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NOTAS CRÍTICAS SOBRE A REFORMA DOS

RECURSOS EM PROCESSO CIVIL DE 2007

A reforma dos recursos em processo civil realizada pelo DL n.º 303/2007,

de 24 de Agosto, era totalmente desnecessária, tendo em conta as profundas e

sensatas modificações que, neste âmbito, foram levadas a efeito pela Reforma de

1995-1996, a que se seguiram as alterações pontuais introduzidas pelos DLs n.ºs

375-A/99, de 20 de Setembro, e 38/2003, de 8 de Março.

E não se vislumbra no articulado daquele diploma legal a concretização de

nenhum dos três objectivos pretendidos: simplificação, celeridade processual e

racionalização do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça.

Diversamente, deparamos com um acréscimo dos meios de impugnação,

reforço da tramitação burocrática e muitas deficiências de ordem técnica na

regulamentação das novas temáticas. Depois, não vemos como a racionalização

do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça se harmoniza com a reintrodução do

recurso para uniformização de jurisprudência (mantendo-se a revista ampliada que

visa o mesmo objectivo) e com o surgimento da complexa e desnecessária revista

excepcional, de que se vem usando e abusando, quando, em caso de “dupla

conforme”, e à semelhança do que ocorre em processo penal, não devia ser

admissível, pura e simplesmente, recurso para o STJ.

Reflictamos sobre alguns dos aspectos mais controversos da Reforma de

2007, privilegiando os que afectam o STJ.


Destaca-se, na Reforma, como nota relevante, no âmbito dos recursos

ordinários, a adopção de um regime monista, com um só tipo de recurso perante a

Relação – a apelação – e perante o STJ – a revista, com absorção dos anteriores

recursos de agravo.

A unificação dos recursos ordinários foi considerada ao longo dos anos em

vários projectos de reforma do processo civil, mas sempre abandonada, face às

dificuldades de fusão dos regimes dos quatro recursos existentes em apenas dois

(um por instância). Foi audacioso o legislador de 2007, mas, por ser canhestro,

produziu uma obra lastimável e teria sido melhor que nela não se tivesse

envolvido.

Vejamos para começar o que ocorre com a nova redacção recebida pelo

art. 691.º, onde se elencam as decisões de que se pode apelar.

No seu n.º 1, diz-se que cabe recurso de apelação das decisões do tribunal

de 1.ª instância que ponham termo ao processo, como os despachos de

indeferimento liminar, as decisões de absolvição da instância e as decisões finais

que conheçam do mérito da causa. Igualmente são passíveis de apelação as

decisões de mérito contidas no despacho saneador que não põe termo ao processo,

nos termos da alínea h) do n.º 2. Este mesmo número enuncia uma série de

despachos impugnáveis através de apelação autónoma.

Depois, no n.º 3, refere-se que as demais decisões, nas quais se incluem as

que se pronunciam sobre os pressupostos processuais, com excepção do da

competência, somente podem ser impugnadas no recurso que vier a ser interposto

da decisão final.

E isto ocorre por o legislador, no concernente ao processo civil, apenas

admitir a subida imediata do recurso, e não como anteriormente e como continua


a acontecer no processo penal, igualmente a sua subida diferida. Se se tivesse

mantido este momento de subida do recurso, as decisões interlocutórias a que

alude o n.º 3 do art.691.º seriam impugnáveis após a sua prolação, mas com a

subida dos respectivos recursos diferida para o momento da subida do primeiro

recurso que, depois de eles serem interpostos, houvesse de subir imediatamente,

como se dizia no revogado n.º 1 do art. 735.º Se as coisas fossem assim, evitar-se-

ia, pelo trânsito em julgado das decisões interlocutórias, que a parte vencida a

final as impugnasse. Agora, com a solução encontrada, a parte vencida irá

seguramente impugnar o maior número possível daquelas decisões, na mira de,

por esse processo ínvio, lograr a anulação da decisão final que lhe tenha sido

desfavorável.

E o mesmo acontecerá com os acórdãos proferidos na pendência do

processo na Relação que, segundo o n.º 2 do art. 721.º, apenas podem ser

impugnados no recurso de revista que vier a ser interposto nos termos do n.º 1 (a

menos que se trate de acórdãos proferidos sobre incompetência relativa da

Relação ou de acórdãos cuja impugnação com o recurso da revista fosse

absolutamente inútil ou nos demais casos expressamente previstos na lei).

