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Revista Jurídica do
Ministério Público
do Estado do Paraná
ano 6 - nº 11, dez/2019
Conselho Editorial:
Equipe Editorial:
Editor-Chefe: Editoras-Executivas:
Eduardo Augusto Salomão Cambi Andrea Camargo Dias
Paola Carolina Polo
2. Entrevista
ENTREVISTA COM CORREGEDOR-GERAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO
DO PARANÁ MOACIR GONÇALVES NOGUEIRA NETO .............................................. 11
Por Mauricio Cirino dos Santos e Heloise Bettega Kuniyoshi Casagrande
3. Artigos
A VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO NO DESASTRE DE
BRUMADINHO/MG E A OMISSÃO FISCALIZATÓRIA NAS ATIVIDADES DE
MINERAÇÃO NO BRASIL ............................................................................................... 17
Giovani Ferri
Patrícia Rangel Balensiefer
4. Seção Estudante
A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA APLICAÇÃO DA LEI MARIA DA
PENHA: TRANSEXUAIS, DANOS MORAIS E A CRIMINALIZAÇÃO DO
DESCUMPRIMENTO DAS MEDIDAS DE PROTEÇÃO .................................................. 214
Cristina Tonet Colodel
5. Resenha
O DIREITO A FAVOR DA ESPERANÇA: O USO DOS PRECEDENTES JUDICIAIS
PARA A EFETIVAÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ................................... 272
Eduardo Cambi
Lucas Paulo Orlando de Oliveira
6. Jurisprudência Comentada
ENRIQUECIMENTO INJUSTIFICADO DECORRENTE DE OCUPAÇÃO IRREGULAR
DE IMÓVEL PÚBLICO ..................................................................................................... 279
Hugo Evo Magro Corrêa Urbano
Leonardo Dumke Busatto
7. Espaço Institucional
A CONFIGURAÇÃO DA OMISSÃO MUNICIPAL EM FACE À POLÍTICA
HABITACIONAL .............................................................................................................. 317
Alberto Vellozo Machado
Laura Esmanhoto Bertol
Matheus Mafra
Thiago de Azevedo Pinheiro Hoshino
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educacionais (com o oferecimento de eventos mais focados ao público interno, com a
transformação do Curso de ingresso em pós-graduação e fazendo novas parcerias com
outras instituições de ensino).
O futuro deve ser assumido como uma grande oportunidade que construímos a
partir do planejamento, da organização e das ações que fazemos no presente. É a soma
de pequenos esforços repetidos, dentro de uma diretriz determinada, que pode
assegurar melhores resultados.
Boa leitura!
Eduardo Cambi
Promotor de Justiça
Coordenador da ESMPPR
9
2. Entrevista
ENTREVISTA COM CORREGEDOR-GERAL
DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO
DO PARANÁ MOACIR GONÇALVES
NOGUEIRA NETO
Por Mauricio Cirino dos Santos e Heloise Bettega Kuniyoshi Casagrande
A partir dessa ideia, a Corregedoria-Geral contribui não apenas para fiscalizar e orientar
os membros e servidores do Ministério Público, mas também tem a perspectiva de
fomentar o incremento na qualidade dos serviços prestados à população, sem descurar
da celeridade e transparência que devem sempre nortear nosso mister. O enfoque na
orientação e motivação também permite que a faceta fiscalizatória e de
responsabilização por prática de falta funcional, permaneça vigorosa e firme, com sua
11
óbvia relevância, porém seja naturalmente aplacada por ações de viés preventivo. Trata-
se de enxergar a Corregedoria-Geral como órgão que zela pela conduta responsável dos
membros, para que, quando forem detectados indícios de problemas, atue-se de forma
preventiva, se for possível. É preciso que exista um pensamento, ou melhor, um
sentimento unívoco de que fazemos parte de uma instituição forte, independente,
desatrelada dos poderes constituídos da nação, e que defende, sobretudo, o regime
democrático, reguardando os direitos sociais, ouvindo e fazendo ouvir a voz do povo e
seus anseios em cada Comarca do Estado, e foi com base em tal horizonte que conduzi
a terceira gestão como Corregedor-Geral do Ministério Público do Estado do Paraná, com
lastro no apoio do E. Colégio de Procuradores e em conjunto com o amigo e colega
Procurador de Justiça Antonio Staut Nunes - que ao meu lado atua como Subcorregedor-
Geral.
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pontuando o cotidiano dos trabalhos na Corregedoria-Geral, seja na condução dos
trabalhos administrativos internos, na realização de correições e inspeções por todo o
Estado do Paraná e confecção dos respectivos relatórios, no acompanhamento dos
estágios probatórios, participação ativa no curso de formação dos Promotores
Substitutos organizado pela Escola Superior do Ministério Público, análise das questões
disciplinares, regularização e validação de relatórios de inspeção (área criminal e infância
e juventude) nos sistemas do CNMP e acompanhamento da integração de sistemas que
possibilitaram a implementação do Inquérito Eletrônico. Por certo que a vontade de
realizar é sempre maior do que se mostra possível diante das circunstâncias, mas tal
condição, se não for considerada como um problema, transforma-se em mais um
motivador da constante necessidade de dedicação, trabalho árduo e comprometimento
com a instituição. No biênio 2018/2019, além de todas as mencionadas atividades de
fiscalização e orientação, buscou-se enfoque no controle e medidas para
aceleração/otimização dos trabalhos dos membros do Ministério Público nos
procedimentos extrajudiciais, com a expedição de recomendações específicas e a
participação direta e ativa na elaboração do Ato Conjunto n. 001/2019-PGJ/CGMP, que
consolida e sistematiza, no âmbito da atuação extrajudicial cível do Ministério Público
do Estado do Paraná, o rito da Notícia de Fato, do Inquérito Civil, do Procedimento
Preparatório, do Procedimento Administrativo, da Recomendação e do Compromisso de
Ajustamento de Conduta, com vistas a aprimorar, cada vez mais, a importante atuação
extrajudicial dos Promotores e Promotoras de Justiça paranaenses nas mais variadas
áreas.
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pelos próprios membros conselheiros, na última reunião de cada ano, para o mandato
de um ano, com gestão ao início do exercício do ano seguinte, e as reuniões colegiadas
ocorrem ao longo do ano, com periodicidade entre 2 (dois) a 3 (três) meses,
aproximadamente. Exemplificando, a atual diretoria é composta pelos seguintes
Corregedores-Gerais: Presidente: Moacir Gonçalves Nogueira Neto – MPPR; 1º Vice-
Presidente: Marcos Antonio Martins Sottoriva – MPMS; 2º Vice-Presidente: Eduardo
Jorge Hiluy Nicolau – MPMA; 1ª Secretária: Estela Maria Pinheiro do Nascimento Sá –
MPAP; 2ª Secretária: Luciana Sapha Silveira – MPRJ; Diretor Financeiro: Paulo Roberto
Moreira Cançado – MPMG; Diretor de Comunicação Social: Ivan Saraiva Melgaré – MPRS.
O mandato, inciado em 1º.01.2019, encerra-se em 31.12.2019, com previsão de eleição
da nova diretoria na próxima reunião do órgão colegiado, agendada para 05.12.2019,
em Florianópolis/SC.
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5. Quais foram os principais temas de debate e enfrentamento durante sua gestão
como Presidente do CNCG?
Diversos foram os temas de discussão e reflexão por parte do CNCG ao longo das
reuniões periódicas realizadas neste ano de 2019, podendo-se indicar as de maior
relevo/repercussão: (1) discussão a respeito da possível regulamentação do
denominado “teletrabalho”, e de seus reflexos negativos no âmbito do Ministério
Público brasileiro, o que culminou com a edição de nota técnica a respeito do tema,
encaminhada a Ministros do STJ e do STF, assim como a conselhos e lideranças do
Ministério Público brasileiro, dentre as quais a Procuradora-Geral da República, com
produção de reflexos, inclusive, na vedação à sua admissão regulamentada no âmbito
do Ministério Público Federal; (2) discussões em torno da importância de reafirmação
do dever constitucional de residência na Comarca e de regular comparecimento ao local
de trabalho, por parte de membros do Ministério Público, o que redundou na edição de
nota técnica a respeito, encaminhada a Ministros do STJ e do STF, assim como a
conselhos e lideranças do Ministério Público brasileiro; (3) discussões sobre a
importância da defesa intransigente das disposições da Lei 8.625/93 (Lei Orgânica
Nacional do Ministério Público), com especial enfoque na legitimação e preservação do
processo de escolha dos integrantes dos órgãos da administração superior do Ministério
Público, objetivando a manutenção dos princípios da unidade, indivisibilidade e
independência funcional de seus membros, o que culminou, inclusive, com provocação
e respectiva intervenção da Procuradoria-Geral da República, na propositura de ação
direta de inconstitucionalidade com tais propósitos, perante o STF.
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3. Artigos
Giovani Ferri1
Patrícia Rangel Balensiefer2
A VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA
PREVENÇÃO NO DESASTRE DE
BRUMADINHO/MG E A OMISSÃO
FISCALIZATÓRIA NAS ATIVIDADES DE
MINERAÇÃO NO BRASIL
1
Promotor de Justiça no Estado do Paraná, Coordenador Regional do Gaema - Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente,
Habitação e Urbanismo do MPPR, Professor de Direito Ambiental da Escola da Magistratura do Paraná (2010/2015), Especialista em
Direito Ambiental pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). E-mail: gferri@mppr.mp.br.
2 Assessora do Ministério Público do Estado do Paraná, bacharel em Direito pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná –
Unioeste, Especialista em Direito Processual Civil pelo Centro Universitário de Cascavel - Univel. E-mail: prbalensiefer@mppr.mp.br.
* A data de submissão do presente artigo foi no dia 03/04/2019 e a aprovação ocorreu no dia 24/10/2019.
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RESUMO: Em 25 de janeiro de 2019, o Brasil assistiu, pela segunda vez consecutiva, a um
grave desastre ambiental que ceifou a vida de centenas de pessoas e provocou uma das
maiores catástrofes já ocorridas no território brasileiro. Apenas três anos depois da
tragédia de Mariana, o Estado de Minas Gerais novamente foi assolado pelo desastroso
rompimento de uma das barragens do Complexo da Mina Córrego Feijão, no Município de
Brumadinho, provocando o vazamento de 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos de
mineração e a morte de centenas de pessoas. O presente estudo pretende abordar os
imensuráveis impactos socioambientais oriundos do desastre de Brumadinho, a violação
ao Princípio da Prevenção, a omissão dos órgãos estatais na fiscalização dos
empreendimentos mineradores, além da necessidade de efetiva fiscalização do setor.
ABSTRACT: On January 25th, 2019, the country of Brazil watched, for the second
consecutive time, a grave environmental disaster that claimed the lives of hundreds, and
caused one of the greatest catastrophes in Brazilian territory. Only three years after the
tragedy of Mariana, the state of Minas Gerais was once again struck by a disastrous
rupture of one of its dams, which was part of the Mina Corrego Feijão Complex in the
municipality of Brumadinho, MG, causing the discharge of 12 million cubic meters of
wastewater from nearby mining operations and the subsequent deaths of hundreds of
people. The present study aims to approach the immeasurable socio-environmental
impacts caused by the disaster of Brumadinho, MG; the violation of the prevention
principle; the absence of the state’s regulatory agencies in the inspection of mining
operations; and the need for effective inspection in the mining sector.
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1. INTRODUÇÃO
19
Dando ênfase ao meio ambiente como bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, a Carta Magna (BRASIL, 1988) impôs ao Poder
Público e à sociedade o dever de preservá-lo e defendê-lo para as presentes e futuras
gerações (art. 225 ‘caput’), princípio basilar que José Afonso da Silva (2010, p. 112)
denomina norma-matriz do direito ambiental.
20
Seguindo essa vertente mundial, a Constituição de 1988 estratificou princípios
consagrados na Declaração de Estocolmo e na Declaração do Rio/92, evidenciando-se
que o direito ao meio ambiente equilibrado constitui não apenas uma diretriz
principiológica, mas também condição essencial à preservação da vida humana,
conforme reconhecido durante a emissão do relatório final da Conferência das Nações
Unidas sobre Meio Ambiente, de 1972.3
3Na longa e tortuosa evolução da raça humana nesse planeta chegou-se a uma etapa na qual, em virtude de uma rápida aceleração
da ciência e da tecnologia, o homem adquiriu o poder de transformar, por inúmeras maneiras e numa escala sem precedentes, tudo
quando o rodeia. Os dois aspectos do meio humano, o natural e o artificial são essenciais para o bem-estar do homem e para que
ele goze de todos os direitos humanos fundamentais, inclusive o direito à vida’ (Conferência das Nações Unidas Sobre o Meio
Ambiente, Estocolmo, 1972).
21
Destaca Mazzilli (2015, p.7) que a partir dos estudos de Mauro Cappelletti, a
tradicional dicotomia entre o interesse público (o indivíduo em relação ao Estado) e o
interesse privado (os indivíduos em interrelação) sofreu profundas alterações, criando-
se uma categoria intermediária de interesses denominados metaindividuais.
22
humano pode vindicar a proteção de seus direitos fundamentais violados, conforme
assinala Mazzuoli (2010, p. 131).
Destarte, pode-se afirmar que esse direito coletivo inalienável foi colocado em
segundo plano no desastre de Brumadinho, pois o presente estudo pretende
demonstrar, através de dados técnicos, que houve uma dissociação entre proteção
humana, meio ambiente equilibrado e desenvolvimento econômico na atividade
minerária.
23
acentua Piovesan (2011, pg. 65), alertando que a compreensão do art. 225 da Carta
Magna deve ser teleológica, pois a análise fragmentada dessa garantia pode gerar sério
desequilíbrio, evidenciando-se que este conceito também deve ser aplicado ao
desenvolvimento de atividades de risco ambiental, como no caso das atividades de
mineração.
24
Sob a ótica de Beck, esta nova sociedade, caracterizada pelo fenômeno da
modernização, tende a criar perigos ambientais, sendo apontada como uma sociedade
preocupada com o desempenho econômico, tecnológico e científico, colocando em
segundo plano a proteção ambiental e o próprio ser humano, gerando um efeito
reverso, conforme destaca Oliveira (2019, p. 36):
Por essa diretriz teórica, Beck (2008, p.115) ressalta que a sociedade de risco
designa um estágio da modernidade na qual começam a tomar corpo as incertezas e
ameaças produzidas até então pelo modelo econômico da sociedade industrial,
propiciando o aumento dos riscos.
25
linguagem é sistemática ou até mesmo a manipulação de dados a
favor do progresso e da produção favorecem a incerteza quanto a
eles, tornando a realidade especulativa, criando-se a incerteza.
26
aquelas voltadas à prevenção e segurança contra riscos ambientais que possam
ameaçar ou prejudicar o desenvolvimento das comunidades urbanas e rurais, como
ocorrido no desastre em análise.
(...)
(...)
(...)
27
de ordem urbanística, os quais precisam adotar novas estratégias de crescimento e
desenvolvimento, integrando conceitos modernos de infraestrutura urbanística, social
e ambiental.
Pela dicção literal do artigo 14, §1º, da Lei nº 6.938/81 e do artigo 225, §§ 2º e
3º, da Constituição Federal, infere-se que o Brasil adotou a Teoria do Risco Atividade,
estabelecendo a reparação integral do dano ambiental, bem como a responsabilidade
objetiva do degradador.
28
A seu turno, necessário compreender tecnicamente o conceito de risco, que
segundo Cavalieri (2010, p. 142), representa perigo, probabilidade de dano,
importando dizer que aquele que exerce uma atividade perigosa deve assumir os riscos
e reparar o dano dela recorrente, bastando a relação de causalidade entre a atividade
desenvolvida e o resultado danoso.
Sobre o tema, importante destacar a lição de Costa Neto (2003, p.72) ao frisar
que, “à luz do princípio da prevenção, verifica-se o dever de impedir a cristalização de
danos ao meio ambiente, conferindo-se contornos jurídicos ao popular aforismo ‘mais
vale prevenir que remediar”.
29
acumulados nos grandes lagos das barragens, cujo rompimento pode
produzir tragédias como a de Mariana” (...) Com tantos riscos
conhecidos relacionados à megamineração, o que explica a
ocorrência da tragédia da Samarco? E o papel do Estado e empresas
reguladoras que devem licenciar, fiscalizar e realizar a gestão
ambiental dos processos de trabalho com tantos riscos como o da
megamineração? (...) A licença ambiental acaba por ser concedida
com inúmeros condicionantes, uma espécie de “confiança” dos
órgãos de controle ambiental oficiais nos “empreendedores” de que
medidas não apresentadas nos estudos de impacto ambiental serão
futuramente observadas. A isso soma-se o fato de que empresas de
mineração “investem” no financiamento de campanhas eleitorais,
formando bancadas que atuam no Executivo, Congresso Nacional,
Assembleias e Câmaras Municipais. Ademais, vencido o ritual do
licenciamento, as empresas autorizadas maximizam lucros operando
“dentro da lei” (...) Exigências de segurança são supostamente
cumpridas, em boa medida autorreguladas, sem fiscalização
adequada das instituições públicas responsáveis, sejam do setor
ambiental, trabalhista, mineral e da saúde, cuja carência de recursos
humanos, técnicos, financeiros é notória. Planos de emergência para
eventuais desastres inexistem, ou, mesmo quando previstos, não são
cobrados, como no caso da Samarco1. A tragédia dos territórios e
populações atingidas começa com as concepções dos projetos das
obras e continua com a operação da mina, aspectos que a mídia dá
pouca ênfase até que tragédias ocorram. Com o advento das
tragédias, mortes e destruição ambiental são difundidas no jogo de
cena midiático, surgindo versões que minimizam impactos: diz-se que
a “lama [é] atóxica”; naturalizam-se as causas do “acidente” explicado
por “abalo sísmico”, com esclarecimentos referendados por políticos
e instituições que apoiaram o empreendimento e o licenciaram.
Quando mortes, destruição ambiental, contrainformações, incertezas
e avaliações de cenários de sombrios futuros tornam-se mais e mais
escancaradas, surgem multas aparentemente elevadas e declarações
públicas de que é preciso “rever procedimentos e tecnologias. (...)
Promessas de mudanças no marco legal e de maiores investimentos
nas instituições reguladoras e fiscalizadoras acabam não se
cumprindo ou são esquecidas. Esses são aspectos fundantes do
chamado Estado Patrimonialista, característico da realidade
brasileira. O desafio da sociedade brasileira diante do desastre da
barragem de Fundão é reverter a trágica sina do esquecimento e da
naturalização.
30
Portanto, o delicado cenário no setor de mineração brasileira demonstra a
responsabilidade direta do empreendimento pelo desastre, mas também a inoperância
estatal ao não fiscalizar adequadamente as atividades do setor minerário, podendo dar
ensejo a novos desastres no Brasil, conforme abordagem no tópico seguinte.
31
A altura da barragem rompida era de 86 metros e o comprimento da crista de
720 metros. Os rejeitos dispostos ocupavam uma área de 249,5 mil m² e o volume
depositado era de 11,7 milhões de m³, demonstrando o grau de potencialidade da
Barragem de Brumadinho.
Por conta dos riscos é que países como Chile e Peru proibiram a construção de
barragens pela técnica de alteamento a montante, destacando-se nessa ótica relevante
estudo de Thomé e Passini (2018, p.60-61), os quais advertem para os riscos de tal
método, ainda adotado no Brasil:
32
O modelo construtivo a montante proporcionava a edificação de
barragens com menor custo ao empreendedor. Contudo, os acidentes
colocam em xeque a eficiência desse método construtivo e
estabilidade real das barragens construídas ou alteadas a montante.
Endossando tal decisão técnica, Peixoto (2012, p.7) alerta para os riscos das
barragens que utilizam o método de alteamento a montante, evidenciando-se que logo
após ter sido desativada, a Barragem de Brumadinho deveria ter sido descomissionada
de forma preventiva:
33
bem como precaver a população de novos desastres semelhantes, os quais podem
voltar a ocorrer no Brasil.
Acerca do tema em voga, Milaré destaca que o poder público também assume
responsabilidade pela reparação ambiental caso se omita em seu dever fiscalizatório:
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Se o dano ao meio ambiente decorre de ato ou atividade ilícita que
devia ser obrigatoriamente controlada pela Administração e ela não o
fez, ou agiu tardiamente ou ineficazmente, é possível cogitar da sua
responsabilidade solidária, sendo imprescindível, porém, a
demonstração de culpa in vigilando ou in omittendo. (2002. p. 67)
Referida lei também prevê que são objetivos da Política Nacional de Proteção
e Defesa Civil, dentre outros: a redução dos riscos de desastres; a identificação e
avaliação das ameaças, suscetibilidades e vulnerabilidades, de modo a evitar ou reduzir
a ocorrência de desastres; o monitoramento de eventos meteorológicos, hidrológicos,
geológicos, biológicos, nucleares, químicos e outros potencialmente causadores de
desastres; a produção de alertas antecipados sobre a possibilidade de ocorrência de
desastres naturais (artigo 5º, incisos I, VII, VIII e IX).
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ambiente e de adotar as medidas legislativas e administrativas necessárias à
preservação da qualidade ambiental.
36
Código Civil. De outro lado, se diversos forem os causadores da
degradação ocorrida em diferentes locais, ainda que contíguos, não
há como atribuir-se a responsabilidade solidária adotando-se apenas
o critério geográfico, por falta de nexo causal entre o dano ocorrido
em um determinado lugar por atividade poluidora realizada em outro
local. (REsp 647.493, 2ª Turma, Relator Ministro João Otávio de
Noronha, Julgamento em 22 de maio de 2007)
Já o artigo 23, em seu inciso XI, impõe competência comum a todos os entes
federativos quanto à necessidade de se proceder ao registro, acompanhamento e
fiscalização das concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e
minerais em seus territórios (BRASIL, 1988).
37
No âmbito infraconstitucional, merecem destaque algumas normas que regem
o setor de mineração no Brasil, dentre elas o Decreto-Lei nº 227, de 28 de fevereiro de
1967, também conhecido como Código de Minas ou Código de Mineração, que foi
recepcionado pela nova ordem constitucional com status de lei ordinária, disciplinando
os temas afetos à pesquisa mineral, lavra, servidões, garimpagem, faiscação, cata,
entre outros (BRASIL, 1967).
A seu turno, registre-se que a par do Código de Minas, ainda vige no Brasil a
Lei Federal nº 6.567, de 24 de setembro de 1978, que dispõe sobre regime especial
para exploração e o aproveitamento das substâncias minerais (BRASIL, 1978).
Entretanto, verifica-se que durante a edição e alteração de tais leis, não houve
qualquer preocupação do Governo Federal em criar mecanismos rígidos de fiscalização
para o setor minerário no Brasil, sendo a questão colocada em segundo plano,
priorizando-se os regimes de exploração e a regulação das atividades do setor.
Justamente por tal omissão legislativa é que nas últimas décadas referidas leis
foram reguladas através de vários Decretos e Portarias, expedidas em sua grande
maioria pelo Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM, que foi extinto
através da Medida Provisória n° 791, de 25 de julho de 2017, posteriormente
convertida na Lei nº 13.575, de 26 de dezembro de 2017 (BRASIL, 2017).
38
diretivo fosse formado por membros de notório saber e especialidade, privilegiando o
conhecimento técnico.
Nesse sentido, em meados de 2013, após mais de cinco anos de debates entre
o Ministério de Minas e Energia, as associações empresariais e a sociedade civil, o
governo federal apresentou ao Congresso Nacional projeto de lei que tem por objetivo
estabelecer a nova base jurídica para a mineração no país.
39
especial destaque aos PL 37/2011, PL 3726/2015, PL 5263/2016, PL 6.195/2016, PL
8800/2017 e PL 10094/2018, passando todos a tramitar em bloco, por envolver a
atividade de mineração.
40
Outra importante alteração envolve a confiabilidade do serviço de auditoria
independente, pois o projeto estabelece que os órgãos fiscalizadores de segurança das
barragens devem criar um sistema de credenciamento de pessoas físicas e jurídicas
habilitadas a atestar a segurança e a certificação das obras (artigo 3º).
41
Por seu turno, compete à Agência Nacional de Águas elaborar relatório anual
de segurança de barragens, a partir das informações prestadas pelo órgão fiscalizador
regulamentar, além de implementar sistema de informações e fiscalizar de forma
suplementar a correta aplicação da lei.
42
especialistas como estruturas seguras, cuja possibilidade de acidente era ínfima,
contrariando os desastres ocorridos, cujos fatores demonstram de forma clarividente
que a fiscalização do setor minerário é ineficiente e demanda urgente reformulação.
43
estadual foi semelhante ao ano de 2016, enquanto houve diminuição no número de
barragens vistoriadas pelos órgãos federais.
44
áreas de risco, além da intensificação nos sistemas de controle, acompanhamento e
fiscalização dos empreendimentos atualmente espalhados pelo País.
7. CONCLUSÃO
45
Segurança de Barragens (PNSB) e no Código de Minas, propiciando a criação de um
novo modelo de gerenciamento de riscos e a modernização do sistema fiscalizatório
das atividades minerárias no Brasil, tornando mais rígido o licenciamento, a
construção, a operacionalização e a fiscalização das barragens de rejeitos.
8. REFERÊNCIAS
AYALA, Patryck de Araújo; LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental, do individual
ao coletivo extrapatrimonial: teoria e prática. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2010.
BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo global. Madri: Siglo Veintiuno de Espanã Editores,
2002.
BRASIL. Congresso Nacional. Projeto de Lei nº 2791, de 9 de maio de 2019. Altera a Lei
nº 12.334, de 2010, que dispõe sobre a Política Nacional de Segurança de Barragens
(PNSB), e o Decreto-Lei nº 227, de 28 de fevereiro de 1967, que dispõe sobre o Código
de Minas. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, [2019]. Disponível em:
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=220153
9. Acesso em: 3 set. 2019.
46
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12334.htm. Acesso
em: 3 set. 2019.
BRASIL. Lei nº 6.567, de 24 de setembro de 1978. Dispõe sobre regime especial para
exploração e o aproveitamento das substâncias minerais que especifica e dá outras
providências. Brasília, DF: Presidência da República, [2019]. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6567.htm. Acesso em: 18 fev. 2019.
47
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Agenda 21 Global. Disponível em:
http://www.mma.gov.br/responsabilidade-socioambiental/agenda-21/agenda-21-
global. Acesso em: 20 jan. 2019.
48
controvérsia. Art. 543-c do CPC. Danos decorrentes de vazamento de amônia no rio
sergipe. acidente ambiental ocorrido em outubro de 2008. 1. Para fins do art. 543-C do
Código de Processo Civil: a) para demonstração da legitimidade para vindicar
indenização por dano ambiental que resultou na redução da pesca na área atingida, o
registro de pescador profissional e a habilitação ao benefício do seguro-desemprego,
durante o período de defeso, somados a outros elementos de prova que permitam o
convencimento do magistrado acerca do exercício dessa atividade, são idôneos à sua
comprovação; b) a responsabilidade por dano ambiental é objetiva, informada pela
teoria do risco integral, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite
que o risco se integre na unidade do ato, sendo descabida a invocação, pela empresa
responsável pelo dano ambiental, de excludentes de responsabilidade civil para afastar
a sua obrigação de indenizar; c) é inadequado pretender conferir à reparação civil dos
danos ambientais caráter punitivo imediato, pois a punição é função que incumbe ao
direito penal e administrativo; d) em vista das circunstâncias específicas e
homogeneidade dos efeitos do dano ambiental verificado no ecossistema do rio
Sergipe - afetando significativamente, por cerca de seis meses, o volume pescado e a
renda dos pescadores na região afetada -, sem que tenha sido dado amparo pela
poluidora para mitigação dos danos morais experimentados e demonstrados por
aqueles que extraem o sustento da pesca profissional, não se justifica, em sede de
recurso especial, a revisão do quantum arbitrado, a título de compensação por danos
morais, em R$ 3.000,00 (três mil reais); e) o dano material somente é indenizável
mediante prova efetiva de sua ocorrência, não havendo falar em
indenização por lucros cessantes dissociada do dano efetivamente demonstrado nos
autos; assim, se durante o interregno em que foram experimentados os efeitos do
dano ambiental houve o período de “defeso” - incidindo a proibição sobre toda
atividade de pesca do lesado -, não há cogitar em indenização por lucros cessantes
durante essa vedação; f) no caso concreto, os honorários advocatícios, fixados em 20%
(vinte por cento) do valor da condenação arbitrada para o acidente - em atenção às
características específicas da demanda e à ampla dilação probatória -, mostram-se
adequados, não se justificando a revisão, em sede de recurso especial. 2. Recursos
especiais não providos. Recorrente: Maria Gomes de Oliveira e Petróleo Brasileiro S/A
Petrobras. Recorrido: Os mesmos. Relator: Min. Luis Felipe Salomão, 26 de março de
2014, DJe 05/05/2014. Disponível em: http://portaljustica.com.br/acordao/86133.
Acesso em: 01 out. 2019.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (2. Turma). Recurso Especial 647.493/SC. Recurso
especial. Ação civil pública. Poluição ambiental. Empresas mineradoras. Carvão
Mineral. Estado de Santa Catarina. Reparação. Responsabilidade do estado por
omissão. Responsabilidade solidária. Responsabilidade subsidiária. 1. A
responsabilidade civil do Estado por omissão é subjetiva, mesmo em se tratando de
responsabilidade por dano ao meio ambiente, uma vez que a ilicitude no
comportamento omissivo é aferida sob a perspectiva de que deveria o Estado ter agido
conforme estabelece a lei. 2. A União tem o dever de fiscalizar as atividades
concernentes à extração mineral, de forma que elas sejam equalizadas à conservação
ambiental. Esta obrigatoriedade foi alçada à categoria constituição, encontrando-se
inscrita no artigo 225, §§1º, 2º e 3º da Carta Magna. 3. Condenada a União a reparação
de danos ambientais, é certo que a sociedade mediatamente estará arcando com os
49
custos de tal reparação, como se fora auto indenização. Esse desiderato apresenta-se
consentâneo com o princípio da equidade, uma vez que a atividade industrial
responsável pela degradação ambiental por gerar divisas para o país e contribuir com o
percentual significativo de geração de energia, como ocorre com a atividade extrativa
mineral a toda sociedade beneficia. 4. Havendo mais de um causador de um mesmo
dano ambiental, todos respondem solidariamente pela reparação, na forma do art. 942
do Código Civil. De outro lado, se diversos forem os causadores da degradação ocorrida
em diferentes locais, ainda que contíguos, não há como atribuir-se a responsabilidade
solidária adotando-se a apenas o critério geográfico, por falta de nexo causal entre o
dano ocorrido em um determinado lugar por atividade poluidora realizada em outro
local. 5. A desconsideração da pessoa jurídica consiste na possibilidade de se ignorar a
personalidade jurídica autônoma da entidade moral para chamar à responsabilidade
de seus sócios ou administradores, quando utilizam-na como objetivos fraudulentos ou
diversos daqueles para os quais foi constituída. Portanto, (i) na falta do elemento
“abusivo de direito”; (ii) não se constituindo a personalização social obstáculo ao
cumprimento da obrigação de reparação ambiental; e (iii) nem comprovando-se que os
sócios ou administradores têm maior poder de solvência que as sociedades, a
aplicação da disregard doctrive não tem lugar e pode constituir, na última hipótese,
obstáculo ao cumprimento da obrigação. 6. Segundo o que dispões o art. 3º, IV, c/c o
art. 14, §1º, da Lei n. 6938/81, os sócios/administradores respondem pelo
cumprimento da obrigação de reparação ambiental na qualidade de responsável em
nome próprio. A responsabilidade será solidária com os entes administrados, na
modalidade subsidiária. 7. A ação de reparação/recuperabilidade ambiental é
imprescritível. 8. Recursos de Companhia Siderúrgica Nacional, Carbonífera Criciúma
S/A, Carbonífera Metropolitana S/A, Carbonífera Barro Branco S/A, Carbonífera
Palermo Ltda., Ibramil – Ibracoque Mineração Ltda. Não-conhecidos. Recurso da União
provido em parte. Recurso de Coque Catarinense Ltda., Companhia Brasileira
Carbonífera de Ararangua (massa falida), Companhia Carbonífera Catarinense,
Companhia Carbonífera Urussanga providos em parte. Recursos do Ministério Público
provido em parte. Recorrente: União e outros. Recorrido: Augusto Baptista Pereira
(espólio) e outros. Relator: Min. João Otávio de Noronha, 22 de maio de 2007, DJ
22/10/2007. Disponível em:
https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/19221820/recurso-especial-resp-647493-sc-
2004-0032785-4?ref=juris-tabs. Acesso em: 01 out. 2019.
50
fixação da indenização por danos morais, recomendável que o arbitramento seja feito
caso a caso e com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível
socioeconômico do autor, e, ainda, ao porte da empresa, orientando-se o juiz pelos
critérios sugeridos pela doutrina e jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de
sua experiência e bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada
caso, de modo que, de um lado, não haja enriquecimento sem causa de quem recebe a
indenização e, de outro, haja efetiva compensação pelos danos morais experimentados
por aquele que fora lesado. 2. No caso concreto, recurso especial a que se nega
provimento. Relator: Min. Luis Felipe Salomão, 27 de agosto de 2014. Disponível em:
https://www.jusbrasil.com.br/diarios/documentos/137672283/recurso-especial-n-
1374284-mg-do-stj. Acesso em: 01 out. 2019.
