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A COOPERAÇÃO NO PROCESSO CIVIL PORTUGUÊS:

Do Princípio ao Suposto Novo Modelo Processual

VIVIANNE DA MATTA CARVALHO


NÚMERO DE ALUNO: 62037

Lisboa, Agosto de 2021


A COOPERAÇÃO NO PROCESSO CIVIL PORTUGUÊS:

Do Princípio ao Suposto Novo Modelo Processual

VIVIANNE DA MATTA CARVALHO


NÚMERO DE ALUNO: 62037

Relatório apresentado na Disciplina de Direito Processual


Civil do Curso de Mestrado em Direito e Ciência Jurídica,
com menção em Direito Civil, sob a regência do Professor
Doutor José Luís Bonifácio Ramos.

Lisboa, Agosto de 2021


RESUMO

A cooperação é um tema que, apesar de antigo, vem ganhando maior destaque na atualidade,
constituindo um dos temas mais debatidos dentro do estudo do processo civil contemporâneo.
O presente trabalho propõe uma reflexão a respeito da cooperação, sobretudo na ordem jurídica
portuguesa, definindo bem as suas duas acepções, normativa e de estruturação do processo
jurisdicional, a fim de investigar a identificação de cada uma delas no processo civil português.
O relatório teve por objetivo averiguar, em um primeiro momento, a positivação do princípio
da Cooperação no Código de Processo Civil Português e as suas implicações para os agentes
processuais e, na sequência, avaliar se o referido princípio teria força, dentro do ordenamento,
para fazer surgir um novo modelo de processo civil. Revelou-se crucial, durante o estudo,
perquirir sobre os possíveis riscos que a cooperação, em cada uma de suas perspectivas, pode
trazer para o processo. Para tanto, o método de pesquisa baseou-se na revisão bibliográfica
sobre o tema e no estudo das legislações pertinentes. Foi possível concluir que, no momento, o
princípio da cooperação, previsto na legislação portuguesa, não tem e nem deve ter o condão
de implementar um novo paradigma processual. Isto porque, as normas concretizadoras do
princípio possuem previsões abertas, que, apesar de não instituírem uma atividade autoritária
dos julgares, possibilitam que ela aconteça. Portanto, ainda que se reconheça os benefícios que
o ideal cooperativo pode trazer ao processo civil, imperioso também admitir que o processo,
como atualmente se encontra delimitado em lei, não possui estruturas para a assunção desse
novo sistema processual, sob o risco de, caso assim não se reconheça, colocarmos em risco a
observância dos princípios basilares do processo.

Palavras-chaves: Processo Civil; Princípio da Cooperação; Modelo Cooperativo;


Atuação do Juiz; Ativismo Judicial.
ABSTRACT

Cooperation is a theme that, despite being old, has been gaining more prominence nowadays,
constituting one of the most debated topics within the study of contemporary civil procedure.
The present work proposes a reflection on cooperation, especially in the Portuguese legal
system, defining well its two meanings, normative and structuring of the judicial process, to
investigate the identification of each one of them in the Portuguese civil procedure. The report
aimed at investigating, in a first moment, the positivization of the Cooperation principle in the
Portuguese Civil Procedure Code and its implications for the procedural agents and, in the
sequence, to evaluate if the referred principle would have the strength, within the legal system,
to bring about a new model of civil procedure. It was crucial, during the study, to inquire about
the possible risks that cooperation, in each of its perspectives, may bring to the process. To this
end, the research method was based on a bibliographic review on the theme and the study of
the pertinent legislation. It was possible to conclude that, at the moment, the principle of
cooperation, foreseen in the Portuguese legislation, does not have and should not have the
power to implement a new procedural paradigm. This is because the norms that concretize the
principle have open previsions, which, despite not instituting an authoritarian activity of the
judges, allow it to happen. Therefore, even if the benefits that the cooperative ideal can bring
to the civil procedure are acknowledged, it is also imperative to admit that the process, as it is
currently defined by law, does not have the structures to assume this new procedural system,
under the risk of, if not acknowledged, putting at risk the observance of the basic principles of
the process.
Keywords: Civil Procedure; Principle of Cooperation; Cooperative Model; Judge's
Performance; Judicial Activism.
LISTA DE ABREVIATURAS

AASP Associação dos Advogados de São Paulo


art., arts. Artigo, artigos
cap. Capítulo
CC Código Civil
CF Constituição Federal
Cf. Confira, conforme
cit. Citado, citada, citação
CPC Código de Processo Civil
DL Decreto-Lei
ed. Edição
ex. Exemplo
nº Número
op.cit. obra citada
p., pp. Página, páginas
rev. Revisão
STJ Superior Tribunal de Justiça
trad. Tradução
v. Ver
vol. Volume
ÍNDICE

INTRODUÇÃO.........................................................................................................................1

I – O PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO NA ORDEM JURÍDICA PORTUGUESA.........6

1. A Concretização Do Princípio da Cooperação.................................................................9


1.1. O Dever de Consulta..........................................................................................10
1.2. O Dever de Esclarecimento...............................................................................16
1.3. O Dever de Auxílio.............................................................................................17
1.4. O Dever de Prevenção.......................................................................................18
1.5. O Dever Cooperação para a Descoberta da Verdade.......................................20
2. Uma análise crítica sobre o Princípio da Cooperação e suas implicações no ordenamento
português.......................................................................................................................22
2.1. A Relação entre as Partes: uma atuação conforme a boa-fé .............................23
2.2. A relação das Partes para com o Tribunal............................................................25
2.3. A relação doTribunal para com as Partes: os perigos da postura ativa do juiz..26
3. A eficácia do Princípio da Cooperação.........................................................................32

II- UM ESTUDO SOBRE A COOPERAÇÃO COMO UM NOVO MODELO


PROCESSUAL..................................................................................................... 36
1. O desenvolvimento do Processo e as suas Fases Metodológicas..................................37
2. A Mudança no Protagonismo dos Agentes Processuais: os modelos tradicionais de
organização do processo e a busca por um novo modelo.............................................42
2.1. O Processo na Disposição as Partes.................................................................42
2.2. O Fortalecimento dos Poderes de Atuação do Juiz..........................................43
2.3. O Suposto Fim dos Protagonismos: a proposta do processo cooperativo.......46
2.3.1. O Garantismo Processual......................................................................48

3. O Modelo Cooperativo – o caso Português..................................................................43

III- A COOPERAÇÃO NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO............................55

CONCLUSÃO.........................................................................................................................62

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................................65
INTRODUÇÃO

Cooperar, como é de conhecimento comum, significa, etimologicamente, o ato de


colaborar, ajudar, assessorar e contribuir. O termo “cooperação”, no entanto, vem sendo cada
vez mais incluído nas discussões sobre o direito processual civil, gerando em nós, estudiosos
do direito, a curiosidade e necessidade de investigar, em primeiro lugar, como foi feita a sua
tradução para o âmbito jurídico e, ainda, em compreender as suas origens, fundamentos,
objetivos e abrangência.
Ressalta-se, de antemão, que a cooperação, dentro do processo civil, no entanto, não se
caracteriza como uma novidade. Muito pelo contrário, afinal, o tema já vem fazendo parte da
doutrina processual desde o século passado, tendo se originado no âmbito do direito alemão.
Porém, pode-se dizer que foi de um tempo para cá que a cooperação passou a despertar mais a
atenção dos juristas, causando debates de extrema relevância para o processo civil
contemporâneo.
Para fins de compreensão do fenômeno jurídico, podemos apontar, de forma
introdutória, três momentos históricos de grande relevância para a percepção do porquê e do
como viemos a falar de cooperação no processo civil.1 O primeiro deles é o Código Civil
Napoleônico francês, de 1806, no qual se repercutia a ideia de um processo totalmente
dominado pela iniciativa das partes. Tendo por consequência, a figura de um juiz árbitro, que,
frente a um conflito, competia apenas julgar, levando em conta as alegações e provas
apresentadas pelas partes.
Com uma ideologia contrária, surge o segundo marco histórico digno de ressalva o
Código de Processo Civil austríaco, do final do século XIX, que teve como grande precursor o
jurista Franz Klein. Tal diploma inspirou a promulgação do Código de Processo Civil alemão
de 1877, a partir do qual passou-se a pregar a visão do processo como uma comunidade de
trabalho (Arbeitsgemeinschaft), implicando, assim, responsabilidade a todos os participantes
do processo sobre os resultados que são nele obtidos. Sob essa ótica, o juiz começou a possuir
deveres, ao longo do processo, a fim de assegurar e permitir um exame efetivo sobre as
alegações das partes. Com isso, observou-se um aumento dos poderes do juiz e uma restrição
da autonomia das partes. 2

1
Os referidos momentos históricos que são aqui apresentados têm por referência a doutrina do professor brasileiro
Daniel Mitiediero, que elenca esses três marcos, como fundamentais para o entendimento da cooperação no
processo civil, como um todo. Para mais desenvolvimentos do autor, ver MITIDIERO, Daniel; Colaboração no
processo civil: pressupostos sociais, lógicos e éticos, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
2
Cf. BENEDUTI, Renato; Introdução ao Processo Civil Alemão, 2ª ed. (rev., ampl. e atual.), Salvador: Editora
Juspodivm,2018, pp. 21-34.
1
Esses modelos processuais totalmente opostos, seguiram, então, paralelamente,
avançando e evoluindo ao longo do tempo, resultando, muitas vezes, na fusão das duas
ideologias em alguns ordenamentos. Com essas mutações, começou-se a considerar que o
modelo ideal de processo seria aquele que representasse uma harmonia entre aqueles dois
expostos. Ou, em outras palavras, aquele modelo que melhor encontrasse um equilíbrio entre a
atuação do juiz e das partes, gerando uma ideia de cooperação entre os envolvidos no processo.3
Em 1997, então, surge o primeiro Código de Processo Civil inglês, o qual é apontado
como ponto inicial de uma nova fase no processo civil, uma vez que, apesar do característico
modelo processual tipicamente adversarial da Inglaterra, nota-se uma certa abertura do Diploma
às ideias da cooperação.
Essa nova fase, portanto, é marcada justamente por essa tentativa de se encontrar um
meio termo entre um juiz diretor do processo, que, na medida do possível, auxilia as partes e
evita que o processo termine sem a análise do mérito, apenas por questões meramente formais,
mas que, também, mantem a devida equidistância do conflito, a fim de não se tornar um
“terceiro” advogado na demanda.4
Tendo em conta esse panorama histórico, o conceito de cooperação processual passou a
ser sistematizado de duas formas, a depender do ordenamento em que se insere, ganhando,
assim, duas acepções jurídicas distintas. Pode-se afirmar que a cooperação processual é o
gênero, do qual são espécies o princípio da cooperação processual (perspectiva normativa) e o
modelo cooperativo de processo (perspectiva de estruturação do processo jurisdicional).
Tal dicotomia revela-se de suma importância no estudo da cooperação, uma vez que os
termos são comumente confundidos, em razão, principalmente, da criação de uma ilusória ideia
de universalidade da cooperação. No entanto, a maior prova do tamanho equívoco de tal ideal
é a Alemanha, que, curiosamente, apesar de ser o berço da ideologia cooperativista, não
considera a cooperação, sequer como um princípio jurídico no seu ordenamento jurídico
interno.5

3
Cf. intervenção feita pelo professor Daniel Mitidiero, intitulada Colaboração no Processo Civil, na “IV Semana
Jurídica – Reconstruindo Saberes: Um novo olhar sobre o direito e sociedade”, da Faculdade Serra da Mesa, em
Goiás/BR, na data de 19 de Outubro de 2020.
4
Cf. MITIDIERO, D., Colaboração no processo civil..., op.cit., pp. 80 e ss.
5
Não obstante, ressalta-se que tem surgido, na Alemanha, uma doutrina contrária ao não reconhecimento da
cooperação como princípio jurídico. Reinhard Greger, por exemplo, professor e juiz na Alemanha, já se manifestou
no sentido de que “(...) o processo civil alemão ameaça entrar em isolamento internacional, se ele não se abrir mais
fortemente para o ideal cooperativo. A Inglaterra, até hoje aprisionada ao tradicional sistema adversarial (adversary
sistem), com o juiz passivamente entronado acima das partes rivais, acaba de passar por nós no caminho da
modernidade processual, na Part 1 do novo Civil Procedure Rules de 1998, em que está estabelecido, como mais
alto princípio, que o juiz e as partes devem colaborar para que se alcance o objetivo de um processo justo, correto
e econômico. A tarefa do juiz é, agora, ‘active case management’ – isso significa, por exemplo, nos processos
2
Assim, como se disse, a cooperação deve ser analisada, pelo menos por enquanto, dentro
de cada ordenamento jurídico, tendo-se sempre em mente que as duas acepções mencionada
são independentes uma da outra, podendo haver situações em que o princípio se faz reconhecido
em uma realidade jurídica, mas a existência de um modelo propriamente cooperativo não se
encontra devidamente defendida.
Isso acontece, de forma en passant, pois a análise pormenorizada das duas acepções da
cooperação constitui objeto de pesquisa no presente estudo, porque, falar em princípio da
cooperação, significa difundir a ideia de trabalho conjunto daqueles envolvidos no processo
(partes e juiz), dentro dos seus limites. Trata-se, portanto, de u princípio que pode estar presente
em modelos de processo adversariais ou, ainda, inquisitoriais.
Em contrapartida, quando entramos no campo da cooperação como modelo processual,
ela aparece como garantidora da participação equilibrada de todos os sujeitos do processo, sem
qualquer protagonismo. Dessa forma, o juiz passa a assumir uma posição mais ativa e
participativa no processo, abandonando aquela posição tradicional de mero aplicador da lei. 6
Além, de passar a só estar em posto assimétrico em relação às partes, quando da imposição da
decisão.7 Ou seja, como modelo, a cooperação implica em uma divisão equilibrada do trabalho
entre todos os participantes do processo, no arco procedimental do processo.
Tendo tudo isso em conta, pretende-se com o presente trabalho uma análise da
cooperação no processo civil, em especial no ordenamento português e, ainda, de forma menos
aprofundada, brasileiro. O estudo se baseará na cooperação tanto como princípio, quanto como
modelo processual.
Na verdade, objetiva-se a compreensão da visão de cada um dos ordenamentos citados
a respeito da cooperação, o exame das disposições legais relevantes e o estudo da doutrina pátria
sobre o tema. Tudo isso, para possibilitar um aprofundamento na análise da temática dos
poderes do juiz e as suas respectivas limitações.
Por meio do presente trabalho, procurar-se-á, em primeiro lugar, investigar a positivação
do princípio da cooperação no ordenamento português e os consequentes impasses da eficácia
e eficiência do dever da cooperação no direito processual lusitano. Em um segundo momento,

mais importantes ter uma case management conferece, na qual são discutidos com as partes o curso do processo,
as questões a serem esclarecidas sobre os fatos, sobre o direito, sobre as despesas e as possibilidades de um ajuste
alternativo do conflito.” Cf. GREGER, Reinhard; Cooperação como Princípio Processual. Traduzido por Ronaldo
Kochem, in Revista de Processo, Ano 37. v. 206, pp. 123-134, São Paulo, abr. 2012.
6
Cf. FREITAS, José Lebre; Introdução ao Processo Civil: Conceitos e princípios Gerais à luz do novo Código,
4ª ed, Coimbra: Gestlegal, 2017, p. 41.
7
Cf. DIDIER JR, Fredie; Fundamentos do Princípio da Cooperação no Direito Processual Civil Português,
Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p. 48.
3
procurar-se-á averiguar sobre o atual modelo processual português, refletindo sobre o processo
civil pátrio, como um todo, na tentativa de desvendar se poderíamos afirmar que estamos, em
Portugal, diante de um modelo cooperativo de processo.
Para tanto, dividiremos o trabalho em três partes, sendo que na primeira delas nos
dedicaremos ao estudo da cooperação como princípio processual. Pretende-se, nesse momento
inicial do trabalho, entender, em primeiro lugar, as origens normativas da cooperação no
ordenamento português e analisar a atual previsão do princípio do Código de Processo Civil.
Após um exame da norma do art. 7º, nº1 do CPC, na qual o princípio se encontra
expresso, partir-se-á para o reconhecimento das normas concretizadoras do princípio, por meio
de uma reflexão cuidadosa a respeito de cada poder-dever imposto pela colaboração no
processo.
Ainda no primeiro capítulo, concluir-se-á quais as verdadeiras implicações do princípio
da cooperação para cada um dos sujeitos processuais, nas suas mais diversas relações
processuais. Visa-se, nesse ponto, entender até que ponto as partes e o juiz têm as suas
condutadas influenciadas ou condicionadas pelo princípio. O que se pretende aqui é responder
perguntas como: existe um dever de cooperação entre as partes? Até que ponto elas devem
cooperar? Qual a relação dos poderes oriundos da cooperação com a posição assumida pelo juiz
no processo? Há algum limite imposto sobre a atuação do juiz? O juiz, tendo em conta tais
deveres, consegue manter a sua imparcialidade?
Para finalizar, averiguar-se-á a eficácia do princípio do ordenamento, avaliando as
diferentes opiniões doutrinárias sobre o tema e os riscos do reconhecimento de uma possível
eficácia direta dele.
A segunda parte do trabalho, por outro lado, será reservado ao estudo da cooperação
como modelo processual. Primeiramente, a fim de avaliar a assunção, ou não, de um novo
sistema processual, tornar-se-á necessária uma breve análise histórica da evolução do processo,
passando pelas suas diferentes fases metodológicas.
A partir daí, delimitadas as diferentes visões do processo nos mais variados momentos
históricos, pela influência dos diferentes contextos sociais, verificar-se-á os modelos
tradicionais de processo, elencando-se os seus traços principais.
Na sequência, o foco será passado para o modelo cooperativo, a fim de descobrir os seus
ideais, os seus propósitos e, especialmente, as mudanças propostas por esse suposto novo
sistema processual, no que tange à atuação dos sujeitos processuais.

4
Por fim, se tentará aplicar o referido modelo à realidade exposta pelo ordenamento
jurídico português, no intuito de identificarmos o surgimento, ou não, do referido modelo na
ordem portuguesa. Será preciso examinar se o princípio, como posto no Código de Processo
Civil português atual, foi capaz de modificar a estrutura do arco procedimental, rompendo,
assim, de fato, com o antigo paradigma processual.
Em último lugar, o foco do trabalho se voltará para o enfrentamento da cooperação pela
doutrina brasileira. Sem pretensão de adentrarmos em minúcias do tema, buscar-se-á apresentar
um estado atual da doutrina, com a finalidade principal de avaliar se a aplicação legal e a
interpretação doutrinária da cooperação no Brasil são semelhantes àquelas observadas na ordem
jurídica portuguesa, tendo em conta a inspiração do legislador brasileiro no CPC lusitano.

5
I- O PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO NA ORDEM JURÍDICA PORTUGUESA

O princípio da Cooperação, em Portugal, começou a ser mencionado pelo legislador


ainda em 1993, quando uma comissão, nomeada pelo Ministro da Justiça, elaborou um conjunto
de orientações para a modernização do processo civil português, a qual veio a ser publicada em
um impresso intitulado “Linhas Orientadoras da Reforma do Processo Civil”. No texto, são
postos em destaque os princípios gerais do processo civil que careciam de aprofundamento, e,
já nesse documento, deu-se especial relevância ao princípio da cooperação, que foi tido como
“uma referência essencial no modelo preconizado”.8 Neste documento, ainda, já se definia o
objetivo do princípio da cooperação de proporcionar o amplo e aberto debate entre o
magistrado, os mandatários das partes e as próprias partes, a fim de eliminar, o quanto antes e
sempre que possível, as irregularidades e insuficiências prejudiciais ao legítimo andamento do
processo.
Foi com as reformas de 1995 e 1996, no entanto, que o princípio da cooperação foi
verdadeiramente integrado ao quadro normativo português.9 O princípio passou a ser
expressamente previsto no nº1 do art. 266º, do Código de Processo Civil, que dispunha que “na
condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as
próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa
composição do litígio”.
Ademais, no preâmbulo do Decreto-Lei 329-A/1995, responsável pela revisão do
Código, o princípio foi consagrado como princípio angular e exponencial do processo civil.
Além de se ter determinado a garantia da primazia do fundo sobre a forma, por meio de um
poder mais interventor do juiz, que, por sua vez, deveria ser compensado pela aplicação do
princípio da cooperação, através de uma participação mais ativa das partes no processo.
Sequencialmente, com a Lei 41/2013, um novo Código de Processo Civil português foi
aprovado. Sobre o Código, tem-se que, apesar dessa nomenclatura de “novo”, as alterações
observadas em seu corpo não foram tão consideráveis, o que, sem dúvidas, foi motivo de
bastante crítica pela doutrina portuguesa. Ainda assim, conforme a exposição de motivos do

8
Cf. MENDES, Armindo Ribeiro; As sucessivas reformas do Processo Civil Português, in “Julgar”, nº 16, pp. 79-
97, 2012, p. 82.
9
Diferentemente, se posiciona Correia de Mendonça, ao defender que a integração do princípio já ocorreu no
Código de 1939, com base no art. 265, que foi inserido no diploma na revisão ministerial. Afirma o autor que, ao
dever de probidade das partes, previsto no dispositivo mencionado, foi contraposto um dever de colaboração, que,
a seu turno, se desdobra em dois subdeveres, quais sejam, o dever de comparecimento e de esclarecimentos. Cf.
MENDONÇA, Correia de; A Cooperação Processual Civil entre um novo modelo e a sombra do inquisitório, in
“O Direito”, nº1, pp. 9-53, 2019, pp. 30 e seguintes.
6
Diploma, a sua aprovação teve como principal propósito a redução das formas de processo e a
simplificação do regime, garantindo eficácia e celeridade ao processo. Para isso, ainda
conforme a exposição de motivos, a aposta do legislador foi na desformalização de
procedimentos, com a valorização da oralidade processual e da limitação das questões
processuais relevantes, a fim de tornar o processo mais eficaz e compreensível pelas partes.10
Pelo que se nota, os objetivos do Código de 2013 podem muito bem ser resumidos em
dois: a agilização e a simplificação do processo.11 E, curiosamente, para alcançar tais objetivos,
uma das inovações vislumbradas no Diploma foi o reforço dos poderes-deveres da direção
formal do processo, conferidos ao órgão jurisdicional.
Conforme o art. 6º, nº1, do CPC, cumpre ao juiz, não obstante o ônus de impulso
imposto, especial e legalmente, às partes, dirigir o processo de forma ativa. O magistrado,
ademais, deve prezar pelo andamento célere do processo, realizando oficiosamente as
diligências necessárias para o destrinchar da lide, recusando aquilo que for impertinente ou
meramente protelatório e, ainda, após ouvidas as partes, utilizando-se de mecanismos de
simplificação e agilização processuais, capazes de garantir a justa composição do litígio em
prazo razoável.
O princípio da cooperação, por sua vez, aparece previsto no art. 7º do Código, em
especial no nº1 do dispositivo. Muito embora o texto previsto não passe de uma réplica, integral
e sem quaisquer modificações, daquilo que estampado no art. 266º, nº1, do CPC anterior,
previamente transcrito, cumpre dissertar algumas considerações a respeito da norma.
Importante, em primeiro lugar, ressaltar a abstração do enunciado constante do artigo,
revelando, de início, um dever genérico de cooperação. No entanto, a interpretação da norma
deve ser feita levando em consideração o todo sistemático do Código, sob o risco de considerar
que tal previsão caracterize-se como uma cláusula geral, o que permitiria uma ampla
concretização do princípio.12
Como se sabe, cláusula geral é aquela espécie de texto normativo, cujo antecedente, ou
seja, a hipótese fática, é composto por termos vagos e o seu consequente, ou melhor, o seu