Também aqui e pelas razões atrás expostas, os acórdãos interlocutórios referidos

deveriam ser imediatamente impugnáveis, mas com a subida dos recursos diferida

para o momento de subida do recurso de revista interposto nos termos do n.º 1 do

art. 721.º, à semelhança do que se previa no n.º 1 do revogado art. 757.º

Um dos objectivos pretendidos com a Reforma de 2007 era a

racionalização do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, seguramente na linha da

Recomendação N.º R (95), 5, de 7 de Fevereiro de 1995, do Conselho da Europa,


sobre recursos, onde, depois de se destacar que os Estados devem ter presente, ao

considerarem intervenções de terceiros tribunais, que os casos já foram

anteriormente apreciados por dois tribunais, refere-se que o recurso para o

“terceiro tribunal” deve ser utilizado quando se justifique uma terceira apreciação

jurisdicional, designadamente nos casos relevantes para o desenvolvimento do

direito, que contribuam para a uniformização da jurisprudência ou que tenham por

objecto questões de importância fundamental para o direito, que o recorrente deve

explicitar. Propõe-se ainda aos Estados, que não admitem um sistema de leave to

appeal ou que não admitem a possibilidade de rejeição discricionária de recurso

por parte do “terceiro tribunal”, que considerem a possibilidade de introduzir tais

sistemas, como forma de limitar o número de casos sujeitos a uma terceira

instância.

Perante esta Recomendação, e por já terem no momento decorrido mais de

12 anos sobre a sua emissão, era a altura adequada para ser editado um preceito

semelhante ao do n.º 1 do art. 150.º do Cód. de Processo nos Tribunais

Administrativos, onde se determinasse que das decisões proferidas em 2.ª

instância pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal de

Justiça quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua

relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a

admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do

direito.

Seria a instauração de um sistema próximo da leave to appeal dos direitos

dos países da common law, recomendado pelo Conselho da Europa, nos termos do

qual depende de um juízo discricionário da autoridade judiciária a admissão de

recurso para o tribunal supremo.


Diferentemente, a Reforma de 2007 agarrou-se, qual tábua de salvação, à

leave to appeal, para viabilizar a revista do acórdão da Relação confirmatório da

decisão proferida na 1.ª instância, sem voto de vencido. Mais: inventou um novo

fundamento, estranho ao sistema de leave to appeal, qual seja o da oposição do

acórdão da Relação com outro já transitado em julgado, proferido não só pelo

Supremo, mas também por qualquer Relação (não será difícil descobrir ou

inventar algum para protelar o trânsito em julgado do acórdão de que se pretende

recorrer).

Refira-se ainda que a revista excepcional comporta apenas um grau de

alegações e contra-alegações, devendo nelas dissertar-se não só sobre a

verificação de um dos fundamentos que a possibilitam, mas também sobre a

questão controvertida, quando a regra da proibição da prática de actos inúteis (art.

137.º), como manifestação do princípio da economia processual, impunha que só

se alegasse sobre a questão de fundo depois de a revista excepcional ter sido

admitida pela competente formação dos juízes do Supremo Tribunal.

Donde não deixarem os advogados, mesmo que prevejam que, no caso

concreto, o insucesso será o destino da sua iniciativa, de interporem, em princípio,

a revista excepcional, por antes daquele painel de juízes se pronunciar sobre a

verificação do pressuposto invocado em justificação dela, já eles tiveram a

oportunidade de alegar e contra-alegar, nada mais tendo a fazer no

desenvolvimento do recurso. E, se a revista for rejeitada, tornou-se em pura

inutilidade todo o arrazoado desenvolvido sobre a questão de mérito, apesar de

implicar acréscimo de honorários para o respectivo constituinte.

E o mesmo se diga com a inovação da Reforma de 2007 na parte em que

determina que o requerimento de interposição de recurso deve incluir a alegação


do recorrente e que o despacho sobre esse requerimento deve ser proferido depois

de recebida a alegação do recorrido ou de expirado o prazo para o efeito, uma vez

que tanto a alegação do recorrente como a do recorrido serão actos completamente

inúteis, caso o recurso não seja admitido. Fenómeno semelhante ocorre, no

recurso para uniformização de jurisprudência, quanto à parte da alegação do

recorrente respeitante à violação imputada ao acórdão recorrido se, na apreciação

liminar do recurso, se decidir no sentido de não se verificar o conflito de

jurisprudência.