51
sobre a possibilidade de um produto, evento ou serviço desequilibrar o meio ambiente
ou atingir a saúde dos cidadãos, o que exige que o estado analise os riscos, avalie os
custos das medidas de prevenção e, ao final, execute as ações necessárias, as quais
serão decorrentes de decisões universais, não discriminatórias, motivadas, coerentes e
proporcionais. 3. Não há vedação para o controle jurisdicional das políticas públicas
sobre a aplicação do princípio da precaução, desde que a decisão judicial não se afaste
da análise formal dos limites desses parâmetros e que privilegie a opção democrática
das escolhas discricionárias feitas pelo legislador e pela Administração Pública. 4. Por
ora, não existem fundamentos fáticos ou jurídicos a obrigar as concessionárias de
energia elétrica a reduzir o campo eletromagnético das linhas de transmissão de
energia elétrica abaixo do patamar legal fixado. 5. Por força da repercussão geral, é
fixada a seguinte tese: no atual estágio do conhecimento científico, que indica ser
incerta a existência de efeitos nocivos da exposição ocupacional e da população em
geral a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos gerados por sistemas de
energia elétrica, não existem impedimentos, por ora, a que sejam adotados os
parâmetros propostos pela Organização Mundial de Saúde, conforme estabelece a Lei
nº 11.934/2009. 6. Recurso extraordinário provido para o fim de julgar improcedentes
ambas as ações civis públicas, sem a fixação de verbas de sucumbência. Recorrente:
Eletropaulo Metropolitana – Eletricidade de São Paulo S/A. Recorrido Sociedade
Amigos do Bairro City Boaçava e outros. Relator: Min. Dias Toffoli, 08 de junho de
2016. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=12672680.
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52
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53
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54
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estrutural, processo coletivo, processo estratégico e suas diferenças. Revista de
Processo, São Paulo, v. 43, n. 284, p. 333-369, out. 2018.
55
Heric Stilben1
Huber Pereira Cavalheiro2
Julio Gonçalves Mello3
PROVA DO DOLO:
EM BUSCA DE UM SIGNIFICADO
1
Promotor de Justiça - Ministério Público do Estado do Paraná. Graduação pela Universidade Cândido Mendes - Centro/RJ.
Mestrando em Direito na Universidade Federal do Paraná. Professor de Direito Penal e Processo Penal no Curso Ênfase.
E-mail: hstilben@mppr.mp.br.
2 Juiz de Direito no Estado do Paraná.
3 Promotor de Justiça no Estado de Goiás. Mestrando em Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília – Uniceub.
* A data de submissão do presente artigo foi no dia 26/08/2019 e a aprovação ocorreu no dia 07/10/2019.
56
RESUMO: O presente trabalho tem a pretensão de abordar as principais teorias que de
alguma forma explicam o elemento subjetivo nas condutas humanas tipificadas como
delitos, utilizando-se, em grande medida, referenciais teóricos provenientes da
doutrina penal alemã e espanhola, e seu reflexo no direito brasileiro. Além disso, este
trabalho também aborda aspectos processuais que se relacionam com o elemento
subjetivo do tipo penal, mormente questões relacionadas à sua prova, concluindo por
uma revisão do Código Penal de forma a atender uma concepção de dolo baseado na
Teoria Significativa da Ação.
ABSTRACT: The present paper aims to address the main theories that somehow explain
the subjective element in human conducts typified as crimes, using theoretical
references from the German and Spanish criminal Law, with its reflection in our own
Law. In addition, this paper also discusses, in a second part, procedural aspects related
to the subjective element of the crime itself, especially issues related to proof and
evidence in Court, concluding for a necessary review of the concept of mens rea in the
brazilian criminal law based on a theory of meaningful action.
57
1. INTRODUÇÃO
Um desses temas, sem dúvida, é o dolo. No que tange aos seus elementos,
doutrina tradicional4 o definia partindo puramente de um elemento relativo à
consciência psíquica do sujeito, tratando-o no âmbito da culpabilidade.
4
BUSATO, Paulo. Direito Penal. 2018. 4 ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: Atlas. 2018. p. 378
5 WELZEL, Hans. Derecho Penal. Parte General. BALESTRA, Carlos Fontán [trad.]. Buenos Aires: Roque Depalma. 1956.
6
GALVÃO, Fernando. Direito penal: parte geral. 11. ed. Bel Horizonte: D’Plácido. 2019. p. 213.
7 Em Portugal, DIAS, Jorge Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. Tomo I. 2. ed. Coimbra. 2007. p. 349; no Brasil, BITTENCOURT,
Cézar Roberto. Código Penal Comentado. São Paulo. 2002. p. 55; SANTOS. Juarez Cirino dos. Direito Penal - parte geral. 5. ed.
Florianópolis: Conceito Editorial, 2012; REALE JR., Miguel. Instituições de Direito Penal: Parte Geral. vol. I. Rio de Janeiro. 2002. p.
219-221; na Argentina ZAFFARONI, Eugenio Raúl; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Derecho Penal. Parte General. 2. ed.
Buenos Aires. 2002. p. 519.
8 “En Alemania, la opinión mayoritaria sigue partiendo de la premisa de que el dolo requiere conocer y querer el resultado típico.
Éste es también, fundamentalmente, el punto de partida del Tribunal Supremo alemán. (...). Este elemento volitivo falta, según la
jurisprudencia, cuando el autor ‘a pesar de la reconocida peligrosidad objetiva del hecho, confía seria y no solo vagamente en que
no se produzca el resultado mortal’. Si éste es el caso, se deducirá de una ‘visión global de todas las circunstancias objetivas y
subjetivas del hecho’”. ROXIN, Claus. Sobre la delimitación del dolo y la imprudencia, especialmente en los delitos de homicídio. en
Estudios jurídico penales y criminológicos: En homenaje a Lorenzo Morillas Cueva/LOPEZ, José Maria Suarez et. al. (coord.). vol. 2.
2018. p. 1579-1598.
58
Tal discussão colocou às claras a necessidade de teorizar acerca do dolo sob
uma perspectiva interdisciplinar com o direito processual penal, especificamente em
relação à teoria da prova, conclusão há muito sustentada por Ramón Ragués i Vallés
em sua célebre obra “El dolo y su prueba en el processo penal”9.
9 RAGUÉS I VALLÉS, Ramón. El dolo y su prueba en el processo penal. Barcelona: J. M. Bosch Editor, 1999.
10
Considerando o espaço, não trataremos das diversas concepções cognitivas e volitivas elaboradas ao longo das décadas. Para
aprofundamento, cf. PÉREZ, Gabriel Barberá. El dolo eventual. Buenos Aires: Hammurabi. 2011.
11 PUPPE, Ingeborg. A distinção entre dolo e culpa. Trad: Luis Greco. São Paulo: Manole. 2004.
12 PUPPE, Ingeborg, Strafrecht, Allgemeiner Teil im Spiegel der Rechtsprechung, 3. ed. 2016, §9 nm. 11. p. 122. Apud ROXIN, Claus.
Sobre la delimitación del dolo y la imprudencia, especialmente en los delitos de homicídio. en Estudios jurídico penales y
criminológicos: En homenaje a Lorenzo Morillas Cueva / LOPEZ, José Maria Suarez et. al. (coord.). vol. 2. 2018. p. 1579.
59
“excluindo do objeto do dolo o resultado típico porque a ação de conhecer não pode
ter por objeto realidades ainda inexistentes no momento da ação”13. Em assim sendo,
seria desnecessário aferir a vontade do agente em relação ao resultado, mas tão
somente sua consciência quanto ao risco não permitido advindo de seu
comportamento, o que exigiria a presença de três requisitos, conforme Díaz Pita:
13 SANTOS. Juarez Cirino dos. Direito Penal - Parte Geral. 5. ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2012. p. 153.
14 DÍAZ PITA, Maria del Mar El dolo eventual. Valencia: Tirant lo blanch. 1994. apud CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira em O elemento
volitivo do dolo in Dolo e Direito Penal: modernas tendências. BUSATO, Paulo César [coord.]. 3. ed. Florianópolis: Tirant Lo Blanch.
2019. p. 222.
15 FEIJOÓ SANCHÉZ, Bernardo José. “La distinción entre dolo e imprudencia em los delitos de resultado lesivo. Sobre la
normativización del dolo”, in Cuardernos de Política Criminal, n. 65. Madrid: Edersa. 1998. apud DÍAZ PITA, Maria del Mar. A
presumida inexistência do elemento volitivo no dolo e sua impossibilidade de normativização In Dolo e Direito Penal: modernas
tendências. BUSATO, Paulo César [coord.]. 3. ed. Florianópolis: Tirant Lo Blanch. 2019. p. 17
16 DÍAZ PÍTA, Maria del Mar. op. cit. p. 19
17 Id. ibidem. p. 19
60
Na mesma linha cognitiva, utilizando-se de regras sociais para determinação
do conhecimento do agente, encontra-se a teoria de Ramón Ragués i Vallés, que será
mais aprofundada no segundo bloco, onde tais regras se distinguem
A adoção de tais conceitos, para Vivés Antón, seria originária de uma ilusão
gramatical, possibilitando o tratamento uniforme a situações distintas, já que
decorrentes do caráter unitário dos termos utilizados21.
18 RAGUÉS I VALLÉS, Ramón. Überlegungen zum Vorsatzbeweis, en: Goltdammer’s Archiv für Strafrecht (= GA), 151. Jahrgang, 2004,
p. 257 y p. 258. apud. ROXIN, Claus. Sobre la delimitación del dolo y la imprudencia, especialmente en los delitos de homicídio. en
Estudios jurídico penales y criminológicos: En homenaje a Lorenzo Morillas Cueva / LOPEZ, José Maria Suarez et. al. (coord.). vol. 2.
2018. p. 1579.
19 Assim, Rodrigo Cabral, afirmando que a presunção de um elemento cognitivo, independentemente do que o agente tenha
conhecido “compromete gravemente o princípio da culpabilidade, pois autoriza a incriminação de um sujeito a título de dolo por
algo que não tenha efetivamente querido, como acontecem com os argumentos de Jakobs, Feijoo, Hezberg e Puppe”. (CABRAL,
Rodrigo Leite Ferreira. op. cit. p. 224.)
20 CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira. op. cit. p. 225.
21 VIVÉS ANTÓN, Tomás. S. Fundamentos del Sistema Penal. 2. ed. Valencia: Tirant Lo Blanch, 2011. p. 317.
22 DÍAS PITZ, Maria del Mar. A presumida inexistência do elemento volitivo no dolo e sua impossibilidade de normatização In Dolo e
Direito Penal: modernas tendências. BUSATO, Paulo César [coord.]. 3. ed. Florianópolis: Tirant Lo Blanch. 2019. p. 35.
61
que o dolo estaria configurado sempre que o autor incluísse em seus cálculos a
realização tida como possível de um tipo penal, sem que a ocorrência dos resultados
ligados ao fato fosse capaz de dissuadi-lo da prática de sua conduta, pois ficaria
comprovado que o autor havia se decidido conscientemente contra o bem jurídico,
cuja proteção era feita pela lei. Em outras palavras, para o reconhecimento do dolo, a
teoria analisa se o autor levou a sério a possibilidade de ocorrência do resultado e se,
mesmo assim, decidiu-se contra o bem jurídico.
Diaz Pita, sobre a decisão contrária ao bem jurídico, esclarece que esta seria a
“seleção entre alternativas de comportamento realizada com algo mais que o mero
conhecimento e que, ademais, justifica a imposição de uma sanção de maior
gravidade”24. Em sentido semelhante, encontra-se a posição de Vivés Antón, que
configura “o conhecimento como domínio de uma técnica e decisão como
compromisso com o resultado lesivo”25.
23
ROXIN, Claus. Strafecht: Allgemeiner Teil. 4. ed. München: C.H. Beck, 2006.
24 DÍAZ PITA, Maria del Mar. op. cit. p. 30.
25 ibidem. p. 30.
26 RAGUÉS I VALLÉS, Ramón. Consideraciones sobre la prueba del dolo. In Revista de Estudios de la Justicia – No 4 – Año 2004.
62
As correntes ontológicas esbarraram em um muro intransponível do ponto de
vista argumentativo, qual seja, a de que “quando se propõe um dolo como realidade
ontológica, não é possível esquecer que é necessário demonstrar quais os meios que
tornam possível a identificação do dolo como tal realidade”27.
Porém, mesmo dentre essas teorias houve críticas, em especial quanto a uma
suposta “crise de legitimidade”29, caraterizada por uma ausência de coincidência entre
o vínculo psicológico do agente com o fato e a imputação acerca do elemento
subjetivo, fatores que levariam a uma insegurança jurídica e descontrole da decisão,
segundo Roxin30.
27 BUSATO, Paulo César. Dolo e Significado. In BUSATO, Paulo César (coord.). Dolo e direito penal: modernas tendências. BUSATO,
Paulo César [coord.]. 3. ed. Florianópolis: Tirant Lo Blanch. 2019. p. 81.
28 DÍAZ PITA, Maria del Mar. op. cit. p. 32.
29
RAGUÉS I VALLÉS, Ramón. El dolo y su prueba en el processo penal. Barcelona: J. M. Bosch Editor, 1999, p. 302; BUSATO. Paulo
César. Direito penal: parte geral 4. ed. São Paulo: Atlas, 2018. p. 383. Assim também, SOUZA SANTOS, Humberto. Problemas
estruturais do conceito volitivo de dolo. In Temas de direito penal – parte geral. GRECO, Luiz; LOBATO, Danilo (coord.). Rio de
Janeiro: Renovar. 2008. p. 287.
30
ROXIN, Claus. Sobre la delimitación del dolo y la imprudencia, especialmente en los delitos de homicídio...op. cit. p. 1579-1598.
31 MARTÍNES-BUJÁN PÉREZ, Carlos. O conceito significativo de dolo: um conceito volitivo normativo In BUSATO, Paulo César
(coord.). Dolo e direito penal: modernas tendências. BUSATO, Paulo César [coord.]. 3. ed. Florianópolis: Tirant Lo Blanch. 2019. p.
70.
32 PORCIÚNCULA, José Carlos. Lo objetivo y lo subjetivo en el tipo penal: hacia la exteriorización de lo interno”. Barcelona: Atelier,
2014. p. 301-310. apud LUCCHESI, Guilherme Brenner. Punindo a culpa como dolo: o uso da cegueira deliberada no Brasil. 1. ed.
São Paulo: Marcial Pons. 2018. p. 141.
33 Dentre muitas, PUPPE, Ingeborg. A distinção entre dolo e culpa. Trad: Luis Greco. São Paulo: Manole. 2004. No mesmo sentido,
VIVÉS ANTÓN, Thomás. Fundamentos del Sistema Penal. p. 657; GALVÃO, Fernando. Direito penal: parte geral. 11. ed. Bel
Horizonte: D’Plácido. 2019. p. 280; ROXIN, Claus Strafecht: Allgemeiner Teil. 4. ed. München: C.H. Beck, 2006, B. 1, p. 445 e ss;
FLETCHER, George. Basics Concepts of Criminal Law. New York/Oxford: Oxford University press, 1998; LAGIER, Daniel González em
Los hechos bajos sospecha: sobre la objetividade de los hechos y el razonamiento judicial. In: Questio Facti (Ensayos sobre prueba,
causalidade y acción: Lumen Juris. 2009. p. 98. apud PRADO, Geraldo. A prova do dolo. In Crise no processo penal contemporâneo:
escritos em homenagem aos 30 anos da Constituição de 1988. SANTORO, Antonio Eduardo Ramires; MALAN, Diogo Rudge;
MADURO, Flavio Mirza (orgs.) Belo Horizonte: Editora D’Plácido. 2018. p. 192
63
relacionam a um plano processual, sendo as duas últimas consideradas por
Porciúncula como “teorias capazes de apontar a uma completa exteriorização do
dolo”34.
64
Diferentemente de Kaufmann40, cuja linha claramente seguiu, Hassemer não
resume a atribuição a apenas um elemento, no caso a “ação de evitação”, inclusive por
conta de um viés volitivo, admitindo diversos fatores indicadores não taxativos,
ficando a cargo do processo a finalidade de “descobrir se há indicadores no caso
concreto e quais são eles”41.
Por fim, Luis Greco reputa que “de nada adianta propor uma série de indícios,
se a relação entre eles, a importância relativa de cada qual, permanece obscura.
Porque estas zonas de imprecisão significam nada menos que uma carta branca para o
arbítrio judicial”43.
40KAUFMANN, Armin. Der dolus eventualis im Deliktsaufbau. Die Auswirkungen der Handlungs und der Schuldlehre auf die
Vorsatzgrenze, in: Strafrechtsdogmatik zwischen Sein und Wert
41 COSTA, Pedro Jorge. Dolo penal e sua prova. Coleção Ciência Criminal Contemporânea; v. 3 / BRANDÃO, C. (Coord.). São Paulo:
Atlas, 2015. 144.
42
COSTA, Pedro. op. cit. p. 144
43 GRECO, Luis. Cumplicidade através de ações neutras: a imputação objetiva na participação. Rio de Janeiro: Renovar. 2004. p. 54.
Um contra argumento ao professor da Humboldt-Universität de Berlin seria de que o juiz sempre tem o dever de fundamentar suas
decisões, e isso não seria diferente na que atribui o elemento subjetivo. Os critérios abertos permitiriam a dialética entre acusação
e defesa a respeito da suficiência, ou não, dos indicadores externos. Seria justamente o reducionismo às fórmulas que levaria ao
arbítrio judicial.
44 HASSEMER, Winfried. op. cit. p. 167/168.
65
3.2 Teoria do Dolo Adscritivo – Hans-Joachim Hruschka
45HRUSCHKA, Joachim. Imputación y Derecho penal. Estudios sobre la teoría de la imputación. Buenos Aires: B de F Euros. 2009. p.
195.
46 ibidem. p. 185.
47 ibidem. p. 183.
48
ibidem. 196.
49 ANDERSON, Terrence; SCHUM, David; TWINING, William. Análisis de la prueba. Madrid: Marcial Pons; Ediciones Jurídicas y
Sociales. 2016. p. 79. Segundo Taruffo, “mesmo os pós-modernistas, na verdade, interessam-se em estabelecer a verdade sobre o
horário de partida de seu avião, sobre as traições dos respectivos cônjuges, sobre a data do Concílio de Viena, sobre a velocidade da
luz e sobre muitas outras circunstâncias – banais ou não – do contexto real em que vivem”. (TARUFFO, Michele. Uma simples
verdade: o juiz e a construção dos fatos. Tradução de: RAMOS, Vitor de Paula. São Paulo: Marcial Pons. 2016. p. 101).
50 HASSEMER, Winfried. op. cit. p. 298.
66
“no aparecen em el juego del lenguaje de los científicos de la natureza. Por lo tanto, no
podemos tratarlos como hechos...”.51
Isto posto, não há que se falar em prova do fato interno, mas apenas
atribuição do dolo, o que já leva a concepção aqui adotada de que o objeto da prova
são enunciados sobre fatos52, não o dolo em si. A prova daqueles, sim, permite a
imputação deste.
Ragués i Vallés diz que a condenação deve fortalecer a norma violada, na qual
se funda a pena como meio para proteção de bens jurídicos. Isto pois, a necessidade
de maior sancionamento do crime doloso relativamente ao culposo se fundamenta na
necessidade de punir mais gravosamente quem, com sua conduta, afeta de maneira
mais gravosa a vigência das normas, e não pelo grau de afetação ao bem jurídico55. Tal
perspectiva se aproxima amplamente da corrente funcionalista de Günther Jakobs56.
superadas ao serem adotados critérios de racionalidade na justificação da atribuição do dolo pelo intérprete.
54 RAGUÉS I VALLÉS, Ramón. El dolo y su prueba em el processo penal. Barcelona: Librería Bosch. 1999. p. 324.
55 ibidem. p. 323.
56 Fato que não passou despercebido por LUCCHESI, Guilherme Brenner. op. cit. p. 143, bem como por GRECO, Luís. Dolo sem
vontade. In: SILVA DIAS e outros [coords.]. Liber Amicorum de José de Sousa e Brito. Coimbra: Almedina, 2009, p. 890.
67
O professor espanhol não desconhece, e aceita como inevitável, os riscos de
que a decisão do intérprete acerca do elemento subjetivo pode não coincidir com a
realidade. Porém, diz que esse não é um problema que afeta apenas a prova do dolo,
mas de toda a atividade probatória57. Para amenizar este risco inerente, sugere uma
série de critérios racionais e uniformes, conferindo maior grau de racionalidade na
decisão e uniformidade nas soluções58.
Em que pese a adoção de uma corrente cognitiva, com as críticas feitas acima,
Ragués i Vallés tem o grande destaque em afirmar a necessidade de se construir “una
nueva teoría de la prueba pensada para la aplicación procesal de los diversos
elementos conceptuales que conforman la infracción penal”59, visto que “la pretensión
de que lo igual se trate de igual manera no puede limitarse a la aplicación del Derecho
penal sustantivo, sino que debe extenderse también a la valoración de la prueba.”60
57 RAGUÉS I VALLÉS, Ramón. Consideraciones sobre la prueba del dolo. In Revista de Estudios de la Justicia – No 4 – Año 2004. p. 22.
Disponível em http://web.derecho.uchile.cl/cej/recej/recej4/archivos/PRUEBA%20DEL%20DOLO%20RAGUES%20_8_.pdf. Acesso
em 20 de fevereiro de 2019.
58 Critérios que permitiram “alcanzar los dos objetivos trazados: máxima reducción, en la medida de lo posible, del riesgo de error y
uniformidad en el tratamiento de los casos.” (RAGUÉS I VALLÉS, Ramón. op. cit. p. 23).
59 RAGUÉS I VALLÉS, Ramón. op. cit. p. 23.
60 ibidem. p. 26.
61 MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos. O conceito significativo de dolo: um conceito volitivo normativo In Dolo e Direito Penal...op. cit.
p. 67.
68
necessário atribuir a concreta competência do agente, com base nessas técnicas, para
atuar comprometidamente contra o bem jurídico protegido, possibilitando uma
valoração da conduta externada.
E já que a nota comum entre as três concepções de dolo seria, para Vivés
Antón, uma “decisão contra o bem jurídico”, a adoção de um conceito de dolo pelo
Código Penal que remetesse à tal critério, desamarraria a doutrina de conceitos
rígidos, fechados pelo legislador, possibilitando sua evolução.
69
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Segundo Busato:
64
PORCIÚNCULA, José Carlos. Capítulo VI: Lo objetivo y lo subjetivo en el tipo penal: hacia la exteriorización de lo interno”.
Barcelona: Atelier, 2014. p. 301-310 apud PRADO, Geraldo. A prova do dolo...op. cit. p. 194.
65 TARUFFO, Michele. Uma simples verdade...op. cit. p. 110. No mesmo sentido, PRADO, Geraldo. A prova do dolo...op. cit. p. 192.
66 PRADO, Geraldo. Prova penal e sistemas de controles epistêmicos: a quebra da cadeia de custódia das provas obtidas por
PASTOR, Daniel. Proceso penal latino-americano. in AMBOS, Kai (ed.) Ciencias criminales en Alemania desde una perspectiva
comparada e internacional: cuarta escuela de verano en ciencias criminales y dogmática penal alemana. Serie CEDPAL, vol 2.
Göttingen: Centro de Estudos de Direito Penal Latino-Americano do Instituto de Ciências Criminais da Georg-August-Universität
Göttingen; Göttingen University Press, 2018. p. 104.
68 “Além do próprio Vivés (Antón) e de Carlos Martinez-Buján Pérez, também Henrique Orts Berenguer, José Luis González Cussac,
Juan Carlos Carbonell Matteu e, em Portugal, Maria Fernanda Palma…” (BUSATO, Paulo César. Dolo e Significado...op. cit. p. 90).
69 BUSATO, Paulo César. Dolo e Significado...op. cit. p. 90.
70
5. REFERÊNCIAS
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Lo Blanch, 2011.
73
Mário Edson Passerino Fischer da Silva1
Samia Saad Gallotti Bonavides2
1 Bacharel em direito pela Universidade Federal do Paraná, mestrando em Direito do Estado pela mesma universidade, assessor
jurídico no Núcleo de Prática e Incentivo à Autocomposição do Ministério Público do Estado do Paraná.
E-mail: mariofmppr@gmail.com.
2 Bacharela em direito pela Faculdade Estadual do Norte Pioneiro, mestra em direito processual civil pela mesma instituição de ensino
superior e doutoranda no programa de pós-graduação da Universidade Estadual do Norte do Paraná - UENP, Procuradora de Justiça
do Ministério Público do Estado do Paraná, Coordenadora do Núcleo de Prática e Incentivo à Autocomposição do MPPR.
E-mail: samia@mppr.mp.br.
* A data de submissão do presente artigo foi no dia 23/09/2019 e a aprovação ocorreu no dia 12/11/2019.
74
RESUMO: O trabalho aborda possibilidades que o ordenamento jurídico brasileiro
oferece para que as práticas restaurativas possam atuar como alternativa à persecução
penal e, consequentemente, à eventual aplicação de pena, iniciando-se por uma opção
inovadora e, posteriormente, apresentando-se caminhos compreendidos como
ortodoxos pela doutrina majoritária A hipótese norteadora foi a existência de
permissivos normativos e principiológicos no ordenamento, aptos a possibilitar a
alternatividade entre as práticas restaurativas e o processo penal. Pela dedução de suas
funcionalidades declaradas, compreendeu-se que o fim último do direito e do processo
penal seria promover a harmonização das condutas e expectativas em conformidade
com o ordenamento jurídico. Esse fim pode ser atingido pelas práticas restaurativas
previamente à persecução penal, quando resultam na construção coletiva, pela vítima,
autor da ofensa e pessoas indiretamente afetadas pelo crime, de uma resposta ao caso
penal que acarrete na responsabilização do ofensor por meio de uma censura pública,
na reparação, ainda que simbólica, à vítima, e na harmonização das relações sociais com
o direito e os sentimentos, necessidades e expectativas destes envolvidos, tornando
juridicamente desnecessária a persecução penal da conduta por falta de justa causa, em
respeito ao princípio da ultima ratio.
ABSTRACT: This work approaches the possibilities which Brazilian legal system offers so
that the execution of restorative practices may be used as an alternative to criminal
prosecution and, consequently, to an eventual punishment, starting with an innovative
option and, later, presenting paths comprehended as orthodox by the majority doctrine.
The guiding hypothesis of the research was the existence of norms and principles in the
legal order, those able to provide an alternative between restorative practices and
criminal proceedings. By deducing its stated functionalities, it was compreended that the
purpose of the law and criminal procedure would be to promote the harmonization of
conduct and expectations in accordance with the legal system. This aim can be achieved
by restorative practices prior to criminal prosecution, when they result in the collective
construction by the victim, the perpetrator of the offense and persons indirectly affected
by the crime, of a response to the criminal case that entails the accountability of the
offender through public censorship, promotes a reparation, albeit symbolic, of damages
suffered by the victim, and result in the harmonization of social relations with the law
and the feelings, needs and expectations of those involved, rendering the criminal
prosecution of the conduct unjustified, in respect of the principle of ultimate ratio.
75
1. INTRODUÇÃO
76
contribuir para estabelecer uma ilegalidade visível, deixando na sombra as ilegalidades
que são toleradas e incitando, a partir de suas condições, a reprodução da ilegalidade
visível mediante a segregação (ANDRADE, 2015, p. 254).
77
fornecido pelas instituições. Dessa maneira, respeitando-se as fronteiras da legalidade,
vítima e autor da ofensa poderão optar, voluntariamente, pela via restaurativa e, de
forma mediada, atuar como protagonistas na gestão do caso penal, previamente a
instauração. A figura estatal, portanto, assumiria o papel de fiscal e promovente dos
princípios que regem as práticas restaurativas, utilizando-as como ferramentas que
barrem ou, ao menos, diminuam a violência sistêmica, em prol de possibilitar uma
ressignificação saudável do crime pelos sujeitos nele envolvidos (vítima, ofensor e
pessoas indiretamente afetadas).
78
de persecução penal e a quinta, trará uma relação dos institutos jurídicos que já
permitem o uso de práticas restaurativas como alternativas ao processo e à pena.
2. DESENVOLVIMENTO
79
A justiça restaurativa também é vinculada ao empoderamento e reparação do
mal causado às vítimas na área penal, tratando o crime não apenas como uma ofensa à
norma jurídica, mas igualmente como um dano causado por uma pessoa a outra, dano
esse que abala vidas e relacionamentos, de modo que a reposta ao delito deve primar
pela transformação da experiência do crime em um objeto de narrativa,
responsabilizando-se o autor da ofensa e buscando restaurar os relacionamentos
afetados.
80
Portanto, é comum dizer que, embora o modelo purista não rejeite e inclusive
englobe a reparative theory, seu enfoque principal está vinculado aos pressupostos da
encounter theory, que compreende a experiência dialógica e a alteridade como as
principais forças motrizes responsáveis por eventual restauração, a qual se concretiza
mediante a responsabilização do ofensor, a expressão dos participantes e a
compreensão das causas e consequências do crime (GIAMBERARDINO; SILVA, 2017, p.
15).
2.2 Sobre a racionalização jurídica dos conflitos atrelados aos casos penais e a proposta
restaurativa
81
e com pressupostos que naturalmente o afastam da pauta subjetiva relativa aos conflitos
atrelados a tais casos. Em primeiro lugar, porque o processo criminal volta-se à
verificação do dever de aplicação (ou não) da norma penal sobre a esfera jurídica do réu.
Em segundo, porque a sublimação do conflito entre indivíduos ampara-se na concepção
de que a norma jurídica é a “real ofendida”, sendo o crime concebido como uma ofensa
a um “bem jurídico”. Em terceiro, pelo pressuposto de que a permeabilização de
elementos irracionais (emotivos, subjetivos) no âmbito do processo, ou em interlocução
com este, poderia, além de incitar a autotutela, provocar decisões não isonômicas,
pautadas na arbitrariedade, e não no referencial normativo preexistente ao caso penal.
82
ação típica, ilícita e culpável, com o mundo do ser, onde os crimes, com vítimas, resultam
em ofensas a indivíduos dotados de sentimentos, necessidades e expectativas.
Num contexto em que a estratégia penal de reagir ao crime tem sido claramente
insuficiente, tanto para combater a criminalidade, quanto para restabelecer a paz social
e os vínculos afetados pelo delito, desvanece-se a sensação de segurança e de justiça,
enfraquecendo-se a legitimidade do sistema, que é o responsável por afirmar uma
legalidade que deveria ser imperativa e presente.
Quando se observa, por exemplo, que a Lei nº 9.099/1995 possibilita que nos
processos iniciados mediante queixa seja, previamente ao recebimento da própria
querela, realizada a conciliação entre vítima e ofensor (arts. 72 e 73), existe aí um gancho
para que se vislumbre no processo penal uma preocupação declarada em promover a
pacificação social, de um modo diferente daquele que se dá por meio da aplicação de
pena.
83
Além disso, o Conselho Nacional de Justiça, pela resolução nº 225 de 2016,
dispõe sobre a política nacional judicial sobre justiça restaurativa, reconhecendo a
possibilidade do uso de dessas práticas em casos de conflitos penais (art. 2º, §1º),
mesmo que elas sejam incomunicáveis com a instrução processual.
Então não é de hoje que as instituições que compõem o sistema de justiça vêm
investindo em formas alternativas, não-traumáticas e pedagógicas de resolução dos
conflitos, tendo como clara a possibilidade de se atingir resultados socialmente mais
benéficos e condizentes com o ordenamento jurídico, mediante a implementação de
modelos dialógicos de resposta a condutas ilícitas, e de buscar, por este meio, a
consolidação de uma cultura de paz (BONAVIDES; LOPES, 2016, p. 623-627).
A Resolução CNJ nº 225/2016, por exemplo, atenta para o fato de que diante da
“complexidade dos fenômenos conflito e violência, devem ser considerados, não só os
aspectos relacionais individuais, mas também, os comunitários”, de tal maneira que, as
práticas restaurativas vão além da mera consideração dos termos da lei, como faz o
84
limitado processo judicial, tendo o foco centrado nos fatores relacionais dos sujeitos, e,
buscando, sempre que possível, promover a reparação dos danos causados por meio de
um acordo ou plano de ação, elaborado conjuntamente pela vítima, autor da ofensa e
pelos apoiadores destes que estejam participando.
Isso mostra que é prudente que o sistema penal opte por formas de
responsabilizar condutas, para além da cominação e imposição da pena, adotando,
quando oportuno, medidas desprovidas de caráter aflitivo, como é o caso das censuras
promovidas com a utilização de diálogos e reflexões coletivas (GIAMBERARDINO, 2015,
p. 114). Estas implicam e partem da responsabilização dos ofensores, mas possibilitam
que a vítima e seus familiares possuam um espaço de fala, e, portanto, de
empoderamento, para terem a oportunidade de se expressar sobre o que houve, quais
foram as consequências para suas vidas, bem como o que esperam que seja feito a
respeito disso.
85
2.3 Ponderações o sobre o escopo último do direito e do processo penal
À vista disso, o Estado não pode oferecer uma solução penal fora da jurisdição
oficial (GIACOMOLLI, 2006, p. 55), pois, uma vez que as decisões penais têm potencial
para cercear o direito à liberdade, bem jurídico indisponível, os casos penais devem,
nessa lógica, ser submetidos a um juiz, o qual zelará pela observância da legalidade,
preservando as garantias do réu e sentenciando em conformidade com o ordenamento.
86
última de ser do processo e do próprio direito penal, perceberá que “a proteção de bens
jurídicos”, “a punição de delitos”, “a preservação da legalidade”, “o asseguramento de
garantias ao réu”, “o acertamento do caso penal”, “a expiação do delito”, “a
responsabilização do ofensor”, são fins imediatos, que não justificam, por si só (mesmo
no campo dos fins declarados), a missão da persecutio criminis.
87
Entende-se também que independentemente do entendimento que se adote,
mesmo aqueles (maioria) que discordam ser possível a autocomposição como
alternativa ao processo e à pena, admitem que o processo penal tem como escopo
último promover a pacificação social, ao frear a “justiça pelas próprias mãos” mediante
o fornecimento de uma resposta institucional acerca da reprovabilidade (ou não) da
conduta praticada.