10
Cf. a exposição de motivos do Código de Processo Civil vigente, sendo possível consultá-lo em MESQUITA,
Miguel. Código de Processo Civil, 1ª ed., Coimbra: Almedina, 2019.
11
Nesse sentido, PEREIRA, Fernando Silva; Princípio da Cooperação e Dever Jurídico da Colaboração
Probatória: uma análise à luz do no Código de Processo Civil, in “Revista da Faculdade de Direito da
Universidade do Porto”, Ano X, pp. 111-131, 2013, pp. 113/114.
12
Cf. GALINDO, Maíra Coelho Torres; Princípio da Cooperação: dever de consulta e a proibição das decisões-
surpresa, (Dissertação de Mestrado), Coimbra: Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2014, p. 48.
7
efeito jurídico, também é indeterminado.13 Dessa forma, a cláusula geral contém um enunciado
intencionalmente aberto e fluido, constituindo uma ampla extensão do seu campo semântico,
dando ao juiz a possibilidade de, mediante o caso concreto, desenvolva normas jurídicas, por
meio de elementos cuja concretização pode estar fora do ordenamento jurídico.14
Acontece que, não obstante a ausência de limitação, por parte do legislador, daquilo que
se qualificaria como “cooperar”, no nº1 do artigo em estudo, tendo se utilizado de uma
anunciação vaga, observa-se que o princípio se encontra concretizado em diferentes deveres,
ao longo dos artigos do Código, inclusive nos nºs 2, 3 e 4 do próprio art. 7º, os quais ainda serão
objeto de estudo.
Tal observação, por mais que pareça simplória agora, no início do trabalho, revelam
uma enorme importância, como ainda será abordado, tendo em conta a estrita ligação do
princípio da cooperação com a atuação e os poderes do juiz dentro do processo. Isto porque,
em resumo, caso entendêssemos o art. 7º, nº1, do CPC como uma cláusula geral, iríamos
reconhecer ao magistrado a possiblidade de, em nome da cooperação processual, satisfazer as
suas vontades ao longo do trâmite processual, independentemente da situação exposta na lide.
No entanto, trataremos da temática com maior aprofundamento ao longo do trabalho.
Ademais, importante também salientar a respeito do artigo supra a submissão de todos
os sujeitos participantes do processo ao dever de cooperação. Diante disso, o que nos resta saber
é se tal colaboração é, de fato, cumprida por todas elas, além de investigar se os deveres de
cooperação foram distribuídos entre os participantes, de forma equilibrada, inclusive no que diz
respeito ao caso de descumprimento dos mesmos e suas penalidades.
Outrossim, necessário fazer uma breve reflexão sobre a parte final do enunciado,
nomeadamente a respeito da expressão “com brevidade e eficácia”. O que se vê, aqui, é a clara
influência do dever da celeridade processual, que, vem, cada vez mais, sendo elevado a um
grande pilar do processo civil. Sobre o tema, o nosso intuito, neste momento, é apenas de, à
grosso modo, chamarmos atenção para os riscos que isso pode representar para a garantia de
um processo equânime.
Antes de mais nada, é preciso afirmar que, inquestionavelmente, uma justiça
efetivamente justa não existe, sem que também se tenha uma decisão célere.15 No entanto, é

13
Cf. DIDIER JR, Fredie; Fundamentos do Princípio..., op.cit.,p. 56.Para mais desenvolvimento sobre a teática
das cláusulas gerais, V. MARTINS-COSTA, Judith; A boa fé no direito privado: sistema e tópica no processo
obrigacional, São Paulo, RT, 1999.
14
Ibidem, p. 57.
15
Ainda assim, temos que concordar com o professor Fernando Silva Pereira, no sentido de que mais vale uma
decisão justa, apesar de lenta, do que uma rápida, porém injusta, sem qualquer motivação e embasamento jurídico
8
imprescindível que a busca pela celeridade das decisões não seja confundida ou, ainda pior,
seja utilizada como argumento para a elaboração de decisões à pressa.
A nossa preocupação em tratar dessa questão envolvendo a celeridade processual, por
mais que seja uma temática recorrente na doutrina, justifica-se pelo cuidado que julgamos ser
necessário na interpretação das normas do CPC, tanto de forma específica, quanto sistemática.
Isto, primordialmente, em razão da ênfase que foi dada ao poder de direção formal do processo
por parte do juiz no Código, em face do propósito de agilizar e simplificar o processo, como
anteriormente tratado.16
É preciso, portanto, cautela na ponderação dos diferentes princípios, tendo em conta as
sérias consequências de uma descomedida sobrevalorização da celeridade processual em face
de outros direitos fundamentais. Ressalta-se que, com a bandeira da celeridade, não se está e
tampouco pode-se estar a defender a realização da justiça a todo custo. O que se pretende com
ela é que o magistrado, dentro do possível, respeitando todas as normas processuais e garantindo
todos os direitos fundamentais, preze, também, pela agilização dos atos processuais.
Feitas essas considerações, passemos ao estudo das típicas manifestações do princípio
da cooperação, que se encontram espalhadas pelo CPC português e que correspondem aos
deveres específicos por ele gerados.

1. A Concretização do Princípio da Cooperação

O princípio da cooperação passa a ser instrumentalizado, no Código de Processo Civil


português, a partir de cinco grandes deveres impostos aos sujeitos processuais, quais sejam, o
dever de consulta, o dever de esclarecimento, o dever de auxílio, o dever de prevenção e o dever
de cooperação para a descoberta da verdade.
Importante ressaltar que não há na doutrina uma definição pacífica das espécies de
deveres de cooperação. Alguns, pautados nos estudos da boa-fé, dividem os deveres em
esclarecimento, lealdade e proteção.17 Outros, constituindo a maioria da doutrina portuguesa,
numa visão além da contratual, especificam os deveres em dever de consulta, esclarecimento,

e, ainda, em desrespeito aos pilares processuais fundamentais. Cf. PEREIRA, F. S.; Princípio da Cooperação...,
op.cit., p.p 114/115.
16
Sobre o tema, ressaltamos que, na exposição de motivos do Código, o reforço do poder de direção do processo
é anunciado juntamente com o reforço do princípio do inquisitório, sendo, inclusive, dados alguns exemplos de
atuação do juiz tidas como devidas, quais sejam: a eliminação das faculdades dilatórias, o ativo suprimento da
generalidade da falta de pressupostos processuais, a instrução da causa e a efetiva e ativa direção da audiência.
17
Por exemplo, CORDEIRO, António Manuel da Rocha Menezes. Da boa fé no Direito Civil, Coimbra: Almedina,
2017, pp. 604 e ss.; VASCONCELOS, Pedro Pais. Contratos atípicos, Coimbra: Almedina, 1995, p. 405.
9
prevenção e auxílio, em consonância com os ensinamentos de Miguel Teixeira de Sousa.18
Existem, ainda, divisões de deveres de autores pontuais, como Luís Correia de Mendonça, que
acrescenta aos deveres anteriormente citados, o dever de inquisitoriedade.
Passemos, então, à análise de cada um deles, em separado, partindo da identificação das
suas normas definidoras e, em sequência, tecendo algumas considerações críticas a respeito das
respectivas disposições.

1.1. O dever de consulta

O dever de consulta consiste em uma garantia das partes de que, antes da prolação de
qualquer decisão, seja com base em questões de fato ou de direito, elas serão intimadas para se
manifestarem, ainda que tal questão possa ser reconhecida de ofício. O referido dever encontra-
se estabelecido no art. 3º, nº 3, do CPC.
Observa-se, da leitura do mencionado dispositivo, que nele se concretiza não somente o
princípio da cooperação, mas também o do contraditório, com o principal escopo de evitar as
chamadas “decisões-surpresa” e permitir que as partes influenciem na solução da
controvérsia.19 O dever de consulta, portanto, revela-se como um ponto de interseção entre esses
dois princípios, o da cooperação e o do contraditório.
Ressalta-se que, o contraditório, cada vez mais, vem ganhando no processo civil uma
conotação mais ampla e dinâmica, ultrapassando a simples concepção de que as partes devem
ser escutadas em juízo e evidenciando a necessidade de que as suas considerações sejam, de
fato, ouvidas pelo juiz, de maneira a influenciar, efetivamente, na produção da decisão final.20
Justifica-se, assim, a proibição da prolação de decisões-surpresas, que são aquelas
baseadas em fatos ou argumentos que não foram objeto de debate anterior ou, ainda, que não
foram sequer conhecidos no processo. Em outras palavras, trata-se de uma decisão pautada em
fundamentos, sejam eles de fato ou de direito, desconhecidos ou não debatidos pelos sujeitos
da relação processual, que não o juiz.21

18
Cf. SOUSA, Miguel Teixeira de; Estudos sobre o novo processo civil, 2ª ed, Lisboa: Lex, 1997,pp. 62-67.
19
Cf. DIDIER JR, Fredie; Curso de Direito Processual Civil: Teoria Geral do Processo de Conhecimento, 11ª
ed., vol. I, Salvador: Editora Juspodivm, 2009, p. 52.
20
GALINDO, M. C; op.cit., p. 107.
21
ZUFELATO, Camilo; A dimensão "vedação à decisão-surpresa" do princípio do contraditório na experiência
brasileira e o novo Código de Processo Civil: reflexões voltadas ao direito peruano, in “Revista de la Faculdad
de derecho - Derecho PUCP”, nº 78, pp. 21-42,2017, pp. 23/24.
10
No que diz respeito às matérias sobre as quais deve ser oportunizada a manifestação das
partes, o artigo é claro ao estabelecer que se incluem tanto as matérias de fato, quanto as de
direito.
Incluiu-se, ainda, de forma inovadora, até mesmo as questões cognoscíveis de ofício.
O objetivo da norma, pelo que se nota, é além de garantir o contraditório, também impor limites
à atuação do juiz. Demonstra-se, pela leitura do artigo, uma tentativa de controle sobre os
poderes do órgão jurisdicional, equilibrando-os ao poder de influência das partes sobre a
decisão.
Sobre a vedação à decisão-surpresa, mesmo em matéria passível de conhecimento de
ofício pelo juiz, o professor brasileiro Camilo Zufelato faz uma interessante ponderação, que
merece a nossa transcrição:

“...é importante deixar claro que conhecer de ofício não é o mesmo que julgar de
ofício, ou julgar sem prévio contraditório. O fato de haver, no direito processual, um
conjunto de matérias que em função da relevância processual que possuem, autorizam
que o juiz as conheça, independentemente de requerimento das partes —que em
expressão já ultrapassada eram também chamadas matérias de ordem pública—, tais
matérias permitem somente que o juiz levante a discussão sobre essa questão, para
estimular o debate entre as partes para o julgamento. Conhecer de ofício sim, mas
julgar sem o prévio contraditório não.22

Não obstante, em estudo mais aprofundado do dever de consulta, verifica-se uma


possível limitação ao que deve ser considerado como surpresa no processo. Isto porque,
conforme explicita o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no julgamento
da Apelação de Processo nº 1218/14.4T8VCT:

Sendo as partes que conduzem o processo, poderá ser dispensada a exigência da sua
audição, sempre que estas, agindo com a diligência devida, devessem, por sua vez,
ter-se espontaneamente pronunciado sobre determinada questão, por ser razoável, no
plano técnico-jurídico, contar com o conhecimento da mesma ou com determinado
enquadramento ou qualificação jurídica.23

O dispositivo em estudo dá margem para esse tipo de interpretação quando, em detida


análise ao seu texto, nota-se que o legislador fez constar que deve o juiz ouvir as partes antes
de decidir sobre questões e direito ou de fato, “salvo caso de manifesta desnecessidade”.
Observa-se, portanto, que a norma traz uma exceção com texto indeterminado, cabendo à
doutrina e, especialmente, à jurisprudência uma delimitação do que se consubstanciaria como
situações de prescindibilidade da oitiva das partes.

22
ZUFELATO, C, op.cit., p. 31.
23
Cf. PORTUGAL. Tribunal da Relação de Guimarães. Processo de Apelação nº 1218/14.4T8VCT.G1. Relator:
Antonio Barroca Penha. Guimarães, 01 març. 2018.
11
Por isso, não é de se estranhar que encontremos posições divergentes sobre o tema. No
mesmo sentido do acórdão mencionado, alguns defendem a ideia de que determinadas matérias,
por força do princípio da autorresponsabilidade das partes, excluem a necessidade de audição
prévia das partes para a tomada de decisão pelo julgador.24 Encontramos na jurisprudência
manifestações no sentido de que:

A lei, ao referir-se à decisão-surpresa, não quis excluir delas as decisões que


juridicamente são possíveis embora não tenham sido pedidas. O que importa é que os
termos da decisão, rectius os seus fundamentos, estejam ínsitos ou relacionados com
o pedido formulado e se situem dentro do geral e abstratamente permitido pela lei e
que de antemão possa e deva ser conhecido ou perspetivado como sendo possível.25

Dessa forma, apesar de se notar uma tendência à uma observância mais rigorosa da
norma da não-surpresa na jurisprudência atual, observa-se, ainda assim, que o enquadramento
dela acaba por depender da razoabilidade de cada julgador, o que, inevitavelmente, gera
divergências na sua aplicação, possibilitando atuações discricionárias por parte do juiz.
Uma outra questão que pode ser posta sobre o despacho que intima as partes para se
manifestarem, assegurando a não-surpresa delas é a seguinte: o juiz é obrigado a especificar
sobre o que exatamente as partes devem se manifestar, isto é, deve o juiz indicar,
essencialmente, qual a motivação para que aquele despacho da não-surpresa esteja sendo
proferido?
Para que o questionamento fique mais claro, vejamos alguns exemplos. Suponhamos
que o magistrado tenha a intenção de condenar uma das partes em multa por litigância de má-
fé. Conforme é sabido, para tanto, é preciso que, antes, ele intime a parte a que se pretende
sancionar para que se manifeste e apresente os seus argumentos de defesa. A dúvida que resta
é se o juiz deve, ou não, nesse despacho, apontar qual a razão que o está levando a acreditar que
a parte mereça ser eventualmente punida, como por exemplo a prática de atos protelatórios pela
parte, que tenham evitado uma intimação ou provocado o retardamento na realização de uma
perícia.
Ou, ainda, imaginemos que, em sede recursal, a parte suscite uma série de argumentos,
contudo, um deles caracteriza-se como inovação recursal. Nesse cenário, deve o juiz, quando
da intimação da não-surpresa, assinalar qual a matéria que, a seu ver, manifesta-se como

24
Na doutrina, V. BATISTA, J. Pereira. Reforma do Processo Civil: princípios fundamentais, Lisboa: LEX, 1997,
p. 39. Na jurisprudência, a aplicação dessa ideia pode ser vislumbrada nos seguintes julgados:Tribunal da Relação
de Coimbra, Processo nº 572/11.4TBCND.C, Apelação, Relator: José Avelino Gonçalves, 13 de nov. 2012;
Tribunal da Relação de Lisboa, Processo nº 67/00.1DSTB-B.L1-2, Agravo, Relatora: Ondina Carmo Alves, 04 jun.
2009; Tribunal Central Administrativo sul, Processo nº 03514/09, Relator: José Correia, 24 abr. 2011.
25
Cf. Tribunal da Relação de Guimarães, Processo nº 221/17.7T8VNC.G1, Apelação, Relatora: Maria da
Purificação Carvalho, 24 de mai. 2018.
12
novidade no processo? Ou basta que intime genericamente o recorrente para se manifestar sobre
eventual inovação recursa no seu articulado!?
A nosso ver, um despacho demasiadamente generalista pode representar uma ineficácia
do propósito da norma e até mesmo configurar mais um empecilho para a garantia da celeridade
processual. Acreditamos que o magistrado deve ser sempre o mais claro possível em suas
manifestações, devendo, sendo assim, explicar, em qualquer momento processual, a motivação
de seus pronunciamentos.
Até mesmo porque um despacho sem as devidas especificações poderá gerar muito mais
trabalho às partes, por, em muitos casos, acabarem por perder tempo rebatendo teses as quais
não são motivo de dúvida por parte do julgador. Além disso, tais situações, podem, inclusive,
aumentar a possibilidade de eventuais recursos, posteriormente, em razão de uma falha
comunicação entre o tribunal e as partes.
Todavia, em alguns casos, um despacho simples pode ser suficiente, como por exemplo
no caso de suspeita de intempestividade do articulado. Por isso, cabe ao julgador agir
conscientemente e observar em quais situações a ausência de detalhamento pode gerar prejuízo
à parte ou ao deslinde do processo, como um todo. É importante, assim sendo, que o julgador
encontre um equilíbrio nas suas ponderações, sem que atue de forma paternalista e nem detalhe
demasiadamente o despacho a ser proferido, sob o risco de o ato judicial já ser considerado um
pré-julgamento da matéria.
Outro ponto que vale a nossa atenção são as críticas disparadas à regra da não-surpresa,
sob o argumento desta gerar um alongamento desnecessário ao processo, ou melhor, de
ocasionar uma maior morosidade no julgamento da causa.
Bom, de fato, pode haver situações em que a proteção à não-surpresa acaba por
prolongar a vida do processo, como, por exemplo, nos casos em que, em sede de recurso, nota-
se a ausência da intimação da não-surpresa em momento anterior, tornando necessário o retorno
dos autos à primeira instância para nova apreciação. O que ocorre, nesses casos, é o sacrifício
de um princípio fundamental, o da duração razoável do processo, em vista de outro, o do
contraditório.26 Não obstante, não há qualquer motivo nisso que justifique algum repúdio à
norma do art. 3º, nº 3.
Afinal, há de se convir que, na grande maioria dos casos, a causa da morosidade nos
julgamentos relaciona-se com razões alheias ao princípio da não-surpresa, principalmente pela

26
Cf. JAYME, Fernando Gonzaga, MAIA, Renata Christiana Vieira., & VARGAS, Cirilo Augusto; Da decisão-
surpresa no Processo Civil, in “Revista de Informação Legislativa: RIL”, nº 221, vol. 221, pp. 13-36, 2019, p. 27.
13
deficiência dos sistemas dos tribunais e, também, pela indiferença, por parte dos servidores
públicos, ao cumprimento dos prazos devidos.
Ainda assim, ressalta-se uma estratégia interessante que pode ser utilizada nos tribunais,
a fim de conter um possível desdobramento desnecessário pela imposição do princípio da não-
surpresa, que já vem sendo aplicada em alguns tribunais brasileiros. Julga-se que, em caso de
preliminares suscitadas por uma das partes, sem que a outra, pelo simples desenrolar processual,
tenha condições de se manifestar, a matéria apenas imporá a elaboração do despacho da não-
surpresa, se houver chance daquela preliminar ser acolhida pelo julgador. Isto porque, a rejeição
da preliminar não gerará qualquer prejuízo, sendo, assim, desnecessária a manifestação da parte
contrária.
Por fim, uma última questão, um pouco mais específica, merece nossa atenção no que
tange ao dever de consulta, qual seja, a audiência prévia, prevista no art. 591, do CPC, em
especial no que referente à discussão sobre as possibilidades de dispensa da mesma e a forma
como essa dispensa deve ocorrer.
Já na Exposição de Motivos do CPC (Proposta de Lei nº113/XII) defendia-se um grande
investimento na audiência prévia, sendo ela considerada um meio essencial para a concretização
do princípio da cooperação, do contraditório e da oralidade.
Na Proposta, ainda, afirmou-se, como regra, a obrigatoriedade da referida audiência,
além de serem elencados os objetivos da audiência prévia, quais sejam: (i) a tentativa de
conciliação das partes; (ii) o exercício de contraditório, sob o primado da oralidade,
relativamente às matérias a decidir no despacho saneador que as partes não tenham tido a
oportunidade de discutir nos articulados; (iii) o debate oral, destinado a suprir eventuais
insuficiências ou imprecisões na factualidade alegada e que hajam passado o crivo do despacho
pré-saneador; (iv) a prolação de despacho saneador, apreciando exceções dilatórias e
conhecendo imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa; (v) a prolação, após
debate, de despacho destinado a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova”
– (grifo nosso).
Do trecho transcrito, nota-se que, entre as finalidades para as quais a audiência prévia
se destina, duas delas, as quais destacamos, guardam intrínseca relação com o princípio da
cooperação, sendo a primeira (ii) (alínea “b”, do nº1, do art. 591º) uma manifestação do dever
de consulta e a segunda (iii) (alínea “c”, do nº 1, do art. 591º) uma das expressões do dever de
prevenção, que ainda será objeto de debate.