Voltando à revista excepcional e dado a sua tramitação, por não

completamente regulada, estar originando várias dúvidas, no seguimento da

posição assumida na última edição do nosso “Manual dos Recursos em Processo

Civil”, apresentamos o estado da nossa reflexão sobre a matéria.

O requerimento de interposição de recurso, acompanhado da respectiva

alegação, deve ser apresentado perante a Relação onde foi proferido o acórdão de

que se recorre, com expressa menção de que se trata de uma revista excepcional

(art. 684.º-B, n.º 1, in fine).

A revista excepcional só será admitida se, no processo em causa, também

o for a revista normal.

Assim, deverá o relator na Relação indeferir o requerimento de

interposição do recurso quando:

a) Não inclua a alegação do recorrente ou esta não tenha conclusões;

b) A causa não tenha valor superior à alçada da Relação ou a decisão

impugnada não seja desfavorável ao recorrente em valor superior a

metade da alçada desse tribunal;


c) No caso em análise, não seja admissível recurso para o STJ por

disposição expressa de lei, como ocorre com as decisões proferidas nos

procedimentos cautelares, sem prejuízo dos casos em que o recurso é

sempre admissível (art. 387.º-A);

d) O acórdão da Relação não tenha sido proferido sobre decisão do

tribunal de 1.ª instância que tenha posto termo ao processo ou sobre

despacho saneador que, sem ter posto termo ao processo, tenha

decidido sobre o mérito da causa (art. 721.º, n.º 1);

e) O recurso foi interposto fora de prazo;

f) O requerente não tem as condições necessárias para recorrer.

Ainda o relator na Relação, mas agora fora do enquadramento da revista

normal, deve rejeitar o requerimento de interposição da revista excepcional se não

se verificar o requisito da “dupla conforme” ou se faltar a indicação dos elementos

contidos no n.º 2 do art. 721.º-A, a saber: as razões pelas quais a apreciação da

questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito; as razões

pelas quais os interesses são de particular relevância social; os aspectos de

identidade que determinam a contradição de acórdãos alegada e a não junção de

cópia do acórdão-fundamento com o qual o acórdão recorrido se encontre em

oposição.

Em caso de não se verificar a “dupla conforme”, mas se preencherem

todos os requisitos de admissibilidade da revista, designadamente os respeitante

aos valores da causa e da sucumbência, deve o relator na Relação receber a revista

como normal. E também receberá a revista como normal, mesmo que se verifique

uma situação de “dupla conforme”, se houver voto de vencido, e nos casos em que

o recurso é sempre admissível, como os previstos no n.º 2 do art. 678.º e no art.


44.º e Anexo IV do Regulamento (CE), n.º 44/2001, do Conselho, de 22 de

Dezembro de 2000, respeitante a recurso interposto da decisão sobre o pedido de

declaração de executoriedade de decisão proferida num Estado membro da União

Europeia (cf., quanto a esta última situação, o Acórdão do STJ de 11.03.2010, 7.ª

Secção, proferido no processo n.º 2580/08).

Sendo o recurso admitido, deve o relator na Relação fixar a sua espécie

(revista excepcional ou revista normal), o seu modo de subida e efeito, não

vinculando a sua decisão o tribunal superior (nomeadamente no respeitante à

qualificação da revista como excepcional ou normal) nem podendo ser impugnada

pelas partes (art. 685.º-C, n.º 5).

Do despacho do relator que não admita o recurso cabe reclamação nos

termos gerais do art. 688.º

Recebido o processo no STJ, será o mesmo distribuído como revista, em

distribuição normal, a um juiz conselheiro a quem competirá, além do mais,

apurar liminarmente, sindicando o despacho do relator na Relação, se alguma

circunstância obsta ao conhecimento do recurso, quer como revista normal quer

como revista excepcional, decidindo, em caso afirmativo, no sentido do não

conhecimento do objecto do recurso, uma vez ouvidas ambas as partes. No

despacho liminar, deve igualmente o relator averiguar se a revista recebida como

normal (por inverificação, por exemplo, do requisito da “dupla conforme”) deve

passar a excepcional, ou vice-versa. Do despacho do relator cabe reclamação para

a conferência (art. 700.º, n.º 3).

Entendendo-se, por decisão do relator ou da conferência, que a revista,

apesar de interposta como excepcional, deve prosseguir como normal, seguirá ela

como tal para julgamento.