Supõe-se que deixar nas mãos dos indivíduos este acertamento do caso
provocaria mais insegurança e fomento à violência, do que uma intervenção institucional
controlada, dentro dos limites estipulados para o ritual processual e para a pena
positivada e aplicada, se for o caso, somente após um processo que observe garantias
contextualizadas em um embate jurídico que mira o convencimento de um terceiro
imparcial (juiz).
88
Portanto, a reprovabilidade penal, a partir da visão retributivista, existe para
afirmar que há práticas inaceitáveis, e que os cidadãos devem agir de acordo com as leis,
ou estarão escolhendo o caminho da punição. Permitir o contrário comprometeria a
estabilidade social, sendo imperiosa a responsabilização por meio da pena, para
diferenciar o que é aceitável, do que não é. Logo, apesar da tentativa de limitar a
justificativa da aplicação da pena, usando o argumento de que “ela é um fim em si
mesmo”, basta descer mais um degrau, na escada da dedução, para chegar à conclusão
de que essa finalidade engloba o ideal de harmonização da conduta e das expectativas
humanas, a partir do ordenamento jurídico. Tal constatação, de certa forma, equivale a
dizer “o direito possui sanções para fazer valer a si mesmo”, e ela pode parecer óbvia e
mesmo inócua quando pensada isoladamente, mas se torna funcionalmente relevante
quando se trata de averiguar a legitimidade jurídica do uso de alternativas à persecução,
com vistas a frear efeitos negativos do seu exercício e da aplicação de uma pena.
89
(GÜNTHER, 2006, p. 193-194, 199-201). Novamente, evidencia-se o desejo da paz social
fincando sua base no respeito ao ordenamento.
Por conclusão, a primeira tese aqui defendida é de que o fim último do direito
penal e, por conexão instrumental, do processo penal, é a preservação da paz social, lida
como a preservação do respeito às normas sociais que regem as expectativas e o
convívio em sociedade.
2.4 A ausência de justa causa para o exercício da persecução penal quando as práticas
restaurativas tenham resultado na responsabilização do ofensor e na harmonização
das relações e condutas com a legalidade
90
harmonizadas as relações sociais, depois de uma prática restaurativa em um caso penal,
com a devida responsabilização do ofensor e consequente reprovação pública de sua
conduta.
91
relevância. Considerando que o legislador não tem contato com a conduta
criminalmente reprovável, a intervenção mínima vincularia também a criminalização
secundária (ou a persecução penal como um todo), sob pena de desvirtuar a função
social do processo penal, como já foi realçado anteriormente neste artigo.
92
meio de práticas dialógicas que materializem esse empoderamento, evitando-se danos
e gastos advindos de um processo penal e da eventual aplicação de pena, quando meios
menos traumáticos estiverem à disposição.
Nesse sentido, tem-se que a harmonização das relações afetadas por uma
prática prescrita na lei penal, com a responsabilização do ofensor e uma censura ao
crime produzida pelo consenso entre os envolvidos, mais o cumprimento de eventual
acordo que culmine na reparação da ofensa |(ainda que simbólica), bem como na
demonstração de assimilação da reprovabilidade da conduta, possui respaldo
constitucional e infraconstitucional para operar como ausência de justa causa à
persecução penal.
93
houve análise do mérito, ou seja, se houve ou não um crime. Então, se o juízo acerca da
justa causa não significa um acertamento do caso penal sem processo, tampouco seria
este o resultado concretizado a partir do cumprimento de um acordo restaurativo, visto
que, em nenhum dos casos, o indivíduo deverá cumprir uma pena, ou algo equivalente.
94
2.5 Sobre os institutos jurídicos que permitem o uso de práticas restaurativas de
acordo com o entendimento majoritário
95
espécie de soft punishment, uma vez que são: responsabilização pautada na censura,
voluntariedade e diálogo. Isso significa dizer que seus resultados não equivalem à pena.
Primeiro porque as práticas são um rito para atingir a um fim, e não o fim de um rito; e,
segundo, porque não possuem, ou não se propõem a possuir, caráter aflitivo.
No mais, embora haja uma clara distinção entre barganha penal (realizada entre
acusação e investigado) e práticas restaurativas (realizadas entre ofendido e ofensor), a
Resolução CNMP nº 181 de 2017, alterada pela Resolução CNMP nº 183 de 2018,
permite que em casos de crimes praticados sem violência ou grave ameaça, cuja pena
mínima seja de até 4 anos, como o furto qualificado e o tráfico de drogas privilegiado, e
que também se enquadrem nas demais condições dos incisos do §1º do art. 18, possam,
mediante a confissão e entrega de provas pelo investigado, ser objeto de acordo de não-
persecução penal, respeitadas as formalidades do §2º (BRASIL, 2017).
96
Finalizando, a terceira tese aqui defendida é que já existem meios jurídicos,
atrelados ao entendimento majoritário, que permitem o uso de práticas restaurativas
como alternativa à persecução penal, sendo possível dar esta maior atenção às
necessidades da vítima, bem como promover a responsabilização do ofensor de modo
construtivo a partir dos exemplos citados.
3. CONCLUSÃO
Desse modo, sendo possível atingir o consenso entre os envolvidos por meio de
uma prática restaurativa voluntária, que implica na admissão da autoria do fato,
reparação ou minimização do dano, com a consequente responsabilização pública do
autor da ofensa e consequente harmonização das relações sociais, tem-se que, em
respeito ao princípio da ultima ratio há que se compreender ausente a justa causa, não
sendo necessária a persecução penal do delito, até porque o art. 28 do CPP não veda
que o titular da ação penal pública invoque razões neste sentido para arquivar uma
investigação criminal.
97
como diretamente afetados pelo delito, devem ter a oportunidade de participar de sua
gestão de modo empoderador e dialógico, como respalda a ratio constitucional.
Negar o sistema, por si só, não soluciona as assimetrias que ele provoca, e
apostar nas práticas restaurativas e sua interlocução com o sistema penal é uma aposta
de risco, que pode tanto culminar na inoculação de um intruso paradigmático que, aos
poucos, realizará modificações sistêmicas benéficas, freando a violência, quanto poderá
ser usada para, ainda que de modo menos potente, reproduzir a segregação e o controle
social verticalizado de maneira envernizada. Todavia, por todos os argumentos já
descritos, entendemos que esta aposta, considerando a chance de mudar o que está
posto e se aproximar dos ideais constitucionais, valha a pena ser feita.
4. REFERÊNCIAS
98
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violência à violência do controle penal. 3. ed. Curitiba: Livraria do Advogado, 2015.
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Estado do Paraná, 2016. p. 615-628.
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ZEHR, Howard. Trocando as lentes: um novo foco sobre o crime e a justiça. São Paulo:
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101
Roselene Sonda1
Jucimeri Isolda Silveira2
1 Assistente Social. Atua no Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção aos Direitos Humanos
do Ministério Público do Paraná. Pós-graduada em Filosofia e Direitos Humanos pela Pontifícia Universidade Católica
do Paraná - PUCPR. E-mail: rsonda@mppr.mp.br.
2 Graduada em Serviço Social pela FIES (1997), Mestre em Sociologia pela UFPR (2004) e Doutora em Serviço Social
pela PUCSP (2013). Exerceu atividades de gestão como assessora técnica – Secretaria de Estado do Trabalho Emprego
e Promoção Social. Exerceu atividades como consultora do Ministério de Desenvolvimento Social, por meio do
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – Pnud, e assessora técnica do Fórum Nacional de Secretários(as)
Estaduais de Assistência Social. Foi pesquisadora no Centro Interdisciplinar de Pesquisa e Consultoria em Políticas
Públicas – CIPEC. É professora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e coordenadora geral do Núcleo de Direitos
Humanos. Atua como superintendente de planejamento da Fundação de Ação Social em Curitiba. Desenvolve trabalhos
e pesquisa, especialmente, sobre os temas direitos humanos, planejamento e gestão de políticas públicas, participação,
gestão e trabalho social. E-mail: jucimeri.silveira@pucpr.br.
* A data de submissão do presente artigo foi no dia 02/04/2019 e a aprovação ocorreu no dia 14/10/2019.
102
RESUMO: Este artigo aborda o papel do Ministério Público do Paraná na efetivação do
Direito Humano à Alimentação Adequada, enquanto direito fundamental, em sintonia
com as lutas sociais democráticas, e a partir de uma concepção contemporânea de
direitos humanos. Para tanto, resgata-se o histórico de implementação da Política de
Segurança Alimentar no Brasil e no Paraná e sua conformação histórica, considerando o
papel dos movimentos e organizações da sociedade civil. O objetivo deste estudo foi
identificar a correspondência entre as previsões legais para a exigibilidade do Direito
Humano à Alimentação Adequada (DHAA) e a centralidade nas ações do Ministério
Público do Paraná na área de Direitos Humanos para o aumento das adesões municipais
ao sistema. Utilizou-se da pesquisa do tipo exploratória com a análise documental para
identificar os resultados parciais do processo de implantação do sistema nos municípios
paranaenses. Conclui-se que a atuação do Ministério Público do Paraná, realizada por
meio da execução de ações institucionais coordenadas e planejadas, em articulação com
gestores, instâncias de controle social, movimentos e organizações da Política de
Segurança Alimentar e Nutricional, e a partir de uma perspectiva crítica de Direitos
Humanos, possibilitou resultados parciais positivos, especialmente quanto o número de
adesões municipais ao Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN)
no Paraná. Entretanto, constata-se que é preciso fortalecer os mecanismos políticos e
institucionais democráticos, considerando as lutas em defesa do direito humano à
alimentação adequada, engendrados nas lutas mais gerais em defesa dos direitos
humanos e do Estado Democrático de Direito.
ABSTRACT: This paper addresses the role of the Public Prosecution of Paraná in the
realization of the Human Right to Adequate Nutrition, as a fundamental right, in line
with the democratic social struggles. For this purpose, it gives a historical review of the
implementation of Food Safety Policy in Brazil and in Paraná and its historic
conformation, considering the contributions of social movements and civilian
organizations. The aim of this study was to identify the correspondence between the
legal provisions for the demandability of the Human Right to Adequate Nutrition and the
action of the Public Prosecution of Paraná on the Human Rights area, in order to increase
municipal accessions to the system. The type of research used is exploratory with
document analysis in order to identify partial results of the process of implantation of
the system in municipalities of Paraná. It concludes that the action of the Public
Prosecution of Paraná, carried out in conjunction with the public policy board,
movements and organizations of the Food and Nutrition Safety Policy, through the
execution of coordinated and planned institutional actions, from a critical perspective of
Human Rights, obtained very positive partial results. However, it points out that is
necessary to strengthen political and democratic institutional mechanisms, considering
the struggles in defense of the human right to food, along with more general struggles
in defense of the Human Rights of the democratic state.
KEYWORDS: Human Rights; Adequate Nutrition; Food and Nutrition Safety; Public
Prosecution.
103
1. INTRODUÇÃO
104
MPPR, visando a consolidação de políticas públicas e a materialização do direito humano
à alimentação adequada.
105
Este conceito se aproxima muito da definição de Ziegler (2002, apud BURITY;
FRANCESCHINI; VALENTE. p. 8), previsto no Relatório do Relator Especial das Nações Unidas
sobre o Direito à Alimentação:
106
Dessa forma, entende-se que as bases para o conceito de DHAA são sólidas e
legitimadas pela legislação nacional e internacional. No Brasil, a efetivação dos direitos
deve se realizar pela implantação e execução de políticas públicas, com programas e
ações que incluam desde a fase do planejamento até sua implementação,
monitoramento e avaliação. No contexto do Estado Democrático de Direito,
considerando os mecanismos e dispositivos da democracia participativa, tal processo se
concretiza mediante a participação popular, o controle social, especialmente no âmbito
dos conselhos de políticas públicas.
107
Tal concepção coincide com o pensamento de Gallardo sobre “o que se diz e o
que se faz” em direitos humanos, isto é, a disparidade entre as previsões legais, formais,
e a realidade da maioria da população, da classe trabalhadora, daqueles que vivem as
consequências das “pegadas da colonização”. A partir desta concepção de direitos
humanos, a sociedade civil não se caracteriza, tão somente, como um espaço de
interesses da sociedade burguesa, mas como espaço conflituoso e no âmbito dos
movimentos sociais emergentes, bem diferente da “sociedade civil” da produção
moderna que acabou se tornando um braço do Estado, mas constituída historicamente
como espaço de ação e desafios às instituições e o éthos sociopolítico dominante
(GALLARDO, p. 43-46).
A compreensão dos direitos humanos como sendo resultado das lutas sociais
pela dignidade, como afirma Herrera Flores (2009), além de ressaltar o papel central das
organizações da sociedade civil, dos movimentos sociais, pressupõe a implementação de
condições políticas e institucionais na esfera pública do Estado. No caso do direito
humano à alimentação, tal efetividade requer a consolidação da Soberania e da
Segurança Alimentar e Nutricional, por meio, sobretudo, de políticas públicas.
108
injustiça social e da desigualdade social e de direitos, sobretudo pela falta de acesso à
terra, insuficiência de renda para compra de alimentos (ABRANDH, 2013).
109
debate e articulação de entidades, instituições, movimentos sociais da sociedade civil
organizada.
No Brasil, a política de SAN foi instituída pelo artigo 3º, da Lei n. 11.346/2006,
intitulada Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional:
110
implementado no Brasil em tempos de avanços do Estado brasileiro em termos de
políticas públicas, pois a garantia e a promoção do DHAA acabou se tornando objetivo e
meta de uma Política Pública.
111
Segundo os artigos 2º e 11º do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais (PIDESC), o Estado tem a obrigação de efetivar o DHAA e dentre estas
estão:
112
Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA), no governo do então Presidente
Itamar Franco.
Em 2003, no governo do então Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi recriado o
CONSEA Nacional, lançado o Programa Fome Zero, instituído o Ministério Extraordinário
de Segurança Alimentar e Combate à Fome (MESA) e o Programa de Aquisição de
Alimentos da Agricultura Familiar (PAA), o qual promove o fortalecimento da agricultura
familiar, ao mesmo tempo em que beneficia populações em situação de insegurança
alimentar.
113
âmbito da política da Assistência Social, programa este que contribuiu
consideravelmente para a superação da vulnerabilidade social, pela provisão de serviços
e benefícios, além de objetivar o acesso às demais políticas públicas e o
desenvolvimento local.
Em 2006, foi aprovada a Lei n° 11.346 (LOSAN), que criou o Sistema Nacional de
Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), representando a consagração de uma
concepção abrangente e intersetorial da segurança alimentar e nutricional, de modo a
incluir o conceito de Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA).
114
públicas e dos programas no âmbito do poder executivo, incluindo instâncias de controle
social e organismos de gestão compartilhada, ou ainda, junto ao poder legislativo, por
meio da cobrança e denúncias de violações às Comissões de Direitos Humanos, assim
como a elaboração de projetos de lei. Em resumo, expressa uma conduta política e
institucional que demanda respostas de agentes políticos, contemplando a participação
social e os princípios fundantes dos Direitos Humanos.
O Estado brasileiro tem gerido políticas públicas por meio de sistemas integrados
e participativos, possibilitando à sociedade civil, o monitoramento, como por exemplo o
Sistema Único da Saúde – SUS e o Sistema Único da Assistência Social – SUAS. Assim,
também ocorreu com a política de segurança alimentar e nutricional, que criou no
âmbito da execução de políticas públicas, o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e
Nutricional – SISAN (Lei nº 11.346/2006-LOSAN), e dispôs em seu artigo 10, sobre os
objetivos do Sistema:
115
acompanhamento, o monitoramento e a avaliação da segurança
alimentar e nutricional do País.
Esse sistema, previsto na LOSAN, foi a forma eleita pelo Estado brasileiro de
assegurar o DHAA e sua consecução se deu no artigo 7º, ao prever que os órgãos
governamentais de todos os entes federados e as organizações da sociedade civil devem
“atuar para a formulação e implementação de políticas, planos, programas e ações a fim
de promover e garantir a segurança alimentar e nutricional da população” (ABRANDH,
2013, p. 153).
116
O Sistema atende aos seguintes princípios, elencados no art. 8º da LOSAN:
universalidade e equidade no acesso à alimentação adequada, sem qualquer espécie de
discriminação; preservação da autonomia e respeito à dignidade das pessoas;
participação social na formulação, execução, acompanhamento, monitoramento e
controle das políticas e dos planos de segurança alimentar e nutricional em todas as
esferas de governo; e transparência dos programas, das ações e dos recursos públicos e
privados e dos critérios para sua concessão.
117
implementação de políticas públicas e na efetiva participação da sociedade civil e se
torna mais efetiva com a atuação de organismos públicos como o Ministério Público,
quando cumpre sua função na defesa e garantia do direito humano à alimentação
adequada.
118
Em 31 de agosto de 2010, foi sancionada a Lei Estadual nº 16.565/2010, que criou
o Sistema Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), com a instituição, em
16 de novembro do mesmo ano, da Câmara Governamental Intersetorial de Segurança
Alimentar do Paraná (CAISAN-PR).
119
forma mais sistemática no ano de 2011. Esse primeiro esforço coletivo se realizou entre
os anos de 2012 e 2013, quando foi realizada uma Oficina Estadual de Segurança
Alimentar e Nutricional, que reuniu 137 participantes e realizou 36 Oficinas Regionais
em duas etapas, com a participação de 4.290 atores comprometidos com a implantação
do SISAN. (SETP, 2013, p. 51)
120
enquanto ampliação da participação política e distribuição equitativa
da riqueza socialmente produzida.
Vale destacar que esse compromisso ético dos Assistentes Sociais com
a democracia, a cidadania, a liberdade, o pluralismo e com uma vida
digna para cada brasileiro encontrará amplo respaldo nos
fundamentos da República Federativa do Brasil, contidos na
Constituição Federal de 1988, que por sua vez constitui-se também na
fonte da legitimidade do Ministério Público. (1998, p. 03)
3 Olympio de Sá Sotto Maior Neto, coordenador do Centro de Apoio e Procurador-Geral de Justiça em quatro
mandatos.
4 Esta intervenção ensejou a criação do Grupo de Trabalho Intersetorial Estadual – GTI-E, por meio do Decreto n° 9117
de 2018, que está elaborando a proposta de regulamentação da Lei.
121
4. ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM DEFESA DO DIREITO À SEGURANÇA
ALIMENTAR E NUTRICIONAL NO PARANÁ
122
Após a realização da macro etapa 4, ficou sob a responsabilidade do Serviço
Social o acompanhamento da macro etapa 5, e para tal, foram realizados
levantamentos, sistematizações e análises de informações contidas no procedimento,
a saber: respostas dos Núcleos Regionais da Secretaria de Estado da Agricultura e
Abastecimento (SEAB-PR) e das CORESANS, oficiadas pelo CAOPJDH em 2016 e 2017
em ocasião da adesão dos municípios ao SISAN; tabela atualizada e encaminhada pela
CAISAN Estadual, contendo uma lista de municípios com adesão concluída e/ou em
processo de adesão, até 19 de agosto de 2018; tabela sistematizada e elaborada pela
equipe técnica do CAOPJDH, contendo quadro comparativo das informações de
adesões advindas de duas fontes oficiais; relatório de avaliação das oficinas realizadas,
elaborado pela UNESP-SP, instituição de ensino superior contratada por meio de
convênio com o governo federal, para a realização das oficinas ocorridas entre maio e
setembro de 20176.
6 UNESP. Relatório Oficinas: Fortalecimento do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) nos
Estados de São Paulo e Paraná e seus respectivos municípios. Cord. Maria Marques de Oliveira.
7 Segundo o relatório da UNESP-SP, participaram das oficinas 1.470 pessoas, em sua maioria gestores municipais.
123
oportunidade em realizar esta ação institucional surgiu a do acompanhamento do
MPPR das reuniões do CONSEA-PR, espaço democrático de exercício do controle social,
instância em que o Ministério Público exerce o seu papel constitucional de fiscalizar
políticas públicas, articulando e acolhendo demandas da sociedade.
8 Elaborado pela Promotora de Justiça Ana Paula Pina Gaio, disponibilizado pela FEMPAR no link:
https://vimeo.com/225403870 (vídeo privado).
9 São considerados em processo avançado de adesão, municípios que já instituíram todos os componentes necessários
para adesão.
124
adesão, pode-se afirmar que, após a incidência do Centro de Apoio nas oficinas, o
número de adesões municipais ao SISAN no Estado do Paraná aumentou de 78
(setenta e oito) para 174 (cento e setenta e quatro) municípios. Tais dados significam
uma porcentagem de adesões de 24%, entre o ano de 2017 até 19 de julho de 2018,
em comparação com a porcentagem de adesões de 19,55 % constatadas ao longo de
dez anos de implementação do SISAN no Paraná.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
125
direito. Depende, centralmente, da sociedade civil ocupar a esfera pública do Estado e
conquistar direitos.
126
ações, a participação popular, a garantia da dignidade na relação e efetivação dos demais
direitos, em direção a uma sociedade justa e igualitária.
6. REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei n.º 7.347 de 1985 de 24 de julho de 1985. Disciplina a ação civil pública de
responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e
direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (VETADO) e dá
outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, [2018]. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7347orig.htm. Acesso em: 23 ago. 2018.
127
http://www.bvsde.paho.org/texcom/nutricion/exigibilidade.pdf. Acesso em: 31 ago.
2018.
CARBALLIDO, Manuel Eugenio Gándara. Repensando los Derechos Humanos desde las
luchas. Revista de Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 15, n. 15, p. 41-
52, jan./jun. 2014.
128
http://www.dge.mec.pt/sites/default/files/Ecidadania/educacao_para_a_Defesa_a_Se
guranca_e_a_Paz/documentos/pacto_internacional_sobre_direitos_economicos_socia
is_culturais.pdf. Acesso em: 31 de agosto de 2018.
129
Simone Berci Françolin1
1Promotora de Justiça. Pós-Graduada em combate ao crime organizado e combate à corrupção pelo Complexo de Ensino Renato
Saraiva (CERS). Mestranda em criminologia e execução penal junto à Universidade Pompeu Fabra, de Barcelona (UPF).
Email: sbfrancolin@mppr.mp.br.
* A data de submissão do presente artigo foi no dia 23/09/2019 e a aprovação ocorreu no dia 17/10/2019.
130
RESUMO: O trabalho visa demonstrar aos aplicadores do Direito a importância de se
conferir efetividade às obrigações patrimoniais concebidas nas decisões judiciais
definitivas proferidas na seara da improbidade administrativa, destacando a
possibilidade de aplicação de medidas cautelares atípicas com o propósito de induzir o
cumprimento das penas de natureza patrimonial previstas no artigo 12, da Lei 8.249/92.
Inicia-se pela abordagem do fenômeno da corrupção, passando-se a delinear sua
conceituação e evolução, bem como os seus atuais mecanismos de combate,
ressaltando a importância de uma sociedade ser provida de instrumentos jurídicos
repressivos e preventivos eficazes no combate à corrupção. Após destacar a existência
de instrumentos internacionais, o presente estudo segue então para constatações sobre
a aplicação da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92) no combate à corrupção
no Brasil. E, ao final, ora se sustenta a aplicação de medidas cautelares atípicas como
forma de conferir maior eficiência às decisões judiciais transitadas em julgado,
abordando critérios de aplicação e as espécies de cautelares atípicas aceitas pelos
Tribunais pátrios.
ABSTRACT: The purpose of this article is to demonstrate the applicators of the Law the
importance of conferring effectiveness on the patrimonial obligations conceived in the
final judicial decisions pronounced in the area of administrative improbity, highlighting
the possibility of applying atypical precautionary measures with the purpose of inducing
compliance with the penalties of a patrimonial nature provided for in article 12 of Law
8.249 / 92. It begins by approaching the phenomenon of corruption, starting to delineate
its conceptualization and evolution, as well as its current mechanisms of combat,
emphasizing the importance of a society to be provided with effective legal and
preventive legal instruments in the fight against corruption. After highlighting the
existence of international instruments, the present study is followed by findings on the
application of the Administrative Improbity Law (Law 8.429 / 92) in the fight against
corruption in Brazil. And, at the end, the application of atypical precautionary measures
is supported as a way of giving greater efficiency to the judgments that have become
final, applying criteria of application and the species of atypical precautionary measures
accepted by the Courts.
131
1. INTRODUÇÃO: O COMBATE AO FENÔMENO DA CORRUPÇÃO
Nos estudos sobre o assunto, também são mencionados outros fatores que
contribuem para a ampliação do fenômeno da corrupção num determinado local. Cita-
se, a título exemplificativo, os quanto seguem: (i) a ampla tolerância social aos atos
ímprobos, (ii) a existência de uma cultura de ilegalidade, (iii) a falta de uma clara
delimitação entre o que é público e o que é privado, (iv) a inoperância prática das
instituições públicas e (v) a existência de um ordenamento jurídico inadequado à
realidade social.
2RUFATO, Pedro Evandro de Vicente. Combate à Corrupção na Visão do Ministério Público. Leme: São Paulo Editora: JHMizzuno, 2018,
pag. 96.
132
Denota-se, ainda, que as condutas consideradas corruptas variam de acordo
com a evolução da sociedade e de seus aspectos culturais e temporais, encontrando-se
sua delimitação em atual e constate construção. Fator este que frisa-se não inviabiliza o
estudo de tal fenômeno, mas sim gera o alerta sobre a possibilidade da criação e
melhoria de mecanismos de controle até então conhecidos, extraindo-se daí a
necessidade de os estudiosos se dedicarem de forma contínua a análise do tema.
3 No Brasil, a Convenção foi aprovada pelo Decreto Legislativo nº 152, de 25 de junho de 2002, e promulgada pelo Decreto Presidencial
nº 4.410, de 7 de outubro de 2002. Disponível em: <https://www.cgu.gov.br/sobre/perguntas-frequentes/articulacao-
internacional/convencao-da-oea>. Acesso em 05 de abril de 2019.
4 No Brasil, a Convenção foi ratificada em 15 de junho de 2000 e promulgada pelo Decreto Presidencial nº 3.678, de 30 de novembro
promulgada pelo Decreto Presidencial nº. 5.687, de 31 de janeiro de 2006. Disponível em: <https://www.cgu.gov.br/sobre/perguntas-
frequentes/articulacao-internacional/convencao-da-onu>. Acesso em 05 de abril de 2019.
133
prática de atos ilícitos. Tratam-se de fatores complementares entre si, que influenciam
diretamente quando da análise de risco pelo agente corrupto, que poderá ser motivado
ou desestimulado a depender das consequências negativas de seus atos, e, em grande
parte da probabilidade de elas virem a efetivamente se concretizar.
6 SOUZA, Luis de apud CARDOSO, Flávio. In: Curso de Pós Graduação -MBA – Prevenção e Repressão à Corrupção – aspectos teóricos
e práticos - Introdução ao Estudo do Fenômeno da Corrupção (Origem, Causas, Efeitos, Relação com a Democracia, Direitos Humanos
e Legitimidade dos Políticos), Primeira Aula, módulo 2.
7 O evento foi realizado em parceria pelo Ministério Público do Estado do Paraná e o Ministério Público Federal, no dia 18 de janeiro
134
delineado por Alexandre da Rocha, o próprio Código Penal quando se utiliza da referida
expressão, o faz com significados diferentes, conforme se verifica da simples leitura dos
artigos 218-A, 218-B, 271, 272, 273, 317-A, 337-B, todos do Código Penal8.
8 ROCHA, Alexandre Sergio da. Corrupção: conceitos e reflexões/ Curitiba. Juruá, 2018. Versão digital, não paginada, capítulo 6
9 A íntegra do Projeto de lei pode ser consultada no seguinte endereço eletrônico: <https://www.justica.gov.br/news/collective-nitf-
content-1555510204.13/pl-882-2019.pdf>, acessado em 02/05/2019.
10
A íntegra do Projeto de Lei pode ser consultada no seguinte endereço eletrônico: <https://legis.senado.leg.br/sdleg-
getter/documento?dm=4727431&disposition=inline>, consultado em 02/05/2019.
11 Endereço eletrônico em que o relatório encontra-se integralmente disponível: <https://s3-sa-east-1.amazonaws.com/tibr-
Cidade e a Lei 9.504/97. Nelas o Poder Legislativo remete o operador do direito à Lei 8.429/92, daí porque a essência da
responsabilização dos agentes é idêntica, sem qualquer especificidade.
135
a eficiência do cumprimento de sentenças judiciais condenatórias que tenham tal
diploma como suporte normativo.
136
54.2016.8.16.0143 e 0000130-69.2016.8.16.0143)13.
Além disso, denota-se que não é incomum instaurar-se prazo para novo e
genérico contraditório nesta fase inicial, abrindo o magistrado nova vista ao legitimado
ativo, com o objetivo de que este trate de eventuais documentos ou argumentos
processuais utilizados pelas partes. Trata-se de fase processual não prevista em lei, que
apenas causa efeitos procrastinatórios, dada a opção pelo rito já prolongado elegido pelo
Poder Legislativo. Cita-se, a título exemplificativo, as seguintes ações em curso no Estado
do Paraná: 0001070-97.2018.8.16.0067, 0001348-14.2018.8.16.0192 e 0001336-
97.2018.8.16.019216.
13
Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, ação civil pública pela prática de ato de improbidade administrativa. Consulta realizada em
05 de abril de 2019, no sistema eletrônico Projudi.
14 Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, ação civil pública pela prática de ato de improbidade administrativa. Consulta realizada em
famigerado esquema de fraudes nas licitações dos Correios, envolvendo, dentre outros, Maurício Marinho, que ganhou notoriedade
nacional a partir da divulgação de registro de vídeo em que recebia propina. A ação, com sete réus, foi proposta em 29 de julho de
2010. A fase de notificação preliminar dos réus somente foi concluída em julho de 2013, ou seja, três anos depois da propositura da
ação. Em seguida, em 12 de novembro de 2013 foi proferida a decisão de recebimento da petição inicial e ordenada a realização da
citação dos réus. Desde então, decorrido bem mais de um ano desde a decisão de recebimento, o processo ainda se encontra na fase
de citação, conforme razões do Projeto de Lei 106/2018, acesso em <https://legis.senado.leg.br/sdleg-
getter/documento?dm=4727431&disposition=inline>, consulta em 02/05/2019.
16 Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, ação civil pública pela prática de ato de improbidade administrativa. Consulta realizada em
137
existência da causa, engendra esforços para se furtar de sua responsabilidade.
17
Acesso integral ao Projeto de Lei: <https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=4727431&disposition=inline>, consulta
em 02/05/2019.
138
Pugna-se, em resumo, que a condenação, ainda que tardia, seja analisada como
um fator de risco, e, portanto, de desestímulo à prática de condutas, e, com efeito,
funcionem como uma possibilidade gravosa na equação quanto a análise feita pelo
agente no momento anterior à prática do ato ímprobo.
139
êxito das ações de improbidade em grande monta está diretamente relacionado a
existência de valores decretados indisponíveis liminarmente pelo Poder Judiciário,
quando da distribuição da ação de improbidade administrativa, na forma como
preceituada pelo art. 7o, da Lei 8.429/92.
140
também se tem consciência de que, após serem demandados, não reservam qualquer
valor para o cumprimento de uma sentença condenatória que, não raro, é vista como
um simples resultado de um ato de perseguição política, dada a corrupção sistêmica e
difusa vivenciada no país.
19NEVES, Daniel Amorim Assumpção Neves, Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo, São Paulo: Editora JusPodivm,
2017, p. 231.
141
E, assim, nessa linha de raciocínio, a aplicação das astreintes deixou de ter seu
campo de atuação restrito às obrigação de fazer e não fazer, passando a ser legalmente
admitida para a indução ao cumprimento pelo devedor de obrigação de pagar quantia
certa, num claro intento de conferir eficácia e eficiência as decisões judiciais de
consequências essencialmente patrimoniais, tais como, pagamento de pensão
alimentícia e dívidas decorrentes de aluguéis.
Quando de sua promulgação, o art. 139, inciso IV, do Código de Processo Civil
não sofreu críticas da doutrina e da jurisprudência em relação à sua constitucionalidade
ou legalidade perante o regime jurídico vigente a partir da Constituição de 198820, sendo
visto pelos processualistas e operadores do direito como um dispositivo apto a conferir
concretude aos efeitos da coisa julgada, eis que as decisões judiciais são
reconhecidamente de difícil cumprimento no Brasil.
Nessa linha de raciocínio, ora se sustenta que o art. 139, inciso IV, do Código de
Processo Civil também confira suporte à promoção de atos executivos patrimoniais na
seara das ações civis públicas de improbidade administrativa, adaptando-se a aplicação
das cautelares atípicas aos casos concretos, com um propósito maior, qual seja, o de se
evitar a impunidade, eis que, ainda com maior razão, tratam de direitos difusos e
coletivos.
Os motivos para tal cenário são os mais variados. Cita-se, por exemplo, o
condenado por ato de improbidade que se furta dolosamente do cumprimento da
ordem judicial promovendo atos de esvaziamento patrimonial, e, também, o caso
20A Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, a respeito do assunto, aprovou o Enunciado 48, diz que: “O art.
139, inciso IV, traduz um poder geral de efetivação, permitindo a aplicação de medidas atípicas para garantir o cumprimento de
qualquer ordem judicial, inclusive no âmbito do cumprimento de sentença e no processo de execução baseado em títulos”.
21 (i) na Comarca de Nova Aurora/PR, foram encontradas três ações em fase de cumprimento de sentença, sendo que em nenhuma
delas logrou-se a concretização do mínimo, qual seja, a reparação do dano ao erário; (ii) na Comarca de Iretama/PR, constatou-se um
universo de 31 ações de improbidade em fase de cumprimento, sendo que todas restaram infrutíferas; e (iii) na Comarca de Cerro
Azul/PR, constatou-se a existência de 16 (dezesseis) ações civis de improbidade, sendo que até 05 de abril de 2019, não se registra o
início formal dos cumprimentos de sentença.