14
Dito isso, verifica-se que, apesar da tamanha relevância da audiência prévia para o
devido desenrolar do processo, o legislador prevê hipóteses de não realização e de dispensa
dela. Conforme dispõe o art. 592º, a audiência prévia não será realizada nas ações em que não
houve contestação, tendo prosseguido em regime de revelia inoperante, bem como nas ações
que devam findar no despacho saneador, em razão da procedência de alguma exceção dilatória,
desde que esta tenha sido debatida nos articulados.
Contudo, são nas hipóteses de dispensa da audiência prévia que moram grandes
problemáticas. Isso porque, de acordo com o art. 593º, o legislador reserva a possibilidade de
dispensa apenas aos seguintes casos, previsto nas alíneas “d”, “e”, e “f” do nº 1, do art. 591º,
sendo elas: i) quando o despacho saneador, a qual se visaria produzir pela audiência, se destine,
exclusivamente, a conhecer exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido
suscitadas pelas partes ou que, em vista aos elementos constantes dos autos, o magistrado deva
apreciar de forma oficiosa ou, ainda, na hipótese do despacho saneador servir apenas para
conhecer imediatamente do mérito da causa, tendo em conta a estado maduro do processo, sem
necessidade de produção de mais provas; ii) nos casos em que apenas se pretenda determinar a
adequação formal, a simplificação ou a agilização processual; iii) e, por fim, quando a audiência
objetivaria somente a identificação do objeto do litígio, a enunciação dos temas da prova e a
decisão das reclamações deduzidas pelas partes.
Observa-se, da leitura atenta aos artigos mencionados, que as hipóteses de previsão da
audiência prévia que se relacionam, de alguma maneira, com o princípio da cooperação
implicariam na obrigatoriedade dela. 27 Ocorre, no entanto, que, em estudo à doutrina e à
jurisprudência28, tem-se observado, por alguns, uma flexibilização desta regra. Estes
argumentam que, em decorrência do poder de gestão processual, o magistrado possui o poder
de simplificação e agilização processual, o que o permite dispensar a audiência prévia, ainda
que em situações diferentes daquelas enunciadas no art. 593º, desde que se trate de casos em

27
FARIA, Paulo Ramos de; LOUREIRO, Ana Luísa. Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2ª ed.
Coimbra: Almedina, 2014, p. 527. Segundo os autores, a “realização da audiência prévia não é obrigatória, mas
também não é facultativa. É a regra. E, como sucede com qualquer regra, carece de ser interpretada, de modo a só
ser seguida quando a actividade prescrita sirva os fins perseguidos pelo legislador”.
28
Veja-se que no julgamento do Processo nº 1386/13.2TBALQ.L1-7, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, pela
relatoria de Cristina Coelho, em 05/05/2015, apesar do resultado do julgamento ter sido da necessidade da
audiência prévia, já se fazia constar que a “convocação da audiência prévia para o fim previsto no art. 591º, nº 1,
al. b) do CPC visa assegurar o respeito pelo princípio do contraditório, e, assim, evitar decisões-surpresa, pelo que
o juiz só poderá dispensar, nestes casos, a audiência prévia, ao abrigo do disposto nos arts. 6º e 547º do CPC, se
aquele conhecimento assentar em questão suficientemente debatida nos articulados” – grifo nosso. Ver, também,
http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/-/7ADE7B6BB8C0D7CE80258271002BBF85, em especial a declaração de voto do 1º
Adjunto, António Moreira.
15
que as questões a serem decididas sejam demasiadamente simples ou que já sejam
compreendidas, de forma pacífica, pela jurisprudência e doutrina.
Nota-se que a admissão dessa tese influenciaria, primordialmente, na decisão das
hipóteses previstas no nº 1, alínea “b’, do art. 591º, que, conforme já mencionado, trata dos
casos em que o juiz tem que apreciar exceções dilatórias ou quando ele se encontre tendencioso
a conhecer, de imediato, do mérito da causa, parcial ou integralmente, visando, portando,
garantir o contraditório e evitar as decisões não-surpresa.
Pois bem. Sobre tal questão, acreditamos, em primeiro lugar, que o legislador foi claro
nas suas disposições, ao anunciar expressamente os casos de dispensa da audiência prévia. Não
obstante, julgamos essencial ponderar que, no caso de acolhimento da teoria retro exposta,
torna-se imprescindível que, antes da efetiva dispensa, as partes sejam convidadas a se
manifestarem a respeito da possibilidade de tal dispensa, bem como que seja concedida às
mesmas a oportunidade de se pronunciarem formalmente sobre aquilo que pretenderiam expor,
de forma oral, em caso de ocorrência da audiência.29 Somente, assim, ressalta-se, se garantiria
o cumprimento do dever de consulta pelo magistrado e, consequentemente, a devida
observância do contraditório, dentro do processo.
Por fim, salienta-se que em caso da não realização da audiência, sem apresentação de
qualquer motivação para tanto, a conduta do julgador constituiria uma nulidade processual.3031

1.2. O Dever de Esclarecimento

O dever de esclarecimento, a seu turno, é recíproco entre as partes e o tribunal e


encontra-se previsto no art. 7º, nºs 2 e 3 do CPC.

29
Nesse mesmo sentido decidiu o Tribunal da Relação de Coimbra, no julgamento do Processo nº
1628/18.8T8CBR-A.C1, de relatoria de Maria Catarina Gonçalves, em 03 de març. De 2020 e o Tribunal da
Relação do Porto, sob relatoria de Aristides Rodrigues de Almeida, no Processo nº 136/16.6T8MAI-A.P1, julgado
em 27/09/2017. Neste último, fez-se constar do sumário do acórdão que “IV - Mesmo que se admita que se as
questões a decidir forem muito simples e a decisão sobre elas for pacífica na jurisprudência e na doutrina, o juiz
poderá, no uso do poder de simplificação e agilização processual e adequação formal, não realizar a audiência
prévia, a decisão de não a realizar deverá ser fundamentada e precedida do convite prévio às partes para se
pronunciarem sobre a possibilidade de o fazer e, querendo, alegarem por escrito o que iriam sustentar oralmente
na audiência se esta tivesse lugar.”. (grifo nosso).
30
Cf., por todos, Ac. RP de 12 de set. de 2019, proc. nº 2470/09.2TBMAI-A.P1, relatora Judite Pires; Ac. RE de
10 de mai. De 2018, proc. nº 2239/15.5T8ENT-A.E1 , relator Mata Ribeiro.
31
Sobre o tema, como bem ressalta Miguel Teixeira de Sousa, “ o acto discricionário é o acto que o tribunal pode
fundadamente deixar de praticar e não o acto que o tribunal pode deixar de realizar sem qualquer justificação”. Cf.
SOUSA, Miguel Teixeira de; Limites da Cooperação do Tribunal: Noção de nulidade Processual – Ac. O STJ de
21.9.2006, Processo anotado, in “Cadernos de Direito Privado”, nº17,pp. 43-52, 2007, p. 52.
16
O primeiro aspecto (nº2) diz respeito à postura do juiz frente às partes, determinando
que o juiz deve convidar as partes a prestarem esclarecimentos sobre matéria de fato ou direito,
sempre que se fizer necessário, dando posterior conhecimento do resultado da diligência ao
outro litigante.
Nesse ponto, o propósito do legislador é que sejam evitadas decisões finais baseadas em
percepções equivocadas ou até mesmo na falta de informações, garantindo que tais decisões
sejam baseadas na verdade apurada no processo. 32 Na prática, assim sendo, tal dever impede
que o juiz indefira um pedido por simples falta de compreensão sobre ele, obrigando-o a
requerer esclarecimentos.33
Sob esse ponto de vista, inclusive, o dever de esclarecimento pode ser relacionado ao
dever de motivação das decisões judiciais, que determina que o juiz deve esclarecer as suas
próprias decisões, de forma clara, às partes.34
Por outro lado, às partes, seus representantes ou mandatários (nº3) é incumbido o dever
de comparecerem sempre que notificadas, prestando os esclarecimentos que lhes forem
solicitados.

1.3. O Dever de Auxílio

Em terceiro lugar, estabelece-se que o tribunal tem o dever de auxiliar as partes na


superação de obstáculos, que representem uma séria dificuldade na obtenção de algum
documento ou informação, que, por sua vez, condicione o eficaz exercício de faculdade ou o
cumprimento de um ônus ou dever processual, conforme o nº4, do art. 7º, do CPC.
Durante a instrução do processo, acreditamos que este dever tem um importante papel,
podendo se revelar bastante útil. Contudo, imperioso que ele seja utilizado de forma calculada
pelos magistrados, a fim de que alguns limites não sejam ultrapassados, colocando em causa o
julgamento imparcial da demanda.
Isto porque, a nosso ver, o juiz deve atuar, como o próprio nome do dever já diz, em
auxílio às partes, mas não em nome delas. Ou seja, os empecilhos devem ser antecipadamente

32
Cf. SOUSA, Miguel Teixeira de; Introdução ao processo civil, 2ªed., Lisboa: Almedina, 2004, p. 57.
33
TAVARES, Patrícia Leite; Alcance e Limites dos Poderes Instrutórios do Juiz no Processo Civil. (Dissertação
de Mestrado). Coimbra: Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2015, p. 21.
34
Em sentido semelhante, posiciona-se o autor brasileiro Fredie Didier, que vai ainda mais fundo e afirma que o
dever de motivar as decisões é mais uma vertente do dever de esclarecimento. Para mais esclarecimentos, V.
DIDIER JR. Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Parte Geral e Processo de Conhecimento, 18ª. ed.,
Salvador: Juspodivm, 2016, p. 129.
17
indicados pela parte interessada, assim como a necessidade de obtenção do documento ou
informação deve ser devidamente justificada por ela.
Imaginar o contrário disso, daria mais abertura para alegações de nulidade processuais,
uma vez que se estaria transferindo um ônus da parte ao magistrado. Além disso, tornar-se-ia
complexa a apuração dos obstáculos que, tendo se deparado o magistrado, demandariam, ou
não, a sua ação. Isto porque, como a lei não elenca, especificamente, as situações nas quais se
tem caracterizada a “dificuldade séria” em obter documento ou informação, caso entenda-se
que a parte não precisa apontá-la, restará ao magistrado, de forma totalmente livre e
discricionária, definir, com base apenas no seu entendimento, os obstáculos que merecem (ou
que não merecem) ser retirados.
Ademais, outra manifestação desse dever pode ser vista no art. 418 do CPC, no qual é
concedido ao juiz o poder de requerer, a pedido da parte ou oficiosamente, informações, como
identificação, residência, profissão e entidade empregadora, que se encontrem na
disponibilidade de serviços administrativos, quando as considerar essenciais ao regular
andamento do processo ou à justa composição da lide.
Sobre este último artigo, é essencial ressaltar a importância do que disposto no nº2 dele,
que trata sobre a questão da divulgação dessas informações. Conforme consta do texto
normativo, a utilização dos dados deve respeitar apenas no que indispensável para a realização
dos fins que determinaram a sua requisição.
Não obstante, conforme os ensinamentos de Lebre de Freitas, o que se pretende com a
obtenção de tais informações é, sobretudo, a realização da citação pessoal do réu, o apuramento
da situação patrimonial de qualquer das partes para a justa composição da demanda ou, ainda,
a efetivação de alguma penhora, sendo tais situações ao domínio do dever de sigilo,
propriamente dito.35

1.4. O Dever de Prevenção

O dever de prevenção, por sua vez, consiste no dever do magistrado de alertar as partes
a respeito de irregularidades e deficiências nas suas postulações, que podem levar ao
perecimento do direito em questão no litígio. Este dever, de cunho assistencial, encontra-se

35
FREITAS, José. Lebre; ALEXANDRE, Isabel; Código de Processo Civil Anotado, 3ªed., vol. II, Coimbra:
Almedina, 2017, p. 230.
18
manifestado nos arts. 590º (nº 2, alínea “b” e nºs 3 e 4), 591º, 639º (nº 3) e 652º (nº1, alínea “a”)
do CPC.
Dentre estes dispositivos, convêm focar nossas atenções no primeiro artigo citado, pelo
seu potencial impacto no deslinde processual, suscitando, assim, maiores controvérsias.36
Pois bem, uma das expressões do dever de prevenção consiste no poder do juiz de, se
necessário, convidar as partes para aperfeiçoarem os seus articulados (art. 590, nº 2, alínea “b”),
no despacho pré-saneador.
Antes de mais nada, é preciso destacar a natureza também de dever do referido poder.
Isto é, o juiz tem, obrigatoriamente, que convidar as partes a aperfeiçoarem os seus articulados,
sempre que os articulados contenham irregularidades, em razão i) da carência de algum
requisito legal ou pela ausência de algum documento essencial ou de que a lei faça depender o
prosseguimento da ação (art. 590, nº3) ou, ii) de uma insuficiência ou imprecisão na exposição
ou concretização da matéria de fato.
Ressalta-se que, não obstante o enquadramento da segunda situação geradora do convite
ao aperfeiçoamento citada dependa da interpretação de um conceito indeterminado
(“insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de fato”), tal margem
valorativa não se confunde com a possibilidade de escolha entre realizar, ou não, o convite ao
aperfeiçoamento, ou seja, não deve ocasionar qualquer discricionariedade.37
Na análise prática desse poder-dever, nesses casos, é necessário manter em mente que a
sua finalidade é a de evitar uma improcedência da ação ou da defesa, em razão de uma simples
insuficiência ou imprecisão da matéria de fato. O que significa dizer que, quando profere o
despacho saneador, com esse objetivo, o juiz não está agindo em seu próprio interesse e
tampouco no interesse de alguma das partes, o que se pretende alcançar, no fundo, é a obtenção
da justa composição do litígio.38
Contudo, também nesse ponto, é fundamental referenciarmos o princípio da
autorresponsabilidade das partes, uma vez que, é preciso relembrar que, com a utilização do

36
Ressalta-se que já foram feitas considerações a respeito do dever de prevenção, quando tratamos do art. 591º,
no capítulo do dever de consulta.
37
Cf. SOUSA, M. T.; Limites da Cooperação..., op.cit., p. 50.
38
Ibidem, p. 50. O autor, de maneira interessante, ressalta, ainda, que a ausência de convite ao aperfeiçoamento
beneficia a desigualdade entre as partes, sendo, sob essa visão, necessário lembrar que, na grande maioria dos
processos, as partes são representadas por mandatários judiciais. Portanto, conforme o autor, “deixar de dirigir o
convite para o aperfeiçoamento de um articulado significa atingir as partes nos seus interesses por actos que foram
praticados pelos respectivos mandatários”. Apesar de reconhecermos a importância da ressalva feita pelo autor,
acreditamos que o tema deve ser analisado com algumas ressalvas. A nosso ver, os mecanismos processuais não
dever ser criados ou interpretados com o intuito de diminuir os impactos de uma má qualificação dos mandatários.
A melhor solução, nesses casos, é, sem dúvidas, a melhor preparação dos profissionais, devendo, também, as partes
se responsabilizarem pela escolha de representação que fizerem.
19
convite ao aperfeiçoamento, o juiz não está autorizado a substituir as partes na introdução dos
fatos essenciais na demanda39, ou melhor, o princípio não comporta “o suprimento, por
iniciativa do juiz, da omissão de articulação de fatos estruturantes da causa”40.
Dessa forma, essencial é uma diferenciação entre a “insuficiência ou imprecisão da
matéria de fato” e a ausência de causa de pedir, de defesa por impugnação ou de defesa por
exceção.41 Tendo em vista que apenas no primeiro caso é que se justifica o convite ao
aperfeiçoamento pelo magistrado, sendo que, nos demais, a parte deve assumir as
consequências da sua ineficiência perante o juízo.
O convite, portanto, não pode ser utilizado com fins de alterar o objeto delimitado pelo
autor em sua petição inicial, nem a fim de ampliar os argumentos postos na contestação.
Conclui-se, portanto, que cabe ao juiz, por meio do seu poder de gestão do processo, utilizar do
seu poder-dever de convite ao aperfeiçoamento de forma consciente, sob pena de subversão do
processo.
Ressalta-se, por fim, que, no caso do convite ao aperfeiçoamento, não há razão para que
o magistrado justifique a ausência do referido convite, tendo em conta que ele não se caracteriza
como um ato que pertence à tramitação normal de uma ação.42 A não ser, é claro, que tenha
restado provado que estavam caracterizadas as circunstâncias que impõe o dever de convite ao
aperfeiçoamento, mas elas não foram observadas, se estará, também, frente a uma nulidade
processual.

1.5. O Dever de Cooperação para a Descoberta da Verdade

Por último, determina o art. 417º, nº1 do CPC que as partes devem colaborar para a
descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspeções
necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados.
Antes da análise do texto do dispositivo, importante mencionar que este dever não é
elencado individualmente no tratamento do princípio da cooperação pela maior parte da
doutrina. Isto acontece, no nosso entender, pelo fato do referido dever tratar-se de um dever
genérico do próprio princípio da cooperação, quase que como uma complementação do art. 7º,
nº1, tendo em conta a forma como ele dialoga com todos os demais deveres cooperativos

39
Cf. FREITAS, J. L.; Introdução ao Processo..., op.cit., p. 168.
40
Nesse sentido, por todos, Ac. da RP de 03 de dez. de 2020, proc. nº 2670/18.4T8PRD.P1, de relatoria de Judite
Pires.
41
Cf. SOUSA, M.T., Limites da Cooperação..., op.cit., p. 50.
42
Ibidem, p. 52.
20
elencados. Ainda assim, acreditamos que ele possui suas particularidades, que se apresentam
fundamentais para o entendimento do papel da cooperação, especificamente no que tange às
condutas das partes em face do tribunal, como comentaremos no próximo capítulo. Por isso,
optamos por tratá-lo de forma específica.
Pois bem, dito isso, essencial, primeiramente, estabelecer a diferença entre este
dispositivo e o nº 2 do art. 7º, mencionado outrora. Bom, pode-se dizer que ambos dizem
respeito a um amplo dever de esclarecimento. Contudo, este último (art. 7º, nº2) diz respeito,
principalmente, ao esclarecimento das alegações, enquanto o primeiro (o dever de cooperação
para a descoberta da verdade) relaciona-se ao esclarecimento dos fatos, nomeadamente no
âmbito probatório do processo.43
Outra questão a ser discutida na comparação entre os dois dispositivos
supramencionados diz respeito da abrangência de cada um deles. Isto porque, as previsões do
art. 417º recaem também sobre terceiros, ao contrário do que acontece no nº2, do art. 7º, que
faz menção apenas às partes, seus mandatários ou representantes judiciais.
Sobre o assunto, Fernando Silva Pereira afirma de forma muito coerente que, por não
fazerem parte da relação jurídica processual, o dever de cooperação probatória de terceiros
caracteriza-se como desdobramento do dever genérico de colaboração com a administração da
justiça, e não mais como uma manifestação de uma forma específica de encarar o
relacionamento entre os sujeitos processuais.44
Além disso, no caso de descumprimento do dever de colaboração para a descoberta da
verdade é prevista multa, cuja aplicação não prejudica a utilização dos meios coercitivos que
forem possíveis, conforme o nº 2 do art. 417º. Com tal disposição, pretende o legislador não
fazer distinção entre os sujeitos descumpridores do dever, no que tange à aplicação da multa. O
que, em outras palavras, significa dizer que, por mais que as partes também estejam sujeitas a
possível condenação por litigância de má-fé, elas podem, assim como os terceiros, serem
penalizadas com a referida multa.45
Imperioso, ainda, destacar que este dever de colaboração das partes para a descoberta
da verdade é independente do ônus da prova, ou seja, todas as partes encontram-se vinculadas
a ele, ainda que não caiba uma delas a prova do fato controvertido.46

43
Cf. FREITAS, J. L.; ALEXANDRE, I.; op.cit., p. 221.
44
Cf. PEREIRA, F.S., op.cit., p. 119.
45
Cf. FREITAS, J. L.; ALEXANDRE, I.; op.cit., p. 222.
46
Cf. SOUSA, M. T.; Introdução ao processo civil..., op.cit., p. 57.
21
A respeito do tema, sabe-se que, entre os fundamentos do dever de cooperação
probatória está, em um primeiro plano, a posição de sujeito interessado que a parte ocupa no
seio da relação processual e sobre a qual recai a teoria do ônus da prova.47 Nesse sentido, cabe
a cada uma das partes envolvidas no processo a prova dos fatos constitutivos do seu direito ou
das exceções por si invocadas.48
Não obstante, é cediço que, por outro lado, as partes possuem o direito à prova49, que,
por si só, torna justificável a afirmação de que o dever de colaboração para a descoberta da
verdade independe do ônus da prova. Isto porque, o direito da parte à prova não pode ser
prejudicado, caso, por exemplo, algum elemento de prova se encontre na disponibilidade
exclusiva do outro litigante, a impedindo, assim, de cumprir com o seu próprio ônus
probatório.50 Por isso, nesse caso, a parte detentora da prova é obrigada a colaborar com a
produção da mesma.
Deduz-se, dessa forma, como bem ensina Fernando Silva Pereira, que, na própria teoria
do ônus da prova é possível verificar um elemento que sustenta a existência de um dever
jurídico probatório, em um plano intersubjetivo, inobstante a possibilidade de o tribunal inverter
o ônus de provar (art. 344º, nº 2, CC).51
Por fim, importante constar que o legislador prevê situações em que a recusa em atuar
em respeito ao dever em estudo é considerada legítima, conforme o nº3, do art. 417º do CPC.
Da leitura das referidas hipóteses, nota-se que o dever encontra dois limites, sendo eles a
observância dos direitos fundamentais (art. 417, nº3, alíneas “a” e “b”)52 e o respeito pelo dever
de sigilo (art. 417, nº3, alínea “c”).53

47
Cf. PEREIRA, F.S.; op.cit., p. 120.
48
Cf. art. 342º do Código Civil, que dispões sobre o ônus da prova.
49
Sobre o tema, por todos, V. TARUFFO, Michele; Il diritto alla prova nel processo civile, in “Rivista di Diritto
Processuale”, Padova, CEDAM, vol. XXXIX, pp. 74-120, 1984.
50
Cf. PEREIRA, F.S., op.cit., p. 121.
51
Ibidem, p. 121.
52
Sobre o assunto, relevante são as discussões a respeito da admissibilidade das provas ilícitas, principalmente
quando a importância da prova se revela maior do que o próprio direito que está sendo preterido. Para maiores
desenvolvimentos sobre o tema, ver Alexandre, I. (1998). Provas ilícitas em processo civil. Coimbra: Almedina;
Oliveira, Sara Ferreira de. (2014) Admissibilidade da prova ilícita em processo civil. (Dissertação de Mestrado).
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Lisboa.
53
Ver se precisa. Qqr coisa, lemos, p. 223
22
2. Uma análise crítica sobre o Princípio da Cooperação e suas implicações no
ordenamento português

Bom, depois de apresentados e estudados os textos normativos relevantes no que


atinente ao Princípio da Cooperação no CPC português, nos resta agora analisar, de forma
prática e crítica, os desdobramentos da inserção desse princípio no sistema jurídico lusitano.
Nesse ponto do trabalho, portanto, iremos procurar explicar como a aplicação do princípio
interfere na atuação de cada dos agentes processuais.
Para tanto, fundamental é que enxerguemos o Princípio da Cooperação por três
diferentes dimensões, sendo elas: a relação “Parte X Parte”, a relação “Parte X Tribunal” e, por
fim, a relação “Tribunal X Partes”.54 Pois, dessa forma, torna-se possível identificar melhor o
papel da cooperação nas variadas relações presentes no campo processual.

