sentido de que compete ao tribunal de recurso formar a sua própria convicção sobre a prova
produzida com vista a concluir pela existência ou não desse erro. O juiz da 1.ª instância não é
um mero instrutor da prova, mas um julgador em primeira linha. Em tal medida, a motivação
da decisão de facto deve fornecer os argumentos probatórios ou os fatores que foram
decisivos para a convicção do julgador em 1.ª instância.
Não satisfaz essa exigência o tipo de motivação meramente conclusiva como aquela em
que se consiga pura e simplesmente que os factos provados resultaram da análise crítica e
conjugada das testemunhas em referência. Uma motivação deste género apenas indica que se
procedeu à dita análise, mas nada diz sobre o seu conteúdo.
Outro erro a evitar é o que consiste em consignar apenas que dos depoimentos das
testemunhas indicadas nada se provou, importando antes explicitar as razões essenciais pelas
quais tais depoimentos, tendo versado sobre a matéria em questão, não convencerem o
tribunal.
Também ocorrem, por vezes, situações em que se consigna, na motivação da decisão de
facto, que nada há a pronunciar sobre “a restante matéria alegada” por se tratar de matéria
conclusiva ou de direito, quando não se mostra claro qual a matéria que assim foi considerada,
sabido como é que a natureza conclusiva de determinada alegação é, por vezes, problemática.
Nestes casos, é conveniente, desde logo, que as partes sejam, oportunamente, alertadas pelo
tribunal, na audiência prévia ou mesmo no decurso da instrução, sobre o carácter conclusivo
ou normativo de certos enunciados, de modo a não gerar falsas expectativas sobre a sua
pretensa factualidade e a evitar uma decisão-surpresa.
De qualquer modo, quando se entenda que determinada alegação, pretensamente
alegada como facto, tem natureza conclusiva ou meramente normativa, há que circunscrevê-la
de forma a que, em sede de recurso, se possa divisar sobre que enunciados recaiu essa
qualificação.

As boas práticas aconselham a que, na motivação, o juiz explicite as razões que o levaram,
por exemplo, a dar mais crédito a uma testemunha do que a outra, quando os seus
depoimentos sejam divergentes, salientando a razão de ciência ou a consistência e maturidade
reveladas pelo depoente. De igual modo, quando o argumento probatório repouse em

355
Da sentença cível

presunções judiciais, importa identificar os factos instrumentais tidos em conta e consignar as


ilações deles extraídas, à luz das regras da experiência.
Ademais, a economia da motivação do julgamento de facto obtém-se por via de um
método criterioso de seleção dos argumentos probatórios centrado nos concretos meios de
prova convocados e nas ilações a extrair dos resultados colhidos na instrução, de forma a
especificar os fatores que se revelem decisivos para consubstanciar as razões em que se
ancoram os juízos de prova.
Na motivação da decisão de facto, em vez de se sumariarem, de forma aberta e livre, os
diversos depoimentos prestados, dever-se-á, em primeira linha, individualizar os pontos de
facto em causa e, no âmbito de cada um deles ou até da sua agregação em conjuntos
coerentes, identificar então os concretos meios de prova sobre os mesmos produzidos,
especificando os que foram decisivos para a convicção do julgador e as respetivas razões de
ciência e de teor.
Assim, se, por exemplo, os depoimentos convocados forem convergentes não se justifica,
em princípio, um extenso desenvolvimento argumentativo, bastando assinalar essa
convergência e as razões de ciência em que se estribam. Já se os depoimentos forem
divergentes, haverá que precisar quais os factores que levaram a preferir um depoimento em
detrimento de outro, expondo as razões de teor, com a sinalização dos trechos mais
pertinentes do seu conteúdo, e as razões de ciência mais específicas tidas em conta.
Há, no entanto, que não confundir a argumentação probatória com o processo psicológico
de decisão. O que se impõe na motivação da decisão de facto é a exposição seletiva das razões
objetivas em que se baseia a convicção do julgador e não a descrição do iter prosseguido nesse
processo decisório nem das suas vicissitudes.

Em síntese, a motivação do julgamento de facto tem como matriz um discurso


argumentativo problemático, parcelado na órbita de cada juízo probatório, sem prejuízo da
sua compatibilização no universo da trama factual, e rege-se por razões práticas firmadas na
análise dos resultados probatórios, à luz das regras da experiência comum ou qualificada e dos
padrões de valoração (prova bastante e prova de verosimilhança) estabelecidos na lei.

356
Da sentença cível

C – Da análise jurídica

A análise jurídica faz-se mediante a indicação, interpretação e aplicação das normas


jurídicas relevantes, podendo ainda envolver o exame crítico global dos factos tomados em
consideração.
Nalguns casos, a fundamentação da sentença poderá ser simplificada ou sucinta, como
por exemplo, nas hipóteses previstas nos artigos 154.º, n.º 2, 385.º, n.º 3, 567.º, n.º 3, do CPC.
De qualquer modo, a extensão e a densidade da fundamentação, mesmo fora das
hipóteses em que a lei impõe a sua simplificação, devem ser calibradas com as exigências
concretas do litígio, numa dosimetria que, de forma mais simples, de adeqúe à sua finalidade e
não mais do que isso (art. 131.º, n.º 1, do CPC).

A fundamentação da sentença tem sido, tradicionalmente, reconduzida ao esquema


aristotélico do silogismo judiciário, segundo o qual os factos provados constituíam a premissa
menor, a norma jurídica a premissa maior e a decisão a conclusão silogística.
Atualmente vem sendo reconhecido que a fundamentação da sentença não é assim tão
linear e unidirecional, mas que o método de interpretação e aplicação das normas aos factos
provados se desenvolve de forma mais circular ou até pendular – o chamado círculo
hermenêutico 24.
Com efeito, se é certo que a indagação e interpretação da norma aplicável se faz a partir
de determinada factualidade, também não é menos verdade que a seleção dos factos
relevantes depende, em muito boa medida, do quadro normativo convocável em face do
efeito prático-jurídico pretendido, o que pode exigir uma recursividade argumentativa 25,
biunívoca ou pendular, por exemplo, quando ocorram situações de convolação jurídica.
Assim, já em sede de fundamentação jurídica, pode haver lugar a um exame crítico,
global, de toda a factualidade provada e não provada, em face do quadro normativo em
referência, incluindo a repartição do ónus probatório. É a esta ponderação que se refere,
basicamente, a parte final do n.º 4, do artigo 607.º, do CPC.

24
Sobre o método do “círculo hermenêutico”, vide, entre outros, o Professor Doutor ANTÓNIO MENEZES
CORDEIRO, na Introdução ao livro de CLAUS CANARIS, Pensamento sistemático e conceito de sistema na
ciência do Direito, Lisboa, 3.ª Edição, Fundação Calouste Gulbenkian, 2002.
25
Sobre a recursividade na circularidade dos saberes como método de abordar o pensamento complexo,
vide ROBIN FORTIN, Compreender a Complexidade – Introdução ao Método de Edgar Morin, publicado, em
tradução portuguesa, pelo Instituto Piaget, 2007.

357
Da sentença cível

Essa análise pode contemplar presunções judiciais baseadas na conjugação ou


compatibilização de toda aquela f,actualidade provada ou até de factos notórios ou de outros
que sejam de conhecimento oficioso, relevantes para a decisão. Tal análise crítica revela-se
pertinente, por exemplo, nos casos em que a factualidade é complexa ou apoiada num acervo
de factos indiciários (v.g. no âmbito do acordo simulatório de um contrato, na determinação da
vontade conjetural para efeitos de redução ou de conversão do negócio jurídico, na apreciação
da boa fé como regra de conduta, nalguns casos de aferição da culpa ou da exigência do ónus
probatório). O que está vedado ao juiz, neste campo, é sobrepor o exame crítico global das
provas de modo a subverter os juízos probatórios específicos formulados em sede de
enunciação de facto.
A fundamentação respeitante ao enquadramento jurídico integra juízos classificatórios da
realidade em apreço e juízos interpretativos dos normativos convocados, à luz da dogmática,
da doutrina e da jurisprudência, para culminar na caracterização jurídica da espécie factual
apurada e na concretização do efeito jurídico correspondente. Consubstancia-se, por
conseguinte, num tipo de discurso de compleição argumentativa, à luz da lógica jurídica, mas
que não deve ser reduzido a operações de mera subsunção silogística, como já ficou dito.
Recorrendo aos cânones de interpretação e de aplicação jurídica, o julgador deverá, como
o acima exposto, proceder a uma análise dinâmica biunívoca entre o facto e a norma, de forma
a convocar, a partir do factualismo dado, o quadro normativo aplicável, ponderando o sentido
da norma, à luz dos princípios e dos valores jurídicos que lhe estão subjacentes, mas também
ajuizando sobre a sua adequação à espécie factual em presença e sopesando as consequências
práticas da sua aplicação.
Cumpre, pois, ao julgador fazer a concatenação entre a razão jurídica abstratamente
acolhida na lei e a razão prática latente no caso, sob o influxo dinamogénico do sentido
comunitário de justiça. Como já alguém afirmou, “é o conhecimento compartilhado do senso
comum que nos protege contra a insensatez intelectual” 26. Por via desse círculo hermenêutico,
o juiz extrai da norma abstrata, na confrontação do caso, o critério decisório sobre a pretensão
deduzida.
Quer na interpretação e desenvolvimento dos conceitos normativos, quer na ponderação
da sua aplicação prática, o intérprete-aplicador socorre--se da dogmática jurídica e dos
ensinamentos da doutrina e da jurisprudência, na medida do que for estritamente necessário
para conferir racionalidade aos argumentos expendidos. Fá-lo-á com vista a persuadir os seus
destinatários do mérito da decisão, a permitir que exerçam sobre ela, em sede de impugnação,

26
Vide JOHN RALSTON, SAUL, On equilibrium, Penguin Canada, 2002, pag. 284.

358
Da sentença cível

um contraditório esclarecido ou ainda a proporcionar uma melhor compreensão por parte do


tribunal de recurso.

Neste conspecto, a economia da fundamentação depende, em larga escala, do rigor com


que é aplicado o método judiciário, mormente no que respeita:
• à prévia enunciação das questões a resolver;
• à determinação do quadro normativo aplicável e à interpretação dos dispositivos
legais;
• ao arrimo da argumentação de facto e de direito suficiente para suportar a conclusão
jurídica, com recurso aos contributos da doutrina e da jurisprudência, na exata medida
necessária à boa compreensão do julgado.

Desde logo, na enunciação das questões, partindo dos termos em que as partes as
suscitam ou em que devam ser suscitadas oficiosamente, há que proceder com clareza,
reformulando-as ou desdobrando-as nos diversos ângulos ou segmentos em que,
concretamente, importa abordá-las.

Na determinação do quadro normativo aplicável e na interpretação dos dispositivos legais


impõe-se ao intérprete-aplicador recorrer aos critérios da hermenêutica jurídica, guiando-se
pelos diversos fatores de interpretação (nomeadamente os dos art.º 9.º do CC), conforme já
foi referido, tomando como horizonte referencial a unidade do sistema, o universo dos
princípios e dos valores fundamentais que norteiam a ordem jurídica e a dimensão sociológica
envolvente.

A argumentação jurídica e o apelo à doutrina e à jurisprudência devem ser ajustados ao


grau de complexidade das questões sob o ponto de vista prático-jurídico, que não teórico-
especulativo. Por exemplo, a citação de um ensinamento doutrinário ou de uma orientação
jurisprudencial deve revelar-se proficiente na definição de determinado conceito normativo,
na densificação de um princípio jurídico ou mesmo na caracterização dos factos em análise, e
não ser motivada por razões de erudição, o que não significa que, por vezes, não se tenha de
recorrer a argumentos de autoridade, nomeadamente em situações inovatórias.

No campo argumentativo, convém ainda distinguir, por um lado, as razões que assumem
a função de considerandos, elementos essenciais, indispensáveis, do tecido discursivo; por

359
Da sentença cível

outro, as afirmações de caráter acessório, os chamados obiter dicta, elementos secundários de


mero reforço ou de contextualização dos argumentos essenciais. A sobriedade no uso de obter
dicta é um princípio salutar para que se evitem extrapolações que possam ofuscar,
enfraquecer ou desautorizar as razões fundamentais do julgado.

Em resumo, a análise fáctico-normativa da sentença deve ser orientada, segundo os


cânones da hermenêutica jurídica, mediante o jogo flexível dos factores de interpretação e
aplicação, tomando como horizonte de referência a unidade do sistema jurídico, o seu
universo axiológico e a base histórico-social do caso, numa dialética de circularidade recursiva
ou pendular, entre facto, norma e valor, ajustada à tridimensionalidade do fenómeno jurídico.
Nessa análise, a argumentação deve seguir um rumo de confluência para a solução do caso, a
partir das questões pertinentes enunciadas e deve ser seletiva nos tópicos a desenvolver, na
medida do que for estritamente necessário à estratégia da decisão. Neste aspecto,
argumentação judiciária revela uma feição bem distinta do discurso jurídico científico ou
doutrinário, que é, por natureza, mais irradiante, sistémico e exploratório, conforme as
estratégias de investigação teórica ou de prospeção doutrinária que se tenham em vista.
Por seu lado, o estilo de linguagem a adotar deverá ser claro e preciso, conjugando os
requisitos de compreensibilidade com as exigências de rigor técnico-jurídico e de certeza.

3.2.2.3.2.4. A decisão

A decisão, também designada por dispositivo da sentença, consiste na conclusão final, em


que o juiz determina, de forma clara e concisa, os efeitos jurídicos reconhecidos e dita os
comandos concretos correspetivos, ou nega a providência peticionada.

Trata-se de um discurso prescritivo, através do qual o juiz, consoante o caso:


• ou dita um comando concreto de conduta, tendo por objeto uma prestação de dar ou
de fazer;
• ou declara a existência ou inexistência de um facto ou de um direito;
• ou ainda decreta a produção de um efeito jurídico constitutivo, modificativo ou
extintivo.
O dispositivo da sentença não deve, em princípio, conter menções dos normativos
aplicáveis, uma vez que estes devem constar da parte respeitante à fundamentação jurídica.

360
Da sentença cível

O dispositivo da sentença de mérito decompõe-se, analiticamente:


a) Na formulação de um juízo de procedência ou de improcedência da acção, da
reconvenção ou da exceção perentória em causa;
b) Em caso de procedência, total ou parcial, das pretensões deduzidas:
• nas ações de simples apreciação, declara-se o efeito jurídico reconhecido ;
• nas ações de condenação, condena-se o réu na prestação ou prestações de dare ou de
facere que forem concretamente devidas;
• nas ações constitutivas, decreta-se o efeito constitutivo, modificativo ou extintivo a
operar;
c) Em caso de improcedência, absolve-se o réu do pedido.

O teor literal do dispositivo da sentença deve apresentar a clareza e a precisão


necessárias e suficientes à definição das prestações ou dos efeitos jurídicos concretos, objeto
da providência decretada, por forma a não suscitar dúvidas sobre a realização prática do
cumprimento ou da execução da decisão. Aliás, é uma exigência ditada por razões de certeza
jurídica do caso julgado e de compreensão objetiva do veredito.
Essa definição coloca-se com particular acuidade no domínio das prestações de facto, em
relação às quais se impõe uma adequada precisão dos contornos da prestação a efetuar, em
especial para efeitos de execução da sentença.
O dispositivo compreende ainda a condenação em custas da parte ou partes que por elas
forem responsáveis (art. 527.º e seguintes do CPC) com a fixação da responsabilidade
respetiva (art. 607.º, n.º 5, CPC) e, se for caso disso, a condenação em litigância de má fé, nos
termos dos artigos 542.º a 545.º, do CPC).

3.2.3. Registo e notificação da sentença

Encerrada a audiência final, a secretaria deve fazer o processo concluso ao juiz para
proferir sentença, nos termos dos artigos 162.º, n.º 1, e 607.º, n.º 1, do CPC.
As sentenças logo que proferidas são objecto de registo em livro próprio, como impõe o
n.º 4, do artigo 153.º, do CPC, e são notificadas às partes e ao Ministério Público (artigos 220.º,
252.º e 253.º, do CPC).
A notificação, as comunicações obrigatórias e o registo da sentença são de cumprimento
oficioso pela secretaria, pelo que não necessitam de ser ordenados na sentença. Todavia, nas
decisões da 1.ª instância é ainda uma prática persistente, embora dispensável, ao que

361
Da sentença cível

supomos, com a justificação de que é uma forma expedita de alertar o funcionário para o
cumprimento desse dever. No entanto, é de admitir que, em caso de se anteverem
dificuldades práticas, por parte da secretaria, em divisar as notificações ou comunicações a
fazer, o juiz o possa indicar.

4. Da Validade e Eficácia da Sentença


4.1. Esgotamento do poder jurisdicional

Proferida a sentença, fica esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da


causa, de harmonia com o preceituado no artigo 613.º, n.º 1, do CPC.
Como excepções a esse princípio enumeram-se as seguintes hipóteses:
a) a retificação de erros materiais, nos termos dos artigos 613.º, n.º 2, e 614.º, do CPC;
b) o suprimento de nulidades da sentença, em conformidade com o disposto nos artigos
613.º, n.º 2, 615.º e 617.º, n.º 1, do CPC;
c) a reforma da sentença quanto a custas e a multa, nos termos dos artigos 613.º, n.º 2,
616.º, n.º 1, e 617.º, do CPC;
d) a reforma da sentença, em caso de erro de julgamento, de direito ou de facto,
manifesto, nos termos preconizados nos artigos 613.º, n.º 2, 616.º, n.º 2, e 617.º, do
CPC;
e) a homologação da desistência do pedido, da confissão ou da transacção, após a
prolação da sentença mas antes do respectivo trânsito, como decorre do estatuído no
artigo 283.º, do CPC.

Por outro lado, mesmo depois de transitada, a sentença pode ainda ser objecto de
revogação pelo próprio tribunal que a proferiu, mas já em sede dos recursos extraordinários
para uniformização de jurisprudência e de revisão, respectivamente nos termos previstos e
regulados dos 688.º a 695.º e 696.º a 702.º, do CPC.

4.2. Vícios da sentença


4.2.1. Quadro geral

A sentença pode padecer de vícios ou de diversos tipos 27, a saber:

27
Sobre esta matéria vide, entre outros, PAULO CUNHA, Processo Comum de Declaração, Apontamentos de
Artur Costa e Jaime Lemos, Tomo II, 2.ª Edição, Augusto Costa & C.ª L.ª, Braga, 1945, pp 347 e seguintes;

362
Da sentença cível

A – Vícios formais, em sentido lato, decorrentes da inobservância das regras que


garantem a idoneidade e disciplinam a elaboração da sentença, enquanto ato processual,
traduzindo-se em error in procedendo ou erro de actividade, que afetam a existência, a
perfectibilidade material ou a validade da mesma, o que pode, nos casos insupríveis,
prejudicar a própria apreciação do seu objeto;
B – Vícios substanciais, decorrentes da incorrecta ou ilegal apreciação das questões
solvendas, traduzida em error in judicando ou erro de julgamento, tanto em matéria
processual (v.g. apreciação de exceções dilatórias) como em matéria substantiva, de facto ou
de direito.
Os erros formais implicam, consoante as hipóteses, a inexistência, a retificação ou a
nulidade da sentença. Os vícios substanciais importam a sua revogação total ou parcial.

4.2.2. Dos vícios formais em sentido lato


4.2.2.1. Vícios de inexistência da sentença

A existência jurídica de uma sentença implica a verificação de quatro pressupostos


essenciais 28:
a) que seja proferida por pessoa investida no exercício da Função Jurisdicional, ainda que
se trate porventura de tribunal materialmente incompetente;
b) que contenha, no limite, uma decisão;
c) que essa decisão diga respeito a pessoas ou entidades equiparadas reais, que não
partes fictícias;
d) que revista uma forma legal mínima, ainda que não se tenha observado a forma
legalmente exigida.

Assim, são jurídico-processualmente inexistentes como sentença os actos que se traduzam


em:
• decisão com pretensão de sentença proferida por pessoa ou instituição destituída em
absoluto de poder judicial;

ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil anotado, Vol. V, reimpressão, Coimbra Editora, 1981, pp. 113 e
seguintes; CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, Vol. II, Obras Completas, 2012, AAFDL, pp. 535 a 547.
28
Sobre o vício de inexistência da sentença, vide, em especial, CASTRO MENDES, Direito Processual Civil,
Vol. II, Obras Completas, 2012, AAFDL, pp. 535 a 537 e 543.

363
Da sentença cível

• emissão de um mero parecer ou opinião jurídica, por muito fundamentado que se


revele, ou ainda na hipótese extrema de um dispositivo absolutamente ininteligível;
• decisão reportada a pessoas fictícias ou inexistentes;
• decisão sem a mínima documentação nos autos; já a sentença ditada para a acta em
vez de proferida por escrito nos termos da lei não padece do vício de inexistência
jurídica, mas, quando muito, de uma irregularidade que pode não afectar a sua
validade processual, de harmonia com o disposto no artigo 195.º, n.º 1, do CPC.

Uma questão que aqui se deixa ligeiramente enunciada é a que se refere à validade de
uma sentença transitada em julgado que incida sobre objeto física ou legalmente impossível,
contrário à lei, indeterminável, ou contrária à ordem pública ou ofensiva dos bons costumes.
Basta pensar em casos de sentenças proferidas em matérias que extravasam claramente do
âmbito da função jurisdicional. Ou então supor um caso em que, numa acção de divórcio que
correra termos à revelia do réu, se vem mais tarde a apurar que este já tinha falecido antes do
trânsito em julgado da sentença que decretou o divórcio; ou um caso em que, depois de
decretada a adoção plena, seja proferida sentença a estabelecer a filiação natural do
adoptado, contra a proibição do artigo 1987.º, do CC.
Ora, a sentença enquanto ato jurídico que é não pode deixar de cair no âmbito de
aplicação do artigo 280.º, aplicável por força do art. 297.º, do CC.
Assim sendo, afigura-se que, quando o objeto da sentença colida com o preceituado no
citado art. 280.º, deverá ser nula e de nenhum efeito, havendo mesmo autores que sustentam
a sua inexistência jurídica, mormente quando verse sobre matérias subtraídas à função
jurisdicional.
Nesta linha de entendimento, uma sentença que decrete o divórcio de pessoa já falecida
versa sobre objecto legalmente impossível, dado que a morte de um dos cônjuges já operou a
dissolução do casamento (art. 1788.º, do CC). O mesmo sucede com a sentença que estabeleça
a filiação natural em relação a uma pessoa já adoptada plenamente. Num e noutro caso
estaremos perante sentenças nulas e de nenhum efeito por impossibilidade legal.

4.2.2.2. Erros materiais


4.2.2.2.1. Caracterização

Os erros materiais da sentença, para os efeitos disposto nos artigos 613.º, n.º 2, e 614.º,
do CPC, podem consistir:

364
Da sentença cível

a) na omissão do nome das partes;


b) na omissão da condenação em custas imposta pelo artigo 527.º e seguintes e 607.º,
n.º 6, do CPC;
c) na verificação de erro de escrita ou de cálculo ou em qualquer inexatidão devida a
outra omissão ou lapso manifesto.
De referir que o erro de escrita ou de cálculo não se confunde com o erro de julgamento:
naquele, a vontade real diverge da vontade declarada – o juiz quis uma coisa e escreveu outra;
no erro de julgamento, a vontade real coincide com a vontade declarada – o juiz quis o que
escreveu, só que errou na formação dessa vontade.
De todo o modo, o erro material só é relevante quando seja ostensivo no contexto literal
da sentença ou das circunstâncias em que foi exarada (artigo 249.º, do CC). Nas palavras do
Prof. Alberto dos Reis, torna-se necessário que “as circunstâncias sejam de molde a fazer
admitir, sem sombra de dúvida, que o juiz foi vítima de erro material; quis escrever uma coisa
e escreveu outra”.

4.2.2.2.2. Forma de suprimento

O suprimento dos erros materiais em referência faz-se por mera retificação nos termos e
segundo o procedimento previstos no artigo 614.º, do CPC:
a) Quanto à iniciativa (art. 614.º, n.º 1, parte final, do CPC

A iniciativa do suprimento dos erros materiais tanto pode ser desencadeada


oficiosamente como a requerimento das partes.

b) Quanto ao momento

Relativamente ao momento em que pode ocorrer tal suprimento, há que considerar o


seguinte:
• não havendo recurso, a todo o tempo (n.º 3 ,do art. 614.º);
• em caso de interposição de recurso, só até à subida deste, sem prejuízo da invocação
do erro material pelas partes perante o tribunal de recurso (n.º 2, do art. 614.º).

365
Da sentença cível

c) Quanto ao procedimento

No caso de sentença, a retificação faz-se mediante despacho subsequente, que a


complementa e passa a integrar, sendo suscetível, porém, de impugnação no recurso que dela
se interponha, nos termos do artigo 617.º, n.º 2, do CPC, se a ele houver lugar;
Se a retificação só ocorrer após o trânsito em julgado da sentença, ao abrigo do artigo
614.º, n.º 3, poderá a parte a quem a retificação for desfavorável, recorrer do despacho
retificativo, mas só nos termos gerais e de harmonia com o preceituado na alínea g), do n.º 2,
do artigo 644.º, do CPC;

d) Quanto aos efeitos

A decisão de retificação considera-se complemento da sentença retificada, passando a


integrá-la.
A decisão que indefira a retificação não é susceptível de recurso (art. 617.º, n.º 1, parte
final), sem prejuízo do direito de recorrer da decisão retificanda, nos termos gerais.
O despacho retificativo é passível de ser impugnado no âmbito do recurso que se
interpuser da sentença retificada, nos termos do artigo 617.º, n.º 2, parte final, do CPC.

4.2.2.3. Erros formais em sentido restrito


4.2.2.3.1. Quadro geral

A violação das normas que disciplinam, em geral (artigos 131.º, 133.º, n.º 1, 137.º, n.º 1,
153.º e 154.º, do CPC) e em particular (arts. 607.º a 609.º, do CPC), a elaboração da sentença,
enquanto ato processual que é, constitui o que se costuma designar por vício formal ou error
in procedendo, também designado “erro de atividade”, pode importar:
a) alguma das nulidades típicas da sentença previstas nas diversas alíneas do n.º 1, do
artigo 615.º, do CPC;
b) ou, subsidiariamente, as nulidades secundárias nos termos dos artigos 195.º e 199.º,
do CPC.
Porém, há que ter presente que das decisões proferidas pelo juiz da causa sobre as
nulidades previstas no art.º 195.º, do CPC, não cabe recurso, salvo se contenderem com os
princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a

366
Da sentença cível

admissibilidade de meios probatórios, como se prescreve no art.º 630.º, n.º 2, do mesmo


Código.
Além disso, como hoje a decisão de facto é integrada na sentença, também neste capítulo
se devem incluir os vícios formais da decisão de facto, traduzidos em deficiência, obscuridade
e contradição dos respetivos enunciados, previstos no artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do CPC,
bem com na falta de motivação da mesma, nos termos da alínea d), do mesmo normativo.

4.2.2.3.2. Das nulidades típicas da sentença


4.2.2.3.2.1. A falta de assinatura do juiz

O artigo 153.º, n.º 1, do CPC, impõe que a sentença seja assinada pelo juiz, sendo que a
falta deste requisito externo importa a nulidade da sentença, que é, porém, suscetível de
suprimento, oficiosamente ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível
colher essa assinatura, devendo o juiz declarar no processo a data em que apôs a assinatura,
nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do CPC. Mas, se a assinatura for
electrónica, não haverá lugar a essa declaração (art.º 615.º, n.º 3, do CPC)
Não sendo possível colher a assinatura, a sentença deve ser anulada e proferida nova
sentença.

4.2.2.3.2.2. A falta de fundamentação de facto e de


direito

Segundo o artigo 205.º, n.º 1, da Constituição, as decisões dos tribunais que não sejam de
mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. Esta directriz constitucional está
concretizada no artigo 154.º, do CPC, que reza o seguinte:
1 - As decisões sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada são
sempre fundamentadas.
2 – A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no
requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a
contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta
simplicidade.
Todavia a lei admite formas simplificadas de fundamentação das decisões, nas hipóteses
previstas nos artigos 385.º, n.º 3, 567.º, n.º 3, do CPC, nomeadamente por adesão aos
fundamentos alegados pelo autor.

367
Da sentença cível

Em regra, como já foi referido, na fundamentação da sentença, o juiz deve discriminar os


factos licitamente admitidos por acordo, provados por documento ou por confissão com
eficácia probatória plena e os factos provados e não provados em sede de instrução, motivar
esta decisão de facto, como exige o artigo 607.º, n.º 3 e 4, do CPC. Além disso, deve fazer o
exame crítico global da factualidade relevante e proceder ao seu enquadramento jurídico,
indicando, interpretando e aplicando as disposições legais pertinentes (art. 607.º, n.º 4).
A fundamentação das decisões é, aliás, uma exigência de racionalidade postulada pela
sistematicidade do Direito e pelo princípio constitucional da submissão dos Tribunais à
Constituição e à lei (arts. 203.º e 204.º, da CRP), garantia essencial de um Estado de direito
democrático. Só assim é que as decisões dos Tribunais são susceptíveis de convencimento ou
de oposição esclarecida sobre o seu mérito, por parte dos destinatários da justiça.
Ora o artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC, sanciona com a nulidade da sentença as
hipóteses de violação grave do dever de fundamentação.
Assim, a falta de fundamentação de facto ocorre quando, na sentença, se omite ou se
mostre de todo ininteligível o quadro factual em que era suposto assentar. Situação diferente
é aquela em que os factos especificados são insuficientes para suportar a solução jurídica
adoptada, ou seja, quando a fundamentação de facto se mostra medíocre e, portanto, passível
de um juízo de mérito negativo.
A falta de fundamentação de direito existe quando, não obstante a indicação do universo
factual, na sentença, não se revela qualquer enquadramento jurídico ainda que implícito, de
forma a deixar, no mínimo, ininteligível os fundamentos da decisão.
Com efeito, a falta ou a ininteligibilidade da fundamentação de facto ou de direito da
sentença, na perspectiva do vício em foco, é similar ao vício respeitante à falta ou à
ininteligibilidade da causa de pedir prevista na alínea a), do n.º 2, do artigo 186.º, do CPC,
devendo, nessa medida, ser aferida em função da inviabilidade de suportar um juízo de mérito
positivo ou negativo e, por consequência, de traçar o limite objetivo do caso julgado nos
termos requeridos pelo artigo 619.º e 621.º, do CPC. Trata-se, por conseguinte, de um vício
formal ou de error in procedendo, que importa a anulação da sentença enquanto acto
processual 29.

29
A este propósito, sobre a distinção entre nulidade e revogabilidade da sentença, associadas,
respectivamente, aos vícios formais e ao erro de julgamento, vide CASTRO MENDES, Direito Processual Civil,
Vol. II, Obras Completas, 2012, AAFDL, pags. 543 a 547.

368
Da sentença cível

4.2.2.3.2.3. Oposição entre os fundamentos e a


decisão

Segundo o artigo 607.º, n.º 3, parte final, do CPC, o juiz na sentença deverá concluir pela
decisão final, o que se reconduz, analiticamente, ao estabelecimento de uma equação
discursiva entre:
• a base da facti species, simples ou complexa, plasmada no quadro normativo aplicável
– a dita premissa maior;
• a factualidade dada como provada – a dita premissa menor;
• e uma conclusão sustentada na estatuição legal correspondente ao referido quadro
normativo.
Entre tais premissas e conclusão deve existir portanto um nexo lógico que permita, no
limite, a formulação de um juízo de conformidade ou de desconformidade, o que não se
verifica quando as premissas e a conclusão se mostrem formalmente incompatíveis, numa
relação de recíproca exclusão lógica. Na verdade, sobre dois termos excludentes nem tão
pouco é viável formular um juízo de mérito ou de demérito; já não assim quando se trate de
uma relação de mera inconcludência, sobre a qual é possível formular um juízo de demérito.
Ora a oposição entre os fundamentos e a decisão da sentença só releva como vício
formal, para os efeitos da nulidade cominada na alínea c), do n.º 1, do artigo 615.º, do CPC,
quando se traduzir numa contradição nos seus próprios termos, num dizer e desdizer
desprovido de qualquer nexo lógico positivo ou negativo, que não permita sequer ajuizar
sobre o seu mérito. Se a relação entre a fundamentação e a decisão for apenas de mera
inconcludência, estar-se-á já perante uma questão de mérito, reconduzida a erro de
julgamento e, por isso, determinativa da improcedência da acção.

4.2.2.3.2.4. Omissão e excesso de pronúncia

De harmonia com o artigo 608.º, n.º 1, do CPC, o juiz na sentença deve conhecer de todas
as questões processuais, suscitadas pelas partes ou que sejam de conhecimento oficioso, e não
se encontrem precludidas, que determinem a absolvição do réu da instância – são as
chamadas excepções dilatórias. Ainda nesta sede, o juiz deve conhecer das nulidades
processuais arguidas pelos litigantes ou que sejam de conhecimento oficioso, ajuizando sobre
a sua relevância anulatória, ao abrigo do disposto nos artigos 196.º e 200.º, do CPC, a não ser
que as considere sanadas ou precludidas, nos termos da lei.

369
Da sentença cível

O juiz deve, seguidamente, conhecer das questões de mérito – pretensão ou pretensões


do autor, pretensão reconvencional, pretensão do terceiro oponente, e exceções perentórias –
, só podendo ocupar-se das questões que forem suscitadas pelas partes ou daquelas cujo
conhecimento oficioso a lei permite ou impõe, como no caso das chamadas exceções
impróprias, salvo se as considerar prejudicadas pela solução dada a outras questões, de acordo
com o, preceituado no n.º 2, do artigo 608.º, do CPC.
Nesta linha, constituem questões, por exemplo, cada uma das causas de pedir múltiplas
que servem de fundamento a uma mesma pretensão, ou cada uma das pretensões, sob
cumulação, estribadas em causas de pedir autónomas, ou ainda cada uma das exceções
dilatórias ou perentórias invocadas pela defesa ou que devam ser suscitadas oficiosamente.
Porém, já não integra o conceito de questão, para os efeitos em análise, as situações em
que o juiz porventura deixe de apreciar algum ou alguns dos argumentos aduzidos pelas partes
no âmbito das questões suscitadas. Neste caso, o que ocorrerá será, quando muito, o vício de
fundamentação medíocre ou insuficiente, qualificado como erro de julgamento, traduzido
portanto numa questão de mérito.
Também não constitui vício de omissão de pronúncia, mas erro de julgamento, os casos
em que o juiz deixou de atender a factos alegados pelas partes ou licitamente introduzidos
durante a instrução da causa, nos termos do art.º 5.º, n.º 2, alínea b), do CPC, quando tais
factos se mostrem indispensáveis para a decisão. Perante esta hipótese, a sua invocação em
sede de recurso, sendo procedente, impõe que o tribunal de recurso atenda ao facto em falta,
se o mesmo se encontrar provado, ao abrigo do disposto no artigo 607.º, n.º 3, e 4, 2.ª parte,
aplicável por força da norma remissiva do n.º 2, do artigo 663.º, ambos do CPC.
Mas se o facto em falta não se encontrar provado e for indispensável para a resolução da
causa, então haverá que anular a sentença e determinar a ampliação da matéria em foco,
ordenando a baixa do processo à primeira instância para repetição do julgamento, nessa parte
sem prejuízo de apreciação de outros pontos da matéria de facto, de modo a evitar
contradições, nos termos do artigo 662.º, n.º 2, alínea c), parte final, e n.º 3, alínea c), do CPC.
Neste caso, o que releva, ao fim e ao cabo, é o erro de procedimento consistente em não se
ter submetido a prova o facto em falta; daí que a consequência seja a anulação da sentença.

A omissão ou a exorbitância de pronúncia quanto às questões suscitadas pelas partes ou


àquelas de que cumpra ao juiz conhecer oficiosamente, constitui fundamento de nulidade da
sentença, por força do disposto na alínea d), do n.º 1, do artigo 668.º, do CPC.

370
Da sentença cível

4.2.2.3.2.5. Condenação em quantidade superior ou


em objecto diverso do pedido

O n.º 1, do artigo 609.º, do CPC, prescreve que a sentença não pode condenar em
quantidade superior (limite quantitativo) ou em objeto diverso do que se pedir (limite
qualitativo).
Porém, se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade do pedido, o n.º 2,
do artigo 609.º, do CPC, permite que o juiz profira decisão genérica, mormente, condenando o
réu no que vier a ser liquidado em ulterior incidente processual, nos termos previstos nos
artigos 358.º, n.º 2, e 360.º, n.º 3, do CPC. A decisão genérica tanto pode ocorrer nos casos em
que foi formulado pedido genérico, ao abrigo do n.º 1, do artigo 556.º, do citado Código, como
ainda nos casos em que, muito embora tenha sido deduzido pedido específico, da instrução da
causa não se apuraram elementos de prova que permitam fixar em concreto o objeto ou o
quantum em apreço.
A este propósito, tem-se suscitado o problema de saber como articular o n.º 2, do artigo
609.º, do CPC com o disposto no artigo 566.º, n.º 3, do CC, que permite ao tribunal julgar
equitativamente dentro dos limites que tiver por provados, quando não puder ser averiguado
o valor exato dos danos; ou seja, qual a hierarquia de aplicação dos dois normativos.
Importa, assim, distinguir os dois planos em que se inscrevem tais normativos 30.
Em primeiro lugar, aquando da prolação da sentença, o juiz deverá ponderar se ainda se
mostra viável averiguar o valor dos danos em sede do incidente póstumo de liquidação e, em
caso afirmativo, proferirá condenação genérica, nos termos do artigo 609.º, n.º 2, do CPC. Se,
contudo, no âmbito do incidente de liquidação a prova produzida pelos litigantes for ainda
assim insuficiente, ao juiz incumbe completá-la mediante indagação oficiosa, ordenando,
designadamente, a produção de prova pericial, como preceitua o n.º 4, do artigo 360.º, do
CPC. Só, em último caso, usará do critério da equidade na fixação do montante dos danos, nos
termos do n.º 3, do artigo 566.º, do CC.
Se, face aos elementos em análise, se mostrar, desde logo, de todo desnecessário ou
inviável tal apuramento subsequente, o juiz procederá então à imediata fixação do valor dos
danos, segundo critérios de equidade, dentro dos limites tidos por provados, ao abrigo do n.º
3, do artigo 566.º, do CC. Neste sentido, tenha-se presente o acórdão da Relação de Évora, de
22-11-1985, cujo sumário se encontra publicado no BMJ n.º 343.º, pag. 390, em que se decidiu
que: O recurso à equidade previsto no art. 566.º, n.º 3, do CC, depende da verificação dos

30
A este propósito, vide comentário do Professor Doutor VAZ SERRA, RLJ Ano 114º, pags. 278.

371
Da sentença cível

requisitos seguintes: a) – que esteja apurado um mínimo de elementos sobre a natureza dos
danos e a sua extensão, que permita ao julgador computá-los em valores próximos daqueles
que realmente lhes correspondem; b) – que já não seja possível averiguar o valor exacto dos
danos.
Em qualquer dos casos, convém não confundir as situações de insuficiência de prova
quanto à existência de dano com a insuficiência de prova apenas quanto ao respectivo
montante, ou melhor dizendo, não confundir a espécie de dano com a determinação do seu
quantum. Só nesta última hipótese é que se coloca a questão da fixação do montante do dano
em liquidação posterior ou segundo a equidade, já que na primeira hipótese estamos perante
uma situação de improcedência da ação por insuficiência de prova quanto à verificação de um
facto essencial relativo à pretensão indemnizatória, o que importará a absolvição do pedido.
Outro ponto controverso tem sido o de saber se, no domínio das dívidas de valor, como
sucede no âmbito das ações de indemnização, o juiz pode, oficiosamente, na sentença,
proceder à atualização do valor inicialmente peticionado, sem violação do disposto no artigo
609.º, n.º 1, do CPC. Existe divergência doutrinária e jurisprudencial sobre essa matéria,
havendo quem sustente que a atualização oficiosa ainda se situa nos limites do valor real do
pedido, sendo por isso legalmente admissível.
Todavia, o STJ, no acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 13/96, de 15-10, fixou o
entendimento de que “o tribunal não pode, nos termos do art. 661.º, n.º 1 (atual 609.º), do
CPC, quando condenar em dívida de valor, proceder à sua actualização em montante superior
ao pedido”.
Também no que respeita à fixação ou condenação em objeto diferente do pedido se tem
suscitado dúvidas sobre o alcance prático deste limite, em particular nos casos em que a
solução passa por uma qualificação jurídica diversa da sustentada pelo autor ou reconvinte. É
o que acontece quando, por exemplo, o autor pede a declaração de resolução de um contrato
com fundamento em incumprimento, mas em que se verifica que o contrato em crise é nulo
por falta de forma; ou quando, por exemplo, o autor instaura uma ação de impugnação
pauliana, concluindo, erradamente, pela invalidade (nulidade ou anulabilidade) do negócio
impugnado, sendo que o efeito adequado é o da ineficácia relativa, à luz do disposto no artigo
616.º, n.º 1 e 4, do CC. Será que o tribunal poderá, na primeira hipótese, declarar a nulidade
do contrato e decretar a respectiva consequência restituitória, ao abrigo do disposto nos
artigos 286.º e 289.º, do CC, e, na segunda hipótese, decretar a ineficácia do negócio
impugnado, dando ainda provimento à pretensão do autor?

372
Da sentença cível

A solução desta questão pressupõe, antes de mais, a interpretação do pedido e o


entendimento de que este consiste no efeito prático-jurídico pretendido e não tanto na
coloração jurídica que lhe é dada pelo autor. Na verdade, é unânime a doutrina de que o
tribunal não está adstrito à qualificação jurídica dada pelas partes, já que, à luz do disposto no
artigo 5.º, n.º 3, do CPC, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação,
interpretação e aplicação das regras de direito.
Assim sendo, se a situação se reconduzir a um mero erro de qualificação jurídica na
formulação do pedido, aferido em função do contexto da pretensão, parece que nada obsta a
que o tribunal decrete o efeito prático pretendido, ainda que com fundamento em base
jurídica diversa. Quando muito, importará ouvir previamente as partes sobre a solução
divergente, na medida em que tal se mostre necessário a evitar uma decisão-surpresa, nos
termos do n.º 3, do artigo 3.º, do CPC.
De resto, há mesmo hipóteses em que a própria lei permite a convolação para efeito
jurídico diverso, como sucede no âmbito das acções possessórias, em que o tribunal pode
decretar a manutenção ou a restituição da posse conforme a situação realmente verificada,
mesmo que o autor tenha pedido o outro efeito (art. 609.º, n.º 3, do CPC); ou no domínio das
ações de interdição e de inabilitação, em que o tribunal decretará a interdição ou a
inabilitação, consoante o grau de incapacidade do requerido, independentemente de se ter
pedido uma ou outra (art. 901.º, n.º 1, do CPC). Também, no domínio dos procedimentos
cautelares, o tribunal não está adstrito à providência concretamente requerida, podendo
decretar a medida cautelar adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado, como se
alcança do disposto no n.º 3, do artigo 376.º, do CPC, sendo, porventura, discutível se ou em
que medida é que esta norma é aplicável aos procedimentos cautelares especificados. Uma
outra hipótese de condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido é a
que se encontra prevista no artigo 74.º, do Código de Processo do Trabalho.
A este propósito, importa referir que o STJ fixou jurisprudência no sentido de admitir a
convolação jurídica nos casos da impugnação pauliana, quando o autor tenha pedido a
anulação ou a nulidade do contrato, sendo de decretar a mera eficácia relativa nos termos do
art. 616.º, do CC 31 e da verificação da nulidade de um contrato 32.

31
AUJ n.º 3/2001, de 23 de janeiro, publicado no DR, de 9-12-2001.
32
AUJ de 28/3/95,publicado no DR, de 17/5/95.

373
Da sentença cível

Fora dos parâmetros referidos, a sentença que fixar quantidade superior ou objeto
diverso do que for pedido será afetada de nulidade, conforme o consignado na alínea e), do
n.º 1, do artigo 668.º, do CPC.

4.2.2.3.3. Vícios formais da decisão de facto

Os enunciados dos factos considerados provados podem padecer de deficiência,


obscuridade ou contradição, nos termos do artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do CPC, ou ainda de
excesso, se exorbitarem do âmbito da matéria alegada ou licitamente introduzida durante a
instrução da causa.
Os enunciados serão deficientes quando expressem um sentido incompleto do juízo
probatório, nos seus próprios termos, não abranjam toda a factualidade relevante ou quando
não cubram, de forma positiva ou negativa, todo o facto enunciado como provado. Serão
obscuros, quando sejam vagos, ininteligíveis, equívocos ou imprecisos. Serão contraditórios,
quando exprimam sentidos reciprocamente excludentes.
Os referidos vícios de deficiência, obscuridade, de contradição ou de excesso da
factualidade enunciada na sentença podem ser arguidos como fundamento do recurso de
apelação que dela se interponha e mesmo conhecidos oficiosamente pelo tribunal superior,
nos termos do artigo 662.º, n.º 2, alínea c), e também, em sede de revista, quando se
traduzam em necessidade de ampliação ou de eliminação de contradição, nos termos do n.º 3,
do art.º 682.º, do CPC.

Outro vício formal da decisão de facto, previsto no citado artigo 662.º, n.º 2, alínea d), é a
falta de fundamentação devida da decisão proferida sobre algum facto essencial para o
julgamento da causa.
Em tal hipótese, o tribunal de recurso poderá determinar, oficiosamente, que o tribunal
de 1.ª instância fundamente a decisão, naquela parte, nos termos do art.º 662.º, n.º 2, alínea
d), e n.º 3, alínea b), do CPC.
Das decisões da Relação sobre os vícios em referência não cabe recurso para o Supremo
Tribunal de Justiça (n.º 4, do art.º 662.º, do CPC).

Vício distinto dos anteriores, no contexto da decisão de facto, é o que consiste em o


tribunal nela incluir questões de direito, ou então factos que só se possam provar por
documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou

374
Da sentença cível

confissão das partes, o que implica que tal pronúncia se considere como não escrita ou
irrelevante, nos termos gerais.

4.2.2.3.4. Nulidades secundárias ou irregularidades da


sentença

A par dos vícios acima identificados, a sentença pode ainda enfermar de outros vícios ou
irregularidade, por inobservância de requisitos formais que disciplinam em geral, a prática dos
actos processuais e, em particular, dos atos dos magistrados, nos termos conjugados dos
artigos 131.º e segs., 153.º e segs. e 195.º, do CPC. Tais vícios ou irregularidades só geram
nulidade processual quando a lei o declare ou quando possam influir no exame ou na decisão
da causa, como prescreve o n.º 1, do citado art. 195.º.
Face à ocorrência de nulidade secundária da sentença, assiste às partes o direito de argui-
la, nos termos dos arts. 196.º, 2.ª parte e 199.º, do CPC.
Porém, como já foi dito, da decisão do juiz da causa sobre essa nulidade não cabe recurso,
salvo se contender com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição
processual de factos ou com a admissibilidade de meios de prova, nos termos do art.º 630.º,
n.º 2, do CPC.

4.2.3. Erro de Julgamento (error in judicando)


4.2.3.1. Caraterização geral

O erro de julgamento na sentença pode traduzir-se em duas espécies bem distintas: erro
de direito e erro de facto.

A – O erro de direito ocorre quando o juiz, ao decidir as questões em apreço, falha na


determinação das normas aplicáveis ou com base em interpretação ou aplicação incorreta das
mesmas – erro de determinação, erro de interpretação ou erro de aplicação.
O erro de julgamento em matéria de direito tanto pode respeitar à violação de normas do
direito substantivo, incluindo as disposições legais expressas que exijam certa espécie de prova
para a existência de um facto ou que fixem a força de determinado meio de prova, como
também a normas de direito adjetivo em que se estriba a decisão, o que significa que tanto
pode suceder em sede de decisão de mérito, como no âmbito de uma decisão de forma, por
exemplo, quando se conhece de uma exceção dilatória determinativa da absolvição do réu da

375
Da sentença cível

instância. Incorre-se também em erro de julgamento, na modalidade referida, quando se


atende a factos não alegados pelas partes, nem suscetíveis de conhecimento oficioso, em
violação do preceituado no artigo 5.º, n.º 3, do CPC.

B – O erro de facto ocorre nos casos em que o juiz valore erradamente os factos ou ainda
quando não atenda a factos pertinentes alegados ou licitamente introduzidos na causa e que
se encontrem provados.
O erro de julgamento de facto por incorreta valoração da prova é apreciado à luz do
critério da livre convicção do julgador, incluindo os casos de erro nas ilações extraídas de
presunções judiciais (arts. 349.º e 351.º, do CC).

Qualquer das espécies de erro de julgamento em destaque pode radicar em manifesto


lapso do juiz, no termos definidos no art. 616.º, n.º 2, do CPC, seja na determinação da norma
aplicável ou na qualificação jurídica dos factos (erro de direito manifesto), seja por não tomar
em consideração documentos ou quaisquer outros elementos constantes do processo que, por
si só, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida (erro de facto manifesto). A
relevância autónoma do erro de julgamento manifesto prende-se com a suscetibilidade de ser
reparado pelo próprio tribunal que proferiu a decisão, quando houver lugar a recurso
ordinário ou de ser passível de reclamação para o mesmo tribunal, se não houver lugar a este
recurso.
A ocorrência do erro de facto coloca-se, hoje, no âmbito da própria sentença. Daí que
importe, antes de mais, ter presente o tipo de vícios que podem infirmar a decisão de facto.

4.2.3.2. Do erro de julgamento quanto à decisão de facto

O erro de julgamento da decisão de facto ocorre quando o juiz aprecia incorretamente a


prova, de forma a viciar o juízo probatório formado sobre cada facto. Este erro é sindicável
perante o tribunal superior, nos termos dos artigos 640.º, n.º 1 e 2, e 662.º, n.º 1, do CPC.
Para tanto, o artigo 640.º, n.º 1, exige como ónus de impugnação, sob pena de rejeição do
recurso, na parte afetada, que o recorrente especifique: a) – os concretos pontos de facto que
considera incorretamente julgados; b) – os concretos meios probatórios, constantes do
processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da
matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) – a decisão que, no seu entender, deverá
ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

376
Da sentença cível

O sobredito ónus de impugnação é ainda aplicável ao recorrido, quando pretenda alargar


o âmbito do recurso (n.º 3, do art.º 640.º).
Assim, a apreciação do erro de julgamento da decisão de facto é confinada aos pontos
impugnados, mas já quanto ao âmbito da investigação probatória o tribunal de recurso tem
amplo poder inquisitório sobre a prova produzida ou documento superveniente
oportunamente junto (art.º 425.º), que imponham decisão diversa, como decorre do
preceituado no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, bem como de ordenar a renovação da prova ou
mesmo a produção dos novos meios de prova, nos exatos termos do n.º 2, alíneas a) e b), do
mesmo artigo, sem estar adstrito aos meios de prova que tiverem sido convocados pelas
partes e nem sequer aos indicados pelo tribunal recorrido.
Além disso, como é hoje jurisprudência seguida, a reapreciação da decisão de facto
impugnada não se reduz à verificação da existência de erro notório por parte do tribunal a
quo. Consiste antes numa reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de
formação, por parte do tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame
das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda produzir, para só, em face dessa convicção,
decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos
probatórios em causa.

Quando o erro do julgamento consista no não atendimento de facto alegado pelas partes
ou licitamente introduzido durante a instrução e que se encontre provado, compete ao
tribunal de recurso integrá-lo na factualidade provada, nos termos do art.º 607.º, n.º 3,
aplicável por via dos art.º 663.º, n.º 2, do CPC.

5. Impugnação da Sentença
5.1. Noção de trânsito em julgado

Segundo o disposto o art. 628.º do CPC, a decisão considera-se passada ou transitada em


julgado, logo que não seja suscetível de recurso ordinário, ou de reclamação.
Após o trânsito, a decisão ganha estabilidade, só podendo ser alterada, excecionalmente,
por via dos recursos extraordinários para uniformização de jurisprudência e de revisão,
respectivamente nos termos previstos e regulados nos artigos 688.º a 695.º e 606.º a 702.º, do
CPC. E atinge a sua estabilidade máxima, tornando-se então imutável, quando decorram os
prazos previstos nos artigos 689.º, n.º 1, e 697.º, n.º 2 e 3, do CPC, para a interposição desses
recursos extraordinários.

377
Da sentença cível

Em resumo, as decisões judiciais podem ser impugnadas por três meios:


a) em regra, por via de recurso ordinário, antes de transitarem em julgado, interposto
para o tribunal superior;
b) mediante reclamação deduzida perante o próprio tribunal que tenha proferido a
decisão, também antes de esta transitar em julgado, quando não haja lugar a recurso
ordinário, sem prejuízo dos casos especiais de retificação ou reforma quanto a custas
e multa, em que pode ser deduzida reclamação independentemente da interposição
do recurso, nos termos dos artigos 614.º e 616.º, nº 1, do CPC;
c) por meio de recurso extraordinário após transitarem em julgado.

5.2. Meios de impugnação da sentença


5.2.1. Reclamação

A – Âmbito
A impugnação da decisão judicial mediante reclamação só pode fundar-se na arguição de
vício formal ou de procedimento que a afete enquanto ato processual, nos casos de:
a) nulidades da sentença, nos termos previstos no art. 615.º, aplicável aos despachos
por via do n.º 3, do art. 613.º, ambos do CPC;
b) erro manifesto de direito ou de facto, quando não haja lugar a recurso ordinário, nos
termos do n.º 2, do art. 616.º, do CPC;
c) nulidades secundárias, nos termos previstos nos artigos 195.º, 196.º, parte final, e
199.º, do CPC.

A reclamação pode ter ainda por fundamento o erro de julgamento quanto as custas e
multa, nos termos do n.º 1, do art. 616.º, do CPC. Mas, se couber recurso da decisão, tal erro
terá de ser suscitado na alegação desse recurso (art. 616.º, n.º 3, CPC). Note-se que o erro de
julgamento quanto a custas respeita à determinação do responsável por elas e (ou) à medida
dessa responsabilidade, mormente por violação dos critérios de incidência subjetiva
estabelecidos nos arts. 527.º e seguintes do CPC, o que é bem distinto da hipótese de reforma
da conta prevista no art.º 31.º, do RCP.

Quando da sentença couber recurso ordinário, tanto as nulidades da sentença previstas


nas alíneas b) a e) do n.º 1 do art. 615.º, como a reforma de custas e multa, previstas no n.º 1,

378
Da sentença cível

do artigo 616.º, ou ainda o erro manifesto de facto ou de direito previsto no n.º 2, deste
mesmo artigo, terão de ser suscitados por via de recurso, como decorre do disposto nos
artigos 615.º, n.º 4, 616.º, n.º 2 e 3, e 617.º, n.º 1, do CPC, observando-se depois o preceituado
nos n.º 2 a 6, do citado artigo 617.º Assim, a reclamação autónoma só é admissível quando a
decisão não admita recurso ordinário, salvo se a parte a ele renunciar.

B – Oportunidade

A reclamação, quando não haja lugar a recurso ordinário, deve ser deduzida no prazo
geral de dez dias previsto no art.º 149.º, do CPC. A nulidade da sentença por falta de
assinatura do juiz pode ser, no entanto, suprida, oficiosamente ou a requerimento das partes,
enquanto for possível colher essa assinatura (n.º 2, do art. 615.º, do CPC).
A reclamação da decisão com fundamento em nulidade secundária, nos termos previstos
no n.º 1, do art. 195.º, do CPC, será deduzida no prazo geral previsto no art. 149.º, mas com a
aplicação do disposto no n.º 1, do art. 199.º, do mesmo Código.

C – Procedimento

Deduzida a reclamação com fundamento nas nulidades previstas alíneas b) a e) do art.


615.º, ou pedida a sua reforma nas hipóteses previstas no artigo 616.º, n.º 1 e 2, do CPC, a
secretaria deverá notificar, oficiosamente, a parte contrária para responder no prazo geral,
após o que o juiz decidirá da reclamação.
A decisão que defira a arguição de nulidade ou de reforma constitui complemento
integrante da decisão reclamada (art.º 617.º, n.º 2 CPC); do despacho que indefira tal arguição
não cabe recurso (art. 617.º, n.º 1, parte final, do CPC).
Como já foi referido, quando da sentença couber recurso ordinário, tanto as nulidades
previstas nas alíneas b) a e), do n.º 1, do artigo 615.º como a reforma de custas e multa,
previstas no n.º 1, do artigo 616.º, ou ainda o erro manifesto de facto ou de direito previsto no
n.º 2, deste último artigo, só são arguíveis em sede desse recurso, observando-se os
procedimentos previstos nos n.º 2 a 6, do artigo 617.º.
A reclamação fundada em nulidade secundária da decisão segue o regime previsto nos
artigos 196.º, 2.ª parte, e seguintes do CPC. Da decisão dessa reclamação só caberá recurso,
como já foi dito, quando aquela contender com os princípios da igualdade ou do contraditório,

379
Da sentença cível

com a aquisição processual ou com a admissibilidade de meios probatórios (art.º 630.º, n.º 2,
CPC).

5.2.2. Recurso

A impugnação de decisão judicial não transitada em julgado com fundamento em erro de


julgamento, ou com fundamento nas nulidades da sentença previstas nas alíneas b) a e), do n.º
1, do art. 615.º, do CPC, ou ainda nos termos do artigo 616.º, só poderá ser deduzida por meio
de recurso ordinário para tribunal superior, como estatui o n.º 1, do art. 627.º, do CPC, mas só
nos casos em que tal for admissível.
Segundo o n.º 2, do referido art.º 627.º, existem duas espécies de recurso ordinário:
apelação e revista.
A decisão judicial já transitada em julgado é, excepcionalmente, passível de impugnação
por via dos recursos para uniformização de jurisprudência e de revisão e de oposição de
terceiro (art. 627º, nº 2, in fine, CPC).

Quanto ao requisitos do ónus de impugnação, importa distinguir os relativos à decisão de


direito e os respeitantes à decisão de facto.

No domínio da impugnação sobre a matéria de direito, o artigo 639.º, n.º 1 e 2, do CPC,


exige que o recorrente, nas alegações recursórias, formule conclusões, de forma sintética,
indicando os fundamentos pelos quais pede a alteração ou a anulação da decisão,
especificando:
a) as normas jurídicas violadas;
b) o sentido com que entende que as normas que servem de fundamento à decisão
devem ser interpretadas e/ou aplicadas;
c) a norma jurídica que entende dever ser aplicada, em caso de invocação de erro na
determinada dessa norma.
Tais requisitos não se aplicam, porém, ao Ministério Público, quando recorra por
imposição legal (art.º 639.º, n.º 5).
As conclusões delimitam assim o âmbito do recurso, nos termos do artigo 635.º, n.º 2 a 5,
do CPC, sendo que a sua falta absoluta implica indeferimento imediato do recurso, por força
do art.º 641.º, n.º 2, alínea b), parte final.

380
Da sentença cível

Já nos casos de conclusões deficientes, obscuras, complexas ou quando nelas se não


tenha procedido às especificações exigidas pelo n.º 2, do art.º 639.º, o relator deve convidar o
recorrente a completá-las, esclarecê-las, ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de
não se conhecer do recurso, na parte afetada, como preceitua o n.º 3, daquele normativo.
Não obstante isso, o tribunal de recurso não fica vinculado ao enquadramento jurídico
invocado pelo recorrente, podendo julgar o recurso em conformidade com o quadro
normativo que considere aplicável, ao abrigo da norma geral do n.º 3, do artigo 5.º, do CPC.
Também, em sede da impugnação da decisão de facto, o artigo 640.º, n.º 1 e 2, do CPC,
exige que o recorrente, sob pena de rejeição do recurso na parte afetada:
a) especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) especifique os concretos meios de prova, constantes do processo ou de registo ou
gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos impugnados diversa
da recorrida;
c) especifique a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de
facto impugnadas;
d) no caso de especificação dos meios probatórios que tenham sido gravados, indique
com exatidão as passagens da gravação em que se funda o recurso, sem prejuízo de
poder proceder à transcrição dos excertos que considere importantes.
Os requisitos em referência são também aplicáveis, nos termos do artigo 640.º, n.º 2,
alínea c), e n.º 3, do CPC, consoante os casos, ao recorrido:
(i) – quando convoque meios de prova com vista a infirmar as conclusões do recorrente,
aqui sem prejuízo dos poderes de investigação do tribunal;
(ii) – e ainda quando pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2, do
artigo 636.º.
Questão duvidosa, e que não encontra solução unânime na jurisprudência, é saber se as
especificações a que se referem os n.º 2 e 3, alínea a), do citado artigo 640.º, devem ser
incluídas nas conclusões do recurso ou se bastará inseri-las no corpo das alegações.
Segundo certa linha de orientação, uma vez que a lei não contém norma expressa sobre
essa exigência formal, bastará incluí-las no corpo das alegações.
Noutra linha de entendimento, se situam os que entendem que, sendo o âmbito do
recurso traçado pelo teor das conclusões, devem estas conter também os requisitos do ónus
de impugnação da decisão de facto, por aplicação subsidiária no n.º 1, do artigo 639.º.
Perante esta divergência, afigura-se que, na verdade, pelo menos a especificação dos
concretos pontos de facto impugnados e da decisão a proferir sobre eles, delimita o objeto do

381
Da sentença cível

recurso sobre a decisão de facto, pelo que não se vislumbram razões para não exigir tal
especificação em sede de conclusões. Já no domínio da especificação dos meios probatórios e
da indicação das passagens da gravação, não divisamos razões ponderosas para as levar ao
quadro conclusivo, tanto mais que as mesmas nem sequer confinam o campo de investigação
do tribunal, como, aliás, decorre, do disposto no n.º 1, do artigo 662.º, do CPC.
Seja como for, mesmo na linha mais restritiva, em face da pouca clareza da lei, será
recomendável que, na falta da especificação conclusiva tida por necessária, desde que feita no
corpo das alegações, o relator convide então o recorrente a aperfeiçoar as conclusões,
lançando mão da aplicação analógica do n.º 3, do artigo 639.º
Outro ponto duvidoso prende-se com o rigor com que deve ser aplicada a sanção prevista
no n.º 2, alínea a), do art.º 640.º, do CPC, para a falta de indicação exata das passagens das
gravações dos depoimentos em causa.
Em termos práticos essa indicação, em regra, não obsta à fácil pesquisa e leitura das
gravações, não se mostrando até muito operacional uma indicação saltitante dos depoimentos
gravados, tendo em conta a intercorrência dos interrogatórios e das respetivas instâncias.
Nessa medida, afigura-se mais curial flexibilizar aquela exigência, reservando-a para os
casos graves em que a falta de tal indicação obste à audição do recorrido na organização da
sua defesa ou porventura ao exame do tribunal de recurso, embora seja recomendável que o
recorrente se paute sempre pelo rigor legal para evitar que seja arguida essa nulidade.

6. Efeitos da Sentença
6.1. Efeitos de natureza processual

Proferida a sentença, esgota-se o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa,


como prescreve o n.º 1, do artigo 613.º, do CPC, o que se traduz num primeiro nível de
estabilidade do julgado, o qual só poderá ser modificado nos casos especialmente previstos na
lei já acima referidos.