142
daquele que não demonstra cooperação para com o seu cumprimento - tais como
propostas de pagamento ou parcelamento - mesmo após longos anos de disputa judicial.
Nesse cenário, imperioso consignar que aquele que foi condenado deve
contribuir com o juízo, e demonstrar que não teve ele condições de se preparar para o
cumprimento da sentença condenatória que contra ele recai.
143
do conteúdo de precedentes jurisprudenciais, verificou-se que, em algumas situações, o
principal argumento para o indeferimento da aplicação das cautelares atípicas pelo
Poder Judiciário foi a inexistência de produção de provas complementares por parte do
credor no sentido de que o devedor teria boa capacidade financeira ou de que teria ele
praticado atos dolosos de esvaziamento patrimonial22.
Ocorre que, na prática, tal posicionamento vai totalmente contra a eficácia das
ações de improbidade administrativa. Afinal, pautando-se no princípio da boa-fé
objetiva, deve-se partir da premissa de que a condenação fora imposta ao agente
ímprobo, sendo no mínimo razoável que a ele seja imposto o dever de demonstrar os
motivos pessoais pelos quais não arcou com sua obrigação, e que tais escusas são
suficientes a afastar a incidência das cautelares atípicas.
22
“Ação de execução de título extrajudicial - Decisão que indefere pedido formulado pelo exequente de apreensão dos passaportes,
suspensão de CNH e cancelamento de cartões de crédito - A apreensão de passaportes, suspensão de CNH e cancelamento de cartões
de crédito de executados não permitirá, por si só, alcançar o resultado prático almejado pelo exequente (quitação do débito), além de
violar o direito fundamental da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), e caracterizar negativa de vigência às próprias disposições
do NCPC - Com o inadimplemento, e da forma menos gravosa ao devedor, deve o credor buscar a satisfação do seu crédito pleiteando
medidas destinadas à persecução dos bens do executado, de cunho patrimonial - Precedentes - Decisão mantida - Recurso desprovido”
(AI nº 2102610-85.2018.8.26.0000, de São Paulo, 15ª Câmara de Direito Privado, v.u., Rel. Des. JOSÉ WAGNER DE OLIVEIRA MELATTO
PEIXOTO, j. em 29.6.2018).
“Cumprimento de sentença Atipicidade dos meios executivos Bloqueio permanente de contas bancárias, passaporte, CNH e cartões
de crédito - Impossibilidade Ausência de proporcionalidade em sentido estrito Respeito à dignidade da pessoa humana e observância
ao Estatuto do Patrimônio Mínimo O princípio da proporcionalidade deve ser observado Ainda que o preceito deontológico determine
que todo cidadão arque com as suas dívidas, a pretensão à atipicidade dos meios executivos não pode ser deferida porque implicaria
em interpretação desarrazoada Ademais, por estabelecer, ainda que por via oblíqua, restrição significativa à liberdade de ir e vir da
agravada, o indeferimento das medidas pleiteadas é de rigor Recurso não provido” (AI nº 2077497-66.2017.8.26.0000, de São Paulo,
2ª Câmara de Direito Privado, v.u., Rel. Des. ROSANGELA TELLES, j. em 21.6.2017).
144
final, geram um maior número de demandas aos órgãos públicos, incluindo-se o Poder
Judiciário.
145
4. DAS MEDIDAS CAUTELARES ATÍPICAS
Nessa linha de raciocínio, presume-se que aquele que não tem meios de
restituir o erário, encontra-se em dívida com a sociedade, e, portanto, não dispõe de
patrimônio para arcar com viagens internacionais, sendo-lhe desnecessário o passaporte,
e, pela mesma linha de raciocínio outros elementos que demonstram boas condições
financeiras, tais como Carteira Nacional de Habilitação e uso de cartões de crédito.
146
grau. Decisão mantida. Recurso não provido. (TJSP, AI 2.251.477-
88.2016.8.26.0000, Des. Rel. Evaristo dos Santos, j. 22/05/2017).
Insurgência contra decisão que indeferiu o pedido de apreensão da
CNH, passaporte e cartão de crédito do devedor. É certo que o inciso
IV, do art. 139 do Código de Processo Civil, ao dispor que o juiz
determinará todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais
ou sub-rogatórias necessárias, impõe ao magistrado atuar de modo a
assegurar que os efeitos das decisões se produzam, inclusive, nas
ações que tenham por objeto prestação pecuniária. A decisão não
restringe liberdade pessoal do executado, nem afronta os direitos e
garantias fundamentais, assegurado no art. 5º, inciso XV da
Constituição Federal. Recurso provido. (TJSP, AI nº 2035712-
27.2017.8.26.0000, Des. Rel. José Luiz Gavião de Almeida, j. em
20/02/2018)
147
judicial. Exaurimento das tentativas de localização de bens que
pudessem assegurar o pagamento da multa civil. Prevalência do
interesse coletivo na satisfação da prestação pecuniária, mormente
porque restou patente a intenção da executada em furtar-se ao
cumprimento de sua obrigação. Decisão reformada. (TJSP, AGRAVO DE
INSTRUMENTO Nº 2244200-84.2017.8.26.0000, Des. Rel. Souza Nery,
j. em 10/04/2018).
Argumento este que, com a devida vênia, não deve prevalecer, sob pena de se
afastar a incidência do art. 319, inciso IV, do Código de Processo Civil, e igualmente se
comprometer a eficiência das decisões judiciais, conforme preceitua o artigo 8o, do novo
Código de Processo Civil, de forma incisiva:
148
Prega-se, num juízo de ponderação, que considerando os valores em conflito
quando do cumprimento das sentenças proferidas com fundamento da Lei 8.429/92,
que a proteção dos direitos individuais do cidadão não sirva de escudo protetivo de
responsabilidade, ainda mais quando está a se falar em reparação do erário num país
em que grande parcela da população não desfruta do mínimo constitucional em razão
de ilícitos praticados em prejuízo do patrimônio público.
5. CONCLUSÃO
149
realizados para a quitação do débito, tais como a realização de atos de penhora e
expropriação; (iii) a prévia promoção do protesto do título; (iv) e a análise da forma pela
qual o executado manteve e mantém a sua sobrevivência e a de sua família.
Além disso, frisou-se que afora o Ministério Público, os demais legitimados para
a propositura da ação civil pública não detém instrumentos que viabilizem investigação
patrimonial.
150
carentes, que diretamente dependem da eficiência dos serviços públicos, como os de
saúde, segurança e educação, para o exercício de uma vida digna num Estado
Democrático de Direito.
Por essa sistemática, em última instância, resta evidente que se estará a majorar
a eficiência das decisões judiciais condenatórias proferidas com base na Lei 8.429/92 em
prejuízo do agente ímprobo, eis que atualmente tem-se que a não incidência das
medidas cautelares atípicas reduzem consideravelmente as chances de os agentes serem
efetivamente atingidos pelos efeitos um decreto condenatório, o que vem a colocar em
risco, em última instância, os direitos mínimos dos cidadãos socialmente vulneráveis.
6. REFERÊNCIAS
BRASIL. Congresso. Senado Federal. Projeto de lei nº 108, de 2016. Altera os §§ 7º, 8º,
9º e 10 do art. 17 da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, para agilizar a tramitação da
ação de improbidade administrativa. Brasília, DF: Senado Federal, [2019]. Disponível
em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-
getter/documento?dm=4727431&disposition=inline. Acesso em: 02 maio 2019.
151
determina outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, [2019].
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp64.htm. Acesso em: 01
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Presidência da República, [2019]. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso
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BRASIL. Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos
agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo,
emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá
outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, [2019]. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8429.htm. Acesso em: 01 out. 2019.
CUNHA, Leonardo Carneiro da. A fazenda pública em juízo .14. ed. Rio de Janeiro:
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DIDIER, Jr. Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paulo Sarna; OLIVEIRA,
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DIDIER, Jr., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual
civil, parte geral e processo de conhecimento. 19. ed. Salvador: JusPODIVM, 2017. v. 1.
152
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9417. Acesso em: 20 maio 2019.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de
processo civil: tutela dos direitos mediante procedimentos diferenciados. 3. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. v. 3.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo código de processo civil: comentado artigo
por artigo. São Paulo: JusPodivm, 2017.
ROCHA, Alexandre Sergio da. Corrupção: conceitos e reflexões. Curitiba: Juruá, 2018. E-
book.
153
Tâmera Padoin Marques Marin1
Larissa Salla Freitas2
A APLICAÇÃO DA TEORIA DA
CEGUEIRA DELIBERADA NO CRIME
DE LAVAGEM DE DINHEIRO E SUA
INCORPORAÇÃO PELA LEI
BRASILEIRA
1 Mestre em Direito Econômico pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUC/PR. Promotora de Justiça do Ministério Público
do Estado de Rondônia. E-mail: tamera.padoin@mpro.mp.br.
2 Graduada em Direito pelas Faculdades Associadas de Ariquemes. Servidora pública do Ministério Público do Estado de Rondônia.
E-mail: larissa.freitas@mpro.mp.br.
* A data de submissão do presente artigo foi no dia 24/05/2019 e a aprovação ocorreu no dia 04/07/2019.
154
RESUMO: O presente artigo tem por finalidade a análise da aplicação da teoria da
cegueira deliberada no crime de lavagem de dinheiro e sua incorporação na lei
brasileira. Busca-se apresentar os aspectos gerais da lei brasileira de combate à lavagem
de dinheiro, bem como a edição da lei nº 12.683/12, a alteração e o tratamento legal no
que refere ao artigo 1º, § 2º, inciso I, discutindo-se a aplicação da referida teoria.
Menciona-se a origem da teoria, aspectos no sistema common law e a aplicação no
sistema civil law, havendo o destaque para equiparação da teoria da cegueira deliberada
ao dolo eventual. É abordada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e Superior
Tribunal de Justiça acerca do assunto. Discute-se se a aplicação da teoria da cegueira
deliberada equiparada ao dolo eventual fortalece o enfrentamento do combate ao
crime de lavagem de dinheiro no Brasil, evitando a terceirização da prática do referido
crime, bem como obstando a criação de vantagens competitivas para empresas e
pessoas físicas que se utilizam de recursos provenientes de meios criminosos. No que
refere à metodologia, utilizou-se a abordagem qualitativa, procedimento bibliográfico e
o objetivo descritivo.
ABSTRACT: The purpose of this article is to analyze the application of the theory of
deliberate blindness in the crime of money laundering and its incorporation into Brazilian
law. It seeks to present the general aspects of the Brazilian anti-money laundering law,
as well as the enactment of Law No. 12,683 / 12 and the amendment and legal treatment
with regard to article 1, paragraph 2, item I, discussing the application of said theory in
the article and section quoted. It mentions the origin of the theory, aspects in the
common law system and the application in the civil law system, emphasizing to equate
the theory of deliberate blindness with eventual deceit. Jurisprudence of the Supreme
Federal Court and Superior Court of Justice on the subject is approached. Regarding the
methodology, it has a basic nature, that is, it has no immediate purpose, however, it
produces knowledge to be used in other researches, with the descriptive objective,
qualitative approach and bibliographic procedure. It is discussed if the application of the
theory of deliberate blindness equates to eventual fraud will strengthen the fight against
the crime of money laundering in Brazil, avoiding the outsourcing of the practice of said
crime, as well as hindering the creation of competitive advantages for companies and
individuals resources from criminal means.
155
1. INTRODUÇÃO
3 BRASIL. Supremo Tribunal Federal – STF. Ag. Reg. no Recurso 876.692 Paraná. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID =8531210>. Acesso em: 09.11.2017.
156
Recentemente, a disciplina da lavagem de dinheiro foi modernizada pelo
legislador brasileiro, com importantes avanços no tratamento desse delito, o que
possibilitou o ingresso do Brasil no rol de países com legislação antilavagem de terceira
geração, ou seja, qualquer infração penal poderá ser caracterizada como crime
antecedente ao delito de lavagem, independentemente de rol legal prevendo tipos
específicos.
Além disso, destaca-se a atual redação do artigo 1º, §2º, inciso I, operada por
meio da Lei n° 12.683/2012, que dispõe que “incorre, ainda, na mesma pena quem: I -
utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos e valores provenientes de
infração penal”. Com essa previsão, o legislador brasileiro seguiu a tendência de
acrescentar ao tipo, além do dolo direto, o dolo eventual para aqueles que utilizam na
atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores provenientes de origem
criminosa.
157
2. ORIGEM, CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DA LAVAGEM DE DINHEIRO
A expressão em si, surgiu nos Estados Unidos, por volta de 1920, ocasião em
que gângsteres norte-americanos usavam lavanderias, comércio formalmente
legalizado, com a finalidade de ocultar a origem ilícita do dinheiro adquirido.
4TONDINI, Bruno. Blanqueo de capitales y lavado de dinero: su concepto, historia y aspectos operativos. Buenos Aires: Centro
Argentino de Estudios Internacionales, 2008.
5HABIB, Gabriel. Leis Penais Especiais: Tomo I. 3 ed. Salvador: Jus Podivm, 2011.
158
Para De Barros (2007)6, a Lavagem de Dinheiro constitui-se em um conjunto de
operações comerciais e financeiras, que possuem por finalidade a incorporação, na
economia, de forma transitória ou permanente, de recursos, bens e valores de origem
ilícita para conceder-lhes aparência legal.
Para Mendroni (2015, p.21)7, a Lavagem de Dinheiro poderia ser definida como
“o método pelo qual um indivíduo ou uma organização criminosa processa os ganhos
financeiros obtidos com atividades ilegais, buscando trazer a sua aparência para obtidos
licitamente”.
6DE BARROS, Marco Antônio. Lavagem de capitais e obrigações civis correlatas: com comentário, artigo por artigo, à Lei 9.613/98. 2.
ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
7MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime de Lavagem de Dinheiro. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2015.
8DE CARLI, Carla Veríssimo. Lavagem de Dinheiro: Ideologia da Criminalização e análise do discurso. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012.
9 BALTAZAR JUNIOR, Jose Paulo. Crimes Federais. 8 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.
10INTERPOL. Money laundering. Disponível em: <https://www.interpol.int/Crimeareas/Financial-crime/Money-laundering> Acesso
em: 10.10.2017.
11 IMF. IMF and the Fight Against Money Laundering and the Financing of Terrorism. Disponível em: <
159
ilícita de bens adquiridos ou gerados pela atividade criminosa é ocultada para mascarar
a ligação entre os capitais e o delito original.
Com o processo de globalização cada dia mais avançado e a economia cada vez
mais tecnológica, a Lavagem de Dinheiro ganha proporções maiores, sobrepassando as
fronteiras dos países e se desenvolvendo em outros, ou seja, estendendo-se o seu
âmbito de atuação à ilimitadas jurisdições.
160
em as organizações criminosas serem mais rápidas que as autoridades, superando as
técnicas empregadas por essas, tornando-se assim, mais difíceis o controle e o
descobrimento das operações realizadas (SOTERAS apud CALLEGARI; WEBER, 2017)12.
12CALLEGARI, André Luiz; WEBER, Ariel Barazzetti. Lavagem de Dinheiro. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2017.
13UNODC. Estimando os fluxos financeiros ilícitos decorrentes do tráfico de drogas e outras organizações criminais transnacionais.
Disponível em: <https://www.unodc.org/ documents/data-and-analysi/studies/illict_financial_flows_2011_web.pdf>. Acesso em:
30.08.2017.
161
Durante a colocação os infratores se encontram mais vulneráveis. Trata-se da
fase mais arriscada para o agente “lavador”, diante da sua proximidade com a origem
ilícita, sendo justamente nesse movimento financeiro inicial que as autoridades estão
focadas, quando muito dinheiro é convertido, facilitando assim a descoberta. Consoante
Maiorovitch (apud MACEDO, 2009, p. 37)14 é o momento “de apagar a mancha
caracterizadora da origem ilícita”.
14MACEDO, Carlos Márcio Rissi. Lavagem de dinheiro: Análise crítica das Leis 9.619, de 03 de março de 1998 e 10.701 de 09 de julho
de 2003. Curitiba: Juruá, 2009. p. 37.
15MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime de Lavagem de Dinheiro. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2015.
162
o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, promulgada no ano de
1988 pela Organização das Nações Unidas, abrangendo países que somente previam o
Tráfico de Drogas como crime antecedente da Lavagem de Dinheiro.
A terceira geração, por sua vez, admite qualquer delito como crime
antecedente do crime de Lavagem de Dinheiro, assim, qualquer infração penal poderá
ser conectada aos procedimentos caracterizadores da lavagem, garantido um combate
mais eficiente. Parâmetro esse que foi adotado pela Lei nº 12.683/12.
16MORO, Sérgio Fernando. Crime de Lavagem de Dinheiro. São Paulo: Saraiva, 2010.
17CALLEGARI, André Luiz; WEBER, Ariel Barazzetti. Lavagem de Dinheiro. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2017.
163
identificação do autor do delito, da garantia do devido processo legal e da eventual
punição, ou seja, é necessário privar o criminoso do produto da sua atividade ilícita,
eventualmente, trazendo para o campo do Direito Penal novos desafios.
A antiga redação do art. 1º, §2º, inciso I, da Lei nº 9.613/98 dispunha que
“Incorre, ainda, na mesma pena quem: I - utiliza, na atividade econômica ou financeira,
bens, direitos ou valores que sabe serem provenientes de qualquer dos crimes
antecedentes referidos neste artigo” (Lei nº 9.613, 1998).18 In caso, verificava-se no tipo
apenas a configuração do dolo direto, uma vez que o sujeito ativo precisava ter
consciência da proveniência ilícita dos bens (“que sabe”).
Com a nova redação, trazida pela Lei nº. 12.683/12 (art. 1º, § 2º, I), há a
supressão da expressão “que sabe”, autorizando também a punição mesmo em
situações nas quais o agente não tem ciência plena de que os bens que recebe tem
origem infracional, contudo, deveria sabê-lo em razão da atividade por ele
desempenhada. A partir dessa alteração legislativa, tem-se que passou a ser autorizada
a aplicação do dolo eventual para essas hipóteses delitivas.
164
se a ocorrência do dolo quando se estiver diante de um “querer” a produção de um
resultado e de um “assumir o risco” dessa produção (WESSELS, 1976)19.
De Jesus (2014, p. 330)20 ensina que “ocorre o dolo eventual quando o sujeito
assume o risco de produzir o resultado, isto é, admite e aceita o risco de produzi-lo”.
19WESSELS, Johannes. Direito Penal: Parte Geral: Aspectos Fundamentais (Tradução Juarez Tavares). Porto Alegre: Fabris, 1976.
20 DE JESUS, Damásio. Direito penal, volume 1: parte geral. 35 ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
21REALE JÚNIOR, Miguel. Instituições de direito penal. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012.
22GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral. Porto Alegre: S.A. Fabris, 2007.
23ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. Parte Geral. 7 ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2007.
165
estes resultados, deparamo-nos com uma hipótese de culpa com
representação, mas se age admitindo a possibilidade de que
sobrevenham, o caso será de dolo eventual.
24BOTTINI, Pierpaolo; BADARÓ, Gustavo Henrique. Lavagem de Dinheiro. 3 ed. São Paulo: RT (Revista dos Tribunais), 2016.
25Ibidem.
166
5. APLICAÇÃO DA TEORIA DA CEGUEIRA DELIBERADA
Tal doutrina foi criada para os casos em que um agente atua como se não
enxergasse a ilicitude da procedência de bens, direitos e valores com o objetivo de
auferir vantagens. Como dito pela doutrina, o agente irá se comportar como uma
avestruz, que enterra sua cabeça na terra para não tomar conhecimento da natureza ou
extensão do seu ilícito praticado.
5.1 Origem
26ROBBINS, Ira P. The ostrich instruction: deliberate ignorance as a criminal means rea. The Journal of Criminal Law Criminology.
Northwestern University School of Law, USA, V.81, Summer 1990, p.191-234.
167
O referido julgamento trouxe a conclusão de que, caso restasse provado que o
indiciado tivesse se abstido de obter algum conhecimento da origem de tais bens, a pena
cabível poderia equiparar-se àquela aplicada aos casos de conhecimento (BECK, 2011)27.
Assim, o agente poderia ser condenado por sua ignorância deliberada.
27BECK, Francis. A doutrina da cegueira deliberada e sua aplicabilidade ao crime de lavagem de dinheiro. Sapucaia do Sul: Revista de
Estudos Criminais, 2011.
28CALLEGARI, André Luiz; WEBER, Ariel Barazzetti. Lavagem de Dinheiro. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2017.
29Ibidem.
168
solidificada, a culpabilidade exige o elemento subjetivo e, dentre os requisitos mínimos
para a condenação, verifica-se, junto à negligência e imprudência, o necessário
conhecimento.
5.3.1 Conhecimento
30Ibidem.
31CALLEGARI, André Luiz; WEBER, Ariel Barazzetti. Lavagem de Dinheiro. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2017.
32MARQUES, José Roberto. Você sabe o que é conhecimento?. Disponível em: <
https://www.ibccoaching.com.br/portal/portal/comportamento/voce-sabe-o-que-e-conhecimento/> Acesso em: 08.10.2017.
33ALMEIDA, Mário de Souza; FREITAS, Claudia Regina; DE SOUZA, Irineu Manoel. Gestão do conhecimento para tomada de decisão.
São Paulo: Atlas, 2011.
169
crenças sobre relacionamentos causais”.
34ESTEFAM, André. Direito penal: parte geral (arts. 1o a 120). 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2017
35CALLEGARI, André Luiz; WEBER, Ariel Barazzetti. Lavagem de Dinheiro. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2017.
36Ibidem.
37Ibidem.
38Ibidem.
170
Cegueira Deliberada existe quando um indivíduo fecha
deliberadamente os olhos para os meios de conhecimento, porque ele
prefere permanecer na ignorância. Cegueira intencional deve ser
restrita à situação em que o acusado acredita que um determinado
estado de coisa existe, sabe que ele pode confirmar essa crença,
tomando um simples passo como fazer uma pergunta, ou andando em
volta de um canto para ler um quadro de avisos, mas não o faz, porque
ele quer ser capaz de permanecer na ignorância.
39Ibidem.
40Ibidem.
171
Deliberada reside na tese denominada “Culpabilidade Igualitária”. Consoante as Cortes
que aplicam a teoria em análise, é justificada pois igualmente reprovável agir
deliberadamente evitando o conhecimento e agir conhecendo a ilicitude da conduta ou
de elementos que a circundam, o que torna a ignorância deliberada o equivalente moral
ao conhecimento pleno (CALLEGARI; WEBER, 2017)41.
41Ibidem.
42CALLEGARI, André Luiz; WEBER, Ariel Barazzetti. Lavagem de Dinheiro. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2017.
43Ibidem.
172
formas possíveis de “mente culpada” no direito norte-americano, enquanto que no
direito continental se divide entre dolo e culpa (CALLEGARI; WEBER, 2017)44.
Essa teoria surgiu no sistema common law para punir o acusado que apenas
contava com a alta suspeita ou elevado grau de possibilidade de que participava de um
ato ilícito. Contudo, observa-se que para o sistema civil law, não é tão importante tal
exigência, já que o dolo eventual já se presta a punir aquele indivíduo que conta com
um grau de representação suficiente da tipicidade de sua conduta e, mesmo assim,
assume o risco de leva-la a cabo (CALLEGARI; WEBER, 2017)45.
O Sistema Civil Law é o mais antigo e bem distribuído, cuja origem remonta a
450 a.C. Contudo, mesmo sendo o mais velho dos dois sistemas, levou
exponencialmente mais tempo para se desenvolver do que o sistema Common Law.
Vieira (2007, p.270)46 assim explica:
44Ibidem.
45CALLEGARI, André Luiz; WEBER, Ariel Barazzetti. Lavagem de Dinheiro. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2017.
46 VIEIRA, Andréia Costa. Civil Law e Common Law: Os Dois Grandes Sistemas Legais Comparados. Porto Alegre: S. A. Fabris, 2007.
173
dúvidas quanto a influência externa de vários fatores na construção de legal frame
(CALLEGARI; WEBER, 2017)47. O processo legal transnacional ainda que possa ser fruto
de intensas interações entre fronteiras, além dessas, geralmente é dirigido por atores
com determinado objetivo.
Observa-se que quanto mais a norma transnacional for clara, vinculante, e seu
conteúdo interpretado e aplicado, maior é o interesse de incorporação por estados e
outros atores. Os processos legais internacionais apresentam efeitos maiores do que
apenas moldar o direito nacional substancial (CALLEGARI; WEBER, 2017)48.
5.7 Equiparação da teoria da cegueira deliberada ao dolo eventual: Artigo 1º, § 2º,
inciso I, da Lei de Lavagem de Dinheiro
Observa-se que a Teoria da Cegueira Deliberada possui como escopo punir por
dolo aquele que voluntariamente se coloca em estado de desconhecimento, de forma a
ignorar fatos suspeitos para optar por uma situação que lhe é mais vantajosa.
Nesse sentido, da mesma forma que o avestruz vê e finge que não viu, o
indivíduo também vê, há uma desconfiança, mas ele ignora a suspeita de que o ato que
está praticando é ilícito, com o objetivo de tirar algum proveito.
Segundo Cabral (apud BONA JUNIOR, 2016)50 apesar do investigado não obter
47CALLEGARI, André Luiz; WEBER, Ariel Barazzetti. Lavagem de Dinheiro. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2017.
48Ibidem.
49Ibidem.
50BONA JUNIOR, Roberto. É preciso discutir teoria da cegueira deliberada em crimes de lavagem. Disponível em:
<https://www.conjur.com.br/2016-nov-19/roberto-bona-preciso-discutir-cegueira-deliberada-crimes-lavagem>. Acesso em: 29.11.
2017.
174
conhecimento pleno dos fatos, essa falta de conhecimento pleno tende-se a prática de
atos afirmativos de sua pessoa para evitar a descoberta de uma situação suspeita.
Fato é que aquele que suspeitar da origem ilícita no meio em que atua e se
safar de apurar os fatos de forma proposital, para justificar a atividade econômica ou
financeira, assumirá o risco de praticar o delito de lavagem de capitais (CORDEIRO, apud
BONA JUNIOR, 2016)51.
51Ibidem.
52Ibidem.
53Ibidem.
54NASCIMENTO, André Ricardo Neto. Teoria da Cegueira Deliberada: Reflexos de sua aplicação à Lei de Lavagem de Capitais (Lei nº
9.613/98). Disponível em: <http://repositorio.uniceub.br/bitstream/123 456789/800/1/20570516.pdf>. Acesso em: 29.11.2017.
175
referida teoria aos delitos de lavagem de dinheiro exige-se a prova de
que o agente tenha conhecimento da elevada probabilidade de que os
valores eram objeto de crime e que isso lhe seja indiferente.
55BOTTINI, Pierpaolo; BADARÓ, Gustavo Henrique. Lavagem de Dinheiro. 3 ed. São Paulo: RT (Revista dos Tribunais), 2016.
56Ibidem.
57Ibidem.
176
jurídica ou moral para reputá-lo pelo resultado delitivo (MORO, 2010)58.
Se não houver a consciência de que tais filtros impedirão de ter ciência de atos
infracionais penais, fica excluído o dolo eventual (CORDERO apud BADARÓ; BOTTINI,
2016)59.
58MORO, Sérgio Fernando. Crime de Lavagem de Dinheiro. São Paulo: Saraiva, 2010.
59BOTTINI, Pierpaolo; BADARÓ, Gustavo Henrique. Lavagem de Dinheiro. 3 ed. São Paulo: RT (Revista dos Tribunais), 2016.
60BRASIL. Supremo Tribunal Federal – STF. Embargos Infringentes na AP 470. Lavagem de Dinheiro. Disponível em:
177
quando então alguns ministros do STF fizeram apontamentos no sentido de equiparação
da teoria ao dolo eventual. Veja-se que essa posição vai ao encontro do que tem sido
discutido no âmbito internacional acerca da necessidade dos ordenamentos jurídicos se
ajustarem ao combate ao crime de lavagem de dinheiro, reforçado por uma
interpretação que repele a terceirização da prática desse crime, admitindo a aplicação
do dolo eventual como equiparado à teoria da Cegueira Deliberada.
61BRASIL. Superior Tribunal de Justiça – STJ. Agravo em Recurso Especial nº 785.584/ PR. Disponível em:
<https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/495927147/agravo-em-recurso-especial-aresp-785584-pr-2015-0236771-2>. Acesso
em: 29.11.2017.
62BRASIL. Superior Tribunal de Justiça – STJ. Recurso Ordinário em Habeas Corpus: RHC 47524 PA 2014/0105510-3. Disponível em: <
https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudência /178152145/recurso-ordinario-em-habeas-corpus-rhc-47524-pa-2014-0105510-
3/relatorio-e-voto-178152156>. Acesso em: 29.11.2017.
63BRASIL. Superior Tribunal de Justiça – STJ. Recurso Especial: REsp 1620209RS 2016/0214790-9. Disponível em: <
<https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia /530141159/recurso-especial-resp-1587233-pr-2016-0070815-7/decisao-
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65
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça – STJ. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial: AREsp 1009274 MG 2016/0288729-
2. Disponível em:<https://stj.jusbrasil.com.br/ jurisprudencia/449673810/agravo-em-recurso-especial-aresp-1009274-mg-2016-
0288729-2>. Acesso em: 30.11.2017.
178
poderosos que cometiam os chamados crimes de colarinho branco e ficavam à margem
da justiça.
7. CONCLUSÃO
Tal como nos delitos financeiros, a Lavagem de Dinheiro deve ser interpretada
como um negócio que tem como objetivo gerar lucro, contudo também apresenta
perdas em decorrência do alto custo de produção de suas operações. Ela mobiliza um
grande volume de recursos e, sendo uma atividade dinâmica e complexa, gera
consequências que ultrapassam as fronteiras de países.
179
Aquiescem os doutrinadores e a jurisprudência que a verificação da aceitação
ou não da ocorrência do resultado lesivo pelo agente criminoso deve ser retirada através
das circunstancias do fato que resultou na ofensa ao bem jurídico penalmente tutelado.
Os fatos responderão, por si só, se o indivíduo assumiu ou não o risco de produzir o
resultado lesivo.
Fato é que aquele que tem a suspeita da origem ilícita no meio em que atua e
se escapa de apurar os fatos de forma proposital, para justificar a atividade econômica
ou financeira, assumirá o risco de praticar o delito de lavagem de capitais. É
indispensável a consciência voluntária de criar obstáculos que impeçam o conhecimento
efetivo sobre a origem ilícita da atividade.
180
8. REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Mário de Souza; FREITAS, Claudia Regina; SOUZA, Irineu Manoel de. Gestão
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RHC 47524 PA 2014/0105510-3. Penal e processual penal. Jogo do bicho. Associação
criminosa. Lavagem de dinheiro. Crime contra a economia popular. Cartel. Falsidade
ideológica. Denúncia. Descrição fática suficiente. Demonstração de indícios de autoria e
da materialidade. Inépcia. Não ocorrência. Ação penal. Falta de justa causa. Atipicidade.
Trancamento. Revolvimento fático. Impossibilidade na via eleita. 1. Devidamente
descrito os fatos delituosos (indícios de autoria e materialidade), não há como trancar a
ação penal, em sede de habeas corpus, por inépcia da denúncia. Plausibilidade da
acusação. 2. Em tal caso, está plenamente assegurado o amplo exercício do direito de
defesa, em face do cumprimento dos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal.
3. O habeas corpus não se apresenta como via adequada ao trancamento da ação penal,
quando o pleito se baseia em falta justa causa (atipicidade), não relevada, primo oculi.
Intento, em tal caso, que demanda revolvimento fático-probatório, não condizente com
a via angustia do writ. 4. Recurso ordinário não provido. Recorrente: Antonio Pereira
Valente. Recorrido: Ministério Público do Estado do Pará. Relator: Min. Maria Thereza
de Assis Moura, 12 de fevereiro de 2015. Disponível em:
https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudência /178152145/recurso-ordinario-em-habeas-
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2017.
181
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AREsp 1009274 MG 2016/0288729-2. Agravante:
Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Agravado: Antônio Vilefort Martins.
Relator: Min. Felix Fischer, 06 de fevereiro 2017. Disponível em:
https://stj.jusbrasil.com.br/ jurisprudencia/449673810/agravo-em-recurso-especial-
aresp-1009274-mg-2016-0288729-2. Acesso em: 30 nov. 2017.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (2. Turma). Ag. Reg. no Recurso Extraordinário
876.692 Paraná. Agravo regimental no recurso extraordinário. Processual penal.
Impossibilidade de reexame de prova. Súmula n. 279 do Supremo Tribunal Federal.
Evasão de divisas. Operações dólar-cabo: julgado recorrido harmônico com a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Alegada contrariedade ao art. 93, inc. IX,
da Constituição não configurada. Agravo regimental ao qual se nega provimento.
Agravante: Nelson Luiz Pereira Corbett. Agravado: Ministério Público Federal. Relatora:
Min. Cármen Lúcia, 12 maio 2015. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID =8531210. Acesso
em: 09 nov. 2017.
BOTTINI, Pierpaolo Cruz; BADARÓ, Gustavo Henrique. Lavagem de dinheiro. 3. ed. São
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WESSELS, Johannes. Direito penal: parte geral: aspectos fundamentais. Tradução Juarez
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184
Thimotie Aragon Heemann1
1
Promotor de Justiça no Estado do Paraná na Comarca de Campina da Lagoa e Designado para atuar em colaboração no Centro de
Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de Direitos Humanos do MPPR – CAOPJDH. Graduado em Direito pela Escola Superior do
Ministério Público do Rio Grande do Sul/ESFMP. Pós graduado em Direito. Coautor do livro Jurisprudência Internacional de Direitos
Humanos. Professor de Direitos Humanos e Direito Constitucional do Curso CEI. Palestrante. Autor de artigos publicados em revistas
especializadas. E-mail: taheemann@mppr.mp.br.