2.1. A relação entre as partes: uma atuação conforme a boa-fé

Quando se fala em cooperação entre as partes, é essencial, em primeiro lugar, refutar os


falsos e equivocados argumentos de que o princípio da cooperação propõe uma estruturação
utópica do processo.
Isto porque, ao contrário do que se possa imaginar, o princípio da cooperação não vem
impor às partes que se ajudem mutuamente, de forma a desconsiderar as posições
diametralmente opostas que elas assumem, tampouco o conflito de interesses existente entre
elas.
Afinal, essas características de controvérsia e desavença são inegavelmente inerentes ao
processo, podendo a lei, no máximo, prever instrumentos que visem a redução da intensidade
da disputa, por meio, por exemplo, da determinação de um maior contato e diálogo entre as
partes. 55 Outrossim, a lei não é capaz de anular essa esfera de animosidade.
Justamente por isso, a colaboração resultante do princípio da cooperação, no que
concerne às partes, implica, na verdade, um dever de lealdade processual, isto é, na imposição
de uma atuação conforme à boa-fé, durante a defesa dos seus interesses individuais, em juízo.56

54
V. MENDONÇA, L. C., A cooperação Processual..., op.cit., p. 37.
55
Cf. SILVA, Paula Costa e; Acto e processo: o dogma da irrelevância da vontade na interpretação e nos vícios
do acto postulativo. Coimbra: Coimbra Editora, 2003, pp. 110 e ss. Nesse mesmo sentido, REGO, Lopes do;
Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, 2ª ed., Coimbra: Almedina, 2004, p. 265.
56
Cf. GOUVEIA, Mariana França; Os Poderes do Juiz Cível na Acção Declarativo, in “Julgar”, nº1, pp. 47-65,
2007, p. 56; PEREIRA, F.S., op.cit., p. 118; MENDONÇA, Luís Correia de; A Cooperação processual civil entre
um novo modelo e a sombra do inquisitório, in “O Direito”, nº1, pp. 9-53, 2019, p. 38.
23
Dessa forma, assim como defende Correia de Mendonça, conclui-se que “o que se pode
esperar das duas partes é que elas ajam de forma leal e transparente”. No entanto, como o
próprio autor ressalta, “esse dever já está inserido no contexto da boa-fé”. 57
Por conseguinte, a nosso ver, por mais que se admita que os princípios da cooperação e
da boa-fé não se confundem em sua integridade, é preciso reconhecer que não há qualquer
distinção entre os propósitos dos referidos princípios, no que se refere à relação entre as partes,
no processo. Havendo que se anuir que o princípio da boa-fé é muito mais amplo do que a
simples cooperação, de forma a englobá-la no seu seio principiológico.
Dessa forma, considerando toda a relevância e consolidação do princípio da boa-fé no
processo civil58, julga-se desnecessário ou, se preferir, inexistente um dever de cooperação entre
as partes. Isto porque, frisa-se, a imposição de uma atuação íntegra, leal, verdadeira e coerente
entre as partes já é devidamente consagrada nas normas de conduta da boa-fé objetiva no
ordenamento jurídico processual.
No mesmo sentido, Mariana França Gouveia se manifesta afirmando não ser devida a
obrigação das partes em cooperarem. A autora afirma que as partes têm “a obrigação de actuar
com boa fé, têm o dever de fair play, de serem minimamente civilizadas”, contudo,
complementa alertando: “não pode erigir-se a cooperação de tal forma que desemboque numa
expropriação de direitos privados em favor de uma ideia pública de justiça”.59
Ainda assim, de forma contrária, alguns autores defendem a manifestação do dever de
cooperação entre as partes. Lebre de Freitas, por exemplo, aduz, como expressão do dever de
cooperação, os deveres de agir de boa-fé, o dever de urbanidade e respeito, o dever de
pontualidade, o dever de imediata comunicação da impossibilidade de realização de diligências,
o dever de transparência das notificações, a marcação das diligências processuais por acordo, o
dever de transparência das notificações por acordo, etc.60 No entanto, no nosso entendimento,
tais deveres poderiam ser todos abrangidos pelo dever único de atuar de boa-fé.
Em conclusão, não há que se falar, a nosso ver, em um dever de cooperação entre as
partes, em razão da abrangência do princípio da boa-fé. Além disso, cumpre ressaltar que, no

57
Cf. MENDONÇA, L. C., A cooperação Processual..., op.cit., p. 38 (nota de rodapé).
58
Segundo Joan Picó I Junoy, o princípio da boa-fé constitui uma manifestação, dentro do âmbito jurisdicional,
do princípio geral da boa-fé. Acredita o autor que aplicação de tal princípio ultrapassa o campo do direito privado
e alcança o direito público, de forma a preservar um mínimo de conduta ética de todas as relações jurídicas. O
autor, ainda, define o conceito indeterminado como a conduta exigível a toda a pessoa, no âmbito do processo, por
ser socialmente admitida como correta. Cf. JUNOY, Joan Picó I; El Princípio de la Buena Fe Procesal M. Borsch
Editor, 2003, p. 69 apud PEREIRA, F. S., op.cit., p. 118.
59
Cf. GOUVEIA, Mariana França; Regime processual experimental: anotado: decreto-lei nº 108/2006, de 8 de
Junho, Coimbra: Almedina, 2006, p. 103.
60
FREITAS, L.; Código Processual Civil..., op.cit., p. 514.
24
nosso entendimento, determinados tipos de deveres, relacionados às condutas das partes entre
si, mais especificamente dos seus advogados, estariam mais bem postos e previstos em um
estatuto deontológico ou profissional.61

2.2. A relação das Partes para com o Tribunal

Quanto à relação das partes com o tribunal, vê-se que, em um primeiro momento, os
deveres estampados por esse vínculo também guardam grande similitude com os deveres da
boa-fé objetiva processual.
Isso, dado que é imposto às partes que se manifestem frente ao juízo de forma clara,
coerente e transparente, cooperando para uma resolução célere e adequada da demanda. Nesse
sentido, surgem deveres como o de se apresentar pontualmente em juízo, de cumprir em
exatidão dos termos das decisões judiciais e, ainda, por exemplo, o dever de não realizar
condutas consideradas meramente dilatórias.62
No entanto, como pôde-se ver anteriormente, impõe-se sobre as partes também um
dever de cooperarem para a descoberta da verdade (art. 417º do CPC). Com isso, verifica-se
que a cooperação das partes para com o tribunal resume-se em uma ampliação do dever de
litigância de boa-fé para os deveres de lealdade e de comparecimento, que, como já
defendemos, a nosso ver, são implícitos ao primeiro. Mas, não só isso, caracteriza-se também
por um dever de atendimento às solicitações do tribunal, consubstanciado pelo dever de
cooperação para a descoberta da verdade. 63
Portanto, por mais que se reconheça o dever de cooperação das partes para com o
tribunal, de uma forma geral, como um ideal de conduta civilizada e respeitosa, que atenda aos
ditames da boa fé e da lealdade processual, é preciso., também, notar que o referido dever vai
além do âmbito da boa-fé, quando concretizado pelo dever de cooperação para a descoberta da
verdade.
Tendo isso em conta, é fundamental que, na prática, esse segundo dever – o de
cooperação para a descoberta da verdade – não seja aplicado de uma maneira a criar um
processo subvertido unicamente para uma ideia pública e ilusória de justiça, desconsiderando
os direitos privados existentes no litígio.

61
Nesse mesmo sentido, MENDONÇA, L. C., A cooperação Processual..., op.cit., p. 43.
62
Ver GALINDO, op.cit, p. 58
63
De forma semelhante, manifesta-se SILVEIRA, Bruno di Miceli da; O princípio da cooperação das partes na
atividade probatória. (Dissertação de Mestrado). Lisboa, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2017,
p.49
25
A interpretação sobre este dever de cooperação para a descoberta da verdade tem que
ser, assim, cuidadosa. Sob o nosso ponto de vista, o texto não permite uma leitura extremamente
literal, uma vez que, como se é sabido, a verdade não pode nunca ser considerada absoluta.64
Sendo assim, devem os julgadores, na busca pela prolação de uma decisão justa, encontrar o
limite muito tênue entre o possibilitar o direito à prova, auxiliando as partes na retirada de
eventuais obstáculos e requerendo aquilo que se faça extremamente necessário para o
julgamento da lide e o forçar uma cooperação probatória das partes, de tal maneira que se
manifeste contrária até mesmo aos interesses postulados por cada uma delas.

2.3. A relação do Tribunal para com as Partes: os perigos da postura ativa do juiz

Por fim, falta analisarmos o papel desempenhado pelo juiz dentro do princípio da
cooperação. Antes de qualquer coisa, é preciso reconhecer que o legislador, por meio da
cooperação, manteve ou até mesmo ampliou os poderes do magistrado na condução do
processo, frente ao que disposto no Código anterior. Em uma análise comparativa entre os
poderes-deveres das partes e do magistrado, nota-se que pouquíssimas das normas
concretizadoras do princípio direcionam-se às partes, sendo que, quando o fazem, elencam
deveres, mas não poderes.
Em resumo, observa-se que a cooperação do tribunal com as partes compreende: i) o
poder-dever de o magistrado proporcionar o suprimento de insuficiências ou imprecisões na
explanação da matéria de fato asseverada pelas partes; iii) o poder-dever de eliminar obstáculos
procedimentais à prolação de uma decisão de mérito justa; iv) o poder-dever de auxiliar as
partes na remoção de entraves que as impeçam de atuar eficazmente no processo; v) o dever de
fundamentar, de fora adequada, as suas decisões, vi) e, ainda, o dever de escutar as partes, antes
da prolação de decisão sobre qualquer matéria de fato ou de direito, evitando, assim, decisões-
surpresa.65
Em um apanhado geral, verifica-se que a determinação de tais deveres pelo legislador
foi feita, em alguns casos, por meio de previsões fechadas, nas quais não se tem espaço para
uma apreciação da sua verificação, ou não, pelo magistrado. Em outros casos, por outro lado, a

64
Cf. TARUFO, Michele; A Prova, Tradução João Gabriel Couto, 1ª edição, São Paulo: Editora Marcial Pons,
2014, p. 25.
65
Cf. REGO, Lopes do. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, 2ª ed., Coimbra:
Almedina, 2004, pp. 267-269.
26
consagração da norma foi realizada através de previsões abertas, que, por sua vez, concedem
ao julgador uma margem de discricionariedade.
No estudo de cada um dos deveres, pudemos identificar os momentos em que a referida
margem é dada ao juiz e concluir o quanto essa discricionariedade, se não comedida, pode
colocar em risco a posição imparcial do magistrado e a segurança jurídica. Sobre o tema,
imperioso destacar que, apesar de ser reconhecida a diferença entre a discricionariedade e a
arbitrariedade, também é preciso admitir que a primeira acaba por propiciar um ambiente
vulnerável à verificação da segunda.
Isto é, não se está aqui a dizer que os deveres cooperativos implicam necessariamente
em uma atividade autoritária do juiz, afinal evidente que nem toda decisão discricionária será
considerada arbitrária, até mesmo porque, no processo, é essencial que o julgador tenha uma
margem mínima de discricionariedade para que possa conduzir o procedimento. No entanto,
caso essa conduta discricionária não seja respaldada nos direitos fundamentais, ela, sem
dúvidas, deverá ser rechaçada, constituindo uma postura arbitrária do magistrado.
Ocorre que, na prática, a depender muito da matéria a qual o juiz está se manifestando,
a linha limite entre a arbitrariedade e a discricionariedade é extremamente tênue e sutil,
tornando-se necessário que os julgadores redobrem sua atenção a cada aplicação de uma das
normas cooperativas, tendo em conta que, na grande maioria dos casos, “estamos no limite da
intervenção pública em assuntos privados”66. Esse limite, então, precisa ser construído,
primordialmente, pela jurisprudência, nos casos em que a lei se faz omissa ou não se faz clara.
Em resumo, a forma como o princípio refletirá no processo civil português dependerá,
quase que exclusivamente, da maneira com que o magistrado interpretará e aplicará os poderes
a ele concedidos, sendo de extrema importância, nesse momento, que o julgador sempre leve
em consideração os princípios fundamentais do processo, a fim de que o seu ativismo não
configure qualquer conduta arbitrária.
Ainda sobre o tema dos limites a serem observados pelo juiz, passando para uma visão
mais prática do processo, é relevante destacar que, como já dito, em algumas normas o próprio
legislador o impõe ou, por meio de uma análise sistemática do Diploma, torna-se possível
constatá-lo. No caso do dever de esclarecimento, por exemplo, ele encontra limites no direito à
integridade pessoal, no direito á reserva da vida privada ou familiar, no direito à inviolabilidade
do domicílio, da correspondência ou de outros meios de comunicação privada e, ainda, no
respeito ao direito ou dever de sigilo.

66
Cf GOUVEIA, M. F.; Regime processual..., op.cit.p. 13.
27
Quanto ao dever de consulta, pertinente a colocação de que o limite imposto pela lei, a
“manifesta desnecessidade”, demonstra-se um limite subjetivo, demandando um maior cuidado
dos julgadores, que, em caso de dúvida, devem proceder a oitiva das partes sobre a matéria, a
fim de evitar quaisquer nulidades.
No que se refere ao dever de prevenção, por outro lado, sua aplicação não pode
comportar a alteração do pedido ou da causa de pedir da demanda, tampouco o acréscimo de
argumentos por parte da defesa, que não foram aduzidos em sede de contestação.67 Essa função
assistencial do juiz, portanto, deve ser comedida, com o cuidado de não o transformar em um
conselheiro legal das partes, colocando em xeque um dos principais princípios guias da sua
atuação, a imparcialidade.
No nosso entender, essa é a maior dificuldade imposta pelo princípio da cooperação no
processo civil, a necessidade de encontro de um ponto de equilíbrio entre um papel assistencial
e ativo do magistrado e a existência de um paternalismo intrusivo.68
Ademais, necessário ressaltar o fato de que, diferentemente daquilo que acontece no
dever de cooperação das partes, não há, no que respeitante ao dever de cooperação do
magistrado, qualquer previsão de consequência jurídica pelo descumprimento das normas
cooperativas, por parte do julgador. Diante disso, como ensina Miguel Teixeira de Sousa, é
forçoso avaliar se o descumprimento se refere a uma norma aberta ou fechada, conforme
acabamos de mencionar. 69 Isto porque, tratando-se de normas fechadas, a sua não observância
pelo julgador acarretará, obrigatoriamente, a nulidade do ato praticado. No caso de normas
abertas, contudo, situações de pura discricionariedade não são causadoras de qualquer nulidade,
o que deixa as partes, infelizmente, à beira de uma enorme insegurança jurídica.
Sobre o tema, vale ainda uma outra reflexão: tendo em conta o intuito da cooperação,
não seria justo esperar que condutas contrárias ao princípio, por parte do julgador, também
gerassem uma penalização ao magistrado? Assim como já afirmado, as partes, além de poderem
ser condenadas por uma litigância de má-fé, podem ser condenadas à multa prevista no nº 2, do
art. 417º. Com isso, a nosso ver, seria interessante que o legislador encontrasse maneiras de
reprimir o juiz não cooperante, tanto com a finalidade de fazer valer a cooperação no processo,
incentivando condutas nesse sentido, por parte do magistrado, quanto para, de fato, equilibrar
a responsabilidade dos agentes processuais na obtenção da decisão de mérito justa.

67
Nesse mesmo sentido, V. MENDONÇA, L. C.; A cooperação processual civil entre..., op. cit., p. 46.
68
CORREIA MENDONÇA também manifesta tal preocupação em “A Cooperação processual civil entre...”,
op. cit., p. 51.
69
Cf. SOUSA, M.T.; Estudos sobre o novo processo civil, op.cit., p. 67.
28
Ademais, ao falar do papel do juiz no processo civil, torna-se imprescindível fazer
menção a outro dois princípios previstos no CPC português, que se interligam ao princípio
cooperativo, nomeadamente naquilo que referente ao comportamento desse agente
processual70.
O primeiro deles é o já mencionado dever de gestão processual, previsto no art. 6º do
Diploma, que coloca sobre o magistrado a função de direção do processo. Referido dever tem
a sua compreensão controversa na doutrina, quanto a sua existência autônoma, ou não. Alguns
veem o princípio da gestão processual como um acelerador, de existência autônoma, do
princípio da cooperação.71 Outros, no entanto, acreditam que tudo o que se entende por gestão
processual é decorrente do princípio do inquisitório, quando atinente à direção do processo pelo
juiz, ou do princípio da adequação formal, no que diz respeito à simplificação e agilização do
processo.72 Este último posicionamento, no nosso entender, é o mais acertado.
Não obstante tal discussão, é incontroverso que referido dever é essencial no estudo da
cooperação, ao passo que, ao lado desta, impõe mais uma obrigação ao magistrado. É de se
destacar, no entanto, que a conclusão desses autores de que tal dever funciona como fomento
para a cooperação parece ser, ao menos de início, contraditória. Isto porque, na base do
princípio da cooperação encontramos uma ideia de gestão compartilhada do processo entre juiz
e partes. Ademais, é preciso considerar que os próprios deveres-poderes concretizadores do
princípio da cooperação já se prestam a esse intuito de impor ao magistrado certas condutas a
fim de possibilitar uma maior cooperação entre os agentes processuais. Dessa forma, no nosso
entender, revela-se mais razoável o reconhecimento de uma maior ligação entre o princípio da
gestão processual com o princípio do inquisitório, que, inclusive, é o segundo princípio ao qual
faríamos menção.
Antes de passarmos para a sua análise, entretanto, julgamos importante, ainda,
manifestar que entendemos o raciocínio lógico empregado pela maior parte da doutrina no
sentido de que, ao dar mais poderes de gestão ao juiz, este tem uma maior capacidade de
proporcionar a cooperação entre todos os agentes, com uma visão mais ampla sobre o
procedimento e o caso concreto. Entretanto, temos dúvidas se o risco em se colocar tais poderes
nas mãos exclusivas do magistrado compensa o resultado obtido, uma vez que, como já

70
Segundo REGO, a cooperação, o princípio da gestão do processo, bem como o incremento da inquisitoriedade
judicial restringem a passividade do magistrado, permitindo que o processo deixe de se pautar na velha ideia liberal
de processo como uma luta entre as partes. Cf. REGO, Carlos Francisco de Oliveira Lopes do. Comentários ao
Código de Processo Civil, Volume I, 2ª edição, Coimbra: Editora Almedina, 2004, p. 265.
71
MESQUITA, Luis Miguel Andrade de. Princípio da gestão processual: O “Santo Graal” do Novo Processo
Civil?”, in “Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 145, nº 3.995, nov.dez., Coimbra, 2015, p. 79.
72
Ibidem, p. 81
29
apontado, outras ferramentas, como os próprios poderes-deveres concretizadores da
cooperação, somadas com algumas alterações no sistema processual, principalmente, no âmbito
administrativo, poderiam ser utilizadas e tomadas para a garantia de uma decisão de mérito
justa e em tempo razoável.
Pois bem, o princípio do inquisitório, ao seu turno, encontra-se previsto no art. 411º do
CPC, no qual se determina que: “Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente,
todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio,
quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”.73 Tal norma revela, portanto, que a prova deixou
de ser monopólio das partes no processo civil português, cabendo ao magistrado realizar ou
ordenar as diligências que ele julgar indispensável à constatação da verdade.
Este tema dos poderes instrutórios do juiz é, sem dúvida, um dos assuntos mais
polêmicos e debatidos na atualidade do processo civil, havendo centenas de estudo sobre ele,
tendo em conta a sua inegável relevância. No presente trabalho, porém, não temos a pretensão
de esgotá-lo, mas apenas de demonstrar, ainda mais, a força que é dada ao magistrado no
Diploma processual português vigente, especialmente pelo princípio do inquisitório em
acréscimo ao dever de cooperação com a descoberta da verdade, já mencionado anteriormente,
previsto no art. 417º, nº1. Aqui, então, nota-se que, no que referente à atuação do juiz, os dois
princípios – cooperação e inquisitório – andam juntos.
Abordando de forma superficial o tema, nota-se que o principal ponto levantado por
aqueles contrários à existência de tais deveres é, novamente, o risco de se colocar em xeque a
imparcialidade do julgador.
Nesse sentido, a reflexão a respeito dos limites da “mão comum” das partes e do juiz,
tanto na configuração do processo, como no âmbito dos fatos, mas, principalmente, na iniciativa
instrutória revela-se essencial.74 É necessário que se tenha sempre em mente que os poderes
concedidos ao magistrado devem se prestar tão somente a possibilitar uma resolução efetiva da
lide, em tempo razoável.
Sobre o assunto, Correira de Mendonça faz uma consideração intrigante. O autor, ao
relembrar que os juízes, acima de tudo, são homens e mulheres com emoções, preconceitos e
diferentes visões de mundo, ressalta que a dificuldade imposta pelo princípio da cooperação é
saber se, na prática, pode ser possível exigir que os julgadores “... cumpram escrupulosamente
os seus deveres de imparcialidade e terzietá, e, em simultâneo, que se preocupem com a

73
Tal determinação, deve-se ressaltar, reproduz, com uma pequena alteração no tempo verbal do enunciado, aquilo
que disposto no artigo 519º do CPC de 1961.
74
Cf. MENDONÇA, L.C., A cooperação processual entre..., op. cit. , p. 51/52.
30
satisfação dos interesses particulares, mais do que o estritamente necessário para a declaração
75
dos direitos subjetivos, de acordo com a norma material e os fatos provados em juízo”.
Segundo o autor, os poderes instrutórios podem acabar por levar o julgador a tomar um partido
entre as alegações das partes, fazendo com que ele perca a sua neutralidade.
Em conformidade com esse entendimento, afirma parte da doutrina que o juiz estaria
sendo parcial na determinação da produção de uma prova, tendo em vista que essa favorecerá
uma das partes no processo. O julgador, segundo essa corrente, pode, ainda que de forma
inconsciente, prever aquilo que deveria ser o resultado de seu exame imparcial no deslinde do
feito, ao investigar os fatos e os acontecimentos narrados.76
Em sentido contrário, alguns entendem que a simples determinação de uma prova pelo
magistrado não implica em qualquer imparcialidade da sua parte, sob o argumento de que não
tem como juiz saber qual parte será a beneficiada pela prova a ser produzida.77 Isto porque, no
momento de determinação dos meios de prova, o julgador ainda não tem convicção sobre nada
sendo que, exatamente por isso, percebe que a produção de certa prova pode ser útil para a
elucidação dos fatos.
Os defensores dos poderes instrutórios do juiz, ademais, ressaltam que, desde que o
magistrado respeite o princípio do contraditório durante a produção da prova, ele atuará dentro
dos limites legais. Dessa forma, tais deveres passam a ser vistos, por estes autores, como
ferramenta para o alcance da verdade, o que, por si só, segundo eles, não fere o princípio da
imparcialidade.
É preciso concordar com essa última parcela da doutrina. Colocar nas mãos do juiz o
poder de oficiosamente determinar alguma prova não resulta, obrigatoriamente, em uma
violação à sua neutralidade. Ainda assim, é preciso, mais uma vez, muita cautela na aplicação
prática de tais deveres, a fim de que o juiz não ultrapasse uma linha limite e assuma a posição
de um terceiro advogado na demanda.