O segundo nível de estabilidade é atingido com o trânsito em julgado, na noção dada pelo
artigo 628.º, do CPC, isto é, quando a decisão já não seja suscetível de recurso ordinário ou de
reclamação.
O trânsito em julgado da sentença, seja qual for o seu âmbito, provoca a extinção da
instância, como consigna o art.º 277.º, alínea a), do CPC, sem prejuízo das hipóteses de

382
Da sentença cível

renovação prevista, genericamente, nos artigos 261.º, n.º 2, 282.º e 358.º, n.º 2, do mesmo
Código.

Não obstante isso, haverá ainda lugar a procedimentos ulteriores, tais como:
• aos procedimentos de contagem do processo e de eventual reclamação da conta, nos
termos dos artigos 29.º e seguintes, do RCP;
• aos atos de pagamento das custas em dívida (arts. 32.º e seguintes, do RCP);
• ao visto de fiscalização do Ministério Público e ao subsequente visto em correição do
juiz, nos termos do n.º 2, do artigo 156.º, n.º 2, da Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto,
correspondente ao art. 126º, da Lei nº 3/99, de 13 de janeiro (LOFTJ);
• por fim, o arquivamento dos autos, que se consideram, para este efeito, findos três
meses após o trânsito em julgado da decisão final (nº 1, alínea a), do citado art. 156º,
da Lei n.º 52/2008, salvo quando deve neles prosseguir a respetiva execução, nos
temos 626.º, do CPC.

O terceiro nível de estabilidade do julgado ocorre quando se esgotem os prazos previstos


nos artigos 689.º, n.º 1, e 697.º, n.º 1 e 2, do CPC, para a interposição dos recursos
extraordinários para uniformização de jurisprudência e de revisão. A partir de então, a
sentença torna-se imutável, ressalvadas as raras hipóteses de alteração do julgado por
emergência de circunstâncias supervenientes (art. 619.º, n.º 2, e 988.º, n.º 1, do CPC).

Transitada em julgado, a sentença forma caso julgado formal, nos termos definidos no
artigo 620.º, do CPC, quando recaia unicamente sobre a relação processual, tornando-se
obrigatória dentro no processo.

Assim, é dotada apenas de caso julgado formal a sentença em que se:


a) decrete a absolvição do réu da instância com fundamento em falta de pressupostos
processuais, nos termos do n.º 1, do artigo 277.º, do CPC;
b) julgue válido o compromisso arbitral, nos termos dos artigos 277.º, alínea b) e 280.º,
n.º 2, do CPC;
c) julgue deserta a instância, quando for caso disso, nos termos dos artigos 277.º, alínea
c) e 281.º, n.º 1 e 4, do CPC;
d) homologue a desistência da instância – art. 277.º, alínea d), e 285.º, n.º 2, do CPC;

383
Da sentença cível

e) declare extinta a instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide –


artigo 287.º, alínea e) do CPC;
f) declare extinta a instância por falta de indicação do valor da causa – art. 305.º, n.º 3,
do CPC.

O caso julgado formal não alcança o direito que através da ação se pretendia fazer valer,
pelo que não obsta a que se proponha nova ação entre as mesmas partes e sobre a mesma
pretensão. Isso não significa que a extinção da instância não tenha qualquer interferência na
relação material controvertida.
Com efeito, a desistência ou a absolvição da instância, bem como a deserção ou a
ineficácia do compromisso arbitral, desencadeiam, nos termos do n.º 2, do artigo 327.º, do CC,
o reinício do prazo de prescrição da obrigação litigiosa interrompido na decorrência da
propositura da acção (que se opera com a citação ou cinco dias após a instauração da ação,
nos termos do artigo 323.º, n.º 1 e 2, do CC), sem prejuízo do disposto nos artigos 327.º, n.º 3,
do CC e 279.º, n.º 2, do CPC. O reinício do prazo prescricional atua retroativamente desde o
ato interruptivo.
No caso de o direito litigioso estar sujeito a prazo de caducidade, que fica suspenso com a
propositura da acção (art. 331.º, n.º 2, do CC), esse prazo retoma o seu curso logo após a
deserção da instância, nos termos estatuídos no n.º 2, do artigo 332.º, do CC, sem prejuízo
também do disposto no n.º 3, do artigo 327.º, ex vi do n.º 1, do citado artigo 332.º, ambos do
CC.

Um efeito especificamente mais extenso da decisão de absolvição da instância é o que


decorre do preceituado no artigo 101.º, n.º 1, do CPC.
De acordo com o referido normativo, quando se suscite uma questão de incompetência
em razão da matéria ou da hierarquia, e o Tribunal da Relação decidir, em via de recurso, que
o tribunal recorrido é incompetente para conhecer de determinada causa, no recurso que vier
a ser interposto desta decisão para o Supremo Tribunal de Justiça, decidir-se-á qual o tribunal
competente; neste caso, é previamente ouvido o Ministério Público, e a decisão do Supremo
vincula o tribunal que for declarado competente.
Porém, se a Relação tiver julgado incompetente o tribunal judicial por entender que a
causa está no âmbito da jurisdição administrativa e tributária, o recurso destinado a fixar o
tribunal competente será interposto para o Tribunal de Conflitos – artigo 101.º, n.º 2, do CPC.

384
Da sentença cível

Trata-se de uma solução normativa que visa prevenir conflitos de competência ou de


jurisdição.

Ainda em sede de absolvição da instância por incompetência absoluta do tribunal, há que


ter em conta o disposto no n.º 2, do artigo 99.º, do CPC, que permite o aproveitamento dos
autos da instância extinta, mediante a sua remessa para o tribunal competente, desde que as
partes estejam de acordo com esse aproveitamento.

Também quando ocorra absolvição da instância com fundamento em qualquer exceção


dilatória diversa das especificadas nas alíneas a) a d), do n.º 1, do artigo 277.º, do CPC, na nova
ação que porventura corra entre as mesmas partes, poderão estas aproveitar as provas
produzidas no primeiro processo, sendo que as decisões aí proferidas mantêm o seu valor,
como resulta do disposto no artigo 279.º, n.º 4, com referência à alínea e), do n.º 1, do artigo
277.º, do CPC. Diferente disso é a hipótese prevista no artigo 421.º, do CPC, que atribui valor
extraprocessual às provas produzidas em processo já extinto, permitindo, dentro de certos
limites, o aproveitamento de depoimentos e de arbitramento produzidos num outro processo.

6.2. Efeitos substantivos

Transitada em julgado, a sentença que decida sobre o mérito da causa alcança o fim
normal da ação, qual seja, o pronunciamento definitivo do órgão jurisdicional sobre a relação
material controvertida, pondo assim termo ao litígio. É o que se designa por caso julgado
material definido no artigo 619.º, n.º 1, do CPC. Ao caso julgado material atribui-se duas
funções distintas: uma função positiva e uma função negativa.

A função positiva do caso julgado opera o efeito de autoridade do caso julgado, o qual
vincula o tribunal e demais entidades públicas e privadas, nos precisos limites e termos em que
julga, nos termos consignados nos artigos 205.º, n.º 2, da Constituição e 9.º, n.º 1, da Lei n.º
52/2008, de de 28 de agosto, correspondente ao art. 8.º, nº 1, da Lei n.º 3/99, bem como nos
artigos 619.º, n.º 1, e 621.º e seguintes do CPC.

A função negativa do caso julgado opera por via da exceção dilatória do caso julgado, nos
termos previstos nos artigos 577.º, alínea i), 580.º e 581.º, do CPC, impedindo que uma nova
causa possa ocorrer sobre o mesmo objeto – pedido e causa de pedir – e entre as mesmas

385
Da sentença cível

partes, cuja identidade se afere pela sua qualidade jurídica, ainda que em posição diversa da
que assumiram na causa anterior.
Nas palavras do Prof. Castro Mendes, os efeitos de autoridade do caso julgado e a
excepção do caso julgado, ainda que constituindo duas formas distintas de eficácia deste, mais
não são do que duas faces da mesma moeda 33.

Questões bem mais complexas no âmbito do instituto do caso julgado, e que excedem o
propósito deste trabalho, são as que se prendem com a sua natureza e com os respetivos
limites objetivos e subjetivos, nomeadamente o seu alcance quanto aos fundamentos de facto,
a preclusão quanto aos factos que podiam ter sido alegados pelo autor até ao encerramento
da discussão da causa em primeira instância, a preclusão dos meios de defesa não suscitados
oportunamente pelo réu, a extensão e a eficácia reflexa do caso julgado quanto a terceiros e
ainda o momento a que se reporta o trânsito em julgado.

33
Prof. CASTRO MENDES, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, Edições Ática, pag. 36 e segs.

386
Videogravação da comunicação

387
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto

[Henrique Araújo]
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto

A impugnação da decisão sobre a matéria de facto


Henrique Araújo

Sumário:
1. O sistema da oralidade pura e o DL 39/95, de 15 de Fevereiro
2. A consagração do duplo grau de jurisdição em matéria de facto
3. O papel da Relação na apreciação da prova (síntese jurisprudencial)
4. A matéria de facto passível de impugnação recursória
5. A alteração da matéria de facto à luz do NCPC (análise dos artigos 640º e 662º)

Bibliografia:
Pontos 1. e 2.
• Laborinho Lúcio, “O Julgamento”
• Armindo Ribeiro Mendes, Revista Julgar, n.º 16
• Pessoa Vaz, “Direito Processual Civil”
Pontos 3.
• Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório”, Volume I
• Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, 2ª edição, Volume I
Ponto 4.
• Lebre de Freitas, “Introdução ao Processo Civil”
• Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, 1997
• António Montalvão Machado, “O Dispositivo e os Poderes do Tribunal à luz do
Novo Código de Processo Civil”
• Paula Costa e Silva, “Acto e Processo”, páginas 152/153.
Ponto 5.
• Mouraz Lopes, “A Fundamentação da Sentença no Sistema Penal Português:
Legitimar, Diferenciar, Simplificar, Almedina, 2011.
• Luís Filipe Pires de Sousa, “Prova testemunhal”, Almedina, 2013.
• Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”
• João Correia, Paulo Pimenta e Sérgio Castanheira, “Introdução ao Estudo e à
Aplicação do Código de Processo Civil de 2013.

391
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto

1. Chegaram bem tarde ao direito processual civil português os ventos que já há muito
sopravam nas nações mais civilizadas, no que se refere à documentação da prova em
audiência, à motivação da decisão da matéria de facto e à possibilidade de se recorrer desta.
O legislador português, que adoptara o sistema de oralidade pura em 1932 e que o
revigorara em 1939, deixou passar, inexplicavelmente, a reforma de 1961 sem tocar nesses
vectores estruturais do processo civil.
Fosse por errada interpretação da doutrina de Klein e Chiovenda – como avança o
Prof. Pessoa Vaz – fosse por transmissão osmótica duma visão marcadamente autoritária das
funções do Estado, o que sabemos hoje é que Portugal foi dos últimos países a introduzir no
ordenamento processual civil as alterações necessárias ao reconhecimento das garantias
judiciárias mais básicas.
O sistema de oralidade pura, não permitindo a documentação da prova oral produzida
em audiência, não impondo ao julgador uma motivação de facto séria, objectiva e controlável,
nem possibilitando o recurso da decisão sobre a matéria de facto, atentava, efectivamente,
contra as garantias judiciárias fundamentais do Estado de Direito.
Assim, desde 1932 a 1995, vivemos num sistema com uma única instância de facto e
três instâncias de direito, com a agravante de que não havia qualquer imposição legal no
sentido de que as decisões da matéria de facto fossem adequadamente motivadas na 1ª
instância.
Em 1995, vencidas algumas resistências 1, pôs-se fim a esse anacronismo.
Tudo começou com um diploma avulso, mas cuja importância há-de perdurar na
história do direito processual civil: o DL 39/95, de 15 de Fevereiro.
Nesse diploma passou a estar prevista e regulamentada a possibilidade da
documentação ou registo das audiências finais e da prova nelas produzida, por regra em
gravação sonora, abrindo-se caminho para a criação de um verdadeiro e efectivo 2º grau de
jurisdição na apreciação da matéria de facto. Reconheceu-se, enfim, o direito ao recurso em
matéria de facto como integrando o núcleo essencial do direito constitucional de acesso à
justiça.

2. O artigo 522º-B, ali aditado, estabeleceu que as audiências finais e os depoimentos,


informações e esclarecimentos nelas prestados seriam gravados sempre que alguma das
partes o requeresse, por não prescindir da documentação da prova nelas produzida, ou
quando o tribunal oficiosamente determinasse a gravação. Esta última possibilidade encontrou

1
Laborinho Lúcio, “O Julgamento”, páginas 327 e seguintes.

392
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto

a sua motivação na necessidade de o registo áudio poder auxiliar o julgador, no momento da


decisão de facto, a confirmar com maior segurança as impressões colhidas ao longo de
julgamentos demorados, fraccionados no tempo e comportando a inquirição de numerosos
depoentes sobre matérias complexas 2.
Deixou também o legislador bem claro que a garantia do duplo grau de jurisdição em
sede de matéria de facto, nunca poderia envolver a reapreciação sistemática e global de toda a
prova produzida em audiência, visando apenas a detecção e correcção de pontuais e concretos
erros de julgamento, devida e fundadamente sinalizados pelo recorrente. Por essa razão, o
diploma acrescentou ao CPC o artigo 690º-A, como mecanismo de controlo da seriedade do
recurso sobre a matéria de facto.
As inovações introduzidas quanto à possibilidade de reapreciação da matéria de facto
obrigaram ainda à adaptação da redacção do artigo 712º, de modo a que neste ficasse
devidamente regulamentada a intervenção da Relação nesse domínio.
Passou-se, portanto, de um sistema em que vigorava a oralidade pura para um sistema
de oralidade mitigada ou motivada, que foi objecto de aperfeiçoamento em sucessivas
intervenções legislativas, de que se destacam os DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, 180/96, de
25 de Setembro e 183/2000, de 10 de Agosto 3.

3. A interpretação do papel da Relação nesse novo sistema originou alguma discussão.


Gerou-se uma corrente, claramente restritiva, que defendia competir-lhe apenas sindicar a
convicção expressa pelo tribunal da 1ª instância de acordo com a prova gravada, estando
vedado à Relação formar a sua própria convicção. Esta corrente apoiava-se normalmente num
argumento com duas vertentes: a de que o n.º 2 do artigo 712º, ao dizer que a Relação
“reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão”, limitava o grau de
cognoscibilidade da matéria de facto ao controlo da convicção formada na 1ª instância 4; e a de
que a gravação sonora da prova, não permitia à Relação captar todos os sinais não verbais dos
depoentes, estando, nesse aspecto, em clara desvantagem perante o tribunal da 1ª instância
que beneficiava da imediação da prova.
Consideramos haver uma inconsistência lógica logo na primeira das referidas
vertentes. A circunstância de constar do segmento da norma indicada que a Relação reaprecia
2
Cfr. Preâmbulo do DL 39/95.
3
Ver a propósito das sucessivas reformas do processo civil português o trabalho de Armindo Ribeiro
Mendes, publicado na Revista Julgar, n.º 16, páginas 80 e seguintes.
4
O que, a ser verdade, levaria a que se reconhecesse, nesse particular, a aplicação do sistema de cassação,
com a consequente anulação da decisão impugnada.

393
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto

as provas, em resultado da adopção, como regra, do modelo do recurso de reponderação, não


impedia que se formasse sobre um determinado ponto de facto uma convicção diversa da
recorrida. Negar à Relação a possibilidade de formar a sua própria convicção a partir da prova
gravada e da sua valoração segundo o princípio da livre apreciação, corresponderia, na prática,
à subalternização do sistema do duplo grau de jurisdição em matéria de facto,
circunscrevendo-o praticamente aos casos em que a alteração da decisão de facto resultasse
do acordo das partes, da confissão reduzida a escrito e da análise da prova documental ou
pericial presente nos autos.
Foi isto mesmo que o STJ foi dizendo em vários arestos 5, esclarecendo num deles 6,
numa fórmula bastante impressiva, que “a alteração que a Relação introduza terá subjacente a
nova e diferente convicção entretanto formada e, ao confirmar a decisão da 1ª instância,
estará, numa formulação verbal mais correcta, a aderir à convicção que àquela subjaz e não,
simplesmente, a ter como razoável o que aí se consagrou (…)”.
A segunda vertente, de certo modo coadjuvante da primeira, baseava-se em que o
registo da prova não garantia a percepção dos aspectos comportamentais e das reacções dos
depoentes (o entusiasmo, as hesitações, o nervosismo, a excessiva segurança ou a falta dela,
etc.) que pudessem ter influenciado o julgador da 1ª instância.
Concede-se que o registo sonoro não espelha a integralidade do depoimento, que,
tendo uma preponderante componente verbal, é também composto por elementos oralmente
intraduzíveis que só a imediação da prova proporciona. Todavia, a menor expressividade do
registo não podia impedir – como não impede – que a Relação desempenhasse a tarefa de
reapreciação efectiva da decisão da matéria de facto, desde que, naturalmente, os meios de
prova gravados lhe permitissem concluir, com a prudência e segurança devidas, em sentido
diverso do seguido pela 1ª instância.
Mais à frente voltaremos a este ponto.

Estabilizado este entendimento – cuja validade está hoje fortalecida nos nºs 1 e 2,
alíneas a) e b) do artigo 662º – nem por isso deixaremos de questionar por que razão o
legislador não aproveitou esta reforma para erigir como regra a gravação simultânea de som e
imagem. O acoplamento da imagem ao registo sonoro da prova beneficiaria a diluição da
5
Cfr., entre outros, os Acórdãos de 19.04.2001, no processo n.º 435/01, de 16.04.2002, no processo n.º
02498, e o de 08.07.2003, no processo n.º 1832/03, estando o primeiro publicado nos Sumários de
Jurisprudência do STJ, 2001, 2º volume, o segundo disponível no sítio www.dgsi.pt e o terceiro na CJ Ano XI,
Tomo II, páginas 151 e seguintes.
6
O primeiro da nota anterior.

394
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto

desvantagem decorrente da não imediação da prova pela Relação e potenciaria uma maior
aproximação à verdade material. É este tipo de incongruências entre as intenções declaradas e
a não consagração dos mecanismos legais para as concretizar 7 que frequentemente
compromete o sucesso integral das reformas, em qualquer área do direito.
Klein, autor do Código Austríaco de 1895, já no tempo advertia que “o importante
como corolário decisivo de uma lei que regula o processo civil são todas aquelas disposições
legislativas e administrativas que são necessárias para reunir todas as forças e organizar as
novas estruturas com as quais as dificuldades da nova matéria processual devem ser
vencidas” 8.
E, já agora, a propósito do momento escolhido para a entrada em vigor do NCPC, não
podemos deixar de reproduzir o que o mesmo autor dizia, na sua intemporal lucidez: seria “o
maior erro que se poderia cometer, se não se introduzissem na organização judiciária … todas
aquelas alterações e completações que pela natureza e fim do processo são
incondicionalmente exigidas”.

4. No novo diploma desconstruiu-se a dogmática que envolvia a vertente fáctica,


adoptando-se, em nome do efectivo apuramento da verdade, um novo modelo, menos
formalista, mas seguramente muito mais sujeito a controvérsia.
Antecipamos um intenso labor jurisprudencial na interpretação e aplicação de algumas
das inovações normativas, mormente a do artigo 410º.
Para introdução do tema que nos propomos tratar, importa determinar previamente o
que deve entender-se por matéria de facto passível de impugnação recursória.
Uma das chaves para resolver essa questão está no enunciado do n.º 4 do artigo 607º,
onde se refere que, na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga
provados e os que julga não provados. Tal como decorre desse preceito, integrarão o conjunto
dos factos provados: aqueles cuja demonstração resultou da prova produzida em juízo;
aqueles que se mostrem admitidos por acordo; aqueles que resultem da prova documental; e
aqueles que decorram de confissão reduzida a escrito.
Cada um desses factos – provados e não provados – poderá ser objecto de
impugnação, seja isoladamente, seja em conjunto com outros.

7
Cfr. artigo 155º, n.º 2, que mantém a regra do registo sonoro.
8
Pessoa Vaz, “Direito Processual Civil”, página 29.

395
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto

Mas, para a seriação dos factos que relevem para a decisão da causa – quer resultem
provados ou não provados – tem de atentar-se no que dispõe o artigo 5º, que corresponde em
larga medida ao antigo 264º.
Assim, de acordo com o n.º 1 desse artigo, competirá às partes a alegação dos factos
essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções
invocadas – cfr. artigos 552º, n.º 1, alínea d) e 572º, alínea c).
Consideram-se factos essenciais (ou principais) aqueles que aparecem delimitados pela
norma como fundamentais para a procedência ou improcedência da acção. É a norma que
opera como critério de selecção das conotações do facto que são consideradas relevantes e da
exclusão daquelas que à mesma não interessam. A sua alegação deve ser feita com “um
mínimo de concretização e densificação” 9 de modo a que seja permitida a sua prova na
audiência final, sendo portanto de evitar uma descrição toldada por conceitos genéricos e/ou
conclusivos.
A obrigação de alegação dos factos essenciais é o corolário do acolhimento pelo nosso
direito processual civil da teoria da substanciação, que implica para o autor a necessidade de
articular os factos de onde deriva a sua pretensão, formando-se o objecto do processo e, por
arrastamento, o caso julgado, apenas relativamente aos factos integradores da causa de pedir
invocada 10.
A par desses, devem ser considerados, na decisão final, outros factos, subtraídos ao
ónus de alegação, a saber: os factos notórios (artigos 5º, n.º 2, alínea c) e 412º, n.º 1); os factos
de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções (artigos 5º, n.º
2, alínea c) e 412º, n.º 2); os factos reveladores de uso reprovável do processo (artigo 612º); os
factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa (artigo 5º, n.º 2, alínea
a)); e os factos complementares ou concretizadores de outros que as partes tenham
oportunamente alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que às partes
tenha sido dada a oportunidade de sobre eles se pronunciarem (artigo 5º, n.º 2, alínea b)).
Em comparação com o anterior código, nota-se, também aqui, um esbatimento do
princípio do dispositivo em favor de um maior pendor inquisitório, designadamente no que
concerne aos factos complementares ou concretizadores de outros inicialmente alegados. O
julgador pode agora conhecer oficiosamente desses factos quando resultem da instrução da

9
Como defende Lopes do Rego, Revista Julgar, n.º 16, página 125.
10
Cfr., entre outros, Alberto dos Reis, ob. cit., Volume II, 3ª edição, pág. 354, Anselmo de Castro, “Direito
Processual Civil Declaratório”, Vol. I, página 207, e Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo
Civil”, 2ª edição, Vol. I, página 193.

396
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto

causa e desde que se mostre cumprido o contraditório, deixando de ser necessário que a parte
interessada manifeste vontade em deles se aproveitar.
Para finalizar este capítulo deixaremos apenas breves indicações para ajudar à
caracterização de factos notórios, instrumentais e complementares ou concretizadores.
Factos notórios (514º, n.º1) são os de conhecimento geral no país, os conhecidos pelo
cidadão comum, pelas pessoas regularmente informadas, com acesso aos meios normais de
informação 11.
Não basta, assim, qualquer conhecimento; “é indispensável um conhecimento de tal
modo extenso, isto é, elevado a tal grau da difusão que o facto apareça, por assim dizer,
revestido do carácter de certeza” 12.
Por outro lado, é necessário que se trate de factos concretos, elementos estruturantes
da causa de pedir da acção, da reconvenção ou das excepções, o que implica não poderem ser
considerados como tal as meras ilações ou conclusões fáctico-jurídicas ou meramente jurídicas
(ex.: a indivisibilidade de um prédio urbano) 13.
Factos instrumentais são aqueles de que não depende a procedência ou
improcedência da acção, mas do seu conhecimento, pelo mecanismo das presunções, quer
legais quer judiciais, infere-se a certeza ou a prova dos factos essenciais. A sua função é,
portanto, a de permitir atingir a prova destes factos 14.
Os factos são considerados complementares ou concretizadores quando se têm por
imprescindíveis ou, pelo menos, relevantes à procedência ou improcedência das pretensões,
mas não à viabilidade da acção ou da excepção 15. Eles completam uma causa de pedir (ou de
uma excepção) complexa, ou seja, uma causa de pedir (ou uma excepção) aglutinadora de
vários elementos, uns constitutivos do seu núcleo primordial, outros constitutivos do seu
núcleo complementar 16.

11
Rodrigues Bastos, em “Notas ao CPC”, Volume II, edição de 1972, página 514, distingue o facto notório do
facto evidente, fazendo corresponder este último à aplicação de verdades axiomáticas próprias das várias
ciências; o facto evidente apresenta-se ao juiz como provindo das fontes comuns do saber humano, v.g. o
conhecimento de que o calor dilata os corpos.
12
Alberto dos Reis, “CPC Anotado”, Volume III, páginas 259/260.
13
Acórdão do STJ de 01.07.2004, no processo n.º 04B2285.
14
Lebre de Freitas, “Introdução ao Processo Civil”, página 135.
15
Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, 1997, páginas 70 e 71, onde são
descritos alguns exemplos deste tipo de factos.
16
António Montalvão Machado, “O Dispositivo e os Poderes do Tribunal à luz do Novo Código de Processo
Civil”, página 349.

397
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto

5. Entrando definitivamente no tema, pode-se afirmar, já à partida, que o NCPC não traz
alterações de vulto ao regime instituído pela revisão operada pelo DL 303/2007, de 24 de
Agosto, respeitando-o nas suas linhas essenciais 17.
É certo que, como se referiu mais acima, há um reforço dos poderes da Relação na
apreciação da matéria de facto, o que se aceita em função do reconhecimento de que a
relação jurídica estabelecida entre a parte que exerce o direito de acção e o tribunal, obriga a
que este desenvolva uma actuação concreta e eficaz em ordem à protecção dos direitos e
interesses legalmente tutelados 18.
A finalidade última desse reforço é, portanto, a aproximação da verdade
processualmente declarada à verdade extraprocessual.
São dois os preceitos em que centraremos a nossa atenção, cada um deles com um
específico campo de análise, mas interligados: o artigo 640 e o artigo 662º.
O primeiro trata dos ónus impostos ao recorrente que impugne a matéria de facto.

Artigo 640.º
Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto

1 — Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente
especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada,
que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 — No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas
tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva
parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de
poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido
designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem
sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo,
à transcrição dos excertos que considere importantes.

17
João Correia, Paulo Pimenta e Sérgio Castanheira, “Introdução ao estudo e à aplicação do Código de
Processo Civil de 2013”, página 95.
18
Paula Costa e Silva, “Acto e Processo”, páginas 152/153.

398
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto

3 — O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do


recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.

Como já se disse, a instituição de um duplo grau de jurisdição para apreciação dos


erros de prova ou de fundamentação dos factos levados ao processo, obrigou o legislador a
rodear-se de algumas cautelas normativas com o objectivo de prevenir impugnações genéricas
e/ou desorganizadas. Não pode conceber-se como verdadeira impugnação da matéria de facto
aquela em que não são identificados os factos tidos por erroneamente julgados ou sem a
cuidada menção dos meios probatórios que deviam ter sido ponderados ou melhor valorados.
Disto trata a norma do artigo 640º, que constitui quase uma sobreposição do anterior
artigo 685º-B.
Senão vejamos.
Mantém-se a obrigação de o recorrente identificar os concretos pontos de facto que
considera incorrectamente julgados – alínea a), do n.º 1.
Até agora essa indicação fazia-se, em regra, por referência aos artigos da base
instrutória ou, mais raramente, através da identificação concreta (numérica ou outra) dos
factos elencados na sentença. Suprimida, na actual reforma, a fase da condensação, os pontos
de facto impugnados devem agora ser reportados aos factos alegados pelas partes que
tenham sido objecto de apreciação na sentença.
Mantém-se igualmente a obrigação de o recorrente especificar os concretos meios de
prova que, em seu entender, justifiquem decisão diversa da recorrida sobre os pontos de facto
impugnados. Tais meios de prova podem já constar do processo – como será, por exemplo, o
caso da prova documental ou pericial – ou de registo ou gravação nele realizada. Nesta última
hipótese, incumbe ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação em que se
funda o recurso, sem prejuízo de apresentar, querendo, a respectiva transcrição. Esta
obrigação estende-se agora ao recorrido, quando faça repousar a sua oposição às conclusões
do recorrente em depoimentos gravados na audiência, sendo igualmente facultativa a
apresentação da transcrição dos excertos que considere mais relevantes – n.º 1, alínea b) e n.º
2, alínea a).
Permanece ainda a possibilidade de investigação oficiosa pelo tribunal, mas agora sem
o espartilho da 2ª parte do n.º 2 do artigo 712º. A Relação já não está limitada, na sua
apreciação, aos elementos probatórios indicados pelas partes ou que hajam servido de
fundamentação à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, devendo
investigar tudo quanto, em seu critério, se afigure necessário para formular o seu juízo sobre
os pontos de facto impugnados – 1ª parte, da alínea b), do n.º 2.

399
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto

A alteração mais visível à antiga norma do artigo 685º-B, traduz-se no aditamento da


alínea c), que impõe também ao recorrente a obrigação de indicar o sentido que preconiza
para os pontos de facto impugnados.
Em boa verdade isto já acontecia na prática, ainda que, não raras vezes, o recorrente
se limitasse a dizer que determinados pontos de facto mereciam respostas diferentes, mas
sem dizer quais. O acrescentamento agora feito parece-nos, por isso, justificado, na medida
em que completa o ciclo processual da impugnação.
O incumprimento pelo recorrente de qualquer um dos referidos ónus constitui causa
de rejeição do recurso no que concerne à impugnação da decisão de facto – n.º 1, alíneas a), b)
e c) e n.º 2, alínea a).
Várias questões se têm levantado na doutrina e, sobretudo, na jurisprudência, sobre a
avaliação desse incumprimento.
Bastará que os ónus impostos ao recorrente se concretizem no corpo das alegações ou
será necessária a sua reprodução, ainda que sintética, nas conclusões? Será de considerar
válida a impugnação quando se dividam pelo corpo das alegações e pelas conclusões os
referidos ónus?
A quem pretenda recorrer duma decisão, a lei do processo impõe dois encargos: o de
alegar, ou seja, o de desenvolver de forma fundamentada as razões da sua discordância
quanto ao decidido; e o de concluir, ou seja, o de indicar de forma sintética, as razões dessa
discordância – cfr. artigo 639º, n.º 1. As conclusões assumem-se, portanto, como as ilações ou
deduções lógicas terminais de um ou vários argumentos ou proposições parcelares, finalizando
um raciocínio 19.
A imposição do ónus de concluir justifica-se pela necessidade da indicação resumida
daquilo que na opinião do recorrente é fundamento de alteração ou anulação da decisão
recorrida, evitando que a parte contrária se veja numa situação insustentável na preparação
do contraditório, por não entender convenientemente os motivos da divergência do
recorrente.
Tentando agora responder à primeira questão acima colocada, começa por dizer-se
que são as conclusões do recurso que efectivamente delimitam o seu objecto – artigos 684º,
n.º 3 e 685º-A, n.º 1, do CPC e artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1, do NCPC.
Por isso, para que se tenha por bem executada a impugnação da decisão sobre a
matéria de facto, deve cada um dos ónus impostos ao recorrente – alíneas a), b) e c) do n.º 1 –

19
João Aveiro Pereira, “O ónus de concluir nas alegações de recurso em processo civil”, página 3, em
www.trl.mj.pt

400
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto

estar devidamente espelhado nas conclusões do recurso, nem que seja por remissão expressa
para o corpo das alegações 20. Se não for este o caso, terá o recorrente, na nossa opinião, de
especificar nas conclusões os pontos concretos de facto que pretende impugnar, indicar os
meios de prova em que, para esse efeito, se baseia, e, na actual configuração legal, apontar
com o mínimo de clareza o sentido que pretende para a decisão de cada um desses pontos de
facto.
Pela própria função das conclusões, nunca seria de impor ao recorrente que, por
exemplo, procedesse nas conclusões a uma descrição detalhada dos depoimentos em que
funda a sua discordância em relação ao decidido na 1ª instância. Será suficiente, segundo
cremos, a indicação nominativa dos concretos meios de prova que considera decisivos para a
alteração da matéria de facto (documento de fls. …, testemunha …, relatório pericial de fls. …,
etc).
O que não pode é desvirtuar-se o efeito pretendido com a imposição daqueles ónus ao
recorrente, sob pena de não fazer qualquer sentido o que resulta articuladamente das normas
dos artigos 635º, n.º 4, 639º, n.º 1, e 640º, do NCPC. (artigos 684º, n.º 3, 685º-A, n.º 1, e 685º-
B, do anterior CPC).
Apesar de ser também este, segundo nos quer parecer, o entendimento mais recente
do STJ 21, este tribunal tem demonstrado uma maior flexibilidade no tratamento desta questão,
de que é exemplo, o acórdão de 08.11.2006, tirado ainda antes da alterações ao CPC
introduzidas pelo DL 303/2007, de 24 de Agosto, de cujo sumário se extrai o seguinte pedaço:
“O artigo 690º-A do Código de Processo Civil, impondo um especial ónus de alegação, quando
se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, não exige que o recorrente leve às
conclusões a indicação dos concretos meios probatórios em que se baseia a sua discordância

20
Quanto à obrigação da indicação exacta das passagens da gravação – alínea a), do n.º 2 –, cuja omissão
tem como consequência a imediata rejeição do recurso na respectiva parte, quer-nos parecer que essa
indicação pode ser feita apenas no corpo das alegações (não sendo necessária a sua inclusão nas
conclusões), uma vez que o objectivo que se pretende com essa imposição legal é o de tornar localizável, no
registo sonoro, os segmentos dos depoimentos ou esclarecimentos que o recorrente considera relevantes
para o sucesso da impugnação da decisão de facto.
21
Cfr. o acórdão de 04.07.2013, no processo n.º 1727/07.1TBSTS-L.P1.S1, em www.dgsi.pt, em cujo sumário
se escreveu: A delimitação concreta dos pontos de facto considerados incorrectamente julgados e demais
ónus impostos pelo art. 685.º-B, do CPC, há-de ser efectuada no corpo da alegação; nas conclusões bastará
fazer referência muito sintética aos pontos de facto impugnados, e às razões porque se pretende a sua
alteração, sem necessidade de transcrever (ou copiar) o que a respeito se escreveu no corpo da alegação
sobre a matéria.

401
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto

relativamente à decisão de primeira instância, e, quando muito, apenas justifica que o


recorrente, de modo a precisar mais concretamente a questão que coloca em recurso,
identifique os pontos de facto que pretende ver reapreciados” 22
O que se desenvolveu quanto à primeira questão permite responder negativamente à
segunda, não obstante o STJ ter decidido, num acórdão de 21.04.2010 23, que, quando o
recorrente indica nas conclusões os pontos da matéria de facto que entende incorrectamente
julgados e no corpo das alegações indica os meios probatórios que impunham decisão diversa
da recorrida, devem-se dar-se por cumpridos os ónus a que estava sujeito.
Este entendimento do STJ parece suportar-se na seguinte construção: o ‘pedido’ do
recorrente é a impugnação da decisão da matéria de facto relativamente a certos pontos
concretos; a ‘causa de pedir’ associada a esse pedido é constituída pelo conjunto dos meios
probatórios destinados à procedência daquele pedido. Por isso, o pedido deve constar das
conclusões, em consequência do princípio de que são as conclusões que balizam o objecto do
recurso, mas a indicação dos meios probatórios pode apenas constar da motivação do recurso
(corpo das alegações), não sendo obrigatória a sua inclusão nas conclusões.
Não se acreditando que o legislador ignorasse a instabilidade jurisprudencial que agita
as Relações e o STJ – e que, com toda a probabilidade, persistirá – teria sido preferível a
identificação das conclusões obrigatórias no recurso de impugnação da matéria de facto, tal
como fez a propósito do recurso em matéria de direito – cfr. corpo do n.º 2, do artigo 639º.
Na decorrência do que vem sendo dito, uma outra questão surge: se o relator verificar
qualquer deficiência no cumprimento dos sobreditos ónus, poderá deitar mão do convite ao
aperfeiçoamento?
A resposta negativa a esta questão não se presta a dúvidas.
Na verdade, se fosse intenção do legislador dar uma oportunidade ao recorrente para
aperfeiçoar o recurso de impugnação da matéria de facto, tê-lo-ia dito expressamente,
conforme fez em relação às conclusões da matéria de direito, nos nºs 2 e 3, do artigo 639º –
cfr. artigo 9º, n.º 3, do Código Civil.

22
Decidiu-se do mesmo modo no acórdão de 08.03.2006, no processo n.º 05S3823, e no acórdão de
13.07.2006, no processo n.º 06S1079, ambos em www.dgsi.pt. Ver também o acórdão de 27.10.2009, tirado
no processo n.º 1877/03.3TBCBR.C1.S1, também na referida base de dados, em que se decidiu que não se
inclui no ónus estabelecido pelo art. 690.º-A, n.º 1, do CPC, o dever de levar às conclusões da alegação a
indicação, mesmo resumida, dos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados.
23
Acórdão proferido no processo n.º 3473/06.4TJVNF-A.P1.S1, disponível no mesmo sítio electrónico.

402
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto

De tudo se conclui que, se o recorrente não fizer constar das conclusões as menções
inscritas no n.º 1, do artigo 640º, terá de rejeitar-se o recurso nessa parte, não se conhecendo
do seu objecto 24.
Uma derradeira nota: se o recorrido pretender ampliar o âmbito do recurso, nos
termos do artigo 636º, n.º 2, ficará sujeito aos mesmos ónus e às mesmas consequências que
já referimos quanto ao recorrente – artigo 640º, n.º 3.

O outro preceito que nos propomos analisar é o do artigo 662º, que tem como
epígrafe “A modificabilidade da decisão de facto”.

Artigo 662.º
Modificabilidade da decisão de facto

1 — A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos
como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2 — A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a
credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de
prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os
elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a
matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da
matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum
facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os
depoimentos gravados ou registados.
3 — Nas situações previstas no número anterior, procede-se da seguinte forma:
a) Se for ordenada a renovação ou a produção de nova prova, observa-se, com as necessárias
adaptações, o preceituado quanto à instrução, discussão e julgamento na 1.ª instância;
b) Se a decisão for anulada e for inviável obter a sua fundamentação pelo mesmo juiz, procede-
se à repetição da prova na parte que esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da
matéria de facto, com o fim de evitar contradições;

24
Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, páginas 127/128.

403
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto

c) Se for determinada a ampliação da matéria de facto, a repetição do julgamento não abrange


a parte da decisão que não esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de
facto, com o fim de evitar contradições;
d) Se não for possível obter a fundamentação pelo mesmo juiz ou repetir a produção de prova,
o juiz da causa limitar-se-á a justificar a razão da impossibilidade.
4 — Das decisões da Relação previstas nos n.ºs 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal
de Justiça.

No âmbito desta norma, a Relação pode assumir as seguintes atitudes quanto à


apreciação da matéria de facto: alterar ou anular a decisão da 1ª instância, ordenar a
renovação da produção da prova, ordenar a produção de novos meios de prova, ou, ainda,
determinar a fundamentação da decisão.
Correspondendo ao anterior artigo 712º, detectam-se em relação a este algumas
alterações, umas mais substanciais que outras.
A primeira é logo visível no início do enunciado do n.º 1: “A Relação deve alterar a
decisão proferida sobre a matéria de facto”, quando anteriormente constava “A Relação pode
alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto”.
A substituição do verbo “poder” por “dever” decorre, seguramente, do objectivo
programático que atravessa toda a reforma e que se manifesta também no propósito de o
legislador orientar o actual quadro de modificabilidade da decisão da matéria de facto pela
Relação em função do efectivo apuramento da verdade material.
Como veremos, existem no texto da norma em análise outras manifestações claras
dessa intenção.
No n.º 1, onde se aglutinam, de forma mais genérica, as situações que dantes
constavam das alíneas a) a c), do n.º 1, do artigo 712º, prevê-se a possibilidade de alteração da
decisão de facto com base em três hipóteses: nos factos tidos como assentes, na prova
produzida ou em documento superveniente – n.º 1.
Há que convir que a fórmula usada para a primeira das hipóteses não prima pela
clareza. Em nosso entender, na expressão “factos tidos por assentes”, incluem-se os factos
não impugnados pela parte contrária nos articulados da acção e que, nessa medida, devessem
ter sido julgados como provados por acordo (desde que, obviamente, se não verifiquem as
salvaguardas legais ao efeito da não impugnação) – artigo 574º, n.º 2. Nela se incluirão
também as situações em que o tribunal tenha negligenciado ou desconsiderado a força
probatória de certo meio de prova, idóneo à aquisição definitiva do facto em questão, como
sucederá, por exemplo, quando não tenha atentado em que determinado documento

404
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto

autêntico, não atacado de falsidade, faz prova plena de certo facto (artigo 371º, do CC), ou
quando tenha considerado que a prova decorrente das declarações impressas em documento
particular, com autoria reconhecida e livre de qualquer vício, apesar de contrárias aos
interesses do declarante, não produziam o efeito confessório atribuído por lei (artigo 376º, n.º
2, do CC).
Na malha da mesma previsão, não obstante a ambiguidade deste segmento da norma,
cairá a situação em que o tribunal da 1ª instância tenha indevidamente valorizado a força
probatória de meio de prova insuficiente para a prova de determinado facto, o que, nesse
caso, levará a que a Relação proceda à retirada desse facto da plataforma dos factos provados
– artigo 364º, n.º 1, do CC.
Em todas as situações narradas, a alteração da decisão de facto pela Relação decorre
da omissão ou da errada ponderação das regras de direito probatório material.
No conceito de ‘prova produzida’ cabe todo o acervo probatório recolhido no processo
susceptível de ser livremente apreciado, designadamente documentos sem valor probatório
pleno, relatórios periciais e, bem entendido, os depoimentos orais, prestados e gravados na
audiência de julgamento 25, cujo conteúdo seja susceptível de provocar a alteração requerida,
desde que cumpridas as condições estabelecidas no artigo 640º, acima tratado.
Mas, antes de avançarmos, impõem-se algumas considerações a respeito da avaliação
da prova testemunhal.
Já acima referimos que a Relação não goza da prerrogativa da imediação, sendo sabido
que esta cumpre um papel fundamental na aferição da sinceridade e veracidade do
depoimento. A prova testemunhal que chega à Relação contém apenas o relato verbal,
gravado em suporte áudio ou transcrito, o que não permite qualquer interacção com o emissor
do relato nem a apreensão das componentes não verbais do depoimento.
Sendo irrecusável que o contacto directo do juiz com a testemunha permite que
aquele, com base no comportamento não verbal desta, infira sensações utilizáveis como
instrumento de valoração do depoimento, então isso mesmo deve constar da fundamentação
da decisão de facto. Disponibilizado esse elemento ao tribunal de recurso, por via de uma
motivação que aprimore a força persuasiva do julgamento dos factos, estará este em
condições de formular um juízo mais substanciado sobre a valoração feita na 1ª instância. Por
isso se diz que a imediação não é um método, mas tão só uma técnica, um meio necessário ao
25
A obrigatoriedade da gravação da prova em todas as audiências finais das acções, incidentes e
procedimentos cautelares – artigo 155º, n.º 1 – vai alargar, sem a mínima dúvida, o âmbito de incidência
das impugnações da matéria de facto em recurso.

405
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto

desenvolvimento da prova que, no entanto, não é suficiente para garantir em definitivo a sua
valoração e o seu tratamento adequado 26.
Por outro lado, como tem sido admitido, a análise feita a partir do canal verbal é mais
fiável e eficaz do que aquela que é feita a partir dos comportamentos não verbais 27.
A falta da imediação da prova não pode, pois, constituir obstáculo à formação de uma
convicção diversa, e necessariamente autónoma, da que se formou na 1ª instância. Os vários
ângulos de avaliação do depoimento e a possibilidade de recurso a qualquer outro elemento
de prova, designadamente no âmbito dos poderes de investigação oficiosa conferidos no
artigo 640º, n.º 2, alínea b), podem habilitar a Relação à formulação plena de uma apreciação
diferente sobre a lógica do raciocínio empregue pelo juiz da 1ª instância.
Devem, porém, observar-se redobrados cuidados nos casos em que a impugnação da
matéria de facto se baseia em depoimentos prestados e gravados no próprio local do litígio 28.
Como é regra nessas situações, as perguntas feitas às testemunhas relacionam-se com a
apreciação directa e objectiva de elementos físicos do local, numa dialéctica que nem a prova
fotográfica ou pericial – quando existam – conseguem acompanhar.
Finalmente, a terceira hipótese do n.º 1 prevê a alteração fundada em documento
superveniente.
Esta situação equivale praticamente à alínea c), do anterior n.º 1, do artigo 712º, da
qual constava a referência a documento novo superveniente.
É superveniente o documento que à parte não foi possível juntar até ao encerramento
da discussão na 1ª instância, ou por ainda não existir ou, existindo, por a parte dele não ter
conhecimento ou dele não poder dispor 29 - cfr. artigos 425º e 651º, n.º 1.
O documento superveniente terá de possuir força bastante para criar uma
convicção diferente da que se formou na 1ª instância sobre um determinado facto.

O reforço dos poderes da Relação mostra-se bem evidenciado nas duas primeiras
alíneas do n.º 2, do artigo 662º, completamente inovadoras.
Até agora, a renovação dos meios de prova na Relação apenas poderia ter lugar
quando, em relação à matéria de facto impugnada, se afigurasse que os mesmos eram
indispensáveis ao apuramento da verdade – 1ª parte, do n.º 3, do artigo 712º.
26
Mouraz Lopes, “A Fundamentação da Sentença no Sistema Penal Português: Legitimar, Diferenciar,
Simplificar”, Almedina, 2011, página 248.
27
Luís Filipe Pires de Sousa, “Prova testemunhal”, Almedina, 2013, página 396.
28
Cfr. Acórdão do STJ de 20.05.2010, no processo n.º 73/2002.S1, em www.dgsi.pt
29
Amâncio Ferreira, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 3ª edição, página 201.

406
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto

Actualmente, é dever da 2ª instância promover, ex officio, a renovação da produção da


prova quando houver dúvidas sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu
depoimento – alínea a), do n.º 2 –, o que projecta o papel da Relação para horizontes
inimagináveis até há bem pouco tempo.
Assim, se a audição da prova gravada transmitir ao relator a ideia de que determinada
testemunha não é credível ou que o seu depoimento não é esclarecedor ou isento de
equívocos, deve ser ordenada a renovação desse meio de prova.
A credibilidade de uma testemunha resultará da não verificação de quaisquer factores
que diminuam o seu depoimento. Entre os factores susceptíveis de afectar essa credibilidade,
contam-se, por exemplo, o estado, a vida e costumes da pessoa, o interesse no litígio, o
parentesco ou o relacionamento com as partes 30.
De igual modo se procederá quando persistam dúvidas sérias sobre o sentido de
determinado depoimento, ou seja, sobre o conteúdo do depoimento em função da sua
estruturação. Se na avaliação da Relação, feita segundo os critérios da livre apreciação, o
depoimento estiver marcado por incoerências, contradições ou obscuridades que contaminem
de forma irremediável a perceptibilidade do sentido do testemunho, deve a 2ª instância
ordenar a renovação desse meio de prova.

Mas o legislador foi ainda mais longe: levando ao limite o princípio do inquisitório
(artigo 411º) e aproximando-se cada vez mais do modelo do recurso do reexame 31, atribuiu à
Relação o dever de ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção
de novos meios de prova – alínea b), do n.º 2.
Não nos parece ser esta a melhor ocasião para discutir esta opção legislativa.
Colocando-nos apenas no plano da sua exequibilidade, não podemos deixar de dizer que o
deficitário quadro de meios físicos, humanos e financeiros das Relações, e, sobretudo, o
modelo em que assenta o funcionamento das secções cíveis, não auguram o normal
cumprimento destas novas responsabilidades.
Ordenada a renovação ou a produção de nova prova, observa-se, com as necessárias
adaptações, o preceituado quanto à instrução, discussão e julgamento na 1.ª instância – alínea

30
Antunes Varela e …, “Manual de Processo Civil”, 2ª edição, página 627, nota 3.
31
O sistema de reexame permite ao tribunal superior a reapreciação da questão decidida pelo tribunal da 1ª
instância, ao passo que o sistema da reponderação apenas lhe possibilita o controlo da sentença recorrida.
O primeiro tem raízes no Código Napoleónico e o segundo no Código Austríaco de 1895 – Amâncio Ferreira,
ob. cit., página 131.

407
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto

a), do n.º 3 – o que significa, na nossa leitura, que terá de ser o desembargador relator a
presidir à realização das respectivas diligências de prova – artigo 652º, n.º 1, alínea d).

A alínea c), corresponde, quase ipsis verbis, à primeira parte do n.º 4, do antigo artigo
712º.
Não constando do processo todos os elementos probatórios que, nos termos do
referido n.º 1, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, deve a
Relação anular oficiosamente a decisão de facto proferida na 1ª instância, em dois casos: a)
quando considere deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados
da matéria de facto; b) quando considere indispensável a ampliação da matéria de facto.
A decisão será deficiente quando determinado ponto da matéria de facto ou algum
seu segmento não tenha sido objecto de pronúncia; será obscura quando padeça de
ininteligibilidade, equivocidade ou imprecisão, gerando dúvidas sobre o sentido e alcance das
proposições linguístico-gramaticais utilizadas; será contraditória quando na decisão se
evidencie oposição material entre diversos pontos de facto dados como provados. Não se
antevê a possibilidade de haver contradição entre um facto provado e um facto não provado, a
não ser que neste se não acolha o antecedente lógico provado naquele (ex: numa acção
relacionada com um acidente de viação, dar-se como provado que o autor auferia o
vencimento mensal de 800,00€ como marceneiro e dar-se como não provado, noutro ponto,
que, à data do acidente, o autor trabalhasse).
Verificado qualquer um destes vícios, a decisão terá de ser anulada.
A anulação oficiosa da decisão de facto ocorrerá, igualmente, quando não tenham sido
contemplados, na enunciação dos temas de prova (ou mesmo quando não haja lugar a essa
enunciação – cfr., artigo 410º), factos alegados pelas partes que se mostrem indispensáveis
para a resolução do litígio. Impõe-se, nesse caso, a ampliação da matéria de facto, a fim de que
se estenda a discussão a pontos de facto omitidos pela 1ª instância.
A repetição do julgamento, por efeito da anulação da decisão de facto motivada por
qualquer uma das situações tratadas, não abrange a parte da decisão não viciada, sem prejuízo
de o tribunal da 1ª instância voltar a apreciar outros pontos da matéria de facto já
anteriormente decididos, acomodando-os, se for caso disso, à decisão da questão referenciada
pela Relação, a fim de que se evitem contradições – alíneas b) e c), do n.º 3.

Regista-se uma atenta e oportuna intervenção do legislador na consagração da norma


do artigo 218º, na qual se prescreve:

408
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto

“Se, em consequência de anulação ou revogação da decisão recorrida ou do exercício


pelo Supremo Tribunal de Justiça dos poderes conferidos pelo n.º 3, do artigo 682º, tiver sido
proferida nova decisão no tribunal recorrido e dela for interposta e admitida nova apelação ou
revista, o recurso é, sempre que possível, distribuído ao mesmo relator”.
Com tal medida obtêm-se seguramente ganhos de celeridade e alcança-se também
uma inegável homogeneidade decisória. Na verdade, e como facilmente se compreende, o
relator que anulou primeiramente a decisão do tribunal inferior está indiscutivelmente em
melhores condições de decidir a questão que novamente lhe é apresentada em recurso.

Para completar a análise do n.º 2, do artigo 622º, falta abordar a alínea d).
Retirado do iter processual o julgamento autónomo da matéria de facto, é agora na
sentença que o juiz tem o dever de indicar, de modo objectivo, as razões que o levaram a dar
como provados determinados factos e como não provados outros – artigo 607º, n.º 4. Ou seja,
tem de analisar criticamente a prova, explicando por que motivo deu mais valor ao
depoimento de certa testemunha, por que motivo considerou relevantes ou irrelevantes
certas conclusões dos peritos, por que motivo achou satisfatória, ou não, a prova resultante de
documentos particulares, etc. 32.
Quando não se mostrar devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum
facto essencial para o julgamento da causa, a Relação determina que o tribunal da 1ª instância
a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
No n.º 5, do anterior artigo 712º, este tipo de intervenção estava dependente de um
pedido expresso do requerente. Não o havendo, não podia a Relação, por sua iniciativa,
ordenar à 1ª instância a adequada fundamentação de determinado facto essencial.
A supressão dessa condição, com a concretização, por via oficiosa, do poder de
interferir no cumprimento da obrigação de motivar cabalmente a decisão sobre a matéria de
facto, vem contribuir para uma clarificação dos fundamentos decisórios em matéria de facto,
dentro da lógica já indicada de prevalência da verdade material sobre a verdade formal.
Poderá suceder que o tribunal da 1ª instância não esteja em condições de cumprir a
determinação da Relação, em virtude de, por exemplo, o juiz que fundamentou a decisão estar
permanentemente impossibilitado – artigo 605º, n.º 1. Nesse caso, terá de ser repetida a
produção da prova relativa a esse facto. Se nem isso for possível (por exemplo, falecimento da
única testemunha indicada a essa matéria), o juiz da 1ª instância limita-se a justificar a razão
da impossibilidade – alínea d), do n.º 3.

32
Abrantes Geraldes, ob. cit., II Volume, página 259.

409
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto

Não se justifica, por outro lado, a determinação da 2ª instância para que se cumpra a
fundamentação sobre determinado facto, se esse facto for de todo indiferente à decisão da
causa 33.
Do mesmo modo, se a 1ª instância se não pronunciar sobre um determinado facto
alegado nos articulados e isso for causa impugnação em sede de recurso, a Relação não
anulará a decisão se o referido facto se mostrar irrelevante para a sorte da acção 34.

À semelhança do que ditava o n.º 6, do artigo 712º, nenhuma das decisões da Relação
de que falámos até aqui é passível de recurso para o STJ – n.º 4, do artigo 662º.
No entanto, o STJ pode proceder a correcções da matéria de facto em três situações:
quando entenda que para a solução de direito se mostra necessária a averiguação de factos
alegados pelas partes, que não tenham sido apreciados nas duas instâncias – artigo 682º, n.º
3; quando detecte a presença de contradições na decisão da matéria de facto que inviabilizem
a resolução jurídica do litígio; e quando julgue não observada pelas instâncias uma disposição
legal que exija certa espécie de prova ou verifique a desconsideração de norma que defina a
força de determinado meio de prova – artigo 674º, n.º 3.
Ocorrendo tais situações, o STJ ordena a baixa do processo à Relação para que se
proceda em conformidade.

33
Acórdão do STJ de 14.06.1972, BMJ 218, página 208.
34
Acórdão da Relação de Coimbra, de 10.11.1992, BMJ 421, página 517.

410
Videogravação da comunicação

411
Os Títulos Executivos e as formas do processo de
execução. Alguns reparos à reforma da execução na Lei
nº 41/2013, de 26 de junho

[Rui Pinto]
Os Títulos Executivos e as formas do processo de execução. Alguns reparos à reforma da
execução na Lei nº 41/2013, de 26 de junho

Os Títulos Executivos e as formas do processo de execução.


Alguns reparos à reforma da execução na Lei nº 41/2013,
de 26 de junho
Rui Pinto

Sumário:
§ 1º Introdução. 1. Tema. A intrínseca relação entre título executivo e forma
executiva. 2. O caráter aparentemente substantivamente neutro da temática. §
2º Títulos executivos. 1. Conceito, e função; natureza e relação com a causa de
pedir. 2. A supressão dos documentos particulares simples, como categoria
genérica. — A. Alteração. — B. Consequências substantivas. 3. A expressa
concessão de força executiva aos meros quirógrafos. — A. Alteração. — B.
Consequências substantivas. 4. Regime transitório. § 3º As formas de processo.
1. Sentido de forma de processo na ação executiva: inadequação do conceito; a
(impossível de conter) multiplicidade de vias procedimentais (“tracks”). 2. Vias
procedimentais na execução para pagamento de quantia certa. — A. A
bipartição legal. A via ou forma sumária como forma especial e frequente.
Especialidades — B. Via ordinária como regra residual: forma ordinária
necessária e forma ordinária eventual. — C. Vias inominadas: em especial, os
casos dos artigos 727º e 855º nº 5. — D. Execução de sentença nos próprios
autos. — E. Apreciação crítica: excessivo favor debitoris? 3. Vias procedimentais
na execução para entrega de coisa certa. — A. Enunciado; especialidades na
execução de sentença. — B. Articulação com as regras especiais da execução
para entrega de coisa imóvel arrendada. 4. Vias procedimentais na execução
para prestação de facto; especialidades na execução de sentença. 5. Vias
procedimentais na cumulação de execuções. — A. Execuções com fins
idênticos— B. Execuções com fins diferentes. § 4º Conclusões finais. 1.
Constitucionalidade das regras de formalização de títulos executivos, acesso à
tutela jurisdicional e intensidade do exercício do direito de defesa em sede de
títulos executivos.2. Presença do despacho liminar e momento de citação em
sede de vias procedimentais executivas.

415
Videogravação da comunicação

Vídeo 1 Vídeo 2

416
ANEXOS

Jurisprudência
 Jurisprudência do Tribunal Constitucional
 Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
 Jurisprudência dos Tribunais de Relação
 Tribunal da Relação de Coimbra
 Tribunal da Relação de Évora
 Tribunal da Relação de Guimarães
 Tribunal da Relação de Lisboa
 Tribunal da Relação de Porto
Jurisprudência do Tribunal Constitucional
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
NÚCLEO DE APOIO DOCUMENTAL E INFORMAÇÃO JURÍDICA

[Novo Código de Processo Civil / Temas da Prova / Dever de gestão processual / Poderes
de cognição do juiz / Princípio do dispositivo / Princípio da adequação formal / Ónus de Alegação /
Factos instrumentais / Factos complementares e concretizadores / Réplica / Ampliação da causa de
pedir / Alteração da causa de pedir / Objeto do litígio / Erro na forma do processo / Declarações de
parte / Depoimento de parte / Confissão / Verificações não judiciais qualificadas / Impugnação da
matéria de facto / Audiência prévia / Dispensa da audiência prévia / Compensação / Reconvenção /
Arresto / Inversão do Contencioso / Tutela da personalidade /Art. 878º CPC (ou NCPC) / Aplicação da
lei processual no tempo / Princípio da confiança / Título executivo / Art. 857º, CPC (ou NCPC) /
Reclamação de Créditos]

Jurisprudência constitucional relacionada, posterior a Setembro de 2013,


apreciando normas do NCPC:

Acórdão n.º 714/2014 - Julga inconstitucional o artigo 857.º, n.º 1, do Código de


Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, quando
interpretado no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução
instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula
executória. [Ver ainda Acórdãos n.ºs 828/14 e 112/15]. (Apreciação de norma do
NCPC, com referência ao descritor título executivo).

Acórdão n.º 777/14 - Não julga inconstitucional o artigo 642.º, n.º 2, do Código de
Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, interpretado no
sentido de que, havendo o recorrente sido notificado para apresentar
comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e da multa, e liquidando o
mesmo apenas a multa, deve o tribunal determinar o desentranhamento do
requerimento apresentado, sem dele conhecer. (Apreciação de norma do NCPC,
com referência a prova).

Acórdão n.º 847/14 - Julga inconstitucional a norma resultante dos artigos 703.º
do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, na
interpretação de que aquele artigo 703.º se aplica a documentos particulares
emitidos em data anterior à da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil
e então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo
Civil de 1961. Ver ainda Acórdão n.º 161/15. (Apreciação de norma do NCPC, com
referência aos descritores título executivo, princípio da confiança, aplicação da
lei processual no tempo e temas da prova).

Abril 2015
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
NCPC
Temas vários
Jurisprudência do STJ

Lisboa, 15 de Maio de 2015

GABINETE DE ASSESSORES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


ASSESSORIA CÍVEL
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça

Távora Victor
Temas da prova

Dever de gestão processual

Temas da prova
Factos conclusivos
Insolvência
Poderes do juiz
Reclamação de créditos
Poderes da Relação
Lista de créditos reconhecidos e não
Interpretação da declaração negocial
reconhecidos
Teoria da impressão do destinatário
Sentença
Homologação

I- Perante uma enunciação puramente conclusiva dos


temas da prova, cabe ao juiz, na fase de julgamento, I- A ausência de impugnação da lista definitiva de

ao considerar provada ou não provada a concreta créditos não implica sem mais a produção de uma

matéria de facto a que eles se reportam, especificar e sentença homologatória «cega» por um eventual

densificar tal factualidade concreta, fundamentando efeito cominatório pleno.

a sua decisão, não podendo limitar-se a considerar II- O art. 130.º, n.º 3, do CIRE, conjugado com os

provada ou não provada a matéria, puramente princípios processuais gerais que conferem ao juiz

conclusiva, que na fase de saneamento e poderes de gestão e de direcção do processo, permite

condensação havia sido enunciada, cabendo à e impõe que este afira da bondade formal e

Relação, na sequência da impugnação da decisão substancial dos créditos constantes da lista

sobre a matéria de facto, sindicar e corrigir tal apresentada pelo administrador de insolvência.

deficiência. III- O conceito de «erro manifesto» a que alude o

II- Em aplicação do critério normativo da impressão mencionado normativo não se reduz apenas à

do destinatário, deve qualificar-se como assunção categoria do mero erro formal, podendo abranger

cumulativa de dívida a declaração, constante de razões ligadas à substância dos créditos em apreço o

documento escrito e enviado à contraparte, em que – que poderá ser objecto de censura por parte do

perante a existência de dúvidas objectivas acerca da tribunal, mesmo que os aludidos créditos não tenham

existência da obrigação de determinada autarquia de sido objecto de qualquer impugnação.

suportar o sobrecusto de determinada obra pública


urgente em certa infra-estrutura ferroviária – a 30-09-2014

entidade declarante se compromete, caso a autarquia Revista n.º 3045/12.4TBVLG-B.P1.S1 - 6.ª Secção

o não faça em tempo oportuno, a garantir a Ana Paula Boularot (Relatora) *

cobertura de tal sobrecusto considerado Pinto de Almeida

tecnicamente razoável, vindo ulteriormente a assumir Nuno Cameira

comportamentos que, de forma concludente,


revelam a convicção de que se considerava
juridicamente vinculada, de modo autónomo, ao
cumprimento de tal obrigação.