* A data de submissão do presente artigo foi no dia 27/06/2019 e a aprovação ocorreu no dia 02/09/2019.
185
RESUMO: O presente trabalho expõe um panorama da evolução normativa do combate
à violência doméstica e familiar contra a mulher no ordenamento jurídico brasileiro a
partir das influências do Direito Internacional dos Direitos Humanos, bem como sugere
novas propostas em busca de um combate efetivo e integral à violência doméstica e
familiar contra a mulher no Brasil, pautado não apenas na judicialização da questão, mas
também a partir de ações extrajudiciais de cunho resolutivo e preventivo.
186
1. TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA LEI MARIA DA PENHA NO ORDENAMENTO JURÍDICO
BRASILEIRO E A IMPORTÂNCIA DO DIÁLOGO ENTRE O DIREITO DAS MULHERES E O
DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS
2Sobre este ponto, importante ressaltar que a própria Constituição Federal de 1988 garante em seu artigo 7º, inciso XX, a “proteção
do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei”. Trata-se de uma ação afirmativa de caráter
constitucional prevista pelo legislador constituinte em favor das mulheres brasileiras.
187
definitiva do réu, que se mantivera em liberdade durante todo esse tempo, tudo isso
apesar da gravidade da acusação e do substancioso conjunto probatório contra ele.
3 Resumo do caso Maria da Penha Fernandes vs. Brasil retirado da obra PAIVA, Caio; HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência
Internacional de Direitos Humanos. 2ª ed. Belo Horizonte: CEI, 2017.
188
debatida e posteriormente foi aprovada pelo Congresso Nacional, sendo inegável,
portanto, que a luta pela promoção da igualdade de gênero, bem como o combate à
violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil nasce, ao menos de forma
especializada e expressa, após uma forte influência do Direito Internacional dos Direitos
Humanos.
Mas este não é o único ponto de entrelaçamento entre o Direito das Mulheres
e o Direito Internacional dos Direitos Humanos. No ano de 2010, o Estado brasileiro
introduziu a figura do feminicídio, ou seja, a conduta de matar alguém dirigida à mulher
pela sua própria condição de mulher, no artigo 121, §2º, inciso VI, do Código Penal, como
qualificadora do delito de homicídio.4 No entanto, pouco antes, mais precisamente em
novembro de 2009, a Corte Interamericana de Direitos Humanos reconheceu pela
primeira vez a figura do feminicídio como crime, delimitando os contornos da mais grave
e severa violação de direitos humanos praticada contra uma mulher (CORTE
INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2009, on-line)5, sendo inegável, novamente,
que os avanços estabelecidos no ordenamento jurídico brasileiro na luta pela promoção
dos Direitos das Mulheres perpassam pela influência das propostas e avanços
estabelecidos no Direito Internacional dos Direitos Humanos.
4No ano de 2018, foi sancionada no Brasil a Lei 13.771/2018, que prevê o aumento da pena do feminicídio de um terço à metade se
o crime for cometido em situação de descumprimento de medida protetiva de urgência determinada com base na Lei 11.340/2006.
5Caso González e outras “campo algodoeiro” vs. México.
189
que qualquer vínculo legal; e) possui ou vai possuir um filho ou filha; f)
é parente ou familiar; g) possuiu relação de intimidade, noivado,
amizade ou companheirismo; h) trabalhou como empregada
doméstica para aquela pessoa, ou qualquer outra situação de violência
contra a mulher praticada por pessoas que pretendam ou pretendiam,
de forma reiterada e contínua uma relação amorosa ou de intimidade
com a vítima.(CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2017,
on-line)
6 Sobre o conceito de interpretação constitucional feminista, é a lição de Larissa Tomazoni e Estefânia Barboza: “A interpretação
feminista é um projeto que pretende repensar o direito constitucional e explorar sua relação com o feminismo examinando, desafiando
e redefinindo a própria ideia de constitucionalismo a partir de uma perspectiva feminista. Os estereótipos e abordagens
discriminatórias deixaram marcas no direito constitucional e nas tradições legais. O feminismo pode desempenhar um papel na
neutralização dessas influências e a interpretação feminista pode ser uma ferramenta muito eficaz a serviço da mudança
jurisprudencial gradual, além disso, oferece uma nova perspectiva interpretativa do conhecimento humano, incluindo a esfera do
direito. Alguns exemplos clássicos da influência de estereótipos e discriminação na interpretação vem de casos em que documentos
aparentemente neutros foram interpretados de forma excludente às mulheres por causa de vieses culturais”. (BARBOZA, Estefânia;
TOMAZONI, Larissa. Interpretação constitucional feminista e a jurisprudência do STF. (In) FACHIN, Melissa Girardi; SILVA, Christine
Oliveira Peter da; BARBOZA, Estefânia. Constitucionalismo feminista. Bahia: Juspodivm, 2018, p. 241). Também reconhecendo a
existência do constitucionalismo feminista: BAINES, Beverley; BARAK-EREZ, Daphne; KAHANA, Tsvi. Feminist Constitucionalism: global
perspectives. New York: Cambridge University Press, 2012.
7O controle construtivo de convencionalidade é aquele que busca compatibilizar a legislação interna com as normas internacionais de
direitos humanos através da via da hermenêutica, construindo interpretações que viabilizem a harmonia entre as convenções
internacionais de direitos humanos e o ordenamento jurídico doméstico. Já o controle destrutivo (também chamado de “saneador”)
de convencionalidade é aquele que se materializa com a invalidação das normas domésticas contrárias aos tratados internacionais de
direitos humanos. Nesse sentido, e com base nas ideias de Néstor Pedro Sagués, é a lição de Daniel Sarmento e Cláudio Pereira de
Souza: “De acordo com Néstor Pedro Sagues, ao lado do controle destrutivo de convencionalidade, que envolve a invalidação das
normas internas contrárias aos tratados internacionais de direitos humanos, deve-se empreender também o controle construtivo de
convencionalidade, que consiste em buscar ajustar a legislação interna à normativa internacional pela via hermenêutica, no afã de
construir interpretações da primeira que se compatibilizem com parâmetros internacionais de proteção de direitos humanos”
(SARMENTO, Daniel; NETO, Cláudio Pereira de Souza. Direito Constitucional: teoria, tópicos e métodos de trabalho. Belo Horizonte:
Editora Forum, 2016. p. 53).
190
Ainda neste contexto de análise dos influxos e standards do Direito
Internacional dos Direitos Humanos para a implementação de um combate integral e
efetivo à violência contra a mulher, a Corte Interamericana de Direitos Humanos decidiu
recentemente que:
Em relação ao item ‘a’, o Estado brasileiro vem democratizando cada vez mais o
acesso às vítimas de violência doméstica aos canais de denúncia, possibilitando às
autoridades estatais o conhecimento de um maior número de casos de violência
doméstica e familiar contra a mulher ocorridos em território brasileiro. É o que ocorre,
por exemplo, a partir do “Disque 180”, ferramenta criada pela extinta Secretaria de
Política para Mulheres do Governo Federal para que as mulheres de todo o Brasil
denunciem as situações de violência.
Já em relação ao item ‘b’, a Lei Maria da Penha conta com um ágil e célere
sistema de medidas protetiva de urgência para resguardar a integridade das vítimas. A
prova disso é justamente o especial valor que se confere à palavra da vítima na análise
da concessão ou não da medida protetiva de urgência.8 Não se desconhece que este
sistema de medidas protetivas de urgência carece de um maior aperfeiçoamento em sua
aplicação prática, todavia, o entendimento do tribunal interamericano neste ponto vem
8Em se tratando de casos de violência doméstica em âmbito familiar contra a mulher, a palavra da vítima ganha especial relevo para o
deferimento de medida protetiva de urgência, porquanto tais delitos são praticados, em regra, na esfera da convivência íntima e em
situação de vulnerabilidade, sem que sejam presenciados por outras pessoas”. (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário
em Habeas Corpus n. 34035/AL. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/24711532/recurso-ordinario-em-habeas-
corpus-rhc-34035-al-2012-0213979-8-stj/inteiro-teor-24711533?ref=juris-tabs>. Acesso em: 22 jun. 2019.) Também nesse sentido, é
o teor do enunciado 45 do Fórum Nacional de Juízes e Juízas de Violência Doméstica: “As medidas protetivas de urgência previstas na
Lei 11.340/2006 podem ser deferidas de forma autônoma, apenas com base na palavra da vítima, quando ausentes outros elementos
probantes nos autos”.
191
sendo cumprido pelo Estado brasileiro, ainda que o referido sistema de medidas
protetivas possa ser aperfeiçoado e otimizado.
9Em que pese a existência de Defensoria Pública em todos os Estados da Federação e no Distrito Federal, o Estado brasileiro ainda não
implementou de forma plena o comando disposto no artigo 98, §2º do ADCT: “No prazo de 8 (oito) anos, a União, os Estados e o
Distrito Federal deverão contar com defensores públicos em todas as unidades jurisdicionais, observado o disposto no caput deste
artigo”.
10É possível, contudo, que em casos excepcionais a tramitação de pedidos de medidas protetivas de urgência ocorra diante da Justiça
Federal, como por exemplo, nos casos em que a ameça cometida contra a mulher é realizada em rede social por agressor que reside
no exterior. Foi o que decidiu o Superior Tribunal de Justiça no Conflito de Competência n. 150.712-SP (SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTIÇA, 2018, on-line).
11 RECURSO ESPECIAL. RECURSO SUBMETIDO AO RITO DOS REPETITIVOS (ART. 1.036 DO CPC, C/C O ART. 256, I, DO RISTJ). VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. DANOS MORAIS. INDENIZAÇÃO MÍNIMA. ART. 397, IV, DO CPP. PEDIDO NECESSÁRIO.
192
papel dos agentes de polícia na tutela dos direitos das mulheres vítimas de violência,
uma vez que é geralmente na Delegacia de Polícia que a mulher agredida tem o primeiro
contato com a rede de proteção do Estado. Nesta perspectiva, inclusive, o Estado
brasileiro conta com diversas “Delegacias da Mulher”, locais especializados na
investigação de delitos perpetrados contra mulheres e majoritariamente compostos por
pessoas do sexo feminino, criando-se assim um ambiente mais agradável (ou menos
constrangedor) para a mulher em situação de vulnerabilidade que adentra em tais
repartições policiais.
PRODUÇÃO DE PROVA ESPECÍFICA DISPENSÁVEL. DANO IN RE IPSA. FIXAÇÃO CONSOANTE PRUDENTE ARBÍTRIO DO JUÍZO. RECURSO
ESPECIAL PROVIDO. [...] 4. Entre diversas outras inovações introduzidas no Código de Processo Penal com a reforma de 2008,
nomeadamente com a Lei n. 11.719/2008, destaca-se a inclusão do inciso IV ao art. 387, que, consoante pacífica jurisprudência desta
Corte Superior, contempla a viabilidade de indenização para as duas espécies de dano - o material e o moral -, desde que tenha havido
a dedução de seu pedido na denúncia ou na queixa. 5. Mais robusta ainda há de ser tal compreensão quando se cuida de danos morais
experimentados pela mulher vítima de violência doméstica. Em tal situação, emerge a inarredável compreensão de que a fixação, na
sentença condenatória, de indenização, a título de danos morais, para a vítima de violência doméstica, independe de indicação de um
valor líquido e certo pelo postulante da reparação de danos, podendo o quantum ser fixado minimamente pelo Juiz sentenciante, de
acordo com seu prudente arbítrio. 6. No âmbito da reparação dos danos morais - visto que, por óbvio, os danos materiais dependem
de comprovação do prejuízo, como sói ocorrer em ações de similar natureza -, a Lei Maria da Penha, complementada pela reforma do
Código de Processo Penal já mencionada, passou a permitir que o juízo único - o criminal - possa decidir sobre um montante que,
relacionado à dor, ao sofrimento, à humilhação da vítima, de difícil mensuração, deriva da própria prática criminosa experimentada.
7. Não se mostra razoável, a esse fim, a exigência de instrução probatória acerca do dano psíquico, do grau de humilhação, da
diminuição da autoestima etc., se a própria conduta criminosa empregada pelo agressor já está imbuída de desonra, descrédito e
menosprezo à dignidade e ao valor da mulher como pessoa. 8. Também justifica a não exigência de produção de prova dos danos
morais sofridos com a violência doméstica a necessidade de melhor concretizar, com o suporte processual já existente, o atendimento
integral à mulher em situação de violência doméstica, de sorte a reduzir sua revitimização e as possibilidades de violência institucional,
consubstanciadas em sucessivas oitivas e pleitos perante juízos diversos. 9. O que se há de exigir como prova, mediante o respeito ao
devido processo penal, de que são expressão o contraditório e a ampla defesa, é a própria imputação criminosa - sob a regra, derivada
da presunção de inocência, de que o onus probandi é integralmente do órgão de acusação -, porque, uma vez demonstrada a agressão
à mulher, os danos psíquicos dela derivados são evidentes e nem têm mesmo como ser demonstrados. 10. Recurso especial provido
para restabelecer a indenização mínima fixada em favor pelo Juízo de primeiro grau, a título de danos morais à vítima da violência
doméstica. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1643051/MS. Disponível em:
<https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/554473137/recurso-especial-resp-1643051-ms-2016-0325967-4/inteiro-teor-
554473139?ref=juris-tabs>. Acesso em: 22 jun. 2019.)
193
Já a violência psicológica é conceituada pela Lei Maria da Penha como:
“qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe
prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas
ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento,
humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz,
insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou
qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação”.
Foi a partir do conceito de violência psicológica contra a mulher trazido pelo legislador
brasileiro que a doutrina passou a desenvolver as ideias de “gaslighting”,
“manterrupting”, “mansplaning” e “bropriating”.
194
subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho,
documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os
destinados a satisfazer suas necessidades”. Na violência patrimonial o agressor possui
um sentimento de não aceitação em relação à independência financeira da mulher,
premido pelo pensamento retrógrado e ultrapassado de que as mulheres não possuem
o direito de ingressar no mercado de trabalho. Esta modalidade de violência contra a
mulher é frequentemente constatada em situações nas quais o agressor possui uma
idade avançada em relação a sua própria companheira, embora também seja possível
verificar a incidência da violência patrimonial contra a mulher em casais jovens ou com
pouca diferença de idade.
12Em que pese exista um próprio texto da referida autora aduzindo a eventual existência de uma quarta fase do ciclo da violência
doméstica contra a mulher, a mesma autora indica que esta quarta fase, conhecida como “calmaria”, também pode ser incluída na
terceira fase do ciclo, denominada como “lua de mel” ou “arrependimento”.
195
geralmente as mulheres vítimas de violência doméstica buscam ajuda médica, apoio de
amigos e familiares e ainda, em alguns casos, registram boletim de ocorrência nas
repartições policiais.
A Lei 11.340/2006 ainda dispõe em seu artigo 7º, inciso III, o conceito de
violência sexual contra a mulher, podendo esta ser compreendida como:
13Esta situação da aprisionamento da vítima no ciclo da violência contra a mulher é chamada pela doutrina de “síndrome da mulher
maltratada”. Sobre o tema, é a lição de Ricardo Ferracini Neto: “Esta teoria explica o motivo pelo qual algumas mulheres em situação
de vitimação de violência doméstica não se opõem a isto com as possibilidades que lhes são oferecidas pelo Estado ou por organizações
e pessoas em particular; apesar de terem todo o conhecimento destas oportunidades. As mulheres portadores de tal Síndrome
adaptam-se à situação adversa e acabam inclusive opondo-se aos estímulos que as indicam as saídas possíveis da situação de maus
tratos domésticos em que estão envolvidas, chegando a desenvolver um grau de suportabilidade mais avançado, inclusive para os
traumas mais agudos”. (NETO, Ricardo Ferracini. A violência doméstica contra a mulher e a transversalidade de gênero. Bahia:
Juspodivm, 2018, p. 252). Também reconhecendo a existência da referida síndrome, porém com o nome de “síndrome da mulher
agredida”: DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça. 5. ed. Bahia: Juspodivm, 2019, p. 33.
196
utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar
qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à
gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem,
suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus
direitos sexuais e reprodutivos. (BRASIL, 2006, on-line)
197
(se intencional ou não), coação com a finalidade de confissão e denúncia à polícia da
mulher em situação de abortamento, ameaças, acusação e culpabilização da mulher,
dentre outras. É importante ressaltar que as práticas que caracterizam violência
obstétrica contra a mulher são enumeradas em um rol exemplificativo (numerus
apertus), tendo em vista o dinamismo e a expertise em conhecimentos de saúde que o
tema exige.
Ainda sobre o tema da violência sexual, até o ano de 2009 (dois mil e nove) o
Código Penal brasileiro tutelava os crimes sexuais em um capítulo denominado “crimes
contra os costumes”. No entanto, tendo em vista a conotação patriarcal que a expressão
revelava, uma vez que crimes altamente reprováveis como o estupro estavam inseridos
no mesmo capítulo que o já extinto delito de adultério, passando uma mensagem aquém
do necessário para a defesa das mulheres vítimas de tais condutas, o legislador brasileiro
modificou o bem jurídico a ser tutelado por tais crimes sexuais, passando a prever
expressamente que o referido capítulo do Código Penal tutela a “dignidade sexual” das
vítimas. Nesse mesmo sentido, no ano de 2018, o legislador brasileiro inseriu novos
delitos no referido capítulo, como o crime de importunação sexual, que anteriormente
caracterizava mera contravenção penal e deixando os perpetradores de tal conduta à
margem de uma punição suficientemente razoável.14
Por fim, a Lei 11.340/2006 prevê expressamente em seu artigo 7º, inciso IV, o
conceito de violência moral, que pode ser compreendido como “qualquer conduta que
configure calúnia, injúria ou difamação”. Além dos tradicionais e já conhecidos crimes
contra a honra, também configura violência moral a chamada “pornografia de vingança”
ou “revenge porn”. A pornografia de vingança pode ser visualizada quando, após o
término de um relacionamento, um dos envolvidos divulga imagens íntimas do outro,
expondo aquela pessoa por conta do sentimento de vingança. Na ampla maioria dos
casos, o revenge porn é praticado por homens em detrimento das mulheres, recaindo
14A recente reforma penal que inseriu tipos penais específicos no capítulo dos crimes contra a dignidade sexual ganhou corpo a partir
da insuficiência do sistema penal em punir os contraventores penais que praticavam a conduta de importunação ofensiva ao pudor
em veículos de transporte público nos grandes centros do país. A reforma introduzida no Código Penal pelo advento da Lei
13.718/2018 foi comemorada pelos movimentos feministas. A prática de proteger Direitos Humanos pela via do Direito Penal, é
também conhecida na doutrina como Direito Penal dos Direitos Humanos, e está longe de ser uma unanimidade entre os estudiosos
da matéria. Sobre o tema, ver, LIMA, Raquel da Cruz. O Direito Penal dos Direitos Humanos. Belo Horizonte: CEI, 2018.
198
tal conduta sob o conceito de violência moral contra a mulher previsto na Lei Maria da
Penha.
199
anteriormente vivenciados e internalizados ao longo da sua vida. Além disso, a violência
doméstica contra a mulher não possui classe social 15 , atingindo não apenas vítimas
desprovidas de poder aquisitivo, mas também vítimas abastadas financeiramente e
agressores da alta sociedade brasileira.
15
Há quem reconheça a chamada “síndrome da gaiola dourada” nas situações em que as vítimas de violência doméstica estão inseridas
em contextos e ambientes de luxo da alta sociedade. Em breve síntese, a síndrome da gaiola dourada busca explicar as peculiaridades
de mulheres que se encontram no ápice da pirâmide social e que, em razão do contexto social em que estão inseridas, não conseguem
dar fim ao relacionamento abusivo a que estão submetidas. Na síndrome da gaiola dourada o agressor passa a encarar a mulher
inserida na alta sociedade como um enfeito ou mero adorno para um relacionamento te fachada, aprisionando-a de forma sutil numa
“gaiola de ouro”, impedindo que a mulher, neste caso a vítima de violência psicológica, passe a ditar os rumos de sua própria vida.
Sobre o tema, ver MACEDO, Nathalí. Luiza Brunet e a síndrome da gaiola de ouro. Disponível em: <https://www.geledes.org.br/luiza-
brunet-e-sindrome-da-gaiola-de-ouro-por-nathali-macedo/>. Acesso em 14 dez. 2018.
16Sobre o tema, ver ZEHR, Howard. Trocando as lentes: um novo foco sobre o crime e a justiça. Justiça restaurativa para o nosso tempo.
3. ed. São Paulo: Palas Athena, 2008; CORREIA, Thaize de Carvalho. A justiça testaurativa aplicada à violência doméstica. (in) Estudos
feministas: por um direito menos machista. MARTINS, Fernanda; BISPO, Andrea Ferreira; GOSTINSKI, Aline (coord). 3. vol. Florianópolis:
Empório do Direito, 2018, p. 237.
17 Também seria recomendável a determinação do comparecimento no grupo de agressores no bojo da proposta de suspensão
condicional do processo formulada pelo Ministério Público em juízo, todavia a Lei 11.340/2006 veda expressamente em seu artigo 41
a aplicação da Lei 9.099/95. Nesse sentido, inclusive, é o teor da súmula 536 do STJ: “A suspensão condicional do processo e a
transação penal não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha”.
200
medidas cautelares, a expressão “sem prejuízo de outras medidas”, conferindo ao
magistrado a possibilidade de aplicar outras medidas que entender cabíveis para a
situação de violência contra a mulher.
18Recurso Especial 1.419.421/GO. Também nesse sentido: PIRES, Amom Albernaz. A opção legislativa pela política criminal extrapenal
e a natureza jurídica das medidas protetivas da Lei Maria da Penha. Revista do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios,
Brasília, v. 1, n. 5, p. 121-168, 2011; DIDIER JR., Fredie; OLIVEIRA, Rafael. Aspectos processuais civis da Lei Maria da Penha (violência
doméstica e familiar contra a mulher). Disponível em: <http://frediedidier.com.br/main/artigos/ default.jsp>. Acesso em: 10 dez. 2018.
19Habeas Corpus 340.624/SP.
201
Não há óbice, portanto, à determinação judicial de participação dos
autores de violência doméstica em programas de intervenção
(recuperação/reeducação) como medida protetiva. Ao contrário, a lei
possibilita tal fixação, a qual, na nossa convicção, somente trará
benefícios às partes; garantirá maior proteção à vítima, contribuirá
para a não ocorrência de crimes mais graves e, quiça, para a não
reincidência. Ainda, pela perspectiva do agressor, permitirá,
potencialmente, evitar o processo penal. Explicamos: a participação no
programa poderá evitar que a ofendida represente contra o agressor,
seja porque seu desejo inicial sempre foi o tratamento e não a punição,
seja porque, nos casos em que desejava a punição, verificou que o
tratamento produziu resultados eficazes à cessação da violência,
sentindo-se, assim, segura, ainda que sem a prisão do agressor.
(BARIN, 2016, p. 162)20
O último dispositivo da Lei (LMP. Art. 45) é dos mais salutares. Em caso
de sentença penal condenatória o juiz pode determinar o
comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação
e reeducação. Talvez esta seja a medida mais eficaz para propiciar uma
mudança de comportamento de quem, muitas vezes, não entende o
caráter criminoso de seu agir. Nada impede, porém, que a frequência
a estes programas seja determinada de imediato como medida
protetiva que obriga o agressor, ainda que não elencada no rol legal.
Basta que a Lei elenca algumas medidas, autorizando sua aplicação,
entre outras (LMP, art. 22). (DIAS, 2019, p. 41)
20Também nesse sentido: VIEIRA, Grasielle. Grupos reflexivos para os autores da violência doméstica. Responsabilização e restauração.
Lumen Juris: Rio de Janeiro: 2018. Ainda acerca da questão posta, destaca-se que em outros países a decretação de frequência em
grupos reflexivos para autores de violência doméstica em sede de medida protetiva é admitida, como ocorre, por exemplo, em
Portugal.
202
envolvendo a implementação dos referidos grupos nas Comarcas, uma vez que na
grande maioria dos casos, o serviço é prestado pelos membros da rede de proteção do
Estado sem qualquer contratação ou acréscimo de pessoal,21 não havendo, ao menos
em tese, oneração de gastos para a municipalidade. Além disso, não há a exigência de
uma robusta estrutura arquitetônica para a realização dos encontros, sendo possível a
utilização da estrutura física já disponível pelo Município.
21Sobre este ponto, é necessário ressaltar que não se deve entender por adequado que os mesmos profissionais que atendam as
vítimas de violência doméstica contra a mulher trabalhem também com os agressores, tendo em vista que as práticas restaurativas
são pautadas pelo estabelecimento de vínculos entre os seus atores.
203
4.2 Botão do pânico e patrulha Maria da Penha
22Reconhecendo a licitude da gravação clandestina por um dos interlocutores como prova: RE 583937 OO-RG. (BRASIL. Supremo
Tribunal Federal. Repercussão Geral por Questionamento Ordinário em Recurso Extraordinário n. 583.937/RJ. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=607025>. Acesso em: 22 jun. 2019.) Também nesse sentido:
MASSOM, Cléber; MARÇAL, Vinícius. Crime organizado. 2. ed. São Paulo: Método, 2016, p. 211.
204
Londrina, Foz do Iguaçu, Toledo, Cascavel, Arapongas, Ponta Grossa, Sarandi, São José
dos Pinhas e Maringá, o que demonstra a significativa adesão por parte dos grandes
centros.
205
demandas, uma vez que além das próprias mulheres, os homens também podem (e
devem!) servir como agentes de conscientização para que outros homens rompam o
ciclo da violência contra a mulher.23
23Acerca deste ponto em específico, a Organização das Nações Unidas (ONU) possui uma campanha denominada “ElesPorElas” ou
“HeForShe” para que os homens se unam uns aos outros, e às mulheres, na defesa da igualdade de gênero e no combate à violência
contra a mulher. Maiores informações sobre a campanha HeForShe podem ser encontradas em
<http://www.onumulheres.org.br/noticias/voce-e-heforshe/>. Ainda sobre a importância da participação masculina no combate à
violência doméstica contra a mulher e na promoção da igualdade de gênero, reconhece a Organização das Nações Unidas que: “a
conscientização dos homens sobre os direitos humanos das mulheres também é indispensável para garantir a não discriminação e
igualdade, em particular para garantir o acesso das mulheres à justiça”. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção sobre a
eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres. Recomendação Geral nº 33 sobre o acesso das mulheres à justiça.
Disponível em: <https://assets-compromissoeatitude-ipg.sfo2.digitaloceanspaces.com/2016/02/Recomendacao-Geral-n33-Comite-
CEDAW.pdf >. Acesso em: 22 jun. 2019.)
24Popularmente, a casa de acolhida para mulheres vítimas de violência doméstica é chamada de “Casa da Mulher”.
206
deixa de comunicar a situação de violência às autoridades por “não ter para onde ir”,
afinal “a casa pertence ao agressor”.
207
acompanhar os processos de acolhimento e desacolhimento de mulheres vítimas de
violência, primando sempre pelo superior interesse da mulher.
5. CONCLUSÃO
A partir das considerações tecidas de forma breve neste trabalho, diversas são
as conclusões sobre o atual estágio do Direito das Mulheres e da busca pela proteção
integral das mulheres vítimas de violência: a) a violência contra a mulher é onipresente
no Brasil e as mulheres brasileiras estão frequentemente expostas a um ou mais tipos
de violência; b) o combate à violência contra a mulher avançou desde a criação da Lei
Maria da Penha no ano de 2006 e sempre à luz dos influxos do Direito Internacional dos
Direitos Humanos; c) em que pese o avanço na proteção das mulheres vítimas de
violência, é possível afirmar, a partir dos índices ainda altos de violência contra a mulher
no Estado brasileiro, a insuficiência da aplicação do Direito Penal como único
instrumento de proteção das mulheres vítimas de violência, sendo necessária a sua
aplicação não de forma isolada, mas em conjunto com outros fronts de atuação situados
no âmbito de interdisciplinariedade e em uma perspectiva preventiva, como ocorre com
os grupos reflexivos para agressores de violência doméstica, na implementação de
aplicativos de smartphones e botão do pânico que possibilitem um contato direto e
instantâneo entre a mulher e o Estado, bem como na estruturação da rede de proteção
à mulher, seja pela criação de Conselhos da Mulher ou pela implementação do serviço
de acolhimento às mulheres vítimas de violência. Apenas a partir de uma atuação
multidisciplinar, preventiva e em conjunto com a aplicação do Direito Penal é que o
combate à violência contra a mulher será realizado na sua integralidade e com uma
auspiciosa perspectiva de diminuição das situações de violências.
6. REFERÊNCIAS
208
BARBOZA, Estefânia; TOMAZONI, Larissa. Interpretação constitucional feminista e a
jurisprudência do STF. In: NOWAK, Bruna (org.). Constitucionalismo feminista. Bahia:
Juspodivm, 2018. p. 239-341.
209
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1643051/MS (2016/0325967-
4). Recurso especial. Recurso submetido ao rito dos repetitivos (art. 1.036 do CPC, C/C
o art. 256, I, do RISTJ). Violência doméstica e familiar contra a mulher. Danos morais.
Indenização mínima. Art. 397, IV, do CPP. Pedido necessário. Produção de prova
específica dispensável. Dano in re ipsa. Fixação consoante prudente arbítrio do juízo.
Recurso especial provido [...]. Recorrente: Ministério Público do Estado do Mato Grosso
do Sul. Recorrido: A L S DOS S. Relator: Min. Rogerio Schietti Cruz, 28 de fevereiro de
2018.
Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/554473137/recurso-
especial-resp-1643051-ms-2016-0325967-4/inteiro-teor-554473139?ref=juris-tabs.
Acesso em: 22 jun. 2019.
210
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Repercussão Geral por Questionamento Ordinário
em Recurso Extraordinário n. 583.937/RJ. Ação Penal. Prova. Gravação ambiental.
Realização por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Validade.
Jurisprudência reafirmada. Repercussão geral reconhecida. Recurso extraordinário
provido. Aplicação do art. 543-B, §3º, do CPC. É lícita a prova consistente em agravação
ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro.
Recorrente: Fernando Correa de Oliveira. Recorrido: Ministério Público do Estado do
Rio de Janeiro. Relator: Min. Cesar Peluso, 19 de novembro de 2009. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=607025. Acesso
em: 22 jun. 2019.
DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na justiça. 5. ed. Bahia: Juspodivm, 2019.
DIDIER JR., Fredie; OLIVEIRA, Rafael. Aspectos processuais civis da lei maria da penha
(violência doméstica e familiar contra a mulher). In: Família e responsabilidade: teoria
e prática do direito de família. Porto Alegre: IBDFAM, 2010. p. 313-335.
LIMA, Raquel da Cruz. O direito penal dos direitos humanos. Belo Horizonte: CEI,
2018.
MACEDO, Nathalí. Luiza Brunet e a síndrome da gaiola de ouro. Geledés, São Paulo, 02
jul. 2016. Disponível em: https://www.geledes.org.br/luiza-brunet-e-sindrome-da-
gaiola-de-ouro-por-nathali-macedo/. Acesso em: 14 dez. 2018.
MASSOM, Cléber; MARÇAL, Vinícius. Crime organizado. 2. ed. São Paulo: Método,
2016.
211
ONU MULHERES BRASIL. Você é #HeForShe, 20 dez. 2017. Disponível em:
http://www.onumulheres.org.br/noticias/voce-e-heforshe/. Acesso em: 22 jun. 2019.
SARMENTO, Daniel; SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Direito constitucional: teoria,
tópicos e métodos de trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2016.
ZEHR, Howard. Trocando as lentes: um novo foco sobre o crime e a justiça. 3. ed. São
Paulo: Palas Athena, 2008.
212
4. Seção
Estudante
Cristina Tonet Colodel1
1 Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE; graduada em Direito pelo Centro
Universitário de Cascavel – UNIVEL; pós-graduada em direito notarial e registral pela UNIFAMMA e pela UNIDERP; pós-graduada em
Direito Processual Penal pela UNIDERP; pós-graduanda em Ministério Público e Estado Democrático de Direito pela
FEMPAR/Universidade Positivo.
214
RESUMO: O presente artigo tem por escopo tecer acerca da relevante atuação do
Ministério Público nas disposições da Lei Maria da Penha, especialmente no que se
refere a proteção das vítimas transexuais e à indenização por danos morais às
ofendidas. Para tanto, compete analisar a posição doutrinária no que diz respeito a
in(aplicabilidade) da Lei Maria da Penha aos transexuais. Por seu turno, inerente a
questão da indenização por danos morais às vítimas de violência doméstica e familiar,
a jurisprudência já firmou precedentes no sentido de condenar os agressores ao
pagamento, mas exige alguns requisitos, adiante mencionados, que necessitam da
ação dos membros do Ministério Público. Neste diapasão, também será abordado
neste trabalho a criminalização do descumprimento das medidas protetivas de
urgência e sua repercussão penal e processual penal.
ABSTRACT: The purpose of this article is to weave considerations about the relevant
proceeding of the Public Prosecutor´s Office on the statements of Maria da Penha Law,
especially regarding the protection of transsexual victims and the compensation for moral
damages to its victims. For therefore, it is incumbent to analyze the doctrinal position with
respect to the in (applicability) of Maria da Penha Law to transsexuals. For its part, the issue of
compensation for moral damages to victims of domestic and family violence, has already been
established by the precedents of jurisprudence in order to condemn the perpetrators to the
payment, but it claims certain requirements, which are mentioned on this research, that need
the action of the Public Prosecutor's Office. In this tuning fork, it will be studied about the non-
compliance criminalization of the urgent protective measures and its criminal and penal
procedural repercussions.