75
Ibidem, p. 52.
76
Cf. PICÓ I JUNOY, Joan; El Juez y la Prueba: estudio de la recepción del brocardo iudez iudicare debet
secumdum allegata et probata, non secundum conscientiam y su repercusión actual, in “Colección Internacional”,
n° 32, Grupo Editorial Ibánez. Bogotá, 2011, p. 128. Nesse mesmo sentido, TARUFFO se manifesta afirmando
que a atividade ativa do juiz se traduz na busca objetiva e imparcial da verdade acerca dos fatos. Cf. TARUFFO,
Michele; Simplemente la Verdad: El juez y la construcción de los hechos, Traducción de Daniela Accatino
Scagliotti, Madri: Editora Marcial Pons, 2010, pp. 200-201.
77
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo
Civil: Teoria do Processo Civil. Vol. 2. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo, 2015, p. 77.
31
Sendo assim, acreditamos que a postura ativa do magistrado no âmbito probatório deve
ocorrer tão somente de forma residual, isto é, quando a prova a ser produzida se revele essencial
para a prolação de uma decisão sobre a demanda e nenhuma das partes a tenham requerido.
Portanto, percebe-se que, apesar do reconhecimento de inegáveis riscos em razão do
ativismo judicial no que referente aos poderes instrutórios, o ponto chave não deve ser a
privação, de todo, do juiz a tais deveres, mas sim a necessidade de uma aplicação calculada e
controlada dos mesmos, além da criação ou suporte de medidas de controle do exercício deste
dever.
Destarte, de uma forma geral, no que concerne aos poderes do juiz no processo civil
português observa-se que grandes poderes são depositados nas suas mãos e que, sem sombra
de dúvidas, eles possuem o condão de transformar o processo em um ambiente mais dialogado
e participativo. No entanto, é preciso cuidado na utilização de tais poderes, sendo imperioso
destacar que, assim como nem toda atitude ativa e discricionária do juiz deverá ser considerada
arbitrária, também nem toda conduta, baseada na cooperação, terá como resultado uma maior
participação de todos os agentes processuais na decisão final.
Em outras palavras, o princípio da cooperação pode significar, no que relativo ao papel
do juiz no processo, uma atividade mais coparticipativa entre os agentes, para a construção de
uma decisão, além de célere, justa, entretanto pode também abrir as portas para uma maior
arbitrariedade judicial.78 Será, então, a qualidade dos serviços prestados por cada julgador que
determinará as implicações do princípio da cooperação no processo civil.
Em conclusão, assume-se que o desfecho da presente investigação, nesse tópico, não é
objetivo e, talvez, não tão satisfativa quando se esperava. Entretanto, é inevitável a declaração
de que as implicações da cooperação nos poderes judiciais dependerão, no momento atual,
unicamente da atividade de cada magistrado na interpretação das normas estudadas, o que, com
certeza, é desafiador aos aplicadores do direito e, confessadamente, um tanto quanto assustador.

3. A eficácia do Princípio da Cooperação

Uma discussão doutrinária importante de trazermos no presente estudo é em relação à


eficácia normativa do princípio da cooperação. A nosso ver, é, por meio do debate dessa
temática, que se poderá, de fato, encarar as implicações do princípio da cooperação dentro o
ordenamento jurídico português e, principalmente, avaliar se há, como defendido por alguns

78
Cf. PEREIRA, F. S.; Princípio da cooperação e..., op. cit., pp. 129/130.
32
autores, uma tendência de o princípio da cooperação transformar o processo em um
procedimento autoritário, eivado de arbitrariedades do julgador.
Conforme é cediço, um princípio pode atuar sobre outras normas de maneira direta ou
indireta.79 Quando se diz que a eficácia de um princípio é direta, afirma-se que ele, por si só,
pode ser aplicado, sem a necessidade de qualquer intermediação ou interposição de um outro
(sub)princípio.80 Sendo assim, a abrangência daquele princípio se torna maior, podendo ser
aplicado, independentemente de uma previsão normativa expressa referente a alguma situação
específica que implique na sua utilização.
Já a eficácia indireta de um princípio ocorre quando, para que ele se veja concretizado,
sejam necessárias disposições legais, que definam, de forma expressa, os comportamentos ou
as posições dos sujeitos processuais, que demandem a sua aplicação.
A doutrina majoritária portuguesa81 não admite a eficácia direta do princípio, o que
significa dizer, portanto, que se entende a cooperação como um princípio cujos efeitos
dependem de concretização, por meio de normas específicas positivadas.
Como argumenta Miguel Teixeira de Sousa, a cooperação, como posta no Código, se
manifesta pela expressa previsão de diversas regras, que delimitam uma série de deveres
impostos às condutas dos magistrados. Dessa forma, segundo o autor, tais deveres não são
oriundos diretamente do princípio da cooperação, mas sim dessas manifestações típicas do
legislador, que o concretizam.82
No mesmo sentido, Paula Costa e Silva defende a necessidade de criações legislativas
para a aplicação do princípio, mesmo reconhecendo que assumir tal fato implica na precarização
do princípio da cooperação.83
O professor José Luís Bonifácio Ramos também se manifesta sobre o assunto, negando
ao princípio o título de cláusula geral, passível de aplicação imediata, justamente pela existência
de diversos dispositivos do Código acerca da aplicabilidade da cooperação.84
Com pensamento contrário a grande maioria da doutrina portuguesa, no entanto, Didier
Jr. aparece, defendendo o princípio da cooperação como uma cláusula geral, com eficácia

79
Para um desenvolvimento mais aprofundado sobre a matéria, V., por todos, ÁVILA, Humberto; Teoria os
princípios: da definição à aplicação os princípios jurídicos, 14ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2013, pp.
104/105.
80
Cf. DIDIER JR., F.; Fundamentos do Princípio..., op.cit., p. 51.
81
Citamos entre esses: Teixeira de Souza, Lebre de Freitas, Paula Costa e Silva e José Bonifácio Ramos.
82
Cf.SOUSA, M. T.; Estudos sobre o novo..., op.cit., p. 68.
83
Cf. SILVA, P. CO.; Acto e processo..., op.cit., p. 591-592.
84
Cf. RAMOS, José Luís Bonifácio. Cooperação: Novidade ou Biombo do Aumento dos Poderes do Juiz?, in O
Direito, nº1, Ano 151, pp. 55-64, 2019, p. 59 e ss.
33
perceptiva direta. Segundo o autor, o princípio da cooperação exerce uma função integrativa no
sistema, o que permite que elementos não previstos em qualquer subprincípio ou regra possam
ser agregados por ele.85
Seguindo essa ideia, o professor brasileiro afirma que a finalidade do princípio da
cooperação, de transformar o processo em uma “comunidade de trabalho”, deve ser buscado
até mesmo por meios atípicos, desde que estes sejam conformes ao sistema jurídico.86 Isto é,
sob esse ponto de vista, a ausência de regras delimitadoras ou esclarecedoras do conteúdo do
princípio da cooperação não são um entrave para que o princípio se efetive.87
Ocorre que, na continuidade da sua argumentação para defender a eficácia direta do
princípio, o professor, de uma forma, a nosso ver, contraditória, reconhece que existem normas
concretizadoras do princípio.88 E, a partir daí, cria um confuso discurso, passando a apresentar
o princípio da cooperação como um subprincípio do princípio do devido processo legal e como
um sobre princípio da boa-fé processual.
Do estudo dessa teoria, constata-se que, com essa curiosa classificação dos princípios,
pretende o autor, apesar de dizer o contrário, sobrelevar o princípio da cooperação à posição de
princípio máximo e soberano em relação aos demais. A nosso ver e com todo respeito ao
trabalho desenvolvido, tentou o professor, a todo custo, sustentar a eficácia direta do princípio,
a fim de poder advogar, com algum embasamento, o surgimento de um novo modelo processual
em Portugal. No entanto, receio que os argumentos apresentados por ele não são capazes de
convencer.
Antes de mais nada, é imprescindível, ao refutar a teoria de Didier, estabelecer a clara
diferenciação entre o princípio da cooperação e o princípio da boa-fé, previsto no art. 8º do
CPC. Segundo tal dispositivo, as partes devem agir de boa-fé, observando os deveres de
cooperação. Todavia, isso não se equivale a dizer que o princípio da boa-fé encontra-se
subalterno ao princípio da cooperação.89 Inclusive, pelo contrário, a boa-fé, assim como possui
uma estrutura civil, se impôs no processo civil.90 E, conforme estudos sobre o tema, conclui-se
que a litigância de má-fé não pode ser baseada tão somente na violação ao princípio da
cooperação.91 O que nos permite deduzir quão mais amplo é o princípio da boa-fé em face ao

85
Cf. DIDIER JR., F., Fundamentos do Princípio..., op.cit.,p. 50.
86
Ibidem, p. 51.
87
Ibidem, p. 51.
88
Ibidem, p. 52.
89
RAMOS, J. B. Cooperação..., op.cit., p. 60.
90
Ibidem, p. 60. V, também, assim como sugere o autor citado, a obra de Menezes Cordeiro, nomeada
“Litigância de Má-fé: Abuso do Direito de Ação e Culpa in Agendo”, Coimbra, 2014.
91
RAMOS, J. B. Cooperação..., op.cit., p. 60.
34
princípio da cooperação, o que, sem dúvida, justifica até mesmo o nosso posicionamento
anterior no sentido do princípio da boa-fé ser suficiente para abranger os deveres de cooperação
entre as partes.
Em nosso entender, destarte, não há como afirmar, após uma análise sistemática do
sistema português, a eficácia direta do princípio da cooperação. Primeiramente, em razão do
que já repetidamente argumentado a respeito da existência de diversas normas, anteriormente
estudadas, que determinam os deveres cooperativos e, consequentemente, as situações as quais
o princípio se aplica, bem como às partes as quais se dirige e, ainda, as consequências da sua
não observância.
Além disso, imperioso ressaltar os riscos de se considerar o princípio da cooperação
como uma norma de eficácia direta. As mesmas considerações feitas quando brevemente
defendemos a impossibilidade de caracterização da norma do nº1 do art. 7º do CPC como uma
cláusula geral, podem aqui ser feitas. Caso entenda-se que a eficácia do princípio da cooperação
não depende da intermediação de outras regras jurídicas, afirma-se que qualquer situação
jurídica processual, mesmo que não prevista, pode justificar uma atuação supostamente
cooperativa dos sujeitos processuais, o que pode implicar em sérios problemas, principalmente,
como é óbvio, no controle da atuação do magistrado no processo.
Afinal, aceitando a tese da eficácia direta, uma decisão judicial poderia ser tomada,
única e exclusivamente, com base no princípio da cooperação ou, melhor, no ideal, cooperativo,
sem quaisquer justificativas ou enquadramento legal. Com isso, além de se abrir possibilidade
para diversas condutas arbitrárias dos magistrados, se permitiria, também, que a
discricionariedade judicial fosse inevitável, de uma forma geral, gerando uma completa
insegurança nos julgamentos.
Isso porque, a interpretação sobre o princípio da cooperação e as suas mais diversas
formas de concretização nos diferentes casos concretos iria variar de juiz para juiz. Ou seja,
aquilo que um determinado magistrado entende por fundamental para a resolução de uma causa,
em razão do princípio da cooperação, pode não ser assim apreciado por outro magistrado. Sendo
assim, a parte permaneceria refém do entendimento individual de cada magistrado, o que, sem
dúvidas, é inadmissível.
Dessa forma, da análise da letra da norma, bem como do espírito do CPC, julgamos que
a expressão do princípio da cooperação depende da justaposição dos deveres expostos no

35
Código.92 Assim sendo, não pode o tribunal realizar qualquer conduta interventiva, somente
fundada em uma justa composição do litígio.93
Isto posto, defende-se a eficácia indireta do princípio da cooperação.

II- UM ESTUDO SOBRE A COOPERAÇÃO COMO UM NOVO MODELO


PROCESSUAL

Após feita uma análise sobre o princípio da cooperação e a sua positivação no Código
de Processo Civil Português, passemos a dedicar o estudo, nessa segunda parte do trabalho, à
cooperação como um novo modelo processual, na tentativa de identificar se tal classificação se
torna possível no atual contexto, principalmente português.
Pois bem, como se sabe, os sistemas processuais surgem na história do processo civil
em razão das modificações sociais e políticas das diferentes épocas, o que, conforme se
demonstrará acaba por ocasionar algumas mudanças na estruturação do processo, no que tange
à distribuição das obrigações atribuídas aos sujeitos processuais.
Tradicionalmente, dois são os modelos adotados pela doutrina processualista, sendo eles
o modelo adversarial e o modelo inquisitivo. Durante muito tempo, a ênfase do processo era
voltada ao caráter privado do mesmo, sob uma visão de que o processo servia apenas para
aplicar o direito material. Nesse sentido, vigorava o princípio do dispositivo, conforme o qual
a disposição dos atos estava nas mãos das partes, enquanto ao juiz restava apenas uma posição
marcada pela passividade e inércia.
Contudo, com o passar do tempo, aflorou-se a necessidade de separação entre os direitos
material e processual, a fim de que este último passasse a ter uma natureza pública. Com isso,
maiores poderes foram concedidos ao magistrado, que, por sua vez, passou a ocupar uma
posição central no processo. Nesse momento, diz-se na predominância do princípio do
inquisitório.
A partir do estabelecimento destes dois modelos processuais, as diferentes legislações e
doutrinas vêm tentando, contemporaneamente, encontrar um equilíbrio entre eles. Sobre isso,
importante já destacar que, a distinção grosseira feita entre esses dois modelos tradicionais de
processo revela-se mais útil, atualmente, para fins didáticos. Isto porque, não existe no mundo,
hodiernamente, um sistema que seja totalmente dispositivo ou inquisitivo, de forma que, na

92
Cf. SILVA, P. C; Acto..., op.cit., p. 591.
93
RAMOS, J. B. Cooperação..., op.cit., p. 61.
36
prática, os ordenamentos são desenvolvidos por meio de combinações entre elementos dos dois
modelos.94
Por isso, frisa-se, uma análise sobre o sistema processual civil de um ordenamento
jurídico deve, obrigatoriamente, perpassar pelos mais variados institutos processuais previstos,
a fim de examinar qual o modelo preponderante em cada um deles.
Nesse cenário, a doutrina moderna encontra-se com essa grande responsabilidade de
alcançar um ponto de equilíbrio entre os modelos processuais tradicionais. E, para tanto, alguns
juristas vêm apontando a cooperação como uma possível solução para o fim da contraposição
dos referidos modelos. Sendo assim, a cooperação vem ganhando forças para assumir, além de
um papel de princípio, o posto de um novo modelo processual. Neste modelo, segundo os seus
defensores, o ideal buscado é o da cooperação entre todos os sujeitos da relação processual,
sem a existência de qualquer protagonismo entre eles.
Feitas tais considerações introdutórias, iniciemos a investigação sobre a segunda
acepção da cooperação, isto é, a respeito da perspectiva da cooperação como estruturação do
processo jurisdicional.

1. O Desenvolvimento do Processo e as suas Fases Metodológicas

Antes de mais nada, para que se tenha a devida compreensão sobre a atual conjuntura
jurídica processual, revela-se primordial um estudo, ainda que sem um grande detalhamento,
sobre a evolução do Direito Processual Civil no tempo.
Bom, sabe-se que a forma como a sociedade se organiza guarda estrita relação com a
estruturação do Direito e, consequentemente, do processo.95 Sendo assim, tomando por base
as evoluções políticas e sociais ocorridas desde o surgimento do processo até o atual momento,
a doutrina lista, nomeadamente, três fases metodológicas desse desenvolvimento do processo.
Primordialmente, o Direito Processual Civil não era tido como uma ciência autônoma,
mas sim como um simples anexo do direito material ou, ainda, como um mero procedimento,
que representava um fragmento do direito privado.96 O direito material, por sua vez, sequer era

94
DIDIER JR., Fredie; Os três modelos de direito processual: inquisitivo, dispositivo e cooperativo, in “Revista
de Processo”, Ano 36, vol. 198, pp. 207-216, 2011, p. 208. Como o autor observa, “a ‘dispositividade’ e a
‘inquisitividade’ podem manifestar-se em relação a vários temas: a) instauração do processo; b) produção de
provas; c) delimitação do objeto litigioso (questão discutida no processo); d) análise de questões de fato e de
direito; e) recurso etc. Nada impede que o legislador, em relação a um tema, encampe o ‘princípio dispositivo’ e,
em relação ao outro, o ‘princípio inquisitivo’.”.
95
Cf. GALINDO, M. C. T.; op.cit., p. 13.
96
Ibidem, p. 14.
37
diferenciado do direito de ação, sendo esta encarada como um direito subjetivo do lesado.
Enquanto isso, a jurisdição representava um complexo de tutela dos direitos subjetivos, que era
exercido por meio do processo e contava com uma mínima atividade do juiz.97 Essa primeira
fase, que se prolongou até o século XIX, foi nomeada pela doutrina como Sincretismo ou
Praxismo.
Na sequência, a doutrina alemã iniciou os estudos sobre a natureza jurídica da ação e do
processo. Desse estudo, resultou-se a autonomia da ação e, consequentemente, da relação
jurídica processual. Para tanto, a obra de Oskar Von Bülow, de 1868, intitulada “Teoria das
exceções e dos pressupostos processuais”, foi fundamental, pois, finalmente, revelou a
necessidade de diferenciação entre os aspectos material e processual, em razão da inserção do
órgão estatal na relação jurídica, tornando-a pública e de natureza processual.98
Com isso, a jurisdição passou a ser entendida como o caminho para o alcance do direito
estatal de pacificação social, saindo, assim, da esfera unicamente privada de proteção de
interesses individuais.99 Dessa forma, por mais que o processo permanecesse dependente da
manifestação das partes para que fosse instaurado, observa-se que o seu propósito desloca-se,
nesse momento, do direito material para a aplicação da lei, apelando, para tanto, à autoridade
do Estado e ao respeito das normas do ordenamento.100
Nesse período, sob forte influência do Iluminismo, o processo se fundou no movimento
do positivismo jurídico. Tal filosofia, conforme é cediço, baseava-se na ideia de completude do
ordenamento jurídico, a ponto de não permitir a interpretação da norma legal. Acreditava-se,
em outras palavras, que as normas codificadas eram suficientes para prever e solucionar todo e
qualquer conflito, restando aos juízes, portanto, apenas a simples tarefa da aplicação do direito
já positivado, sem qualquer possibilidade de atuação criativa.101
O processo, nesse período, podia ser representado por uma imagem triangular, na qual,
apesar da sua atividade “limitada”, o juiz encontrava-se no vértice do topo, assumindo uma
posição de superioridade e assimetria frente às partes.102
Nessa fase processual, portanto, nota-se que, ao ser reconhecida a autonomia do direito
processual, o processo não se distanciou somente do direito material, mas também de todo o

97
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo, 13ª, São Paulo: Malheiros, 2008, p. 18.
98
Cf. DINAMARCO, C. R., A instrumentalidade.., op.cit., pp. 18-19; GALINDO, M. T. C., op.cit., p. 15.
99
Cf. MITIDIERO, D., Colaboração no processo civil..., op.cit., p. 34.
100
Cf. MARINONI, Luiz Guilherme; Teoria Geral do Processo, 5ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011,
pp. 399-400.
101
Cf. MACHADO JÚNIOR, Arnaldo de A.; CERQUEIRA, Dhebora Mendonça de; Adaptabilidade no projeto
do novo código de processo civil, in “Revista da Esmese”, Aracaju:ESMESE/TJ, n. 17, 2012, p. 115.
102
Cf. MARINONI, L.G, op.cit., pp. 399-400.
38
contexto social em que ele se inseria.103 Afinal, na tentativa positivista de manter neutralidade
de seus conceitos, o direito processual acabou por ficar limitado e aprisionado em si próprio.104
As partes, sob essa visão, tinham a sua relevância restringida à atuação delas como
partes processuais, papel este que se esgotava com o deslinde do processo. Isto significa dizer
que não havia um olhar sob as partes que ultrapasse o contexto fixado pela demanda, de maneira
que a igualdade pretendida por meio do processo se limitava unicamente ao tratamento formal
da causa frente à lei.105
Assim sendo, não obstante toda a evolução e relevância da fase do processualismo,
pode-se dizer que o sistema processual falhava no que tangia à efetividade da justiça, nos seus
dois aspectos. Passou-se, então, a ser necessário um olhar atento às questões sociais e políticas
da sociedade, o que fez com que, gradualmente, o processo começou a ser analisado não
somente como técnica, mas também como um instrumento a serviço do direito material.
No século XX, destarte, um novo período metodológico emergiu, o instrumentalismo.
Nesta fase, reconhecidas as distinções funcionais entre o direito material e o processual, a ideia
difundida passou a ser a de complementariedade dos dois.106 Sob essa visão, os
instrumentalistas entendem o processo como um meio para a concretização do direito material,
que, por sua vez, confere sentido ao primeiro. 107
A jurisdição, a seu turno, passou a ser interpretada como expressão do poder Estatal, o
qual acredita-se ser instrumentalizado por meio do processo.108 Com isso, observa-se que, ao
contrário da fase anterior, que pecou pelo excessivo apego às formas processuais, o
instrumentalismo inova ao trazer o processo também para a seara social e política, afora a
jurídica.109
Parte a doutrina entende que a fase do instrumentalismo é a que vigora ainda nos dias
de hoje. Contudo, ao contrário, alguns juristas, sobretudo brasileiros, defendem a existência de