Diversamente, se nada obstar ao conhecimento da revista como

excepcional, determinará o relator que o recurso seja apresentado à formação

constituída por três juízes escolhidos anualmente pelo presidente do STJ de entre

os mais antigos das secções cíveis ou da secção laboral, neste caso se se tratar de

uma questão cível laboral, para uma apreciação preliminar sumária do pressuposto

ou dos pressupostos invocados pelo recorrente para fundamentar a revista

excepcional, dentre os previstos no n.º 1 do art. 721.º-A. Se, nesta apreciação, a

formação dos três juízes não considerar preenchido o fundamento ou fundamentos

da revista excepcional invocados na alegação do recorrente, rejeita o recurso, o

que determinará a extinção da instância, sem necessidade de qualquer intervenção

ulterior do relator no Supremo a quem o processo fora anteriormente distribuído.

Se, diversamente, o colégio dos três juízes considerar preenchido o fundamento ou

um dos fundamentos invocados para alicerçar a revista excepcional, ordena que o

processo seja presente ao respectivo relator, a fim de, em sede de julgamento, se

proceder ao conhecimento do objecto do recurso.

Em discordância com a posição que vem sendo seguida, não pode aceitar-

se que, em caso de recurso interposto como revista excepcional, os autos, uma vez

recebidos no STJ, sejam de imediato submetidos a uma distribuição pelos três

juízes que integram a formação prevista no n.º 3 do art. 721.º-A. Diferentemente,

a distribuição ordinária, com todas as consequências que daí advêm, deve

preceder a intervenção daquele colégio de juízes.

O objectivo de resguardar o STJ como órgão superior da hierarquia dos

tribunais judiciais vê-se também frustrado com o surgimento, no recurso de

revista, duma audiência de julgamento, face ao aditamento do art. 727.º-A levado


a efeito pela RPC2007, seguramente por inspiração do CPP de 1987, onde

apareceu com a justificação errada de ser uma exigência da estrutura acusatória do

processo penal, mas que foi considerada inútil por muitos, por se limitar a repetir

o conteúdo da motivação; daí a reforma do processo penal levada a efeito pela Lei

n.º 48/2007, de 29 de Agosto, ter passado a admiti-la a título excepcional, somente

para os casos em que seja requerida ou se torne necessário proceder à renovação

da prova [art. 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP].

As alegações orais que comportam esta audiência no recurso de revista

podem também ocorrer nos julgamentos perante o pleno das secções cíveis e da

secção laboral (revistas ampliadas e recursos para uniformização de

jurisprudência), face ao disposto nos arts. 732.º-B, n.º 2, e 770.º, n.º 1, do CPC e

1.º, n.º 2, alínea a), e 87.º, n.ºs 1 e 2, do CPT.

Mas é de uma completa inutilidade a audiência de julgamento no STJ,

porquanto as alegações orais, exclusivamente sobre matéria de direito, a

acontecerem nela, serão uma reprodução das alegações escritas oportunamente

apresentadas pelas partes na fase de interposição do recurso, o que nos levou a

escrever, ao termos conhecimento das anunciadas alegações, que elas não visavam

senão a projecção mediática das figuras do costume.

Refira-se que esta audiência retarda o termo do processo, para além de a

presença dos mandatários forenses em mais um acto processual elevar a conta de

honorários, o que vai contra o clamor social que exige justiça mais célere e mais

barata.

Há contudo os apologistas das exposições orais, por, no seu entender,

contribuírem “para uma maior dignidade da fase de recurso e das intervenções de

magistrados e de mandatários judiciais”, apodando de conservadorismo a atitude


daqueles que “usam obnubilar qualquer ideia de arejamento nos usos dos

tribunais”.

Estamos convencidos de que esta audiência raramente se efectuará e que o

preceito que a permite, por falta de implementação, será revogado na melhor

oportunidade, tendo assim o mesmo destino que o art. 716.º do CPC de 1939,

onde também se previa a discussão oral no julgamento do recurso, e que o actual

CPC, logo em 1961, eliminou, com a seguinte justificação no preâmbulo do

diploma que o aprovou (DL n.º 44 129, de 28 de Dezembro de 1961): “ No que

especialmente se refere ao julgamento dos recursos, há duas alterações que

merecem ser destacadas: Uma é a da abolição da obsoleta discussão oral. Tem

sido praticamente letra morta a disposição legal que a permite. O absoluto desuso

da solução basta para justificar a eliminação”.

Espanta que quase 50 anos depois, a obsoleta discussão oral reapareça e

que aqueles que se opõem ao seu ressurgimento sejam deliciosamente alcunhados

de retrógrados.