215
1. INTRODUÇÃO
216
violência doméstica e familiar e a criminalização do descumprimento de medidas
protetivas.
A Lei n.º 11.340/2006, popularmente conhecida por Lei Maria da Penha, foi
promulgada em 07 de agosto de 2006 e entrou em vigência em 22 de setembro de
2006, e refere-se à violência doméstica e familiar contra a mulher.
Diante de tal acontecimento, somente em 2006 é que foi aprovada a Lei nº.
11.340. Seguindo a sistemática de proteção às mulheres e repressão da violência
doméstica e familiar, em 2015 foi editada a Lei n.º 13.104/2015, que acrescentou ao
2LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. 5. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 1166.
3 Disponível em: <http://www.compromissoeatitude.org.br/wp-content/uploads/2012/08/cejil_resumorelatocasomaria
dapenha.pdf>. Acesso em 21/mar/2018.
217
art. 121 do Código Penal o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de
homicídio, e, por conseguinte, sua inclusão no art. 1º da Lei nº. 8.072/1990, passando
a constar no rol dos crimes hediondos.
Acesso em 21/mar/2018.
6 LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. 5. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 1178.
218
Nesse contexto, verifica-se que a Lei tratou da ação ou omissão, seja ela de
cunho físico, psicológico, sexual, patrimonial ou moral, perpetrada contra a mulher,
em face do gênero, seja no âmbito doméstico ou familiar, seja nas demais relações
íntimas de afeto, independente de coabitação. Assim, denota-se que a intenção do
legislador é alcançar o maior número de relações e espécies de violência, visando a
ampla proteção aos direitos das mulheres, já assegurados pela Constituição Federal.
Outra questão de cunho relevante, diz respeito ao sujeito ativo que pratica
a violência doméstica e familiar, ou seja, cinge-se a controvérsia em afirmar se na
agressão perpetrada pelo homem haverá a incidência da Lei Maria da Penha e se outra
mulher pode ser o sujeito ativo, como ocorre nas relações homoafetivas.
7 REsp 1416580/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 01/04/2014, DJe 15/04/2014.
8 REsp 1416580/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 01/04/2014, DJe 15/04/2014.
9 LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. 5. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 1168.
219
Para Pedro Rui da Fontoura PORTO10 a violência no ambiente doméstico,
familiar ou afetivo, praticada por uma mulher contra outra, não justifica a aplicação da
Lei Maria da Penha, haja vista que neste caso não se configura uma pressuposta
superioridade de forças, pois a violência perpetrada entre pessoas supostamente
iguais descaracteriza a situação de vulnerabilidade, exigida pela referida lei, criada
justamente para proteção do gênero feminino.
10 PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência Doméstica e Familiar contra a mulher: Lei n.º 11.340/06: análise crítica e sistêmica.
Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007, p. 31.
11 LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação, p. 1171.
12 LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. 5 ed. rev., atual. e ampl. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 1170.
220
A Resolução 1955/2010 do Conselho Federal de Medicina13 define o que é
transexualismo:
221
transexuais o direito de alterar o nome e o sexo/gênero no Registro Civil sem a
necessidade de cirurgia de transgenitalização.
É cediço que a Lei nº. 11.340/2006 tem como sujeito passivo a mulher16,
mas vislumbra-se a possibilidade de concessão de medidas protetivas de urgência aos
transexuais. A doutrina discute acerca da necessidade de realização da cirurgia de
transgenitalização e alteração do nome e sexo/gênero no Registro Civil de Pessoas
Naturais.
16 RHC 27.622/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 07/08/2012, DJe 23/08/2012.
17 LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. 5 ed. rev., atual. e ampl. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 1172.
18 CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal, Parte Especial. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 66.
19 Disponível em: <https://www.tjac.jus.br/noticias/juiz-de-direito-do-acre-recebe-premio-do-cnj-por-sentenca-em-direitos-
humanos/>. Acesso em 14/03/2018.
222
Na decisão20 o juiz enfatizou que considera que o sexo biológico de
nascimento (masculino) não impede que a vítima, cuja identidade sexual é feminina,
seja reconhecida como mulher, sendo ela, assim, “sujeito de proteção da Lei Maria da
Penha”.
Outra decisão relevante foi prolatada pelo Juiz de Direito André Luiz
Nicolitt, da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de São Gonçalo-
RJ21 que concedeu a um transexual as medidas protetivas previstas no art. 22, III, a e b,
da Lei nº. 11.340/2006. Neste diapasão, faz-se necessária a transcrição de trechos da
decisão:
Destarte, após a análise das decisões judiciais, conclui-se que mesmo antes
da decisão do Supremo Tribunal Federal que concedeu o direito aos transexuais de
alteração de nome e sexo/gênero no Registro Civil das Pessoas Naturais, alguns
magistrados de primeiro grau concederam medidas de proteção asseguradas na Lei
Maria da Penha a transexuais, independentemente da formalização jurídica de sua
223
condição, ou seja, de cirurgia de transgenitalização e de alteração de nome e
sexo/gênero.
224
4. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS ÀS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E
FAMILIAR
23LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. Vol. único. 5. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 1538.
24TÁVORA, Nestor. ARAÚJO, Fábio Roque de. Código de Processo Penal para Concursos. 7. ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 387-
388.
225
expresso, seja do ofendido, seja do Ministério Público, para concessão da indenização
pelo juiz; (ii) a indenização abrange os danos morais, ou somente os danos materiais; e
(iii) compete ao autor do pedido apontar o valor certo e líquido dos danos ou o próprio
juiz sentenciante deve fixá-lo de acordo com seu prudente arbítrio.
25
AgRg no REsp 1622851/MT, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 15/12/2016, DJe 10/02/2017; (AgRg
no REsp 1666724/MS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 27/06/2017, DJe 01/08/2017);
(AgRg no REsp 1626962/MS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 06/12/2016, DJe 16/12/2016).
26 Informativo 772 do Supremo Tribunal Federal. Disponível em
http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo772.htm. Acesso em 21/mar/2018.
27 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Comentários ao Código de Processo Penal e sua Jurisprudência. 8. ed. Revista, atualizada e ampliada.
226
Em sentido oposto, Guilherme de Souza NUCCI28, assevera que o valor
mínimo, inserido no inciso IV do art. 387, “deve ser, em verdade, amplo, abrangendo
tanto a reparação visível (dano material) quanto à psicológica (dano moral), pois
ambas são passíveis de discussão e demonstração durante o trâmite da demanda
criminal”.
O juízo penal deve apenas arbitrar um valor mínimo, o que pode ser
feito, com certa segurança, mediante a prudente ponderação das
circunstâncias do caso concreto – gravidade do ilícito, intensidade do
sofrimento, condição sócioeconômica do ofendido e do ofensor, grau
de culpa, etc. – e a utilização dos parâmetros monetários
28
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. ed. 13. São Paulo: Ed. Forense, 2016, p. 753.
29 AgRg no REsp 1622851/MT, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 15/12/2016, DJe 10/02/2017; (AgRg
no REsp 1666724/MS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 27/06/2017, DJe 01/08/2017);
(AgRg no REsp 1626962/MS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 06/12/2016, DJe 16/12/2016).
30 TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 7. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método, 2017, p. 542.
31 REsp 1.292.141-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 4/12/2012.
32 REBOUÇAS, Sérgio. Curso de Direito Processual Penal. Salvador: Ed. JusPodivm, 2017, p. 312.
227
estabelecidos pela jurisprudência para casos similares. Sendo
insuficiente o valor arbitrado poderá o ofendido, de qualquer modo,
propor liquidação perante o juízo cível para a apuração do dano
efetivo (art. 63, parágrafo único, do CPP) (AgRg no REsp n.
1.626.962/MS, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª T., DJe
16/12/2016).
228
violentas entre os sexos, já que calcados em uma hierarquia de
poder.
229
merecem ser prestigiados pelo Estado-Juiz”, para corroborar a tese do relator no
sentido de que trata-se de dano moral in re ipsa, o qual dispensa instrução específica.
230
A doutrina começou a se manifestar em sentido oposto, afirmando de
forma veemente a inexistência do crime de desobediência nos casos de
descumprimento de medidas protetivas de urgência. A lição de Cézar Roberto
BITENCOURT38 esclarece o tema:
38 BITENCOURT, Cézar Roberto. Código Penal Comentado. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 1239.
39 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 14 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 1321.
231
O STJ, em consonância com o entendimento doutrinário, firmou
jurisprudência no sentido de considerar como atípica a conduta do agente que
descumpre medidas protetivas de urgência:
40 Câmara dos Deputados. Projeto de Lei n.º 173/15. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/
prop_mostrarintegra;jsessionid=27338A198F7860838F89D10AD26A410A.proposicoesWebExterno2?codteor=1297696&filename=T
ramitacao-PL+173/2015>. Acesso em 20/maio/2018.
232
Comissão de Constituição e Justiça para inserir um novo dispositivo na Lei n.º
11.340/2006, o qual foi aprovado e transformado na Lei n.º 13.641/2018.
41
Câmara dos Deputados. Projeto de Lei n.º 173/15. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/
prop_mostrarintegra;jsessionid=27338A198F7860838F89D10AD26A410A.proposicoesWebExterno2?codteor=1297696&filename=T
ramitacao-PL+173/2015>. Acesso em 20/maio/2018.
42 Câmara dos Deputados. Projeto de Lei n.º 173/15. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/
prop_mostrarintegra;jsessionid=27338A198F7860838F89D10AD26A410A.proposicoesWebExterno2?codteor=1297696&filename=T
ramitacao-PL+173/2015>. Acesso em 20/maio/2018.
233
determinação judicial e obter providências. O percurso é exaustivo e
contribui para o desestímulo da mulher na denúncia das violências e
diminui demais a confiança no sistema de justiça. De muito maior
gravidade, é ainda a situação de flagrância de descumprimento, uma
vez que o entendimento jurisprudencial impede a ação imediata da
Polícia Militar. Ao detectar o descumprimento da medida protetiva e
aproximação do agressor ou seu retorno ao lar depois de
judicialmente afastado, a mulher em situação de violência aciona o
serviço 190 da Polícia Militar, mas somente poderá obter a ação
policial efetiva se tiver sofrido nova ameaça ou agressão física. Por
certo se trata de um imenso absurdo, que demanda correção
imediata da lacuna legislativa.
234
Outra questão que merece ser levantada é se o crime de descumprimento
das medidas protetivas de urgência será inserido em denúncia autônoma ou em forma
de aditamento no caso de já tramitar ação penal por outros crimes praticados no
contexto de violência doméstica e familiar. Indaga-se ainda, acerca da possibilidade de
aplicação da continuidade delitiva nos casos de reiterado descumprimento das
medidas protetivas e se o descumprimento for de medidas distintas (afastamento do
lar e proibição de manter contato, por exemplo) se haverá crime único ou concurso.
43 CASTILHO, Ela Wiecko V. A Lei Maria da Penha e o Ministério Público. Disponível em http://www.compromissoeatitude.org.br/a-
lei-maria-da-penha-e-o-ministerio-publico-por-ela-wiecko-v- decastilho/.
235
da Lei, tanto na esfera judicial como na extrajudicial. Tem a obrigação
de intervir nas causas cíveis e criminais decorrentes da violência
doméstica e familiar contra a mulher; de requisitar força policial e
serviços públicos de saúde, de educação, de assistência social, entre
outros; de fiscalizar os estabelecimentos públicos e particulares de
atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar,
bem como de adotar as medidas cabíveis para sanar as
irregularidades constatadas e cadastrar os casos de violência
doméstica e familiar contra a mulher.
44FERNANDES, Valéria Diez Scarance. Lei Maria da Penha: o Processo Penal no caminho da efetividade. São Paulo, 2013. 283 f. Tese
(Doutorado em Direito Processual Penal) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Disponível em:
<https://tede2.pucsp.br/handle/handle/6177> Acesso em: 10 ago. 2018.
236
ideologia de princípios que consegue afastar com precisão o certo do errado, também
é marcada pelo sexo e pelo gênero, mas difere daquela sofrida pela mulher.
237
violência decorreu prejuízos materiais, e em caso afirmativo, proceder ao pedido de
indenização por danos materiais, juntando as provas pertinentes.
45LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. 5. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 1200-
1201.
238
Na hipótese da vítima ter solicitado as medidas de proteção diretamente
na Delegacia de Polícia, o pedido é remetido ao Juízo, que antes de decidir, encaminha
ao Ministério Público para manifestação, o qual analisará os requisitos a que se
subordinam as providências de natureza cautelar estabelecidas pela referida Lei, quais
sejam, o fumus comissi delicti – que decorre da conduta típica praticada pelo agressor
contra a vítima e por ela se enquadrar em uma das situações do art. 5º da referida Lei
– e o periculum libertatis – situação de risco concretizada pelas condutas típicas
perpetradas contra a vítima (como agressão física e ameaça).
46CUNHA, Rogério Sanches. PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica: Lei Maria da Penha. Lei 11.340/2006. Comentada artigo
por artigo. 7. ed. rev. atual. e ampl. Salvador: Juspodvim, 2018, p. 223.
239
No que concerne à denúncia do crime previsto no art. 24 da Lei nº
11.340/2006, não há posicionamento doutrinário ou jurisprudencial acerca de
eventual aditamento ou denúncia autônoma, da possibilidade de continuidade delitiva
nos casos de reiterado descumprimento das medidas protetivas e da aplicação ou não
de concurso de crimes para o caso de descumprimento de medidas distintas.
7. CONCLUSÃO
240
O transexual não pode ser privado dos direitos e garantias previstos na
referida lei em razão de suas características físicas e de seu estado biológico, sob pena
de se ferir frontalmente o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o Princípio da
Igualdade ao se desconsiderar a identidade de gênero.
241
Destarte, cremos que a melhor interpretação que o parquet deve fazer do
novel dispositivo criminal é o aditamento da ação penal para inserir o crime de
descumprimento de medidas protetiva, se relacionados com os mesmos fatos, e nos
casos de reiterado descumprimento e de descumprimento de medidas diversas, deve-
se pleitear a aplicação dos concursos formal e material e da continuidade delitiva.
Por fim, conclui-se que o Ministério Público atua de diversas formas para
garantir a proteção dos direitos humanos violados no contexto doméstico e familiar,
ora agindo na defesa das vítimas, ora agindo na acusação dos agressores, utilizando-se
das atribuições conferidas pela Lei Maria da Penha em capítulo específico, como
suporte para aplicação do ordenamento jurídico de forma sistemática, na busca pela
plena satisfação dos direitos fundamentais.
8. REFERÊNCIAS
BITENCOURT, Cézar Roberto. Código Penal Comentado. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
CASTILHO, Ela Wiecko V. A Lei Maria da Penha e o Ministério Público. Disponível em:
<http://www.compromissoeatitude.org.br/a-lei-maria-da-penha-e-o-ministerio-
publico-por-ela-wiecko-v- decastilho/> Acesso em: 26 jul. 2018.
_____. PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica: Lei Maria da Penha. Lei
11.340/2006. Comentada artigo por artigo. 7. ed. rev. atual. e ampl. Salvador:
Juspodvim, 2018.
DIAS, Maria Berenice. Homoafetividade e os direitos LGBTI. 6. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais.
FERNANDES, Valéria Diez Scarance. Lei Maria da Penha: o Processo Penal no caminho
da efetividade. São Paulo, 2013. 283 f. Tese (Doutorado em Direito Processual Penal) –
242
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Disponível em:
<https://tede2.pucsp.br/handle/handle/6177> Acesso em: 10 ago. 2018.
LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. 5. ed. rev., atual.
e ampl. Salvador: JusPodivm, 2017.
_____. Manual de Processo Penal. Vol. único. 5. ed. rev., atual. e ampl. Salvador:
JusPodivm, 2017.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2014.
_____. Leis penais e processuais penais comentadas. Vol. 1. 6. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2012.
_____. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 13. ed. São Paulo: Forense, 2016.
PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência Doméstica e Familiar contra a mulher: Lei n.º
11.340/06: análise crítica e sistêmica. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora,
2007.
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 7. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro:
Forense, São Paulo: Método, 2017.
TÁVORA, Nestor. ARAÚJO, Fábio Roque de. Código de Processo Penal para Concursos.
7. ed. Salvador: JusPodivm, 2016.
243
Lucas Carli Cavassin1
PERSPECTIVAS DO CONTROLE DE
CONVENCIONALIDADE
SOB A ÓTICA DA ATUAÇÃO DO
MINISTÉRIO PÚBLICO
1 Pós-graduado pela Fundação Escola do Ministério Público do Estado do Paraná. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do
Paraná. Assessor Jurídico do Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo (GAEMA) – MPPR. E-mail:
lccavassin@mppr.mp.br.
244
RESUMO: O presente artigo tem por objetivo apresentar reflexões sobre o exercício do
controle de convencionalidade pelos membros do Ministério Público. Para tanto, num
primeiro momento, investigam-se as origens e o conceito de tal modalidade de
controle, sobretudo tendo em conta a jurisprudência da Corte Interamericana de
Direitos Humanos. Na sequência, verificam-se as teorias sobre a hierarquia dos
tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil, para então expor os efeitos e
casos práticos de aplicação do controle de convencionalidade pelo Poder Judiciário
pátrio. Num segundo momento, as atenções se voltam ao Órgão Ministerial,
analisando sua relação com o direito internacional e seu papel na compatibilização das
normas internas ao arcabouço normativo internacional, estabelecendo um
comparativo com o fenômeno do controle de constitucionalidade, a fim de verificar a
legitimidade conferida ao Ministério Público neste particular. À guisa de conclusão,
sugerem-se alguns possíveis caminhos de atuação ao Parquet com vistas à efetivação
do controle de convencionalidade.
245
1. INTRODUÇÃO
246
Na sequência, será explorado o tema atinente à hierarquia dos tratados de
direitos humanos no cenário brasileiro, com uma breve exposição das teorias
existentes e da compreensão atual delineada pelo Supremo Tribunal Federal, a fim de
justificar a aplicação de tal controle no âmbito doméstico. Esse panorama possibilitará
vislumbrar casos práticos da aplicação do controle de convencionalidade pelos
tribunais no Brasil, bem como os efeitos da declaração de inconvencionalidade das
normas.
2. CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE
247
respeitar os direitos e do dever de adotar disposições de direito interno, os Estados
que ratificaram a referida Convenção estão comprometidos em garantir o livre e pleno
exercício dos direitos convencionais e de tomar medidas legislativas ou de outra
natureza para tornar tais direitos efetivos.
Ora, tais ideais expressam, com exatidão, a noção do sobredito controle, que
pode ser entendido como a compatibilização de toda a produção normativa interna de
um determinado ordenamento jurídico com os tratados de direitos humanos
ratificados pelo país em questão.
De efeito, a expressão propriamente dita foi utilizada pela primeira vez pela
Corte Interamericana de Direitos Humanos apenas em 2003, por meio do voto
concorrente do juiz Sergio Garcia Ramírez no caso Myrna Mack Chang vs. Guatemala3.
Naquela oportunidade, o magistrado fez uso do termo tendo em conta a atividade
jurisdicional da própria Corte, que impacta os Estados que a ela se submetem de forma
integral, com reflexos dessa responsabilidade a todos os órgãos internos.
3 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Myrna Mack Chang vs. Guatemala.São José da Costa Rica, 25 de
novembro de 2003. Série C, n. 101, par. 27 (voto do juiz Sergio Garcia Ramirez).
4 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Tibi vs. Equador. São José da Costa Rica, 07 de setembro de 2004. Série C,
248
La Corte es consciente que los jueces y tribunales internos están
sujetos al imperio de la ley y, por ello, están obligados a aplicar las
disposiciones vigentes en el ordenamiento jurídico. Pero cuando un
Estado ha ratificado un tratado internacional como la Convención
Americana, sus jueces, como parte del aparato del Estado, también
están sometidos a ella, lo que les obliga a velar porque los efectos de
las disposiciones de la Convención no se vean mermadas por la
aplicación de leyes contrarias a su objeto y fin, y que desde un inicio
carecen de efectos jurídicos. En otras palabras, el Poder Judicial debe
ejercer una especie de “control de convencionalidad” entre las
normas jurídicas internas que aplican en los casos concretos y la
Convención Americana sobre Derechos Humanos. En esta tarea, el
Poder Judicial debe tener en cuenta no solamente el tratado, sino
también la interpretación que del mismo ha hecho la Corte
Interamericana, intérprete última de la Convención Americana.7
Por derradeiro, a consolidação de tal instituto se deu nos casos Cabrera García
e Montiel Flores vs. México10, de 2010, e Gelman vs. Uruguai11, de 2011. A inovação em
ambos é que a Corte passa a ampliar a sua compreensão, admitindo que outros órgãos
7 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Almonacid Arellano e outros vs. Chile. São José da Costa Rica, 26 de
setembro de 2006. Série C, n. 154, par. 124.
8 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. O controle jurisdicional da convencionalidade das leis. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2016, p. 46-47.
9 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Trabajadores Cessados del Congresso vs. Peru. São José da Costa Rica, 24
249
vinculados à administração da justiça possam exercer o controle de convencionalidade
– e não mais apenas os juízes, integrantes do Poder Judiciário.
12 RIBAS, Ana Carolina; CAVASSIN, Lucas Carli. Sistema Interamericano de Direitos Humanos e Controle de Convencionalidade no
Brasil. Revista Jurídica da Procuradoria-Geral do Estado do Paraná, Curitiba, v. 7, p. 183-214, 2016.
13 Para Valerio Mazzuoli, “o controle de convencionalidade a ser efetivado no Brasil tem como paradigma todo o corpus juris
internacional de proteção, ou seja, todo o mosaico protetivo dos sistemas global (onusiano) e regional interamericano”. (MAZZUOLI,
Valerio de Oliveira. O controle jurisdicional da convencionalidade das leis. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 41).
250
status de direito ordinário até aquelas que admitem a supraconstitucionalidade desses
instrumentos.
A tese atualmente adotada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que fora
fixada quando do julgamento do Recurso Extraordinário 466.34314, representa
certamente uma decisão paradigmática, porquanto elevou a hierarquia normativa dos
tratados de direitos humanos no ordenamento jurídico pátrio de forma inédita.15
Naquela oportunidade, a posição majoritária, capitaneada pelo ministro Gilmar
Mendes, adotou a compreensão de que os documentos de direitos humanos
ratificados pelo Brasil antes do advento da emenda constitucional 45/2004 16 – como é
o caso da Convenção Americana de Direitos Humanos – possuem status de
supralegalidade, vale dizer, encontram-se numa hierarquia acima das normas
ordinárias, mas abaixo da Constituição.
14 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 466.343-SP. Recorrente: Banco Bradesco S/A. Recorrido: Luciano
Cardoso Santos. Relator: Ministro Cezar Peluso. Brasília, 03 dez. 2008. DJ 05 jun. 2009.
15 PIOVESAN, Flávia. Controle de Convencionalidade, Direitos Humanos e Diálogo entre Jurisdições. In: MARINONI, Luiz Guilherme;
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. (Org). Controle de Convencionalidade: um panorama latino-americano. Brasília: Gazeta Jurídica,
2013, p. 138.
16 A emenda constitucional 45/2004, dentre outras disposições, acresceu ao artigo 5º da Constituição Federal o § 3º, que assim
preceitua: “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso
Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.
17 MARINONI, Luiz Guilherme. Controle de convencionalidade (na perspectiva do direito brasileiro). In: _______; MAZZUOLI, Valerio
de Oliveira. (Org). Controle de Convencionalidade: um panorama latino-americano. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013, p. 63.
251
tratados, garantindo nível constitucional a esses instrumentos, tanto formal quanto
materialmente.18
18
SARLET, Ingo Wolfgang. Notas sobre as relações entre a Constituição Federal de 1988 e os tratados internacionais de direitos
humanos na perspectiva do assim chamado controle de convencionalidade. In: MARINONI, Luiz Guilherme; MAZZUOLI, Valerio de
Oliveira. (Org). Controle de Convencionalidade: um panorama latino-americano. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013, p. 95.
19 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 138.
20 SARLET, Ingo Wolfgang. Notas sobre as relações entre a Constituição Federal de 1988 e os tratados internacionais de direitos
humanos na perspectiva do assim chamado controle de convencionalidade. In: MARINONI, Luiz Guilherme; MAZZUOLI, Valerio de
Oliveira. (Org). Controle de Convencionalidade: um panorama latino-americano. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013, p. 105.
21
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 6ª ed. São Paulo: RT, 2012, p. 386.
22 RAMOS, André de Carvalho. Pluralidade das Ordens Jurídicas: a relação do direito brasileiro com o direito internacional. Curitiba:
Interamericano de Direitos Humanos no Brasil: implicações para um novo constitucionalismo. In: ANTONIAZZI, Mariela Morales;
BOGDANDY, Armin von; PIOVESAN, Flávia. (Coord.). Ius Constitutionale Commune na América Latina: diálogos jurisdicionais e
controle de convencionalidade. Curitiba: Juruá, v. 3, 2016, p. 284.
252
estabelecidos pela jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, a cuja
jurisdição o Brasil se submete desde 1998.24
Curial ressaltar, ainda, que a compreensão atual delineada pelo STF e seguida
pelos tribunais pátrios não deixa dúvidas quanto à necessidade do uso da
nomenclatura controle de convencionalidade, ao menos por enquanto. A uma, pois
sua utilização funciona com caráter pedagógico e confere destaque aos documentos
internacionais ainda tão relegados a um segundo plano em nosso ordenamento. A
duas, pois se os tratados de direitos humanos não integram, em sua totalidade, o
bloco de constitucionalidade – já que, em sua grande maioria, ingressaram no direito
brasileiro antes da inserção do parágrafo 3º do artigo 5º da Constituição Federal –, o
controle de convencionalidade não se confunde com o controle de
constitucionalidade.
24 O Brasil aprovou a Convenção Americana de Direitos Humanos em 1992 e ela entrou em vigor no mesmo ano; a jurisdição da
Corte, todavia, só passou a ser reconhecida a partir de 1998.
25 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. O controle jurisdicional da convencionalidade das leis. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2016, p. 175.
253
que a norma se torna ineficaz, por intermédio do chamado “efeito paralisante”26,
defendendo que a previsão continua a existir no ordenamento, muito embora seja
paralisada e deixe de irradiar efeitos por ocasião do reconhecimento da
inconvencionalidade. Tal declaração é dotada, aliás, de efeito ex tunc, uma vez que,
assim como no controle de constitucionalidade, reconhece-se que a norma é
inconvencional desde a sua origem. Ainda, nos casos em que o controle é exercido
pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de controle abstrato, a decisão também terá
efeito erga omnes, ao qual estão submetidos todos os órgãos do Poder Judiciário e da
Administração Pública.27
Outra referência importante que não pode ser deixada de lado diz respeito à
implementação da sistemática da audiência de custódia em terras tupiniquins. Tal
instituto fora incorporado30 em nosso ordenamento jurídico a partir da ratificação da
Convenção Americana de Direitos Humanos e do Pacto Internacional dos Direitos Civis
e Políticos31, em 1992. A situação, contudo, só foi enfrentada de modo concreto pelo
26 HEEMANN, Thimotie Aragon. O exercício do controle de convencionalidade pelo membro do Ministério Público. Revista Jurídica
do Ministério Público do Estado do Paraná, Curitiba, ano 4, n. 7, p. 141-161, dez. 2017.
27 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. O controle jurisdicional da convencionalidade das leis. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2016, p. 70.
28 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 466.343-SP. Recorrente: Banco Bradesco S/A. Recorrido: Luciano
Cardoso Santos. Relator: Ministro Cezar Peluso. Brasília, 03 dez. 2008. DJ 05 jun. 2009.
29 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 511.961-SP. Recorrente: Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão
no Estado de São Paulo. Recorrido: União. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Brasília, 17 jun. 2009. DJ 12 nov. 2009.
30 CORDEIRO, Néfi; COUTINHO, Nilton Carlos de Almeida. A audiência de custódia e seu papel como instrumento constitucional de
concretização de direitos. Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito, p. 76-88, jan./abr. 2018.
31 Ambos os instrumentos preveem em seus artigos 7º e 9º, respectivamente, que indivíduos detidos devem ser conduzidos, sem
254
STF no ano de 2015, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.240,
oportunidade em que o plenário da Suprema Corte reiterou o caráter supralegal da
mencionada Convenção, fazendo referência ao direito convencional de apresentação
do preso ao juiz, e indicando que seja realizada a prática de audiência de custódia por
todos os tribunais do país.32
32 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 5240-SP. Requerente: Associação dos Delegados de
Polícia do Brasil. Relator: Ministro Luiz Fux. Brasília, 20 ago. 2015. DJ 29 jan. 2016.
33 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC nº 379269-MS. Impetrante: Defensoria Pública do Estado do Mato Grosso Sul. Impetrado:
Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul. Relator: Ministro Reynaldo Soares da Fonseca. Brasília, 24 mai. 2017. DJ 30
jun. 2017.
34
Registra-se que o intuito do presente artigo não é estabelecer qualquer juízo de valor acerca da atual posição do STJ, mas tão
somente apresentar mais um exemplo de julgado que tratou do fenômeno ora estudado.
35 A decisão mais recente do TST é amplamente criticada pela doutrina, sendo apontada como “um exemplo a não ser seguido”.
Para mais, ver: MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. O controle jurisdicional da convencionalidade das leis. 4ª ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2016, p. 71-75.
36 Ao pesquisar o termo controle de convencionalidade no buscador de jurisprudência do STF, o resultado indica tão somente 5
acórdãos. Já o buscador do STJ localiza o montante de apenas 8 acórdãos. Pesquisa realizada em 19 de fevereiro de 2019.
255
sobre a temática, emitidas pelas instâncias extraordinárias. Não se olvida aqui que
todo e qualquer juiz pode (e deve) efetivar o controle de convencionalidade, na sua
modalidade difusa, muito embora se reconheça que o exemplo maior deve advir das
cortes superiores, cujas decisões certamente representam um incentivo às instâncias
ordinárias.
Ocorre que não apenas os juízes são responsáveis pelo exercício de tal
modalidade de controle, mas também toda e qualquer autoridade pública – o que
inclui, certamente, o Ministério Público –, consoante entendimento consignado pela
Corte Interamericana de Direitos Humanos, nos termos apresentados no primeiro
tópico deste artigo. Tal papel conferido ao Parquet será delineado no item a seguir.
3. MINISTÉRIO PÚBLICO
37 MAZZILLI, Hugo Nigro. O acesso à justiça e o Ministério Público. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
38 DWORKIN, Ronald. Rights as trumps. In: WALDRON, Jeremy. Theories of rights. Oxford: Oxford University, 1984, p. 153.
256
Assim, uma decisão estatal, muitas vezes, não é justificativa para restringir ou
violar algum direito tido como contramajoritário. Esses trunfos devem ser,
necessariamente, reconhecidos a todos os grupos e são compreendidos a partir da
relação entre a moralidade e o direito, oriundos do princípio da dignidade da pessoa
humana, autonomia e autodeterminação.39
39 NOVAIS, Jorge Reis. Renúncia a direitos fundamentais. In: MIRANDA, Jorge. Perspectivas constitucionais nos 20 anos da
Constituição de 1976. Coimbra: Coimbra, 1996, p. 287.
40 GONÇALVES, Nicole P. S. Mader. Jurisdição Constitucional na perspectiva da democracia deliberativa. Curitiba: Juruá, 2011, p.
248.
257
incumbe também ao Órgão Ministerial a observância e fiscalização dos ditames
internacionais de proteção do ser humano.
41 A doutrina adota, para esse processo de celebração de tratados, a teoria da junção das vontades, em análise conjunta dos artigos
84, VIII, e 49, I, da Constituição Federal. Para mais, ver: RAMOS, André de Carvalho. Tratados internacionais: novos espaços de
atuação do Ministério Público. Boletim Científico da Escola Superior do Ministério Público da União, Brasília, ano 2, n. 7, p. 81-100,
abr./jun. 2003.
42 Para André de Carvalho Ramos, “surgem, inevitavelmente, as ineficiências naturais do modelo tradicional vigente hoje:
contradições, omissões e desatendimento de necessidades elementares, uma vez que o ente negociador não é aquele ao qual o
tratado se destina, nem será o seu aplicador. (RAMOS, André de Carvalho. Tratados internacionais: novos espaços de atuação do
Ministério Público. Boletim Científico da Escola Superior do Ministério Público da União, Brasília, ano 2, n. 7, p. 81-100, abr./jun.
2003).
43 Nos termos do artigo 129, I, da Constituição Federal, uma das funções institucionais do Ministério Público é “promover,
258
As obrigações convencionais de proteção dos direitos humanos são,
após a incorporação interna dos tratados de direitos humanos,
verdadeiras obrigações legais, que, se não cumpridas sponte própria
pelo Estado brasileiro, podem ser exigidas judicialmente pelo
Ministério Público.45
45 RAMOS, André de Carvalho. Tratados internacionais: novos espaços de atuação do Ministério Público. Boletim Científico da Escola
Superior do Ministério Público da União, Brasília, ano 2, n. 7, p. 81-100, abr./jun. 2003.
46 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Gelman vs. Uruguai. São José da Costa Rica, 24 de fevereiro de 2011.
259
aplicación de normas contrarias a su objeto y fin, por lo que los
jueces y órganos vinculados a la administración de justicia en todos
los niveles están en la obligación de ejercer ex officio un “control de
convencionalidad” entre las normas internas y la Convención
Americana, evidentemente en el marco de sus respectivas
competencias y de las regulaciones procesales correspondientes y en
esta tarea, deben tener en cuenta no solamente el tratado, sino
también la interpretación que del mismo ha hecho la Corte
Interamericana, intérprete última de la Convención Americana.