103
Cf. BEDAQUE, José Roberto dos Santos; Direito e processo: influência do direito material sobre o processo.
São Paulo: Malheiros, 1995, p. 17 apud MITIDIERO, Daniel. C olaboração no processo civil:pressupostos sociais,
lógicos e éticos. 2009, p. 34.
104
Cf. MARINONI, L. G. op.cit., p. 406-407.
105
Cf. GALINDO, M. T. C., op.cit., pp. 16/17.
106
Cf. DIDIER JR., F.. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento.
Vol.1, 12. ed. Salvador: JusPodivm, 2010, p. 31.
107
Cf. DIDIER JR., F.. Curso de direito processual civil: teoria..., op.cit., p. 26.
108
Cf. DINAMARCO, C.R., op.cit., pp. 135-137.
109
Cf. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Candido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini; Teoria
Geral do Processo, 28ª ed., São Paulo: Malheiros, 2012, p. 52; CAPPELLETTI, Mauro; Proceso, Ideologias,
Sociedad, Traducción de Santiago Sentís Melendo y Tomás A. Banzhaf, Ediciones Jurídicas Europa-America,
Buenos Aires, 1974, p. 5.
39
uma nova fase, denominada formalismo-valorativo110, correspondente, adianta-se, ao modelo
cooperativo de processo.
Essa suposta nova fase metodológica, segundo seus defensores, caracteriza-se pelo
enquadramento do direito processual civil no quadro do Estado Constitucional. Conforme
Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, o principal impulsionador da ideologia no Brasil, no
contexto do Estado Democrático de Direito, tornava-se necessária “a veemente rejeição do
formalismo oco e vazio, que desconhece o concreto e as finalidades maiores do processo,
descurando de realizar a justiça material do caso.”111.
De acordo com Daniel Mitidiero, ademais, na fase do formalismo- valorativo, “o
processo vai dominado pelos valores justiça, participação leal, segurança e efetividade, base
axiológica da qual ressaem princípios, regras e postulados para a sua elaboração dogmática,
organização, interpretação e aplicação. Vale dizer: do plano axiológico ao plano
deontológico”.112
Para muitos, a justificativa para o surgimento dessa nova fase está no fato de que, apesar
de no instrumentalismo já se ter definida a função do direito processual de emprestar efetividade
às normas materiais, com fins de servir a sociedade, os valores a serem levados em conta na
conferência de tal efetividade não se encontravam inseridos na ciência processual.113 Sendo
assim, cabia ao magistrado, frente ao caso concreto, ponderar os valores sociais e políticos da
sociedade e aplicá-los, caso a caso.
Questionava-se, sendo assim e segundo os estudiosos, até que ponto o processo havia
de fato deixado de ser simples instrumento técnico, na fase instrumentalista, tendo em vista que

110
Essa é a nomenclatura que tem ganhado maior aceitação. Contudo, pode-se dizer que ainda há uma indefinição
sobre o nome a ser dado a esta quarta fase metodológica da teoria processual brasileira. A expressão citada,
“formalismo-valorativo”, foi criada por Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Daniel Mitidiero, por sua vez, opta
pela expressão “Processo Civil no Estado Constitucional”. Fredie Didier Jr., por outro lado, utiliza-se da expressão
“neoprocessualismo” e, por fim, Dierle Nunes emprega o nome “Processualismo Constitucional Democrático”.
Para maiores desenvolvimentos, ver OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de; Do Formalismo no Processo Civil:
proposta de um FormalismoValorativo, 3ª ed. rev., atual. e aumentada, São Paulo: Saraiva, 2009; MITIDIERO,
Daniel; Colaboração no Processo Civil: pressupostos sociais, lógicos e éticos. 3. ed., São Paulo: RT, 2015, p. 48;
DIDIER JR. Fredie; Curso de Direito Processual Civil: Parte Geral e Processo de Conhecimento, 18ª. ed.,
Salvador: JusPODIVM, 2016, pp. 44-47; NUNES, Dierle José Coelho. Processo Jurisdicional Democrático, 1ª
ed., 4ª reimpr., Curitiba: Juruá, 2008.
111
Cf. OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. O Formalismo-Valorativo no Confronto com o Formalismo
Excessivo, in Revista de Processo, RT, vol. 31, n° 137, pp. 7-31, 2006, p. 15.
112
Cf. MITIDIERO, Daniel; Bases para a Construção de um Processo Civil Cooperativo: O Direito Processual
Civil no Marco Teórico do Formalismo-Valorativo, Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007, p. 32.
113
Cf. SOUZA, Lidia de Melo de; O processo cooperativo como substrato para efetividade das decisões judiciais,
Tese (Mestrado em Direito), Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2019, p. 21.
40
os critérios de justiça ainda dependeriam da concepção de cada juiz para serem aplicados no
caso concreto.
Com isso, defendem aqueles favoráveis a nova fase processual que, a fim de evitar essa
dependência da atuação do juiz para a observância de efeitos sociais no processo, tornou-se
necessária uma aproximação entre o processo e a Constituição, passando a prever, nesta última,
novos valores e princípios, introduzidos no âmbito processual. A ideia propagada, portanto, foi
de uma “condensação metodológica e sistemática dos princípios constitucionais do processo”,
caracterizando o Direito Processual como Constitucional.114
Em resumo, pode-se dizer que, na ideia neoprocessualista, os ideais, como a dignidade
da pessoa humana, a duração razoável do processo e o devido processo legal, que devem ser
concretizados no processo, passaram a ser reconhecidos em lei. Ao passo que, no
instrumentalismo, tais princípios tinham seu valor apenas propagados no campo social,
possibilitando que o magistrado os absorvesse e os concretizasse, conforme seu entendimento,
por meio do processo.
É importante destacar, tenho em conta a nossa maior identificação com essa corrente
doutrinária, que a Escola Mineira de processo teve grande participação na construção dessa
suposta nova fase processual, tendo como jurista exponente o professor Rosemiro Pereira
Leal.115 A Escola identifica o processo como uma garantia, no entanto, diferentemente do
restante da doutrina brasileira, estes processualistas têm como foco de estudo a compreensão
do modelo constitucional de processo determinado na Constituição Brasileira, isto é, sob uma
visão individual, não universal.
Em Portugal, em contrapartida, o formalismo-valorativo é entendido como uma simples
evolução interna do instrumentalismo, julgando a maioria da doutrina lusitana que ainda não
houve uma alteração substancial no processo suficiente para justificar uma mudança de
paradigma processual.

114
Cf. DINAMARCO, C. R., op.cit., p. 25.
115
LEAL, Rosemiro Pereira; Teoria Geral do Processo: primeiros estudos, 13ª ed., Rio de Janeiro: Forense,
2016.
41
2. A Mudança no Protagonismo dos Agentes Processuais: os modelos tradicionais de
organização do processo e a busca por um novo modelo

2.1. O Processo na disposição das partes

Assim como adiantado nas considerações introdutórias deste capítulo, o processo, por
muito tempo, foi compreendido como algo referente exclusiva à esfera privada das partes. Neste
modelo, tido como dispositivo ou adversarial, não há por parte do Estado qualquer interesse no
resultado do processo, de maneira que o órgão sequer contribui para a solução do conflito.
Este modelo, sem dúvida, traz ao campo processual aquilo que se pode observar desde
os primórdios, no que diz respeito à resolução de conflitos na esfera privada. Afinal, desde os
povos primitivos, o indivíduo lutava para fazer valer o seu direito, ainda que, para tanto, se
tornasse necessário o uso de força.116
Assim sendo, no sistema dispositivo o processo é encarado como uma disputa, enquanto
as partes são vistas como adversárias. Neste cenário, o órgão julgador aparece somente como
um mero aplicador da lei, assumindo uma postura passiva, a fim de decidir o conflito, tendo em
conta tão somente as versões trazidas pelas partes.117
Sobre este encargo de trazer aos autos todas as provas necessárias para o devido
conhecimento fático da demanda pelo magistrado, a obrigação era dividida de forma igualitária
entre o autor e o réu, não existindo qualquer divisão de trabalho entre as partes e o juiz.118
Dessa forma, como já dito, o modelo adversarial, em razão do reflexo de uma ideia
liberal do processo, é regido pelo princípio do dispositivo, sendo, portanto, interessante algumas
considerações sobre ele.
Referido princípio, de origem romana, transmite a ideia de similitude entre o direito e à
propriedade, no sentido de que o seu titular pode usar, fruir e dispor dele, livremente.119 Nessa
perspectiva, pode-se dividir o princípio do dispositivo, ainda, em dois outros princípios: o
princípio do impulso processual e o da disponibilidade privada.120 O primeiro estabelece que

116
Cf. JAUERNIG, Othmar; Direito Processual Civil, 25ª ed., Coimbra: Editora Almedina, 2002, p. 35.
117
Cf. DIDIER JR., F.; Os três modelos... , op.cit., p. 208.
118
Cf. AROCA, Juan Montero; La Prueba en el Proceso Civil, 4ª ed., Navarra: Editora Thomson Civitas, 2005,
p. 466.
119
LEITÃO, Helder Martins. Dos princípios básicos em processo civil. 3. ed. Porto: Almeida & Leitão, 1999, p.
25-26
120
TAVARES, P. L. (2015). Alcance e Limites dos Poderes Instrutórios do Juiz no Processo Civil. (Dissertação em
Ciências Jurídico-Civilísticas). Universidade de Coimbra, Coimbra, p. 16.
42
cabe às partes a promoção do processo (impulso inicial e subsequente), enquanto o segundo diz
respeito ao objeto da demanda, atribuindo às partes o ônus da alegação e o ônus da prova.121
Logo, como ensina João de Casto Mendes, a aplicação do princípio do dispositivo
implica em três consequências, sendo elas: a disponibilidade quanto ao início, quanto ao objeto
e quanto ao fim do processo.122 Isto significa dizer que o processo se inicia por iniciativa das
partes, assim como que os pedidos do processo são delimitados pelas partes e, ainda, que cabe
também a elas requererem a produção das provas, que entenderem por necessárias.
Portanto, observa-se que um ordenamento jurídico centrado em um modelo processual
dispositivo puro, o que, conforme já ressaltado, não mais existe atualmente, continha um Estado
que se preocupava somente com a legitimidade das decisões proferidas, conforme as normas
processuais, mas não com o objeto da demanda, em si.123
Dessa maneira, tal noção de processo na qual as partes eram tidas como dominus liti,
isto é, como “donas da lide” impedia que o julgador diminuísse as desigualdades entre as partes,
de forma a impossibilitar que as diferenças sociais e econômicas das partes influenciassem no
desenrolar do processo. Por isso, o modelo acabou por decair.
Não obstante, é imperioso destacar que, apesar de todas as transformações que o
processo sofreu, desde a época em que imperava o modelo dispositivo, o princípio do
dispositivo permanecesse ainda hoje sendo fundamental ao processo. Então, como um princípio
substancial ao processo, o que se torna necessário, hoje em dia, é traçar delimitações dessa
disponibilidade no contexto jurídico atual.124

2.2. O Fortalecimento dos Poderes de Atuação do Juiz

A maior participação dos magistrados no processo civil teve como ponto de partida a
transição do estado Liberal para o Estado Social, no século XX, marcada primordialmente por
uma ampliação dos poderes instrutórios do juiz, em razão da predominância do modelo
assimétrico ou inquisitorial de processo. A ampliação de tais deveres-poderes foram

121
SOUSA, M.T.; Introdução ao processo civil, op.cit, p. 59.
122
MENDES, João de Castro; Direito Processual Civil, vol. I, Lisboa: AAFDL, 2012, pp. 125-128.
123
Cf. OLIVEIRA, Carlos Alberto de; Poderes do Juiz e Visão Cooperativa do Processo I, in “Academia
Brasileira de Direito Processual Civil – Seção Artigos”.
124
Cf. TARUFFO, Michele; A Prova, Tradução João Gabriel Couto, 1ª edição, São Paulo: Editora Marcial Pons.,
2014, pp. 107 e 108. Segundo o autor, os rótulos que identificam os sistemas processuais devem ser abandonados,
por não serem correspondentes à realidade de sua aplicação. De acordo com Taruffo, a verdadeira diferenciação
deveria ser estabelecida entre sistemas probatórios centrados nas partes e sistemas probatórios centrados no juiz.
43
consequência da necessidade de tornar mais próximos do Judiciário os anseios da sociedade
pela busca de uma verdadeira justiça, célere e eficiente.
Como já afirmado, no Estado liberal pregava-se a ideia de aplicação da lei de forma
generalizada, sem levar em consideração as particularidades de cada caso concreto,
proporcionando a todos os sujeitos processuais uma mera igualdade formal. Com isso, o juiz
apenas realizava a aplicação lógica da norma geral existente, sem realizar qualquer
interpretação daquele texto legal. No entanto, com a virada de paradigma Estatal e, claro, com
as consequentes mudanças de pensamento, a sociedade começou a notar que a atuação do juiz
poderia ser determinante para o esclarecimento e resolução do processo.
Como bem pontua Mariana França Gouveia, nesse momento processual pressupõe-se
que também o interesse público está em causa no litígio privado, seja para garantir proteção à
parte mais fraca, seja para assegurar a efetiva aplicação do direito, ou em melhores termos, da
justiça.125
Assim, no enfoque do sistema inquisitivo de estruturação do processo, ao juiz é imposta
a condução do processo, com a finalidade de busca pela verdade.126 Conforme visto, no estudo
das fases metodológicas do processo, neste momento histórico o processo passou a ser
considerado instrumento da jurisdição, ao mesmo tempo em que o objetivo do Estado passou a
ser o bem-estar social, em descontinuidade com o anterior paradigma de mínima intervenção
estatal.127
O juiz, então, passou a ser o foco da relação processual, lhe sendo permitido atuar de
forma mais ativa na condução e gestão do processo. Isto porque, com a saída do processo do
âmbito privado para o público, o juiz não mais se encontra preso às alegações da parte, podendo
reconhecer fatos notórios, assim como atuar de forma oficiosa na instrução do processo.128
Nota-se, assim, que neste ponto do desenvolvimento do processo tem-se uma divisão
entre o Estado, a sociedade e o indivíduo, fazendo com que a relação processual passasse a ser

125
Cf. GOUVEIA, M. F.; Os poderes do Juiz..., op.cit., p. 48.
126
Assim como explica DIDIER JR., “A dicotomia princípio inquisitivo-princípio dispositivo está intimamente
relacionada à atribuição de poderes ao juiz: sempre que o legislador atribuir um poder ao magistrado,
independentemente da vontade das partes, vê-se manifestação de ‘inquisitividade’; sempre que se deixe ao alvedrio
dos litigantes a opção, aparece a ‘dispositividade’.” DIDIER JR., Fredie. Os três modelos de Direito Processual...,
op.cit., p. 209.
127
Cf. GALINDO, M. C. T., op.cit., p. 31
128
Como leciona J. Pereira Batista, de acordo com o princípio do inquisitório, “o juiz conhecerá de questões – de
facto ou de direito – ou determinará diligências – nomeadamente, de índole probatória – por iniciativa própria, e
com independência de alegação ou de requerimento das partes nesse sentido”. Cf. BATISTA, J. Pereira; Reforma
do Processo Civil: princípios fundamentais, Lisboa: LEX, 1997, p. 24.
44
triangularizada. Sob essa visão, o juiz passa a ocupar uma posição de superioridade (vértice
mais alto de um triangulo), enquanto as partes assumem um papel secundário.129
O ponto de destaque de toda essa transição de protagonismo entre os agentes processuais
é, sem dúvidas, a ampla liberdade na atividade probatória processual que o juiz passa a ter, até
mesmo no que se refere a sua iniciativa. Ao magistrado, portanto, passa-se a ser concedida a
permissão para a investigação e esclarecimento dos fatos130, sendo a justificativa para tal licença
a busca pela verdade material, isto é, daquilo que não está no processo, pois vai além dele,
encontrando-se no mundo fático131. Com isso, incrementa-se no propósito do juiz no processo
o alcance da realidade dos fatos, da forma mais aproximada possível.
Sobre essas últimas considerações, importante é frisar que, por mais que atualmente se
reconheça o conceito de verdade material como ultrapassado, podendo ser considerado uma
utopia, a ideia do aumento dos poderes para a obtenção do maior esclarecimento possível dos
fatos permanece no “ideal contemporâneo” desse modelo, ou melhor, na forma como ele ainda
se manifesta atualmente em diferentes ordenamentos jurídicos.
Ademais, não obstante esse aumento de poderes do juiz, é preciso desvincular a
expressão “processo inquisitorial” da sombra da Santa Inquisição, tendo em conta que o sistema
desta última nunca foi reproduzido por um ordenamento jurídico.132 Em outras palavras, jamais
existiu algum processo civil realmente e puramente inquisitório, no qual não se garantia às
partes qualquer direito de defesa, frente a um tribunal onipotente.
Sendo assim, o essencial é saber que, com o surgimento do sistema inquisitório no
processo civil, o julgador passou a ter maior liberdade na condução do processo, tendo em conta
o aumento dos seus poderes na dinâmica processual. O modelo, portanto, caracteriza-se por ser
assimétrico ou hierárquico, tendo o juiz como ator principal do processo, assumindo até mesmo
uma postura investigativa.

129
Sobre o papel das partes nesse contexto do modelo inquisitorial, Mendonça explica que “a parte que age em
juízo deixa de ser vista como portadora de um interesse próprio, a fazer valer em tribunal, para passar a ser olhada
como um agente de satisfação do interesse colectivo. Quer isto dizer que, de particular, a parte se converte num
civicus; a acção é um direito público subjectivo e o exercício da acção o exercício privado de uma função pública”.
Cf. MENDONÇA, Luis Correia de; Vírus autoritário e processo civil, in “Julgar”, nº1, Coimbra: Coimbra Editora,
2007, p. 3.
130
Cf. SOUSA, M. T.; Introdução ao processo..., op.cit., p. 61.
131
Cf. TAVARES, P. L..; op.cit., p. 18
132
Cf. TARUFFO, Michele. Processo civil comparado: ensaios, Apresentação, organização e tradução Daniel
Mitidiero, São Paulo: Marcial Pons, 2013.
45
2.3. O suposto fim dos protagonismos: a proposta do processo cooperativo

Da análise dos modelos acima mencionado, levando sempre em conta o contexto


histórico que eles estavam inseridos, nota-se que ambos os sistemas até então propostos sempre
estamparam realidades extremadas, nas quais se verificava uma relação de preponderância,
primeiramente das partes e, depois, do juiz.
Por isso, com a constante mudança da sociedade e do Estado não demorou para que se
indagasse a respeito da possibilidade de coexistência dos dois modelos em um único
ordenamento jurídico ou, ainda, da eventualidade de um equilíbrio entre a divisão de trabalho
entre as partes e o juiz.
Em um momento inicial, conforme já foi adiantado, as diferentes ordens jurídicas
começaram a mesclar as ideias dos dois modelos elencados, com a finalidade de atender melhor
os interesses finais do processo. Sendo assim, como também já dito, o que se passou a perceber
é que cada ordenamento acabou por ter em suas disposições uma prevalência por um dos dois
princípios – dispositivo ou inquisitivo. Portanto, na definição das normas o legislador, a
depender da temática tratada, como por exemplo a iniciativa do processo, a delimitação do
objeto litigioso ou a produção das provas, encampava uma das duas noções de processo. Com
isso, o mais recomendável passou a ser que se analisasse a predominância dos princípios em
relação a cada um dos temas, sempre lembrando que a dicotomia inquisitivo-dispositivo se
encontra intimamente relacionada à atribuição de poderes ao juiz.133
Não obstante, vêm se defendendo que a cooperação, elevada à natureza de um princípio
fundamental, tem força tamanha para delinear um novo134 modelo de processo civil, pautado
na ideia de uma comunidade de trabalho, capaz de concretizar os anseios da sociedade moderna
e extinguir o antigo cenário de protagonismos processuais: o modelo cooperativo.135
A proposta vislumbrada nesse modelo é do julgador como uma figura que dialoga e se
coloca no mesmo nível das partes, durante a condução do processo e, apenas no desempenho

133
Cf. DIDIER, F.; Os três modelos..., op.cit., p. 209. O autor ainda complementa sobre o tema: “sempre que o
legislador atribuir um poder ao magistrado, independentemente da vontade das partes, vê-se a manifestação da
‘inquisitividade’; sempre que se deixe ao alvedrio dos litigantes a opção, aparece a ‘dispositividade’.”
134
Há uma certa divergência sobre chamar o modelo cooperativo de novo, ou não, isto porque, segundo alguns, o
sistema nada mais é do que uma evolução dos dois anteriores, não devendo se caracterizar como algo
completamente “inusitado”. Nesse sentido, V. GRASSO, Eduardo; La Collaborazione nel Processo Civile, in
“Revista iberoamericana de derecho procesal”, Vol. XXI (II Serie), Padova, 1966, p. 584.
135
Cf. Ibidem, p. 212; NUNES, D. J. C., op.cit., p. 215.
46
da sua função de decidir, é que assume uma posição assimétrica e superior com relação às
partes.136
No entanto, essa assimetria existente no momento de decisão não significa um
desequilíbrio na imposição de ônus e deveres ao julgador e às partes, em benefício, no caso,
desse primeiro. Como Didier Jr. explica, trata-se somente do exercício de uma função que é
própria e exclusiva do órgão jurisdicional.137
As posições dos sujeitos processuais são, então, redimensionadas, de maneira a repartir
as responsabilidades e poderes-deveres entre eles, possibilitando um atuar conjunto de todos,
como uma verdadeira comunidade de trabalho138. Comunidade esta que deve colaborar para a
obtenção de uma decisão justa.
O contraditório, nesse contexto, toma um papel de extrema importância e relevo. Afinal,
considerando a participação igualada dos sujeitos processuais, as decisões passam a ser
resultado do diálogo entre eles. Dessa forma, o juiz não só tem o dever de assegurar o
contraditório das partes, como também a ele se submete, uma vez que deve convencer as partes
da sua decisão, por meio de uma efetiva fundamentação.139
Ademais, dentro dessa estrutura cooperativa, outro dever, já tratado por nós, passa a ser
enxergado como de extremo valor para o alcance dos fins propostos pelo novo modelo: o dever
de gestão ou direção do juiz. É por meio dele, segundo os cooperativistas, que se manifestam,
efetivamente, os deveres de cooperação, no que tange às condutas do julgador. Defendem,
portanto, um reforço dos poderes do juiz, a fim de possibilitá-lo que assuma uma postura ativa
na condução do processo, principalmente, no âmbito probatório.
O ativismo judicial, portanto, é uma das peças-chave do processo cooperativo, sendo,
por meio dele, que o alcance da verdade será obtido, de forma célere e justa, na visão
cooperativista. Apesar do aumento dos poderes do juiz ter se iniciado com a publicização do
processo, isto é, anteriormente a se começar a falar em cooperação, tem-se que a postura
realmente ativa do magistrado ganha ainda mais relevo no contexto da cooperação.