O recurso para o tribunal pleno, criado pelo art. 66.º do Dec. N.º 12 353

de 22 de Setembro de 1926, dirigido à fixação e uniformização de jurisprudência,

depois de integrado no art. 1176.º do CPC de 1876, passou, sob a mesma

designação, para os Códigos de PC de 1939 e de 1961 (arts. 763.º-770.º). Este

recurso desapareceu com a RPC95-96, que procedeu à revogação dos arts. 763.º a

770.º e criou, em contrapartida, para uniformização de jurisprudência, a revista e o

agravo ampliados, através do aditamento dos arts. 732.º-A e 732.º-B e da nova

redacção conferida ao n.º 3 do art. 762.º No preâmbulo do DL n.º 329-A/95, de 12

de Dezembro, considerou-se tal solução claramente vantajosa em termos de


celeridade processual, por se eliminar uma “quarta instância” e se proporcionar,

mais do que o remédio a posteriori de conflitos jurisprudenciais já surgidos, a sua

prevenção. Ainda se acrescentou que “a normal autoridade e força persuasiva de

decisão do Supremo Tribunal de Justiça, obtida no julgamento ampliado de revista

(…) será perfeitamente suficiente para assegurar, em termos satisfatórios, a

desejável unidade de jurisprudência, sem produzir o enquistamento ou

cristalização das posições tomadas pelo Supremo”.

Apesar da RPC2007 manter o julgamento ampliado, agora com obrigação,

mas mal, para o relator ou para qualquer dos adjuntos de o propor (quando

anteriormente apenas o sugeriam), se se verificar a possibilidade de vencimento

de solução jurídica que esteja em oposição com jurisprudência uniformizada (art.

732.º-A, n.º 3, na redacção do DL n.º 303/2007, de 27 de Agosto), criou,

desnecessariamente um novo meio destinado à fixação e uniformização de

jurisprudência, sob a denominação de recurso para uniformização de

jurisprudência, mas agora sob as vestes de recurso extraordinário (arts. 763.º-

770.º, na redacção do Dl n.º 303/27).

Com este novo recurso protelar-se-á o trânsito em julgado das decisões,

que ficarão desde agora sujeitas a cinco instâncias, levando em conta o recurso

para o TC, de que se usa e abusa, sem se esquecer, como a experiência passada o

comprova, que muitas vezes se lança mão do recurso para o tribunal pleno, como

mero expediente dilatório, sem que haja qualquer oposição entre acórdãos do STJ.

Tenha-se também presente que a contradição entre dois acórdãos do STJ,

mesmo a verificar-se, não implica necessariamente uma decisão visando a

resolução do conflito de jurisprudência, por a função específica dos supremos

tribunais, qual seja a de uniformização de jurisprudência, diversamente da função


jurisdicional reportada à sua actividade como instância de recurso, não ser de

exercício obrigatório, mas antes condicionada à selecção dos casos com interesse

uniformizador.

A uniformização de jurisprudência, quer através da revista ampliada quer

através do recurso para uniformização de jurisprudência, só deverá ocorrer se as

divergências jurisprudenciais ou doutrinárias entretanto surgidas o justificarem e

se se considerar a matéria profundamente reflectida ou debatida para uma

intervenção visando esse objectivo, porventura em sentido oposto à jurisprudência

anteriormente fixada.

Como refere Castanheira Neves, “o Supremo Tribunal só deverá aceitar

intervir em ordem à unidade do direito (…), quando esta nos seus momentos

integrantes e regulativos, constitutivos e reconstitutivos, verdadeiramente o exigir:

para estabilizar com a sua auctoritas uma orientação jurisprudencial

suficientemente amadurecida, para fazer confrontar com uma perspectiva que

tende a prevalecer outra ou outras que importa também ter em conta, para

delimitar em termos especificantes orientações abstractamente contrárias mas

praticamente compossíveis, para superar uma divergência jurisprudencial que a

indispensável experimentação ou amadurecimento problemáticos já não justifique,

etc.; para estimular um novo rumo jurisprudencial relativamente a certo tipo de

problemas, para pôr um novo problema jurídico, para assimilar no corpus iuris

novos princípios jurídicos a que a prática jurisprudencial já implicitamente tenha

dado base normativa, para fazer reconhecer através de um certo tipo de caso ou

problema jurídico a abertura a novos valores ou a novos princípios e critérios

jurídicos” ( O Instituto dos “Assentos” e a Função Jurídica dos Supremos

Tribunais, 1983, p. 666).