13-11-2014
Revista n.º 444/12.5TVLSB.L1.S1 - 7.ª Secção
Lopes do Rego (Relator) *
Orlando Afonso
426
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça

Poderes de cognição do juiz Revista n.º 2800/04.3TBMAI.P1.S1 - 7.ª Secção


Salazar Casanova (Relator) *
Lopes do Rego
Princípio da livre apreciação da prova Orlando Afonso
Poderes da Relação
Fundamentação
Matéria de facto Nulidade de acórdão
Depoimento da parte Omissão de pronúncia
Doação
Acessão industrial Pedido
Bens próprios Limites da condenação
Bens comuns
Base instrutória
Ampliação da base instrutória
I- O conteúdo da liberdade de julgamento a que alude
Poderes do tribunal
o art. 655.º do CPC, ou seja, o âmbito dos poderes de
Factos conclusivos
cognição das instâncias em matéria de facto é
Matéria de facto
exactamente o mesmo, seja a matéria de facto
Anulação de acórdão
apreciada pela 1.ª instância, seja ela apreciada pelo
Baixa do processo ao tribunal recorrido
Tribunal da Relação.
II- Não deve confundir-se liberdade de julgamento
com o dever de fundamentação em matéria de facto;
I- Os pedidos têm de ser discriminadamente
fundamentada pela Relação a alteração da matéria de
formulados na parte final da petição inicial – sendo
facto, aquilo que a parte considera «meras razões de
esta formulação a delimitação formal que confina o
convicção pessoal» outra coisa não é senão
poder de cognição qualitativa e quantitativa do
discordância incidente sobre o próprio critério legal
tribunal; inexiste, assim, omissão de pronúncia
da livre apreciação das provas, não se devendo
relativamente a uma pretensão dos autores que não
confundir liberdade com arbitrariedade;
tenha sido objecto de tal discriminação.
precisamente, por isso, a lei impõe o dever de
II- A base instrutória, eliminada pelo NPCP 2013 mas
fundamentação (art. 205.º, n.º 1, da CRP e art. 158.º
existente enquanto decorreu o processo, não tem,
do CPC).
seja ou não objecto de reclamação, carácter de
III- O depoimento de parte, quando não resulte em
definitividade podendo ser ampliada (i) por decisão
confissão, é um simples elemento probatório a
tomada em audiência final (art. 650.º, n.º 2, al. f), do
apreciar segundo o prudente critério do julgador –
CPC); (ii) em recurso de apelação (art. 712.º, n.º 4, do
uma prova livre, portanto (art. 361.º do CC).
CPC); (iii) ou por determinação do STJ (art. 729.º. n.º
IV- Construído em terreno rústico dos pais da ré,
4, do CPC).
estes doaram à ré, antes do seu casamento com o
III- Não necessita de ser anulado, e pode ser
autor, um edifício que nele se incorporou ainda antes
interpretado na sua dimensão fáctica, o quesito
do casamento, não se provando a propriedade desse
constante do art. 8.º da base instrutória no qual se
imóvel foi adquirida pelo marido da ré com
perguntava se «Ao derrubarem o muro de pedra e
fundamento em acessão industrial imobiliária (art.
edificarem um outro, em local diferente, os réus
1340.º do CC) é questão, fora do objecto do litígio,
acrescentaram, ao seu prédio, 28 m2 que,
saber se estamos face a um bem comum ou bem
anteriormente, integravam a unidade dos prédios dos
próprio da ré.
autores, com origem num dos seus três
constituintes».
13-02-2014
427
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça

IV- A eliminação do referido quesito (levada a cabo I- A ineptidão da petição inicial deve ser arguida até à
pela Relação), sem a sua substituição por outro, contestação ou neste articulado, pelo que é
impediria, na prática, os autores de fazerem prova extemporânea a sua invocação, pela primeira vez, nas
sobre a localização da área ocupada dentro do alegações de recurso para o STJ, não sendo, ademais,
conjunto de prédios, inviabilizando assim a aquela nulidade principal passível de conhecimento
procedência do pedido de reconhecimento de oficioso em sede de recurso de revista (cfr. arts.
propriedade dessa área. 202.º, 206.º, n.º 2 e 508.º, todos do CPC).
V- O referido em III e IV determina a anulação do II- Como decorre dos arts. 722., n.º 2 e 729.º, ambos
acórdão recorrido, nos termos do art. 682.º, n.º 3, do do CPC, os poderes de cognição do STJ são restritos,
CPC, para que se julgue da falta de especificação da não lhe sendo lícito sindicar eventuais erros na
fundamentação da resposta e a impugnação da apreciação das provas ou na fixação dos factos
resposta correspondente, não sendo possível – sem materiais, salvo quando ocorra ofensa de disposição
isso – definir desde já a solução jurídica aplicável (art. expressa que exija certa espécie de prova para
683.º, n.º 2, do CPC). demonstrar a existência de um facto ou que fixe a
força de determinado meio de prova.
24-04-2014 III- Concluindo-se que as respostas a artigos da base
Revista n.º 24/09.2TBMDA.C2.S1 - 7.ª Secção instrutória constituem um minus em relação ao que
Maria dos Prazeres Beleza (Relator) ali se indagava e que tem um conteúdo concretizador,
Salazar Casanova não se justifica que se exerça o poder contido no art.
Lopes do Rego 646.º, n.º 4, do CPC.
IV- Não tendo o depoente – à data, advogado
Ineptidão da petição inicial
estagiário –, tido intervenção nos assuntos da ré e
Matéria de facto
limitando-se o mesmo, no testemunho que prestou, a
Poderes do Supremo Tribunal de Justiça
dar conta dos ensinamentos do seu então patrono a
Respostas explicativas
respeito da fixação de honorários, é inviável
Advogado
considerar que haja incorrido em revelação de dado
Testemunha
abrangido pelo sigilo profissional a que está obrigado.
Dever de sigilo
V- Tendo a ré, no âmbito do contrato de mandato
Contrato de mandato
forense que ajustou com o autor, procedido ao
Honorários
pagamento, em moldes faseados, dos honorários
Usura
acordados em função dos serviços – que foram
Bons costumes
autonomizados pelas partes – que este lhe prestou,
Cumprimento defeituoso
satisfez a obrigação de lhe pagar a retribuição,
Má fé
extinguindo-a (arts. 762.º, 763.º, n.º 1, 769.º e
Responsabilidade contratual
1167.º, al. b), todos do CC), pelo que não pode
Ónus da prova
questionar a bondade do valor entregue, sendo, pois,
Litigância de má fé
irrelevante a menção a esses serviços no laudo da
Sociedade comercial
Ordem dos Advogados.
Caso julgado
VI- A usura tem como elemento subjectivo essencial a
Recurso de revista
posição de inferioridade do lesado no momento em
Inadmissibilidade
que celebra o negócio ou pratica o acto, a qual
justifica a protecção do ordenamento jurídico para o

428
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça

salvaguardar de um desequilíbrio inaceitável entre XI- Impendia sobre a reconvinte o ónus de


essa posição e a posição da contraparte que se traduz demonstrar que a via encontrada pelo reconvindo
na concessão de benefícios excessivos ou não assegurava os interesses daquela e que inserira,
injustificados a favor deste, i.e. do usurário. no contrato-promessa de compra e venda, uma
VII- Emergindo dos factos provados que a ré é uma cláusula com o propósito de elevar os seus honorários
sociedade comercial que se dedica à compra de com a propositura subsequente de uma acção.
imóveis e que efectua negócios de vulto, é manifesto XII- Resultando provado que a reconvinte, depois de
que não se configura a posição de inferioridade em ter sido esclarecida pelo reconvindo acerca das
relação ao seu mandatário referida em VI, tanto mais implicações jurídicas, subscreveu livremente o
que a generalidade das opções tomadas por este contrato-promessa de compra e venda e que, ao não
mereceram a concordância daquela. propor a competente acção na sequência do
VIII- A referência aos bons costumes, contida no art. decretamento de um procedimento cautelar, agiu
280.º, n.º 2, do CC, deve ser entendida por reporte à segundo as instruções daquela, há a concluir que
moral enquanto condicionante da liberdade de aquela conhecia e deu o seu assentimento à
fixação de conteúdos negociais, devendo os negócios estratégia por ele seguida e que é inviável considerar
jurídicos ser integrados moralmente e não sendo que a conduta daquele é temerária ou negligente.
indiferente o que se passa ao nível da sua execução e XIII- Não revelando os factos provados que o
cumprimento. reconvindo actuou com o propósito de protelar a
IX- A fixação da quantia de Esc. 5.000.000$00 a título resolução do litígio e granjear honorários vultuosos e
de honorários pela prestação de serviços relacionados faltou ao cumprimento das exigências próprias da sua
com as negociações e celebração de um contrato- actividade profissional de advogado por referência a
promessa de compra e venda não colide com os um padrão de um advogado medianamente zeloso e
valores éticos e morais que, em 1998 e na competente, mostram-se inverificados a ilicitude e a
actualidade, eram e são dominantes e vivenciados na culpa que fundariam a responsabilidade civil
sociedade, não sendo curial apelar à retribuição contratual.
mínima nacional então praticada – dado que esta XIV- Inexiste fundamento para a condenação do autor
nunca se guindou a montantes compatíveis com um como litigante de má fé se este demandou a ré no
nível de vida condigno e que não é possível que a convencimento de que lhe assistia razão e se logrou,
remuneração de um advogado (que exerce uma no essencial, demonstrá-la.
actividade profissional diferenciada que requer XV- Não tendo sido impugnado o segmento decisório
formação superior e investimentos pessoais e do acórdão recorrido em que se concluiu pela
profissionais contínuos) seja fixada por referência a existência de má fé por parte da ré e se considerou
esse valor –, tanto mais que a ré aceitou esse que a inerente responsabilidade recaía sobre os seus
montante e conhecia a finalidade dos pagamentos representantes legais, as razões de certeza e
que efectuou. segurança jurídica que estão na base do instituto do
X- No âmbito do contrato referido em V, a caso julgado formal que se formou impedem que se
responsabilidade civil do autor/reconvindo funda-se aprecie a questão por estes colocada – a imediata
na violação do dever de utilizar, com diligência e aplicabilidade do art. 544.º do NCPC (2013) – para
cuidado os seus conhecimentos técnicos de forma a colocar em crise a subsistência dessa condenação,
defender, segundo as leges artis, os interesses da não sendo, por isso, admissível o recurso de revista
ré/reconvinte (cfr. art 83.º, n.º 2, al. d), do EOA e art. fundado numa invocada contradição entre aquele
798.º do CC).

429
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça

aresto e um outro da mesma Relação (cfr. art. 629.º, Impugnação pauliana


n.º 2, al. d), do mesmo diploma). Reapreciação da prova
Poderes da Relação
30-10-2014 Poderes do Supremo Tribunal de Justiça
Revista n.º 1075-C/2002.P1.S1 - 7.ª Secção Gravação da prova
Fernanda Isabel Pereira (Relatora) Actas de julgamento
Pires da Rosa Atas de julgamento
Maria dos Prazeres Beleza Rejeição de recurso
Contrato-promessa
Revista excepcional Incumprimento do contrato
Insolvência Má fé
Reclamação de créditos
Lista de créditos reconhecidos e não I- O controlo da reapreciação da prova realizada pela
reconhecidos Relação não cabe no âmbito dos poderes de cognição
Sentença deste STJ (arts. 722.º, n.º 3, e 729.º do CPC, actuais
Homologação arts. 674.º e 682.º do NCPC (2013)), apenas lhe sendo
permitido sindicar o uso feito por esta dos poderes
I- A ausência de impugnação da lista definitiva de que lhe permitem modificar a decisão de 1.ª
créditos não implica sem mais a produção de uma instância, uma vez que constitui matéria de direito
sentença homologatória «cega» por um eventual averiguar se houve violação da lei do processo.
efeito cominatório pleno. II- Traduzindo a acta a demonstração da realização e
II- O art. 130.º, n.º 3, do CIRE, conjugado com os do conteúdo dos actos processuais presididos pelo
princípios processuais gerais que conferem ao juiz juiz – como decorre do disposto no art. 159.º do CPC
poderes de gestão e de direcção do processo, permite –, e sendo a sua elaboração da responsabilidade do
e impõe que este afira da bondade formal e tribunal, não é curial fazer repercutir sobre a parte a
substancial dos créditos constantes da lista falta de consignação em acta dos elementos
apresentada pelo administrador de insolvência. identificadores do início e termo dos depoimentos,
III- O conceito de «erro manifesto» a que alude o em caso de prova gravada.
mencionado normativo não se reduz apenas à III- Nestas circunstâncias, a falta de indicação dos
categoria do mero erro formal, podendo abranger elementos a que se reporta o n.º 2 do art. 690.º-A do
razões ligadas à substância dos créditos em apreço o CPC, por referência ao exarado em acta, não pode
que poderá ser objecto de censura por parte do desencadear a rejeição do recurso.
tribunal, mesmo que os aludidos créditos não tenham IV- A rejeição do recurso apenas deverá acontecer
sido objecto de qualquer impugnação. caso a omissão de cumprimento do disposto no n.º 2
do art. 690.º-A do CPC seja imputável à parte que
30-09-2014 deduz a impugnação da decisão sobre a matéria de
Revista n.º 3045/12.4TBVLG-B.P1.S1 - 6.ª Secção facto, a qual – devendo e podendo fazê-lo – omite
Ana Paula Boularot (Relatora) * por incúria sua a menção dos excertos ou passagens
Pinto de Almeida em que se funda, por referência ao assinalado em
Nuno Cameira acta.
V- As respostas à matéria de facto – onde se
encontram as expressões sabiam que com tal negócio

430
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça

tornavam objectiva e definitivamente impossível a I- Para efeitos de exercício dos poderes de cognição
celebração dos prometidos contratos e previram que devem ter-se como não definitivos aqueles juízos de
a celebração dos contratos prometidos se tornaria valor sobre os factos materiais que a Relação
impossível, aceitando esse resultado – contêm formulou em função da sensibilidade ou intenção
materialidade destinada a provar o estado de jurídica, os quais, por traduzirem valorações legais já
consciência e intenção das rés, versando sobre factos podem ser sindicados pelo STJ.
do foro interno dos intervenientes no negócio objecto II- O conceito de “exploração agrícola de tipo familiar"
de impugnação pauliana, não envolvendo matéria é um conceito de direito cujo preenchimento há-de
conclusiva que deva ser desconsiderada. resultar da conjugação dos vários elementos factuais
VI- O exercício da impugnação pauliana depende, nos a que a lei faz referência, consistindo o mais
termos do art. 610.º do CC, da verificação dos importante na efectiva afectação do prédio, ou
seguintes requisitos: (i) ser o crédito anterior ao acto conjunto de prédios, a exploração agrícola através do
ou, sendo posterior, ter o acto sido realizado trabalho próprio do cultivador ou de pessoas do seu
dolosamente com o fim de impedir a satisfação do agregado familiar, circunstância esta que faz caber
direito do futuro credor; (ii) resultar do acto a dentro dos poderes de cognição deste STJ a
impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação apreciação e decisão sobre o preenchimento ou não
integral do seu crédito, ou o agravamento dessa preenchimento factual desse conceito jurídico.
impossibilidade; (iii) sendo o acto oneroso, exige-se III- Não é razoável, sobretudo no actual contexto de
ainda a má fé dos respectivos sujeitos. desenvolvimento agrário, pensar-se que a unidade
VII- A lei não impõe, para a procedência da agrícola familiar apenas existe quando se torna
impugnação pauliana, o prévio reconhecimento efectivamente produtiva, desprezando para efeitos
judicial do direito de crédito e condenação do de integração daquele conceito jurídico
devedor no cumprimento da obrigação. (nomeadamente para efeitos da previsão normativa
VIII- Quando o direito de crédito nasce do próprio do art. 1381.º, al. b) – esta normatividade tem que
incumprimento do devedor – e nesse preciso ser compaginada e entendida em conjunto e não
momento –, sem qualquer intervenção do credor, fragmentariamente conforme comanda a unidade
não é exigível a demonstração de que o acto lesivo da sistemática para que aponta o art. 9.º do CC) – toda a
garantia patrimonial foi dolosamente realizado, mas fase temporal de investimentos, de preparação dos
apenas a prova de que aquele acto foi realizado com solos e de plantações efectuadas.
a finalidade de obstar à satisfação do crédito do IV- Na sua variante de exercício em desequilíbrio –
autor, posteriormente constituído. desproporção grave entre o exercício do titular
exercente e o sacrifício por ele imposto a outrem –, o
05-02-2015 abuso de direito resultará da prática de uma acção
Revista n.º 14434/05.0TBMAI.P2.S1 - 7.ª Secção que pelas circunstâncias ultrapasse os limites
Fernanda Isabel Pereira (Relator) razoáveis do exercício de um direito, provocando
Pires da Rosa danos a um terceiro – apresenta-se, desta forma,
Maria dos Prazeres Beleza como um resultado do princípio da
proporcionalidade, conatural à própria ideia de

Direito de preferência justiça, intuída como proporção ou justa medida.

Prédio rústico V- Enquanto instrumento medidor de ponderação e

Exploração agrícola mediação, a proibição de excesso (ou principio da

Matéria de direito proporcionalidade) cumpre uma função específica na

Abuso do direito
431
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça

operação de optimização das possibilidades jurídicas Ineptidão da petição inicial


e fácticas, devendo merecer observância nas decisões Nulidade
judiciais pautadas por uma aplicação da lei que Conhecimento oficioso
pondere elementos como os relativos à necessidade e Poderes do Supremo Tribunal de Justiça
à adequação, subjacentes ou inerentes à própria Factos essenciais
proporcionalidade. Princípio da aquisição processual
V- A hipótese de desproporção de exercício pode Factos complementares
revestir a forma de desequilíbrio grave entre o
beneficio que da procedência da acção poderá advir
para o titular exercente e o correspondente sacrifício I- A ineptidão da petição inicial – nulidade principal
que é imposto a outrem pelo exercício de tal direito, que não pode ser oficiosamente suscitada e
surgindo, assim como possibilidade legalmente conhecida na fase de recurso – supõe que o autor não
prevista de correcção de soluções que, ainda que haja definido factualmente o núcleo essencial da
legalmente suportadas, se apresentariam em causa de pedir invocada como base da pretensão que
concreto contrárias ao normal sentimento de justiça. formula, obstando tal deficiência a que a acção tenha
VII- Sempre que a paridade das pessoas no âmbito do um objecto inteligível.
direito civil, que emana do princípio de igualdade II- A mera insuficiência na densificação ou
originária, seja afectada por regimes especiais de concretização adequada de algum aspecto ou
protecção ou de privilégio legal – neste, o exercício da vertente dos factos essenciais em que se estriba a
preferência de proprietário de prédio contíguo – dê pretensão deduzida (implicando que a petição,
origem a um aproveitamento perverso desse regime caracterizando, em termos minimamente
tornando-o um regime de protecção injustificado, satisfatórios, o núcleo factual essencial integrador da
deve precisamente intervir o instituto do abuso de causa petendi, omite a densificação, ao nível tipo por
direito como uma forma de adaptação do direito à adequado à fisionomia do litígio, ou de algum aspecto
evolução da vida, servindo como válvula de escape a caracterizador ou concretizador de tal factualidade
situações que os limites apertados da lei não essencial) não gera o vício de ineptidão, apenas
contemplam por forma considerada justa pela podendo implicar a improcedência, no plano de
consciência social e evitando que, observada a mérito, se o autor não tiver aproveitado as
estrutura formal do poder que a lei confere, se oportunidades de que beneficia para fazer adquirir
excedam manifestamente os limites que se devem processualmente os factos substantivamente
observar, tendo em conta a boa fé e o sentimento de relevantes, complementares ou concretizadores dos
justiça em si mesmo. alegados, que originariamente não curou de
densificar em termos bastantes.
24-02-2015
Revista n.º 283/2002.P2.S1 - 1.ª Secção 26-03-2015
Mário Mendes (Relator) * Revista n.º 6500/07.4TBBRG.G2.S2 - 7.ª Secção
Sebastião Póvoas Lopes do Rego (Relator) *
Moreira Alves Orlando Afonso
Távora Victor

432
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça

de convite do tribunal –, em relação ao facto


Princípio do dispositivo
essencial alegado pelo autor na petição inicial.

Princípio dispositivo 29-01-2014


Limites da condenação Revista n.º 447/03.0TBBCL.G1.S1 - 6.ª Secção
Excesso de pronúncia João Camilo (Relator)
Fonseca Ramos
I- O princípio da congruência, enquanto princípio Fernandes do Vale
referente ao desenvolvimento do processo que colhe
Contrato-promessa de compra e venda
assento nos arts. 264.º e 661.º do CPC, desdobra-se
Execução específica
em três vertentes: a adequação da sentença às
Direito de retenção
pretensões das partes, de maneira que aquela dê
Herança
arrimada resposta a todas estas; correlação entre as
Personalidade judiciária
petições de tutela e os pronunciamentos da decisão;
Administração da herança
harmonia entre o solicitado e o decidido.
Confissão
II- A nulidade prevista no art. 668.º, n.º 1, al. d), do
Depoimento de parte
CPC (excesso de pronúncia), está directamente
Princípio dispositivo
relacionada com o comando previsto no art. 660.º,
n.º 2, do mesmo código – para que este dever seja
cumprido é preciso que haja identidade entre a causa I- O que identifica e define a pretensão material do
petendi e a causa judicandi, entre a questão posta autor, o efeito jurídico que ele visa alcançar,
pelas partes e identificada pelos sujeitos, pedido e enquanto elemento individualizador da acção, é o
causa de pedir, e a questão resolvida pelo juiz, efeito prático-jurídico por ele pretendido e não a
identificada por estes mesmos elementos. caracterização jurídico-normativa da pretensão
material que lhe atribui.
05-11-2013 II- Peticionada a declaração judicial de transferência
Revista n.º 454/10.7TBSEI.C1.S1 - 1.ª Secção de metade dos imóveis para a herança e da outra
Gabriel Catarino (Relator) metade para a própria autora, no seguimento do
Sebastião Póvoas pedido de prévio reconhecimento de o direito ao
Moreira Alves cumprimento coercivo do contrato-promessa
(execução específica) a favor dos representantes do
Respostas à base instrutória falecido, aqueles pedidos apresentam-se como
Factos instrumentais meramente consequenciais ou dependentes,
Factos essenciais constituindo como que um desenvolvimento ou
Princípio dispositivo consequência do pedido principal, sendo ilícito ao
tribunal proceder, ele próprio, na sentença e a título
I- Não há contradição entre os factos se a resposta ou oficioso, à pertinente correcção desse efeitos
respostas dadas a um quesito não colidem com as mediatos, sem violação dos princípios do pedido e do
dadas a outro ou outros. dispositivo.
II- Não viola o disposto no art. 664.º do CPC, o III- O direito de crédito gerado pelo contrato-
acórdão recorrido que aditou um facto instrumental – promessa transmite-se aos herdeiros sucessores do
extraído de documento junto aos autos na sequência falecido promitente-comprador os quais, como

433
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça

titulares dos direitos e obrigações da herança e em 04-02-2014


sua representação, gozam de legitimidade Revista n.º 360/09.8TCGMR.G1.S1 - 1.ª Secção
substantiva e processual para o executarem Alves Velho (Relator) *
forçadamente, mesmo contra outro sucessor co- Paulo Sá
herdeiro, que mantém a qualidade de devedor. Garcia Calejo
IV- O art. 2091.º do CC, ressalvando os casos
Prestação de contas
declarados nos artigos anteriores, exclui do seu
Conta bancária
âmbito de previsão e aplicação, por regulada
Pedido
especialmente no art. 2074.º, a forma de exercício
Princípio dispositivo
dos direitos e obrigações entre a herança e os
Omissão de pronúncia
herdeiros, atendendo à separação de patrimónios,
Abuso do direito
por forma a que apenas haja lugar à resolução de
Boa fé
conflito, mediante nomeação de curador especial,
quando o cabeça-de-casal for, ele próprio, o herdeiro
credor ou devedor. I- A acção de prestação de contas tem por objecto o
V- Para efeito de admissão por acordo dos factos apuramento e aprovação das receitas obtidas e das
articulados e não impugnados, à não contradição com despesas realizadas por quem administra bens
o conjunto do articulado da parte é assimilável a não alheios e a eventual condenação no pagamento do
contradição com o alegado, pela parte que saldo que venha a apurar-se, pelo que, sendo alegado
eventualmente omita a impugnação, em articulado pela autora que a partir de determinado momento
anterior, designadamente na petição inicial, de sorte existiu uma conta bancária titulado pelo falecido
que não carecerá o autor de repetir na réplica o que marido e pala ré, não viola o princípio do dispositivo
já deixou articulado na petição inicial. nem incorre em excesso de pronúncia a decisão que
VI- Se a declaração confessória, obtida em considera que o dever de prestação de contas existe
depoimento de parte, não foi reduzida a escrito, independentemente do uso e natureza dessa conta
existindo apenas uma declaração, na acta, do julgador bancária.
da 1.ª instância no sentido de que o depoente II- O decurso do tempo, por si só, não integra abuso
confessou a matéria do quesito, não se satisfazem as de direito – o titular de um direito exerce-o no tempo
exigências legais de forma, que são condição legal de que acha adequado –, para que tal ocorra necessário
eleição da possibilidade de excepcional reapreciação se torna que da factualidade provada resulte que essa
desse meio de prova pelo tribunal de revista, sendo a falta de exercício do direito atenta contra os ditames
decisão da Relação que alterou a resposta, porque da boa fé, a qual exige que esse lapso de tempo
tomada em apreciação de meio de prova de livre provoque um convencimento de que o direito não
apreciação, ao abrigo da al. a) do art. 712.º, n.º 1, do será exercido.
CPC, insusceptível de censura.
VII- O direito de retenção é um direito real de 03-04-2014
garantia das obrigações – e não um direito real de Revista n.º 2040/07.0TJVNF.P1.S1 - 2.ª Secção
gozo – que visa garantir o crédito resultante do não Bettencourt de Faria (Relator)
cumprimento do contrato-promessa, surgindo e Pereira da Silva
existindo apenas para garantia do crédito gerado por João Bernardo
um incumprimento definitivo desse contrato.

434
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça

Revista excepcional Princípio dispositivo


Revista excepcional Direito de propriedade
Relevância jurídica Servidão de passagem
Direitos de personalidade Prédio dominante
Princípio dispositivo Prédio serviente
Princípio da substanciação
Limites da condenação
I- O princípio do dispositivo, que comete às partes a
adução do material de facto a utilizar pelo juiz para a
I- O conceito de “relevância jurídica” com clara decisão do litígio, encontra-se consagrado na ordem
necessidade “para uma melhor aplicação do direito”, jurídica nacional, em termos, progressivamente, mais
é aberto devendo ser casuisticamente densificado, mitigados, por força da temperança introduzida com
mas sendo sempre juridicamente relevante o pôr em o reforço do princípio do inquisitório, como acontece
causa direitos de personalidade, como subjectivos com os factos que sejam complemento ou
absolutos, oponíveis “erga omnes” e credores de concretização dos que as partes hajam alegado e
protecção judicial. resultem da instrução da causa, desde que sobre eles
II- Outrossim, tem relevância jurídica a questão tenham tido a possibilidade de se pronunciar.
controversa na doutrina e na jurisprudência, com II- A ideia do exercício, tendencialmente, pleno do
complexidade de subsunção jurídica ou resultante de direito real de propriedade é compatível com a
inovação legislativa ainda não sedimentada ou, compressão do seu núcleo essencial, que só deverá,
finalmente, por estarem em causa conceitos em princípio, considerar-se legítima até onde o
indeterminados. “sacrifício”, ónus ou encargo imposto sobre a coisa se
III- O juiz está limitado pelo princípio do dispositivo, revele necessário para assegurar a terceiros uma
mas a substanciação (ou consubstanciação) permite- fruição “normal” do seu próprio direito, mas que já
lhe definir livremente o direito aplicável aos factos não é admissível quando tal sacrifício se mostrar
que lhe é lícito conhecer, buscando e interpretando exorbitante ou anómalo, face ao quadro objetivo das
as normas jurídicas. circunstâncias que, em dado momento, se
IV- Tal princípio pode implicar uma convolação da verifiquem.
situação jurídica alegada pelas partes e a sua III- Não basta que, para além da passagem objeto da
submissão a diferentes normas. servidão, exista outra via de acesso do prédio
V- Perante uma causa de pedir complexa, o julgador dominante para a via pública, porquanto é necessário
pode inseri-los em qualquer dos institutos desde que, que este outro acesso ofereça condições de utilização
a final, não condene quantitativamente ou similares, ou, pelo menos, não desproporcionalmente
qualitativamente para além do pedido, isto é, se agravadas, ficando ao prudente alvedrio do julgador a
mantenha nos limites do n.º 1 do artigo 609.º do avaliação, no momento considerado, segundo um
Código de Processo Civil. juízo de prognose de proporcionalidade subjacente
aos interesses em jogo, da existência de alternativa
20-06-2014 que, sem ou com um mínimo de prejuízo para o
Revista excepcional n.º 3193/10.5TJVNF.P1.S1 prédio encravado, permita que venha a ser eliminado
Sebastião Póvoas (Relator) * o encargo incidente sobre o prédio serviente,
Moreira Alves garantindo uma acessibilidade, em termos de
Nuno Cameira comodidade e regularidade, ao prédio dominante,

435
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça

sem onerar, desnecessariamente, o prédio serviente. de qualquer uma das hipóteses em que, de acordo
IV- Se o prédio dominante pode, facilmente, sem com o disposto no art. 721.º, n.º 3, do CPC, na
excessivo incómodo ou dispêndio obter comunicação redacção aplicável, o STJ deva intervir no julgamento
com o centro da freguesia, através da via pública, sem da matéria de facto, não cabe a este tribunal alterá-
ter de utilizar o carreiro objeto da servidão, que, la.
apenas permite o encurtamento da distância na ida III- Perante o facto de o menor, filho do autor e da ré
ao centro da freguesia, e que onera o prédio – que viveram em união de facto – ter sido, por
serviente, não se justifica a manutenção da servidão, decisão judicial, confiado à guarda do primeiro e dada
como já não encontraria suporte, neste momento, a a ausência de factologia referente às necessidades de
sua constituição inicial, pela simples, mas decisiva cada uma das partes, bem andou a Relação, em face
razão de que esse prédio não pode ser considerado do disposto no art. 1105.º do CC (aplicável “ex vi” art.
encravado. 4.º da Lei n.º 7/2001, de 11-05), ao considerar o
V- Realizando-se o acesso à via pública, através de um interesse do menor como único elemento relevante
prédio, entretanto, adquirido pelos titulares do para a decisão sobre a atribuição do arrendamento da
prédio dominante, ligado, materialmente, a este, casa de morada de família, sendo que este se
justifica-se que deixe de ser onerado com a servidão sobrepõe aos interesses do recorrente, aliás apenas
pedonal de passagem o prédio serviente alheio, e que invocados em sede recursória.
se declare extinta, por desnecessidade, a IV- O DL n.º 166/97, de 07-05, não pode ser
correspondente servidão. interpretado no sentido de subverter a atribuição da
casa de morada de família se estiver em causa a
25-06-2014 cessação de união de facto e o interesse de um
Revista n.º 3474/06.2TBBCL.G1.S1 - 1.ª Secção menor confiado à guarda do progenitor a quem se
Helder Roque (Relator) * atribuiu a sua guarda.
Gregório Silva Jesus
Martins de Sousa 03-07-2014
(Acórdão e sumário redigidos ao abrigo do novo Revista n.º 1360/11.3T2AMD.L1.S1 - 7.ª Secção
Acordo Ortográfico) Orlando Afonso (Relator)
Távora Vítor
Falta de contestação Granja da Fonseca
Ónus de impugnação especificada
Matéria de facto Processo de jurisdição voluntária

Poderes do Supremo Tribunal de Justiça Princípio inquisitório

União de facto Princípio dispositivo


Pedido

I- Como principal corolário do princípio do dispositivo,


I- Nos processos de jurisdição voluntária, o princípio
do princípio da auto-responsabilidade das partes e do
da actividade inquisitória do juiz prevalece sobre o
princípio do contraditório, o réu fica constituído no
princípio da actividade dispositiva das partes – art.
ónus de contestar a acção sob pena de se terem por
1409.º, n.º 2, do CPC, na versão de 1995/96 [art.
confessados os factos alinhados na petição inicial.
986.º, n.º 2, do NCPC (2013)] –, e nas decisões a
II- Dado que a ré não contestou, as instâncias
tomar o juiz não está sujeito a critérios de legalidade
decidiram com base na factualidade alegada na
estrita, devendo adoptar, em cada caso, a solução
petição inicial, pelo que, não se estando em presença
436
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça

que julgue mais conveniente e oportuna. versão do DL n.º 303/2007, correspondente ao art.
II- A natureza do processo de jurisdição voluntária 682.º do NCPC).
permite e obriga o tribunal a realizar as diligências III- A ampliação da base instrutória tem de referir-se a
necessárias ao apuramento do pedido e factos factos alegados pela parte e não a factos novos sob
correlativos que o suportem, pois, neste tipo de pena de violação do princípio do dispositivo; a
processos, o requerente não tem o ónus de alegar e faculdade concedida pela lei processual civil ao STJ só
provar a matéria de facto. pode ser exercida quando as instâncias seleccionarem
III- O juiz não está vinculado ao pedido, podendo imperfeitamente a matéria da prova, amputando-a
afastar-se dele, na medida em que aquilo que lhe é de elementos que consideraram dispensáveis, mas
exigido é a regulação do interesse fundamental em que se verifica serem indispensáveis para o Supremo
questão (no caso dos processos tutelares cíveis, o definir o direito.
interesse do menor) pela forma que seja mais IV- A lei processual civil portuguesa tem vindo a
conveniente e oportuna e sem estrita vinculação aos evoluir no sentido do reforço do princípio do
factos que lhe foram apresentados e ao pedido que inquisitório, no plano da instrução, com a
lhe foi formulado. correspondente restrição ao princípio do dispositivo;
não obstante esta evolução, cabe às partes alegar os
09-09-2014 factos principais da causa, que integram a causa de
Reclamação n.º 4289/12.4TBALM.L1-A.S1 - 1.ª Secção pedir e que fundam as excepções (art. 264.º, n.º 1, do
Paulo Sá (Relator) CPC revogado) ou, na formulação do NCPC, os factos
Garcia Calejo essenciais que constituam a causa de pedir (art. 5.º,
Helder Roque n.º 1).
V- A alegação dos factos essenciais é feita nos
Matéria de facto articulados (art. 147.º, n.º 1, do NCPC), incluindo não
Base instrutória só os articulados normais do processo (petição inicial,
Ampliação da base instrutória contestação e réplica), mas também o articulado
Factos essenciais superveniente (art. 588.º, n.º 1, do NCPC). O juiz
Factos instrumentais pode, contudo, convidar as partes a aperfeiçoar os
Princípio dispositivo articulados, quando contenham insuficiências ou
Princípio inquisitório imprecisões na exposição da matéria de facto (arts.
590.º, n.º 2, al. b), e n.ºs 3 e 4, e 591.º, n.º 1, al. c), do
NCPC), mas não pode substituir-se-lhes na introdução
I- A base instrutória, eliminada pelo NCPC (2013), não dos factos na causa.
tem carácter de definitividade, podendo ser ampliada VI- Factos instrumentais são aqueles que, por
por decisão tomada em audiência final (art. 650.º, n.º natureza, não carecem de alegação e, por isso, são
2, al. f), do CPC, na versão do DL n.º 303/2007, de 24- oficiosamente considerados na decisão de facto,
08), em recurso de apelação (art. 712.º, n.º 4, do CPC) desde que resultem da instrução da causa;
ou por determinação do STJ (art. 729.º, n.º 3, do CPC). diversamente dos factos principais, não constituem
II- Para que tais poderes possam ser exercidos pelo condicionantes directas na decisão, sendo a sua
STJ, é necessário que os factos fixados pelas função, antes, a de permitir atingir a prova dos factos
instâncias sejam insuficientes para a decisão da principais.
questão de direito ou que ocorram contradições na VII- Os factos instrumentais destinam-se a realizar
decisão sobre a matéria de facto que inviabilizem a prova indiciária dos factos essenciais, já que através
decisão jurídica do pleito (art. 729.º, n.º 3, do CPC, na
437
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça

deles se poderá chegar, mediante presunção judicial, particulares.


à demonstração dos factos essenciais II- É vedado ao STJ sindicar as conclusões ou ilações
correspondentes – assumindo em exclusivo uma extraídas pelas instâncias a partir da factualidade
função probatória e não uma função de provada (bem como o seu esclarecimento e
preenchimento e substanciação jurídico-material das interpretação, desde que não a alterem) por tal
pretensões e da defesa. consistir ainda em matéria de facto, sem prejuízo de
poder censurar o recurso a presunções judiciais,
02-12-2014 verificando a correcção do método discursivo e, em
Revista n.º 295/04.0TBVFR.P2-A.S1 - 1.ª Secção geral, de averiguar se os critérios legais de utilização
Maria Clara Sottomayor (Relatora) de tal meio de prova foram respeitados, o que
Sebastião Póvoas constitui matéria de direito.
Moreira Alves III- Cabendo apenas às partes, de acordo com o
princípio dispositivo, a formação da matéria de facto,

Matéria de facto o tribunal só se pode servir de factos alegados pelas

Poderes do Supremo Tribunal de Justiça partes (art. 5.º do NCPC (2013)), pelo que a inclusão

Presunções judiciais de factos não articulados na matéria de facto provada

Princípio dispositivo (excedendo assim a matéria quesitada) deve ser

Facto não articulado sindicada pelo STJ e tem como consequência que a

Respostas excessivas mesma se dê por não escrita.

Doação IV- A doação é um contrato (repare-se que só se

Aceitação da doação perfectibiliza pela aceitação do donatário) pelo qual

Boa fé uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do

Revogação do negócio jurídico seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa,

Indignidade possuindo um cariz pessoal (art. 949.º do CC).

Deserdação V- Dado que a aceitação implica, desde logo por

Alimentos imposição do princípio da boa fé, a contracção tácita,

Obrigação de alimentos pelo donatário, de uma obrigação moral de gratidão,

Abuso do direito a doação pode ser revogada, além do mais, por

Contestação ingratidão do donatário (art. 974.º do CC), tendo o

Litigância de má fé legislador, para evitar incongruências legislativas,


disposições inúteis e o arbítrio do julgador, feito
reportar o sentido jurídico daquela expressão aos
I- O STJ apenas pode modificar a decisão da matéria casos de incapacidade para suceder por indignidade e
de facto quando esteja em causa ofensa de prova às causas justificativas da deserdação, o que equivale
vinculada ou de disposição expressa da lei que exija por dizer que irreleva o seu sentido comum.
certa espécie de prova para a demonstração de VI- Para efeitos do disposto no art. 2166.º, al. c), do
determinado facto (art. 674.º, n.º 3, e art. 682.º, n.º 1 CC, deve-se ter em conta a noção de alimentos
e n.º 2, ambos do NCPC (2013)) –, sindicando, nesse contida no art. 2003.º do mesmo diploma, i.e., tudo o
caso, a aplicação das regras de direito probatório que é necessário à satisfação das necessidades de
material –, o que implica que não deva intervir vida do alimentando, devendo-se evitar critérios
quando esteja em causa a apreciação de meios de excessivamente amplos que ponham a cargo do
prova sem valor tabelado, como sejam documentos obrigado a alimentos a realização de objectivos do

438
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça

primeiro que nada tem que ver com aquelas corresponderia a sancionar um abuso de direito e a
carências. abrir a porta a que, depois de garantida a doação pela
VII- Se bem que a obrigação de alimentos tenha por aceitação, qualquer donatário pudesse perpetrar as
fundamento uma natureza afectiva (já que a gratidão maiores perversidades contra o doador (desde que
do donatário tem que se traduzir num apoio às não integrassem as causas que despoletam a
necessidades do doador), ela não compreende o ingratidão) sem que tal beliscasse a vantagem
respeito e a consideração devidos pelo réu – patrimonial assegurada, quem sabe, por uma
donatário –, à autora nem tudo aquilo que seja simpatia e dedicação hipócritas ou de fachada.
destinado a manter a dignidade humana da mesma
(incluindo actos destinados a suprir as crescentes 11-12-2014
limitações físicas e psíquicas desta) não se podendo, Revista n.º 25908/11.4T2SNT.L1.S1 - 2.ª Secção
pois, obrigar aquele a acarinhar a doadora e a Serra Baptista (Relator)
acompanhá-la na velhice, o que equivale por dizer Fernando Bento
que a falta de apoio afectivo a esta não integra a João Trindade
causa de revogação da doação referida em VI.
Princípio dispositivo
VIII- Resultando dos factos provados que i) a doadora
Pedido
conta com 87 anos de idade; ii) é viúva e não tem
Reconhecimento do direito
herdeiros; iii) que os réus não a visitavam e deixaram-
Direito de propriedade
na só quando esteve acamada, iv) que lhe dirigiu
Prédio confinante
imprecações que a deixaram triste; e v) que os réus se
Muro
apropriaram da quantia de Esc. 10.000.000$00 que
Presunção
àquela pertencia; é evidente que o réu adoptou uma
Compropriedade
conduta que defraudou as expectativas legítimas de
Princípio do contraditório
gratidão por parte da autora.
IX- A contestação de uma acção tem de se fundar
num inerente direito mas não pode afrontar os I- O princípio do dispositivo impede que o tribunal
valores fundamentais da ordem jurídica pelo que, não decida para além ou diversamente do que foi pedido,
se podendo limitar as exacções processuais ao mas não obsta a que profira decisão que se inscreva
instituto da litigância de má fé, há que, como válvula no âmbito da pretensão formulada.
de escape, convocar o instituto do abuso do direito – II- Pedindo os autores o reconhecimento do direito de
enquanto manifestação da boa fé que torna ilegítimo propriedade de um muro que delimita os quintais dos
o exercício de certas posições jurídicas quando as dois prédios urbanos confinantes, não constitui
mesmas, embora conformes à legalidade, são excesso de pronúncia, nem fere o princípio do
inadmissíveis por contender com o sistema jurídico na dispositivo a decisão judicial que, com fundamento na
sua globalidade – para as reprimir. presunção legal do art. 1371.º, n.º 2, do CC,
X- As exigências da boa fé e o sistema considerado no reconhece que o muro é compropriedade de ambas
seu conjunto não toleram que, perante uma actuação as partes.
do donatário como a descrita em VIII, este possa III- Considerando que ao réu foi conferida a
pugnar pela plena eficácia e irrevogabilidade da possibilidade de se defender, sem exclusão, sequer,
doação feita num momento em que não seria de da possibilidade de ilidir a presunção legal de
supor que tal conduta se verificaria, sendo que o comunhão prevista no art. 1371.º, n.º 2, do CC, a
reconhecimento da sua intangibilidade decisão que reconheceu a situação de

439
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça

compropriedade relativamente ao muro divisório não Ana Paula Boularot


traduz a violação do princípio do contraditório.

Ónus de alegação (recurso)


11-02-2015
Revista n.º 607/06.2TBCNT.C1.S1 - 2.ª Secção
Abrantes Geraldes (Relator) * Relevância jurídica

Tomé Gomes Interesses de particular relevância social

Bettencourt de Faria Ónus de alegação


Baldios

Princípio da adequação formal


I- O n.º 2 do art. 672.º do NCPC (2013) faz recair sobre
quem recorre, sob pena de rejeição, a indicação da
Separação judicial de pessoas e bens concreta questão jurídica cuja apreciação seja
Divórcio claramente necessária (e não apenas necessária) para
Conversão da separação em divórcio uma melhor aplicação do direito.
Princípio da adequação II- Não existe a relevância jurídica a que se alude em I
se a questão colocada pelas recorrentes se situa
I- Tendo o cônjuge separado judicialmente de pessoas estritamente dentro do conflito em apreciação no
e bens proposto acção de divórcio, nos termos do art. processo e não extravasa para fora dele
1407.º do agora revogado CPC, com fundamento em possibilitando ou exigindo uma orientação
ruptura do casamento previsto na al. d) do art. 1781.º jurisprudencial que a outros processos possa servir de
do CC, mas onde alegou a separação judicial de guia.
pessoas e bens e a não reconciliação do casal, onde a III- É questão de relevante interesse social a definição
ré contestou apenas alegando pretensas deficiências da natureza jurídica dos baldios, mas já não a questão
de alegação factual na petição inicial e a sua vontade quando circunscrita a uma disputa concreta entre
de não se querer divorciar, não há qualquer vizinhos, sem qualquer transposição para o tema dos
impedimento processual a que o tribunal mande baldios enquanto realidade social que importe, ao
seguir a acção sob a forma prevista no art. 1417.º do direito e à sociedade, definir.
mesmo código processual e, consequentemente,
decrete o divórcio peticionado, por conversão da 25-02-2014
separação judicial. Revista excepcional n.º 196/1999.P2.S1
II- Este procedimento está legitimado no princípio da Pires da Rosa (Relator)
adequação formal previsto no art. 265.º-A do citado Silva Salazar
diploma processual, e não resulta dele a violação de Sebastião Póvoas
qualquer legítimo direito da ré, nomeadamente,
Revista excepcional
decorrente do princípio do contraditório ou da
Relevância jurídica
confiança da mesma num processo civil equitativo.
Interesses de particular relevância social
Ónus de alegação
10-12-2013
Revista n.º 3590/12.1TBCSC.L1.S1 - 6.ª Secção
João Camilo (Relator) I- Invocando a recorrente, como fundamento de
Fernandes do Vale admissibilidade da revista excepcional, a al. a) do n.º

440
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça

1 do art. 672.º do NCPC (2013) não basta a alegação comunidade, situações essas capazes de gerar alarme
de meras discordâncias quanto ao decidido pela ou intranquilidade social.
Relação, e à aplicação do direito por esta efectuada, III- Não reveste a relevância referida em I e II a
sendo necessário que a recorrente localize e alegue questão de saber se os membros honorários de uma
uma questão jurídica, dotada de pragmatismo e cooperativa têm ou não direito de propor à direcção a
abstracção, susceptível de ser transponível para adesão de novos associados.
outras situações. IV- Por outro lado, a questão referida em III não
II- A circunstância de estarmos perante um contrato ultrapassa o caso singular, nem versa sobre matéria
obrigatório, eventualmente qualificável como de que contenda com interesses de ordem pública.
adesão, num mercado fechado e pouco concorrencial
não é, só por si, suficiente para justificar que o STJ 13-03-2014
volte a analisar uma questão que mereceu Revista excepcional n.º 585/11.6TVPRT.P1.S1
tratamento uniforme por parte das instâncias. Moreira Alves (Relator)
Sebastião Póvoas
06-03-2014 Pires da Rosa
Revista excepcional n.º 25382/10.2T2SNT.L1.S1
Pires da Rosa (Relator) Impugnação da matéria de facto

Sebastião Póvoas Reapreciação da prova

Moreira Alves Ónus de alegação


Alegações de recurso

Revista excepcional Conclusões

Relevância jurídica
Cooperativa I- Cumpre o ónus imposto pelo n.º 1 do art. 640.º do
Interesses de particular relevância social NCPC (2013), o recorrente que, nas conclusões das
Ónus de alegação alegações, refere expressamente que o recurso visava
«principalmente a impugnação da matéria de facto
I- A densificação do conceito aberto constante da al. dada como provada», e, nas alegações, referem os
a) do n.º 1 do art. 672.º do NCPC (2013) passa concretos pontos de facto considerados
estarmos perante uma questão de direito complexa, incorrectamente julgados, bem como os concretos
cuja subsunção jurídica imponha um importante e meios probatórios, que, em sua opinião, impunham,
detalhado exercício de exegese, um longo debate decisão diversa, expressando o sentido da alteração
pela doutrina e jurisprudência com o objectivo de se pretendida.
obter um consenso em termos de servir de II- As conclusões são proposições sintéticas que
orientação para quem tenha interesse jurídico ou emanam do que se expôs ao longo das alegações,
profissional. sendo que é nestas que se devem indicar as razões da
II- Por seu turno, a densificação do conceito de discordância com o julgado, nomeadamente, as
“interesses de particular relevância social” passará razões pelas quais se entende que a decisão deve ser
pela circunstância de se colocar à decisão situações anulada ou alterada.
que digam respeito à estrutura familiar, aos direitos
dos consumidores, ao ambiente, ecologia, qualidade 20-11-2014
de vida, saúde, património histórico e cultural, ou Revista n.º 110/10.6TVPRT.P1.S1 - 2.ª Secção
quando se discutam interesses importantes da Oliveira Vasconcelos (Relator)

441
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça

Serra Baptista Factos instrumentais


Fernando Bento
(Acórdão e sumário redigidos ao abrigo do novo
Recurso de revista
Acordo Ortográfico)
Matéria de facto
Poderes do Supremo Tribunal de Justiça
Recurso de apelação
Insolvência
Impugnação da matéria de facto
Graduação de créditos
Ónus de alegação
Crédito laboral
Alegações de recurso
Privilégio creditório
Conclusões
Bem imóvel
Local de trabalho
I- Satisfazem o ónus de alegação imposto pelo art.
Ónus de alegação
640.º, n.º 1, do NCPC (2013), os apelantes que
Factos instrumentais
referem que a apelação visava também a impugnação
Princípio da aquisição processual
da decisão sobre a matéria de facto, indicam os
pontos da mesma que têm por incorretamente
julgados e os meios probatórios (mormente, I- Não é sindicável, no âmbito de um recurso de
depoimentos registados) que, em seu entender, revista, a decisão das instâncias que, com base na
impunham decisão diversa relativamente a cada um valoração dos elementos constantes de um processo
desses pontos e apontam o sentido da alteração. de insolvência e no resultado de diligências
II- As conclusões são proposições sintéticas que complementares oficiosamente ordenadas,
contêm a emanação lógica do que se expôs e nomeadamente a audição do administrador da
considerou ao longo das alegações, onde devem insolvência, conclui que, em termos factuais, os ex-
constar mais exaustivamente os fundamentos de trabalhadores da empresa insolvente exerciam a sua
discordância face ao julgado. actividade laboral em determinado imóvel àquela
III- Constando apenas das conclusões que os pertencente, verificando-se, por isso, os pressupostos
recorrentes pretendiam ver alterada a matéria de (art. 377.º do CT) que condicionam a titularidade do
facto, haveria que atender às alegações dos privilégio creditório imobiliário aí previsto.
recorrentes – onde se continham as menções II- Configurando-se tal elemento factual,
referidas em I – para sindicar o cumprimento do ónus substantivamente relevante, como complementar ou
de alegação mencionado em I. concretizador do núcleo essencial da causa de pedir
invocada pelo trabalhador/reclamante, sempre seria
17-12-2014 admissível a sua ulterior aquisição processual, em
Revista n.º 1786/12.5TVLSB-A.L1.S1-A - 2.ª Secção função dos resultados da instrução do processo –
Oliveira Vasconcelos (Relator) apesar de não alegados no requerimento inicial – ao
Fernando Bento abrigo do regime constante do n.º 3 do art. 264.º do
Serra Baptista CPC, correspondente ao actual art. 5.º do Código, na
(Acórdão e sumário e redigidos ao abrigo do novo versão emergente da Lei n.º 41/2013.
Acordo Ortográfico)
23-01-2014
Revista n.º 1938/06.7TBCTB-E.C1.S1 - 7.ª Secção
Lopes do Rego (Relator) *

442
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça

Orlando Afonso I- A base instrutória, eliminada pelo NCPC (2013), não


Távora Victor tem carácter de definitividade, podendo ser ampliada
por decisão tomada em audiência final (art. 650.º, n.º

Pedido 2, al. f), do CPC, na versão do DL n.º 303/2007, de 24-

Condenação em objecto diverso do pedido 08), em recurso de apelação (art. 712.º, n.º 4, do CPC)

Poderes da Relação ou por determinação do STJ (art. 729.º, n.º 3, do CPC).

Documento II- Para que tais poderes possam ser exercidos pelo

Factos instrumentais STJ, é necessário que os factos fixados pelas

Factos admitidos por acordo instâncias sejam insuficientes para a decisão da


questão de direito ou que ocorram contradições na
I- Não ocorre violação do princípio processual do decisão sobre a matéria de facto que inviabilizem a
pedido, se a Relação condenou os réus nos pedidos decisão jurídica do pleito (art. 729.º, n.º 3, do CPC, na
formulados pela autora, a título principal – versão do DL n.º 303/2007, correspondente ao art.
pagamento de rendas – e a título subsidiário – 682.º do NCPC).
restituição do preço pago pela fracção autónoma –, III- A ampliação da base instrutória tem de referir-se a
quando, relativamente a este último, tendo-se factos alegados pela parte e não a factos novos sob
provado que a autora pagou dois preços diferentes pena de violação do princípio do dispositivo; a
pela mesma fracção (aos réus e ao tribunal, no faculdade concedida pela lei processual civil ao STJ só
âmbito de processo de execução), a Relação pode ser exercida quando as instâncias seleccionarem
entendeu dever condenar os réus a restituir à autora imperfeitamente a matéria da prova, amputando-a
o valor menor, reconhecendo ter sido este o seu real de elementos que consideraram dispensáveis, mas
prejuízo. que se verifica serem indispensáveis para o Supremo
II- A Relação não cometeu qualquer nulidade, nem definir o direito.
proferiu decisão surpresa, ao aditar à matéria assente IV- A lei processual civil portuguesa tem vindo a
factos constantes de documentos apresentados pelas evoluir no sentido do reforço do princípio do
partes, não impugnados, os quais, sendo inquisitório, no plano da instrução, com a
instrumentais, não carecem de ser alegados, podendo correspondente restrição ao princípio do dispositivo;
o julgador considerá-los, desde que resultem da não obstante esta evolução, cabe às partes alegar os
instrução da causa (art. 5.º, n.º 2, do NCPC e art. factos principais da causa, que integram a causa de
264.º, n.º 2, do CPC revogado). pedir e que fundam as excepções (art. 264.º, n.º 1, do
CPC revogado) ou, na formulação do NCPC, os factos
25-02-2014 essenciais que constituam a causa de pedir (art. 5.º,
Revista n.º 15682/98.3TVLSB.L1.S1 - 6.ª Secção n.º 1).
Salreta Pereira (Relator) V- A alegação dos factos essenciais é feita nos
João Camilo articulados (art. 147.º, n.º 1, do NCPC), incluindo não
Fonseca Ramos só os articulados normais do processo (petição inicial,
contestação e réplica), mas também o articulado
Matéria de facto superveniente (art. 588.º, n.º 1, do NCPC). O juiz
Base instrutória pode, contudo, convidar as partes a aperfeiçoar os
Ampliação da base instrutória articulados, quando contenham insuficiências ou
Factos essenciais imprecisões na exposição da matéria de facto (arts.
Factos instrumentais 590.º, n.º 2, al. b), e n.ºs 3 e 4, e 591.º, n.º 1, al. c), do
Princípio dispositivo
Princípio inquisitório 443
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça

NCPC), mas não pode substituir-se-lhes na introdução I- Não se produzem contra o avalista os efeitos da
dos factos na causa. vinculação cambiária por ele assumida em livrança
VI- Factos instrumentais são aqueles que, por subscrita em branco enquanto esta não for
natureza, não carecem de alegação e, por isso, são preenchida, não podendo, assim, ser decretada a
oficiosamente considerados na decisão de facto, insolvência do avalista pelo incumprimento dessa
desde que resultem da instrução da causa; obrigação cambiária.
diversamente dos factos principais, não constituem II- O preenchimento de livrança efetuado no decurso
condicionantes directas na decisão, sendo a sua dos autos de insolvência com data de vencimento
função, antes, a de permitir atingir a prova dos factos anterior (17-5-2012) à data do encerramento da
principais. audiência final (19-07-2012) constitui facto
VII- Os factos instrumentais destinam-se a realizar objetivamente superveniente (facto complementar –
prova indiciária dos factos essenciais, já que através ver art. 264.º do CPC de 1961 e 5.º, n.º 2, al. b), do
deles se poderá chegar, mediante presunção judicial, CPC de 2013) cuja atendibilidade é admissível nos
à demonstração dos factos essenciais termos do art. 663.º do CPC (art. 611.º do CPC de
correspondentes – assumindo em exclusivo uma 2013).
função probatória e não uma função de III- Tal facto não carece de ser alegado para que, no
preenchimento e substanciação jurídico-material das processo de insolvência, o juiz nele possa fundar a sua
pretensões e da defesa. decisão (art. 11.º do CIRE).