136
Cf. MITIDIERO, D.; Colaboração no processo civil, op. cit., pp. 102-103; DIDIER JR. F.; Os três modelos...,
op.cit., p. 212.
137
Cf. DIDIER JR., F., Os três modelos..., op.cit., p. 213.
138
Sobre a expressão “comunidade de trabalho” importante é fazer as mesmas considerações que tecemos
anteriormente, quando tratamos das implicações do princípio no campo entre partes. Na interpretação do termo,
não se pode deixar cair na errônea ideia de um fraternalismo excessivo, com a eliminação dos antagonismos
inerentes ao litígio.
139
Cf. DIDIER JR., F., Os três modelos..., op.cit., p. 212.
47
Conforme aduz Mariana Gouveia, percebeu-se que o processo civil contemporâneo é
marcado pela flexibilidade, que, por sua vez, ainda segundo ela, só é possível com um juiz
ativo, “com uma gestão processual presente, concreta, informada e disponível”.140
Com a ruptura completa, portanto, ao formalismo exagerado, o processo cooperativo
concede ao juiz, segundo seus defensores, a margem necessária para que a lei possa ser aplicada
com sensibilidade e bom senso, permitindo que se leve em conta as peculiaridades de cada caso
concreto. Nesse meio, a aplicação do contraditório é quem cria a base para o processo
isonômico se consolidar.141

2.3.1. O Garantismo Processual

Importante, nesse ponto do trabalho, fazer um pequeno adendo a respeito da parte da


doutrina que se manifesta contrária à maior atribuição de poderes de direção e gestão
processuais ao juiz, conhecida como corrente garantista.
Fundada pelo italiano Luigi Ferrajoli e, inicialmente, voltada às ciências penais, a
corrente conta, atualmente, com defensores como Juan Montero Aroca, na Espanha, Luís
Correia de Mendonça, em Portugal, Franco Cipriani, na Itália e Hugo Cardoso, no Peru. No
Brasil142, o garantismo foi apelidado como “neoprivatismo processual”, por alguns, e possui
como principal exponente o professor Lenio Streck.143
Tal corrente doutrinária tem advertido sobre os riscos do ativismo processual,
considerando exagerada a publicização que o processo vem sofrendo e considerando necessária

140
Cf. GOUVEIA, M.F.; Os poderes do Juiz Cível na Ação..., op.cit., pp. 63-65.
141
MITIDIERO, Daniel. Bases para a Construção de um Processo Civil Cooperativo: O Direito Processual Civil
no Marco Teórico do Formalismo-Valorativo. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2007, p. 74.
142
Apesar de mais tímida, em relação aos países europeus, já se pode dizer que existem representantes da filosofia
garantista no Brasil, como por exemplo, Lenio Streck, Glauco Gumerato Ramos, Eduardo José da Fonseca Costa.
Há vários outros autores que, reconhecidamente, defendem o estrito acatamento da Constituição Federal e que
também podem ser indicados como garantistas, como é o caso de Nelson Nery Jr., Georges Abboud, Rosemiro
Pereira Leal, Ronaldo Brêtas, Carlos Henrique Soares, Alexandre Morais da Rosa, Aury Lopes Jr. etc. Destaca-se
que o professor Rosemiro Leal, há tempos, se manifesta chamando atenção para o fato de que, em razão de posturas
instrumentalistas, preponerantes na doutrina brasileira, o devido processo legal demonstra-se aviltado. Sob o nosso
ponto de vista, tal ponderação alinha-se ao postulado garantista ao qul fazemos menção no preste trabalho.
Importante destacar que, no Brasil, Rosemiro Pereira Leal há tempo chama a atenção para o fato de que o devido
processo legal muitas vezes é aviltado diante das posturas instrumentalistas que preponderam na doutrina interna..
Cf. LEAL,Rosemiro Pereira; Teoria Geral do Processo – Primeiros estudos, 13ª ed., Rio de Janeiro: Forense,
2016.
143
Cf. MOREIRA, José Carlos Barbosa. O neoprivatismo no processo civil - Leituras Complementares de
Processo Civil, 7ª ed., Salvador: Juspodivm, 2009, pp. 309-320.

48
a restrição dos poderes outorgados aos juízes, sob risco de concordância com a instauração de
um processo autoritário.144
Como ressalta Correia de Mendonça, contudo, o objetivo da corrente garantista não é
reatar a tradição liberal, caracterizada por um processo escrito, mediato e não concentrado. 145
Pretende-se, na verdade, insurgir-se contra os abusos da publicização do processo,
estabelecendo fundamentos de um processo civil equitativo, coerente à moderna conjectura.
No entendimento garantista, a atuação do juiz deve ser primordialmente imparcial,
devendo as decisões serem tomadas sem influência de preconceitos pessoais, dinheiro, classes
sociais ou quaisquer outros elementos desse gênero, bem como independente, isto é, sem
intervir nas funções próprias das partes, devendo ser mantida pelo juiz a condição de terceiro,
alheio aos fatos e ao objeto do litígio.146
Essa condição de terceiro que deve ser assumida pelo juiz, ou seja, como um sujeito “à
parte” no processo, é justamente o que o torna incompatível, na visão garantista, para exercer
funções que são típicas das partes, como por exemplo dar início ao processo, considerar fatos
não alegados na causa, deliberar sobre a produção de prova, entre outros.147
Sobre a interferência do juiz na conduta das partes, Girolamo Monteleone assevera que
dar mais poderes de direção ao juiz ocasiona supressão de poderes das partes, representando
uma manifestação de uma ideologia facista e totalitária, tendo em conta o condicionamento o
exercício das partes aos seus direitos subjetivos substanciais e processuais à atuação do juiz.148
Nesse sentido, a filosofia garantista vem contestando a postura dinâmica do julgador,
principalmente, no que refere à atividade probatória, em especial a ex officio149, sob fundamento
de que tal determinação de prova feriria a igualdade imparcialidade no julgamento, ofendendo,
por consequência, o devido processo legal. Seguindo essa linha de pensamento, entendem os
garantistas que, se o julgador impulsiona a instrução da demanda e, posteriormente, decide
sobre o mérito daquela causa, há de se reconhecer um comprometimento da sua neutralidade, o
que põe em risco todo o propósito da Justiça.150

144
RAMOS, José Luís Bonifácio. Questões Actuais de Direito Probatório, Lisboa: Editora AAFDL, 2020, pp.
123 e ss.
145
Cf. MENDONÇA, L. M., Vírus autoritário..., op.cit., p. 72
146
Cf. MENDONÇA, L. M., Vírus autoritário..., op.cit., P. 72.
147
Ibidem.
148
Cf. MONTELEONE, Girolamo. Principi e ideologie del processo civile: impressioni di un “revisionista”, In:
“Rivista trimestrale di diritto e procedura civile”, n. 2, pp. 575-582,2003, p. 575.
149
Ramos, L. B. Questões Actuais..., ob.cit. p. 113.
150
Ibidem, p. 125.
49
Por fim, apenas à título de curiosidade no presente trabalho, importante mencionar que,
criticamente a essa filosofia, surge uma nova tendência, a negacionista. Os seus defensores
defendem a ampliação dos poderes instrutórios ao juiz, reconhecendo que as partes deixaram
de ter monopólio sobre a prova.151 O negacionismo, ressalta-se, se assume como uma terceira
via de pensamento, buscando não asseverar as teses ativistas, contudo considerando exageradas
as considerações dos garantistas.

3. O Modelo Cooperativo – o caso Português

Após a análise de todo o panorama histórico da evolução do processo civil, bem como
o exame e descrição de todos os modelos processuais vislumbrados na doutrina, resta saber
como a ordem jurídica portuguesa reage a todas essas modificações. E, em especial, averiguar
se podemos defender no Direito português a existência do sistema cooperativo de processo.
De antemão, já se pode constar que a matéria está longe de ser pacífica entre a doutrina
portuguesa. Como será demonstrado, enquanto alguns consagram a cooperação como um novo
modelo processual, outros acreditam que a fase atual se caracteriza tão somente por uma
acentuação do caráter publicístico, negando, assim, a existência de um terceiro modelo.
O professor Miguel Teixeira de Souza, em primeiro lugar, apresenta-se como um os
autores portugueses que mais se dedicou ao estudo do tema da cooperação. Em sua obra
sistemática, o autor aduz que o princípio da cooperação foi uma expressão legislativa voltada a
harmonizar “a estrutura e os fins do processo civil com os princípios do Estado Social de direito
e de garantir uma legitimação externa às decisões do tribunal”.152
O autor reconhece, ainda, que o princípio da cooperação transforma as relações
processuais em uma comunidade de trabalho, concretizada por meio dos poderes-deveres
impostos ao tribunal.153
Com uma posição semelhante, José Lebre de Freitas também entende a consagração do
princípio da cooperação como a determinação de um processo como comunidade de trabalho,
considerando-o uma trave mestra do processo civil moderno.154
Como ardente defensor do princípio da cooperação no processo civil, Freddie Didier Jr.,
doutrinador brasileiro, aparece na doutrina portuguesa, por meio de obra desenvolvida como

151
Ibidem,. p. 113
152
Cf. SOUSA, M.T.; Estudos sobre o novo..., op.cit., p. 62.
153
O autor elenca entre tais poderes-deveres: o dever de esclarecimento, de consulta, de prevenção e auxílio. Cf.
SOUSA, M.T., Estudos sobre o novo..., op.cit., pp 65 e ss.
154
FREITAS, J. L.; Introdução ao Processo Civil..., op.cit., pp. 40 e ss.
50
seu relatório no estágio de pós-doutoramento na Universidade de Lisboa, sobre o assunto.155 O
autor pontua que o princípio impulsiona o juiz a assumir uma posição de agente-colaborador
do processo, de participante ativo do contraditório, em abandono a anterior postura de mero
fiscal de regras.156 Afirma, ainda, que o processo deve ser encarado como “... produto de
atividade cooperativa: cada qual com as suas funções mas todos com o objetivo comum, que é
a prolação do ato final (decisão do magistrado sobre o objeto litigioso)”.157
Inclusive, apesar de já afirmado no presente trabalho, importante nesse momento
relembrar que o autor é o único a defender, dentro da doutrina portuguesa, a possibilidade de
extração do texto do art. 7º, do CPC, as suas próprias consequências normativas, entendendo-
o, assim, como um princípio com eficácia direta.
Mariana França Gouveia, a seu turno, argumenta que o princípio da cooperação deve
ser analisado dentro do panorama histórico em que estamos inseridos, caracterizado pela
popularização da Justiça e massificação dos litígios. A jurista defende que se torna necessária
uma atuação do judiciário mais próxima e pedagógica, “...que explique às pessoas a razão de
ser dos seus actos e das suas decisões.”.158
Ainda consoante o entendimento da autora, a atribuição de poderes ao julgador não
possui qualquer cariz autoritário, mas apenas representa o interesse do órgão judiciário no
destino da demanda, com a devida preocupação acerca da resolução justa do feito, de forma
célere e eficaz.159
No entanto, Gouveia não se mostra favorável à ideia do processo como comunidade de
trabalho, sob a justificativa de que tal expressão, oriunda do Código de Klein, traz consigo a
visão social do processo, o que faz difundir a errônea noção de desprezo dos interesses
individuais das partes.160
Em conclusão, a professora ressalta a dificuldade de caracterização do atual modelo de
processo português, mas finaliza por entender que o princípio da cooperação realmente traduz
“um novo arquétipo do processo civil”, que, a seu ver, se afasta de um modelo autoritário. 161

155
A obra mencionada é intitulada “Os fundamentos do Princípio da Cooperação no Direito Processual Civil
Português”, lançada pela Editora Coimbra, em 2010.
156
Cf. DIDIER JR. Fredie. Curso de Direito Processual Civil – Teoria Geral do Processo e Processo de
Conhecimento, vol. I, 11ª ed., Salvador: Ed. Juspodivm, 2009, p. 50.
157
Cf. DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual..., ob.cit., p. 51
158
Cf. GOUVEIA, M. F.; Os poderes do juiz..., op.cit., p. 55.
159
Ibidem., p. 56.
160
Ibidem, p. 55.
161
Ibidem, p. 51. Nesse mesmo sentido se pronuncia António Santos Abrantes Geraldes, afirmando que o novo
princípio da cooperação significa a “(...) introdução de uma nova cultura judiciária, que potencie o diálogo franco
entre todos os sujeitos processuais, com vista a alcançar a solução mais ajustada aos casos concretos submetidos
51
Por outro lado, Correia de Mendonça, seguindo a linha do garantismo processual, como
já mencionado, afirma que a consagração do princípio da cooperação se equivale à consagração
de um modelo processual autoritário. Além do mais, aduz ser insustentável a ideia de
comunidade de trabalho, sob o fundamento de que não há possibilidade de vincular a expressão
com a realidade do processo, com a característica contraposição de interesses.
Miguel Resende igualmente se preocupa com as garantias de um processo justo,
equilibrado e imparcial, tendo em conta os novos ônus processuais impostos às partes e, em
contrapartida, o reforço dos poderes arbitrários do juiz. Com isso, o autor desacredita da
existência de uma comunidade de trabalho.
A seu ver, não há que se falar em novo modelo processual, sob fundamento de que as
mudanças realizadas no CPC tão somente mantiveram o modelo anteriormente vigente,
classificado pelo autor como publicita e totalitário.162
José Luis Bonifácio Ramos, a seu turno, posiciona-se, inicialmente, chamando atenção
para a pouquíssima inovação trazida pelo CPC de 2013, inclusive ou, melhor, especialmente,
no que atinente à cooperação. Além disso, defende, firmemente, o professor a extrema
necessidade de concretização do princípio da cooperação, rejeitando a ideia da cooperação
como trave mestra “que convida o tribunal a verificar o seu efeito ou aplicabilidade, em todas
e quaisquer circunstâncias”.163 O professor, para mais, ressalta o perigo de um engrandecimento
do princípio à posição de cláusula geral, o que, ao seu ver, acaba por ameaçar a sua própria
eficácia.
Nesse sentido, acredita Ramos que, ainda que se reconheça uma evolução de um modelo
liberal e adversarial para um modelo inquisitorial, com o aumento dos poderes do julgador, não
se revela tão clara a emergência de um terceiro modelo processual.164 Afirma o professor que,
se seguirmos esta ideia de alteração do modelo processual vigente, colocaremos nas mãos dos
juízes um “...amplo poder discricionário, no sentido de promover um idílica comunidade de
trabalho, através da prossecução de metodologias muito díspares, susceptíveis de comprometer,
afinal, os valores identitários do direito processual civil português”.
Pois bem, exposto o estado de pensamento da doutrina portuguesa, resta tecer as nossas
considerações sobre o tema, levando em consideração tudo o que já apresentado até aqui.

à apreciação jurisdicional”. Cf. GERALDES, António Santos Abrantes; Temas da reforma do processo civil, 2ª
ed., v. 1, Coimbra: Almedina, 2006, p. 88-89.
162
Cf. MENDONÇA, L.C., Vírus autoritário, op.cit.
163
Cf. RAMOS, J.B., Cooperação: novidade ou Biombo..., op. cit., p. 59.
164
Ibidem, p. 61.
52
Em primeiro lugar, é imperioso afastar a percepção de novidade sobre a cooperação e,
nisso, afastar também a ideia de que as alterações ocorridas com a publicação do Código de
2013 teriam sido capazes de gerar uma mudança de sistema processual, em Portugal.
Isto porque, conforme se mencionou na primeira parte do trabalho, as modificações
trazidas no corpo do CPC lusitano foram mínimas, tendo a cooperação permanecido prevista
exatamente da mesma forma como era antes, com a única alteração no capítulo do Código em
que ela passou a se inserir. Sendo assim, não se constata, da análise fria da lei, mudanças
significativas no texto do Diploma processual capazes de fazer surgir uma alteração
paradigmática do processo civil português.
Ainda da simples avaliação da lei, observa-se que a cooperação, apesar de ser posta
como um princípio autônomo, tem as suas concretizações baseadas sobretudo em outros
princípios fundamentais do processo civil, em especial a boa-fé e o contraditório. Nota-se, com
isso, uma dificuldade muito grande em perceber a cooperação como uma norma norteadora do
Código e, mais, do processo civil. O que se percebe é que, para se chegar até à cooperação,
antes, é necessário considerar os princípios basilares do Direito, sendo estes, sim, caracterizados
como o pano de fundo das normas processuais, como um todo.
Isto é, o que se pretende deixar claro é que, em uma análise sistemática e histórica do
Diploma processual civil português, não se vê que a cooperação funcionou como princípio
direcionador dos demais preceitos da lei, mas, pelo contrário, em meio a um certo ideal
processual, a cooperação foi encaixada, a fim de se fazer concretizados outros princípios
fundamentais.
A nosso ver, sendo assim, não houve, pelo menos até então, na legislação portuguesa
um Diploma que tivesse o ideal cooperativo como propósito. A inserção do princípio da
cooperação na ordem jurídica lusitana é incontroversa, entretanto a capacidade desse princípio
de criar um novo arco procedimental é duvidoso.
Importante, destacar, ainda, que, por mais que se reconhecesse que a legislação foi
alterada no sentido de provocar uma nova ideologia processual e instaurar um novo sistema
processual, tal sistema, em nosso entender, apenas poderia se dar por concretizado, em
determinado ordenamento, se acompanhado por uma verdadeira mudança nas concepções dos
operadores de direito, no que diz respeito, no caso da cooperação, à divisão de trabalho entre
as partes.
Sob o nosso ponto de vista, inegável que houve a mudança de um processo adversarial,
com a imagem de um juiz totalmente passivo, para um sistema publicista, que colocou nas mãos

53
do juiz mais poderes, tornando-o um personagem mais ativo no processo. Assim como
necessário reconhecer que este último sistema vem, cada dia mais, sendo desafiado e
aprimorado, havendo um esforço enorme, especialmente, da doutrina, para a criação de um
processo mais dialogado e participativo entre todos os agentes processuais.
No entanto, tendo em mente esse panorama, afirmar a existência, em razão dessas
últimas movimentações doutrinárias, de um novo modelo processual, baseado em uma
comunidade de trabalho entre os sujeitos processuais, nos parece, sem sombra de dúvidas,
precipitado.
Como mencionado, não há embasamento legal para tanto. Mas, muito além disso, não
houve ainda uma verdadeira mudança de percepção do processo. Isto é, as ideias sobre essa
atuação participada dos agentes processuais ainda não se encontram bem delimitadas, seja pela
doutrina ou pela jurisprudência, e, com a ausência de um suporte legal, o risco de
transformarmos o processo em uma completa desordem, com sérias ameaças à preceitos
fundamentais, é muito grande.
Como exposto na parte um do trabalho, a forma como os poderes-deveres do juiz,
impostos pelo princípio da cooperação ou a ela interligados, encontram-se positivados no
Código lusitano, colocam a atuação do juiz como determinante para a obtenção de um processo
equilibrado e justo. Como já visto, as normas determinantes de tais poderes, em muitos casos,
possuem descrição aberta, gerando margem para grandes discricionariedades do juiz, o que,
como já defendido, gera receios quanto à segurança jurídica e a possibilidade de condutas
arbitrárias dos julgadores.
Dessa forma, caso coloquemos a cooperação, no atual momento, em um pedestal, como
um sobreprincipio e uma norma ideal, norteadora do processo civil, cometeremos um grave
erro e permitiremos que ela própria acabe sendo sua maior inimiga, o que ruinará com os seus
propósitos. Propósitos esses que são muito genuínos e que, com certeza, são extremamente
benéficos para o processo civil, desde que as suas bases, os seus limites e a sua maneira de
aplicação ao caso concreto estejam muito claros e definidos aos operadores do direito, por meio
da lei, da doutrina e de uma extensa jurisprudência.
Dito isso, observa-se que, em momento nenhum, pretendemos rechaçar as ideias
cooperativistas, pelo contrário, reconhecemos que o diálogo e uma maior aproximação das
partes com o Tribunal podem gerar transformações necessárias dentro do processo, frente ao
contexto político e social que nos encontramos. Sem dúvidas, é necessário prezar pela
democracia, em qualquer âmbito de aplicação, isto é, é imprescindível que todos sejam ouvidos

54
em um processo, tenham o seu direito de participar e de construir um processo equânime. É
necessário levar o Direito à sociedade, de forma simples, próxima e dinâmica.
No entanto, mais uma vez, a construção desse suposto novo modelo processual demanda
tempo, demanda adaptação e sobretudo mudanças de concepções. Por isso, acreditamos que
estamos no caminho certo, porém ainda não podemos dizer que já alcançamos o paradigma
desejado.
Nesse sentido, fundamental diferenciar o nosso entendimento daqueles que são
contrários à cooperação ou a relacionam com uma postura autoritária do julgador. O que
estamos aqui defendendo é que, diante da legislação e do pensamento ideológico atuais, a
cooperação ainda não pode ser compreendida como uma cláusula aberta definidora do modelo
processual português. E, muito disso, admite-se, em razão da abertura das normas cooperativas
à uma atuação arbitrária do magistrado, por mais que não haja uma relação de condicionalidade
ou obrigatoriedade entre elas. Então, sob risco de tornar repetitiva nossa colocação, o ideal da
cooperação não representa um sistema processual autoritário, pelo contrário, mas, na forma
como posto hodiernamente na lei, abre portas para que posturas autoritárias sejam assumidas.
Em conclusão, para que se reconheça, de fato, a existência de um novo processo
cooperativo, necessária a construção desse modelo, de uma forma geral, com o aprimoramento
das ideais que já se tem hoje. Só assim será possível garantir eficiência às convicções
cooperativistas na prática processual, sem que, para tanto, se coloque a observância das
garantias fundamentais nas mãos unicamente dos juízes.