A histeria recursória do XVII Governo Constitucional na área da Justiça,

determinou, nos seus últimos tempos, a alteração de vários preceitos do CPC, para

facilitar o acesso aos tribunais de recurso.

Assim, com o DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto, com a nova redacção

dada ao art. 315.º, substituiu-se a regra de várias décadas, segundo a qual o valor

da causa só seria fixado pelo juiz se discordasse do valor acordado pelas partes,

expressa ou tacitamente, e apenas até ao momento em que fosse proferido o

despacho saneador, ou, não havendo lugar a este, até à prolação da sentença, pela

regra da fixação obrigatória do valor da causa pelo juiz, se não antes, no despacho

em que se pronuncie sobre o requerimento de interposição do recurso. O que vale

por dizer que, no regime anterior, raramente se perspectivava a hipótese de

recurso, aliás sempre admissível, da decisão respeitante ao valor da causa ou dos

incidentes [actual alínea b) n.º 2 do art. 678.º], por faltar, em regra, esta decisão, e

presentemente estar de portas escancaradas esse recurso por a lei impor ao juiz a

fixação do valor da causa. E o revigorado e seguramente ansiado recurso também

vai chega ao STJ, se bem que dele não resulte qualquer proveito para as partes,

porque nele apenas se vai conhecer do valor da causa e não do fundo da questão.

Aproveitando o DL n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, que aprovou o

Regulamento das Custas Processuais, o legislador, mais uma vez, satisfez os

recorrentes compulsivos.

Deste modo, através da nova redacção conferida aos arts. 307.º, n.º 1,

309.º, n.º 2, e 312.º, n.º 2, do CPC, elevaram-se desmesuradamente os valores de

determinados tipos de acção, a fim de se viabilizarem mais recursos. Assim: nas

acções de despejo, o valor deixa de se identificar com o da renda anual, acrescido


das rendas em dívida e da indemnização requerida, para passar a ser o da renda de

dois anos e meio, acrescido do valor das rendas em dívida ou o da indemnização

requerida, consoante o que for superior; nos processos cuja decisão envolva uma

prestação periódica, passou a considerar-se o valor das prestações relativas a um

ano multiplicado por 20 ou pelo número de anos que a decisão abranger se for

inferior e, sendo impossível determinar o número de anos, o valor é o da alçada da

Relação, quando, por analogia com o que se dispõe no art. 307.º, n.º 3, no

respeitante às acções de alimentos definitivos, o valor daquelas acções devia

corresponder ao quíntuplo da anuidade da prestação periódica solicitada; e, nas

acções para atribuição da casa de morada de família, constituição ou transferência

do direito de arrendamento, o valor passa a ser equivalente à alçada da Relação e

mais € 0,01, logo, com recurso até ao STJ (em situação paralela, à das acções

sobre o estado das pessoas ou sobre interesses imateriais, como se com estas se

identificassem, e não com as acções sobre coisas).

Depois, no próprio Regulamento das Custas Processuais, no seu art. 27.º,

n.º 5, com total desrespeito da regra das alçadas, admite-se sempre recurso da

condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória especial fora dos casos

legalmente admissíveis, o que equivale a poder-se recorrer de condenações no

pagamento de quantias compreendidas entre 0,5 UC e 15 UC, atento o disposto

nos arts. 10.º e 27., n.ºs 1 e 2, do citado Regulamento.

Temos diferentemente sustentado que, no caso destas condenações, se

deveria apenas atender ao valor da causa, como factor de admissibilidade do

recurso, e não também ao valor da sucumbência (na circunstância coincidente

com o valor da condenação). Este entendimento evitaria o absurdo de ser

inadmissível recurso da decisão que conheça do mérito, por os valores da causa


ou da sucumbência o não permitirem, mas já ser admissível, no mesmo processo,

recurso de condenação em multa ou outra penalidade de alguma das partes ou

outros intervenientes a partir de 0,5 UC.

Depois das reformas erradas dos últimos tempos na área da Justiça, como

as ocorridas no âmbito dos recursos em processo civil, que conduziram ao

aumento das formalidades burocráticas e ao retardamento da conclusão dos

processos, não nos surpreende que o relatório do Banco de Portugal referente ao

ano de 2009, divulgado na semana passada, aponte como um dos cinco problemas

estruturais da economia portuguesa, que dificultam o processo de crescimento, as

falhas no sistema judicial causadas sobretudo pela sua morosidade.

Lisboa, 27 de Maio de 2010

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