02-12-2014 16-01-2014
Revista n.º 295/04.0TBVFR.P2-A.S1 - 1.ª Secção Revista n.º 1094/12.1TBTVD.L1.S1 - 7.ª Secção
Maria Clara Sottomayor (Relatora) Salazar Casanova (Relator) *
Sebastião Póvoas Lopes do Rego
Moreira Alves Orlando Afonso
(Acórdão e sumário redigidos ao abrigo do novo
Acordo Ortográfico)
Factos complementares e concretizadores

Matéria de facto
Aval Matéria de direito ~
Obrigação cambiária Factos supervenientes
Avalista Articulado superveniente
Insolvência Alteração da causa de pedir
Incumprimento Factos complementares
Livrança em branco Factos concretizadores
Pacto de preenchimento
Factos supervenientes I- Compete ao STJ, no âmbito de um recurso de
Ónus de alegação revista, sindicar a decisão da Relação referente à
Princípio dispositivo interpretação de certo segmento da sentença, na
Princípio inquisitório parte em que a mesma elenca a factualidade
provada, de modo a aferir se a interpretação acolhida
é conforme aos padrões ou critérios interpretativos
que devem nortear a interpretação das decisões

444
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça

judiciais – e que não pode deixar de conduzir à dele se prevalecer.


fixação de um sentido interpretativo objectivável que
tem de fluir razoavelmente do teor literal da 13-02-2014
sentença, avaliada globalmente à luz dos respectivos Revista n.º 2081/09.2TBPDL.L1.S1 - 7.ª Secção
fundamentos. Lopes do Rego (Relator) *
II- Compete identicamente ao STJ sindicar o critério Orlando Afonso
normativo extraído pelas Relações do estatuído no Távora Victor
n.º 4 do art. 646.º do CPC, enquanto fundamento da
Ineptidão da petição inicial
distinção entre questões de facto e matéria de
Nulidade
direito, cujo julgamento era tradicionalmente
Conhecimento oficioso
atribuído a órgãos jurisdicionais diversos – o tribunal
Poderes do Supremo Tribunal de Justiça
colectivo e o juiz singular, dotados de diferentes
Factos essenciais
competências funcionais.
Princípio da aquisição processual
III- Nas causas em que não haja tido intervenção o
Factos complementares
tribunal colectivo – cabendo, por isso, a apreciação da
matéria do litígio, quer nos seus aspectos fácticos,
quer na vertente jurídica, ao juiz singular – deverá I- A ineptidão da petição inicial – nulidade principal
aplicar-se com particulares cautelas esse regime que não pode ser oficiosamente suscitada e
normativo, não se decretando o radical efeito conhecida na fase de recurso – supõe que o autor não
preclusivo aí estatuído quando a matéria quesitada – haja definido factualmente o núcleo essencial da
apesar de padecer de algum défice de densificação e causa de pedir invocada como base da pretensão que
concretização no plano factual – não se reconduza ao formula, obstando tal deficiência a que a acção tenha
uso de puros conceitos normativos, de que um objecto inteligível.
dependeria – de forma imediata – o desfecho no II- A mera insuficiência na densificação ou
plano jurídico da causa, manifestamente concretização adequada de algum aspecto ou
insusceptíveis de apreensão na realidade da vida vertente dos factos essenciais em que se estriba a
social e, por isso, absolutamente inidóneos e pretensão deduzida (implicando que a petição,
imprestáveis para servir de base às diligências de caracterizando, em termos minimamente
instrução e de enunciação e descrição inteligível do satisfatórios, o núcleo factual essencial integrador da
substrato factual do litígio. causa petendi, omite a densificação, ao nível tipo por
IV- Apesar de a parte interessada não ter cumprido, adequado à fisionomia do litígio, ou de algum aspecto
de modo processualmente adequado, o ónus de caracterizador ou concretizador de tal factualidade
deduzir articulado superveniente, nos termos essencial) não gera o vício de ineptidão, apenas
estabelecidos no art. 506.º do CPC, provocando a podendo implicar a improcedência, no plano de
aquisição processual de facto constitutivo mérito, se o autor não tiver aproveitado as
superveniente, tal facto pode ser considerado na oportunidades de que beneficia para fazer adquirir
decisão quando (art. 264.º, n.º 3, do CPC) – processualmente os factos substantivamente
configurando-se como complementar ou relevantes, complementares ou concretizadores dos
concretizador do núcleo essencial da causa de pedir alegados, que originariamente não curou de
invocada – haja resultado da instrução da causa e sido densificar em termos bastantes.
submetido ao contraditório da outra parte,
mostrando a parte a quem aproveita interesse em 26-03-2015

445
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça

Revista n.º 6500/07.4TBBRG.G2.S2 - 7.ª Secção João Bernardo


Lopes do Rego (Relator) * Oliveira Vasconcelos
Orlando Afonso Matéria de facto XE "Matéria de facto"
Távora Victor

Base instrutória
Réplica Ampliação da base instrutória
Factos essenciais
Factos instrumentais
Matéria de facto
Princípio dispositivo
Poderes do Supremo Tribunal de Justiça
Princípio inquisitório
Factos admitidos por acordo
Factos conclusivos

I- A base instrutória, eliminada pelo NCPC (2013), não


I- O art. 674.º, n.º 3, do NCPC (2013), mantém o tem carácter de definitividade, podendo ser ampliada
princípio de que o STJ só aprecia o erro na apreciação por decisão tomada em audiência final (art. 650.º, n.º
das provas e na fixação dos factos materiais quando 2, al. f), do CPC, na versão do DL n.º 303/2007, de 24-
houver ofensa de uma disposição expressa de lei que 08), em recurso de apelação (art. 712.º, n.º 4, do CPC)
exija certa espécie de prova para a existência do facto ou por determinação do STJ (art. 729.º, n.º 3, do CPC).
ou que fixe a força de determinado meio de prova, o II- Para que tais poderes possam ser exercidos pelo
que exclui a possibilidade de sindicar a convicção do STJ, é necessário que os factos fixados pelas
julgador das instâncias. instâncias sejam insuficientes para a decisão da
II- Como derivava do art. 502.º, n.º 1, do CPC anterior, questão de direito ou que ocorram contradições na
apenas era necessária a impugnação, na réplica, dos decisão sobre a matéria de facto que inviabilizem a
factos respeitantes à matéria das excepções, pelo que decisão jurídica do pleito (art. 729.º, n.º 3, do CPC, na
a falta de resposta aos factos invocados na versão do DL n.º 303/2007, correspondente ao art.
contestação para contraditar os que foram alegados 682.º do NCPC).
na petição inicial não tinha como efeito a admissão, III - A ampliação da base instrutória tem de referir-se
por acordo entre as partes, dos mesmos. a factos alegados pela parte e não a factos novos sob
III- A expressão “suave”, quando usada para fazer pena de violação do princípio do dispositivo; a
referência a uma realidade que precisa de ser medida faculdade concedida pela lei processual civil ao STJ só
(no caso, o ângulo de inclinação) para sobre ela se pode ser exercida quando as instâncias seleccionarem
poder exprimir tal qualificativo, constitui uma imperfeitamente a matéria da prova, amputando-a
conclusão, pelo que, independentemente do acordo de elementos que consideraram dispensáveis, mas
das partes, não podia ser tomada como um facto. que se verifica serem indispensáveis para o Supremo
IV - Nos termos do art. 712.º, n.ºs 5 e 6, do anterior definir o direito.
CPC, e do art. 662.º, n.º 2, al. d), e n.º 4 do NCPC IV - A lei processual civil portuguesa tem vindo a
(2013), é vedado ao STJ conhecer da indevida evoluir no sentido do reforço do princípio do
fundamentação da decisão da matéria de facto. inquisitório, no plano da instrução, com a
correspondente restrição ao princípio do dispositivo;
03-07-2014 não obstante esta evolução, cabe às partes alegar os
Revista n.º 408/04.0TBAMR.G1.S1 - 2.ª Secção factos principais da causa, que integram a causa de
Bettencourt de Faria (Relator) pedir e que fundam as excepções (art. 264.º, n.º 1, do

446
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça

CPC revogado) ou, na formulação do NCPC, os factos


Causa de pedir (alteração e ampliação)
essenciais que constituam a causa de pedir (art. 5.º,
n.º 1).
V - A alegação dos factos essenciais é feita nos Alteração da causa de pedir
articulados (art. 147.º, n.º 1, do NCPC), incluindo não Admissibilidade
só os articulados normais do processo (petição inicial, Alegações de recurso
contestação e réplica), mas também o articulado Enriquecimento sem causa
superveniente (art. 588.º, n.º 1, do NCPC). O juiz Omissão de pronúncia
pode, contudo, convidar as partes a aperfeiçoar os Contrato de mandato
articulados, quando contenham insuficiências ou Condenação em quantia a liquidar
imprecisões na exposição da matéria de facto (arts.
590.º, n.º 2, al. b), e n.ºs 3 e 4, e 591.º, n.º 1, al. c), do
I- Na vigência do CPC anterior à Lei n.º 41/2013, de
NCPC), mas não pode substituir-se-lhes na introdução
26-06, era permitida a alteração da causa de pedir na
dos factos na causa.
réplica, mas não posteriormente, salvo se resultasse
VI - Factos instrumentais são aqueles que, por
de aproveitamento de confissão do réu ou de acordo
natureza, não carecem de alegação e, por isso, são
das partes.
oficiosamente considerados na decisão de facto,
II- Tendo a autora alterado bruscamente a causa de
desde que resultem da instrução da causa;
pedir, em sede de alegações do recurso de apelação –
diversamente dos factos principais, não constituem
invocando a figura do enriquecimento sem causa –,
condicionantes directas na decisão, sendo a sua
não tinha a Relação que indagar da verificação dos
função, antes, a de permitir atingir a prova dos factos
pressupostos dessa fonte de obrigações, sob pena de
principais.
incorrer em nulidade por excesso de pronúncia.
VII - Os factos instrumentais destinam-se a realizar
III- A falta de prova da existência de um acordo
prova indiciária dos factos essenciais, já que através
quanto à forma de pagamento, não obstante se ter
deles se poderá chegar, mediante presunção judicial,
provado que o réu fez determinadas despesas a
à demonstração dos factos essenciais
pedido do autor, não determina a improcedência da
correspondentes – assumindo em exclusivo uma
reconvenção – a qual tem como causa de pedir o
função probatória e não uma função de
mandato e as despesas feitas no seu âmbito –, antes
preenchimento e substanciação jurídico-material das
impõe a condenação do autor no respectivo
pretensões e da defesa.
pagamento.
IV- Não estando determinado o valor das despesas
02-12-2014
efectuadas, mas estando comprovada a sua
Revista n.º 295/04.0TBVFR.P2-A.S1 - 1.ª Secção
existência, cumpre remeter para liquidação o
Maria Clara Sottomayor (Relatora)
respectivo apuramento (arts. 609.º, n.º 2, e 358.º e
Sebastião Póvoas
ss. do NCPC (2013)).
Moreira Alves

27-02-2014
Revista n.º 172/07.3TBCCH.E1.S1 - 7.ª Secção
Maria dos Prazeres Beleza (Relatora)
Salazar Casanova
Lopes do Rego
Insolvência XE "Insolvência"

447
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça

Concurso de credores 09-07-2014


Direito de retenção Revista n.º 2089/11.8TBLLE-H.E1.S1 - 6.ª Secção
Caso julgado Pinto de Almeida (Relator)
Causa de pedir Azevedo Ramos
Terceiro Nuno Cameira
Inutilidade superveniente da lide
Causa de pedir
Servidão
I- A identidade da causa de pedir – um dos requisitos
Usucapião
da repetição de uma causa, nos termos do art. 581.º
Princípio da preclusão
do NCPC (2013) – existe, na expressão legal, “quando
Princípio da concentração da defesa
a pretensão deduzida nas duas acções procede do
Extensão do caso julgado
mesmo facto jurídico”. Releva o conjunto de factos
que integram o núcleo da norma que estabelece o
efeito de direito material pretendido que, no caso do I- Radicando o fundamento de uma acção antes
direito de retenção, respeitam à detenção lícita, ao intentada pelos ora réus na aquisição, por usucapião,
dever de entrega de uma coisa e à existência de um de uma servidão e o fundamento da reconvenção –
crédito que resulte de despesas efectuadas com essa pelos mesmos deduzida na presente acção – na
coisa. constituição da mesma servidão por destinação do
II- É inútil apreciar a impugnação da decisão de facto, pai de família, estamos perante causas de pedir
se, na segunda acção, não se provou algum destes distintas, o que obvia à verificação do caso julgado,
factos constitutivos do direito de retenção, quando tanto mais que o pedido formulado naqueloutra
existe decisão anterior transitada sobre o mesmo acção não chegou a ser apreciado.
objecto e entre os mesmos sujeitos, cujo teor se iria II- O princípio da preclusão impõe que o direito que o
reproduzir (o que seria inútil) ou contradizer (o que autor viu reconhecido judicialmente não possa ser
contenderia com a sua eficácia). infirmado em nova acção pela dedução de novos
III- Para além das partes da acção em que a decisão é argumentos de defesa, sendo o princípio da
proferida, a eficácia subjectiva do caso julgado concentração da defesa na contestação (art. 573.º do
estende-se a terceiros – terceiros juridicamente NCPC (2013)) um dos seus corolários.
indiferentes –, que têm de acatar a sentença III- O princípio da preclusão não impede que o autor,
proferida entre aquelas, quando esta “não lhes causa que não viu reconhecido o seu direito, intente uma
qualquer prejuízo jurídico, porque deixa íntegra a nova acção com o mesmo fim, mas com diferente
consistência jurídica do seu direito, embora lhes causa de pedir, pois tal não belisca a decisão anterior.
cause um prejuízo de facto ou económico”: é o caso IV- A extensão do caso julgado é uma consequência
dos credores da insolvência, com direitos do mesmo e não uma sua causa, o que equivale por
reconhecidos e graduados. dizer que supõe a sua verificação.
IV- Não ocorre inutilidade superveniente da lide de
acção declarativa se o acórdão proferido nesta, já 17-12-2014
transitou em julgado na pendência de apenso de Revista n.º 726/12.6TBTVR.E1.S1 - 2.ª Secção
concurso de credores do processo de insolvência, Bettencourt de Faria (Relator)
impondo-se, com autoridade de caso julgado, à João Bernardo
decisão a proferir nos correspondentes autos. Oliveira Vasconcelos

448
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça

I- A dupla conforme aludida no art. 671.º, n.º 3, do


Objecto do litígio
NCPC (2013), verifica-se, além do mais, nos casos em
que, na Relação, o recorrente foi condenado no
Competência
pagamento de uma quantia inferior àquela que foi
Recurso de revisão
fixada em 1.ª instância, por esse valor já estar, de um
Recurso de revista
ponto de vista de um incontornável critério de
coerência lógico-jurídica, compreendido no montante
I- A competência de um tribunal deve ser aferida em primeiramente fixado e por tal constituir uma
função da relação jurídica objecto do litígio tal como é pronúncia em sentido mais favorável, não se
configurada pelo autor, atendendo à causa de pedir e justificando que se vede o recurso quando a decisão
ao respectivo pedido. da Relação confirme inteiramente a sentença e se
II- Se a recorrente organizou a causa de pedir (e o permita o mesmo quando o recorrente obtém, em 2.ª
pedido) de forma a pedir a revisão de uma sentença instância, uma decisão mais favorável.
que não tinha transitado em julgado, fixando assim os II- Verifica-se, igualmente, dupla conforme se a
termos da lide e o objecto do litígio, a questão não se decisão sobre determinado ponto de facto na
coloca no plano da incompetência do tribunal mas sentença e no acórdão da Relação é a mesma assim
sim na desconformidade ou impossibilidade de como a sua justificação.
decisão pretendida rever. III- Não tendo a recorrente invocado os requisitos da
III- Se a apelação julgou, sem voto de vencido, a revista excepcional e não sendo estes perceptíveis
decisão proferida na 1.ª instância, quanto ao mérito nas alegações de recurso, é inviável descortinar a
da causa, ela foi obtida com a decisão final proferida existência de erro na forma do processo que careça
no tribunal da Relação mediante a conformidade – de sanação ou de adequada subsunção, não se
deliberação sem voto de vencido –, pelo que o justificando a convolação da revista para aquele
recurso de revista apenas seria admissível se a recurso.
recorrente pretendesse submeter a sua
admissibilidade ao crivo a que alude o art. 721.º-A do 30-09-2014
CPC – cf. art. 672.º do NCPC (2013). Reclamação n.º 2098/11.7TBPBL.C1-A.S1 - 6.ª Secção
Pinto de Almeida (Relator)
07-05-2014 Nuno Cameira
Revista n.º 536-A/2002.C1.S1 - 1.ª Secção Sousa Leite
Gabriel Catarino (Relator)
Maria Clara Sottomayor Declarações de parte
Sebastião Póvoas

Depoimento de parte
Erro na forma do processo
Confissão
Valor probatório
Recurso de revista Princípio da livre apreciação da prova
Dupla conforme
Inadmissibilidade
I- O depoimento de parte constitui, tão-só, um
Revista excepcional
instrumento hábil a provocar a confissão judicial
Revista excecional
provocada que, como meio de realização de prova
Erro na forma do processo
Rejeição de recurso 449
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça

plena contra o confitente, pressupõe o Gregório Silva Jesus


reconhecimento que uma parte faz sobre a realidade Martins de Sousa
de um facto cuja prova incumbiria à outra parte, (Acórdão e sumário redigidos ao abrigo do novo
sendo, assim, a confissão um testemunho qualificado Acordo Ortográfico)
pelo objecto, por ser contrário aos interesses do seu
autor.
Depoimento de parte
II- A confissão visada pelo depoimento de parte não
faz prova plena contra o confitente, designadamente
quando for declarada insuficiente por lei, como Prescrição presuntiva

acontece quando não seja reduzido a escrito o Sociedade anónima

segmento em que houver confissão do depoente, ou Poderes do Supremo Tribunal de Justiça

em que este narre factos ou circunstâncias que Respostas à base instrutória

impliquem indivisibilidade da declaração confessória, Depoimento de parte

quer o julgamento se faça oralmente, quer quando


tiver ocorrido gravação da prova, encontrando-se I- O art. 317.º, al. c), do CC, consagra a prescrição
sujeito ao princípio da livre apreciação da prova. presuntiva, que se funda numa presunção de
III- As declarações desprovidas de força probatória cumprimento, justificada na dificuldade do
plena contra o confitente, por não terem sido consumidor provar o cumprimento das obrigações
reduzidas a escrito, não têm ainda a virtualidade de assumidas no seu quotidiano, face à prática
constituir confissão, quando não se traduzirem num generalizada de não exigir documento de quitação ou
reconhecimento de factos desfavoráveis para a de não o guardar.
respectiva parte, ficando sujeitas ao princípio da livre II- Não beneficia desta presunção de cumprimento o
apreciação pelo tribunal, como se tratasse do devedor, sociedade anónima, que, possuindo
reconhecimento de factos desfavoráveis, que não contabilidade organizada, tem o dever de
possa valer como confissão. documentar nesta todos os pagamentos efectuados,
IV- Não tendo a declaração confessória probatória maxime, os de valor avultado, como é o caso dos
plena, e não valendo como confissão o autos.
reconhecimento dos factos favoráveis à respetiva III- A resposta dada pelas instâncias ao único quesito
parte, constitui um elemento probatório sujeito ao da base instrutória – que deviam ter dado como
princípio da livre apreciação do tribunal. provado –, exclusivamente motivada na assentada de
V- As “declarações de parte” sobre factos favoráveis depoimento de parte do representante legal da ré,
ao depoente, fora do esquema típico do depoimento quando existe discrepância essencial entre este e o
de parte dirigido à obtenção de uma confissão, seu real depoimento pessoal, produzido em
podiam, no âmbito do CPC de 1961, ser apreciadas, julgamento e não reduzido a escrito, possibilita a
pelo tribunal, ao abrigo do princípio da livre valoração intervenção do STJ na fixação da matéria de facto,
da prova, em conjugação com os demais elementos nos termos do art. 722.º, n.º 3, do CPC.
probatórios, maxime, as presunções judiciais e as
regras de experiência, prudentemente, aplicáveis. 14-01-2014
Revista n.º 355/11.1TBSTS.P1.S1 - 6.ª Secção
20-05-2014 Salreta Pereira (Relator)
Revista n.º 900/12.5TVPRT.P1.S1 - 1.ª Secção João Camilo
Helder Roque (Relator) * Fonseca Ramos

450
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça

pedir, em sede de alegações do recurso de apelação –


Confissão
invocando a figura do enriquecimento sem causa –,
não tinha a Relação que indagar da verificação dos
Caso julgado pressupostos dessa fonte de obrigações, sob pena de
Caso julgado formal incorrer em nulidade por excesso de pronúncia.
Inventário III- A falta de prova da existência de um acordo
Confissão judicial quanto à forma de pagamento, não obstante se ter
Excesso de pronúncia provado que o réu fez determinadas despesas a
Nulidade de acórdão pedido do autor, não determina a improcedência da
reconvenção – a qual tem como causa de pedir o
mandato e as despesas feitas no seu âmbito –, antes
I- Não forma caso julgado formal a decisão genérica –
impõe a condenação do autor no respectivo
“não há nulidades ou excepções de que cumpra
pagamento.
conhecer” – sobre pressupostos processuais.
IV- Não estando determinado o valor das despesas
II- O caso julgado que se forme sobre determinada
efectuadas, mas estando comprovada a sua
questão obsta ao seu conhecimento, designadamente
existência, cumpre remeter para liquidação o
da eventual confissão relativamente ao que se
respectivo apuramento (arts. 609.º, n.º 2, e 358.º e
discute.
ss. do NCPC (2013)).
III- O excesso de pronúncia refere-se a questões
jurídicas e não a factos que as instâncias hajam
27-02-2014
considerado provados.
Revista n.º 172/07.3TBCCH.E1.S1 - 7.ª Secção
Maria dos Prazeres Beleza (Relatora)
23-01-2014
Salazar Casanova
Revista n.º 1560/07.0TBPBL.C1.S1 - 2.ª Secção
Lopes do Rego
Bettencourt de Faria (Relator)
Pereira da Silva Sociedade por quotas
João Bernardo Gerente
Poderes de representação
Alteração da causa de pedir Contrato de mandato
Admissibilidade Confissão judicial
Alegações de recurso Réplica
Enriquecimento sem causa Qualificação jurídica
Omissão de pronúncia Abuso de poderes de representação
Contrato de mandato Ineficácia
Condenação em quantia a liquidar Fim estatutário
Fim social

I- Na vigência do CPC anterior à Lei n.º 41/2013, de


26-06, era permitida a alteração da causa de pedir na I- Se a autora, na réplica, reconhece factos que – no

réplica, mas não posteriormente, salvo se resultasse contexto da acção que propôs – lhe são

de aproveitamento de confissão do réu ou de acordo desfavoráveis, é-lhes aplicável o regime da confissão

das partes. judicial escrita, ficando os mesmos plenamente

II- Tendo a autora alterado bruscamente a causa de provados, de forma vinculativa (arts. 352.º e 358.º,

451
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça

n.º 1, do CC e art. 38.º do CPC). situações vulgarmente denominadas de prova taxada,


II- Nada obsta a que o tribunal subsuma à figura do designadamente, no caso de prova por confissão, da
abuso de representação os factos em que a ré se prova por documentos autênticos e dos autenticados
baseou para excepcionar o excesso do âmbito da sua e particulares devidamente reconhecidos – cf. arts.
capacidade e dos poderes de gerência (arts. 6.º e 358.º, 364.º e 393.º do CC.
259.º do CSC), posto que o julgador não está limitado II- Se A e B são casados um com o outro, em regime
pelas qualificações jurídicas atribuídas pelas partes de separação de bens, não havendo estipulação
(art. 664.º do CPC). convencional acessória (convenção antenupcial), cada
III- A relação que se estabelece entre uma sociedade um dos cônjuges conserva o domínio e fruição de
por quotas e os seus gerentes, e que lhes permite todos os seus bens, presentes e futuros, como se
praticar actos que a vinculam, é uma relação de predispõe no art. 1735.º do CC.
mandato, em que os gerentes actuam como III- Tal não impede, todavia, que, de comum acordo,
representantes da sociedade. os cônjuges possam ter em conjunto, mesmo sem a
IV- Tendo resultado provado que D utilizou, neste existência de uma convenção antenupcial, de
contrato, os poderes de representação da sociedade, harmonia com o que estipula o art. 1736.º, n.º 1, do
que a qualidade de gerente lhe conferia, mas que o CC, os bens que lhes aprouver.
concreto fim desse exercício foi avesso à prossecução IV- Se A logrou provar que a conta bancária, aberta
dos interesses da sociedade, e desfavoráveis à com B, o foi na forma de conta solidária, tal conduz
mesma, é de aplicar – na ausência de previsão ao regime de partilha do crédito nela existente, por
expressa do CSC – o art. 269.º do CC, que determina a força do disposto no art. 516.º do CC. Mesmo que
ineficácia relativamente à sociedade. assim se não entendesse, ter-se-ia de aplicar a
presunção iuris tantum inserta no art. 1736.º, n.º 2,
27-02-2014 do CC, uma vez que a ré não logrou provar que os
Revista n.º 1835/07.9TBOAZ.P1.S1 - 7.ª Secção montantes depositados na mencionada conta sempre
Maria dos Prazeres Beleza (Relatora) foram sua propriedade exclusiva – cf. arts. 342.º, n.º
Salazar Casanova 2, e 344.º, n.º 1, do CC.
Lopes do Rego
24-02-2015
Princípio da livre apreciação da prova Revista n.º 427/12.5TBCHV.P1.S1- 6.ª Secção
Separação de bens Ana Paula Boularot (Relatora)
Convenção antenupcial Pinto de Almeida
Conta bancária Júlio Manuel Vieira Gomes
Compropriedade
Presunção iuris tantum Matéria de facto
Respostas à base instrutória
I- Decorre do disposto no art. 607.º do NCPC (2013) – Confissão
que contempla o princípio da liberdade de Prova plena
julgamento ou da prova livre e que se contrapõe ao Danos não patrimoniais
princípio da prova legal ou vinculada – que as provas Cálculo da indemnização
são valoradas livremente, sem qualquer grau de
hierarquização, nem preocupação do julgador quanto I- Tendo o autor alegado: “Saliente-se que o autor
à natureza de qualquer delas, cedendo o mesmo nas ficou com uma incapacidade permanente de 8%,

452
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça

atribuída pela Tribunal de Trabalho de Sintra,


conforme doc. 09 que se protesta juntar”, não se A afirmação da ré, nos articulados, de que
limitou a afirmar o facto de aquele tribunal lhe ter reconheceria os fornecimentos feitos pela autora se
atribuído tal grau de incapacidade, invocando o esta demonstrasse a sua existência, não constitui um
aludido documento, que protestou juntar, apenas facto pessoal da ré susceptível de ser considerado
como elemento de prova do facto de que ficou com confissão, nem é contraditório com a afirmação que
aquela incapacidade. não os reconhece, antes é complementar dela.
II- Se esse facto não foi impugnado na contestação,
tem de considerar-se assente por confissão – art. 26-02-2015
574.º, n.º 2, do NCPC (2013), no essencial de idêntico Revista n.º 69/12.5TBOER.L1.S1 - 2.ª Secção
teor ao do art. 490.º, n.º 2, do CPC –, confissão que é Oliveira Vasconcelos (Relator)
judicial e que, por ter tido lugar no processo, tem Serra Baptista
força probatória plena – art. 358.º, n.º 1, do CC. Fernando Bento
III - Se, na sequência do acidente que o vitimou, em
03-05-2006, o autor teve de se submeter a sessões de Impugnação da matéria de facto
fisioterapia e passou a padecer de dores ao nível do
ombro direito, agravadas com a realização de
Poderes do Supremo Tribunal de Justiça
esforços, tendo de ser sujeito a infiltrações no
Interpretação da declaração negocial
mesmo; até 12-06-2007, viu condicionada a sua
Poderes da Relação
autonomia na realização de actos inerentes à sua
Acção de honorários
actividade profissional habitual, data em que as
Remissão abdicativa
lesões foram consideradas consolidadas; continua,
Condição
hoje em dia, a sofrer de dores no ombro direito, que
Impugnação da matéria de facto
lhe causam sofrimento físico e o obrigam a esforços
Ampliação do âmbito do recurso
suplementares no exercício da sua actividade
Prova pericial
profissional; tem necessidade de recorrer
Laudo
habitualmente a medicamentos analgésicos,
Ordem dos Advogados
antiespasmódicos ou antiepiléticos; ficou a padecer
Princípio da livre apreciação da prova
de uma IPP de 8%, considera-se adequada a
compensação de € 10 000, a título de danos não
patrimoniais (e não de € 20 000, como considerado I- Ao STJ não está vedado controlar se uma
pela Relação). determinada carta enviada pela autora ao ré
comporta a interpretação que lhe foi conferida pelo
24-02-2015 tribunal da Relação, desde que esse controlo se
Revista n.º 460/09.4TCSNT.L1.S1 - 6.ª Secção confine à verificação da concreta apreciação de
Silva Salazar (Relator) critérios legais de interpretação das declarações
Nuno Cameira negociais – arts. 236.º e ss. CC.
Salreta Pereira II- Nada se tendo apurado quanto à vontade real das
partes, nenhuma censura merece a conclusão
Contrato de fornecimento extraída pela Relação de que, tendo em atenção o
Confissão teor da carta, no contexto em que a mesma foi
Articulados enviada, uma pessoa medianamente informada,

453
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça

colocada na posição de destinatário concreto da carta recurso e à respectiva fundamentação.


– com os seus concretos conhecimentos do contrato II- Em nenhuma circunstância pode admitir-se como
com a autora, da natureza da actividade profissional sendo lícito ao recorrente que este se limite a atacar,
desta, do trabalho por si desenvolvido e da decisão da de forma genérica e global, a decisão de facto,
ré de não realizar a venda – entenderia a decisão ali pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de
plasmada de não cobrar honorários pelo trabalho toda prova produzida, manifestando genérica
desenvolvido como estando condicionado à discordância com a decisão da 1.ª instância.
circunstância de esse mesmo trabalho não ser III- Mostra-se preenchido o ónus de alegação e de
utilizado. especificação se os recorrentes, não obstante não
III- Em sede de recurso de revista para o STJ, não terem localizado as passagens das declarações na
pode a ré impugnar uma decisão de facto que não gravação, de modo expresso, pela fixação dos limites
impugnou perante o tribunal da Relação, na temporais em horas, minutos e segundos, fizeram-no
ampliação do objecto de recurso que deduziu nas por remissão para a acta da audiência de julgamento,
suas contra-alegações da apelação. que individualizaram por referência à data,
IV- Um laudo realizado pela Ordem dos Advogados é identificando, também, as testemunhas,
um juízo pericial sujeito às regras da valoração deste transcrevendo os testemunhos que consideraram
específico meio de prova. relevantes e explicitando o conteúdo dos
depoimentos invocados, bem como as razões que, na
22-05-2014 sua perspectiva, motivavam a modificação da matéria
Revista n.º 2264/06.7TVLSB.L1.S1 - 7.ª Secção de facto.
Maria dos Prazeres Beleza (Relatora) IV- As conclusões de recurso são importantes para o
Salazar Casanova julgador, mas não têm de ser exaustivas nem
Lopes do Rego reproduzir todos os elementos do corpo da alegação.
Trata-se, apenas, de proposições sintéticas que

Matéria de facto emanam, naturalmente, do que se expôs e

Impugnação da matéria de facto considerou ao longo da alegação ou de uma mera

Duplo grau de jurisdição explicitação de algo que decorre já da natureza das

Gravação da prova coisas.

Ónus de alegação V- A eventual censura do STJ ao julgamento da

Alegações de recurso matéria de facto ocorre em duas situações: 1)

Conclusões insuficiência de factos para que o tribunal de revista

Poderes do Supremo Tribunal Justiça possa exercer a sua função de proceder ao


julgamento de direito; 2) errada utilização de
determinados meios de prova, a saber, nos casos em
I- O legislador consagrou um efectivo segundo grau que tenha havido ofensa de uma disposição expressa
de jurisdição, quanto à matéria de facto, mas de lei que exija certa espécie de prova para a
entendeu que este não deveria redundar na criação existência do facto ou que fixe a força de
de factor de agravamento da morosidade da justiça, determinado meio de prova.
donde a necessidade de adoptar um sistema que
garanta, o melhor possível, o equilíbrio entre as 27-01-2015
garantias das partes e a celeridade do processo, Revista n.º 1060/07.9TBFAF.G1.S1 - 1.ª Secção
exigindo ao recorrente um específico ónus de Maria Clara Sottomayor (Relatora)
alegação, no que respeita à delimitação do objecto do
454
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça

Sebastião Póvoas conhecimento pela Relação, não lhe sobra margem


Moreira Alves de insurgência para, na revista, aduzir um vício que
não invocou perante aquele tribunal.
Reapreciação da prova
IV- O tribunal de recurso, na reapreciação a que
Gravação da prova
procede, deve formar uma convicção própria – a qual
Alegações de recurso
tem como limite o sumário conclusivo do recorrente –
Poderes do Supremo Tribunal de Justiça
, para a qual se pode socorrer de outros meios de
Presunções judiciais
prova que não os indicados nas alegações, de
Nulidade de acórdão
presunções judiciais ou de regras da experiência
Excesso de pronúncia
comum, agindo como se fosse um tribunal de 1.ª
instância, não fora a entorse da inviabilização da
I- Ao instituir como regime regra a gravação da prova, imediação.
o legislador pretendeu, nos limites possibilitados pela V- Não cabe ao STJ sindicar o processo íntimo e
gravação e despidos dos factores possibilitados pela racional desenvolvido pelo julgador para, a partir dos
imediação, concavar uma verdadeira e conscienciosa elementos de prova disponíveis, inferir ou dessumir,
reapreciação da matéria de facto. mediante regras ou máximas da experiência, os factos
II- A lei impõe que o recorrente indique os concretos que teve como provados.
pontos de facto que estima incorrectamente julgados, VI- A nulidade a que se refere a segunda parte da al.
os meios de prova que impunham decisão diversa e, d) do n.º 1 do artigo 615.º relaciona-se com a
caso a prova tenha sido gravada e para facultar a sua desarmonia entre a questão posta e identificada pelas
reapreciação, que a 2.ª instância seja confrontada partes e a questão decidida pelo julgador, não se
com a gravação dos depoimentos na parte relevante verificando quando a Relação atendeu à impugnação
para a alteração da decisão (o que implica que o da matéria de facto nos estritos termos em que os
recorrente indique com precisão o trecho que é tido recorrentes o fizeram.
como fundamental) ou com a sua transcrição. O VII- Prevendo o contrato de seguro a ocorrência de
propósito legislativo subjacente reconduz-se à furto ou roubo de bens seguros mediante a
intenção de restringir a tentação dos intervenientes introdução ilegítima em espaço fechado basta que se
processuais em realizar um segundo julgamento (o apure que indivíduos de identidade não apurada
que se explica pela valorização do princípio da entraram na habitação da autora sem recorrerem ao
imediação e da oralidade efectuada pelo legislador) e arrombamento para que se preencha a condição de
de evitar impugnações generalizantes ou indemnização pelas perdas ocasionadas na esfera
generalizadoras, o que importa um controlo apertado patrimonial da segurada pela subtracção de bens
pela instância de recurso por forma a comprimir e guardados em cofre, sendo dispensável que se
reduzir os impulsos recursórios deficientes e/ou demonstre a propriedade desses bens já que tal
inapropriados. também não foi necessário para a celebração daquele
III- Não tendo a apelada, em sede de contra- ajuste.
alegações do recurso de apelação, apostrofado as
alegações recursivas (que, apesar de evidenciarem 11-02-2015
alguma despreocupação e sentido pervagante, Revista n.º 4262/12.2TBMTS.P1.S1 - 1.ª Secção
continham as indicações referidas em II) de Gabriel Catarino (Relator)
ininteligíveis ou desqualificadas para a sua capacidade Maria Clara Sottomayor
compreensiva ou perceptiva de modo a obviar ao seu Sebastião Póvoas

455
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça

mais que a 2.ª instância, ao concluir que não merecia


Impugnação da matéria de facto
censura a decisão da matéria de facto, respondeu
Acto inútil
implicitamente àquela pretensão.
Ato inútil
IV- Posto que o tribunal não está adstrito a apreciar
Impugnação da matéria de facto
todos os fundamentos, motivos ou juízos de valor
Princípio da economia e celeridade processuais
apresentados pelas partes mas apenas as questões
Factos conclusivos
que directamente contendam com a substanciação da
Omissão de pronúncia
causa de pedir, pedido e excepções, a falta de
Nulidade de acórdão
pronúncia sobre argumentos esgrimidos nas
Poderes do Supremo Tribunal de Justiça
conclusões não integra a nulidade referida em III.
Acidente de viação
V- Não estando a força ou valor probatório dos
Auto
depoimentos testemunhais sujeito a qualquer
Documento autêntico
formalidade (regendo-se, ao invés, pela livre
Prova plena
apreciação – art. 396.º do CC, art. 655.º, n.º 1, do
Falta de fundamentação
CPC, e art. 607.º, n.º 5, 1.ª parte, do NCPC), é vedado
I- Constituindo as conclusões das alegações as balizas ao STJ sindicar a valoração efectuada pelas instâncias.
delimitadoras do objecto do recurso (art. 684.º, n.º 3, VI- Sem prejuízo de poder apreciar se ocorreu
do CPC), não podem ser tomadas em conta pelo violação da lei processual na reapreciação da matéria
tribunal ad quem questões que nela não estejam de facto (em ordem a garantir a existência de um
incluídas (ainda que as mesmas constem do corpo de duplo grau de jurisdição e por se tratar de matéria de
alegações), por se ter de entender que, dessa forma, direito), ao STJ não cabe interferir no acervo factual
o recorrente restringiu tacitamente o âmbito da fixado pelas instâncias, excepto se tiver sido
impugnação. considerado como provado um facto sem produção
II- A garantia do duplo grau de jurisdição em matéria da prova legalmente tida por indispensável para o
de facto visa corrigir erros de julgamento que efeito ou em desrespeito das normas reguladoras da
facultem ao impugnante a modificação daquela de força probatória de determinado meio de prova (art.
modo a obter, por essa via, um efeito juridicamente 662.º, n.ºs 1, 2 e 4, art. 674.º, n.º 3, art. 682.º, n.º 2,
útil, pelo que se o facto a que se dirige a impugnação todos do NCPC).
for irrelevante para a decisão a proferir, é inútil e VII- O auto de participação de acidente de viação,
contrário aos princípios da economia e da celeridade enquanto documento autêntico, apenas constitui
processuais (art. 2.º, n.º 1 e art. 130.º, ambos do prova plena relativamente à sua autoria, aos actos
NCPC (2013)), a actividade de reapreciação do seu que nele se descrevem e aos factos que foram
julgamento. colhidos, mas já não quanto às causas daquele evento
III- Reportando-se as conclusões cujo conhecimento ou ao modo como ele ocorreu, pois, não tendo o
foi omitido pela Relação à alteração da resposta a um agente policial que o elaborou o presenciado,
quesito que continha um facto conclusivo, que era estamos perante juízos pessoais do agente policial
insusceptível de resposta concretizadora por a que o elaborou que estão sujeitos à livre apreciação
mesma ser tida por excessiva – art. 646.º, n.º 4, do do julgador.
CPC e art. 607.º, n.º 4, do NCPC – e que em nada VIII- A falta de fundamentação quanto às conclusões
contribuiria para a procedência dos pedidos referidas em III é logicamente incompatível com a
formulados pelo autor, não se verifica a nulidade a arguição da nulidade por omissão de pronúncia
que alude o art. 615.º, n.º 1, al. d), do NCPC, tanto quanto às mesmas, sendo que só a falta absoluta de

456
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça

fundamentação (e não a fundamentação deficiente, I- Ainda que o tribunal da Relação tenha acabado por
errada ou não convincente) espoleta a nulidade a que não tomar conhecimento da impugnação da decisão
alude a al. b) do n.º 1 do art. 615.º do NCPC. de facto, por considerar não terem sido observadas as
exigências do ónus daquela impugnação, tendo a
11-02-2015 mesma sido deduzida embora sem tal observância, é
Revista n.º 422/2001.L1.S1 - 1.ª Secção quanto basta para considerar como relevante o prazo
Gregório Silva Jesus (Relator) de 40 dias.
Martins de Sousa II- A colonia surgiu, há muitos anos, na Ilha da
Gabriel Catarino Madeira, no contexto da exploração dos seus solos
mais acidentados, levando a que os senhores das
Recurso de apelação terras (morgados) as entregassem a agricultores
Admissibilidade de recurso pobres (colonos), para as cultivarem mediante o
Impugnação da matéria de facto pagamento de metade dos frutos ali produzidos – a
Transcrição demídia.
III- Daí decorreu, por via consuetudinária, uma
espécie de direito real menor, nos termos do qual se
I- Tendo o recorrente impugnado decisão proferida
operou a cisão entre a propriedade do solo, que se
sobre matéria de facto e tendo procedido à
mantinha na esfera jurídica do dono da terra, e a
transcrição dos depoimentos com indicação dos
titularidade do direito do gozo e das benfeitorias,
quesitos ou pontos da base instrutória que considera
pertencentes ao colono, que as podia alienar ou
indevidamente julgados não está o tribunal da
transmitir aos herdeiros.
Relação impedido de analisar tal prova, decidindo
IV- A CRP de 1976 veio a consignar que seria extinto o
como for da sua convicção e aplicando o direito que
regime da colonia, tendo o Decreto Regional n.º
ao caso couber.
13/77/M, de 18-10, declarado extintos os contratos
II - O facto de a recorrente não indicar com exactidão
de colonia subsistentes, conferindo ao colono-
as passagens da gravação em que se funda o seu
rendeiro o direito de remir a propriedade do solo
recurso, face ao referido em I, não implica a rejeição
onde possuísse benfeitorias, mediante o pagamento
imediata do recurso.
de uma indemnização.
V- A jurisprudência tem vindo a entender que a falta
26-02-2015
de depósito da indemnização, no prazo legal,
Revista n.º 8423/06.5TBMTS.P1.S1 - 7.ª Secção
determina a caducidade do direito de remição, o que
Orlando Afonso (Relator)
levará à dedução de incidente posterior com vista à
Távora Victor
declaração dessa caducidade.
Granja da Fonseca
VI- A presunção estabelecida no n.º 2 do art. 1257.º
do CC actua no domínio da aquisição derivada da
Recurso de apelação
posse, enquanto que a configurada no n.º 2 do art.
Impugnação da matéria de facto
1252.º do CC, opera no âmbito da aquisição
Prazo de interposição de recurso
originária.
Contrato de colonia
VII- Deste modo, quando estamos perante uma forma
Usucapião
de aquisição originária da posse, mormente fundada
Presunções legais
em prática reiterada, não filiada, portanto, em
qualquer anterior possuidor, presume-se o animus

457
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça

em que exerce tal poder de facto. Tratando-se já de formado acerca de dois segmentos da matéria de
uma aquisição derivada da posse, como no caso de facto – e que a existir cairia na previsão da al. c) in
tradição material de anterior possuidor, não bastará a fine do n.º 2 do art. 662.º e do art. 682.º, n.º 3, do
prova da mera tradição material, sendo necessária NCPC (2013) – não é enquadrável no vício, gerador de
ainda a demonstração do animus com apelo ao nulidade de acórdão, de oposição entre os
negócio subjacente à transferência da posse, fundamentos e decisão.
independentemente da sua validade substancial e de IV- A circunstância de ter resultado provado que o réu
acordo com a vontade real manifestada. sabia que a assembleia geral extraordinária da autora,
realizada no dia 02-10-2006, contemplava na sua
26-02-2015 ordem de trabalhos a deliberação sobre a sua
Revista n.º 536/05.7TCFUN.L1.S1 - 2.ª Secção exclusão de sócio e, consequente, amortização de
Tomé Gomes (Relator) quota, não determina – por si só – que os réus,
Bettencourt de Faria aquando da celebração da escritura pública de cessão
João Bernardo de quota, conheciam os pontos da ordem de
(Acórdão redigido ao abrigo do novo Acordo trabalhos de uma outra assembleia geral a marcar
Ortográfico) judicialmente no âmbito de um processo pendente
no Tribunal de Comércio.
Simulação V- As instâncias, no seu juízo probatório, não
Nulidade do contrato extraíram essa presunção judicial e, como tal, não
Cessão de quota pode o STJ extraí-la, sob pena de violação do disposto
Omissão de pronúncia no art. 674.º, n.º 3, do CPC.
Oposição entre os fundamentos e a decisão VI- O ónus da prova relativamente aos factos
Nulidade de acórdão integradores da simulação incumbe à autora, que
Poderes do Supremo Tribunal de Justiça apresenta a mesma como causa de pedir da presente
Presunções Judiciais acção.
Assembleia Geral VII- Competia à autora a demonstração de que o valor
Exclusão de sócio inserto na escritura de cessão de quota, declarado
Ónus da prova pelo cedente e cessionária, era desconforme com a
Poderes da Relação realidade, sendo manifestamente excessivo face ao
Matéria de facto valor real de mercado.
VIII- Não tendo a autora logrado efectuar prova de
I- A omissão de pronúncia circunscreve-se à não que o valor que indicou como sendo o valor real de
apreciação de questões em sentido técnico, questões mercado da quota social alienada – como lhe
essas que o tribunal tenha o dever de conhecer com competia – não cabia à Relação fazer uso dos
vista à decisão da causa e de que não haja conhecido, poderes/deveres que o art. 662.º, n.º 2, do NCPC
apesar de não estarem prejudicadas pelo tratamento (2013) lhe comete para suprir o seu insucesso
dado a outras. probatório.
II- O conhecimento das questões não se confunde
com o conhecimento razões, fundamentos e 23-04-2015
argumentos, cuja falta de pronúncia não constitui Revista n.º 2651/07.3TBSXL.L1.S1 - 7.ª Secção
nulidade da decisão. Fernanda Isabel Pereira (Relatora)
III- Uma eventual contradição entre o juízo probatório Pires da Rosa

458
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça

Maria dos Prazeres Beleza Arresto

Reconvenção
Procedimentos cautelares
Arresto
Reconvenção Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça
Requisitos Inadmissibilidade
Legitimidade Oposição de julgados
Pressupostos processuais
Despacho saneador I- Fora as hipóteses em que o recurso é sempre
Conhecimento no saneador possível – previstas no art. 629.º, n.º 2, do NCPC
Sentença (2013) –, das decisões proferidas em procedimentos
Caso julgado cautelares, não é admissível recurso para o STJ (cf.
art. 370.º, n.º 2, do NCPC (2013)).
I- O exercício do direito de reconvir depende apenas II- Não há contradição de julgados, fundamento de
da verificação dos requisitos objetivos e processuais recurso para o STJ previsto no art. 629.º, n.º 2, al. d),
referidos no art. 266.º do NCPC (2013). do NCPC (2013), se a questão real e essencial decidida
II- Assim, quando se profere um despacho sobre a no acórdão recorrido é diversa da abordada no
admissibilidade da reconvenção, não se está a tomar acórdão invocado como fundamento: o primeiro
posição sobre a verificação dos pressupostos tratou da necessidade de o requerente do
processuais – entre eles a legitimidade –, a qual deve procedimento cautelar deduzir, no processo principal,
ser tomada em sede de despacho saneador – art. um pedido de condenação dos requeridos no
595.º, n.º 1, al. a), do NCPC (2013). pagamento de qualquer importância a fim de, assim,
III- Se o despacho saneador não conhecer de tal ficar munido de título executivo que lhe permita
questão, então deverá a mesma ser apreciada na executar os demandados, além de ter concluído que
sentença – art. 661., n.º 1, do NCPC (2013). não se verificava o requisito da prova da aparência do
IV- Não tendo havido decisão anterior sobre a direito de crédito invocado (fumus boni juris),
questão da legitimidade do reconvinte não se pode ordenando o levantamento do arresto; e o segundo,
falar em violação de caso julgado. da questão de saber, em caso de transmissão de bens
do devedor para terceiros, a que acção deveria ser
18-06-2014 apenso o arresto, se à acção de impugnação pauliana,
Revista n.º 61/10.4TBVNH.P1.S1 - 2.ª Secção se à acção de cumprimento.
Oliveira Vasconcelos (Relator)
Serra Baptista 27-05-2014
Álvaro Rodrigues Revista n.º 2091/12.2TBVCD-B.P1.S1 - 1.ª Secção
(Acórdão e sumário redigidos ao abrigo do novo Garcia Calejo (Relator)
Acordo Ortográfico) Helder Roque
Gregório Silva Jesus

459
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça

Procedimento cautelar uma determinada providência cautelar, posto que


Arresto esta tem carácter facultativo e antecipatório.
Indeferimento IV- Assim, bem andou a Relação ao afirmar que «não
Caducidade é obrigatório arrestar os bens do devedor antes ou
simultaneamente com a instauração da acção para
I- Tendo o procedimento cautelar de arresto, obter o reconhecimento da dívida e a condenação do
inicialmente intentado, sido indeferido por falta de devedor no seu pagamento».
prova de um dos requisitos – justo receio de perda
patrimonial –, não tem aplicação o art. 362.º, n.º 4, 20-11-2014
do CPC, na parte em que estatui que «não é Revista n.º 3305/10.9TJVNF.P2.S1 - 7.ª Secção
admissível, na dependência da mesma causa, a Orlando Afonso (Relator)
repetição de providência que haja sido julgada Távora Victor
injustificada ou tenha caducado». Granja da Fonseca
II- Não existe repetição de providência quando o
requerente se limita a intentar uma outra alegando
Fundamentação essencialmente diferente
factos novos a integrar a respectiva causa de pedir,
suprindo a insuficiência da alegação inicial.
Revista excepcional

08-01-2015 Admissibilidade de recurso

Revista n.º 3589/08.2YYLSB-G.L1.S1 - 2.ª Secção Aplicação da lei no tempo

Tavares de Paiva (Relator) Ónus de alegação

Abrantes Geraldes Relevância jurídica

Bettencourt de Faria Interesses de particular relevância social


Rejeição de recurso

Inversão do contencioso
I- Este Colectivo não pode sindicar a bondade
intrínseca (por ausência de erro de julgamento) da
Erro na forma do processo
deliberação recorrida, papel da Conferência julgadora
Procedimentos cautelares
se a revista excepcional for admitida.
Acção de condenação
II- Com a entrada em vigor do novo Código de
Processo Civil é o seguinte o regime dos recursos: - Se
I- O erro na forma de processo consiste na a decisão foi proferida após 1 de Setembro de 2013
circunstância de o autor ter usado de uma forma aplica-se o Código de Processo Civil anterior, com as
processual inadequada para fazer valer a sua alterações do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de
pretensão, inadequação essa que há-de ser Agosto, “corrigidas” pelo diploma de 2013,
determinada em função do pedido formulado. independentemente da propositura da acção ser
II- Mesmo no domínio no NCPC (à parte da inversão anterior a 1 de Janeiro de 2008;
do contencioso), a providência cautelar surge como - Há, porém uma única excepção: o n.º 3 do artigo
antecipação e preparação de uma providência 671.º (correspondente ao n.º 3 do artigo 721.º) que
ulterior, com vista a assegurar a sua eficácia. não se aplica aos novos recursos na parte em que
III- Não há erro ou inadequação processual se o autor exclui a dupla conformidade no caso de “uma
lançou mão da acção principal em vez de interpor fundamentação essencialmente diferente”.

460
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça

III- O requisito da alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do documentos e depoimentos que impunham uma
Código de Processo Civil implica a controvérsia da decisão diversa, reportada a cada um dos factos em
questão jurídica na doutrina e na jurisprudência, a concreto (quesitos) da base instrutória, pelo que o
sua complexidade, ou, finalmente a sua natureza recurso, nesta parte, deve ser imediatamente
inovadora, em termos de se justificar a intervenção rejeitado.
do Supremo Tribunal de Justiça para evitar
dissonâncias interpretativas a porem em causa a boa 13-05-2014
aplicação do direito. Revista n.º 1084/08.9TBCBR.C1.S1 - 6.ª Secção
IV- O requisito da alínea b) do n.º 1 do artigo 672.º do Azevedo Ramos (Relator)
Código de Processo Civil tem ínsita a aplicação de Nuno Cameira
preceito ou instituto a que os factos sejam Sousa Leite
subsumidos e que possa interferir com a
tranquilidade, a segurança, ou a paz social, em Recurso de revista

termos de haver a possibilidade de descredibilizar as Dupla conforme

instituições ou a aplicação do direito. Fundamentação

30-01-2014 Fundamentação essencialmente diversa

Revista excepcional n.º 1246/10.9JTLSB.L1.S1 Qualificação jurídica

Sebastião Póvoas (Relator) *


Pires da Rosa I- A alteração do conceito de dupla conformidade,
Silva Salazar enquanto obstáculo ao normal acesso em via de
recurso ao STJ, operada pelo actual NCPC (2013)
Recurso de revista (mandando atender a uma diferença essencial nas
Inadmissibilidade fundamentações que suportam a mesma decisão das
Dupla conforme instâncias), obriga o intérprete e aplicador do direito
Transacção judicial a – analisada a estruturação lógico argumentativa das
Reconvenção decisões proferidas pelas instâncias, coincidentes nos
Impugnação da matéria de facto respectivos segmentos decisórios – distinguir as
Rejeição de recurso figuras da fundamentação diversa e da
fundamentação essencialmente diversa.
I- Tendo o acórdão recorrido confirmado, sem voto II- Não é qualquer alteração, inovação ou modificação
de vencido e sem fundamentação essencialmente dos fundamentos jurídicos do acórdão recorrido,
diferente, a decisão da matéria da extinção da relativamente aos seguidos na sentença apelada,
instância reconvencional, em face da interpretação, qualquer nuance na argumentação jurídica por ele
feita pelas instâncias, de que a sentença assumida para manter a decisão já tomada em 1.ª
homologatória da transacção abrangeu o pedido instância, que justifica a quebra do efeito inibitório
reconvencional, há dupla conforme, que impede o quanto à recorribilidade, decorrente do
recurso de revista, quanto a este pedido, nos termos preenchimento da figura da dupla conforme.
do art. 671.º, n.º 3, do CPC. III- Só pode considerar-se existente uma
II- Não cumpre com o preceituado no art. 685.º-B, n.º fundamentação essencialmente diferente quando a
1, al. b), e n.º 2, do CPC, na versão introduzida pelo DL solução jurídica do pleito prevalecente na Relação
n.º 303/2007, de 24-08, a impugnação da matéria de tenha assentado, de modo radicalmente ou
facto efectuada em bloco, sem especificação dos profundamente inovatório, em normas,

461
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça

interpretações, normativas ou institutos jurídicos sentença na 2.ª instância assenta num


perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam enquadramento normativo absolutamente distinto
justificado e fundamentado a decisão proferida na daquele que foi ponderado na decisão da 1.ª
sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se instância, o que equivale por dizer que irrelevam uma
estribe decisivamente no inovatório apelo a um eventual modificação da decisão de facto efectuada
enquadramento jurídico perfeitamente diverso e nesta última sede, dissensões secundárias, a não
radicalmente diferenciado daquele em que assentara aceitação de um dos caminhos percorridos, ou a mera
a sentença proferida em 1.ª instância. adição de fundamentos.
II- Tendo o aresto recorrido sido lavrado sem voto de
19-02-2015 vencido e se movido dentro do mesmo quadro
Revista n.º 302913/11.6YIPRT.E1.S1 - 7.ª Secção jurídico em que se moveu a sentença de 1.ª instância
Lopes do Rego (Relator) * para alcançar, no que toca aos pedidos contidos na
Orlando Afonso petição inicial, um resultado idêntico àquele que se
Távora Victor obtivera na 1.ª instância e limitando-se a rejeitar uma
das vias ali seguidas é de concluir que, na Relação,
Dupla conforme
não se adoptou uma fundamentação que deva ser
Fundamentação
tida como essencialmente diferente, o que impede o
Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça
conhecimento do objecto do recurso, no segmento
Nulidade de acórdão
em que versa sobre esse aspecto,
Omissão de pronúncia
independentemente de não ter sido admitido o
Erro de julgamento
recurso interposto pela recorrente da decisão de 1.ª
Excesso de pronúncia
instância.
Poderes do Supremo Tribunal de Justiça
III- Como as questões em sentido técnico não podem
Matéria de facto
ser confundidas com factos, a falta de consideração
Reapreciação da prova
de um facto tido pela recorrente como demonstrado
Usucapião
ou um suposto erro na apreciação da prova, não
Domínio público
integra a nulidade prevista na primeira parte da al. d)
Domínio privado
do n.º 1 do art. 615.º do NCPC (2013), o mesmo se
Inconstitucionalidade
podendo afirmar relativamente a argumentos ou
Princípio da igualdade
invocações que não integram os fundamentos da
Venda de bens alheios
causa de pedir (da acção ou da reconvenção) ou de
Nulidade do contrato
excepções.
Compra e venda comercial
IV- Tendo o Autor impetrado o cancelamento dos
Inoponibilidade do negócio
registos lavrados a favor dos intervenientes e arguido
Registo predial
a nulidade dos negócios a eles subjacentes, o acórdão
recorrido não incorreu na nulidade decorrente do
I- A verificação da dupla conformidade prevista no n.º excesso de pronúncia se o determinou com base
3 do art. 671.º do NCPC (2013) tem, ademais, como nessa arguição.
óbice o emprego, pela 2.ª instância, de V- Do n.º 3 do art. 674.º e n.º 2 do art. 682.º, ambos
“fundamentação essencialmente diferente” na do NCPC (2013) evola que o STJ, enquanto tribunal de
manutenção do decidido na 1.ª instância, expressão revista, só pode conhecer da matéria de facto quando
que enquadra os casos em que a confirmação da ocorra ofensa expressa de lei que exija prova

462
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça

vinculada ou estabeleça o valor de determinado meio 08-01-2015


probatório, sem prejuízo de, com as devidas cautelas, Revista n.º 129/11.0TCGMR.G1.S1 - 2.ª Secção
poder sindicar o uso, pela Relação, dos poderes que João Trindade (Relator) *
lhe são conferidos pelo n.º 2 do art. 662.º do mesmo Tavares de Paiva
diploma. Abrantes Geraldes
VI- O facto de o recurso de apelação interposto pela
recorrente não ter sido admitido não faculta a esta, à Dupla conforme

luz de qualquer norma vigente no nosso Fundamentação essencialmente diferente

ordenamento jurídico ou de qualquer princípio, a Prescrição

possibilidade de impetrar a este Supremo Tribunal de


Justiça a reapreciação da matéria de facto com base I- O Novo Código de Processo Civil, ao não admitir o
na valoração de segmentos de depoimentos recurso para este STJ no caso de dupla conforme, sem
testemunhais, tanto mais que estamos perante meios voto de vencido e sem fundamentação
de prova sujeitos à livre apreciação do julgador. essencialmente diferente, e não nos fornecendo a lei
VII- O art. 1.º da Lei n.º 54, de 16-07-1913, está em qualquer definição deste último conceito, que é,
vigor, é aplicável ao instituto da usucapião quando afinal, um conceito indeterminado e aberto, obriga o
este verse sobre bens afectos ao domínio privado de julgador (intérprete), desde logo, a distinguir as
institutos públicos integrados na administração figuras da fundamentação diversa e da
indirecta do Estado e não enferma de fundamentação essencialmente diferente.
inconstitucionalidade material por violação do II- Não se bastando o conceito de fundamentação
princípio da igualdade. essencialmente diferente com qualquer modificação
VIII- Não se tendo alegado que a aquisição efectuada ou alteração da fundamentação no iter jurídico que
pela recorrente aos Réus visava a revenda do prédio suporta o acórdão da Relação em confronto com a
em causa nos autos, a mesma não se pode ter como sentença de 1.ª instância, sendo antes indispensável
comercial, pelo que, demonstrando-se que esse bem que, naquele aresto, ocorra uma diversidade
pertencia ao recorrido, estamos em presença de uma estrutural e diametralmente diferente no plano da
transacção nula por falta de legitimidade daqueles subsunção do enquadramento normativo da mesma
para a transmissão, o mesmo se concluindo matéria litigiosa.
relativamente à venda daquele bem aos demais III- Só pode, pois, considerar-se estarmos perante
recorrentes. uma fundamentação essencialmente diferente
IX- Sendo as alienações posteriores do imóvel quando ambas as instâncias divergirem, de modo
somente inoponíveis ao recorrido, os recorrentes não substancial, no enquadramento jurídico da questão,
se podem prevalecer do disposto no art. 291.º do CC, mostrando-se o mesmo decisivo para a solução final:
o qual tem o seu campo de aplicação cingido à ou seja, se o acórdão da Relação assentar num
nulidade e à anulabilidade. enquadramento normativo absolutamente distinto
X- Ainda que fosse aplicável tal preceito, o certo é daquele que foi ponderado na sentença de 1.ª
que, sendo os negócios referidos em VIII os únicos instância.
afectados pelo vício, a circunstância de terem sido Ou, dito, ainda de outro modo: quando o acórdão se
concluídos menos de três anos antes da propositura e estribe definitivamente num enquadramento jurídico
registo da presente acção sempre obviariam a que se perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado do
reconhecessem os direitos dos recorrentes sobre o perfilhado na 1.ª instância.
imóvel transaccionado. IV- Tendo ambas as instâncias tomado idêntica

463
Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça

posição quanto à existência da prescrição, com a


consequente extinção do direito da autora, não é o
facto de 1.ª instância não ter tomado expressa
posição sobre a alegada suspensão da prescrição, que
afinal não ocorreu, que pode, só por isso, haver em
ambas as decisões fundamentação essencialmente
diferente.

30-04-2015
Revista n.º 1583/08.2TCSNT.L1.S1 - 2.ª Secção
Serra Baptista (Relator) *
Fernando Bento
João Trindade

464
Jurisprudência dos Tribunais de Relação
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra

Tribunal da Relação de Coimbra


2014

1. TRC 20/01/2014 (Arlindo Oliveira), p. 5559/04.0TBLRA-D.C1


Sumário:
1. “No termos do disposto no artigo 696.º al. c) do NCPC, a decisão transitada em julgado
só pode ser objecto de revisão quando se apresente documento de que a parte não
tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi
proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em
sentido mais favorável à parte vencida.
2. Podendo o documento ter sido apresentado no processo anterior e tendo força
probatória limitada, por se tratar de um documento particular, deve o recurso de
revisão ser indeferido.
3. A introdução de factos novos não constitui fundamento para a interposição de recurso
de revisão”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5b
b/2ec278cce70b3e2680257c6d00418d29?OpenDocument

2. TRC 11/03/2014 (Fonte Ramos), p. 1361/09.1TBVNO.C1


Sumário:
“Perante a inexistência de um regime transitório quanto aos recursos das decisões
proferidas até 31.8.2013 nos processos instaurados depois de 01.01.2008 (art.ºs 5º, 6º e 7º
da Lei n.º 41/2013, de 26.6, que aprovou o actual CPC), e dado que, em princípio
[exceptuando-se, por exemplo, as regras de competência e sobre os graus de jurisdição],
poderão ser aplicadas, a tais processos, as normas do CPC de 2013, [sem prejuízo da
validade dos actos que, até àquela data, foram praticados em conformidade com a lei
processual vigente à data da sua prática], a Relação poderá determinar a realização de
diligência probatória suplementar, ao abrigo do disposto no art.º 662, n.º 2, alínea b), do
referido Código, se estiver em causa o esclarecimento de facto essencial para o desfecho da
lide”.

467
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/49df98c1e37bf07080257cc100366def?OpenDocument

3. TRC 11/03/2014 (Falcão Magalhães), p. 510/08.1TBTND.C1


Excerto:
“Uma vez que a sentença recorrida é anterior à entrada em vigor do novo CPC (NCPC),
aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, não é este aplicável, mas antes o CPC que o
antecedeu, com as alterações que lhe foram introduzidas, designadamente, no que respeita
ao regime dos recursos, pelo DL n.º 303/07, de 24/08”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/3e2abfd377269d7080257ca6003903c6?OpenDocument

4. TRC 18/03/2014 (Luís Cravo), p. 71/13.0TBCVL.C1


Sumário:
1. “Encontrando-se previstos prazos de caducidade de 6 meses para a propositura da
acção, após denúncia dos defeitos – quer no art. 917º do C.Civil, quer no art. 5º, nº 4 do
DL nº 67/2003 (na redacção aplicável) – têm estes de ser aplicados no caso ajuizado,
pelo que não há lugar à aplicação da regra geral do art. 309º do C.Civil, no sentido de
que presente acção pudesse ser livremente proposta até se verificar o prazo geral de
prescrição de vinte anos ali previsto.
2. Contudo, ao diligenciar por uma solução negociada para a “reparação” reclamada pelos
AA., tal configura comportamento concludente da Ré perante eles, a saber, inculcou aos
AA. a ideia de que lhes reconhecia o correspondente direito, donde o reconhecimento
tácito do direito dos AA., tal-qualmente se mostra previsto no artigo 331º, nº 2, do
C.Civil, ficando o prazo em causa definitivamente subtraído à caducidade, no que a esta
Ré concerne.
3. Alternativamente à demanda do vendedor, o DL n.º 67/2003, de 8-04 (“Lei de Venda de
Bens de Consumo”), apenas estabelece a responsabilidade directa do produtor
(fabricante) no respeitante aos direitos de reparação e substituição da coisa defeituosa a

468
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra

exercer no prazo de 10 anos sobre a colocação do bem em circulação (cf. art. 6º, nºs 1 e
2, al. e) do mesmo).
4. A responsabilidade do produtor prevista no nº2 do art. 12º do citado DL n.º 67/2003, de
8-04, reporta-se à falta de segurança do bem (no seu uso, na sua utilização ou consumo
normal ou razoavelmente previsível), nos termos que vieram a ser disciplinados pelo DL
nº 383/89 de 6 de Novembro.
5. O actual art. 590º nº 4 do n.C.P.Civil (disposição já em vigor tempo da prolação da
decisão recorrida), em contraste com o correspondente nº 3 do artigo 508º do C.P.Civil,
impõe ao juiz o dever de convidar as partes a suprir as deficiências ou imprecisões na
exposição ou concretização da matéria de facto alegada (correspondendo agora a um
poder vinculado).
6. Mas esse convite ao aperfeiçoamento só continua a ser possível quanto a factos que não
integrem o núcleo de facto essencialmente estruturante da causa de pedir”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/5f97e7b43ba651d880257cc1002f54e1?OpenDocument

5. TRC 18/03/2014 (Henrique Antunes), p. 3721/11.9TBLRA.C1


Sumário:
I- “Dado que no Código de Processo Civil de 1961 o princípio da plenitude da assistência
dos juízes só valia para os actos de produção da prova e de julgamento da matéria de
facto – e, portanto, para a fase da audiência – e não também para a fase da sentença, o
proferimento da sentença por juiz diferente daquele que decidiu a matéria de facto não
infringia aquele princípio – nem, aliás, qualquer outro princípio ou norma processual.
II- Uma vez que o NCPC concentrou o julgamento da questão de facto na sentença final,
esta sentença só pode ser proferida pelo juiz que assistiu aos actos de instrução e
discussão praticados na audiência ou audiências de discussão e julgamento.
III- Essa regra não é, porém, aplicável aos casos em que, antes do início da vigência do
NCPC, a matéria de facto já se mostrava julgada pelo juiz que assistiu aos actos de
produção da prova.
IV- O proferimento da sentença final por juiz diferente do que decidiu a matéria de facto
resolve-se, no NCPC, numa simples nulidade processual, inominada ou secundária, que

469
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra

não constitui objecto admissível do recurso.


V- A selecção da matéria de facto, tenha ou não sido objecto de impugnação, não transita
em julgado e, por isso, não se torna vinculativa no processo, nunca tornando indiscutível
que os factos incluídos na base instrutória sejam efectivamente controvertidos, nem
que os considerados assentes não sejam afinal controvertidos – nem ainda que não
existam factos relevantes que não foram sequer seleccionados”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/4d58153177eef24d80257ca6003c6161?OpenDocument

6. TRC 18/03/2014 (Sílvia Pires), p. 556/12.5TBTMR-A.C1


Excerto:
“Entre nós, até à aprovação do Novo Código de Processo Civil, face à redacção do art.º
274º, n.º 1, c), do C. P. Civil de 1961, era dominante na doutrina e na jurisprudência a tese
de que só haveria reconvenção quando o contra-crédito invocado pelo réu excede o valor
do crédito reclamado pelo autor no montante da diferença que lhe seja favorável. (…)
O Novo Código de Processo Civil no art.º 266º, n.º 1, c), que alterou a redacção do anterior
art.º 274.º, n.º 1, c), parece ter consagrado a teoria daqueles que defendiam que a
compensação teria que ser sempre deduzida através de pedido reconvencional,
independentemente do equilíbrio de valores entre os créditos contrapostos, o que, se
assim for, terá resolvido a questão em discussão na presente acção, uma vez que nesse
caso a decisão sobre o contra-crédito é necessariamente abrangida pelo caso julgado.
Contudo, Lebre de Freitas, em A acção declarativa comum à luz do Código de Processo Civil
de 2013, pág. 124 e seg., sustenta que a nova redacção do art.º 266º, n.º 1, c), do Novo
Código de Processo Civil não tem a virtualidade de alterar a interpretação até aí
dominante”.