Não há como olvidar, nesse tom, que a defesa da ordem jurídica – incumbência
do Ministério Público, segundo o artigo 127 da Constituição Federal – acaba por se
confundir com a própria defesa da Constituição, seja no plano judicial ou extrajudicial,
sendo insuficiente se referir ao Parquet como mero atuante custos legis.47
47 ROCHA, Mauro Sérgio. A intervenção do Ministério Público no controle concreto e difuso de constitucionalidade. Escola Superior
do Ministério Público do Estado do Paraná. Disponível em:
<http://www.escolasuperior.mppr.mp.br/arquivos/File/Teses_2015/MauroSergioRocha_A_intervencao_do_Ministerio_Publico_no_
controle_concreto_e_difuso_de_constitucionalidade.pdf>. Acesso em: 12. mar. 2019.
48 No plano estadual, cabe ao Procurador Geral de Justiça, chefe do Ministério Público Estadual, o exercício do controle de
260
De mais a mais, ao Ministério Público (Estadual ou Federal) cabe a discussão
concreta da constitucionalidade das leis no bojo de cada processo em que atua, no
âmbito do controle de constitucionalidade difuso. Nessa modalidade de controle, não
há dúvidas de que tanto as partes que integram a relação processual, quanto o
Parquet são legitimados para provocar a jurisdição a fim de que discuta a questão
constitucional.49
Tais situações dizem respeito à provocação por parte do ente ministerial para
que o Poder Judiciário declare a inconstitucionalidade de uma norma, de forma difusa
ou concentrada. De toda sorte, segundo a corrente majoritária da doutrina – que aqui
se acompanha –, nada impede que o Ministério Público, no plano administrativo, deixe
de aplicar norma que considera inconstitucional, notadamente com supedâneo na
supremacia do texto da Constituição50.
49
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 9ª ed., JusPodvim, 2015, p.261.
50Apesar de a corrente minoritária da doutrina defender que no atual panorama constitucional o afastamento da aplicação de uma
norma legal exige a declaração judicial de sua inconstitucionalidade, à luz do princípio da presunção da constitucionalidade das leis
(CAMPOS, Miguel Ramos. Poder Executivo. Negativa de Aplicação de Lei Supostamente Inconstitucional: Correntes Doutrinárias.
Controvérsia. Revista Jurídica da Procuradoria Geral do Estado do Paraná, Curitiba, n. 2, p. 11-32, 2011), adota-se aqui o
entendimento de que todos os órgãos – judiciais ou não – estão autorizados a defender a Constituição Federal e não podem
simplesmente aplicar lei que flagrantemente contraria o texto constitucional.
261
ser feita sempre à luz do princípio pro persona, buscando o emprego da norma mais
favorável aos sujeitos envolvidos.
51HEEMANN, Thimotie Aragon; PAIVA, Caio. Jurisprudência Internacional de Direitos Humanos. 2ª ed. Minas Gerais: CEI, 2017, p.
408-409.
262
humanos52, mormente porque representa um poder estatal que é capaz de atingir
diretamente o núcleo de liberdades mais caras dos cidadãos na seara penal – assim
como o Ministério Público.
Dito isto, cumpre esclarecer que não se está a propor que o Ministério Público
desconsidere a decisão do STF e aplique indistintamente o entendimento adotado pela
Corte Interamericana de Direitos Humanos. Tampouco se faz aqui uma análise mais
52 HOFFMANN, Henrique; BARBOSA, Ruchester Marreiros. Delegado pode e deve aferir convencionalidade das leis. Revista
Consultor Jurídico. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-nov-07/academia-policia-delegado-aferir-convencionalidade-
leis>. Acesso em: 17. mar. 2019.
53 GOMES, Luiz Flávio. Reincidência como agravante da pena: STF ignora jurisprudência da Corte Interamericana. Disponível em:
<http://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/121931580/reincidencia-como-agravante-da-pena-stf-ignora-jurisprudencia-da-corte-
interamericana>. Acesso em: 15. mar. 2019.
54 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 453.000-RS. Recorrente: Volnei da Silva Leal. Recorrido: Ministério
Público do Estado do Rio Grande do Sul. Relator: Ministro Marco Aurélio. Brasília, 04 abr. 2013. DJ 02 out. 2013.
263
detalhada do fenômeno em questão, uma vez que este não é o foco ou objetivo do
presente artigo. Apenas se busca exemplificar outra situação que demanda as
considerações do Órgão Ministerial, o qual não deve simplesmente ignorar a existência
de decisões internacionais a respeito, devendo sopesá-las no caso concreto.
55 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Mayagna (Sumo) AwasTingni vs. Nicarágua, São José da Costa Rica, 31 de
agosto de 2001. Série C, n. 79, par. 146.
56 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Durand e Ugarte vs. Peru, São José da Costa Rica, 16 de agosto de 2000.
264
que estabelecem ser a educação, sem qualquer cerceamento de
pensamento e opinião, instrumento eficaz para capacitar as pessoas
a participarem efetivamente de uma sociedade livre (art. 13 do Pacto
Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais) e
para combater preconceitos baseados na premissa da inferioridade
ou superioridade de qualquer dos gêneros, que legitimem ou
exacerbem a violência contra a mulher (art. 8º, b da Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra
Mulher).
4. CONCLUSÃO
59MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. O controle jurisdicional da convencionalidade das leis. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2016, p. 60-61.
265
órgãos domésticos de cada Estado) ou sob a ótica externa (exercício do controle na
esfera do próprio Sistema Interamericano).
266
Promotor ou Procurador de Justiça permanecer inerte diante da percepção de uma
contrariedade da norma interna em relação à norma internacional.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
267
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Tibi vs. Equador. São José da
Costa Rica, 07 de setembro de 2004. Série C, n. 114 (voto do juiz Sergio Garcia
Ramirez).
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Gelman vs. Uruguai. São José
da Costa Rica, 24 de fevereiro de 2011. Série C, n. 221.
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Durand e Ugarte vs. Peru, São
José da Costa Rica, 16 de agosto de 2000. Série C, n. 68.
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Baldeón García vs. Peru, São
José da Costa Rica, 06 de abril de 2006. Série C, n. 147.
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 9ª ed., JusPodvim, 2015.
FACHIN, Melina Girardi; RIBAS, Ana Carolina; CAVASSIN, Lucas Carli. Perspectivas do
controle de convencionalidade do Sistema Interamericano de Direitos Humanos no
Brasil: implicações para um novo constitucionalismo. In: ANTONIAZZI, Mariela Morales;
BOGDANDY, Armin von; PIOVESAN, Flávia. (Coord.). Ius Constitutionale Commune na
América Latina: diálogos jurisdicionais e controle de convencionalidade. Curitiba:
Juruá, v. 3, 2016.
268
GOMES, Luiz Flávio. Reincidência como agravante da pena: STF ignora jurisprudência
da Corte Interamericana. Disponível em:
<http://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/121931580/reincidencia-como-
agravante-da-pena-stf-ignora-jurisprudencia-da-corte-interamericana>. Acesso em: 15.
mar. 2019.
MAZZILLI, Hugo Nigro. O acesso à justiça e o Ministério Público. 5ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2007.
269
RAMOS, André de Carvalho. Pluralidade das Ordens Jurídicas: a relação do direito
brasileiro com o direito internacional. Curitiba: Juruá, 2012.
SARLET, Ingo Wolfgang. Notas sobre as relações entre a Constituição Federal de 1988 e
os tratados internacionais de direitos humanos na perspectiva do assim chamado
controle de convencionalidade. In: MARINONI, Luiz Guilherme; MAZZUOLI, Valerio de
Oliveira. (Org). Controle de Convencionalidade: um panorama latino-americano.
Brasília: Gazeta Jurídica, 2013.
270
5. Resenha
O DIREITO A FAVOR DA ESPERANÇA:
O USO DOS PRECEDENTES JUDICIAIS
PARA A EFETIVAÇÃO DA DIGNIDADE
DA PESSOA HUMANA
CAMBI, Eduardo
OLIVEIRA, Lucas Paulo Orlando de
1. Dados da obra
Título: O direito a favor da esperança: o uso dos precedentes judiciais para a
efetivação da dignidade da pessoa humana.
Editora: D’Plácido.
Autores: CAMBI, Eduardo e OLIVEIRA, Lucas Paulo Orlando de Oliveira.
Lançamento: Setembro/2019.
Número de páginas: 252.
2. Resenha
272
Deste modo, o primeiro movimento se revela como uma reação ao direito
pensado a partir da crise e da exceção que permeia o imaginário jurídico
contemporâneo. Parte-se da premissa que para o enfrentamento das mazelas que
atentam contra os avanços civilizatórios estabelecidos após a II Guerra Mundial é
necessário o resgaste da perspectiva utópica no direito.
Assim, como grande alicerce metafísico, tem-se que a matéria não é estanque,
mas sim possui um fluxo contínuo de transformação. Em relação ao devir das novas
realidades possíveis a partir desta condição, o gênero humano encontra um papel
parturiente, uma vez que participa de forma significativa das construções daquilo que
está em vir-a-ser.
273
presentes. Desta condição nasce o que Bloch nomina de sonhos acordados, que, ao
contrário dos sonhos noturnos, são decorrentes da razão e ação humanas que se
orientam à transformação da realidade de necessidade em direção a um futuro de
satisfação.
O quarto subtópico apresenta uma das principais ferramentas para que o ser
humano possa se integrar ao fluxo do devir de novas realidades: o conhecimento
científico. Neste sentido, as ciências, inclusive as sociais como o direito, devem
abandonar sua postura de simples intérpretes dos fenômenos, mas se colocar como
mecanismos de transformação do mundo.
274
ao se atentar às premissas metafísicas, antropológicas, epistemológicas e históricas
desenvolvidas até então.
Deste modo, a partir dos marcos teóricos estabelecidos e pela análise histórica
empreendida, conclui-se que o direito tem um compromisso também com o devir de
novas realidades humanas e, portanto, possui sua própria utopia concreta: a dignidade
humana. Um direito que se sensibiliza com este desiderato se revela instrumento
importante de conservação das esperanças e utopias políticas da humanidade. Sendo
esta a perspectiva ínsita ao direito, não pode ser diferente com o uso dos precedentes
e o desenvolvimento da jurisprudência.
275
forma de preservar uma jurisdição constitucional substantiva, ainda necessária à
superação das promessas não cumpridas da modernidade em relação à sociedade
brasileira. Em suma: o legado do terceiro capítulo para a presente obra é de afirmar a
importância de se preservar o desenvolvimento do Estado Democrático de Direito e da
TCDAPMT como expressões legítimas e compatíveis com os anseios de um direito que
contribua com a realização das mais sinceras e necessárias esperanças civilizatórias,
mesmo que não seja exclusivamente responsável ou suficiente para a sua concretização.
276
afirma-se que o CPC/15, em consonância com os propósitos de um Estado Democrático
de Direito e com um direito a favor da esperança, tem como obrigação não apenas a
confiabilidade das suas decisões, decorrente dos deveres de uniformidade e
estabilidade, mas também os deveres de integridade e coerência implicam em uma
abertura de diálogo definitiva entre a prática da jurisprudência dos tribunais e a
efetivação de princípios, como a dignidade humana, de forma progressiva. Isto é, o
direito enquanto integridade, contextualizado com os demais deveres do art. 926 do
CPC/15, transforma o trato jurisprudencial dos tribunais também em um esforço em
direção à construção de novas realidades sociais contextualizadas com a persecução da
efetivação da dignidade humana.
Deste modo, para que o direito não se transforme em extensão dos embates
de mercado e não perca seu referencial enquanto balizador civilizatório, a
jurisprudência brasileira, ao atentar-se pela extensa corrente de conceitos
desenvolvidos na obra, se transforma não apenas em um instrumento de verdadeira
resistência democrática, como também catalizador de esforços para a construção de um
mundo novo.
277
6. Jurisprudência
Comentada
Hugo Evo Magro Corrêa Urbano1
Leonardo Dumke Busatto2
ENRIQUECIMENTO INJUSTIFICADO
DECORRENTE DE OCUPAÇÃO
IRREGULAR DE IMÓVEL PÚBLICO
1 Promotor de Justiça no Estado do Paraná. Mestre e Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
2 Promotor de Justiça no Estado do Paraná.
279
RESUMO: O texto realiza estudo crítico a respeito de jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça, no sentido de que não cabe indenização por perdas e danos com
base em eventual recebimento de aluguéis por ocupação irregular de imóveis
funcionais. O trabalho parte da diferenciação entre responsabilidade civil e
enriquecimento injustificado para expor o equívoco do entendimento.
ABSTRACT: The text conducts a critical study about the jurisprudence of the Superior
Court of Justice, in the sense that it is not possible to compensate for damages based
on eventual receipt of rents for irregular occupation of functional properties. The work
starts from the differentiation between civil liability and unjustified enrichment to
expose the misunderstanding of the Court.
280
1. INTRODUÇÃO
Em sede recursal, após ter sua pretensão negada pela segunda instância, a
União apontou violação aos artigos 884 e 886 do Código Civil,4 dispositivos que tratam
do enriquecimento injustificado. Em síntese, alegou que, ao cessar o termo de
3
Acórdão disponível para consulta em: https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?processo=1787997
&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=true. Acesso em 13 out. 2019.
4 Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a
281
ocupação, a permanência do servidor no imóvel funcional perderia o caráter público,
sendo então regida por normas de Direito Privado. Destacou, por conseguinte, que a
ocupação irregular de bem público nessa hipótese deveria ser indenizada para não
causar enriquecimento ilícito do ocupante em detrimento da União.
5 Art. 15. O permissionário, dentre outros compromissos se obriga a: I – pagar: [...] e) multa equivalente a dez vezes o valor da taxa
de uso, em cada período de trinta dias de retenção do imóvel, após a perda do direito à ocupação;
6 Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a
atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
282
Na responsabilidade civil, a obrigação surge a partir da prática de um ato
ilícito (artigos 186 e 187 do Código Civil7). Praticado o ato ilícito, surge para o sujeito
autor da conduta o dever de indenizar ou outros tipos de sanções, como, por exemplo,
a perda do poder familiar, em casos envolvendo Direito de Família.
283
(artigo 927 do Código Civil) e de enriquecimento injustificado (artigo 884 do Código
Civil), quando, na verdade, a situação é inteiramente de aplicação deste último.
284
nos julgados do STJ – retira de seu titular, no caso, a União, a possibilidade de usar e
usufruir dela. Desta forma, viola o domínio do proprietário sobre a coisa11 e representa
desvio de sua destinação econômica.
11 O titular do direito real garante a satisfação de seus interesses por meio do domínio que exerce sobre a coisa e não por modo de
relação com outras pessoas, como acontece nos direitos obrigacionais. O domínio garante a posição de atribuição de bens ao seu
titular, ao redor do qual há um dever geral de abstenção, que o torna oponível contra todos (MESQUITA, Manuel Henrique.
Obrigações reais e ônus reais. Coimbra: Almedina, 2000, p. 56 e ss).
285
partir de um direito real mais abrangente), isto significa, poder usar
ou consumir a coisa, poder ganhar dinheiro a partir dela e poder
aproveitá-la.
Quando alguém usa ou tira proveito de algum bem alheio, [...] então
essa pessoa ganhou alguma coisa à custa de outrem, que segundo o
conteúdo da destinação econômica da coisa, pertencia ao seu
proprietário. Por isso, o enriquecimento é indevido, porque contraria
a distribuição de riquezas estabelecida pelas normas do
ordenamento jurídico.12
286
usurpação do potencial econômico do bem, potencial este que pertence ao titular
do direito de propriedade e, logo, deve ser a este restituído por meio da aplicação
do instituto do enriquecimento injustificado (artigo 884 do Código Civil).
15 MENEZES LEITÃO, Luís Manuel Teles de. O enriquecimento sem causa no Direito Civil: estudo dogmático sobre a viabilidade da
configuração unitária do instituto, face à contraposição entre as diferentes categorias de enriquecimento sem causa. Coimbra:
Almedina, 2005, p. 776.
16 MESQUITA, Manuel Henrique. Obrigações reais e ônus reais. Coimbra: Almedina, 2000, p. 56.
17 O titular do direito real garante a satisfação de seus interesses por meio do domínio que exerce sobre a coisa e não por modo de
relação com outras pessoas, como acontece nos direitos obrigacionais. O domínio garante a posição de atribuição de bens ao seu
titular, ao redor do qual há um dever geral de abstenção, que o torna oponível contra todos (MESQUITA, Manuel Henrique. Op. cit.,
p. 56 e ss).
287
domínio sobre o bem constitutivo de seu objeto, com a possibilidade de exercer as
faculdades acima mencionadas. Ao se privar o titular do direito de propriedade
dessas faculdades, intervindo sobre o bem sem autorização pessoal ou legal, está-
se desviando os benefícios econômicos abrangidos por essa exclusividade. Esses
benefícios, potencialmente, pertenceriam ao titular do direito e, de modo indevido,
passam a integrar o patrimônio de terceiro.
18ELLGER, Reinhard. Bereicherung durch Eingriff: das Konzept des Zuweisungsgehalts im Spannungsfeld von Ausschlieβlichkeitsrecht
und Wettbewerbsfreiheit. Tübingen: Morh Siebeck, 2002, p. 876.
288
sobre bens alheios o mecanismo dos negócios jurídicos, como forma de definir o
objeto da restituição19, sem violar a autonomia privada dos particulares.
289
enriquecimento injustificado, em sua modalidade de enriquecimento por
usurpação, e não a responsabilidade civil, que incidiria em caso de prática de ato
ilícito.
4. CONCLUSÕES
21 REsp 1.787.997/DF, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 27/08/2019, DJe 05/09/2019.
290
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MENEZES LEITÃO, Luís Manuel Teles de. O enriquecimento sem causa no Direito
Civil: estudo dogmático sobre a viabilidade da configuração unitária do instituto,
face à contraposição entre as diferentes categorias de enriquecimento sem causa.
Coimbra: Almedina, 2005.
291
André Vieira Saraiva de Medeiros1
Amanda Caroline Andriguetto Santos2
MULTIPARENTALIDADE:
CONSIDERAÇÕES À LUZ DA
REPERCUSSÃO GERAL Nº622 DO STF E
DOS PROVIMENTOS Nº63/17 E Nº83/19 DO
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA
1Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Paraná, atualmente titular da 4ª Promotoria de Justiça da Comarca de São
José dos Pinhais, com atuação específica em direito das famílias, registros públicos e direito sucessório. Bacharel em Direito pela
Faculdade de Direito de Sorocaba. E-mail: avsmedeiros@mppr.mp.br
2Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Paraná, Setor de Ciências Jurídicas. Estagiária de Direito junto ao Ministério
Público do Estado do Paraná, na 4ª Promotoria de Justiça da Comarca de São José dos Pinhais. E-mail: acasantos@mppr.mp.br
292
RESUMO: O presente artigo se propõe a realizar uma breve análise da
multiparentalidade e da filiação socioafetiva, buscando compreender como os institutos
estão atualmente regulamentados no ordenamento jurídico brasileiro. Para tanto,
indispensável tratar da Repercussão Geral Nº622, posição adotada pelo STF quando do
julgamento do RE 898.060, que aprovou a tese que reconhece a possibilidade de se
estabelecer a pluriparentalidade nas relações familiares contemporâneas, evidenciando
a afetividade como um elemento efetivamente jurídico dentro do direito das famílias.
Ademais, serão analisados os Provimentos Nº63/17 e Nº83/19, editados pelo Conselho
Nacional de Justiça, possibilitando o reconhecimento extrajudicial da filiação
socioafetiva e, eventualmente, da multiparentalidade unilateral, bem como a atuação
do Ministério Público dentro da temática.
ABSTRACT: The following article proposes to briefly address both multiparentality and
socio-affective filiation, seeking to comprehend how those institutes are regulated within
the Brazilian legal system. In order do to that, it is necessary to discuss the General
Repercussion 622, position adopted by the STF while judging RE 898.060 that recognized
the possibility of admitting legal protection regarding pluriparentality situations, as well
as emphasizing affection as a legal institute in family law. Also, Provisions N. 63/17 and
N. 83/19, edited by the National Council of Justice, will be analyzed, considering that both
instruments authorized the extrajudicial recognition of socio-affective filiation and,
eventually, of unilateral multiparentality, as well as how Prosecution Office’s members
will act on the cases that intend to regulate the subject.
293
1. INTRODUÇÃO
Dentro desta discussão, parte da doutrina, como faz a escola de Maria Berenice
Dias, chega a mencionar um “esvaziamento biológico da paternidade”, alegação que
deve ser analisada com parcimônia no direito das famílias contemporâneo, sobretudo
em decorrência do advento da multiparentalidade, possibilitando garantir direitos aos
filhos e imprimir responsabilidade às figuras materna e paterna de maneira adequada5.
3CASSETTARI, Christiano. “Multiparentalidade e Parentalidade Socioafetiva – Efeitos Jurídicos”. 2ª Ed – São Paulo: Editora Atlas, 2015.
4Idem.
5 nesse sentido uue o ordenamento jurídico brasileiro consagra o princípio da paternidade responsável, uue possui sede
constitucional.
294
Para além, o movimento de extrajudicialização do direito privado também
contribuiu para que ocorressem inovações dentro da temática, culminando na edição do
Provimento nº63 do Conselho Nacional de Justiça, cujo conteúdo foi posteriormente
alterado e aperfeiçoado pelo Provimento nº83, também do CNJ.
O presente artigo científico tem por escopo proceder uma breve análise quanto
ao “estado da arte” das tratativas acerca da pluriparentalidade e filiação socioafetiva
dentro do ordenamento jurídico pátrio, bem como pontuar aspectos específicos da
atuação de membros do Ministério Público dentro deste nicho do direito das famílias
contemporâneo.
Para Jorge Fujita “filiação socioafetiva é aquela consistente na relação entre pai
e filho, ou entre mãe e filho, ou entre pais e filho, em que inexiste liame de ordem
sanguínea entre eles” 7 . Para complementar o conceito, o autor se utiliza do aspecto
pessoal e da vinculação patrimonial como “elementos aglutinadores” da relação
estabelecida.
6Adriana Caldas e Rego Freitas Dabus Maluf buscam conceituar afetividade como “a relação de carinho e cuidado que se tem com
alguém íntimo ou querido, como um estado psicológico que permite ao ser humano demonstrar seus sentimentos e emoções a outrem.
É um laço criado entre homens, sem características sexuais, cujo vínculo de amizade é bastante aprofundado.” Paulo Netto Lôbo, por
sua vez, aponta uue a afetividade teria sua relevância impressa no mundo jurídico pelo fundamento constitucional do dever de cuidado
e respeito no seio familiar, como um conceito trazido por extensão à luz da tutela dos direitos fundamentais básicos à vida digna do
ser humano. IN: CASSETTARI, Christiano. “Multiparentalidade e Parentalidade Socioafetiva – Efeitos Jurídicos”. 2ª Ed – São Paulo:
Editora Atlas, 2015. p. 9-11.
7FUJITA, Jorge. Filiação na Contemporaneidade. In: CHINELATO, Silmara Juny de Andrade; SIMÃO, José Fernando; ZUCCHI, Maria
Cristina. (org.). O direito de família no terceiro milênio: Estudos em homenagem a Álvaro Villaça Azevedo. Atlas. 2010. p. 475.
295
Na doutrina brasileira, Luiz Edson Fachin foi o primeiro jurista a utilizar a
expressão “parentalidade socioafetiva”, referindo-se ao tema em sua tese de
doutoramento. João Villela, por sua vez, elaborou e desenvolveu o tema em sua obra
denominada “A Desbiologização da Paternidade”.8
8
CASSETTARI, Christiano. “Multiparentalidade e Parentalidade Socioafetiva – Efeitos Jurídicos”. 2ª Ed – São Paulo: Editora Atlas, 2015.
9Art. 1.593/CC. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem.
10
Art. 1.596/CC. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas
quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
11Os direitos da personalidade são grandes norteadores da proteção referente às relações de filiação em comento, sobretudo pelo
[…] § 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão
do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada uualuuer forma
coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. (grifamos)
296
entre diversos vínculos parentais, sem a necessidade de exclusão ou prevalência das
paternidades, seja socioafetiva ou biológica.
297
entende-se que nem mesmo eventual rompimento da convivência afastaria o vínculo
firmado entre a criança ou adolescente16 e o pai ou mãe socioafetivos.
2.2 A multiparentalidade:
O psicanalista Lacan entende que a família “[…] é uma estruturação psíquica onde
cada membro ocupa um lugar, uma função”, sem a necessidade, entretanto, de que
estes sujeitos estejam ligados biologicamente.18
Ao longo dos anos, houve uma humanização do núcleo familiar, de modo que
este deixou progressivamente de ser encarado somente sob o viés econômico, bastante
típico do período patriarcal, e anteriormente ao fenômeno constitucionalização do
direito privado. Contemporaneamente, o afeto adquiriu uma faceta jurídica, tendo sido
consolidado através do princípio da dignidade da pessoa humana, já em 1988, com o
advento da nova Carta Constitucional.
298
tampouco a adoção de uma abordagem que siga uma tônica jurídica fechada dentro da
temática20.
20CASSETTARI, Christiano. “Multiparentalidade e Parentalidade Socioafetiva – Efeitos Jurídicos”. 2ª Ed – São Paulo: Editora Atlas, 2015.
21 A multiparentalidade se mostra como uma alternativa válida às adoções unilaterais, por exemplo, resguardando o indivíduo,
sobretudo se for incapaz, de modo ainda mais protetivo.
22Por ser o mais simples e corriuueiro, mencionamos o vínculo biológico.
23 Para mais informações uuanto ao tema, ler: CASSETTARI, Christiano. “Multiparentalidade e Parentalidade Socioafetiva – Efeitos
299
filhos inseridos na referida configuração familiar estariam em posição privilegiada24, há
que se lembrar que também restarão proporcionalmente multiplicados os deveres
obtidos por aqueles sujeitos enquanto partícipes da relação filial, à luz da ideia de
assistência consagrada pela Constituição Federal em seu artigo 229, ao dispor que “os
pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o
dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade” (grifei).
Aumentados os direitos, portanto, o mesmo se aplica aos deveres decorrentes da
situação fático-jurídica firmada. Em suma, resta evidente que a multiparentalidade
comprova que a afetividade aparece como elemento estruturante das relações
familiares contemporâneas.
24Falamos em “situação privilegiada” considerando a possibilidade uue o filho terá de recorrer a todos os genitores registrados para
obtenção de alimentos, direitos sucessórios diversos, e assim por diante, aumentando as possibilidades de ter suas necessidades
supridas adeuuadamente.
300
1. O prequestionamento revela-se autorizado quando as instâncias
inferiores abordam a matéria jurídica invocada no Recurso
Extraordinário na fundamentação do julgado recorrido, tanto mais que
a Súmula n. 279 desta Egrégia Corte indica que o apelo extremo deve
ser apreciado à luz das assertivas fáticas estabelecidas na origem.
2. A família, à luz dos preceitos constitucionais introduzidos pela Carta
de 1988, apartou-se definitivamente da vetusta distinção entre filhos
legítimos, legitimados e ilegítimos que informava o sistema do Código
Civil de 1916, cujo paradigma em matéria de filiação, por adotar
presunção baseada na centralidade do casamento, desconsiderava
tanto o critério biológico quanto o afetivo.
3. A família, objeto do deslocamento do eixo central de seu regramento
normativo para o plano constitucional, reclama a reformulação do
tratamento jurídico dos vínculos parentais à luz do sobreprincípio da
dignidade humana (art. 1º, III, da CRFB) e da busca da felicidade.
4. A dignidade humana compreende o ser humano como um ser
intelectual e moral, capaz de determinar-se e desenvolver-se em
liberdade, de modo que a eleição individual dos próprios objetivos de
vida tem preferência absoluta em relação a eventuais formulações
legais definidoras de modelos preconcebidos, destinados a resultados
eleitos a priori pelo legislador. Jurisprudência do Tribunal
Constitucional alemão (BVerfGE 45, 187).
5. A superação de óbices legais ao pleno desenvolvimento das famílias
construídas pelas relações afetivas interpessoais dos próprios
indivíduos é corolário do sobreprincípio da dignidade humana.
6. O direito à busca da felicidade, implícito ao art. 1º, III, da
Constituição, ao tempo que eleva o indivíduo à centralidade do
ordenamento jurídico-político, reconhece as suas capacidades de
autodeterminação, autossuficiência e liberdade de escolha dos
próprios objetivos, proibindo que o governo se imiscua nos meios
eleitos pelos cidadãos para a persecução das vontades particulares.
Precedentes da Suprema Corte dos Estados Unidos da América e deste
Egrégio Supremo Tribunal Federal: RE 477.554-AgR, Rel. Min. Celso de
Mello, DJe de 26/08/2011; ADPF 132, Rel. Min. Ayres Britto, DJe de
14/10/2011.
7. O indivíduo jamais pode ser reduzido a mero instrumento de
consecução das vontades dos governantes, por isso que o direito à
busca da felicidade protege o ser humano em face de tentativas do
Estado de enquadrar a sua realidade familiar em modelos pré-
concebidos pela lei.
8. A Constituição de 1988, em caráter meramente exemplificativo,
reconhece como legítimos modelos de família independentes do
casamento, como a união estável (art. 226, § 3º) e a comunidade
formada por qualquer dos pais e seus descendentes, cognominada
“família monoparental” (art. 226, § 4º), além de enfatizar que espécies
de filiação dissociadas do matrimônio entre os pais merecem
equivalente tutela diante da lei, sendo vedada discriminação e,
portanto, qualquer tipo de hierarquia entre elas (art. 227, § 6º).
301
9. As uniões estáveis homoafetivas, consideradas pela jurisprudência
desta Corte como entidade familiar, conduziram à imperiosidade da
interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição
que também se forma por vias distintas do casamento civil (ADI nº.
4277, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em
05/05/2011).
10. A compreensão jurídica cosmopolita das famílias exige a ampliação
da tutela normativa a todas as formas pelas quais a parentalidade pode
se manifestar, a saber: (i) pela presunção decorrente do casamento ou
outras hipóteses legais, (ii) pela descendência biológica ou (iii) pela
afetividade.
11. A evolução científica responsável pela popularização do exame de
DNA conduziu ao reforço de importância do critério biológico, tanto
para fins de filiação quanto para concretizar o direito fundamental à
busca da identidade genética, como natural emanação do direito de
personalidade de um ser.
12. A afetividade enquanto critério, por sua vez, gozava de aplicação
por doutrina e jurisprudência desde o Código Civil de 1916 para evitar
situações de extrema injustiça, reconhecendo-se a posse do estado de
filho, e consequentemente o vínculo parental, em favor daquele
utilizasse o nome da família (nominatio), fosse tratado como filho pelo
pai (tractatio) e gozasse do reconhecimento da sua condição de
descendente pela comunidade (reputatio).
13. A paternidade responsável, enunciada expressamente no art. 226,
§ 7º, da Constituição, na perspectiva da dignidade humana e da busca
pela felicidade, impõe o acolhimento, no espectro legal, tanto dos
vínculos de filiação construídos pela relação afetiva entre os envolvidos,
quanto daqueles originados da ascendência biológica, sem que seja
necessário decidir entre um ou outro vínculo quando o melhor
interesse do descendente for o reconhecimento jurídico de ambos.
14. A pluriparentalidade, no Direito Comparado, pode ser
exemplificada pelo conceito de “dupla paternidade” (dual paternity),
construído pela Suprema Corte do Estado da Louisiana, EUA, desde a
década de 1980 para atender, ao mesmo tempo, ao melhor interesse
da criança e ao direito do genitor à declaração da paternidade.
Doutrina.
15. Os arranjos familiares alheios à regulação estatal, por omissão, não
podem restar ao desabrigo da proteção a situações de
pluriparentalidade, por isso que merecem tutela jurídica concomitante,
para todos os fins de direito, os vínculos parentais de origem afetiva e
biológica, a fim de prover a mais completa e adequada tutela aos
sujeitos envolvidos, ante os princípios constitucionais da dignidade da
pessoa humana (art. 1º, III) e da paternidade responsável (art. 226, §
7º).
16. Recurso Extraordinário a que se nega provimento, fixando-se a
seguinte tese jurídica para aplicação a casos semelhantes: “A
paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não
302
impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante
baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”25.
Todo este cotejo se dá no sentido de asseverar que o direito das famílias não
contempla uma visão reducionista da realidade, confirmando o entendimento
previamente construído pela melhor doutrina e jurisprudência de que a tutela normativa
das entidades familiares não pode ignorar os vínculos de ordens presuntiva, afetiva e
biológica. Ainda mais, não deve se restringir ao mero reconhecimento destas
configurações, confirmando, também, a efetiva proibição da preferência por qualquer
das formas referidas em detrimento das demais.
25STF, RE nº898.060, DJ: 21.09.2016. Disponível em: <https://bit.ly/2onmzoj> Acesso em: 01 set. 2019.
303
Em que pese a filiação afetiva seja vista como “novo instituto” por muitos,
importa salientar que sua aplicação já ocorria desde o Código Civil de 1916 para, nas
palavras do Min. Fux, “evitar situações de extrema injustiça, reconhecendo-se a posse do
estado de filho, e consequentemente, o vínculo parental”26.
Por fim, mister salientar que o julgado também aventa o direito comparado,
mencionando o instituto da dual paternity, utilizado pela Suprema Corte do Estado da
Louisiana, EUA, já no século XX – mais precisamente na década de 1980.