III- A COOPERAÇÃO NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO

Sem intuito de exaustão do tema, tampouco de transformar o presente trabalho em um


estudo de direito comparado, acredita-se conveniente a inserção do presente capítulo, tanto pela
influência da legislação portuguesa sobre o Código de Processo Civil brasileiro de 2015, como
também, é claro, pela familiaridade da autora com o referido ordenamento. Mas,
principalmente, pela diferente forma de enfrentamento da cooperação entre as duas ordens
jurídicas, em especial doutrinariamente.
De antemão, salienta-se que, no Brasil, a doutrina majoritária defende com bastante
fervor a cooperação no processo civil, tanto como um princípio, quanto como um modelo de
organização processual. A cooperação, diferentemente do que acontece em Portugal, é
extensamente discutida pela doutrina brasileira.

55
Em estudo ao tema, nota-se que, conforme os juristas brasileiros, o tamanho relevo que
a cooperação ganhou dentro do processo civil no país é justificado pela linha histórica da sua
produção legislativa. Assim como se tentará brevemente explicar, entende a doutrina brasileira
que as modificações na forma de enxergar o processo, decorrentes de uma mudança de
paradigma Estatal e, depois, pela edição de um novo Código de Processo Civil, que consagrou
no ordenamento os ideais daquele modelo, implicaram, necessariamente, na inserção do
princípio da cooperação no CPC e na emersão de um novo sistema processual, chamado
cooperativo.
Para melhor entender esse cenário, vamos destacar alguns pontos importantes dentro da
ordem jurídica brasileira. Primeiramente, conforme se sabe, em 1988 promulgou-se a atual
Constituição Federal do Brasil, instituindo no país o Estado Democrático de Direito, que trouxe
em seu seio a noção de solidariedade como principal ideal a ser buscado, conjuntamente, pelo
Estado e pelos indivíduos.165
Nesse contexto, tomando como base o princípio da solidariedade anunciado no art. 3º,
inc. I, da CF, o direito brasileiro passou a adotar a teoria da aplicabilidade das normas
constitucionais sobre o ordenamento jurídico processual.166 Na verdade, iniciou-se um processo
de constitucionalização do direito brasileiro, como um todo, incluindo, por óbvio, o processo
civil.
Dessa forma, as normas constitucionais passaram a ter o seu conteúdo axiológico
expandido por todo o sistema jurídico, com força normativa. Os princípios constitucionais,
assim, passaram a ter uma ainda maior relevância, condicionando a validade e sentido de todo
o ordenamento.167
Neste ponto, vale a pena lembrar o que mencionado quando estudadas as fases
metodológicas do processo civil. A doutrina brasileira acredita na superação da fase do
instrumentalismo, com a transição para o formalismo-valorativo, que inaugura, segundo seus
defensores, uma nova visão sobre o direito processual civil. O processo passa, desde então, “a
ser dominado pelos valores justiça, participação leal, segurança e efetividade, base axiolóliga
da qual ressaem princípios, regras e postulados para sua elaboração dogmática, organização,
interpretação e aplicação”.168

165
Cf. CUNHA, Leonardo Carneiro da; O processo civil no Estado Constitucional e os fundamentos do projeto
do noo código de Processo Civil brasileiro, in”RIDB”, Ano 2, nº9, pp. 9293-9327, 2013, p. 9295.
166
Ibidem, p. 9296.
167
Cf. CUNHA, L.C.; op.cit., p. 9296.
168
Cf. MITIDIERO, D., A Colaboração com Norma Fundamental..., op.cit., 40 e ss.
56
Assim, com este movimento de constitucionalização, a Carta Magna passou a figurar
como o centro de todo o sistema jurídico, determinando os valores por meio dos quais qualquer
texto normativo deveria ser criado, interpretado e aplicado.
O Código de Processo Civil vigente na época datava de 1973, ou seja, o seu texto ainda
estava inserido em uma outra época constitucional, marcada por aquela atividade judicial, já
mencionada, com função simplesmente declaratória dos enunciados normativos. Com isso,
conforme defende a doutrina, o diploma passou a ser interpretado conforme a Constituição
vigente, no entanto não continha em seu escopo valores e normas características do novo
modelo Constitucional.169
Foi, então, com a promulgação do “novo”170 CPC brasileiro, que o processo civil pátrio
começou a verdadeiramente ser editado sob os auspícios da Constituição. Como efeito disso, já
no projeto do referido Diploma, a solidariedade, como valor constitucional do Estado
Democrático, foi, por meio da cooperação, transposto como pilar da ordem processual.171
A partir daí, a ideia da necessidade de um processo cooperativo se consolidou na
doutrina e na legislação brasileiras. O texto final do CPC trouxe entre as suas previsões, como
uma novidade, o princípio da cooperação, que, conforme consta do art. 6º do Código, determina
que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo
razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.
Salienta-se que tal dispositivo se encontra inserido no primeiro capítulo do Código,
enunciado “Das normas Fundamentais do Processo”, no qual, conforme explica Daniel

169
Salienta-se que, ainda na vigência do CPC de 1973, já haviam julgados nos quais se adotava o princípio da
cooperação na sua argumentação, como por exemplo no acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça em
sede de julgamento do Agravo nº 1221946, no qual se vislumbra que: “Por aplicação do Princípio da Cooperação,
tem-se que na condução e intervenção do processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias
parte cooperarem entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio. O
chamado princípio da cooperação, que orienta o magistrado a tomar posição de agente-colaborador do processo,
de participante ativo do contraditório e não mais um mero fiscal de regras, encara o processo como produto de
atividade cooperativa: cada qual com suas funções, mas todos com o objetivo comum, que é a prolação do ato
final” Cf.BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 1.221.946 - ES (2009/0161577-6).
Relator: Min. Aldir Passarinho Junior. Brasília, 22 de setembro de 2010.
170
Utiliza-se das aspas, em razão do considerável tempo que já se passou desde a promulgação do referido Código,
de maneira a poder não considerá-lo mais um novidade no âmbito processual.
171
Cf. MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil como prêt-à-porter? Um convite ao diálogo para
Lenio Streck, in “Revista de Processo”, São Paulo: RT, v. 194, abr. 2011, p. 61. O autor em um outro escrito
defende que o que descrito no art.1º, inc. III da CF, no sentido de que o Estado objetiva “construir uma sociedade
livre, juts e solidária”, pode ser compreendido como a razão pela qual “ a sociedade contemporânea pode ser
considerada ela mesma um empreendimento de cooperação entre os seus membros em vista da obtenção de
proveito mútuo” Concluindo o professor que “não por acaso considerada doutrina já alude mesmo à existência de
um verdadeiro ‘Estado Constitucional Cooperativo’” .Cf. op.cit, nota 140, p. 52
57
Mitidiero, o legislador densifica o direito ao processo justo, previsto no art. 5º da CF, e anuncia
as “linhas-mestras” que o estruturam.172
Nesse sentido, na visão de Carlos Alberto de Oliveira, o princípio da cooperação

vincula-se ao próprio respeito à dignidade humana e aos valores intrínsecos da


democracia, adquirindo sua melhor expressão e referencial, no âmbito processual, no
princípio do contraditório, compreendido de maneira renovada, e cuja efetividade não
significa apenas debate das questões entre as partes, mas concreto exercício do direito
de defesa para fins de formação do convencimento do juiz, atuando, assim, como
anteparo à lacunosidade ou insuficiência da sua cognição.173

Sendo assim, entende a parte majoritária da doutrina que, por meio da


constitucionalização do processo, a cooperação não só passa a integrar o processo civil, mas
também caracteriza um novo modelo de processo, que funciona justamente a partir do princípio
da cooperação.
Sem que tornemos o trabalho repetitivo, abordemos rapidamente cada uma das acepções
da cooperação no direito brasileiro, focando, substancialmente, naquilo que essencial para uma
compreensão geral da noção de cooperação no ordenamento brasileiro, bem como para o
reconhecimento das diferenças com o direito português. Como princípio, assim como no Direito
português, a colaboração estrutura-se por meio de diferentes poderes-deveres, dispersos em
diversas regras do Diploma, consubstanciados em: dever de esclarecimento (art. 139, inc. VIII
e art. 321), dever de diálogo/consulta (art. 10 e art. 489, §1º, inc. IV), dever de prevenção (art.
317 e art. 932) e, por último, um dever de auxílio (art. 373º, art. 139, inc. IV, art. 772, inc. III).
Interessante mencionar que o tema da atuação do juiz e da divisão de trabalho entre o
julgador e as partes já é há muito tempo estudado pela doutrina brasileira, podendo-se dizer que
entre os primeiros processualistas que abordaram a temática foi José Carlos Barbosa Moreira,
a partir de 1984.174 No entanto, quem primeiro utilizou a expressão “comunidade de trabalho”
foi Carlos Álvaro de Oliveira, tendo sido o primeiro jurista pátrio também a tratar da cooperação
como um modelo de processo.175

172
Cf. MITIDIERO, Daniel. A colaboração como Norma Fundamental no Novo Código de Processo Civil
Brasileiro, in “Revista do Advogado”, v. 35, nº 126, pp. 47-52, maio, São Paulo: AASP, 2015.
173
OLIVEIRA, C.A.A.; Poderes do juiz e visão cooperativa do processo..., op.cit., pp. 10/11.
174
O autor desenvolveu obras como: Os poderes do juiz na direção e na instrução do processo (1984). Temas de
direito processual, 4ª Série, São Paulo: Saraiva, 1989; O problema da “divisão de trabalho” entre juiz e partes:
aspectos terminológicos (1985). Temas de direito processual. São Paulo: Saraiva, 1989, 4ª série; e Sobre a
“participação” do juiz no processo civil (1987). Temas de direito processual. São Paulo: Saraiva, 1989, 4ª Série.
175
Cf. OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. Do formalismo no processo civil, São Paulo: Saraiva, 1997, p.72.
Informação obtida em MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil: pressupostos sócias, lógicos e éticos,
3. ed. rev., atual. e ampl. de acordo com o novo código de processo civil, São Paulo: Editora Revista do Tribunais,
2015, p. 65, nota 219.
58
Na doutrina mais recente, Daniel Mitidiero, dando continuidade à teoria de Carlos
Alberto Álvaro de Oliveira, defendeu sua tese de doutorado, em 2007, que posteriormente, foi
publicada se tornando uma das maiores referências atuais sobre o tema da cooperação no
Brasil.176 Além dele, outro grande defensor do princípio no Brasil, é o professor Fredie Didier
Jr., que já foi citado, pela sua obra sobre essa temática produzida em Portugal.
Entre as ideias desses dois últimos autores, a grande distinção existente é em relação ao
alcance do princípio em estudo. Ao contrário de Didier e, salienta-se, da maioria dos estudiosos
brasileiros, Mitidiero defende a inexistência de um dever de cooperação entre as partes, em
razão da presença dos interesses contrapostos entre elas, o que, segundo ele, é inerente ao
litígio.177
Dissemina-se pela doutrina brasileira, inclusive, a ideia de que tampouco pelo legislador
as lições de Mitidiero foram acolhidas. Isto porque, ainda no Projeto do CPC de 2015178 a
posição do autor era a recepcionada. Contudo, na versão final do Código, a perspectiva mais
ampla sobre o princípio foi a consagrada, o que deve ser, porém, ao menos ao nosso ver,
relacionada à grande influência de Fredie Didier Jr. na confecção do CPC brasileiro.
Ademais, apesar da clara inspiração do legislador brasileiro no direito português, no que
tange à cooperação, nota-se um entendimento divergente entre ambos a respeito da eficácia
normativa do princípio da cooperação. Isto porque, no Brasil, a cooperação é tida como uma
cláusula geral, que permite ao magistrado adequá-la de acordo com a sua percepção do caso
concreto.
Na forma de modelo processual, acredita-se, sumariamente, que a colaboração pretende
organizar, de maneira equilibrada, o papel das partes e do juiz no andamento do processo,
estruturando-o como uma comunidade de trabalho.
É preciso, no entanto, mencionar que, apesar de majoritário na doutrina, o
reconhecimento da relevância da cooperação não é unânime. Há uma corrente minoritária,
liderada pelo professor Lenio Luiz Streck que se manifesta de forma contrária a ideia de
cooperação como princípio processual, defendendo, além do mais, que a cooperação é
incompatível com a Constituição.

176
Trata-se da obra já referenciada diversas vezes ao longo do trabalho, nomeada: Colaboração no Processo Civil:
pressupostos sociais, lógicos e éticos.
177
Cf. MITIDIERO, D. Colaboração no Processo Civil como prêt-à-porter?..., op.cit., p. 62.
178
Projeto de Lei do Senado nº 166, de 2010.
59
Em primeiro lugar, Streck critica a ideia do panprincipiologismo, ao argumento de que
esta noção dos princípios como standards interpretativos acabam por ser a fonte da liberdade
do juiz na interpretação do direito.179
Streck, Lúcio Delfino, Rafael dalla Barba e Ziel Lopes afirmam, além disso que o texto
do art. 6º apenas representa uma forma que o legislador encontrou de depositar nas “costas do
jurisdicionado parcela imprevisível do peso da responsabilidade que compete ao Estado por
determinação constitucional”.180 Seria, sob essa visão, uma espécie de alerta ao utente de que,
caso ele quisesse uma decisão justa, efetiva e tempestiva, deveria também fazer a sua parte e
cooperar no processo.
Destacam, ainda, que a ideia de cooperação entre as partes é irreal, tendo em conta o
que verdadeiramente ocorre na “arena processual, onde as partes ali se encontram sobretudo
para lograr êxito em suas pretensões”181. E, continuam afirmando que, se assim não fosse, não
existiria o Direito.
Pontuam, de forma interessante e que merece reflexão, que:

Uma comunidade de trabalho com a finalidade de regulamentar o diálogo entre juiz e


partes é algo bem diferente de inserir a todos num mesmo patamar, como se o primeiro
exercesse juntamente com as últimas o contraditório, debatendo teses, argumentando
e rebatendo argumentos, levando fatos (ou obrigando as partes a levá-los) para o
processo, produzindo provas e contraprovas. Algo também bem diferente que confiar
às partes deveres de cooperar entre si (sic) e de instituir em favor do juiz poderes para
obrigá-las, contra vontade delas, a atuar cooperativamente. Sim, corremos esse risco.
Este é o busílis da questão.182

Ademais, a ideia de inconstitucionalidade da cooperação sustentada por essa corrente


doutrinária advém de uma alegada violação ao direito constitucional de acesso à justiça, tendo
em conta que a cooperação obrigaria as partes e seus advogados a colaborarem para a obtenção
de uma “verdade superior”, ainda que esta se apresente contrária aos seus interesses e àquilo
que postulam em juízo.183
Nota-se, assim sendo, que essa parcela da doutrina brasileira, apesar que de uma forma
muito mais exagerada, demonstra no contexto do Direito brasileiro os receios por nós
apresentados, no que tange ao direito português, a respeito da liberdade dada ao magistrado, em
prol de um ideal de cooperação.

179
Cf. STRECK, Lenio Luiz; Um debate com (e sobre) o formalismo, in “Revista de Processo”, v. 312, nov.,
2012, p. 14.
180
Cf. STRECK, Lenio Luiz et. al.; A cooperação processual do novo CPC é incompatível com a Constituição,
in “Consultor Jurídico”, 2014, p.2.
181
Cf. STRECK,L. L, et. al.; A cooperação processual do novo CPC..., op.cit., p. 3.
182
Ibidem, p. 4.
183
Ibidem.
60
A nosso ver, no caso do Brasil, revela-se um tanto quanto mais aceitável a ideia do
surgimento de um novo modelo processual, tendo em conta que o Código em vigência nasceu
exatamente em busca de uma reestruturação do processo, por meio das bases constitucionais.
Mesmo assim, dois pontos devem ser considerados. O primeiro é o que já mencionamos,
quando tratamos do direito português, no sentido de que, difícil acreditar na mudança de
paradigma processual, baseado unicamente em uma mudança de texto legal. No nosso entender,
necessário, além disso, uma mudança também de pensamento, o que, apesar do esforço da
doutrina pátria, temos dúvida se a suposta nova ideologia saiu dos livros e conseguiu, de fato,
alcançar a prática do Direito.
Por fim, importante consignar que, por mais que se admita que foi inaugurada uma nova
fase processual, tal fato não a torna imune aos problemas anunciados na parte anterior do
trabalho, pertinentes ao controle da atuação dos julgadores. Sendo assim, cabe agora, sobretudo
à jurisprudência suportar e mitigar os efeitos dessa nova fase processual, de maneira que apenas
o tempo dirá se ela é sustentável e saudável ao processo civil brasileiro.

61
CONCLUSÃO

Ao longo deste trabalho, nos debruçamos sobre a cooperação, tanto como princípio,
quanto como modelo processual, investigando sobre a sua previsão, aplicação e implicações na
ordem jurídica portuguesa. Com toda a exposição feita, tentamos dar respostas às problemáticas
anunciadas na introdução, as quais buscaremos condensar, agora, em poucos parágrafos.
Em primeiro lugar, imperioso retirar do conceito da cooperação as concepções de
novidade e de universalidade. Para tanto, fundamental que se distinga, de forma mais clara na
doutrina, as duas acepções que o termo suporta, passando a se vislumbrar uma análise individual
da cooperação como um princípio processual e como um modelo processual. Até mesmo
porque, como se demonstrou ao longo do trabalho, tais perspectivas são independentes e variam
de acordo com o ordenamento jurídico que se pretende estudar.
No que tange ao Direito português, observou-se que o princípio da cooperação já havia
sido integrado ao quadro normativo desde as reformas de 1995 e 1996, tendo sido o texto
normativo mantido em sua integralidade no atual CPC lusitano, mais especificamente no art.
7ª, nº 1 do Diploma.
Não obstante a previsão genérica do princípio, defendeu-se a necessidade de sua
concretização por meio de diversos deveres-poderes, previstos na Lei processual,
nomeadamente: o dever de consulta, de esclarecimento, de auxílio, de prevenção e de
cooperação para a descoberta da verdade.
Com o estudo aprofundado de cada um desses poderes-deveres, concluiu-se que o
princípio possui diferentes implicações para cada um dos agentes processuais. Primeiramente,
impossível a defesa de existência de um dever de cooperação entre as partes, tendo em conta o
englobamento do princípio da boa-fé processual sobre as normas cooperativas respeitantes à
atuação das partes no processo. No que tange à relação as partes para com o tribunal, não
obstante uma similitude também com os deveres de boa-fé impostos às partes e seus patronos,
necessário destacar os efeitos dos dever de cooperação para a descoberta da verdade. No
entanto, sem sombra de dúvidas, foi possível observar que os maiores poderes-deveres,
advindos da cooperação, sobretudo poderes, foram postos sobre o juiz, o que, pode trazer
benefícios para o processo, se bem utilizados, mas, ao mesmo tempo, podem fazer ruir a
igualdade, a justiça e a imparcialidade necessárias em um julgamento, gerando sérios riscos de
serem observadas posturas arbitrárias dos julgadores.
Em suma, no que diz respeito ao princípio da cooperação no ordenamento português,
verificou-se que os seus principais efeitos estão concentrados na relação do Tribunal para com
62
as partes e que, em razão da previsão aberta de variados poderes-deveres concedidos aos
magistrados, o princípio acaba por abrir margem para uma atuação mais discricionária dos
julgadores, o que, apesar de não significar uma atuação autoritária do juiz, pode sim, se não
comedida, colocar em risco a posição imparcial do magistrado e a segurança jurídica. Sendo
assim, a forma com a qual o princípio refletirá no processo civil português irá depender, quase
que unicamente, da maneira com que os juízes farão uso dos poderes a eles concedidos, em
especial os poderes instrutórios.
A fim de conter ou, ao menos, diminuir os riscos que o princípio da cooperação pode
infringir sobre o processo civil português, mas, também, em decorrência de uma análise
sistemática do CPC lusitano, imprescindível que se reconheça a eficácia indireta do mesmo.
Isto é, necessário que se entenda que o princípio depende de normas concretizadoras para ser
aplicado ao caso concreto.
Por outro lado, no que diz respeito à cooperação como um modelo processual, tem-se,
apesar da previsão expressa do referido princípio, não se pode, e nem se deve, extrair do mesmo
força suficiente para fazer surgir um novo sistema.
A ideia do modelo cooperativo de construir no processo uma comunidade de trabalho
entre as partes, na qual o juiz e se coloca no mesmo nível delas, durante a condução do processo
e, apenas no desempenho da sua função de decidir, é que assume uma posição assimétrica e
superior com relação às mesmas, ainda precisa de evoluir para ser reconhecido como um novo
paradigma vigente.
Revela-se essencial que a legislação e a doutrina se encontrem mais harmoniosas sobre
o tema, a fim de que se consolidem limites, especialmente, sobre a atuação do magistrado, para
a aplicação do princípio da cooperação. Somente assim, um modelo cooperativo poderá se
instaurar com segurança no ordenamento português.
Em outras palavras, é preciso que a concepção sobre essa atuação participada dos
agentes processuais seja mais delimitada, sobretudo em lei. Caso contrário, o entendimento
precipitado de surgimento de um novo modelo processual, colocará em risco a observância de
preceitos fundamentais, sob o foco de uma atuação demasiadamente ativa do juiz sobre o
processo.
Com isso, acreditamos que, por mais que concordemos com os benefícios que podem
ser alcançados por meio da cooperação, se bem aplicada no processo, aceitá-la, no atual
contexto legislativo e ideológico, poderá acabar por levar ao efeito contrário. Sendo assim, a
percepção de um processo cooperativo ainda precisa de desenvolvimento na ordem jurídica

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portuguesa. Não podemos, com o intuito de alcançar um processo ideal, dialogado e
participativo, nos olvidar da realidade prática processual.
Portanto, a praxe judiciária será determinante para esse progresso da percepção
cooperativa do processo, a fim de que seja alcançado um consenso sobre os limites, os efeitos
e o conteúdo da cooperação. Acredita-se que, a depender da forma como a qual ocorrerá a
aplicação do princípio da cooperação, será possível concluir pela possibilidade de instauração
de uma nova fase processual, bem como se estamparão as necessidades legais, para que tal
modelo seja consolidado.
Sobre a acepção da cooperação como modelo processual, destarte, admite-se que, talvez,
poucas tenham sido as respostas dadas pelo presente trabalho, no entanto espera-se que, por
meio das discussões e premissas aqui expostas, se revele possível delinear algumas soluções
para os desafios concretos que a cooperação acarreta, desde já, no processo civil português, a
fim de que, futuramente, possamos falar, com segurança e com base legislativa, de um modelo
processual cooperativo.

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