470
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/b8d2705792baf0dc80257ca6003a9620?OpenDocument

7. TRC 25/03/2014 (Teles Pereira), p. 482/11.5TBVIS.C1


Excerto:
“Nota (1) Trata-se da data da propositura da presente acção, marcando ela a aplicação à
presente instância de recurso do regime processual originariamente decorrente do
Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto (v. os respectivos artigos 11º, nº 1 e 12º, nº 1).
Não se aplica aqui, desta feita por estar em causa decisão recorrida (a de fls. 589/611)
anterior a 1 de Setembro de 2013 (decisão datada de 03/06/2013), o texto do Novo Código
de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho (v. os respectivos artigos
7º, nº 1 e 8º, cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo
Civil, Coimbra, 2013. p. 15). Assumimos ser discutível se a regra do artigo 7º, nº 1 da Lei nº
41/2013, a única disposição do Diploma introdutório do Novo Código de Processo Civil que
se refere à instância de recurso, abrange os recursos referidos a decisões anteriores a
01/09/2013 aos quais já se aplicasse, como aqui sucede, o regime do DL nº 303/2007 –
processos instaurados depois de 01/01/2008 –, sendo que quanto a estes, em rigor, não há
qualquer regime transitório expressamente definido, pelo que há que entender que, em
tais casos, se continuará a aplicar o regime antigo, aqui sinónimo do regime “originário” do
DL nº 303/2007, até porque, se o legislador se preocupou em definir um regime para as
acções instauradas antes de 01/01/2008, não tem sentido concluir que um regime idêntico
também vale para as acções propostas depois dessa data, além de que a “tradição” dos
nossos Diplomas introdutórias de reformas profundas do Processo Civil é tratar a instância
de recurso individualizadamente”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/8b42cb91a0130c0280257caf00301573?OpenDocument

471
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra

8. TRC 08/04/2014 (Regina Rosa), p. 998/11.3TBSCD-K.C1


Sumário:
I- “A declaração de insolvência constitui o momento desencadeador das actuações
processuais de natureza predominantemente executiva, consistentes na apreensão e na
venda dos bens do insolvente, bem como na sua eventual separação da massa e
consequente restituição a um terceiro titular de direito sobre eles (arts. 149º e 141º do
CIRE).
II- O art. 141º regula o exercício do direito de fazer separar da massa os bens
indevidamente apreendidos, o prazo de que o titular dispõe para o efeito, e o processo a
seguir. Processa-se como a reclamação de créditos.
III- Em conjugação com o artigo 662º do NCPC, e para possibilitar a alteração da matéria de
facto pela Relação, o art. 640º veio sujeitar o recorrente que impugne a decisão relativa
à matéria de facto, a estes ónus de alegação: indicação dos concretos pontos de facto
que considera incorrectamente julgados [al.a)]; quando a impugnação se fundar em
meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, deve
especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a
cada um dos factos [al.b)]; relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja
impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da
especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre ao
recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se
assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos [al.b) e nº2-a)];
decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto
impugnadas [al.c)].
IV- O contrato-promessa não é susceptível, só por si, de transmitir a posse ao promitente
comprador, salvo se este tiver, sobre a coisa objecto do contrato prometido, animus
possidendi, sendo então possuidor”. (sublinhado nosso).

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5b
b/3df20b86809953b880257cc20032eb0a?OpenDocument

472
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra

9. TRC 08/04/2014 (Carlos Moreira), p. 4135/12.9TBLRA-C.C1


Sumário:
I- “O recurso sobre nulidades processuais está limitado, nos termos do artº 630º nº2 do
NCPC, sendo assim, em princípio, irrecorrível, a não inquirição de testemunhas
apresentadas, máxime se a mesma foi deixada pelo apresentante ao critério do juiz.
II- No processo de insolvência, e não obstante a acuidade acrescida do inquisitório,
relevam ainda, primordialmente, em sede de alegação e prova, os princípios do
dispositivo e da autorresponsabilidade dos interessados.
III- A decisão que fixa o quantum necessário ao sustento do requerente e da sua família no
âmbito da exoneração do passivo restante – artº 239º nº3 al. b) i do CIRE - é nula, por
falta de acervo factual bastante, se, adrede, perentória e inequivocamente, não fixa,
como factos provados, o valor dos rendimentos e das despesas dos insolventes.
IV- Sendo exigível aos insolventes impetrantes da exoneração do passivo restante a
racionalização/compressão do seu estilo de vida, ex vi do dever de pagamento aos
credores o mais amplamente possível, e atento o normal limite legal de 3 RMM, é
aceitável e razoável fixar o valor de duas vezes e meia da RMM para o sustento do casal
de insolventes que auferem 1.663,00 euros e que têm um filho a seu cargo”. (sublinhado
nosso).

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5b
b/f247c163fe508e5480257ceb004d048a?OpenDocument

10.TRC 13/05/2014 (Arlindo Oliveira), p. 304921/09.8YIPRT-B.C1


Sumário:
1. “O artigo 857.º do nCPC é inconstitucional quando interpretado no sentido de que os
fundamentos de embargos a execução fundada em requerimento de injunção a que foi
aposta fórmula executória se limitam aos fundamentos de embargos previstos no artigo
729º, do que resulta não se poder aplicar tal preceito.
2. Nos embargos deduzidos numa execução baseada na atribuição judicial de força
executiva à petição da acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias
subsequente à falta de oposição ao requerimento de injunção não se verifica tal
inconstitucionalidade”.

473
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/3772e30b03900c4d80257cdf0033a9ee?OpenDocument

11.TRC 27/05/2014 (Carlos Moreira), p. 1168/13.1TBGRD.C1


Sumário:
1. “A enunciação dos temas da prova não obsta a que devam ser considerados, máxime na
sentença, todos os factos necessários às várias soluções plausíveis da questão de direito.
2. No âmbito da Convenção CMR, o transportador, é presuntivamente, e salvo se provar
caso fortuito ou de força maior, responsável pelos prejuízos causados nos termos e com
os limites previstos no artº 23º.
3. Estão abrangidos por tal dever de indemnizar as despesas provocadas pela mercadoria
perdida/estragada, vg. as que, por imposição de autoridade, foram necessárias para a
fiscalizar, carregar, guardar e depositar, exceto se se provar incumprimento do
expedidor.
4. A falta imputável ao transportador equivalente ao dolo, que, nos termos do artº 29º,
exclui tal limite indemnizatório, é qualquer uma que lhe permita a imputação de um
juízo de culpa, lato sensu, o que se verifica, vg. se a mercadoria se perdeu por incêndio
provocado pelo sistema de travagem do veículo”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/27c1ef04f4cb2df480257cf90032622a?OpenDocument

12.TRC 17/06/2014 (Sílvia Pires), p. 405/09.1TMCBR.C1


Sumário:
I- “Antes da entrada em vigor do Novo C. P. Civil, para efeitos de determinação das datas
das notificações electrónicas, existiam duas presunções:
 a contida no art.º 254º, n.º 5, do C. P. Civil de que a notificação por transmissão
electrónica de dados se presume feita na data da expedição e,
 a contida no n.º 5 do art.º 21º-A da Portaria 1538/2008, de 30 de Dezembro, que
presume que a expedição é feita no terceiro dia posterior ao da elaboração da

474
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra

notificação, ou no primeiro dia útil seguinte a este, quando o final do prazo termine
em dia não útil.
II- No que respeita a notificações, o art.º 248º do Novo C. P. Civil, universalizando o regime
da notificação electrónica, incorpora a presunção que constava do nº 5 do art.º 21º-A da
Portaria nº 114/2008, de 6 de Fevereiro, nada resultando da mesma que a notificação se
considere ou presuma efectuada no dia em que o correio electrónico for lido, mas tão
somente que a mesma se considera efectuada no 3º dia posterior ao da sua elaboração
no sistema informático.
III- Assim, mantêm-se o mesmo sentido da lei anterior, segundo o qual as presunções da
notificação só podem ser ilididas pelo próprio mandatário notificado para alargamento
do prazo, provando que não foram efectuadas ou que ocorreram em data posterior à
presumida, por razões que lhe não sejam imputáveis, não podendo essa ilisão ser
efectuada pelo critério da leitura da peça processual, critério que não encontra qualquer
apoio no texto da lei.
IV- Em caso de impugnação da matéria de facto, a especificação dos concretos meios
probatórios constantes da gravação deve ser acompanhada, sob pena de imediata
rejeição do recurso nessa parte, da indicação exacta das passagens da gravação em que
se funda o seu recurso – art.º 640º, n.º 2, a), do Novo C. Processo Civil.
V- Deste modo, não basta ao recorrente atacar a convicção que o julgador formou sobre
cada uma ou sobre a globalidade das provas, para provocar uma alteração da decisão da
matéria de facto, mostrando-se necessário que cumpra os ónus de especificação
impostos pelos n.ºs 1 e 2 do art.º 640º do Novo C. P. Civil, devendo ainda proceder a
uma análise critica da prova, de molde a demonstrar que a decisão proferida sobre cada
um dos concretos pontos de facto, que pretende ver alterados, não é possível, não é
plausível ou não é a mais razoável. (…)”

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/34d89e2138ae2b3580257d1000517bb0?OpenDocument

13.TRC 19/06/2014 (Azevedo Mendes), p. 1170/11.8TTLRA.C1


Sumário:
I- “O actual CPC, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/06, dispõe no artº 640º, nº 1 que ao

475
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra

recorrente da decisão proferida sobre a matéria de facto assiste o ónus de indicar os


concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele
realizada, que impunham decisão diversa da recorrida sobre os pontos impugnados.
II- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das
provas tenham sido gravados, também incumbe ao recorrente, sob pena de imediata
rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação
em que funda o seu recurso... – nº 2, al. a).
III- Essa indicação deve ser feita, como é possível fazer e há muito se vem fazendo, por
referência aos momentos constantes da gravação.
(…)”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/090a775f400fe0d280257d08004a6aa0?OpenDocument

14.TRC 24/06/2014 (Albertina Pedroso), p. 2082/11.0TBPBL-O.C1


Sumário:
1. “O actual artigo 662.º do CPC configura uma clara evolução do sentido conferido pela
lei à reapreciação da matéria de facto, tendo claramente consagrado a autonomia
decisória dos Tribunais da Relação, aos quais compete formar e formular a sua própria
convicção e, bem assim, conferindo-lhes a possibilidade de renovação de certos meios
de prova e mesmo a produção de novos meios de prova, em casos de dúvida fundada
sobre a prova realizada em primeira instância.
2. Esta medida não significa a possibilidade de realização de um novo julgamento,
destinando-se antes a servir para firmar uma convicção mais segura sobre determinado
facto controvertido, devendo a Relação avaliar a prova que foi ou deveria ter sido
produzida, mediante critérios objectivos que, atentas as circunstâncias, revelem a
imprescindibilidade ou não de uma tal diligência complementar, visando sempre a
superação de dúvidas fundadas sobre o alcance da prova já realizada.
3. Verificando-se a existência de tal dúvida fundada sobre o alcance da prova produzida, e
não tendo sido determinada oficiosamente em primeira instância diligência reputada
absolutamente essencial à formação da convicção quanto à prova ou não prova daquele
facto cuja reapreciação é pedida pela recorrente, em obediência aos princípios da
celeridade e da economia processual, é função do relator ordenar as diligências que

476
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra

considere necessárias, nos termos do artigo 652.º, n.º 1, alínea d), do CPC, que
concretiza o poder de direcção do processo pelo juiz genericamente consagrado no
artigo 6.º da referida codificação, tornando desnecessário que o processo baixe à
primeira instância para recolha de uma prova essencial nos termos sobreditos e que o
tribunal da Relação pode, por si mesmo, obter”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/76ddf21158550da080257d25003a48e5?OpenDocument

15.TRC 09/09/2014 (Francisco Caetano), p. 920/12.0/TBCTB-D.C1


Excerto:
“Sustenta a recorrente Massa Insolvente ser nula a sentença por omissão de pronúncia
(art.º 615.º, n.º 1, alín. d), do NCPC) na medida em que na parte correspondente à decisão
sobre a matéria de facto não se pronunciou sobre os temas da prova elencados nos n.ºs 4 e
5 do correspondente despacho exarado na acta de audiência prévia, ou seja, se à data da
escritura pública de compre e venda era previsível que a sociedade “ B..., Lda.” viesse a ser
declarada insolvente” e “a sociedade compradora tinha conhecimento de tal situação”.
Salvo o devido respeito, carece de razão.
O tribunal a quo não respondeu directamente a esses pontos (além do mais conclusivos no
que tange à “previsibilidade” da declaração de insolvência), nem tinha que o fazer.
O novo paradigma que constitui hoje a enunciação dos temas da prova (art.º 596.º, n.º 1,
do NCPC) não se confunde (e significou mesmo um assumido rompimento – cfr. “Exposição
de Motivos à Proposta de Lei n.º 113/XII) com a anterior base instrutória.
Os “temas da prova”, com um sentido de utilidade muito discutível, como os tempos o
dirão, não passam de um guião (como assim já se lhes chamou) para a produção de prova
em audiência de julgamento, não tendo como função delimitar preclusivamente o objecto
do processo ao nível da decisão sobre a matéria de facto como anteriormente acontecia
com a base instrutória.
Daí que e contrariamente ao que acontecia com esta, os “temas das prova” possam ser
enunciados der forma conclusiva ou contendo matéria de direito e neutrais em sede de
repartição do ónus da prova.
Hoje, após a nova reforma processual civil, é sobre os factos dos articulados das partes que

477
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra

a instância sobre a produção de prova e respectivos meios há-se assentar e não sobre o
respectivo enunciado dos temas de prova (v. g., art.ºs. 452.º, n.ºs 1 e 2, 454.º, 460.º, 466.º,
n.º 1, 475.º, 490.º ou 495.º, n.º 1, do NCPC).
Bem como são os factos (e não os temas de prova) que o art.º 607.º do NCPC impõe sejam
discriminados e declarados provados e/ou não provados na sentença, pelo juiz.
E, se bem se vir, foi isso que a decisão sobre a matéria de facto, hoje parte integrante da
sentença, fez, v. g., nos correspondentes n.ºs 7, 18 a 20 e 22 e 23, embora não a contento
da recorrente no que respeita à sua relevância jurídica em termos de decisão final.
Face ao exposto, por a sentença não incorre na nulidade invocada indeferem a sua
arguição”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/4df643a66da7845980257d70003773fc?OpenDocument

16.TRC 16/09/2014 (Teles Pereira), p. 1254/09.2TBVNO.C1


Excerto:
“Trata-se da data da propositura da presente acção, marcando ela, associada à data da
decisão recorrida (20/05/2013, v. fls. 515 quanto à datação; a Sentença é a de fls. 451/514),
marca tal data, dizíamos, a aplicação à presente instância de recurso do regime processual
originariamente decorrente do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto (v. os respectivos
artigos 11º, nº 1 e 12º, nº 1). Não se aplica aqui, pois, tendo sido proferida a decisão
recorrida em Maio de 2013, o texto do Novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº
41/2013, de 26 de Junho (v. os respectivos artigos 7º, nº 1 e 8º, cfr. António Santos
Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, 2013. p. 15).
Assumimos ser discutível se a regra do artigo 7º, nº 1 da Lei nº 41/2013, a única disposição
do Diploma introdutório do Novo Código de Processo Civil que se refere à instância de
recurso, abrange os recursos referidos a decisões anteriores a 01/09/2013 aos quais já se
aplicasse, como aqui sucede, o regime do DL nº 303/2007 – processos instaurados depois
de 01/01/2008 –, sendo que quanto a estes, em rigor, não há qualquer regime transitório
expressamente definido, pelo que há que entender que, em tais casos, se continuará a
aplicar o regime antigo, aqui sinónimo do regime “originário” do DL nº 303/2007, até
porque, se o legislador se preocupou em definir um regime para as acções instauradas

478
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra

antes de 01/01/2008, não tem sentido concluir que um regime idêntico também vale para
as acções propostas depois dessa data, além de que a “tradição” dos nossos Diplomas
introdutórias de reformas profundas do Processo Civil é tratar a instância de recurso
individualizadamente”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5b
b/a7c4660741e28a0880257d5b00364a60?OpenDocument

17.TRC 23/09/2014 (Maria João Areias), p. 66850/12.5YIPRT.C1


Excerto:
“Já o facto alegado pela ré de que é “agricultora”, ainda que pudesse ser dado como
assente por falta de impugnação por parte da autora. E dizemos “pudesse”, uma vez que,
seguindo os presentes autos a forma de processo comum após a distribuição (nº2 do art.
10º do DL 62/2013, de 10 de Maio), e havendo com o novo Código de Processo Civil
unicamente dois articulados normais, a falta de impugnação à matéria de exceção não
importa a sua admissão por acordo, como se extrai, a contrario do art. 584º., dele não se
poderia retirar, sem mais e por si só, o preenchimento da qualidade exigida ao devedor
pela norma em questão. (…)”

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5b
b/4152fe33272b566880257d81003e519a?OpenDocument

18.TRC 07/10/2014 (Maria João Areias), p. 61/14.5TBSBG.C1


Sumário:
1. “A aplicação do art. 703º do Novo CPC a todas as execuções interpostas posteriormente
a 1 de Setembro de 2013, recusando a exequibilidade aos documentos particulares
ainda que constituídos validamente em data anterior, não implica uma aplicação
retroactiva da lei nova.
2. O art. 703º do Novo CPC, na parte em que elimina os documentos particulares do elenco
dos títulos executivos, quando conjugado com o art. 6º, nº3 da Lei nº 41/2013, e

479
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra

interpretado no sentido de se aplicar aos documentos particulares anteriormente


dotados de exequibilidade pela al. c), do nº1 do art. 46º, do anterior CPC, não é de
considerar inconstitucional por violação do princípio da segurança e da protecção da
confiança.
3. Em consequência, as execuções instauradas posteriormente a 1 de Setembro de 2013,
não poderão basear-se em documento particular constituído em data anterior e a que
fosse atribuída exequibilidade pelo regime vigente à data da sua constituição”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/9aa23b2633a3a44380257d81003dc1a1?OpenDocument

19.TRC 14/10/2014 (Carvalho Martins), p. 507/10.1T2AVR-C.C1


Sumário:
1. “O princípio da adequação formal, consagrado no art. 547.º CPC, não transforma o juiz
em legislador, ou seja, o ritualismo processual não é apenas aplicável quando aquele
não decida, a seu belo prazer, adaptar o conteúdo e a forma dos actos processuais, sob
a invocação de, desse modo, assegurar um processo equitativo.
2. Os juízes continuam obrigados a julgar segundo a lei vigente e a respeitar os juízos de
valor legais, mesmo quando se trate de resolver hipóteses não especialmente previstas
(art. 4.°-2 da Lei n.º 21/85, de 30-7), e, daí, que o poder-dever que lhes confere o
preceito em causa deva ser usado tão somente quando o modelo legal se mostre de
todo inadequado ás especificidades da causa, e, em decorrência, colida frontalmente
com o atingir de um processo equitativo. Trata-se de uma válvula de escape, e não de
um instrumento de utilização corrente, sob pena de subverter os princípios essenciais da
certeza e da segurança jurídica.
3. Do n.° 2 do art. 630 CPC extrai-se a seguinte regra: todas as decisões judiciais relativas à
simplificação ou agilização processual, ou à adequação formal, ou às regras gerais da
nulidade dos actos processuais admitem recurso quando contendam quer com os
princípios da igualdade ou do contraditório, quer com a aquisição processual de factos,
quer com a admissibilidade de meios probatórios.
4. A decisão proferida no uso legal de um poder discricionário não é recorrível com
fundamento de que tal decisão não representa a melhor forma de prosseguir o fim que

480
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra

a lei pretende seja atingido. Mas já o será quando, como na situação sub judice, a
avaliação do imóvel se enquadra na prova pericial, estando na presença de um meio de
prova, admissível de recurso, nos termos do art. 630.°, n.° 2 CPC, tanto assim que
emerge do disposto no art. 644°, n.°2, aI. d) do CPC a consagração expressa de ser
admissível recurso de apelação de despacho de rejeição de um meio de prova.
5. Nulidades do processo «são quaisquer desvios do formalismo processual prescrito na lei
e a que esta faça corresponder, embora não de modo expresso, uma invalidade mais ou
menos extensa de actos processuais». Estes desvios de carácter formal podem revelar-
se seja através da prática de um acto proibido, seja na omissão de um acto prescrito na
lei, seja ainda na realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem o
formalismo requerido.
6. O art. 411 CPC, consagrador do princípio do inquisitório determina incumbir ao juiz
realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao
apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é
licito conhecer. O juiz, ao não ordenar a diligência, viola o exercício de um autónomo
poder-dever de indagação oficiosa, tem de ser arguida a nulidade de tal omissão.
7. Garantindo somente o direito de propriedade, a Constituição (art. 62) não reconhece
directamente outros direitos patrimoniais, previstos e regulados na lei civil e comercial
(direito de usufruto, por exemplo). Mas isso não quer dizer que os negue; simplesmente
deixou a sua protecção e o seu regime para a lei (art. 16°-1) e para a sua liberdade de
conformação, não se justificando as tentativas feitas no sentido de os subsumir num
conceito amplo, descaracterizado e fragmentado do direito de propriedade”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/d5b73ed2a49fed8480257d8c005587b1?OpenDocument

20.TRC 14/10/2014 (Carlos Moreira), p. 477/03.2TBVNO.C3


Sumário:
1. “Perante divergência anterior, o NCPC - artº 155º nº4 do CPC – optou, pela tese de que
a falta ou a deficiência da gravação deve ser invocada no prazo de dez dias a contar do
momento em que a gravação é disponibilizada – e não nas alegações –, sendo que tal
nulidade atípica deve ser arguida logo na 1ª instancia, e devendo o arguente, para a sua
concessão, demonstrar a sua essencialidade.

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Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra

2. Os atos pretéritos consubstanciadores do abuso de direito, nas modalidades do venire


contra factum proprium e do tu quoque, têm de estar numa relação de causa-efeito e
adequação com a atuação posterior que pode clamar tal abuso.
3. Assim, se a sociedade recusa, ilegalmente, a presença de notário na assembleia
requerida por sócio, a anulação desta daí decorrente não pode ser acobertada/sanada,
ex vi do abuso de direito do sócio naquelas modalidades, com o fundamento de postura
contraditória e, bem assim, violação do seu dever de dar preferência à sociedade na
cessão da quota, pois que estes factos nada têm a ver ou não estão diretamente
conexionados com aquela ilegalidade, a qual até se coloca a montante dos mesmos.
4. A convicção sobre a verificação de artigos da BI que encerrem matéria algo conclusiva e
com laivos de subjetividade tem de ser alicerçada numa prova mais forte e inequívoca
do que a necessária para a prova de factos de jaez mais conciso e preciso.
5. Considerando que a condenação por má-fé implica não apenas uma afetação
económico-financeira, como um desmerecimento a nível pessoal, marcante e
inquinador, o convencimento sobre a verificação da mesma implica uma prova mais
acutilante e intensa, a qual, assim, alcandore a uma convicção de certeza ou quase
certeza.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/51fe6af28236fb6080257d8c0054d6fb?OpenDocument

21.TRC 14/10/2014 (Teles Pereira), p. 8/09.0TBMMV-E.C1


Sumário:
I- “Da previsão directa do artigo 834º, nº 2 do CPC (actual artigo 751º, nº 3) resulta
admitir-se, através da penhora de imóveis, algum excesso de valor destes, relativamente
à quantia exequenda, quando seja de presumir que a penhora de bens de outra
natureza, designadamente móveis, não permita satisfazer a quantia exequenda no prazo
de seis meses.
II- Com esta base, por identidade de razão, tendo-se procedido à penhora de imóveis cuja
venda executiva, presumivelmente, não permita satisfazer o crédito exequendo em
concreto no prazo de seis meses (por razões de valor desses imóveis ou por estarem
onerados), deve aceitar-se o reforço da aptidão executiva à satisfação do crédito
exequendo, através da penhora de bens móveis, mesmo que estes excedam o valor do

482
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra

referido crédito.
III- A antevisão do valor do crédito exequendo a considerar no juízo de adequação, em vista
do valor dos bens a penhorar, deve reportar-se ao valor que seja previsível vir a ser
satisfeito em concreto ao exequente, nas situações de concorrência deste na execução
com outros credores”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/58f905b4a4a7c43780257d780035df67?OpenDocument

22.TRC 16/10/2014 (Jorge Loureiro), p. 273/14.1TTCBR-A.C1


Sumário:
I- “Nos termos do artº 552º/3 do NCPC, “o autor deve juntar à petição inicial o documento
comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do
benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo”.
II- A falta de apresentação do documento comprovativo da concessão do apoio judiciário e
do que comprova o pagamento da taxa de justiça tem por consequência, fora dos casos
previstos no nº 5 do artº 552º do NCPC, a possibilidade da secretaria recusar a petição
inicial (558º/f do NCPC).
III- Nas situações em que é obrigatória a apresentação do documento comprovativo da
concessão do apoio judiciário, a falta de apresentação desse documento tem como
resultado final, nos casos de recusa da petição pela secretaria ou de subsequente recusa
da distribuição, a possibilidade do autor juntar aos autos o documento comprovativo do
pagamento da taxa de justiça, considerando-se a acção proposta na data da
apresentação da petição inicial recusada.
IV- Não recusando a secretaria a petição e não sendo posteriormente rejeitada a sua
distribuição, não deve o juiz decidir logo pela extinção da acção, qualquer que seja a
forma pela qual a mesma seja determinada – v.g. desentranhamento da petição,
absolvição da instância ou outra decisão equivalente”.

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Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/4c463a1736ecedd380257d79004c6e40?OpenDocument

23.TRC 21/10/2014 (Maria Domingas Simões), p. 434/13.0T6AVR.1


Sumário:
I- “Salvaguardando a penhora de 1/3 do salário do executado ordenada nos autos a
intangibilidade do valor correspondente ao SMN, a redução por aquele requerida só
pode encontrar guarida na disposição do n.º 6 do artigo 738.º do NCPC.
II- À luz do mencionado normativo, é possível ao executado obter a redução da parte
penhorável dos seus rendimentos, e mesmo a isenção, ainda que neste caso por período
que não pode exceder 1 ano. Tal faculdade, excepcional, depende de ponderação
judicial, tendo o executado requerente que alegar e provar que as necessidades suas e
do seu agregado familiar merecem sobrepor-se ao interesse do credor na satisfação do
seu crédito, cuja origem e montante são igualmente factores a sopesar.
III- Se o apelante não fez prova de uma situação que justificasse a aplicação deste regime
excepcional, posto que, amputado o seu salário da fracção penhorada e ainda assim fica
garantida a satisfação das suas necessidades com alimentação, deslocações e
telecomunicações, bem como as despesas fixas com electricidade e gás, únicas de que
fez prova, não há que decretar a pedida redução da penhora”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/28bf3c3020dd2d9480257d970052ee16?OpenDocument

24.TRC 29/10/2014 (Calvário Antunes), p. 1713/12.0TALRA.C1


Sumário:
1. “O justo impedimento constitui uma verdadeira derrogação da regra da extinção do
direito de praticar um ato pelo decurso de um prazo perentório.
2. O justo impedimento só pode ser invocado em situações em que ainda não tenha
decorrido o prazo perentório estabelecido na lei para a prática do ato processual, não o
podendo ser no período temporal adicional de três dias úteis, estabelecido no n.º 5 do

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Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra

artº 145º do Cód. Proc. Civil (139º NCPC).


3. Para que ocorra justo impedimento é necessário que, em consequência do obstáculo, o
ato não possa ser praticado por mandatário. Tratando-se de não pagamento de uma
multa, não tempestivamente paga, teria de alegar-se e provar-se que não pudera ser
feita por outro advogado”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/fdb8d5bae58222ce80257d87003bda68?OpenDocument

25.TRC 20/11/2014 (Jorge Manuel Loureiro), p. 306/12.6TTCVL.C1


Sumário:
I- “Na decisão sobre a matéria de facto apenas devem constar os factos provados e os
factos não provados, com exclusão de afirmações genéricas, conclusivas e que
comportem matéria de direito (artº 607º, nº 4 do nCPC).
II- Apurar quais os danos resultantes (em termos jurídicos) de um dado facto ilícito passa
por uma operação mental de busca de uma relação de causalidade adequada entre este
e aqueles.
III- Os parâmetros desta operação são-nos dados pelo artº 563º do C. Civil: é necessário
verificar-se que certos danos são não apenas consequência natural (em sentido físico-
mecânico) da lesão, mas ainda que esta última, num juízo ex-ante de prognose póstuma
informado por regras de experiência normais, pelas circunstâncias cognoscíveis por
qualquer indivíduo do mesmo tipo social do agente e por aqueles que este com efeito
conhecia, se revele adequada à produção de tais danos.
IV- A responsabilidade agravada da entidade empregadora não se basta, em termos de
causalidade adequada, com a afirmação empírica de que uma determinada regra de
segurança não foi cumprida e que também por via disso ocorreu o acidente; exige, para
lá disso, a afirmação de dimensão normativa, a extrair de outros factos demonstrados,
que se tal regra tivesse sido cumprida o acidente não teria ocorrido, pois só assim pode
sustentar-se que a violação daquela regra de segurança não foi de todo indiferente para
a produção do resultado.
V- A causalidade adequada para efeitos da responsabilidade agravada da entidade
patronal, em caso de acidente de trabalho, exige a demonstração de que uma

485
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra

determinada regra de segurança não foi cumprida (facto ilícito) e, para lá disso, que se
tal regra tivesse sido cumprida o acidente e as suas consequências (dano) não teriam
ocorrido, pois só assim pode sustentar-se que a violação daquela regra de segurança
não foi de todo indiferente para a produção do resultado.
VI- Só releverá para os efeitos de responsabilização agravada das entidades empregadoras a
violação das regras de segurança que emergirem de condutas dolosas ou negligentes
das entidades empregadoras, ou seja em relação às quais possa afirmar-se, no mínimo,
que tal violação emergiu, em concreto e face às circunstâncias do caso, da violação de
deveres objectivos de cuidado interno e/ou externo que constitui o pressuposto mínimo
de afirmação da negligência”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5b
b/d4649dd3f64fb71680257da20037cf68?OpenDocument

26.TRC 18/11/2014 (Henrique Antunes), p. 210/11.5TBCNF.C1


Sumário:
I- “Mesmo no contexto do Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro, às obrigações de
pagamento relativas a contratos bilateral ou unilateralmente comerciais, celebrados
entre empresários ou entre empresários e outras entidades públicas – v.g., o Estado –
ou privadas – maxime, consumidores - era aplicável o regime legal dos juros moratórios
comerciais.
II- A excepção peremptória – tal como a causa de pedir – é integrada apenas pelos factos
essenciais e não também pelos factos complementares - que são aqueles que se limitam
a concretizar ou complementar os factos integrantes da excepção e que embora não a
integrem podem ser essenciais para a sua procedência.
III- Os factos essenciais integrantes da excepção peremptória apenas podem ser
considerados pelo juiz se tiverem sido alegados pelas partes no momento processual
adequado; os factos complementares daqueles factos essenciais só podem ser
considerados pelo juiz desde que resultem da instrução da causa e às partes tenha sido
facultado, relativamente a eles, o exercício do contraditório”.

486
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5b
b/d0ae71e4774ae2c980257d9a00429dda?OpenDocument

27.TRC 18/11/2014 (Teles Pereira), p. 628/13.9TBGRD.C1


Sumário:
I- “Da articulação lógica entre o artigo 651º, nº 1 do CPC e os artigos 425º e 423º do
mesmo Código resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida
a título excepcional, depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de
uma de duas situações: (1) a impossibilidade de apresentação do documento
anteriormente ao recurso; (2) ter o julgamento de primeira instância introduzido na
acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova
documental adicional.
II- Quanto ao primeiro elemento, a impossibilidade refere-se à superveniência do
documento, referida ao momento do julgamento em primeira instância, e pode ser
caracterizada como superveniência objectiva ou superveniência subjectiva.
III- Objectivamente, só é superveniente o que historicamente ocorreu depois do momento
considerado, não abrangendo incidências situadas, relativamente a esse momento, no
passado. Subjectivamente, é superveniente o que só foi conhecido posteriormente ao
mesmo momento considerado.
IV- Neste caso (superveniência subjectiva) é necessário, como requisito de admissão do
documento, a justificação de que o conhecimento da situação documentada, ou do
documento em si, não obstante o carácter pretérito da situação quanto ao momento
considerado, só ocorreu posteriormente a este e por razões que se prefigurem como
atendíveis.
V- Só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade daquela pessoa, num
quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior
da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento.
VI- Quanto ao segundo elemento referido em I deste sumário, o caso indicado no trecho
final do artigo 651º, nº 1 do CPC (a junção do documento ter-se tornado necessária em
virtude do julgamento proferido na primeira instância), pressupõe a novidade da
questão decisória justificativa da junção do documento com o recurso, como questão
operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão recorrida, o que
exclui que essa decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início

487
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra

revelava ser o thema decidendum”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5b
b/787d1a88b504002b80257d9a00433e7b?OpenDocument

28.TRC 02/12/2014 (Carvalho Martins), p. 536/2002.C1-A


Sumário:
1. “O recurso extraordinário de revisão foi criado pelo CPC de 1939, previsto no art. 771.º
do CPC (696º NCPC), admitindo, nas situações aí taxativamente indicadas, a impugnação
de decisões judiciais já cobertas pela autoridade do caso julgado, pretendendo-se
assegurar o primado da justiça sobre a segurança. Ao contrário do recurso ordinário,
que se destina a evitar o trânsito em julgado de uma decisão desfavorável, o recurso
extraordinário de revisão visa a alteração de uma decisão já transitada, pelo que só é
admissível em situações limite de tal modo graves que a subsistência da decisão em
causa seja susceptível de abalar clamorosamente o princípio da desejada justiça
material.
2. O conceito de documento “é extensivo a coisas que não são escritos” e, na acepção
ampla e rigorosa, é todo o objecto elaborado pelo homem (opus) para representar outra
coisa ou facto. No termo “coisa” incluem-se as pessoas; e a representação ou imagem
pode ser verbal, gráfica, plástica, etc., num conceito mais vasto que abrange os sinais ou
contramarcas e até os próprios indícios; em dimensão mais ampla do que aquela que se
reconduz a noção restrita (e mais usual): como todo o escrito que corporiza uma
declaração de verdade ou ciência (declaração testemunhal: destinada a representar um
estado de coisas) ou uma declaração de vontade (declaração constitutiva, dispositiva ou
negocial: destinada a modificar uma situação jurídica preexistente).
3. Não bastará uma qualquer divergência na apreciação e valoração da prova para
determinar a procedência da impugnação, sendo necessário constatar um erro de
julgamento. A efectiva garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto
(consignado no art. 662° do N.C.P.Civil), impõe que o Tribunal da Relação, depois de
reapreciar as provas apresentadas pelas partes, afirme a sua própria convicção acerca
da matéria de facto questionada no recurso, não podendo limitar-se a verificar a
consistência lógica e a razoabilidade da que foi expressa pelo tribunal recorrido. É este,

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Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra

afinal, o verdadeiro sentido e alcance que deve ser dado ao princípio da liberdade de
julgamento fixado no art. 607°, n°5 do N.C.P.Civil.
4. Não preenche o fundamento do recurso de revisão do art. 771°, alínea c), do Cód. Proc,
Civil (696º NCPC) a apresentação de documento com relevância para a causa e que,
apenas em conjugação com outros elementos de prova produzidos em juízo, poderia
modificar a decisão em sentido mais favorável à parte.
5. O documento atendível como fundamento da revisão da decisão transitada em julgado
nos termos estabelecidos na al. c) do art. 771.º do CPC (696º NCPC), terá de preencher,
cumulativamente, o requisito da novidade e o requisito da suficiência. A novidade
significa que o documento não foi apresentado no processo onde se proferiu a decisão
em causa, seja porque ainda não existia, seja porque existindo, a parte não pôde
socorrer-se dele e a suficiência significa que o documento implica uma modificação
dessa decisão em sentido mais favorável à parte vencida.
6. Não se verifica o requisito da novidade se os documentos que se apresentam para
fundamentar a revisão são anteriores à decisão a rever (e, inclusivamente, à própria
instauração da acção) e o recorrente conhecia a sua existência (ainda que dele se
tivesse, como invoca, olvidado, por mero acidente mnésico, objecto de “recuperação”
de memória ulterior).
7. Não se verifica o requisito da suficiência se o teor do documento apresentado não
infirma, por si só, os fundamentos da decisão a rever, subsistindo antes, perante eles, o
fundamento em que se sustentou o juízo decisório. Designadamente, como se constata
da diegese probatória consumada e da motivação/fundamentação expressa no processo
decisório nos Autos aludidos.
8. O prazo de sessenta dias a que se alude no n.° 2 do art. 772.º do CPC (697º NCPC) é um
prazo substantivo. Tal prazo começa a contar-se, na hipótese prevista na alínea b)/c do
art. 771.° do Cód. Proc. Civil (696º NCPC), a partir do momento em que a parte teve
conhecimento (ou podia se o quisesse) do facto que constitui fundamento do recurso de
revisão.
9. Para a condenação como litigante de má fé, exige-se que o procedimento do litigante
evidencie indícios suficientes de uma conduta dolosa ou gravemente negligente, o que
requer grande cautela para evitar condenações injustas, designadamente quando
«assente em provas, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado
psico-sociológico». Tal é exigência legal que deflui imediatamente, como corolário, do
axioma antropológico da dignidade da pessoa humana proclamado pelo art. 1° da nossa
Lei Fundamental, pois ninguém porá em causa o carácter gravoso e estigmatizante de

489
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra

uma condenação injusta como litigante de má-fé”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/1731578d27f7837280257dcb00528f6e?OpenDocument

490
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra

2015

1. TRC 07/01/2015 (Maria Inês Moura), p. 368/12.6TBVIS.C1


Sumário:
1. “Para ser julgada deserta a instância, nos termos do artº 281 nº 1 do CPC é necessário
não só que o processo esteja parado há mais de seis meses a aguardar o impulso
processual da parte, mas também que tal se verifique por negligência da mesma em
promover o seu andamento.
2. Não sendo automática a deserção da instância pelo decurso do prazo de seis meses, o
tribunal, antes de proferir o despacho a que alude o nº 4 do artº 281 do CPC., deve ouvir
as partes de forma a melhor avaliar se a falta de impulso processual é imputável a
comportamento negligente”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/b85a1f5280603ad780257dd9003aa47d?OpenDocument

2. TRC 20/01/2015 (Barateiro Martins), p. 138599/13.2YIPRT.C1


Excerto:
“(…) a indicação dos factos constitutivos – o núcleo fáctico essencial (de que fala o art. 5.º/1
do NCPC) – da situação jurídica que se quer fazer valer ou negar não se cumpre com meras
generalidades.
Depois, “quanto à consideração dos factos complementares ou concretizadores que
ressaltem da instrução da causa, o regime mantém-se, exigindo a lógica do esquema
processual derivado do princípio do dispositivo que a parte a quem os factos aproveitem os
introduza como matéria da causa, mediante a manifestação, equivalente a uma alegação,
da vontade de deles se aproveitar”
(…)
Nada há na lei processual actual, salvo melhor opinião, que permita dizer ou pensar que o
NCPC escancara a porta à desordem e surpresa processuais”.

491
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/4e147b0c73d997d780257df100543520?OpenDocument

3. TRC 20/01/2015 (Henrique Antunes), p. 2109/14.4TBVIS.C1


Excerto:
“Com as suas alegações do recurso de apelação, as partes só podem juntar documentos,
objectiva ou subjectivamente, supervenientes – i.e., cuja apresentação foi impossível até ao
encerramento da discussão – ou cuja junção se torne necessária em virtude do julgamento
proferido na 1ª instância (artºs 425 e 651 nº 1, 2ª parte, do nCPC). Mas é claro que esta
faculdade não compreende, em hipótese alguma, o caso de a parte pretender oferecer um
documento que poderia – e deveria – ter oferecido naquela instância”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/ade49516a588957380257dd900523e10?OpenDocument

4. TRC 27/01/2015 (Maria Domingas Simões), p. 1990/07.8TBAGD.C1


Sumário:
I- “Impondo o n.º 2 do art.º 5.º do NCPC ao juiz que tome em consideração “os factos que
sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da
instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar”,
tal significa que tais factos, podendo ser adquiridos para o processo até final do
julgamento, terão de ser incluídos na fundamentação de facto na sentença.
II- Estando ainda aqui em causa factos essenciais, ou seja, aqueles que constam da
previsão normativa, reconduzindo-se aos factos constitutivos, impeditivos, extintivos ou
modificativos, exige todavia a lei uma conexão “objectiva” entre o núcleo da matéria de
facto alegada e os factos omitidos no articulado, que se devem configurar como
complementares ou concretizadores dos alegados”.

492
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/e0fc15d4c7da71c680257def003884c7?OpenDocument

5. TRC 29/01/2015 (Teles Pereira), p. 141592/13.1YIPRTA.C1


Sumário:
I- “Face à declaração de incompetência material do Tribunal, proferida findos os
articulados, pode o autor requerer, no prazo de 10 dias, com base no artigo 99º, nº 2 do
CPC, a remessa do processo ao tribunal declarado competente;
II- Neste caso, o atendimento da oposição do réu a essa remessa pressupõe que tal
oposição seja de considerar justificada, o que implica basear-se ela em motivo atendível
do qual resulte ter o réu feito descaso, por razões ligadas à natureza e tramitação na
jurisdição considerada incompetente, de meios de defesa que lhe seriam
proporcionados no quadro da jurisdição afirmada como competente;
III- Assim, não vale como justificação a simples afirmação de diferenças de tramitação nas
duas jurisdições, quando a defesa apresentada pelo réu contra a pretensão do autor
pode ser feita valer, fundamentalmente nos mesmos termos, na tramitação a observar
no Tribunal declarado competente”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/ab1702dc65920e8380257de1003ae912?OpenDocument

6. TRC 10/02/2015 (Isabel Silva), p. 164/05.7TBVLF.C2


Excerto:
“São hoje da maior amplitude os poderes conferidos aos Tribunais da Relação para
proceder à alteração/modificação da matéria de facto, provada ou não provada, tida em
conta na 1ª instância (cf. art. 662º do CPC).
Na verdade, permite-se-lhe agora que no processo de formação da sua própria convicção, o
Tribunal da Relação possa, não só reapreciar os meios probatórios produzidos em 1ª
instância, mas inclusive proceder à renovação desses meios de prova e até ordenar a
produção de novos meios de prova.

493
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra

Porém, essa sindicância está absolutamente dependente do cumprimento pelo Recorrente


do ónus de alegação que se lhe impõe no art. 640º do CPC”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/114c50e82fa8edf880257dee004d5929?OpenDocument

7. TRC 10/02/2015 (Sílvia Pires), p. 3936/08.7TJCBR.C1


Sumário:
I- “O prazo de deserção da instância a que se refere o art.º 281º do N. C. P. Civil é aplicável
aos processos pendentes na data de 1.9.2013, data da entrada em vigor do novo
diploma, aplicando-se o disposto no artigo 297º do Código Civil.
II- Este critério não viola o princípio da confiança inerente ao modelo do Estado de direito
democrático.
III- Estando em causa um prazo processual – o da deserção da instância –, à dedução de um
incidente processual – no caso o de habilitação – no termo daquele, é aplicável o prazo
de complacência previsto no art.º 139º, n.º 5, do Novo C. P. Civil.” (sublinhado nosso).

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/acf4888c6a5f744d80257df5004bcbd4?OpenDocument

8. TRC 24/02/2015 (Falcão de Magalhães), p. 1328/12.2TJCBR-A.C1


Sumário:
I- “Os embargos de executado são liminarmente indeferidos, quando, entre outras causas,
o respectivo fundamento não se ajustar ao disposto nos artigos 729.º a 731.º (artigo
732.º, nº 1, b), do NCPC).
II- No artº 729.º do NCPC estabelecem-se os fundamentos de oposição à execução baseada
em sentença.
III- No caso de a execução se fundar em requerimento de injunção ao qual tenha sido
aposta fórmula executória, o artº 857º do NCPC, para além das específicas situações
elencadas nos seus nºs 2 e 3, só admite, por força do seu nº 1, que a oposição por
embargos tenha como fundamentos aqueles que são previstos no artigo 729º, com as

494
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra

“devidas adaptações”.
IV- Subscreve-se, por inteiro o entendimento expresso no Acórdão do Tribunal
Constitucional nº 714/2014, de 28/10/2014, pelo que, de acordo com o juízo de
inconstitucionalidade aí formulado, entende-se não ser de aplicar a norma do artº 857º,
nº 1, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, o que conduz a
que não se considerem, relativamente aos fundamentos dos embargos deduzidos a
execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a
fórmula executória, as limitações que aquela norma estabelece”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/8cb7df464731b6bf80257e03004e8649?OpenDocument

9. TRC 24/02/2015 (Isabel Silva), p. 3261/14.4TBLRA-C.C1


Sumário:
I- “Após a declaração de insolvência, e até ao encerramento da liquidação do ativo, podem
ser apreendidos para integração na massa insolvente um terço dos vencimentos a
auferir pelo insolvente, mas apenas na medida em que esse terço, líquido de taxas e
impostos, não seja inferior ao salário mínimo nacional: art. 46º, nº 2 do CIRE e art. 738º,
nº 1, 2 e 3 do CPC.
II- Não obstante, a requerimento do insolvente, essa parte do vencimento pode ainda vir a
ser declarada isenta de apreensão, ou reduzido o seu montante, nos termos do nº 6 do
art. 738º do CPC.
III- Mesmo no âmbito da apreensão dessa parte de vencimento para a massa insolvente, a
ponderação a que alude o art. 738º, nº 6 do CPC poderá/deverá ser suscitada e efetuada
a todo o tempo, na medida em que se alterem as circunstâncias de facto, implicando
então uma nova decisão.”

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/3def6419dba96e1180257dfc003c1f9b?OpenDocument

495
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra

10.TRC 25/03/2015 (Cacilda Sena), p. 6/09.4GFIDN.C1


Sumário:
“O justo impedimento só pode ser invocado quando ainda não tenha decorrido o prazo
peremptório estabelecido na lei para a prática do acto processual atinente, e não também
no período temporal adicional de três dias úteis estabelecido no art. 145.º n.º 4 do CPC
(actualmente art. 139.º n.º 5)”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/b6e4493430e9b8fa80257e220032ae84?OpenDocument

11.TRC 24/03/2015 (Falcão de Magalhães), p. 286/15.6T8FIG.C1


Sumário:
“Havendo duas correntes jurisprudenciais expressivas e antagónicas sobre uma questão de
que depende a decisão de mérito, sendo que o alegado no articulado inicial, à luz da
interpretação que uma delas faz da lei – ao invés daquilo que sucede na perspectiva legal
seguida pela outra corrente –, possibilitará atender, a final, a pretensão do Autor, deve o
julgador abster-se de, no despacho liminar, afirmar a perfilhação do outro entendimento
jurisprudencial, para assim, com base nele, indeferir liminarmente, por manifesta
improcedência do pedido, a petição inicial”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/46e097e92de9fbec80257e22004c3c4f?OpenDocument

12.TRC 24/03/2015 (Maria Inês Moura), p. 9/10.6TBSJP-A.C1


Sumário:
1. “A avaria no computador do Ilustre Mandatário da parte não constitui, só por si, facto
suficiente para considerar que o mesmo, sem culpa, não tomou conhecimento da
notificação que lhe foi efectuada, não integrando por isso o conceito de justo
impedimento na previsão do artº 140 nº 1 do C.P.C.
2. A menos que esteja especialmente previsto, o regime do artº 139 nº 5 e nº 6 do C.P.C.

496
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra

apenas se aplica à prática de actos processuais e não de actos tributários, como é o caso
do pagamento da taxa de justiça, sendo a sua aplicação excluída pelo artº 40 do RCJ”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/2c39e3f6eb82c11680257e290037aa61?OpenDocument

13.TRC 24/03/2015 (Fonte Ramos), p. 4398/11.7T2OVR-A.P1.C1


Sumário:
1. “Do art.º423º,do CPC de 2013, extrai-se que os documentos podem ser apresentados
nos seguintes momentos: a) com o articulado respectivo; b) até 20 dias antes da data
em que se realize a audiência final; c) até ao encerramento da discussão em 1ª instância,
sendo admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele
momento ou se tornem necessários por virtude de ocorrência posterior.
2. Quando a parte não junta o documento com o articulado respectivo, a par da alegação
do facto probando, e só mais tarde o faz, sujeita-se às condições estabelecidas na lei,
sendo que, naquela última situação (n.º 3 do referido art.º), deverá demonstrar a
impossibilidade da apresentação até então ou que a mesma se tornou necessária em
virtude de ocorrência posterior.
3. Só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade do requerente, num quadro
de normal diligência, ter tido conhecimento anterior da situação ou da existência do
documento”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/13f455f1549a806d80257e2900392517?OpenDocument

14.TRC 14/04/2015 (Jacinto Meca), p. 1914/13.3TBCTB.C1


Sumário:
“Sobre a reabertura da audiência ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 607º do CPC,
referiremos que não tendo o Tribunal a quo sentido dúvidas quanto a qualquer dos factos
em discussão, não lhe compete substituir-se às partes em matéria de desenho factual dos

497
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra

factos e meios de prova que os suportam, sem prejuízo, naturalmente, de oficiosamente ou


a requerimento de qualquer das partes providenciar pela requisição de qualquer elemento
de prova ou pela sua realização”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/a18de6bd1b3b42cb80257e34004f8e83?OpenDocument

15.TRC 21/04/2015 (Maria Inês Moura), p. 304/10.4TBLRA-C.C1


Sumário:
1. “O legislador, no Decreto-Lei 4/2013 de 11 de Janeiro, contemplou no artº 3º nº 1, os
actos processuais, em sentido próprio, cuja falta, determina a extinção da instância por
deserção, quando o impulso processual cabe à parte e no artº 4º os actos tributários,
relativos a pagamentos devidos ao agente de execução, estabelecendo igualmente a
cominação da extinção da instância, mas num prazo mais curto, de 30 dias, após a
notificação, para a realização do pagamento.
2. O artº 4º do Decreto-Lei 4/2013 de 11 de Janeiro, quando alude à falta o pagamento de
quantias devidas ao agente de execução, a título de honorários e despesas, refere-se a
todos pagamentos solicitados pelo agente da execução a tal título, quer se trate de
valores que já foram por si adiantados, quer se trate de quantias pedidas a título de
provisão, com vista à prática dos actos que o mesmo está adstrito a realizar”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/cf47ebc868a2f75280257e49003956f0?OpenDocument

16.TRC 21/04/2015 (Barateiro Martins), p. 556/08.0TBPMS-A.C1


Sumário:
1. “O art. 729.º/h do NCPC admite expressamente a compensação como fundamento de
oposição à execução.
2. Mas, baseando-se a execução em sentença, só é invocável a compensação
superveniente (em relação ao encerramento da discussão no processo de declaração),

498
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra

aferida pela data da “situação de compensação” (e não pela data da “declaração de


compensação”); mais, tem a compensação (o seu facto constitutivo, os respectivos
pressupostos) que ser/estar provada por documento (embora não com força executiva).
3. Efectivamente, com a alínea h) do art. 729.º do NCPC pretendeu apenas afastar-se o
ressurgimento de “velhas” dúvidas (sobre a admissibilidade da compensação como
fundamento de oposição a uma execução), na medida em que, estabelecendo o art.
266.º/2/c) do NCPC que a compensação passa a ser sempre deduzida por reconvenção,
poder-se-ia ser tentado a entender, em face da inadmissibilidade da dedução de
reconvenção em oposição à execução, que a compensação deixava de poder aqui ser
invocada; não querendo/pretendendo dizer que, caso a execução seja baseada em
sentença, podem ser compensados todos e quaisquer créditos (mesmo os constituídos
em data anterior ao encerramento da discussão no processo de declaração) e que os
mesmos podem ser provados por qualquer meio”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/363693c8bdcca29c80257e45004dc5e4?OpenDocument

17.TRC 21/04/2015 (Maria João Areias), p. 124/14.1TBFND-A.C1


Sumário:
1. “O direito fundamental à prova implica que as partes tenham liberdade para demonstrar
quaisquer factos, mesmo que não possuam o respetivo ónus da prova, desde que
entendam que a sua comprovação diminuirá os seus riscos processuais.
2. O mecanismo previsto no artigo 429º, do CPC – de notificação da parte contrária para
apresentação de documento que se ache em poder desta –, poderá ser utilizado não só
por aquele sobre o qual recai o ónus da prova, mas igualmente para efeitos de infirmar a
prova de factos de que o detentor tenha o ónus.
3. O facto de tal mecanismo estar dependente da verificação de determinados requisitos,
destinados a aferir da pertinência e utilidade da junção requerida, não constituiu uma
limitação ao direito de defesa ou uma violação do direito à prova”.

499
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/1e851b0d1306f6d580257e49004dccbe?OpenDocument

18.TRC 21/04/2015 (Maria Domingas Simões), p. 141594/13.8 YIPRT.C1


Sumário:
I- “A declaração da incompetência absoluta não implica necessariamente a inutilização de
toda a actividade processual até então desenvolvida, podendo ser aproveitados os
articulados a solicitação do autor, pretensão a que apenas o réu poderá obstar,
deduzindo para o efeito oposição fundamentada.
II- O bom fundamento da oposição prende-se com a violação das garantias de defesa do
réu, cumprindo indagar se, instaurada nova acção perante o Tribunal competente, lhe
são permitidos meios de defesa de que não pôde lançar mão aquando do oferecimento
dos articulados no Tribunal julgado incompetente.
III- Não se verifica diversidade da tramitação processual quando está em causa a cobrança
de dívida hospitalar, quer o processo corra perante a jurisdição comum, quer perante a
jurisdição administrativa, por ser aplicável em qualquer caso o procedimento injuntivo e
a sequente acção declarativa especial previstos no DL 269/98, de 1 de Setembro, ex vi
do DL 218/99, de 15 de Junho, regulamentação avulsa que se mantém aplicável por
força da ressalva da parte final do n.º 1 do art.º 37.º do CPTA.
IV- Independentemente da diversidade da tramitação processual que ao caso caiba numa e
outra jurisdições, é de considerar infundamentada a oposição deduzida pela ré ao
aproveitamento dos articulados produzidos no âmbito de procedimento injuntivo que
correu termos perante tribunal judicial e que, por efeito da declaração de
incompetência, passará a correr termos na jurisdição administrativa, quando se diz
prejudicada por lhe ter sido vedada a invocação de meio de defesa que é
manifestamente improcedente”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/78b329a2dd36ad4580257e45003c83df?OpenDocument

500
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra

19.TRC 28/04/2015 (Moreira do Carmo), p. 2186/14.8TJCBR.C1


Sumário:
1. “A norma do art. 703º do NCPC, articulada com o art. 6º, nº 3, da Lei 41/2013, de 26.6,
na parte que elimina os documentos particulares, não é de aplicar aos documentos
constitutivos de obrigações, assinados pelo devedor antes de 31.8.2013, e que à data da
sua elaboração dispunham de exequibilidade.
2. Tal norma, aplicada a tais títulos, integra uma inconstitucionalidade, por violar a
segurança jurídica, a garantia de efectivação dos direitos e confiança, integradores do
princípio do Estado de Direito Democrático – art. 2º da CRP;
3. O documento de contrato de mútuo concedido pela Caixa Geral de Depósitos, nos
termos do artigo 9º, nº 4, do DL 287/93, de 20 de Agosto, constitui título executivo”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/3040e57e062589dd80257e490049493a?OpenDocument

20.TRC 28/04/2015 (Anabela Luna de Carvalho), p. 4816/12.7TBLRA.C1


Sumário:
1. “A alínea h) do art. 114º da Lei nº 52/2008, de 28 de Agosto, não conferia competência,
em razão da matéria, aos Juízos de Família e Menores, para preparar e julgar as ações de
interdição.
2. Também a alínea g) do art. 122º da Lei 62/2013 de 26 de Agosto, não confere
competência, em razão da matéria, às secções de família e menores para preparar e
julgar as ações de interdição.
3. As “outras ações relativas ao estado civil das pessoas e família” da competência material
das secções de família e menores (alª g) do nº 1 do art. 122 da Lei 62/2013) são aquelas
que correspondem às condições ou qualidades pessoais e que têm como fonte as
relações jurídicas familiares, no sentido estrito de “estado civil” da lei anterior”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/d628084342eaa23f80257e49004efafd?OpenDocument

501
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra

21.TRC 30/04/2015 (Ramalho Pinto), p. 949/13.0TTLRA.C1


Sumário:
I- “As nulidades da sentença (em processo laboral) têm de ser arguidas expressa e
separadamente no requerimento de interposição do recurso, sob pena de não se poder
conhecer dessa arguição pelo Tribunal superior.
II- Nas conclusões do recurso o recorrente também tem de identificar, ainda que de modo
sumário, os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente
julgados e os meios de prova com base nos quais deve ser alterada a decisão
impugnada, sob pena de rejeição dessa impugnação.
III- Actualmente, na vigência do nCPC, a compensação de créditos implica sempre a
dedução de reconvenção (não pode ser arguida apenas como mera excepção) pela parte
que pretende aproveitar-se da mesma, quer o seu montante seja superior ou inferior
aos créditos do autor – artº 266º, nº 2, al. c) do nCPC”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/371744917854b19380257e430036681d?OpenDocument

22.TRC 05/05/2015 (Barateiro Martins), p. 549/14.8TBLRA.C1


Sumário:
“Na nova Lei de Organização do Sistema Judiciário (Lei 62/2013, de 26-08) cabe às
Instâncias Locais (cfr. art. 130.º/1/a)) a competência material para preparar e julgar as
acções de interdição por anomalia psíquica”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/0d3d1882ff2ec64480257e7c0051dc93?OpenDocument

23.TRC 05/05/2015 (Arlindo Oliveira), p. 131/04.8TBCNT.C1


Sumário:
“A deserção da instância não opera automaticamente pelo simples decurso do prazo, sendo
necessária decisão judicial que a aprecie e declare”.

502
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/065f2ffdf22e242080257e4b003ac7a0?OpenDocument

24.TRC 05/05/2015 (Alexandre Reis), p. 4538/14.4T8VIS.C1


Sumário:
I- “A Lei de 16 de Abril de 1874 não foi revogada pela legislação posterior,
designadamente pelo CPC vigente, pelo que os títulos emitidos para documentar
mútuos celebrados por «estabelecimentos de crédito predial autorizados a emiti-los»
serão «considerados como escrituras públicas», «para todos os efeitos», incluindo o da
respectiva exequibilidade, ao abrigo da al. b) do nº 1 do art. 703º do novo CPC.
II- Mesmo que assim se não entendesse, teria de se considerar a exequibilidade de um tal
documento, ao abrigo do art. 46º, nº 1, c) do CPC de 1961, porque constituído em
momento anterior à entrada em vigor do novo CPC, por ser de sufragar o entendimento
do TC (Acs. nºs 847/2014 e 161/2015), ao julgar inconstitucional a norma resultante dos
artigos 703º do nCPC e 6º, nº 3 da Lei nº 41/2013, de 26/6, na interpretação de que
aquele artigo 703º se aplica a documentos particulares emitidos em data anterior à da
entrada em vigor do novo CPC e então exequíveis por força do artigo 46º, nº 1, c) do CPC
de 1961”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/7710e77690a65f5080257e43004f9e96?OpenDocument

25.TRC 05/05/2015 (Manuel Capelo), p. 505/13.3TBMMV-B.C1


Sumário:
I- “Deixando o art. 733º, nº1, al.c) do CPC ao critério do juiz a consideração de entender
ou não como justificado suspender a execução sem prestação de caução, em face da
regra restritiva que é a de os embargos não suspenderem a execução (não bastará a
impugnação da existência, validade, vencimento, liquidez ou exigibilidade da prestação
exequenda para obter a suspensão sem caução, exigindo-se que dos termos da
impugnação, confrontados com os elementos de apreciação, maxime o título executivo,

503
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra

nesse momento liminar do recebimento dos embargos, se revele algo de importante e


manifesto que dispense o imperativo de colocar o exequente a coberto dos riscos da
demora no prosseguimento da acção executiva.
II- A existência de garantia real não impõe automaticamente a suspensão da execução mas
também não é irrelevante para determinar se deve ou não ser prestada caução. Pelo
que, existindo garantia real, uma nova caução para suspender a execução só será
necessária em caso de insuficiência do valor do bem dado em garantia e se este nada
cobre para além do crédito exequendo.
III- Esta ponderação da suficiência ou não da garantia do crédito de forma a dispensar a
caução é um juízo que deve ser feito pelo tribunal de primeira instância”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/e42b422bf50002a180257e4300392a03?OpenDocument

26.TRC 19/05/2015 (Henrique Antunes), p. 433/14.5TBSCD.C1


Sumário:
I- “Os documentos particulares, relativos a contratos de mútuo celebrados pelas caixas de
crédito agrícola mútuo, desde que assinados pelo devedor, são, por força de disposição
especial, títulos executivos.
II- O indeferimento in limine do requerimento executivo, com fundamento na falta de
título executivo, só é admissível quando essa falta seja manifesta, ostensiva, evidente ou
indiscutível”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/5fb09c68c43439e180257e5200356450?OpenDocument

27.TRC 19/05/2015 (Arlindo Oliveira), p. 376/14.2T8CBR.C1


Sumário:
“Verifica-se a inconstitucionalidade do disposto nos artigos 703.º do CPC e 6.º n.º 3 da Lei
41/2013 de 26 de Junho, por violação do princípio da protecção da confiança plasmado no

504
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra

artigo 2.º da CRP, quando interpretados no sentido de que os mesmos são de aplicação
imediata a casos em que se trata de documento particular anteriormente dotado de força
executiva por força do artigo 46.º n.º 1 alínea c) do CPC de 1961 que só a perdeu em
virtude de diferente e posterior alteração do respectivo regime legal”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/ce2e6f171035c1cc80257e4b005336d7?OpenDocument

28.TRC 27/05/2015 (Anabela Luna de Carvalho), p. 376/14.2T8CBR.C1


Sumário:
1. “Atua como litigante de má-fé quem, antes de interposta a ação, estava já munido de
elementos que, com grau de segurança, lhe permitiam aferir duma realidade
contraposta aquela que subjaz ao pedido, realidade da qual foi interveniente, omitindo
a mesma e mantendo essa postura no decurso dos autos.
2. Com a entrada em vigor, em 01/09/2013, do novo Código de Processo Civil, aprovado
pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho e, comparando o texto do artº 458º, agora
revogado, com o do novo artº 544º, constata-se que foi eliminada a responsabilidade
individual da pessoa singular que aja de má fé em representação da parte/pessoa
coletiva, sendo, assim de imputar diretamente à pessoa coletiva, através do seu
património, as consequências dessa condenação”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/d83925f28625c2c880257e6500319bf8?OpenDocument

29.TRC 02/06/2015 (Anabela Luna de Carvalho), p. 1056/14.T8CBR.C1


Sumário:
1. “A norma que elimina os documentos particulares, constitutivos de obrigações,
assinados pelo devedor do elenco de títulos executivos (artigo 703º do novo CPC),
quando conjugada com o artigo 6º, nº3 da Lei nº41/2013, e interpretada no sentido de
se aplicar a documentos particulares dotados anteriormente da característica da

505
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra

exequibilidade, conferida pela alínea c) do nº1 do artigo 46º do anterior Código de


Processo Civil, é manifestamente inconstitucional por violação do princípio da segurança
e proteção da confiança integrador do princípio do Estado de Direito Democrático.
2. A eliminação dos documentos particulares, constitutivos de obrigações, assinados pelos
devedores do elenco dos títulos executivos, constitui uma alteração no ordenamento
jurídico que não era previsível.
3. A incidência do novo regime processual sobre situações jurídicas constituídas no
passado, lesiona mais fortemente o interesse particular a usar um título executivo
legitimamente expectável, do que o interesse público de diminuir o risco de uma
execução injusta, o qual pode ser alcançado por outra via processual”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/aa7f30ebcbc733b280257e8400356dc1?OpenDocument

30.TRC 02/06/2015 (Falcão de Magalhães), p. 322/14.3TBLRA.C1


Sumário:
“Compete à Instância local e não à Secção de Família e Menores que exista na comarca
preparar e julgar as acções de interdição por anomalia psíquica”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/00b8c23d3d352e6f80257e61003bdbca?OpenDocument

31.TRC 02/06/2015 (Falcão de Magalhães), p. 624/15.1T8VIS.C1


Sumário:
I- “Não é de entender existir manifesta falta de título executivo – v.g., para assim alicerçar
o indeferimento liminar do requerimento executivo -, quando, apesar de essa conclusão
ser arrimada na interpretação que, das normas aplicáveis, faz determinada corrente da
doutrina e da jurisprudência das Relações, não só existe corrente doutrinária e
jurisprudencial contrária, como, também, aquele entendimento vai contra a
jurisprudência conhecida do Tribunal Constitucional, que considera que as normas assim

506
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra

interpretadas violam o “princípio da proteção da confiança decorrente do princípio do


Estado de Direito democrático constante do artigo 2.º da Constituição”.
II- Não obstante a entrada em vigor do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº
41/2013, de 26/06, permanece em vigor o artº 33º, nº 1, do Regime Jurídico do Crédito
Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/f35e615256a4a97680257e61003a6e55?OpenDocument

32.TRC 16/06/2015 (Fonte Ramos), p. 203/14.0T8FND.C1


Sumário:
1. “No processo de jurisdição voluntária previsto no art.º 1055º, do CPC, dirigido à
suspensão ou destituição de titulares de órgãos sociais, o Tribunal não está vinculado à
observância rigorosa do direito aplicável, não está sujeito a critérios de legalidade
estrita.
2. O Tribunal tem o poder-dever de investigar livremente os factos, coligir provas, ordenar
inquéritos e recolher as informações convenientes (art.º 986º, n.º 2, do CPC) - o material
de facto, sobre o qual há-de assentar a resolução, é não só o que os interessados
ofereçam, senão também o que o juiz conseguir trazer para o processo pela sua própria
actividade.
3. Em vez de se orientar por qualquer conceito abstracto de justiça, o Tribunal deve olhar o
caso concreto e procurar a solução que melhor serve os interesses em causa, que dá a
esses interesses a resposta mais conveniente e oportuna.
4. Qualquer processo de jurisdição voluntária, como processo especial, regula-se pelas
disposições que lhe são próprias e pelas disposições gerais e comuns, e,
subsidiariamente, pelas normas do processo comum (art.º 549º, n.º 1, do CPC).
5. Evidenciadas nos autos dificuldades e/ou incongruências também decorrentes da
tramitação simultânea e paralela do procedimento cautelar de suspensão e da acção
principal de destituição (art.º 1055º, do CPC), designadamente, na sequência da citação
do requerido, mas sendo claro o diferendo dos sócios, na prossecução da finalidade da
acção e visando a gestão mais sensata ou conveniente da situação de facto, poderá
impor-se especial razoabilidade e bom senso na actuação do princípio do contraditório

507
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra

associado ao princípio da adequação formal (art.ºs 547º e 987º, do CPC)”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/0b8e8ed21e443bce80257e830038cbb3?OpenDocument

33.TRC 30/06/2015 (Henrique Antunes), p. 39/14.9T8LMG-A.C1


Sumário:
I- “São requisitos cumulativos do justo impedimento: que o evento não seja imputável à
parte nem aos seus representantes ou mandatários; que determine a impossibilidade de
praticar em tempo o acto.
II- No julgamento do justo impedimento o juiz só deve deferir se verificar que a parte se
apresentou a requerer logo que o impedimento cessou.
III- Não é admitida a prova testemunhal para demonstração da prática de acto processual
por transmissão electrónica de dados, prova que só é admissível por documento
electrónico - ou através da representação escrita de que é susceptível – i.e., através de
uma declaração de validação cronológica, que ateste a data da expedição ou recepção
do documento electrónico correspondente.
IV- Não integra justo impedimento a avaria do computador do Sr. Advogado subscritor da
peça processual, impeditiva da expedição ou remessa da peça processual por
transmissão electrónica de dados”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc
/fb75109c58bfd16880257e7b004957f1?OpenDocument

34.TRC 30/06/2015 (Isabel Silva), p. 2419/10.0TJCBR.C1


Sumário:
I- “Se a parte solicita a cooperação do Tribunal para obtenção da identidade dos herdeiros
da contraparte entretanto falecida, o prazo para a deserção da instância, por omissão do
ónus de instaurar o competente incidente de habilitação de herdeiros, não inicia a sua
contagem enquanto a parte requerente não for notificada do resultado dessas

508
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra

informações ou da impossibilidade de as obter.


II- Enquanto não lhe for dado conhecimento do resultado de diligências de informação por
ela promovidas não se pode considerar existir negligência em não impulsionar o
processo”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5b
b/e205808599785d3a80257e7a00385f96?OpenDocument

509
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Évora

Tribunal da Relação de Évora


2014

1. TRE 30/01/2014 (Elisabete Valente), p. 501/08.2TBSTC.E1


Sumário:
I- “É a pretensão do Autor na PI que determina a competência em razão da matéria.
II- O Inventário para Separação de Meações nos termos dos arts. 825º e 1406º do CPC,
corre nos tribunais Comuns e não nos Tribunais de Família e Menores.
III- Se o processo foi dirigido ao tribunal materialmente competente na altura da
propositura da acção e na sequência de alteração legislativa da Orgânica dos Tribunais
foi incorrectamente remetido, pela Secretaria Judicial, para outro Tribunal
incompetente para a sua tramitação, não é correcta a absolvição da instância, pois à
data em que a acção foi proposta e nos moldes em que o foi não teria lugar tal
absolvição.
IV- Assim, porque as partes não podem ser prejudicadas com os lapsos cometidos pela
secretaria judicial (decorrente, neste caso, da remessa electrónica para outro tribunal)
deve o processo de novo transitar para o tribunal competente, aproveitando-se os actos
já praticados.”

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b
/5ff6b9ae300294e580257de10056fddf?OpenDocument

2. TRC 13/03/2014 (António M. Ribeiro Cardoso), p. 1609/03.6TBPTM-A.E1


Sumário:
1. “É a data da decisão recorrida que define o regime aplicável às reclamações dos
despachos que não admitam os recursos ou os retenham e não a data da decisão
objecto da reclamação.
2. Aos recursos de decisões proferidas antes de 1 de Setembro de 2013 em processos
instaurados antes de 1 de Janeiro de 2008 e, bem assim, às reclamações dos despachos
que os não admitam ou os retenham, ainda que proferidas depois de 1 de Setembro de
2013, aplica-se o regime anterior às alterações introduzidas pelo DL 303/2007 de 24/08.
3. Cabe recurso e não reclamação do despacho que julgou deserto o recurso por falta de

510
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Évora

apresentação das alegações no prazo legal.”

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b
/6c927a36cbc8aab980257cd200528cc4?OpenDocument

3. TRE 26/06/2014 (Paula do Paço), p. 334/13.4TTEVR-A.E1


Sumário:
I- “A prova testemunhal apresentada com o articulado de resposta à contestação visa tão
só a instrução do âmbito da resposta (matéria das exceções invocadas na defesa,
matéria relacionada com o pedido reconvencional ou matéria respeitante à ilicitude do
procedimento da resolução do contrato pelo trabalhador).
II- Tendo o autor requerido “o depoimento de parte do representante legal da R. sobre
toda a matéria dos articulados”, tal indicação não satisfaz a indicação discriminada dos
factos exigida pelo artigo 452º, nº2 do Código de Processo Civil.
III- Ao abrigo do artigo 429º do Código de Processo Civil, a pertinência da apresentação de
um documento em poder da parte contrária, está dependente da circunstância dos
factos que se visam provar com esse documento interessarem à decisão da causa.
IV- É ao juiz que cabe controlar a pretensa idoneidade do documento para a prova de factos
de que o requerente tem o ónus da prova, ou que possam infirmar a prova de factos de
que o detentor do documento tem o ónus. Para viabilizar esse controlo judicial, exige o
normativo que o requerente identifique tanto quanto possível o documento e
especifique os factos que com ele quer provar.
V- Não tendo o requerente especificado os factos que pretendia provar com os
documentos que identificou (que respeitam a outros trabalhadores da ré que não
intervêm no processo), não tendo dado a conhecer ao julgador a ligação entre tais
documentos, os factos alegados e os ónus probatórios, não compete ao Juiz pressupor
os factos que o requerente quer provar, daí justificar-se o indeferimento do requerido
por não respeitar ao objeto do litígio.”

511
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Évora

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b
/417dc9490890583b80257de10056fee7?OpenDocument

4. TRE 16/12/2014 (Paulo Amaral), p. 166878/13.1YIPRT.E1


Sumário:
I- “É o art.º 18.º do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98 que define o critério para fixar
o valor da acção (o do pedido), independentemente da causa que obriga à distribuição
ou do conteúdo da oposição (caso seja esta a causa).
II- A falta de pronúncia, a ter lugar nos termos do art.º 3.º, n.º 4, Cód. Proc. Civil, não tem
efeito cominatório.
III- Para se atribuir uma indemnização de clientela (art.º 33.º, n.º 1, Decreto-Lei n.º 178/86),
é necessário que o agente prove, pelo menos, um suporte fáctico que permita um juízo
de prognose sobre a verificação dos pressupostos descritos naquele preceito legal.”

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b
/a1a8b7df29eb430c80257de10056ff82?OpenDocument

512
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Évora

2015

1. TRE 15/01/2015 (Rui Machado e Moura), p. 1110/13.0T2STC-B.E1


Sumário:
“É possível anular a decisão recorrida (art. 662º nº2 alínea c) do CPC) quando não
constarem do processo todos os elementos probatórios que permitam à Relação a
reapreciação da matéria de facto, podendo esta, fazendo uso dos seus poderes de rescisão
ou cassatórios, anular a decisão proferida na 1ª instância quando considere indispensável,
para uma boa decisão da causa, a ampliação da matéria de facto, com o consequente
aditamento de novos temas da prova (art. 596º nº1 do CPC), os quais serão objecto do
respectivo contraditório das partes em sede de audiência de julgamento.”

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b
/ba64276fcc22813180257de300376824?OpenDocument

2. TRE 12/02/2015 (Canelas Brás), p. 1220/13.3TBVNO-B.E1


Sumário:
“Se, em articulado superveniente, tempestivamente apresentado, se invoca um dano
entretanto resultante do incumprimento do mesmo contrato e se pede o seu
ressarcimento, é de se aceitar a sua junção aos autos, pois não há alteração da causa de
pedir da acção, e o novo pedido é um desenvolvimento do inicial.”

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b
/d8473df11371021680257df100383bfc?OpenDocument

3. TRE 12/02/2015 (Rui Machado e Moura), p. 1279/13.3TBLGS-D.E1


Sumário:
“Terminada a fase dos articulados, segue-se a fase da condensação em que o Mmo. Juiz
podia imediatamente decidir, parcial ou totalmente, do mérito da causa, sem que a

513
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Évora

respectiva decisão possa ser considerada uma “decisão-surpresa” (cfr. art.3º nºs 1 e 3,
C.P.Civil), desde que aquela se contenha dentro dos limites dos pedidos formulados e da
respectiva causa de pedir articulada.”

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b
/77cfab78b2a2937580257df100383c09?OpenDocument

5. TRE 12/03/2015 (Mata Ribeiro), p. 1/12.6TBPTM.E1


Sumário:
1. “Presentemente, à luz do artº 466º, n.º 1, do NCPC, a própria parte detém legitimidade
para, até ao início das alegações orais em 1ª instância, requerer a prestação de
declarações sobre factos em que tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha
conhecimento directo, sendo que o valor probatório dessas declarações, caso respeite a
factos favoráveis ao declarante é apreciado livremente pelo Julgador segundo o seu
prudente critério.
2. Não existe qualquer fundamento epistemológico para não se reconhecer nas
declarações favoráveis ao depoente um meio válido de formação da convicção
esclarecida e racional do julgador, isto é, uma fonte válida de convencimento racional do
juiz”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b
/0994eb2c78d433b380257e12005f013a?OpenDocument

6. TRE 12/03/2015 (Assunção Raimundo), p. 321/14.5T8ENT.E1


Sumário:
1. “A norma do art. 703º do Código de Processo Civil, articulada com o art. 6º, nº 3, da Lei
41/2013, de 26-6, na parte que elimina os documentos particulares, não é de aplicar aos
documentos constitutivos de obrigações, assinados pelo devedor antes de 31-8-2013, e
que à data da sua elaboração dispunham de exequibilidade.
2. Tal norma, aplicada a tais títulos, integra uma inconstitucionalidade, por restringir uma

514
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Évora

garantia com aplicação retroativa (art. 20º, nº 2, da CRP); e por violar a segurança
jurídica, a garantia de efetivação dos direitos e confiança, integradores do princípio do
Estado de Direito Democrático – art. 2º da CRP”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b
/95b86fae0194bc8c80257e12005f0137?OpenDocument

7. TRE 26/03/2015 (Mário Serrano), p. 611/13.4TBPSR.E1


Sumário:
“Por não verificada a falta de citação arguida pela Ré, inexiste fundamento para anular o
processado subsequente, incluindo a sentença recorrida, cuja validade se confirma –
inclusive quando considerou confessados os factos articulados pelo Autor e lhes aplicou o
direito pertinente”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b
/58a3707e41dae44e80257e2900507881?OpenDocument

8. TRE 26/03/2015 (Assunção Raimundo), p. 111/14.5TBVVC-A.E1


Sumário:
1. “Não logrando o apresentante provar a impossibilidade, a condenação em multa
pretende tão só punir o acto da apresentação tardia de documentos em função do que
isso pode causar de perturbação na tramitação do processo.
2. Assim sendo, tratando-se de 'pena pecuniária', a multa cominada não pode ser o
somatório de várias parcelas, conforme o número de documentos juntos, todos
apresentados fora do momento devido”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b
/565ecb20bc30285f80257e290050787b?OpenDocument

515
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Évora

9. TRE 26/03/2015 (Rui Machado e Moura), p. 549/14.8TBPTM-D.E1


Sumário:
“Sendo os autos anteriores a 2008 e a decisão recorrida posterior a Setembro de 2013,o
regime dos recursos aplicável é o do Novo CPC, o qual impõe que, com o requerimento de
interposição do recurso, sejam logo apresentadas as alegações”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b
/68796621d4fe21b680257e2900507879?OpenDocument

10.TRE 26/03/2015 (Sílvio Sousa), p. 410/12.0TBACN.E1


Sumário:
“Comprometendo-se as partes, na sequência da suspensão da instância, para efeitos de
transacção extrajudicial, a informar o Tribunal, tendo em vista o prosseguimento do
processo, da sua não obtenção, não viola o dever de cooperação o despacho que,
decorridos mais de seis meses, após a entrada em vigor do novo C.P.Civil, julga extinta a
instância, por deserção; igualmente, não viola o dever de boa gestão processual, por estar
em causa um impulso processual, a que as partes se vincularam”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b
/917e3f7989d2930480257e2900507869?OpenDocument

11.TRE 30/04/2015 (Assunção Raimundo), p. 438/12.0TBFAR.E1


Sumário:
1. “A recorrente, através do seu mandatário, apresentou o requerimento de recurso e
respectivas alegações por e-mail e não alegou qualquer situação de justo impedimento.
2. Mas a situação de justo impedimento não pode enquadrar qualquer situação de
desconhecimento do mandatário para operar com as novas tecnologias”.

516
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Évora

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b
/b75a33dd3ed0618180257e4300302b83?OpenDocument

12.TRE 14/05/2015 (Acácio Neves), p. 411/12.9TBMRA-A.E1


Sumário:
1. “É nula, nos termos do art. 615º, nº. 1, al. d) do CPC, a decisão que, na sequência de
anterior decisão na qual o tribunal foi julgado incompetente em razão da matéria,
ordena a remessa dos autos ao tribunal administrativo competente, requerida pela
autora, sem apreciar a oposição (e respectivos fundamentos) a tal remessa deduzida
pela parte contrária, e que não aprecia o pedido formulado do MºPº (parte contrária) no
sentido da condenação da autora nas custas relativas àquela primeira decisão.
2. Atento o disposto no art. 99º, nº 2, do CPC, para obstar ao pedido de remessa, à parte
contrária não basta deduzir oposição, impondo-se ainda que essa oposição seja
justificada.
3. Estando em causa um pedido de indemnização contra o Estado Português é de
considerar como justificada a oposição do MºPº à remessa face à invocação de
elementos e enquadramento entretanto conhecidos que o Estado Português não
prescinde de invocar em sede própria de contestação na futura acção que venha a ser
eventualmente proposta”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b
/3c45ccc2e35f2d2d80257e51002e4616?OpenDocument

13.TRE 11/06/2015 (Mata Ribeiro), p. 1406/14.3TBPTM-B.E1


Sumário:
“Ao acto de apresentação do articulado réplica, porque irregular, não pode ser atribuído
qualquer efeito devendo ser eliminado do processo electrónico, uma vez que a aceitação
de tal articulado, embora a título excepcional, não é, no caso dos autos, imposto pelos
deveres de gestão processual concedidos ao juiz, nem resulta de correcta aplicação do
princípio da adequação formal, sendo certo que vai contra a alteração legislativa

517
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Évora

introduzida no NCPC, desvirtuando-a”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b
/93be32b8c20f01af80257e740031fd60?OpenDocument

14.TRE 25/06/2015 (Sílvio Sousa), p. 133/14.6T8ENT.E1


Sumário:
“O documento que titula um contrato de mútuo, concedido pela Caixa Geral de Depósitos e
assinado pelo devedor, constitui título executivo; este título atípico não falseia a
concorrência entre instituições financeiras”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b
/bd7f9d6207d28bae80257e740031fd65?OpenDocument

15.TRE 25/06/2015 (Cristina Cerdeira), p. 133/14.6T8ENT.E1


Sumário:
I- “A nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão prevista no
artº. 615º, nº. 1, al. c) do NCPC, ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz
devessem, logicamente, conduzir a uma decisão diferente da que a sentença expressa,
sendo pacífico o entendimento de que para que tal se verifique é necessário que a
fundamentação da decisão aponte num sentido e que esta siga caminho oposto ou, pelo
menos, direcção diferente.
II- A contradição entre os fundamentos e a decisão e a invocação de alegadas
ambiguidades e obscuridades da sentença não pode servir para justificar a discordância
quanto ao que foi decidido.
III- Não tendo o Tribunal declarado oficiosamente a nulidade do contrato, no âmbito de um
procedimento cautelar de arresto em que não foi requerida a inversão do contencioso
nos termos do artº. 369º do NCPC, após ter constatado a existência de venda de bem
alheio ou de negócio em que a prestação era originariamente impossível (gerando
ambas as situações a nulidade do contrato celebrado), tal situação não conduz à

518
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Évora

nulidade da sentença por omissão de pronúncia nos termos do artº. 615º, nº. 1 , al. d)
do NCPC.
IV- Pese embora a nulidade do contrato seja uma questão de conhecimento oficioso, nos
termos das disposições conjugadas dos artºs 286º, 401º e 892º todos do Código Civil,
não poderia o Tribunal “a quo” tê-la conhecido oficiosamente (nem poderá agora este
Tribunal de recurso fazê-lo), em sede de procedimento cautelar de arresto no qual não
foi requerida a inversão do contencioso”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b
/d7b44385c8d8dc4080257e7d00513f2c?OpenDocument

16.TRE 09/07/2015 (Conceição Ferreira), p. 2449/13.0TBABF-A.E1


Sumário:
“No nCPC, o rol de testemunhas deverá ser indicado na petição, sendo que após esse
momento apenas poderá ser alterado e nunca entregue ex novo, nos termos do seu artº
552º, nº 2”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b
/e4bb9006e72cc06880257e830052d380?OpenDocument

519
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Tribunal da Relação de Guimarães


2014

1. TRG 20/03/2014 (Helena Melo), p. 2016/12.5TBBCL-A.G1


Sumário:
I- “O exame médico efetuado no âmbito de um processo civil para determinar o grau de
incapacidade e o seu rebate profissional, é um exame médico-legal.
II- O nº 3 do artº 21º do DL 45/2004 deve ser interpretado no sentido de se aplicar apenas
nos casos em que a perícia colegial é imposta por normas imperativas.
III- Em regra as perícias médico-legais são efetuadas por um único perito.
IV- Serão efetuadas colegialmente, quando o julgador o determinar de forma
fundamentada.
V- Quando realizadas com a intervenção de três peritos, não são efetuadas por peritos
indicados ou nomeados nos termos do artº 468º do CPC, mas sim por peritos médicos
do quadro do IML ou contratados e, ainda, por docentes e investigadores do ensino
superior no âmbito de protocolos para o efeito celebrados.”
Matéria Relevante:
“Não nos parece que o artº 488º do CPC, na redacção conferida pela L 41/2013, tenha
restringido a perícia colegial apenas aos casos em que a 1ª perícia tenha sido colegial,
pois que manda aplicar as disposições aplicáveis à primeira perícia e nesta está prevista
a perícia colegial por determinação do Tribunal ou a requerimento de alguma das
partes. O que assegura é que a segunda perícia será sempre colegial, quando a primeira
o for.”

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d383
2/f44e74144077be3480257cc30048efbd?OpenDocument&Highlig
ht=0,NCPC

2. TRG 10/04/2014 (Maria da Purificação Carvalho), p. 25122/13.4YIPRT.G1


Sumário:
1. “Com a redacção do 155º do NCPC a gravação tem um outro significado e amplitude que
não tinha anteriormente.
2. Desde logo, em vez de se falar em gravação da prova, fala-se em gravação da própria

520
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Guimarães

audiência final, isto é, de toda a audiência final. Além disso a gravação reporta-se a
todas as audiência finais, ou seja audiência de acções, sejam elas de processo comum ou
especial (art.º 546º do CPC) incidentes e procedimentos cautelares.
3. Depois a gravação ocorre por imposição legal e em todos os casos, quer dizer, sem
necessidade de requerimento e independentemente da questão do recurso.
4. Com este novo regime é previsível que as audiências finais decorram de modo bem mais
célere e fluído, pois deixa de haver lugar á tradicional documentação em acta e na
própria ocasião, de requerimentos, respectivas respostas e despachos.”

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d383
2/670ceda36680ee1f80257cd00053d4b3?OpenDocument&Highli
ght=0,NCPC

3. TRG 19/06/2014 (Isabel Rocha), p. 1224/11.0TBVVD.G1


Sumário:
I- “Não tendo sido arguida a nulidade decorrente da falta ou deficiência das gravações dos
depoimentos produzidos na audiência de julgamento no prazo determinado pelo artº
155º, nº 3, do CPC, deve considerar-se sanada tal nulidade ou irregularidade.
II- Assim sendo, se em sede de recurso a parte impugna a matéria de facto fixada na
primeira instância, fica o tribunal de recurso impossibilitado de reapreciar a decisão, a
menos que os elementos fornecidos pelo processo imponham decisão diversa,
inconceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, designadamente no caso de
documento com força probatória bastante.”

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d383
2/e63c80fc8c5fb2c780257d1900489f7d?OpenDocument

521
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Guimarães

4. TRG 26/06/2014 (Fernando Fernandes Freitas), p. 2180/13.6TBBRG.G1


Sumário:
I- “Resulta do artº. 662º. do actual C.P.C. um reforço dos poderes da Relação no que toca à
reapreciação da matéria de facto. Podendo oficiosamente ordenar a realização de
diligências, a Relação aprecia livremente as provas carreadas para os autos e valora-as e
pondera-as, recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus
próprios conhecimentos das pessoas e das coisas, socorrendo-se delas para formar a sua
convicção.
II- Na cessão de créditos, a citação para a acção de condenação no pagamento do crédito
cedido, proposta pelo credor cessionário, pode produzir o mesmo efeito jurídico que a
notificação referida no nº. 1 do artº. 583º., do C.C. já que o que determina a produção
dos seus efeitos em relação ao devedor é que tenha (efectivo) conhecimento da
cessão.”

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d383
2/a6907e666a5eeace80257d1e00348048?OpenDocument

5. TRG 10/07/2014 (Fernando Fernandes Freitas), p. 1/11.3TBFAF.G1


Sumário:
I- “Resulta do artº. 662º. do actual C.P.C. um reforço dos poderes da Relação no que toca à
reapreciação da matéria de facto. Podendo oficiosamente ordenar a realização de
diligências, a Relação aprecia livremente as provas carreadas para os autos e valora-as e
pondera-as, recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus
próprios conhecimentos das pessoas e das coisas, socorrendo-se delas para formar a sua
convicção.
II- Só as servidões aparentes, isto é, as que se revelam por sinais visíveis e permanentes é
que são susceptíveis de constituição por usucapião – arts. 1548º. e 1293º., alínea a), do
C.C. – porquanto só eles tornam seguro que se não trata de um acto praticado a título
precário, meramente tolerado pelo dono do prédio serviente.
III- A desnecessidade para o prédio dominante que permite ao dono do prédio serviente
requerer a extinção da servidão constituída por usucapião (artº. 1569º., nº. 2, do C.C.),
tem de ser objectiva, só podendo extinguir-se uma servidão que deixou de ter qualquer

522
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Guimarães

utilidade para o prédio dominante.


IV- É o dono do prédio serviente que tem o ónus de provar os factos que demonstrem a
desnecessidade da servidão.”

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d383
2/0953471a091995cb80257d4d004b6721?OpenDocument

6. TRG 11/09/2014 (Heitor Gonçalves), p. 4464/12.1TBGMR.G1


Sumário:
I- “A omissão ou deficiência das gravações é, após a entrada em vigor do Código de
Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, um problema que deve ficar
definitivamente resolvido ao nível da primeira instância, quer pela intervenção oficiosa
do juiz que preside ao acto quer mediante arguição dos interessados.
II- Em sede de recurso, a Relação não pode conhecer oficiosamente dessa questão.
III- Deparando-se a Relação com a omissão ou deficiência de uma parte significativa de
depoimentos de testemunhas de manifesta relevância, deixa de dispor de todos os
elementos para poder apreciar da bondade da decisão recorrida no segmento da
matéria de facto.
IV- Nestas circunstâncias, não se pode conhecer do recurso que versa sobre a impugnação
da matéria de facto.”

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d383
2/854a78d9eebc6f9480257d69004e070e?OpenDocument

7. TRG 15/09/2014 (Maria da Purificação Carvalho), p. 1190/12.5TBGMR.G1


Sumário:
1. “A assentada do depoimento de parte vislumbra-se como actuação quase inútil, ou, no
mínimo, prolixa e redundante que apenas serve para complexizar e atrasar a tramitação
processual.
2. Na verdade, sendo o depoimento gravado nos modernos meios técnicos para o efeito,

523
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Guimarães

tanto basta para que toda a (i)relevância e alcance probatório do depoimento sejam –
salvo nos casos em que a gravação é deficiente –perfeita e cabalmente verificados e
sindicados, quer pelo julgador da 1ª instancia, quer pelo tribunal da Relação, tanto na
parte não confessória, como na parte confessória.
3. Nos contratos de adesão o predisponente deve comunicar ao aderente o teor integral
das cláusulas contratuais gerais, comunicação esta que tem de ser feita por modo a que
este efectivamente as receba.
4. Esta comunicação deverá ainda ser feita com o tempo de antecedência que a
importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas ditem para que seja
possível a um aderente normalmente diligente tomar delas um conhecimento completo
e efectivo. A comunicação deve ocorrer ainda na fase pré-contratual, antes da emissão
da declaração de aceitação do aderente.”

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d383
2/d623d1292112227180257d660035054d?OpenDocument

8. TRG 25/09/2014 (Amílcar Andrade), p. 432/12.1TBAMR.G1


Sumário:
“No novo e actual modelo executivo a extinção da execução não é competência do juiz,
mas sim do agente de execução.”

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d383
2/b04976cc6d19d93a80257d72004b98b9?OpenDocument&Highli
ght=0,novo,cpc

9. TRG 25/09/2014 (Carlos Guerra), p. 260/12.4TBMNC-A.G1


Sumário:
“Na ação de divisão de coisa comum, se for deduzida reconvenção em que o demandado
formule pedido de indemnização por benfeitorias feitas no prédio dividendo, deverá a
reconvenção ser admitida, ao abrigo do disposto nos artigos 266º, n.º 3 e 37º, n.ºs 2 e 3 do

524
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Guimarães

Código de Processo Civil, ordenando-se, em consequência, que o processo siga os termos,


subsequentes à contestação, do processo comum.”

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d383
2/e65a89d5f53e75da80257d72004856ef?OpenDocument

10.TRG 29/09/2014 (Ana Cristina Duarte), p. 3320/10.2TBBRG-A.G1


Sumário:
1. “Num processo de execução, estando em curso diligências de penhora requeridas pelo
exequente e não tendo este sido notificado da sua impossibilidade, para indicar outros
bens, não pode a execução ser julgada extinta, pelo simples decurso do prazo de três
meses a que se refere o artigo 750.º, n.º 1 do CPC.
2. Aliás, no Novo Código de Processo Civil, não só não há lugar à prolação de uma sentença
de extinção da execução, como se verifica que o processo pendente é extinto,
automaticamente, na sequência de comunicação electrónica do agente de execução,
sem intervenção do juiz.”

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d383
2/29eb73832bb2962480257d740047c986?OpenDocument&Highli
ght=0,novo,cpc

11.TRG 29/09/2014 (Filipe Caroço), p. 81001/13.0YIPRT.G1


Sumário:
1. “Indicando o recorrente determinados depoimentos gravados como relevantes em sede
de impugnação da decisão em matéria de facto, mas não tendo cumprido o ónus
processual da indicação com exatidão das passagens da gravação em que funda o seu
recurso, a cominação imposta pelo art.º 640º, nº 2, al. a), do Código de Processo Civil, é
a imediata rejeição do recurso na respetiva parte.
2. O apelo simultâneo a determinados documentos juntos aos autos que não constituam
prova formal ou vinculada, assim, sujeitos a livre apreciação do julgador, é insuficiente

525
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Guimarães

para - em caso de impossibilidade jurídica de atender à prova gravada - conduzir à


modificação da decisão em matéria de facto.”

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d383
2/21d43d53b52f959380257d7400490316?OpenDocument

12.TRG 09/10/2014 (Raquel Rego), p. 512/11.0TVPRT.G1


Sumário:
I- “Não pode confundir-se a tempestividade do recurso que versa sobre a reapreciação da
prova gravada com a sua improcedência por falta de um ou outro requisito processual
atinente.
II- Uma vez que a recorrente formulou pedido de reapreciação da prova gravada, sempre
beneficiará da prorrogação de prazo de 10 dias, ainda que na respectiva apreciação se
venha a concluir que não se mostram integralmente observados os respetivos trâmites
processuais e com esse fundamento venha a improceder.
III- O julgador, na formação da respectiva convicção, há-de sempre pautar-se por critérios
de razoabilidade e normalidade da vida e, com eles, fazer uma apreciação cuidada e
crítica dos relatos que lhe são feitos pelas testemunhas, conjugá-los com os documentos
oferecidos e valorá-los em conformidade com o que tem como mais curial.
(…)”

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d383
2/e9cd425e9d246eb380257d89005985c3?OpenDocument

13.TRG 13/10/2014 (Fernando Fernandes Freitas), p. 2149/12.8TBVCT.G1


Sumário:
I- “O art.º 662º. do C.P.C. configura a reapreciação da decisão da matéria de facto dando-
lhe a configuração de um novo julgamento, tendo sido intenção do legislador a de
reforçar os poderes da Relação no que toca à reapreciação da matéria de facto.

526
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Guimarães

II- Sem embargo, o não cumprimento de um dos ónus impostos ao recorrente nas alíneas
a), b), ou c) do n.º 1, ou na alínea a) do n.º 2, do artº. 640º., do C.P.C., determina a
rejeição do recurso quanto à impugnação da matéria de facto.
(…)”

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d383
2/7d046cafced997c880257d81004f8a03?OpenDocument

14.TRG 06/11/2014 (Helena Melo), p. 1339/12.8TBVRL.G1


Sumário:
1. “Da aplicabilidade imediata do NCPC não decorre, porém, que o novo regime atinja os
actos praticados à sombra do CPC antigo. No domínio processual é aplicável a doutrina
estabelecida, em termos genéricos, no art. 12º do C. Civil, com as necessárias
adaptações. Daí deriva que a validade e regularidade dos actos processuais anteriores
aferem-se pela lei antiga, na vigência da qual foram praticados.
2. No que respeita à produção e apresentação de meios de prova requeridos ao abrigo do
regime processual anterior, apenas se aplicará o novo regime nos segmentos que não
colidam com aquele regime, assim se respeitando a harmonia e coerência processual, o
princípio da segurança e a protecção da confiança.
3. Assim, continua a impor-se o limite de cinco testemunhas a cada facto aos julgamentos
realizados após a entrada em vigor da Lei 41/2013, mas em que os meios de prova
foram oferecidos em momento anterior, encontrando-se à data da entrada em vigor da
nova lei, já terminada a fase dos articulados.”

Texto integral
http://www.dgsi.pt/JTRG.NSF/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3
832/b57e29d6f8fd67b480257db0005a534a?OpenDocument

15.TRG 17/12/2014 (Jorge Teixeira), p. 2777/12.1TBBRG.G1


Sumário:
I- “A enunciação dos temas de prova delimitam o âmbito da instrução, para que ela se

527
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Guimarães

efectue dentro dos limites definidos pela causa de pedir e pelas excepções deduzidas,
assegurando uma livre investigação e consideração de toda a matéria com atinência
para a decisão da causa.
II- Incontornável resulta, assim, que a instrução continua a ter por objecto os factos
relevantes para o exame e decisão da causa que devam considerar-se controvertidos ou
necessitados de prova, que constituem, impedem, modificam ou extinguem o direito
controvertido, tal como plasmados nos articulados.
III- Por isso, a não abrangência pelos temas da prova enunciados de factos essenciais ou
nucleares de um das pretensões deduzidas, acarreta a anulação da decisão, uma vez que
se não pode considerar que, realmente, sobre uma tal factualidade, por decorrência de
um incumprimento ou do não exercício do contraditório, de um modo directo, incisivo e
intencional tenha sido arrolado e produzido todo o substrato probatório que,
efectivamente, o poderia teria sido, se resultasse inequívoco, linear e claro que e as
partes tiveram a plena consciência de que esse facto fazia parte de um dos temas de
prova enunciados”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d383
2/65fb52d83761c2cd80257de2005bb17e?OpenDocument

16.TRG 17/12/2014 (Conceição Bucho), p. 31/14.3TBMDR.G1


Sumário:
“Não ofende o princípio da segurança jurídica e protecção da confiança, previstos no art.º
2.º da Constituição da República Portuguesa, a aplicação do art.º 703.º do NCPC, a
documento particular de reconhecimento de dívida, emitido em data anterior à entrada em
vigor do novo código e dotado de exequibilidade nos termos do art.º 46.º n.º1 c) do
anterior Código de Processo Civil”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d383
2/f0fb55008d9d7ef980257de2005bfdc6?OpenDocument

528
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Guimarães

2015

1. TRG 15/01/2015 (Isabel Rocha), p. 990/14.6T8BRG.G1


Sumário:
I- “O pretérito CPC elencava os casos de extinção da instância, entre as quais a deserção
da instância que ocorria, independentemente de qualquer decisão judicial, quando
esteja interrompida durante dois anos”, sendo julgada no tribunal onde se verifique a
falta, por simples despacho do juiz (nº 4 do mesmo normativo).
II- Já na nova lei apenas se prevê a deserção, que ocorre quando o processo se encontre a
aguardar o impulso processual há mais de seis meses (art.ºs 277.º e 281.º), decorrendo
desta alteração que deve aplicar-se o artº 297º nº 1 do Código Civil segundo o qual “A lei
que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei
anterior é também aplicável aos prazos que estiverem em curso, mas o prazo só se
conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte
menos tempo para o prazo se completar.
III- O reforço do princípio do dispositivo no vigente CPC não elimina o princípio da auto-
responsabilidade das partes”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d383
2/083339f2508b8f3780257df1004e3aa5?OpenDocument

2. TRG 22/01/2015 (António Figueiredo de Almeida), p. 561/12.1TBAMR-A.G1


Sumário:
“As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que
se refere o artigo 425º NCPC ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude
do julgamento proferido na 1ª instância”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d383
2/918b2ea763baca5e80257df50057fa27?OpenDocument

529
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Guimarães

3. TRG 29/01/2015 (Helena Melo), p. 80/12.6TBBCL-G.G1


Sumário:
1. “Constituindo os temas da prova, tal como já se entendia relativamente aos factos
assentes e à base instrutória, um suporte de trabalho para o julgamento, estabelecendo
as linhas mestras da discussão, não se forma sobre o mesmo caso julgado formal, nada
impedindo que o juiz, no início do julgamento, restrinja os temas da prova, se entender
que é inútil para a decisão da causa um dos temas em discussão.
2. E no início do julgamento em 1ª instância, se o juiz considerar que não foram indicados
todos os temas da prova, poderá ainda fazê-lo, concedendo às partes um prazo para, se
assim o entenderem, indicarem novas testemunhas. A expectativa das partes tem
sempre que ser acautelada, de modo a permitir o amplo exercício do contraditório e de
defesa.
3. O direito de retenção, direito real de garantia não concede ao seu titular a faculdade de
embargar de terceiro no processo de insolvência, assim como não lhe concede o direito
de embargar de terceiro na execução movida contra o proprietário do bem, mas apenas
o de reclamar o respectivo crédito nessa execução, onde será exercido com prevalência
aos demais credores (artºs 786 nº 1 b) e 788º nº 1 do CPC). O titular do direito de
retenção deverá reclamar o seu crédito na insolvência no prazo fixado para a
reclamação (artº 128º do CIRE) ou posteriormente, nos termos do artº 146º do CIRE e
não pode socorrer-se de embargos de terceiro para obstar à entrega do bem, com
fundamento no direito de retenção.
4. Os embargos de terceiro são o meio processual adequado para o arrendatário do bem
vendido a terceiro no processo de insolvência, deduzir oposição à ordem judicial para
entregar o bem”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d383
2/f79ca0d97bc5912280257e0600527706?OpenDocument

4. TRG 12/03/2015 (Helena Melo), p. 421210/10.1YIPRT.G1


Sumário:
1. “Os vícios de que a gravação possa padecer só determinarão a nulidade nos termos do
artº 195º nº 1 do CPC em função da circunstância de aqueles vícios poderem ou não

530
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Guimarães

influir concretamente na impugnação da decisão da matéria de facto que a parte


recorrente pretenda fundamentar.
2. Face ao novo Código Processo Civil (nº 4 do artº 155º, na redacção da Lei 41/2013) a
falta ou deficiência da gravação deve ser invocada, no prazo de 10 dias a contar do
momento em que a gravação é disponibilizada, arguição que deverá ser efectuada
perante o juiz da 1ª instância, nos termos conjugados dos artigos 155º e 195º do CPC,
não sendo admitida a sua inserção nas alegações de recurso”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d383
2/bbfe5f8f029344d580257e49005629e6?OpenDocument

5. TRG 12/03/2015 (Isabel Rocha), p. 1286/11.TBEPS-B.G1


Sumário:
“A obrigação de descriminação dos factos objecto da declaração de parte requerida por
qualquer das partes, nos termos do art.º 452.º do CPC, aplicável ao caso previsto no art.º
466.º, cumpre-se quando o requerente pede que tal declaração deve recair sobre toda a
matéria de facto controvertida abrangida no âmbito da previsão das referidas normas”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d383
2/81976390604646aa80257e3c00583885?OpenDocument

6. TRG 19/03/2015 (Maria da Purificação Carvalho), p. 203/14.0T8VNF.G1


Sumário:
“Não ofende o princípio da segurança jurídica e proteção da confiança, ínsitos no art.º 2.º
da C. R. P., a interpretação conjugada do art.º 703.º do NCPC e 6.º n.º3 da Lei 41/2013 de
26 de junho, no sentido de o primeiro se aplicar a documento particular de reconhecimento
de dívida, emitido em data anterior à da sua entrada em vigor e dotado de exequibilidade
nos termos do art.º 46.º n.º1 c) do anterior CPC, ocorrendo o vencimento da obrigação
reconhecida em outubro de 2010”.

531
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Guimarães

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d383
2/99fe5fcfad3bc26780257e3c0055f8ac?OpenDocument

7. TRG 16/04/2015 (Estelita Mendonça), p. 1464/11.2TBEPS.G1


Sumário:
1. “Nos termos do disposto no art. 281 n.º 1 do CPC “considera-se deserta a instância
quando, por negligência das partes, o processo se encontra a aguardar impulso
processual há mais de seis meses.
2. O envio de um email pelo A. directamente ao Agente de Execução, dentro desse período
de seis meses, em que se pergunta o estado da citação de um dos RR, email não
comunicado ao tribunal, não corresponde à prática de um acto donde decorra qualquer
impulso processual, mas somente de informação acerca do estado do processo”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d383
2/dc11c46f1940820380257e5900561890?OpenDocument

8. TRG 23/04/2015 (Maria da Purificação Carvalho), p. 1123/12.9TBBRG.G1


Sumário:
1. “Inclinamo-nos para a consideração oficiosa dos factos instrumentais ou concretizadores
dos factos essenciais que surjam durante a instrução da causa. É claro que, essa
consideração oficiosa, não pode ser feita sem que as partes se pronunciem sobre ela.
2. A impugnação da matéria de facto só ganha relevo e consistência se o apelante indicar
porque discorda da decisão do tribunal, indicando os concretos meios de prova que o
tribunal não ponderou, ou ponderou mal, e não quando se limita a indicar os meios de
prova a que, no seu entender, se deve atender, fazendo tábua rasa dos restantes
produzidos e que, de forma conjugada, determinaram a convicção do julgador.
3. O direito de retenção abrange os encargos com a guarda e manutenção da obra porque
são feitas em benefício da manutenção e conservação do empreendimento,
propriedade da ré, que, apresentando já sinais de não utilização porque não está a ser
explorado por ninguém, não manifesta maior deterioração precisamente por força da

532
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Guimarães

vigilância, segurança e manutenção que é feita, mantendo-se a electricidade em


funcionamento, o que é absolutamente essencial para a sua preservação e para a
preservação dos equipamentos ai instalados”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d383
2/a22b442e001a0b9f80257e54005796fc?OpenDocument

9. TRG 23/04/2015 (Fernando Fernandes Freitas), p. 372/10.9TCGMR.G1


Sumário:
I- “Com o objectivo primordial de evitar o julgamento formal e privilegiar o apuramento da
verdade material dos factos, o art.º 662º. do C.P.C. regula a reapreciação da decisão da
matéria de facto dando-lhe a configuração de um novo julgamento, devendo a Relação
avaliar livremente todas as provas carreadas para os autos e valorá-las e ponderá-las,
recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus próprios
conhecimentos das pessoas e das coisas, para formar a sua própria convicção.
II- O titular do direito a águas particulares pode conduzi-las através de prédio de outrem
para as aproveitar num prédio que lhe pertença, seja em proveito da agricultura ou da
indústria, seja para gastos domésticos, constituindo uma servidão de aqueduto.
III- Os adminicula servitutis são todas as faculdades ou poderes instrumentais acessórios ou
complementares, que representam os meios adequados ao pleno aproveitamento da
servidão.
IV- Se a condução da água é feita através de cano subterrâneo ou tubo enterrado no solo
como, em princípio, não existe o perigo da água se perder os adminicula ficam
restringidos às necessidades de reparação das avarias que se vierem a verificar –
desabamento da cobertura do cano, ruptura do tubo, ou o seu entupimento -, já não se
justificando o direito de passagem pelo prédio serviente para acompanhamento da
água.
V- Provando-se que os consortes de uma água desde há mais de 40 anos, sem interrupção,
de forma pacífica e pública, sempre passaram pelo prédio dos réus para acederem ao
local onde a fariam derivar para o rego e, quando a entubaram, para o tubo, que a
conduziria aos seus prédios, agindo na convicção de quem exerce direito próprio, deve
ter-se por constituída uma servidão de passagem, onerando o prédio dos Réus,

533
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Guimarães

beneficiando os prédios dos Autores, a qual tem por finalidade o


aproveitamento/utilização da água nestes prédios.”

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d383
2/904995887f525a2080257e5e005487c5?OpenDocument

10.TRG 30/04/2015 (António Sobrinho), p. 1213/14.3T8CHV-A.G1


Sumário:
“A invocação da compensação por parte do embargante com base no contracrédito sobre o
exequente [artº 729º, al. h), do CPC] não é admissível quando ela já era possível à data da
contestação na acção declarativa, por via do efeito preclusivo da defesa (artº 573º, do CPC)
e tendo em conta a harmonização do regime da alínea h) com o da alínea g) do art. 729º.”

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d383
2/a2585677397e7a1980257e9300481dfd?OpenDocument

11.TRG 30/04/2015 (Maria Luísa Ramos), p. 100/96.0TBAVV-D.G1


Sumário:
I- “Tendo em 1 de Setembro de 2013 entrado em vigor o NCPC – cfr. artº 8º da Lei nº
41/2013, de 26 de Junho, a lei processual deixou de prever a figura da interrupção da
instância, prevendo apenas, no artº 281º do CPC, que se considera deserta a instância
quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar o impulso
processual há mais de seis meses.
II- As normas do Novo Código de Processo Civil (vigente desde 1 de Setembro de 2013) são
aplicáveis aos processos declarativos pendentes nos termos do artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º
41/2013, de 26 de Junho, e, assim, consequentemente, desde a indicada data é aplicável
ao processo em curso a norma do artº 281º do CPC que prevê a deserção da instância
em caso de “comportamento omissivo dos sujeitos processuais” por mais de seis meses,
tendo cessado, ope legis, a aplicação das normas dos artº 285º e 291º do anterior CPC.

534
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Guimarães

III- E, na contagem dos prazos em curso haverá que atender ao estabelecido no artº 297º nº
1 do C. Civil, nos termos do qual: “A lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo
mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que estiverem
em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser
que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d383
2/76ea8fa8eb5feafc80257e93004a0d77?OpenDocument

12.TRG 30/04/2015 (José Estelita de Mendonça), p. 230/11.0TBBRG.G1


Sumário:
I- “Face ao CPC de 2013, que assim readotou a filosofia do CPC de 1939, a extinção da
instância na ação declarativa por deserção exige decisão judicial nesse sentido.
II- Diferentemente do que sucedia no âmbito do anterior CPC (o de 1961), a deserção não
se produz de direito, mas sim ope judicis.
III- Nesta medida, a decisão de extinção tem alcance constitutivo e não simplesmente
declarativo, e daqui que enquanto não for proferida será lícito à parte onerada com o
ónus do impulso processual promover utilmente o seguimento do processo mesmo que
já tenham transcorrido os seis meses inerentes à deserção.”

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d383
2/23303250a75d4d3380257e92004a55f1?OpenDocument

13.TRG 30/04/2015 (Manso Raínho), p. 365/13.4TJVNF-A.G1


Sumário:
I- “Tendo a ação declarativa valor processual não superior a €50.000,00, o seu julgamento
compete à secção da instância local e não à secção cível da instância central, mesmo
que, face à legislação anterior à atual lei da organização judiciária, o julgamento
coubesse ao juiz de círculo e para este tivessem os autos chegado a ser remetidos.
II- As normas da lei da organização judiciária que determinam esta solução não são

535
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Guimarães

inconstitucionais”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d383
2/9e8b7256209dda8e80257e75005674b0?OpenDocument

14.TRG 07/05/2015 (António Figueiredo de Almeida), p. 110/03.2TBMDL-D.G1


Sumário:
1. “Desde o dia 26 de agosto de 2014, inclusive, o sistema informático de suporte à
atividade dos tribunais (CITIUS) apresentou constrangimentos ao acesso e utilização,
que dificultaram ou impossibilitam a prática de qualquer ato no mesmo sistema
informático, pelos sujeitos e intervenientes processuais, magistrados e secretarias
judiciais ou do Ministério Público.
2. Tais constrangimentos foram considerados, para todos os efeitos e independentemente
de requerimento, alegação ou prova, justo impedimento à prática de atos processuais
que devam ser praticados por via eletrónica neste sistema.
3. Relativamente aos atos que devam ser praticados por via eletrónica no sistema CITIUS,
apenas se considera existir justo impedimento à prática de atos nesse suporte, no caso
de a secretaria judicial confirmar a impossibilidade de acesso ao processo ou a parte
dele, quer em suporte eletrónico, quer em suporte físico, estendendo-se nesse caso o
justo impedimento à prática de atos neste último suporte.
4. Caso haja possibilidade de o ato ser praticado em suporte físico, embora haja
impossibilidade de o praticar por via eletrónica, deverá ser praticado por aquela via, não
havendo, assim, justo impedimento.”

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d383
2/adc0e9d56f3fc8f080257e610058a2ac?OpenDocument

536
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Guimarães

15.TRG 07/05/2015 (Filipe Caroço), p. 243/14.0TBFAF.G1


Sumário:
1. “O novo Código de Processo Civil eliminou a figura da interrupção da instância e reduziu
o prazo da deserção, mantendo-a como causa de extinção da instância (art.º 277º, al.
c)).
2. Com exceção do processo de execução, a deserção da instância não é automática;
depende da audição prévia das partes, por aplicação do princípio contido no art.º 3º, nº
3, do Código de Processo Civil, e de uma decisão judicial fundamentada que avalie a
conduta daquelas, mais concretamente, a existência de negligência de alguma delas ou
de ambas na inércia a que o processo esteve votado há mais de seis meses, nos termos
do art.º 281º, nº 1 e nº 4, daquele código”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d383
2/18d76d57e7be312e80257e92004abeb7?OpenDocument

16.TRG 07/05/2015 (Fernando Fernandes Freitas), p. 329/13.8TBAMR.G1


Sumário:
I- “Com o objectivo primordial de evitar o julgamento formal e privilegiar o apuramento da
verdade material dos factos, o art.º 662º. do C.P.C. regula a reapreciação da decisão da
matéria de facto dando-lhe a configuração de um novo julgamento, devendo a Relação
avaliar livremente todas as provas carreadas para os autos e valorá-las e ponderá-las,
recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus próprios
conhecimentos das pessoas e das coisas, para formar a sua própria convicção.
II- Nos termos do art.º 32.º, n.º 8 da Constituição, são nulas todas as provas obtidas
(dentre outras) com “abusiva intromissão da vida privada”.
III- Conquanto a nulidade esteja ali prevista para o processo criminal, posto que os direitos
de personalidade são direitos absolutos, impõem-se erga omnes, deve entender-se que
a impossibilidade do recurso àquelas provas se estende às demais jurisdições,
abrangendo não só as entidades públicas como também os particulares.
IV- Uma vez que o segredo bancário integra o âmbito da reserva da intimidade da vida
privada, não podem valer como prova afirmações produzidas por uma testemunha,
violadoras daquele segredo, sem que se tenham antes accionado os mecanismos da
dispensa do dever de sigilo.

537
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Guimarães

V- A simulação é uma divergência intencional entre a vontade e a declaração e pressupõe a


verificação simultânea de três requisitos: i) intencionalidade da divergência entre a
vontade e a declaração; ii) acordo entre o declarante e o declaratário (acordo
simulatório); iii) intuito de enganar terceiros”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d383
2/1afcabfe51140bdc80257e750056aad8?OpenDocument

17.TRG 14/05/2015 (António Sobrinho), p. 853/13.2TBGMR.G1


Sumário:
I- “A nulidade processual de falta ou deficiência de gravação dos depoimentos deve ser
invocada no prazo de 10 dias a contar do momento da disponibilização da gravação, sob
pena de sanação da mesma.
II- A nulidade da sentença por falta de fundamentos de facto e de direito pressupõe uma
ausência total de fundamentação.
III- A privação de uso de um veículo automóvel durante um certo lapso de tempo, em
consequência dos danos sofridos em acidente rodoviário, constitui, só por si, um dano
indemnizável.
IV- É ao autor da lesão e não ao lesado quem compete agir, e de forma diligente, para que o
dano seja reparado, pelo que as eventuais implicações danosas acrescidas decorrentes
do decurso do tempo correm por conta do obrigado à reparação do dano e não por
conta do lesado.”

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d383
2/e95a6985710ca05980257e92004d0691?OpenDocument

18.TRG 08/06/2015 (António Figueiredo de Almeida), p. 71934/12.7YIPRT-A.G1


Sumário:
“No âmbito do recurso extraordinário de revisão, no caso de indeferimento liminar, a
reação contra o mesmo, pela parte interessada, terá de ser feita, não através de

538
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Guimarães

reclamação, mas mediante recurso de apelação.”

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http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d383
2/f6bc3d68b99d06ab80257e6100596d77?OpenDocument

539
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa

Tribunal da Relação de Lisboa


2013

1. TRL 17/09/2013 (Pedro Brighton), p. 450/08.4 TBSTB-B.L1-1


Sumário:
I- “Antes da entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2013, a remessa a juízo de
qualquer peça processual através de telecópia continuava a estar submetida ao regime
estabelecido no Decreto-Lei 28/92 de 27/2, decorrendo deste que o tratamento a dar
aos escritos remetidos é diverso consoante estejam em causa articulados ou quando
estejam em causa outros actos praticados por escrito pelas partes:
 os originais dos articulados, bem como quaisquer documentos autênticos ou
autenticados apresentados pela parte, devem ser remetidos ou entregues na
secretaria judicial no prazo de sete dias contado do envio por telecópia,
incorporando-se nos próprios autos;
 quanto aos demais actos devem as partes conservar os originais e exibi-los sempre
que sejam solicitados.
II- Uma vez que a reapreciação da prova pela Relação se destina a sindicar concretos
pontos da matéria de facto que, em função de determinados meios de prova, se
revelem incorrectamente apreciados, deve a parte especificar e individualizar tal
factualidade em sede de alegações, bem como concretizá-la, ainda que de uma forma
mais sintética, nas conclusões do recurso”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec
/8e1b50f9afe6eaf880257c17007612e3?OpenDocument

2. TRL 29/10/2013 (Pedro Brighton), p. 2642/04.6TBBRR.L1-1


Sumário:
I- “A acção de reivindicação tem por objecto o reconhecimento do direito de propriedade
e a consequente restituição da coisa por parte do possuidor ou detentor dele.
II- A acção de demarcação, que outrora seguia a forma de processo especial, é,
actualmente, uma acção declarativa que tem como objectivo a marcação da linha

540
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa

divisória de prédios pertencentes a donos diferentes.


III- Na acção de reivindicação temos um conflito acerca do título e na acção de demarcação,
um conflito acerca do prédio, centrado nas suas limitações.
IV- Inexiste, assim, entre tais acções, identidade do pedido.
V- O princípio da adequação formal é expressão do carácter funcional e instrumental da
tramitação relativamente à realização do fim essencial do processo, não visando a
criação de uma espécie de processo alternativo, da livre discricionariedade dos
litigantes, visando antes possibilitar a ultrapassagem de eventuais desconformidades
com as previsões genéricas das normas de direito adjectivo.
VI- O princípio da adequação formal visa a justa composição do litígio, que sempre terá que
ser alcançada com respeito integral pelos princípios essenciais estruturantes do
processo civil, nomeadamente os da igualdade das partes e do contraditório.
VII- A perícia tem como finalidade auxiliar o julgador na percepção ou apreciação dos factos
a que há-de ser aplicado o direito, sempre que sejam exigidos conhecimentos especiais
que só os peritos possuem.
VIII- Em termos valorativos, os exames periciais configuram elementos meramente
informativos, de modo que, do ponto de vista da juridicidade, cabe sempre ao julgador a
valoração definitiva dos factos pericialmente apreciados, conjuntamente com as demais
provas”.
(Sumário do Relator)

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec
/90545ecf321f4bac80257c1f00822a0e?OpenDocument

3. TRL 12/11/2013 (Ana Resende), p. 1400/10.3TBPDL.L1-7


Sumário:
1. “Cabe à Relação proceder à reapreciação da prova, com a mesma amplitude de poderes
que tem a 1.ª instância, fazendo assim, de forma autónoma, o seu próprio juízo de
valoração, que pode ser igual ou diferente do já produzido.
2. A anomalia na gravação das provas pode ser considerada como uma irregularidade
especial, configurando-se como a especialidade mais saliente, a circunstância da Relação
poder ordenar por sua iniciativa a repetição de provas que se encontrem impercetíveis,
sempre que isso se revele, no seu entendimento, que não no da parte apelante,

541
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa

essencial ao apuramento da verdade”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec
/47e59d75072f8ad280257c3700035bed?OpenDocument

4. TRL 19/12/2013 (Teresa Soares), p. 2264/06.7TVLSB-6


Sumário:
I- “A remissão é uma figura privativa nas relações creditórias que tem natureza contratual,
exigindo o consentimento – aceitação – do devedor. Estando em causa um crédito de
honorários não pode falar-se de renúncia, mas antes de remissão ou perdão que, para
operar, carece da aceitação do devedor.
II- A remissão abdicativa sob condição de não utilização do trabalho despendido pela
credora de honorários implica que a remissão só operava na medida em que do trabalho
realizado pela A. não fosse retirada qualquer utilidade prática.
III- Inexistindo concretização das operações que determinaram a indicação do montante
global de honorários, desconhecendo-se o modo como esse valor foi alcançado e quais
as componentes que entraram para o seu cálculo, há que atender ao laudo da Ordem
dos Advogados, dado ser a entidade com a mais reconhecida competência técnica para
emitir um juízo justo e equilibrado, em respeito pelas regras que norteiam a profissão.
IV- Não é qualquer imprecisão na decisão de facto, qualquer erro de julgamento, que impõe
ao tribunal de recurso que gaste os seus meios a reapreciar a prova gravada, a qual só
deve ser levada a cabo quando os seus resultados possam vir a ter qualquer influência
na decisão final do litígio.
V- Os meios dos tribunais são escassos e o tempo valioso o que impõe uma postura de
racionalização de meios, não devendo o tribunal ficar ocupado a ouvir depoimentos
para alcançar uma modificação inglória, quando pode estar a usar esse tempo em outros
casos em que, efectivamente, sejam necessárias audição e reapreciação”. (AAC)

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec
/ee2156fe6f4b570f80257c82004e6af6?OpenDocument

542
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa

2014

1. TRL 27/02/2014 (Maria José Mouro), p. 195249/12.5YIPRT-A.L1-2


Sumário:
“Sendo o requerimento de injunção absolutamente escasso em factos integrantes da causa
de pedir, podendo até discutir-se se se tratava de insuficiência dos factos alegados ou, mais
do que isso, de falta do próprio “núcleo fáctico”, convidada a requerente a explanar os
factos que constituem a causa de pedir, ao requerido deve ser dada oportunidade de se
pronunciar sobre os novos elementos que foram trazidos ao processo, uma vez que
somente com o articulado aperfeiçoado pôde tomar posição concreta sobre o peticionado”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec
/2fb42a765ae47c0580257c93004158d7?OpenDocument

2. TRL 13/03/2014 (Vítor Amaral), p. 569/12.7TVLSB.L1-6


Sumário:
1. “Ao impugnar a decisão de facto, à luz do NCPCiv., cabe ao recorrente, em sede
conclusiva, expressar o sentido da decisão que, no seu entender, deve ser proferida
sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada,
tendo em conta a apreciação crítica, de que não poderá demitir-se, dos meios de
prova produzidos/invocados – exigência nova de reforço do ónus de alegação e
conclusão, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou
inconsequente –, sob pena de rejeição da impugnação, por insuficiência ou
obscuridade, na parte não fundamentada em exame crítico das provas.
2. Tais exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, em decorrência do
princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da
decisão de facto se transforme em simples manifestação de inconsequente
inconformismo.
3. Não cabe despacho de convite ao aperfeiçoamento das alegações/conclusões
recursórias em matéria de impugnação da decisão de facto.
4. Vista a complexidade de direitos e deveres que o integram e a função económica e
social que desempenha, o contrato de instalação de lojista em retail park – do mesmo
modo que o de instalação de lojista em shopping center – configura-se como contrato

543
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa

atípico ou inominado, sujeito, assim, à liberdade contratual das partes.


5. Por isso, a esse contrato é aplicável, desde logo, o regime resultante das respectivas
cláusulas acordadas, desde que válidas, bem como o regime legal geral dos contratos
e, se necessário (subsidiariamente), a disciplina de figuras contratuais próximas, como
o são, em certas vertentes, o contrato de arrendamento urbano e o de prestação de
serviço”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec
/cb2f5ca7ac35de8e80257cb6002dde50?OpenDocument

3. TRL 20/03/2014 (Isoleta Almeida Costa), p. 710/11.7TCFUN-8


Sumário:
I- “O código de processo civil contém mecanismos de agilização processual mas cuja
adopção está dependente de prévio contraditório.
II- Este resulta, expressamente, do disposto no artº 6º que prescreve: «cumpre ao juiz (…)
providenciar pelo andamento célere (…) ouvidas as partes (…) e da conjugação do artº
547º com o nº2 do artº 630º ambos do CPC, enquanto este ultimo dispõe que «não é
admissível recurso das decisões de simplificação ou de agilização processual (…)nos
termos previstos no nº 1 do artº 6º (…) das decisões de adequação formal proferidas nos
termos do artº 547 salvo se contenderem com os princípios da igualdade ou do
contraditório(…)”.
III- A simples não existência dos documentos tituladores do arrendamento, sujeito à forma
escrita, não conduz à manifesta improcedência, só por si, desde logo, porque os mesmos
podem ser juntos aos autos, posteriormente, até, ao encerramento da discussão em
primeira instância, artº 423º nº 2 e 3 do CPC, e mesmo, posteriormente, verificados os
requisitos do artº 425º, do mesmo diploma.
IV- O tribunal em questões de insuficiência de alegação de matéria de facto, hoje em dia,
está vinculado face à nova redação do nº 2 do artº 590º do CPC ao convite às partes,
não podendo avançar no processo sem previamente ter cumprido este comando”.

544
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa

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http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec
/7c282d5d3e5ef0f380257cb6003149b7?OpenDocument

4. TRL 26/03/2014 (Paula Santos), p. 766/13.8TTALM.L1-4


Sumário:
I- “O auto de conciliação exarado nos Serviços do Ministério Público, sob a égide do
respectivo magistrado, e subscrito por este, pelo trabalhador e pela entidade
empregadora, do qual decorre a assunção de uma dívida, não constitui documento
autêntico ou autenticado e, portanto, por essa via, não constitui título executivo.
II- A interpretação das normas do art. 703.º do novo CPC e 6.º n.º 3 da Lei n.º 41/2013 de
26 de Junho, no sentido de o primeiro se aplicar a documentos particulares emitidos em
data anterior à da entrada em vigor do novo CPC, e então exequíveis por força do art.
46.º, n.º1 c), do CPC de 1961, é inconstitucional por violação do princípio da segurança e
protecção da confiança.
III- Em consequência, deve prosseguir seus termos a execução instaurada após a entrada
em vigor do novo CPC, com base em documento particular emitido em data anterior e
então exequível”.
(Sumário da Relatora)

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/e7a0ec54b2a0935a80257cac00422112?OpenDocument

5. TRL 03/04/2014 (Teresa Soares), p. 672/11.0YRLSB-6


Sumário:
I- “O âmbito em que se movem os tribunais arbitrais define-se pelas competências
conferidas pelas partes, mas não pode ser-lhes coartada a possibilidade de enquadrar os
factos no direito sem sujeição ao direito invocado.
II- A convenção de arbitragem está submetida às regras de interpretação do negócio
jurídico, pelo que, estabelecendo como objeto a validade ou invalidade do contrato tem
de entender-se que abrange qualquer vício que possa inquinar a força vinculativa do

545
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa

contrato.
III- A proibição de “decisões surpresa” emana do princípio constitucional do acesso ao
direito e à tutela jurisdicional efetiva através de um processo equitativo e obriga ao
respeito do princípio do contraditório ao longo de todo o processo; porém, não impõe
que o juiz tenha que auscultar as partes, antecipando-lhes todo e qualquer juízo que
pretenda levar a cabo no processo.
IV- A “decisão-surpresa” não se afere pelas expectativas das partes mas por aquilo com que
elas deveriam contar em face das questões que vinham debatendo nos autos e das
soluções jurídica que era exigível que equacionassem.
V- A reapreciação da decisão de facto de um tribunal arbitral implica a consideração das
regras processuais civis no respeito pela natureza privada e mais informal daqueles
tribunais e do princípio geral de obtenção da verdade material de forma a alcançar uma
decisão consentânea com a realidade dos factos.
VI- É admissível a aplicação do instituto do abuso de representação à representação
orgânica das sociedades comerciais, decorrendo o abuso de pressupostos objetivos -
falta de poderes ou atuação contra os interesses da representada – e subjetivos -
consciência do representante e conhecimento ou dever de conhecimento da parte
contrária.
VII- É excessivo o preço quando fixado desajustado para a realidade, nomeadamente como
contrapartida para um serviço que não tem em atenção o valor efetivo despendido pelo
prestador do serviço e o valor de mercado.
VIII- As regras do Direito Comunitário da Concorrência, de acordo com os artigos 85.º e 86.º
do Tratado da União só regulam as restrições da concorrência suscetíveis de afetar o
comércio entre os Estados Membros; não se aplicando tais normas quando se trate de
um contrato válido apenas numa área territorial nacional.
IX- Se o Tribunal nacional considera que o litígio deve ser decidido tão só em conformidade
com o direito interno não está obrigado ao reenvio prejudicial.
X- A noção de “posição dominante” impõe a delimitação do “mercado relevante” onde a
empresa atua.
XI- Embora não se prove a exata quota de mercado, pode extrair-se noção aproximada da
prova de que a empresa integra como suas associadas 97% das entidades que atuam no
mercado em causa; o TJUE tem identificado como presunção de dominância uma quota
de mercado de 50% e de super-dominância quota acima de 75%.
XII- Inexistindo prova sobre a vontade das partes se tivessem previsto a invalidade de
cláusulas negociais, o princípio da manutenção do negócio implica a prevalência da

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redução sobre a invalidade total”.

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/10e70aaefcc3a74d80257d96003b4577?OpenDocument

6. TRL 10/04/2014 (Ondina Carmo Alves), p. 2022/07.1TBCSC-B.L1-2


Sumário:
1. “O Código de Processo Civil de 2013, que entrou em vigor no dia 01.09.2013, introduziu
com um carácter inovador, ao lado da prova por confissão, a figura da prova por
declarações de parte que, todavia, não pode ser requerida pela parte contrária, nem
pode ser ordenada oficiosamente.
2. Sendo o novo Código de Processo Civil imediatamente aplicável às acções declarativas
pendentes, por força do artigo 5º, nº 1 da Lei nº 41/2013, de 26/6, pode este novo meio
de prova ser requerido durante a audiência de julgamento, no decurso da produção de
prova”.
3. Mesmo estando em causa uma acção em que se discutem direitos indisponíveis, não
pode ser rejeitado o requerimento para declarações de parte (com fundamento na sua
inutilidade, por ser susceptível de levar a uma eventual confissão de factos, posto que,
neste caso, tal meio de prova é ineficaz para produzir confissão, já que esta nunca
poderia ser valorada com os inerentes efeitos de irretratabilidade e força probatória
plena).
4. Essa circunstância não impede, nem limita, a faculdade que a parte tem de lançar mão
do novo meio de prova – declarações de parte - sendo estas, em tudo o que lhe for
favorável, livremente valoradas pelo Tribunal.
5. Caso a parte haja requerido este novo meio de prova, sem indicar claramente os factos
constantes dos articulados, ou dos artigos da Base Instrutória (existindo), sobre os quais
irá incidir o interrogatório a efectuar pelo juiz, deverá o Tribunal convidar previamente a
parte requerente a complementar neste sentido o seu requerimento, com o objectivo
de um aproveitamento dos actos das partes que apresentem deficiências.

547
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/a513acb99d4c9b6b80257cc2004449c1?OpenDocument

7. TRL 29/04/2014 (Manuel Tomé Soares Gomes), p. 1706/11.4TBALQ.L1


Sumário:
1. “A reapreciação da decisão de facto, em sede de apelação, deve pautar-se pela
razoabilidade dos juízos de prova especificamente impugnados, mediante a análise
crítica do material probatório constante dos autos, incluindo as gravações ou
transcrições dos depoimentos, tendo em conta o respectivo teor, o seu nicho contextual
histórico-narrativo, bem como as razões de ciência e a credibilidade dos testemunhos.
2. Só assim se podendo satisfazer o critério da prudente convicção do julgador na
apreciação da prova livre, em conformidade com o disposto no artigo 396.º do CC, em
conjugação com a actual redacção do n.º 5 do art.º 607.º correspondente ao precedente
artigo 655.º, n.º 1, do CPC, de modo a obter uma decisão justa e legítima. Será com base
na convicção desse modo formada pelo tribunal de recurso que se concluirá pelo acerto
ou erro da decisão recorrida.
3. No âmbito do contrato de empreitada, a obrigação típica do empreiteiro é executar a
obra nos termos acordados e, uma vez concluída, restituir a coisa ao respectivo dono,
impendendo ainda sobre o empreiteiro a obrigação de a guardar de forma a poder
restituí-la ao dono.
4. Assim, no caso de entrega de veículo a uma oficina para reparação, recai sobre o dono
da oficina o dever de guardar o veículo, compreendendo o conjunto de precauções e
medidas que devem ser por ele tomadas de modo a impedir, nomeadamente, que
terceiros possam subtraí-lo ou danificá-lo, o que se prende com as condições físicas de
recolha da coisa e do seu acesso por pessoas estranhas.
5. Tal dever de guarda é instrumental do dever de restituição da coisa, estando
estreitamente conexionada com a obrigação de resultado da restituição, não se
traduzindo, por isso, numa pura obrigação de meios.
6. Segundo o disposto no n.º 1 do artigo 1188.º do CC, aqui subsidiariamente aplicável, em
caso de privação da coisa, o depositário só fica exonerado das obrigações de guarda se a
causa dessa privação não lhe for imputável, o que significa que recai sobre ele o ónus de
prova deste pressuposto legal, em conformidade com o preceituado no n.º 2 do artigo

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Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa

342.º do mesmo Código.


7. No caso vertente, da prova produzida decorre que a R. continuava adstrita ao dever de
guarda do veículo, no âmbito do contrato de empreitada em foco, e que não provou que
não lhe seja imputável a causa do desaparecimento daquele veículo, presumindo-se
portanto que violou culposamente o seu dever de guarda.
8. Nessa medida, a R. tornou impossível a prestação de restituição da coisa à A. a que
estava contratualmente adstrita, o que, sendo-lhe imputável como é, equivale a falta
culposa do cumprimento de tal obrigação, sendo responsável pelo prejuízo causado
correspondente ao valor daquele veículo aferido pelo respectivo preço de compra, nos
termos dos artigos 798.º, 799.º e 801.º, n.º 1, do CC”.

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/0b4049a26dcea47880257dd90076dd6c?OpenDocument

8. TRL 06/05/2014 (Eurico Reis), p. 1978/12.7TVLSB.L1


Sumário:
1. “Tendo uma acção sido introduzida em Juízo no ano de 2012 e tendo a apelação sido
admitida em data posterior à entrada em vigor do CPC aprovado por essa Lei
Preambular, face ao estatuído nos artºs 5º n.º 1 e 7º n.º 1, este último por interpretação
a contrario sensu, da Lei n.º 41/2013 de 26 de junho, é o ritual processual previsto nesse
Código que passa a regular, em sede de recurso, a tramitação dessa acção.
2. Existem razões para que o Juiz titular do processo, antes de proferir nos autos despacho
saneador com valor de sentença, convide os Autores a suprir as insuficiências na
exposição da matéria de facto por eles alegada quando, nos articulados por estes
apresentados, sem prejuízo do que aí foi escrito acerca do incumprimento contratual
por parte da Ré, não é assinalada, com a necessária clareza, a factualidade que justifica a
afirmação por aqueles aí produzida, em termos que são perfeitamente perceptíveis por
um declaratário normal colocado no lugar do real declaratário, ou, o que é o mesmo,
por um diligente bom pai/boa mãe de família, de que ocorreu, por parte dessa mesma
demandada, um preenchimento abusivo da livrança assinada em branco por esses
demandantes e que ocorreu culpa do lesado se não na produção do dano (o surgimento
da dívida), pelo menos no seu agravamento”.

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Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa

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/ec852515fb5d795180257d15002c489d?OpenDocument

9. TRL 15/05/2014 (Ezaguy Martins), p. 26903/13.4T2SNT.L1-2


Sumário:
I- “A alegação dos factos essenciais que integram a causa de pedir apenas se poderá fazer
por remissão para documentos, na perspetiva da estrita “complementação” do alegado
na petição inicial, e assim desde que não redunde tal remissão, atenta a extensão e, ou,
complexidade dos ditos documentos, na subalternização da petição inicial, enquanto
lugar primeiro de exposição da factualidade que fundamenta a ação.
II- O convite ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou
concretização da matéria de facto alegada é, no domínio do novo Código de Processo
Civil, uma incumbência do juiz, isto é, um seu dever.
III- A utilização de conceitos de direito ou conclusivos nos articulados, mais do que ser um
problema de imprecisão na exposição dos factos, é um dos mais fortes indícios da
insuficiência (latente) da articulação dos factos.
IV- A omissão do convite ao aperfeiçoamento redunda em nulidade processual”.

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/b6ce64a2d24a4ddb80257ce40042f8c1?OpenDocument

10.TRL 19/05/2014 (Maria da Graça Araújo), p. 1200/13.9TVLSB-A.L1-1


Sumário:
“A figura do justo impedimento só é invocável no âmbito do prazo que se encontrava a
decorrer para a prática de acto processual e não no prazo dos três dias úteis a que se
reporta o nº 5 do artigo 145º do Cód. Proc. Civil”.

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/31715a16f2fff48e80257e6d002e315c?OpenDocument

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Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa

11.TRL 29/05/2014 (António Martins), p. 710/11.7TCFUN-8


Sumário:
I- “Enunciar os temas de prova é atividade processual que se dirige primacialmente à fase
da produção da prova, enquanto na sentença, ultrapassada que se encontra aquela fase,
cabe ao juiz declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não
provados.
II- Os temas de prova podem ser enunciados como factos concretos ou como conclusões,
factuais e/ou jurídicas.
III- Quando não contenham factos concretos, é evidente que não serão os “temas de prova”
a ser julgados provados ou não provados na sentença, «já [que] a decisão sobre a
matéria de facto nunca se poderá bastar com tais formulações genéricas, de direito ou
conclusivas, exigindo-se que o tribunal se pronuncie sobre os factos essenciais e
instrumentais (que devem transitar para a sentença) pertinentes à questão enunciada».
IV- Em tal caso, o que deve considerar-se provado ou não provado são os factos com base
nos quais se pode concluir ou não pela conclusão fáctica enunciada como tema da
prova.
V- Decidindo a primeira instância de facto por referência ao tema conclusivo, pode a
Relação proferir decisão sobre os factos de que se infere”.
(AAC)

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/e36b6de747e1d55480257d00002f6b1c?OpenDocument

12.TRL 17/06/2014 (Cristina Coelho), p. 313193/11.3YIPRT.L1-7


Sumário:
I- “A prova é um todo que deve ser analisada e conjugada de forma coerente, ponderadas
as regras da experiência, e tendo em atenção as regras do ónus da prova (arts. 342º e ss.
do CC).
II- Nesta medida, à A. incumbia alegar a provar os termos do contrato celebrado com a R.,
o preço acordado e o cumprimento integral da sua prestação (art. 342º, nº 1 do CC).
III- Fazendo a R. contraprova sobre tais factos, destinada a torná-los duvidosos, é a questão
decidida contra a A., nos termos do art. 346º do mesmo diploma legal.

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Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa

IV- À R. incumbia provar o alegado cumprimento defeituoso da A., nos termos do nº 2 do


referido art. 342º, atento o alegado.
V- É, actualmente, sancionável, a título de má-fé, não apenas a lide dolosa, mas também
aquela em que são violadas, com culpa grave ou erro grosseiro, as regras de conduta
processual conformes com a boa-fé.
VI- Vem-se entendendo, na Jurisprudência, que a conclusão da litigância de má-fé é
casuística, dependendo das circunstâncias do caso concreto, devendo o Tribunal ser
prudente na sua apreciação, só devendo condenar a parte, como litigante de má-fé no
caso de se estar perante uma situação donde não possam surgir dúvidas sobre a
actuação dolosa ou gravemente negligente da parte.
VII- Ao interpor o recurso em causa, impugnando a decisão sobre a matéria de facto, a
apelante mais não faz do que exercer um direito que lhe assiste, expressamente
consignado nos arts. 627º e 662º do NCPC, pretendendo pôr à consideração deste
Tribunal uma interpretação diferente das provas e dos factos, com análise convicta e
fundamentada dos mesmos, não resultando, assim, dos autos, a alegada litigância de
má-fé”.

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http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec
/a78475a1cd92bd5780257d5d002ea8ad?OpenDocument

13.TRL 19/06/2014 (Tomé Ramião), p. 138/14.7TCFUN.L1-6


Sumário:
“Não ofende o princípio da segurança jurídica e proteção da confiança, ínsitos no art. 2.º da
C. R. P., a interpretação conjugada do art. 703.º do NCPC e 6.º, n.º3, da Lei n.º 41/2013, de
26 de junho, no sentido de o primeiro se aplicar a documento particular de reconhecimento
de dívida, emitido em data anterior à da sua entrada em vigor e dotado de exequibilidade
nos termos do art. 46.º, n.º1 c), do anterior CPC, ocorrendo o vencimento da obrigação
reconhecida em outubro de 2010”.
(Sumário do Relator)

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Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa

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/535ffa2bb2741ec580257d82003d26ff?OpenDocument

14.TRL 19/06/2014 (António Ferreira de Almeida), p. 2485/13-8


Sumário:
1. “Face à desconformidade entre o teor do articulado de oposição à execução e a
referência constante do formulário de apresentação eletrónica, deve o tribunal fazer
uso da faculdade conferida pelo artigo 590.°, n.º 3, do CPC convidando a parte a suprir a
irregularidade na respetiva apresentação.
2. Perante a aludida discrepância não é de aplicar o disposto no artigo 3.°, alínea b), da Lei
41/2003, dado tratar-se de disposição transitória, aplicável ao erro sobre o regime
processual”.

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/c439b1b4013e13e680257d8c00398046?OpenDocument

15.TRL 19/06/2014 (Ondina Carmo Alves), p. 802/12.5TBLNH.L1-2


Sumário:
1. “O âmbito do aperfeiçoamento do articulado, em regra, apenas pode ter por objecto o
suprimento de pequenas omissões ou meras imprecisões ou insuficiências na alegação
da matéria de facto, sob pena de completa subversão do princípio dispositivo, o que
justifica as limitações impostas pelo nº 6 do artigo 590º do nCPC (artigo 508.º, nº 5 do
CPC).
2. No cumprimento do despacho de aperfeiçoamento não pode a parte visada exceder os
poderes que do artigo 265° do nCPC (artigo 273° do CPC) resultam para a modificação da
causa de pedir, já que os factos alegados pela parte para o suprimento da deficiência ou
irregularidade não podem implicar uma alteração unilateral da causa de pedir
anteriormente apresentada.
O princípio da estabilidade de instância e as modificações subjectivas da instância
legalmente consagradas na lei processual civil (artigos 260º e 262º do nCPC) impedem

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Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa

que o autor aproveite o convite ao aperfeiçoamento, para apresentar nova petição


inicial, alterando os sujeitos da relação processual constantes da primitiva petição
inicial”.

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/44c886f352e83f0680257d81002f153e?OpenDocument

16.TRL 24/09/2014 (Jorge Manuel Leitão Leal), p. 3275/14.4YYLSB.L1-2


Sumário:
“A imediata aplicação do novo CPC, recusando-se força executiva a documento a que à data
da sua constituição era reconhecida a natureza de título executivo e que foi dado à
execução após a entrada em vigor do novo CPC não viola o princípio da proteção da
confiança e da segurança integrador do princípio do Estado de Direito Democrático”.

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/6296ddf11529c75b80257d8c0034d73c?OpenDocument

17.TRL 09/10/2014 (Jorge Manuel Leitão Leal), p. 2164/12.1TVLSB.L1-2


Sumário:
I- “Se em ação contestada, de valor superior a metade da alçada da Relação, o juiz
entende, finda a fase dos articulados e do pré-saneador, que o processo deverá findar
imediatamente com prolação de decisão de mérito, deverá convocar audiência prévia, a
fim de proporcionar às partes prévia discussão de facto e de direito.
II- A não realização de audiência prévia, neste caso, quando muito só será possível no
âmbito da gestão processual, a título de adequação formal (artigos 547.º e 6.º n.º 1 do
CPC), se porventura o juiz entender que no processo em causa a matéria alvo da decisão
foi objeto de suficiente debate nos articulados, tornando dispensável a realização da
dita diligência, com ganhos relevantes ao nível da celeridade, sem prejuízo da justa
composição do litígio; tal opção carecerá, porém, de prévia auscultação das partes (cfr.
art.º 6.º n.º 1 e 3.º n.º 3 do CPC).
III- A prolação de decisão final de mérito em saneador-sentença, com dispensa de audiência

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Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa

prévia, assente tão só na asserção de que “o estado dos autos permite, sem necessidade
de mais provas, a apreciação do mérito da causa”, desacompanhada de prévia
auscultação das partes, constitui nulidade, impugnável por meio de recurso, implicando
a revogação da decisão que dispensou a convocação da audiência prévia e a
consequente anulação do saneador-sentença proferido”.

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/355d0a5aeb55c1d280257d8c004f38e4?OpenDocument

18.TRL 14/10/2014 (Isabel Fonseca), p. 9150/03.0TVLSB.L1


Sumário:
1. “A administração de condomínio tem legitimidade para demandar um condómino com
vista a que este realize, na sua fracção, as obras necessárias a repor a mesma no seu
estado original, quando invoca que as alterações introduzidas comprometem a
segurança do edifício.
2. Ainda que assim se não entendesse, sempre estaria assegurada a legitimidade para a
instauração da acção quando no processo está demonstrada a vontade de cada um dos
proprietários das fracções autónomas que compõem o edifício e que, globalmente
considerados, constituem o condomínio do prédio, assim aderindo, na sua maioria, à
actuação da administração de condomínio, ratificando, afinal, quer a instauração da
acção quer os termos em que a mesma foi proposta, tendo até mandatado o mesmo
advogado.
3. Concretizada uma substituição processual de índole subjectiva (substituição do
transmitente pelo adquirente), o réu habilitado não tem o direito de, intervindo no
processo, fazer valer a sua análise sobre as matérias em causa nos autos e relativamente
às quais o transmitente/cedente já se pronunciou, recuperando fases processuais que já
se ultimaram.
4. É inultrapassável a orientação definida em inúmeros arestos dos STJ, no sentido de que
o legislador quis consagrar um efectivo e verdadeiro 2º grau de jurisdição na apreciação
da decisão proferida quanto à matéria de facto, não estando a Relação tolhida na
procura da sua própria convicção relativamente aos elementos de prova produzidos no
processo, ainda que exercendo os poderes de sindicância com especial cautela, pela

555
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa

ausência de imediação –, sendo que se trata de uma jurisprudência qualificada e de


valor reforçado (art. 8º, nº3 do Cód. Civil) – não olvidando, agora, com o novo Código de
Processo Civil, a opção tomada pelo legislador e consagrada no art. 662º, que aponta
para o claro reforço dos poderes da Relação quanto à reapreciação da matéria de facto
impugnada, como decorre da “Exposição de Motivos” que acompanhou a Proposta de
Lei nº 113/XII”.

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/69dd8c5cffc2555480257dd800656bbf?OpenDocument

19.TRL 13/11/2014 (Ana de Azeredo Coelho), p. 673/03.2TYLSB.L1-6


Sumário:
1. “A dispensa de audiência prévia no CPC2013 não é possível quando o tribunal entenda
possível conhecer do mérito da causa; a situação está prevista na alínea b) do nº 1 do
artigo 591.º, não excepcionada na norma que prevê tal dispensa, a do artigo 593.º, n.º
1.
2. A referência à dispensa de audiência prévia para prolação de saneador - alínea d), do
artigo 591.º, n.º 1 - restringe-se ao saneador com o conteúdo previsto na alínea a), do
n.º 1, do artigo 595.º, não se estendendo à alínea b).
3. É notório o facto percepcionado pela generalidade dos cidadãos directamente, pelo
modo da percepção humana que é na sua fonte sensorial, ou o facto decorrente de um
facto assim directamente percepcionado, seguido de um raciocínio acessível a todas as
pessoas da comunidade de cultura média.
4. A invocação pelo juiz da notoriedade do facto carece assim da invocação da
efectividade da percepção directa geral do facto notório primário ou da invocação do
raciocínio de que decorre o facto notório secundário e sua acessibilidade às pessoas de
cultura média da comunidade visada e pertinente.
5. A parte que pretende prevalecer-se da notoriedade da marca tem de alegar e provar
os factos de que a mesma resulta, os quais podem ou não ser notórios.
6. A consideração pelo juiz da notoriedade da marca como facto notório está sujeita ao
percurso judicial argumentativo indicado”.
(Sumário da Relatora)

556
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa

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20.TRL 20/11/2014 (Ondina Carmo Alves), p. 1972/13.0TVLSB.L1-2


Sumário:
1. “São requisitos cumulativos da providência cautelar de suspensão das deliberações da
assembleia de condóminos, constitutivos do direito do requerente:
a. A ilegalidade da deliberação.
b. A qualidade de condómino.
c. A probabilidade da ocorrência de dano apreciável decorrente da execução da
deliberação inválida, que deverá ser igual ou superior ao que decorrerá da
suspensão da deliberação.
2. O dano apreciável é o dano visível, de aparente dignidade, não se exigindo que estejam
evidenciados danos irreparáveis e de difícil reparação, como sucede no procedimento
cautelar comum, mas impondo-se ao requerente o ónus de convencer o tribunal de que
a suspensão da deliberação é condição essencial para impedir a verificação de um dano
apreciável.
3. O artigo 368º do nCPC, em vez de permitir a convolação ex officio da tutela cautelar
numa tutela definitiva, possibilita que, no procedimento cautelar, de natureza
instrumental e provisória, o requerente seja dispensado do ónus de propositura da
acção principal, destinada a confirmar a tutela cautelar, atribuindo-se ao requerido o
ónus de instaurar uma acção de impugnação com a finalidade de obstar à consolidação
da providência decretada.
4. São dois os pressupostos cumulativos para que o requerente seja dispensado do ónus de
propor a acção principal, por aplicação do instituto da inversão do contencioso:
a. a matéria adquirida no procedimento permita ao juiz formar convicção segura
acerca da existência do direito acautelado;
b. a natureza da providência decretada seja adequada a realizar a composição
definitiva do litígio.
Está vedado ao julgador aplicar ex officio o instituto da inversão do contencioso, já
que a sua aplicação pressupõe o requerimento da parte interessada, como decorre

557
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa

do nº 2 do artigo 369º do CPC, concedendo à parte contrária, a possibilidade de


deduzir oposição”.

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21.TRL 17/12/2014 (Jerónimo Freitas), p. 23/14.2TTVFX.L1-4


Sumário:
I- “Ao celebrar o acordo extrajudicial reduzido a escrito com a sua entidade empregadora,
observando o necessário para assegurar ficar munido de um título executivo [art. 46.º,
n.º 1 al. c), do CPC], o trabalhador formou a legítima expectativa fundada na lei então
vigente, de que a qualquer momento, se o incumprimento daquela o tornasse
necessário, poder recorrer à via executiva para obter o pagamento coercivo da quantia
acordada.
II- Forçar este trabalhador, como outros que estejam em situações idênticas, a recorrer à
propositura de uma acção declarativa para ver declarado o seu direito – que já lhe fora
reconhecido pelo empregador – de modo a ficar munido de um novo título executivo –
por ver inutilizado o que também já dispunha – afigura-se-nos uma imposição
desproporcionada, resultante de uma alteração legislativa que não era previsível que
viesse a suceder e, logo, com a qual não podiam razoavelmente contar as partes ao
celebrar o acordo. Impor-lhes esta solução viola onerosamente as expectativas criadas
e, logo, contende com os princípios da segurança e confiança constitucionalmente
consagrados (art. 2.º CRP).
III- Consequentemente, na consideração de que o documento dado à execução mantém a
sua natureza de título executivo (art. 46.º al. c), do pretérito CPC), como tal devendo ser
aceite para prosseguir a execução os seus termos, revogam a decisão recorrida,
determinando a sua substituição por outra que ordene o prosseguimento da acção
executiva”.
(Sumário do Relator)

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Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa

2015

1. TRL 15/01/2015 (Carlos Marinho), p. 23/14.2TTVFX.L1-4


Sumário:
 “O dever de gestão processual paira sobre o Direito adjectivo constituído e impõe-se ao
julgador mas sempre tendo como pressuposto o cumprimento pelas partes do ónus de
impulso que lhes é especialmente imposto pela lei;
 No regime anterior ao do Código de Processo Civil que entrou vem vigor em 2013, a
instância começava por se interromper quando o processo estivesse «parado durante
mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum
incidente do qual» dependesse «o seu andamento» (art. 285.º); uma vez interrompida
durante dois anos (ou um ano «tendo surgido algum incidente com efeito suspensivo»),
considerava-se «deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial»
(n.ºs 1 e 3 do art. 291.º);
 É bem distinto o regime actual marcado pelo carácter mono-circunstancial e mono-
fásico, por uma maior intensidade e concentração e pela compressão temporal.
 Num tal contexto, tendo o despacho a ponderar na decisão recorrida sido proferido num
quadro sistemático distinto, impunha-se o rigoroso cumprimento do disposto na al. b)
do art. 3.º Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho e no n.º 3 do art. 3.º do Código de Processo
Civil com vista a facultar o exercício do contraditório, obviar à prolação”.

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2. TRL 22/01/2015 (Ondina Carmo Alves), p. 1069/14.6TVLSB-A.L1-2


Sumário:
1. “Como resulta do n.º 1 do artigo 140.º do nCPC, à semelhança do artigo 146º, nº 1 do
revogado CPC, para que se verifique justo impedimento, impõe-se que o evento que
obste à prática atempada do acto não seja imputável à parte nem aos seus
representantes ou mandatários, ou seja, a verificação do justo impedimento depende da
comprovação da inexistência de culpa, negligência ou imprevidência da parte, seu
representante ou mandatário na produção desse evento, valoradas em consonância

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Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa

com o critério geral estabelecido no nº 2 do artigo 487º do Código Civil.


2. Não sendo a não observância da prática do acto, por transmissão electrónica,
enquadrável em qualquer impossibilidade de utilização desse meio obrigatoriamente
imposta por lei, apenas se devendo a utilização de um dos excepcionais meios
alternativos para apresentação a juízo da oposição ao procedimento cautelar, a razões
que se prendem, em suma, com um entendimento do requerido de que tal seria mais
favorável para a acção judicial que este tem pendente contra a requerente, há que
concluir que é imputável àquele, o não cumprimento do nº 1 do artigo 144º do nCPC,
não integrando a justificação apresentada nenhuma situação de justo impedimento”.

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3. TRL 05/02/2015 (Jorge Leal), p. 8/13.6TCFUN.L1-2


Sumário:
I- “Devendo a gravação ser disponibilizada às partes no prazo de dois dias após a
realização do ato alvo de gravação, e estando as partes sujeitas ao prazo de 10 dias para
invocarem a deficiência da gravação, contado da disponibilização desta, segue-se que o
prazo de arguição da deficiência conta-se a partir do termo do prazo de disponibilização
da gravação imposto ao tribunal, ou antes, se a gravação for entregue à parte antes
desse prazo, devendo descontar-se eventual atraso do tribunal na disponibilização
efetiva da gravação à parte.
(…)”.

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4. TRL 10/02/2015 (Cristina Coelho), p. 1586/11.0TVLSB.L1-7


Sumário:
1. “A referência aos concretos pontos de facto impugnados (art. 640º, nº 1, al. a)) deverá
ser feita, existindo ainda BI, aos concretos quesitos/artigos daquela, ou, assim não

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Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa

sendo, explicitamente, de forma a não suscitar dúvidas.


2. Ao tribunal de recurso não cabe tentar perceber quais os concretos pontos de facto
sobre que se pretende a reapreciação, o que, em última análise, redundaria na violação
do princípio da igualdade das partes consagrado no art. 4º do CPC.
3. Tal como não lhe compete, por força de uma alegação genérica, reapreciar todas as
respostas dadas à matéria de facto (no caso à BI) que obtiveram resposta contrária aos
interesses da parte que recorre, sob pena de subverter os princípios que subjazem à
reapreciação da prova em 2ª instância consignados nos arts. 640º e 662º do CPC.
4. A impugnação da matéria de facto só ganha relevo e consistência se o apelante indicar
porque discorda da decisão do tribunal, indicando os concretos meios de prova que o
tribunal não ponderou, ou ponderou mal, e não quando se limita a indicar os meios de
prova a que, no seu entender, se deve atender, fazendo tábua rasa dos restantes
produzidos e que, de forma conjugada, determinaram a convicção do julgador”.

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5. TRL 19/02/2015 (Ezagüy Martins), p. 631/14.1TVLSB-A.L1-2


Sumário:
I- “Estando provado que a carta para citação da Requerida – sociedade comercial – foi
devolvida, com a indicação de “mudou-se”, porque quem recebia o correio dirigido
àquela indicou que a mesma já não desenvolvia a sua atividade no local, onde
efetivamente tem a sua sede, e provado estando ainda que “Há cerca de pelo menos
dois anos que, por indicação de quem atende o funcionário dos correios” na mesma
sede “há correio registado devolvido com fundamento em mudança.”, não se verifica a
falta de citação da Requerida.
II- A atitude de quem, na sede de uma sociedade comercial, sendo a pessoa que ali recebe
o correio, refere, perante uma carta registada com A/R, que é dirigida àquela, e contra a
verdade dos factos, que a dita sociedade já ali não desenvolve a sua atividade, é
absolutamente equiparável à da pura e simples recusa de assinatura do A/R e, ou, ou de
recebimento da carta respetiva.
III- Nessa circunstância, a “nota do incidente” deve considerar-se lavrada, para efeitos de se
considerar efetivada a citação, nos termos do disposto no art.º 246º, n.º 3, do Código de

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Processo Civil, com a referência à indicação falsamente prestada na sede da


destinatária”.

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6. TRL 19/02/2015 (Jorge Leal), p. 7669/05.8TBALM.L1-2


Sumário:
I- “Tendo o A./apelante impugnado a assinatura constante da ficha de abertura de conta
na R., e pretendendo esta apresentá-la contra o A. para se eximir à responsabilidade que
lhe é assacada, deve a R. produzir prova no sentido de demonstrar a veracidade da
autoria do documento que imputa ao A. (art.º 374.º n.º 2 do Código Civil). Porém, a falta
de prova de que a assinatura constante no documento é do punho do A. não equivale à
prova do facto contrário, ou seja, não determina que se julgue provado que tal
assinatura não foi aposta no documento pelo A., facto esse cujo ónus da prova, como
elemento constitutivo do direito do A., recai sobre o A. (art.º 342.º n.º 1 do Código Civil).
II- A produção de novos meios de prova perante a Relação, prevista no art.º 662.º n.º 2,
alínea b), do CPC, tem por objeto uma situação de fundada dúvida, por parte da Relação,
sobre a prova ou falta de prova de factos essenciais, que se repute poder ser superada
mediante a realização de diligências probatórias suplementares.
III- Deve ser recusada a produção de meios de prova requerida pelo apelante que não se
apresente como um meio complementar para remoção de dúvidas fundadas acerca da
matéria de facto, mas como uma panaceia para suprir a extemporaneidade de meios de
prova já anteriormente apresentados e rejeitados”.

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7. TRL 26/02/2015 (Ondina Carmo Alves), p. 2254/10.5TBABF.L1-2


Sumário:
1. “No novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei 41/2013 de 26/06, além de se ter

563
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa

encurtado para seis meses o prazo, até aí de dois anos, que a parte dispunha para
impulsionar os autos sem que fosse extinta a instância por deserção, eliminou-se
também a figura da interrupção da instância, ficando a instância deserta logo que o
processo, por negligência das partes, esteja sem impulso processual durante mais de
seis meses.
2. A deserção da instância, enquanto causa de extinção da instância, deixou de ser
automática, carecendo de ser julgada por despacho do juiz, ao contrário do que
acontecia no sistema anterior no qual a instância ficava deserta independentemente de
qualquer decisão judicial.
3. No despacho de julga deserta a instância o julgador tem de apreciar se a falta de
impulso processual se ficou a dever à negligência das partes, o que significa que terá de
efectuar uma valoração do comportamento das partes, por forma a concluir se a falta de
impulso em promover o andamento do processo resulta, efectivamente, da negligência
destas, pelo que, num juízo prudencial, deverá o julgador ouvir as partes por forma a
avaliar se a falta de impulso processual é imputável ao comportamento negligente de
alguma delas, ou de ambas, bem como, e por força do princípio da cooperação,
reforçado no nCPC, alertar as partes para as consequências gravosas que possam advir
da sua inércia em impulsionar o processo decorrido que seja o prazo fixado na lei, agora
substancialmente mais curto”.

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8. TRL 17/03/2015 (Eurico Reis), p. 644/10.2YXLSB.L1-1


Sumário:
1. “Litigar em Juízo é uma actividade de muito elevado significado ético e de profunda
relevância e responsabilidade social e económica, não podendo os actos desenvolvidos
ao longo de um qualquer processo ser praticados de ânimo leve ou com
despreocupação/desconsideração dos efeitos e das consequências que deles poderão
resultar.
2. Não satisfaz o dever de fundamentação previsto nos art.ºs 205º n.º 1 da Constituição da
República e 154º e 607º nºs 3 e 4 do CPC 2013 a decisão relativa à matéria de facto que

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Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa

se limita, no que respeita aos factos considerados provados no processo, a declarar que
“A convicção do Tribunal decorre do conjunto da prova documental coligida para os
autos e testemunhal produzida em audiência de julgamento, apreciada segundo as
razões de experiência comum. No essencial o Tribunal ponderou os documentos juntos
aos autos, confirmados em audiência pelas testemunhas do Autor …”, especialmente
quando se estende na análise detalhada dos depoimentos de várias testemunhas acerca
de um facto que integra a compreensão/extensão lógica da expressão “Não se provaram
factos contrários aos supra enunciados ou outros com relevância para a decisão da
causa …”.
3. Não obstante não existir na estrutura do CPC actualmente em vigor (o aprovado pela Lei
n.º 41/2013, de 26 de junho) uma norma com o conteúdo do anterior art.º 511º do CPC
1961, continua a ser indispensável apurar, de entre os factos alegados pelas partes e
daqueles de que o Juiz do processo pode conhecer oficiosamente, qual é a matéria de
facto relevante para a decisão da causa tendo em conta as várias soluções plausíveis da
questão de direito.
4. Dada a estrutura que está prevista no art.º 607º do CPC 2013 para as sentenças
proferidas pelos Tribunais de 1ª instância, importa declarar nula e de nenhum efeito
toda essa decisão sempre que, nos termos fixados na alínea c) do n.º 2 do art.º 662º
desse mesmo código, seja declarado que a fundamentação da mesma sobre a matéria
de facto é insuficiente e bem assim que é necessária a sua ampliação”.

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9. TRL 24/03/2015 (Maria do Rosário Morgado), p. 185/13.6YHLSB-A.L1-7


Sumário:
“Na vigência do novo CPC, a alegação de que o mandatário de uma das partes desconhece
o modo de funcionamento da plataforma CITIUS não integra nenhuma das situações
previstas no art. 3º, da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, pelo que o requerimento probatório
apresentado fora de prazo, com aquela justificação, não deve ser admitido”.

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Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa

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10.TRL 26/03/2015 (Maria José Mouro), p. 2530-09.0TBPDL-A.L1-2


Sumário:
“Se o requerente, logo no requerimento executivo, indicara bens móveis a penhorar,
relativamente aos quais não resulta dos autos que à data do despacho recorrido, constasse
que a penhora houvesse sido tentada, nem da mesma ou da sua frustração, havendo sido
dado conhecimento ao exequente, não podemos concluir que este, por inércia ou descuido
haja negado o necessário impulso à execução – não se justificando, assim, a extinção da
mesma por deserção”.

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/c7120305005697e380257e350050f88d?OpenDocument

11.TRL 20/04/2015 (Ondina Carmo Alves), p. 564/14.1TVLSB.L1-2


Sumário:
1. “O citando pode ilidir a presunção juris tantum estabelecida no artigo 230º, nº1 do
nCPC, mediante a prova de que não chegou a ter conhecimento do acto de citação, por
facto que não lhe é imputável, ou seja, mediante a prova de que, sem culpa, a carta para
citação não lhe foi entregue.
2. Considera-se sanada a falta de citação, nos termos do artigo 189º do nCPC, sempre que
o réu intervier no processo sem arguir logo aquela omissão, entendendo-se por
intervenção no processo a prática de acto susceptível de pôr termo a revelia do réu.
3. A junção de procuração a advogado e a notificação deste para os termos do disposto no
artigo 567º do nCPC, constituem actos judiciais relevantes que, iniludivelmente, fazem
pressupor o conhecimento do processo, permitindo presumir que o réu prescindiu
conscientemente de arguir a falta de citação.
4. E manifestamente intempestiva a arguição de nulidade de falta de citação no recurso
interposto da decisão final”.

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Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa

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/21e232e38f7b103480257e59004d7541?OpenDocument

12.TRL 23/04/2015 (Ondina Carmo Alves), p. 185/14.9TBRGR.L1-2


Sumário:
1. “A sentença não é nula por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº 1,
alínea d) do nCPC, se o juiz dá como provado determinado facto que o recorrente
considera não ter sido alegado ou não constar dos Temas da Prova.
2. É hoje admissível que a enunciação dos Temas da Prova prevista no nº 1 do artigo 596º
do nCPC assuma um carácter genérico e por vezes aparentemente conclusivo - ao invés
do que sucedia com a Base Instrutória elaborada, nos termos do artigo 511º do aCPC –
encontrando-se apenas balizada pelos limites decorrentes da causa de pedir e das
excepções invocadas na lide.
3. A decisão da matéria de facto não deverá, todavia, conter formulações genéricas, de
direito ou conclusivas, impondo o artigo 607º do nCPC, no seu nº 4, que na sentença o
julgador declare provados ou não provados os factos e não os temas da prova.
4. Perante uma enunciação conclusiva dos temas da prova, cabe ao julgador, na fase de
julgamento, considerar provada ou não a concreta matéria de facto a que eles se
reportam.
5. Sendo fundamento da acção a denúncia de um contrato de arrendamento rural para o
termo do prazo da sua renovação, a validade e eficácia dessa declaração unilateral
pressupõem a alegação de factos que são constitutivos do direito do autor, e cuja prova
a este incumbe, nos termos do nº 1 do artigo 342º do Código Civil”.

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567
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa

13.TRL 23/04/2015 (Carlos Marinho), p. 3376/14.9T8FNC-A.L1-6


Sumário:
 “A providência cautelar de arrolamento prevista nos art.s 403.º e seguintes do Código
de Processo Civil visa conferir tutela urgente e acauteladora a direitos a brandir
ulteriormente em situações de «receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens,
móveis ou imóveis, ou de documentos», pelo que logra proteger os direitos de ex-
cônjuge que vise obviar à dissipação de depósitos bancários e dinheiro alegadamente
pertencentes a ambos os elementos do casal não se justificando, pois, em tal caso, o
recurso a procedimento cautelar não especificado;
 O erro na forma de processo emergente do uso indevido deste procedimento é
susceptível de ser invocado em sede de oposição à providência e deve ser conhecido no
âmbito da sentença que a aprecie;
 É distinta a questão da excepção de caso julgado da atinente à autoridade do caso
julgado, face à distinta estrutura dos pressupostos e requisitos de sustentação, sendo
que a impugnação incidente sobre o decidido relativamente a uma não atinge o definido
quanto à outra”.

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14.TRL 28/04/2015 (Maria da Graça Araújo), p. 465/14.3T8OER-A.L1-1


Sumário:
I- “A alínea d) do nº 2 do art.º 644º do CPC abrange tanto a admissão como a rejeição de
meios de prova, ou seja, a pronúncia relativa a requerimentos de prova, não
consentindo distinções entre meios de prova novos ou velhos, diferentes ou iguais aos
apresentados pela parte contrária, já produzidos ou a produzir.
II- As razões que justificam a admissibilidade de apelação autónoma e imediata das
decisões sobre os meios de prova prendem-se com a conveniência de atenuar os riscos
de uma futura inutilização do processado.
III- A circunstância de a providência ser decretada sem audição do requerido traduz-se
sempre numa significativa desvantagem para este, já que, nomeadamente, se vê
impedido de contrapor a sua versão factual à alegada pelo requerente e de participar na
instrução do procedimento, quer indicando os meios probatórios que entende

568
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa

pertinentes, quer intervindo na produção da prova indicada pelo requerente.


IV- Importa, por isso, assegurar ao requerido que deduz oposição, depois de decretada a
providência, a maior amplitude de faculdades que a interpretação da lei (em particular,
da al. b) do n° 1 do artigo 372° do CPC) consentir.
V- O que está vedado ao requerido, por este preceito, é conseguir que, sobre os factos já
alegados pelo requerente e através da (re)produção dos meios de prova já tidos em
conta, a 1ª instância chegue a convicção diversa daquela que foi vertida na decisão que
deferiu a providência. Neste caso, deve optar pelo recurso, com impugnação da decisão
sobre a matéria de facto.
VI- Relativamente aos novos factos trazidos ao processo, pode a requerida oferecer
quaisquer meios de prova, mesmo que o requerente os tivesse já apresentado. E
relativamente aos factos alegados pelo requerente, pode apresentar meios de prova
diversos dos já produzidos”.

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aef7cf5e037fb580257e5100509425?OpenDocument

15.TRL 30/04/2015 (Ondina Carmo Alves), p. 22/13.1TCFUN.L1-2


Sumário:
1. “A prescrição não é de conhecimento oficioso, sendo necessário, para que o tribunal
dela conheça, a sua invocação pela parte que dela beneficia.
2. Invoca a prescrição, pretendendo dela se aproveitar o réu que responde à defesa
antecipada efectuada pelo autor na petição inicial ao justificar a não extinção do direito
que se visa exercer com a acção.
3. O regime decorrente do nº 1 do artigo 567º do nCPC CPC mostra-se excepcionado nas
hipóteses contempladas no artigo 568º que, na sua alínea a) prevê que, em caso de
pluralidade de réus, seja ela de litisconsórcio necessário, voluntário ou coligação,
contestando um dos réus a ineficácia da revelia relativamente aos factos por este
impugnados deverá subsistir.
4. O princípio do enriquecimento sem causa é subsidiário, não funcionando quando a lei
faculta ao empobrecido outros meios de se indemnizar ou ser restituído.
5. Nas situações em que a deslocação patrimonial se opera mediante uma prestação, se a
obrigação não existe ou porque nunca foi constituída ou porque já se extinguiu, a

569
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa

prestação carece de causa.


6. A transferência patrimonial de determinado montante, a título de sinal, no âmbito de
um contrato-promessa, não ocorre sem causa justificativa, antes está inteiramente
justificada pelo próprio contrato-promessa, pelo que não assiste ao autor o direito de
restituição com fundamento no enriquecimento sem causa”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/7e
788ab40f2756c080257e59002d1ab0?OpenDocument

16.TRL 05/05/2015 (Cristina Coelho), p. 1386/13.2TBALQ.L1-7


Sumário:
1. “Nas acções de valor superior a metade da alçada da Relação, não se verificando
nenhuma das situações previstas no art. 592º do CPC, e se a acção não houver de
prosseguir, nomeadamente por se ir conhecer no despacho saneador do mérito da
acção, deve ser convocada audiência prévia para facultar às partes a discussão de facto
e de direito.
2. A convocação da audiência prévia para o fim previsto no art. 591º, nº 1, al. b) do CPC
visa assegurar o respeito pelo princípio do contraditório, e, assim, evitar decisões-
surpresa, pelo que o juiz só poderá dispensar, nestes casos, a audiência prévia, ao abrigo
do disposto nos arts. 6º e 547º do CPC, se aquele conhecimento assentar em questão
suficientemente debatida nos articulados”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec
/64b7917e05625d1880257e62005346b6?OpenDocument

570
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa

17.TRL 05/05/2015 (Maria da Conceição Saavedra), p. 2107/08.7TBVIS.L1


Sumário:
I- “Sem prejuízo do disposto na al. d) do nº 2 do art. 662 do C.P.C., a ausência, deficiência
ou eventual contradição na fundamentação da decisão quanto à matéria de facto ou no
concreto elenco factual apenas justificam a impugnação dessa mesma decisão nos
termos dos arts. 640 e 662 do C.P.C.;
II- Apesar da numeração das duas páginas do contrato de mútuo sugerir que a assinatura
dos mutuários vem depois das “Condições Gerais” – o verso, que as contém, indica pág.
1, e a face, de que constam as assinaturas dos mutuários, indica pág. 2 – deve
considerar-se irrelevante para esse efeito a paginação do documento, tendo em vista,
além do mais, que a referida pág. 2 constitui a face por iniciativa da própria Ré
financiadora (que juntou o documento aos autos) apondo nessa mesma página/face a
indicação “Doc. 1”, sendo esta a que se apresenta mais apelativa, com maior destaque,
pela cor, pela forma e até pela variação no tamanho das letras;
III- Nessa medida, tem de entender-se que as “Condições Gerais” do contrato se
encontram, de facto, colocadas depois das assinaturas dos mutuários e, por
consequência, necessariamente excluídas do contrato por força da al. d) do art. 8 do DL
nº 446/85, de 25.10, o que, no caso, gera a respetiva nulidade (…)”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec
/6d155820c009c9b380257e610050425e?OpenDocument

18.TRL 12/05/2015 (Manuel Marques), p. 873/14.0TYLSB-A.L1-1


Sumário:
“Uma das especialidades previstas na lei para citação das pessoas colectivas é que a citação
realizada por via postal, através de carta registada com aviso de recepção (artº 228º, nº 1),
é feita por carta «endereçada para a sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas
colectivas do Registo Nacional de Pessoas Colectivas» (artº 246º, nº 2) e não na sede de
facto, conceito que a lei não reconhece”.

571
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec
/8e45ca511272cfa280257e6d00361d9b?OpenDocument

19.TRL 12/05/2015 (Cristina Coelho), p. 309/14.6YXLSB.L1-7


Sumário:
1. “Na perspectiva de uma justiça célere e cooperada, prevê a lei mecanismos para obstar
à eternização dos processos em tribunal, quando a parte se desinteressa da lide ou
negligencia a sua actuação, não promovendo o andamento do processo quando lhe
compete fazê-lo.
2. À luz do NCPC, aprovado pela L. 41/2013, de 26.06, tem de equiparar-se a deserção da
instância à anterior interrupção da instância, quanto à sua causa, mas mantendo o
efeito de extinção da instância.
3. A deserção da instância resulta, tal como a anterior interrupção da instância, da falta,
negligente, de impulso da parte em promover o andamento do processo quando lhe
incumbe fazê-lo.
4. Tal significa que o juiz tem de fazer uma análise dos autos para concluir pela negligência
das partes em promover os termos do processo, e se deste não resultarem elementos
seguros sobre aquela, deve ao abrigo do dever de cooperação, ouvir, previamente, as
partes sobre a verificação da falta de impulso processual”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec
/bdcf44e1accd6b6680257e6f003c9051?OpenDocument

20.TRL 02/06/2015 (Rijo Ferreira), p. 1236/12.7TVLSB.L1-1


Sumário:
I- “O fim último da decisão de facto é a realidade da vida em sociedade mas, considerando
a variedade de meios e modos de comunicação interpessoal – verbalizada ou não
verbalizada, documentada ou não documentada, expressa ou tácita, directa ou indirecta
–, assim como a diversidade dos tipos de comunicação e da imputação dos seus
conteúdos – sérias e não sérias, em nome próprio ou nome alheio, no interesse próprio
ou por conta de outrem -, umas vezes limitada às pessoas individuais outras abrangendo

572
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa

a comunicação das pessoas colectivas, através dos seus órgãos, compreende-se que
nem sempre os conteúdos desses actos comunicacionais e as vontades envolvidas sejam
de fácil apreensão.
II- Na imputação das comunicações efectuadas pelos indivíduos titulares dos órgãos das
pessoas colectivas, em particular relativamente a terceiros, deve atender-se ao
concreto circunstancialismo envolvente e às regras estabelecidas nos artigos 236º a
239º do Código Civil, tendo como limite a consideração de que a personalidade
colectiva visa potenciar a economia e a dinâmica social e não ser um instrumento
fraudatório ou delusório.
III- O limite para a indagação factual é a causa de pedir, ou seja, o facto jurídico de que
deriva a pretensão deduzida.
IV- Assim, na enunciação da factualidade apurada não basta indicar quais dos factos
alegados se consideram provados e quais se consideram não provados, devendo
também enunciar-se aqueles que, sendo instrumentais, complemento ou
concretização, possam vir a influenciar a decisão jurídica da causa.
V- O conceito de ‘adjudicação’, sendo o cerne da discussão jurídica da causa, não é
susceptível de ser reduzido a uma questão factual e, consequentemente, não pode ser
reduzido a mero facto (quer positivo quer negativo), impondo-se a sua eliminação do
elenco factual”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec
/1691463358823b0d80257e7b004b5e1a?OpenDocument

21.TRL 02/06/2015 (Orlando Nascimento), p. 2386/12.TVLSB.L1-7


Sumário:
1. “A gravação deficiente da prova pessoal é suscetível de configurar uma nulidade
secundária, quando possa influir no exame ou na decisão da causa, só podendo ser
invocada pelo interessado na impugnação da decisão em matéria de fato e devendo ser
arguida no prazo geral de dez dias, a contar do seu conhecimento ou da possibilidade
desse conhecimento, agindo o interessado com a devida diligência.
2. Não configura essa nulidade o facto de as cópias suporte da gravação se não
encontrarem em condições de audição, encontrando-se audíveis os originais, tendo

573
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa

estes sido facultados à parte, a qual, teve a possibilidade de os ouvir para efeitos de
impugnação da decisão em matéria de facto.
3. As afirmações e conceitos de direito e a matéria conclusiva são insuscetíveis de prova
direta, nomeadamente através de depoimento em que a testemunha se pronuncia
sobre essas matérias de um ponto de vista técnico, da profissão de notário, segundo o
quadro legal de exercício e as legis artis da profissão.
4. Constitui ação negligente a conduta de notária que, ao lavrar escritura pública, para a
qual lhe foi presente procuração com o consentimento de cônjuge previsto nos art.ºs
1682.º-A, n.º 1, al. a) e 1684.º, do C. Civil, não atentou em que a mesma se apresentava
como lavrada por trabalhador notarial e não pelo próprio notário, aceitando-a para o
ato.
5. Tendo essa omissão ocorrido num contexto em que estava preparada uma escritura de
compra e venda de seis frações de um imóvel e em que, à última hora, já no próprio ato,
as partes outorgantes mudaram a sua vontade negocial, propondo-se celebrar, nesse
mesmo momento, uma escritura de mútuo com a hipoteca das frações, em que a
procuração foi entregue no próprio ato, agindo os outorgantes a um ritmo próprio do
crime de burla que estava a ser praticado e que eles próprios transportaram para o
cartório notarial, com a premência do negócio, o interesse, o enrolamento de
circunstâncias, a encenação e a emoção, este conjunto de circunstâncias determinou à
notária um esforço acrescido na preparação do novo ato, com o qual não contava, e
diminuiu e obnubilou o seu poder de observação e análise do instrumento procuração,
que era falsa, assumindo a sua conduta a modalidade de negligência inconsciente,
prevista no art.º 15.º, al. b), do C. Penal.
6. Não existe nexo de causalidade entre a conduta da notária e os danos do mutuante,
correspondentes à quantia que entregou ao mutuário/autor do crime de burla, uma vez
que a norma que impõe ao notário a análise da procuração se destina a proteger os
interesses dos intervenientes no ato, na perspetiva da emissão de vontade pelo
outorgante do mandato contido na procuração, e não a evitar o resultado danoso de um
crime de burla, sendo certo que o dano sofrido pelo mutuante, vitima desse crime, não
ocorreu no círculo de interesses da “…disposição legal destinada a proteger interesses
alheios…”, a que se reporta o art.º 483.º, n.º 1, do C. Civil, mas no círculo de interesses
protegidos com a tipificação do crime de burla, previsto no art.º 217.º, n.º 1, do C.
Penal”.

574
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec
/3ba4e4abc387581e80257e7d003d1e2b?OpenDocument

22.TRL 02/06/2015 (Rosa Ribeiro Coelho), p. 3245/06.6TBAMD-C.L1-7


Sumário:
I- “O alargamento de diligências probatórias que a 1ª instância venha a determinar, em
relação ao que fora concretizado em acórdão da Relação, não ofende o disposto no art.
662º do CPC, que define poderes deste tribunal, mas não limita os da 1ª instância, cuja
plenitude de apreciação, embora limitada ao que lhe é mandado julgar, emerge já do
disposto na al. c) do nº 3 do mesmo artigo.
II- No âmbito de processos diversos do processo penal continua a poder ser recusada a
informação que estiver coberta por sigilo bancário, e vir a ser determinada a sua quebra
nos termos conjugados do art. 417º do CPC e do art. 135º do CPP, se for preponderante
o interesse cuja tutela é prosseguida com o uso da informação pretendida.
III- Sustentando-se na petição inicial que os contratos de trespasse foram simulados, e
alegando duas das rés, quanto a um deles, que foi efetivamente feito, através de
cheque, o pagamento do respetivo preço, se as mesmas rés persistem em não colaborar
no esclarecimento das dúvidas existentes sobre esse pagamento, apesar de a tanto
estarem obrigadas por força do princípio da cooperação ínsito no art. 7º do CPC, torna-
se imprescindível obter do banco sacado a adequada informação.
IV- A necessidade de descoberta da verdade material que viabilizará uma decisão justa, é
interesse preponderante em relação ao que o sigilo bancário acautela, pelo que existe
motivo para dispensa deste”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec
/0b1f12cba8b3aa6980257e7d004ad65e?OpenDocument

23.TRL 02/06/2015 (Graça Amaral), p. 1285/13.8YXLSB.L1-7


Sumário:
I- “A mera deficiência na explicitação e concretização das especificações inerentes à

575
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa

impugnação da matéria de facto – indicação dos meios probatórios concretos que


impõem decisão diversa/indicação dos concretos pontos de facto que se considera
incorrectamente julgados/decisão que no entender do recorrente deveria ser proferida
sobre as questões impugnadas -, não constituirá questão formal inultrapassável, que
justifique, por si só, a rejeição do recurso, sempre que o recorrente tenha destacado, no
corpo das alegações, de forma suficiente e perceptível para o tribunal de recurso e para
a contraparte, o objecto e o fundamento do seu desacordo relativamente à decisão
fáctica da 1ª instância e tenha cumprido os restantes requisitos legais que a lei lhe
impõe – cfr. alínea a) do n.º2 do artigo 640.º do Código de Processo Civil.
II- Não tendo o Recorrente cumprido os requisitos que lhe eram exigíveis em sede de
conclusões das alegações e dado que, no corpo das mesmas, não deu satisfação cabal às
prescrições legais que se lhe impunham (referencia o depoimento de testemunhas,
procedendo à transcrição de excertos dos respectivos depoimentos que considera
relevantes em defesa do seu propósito, mas não indica as passagens da gravação em
que se funda o seu recurso) compromete, nessa medida a apreciação do recurso nesse
âmbito, conforme impõe o artigo 640.º, nº 2, alínea a) do CPC.
III- À luz dos poderes que se mostram conferidos ao julgador de realizar ou ordenar, mesmo
oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa
composição do litígio (artigos 5.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b), 6.º, n.º1 e 607.º, n.º4, ambos
do CPC), assume pleno cabimento legal fixar, como provada, factualidade instrumental
e/ou complementar articulada e/ou nova (esta última derivada da discussão da causa),
ainda que não inserida no âmbito dos temas da prova previamente determinados pelo
tribunal”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec
/35b17ee179ac354680257e7b0051903d?OpenDocument

24.TRL 04/06/2015 (Isoleta Alemida Costa), p. 290/13.9YHLSB-8


Sumário:
1. “No âmbito internacional, assume relevo o master franchising, que comporta para o
franquiado (master franchise) a possibilidade de contratar sub-franquiados na zona que
lhe foi atribuída, Este ainda é o responsável tanto pela formação, assistência e controlo
dos franchisados como pela administração da rede na sua zona.

576
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa

2. Nestas situações assiste-se a um acordo entre o franquiador e o master franchise


situado numa determinada área na qual se vai desenvolver a rede de franquia,
atribuindo-lhe, em regra exclusividade.
3. E é este quem vai negociar contratos de sub franquia que têm o seu conteúdo
determinado pelo contrato de franquia principal.
4. O contrato de franquia principal muito embora não seja directamente negociado com os
subfranchisados estende-se a estes por efeito da subfranquia.
5. O procedimento cautelar especifico regulado no disposto no artº 338 I do CPI # 210
CDADC que transcreveu para o ordenamento jurídico nacional a Directiva 2004/48/CE,
de 29-4-04, vulgo Directiva de Enforcement, tem lugar sempre que haja violação ou
fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável (do direito de
propriedade industrial # do direito de autor ou dos direitos conexos), e destina-se a
pedido do (interessado # requerente), decretar as providências adequadas a: a) Inibir
qualquer violação iminente; ou b) Proibir a continuação da violação.
6. O juiz, na decisão que decrete a providência, pode inverter o contencioso, dispensando
o requerente do ónus de propositura da acção principal, quando se verifiquem
cumulativamente dois requisitos em concreto:
 a matéria adquirida no procedimento lhe permitir formar convicção segura acerca da
existência do direito acautelado; e
 a natureza da providência decretada for adequada a realizar a composição definitiva
litígio”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec
/aed5c374d8448c1d80257e7a004e9aae?OpenDocument

25.TRL 16/06/2015 (Maria da Conceição Saavedra), p. 1404/10.6TBPDL.L1-7


Sumário:
I- “À luz do Código de Processo Civil de 2013, na ação executiva a deserção da instância
opera de forma automática, não dependendo de decisão judicial, desde que, por
negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais
de seis meses;
II- Não deixará, no entanto, o juiz de avaliar, em concreto, ao julgar a deserção, se houve

577
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa

efetiva negligência das partes motivadora da paralisação do processo por mais de seis
meses;
III- A imediata e gravosa consequência que hoje pode associar-se a um tal período de
inatividade do processo, aconselham, face ao quadro normativo anterior, uma cautelosa
ponderação dos requisitos que poderá passar, em caso de dúvida, e atendendo ao
princípio da cooperação previsto no art. 7 do C.P.C., pela audição das partes ou pela sua
notificação prévia com aquela expressa cominação;
IV- Tal necessidade é acrescida na ação executiva, considerando, designadamente, as
competências cometidas ao agente de execução e a circunstância do exequente não
estar obrigado a nomear bens à penhora no requerimento executivo”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec
/10c46f45b768763880257e7b0054a346?OpenDocument

26.TRL 17/06/2015 (Olindo Geraldes), p. 8594/10.6TBOER.L1-2


Sumário:
I- “O depoimento de parte, não podendo ser aproveitado para efeitos confessórios, pode
ser apreciado livremente e, sendo convincente, influir na decisão.
II- No âmbito da nulidade da sentença prevista no art. 668.º do Código de Processo
Civil/1961, não se incluía a falta de fundamentação da decisão relativa à matéria de
facto, a qual, existindo, causaria uma nulidade processual, por omissão de ato prescrito
por lei, com influência no exame ou na decisão da causa, ou, sendo insuficiente,
determinaria nova fundamentação, a requerimento da parte.
III- Apesar da integração da decisão sobre a matéria de facto na sentença, a arguição de
vícios na fundamentação não se alterou, continuando a ter o mesmo tratamento
jurídico, com a exceção de poder ser determinada, oficiosamente, outra
fundamentação.
IV- Não é insuficiente a fundamentação da decisão relativa à matéria de facto, quando
através da sua motivação se compreende suficientemente bem as razões determinantes
da livre convicção do julgador”.

578
Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec
/5005111165abcfb680257e7c00456220?OpenDocument

27.TRL 18/06/2015 (António Martins), p. 1821-14.2T8CSC-B.L1-6


Sumário:
1. “A regra, em termos de processo civil, quanto à língua a empregar nos actos judiciais - e
a citação é um desses actos judiciais - é a do uso da “língua portuguesa” (cfr. art.º 133º
nº 1 do CPC), o que aliás se compreende por ser uma decorrência do direito de
soberania do Estado Português e de a sua língua oficial ser o português - cfr. art.ºs 7º e
11º nº 3 da CRP.
2. Pese embora não devam descurar-se as relevantes funções atribuídas à citação,
nomeadamente a de dar “conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele
determinada acção” e de chamar o réu “ao processo para se defender” (cfr. nº 1 do art.º
219º do CPC) e, nessa medida, as cautelas de que a mesma se deve rodear, a verdade é
que o art.º 239º do CPC não exige que os réus nacionais ou sediados num estado
estrangeiro, tenham de ser citados na língua desse estado e com tradução para essa
língua dos actos judiciais, nomeadamente a petição inicial.
3. A exigência contida no nº 3 do art.º 239º do CPC, da necessidade de plena compreensão
do objecto da citação, reporta-se à exigência de a citação dever ser acompanhada “de
todos os elementos e de cópias legíveis dos documentos e peças do processo
necessárias à plena compreensão do seu objecto”, ou seja, não bastar apenas a peça
processual petição inicial, mas todos os documentos e elementos juntos com a mesma
4. Não padece de qualquer irregularidade, máxime nulidade, a citação de uma pessoa
colectiva de direito panamiano, com sede no Panamá, sem a tradução da nota de
citação e da p.i. em língua espanhola”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec
/f8c6d9456d494c8580257e7c003dd8e7?OpenDocument

579
Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto

Tribunal da Relação do Porto


2013

1. TRP 26/09/2013 (Aristides Rodrigues de Almeida), p. 1393/11.0TBPNF.P1


Sumário:
I- “Face ao disposto nos artigos 5.º e 7.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, o Código de
Processo Civil aprovado por esta aplica-se às acções declarativas pendentes e também
aos recursos instaurados nessas acções, independentemente da data da prolação da
decisão recorrida (com excepção apenas dos recursos de decisões proferidas antes de 1
de Setembro de 2013 nas acções instauradas antes de 1 de Janeiro de 2008).
II- Em regra, a privação da disponibilidade e uso de um veículo automóvel constitui uma
afectação do património em sentido amplo e um dano indemnizável mesmo que o
lesado não tenha suportado qualquer despesa para substituir o veículo sinistrado”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/ef6ba00f8751badd80257bfe0034878d?OpenDocument

2. TRP 26/09/2013 (José Amaral), p. 4351/08.8TBVNG.P2


Sumário:
I- “O artº 544º, do novo CPC, que alterou o artº 458º do anterior, passou a admitir a
possibilidade de condenação, como litigantes de má fé, das pessoas colectivas e
sociedades e eliminou a responsabilização do representante que estivesse de má fé na
causa.
II- Tal norma é de aplicação imediata, pelo que, apreciando-se em recurso uma tal
condenação, esta não pode subsistir.
III- Tendo o tribunal de 1ª instância, na sentença, condenado a própria sociedade e tendo-a
a Relação, em recurso, absolvido, com o fundamento de que a responsabilidade é do
representante, não pode o tribunal a quo, por no Acórdão tal não ter sido determinado,
proferir, ex officio, nova decisão baseada naquele entendimento, uma vez que estava
esgotado o seu poder jurisdicional (artºs 666º, nº 1, do anterior, e 613º, nº1, do novo
Código)”.

580
Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/d0a0fabc352e686280257bfd004e25d3?OpenDocument

3. TRP 07/10/2013 (José Eusébio Almeida), p. 488/08.1TBVPA.P1


Sumário:
“Na vigência do Código de Processo Civil anterior, mas igualmente após 1.09.2013, ocasião
em que passou a vigorar a Lei 41/2003, de 26 de junho (NCPC) a matéria de facto à qual há
que aplicar o direito tem de cingir-se a verdadeiros factos e não a questões de direito ou a
meros juízos conclusivos. Neste sentido, a revogação do artigo 646, n.º 4 do anterior CPC,
não significa que o princípio nele estabelecido haja sido alterado”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/c6cc9b6764be363d80257c08004f9e50?OpenDocument

4. TRP 28/10/2013 (Oliveira Abreu), p. 3429/09.5TBGDM-A.P1


Sumário:
“Com a introdução de novas regras sobre o regime legal disciplinador da admissão e
reapreciação da prova feita em Juízo ditadas pelo Novo Código Processo Civil é inequívoco
que na reapreciação da prova, as Relações têm a mesma amplitude de poderes que tem a
1ª instância, enquanto efectiva garantia de um segundo grau de jurisdição, permitindo
sublinhar que a reapreciação da prova em segunda Instância configura, efectivamente, um
novo julgamento”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/309d0be017d6631d80257c20004c52e0?OpenDocument

581
Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto

2014

1. TRP 03/02/2014 (Oliveira Abreu), p. 139/07.1TBTBC.P2


Sumário:
I- “No regime actual, o legislador fez deslocar a liquidação da sentença obrigatoriamente
para o âmbito do processo declaratório que a originou, em incidente posterior à
condenação.
II- A liquidação da sentença destina-se tão só à concretização do objecto da sua
condenação, com respeito sempre do caso julgado da sentença liquidanda, não sendo
permitido às partes tomar, no incidente de liquidação, uma posição diferente ou mais
favorável do que a já assumida na acção declarativa”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/97f4238d1a243c7680257c8d003de4c3?OpenDocument&Highligh
t=0,Lei,n.%C2%BA,41%2F2013,de,26%2F06

2. TRP 06/02/2014 (Oliveira Abreu), p. 60/07.1TBTBC.P2


Sumário:
“As regras do C.P.C. de 2013 não alteraram o regime de realização das perícias médico-
legais que resultava do C.P.C. de 1961, com a remissão para os termos da Lei 45/2004, de
19/08 (o que se mantem no C.P.C. de 2013), pelo que as perícias colegiais – sejam as
primeiras ou as segundas perícias – continuam as estar reservadas para os casos em que o
juiz, na falta de alternativa, o determine de forma fundamenta, nos termos do art. 21º, nº4,
da referida Lei nº 45/2004”.

Texto integral
CJ n.º 252 ano XXXIX, Tomo I/2014, Janeiro/Fevereiro

582
Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto

3. TRP 13/02/2014 (Aristides Rodrigues de Almeida), p. 142046/08.3YIPRT.P1


Sumário:
I- “Na vigência do anterior CPC a irregularidade da gravação dos meios de prova prestados
na audiência constituía uma nulidade processual secundária, que devia ser arguida no
prazo de 10 dias a contar do dia em que a parte interveio no processo ou foi notificada
para qualquer termo dele, desde que, neste último caso, devesse presumir-se que então
tomou conhecimento da nulidade ou podia ter tomado conhecimento dela, agindo com
a necessária diligência.
II- A parte goza da faculdade de minutar as suas alegações de recurso até à data limite para
a sua apresentação e, como tal, pode aperceber-se da falha da gravação apenas nesse
último momento, razão pela qual podia invocar a irregularidade apenas nas alegações
de recurso, excepto se se demonstrasse que teve conhecimento do vício mais de dez
dias antes do termo desse prazo.
III- O art. 155.º do novo CPC consigna agora de forma expressa que o prazo de arguição do
vício da deficiência da gravação é de 10 dias a contar da disponibilização da gravação, a
qual, por sua vez, deve ocorrer no prazo de 2 dias a contar da realização da gravação”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/489f34893a80e82880257c8900567a99?OpenDocument

4. TRP 18/02/2014 (Maria Amália Santos), p. 1067/09.1YYPRT-B.P1


Sumário:
I- “O Decreto-Lei nº 4/2013, de 11.1. instituiu um regime excepcional e temporário,
destinado a combater a pendência prolongada das acções executivas e a responsabilizar
o exequente pelo andamento célere dos processos, particularmente no que se refere à
indicação de bens à penhora;
II- Por isso, a extinção da acção executiva prevista naquele regime excepcional não pode
ser aplicado indiferentemente, se não se verificarem as situações nele previstas,
carecendo o mesmo de ser interpretado casuisticamente (e, por vezes, restritivamente);
III- O período de tempo decorrido na vigência daquele DL deve ser contado para efeitos de
aplicação do disposto no artº 279º do CC”.

583
Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/ef
1c448ac101518c80257c9a0040a7d2?OpenDocument&Highlight=0,Le
i,n.%C2%BA,41%2F2013,de,26%2F06

5. TRP 11/03/2014 (Rodrigues Pires), p. 501/10.2TBOAZ.P1


Sumário:
I- “A imperceptibilidade do registo magnético do depoimento de uma testemunha
consubstancia omissão de acto que a lei prescreve e que pode ter influência no exame e
na decisão da causa, o que constitui nulidade nos termos do art. 201º do Cód. do Proc.
Civil de 1961.
II- No âmbito do anterior Cód. do Proc. Civil entendia-se que tal nulidade poderia ser
arguida até à data limite para a apresentação das alegações de recurso e,
consequentemente, nessas mesmas alegações.
III- É diferente a solução adoptada pelo Novo Cód. do Proc. Civil que, no seu art. 155º
estabelece que o prazo para a arguição do vício da deficiência da gravação é de 10 dias a
contar da disponibilização da gravação, a qual, por seu turno, deve ocorrer no prazo de
dois dias contados a partir da sua realização”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/34fc0688b205ed9e80257cbb002d14be?OpenDocument&Highlig
ht=0,Lei,n.%C2%BA,41%2F2013,de,26%2F06

6. TRP 13/03/2014 (Leonel Serôdio), p. 18/1998.P1


Sumário:
I- “Tendo sido indeferido a petição, por falta de prévio pagamento da taxa de justiça, o art.
560º do CPC apenas comporta a interpretação que é a partir da notificação do despacho
de indeferimento que se inicia o prazo para apresentar novo requerimento.
II- A partilha adicional, ainda que requerida após a entrada em vigor da Lei n.º 23/2013 de
05.03, que aprovou o Regime Jurídico do Processo de Inventário, é tramitada no mesmo
processo de inventário e consequentemente no Tribunal onde este correu termos e não

584
Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto

no Cartório Notarial”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/a53b22ca92d2bdfd80257ca70032dd89?OpenDocument&Highlig
ht=0,13-03-2014

7. TRP 24/03/2014 (Oliveira Abreu), p. 11291/10.9TBVNG.P1


Sumário:
I- “Há contradição entre respostas à facticidade alegada quando a resposta dada a um
determinado facto colide com a(s) resposta(s) dada(s) a outro ou outros factos alegados,
ou seja, a resposta a um alegado facto é contraditória quando o sentido nela expresso
colidir com a resposta dada a outro ou a outros factos.
II- O novo texto adjectivo civil, tornou inequívoco que na falta de especificação separada
das excepções deduzidas, os respectivos factos não se consideram como admitidos por
acordo, o que, de resto, diga-se, mesmo em face dos artºs. 488º, e 505º, do anterior
Código Processo Civil, já era reconhecido, quer pela Doutrina, quer pela Jurisprudência.
III- A nulidade em razão da omissão de pronúncia sobre questões que devesse apreciar está
relacionada com o comando fixado na lei adjectiva civil, segundo o qual o juiz deve
resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação
(exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras) e
aqueloutras que a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/e38964941a3be24880257cad003eeff6?OpenDocument&Highligh
t=0,Lei,n.%C2%BA,41%2F2013,de,26%2F06

585
Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto

8. TRP 24/03/2014 (Oliveira Abreu), p. 1474/11.0TBVRL.P1


Sumário:
I- “Com a introdução de novas regras sobre o regime legal disciplinador da admissão e
reapreciação da prova feita em Juízo ditadas pelo Novo Código Processo Civil é
inequívoco que na reapreciação da prova, as Relações têm a mesma amplitude de
poderes que tem a 1ª instância, enquanto efectiva garantia de um segundo grau de
jurisdição, permitindo sublinhar que a reapreciação da prova em segunda Instância
configura, efectivamente, um novo julgamento”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/11caf034f472255880257cae003afb72?OpenDocument&Highlight
=0,Lei,n.%C2%BA,41%2F2013,de,26%2F06

9. TRP 24/04/2014 (Teles de Menezes), p. 1434/13.6TBVRL-A.P1


Sumário:
“Conquanto as alterações ao direito adjectivo civil continua válido o princípio da auto-
responsabilização das partes que impõe aos interessados a condução do processo, devendo
deduzir, atempadamente, os competentes meios para fazer valer os seus direitos, sob pena
de sofrerem as consequências da sua omissão”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/5022fee8349bdc8280257cd8003d776a?OpenDocument

10.TRP 28/04/2014 (Carlos Querido), p. 7815/10.0TBMTS.P1


Sumário:
I- “De entre as versões da matéria de facto controvertida (a afirmação do facto e a sua
negação), cabe ao juiz seleccionar aquela que, de acordo com as regras de distribuição
do ónus da prova, deva ser provada para que a acção proceda ou para que o efeito
jurídico pretendido pelo autor seja impedido, nada obstando a que determinado facto
alegado na versão negativa, por integrar um dos pressupostos normativos de que

586
Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto

depende a procedência da acção, seja vertido na base instrutória.


II- A eventual dificuldade de prova inerente a tal facto não deve, por si só, determinar a
inversão das regras sobre a distribuição do ónus probatório.
III- A resposta negativa a um quesito não significa a prova do contrário, significando apenas
não se ter provado o facto controvertido, tudo se passando como se o facto em causa
não tivesse sido alegado”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/248d6ce4e7c409ba80257cd1003932b1?OpenDocument

11.TRP 05/05/2014 (Oliveira Abreu), p. 17113.12.9YRPRT.P1


Sumário:
I- “No actual processo civil as partes continuam oneradas à alegação dos factos essenciais
que constituem a causa de pedir e daqueles em que se baseiam as excepções invocadas,
apenas podendo ser oficiosamente considerados os factos instrumentais, com função
meramente probatória, que resultem da instrução da causa, os factos complementares
ou concretizadores dos factos essenciais alegados pelas partes que resultem da
instrução da causa e sobre os quais as partes tenham tido a oportunidades de se
pronunciar, os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por
virtude do exercício das suas funções.
II- A circunstância de certa questão ser de conhecimento oficioso do tribunal, como
sucede, por exemplo, com as excepções peremptórias cuja invocação a lei não torne
dependente da vontade do interessado ou com a culpa do lesado, não significa que o
tribunal deva oficiosamente carrear para os autos a factualidade integradora dessas
questões de conhecimento oficioso; a oficiosidade nesses casos, na falta de previsão
expressa que disponha em sentido diverso, apenas opera no conhecimento das
questões, e em face dos factos que tenham sido adquiridos no processo”.

Texto integral
Colectânea de Jurisprudência, n.º 252, ano XXXIX, Tomo III/2014

587
Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto

12.TRP 05/05/2014 (Manuel Domingos Fernandes), p. 1869/09.9TBVRL-F.P1


Sumário:
I- “Quando no artigo 6.º, nº 4 da Lei 41/2013 de 26/6 (Lei que aprovou o NCPCivil) se faz
referência a que o disposto no Código de Processo Civil relativamente aos
procedimentos cautelares e incidentes de natureza declarativa (onde também se
inserem os embargos de terceiro) apenas se aplica aos que sejam deduzidos a partir da
data de entrada em vigor da presente lei, apenas tem em vista as normas específicas
reguladoras desses incidentes e já não as normas referentes aos recursos dessas
decisões.
II- No que tange aos recursos interpostos de decisões proferidas durante a sua tramitação
ou da respectiva decisão final, havemos de convocar as normas transitórias respectivas
ou, quando estas não existam, fazer apelo às regras gerais referentes a aplicação das leis
no tempo.
III- Dado que a única norma transitória sobre recursos respeita somente às acções
instauradas antes de 1 de Janeiro de 2008, relativamente às restantes temos, então, de
convocar aquelas normas gerais.
IV- Assim, aos recursos interpostos de decisões, em acções pendentes, proferidas a partir
da entrada em vigor do novo CPC (1 de Setembro de 2013) aplica-se o regime de
recursos decorrente deste novo diploma sempre que não estejam em causa normas que
interfiram na relação substantiva”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/ac078a26d7d160d880257cd6003ba35c?OpenDocument

13.TRP 12/05/2014 (Alberto Ruço), p. 1550/09.9TBPNF-A.P1


Sumário:
I- “Desde que a lei não imponha outra forma de proceder, existindo uma pluralidade de
relações jurídico-processuais num mesmo processo e seus apensos, a suspensão da
instância decretada no processo principal – artigo 269.º e seguintes do Código de
Processo Civil – não se estende automaticamente aos seus apensos, só os devendo
abarcar se a causa da suspensão ou outra razão justificativa o impuser.
II- Quando o exequente e o executado chegam a acordo sobre o pagamento da dívida em

588
Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto

prestações – artigo 806.º, n.º 1, do Código de Processo Civil –, a suspensão da execução


decretada no processo principal não determina a suspensão do apenso de reclamação
de créditos no qual intervenha um credor reclamante que seja exequente noutra acção
executiva, suspensa nos termos do artigo 794.º do novo Código de Processo Civil
(anterior artigo 871.º)”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/410ae19f14a6625580257ce1002e2b5d?OpenDocument

14.TRP 12/05/2014 (Manuel Domingos Fernandes), p. 3324/10.5TBSTS-F.P1


Sumário:
I- “Na impugnação da matéria de facto o recorrente além de aduzir um discurso
argumentativo, onde elenque, desde logo, as provas, deve, em seguida, produzir uma
análise crítica das mesmas, pois que, verdadeiramente só se coloca uma questão se se
elaborar uma argumentação que se oponha à argumentação produzida, colocando,
então, o tribunal de recurso perante uma questão a resolver.
II- A ampliação da base factual nos termos referidos no artigo 662.º, nºs 1 e 2 al. c) do
C.P.Civil apenas se justifica desde que ela se revele indispensável por forma a assegurar
enquadramentos jurídicos diversos dos equacionados pelo tribunal recorrido.
III- Não basta, porém, que os factos tenham conexão alguma com os diversos
enquadramentos jurídicos, nesta fase, o que importa ponderar é o enquadramento
jurídico em face do objecto do recurso.
IV- A adução do material de facto a utilizar pelo juiz para a decisão da causa só compete,
em princípio, às partes: a estas corresponde proporcionarem ao juiz, mediante as suas
afirmações de facto (não notórias) a base da decisão, razão pela qual, a parte que invoca
a caducidade do direito cabe alegar os factos correspondentes e de acordo com a facti
species da respectiva norma”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/b87fcef179d74c1e80257cdf00474529?OpenDocument

589
Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto

15.TRP 19/05/2014 (Manuel Domingos Fernandes), p. 2727/13.8TBPVZ.P1


Sumário:
I- “A inversão do contencioso prevista no artigo 369.º, nº 1º do CPCivil só é admissível se a
tutela cautelar puder substituir a definitiva e, tendo em conta o elenco previsto no
artigo 376.º, nº 4 do mesmo diploma legal, apenas se a providência cautelar requerida
de carácter nominado ou inominado – não tiver um sentido manifestamente
conservatório.
II- A inversão não é, deste modo, aplicável às restantes providências especificadas
previstas no CPCivil, nomeadamente, ao Arresto, ao Arrolamento e ao Arbitramento de
Reparação Provisória.
III- Se o tribunal declara haver inutilidade no decretamento de um procedimento cautelar
de arrolamento, não se verifica a nulidade da decisão estatuída no artigo 615.º, nº 1 al.
b) do CPCivil se, embora não esteja autonomizada, em relação à restante matéria, a
base factual que a suporta, dela consta o fundamento que levou àquela inutilidade.
IV- Todavia, se o tribunal entendia que existia inutilidade do arrolamento a consequência
seria a extinção da instância nos termos estatuídos no artigo 277.º, al. e) do CPCivil e
não a improcedência da providência.
V- Acontece que, o facto de a requerida ter posto à disposição da requerente os bens
objecto de arrolamento isso não torna inútil a providência requerida se esta não
solicitou a sua entrega, e os bens se encontram em instalações cujo gozo, decorrente de
relação arrendatícia, a requerente já não tem por terem sido entregues à requerida, sua
proprietária, na sequência de transacção judicial em acção de despejo, mas que aquela
alega ser nula.
VI- Para além disso, o tribunal não pode substituir o pedido de arrolamento pelo da
remoção dos bens das instalações onde eles se encontram, quando a requerente
pretende que os bens aí continuem, sendo apenas entregues ao depositário por ela
indicado.
VII- A decisão assim proferida é nula nos termos consignados no artigo 615.º, nº 1 al. e) por
ser diversa da solicitada”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/e2e3fd4d72ddcccb80257ce6003775a2?OpenDocument

590
Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto

16.TRP 29/05/2014 (Leonel Serôdio), p. 1578/11.9TJPRT.P1


Sumário:
I- “Da falta de coincidência entre o teor dos pedidos e das condenações não decorre
automaticamente e necessariamente que a sentença tenha condenado em objecto
diverso do peticionado.
II- Com a actual lei adjectiva civil, o tribunal tem a liberdade para descrever os factos
provados sem limitações, apenas não podendo julgar provados factos essenciais não
alegados pelas partes, nada impedindo, pois, de inserir factos instrumentais,
complementares e concretizadores, donde, o juiz, atento o objecto do processo, deve
fixar a factualidade provada de forma a descrever com a maior fidelidade possível os
contornos da realidade, ou seja, não se pode preocupar em reproduzir a factualidade tal
como foi alegada pelas partes nos articulados, devendo fixar uma versão integral do
quadro fáctico litigioso, atenta a prova produzida”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/f9712cc65649fdb880257cf40030f6c3?OpenDocument

17.TRP 12/06/2014 (Leonel Serôdio), p. 17/11.0TVPRT-A.P1


Sumário:
“Na actual lei adjectiva civil, apenas é admissível o articulado superveniente como meio de
alegar factos essenciais, tanto mais que os factos complementares ou concretizadores dos
factos essenciais podem ser sempre julgados provados desde que resultem da instrução da
causa”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/045b0cd1c0b8634b80257d0200378a1d?OpenDocument

18.TRP 16/06/2014 (Carlos Gil), p. 117/13.1TBPNF.P1


Sumário:
I- “O instituto da litigância de má fé tem em certa medida uma natureza bifronte
porquanto tem uma vertente sancionatória, disciplinadora da conduta das partes e dos

591
Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto

seus patronos e uma vertente ressarcitória geradora da obrigação de indemnizar com


base na prática de facto ilícito.
II- Em qualquer das vertentes por que se considere o instituto da litigância de má fé,
afigura-se-nos que a lei aplicável será a que vigorava na data da prática dos factos e não
aquela que exista à data da prolação da decisão e ainda que a lei nova seja
eventualmente mais favorável”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/dde1407be6c2018180257d04004a4675?OpenDocument

19.TRP 26/06/2014 (Aristides Rodrigues de Almeida), p. 1040/12.2TBLSD-C.P1


Sumário:
I- “O prazo suplementar para interposição de recurso e apresentação da resposta, do n.º 7
do art. 638.º do novo CPC pressupõe, cumulativamente, que (i) haja recurso da matéria
de facto, (ii) a decisão seja impugnada com fundamento em depoimentos de
testemunhas ou das partes, (iii) estes meios de prova estejam gravados e (iv) a decisão a
proferir pressuponha a reapreciação destes meios de prova.
II- Verifica-se este último requisito ainda que o recorrente invoque estes meios de prova
apenas para sustentar que deles não resulta nada que possa colocar em dúvida os
documentos juntos e o tribunal deva fundar a sua decisão exclusivamente nos
documentos juntos”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/f5fd88d178f8e60280257d0f004804bb?OpenDocument

20.TRP 30/06/2014 (Manuel Domingos Fernandes), p. 1397/13.8TJPRT.P1


Sumário:
I- “Quando o fundamento da impugnação da decisão da matéria de facto tenha por base a
prova gravada o recorrente deve indicar, sob pena de rejeição, com exactidão as
passagens da respectiva gravação”.

592
Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/b6e15b9f939dafa980257d16004b240d?OpenDocument

21.TRP 03/07/2014 (Aristides Rodrigues de Almeida), p. 1548/10.4TBVCD.P1


Sumário:
I- “O Tribunal da Relação só pode modificar a decisão da matéria de facto se constarem do
processo todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos
impugnados da matéria de facto.
II- A omissão do auto de inspecção judicial é uma nulidade secundária que tem de ser
arguida pelas partes no próprio acto; não tendo sido arguida em devido tempo nem nas
alegações de recurso e não sendo de conhecimento oficioso, a Relação está impedida de
conhecer e declarar a nulidade.
III- Na interpretação do testamento prevalece a orientação subjectivista, valendo as
disposições testamentárias de acordo com a vontade real do testador, pelo que a tarefa
do intérprete consiste em averiguar, com recurso a todos os meios disponíveis, a
efectiva vontade do testador, a qual prevalecerá desde que encontre no texto do
testamento um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa.
IV- A acção destinada a obter a declaração judicial de que um determinado imóvel não está
incluído no objecto legado, instaurada por um herdeiro que suscitou essa questão no
inventário e foi remetido para os meios comuns, é uma acção de simples apreciação
negativa, cabendo ao legatário o ónus de demonstrar que o testador quis efectivamente
legar também esse imóvel e que o contexto e a redacção do testamento correspondem
minimamente a essa vontade real”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/0861560de4d6001b80257d180039ed69?OpenDocument

22.TRP 09/07/2014 (Carlos Gil), p. 833/11.2TVPRT.P1


Sumário:
I- “Em regra, constitui matéria de facto tudo aquilo que é passível de prova e como tal,

593
Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto

susceptível de ser considerado verdadeiro ou falso, enquanto que integra matéria de


direito a aplicação das normas jurídicas aos factos em conformidade com a
interpretação de tais preceitos e a valoração e subsunção dos factos, de acordo com
certo enquadramento normativo, actividade esta que é ajuizada segundo um critério de
correcção ou de fundamentação.
II- No actual Código de Processo Civil, as partes continuam oneradas à alegação dos factos
essenciais que constituem a causa de pedir e daqueles em que se baseiam as excepções
deduzidas (artigo 5º, nº 1, do Código de Processo Civil), estando o tribunal limitado na
sua actividade por tal factualidade essencial e apenas podendo considerar, além dela, a
factualidade instrumental, os factos complementares ou concretizadores que resultem
da instrução da causa e desde que sobre os mesmos as partes tenham tido a
oportunidade de tomar posição, os factos notórios e os factos de que o tribunal tem
conhecimento por força do exercício das suas funções (artigo 5º, nº 2, do Código de
Processo Civil).
III- A inclusão na fundamentação de facto da sentença de matéria de direito determina uma
deficiência na decisão da matéria de facto, por excesso, vício passível de ser
oficiosamente conhecido em segunda instância, nos termos previstos na alínea c), do nº
2, do artigo 662º, do Código de Processo Civil”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/f98bf814544deb9480257d19005076db?OpenDocument

23.TRP 09/07/2014 (Pedro Martins), p. 16/13.7TBMSF.P1


Sumário:
I- “Para efeito da verificação da excepção do caso julgado, se os factos aditados aos factos
alegados na outra acção são apenas complementares ou concretizadores de uma causa
de pedir que estava suficientemente individualizada, a causa de pedir é idêntica.
II- Isto é, “a alegação, numa das acções, de factos que completem a causa de pedir, sem
atentar contra a sua individualidade, não impede a repetição da causa de pedir.”
III- A causa de pedir corresponde ao conjunto dos factos constitutivos da situação jurídica
que o autor quer fazer valer, mas só alguns destes factos – os essenciais – é que servem
a função de individualização da causa de pedir, sendo esta que interessa à verificação da

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Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto

excepção de caso julgado.


IV- A falta de alegação de factos essenciais dá lugar à ineptidão da petição inicial por falta
de identificação de uma causa de pedir, o que conduz à absolvição da instância, com
caso julgado formal, enquanto que se a causa de pedir ficar incompleta, por não terem
sido alegados todos os factos que constituem a causa de pedir (nem sequer depois de
um convite ao aperfeiçoamento), o que acontece é a inconcludência do pedido, com
absolvição deste, o que produz caso julgado material”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/981b688815dbda8d80257d4d003c5c23?OpenDocument

24.TRP 08/09/2014 (Carlos Querido), p. 701/10.5TVPRT.P1


Sumário:
I- “Antes da vigência do novo regime processual aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de
Junho, perante a omissão de qualquer referência a alegações orais na redacção do artigo
304.º do CPC, era discutível se o pleno cumprimento do princípio do contraditório
impunha ou não a exigência dessa fase processual na produção de prova nos incidentes.
II- Tal discussão deixou de fazer sentido face à actual redacção do artigo 295.º do CPC.
III- Tendo o M.º Juiz omitido a formalidade processual referida, ocorre nulidade nos termos
do n.º 1 do artigo 195.º do CPC, considerando que a irregularidade em apreço é
susceptível de influir no exame ou na decisão da causa.
IV- No entanto, não estando em causa qualquer das nulidades previstas nos artigos 186.º a
194.º, do CPC, ou outra de conhecimento oficioso, o tribunal apenas poderá conhecer
de tal vício após reclamação do interessado, nos termos do artigo 196.º do citado
diploma legal.
V- Tendo a parte estado presente na inquirição de testemunhas, e não tendo sido a
nulidade arguida durante esse acto processual, torna-se intempestiva a sua reclamação
em sede de alegações de recurso”.

Texto integral
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/8f0f93b040e2206e80257d5d00464388?OpenDocument

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25.TRP 15/09/2014 (Manuel Domingos Fernandes), p. 3596/12.0TJVNF.P1


Sumário:
I- “Tal como já acontecia no anterior CPCivil, também na actual lei processual podem na
decisão, para além dos factos essenciais, que constituem a causa de pedir e aqueles em
que se baseiam as excepções invocadas, alegados pela partes, ser considerados pelo
juiz: a) os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) os factos que
sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da
instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do
exercício das suas funções.
II- A grande diferença em relação ao anterior Código de Processo Civil é que a consideração
dos factos essenciais que sejam complemento ou concretização dos alegados não
depende já de requerimento da parte interessada, isto é, a sua consideração pode ser
oficiosa.
III- É claro que, essa consideração oficiosa, não pode ser feita sem que as partes se
pronunciem sobre ela, ou seja, o juiz, ante a possibilidade de tomar em consideração
tais factos, tem que alertar as partes sobre essa sua intenção operando o exercício do
contraditório e dando-lhe a possibilidade de arrolar novos meios de prova sobre eles.
IV- Se da instrução da causa resultarem factos que sejam complemento ou concretizadores
dos alegados pelas e o Sr. juiz do processo não os tenha tomado em consideração não
pode a Relação, em princípio, substituir-se à 1.ª instância e valorar já em termos
definitivos a prova produzida quanto aos novos factos, ampliando em 2.ª instância a
matéria de facto sem que previamente, em fase de audiência de julgamento, as partes
estejam alertadas para essa possibilidade e lhes seja facultado produzir toda a prova que
entenderem.
V- Todavia, já a Relação o poderá fazer se os novos factos resultarem de confissão judicial
no âmbito do depoimento de parte”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/0b35d45795b6e39080257d5f0039c5fd?OpenDocument

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26.TRP 15/09/2014 (António José Ramos), p. 216/11.4TUBRG.P1


Sumário:
“As declarações de parte [artigo 466º do novo CPC] – que divergem do depoimento de
parte – devem ser atendidas e valoradas com algum cuidado. As mesmas, como meio
probatório, não podem olvidar que são declarações interessadas, parciais e não isentas, em
que quem as produz tem um manifesto interesse na acção. Seria de todo insensato que
sem mais, nomeadamente, sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam eles
documentais ou testemunhais, o Tribunal desse como provados os factos pela própria parte
alegados e por ela, tão só, admitidos”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/f509bd29fe5de6c680257d5e003964fb?OpenDocument

27.TRP 22/09/2014 (Carlos Gil), p. 2265/12.6TBMAI.P1


Sumário:
I- “A inclusão na fundamentação de facto da sentença de matéria de direito ou conclusiva
determina uma deficiência na decisão da matéria de facto, por excesso, vício passível de
ser oficiosamente conhecido em segunda instância nos termos previstos na alínea c), do
nº 2, do artigo 662º, do Código de Processo Civil.
II- Se a entrega da mercadoria for efectuada mediante transporte terrestre mas no âmbito
de um contrato de transporte aéreo, presume-se, salvo prova em contrário, que o dano
resultou de evento ocorrido durante o transporte aéreo.
III- No domínio da Convenção de Montreal, aprovada pelo Decreto nº 39/2002, de 27 de
Novembro de 2002, publicado no nº 274 da primeira série do Diário da República, a
exclusão da limitação da obrigação de indemnizar a cargo da transportadora prevista no
nº 5, do seu artigo 22º, só se verifica relativamente a danos em passageiros e em
bagagens destes, não operando relativamente a mercadorias”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/0d244cfd542eb8c880257d5f0051c188?OpenDocument

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28.TRP 30/10/2014 (José Amaral), p. 682/10.5TVPRT.P1


Sumário:
I- “A norma de que a segunda perícia era, em regra, colegial já admitia excepções (artº
490º, alínea b), do anterior CPC).
II- Actualmente, a segunda perícia só é colegial se a primeira o tiver sido (artº 488º, alínea
b), do novo CPC).
III- No regime anterior, a primeira só podia sê-lo, quando:
 a sua requisição, pelo tribunal, a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial
apropriado se revelasse impossível ou inconveniente; e
 oficiosamente assim o juiz a determinasse (por ela se revestir de especial
complexidade ou exigir conhecimento de matérias distintas); ou
 alguma das partes assim a requeresse.
IV- No regime actual, exige-se também que a acção tenha valor superior a metade do da
alçada da Relação (artº 468º, nº 5, CPC).
V- Devendo a perícia médico-legal ser requisitada ao INMLCF e por este realizada, a
segunda só poderá ser colegial se, além do mais, faltar alternativa e o juiz a determinar
fundamentadamente (artº 21º, nº 4, da Lei 45/2004, de 19 de Agosto)”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/6b53fab0cc35437f80257d89004eef2d?OpenDocument

29.TRP 09/12/2014 (Fernando Samões), p. 1011/14.4T8PRT.P1


Sumário:
I- “A aplicação do art.º 703.º do NCPC a todas as execuções iniciadas após 1 de Setembro
de 2013 e a consequente recusa de exequibilidade aos documentos particulares
constituídos antes dessa data não viola o princípio da segurança e da protecção da
confiança.
II- As execuções instauradas após aquela data com base nesses documentos devem ser
indeferidas liminarmente, por ser manifesta a falta de título executivo”.

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Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/e2863e096a0619a280257db70050cb41?OpenDocument

30.TRP 17/12/2014 (Pedro Martins), p. 2952/12.9TBVCD.P1


Sumário:
I- “Depois da reforma de 2013 do CPC, as partes podem fazer prova de factos favoráveis,
com as suas declarações, como decorre do art. 466/1 do CPC, mas essas declarações
têm de ser minimamente corroboradas por outros meios de prova. E essa prova não
pode ser substituída por depoimentos indirectos, isto é, por aquilo que as testemunhas
dizem que as partes lhes contaram, tendo que ser produzida nos termos do art. 466/1
do CPC.”

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/6b93fe4b69a9a67380257dc5004ccedb?OpenDocument

31.TRP 17/12/2014 (Judite Pires), p. 927/12.7TVPRT.P1


Sumário:
I- “A deficiência da gravação, que acarrete, no todo ou em parte, a imperceptibilidade ou
inaudibilidade dos depoimentos objecto de registo constitui irregularidade que se traduz
em nulidade secundária, nos termos dos artigos 201º, nº1, 204º, “a contrario”, e 205º,
nº1 e 3 do Código de Processo Civil de 1961 ou artigos 195º, nº1, 198º, “a contrario”, e
199º, nº1 e 3 do novo Código de Processo Civil.
II- Entendia-se no âmbito do anterior Código de Processo Civil que essa nulidade podia ser
arguida até ao termo do prazo de interposição de recurso, e com as alegações do
mesmo, podendo ser oficiosamente conhecida pela segunda instância.
III- Diferente é o regime actualmente previsto no artigo 155º do novo Código de Processo
Civil, que fixa prazo para as partes arguirem o vício de falta ou deficiência da gravação, o
qual é de 10 dias contados da disponibilização da gravação, que deve ocorrer no prazo
de dois dias a contar da respectiva realização.

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Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto

IV- Decorrido esse prazo sem que seja arguido o vício em causa, fica o mesmo sanado, não
podendo oficiosamente ser conhecido pela Relação.”

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/0747851013f7465e80257dc800318686?OpenDocument

600
Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto

2015

1. TRP 08/07/2015 (Carlos Gil), p. 1299/11.2TBPVZ.P1


Sumário:
I- “A nulidade parcial da sentença apenas tem repercussões nas questões subjacentes a
esse mesmo vício, podendo e devendo o tribunal de recuso, quando tal for admissível,
suprir essa nulidade, substituindo nessa parte a sentença recorrida.
II- A necessidade de demonstrar um facto negativo, como seja a inexistência da licença de
utilização do imóvel arrendado, não altera as regras de distribuição do ónus de prova,
apenas se repercutindo num menor grau de exigência probatória relativamente à parte
que tem o respectivo ónus de prova”.

2. TRP 08/07/2015 (Alberto Ruço), p. 1990/13.9YYPRT-A.P1


Sumário:
1. “O art. 5.º do C.P.C. veda ao tribunal a possibilidade de julgar provado na sentença um
facto essencial nuclear não alegado.
2. Como no actual C.P.C., a matéria de facto é julgada na própria sentença, o
conhecimento, na sentença, de um facto essencial não alegado introduz nos autos uma
questão jurídico-processual nova, da qual o tribunal não pode tomar conhecimento,
situação que integra a nulidade prevista na al. d) do n.º 1 do art. 615.º do C.P.C., onde se
determina que a sentença é nula (neste caso parcialmente), quando o “juiz” “conheça
de questões de que não podia tomar conhecimento”.
3. Vigorando no processo civil os princípios da auto-responsabilidade das partes e do
dispositivo, as partes são responsáveis pelas alegações que produzem ou pela sua
omissão, assim como pelo labor probatório, pelo que também são responsáveis pelo
conteúdo da decisão”.

3. TRP 12/01/2015 (Manuel Domingos Fernandes), p. 1989/13.5TBPNF.P1


Sumário:
I- “Não se pode confundir temas de prova com a impugnação da decisão da matéria de
facto.
II- A parte tem o ónus da alegação dos factos que, segundo o direito substantivo, lhe
compete provar, alegação essa que terá de continuar a fazer nos articulados, sem
prejuízo das situações em que a lei lhe permite introduzir os factos mais tarde no

601
Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto

processo, pelo que, a prova continua a incidir sobre esses factos alegados e não sobre
temas, estes representam apenas o quadro em que os primeiros se inserem, mas os
factos é que são objecto da prova.
III- Daí que, quem pretenda impugnar a decisão da matéria de facto deva ela ser
circunscrita à fundamentação factual e não aos temas de prova, razão pela qual seja de
rejeitar o recurso, nesse segmento, quando não se indiquem os concretos pontos de
facto que se consideram incorrectamente julgados e se faça, nesse âmbito, alusão
àqueles temas”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/5cad948ea5d788e780257dd5004f66d7?OpenDocument

4. TRP 19/01/2015 (Rita Romeira), p. 3201/12.5TBPRD-A.P1


Sumário:
I- “O depoimento de parte e a confissão são realidades jurídicas diferentes.
II- Quando a parte presta o seu depoimento não se visa exclusivamente a confissão.
III- O depoimento pode incidir sobre todos os factos pessoais ou de que o depoente deva
ter conhecimento, desde que não sejam criminosos ou torpes, art.s 452º e 454º, do CPC,
podendo ou não conduzir à confissão, cfr. art. 453º, nº2, do mesmo código e art.s 352º e
361º do CC.
IV- Na sequência dos poderes que tem de ouvir qualquer pessoa, incluindo as partes, por
sua iniciativa, nada obsta a que o tribunal, na busca da verdade material, tome em
consideração, para fins probatórios, as declarações não confessórias da parte, as quais
serão livremente apreciadas, nos termos do art. 607º, nº 5, do CPC.
V- Não sendo os factos reconhecidos, através do depoimento de parte, desfavoráveis ao
depoente, os mesmos não têm valor confessório.
VI- No entanto, sendo as declarações, prestadas pelas partes, sob juramento, cfr. art. 459º,
do CPC podem ser valoradas pelo tribunal para fundar a sua convicção acerca da
veracidade de factos controvertidos favoráveis a qualquer delas”.

602
Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/6e7a57d1164175b980257de3005aef98?OpenDocument

5. TRP 26/01/2015 (Augusto de Carvalho), p. 1162/14.5T8PRT.P1


Sumário:
“O documento que titula um contrato de mútuo, concedido pela Caixa Geral de Depósitos e
assinado pelo devedor, constitui título executivo nos termos do art.º 9.º, n.º 4 do DL n.º
287/93, de 20 de Agosto, e do art.º 703.º, n.º 1, al. d), do CPC”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/cfb220e874310ec780257dea005270c3?OpenDocument

6. TRP 27/01/2015 (João Diogo Rodrigues), p. 6620/13.6YYPRT-A.P1


Sumário:
“Não é inconstitucional, por violação do princípio da protecção da confiança, a norma
constante do artigo 703.º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26
de julho, quando referida a documentos particulares emitidos em data anterior à da
entrada em vigor do referido Código, em execuções instauradas depois dessa data”.

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/bd1661a79ad0e17780257df7003762f5?OpenDocument

7. TRP 27/01/2015 (M. Pinto dos Santos), p. 1378/14.4TBMAI.P1


Sumário:
I- “A violação do princípio do contraditório é geradora da nulidade processual prevista no
art. 195º nº 1 do Novo CPC se influir no exame ou na decisão proferida.
II- Quando o acto afectado de nulidade se encontra coberto por decisão que se lhe seguiu,
tal nulidade pode ser objecto de recurso e pode ser declarada pelo Tribunal da Relação.”

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Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/15b18e09107d0cb780257df60059cb56?OpenDocument

8. TRP 29/01/2015 (Pedro Martins), p. 1647/12.8TBMAI.P1


Sumário:
I- “O tribunal [deve] relata[r] tudo o que [de relevante], quanto ao tema controvertido,
haja sido provado, ainda sem qualquer preocupação quanto à distribuição do ónus da
prova.”
II- O autor só têm de alegar os factos principais (= essenciais numa acepção ampla), sendo
que os factos instrumentais (factos probatórios ou acessórios) relevantes devem ser
tomados em consideração na sentença independentemente da respectiva alegação
[agora, expressamente, arts. 552/1d) e 5, nº.s 1 e 2a) do CPC depois da reforma de
2013].
III- “Pela excepção *do caso julgado+ visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da
segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito”,
enquanto que “a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a
primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito.”

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/e37e11a0376540c180257de700569809?OpenDocument

9. TRP 02/02/2015 (Manuel Domingos Fernandes), p. 4178/12.2TBGDM.P1


Sumário:
I- “O regime da Lei 41/2013, de 26/06, além de ter encurtado para seis meses o prazo, até
aí de dois anos, concedido à parte para impulsionar os autos, sem que fosse extinta a
instância por deserção, eliminou também a figura da interrupção da instância, ou seja, a
instância fica deserta logo que o processo esteja sem impulso processual da parte
durante mais de seis meses sem passar pelo patamar intermédio da interrupção da
instância.
II- Por assim, ser na actual lei adjectiva a deserção da instância não é automática pelo

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Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto

simples decurso do prazo, como acontecia na lei anterior, pois que, para além da falta
de impulso processual há mais de seis meses é também necessário que essa falta se
fique a dever à negligência das partes em promover o seu andamento (artigo 281.º, nº 1
do CPCivil).
III- E, não sendo automática a referida a deserção, o tribunal, antes de proferir o despacho
a que se refere o nº 4 do artigo 281.º do CPCivil, deve ouvir as partes por forma a
melhor avaliar se a falta de impulso processual é, efectivamente, imputável a
comportamento negligente das partes.
IV- Durante o primeiro ano de vigência do novo CPCivil o legislador previu, no artigo 3º da
Lei 41/2013, face à natureza profunda das alterações que se verificaram na lei
processual, a intervenção oficiosa do juiz com uma função correctiva quer quanto à
aplicação das normas transitórias quer quanto aos possíveis erros sobre o conteúdo do
regime processual aplicável que resultassem evidentes de leitura dos articulados,
requerimentos ou demais peças processuais.
V- Daí que, numa situação de suspensão da instância por falecimento de uma das partes se
deva fazer uma interpretação extensiva por argumento de identidade de razão daquela
norma e, concatenando-a com o com o princípio da cooperação (artigo 7º do CPCivil), se
aplique igualmente a estes casos, tendo aqui o juiz não uma função correctiva mas de
cooperação com as partes, alertando-as da instituição de um regime mais severo para a
deserção da instância, antes de proferir o despacho a julgá-la extinta, por terem
decorrido mais de seis meses sobre a suspensão da instância sem impulso dos autos
imputável às partes.”

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/e9bd1783664755c680257de7004cab7c?OpenDocument

10.TRP 02/02/2015 (Carlos Gil), p. 5901/13.3YYPRT-B.P1


Sumário:
I- “A possibilidade de uma decisão transitada em julgado produzir efeitos jurídicos fora do
processo em que foi proferida pressupõe, necessariamente, que tenha força de caso
julgado material.
II- Os documentos particulares não autenticados não são título executivo quando neles se

605
Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto

convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras,


porquanto a lei apenas confere exequibilidade nesses casos a documentos autênticos ou
autenticados.
III- Embora o título executivo não seja a causa de pedir da acção executiva, dada a sua
relevância para a configuração do objecto da acção executiva (veja-se o artigo 10º, nº 5,
do Código de Processo Civil) justifica-se a aplicação, por identidade de razão, dos
preceitos legais que disciplinam a alteração da causa de pedir (artigo 265º, nº 1, do
Código de Processo Civil) à substituição de um título executivo por outro título
executivo, para a mesma pretensão executiva.
IV- Sendo o título executivo um pressuposto processual da acção executiva, por definição,
deve verificar-se a sua existência logo no requerimento inicial ou na sequência de
despacho de aperfeiçoamento (veja-se o artigo 726º, nºs. 2, alínea a), 4 e 5, do Código
de Processo Civil), não sendo legalmente admissível que a comprovação da sua
existência e suficiência possa ser efectuada até á realização da audiência de discussão e
julgamento no apenso de embargos de executado.”

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/46d022a80efbb89680257de8004e1624?OpenDocument

11.TRP 09/02/2015 (João Nunes), p. 572/11.4TTPNF-A.C1.P1


Sumário:
I- “Nos termos da lei processual civil (cfr. artigos 411 e 526.º), o juiz tem o poder-dever de
determinar a produção de qualquer meio de prova, desde que o mesmo se apresente
relevante para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa;
II- Estando em causa um processo de acidente de trabalho, o princípio do inquisitório
mostra-se acentuado, tendo em conta a necessidade de protecção das vítimas daquele
ou dos seus beneficiários legais;
III- Por isso, o juiz deve admitir a produção de prova requerida na audiência de julgamento,
na sequência da prova até então produzida, designadamente testemunhal, se da mesma
resulta que aquela tem aptidão para a descoberta da verdade material”.

606
Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/4882c8680612df0f80257df0004eccb2?OpenDocument

12.TRP 23/02/2015 (Manuel Domingos Fernandes), p. 95961/13.8YIPRT.P1


Sumário:
I- “A injunção de valor inferior à alçada do Tribunal da Relação, após deduzida a oposição,
segue o procedimento previsto para as acções especiais para cumprimento de
obrigações pecuniárias, comportando apenas dois articulados: a petição inicial e a
contestação.
II- Deduzida na contestação a excepção de compensação e o cumprimento defeituoso, em
obediência ao princípio do contraditório plasmado no artigo 3.º, n.º 4, do CPCivil, pode a
Autora responder-lhe oralmente no início da audiência de discussão e julgamento.
III- Fora dos casos previstos (artigo 584.º), no actual CPCivil desapareceu o articulado
réplica como o articulado normal de resposta às excepções deduzidas na contestação, a
não ser que se defenda que é possível que o juiz convide a parte a apresentar um
terceiro articulado, ao abrigo do princípio da adequação formal (artigo 547.º do CPCivil).
IV- Não obstante a inexistência de tal articulado, há que conjugar o disposto no artigo 3.º,
n.º 4, com os artigos 572.º al. c) e 587.º, n.º 1 do CPCivil, não tendo este último deixado
de prever que “A falta de impugnação dos novos factos alegados pelo réu”, seja na
audiência prévia, caso haja lugar a esta, seja no início da audiência final, tem o efeito
previsto no artigo 574.º do mesmo diploma (admissão por acordo dos factos não
impugnados), sob pena de os referidos normativos ficarem esvaziados de conteúdo.
V- E, se isso é assim para o processo declarativo comum deixa de se poder utilizar o
argumento decorrente do artigo 505.º do anterior CPCivil (falta de apresentação de
articulado quando este é admissível ou a falta de impugnação nele dos novos factos)
para os processos especiais no âmbito dos quais estejam previstos apenas também dois
articulados e, em concreto, para o procedimento de injunção.
VI- Razão pela qual o estatuído pelo legislador no artigo 3.º, nº 4 do CPCivil, não pode ser
visto apenas como uma faculdade que a parte pode usar ou não, sem que daí decorram
quaisquer efeitos cominatórios, antes tem de ser visto como sendo o momento
processual que o legislador deferiu à parte para responder às excepções deduzidas com
o último articulado, sob pena de se verificarem os efeitos decorrentes da falta do ónus
de impugnação.

607
Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto

VII- No actual CPCivil parece resultar que a compensação de créditos deve ser sempre
objecto de um pedido reconvencional, uma vez que a compensação ultrapassa a mera
defesa, sendo uma pretensão autónoma, ainda que não exceda o montante do crédito
reclamado pelo autor.
VIII- O recurso à compensação, postula, como sucede no direito substantivo, o
reconhecimento de um crédito, ao qual se opõe um contra-crédito, pelo que, a parte
respectiva, não pode pretender a compensação se nega a existência do crédito invocado
pelo autor.”

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/96019e69d6065e3c80257dfc003beb88?OpenDocument

13.TRP 24/02/2015 (Vieira e Cunha), p. 1967/14.7TBPRD.P1


Sumário:
I- “O nº 2 do artº 7º da Portaria nº 280/2013 de 26/8, ao aludir à prevalência do conteúdo
dos formulários, no caso da sua desconformidade com o conteúdo de ficheiros anexos a
tais formulários, visa explicitar o funcionamento automático do próprio sistema
informático, não contendo qualquer sanção processual para a parte que praticou essa
desconformidade.
II- Por isso, tal norma não obsta a que a parte, tomando conhecimento de divergência
resultante de lapso entre a identificação das partes constantes do formulário ou da
petição inicial, possa vir requerer ao juiz a correcção do lapso material, nos termos do
artº 249º CCiv, aplicável aos articulados.
III- Entendimento contrário desconsideraria a consabida hierarquia das fontes de direito,
concedendo a um diploma de regulação administrativa (a Portaria) valor superior a um
diploma de ordenação jurídica (a Lei ou o Decreto-Lei), e colidiria também com os
princípios processuais da cooperação e da gestão processual, hoje em dia cometidos ao
juiz enquanto poderes-deveres de actuação oficiosa.”

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Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/8f0f644ea68e0ab280257e2f0049e6e6?OpenDocument

14.TRP 24/02/2015 (João Diogo Rodrigues), p. 2673/07.4TBVNG.P1


Sumário:
I- “Da comparação entre o regime processual civil que actualmente vigora e aquele que
imediatamente o precedeu, resulta que houve alterações significativas no domínio do
instituto da deserção da instância.
II- Assim, no processo declarativo, além de ter sido eliminada a necessidade de prévia
interrupção da instância para a extinção da mesma com esse fundamento, houve
também uma significativa redução do prazo que conduz à deserção, bem como foi
introduzida a indispensabilidade de verificação jurisdicional da inactividade das partes
de modo a concluir se a mesma é, ou não, juridicamente censurável.
III- Esta mudança de regime deve ser também seguida pela alteração de procedimentos. Às
partes exige-se um maior cuidado no acompanhamento das suas causas, para que as
mesmas atinjam a finalidade normal para que foram instauradas, ou seja, a declaração,
por acto jurisdicional, do direito controvertido, e ao tribunal, por sua vez, exige-se
igualmente que só cancele a tutela jurisdicional que lhe foi solicitada se houver dados
bastantes para concluir, com certeza, pelo total alheamento das partes em relação à
referida finalidade.
IV- Por regra, pois, não pode, nem deve, proceder a esse cancelamento sem se certificar
previamente que esse alheamento, propositado ou negligente, existe, sendo que uma
das formas de o conseguir é através do exercício do contraditório prévio, que o juiz deve
observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo.
V- No período de adaptação ao novo regime processual civil, o legislador estabeleceu uma
norma especial, de acordo com a qual os princípios do dispositivo e da preclusão devem
ser intensamente articulados com princípio da cooperação, de modo a sobrepor a
substância à forma e evitar que a mudança de regimes implique, por si só, preclusões
processuais.
VI- Dentro desse espírito, a norma em causa deve ser interpretada extensivamente de
modo a incluir no seu âmbito também a sucessão de regimes atinentes à deserção da
instância.”

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Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/996f96009cb0b28880257e2f004e8b6f?OpenDocument

15.TRP 24/02/2014 (João Proença), p. 33364/03.4TJPRT-A.P1


Sumário:
“Extinta a instância executiva deverão os embargos de executado ser julgados extintos por
inutilidade superveniente os quais prosseguirão caso se renove aquela instância.”

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/3dc53ca971fcfe1180257e340046068b?OpenDocument

16.TRP 10/03/2015 (Fernando Samões), p. 1277/12.4TBFLG.P1


Sumário:
I- “A deficiente gravação da prova produzida em audiência de discussão e julgamento
constitui nulidade que pode ser arguida nas alegações de recurso quando a gravação
não foi disponibilizada nos termos do art.º 155.º, n.º 3, do CPC e não se prove que o
reclamante teve conhecimento da deficiência dez dias antes do termo das alegações.
II- A mesma nulidade deve ser conhecida pelo tribunal onde foi cometida, mantendo-se no
âmbito do recurso no caso de ser indeferida.”

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/cf53e8a3cde0ad2980257e230039d2c9?OpenDocument

17.TRP 10/03/2015 (M. Pinto dos Santos), p. 560/14.9T8AMT.P1


Sumário:
I- “A inversão do contencioso, nos procedimentos cautelares [nos que a admitem],
depende da verificação de dois pressupostos: que a matéria adquirida no procedimento
permita que o juiz forme a convicção segura acerca da existência do direito acautelado e
que a natureza da providência decretada seja adequada a realizar a composição

610
Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto

definitiva do litígio.
II- O primeiro destes pressupostos não se basta com a prova meramente perfunctória do
«fumus boni juris», exigindo sim que a mesma se situe num patamar de exigência
idêntico ao que é necessário para as decisões da matéria de facto nas acções de
processo comum, pois só assim é admissível que o Julgador fique com a convicção
segura da existência do direito acautelado e, por via disso, dispense o requerente da
propositura da acção declarativa de que o procedimento cautelar seria dependente.”

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/91af3481fb91476980257e26004e58cd?OpenDocument

18.TRP 19/03/2015 (Aristides Rodrigues de Almeida), p. 150/14.6TBPVZ-A.P1


Sumário:
I- “No nCPC a intervenção principal provocada apenas pode ser requerida em situações de
litisconsórcio e não de mera coligação.
II- O art. 39.º do nCPC reporta-se a situações em que existem dúvidas sobre o titular da
mesma relação material controvertida e não aos casos em que se pretende intervir um
terceiro para acautelar a hipótese de a relação material controvertida de que ele era
titular continuar a tê-lo como titular e responsável, caso em que essa relação é distinta e
autónoma da estabelecida entre as partes primitivas.
III- O art. 39.º do nCPC não constitui uma previsão autónoma de admissibilidade da
reconvenção, apenas podendo ser usado pelo demandado para fazer intervir um
terceiro se e nos casos em que a dedução de reconvenção contra este for admissível.”

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/9b4e1cf7b0d6289f80257e2100508506?OpenDocument

19.TRP 24/03/2015 (Francisco Matos), p. 1403/14.9T2AGD.P1


Sumário:
I- “O art.º 703.º do NCPC eliminou do elenco dos títulos executivos os documentos

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Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto

particulares, assinados pelo devedor, previstos no artº 46º, nº1, al. c) do CPC de 1961.
II- O artº 703º do NCPC aplica-se a todas as execuções iniciadas após 1 de Setembro de
2013 e as execuções instauradas após esta data com base nos referidos documentos
particulares, ainda que constituídos no domínio do CPC de 1961, devem ser
liminarmente indeferidas por falta de título executivo.
III- A recusa de exequibilidade, por aplicação da nova lei processual civil, a títulos executivos
constituídos no domínio da lei processual anterior não envolve uma aplicação retroativa
da lei, nem viola os princípios constitucionais da segurança e da proteção da confiança.”

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/8f63c55704d155f380257e49004793d4?OpenDocument

20.TRP 14/04/2015 (Francisco Matos), p. 1968/14.5T2AGD.P1


Sumário:
I- “A norma do nº4 do artº 9º do D.L. nº 287/93, de 20/8, que atribui força executiva, sem
necessidade de outras formalidades, aos documentos que, titulando ato ou contrato
realizado pela B…, prevejam a existência de uma obrigação de que a B… seja credora e
estejam assinados pelo devedor é uma norma especial que não se
mostra inequivocamente revogada designadamente pela Lei nº 41/2013, de 26/7, que
aprovou o NCPC.
II- O contrato de subscrição e utilização de crédito Caixa Gold, assinado pela executada e
que preveja a existência de uma obrigação de que a B… seja credora, constitui título
executivo e, como tal, é suscetível de servir de base à execução nos termos da alínea d)
do nº1, do artº 703º, do CPC vigente.”

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/faf3ff4dcda6415880257e67005444b9?OpenDocument

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Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto

21.TRP 28/04/2015 (Maria de Jesus Pereira), p. 3864/14.7TBMTS.P1


Sumário:
“Não é inconstitucional o entendimento de que os documentos particulares exequíveis
antes da vigência do NCPC perderam essa característica face ao novo código.”

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/0acedce87691b7f880257e6700496a78?OpenDocument

22.TRP 11/05/2015 (Caimoto Jácome), p. 4537/12.0T2AGD.P1


Sumário:
I- “A lei processual estabelece uma cominação semi-plena e não um efeito cominatório
pleno, pois que na parte final do nº 2, do artº 567º, do CPC, estatui-se que “(…) e em
seguida é proferida sentença, julgando a causa conforme for de direito”.
II- Quer dizer, considerarem-se os factos alegados pelo autor como confessados não
determina que o desfecho da lide seja, necessariamente, aquele que o demandante
pretende, na medida em que o juiz deve, depois, julgar a causa aplicando o direito aos
factos admitidos (efeito cominatório semi-pleno da revelia operante).”

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/c32ec0bdfab8a6d880257e4a0032c288?OpenDocument

23.TRP 12/05/2015 (Henrique Araújo), p. 7724/10.2TBMTS-B.P1


Sumário:
“O rol de testemunhas pode ser aditado ou alterado até 20 dias antes da data em que se
realize a audiência final sendo a data a considerar a que designa dia para julgamento,
independentemente de este se realizar ou não e de terem sido agendadas mais sessões em
função do volume de prova a produzir.”

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/d4cb8703ff56ff4f80257e8200568413?OpenDocument

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Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto

24.TRP 01/06/2015 (Alberto Ruço), p. 1327/11.1TBAMT-B.P1


Sumário:
I- “Nos termos do n.º 2 do artigo 99.º do Código de Processo Civil, o autor, após o trânsito
em julgado da decisão que absolveu o réu da instância, não oferecendo este último
oposição justificada, pode requerer e obter a remessa dos autos ao tribunal em que a
acção deveria ter sido proposta.
II- No actual regime processual a instância inicial não continua no tribunal considerado
competente: extingue-se.
III- A oposição do réu procede se este invocar alguma razão plausível para se opor à
remessa, sem carecer de a especificar em pormenor, desde que mostre não se tratar de
uma oposição arbitrária.
IV- O tribunal que se considerar incompetente não deve apreciar o mérito da pretensão
enunciada pelo réu e que este pretende concretizar no tribunal competente.”

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/70cd5cef7454dcf380257e610045fcc7?OpenDocument

25.TRP 02/07/2015 (Aristides Rodrigues de Almeida), p. 602/14.8TBSTS-B.P1


Sumário:
I- “A suspensão da execução em virtude da dedução de embargos apenas ocorre em três
situações: - independentemente do título executivo: (1) ter sido prestada caução ou (2)
ter sido impugnada nos embargos a exigibilidade ou a liquidação da obrigação
exequenda e desde que se justifique a suspensão sem prestação de caução; sendo o
título executivo um documento particular: (3) ter o executado impugnado a genuinidade
da sua assinatura e apresentado documento que constitua princípio de prova e desde
que se justifique a suspensão sem prestação de caução.
II- Para obter a suspensão da execução sem prestar caução não basta ao embargante
impugnar a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda, sendo ainda
necessário alegar circunstâncias em função das quais se possa concluir que se justifica
excepcionalmente o afastamento da regra de a suspensão depender da prestação de
caução.
III- O critério da justificação é normativo e relaciona-se com a interacção entre as
finalidades da acção executiva e a realidade factual apresentada pelo executado,

614
Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto

pressupondo que se possa concluir que foi alegada uma situação de vida que justifica a
atenuação da pressão sobre o executado das diligências coercivas do processo e a
colocação em risco do princípio da efectividade que norteia o processo executivo.”

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/2c312d1b43e476d580257e8300463370?OpenDocument

26.TRP 08/07/2015 (Carlos Querido), p. 19412/14.6YIPRT-A.P1


Sumário:
I- “A polémica doutrinária e jurisprudencial referente à via processual de realização do
direito de compensação decorreu das particularidades da figura da compensação
traduzidas na seguinte diferença no confronto com as outras exceções de natureza
peremptória: quando o réu invoca factos relativos à prescrição, à caducidade, ao
pagamento, ao perdão ou à dação em cumprimento, tais alegações respeitam
necessariamente à relação jurídica invocada pelo autor, sujeita à apreciação do tribunal;
quando é invocada a compensação de créditos, não se pretende a extinção do direito do
autor por qualquer circunstância inerente ao mesmo ou à relação jurídica invocada na
petição, mas sim com base numa outra relação jurídica entre as partes, a qual pode ser
absolutamente distinta da apresentada pelo autor.
II- Com a redação que conferiu ao art.º 266.º, n.º 2, c) do CPC, o legislador de 2013 tomou
decisivamente posição na referida polémica, revelando-se unívoco o sentido do texto
legal: sempre que o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a
compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o
do autor, deverá exercer o seu direito por via reconvencional.
III- A compensação não opera ipso iure, sendo necessária a manifestação de vontade de um
dos credores-devedores nesse sentido, a qual só produz efeito se o crédito for exigível
judicialmente e não proceder contra ele exceção, peremptória ou dilatória, de direito
material (artigo 847.º, n.º 1, a) do CC), pelo que o crédito invocado pela ré como
fundamento da pretendida compensação não se torna pacífico pelo mero facto de ter
sido objecto de declaração extrajudicial de compensação.
IV- A prévia declaração extrajudicial (unilateral) de compensação do crédito invocada pela
ré não permite subtrair o consequente pedido de compensação ao regime previsto no
art.º 266.º, n.º 2, c) do CPC (que não prevê qualquer exceção) devendo tal pretensão ser

615
Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto

formulada por via reconvencional.


V- Os argumentos que estiveram na génese da consagração legal do princípio da preclusão
reportam-se à relação jurídica trazida a debate aos autos pelo autor na petição, da qual
emerge a pretensão que formula contra o réu, devendo esgotar-se na discussão todos
os argumentos fatuais e jurídicos referentes a essa relação, já que a futura autoridade
(ou efeito positivo) do caso julgado não pode ser posta em causa com a invocação de
fundamentos omitidos pelas partes no processo onde foi proferida a decisão transitada
que as passou a vincular.
VI- Não se revela equacionável a possibilidade de preclusão do direito de compensação,
considerando que o mesmo se suporta numa relação jurídica diversa e autónoma da que
é trazida a debate nos autos pelo autor.
VII- Fundando-se a pretensão de compensação da ré em relações jurídicas distintas daquela
que a autora invoca na petição (defeitos noutras obras, que a autora alegadamente se
recusou a eliminar), não se concebe como possa a não invocação de tais defeitos que
não dizem diretamente respeito ao objecto do processo, ou a sua invocação
formalmente incorreta que levou o tribunal a não admitir o articulado, inviabilizar a sua
futura invocação noutra ação (que venha a intentar para realizar o seu direito que não
foi objecto de qualquer discussão ou decisão de mérito).”

Texto integral
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf
/769ba8ae46f3bd3380257e8400558af6?OpenDocument

616
Título: Caderno V – O Novo Processo Civil –
Textos e Jurisprudência (Jornadas de Processo
Civil–janeiro 2014 e Jurisprudência dos
Tribunais Superiores sobre o novo CPC)
Ano de Publicação: 2015
ISBN: 978-972-9122-44-6 (Obra completa)
ISBN: 978-989-8815-09-5 (Vol. V)
Série: Caderno especial – Novo Processo Civil
Edição: Centro de Estudos Judiciários
Largo do Limoeiro
1149-048 Lisboa
cej@mail.cej.mj.pt

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