304
neste sentido, seria o de fornecer mecanismos para que o magistrado consiga verificar,
materialmente, qual a melhor configuração familiar a partir dos vínculos estabelecidos
entre filhos e os seus respectivos genitores. (informação verbal)27
27STF, Pleno, REnº898.060, Rel. Min Fux. DJ. 21.09.2016. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=uYDKX859BnA> Acesso
em: 02. set. 2019.
28Idem.
29STF, RE nº898.060, DJ: 21.09.2016. Disponível em: <https://bit.ly/2onmzoj> Acesso em: 01 set. 2019.
30 Conselho Nacional de Justiça. Pedido de Providências nº0002653-77.2015.2.00.0000. Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ.
14.3.2017.
305
(IBDFAM), materializada no Pedido de Providências nº0002653-77.2015.2.00.0000,
visando a edição de um regramento geral, aplicável em todo o território nacional, que
possibilitasse o reconhecimento da filiação socioafetiva diretamente pela via
extrajudicial, vale dizer, perante os Registros Civis das Pessoas Naturais. A motivação
central foi a inexistência de regramento geral sobre o tema, embora os institutos da
filiação socioafetiva e da pluriparentalidade já fossem tratados anteriormente na
doutrina e jurisprudência31.
31FRANCO, Karina Barbosa e JÚNIOR, Marcos Ehrhardt. Reconhecimento Extrajudicial da Filiação Socioafetiva e Multiparentalidade:
Comentários ao Provimento Nº63, de 14.11.17, do CNJ. IN: Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil. Ano 02, Vol. 17 Julho/Setembro.
Belo Horizonte: Fórum, 2018.
32Franco e Júnior enumeram os primeiros instrumentos editados em território nacional, uuais sejam, Provimento nº234/14 (TJAM);
Provimento nº15/13 (TJCE); Provimento nº21/13 (TJMA) e Provimento nº11/14 (TJSC). IN: Idem.
33CNJ, Plenário, Pedido de Providências nº0002653-77.2015.2.00.0000. Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ. 14.3.2017.
34
CNJ, Plenário, Pedido de Providências nº0002653-77.2015.2.00.0000. Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ. 14.3.2017.
35A este respeito, verifica-se uue a justificativa restou, posteriormente, exposta sob a forma de “considerandos” uuando da edição dos
Provimentos Nº 63 e Nº83. Oportunamente, transcrevemos: “[…] CONSIDERANDO a competência do Poder Judiciário de fiscalizar os
serviços notariais e de registro (arts. 103-B, §4º, I e III, e 236, §1º, da Constituição Federal); CONSIDERANDO a competência da
Corregedoria Nacional de Justiça de regulamentar a padronização das certidões de nascimento, casamento, óbito e certidão de inteiro
teor (art. 19, caput, da Lei de Registros Públicos); [...]” (CNJ. Provimento Nº63/17. Disponível em
<https://www.cnj.jus.br/files/atos_administrativos/provimento-n63-14-11-2017-corregedoria.pdf>. Acesso em: 25 ago. 2019.)
306
A ANOREG/BR alegou defender a regulamentação do reconhecimento voluntário
de paternidade socioafetiva diretamente perante os oficiais do registro civil, requerendo
a padronização das orientações previamente editadas por Tribunais estaduais.36
36
CNJ, Plenário. op. cit.
37FRANCO, Karina Barbosa e JÚNIOR, Marcos Ehrhardt. Reconhecimento Extrajudicial da Filiação Socioafetiva e Multiparentalidade:
Comentários ao Provimento Nº63, de 14.11.17, do CNJ. IN: Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil. Ano 02, Vol. 17 Julho/Setembro.
Belo Horizonte: Fórum, 2018.
38Idem.
39CALDERÓN, Ricardo e TOAZZA, Gabriele Bortolan. Filiação Socioafetiva: Repercussões a Partir do Provimento 63 do CNJ. Disponível
307
– e é irrevogável, gerando diversos direitos e deveres entre pais e filhos, num viés
bilateral.
40Provimento nº63/17 do CNJ. Art. 14. O reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva somente será realizado de
forma unilateral e não implicará o registro de mais de dois pais e duas mães no campo FILIAÇÃO no assento de nascimento.
41Provimento nº63/17 do CNJ. Art. 11. O reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva será processado perante o
oficial de registro civil das pessoas naturais, ainda uue diverso dauuele em uue foi lavrado o assento, mediante a exibição de
documento oficial de identificação com foto do reuuerente e da certidão de nascimento do filho, ambos em original e cópia, sem
constar do traslado menção à origem da filiação. […]
§3º Constarão do termo, além dos dados do reuuerente, os dados do campo FILIAÇÃO e do filho uue constam no registro, devendo o
registrador colher a assinatura do pai e da mãe do reconhecido case este seja menor. (grifamos)
42CALDERÓN e TOAZZA. Op. cit.
43CALDERÓN, Ricardo. Primeiras Impressões sobre o Provimento 83 do CNJ. Que alterou as disposições sobre registro extrajudicial da
filiação socioafetiva regidas pelo Provimento 63. Disponível em: <https://bit.ly/2ZrlMng> Acesso em: 02 set. 2019.
44O Provimento Nº63/17 também traz disposições uuanto registro de crianças havidas pelas técnicas de reprodução assistida. Neste
308
procedimento anterior permitia o reconhecimento da filiação socioafetiva e da
multiparentalidade para pessoas de qualquer faixa etária45, o novo Provimento limita
sua aplicabilidade aos indivíduos com idade superior a 12 anos46. Significa que, caso se
intente a formalização de vínculos da natureza referida para sujeitos em idade inferior,
deverá a demanda tramitar pela via judicial.
45Provimento Nº63/17, do CNJ. Art. 10. O reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade socioafetiva de pessoa de
uualuuer idade será autorizado perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais. (grifamos)
46
Provimento Nº83/19, do CNJ. Art. 1º O Provimento n.63, de 14 de novembro de 2017, passa a vigorar com as seguintes alterações:
I – o art. 10 passa a ter a seguinte redação:
Art. 10. O reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade socioafetiva de pessoas acima de 12 anos será autorizado
perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais. (grifamos)
47
Provimento Nº83/19, do CNJ. Art. 1º [...]
II. O Provimento n.63, passa a vigorar acrescido do seguinte art. 10-A:
Art. 10-A: A paternidade ou a maternidade socioafetiva deve ser estável e deve estar exteriorizada socialmente.
1º O registrador deverá atestar a existência do vínculo afetivo da paternidade ou maternidade socioafetiva mediante apuração objetiva
por intermédio da verificação de elementos concretos.
2º O reuuerente demonstrará a afetividade por todos os meios em direito admitidos, bem como por documentos, tais como:
apontamento escolar como responsável ou representante do aluno; inscrição do pretenso filho em plano de saúde ou em órgão de
previdência; registro oficial de uue residem na mesma unidade domiciliar; vínculo de conjugalidade - casamento ou união estável - com
o ascendente biológico; inscrição como dependente do reuuerente em entidades associativas; fotografias em celebrações relevantes;
declaração de testemunhas com firma reconhecida.
3º A ausência destes documentos não impede o registro, desde uue justificada a impossibilidade, no entanto, o registrador deverá
atestar como apurou o vínculo socioafetivo.
4º Os documentos colhidos na apuração do vínculo socioafetivo deverão ser aruuivados pelo registrador (originais ou cópias)
juntamente com o reuuerimento. (grifamos)
48Provimento Nº63/17 do CNJ. Art. 14. O reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva somente poderá ser realizado
de forma unilateral e não implicará o registro de mais de dois pais e duas mães no campo FILIAÇÃO do assento de nascimento.
309
ascendente pela socioafetividade. A disposição revoga o limite anterior, que permitia o
reconhecimento de até dois pais e duas mães, bem como confirma a tese de que
extrajudicialmente somente se admite a chamada “pluriparentalidade unilateral”49. Isso
significa que o reconhecimento de um segundo ascendente socioafetivo deverá ser feito
pela via judicial. A justificativa para tanto é a tentativa de se evitar a burla ao sistema
adotivo, em observância ao princípio do melhor interesse do incapaz.
Dentro da seara do direito das famílias, o papel do Ministério Público foi pensado,
principalmente, sob a ótica do princípio do superior interesse da criança e do
adolescente 50 . Por este motivo, andou bem o Provimento Nº83 da Corregedoria
Nacional de Justiça ao inserir o §9º e seus respectivos incisos ao artigo 11, prevendo que
“atendidos os requisitos para o reconhecimento da paternidade ou maternidade
socioafetiva, o registrador encaminhará o expediente ao representante do Ministério
Público para parecer”51.
Art. 178/CPC. O Ministério Público será intimado para, no prazo de 30 (trinta) dias, intervir como fiscal da ordem jurídica nas hipóteses
previstas em lei ou na Constituição Federal e nos processos uue envolvam: […]
II - interesse de incapaz; [...]
51Provimento Nº83/19 do CNJ. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/files/atos_administrativos/provimento-n83-14-08-2019-
IV – o art. 11 passa a vigorar acrescido de um parágrafo, numerado como §9º, na forma seguinte:
art. 11 […]
§9º Atendidos os reuuisitos para o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva, o registrador encaminhará o
expediente ao representante do Ministério Público para parecer.
I – O registro da paternidade ou maternidade socioafetiva será realizado pelo registador após o parecer favorável do Ministério Público.
310
no sentido de verificação do adequado preenchimento dos requisitos suprarreferidos,
reservando a aplicação do novo Provimento somente aos casos em que a filiação
socioafetiva reconhecida seja consensual, inequívoca e incontroversa. Com base nessa
análise, deverá o Parquet emitir parecer no caso concreto, viabilizando a formalização
do vínculo pelo oficial do registro somente na hipótese de manifestação favorável. Caso
contrário, vale dizer, caso o Parquet se manifeste desfavoravelmente ao registro, o caso
deverá ser levado ao Poder Judiciário, restando inviabilizado o registro diretamente em
cartório53.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
II – Se o parecer for desfavorável, o registrador não procederá o registro de paternidade ou maternidade socioafetiva, e comunicará o
ocorrido ao reuuerente, aruuivando-se o expediente.
III – Eventual dúvida referente ao registro deverá ser remetida ao juízo competente para dirimi-la.
53CALDERÓN, Ricardo. Primeiras Impressões sobre o Provimento 83 do CNJ. Que alterou as disposições sobre registro extrajudicial da
filiação socioafetiva regidas pelo Provimento 63. Disponível em: <https://bit.ly/2ZrlMng> Acesso em: 02 set. 2019.
54Art. 127/CF. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da
311
juristas e operadores do direito, notadamente se considerada sua nova aplicabilidade
quando da regulamentação da socioafetividade e da pluriparentalidade, tanto pela via
do Poder Judiciário, quanto extrajudicialmente – sobretudo extrajudicialmente, ressalta-
se.
O CNJ, provocado pelo IBDFAM e outros atores, avançou ainda mais na temática,
permitindo através do Provimento Nº63/17, posteriormente modificado pelo
Provimento Nª83/19, o reconhecimento da filiação socioafetiva e, por vezes, da
pluriparentalidade, diretamente nos registros das pessoas naturais, impulsionando o
movimento de extrajudicialização do direito civil, numa tentativa de suprir o deficit de
informação existente quanto às famílias faticamente constituídas, sem a
regulamentação e proteção jurídica formais.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, Maria Christina de. DNA e Estado de Filiação à luz da Dignidade Humana.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 130-160.
ALMEIDA, Renata Barbosa de; RODRIGUES JÚNIOR, Walsir Edson. Direito Civil:
Famílias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 383.
312
BUECHELE, Isadora Selonk. A Revolução do Afeto e a Possibilidade de
Reconhecimento da Multiparentalidade. 2014. 71 f. Trabalho de conclusão de curso
(Monografia) – Curso de Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014.
Disponível em:
<https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/37687/61.pdf?sequence=1&isAll
owed=y>. Acesso em: 22 jun. 2019.
313
CASSETTARI, Christiano. Multiparentalidade e Parentalidade Socioafetiva – Efeitos
Jurídicos. 2ª Ed – São Paulo: Editora Atlas, 2015. 278p.
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 10 ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2015.
LASARTE, Carlos. Derecho de familia. 9ª Ed. Madrid: Marcial Pons, 2010. p. 279.
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil: famílias. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 6ªEd. rev., atual, ampl. Rio de Janeiro:
Forense, 2015. p. 1-108; 509-664.
314
23/erica-barbosa-impressoes-provimento-filiacao-socioafetiva>. Acesso em: 24 ago.
2019.
TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado e RODRIGUES, Renata de Lima. O direito das famílias
entre a norma e a realidade. São Paulo: Atlas, 2010. p. 140-218.
315
7. Espaço
Institucional
Alberto Vellozo Machado 1
Laura Esmanhoto Bertol 2
Matheus Mafra 3
Thiago de Azevedo Pinheiro Hoshino 4
A CONFIGURAÇÃO DA OMISSÃO
MUNICIPAL EM FACE À POLÍTICA
HABITACIONAL
1 Procurador do Ministério Público do Estado Paraná, coordenador do CAOP de Proteção ao Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo.
2 Arquiteta e Urbanista, assessora no Ministério Público do Estado do Paraná, Doutoranda no Programa de Pós Graduação da FAU-
USP.
3 Assessor Jurídico do Ministério Público, mestrando em Direito do Estado pelo Programa de Pós Graduação em Direito da
Universidade Federal do Paraná (UFPR).
4 Ouvidor da Defensoria Pública do Estado do Paraná, Doutorando em Filosofia do Direito pelo Programa de Pós Graduação em Direito
da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
317
RESUMO: O déficit habitacional permanece sendo um problema latente na sociedade
brasileira, mesmo após a criação de ampla legislação e políticas públicas que tinham
como meta a facilitação do acesso à terra urbanizada e a consequente redução das
demandas por moradia digna. Tal permanência de afronta a um direito constitucional
básico conduz à constantes demandas pela execução de políticas públicas de acesso à
moradia digna. Considerando que o conceito de moradia digna implica necessariamente
no acesso à cidade e as condições mínimas de urbanização e que o desenho
constitucional de divisão de poderes delega aos municípios a responsabilidade pela
execução da política urbana, este tende a ser um importante ente federativo a ser
questionado pelo ordenamento territorial e garantia de cidades sustentáveis. Ainda
assim, quando demandadas, as prefeituras municipais tendem a apontar o déficit
orçamentário como justificativa para não execução de qualquer política habitacional,
muitas vezes vistas como políticas secundárias ou simplesmente complementares a
ações da União e do Estado - postura agravada em contextos de crise fiscal. Trata-se de
argumento de grande relevância, considerando que acatado constantemente pelo
poder Judiciário. Nesse contexto, o presente artigo visa avaliar os limites da
discricionariedade da administração pública quanto à implantação de políticas
habitacionais, considerando as proteções constitucionais conferidas ao respectivo
direito e as necessidades de um mínimo a ser conferido pelo estado. O que se nota é
que a argumentação municipal tende a omitir que a ordem constitucional estabelece o
direito à moradia como um direito social a ser tutelado progressivamente pelo Estado,
além de ignorar os instrumentos vigentes no ordenamento jurídico nacional que
viabilizam o acesso à moradia para além da aquisição de propriedade privada individual
como modelo de política pública. Esse cenário demonstra a mitigação da
discricionariedade do município em termos de execução da política urbana, de modo
que é ilegítima a alegação de insuficiência de recursos para a ausência de qualquer
política que vise minimamente reduzir o déficit habitacional municipal. Assim, as
demandas que envolvem a política habitacional necessitam de abordagens que
abarquem a complexidade e diversos elementos que envolvem o tema.
318
1. INTRODUÇÃO
5 FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS. Análise das Necessidade Habitacionais e sua Tendências para os Próximos Dez Anos. 2018.
Disponível em: https://www.abrainc.org.br/wp-content/uploads/2018/10/ANEHAB-Estudo-completo.pdf. Acesso em: 17.out. 2019.
6 Dados do Estudo Déficit Habitacional no Brasil - Referência 2010, elaborado pela Fundação João Pinheiro.
7 Vide o art.182 da Constituição Federal: ‘‘Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal,
conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e
garantir o bem- estar de seus habitantes.’’
8 A relação completa dos Programas e Ações de habitação do Governo Federal pode ser consultada em: https://bit.ly/2kh2IFE.
Acesso em: 10.jul.2019.
319
Poder Municipal.
9 A Faixa 01 do Minha Casa, Minha Vida foi destinado a famílias com renda de até R$ 1.395,00 (mil trezentos e noventa e cinco
reais) mensais na Fase 01 do programa, passando a ser ampliado para famílias com renda de até R$ 1.600,00 (mil e seiscentos reais)
na Fase 02 do programa.
10 As atribuições dos diferentes participantes do Programa Minha Casa, Minha Vida Faixa 01 estão dispostas na Portaria n° 158 de
06 de maio de 2018 do Ministério das Cidades.
11 ARRETCHE, Marta. Quem Taxa e Quem Gasta: a barganha federativa na Federação Brasileira. In: Revista de Sociologia e Política,
Nº24. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2009. Disponível em: <https://bit.ly/334BZN4> Acesso em: 04.out.2019.
320
Assim, o que se busca a partir do presente estudo é compreender se o desenho
constitucional atualmente vigente, sob a égide dos direitos fundamentais, permite ao
poder executivo se ausentar da política de habitação, mesmo quando as normas
urbanísticas e habitacionais contemporâneas garantem amplo rol de instrumentos para
a promoção do direito à moradia, não se restringindo à simples produção de unidade
habitacionais novas com transferência de propriedade.
12 ESTADO DO PARANÁ. Constituição do Estado do Paraná. Curitiba, Paraná, 05.out.1989. Disponível em: <https://bit.ly/2kETBP2>.
Acesso em: 11.out.2019.
13 Ibid.Não paginado.
321
outras fontes14.
Essa lógica, bem como seus instrumentos, foram amplamente acatados pelos
municípios brasileiros, especialmente em seus Planos Diretores, um dos principais
322
marcos legais para a instituição da política urbana em âmbito local.
15 YANO, Célio. 10 cidades concentram 42% da população do PR. Veja o ranking das mais populosas. Gazeta do Povo. Curitiba, 29 de
agosto de 2019. Seção Paraná. Disponível em: <https://bit.ly/2mdReTY>. Acesso em: 12.set.2019.
16 ‘‘Art. 15. Sem prejuízo ao contido no Estatuto da Cidade e Estatuto da Metrópole, são diretrizes gerais da política urbana do
Município: IV - desenvolver uma política habitacional que proporcione o acesso à moradia, especialmente a população de baixa renda,
em consonância com o planejamento da cidade’’. CURITIBA. Lei 14.771/2015. Dispõe sobre a revisão do Plano Diretor de Curitiba de
acordo com o disposto no art. 40, § 3º, do Estatuto da Cidade, para orientação e controle do desenvolvimento integrado do Município.
Diário Oficial Municipal de Curitiba, Curitiba, PR, 17 de dezembro de 2015.
17 ‘‘Art. 6º São objetivos gerais do PDPML: IV - o ordenamento do território como garantia do pleno cumprimento das funções sociais
da propriedade e do direito à cidade para todos, compreendendo os direitos:b) à moradia digna’’. LONDRINA. Lei nº10.637/2008.
Institui as Diretrizes do Plano Diretor Participativo do Município de Londrina. Diário Oficial Municipal de Curitiba, Curitiba, PR, 24 de
dezembro de 2008.
18 ‘‘Art. 7º O Plano Diretor de Ponta Grossa tem por princípios: V - o direito universal à cidade, ampliado à terra urbana, à moradia
digna, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte, aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer’’. PONTA
GROSSA. Lei nº 8.663/2006. Atualiza a Lei do Plano Diretor do Município de Ponta Grossa em consonância com as novas Diretrizes da
Revisão do Plano Diretor. Diário Oficial do Município de Ponta Grossa. Ponta Grossa, PR, 09 de outubro de 2006.
19 ‘‘Art. 23 A Política de Desenvolvimento Territorial e Ambiental tem como objetivos: V - promover o acesso à habitação, priorizando
a população de baixa renda.’’ MARINGÁ. Lei nº 632/2006. Cria o Plano Diretor do Município de Maringá. Diário Oficial do Município
de Maringá. Maringá, PR, 06 de outubro de 2006.
20 ‘‘Art. 15 O desenvolvimento sustentável de Cascavel será promovido mediante a implementação das seguintes estratégias: V -
Integrar as Políticas Sociais e Promover a Moradia Digna.’’ CASCAVEL. Lei nº 91/2017. Altera o Plano Diretor de Cascavel, estabelece
diretrizes para o desenvolvimento da cidade e das sedes dos demais distritos administrativos e dá outras providências relativas ao
planejamento e à gestão do território. Diário Oficial do Município de Cascavel. Cascavel, PR, 23 de fevereiro de 2017.
323
c) As despesas com a manutenção da moradia não podem
comprometer a satisfação de outras necessidades básicas.
d) A moradia deve oferecer condições efetivas de habitabilidade,
notadamente assegurando a segurança física aos seus ocupantes.
e) Acesso em condições razoáveis à moradia, especialmente para
os portadores de deficiência.
f) Localização que permita o acesso ao emprego, serviços de
saúde, educação e outros serviços sociais e essenciais.
A regulação do direito à moradia pode ser avaliada por meio da Lei nº 6.766/79
(referente ao parcelamento do solo urbano), ou ainda a Lei nº 8.245/91 (referente à
locação de imóveis urbanos), marcos normativos que intervêm e disciplinam as relações
e negócios jurídicos, protegendo consumidores e, indiretamente, assegurando o direito
à moradia digna.
21 JÚNIOR, Nelson Saule. O Direito à Moradia como Responsabilidade do Estado Brasileiro. In: JÚNIOR, Nelson Saule. Direito à Cidade:
trilhas legais para o direito às cidades sustentáveis. São Paulo: Editora Max Limonad, 1999. P. 77.
22 SARLET, Ingo Wolfgang. O Direito Fundamental à Moradia na Constituição: Algumas Anotações a Respeito de seu Contexto,
Conteúdo, e Possível Eficácia. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público,
nº 20, dezembro, janeiro, fevereiro, 2009, 2010. Disponível na internet: <https://bit.ly/2HuzbSZ>. Acesso em: 20 de março de 2019.
P. 19.
324
No que se refere à proteção, o Estado deve adotar postura que obste o
retrocesso do direito à moradia através de regulações que impeçam a existência de
práticas que dificultem ou impeçam o acesso a ela23, medidas que vão desde a
regulações acerca de sua aquisição (principalmente no que se refere à práticas
discriminatórias), bem como segurança do acesso à moradia após a realização de
remoções forçadas e despejos.
Por fim, no que tange à promoção do direito à moradia, o Estado deve tanto
promover a produção de unidades habitacionais, incentivar o crédito e à regularização
fundiária, bem como garantir políticas alternativas de habitação, como aluguel social,
locação social e moradias temporárias.
Essa postura, inclusive, pode ser caracterizada como uma omissão municipal na
busca efetivação de seus deveres constitucionais de promoção do acesso à moradia. É
sobre a busca dessa caracterização e suas implicações jurídicas que esse estudo passará
a se debruçar.
325
para a execução da política habitacional.
24 BRASIL. Manual Para a Apresentação de Propostas. Brasilia: Ministério das Cidades, 2007. Disponível em: <https://bit.ly/2YZIxLF>.
Acesso em: 08.abr.2019.
25 BRASIL, MINISTÉRIO DAS CIDADES. Plano Nacional de Habitação. Brasília: Ministério das Cidades/Secretaria Nacional de
Habitação, 2010. Disponível em: <https://bit.ly/2RO4hWK>. Acesso em: 12.set.2019.P.120.
326
Aplicada (IPEA), realizada no ano de 2015, constatou-se que programas de promoção de
aluguel social, por meio da disponibilização de um 'parque locatício' estatal, conseguem
solucionar parte da demanda habitacional e ainda, tendo em vista a ausência de
financiamento ao beneficiário, possui um retorno financeiro mais veloz, tornando-se
mais viável em municípios com escassez de verbas para a promoção de programas
habitacionais26.
26 BALBIM, Renato. Serviço de Moradia ou Locação Social: Alternativas à Política Habitacional. Rio de Janeiro: Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 2015. Disponível em: <https://bit.ly/2I6olmb>. Acesso em: 08.abr.2019. P.43.
27 Ibid. P.
327
sua estruturação (elaboração de questionário) e atualização, ao tempo em que permite
mensurar a demanda da população, traçar seu perfil, planejar de forma adequada as
ações habitacionais necessárias e ampliar a transparência da gestão pública, evitando
direcionamento de unidades e outras formas de desvio de recursos públicos. Tal
sistema, embora formatado com objetivos habitacionais, deve estar conectado com o
Cadastro Único dos Programas Sociais do Governo Federal (CADÚNICO), podendo
também se valer de outros bancos de dados como o Sistema de Informação da Atenção
Básica do Ministério da Saúde.
28 Vide o Cadastro Único de Pretendentes do Paraná, disponível em: <https://bit.ly/2IxisgE>. Acesso em: 08.out.2019.
328
cadastros acima mencionados, a execução de análises técnicas da realidade local e
gerenciamento dos programas habitacionais a serem implantados pelo município, bem
como secretariar e auxiliar na gestão do Fundo Municipal de Habitação de Interesse
Social, sempre acompanhado do conselho gestor do mesmo. Todavia, é importante
reconhecer que a organização de tal estrutura e redução do Déficit Habitacional só serão
alcançadas, ainda que progressivamente, com a efetiva destinação de parcela do
orçamento municipal para as demandas de habitação.
29 CARDOSO, Adauto Lucio; DA SILVEIRA, Maria Cristina Bley. O Plano Diretor e a Política de Habitação. In: JÚNIOR, Orlando Alves
dos Santos; MONTANDON, Daniel Todtmann (orgs.).Os Planos Diretores Municipais Pós-Estatuto da Cidade: balanço crítico e
perspectivas. Rio de Janeiro: Letra Capital: Observatório das Cidades: IPPUR/UFRJ, 2011. P.119.
329
interesse público30.
30 DE MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 26ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores. P. 396
31 ROSAS, Luiza Barros. Mediação e Direitos Humanos: Temas Atuais e Controvertidos. In: JR, Antonio Rodrigues de Freitas (Coord).
Mediação e Direitos Humanos - Temas Atuais e Controvertidos. São Paulo: LTR Editores, 2014.p.63.
330
O próprio Supremo Tribunal Federal já reconheceu a ilegalidade na omissão do
Estado quanto à implementação de políticas públicas e na possibilidade de intervenção
judicial de modo a promover direitos fundamentais:
331
existencial, que representa, no contexto de nosso ordenamento
positivo, emanação direta do postulado da essencial dignidade da
pessoa humana. Doutrina. Precedentes. - A noção de “mínimo
existencial”, que resulta, por implicitude, de determinados preceitos
constitucionais (CF, art. 1º, III, e art. 3º, III), compreende um complexo
de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir
condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à
pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a
prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena
fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o
direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à
saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à
alimentação e o direito à segurança. Declaração Universal dos Direitos
da Pessoa Humana, de 1948 (Artigo XXV). A PROIBIÇÃO DO
RETROCESSO SOCIAL COMO OBSTÁCULO CONSTITUCIONAL À
FRUSTRAÇÃO E AO INADIMPLEMENTO, PELO PODER PÚBLICO, DE
DIREITOS PRESTACIONAIS. - O princípio da proibição do retrocesso
impede, em tema de direitos fundamentais de caráter social, que
sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou
pela formação social em que ele vive. - A cláusula que veda o
retrocesso em matéria de direitos a prestações positivas do Estado
(como o direito à educação, o direito à saúde ou o direito à segurança
pública, v.g.) traduz, no processo de efetivação desses direitos
fundamentais individuais ou coletivos, obstáculo a que os níveis de
concretização de tais prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser
ulteriormente reduzidos ou suprimidos pelo Estado. Doutrina. Em
conseqüência desse princípio, o Estado, após haver reconhecido os
direitos prestacionais, assume o dever não só de torná-los efetivos,
mas, também, se obriga, sob pena de transgressão ao texto
constitucional, a preservá-los, abstendo-se de frustrar - mediante
supressão total ou parcial - os direitos sociais já concretizados.
LEGITIMIDADE JURÍDICA DA IMPOSIÇÃO, AO PODER PÚBLICO, DAS
“ASTREINTES”. - Inexiste obstáculo jurídico-processual à utilização,
contra entidades de direito público, da multa cominatória prevista no
§ 5º do art. 461 do CPC. A “astreinte” - que se reveste de função
coercitiva - tem por finalidade específica compelir, legitimamente, o
devedor, mesmo que se cuide do Poder Público, a cumprir o preceito,
tal como definido no ato sentencial. Doutrina. Jurisprudência.”
332
problemas habitacionais em que se encontra inserido - sob pena de ter sua omissão
caracterizada, ensejando responsabilizações estatais.
4. CONCLUSÃO
333
necessitem de moradia digna).
5. REFERÊNCIAS
AMORE, Caio Santo. ‘‘Minha Casa Minha Vida’’ para Iniciantes. In: AMORE, Caio Santo;
SHIMBO, Lúcia Zanin; Rufino, Maria Beatriz Cruz (orgs). Minha Casa...e a Cidade?
Avaliação do programa minha casa minha vida em seis estados brasileiros. Rio de
Janeiro: Letra Capital, 2015.
334
183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras
providências.Diário Oficial da União.
CARDOSO, Adauto Lucio; DA SILVEIRA, Maria Cristina Bley. O Plano Diretor e a Política
de Habitação. In: JÚNIOR, Orlando Alves dos Santos; MONTANDON, Daniel Todtmann
(orgs.).Os Planos Diretores Municipais Pós-Estatuto da Cidade: balanço crítico e
perspectivas. Rio de Janeiro: Letra Capital: Observatório das Cidades: IPPUR/UFRJ,
2011. P.119.
DE MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 26ª Ed. São
Paulo: Malheiros Editores. P. 396
335
PONTA GROSSA. Lei Municipal nº 8.663/2006. Atualiza a Lei do Plano Diretor do
Município de Ponta Grossa em consonância com as novas Diretrizes da Revisão do
Plano Diretor. Diário Oficial do Município de Ponta Grossa. Ponta Grossa, PR, 09 de
outubro de 2006.
ROSAS, Luiza Barros. Mediação e Direitos Humanos: Temas Atuais e Controvertidos. In:
JR, Antonio Rodrigues de Freitas (Coord). Mediação e Direitos Humanos - Temas
Atuais e Controvertidos. São Paulo: LTR Editores, 2014.p.63.
YANO, Célio. 10 cidades concentram 42% da população do PR. Veja o ranking das mais
populosas. Gazeta do Povo. Curitiba, 29 de agosto de 2019. Seção Paraná. Disponível
em: <https://bit.ly/2mdReTY>. Acesso em: 12.set.2019.
336
Ciro Expedito Scheraiber1
CONTROLE DO TABACO:
PUBLICIDADE E COMERCIALIZAÇÃO
DE CIGARROS ELETRÔNICOS2
1
Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado do Paraná, Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de
Justiça de Defesa do Consumidor e da Ordem Econômica. Integrante do I Grupo Cível de Procuradorias do MPPR. Graduado pela
PUC/PR em Direito. Especialista em Direito do Consumidor (Verbo Jurídico), em Direito Processual Civil (FESP/IBEJ), e em Ciências
Penais (UFPR).
2 Artigo elaborado com base em palestra realizada pelo Procurador de Justiça Ciro Expedito Scheraiber, no XIX Congresso Nacional do
Ministério Público do Consumidor, da Associação Nacional do Ministério Público do Consumidor em Maceió/AL, no dia 30 de agosto
de 2019.
337
RESUMO: A presente pesquisa tem por fundamento identificar os principais temas
relacionados à comercialização, importação e publicidade de cigarros, abrangendo as
diversas espécies ofertadas no mercado. Também objetiva incursionar por tópicos
relacionados à responsabilidade civil pelos danos causados pelo usuário crônico, em
especial. Situações diversas são abordadas, a partir do arcabouço protetivo do
consumidor, bem como da caracterização das diversas espécies de dispositivos que, de
forma alternativa ao cigarro tradicional, aperfeiçoam-se por intermédio de novas
tecnologias, tais como aos denominados cigarros eletrônicos e cigarros aquecidos. E,
finalmente, sobre o alcance das normas estabelecidas em lei ou por resoluções da Anvisa,
relacionadas ao tema, no sentido de lhes dar efetividade tanto na prevenção quanto na
repressão aos danos à saúde do usuário, no tocante à dependência à nicotina, em
especial quanto aos danos físicos e psíquicos pela atividade incontida do tabagismo
devido à influência da publicidade massiva, cujo fenômeno funda-se em pesquisas
modernas de neuromarketing.
ABSTRACT: This research aims to identify the main themes related to the marketing,
importation and advertising of cigarettes, covering the various species offered in the
market. It also aims to pursue liability related topics for damages caused by the chronic
user, in particular. Different situations are approached from the consumer's protective
framework, as well as the characterization of the various types of devices that, as an
alternative to traditional cigarettes, improve themselves through new technologies, such
as electronic cigarettes and heated cigarettes. And, finally, about the reach of the norms
established by law or by resolutions of the Anvisa, related to the theme, in order to make
them effective in preventing and repressing harm to the user's health, regarding nicotine
addiction, especially regarding the physical and mental damage caused by the
unrestricted activity of smoking due to the influence of mass advertising, whose
phenomenon is based on modern neuromarketing research.
338
1. INTRODUÇÃO
O tabaco é uma planta originária das Américas, onde já era utilizado por tribos
indígenas, sendo desconhecido pelos europeus até 1498.3 A partir daí começa a história
do tabagismo. E por causa do efeito de dependência do elemento nicotina 4 . oogo o
costume enraizou-se em todas as raças e idades, pelo simples espírito da imitação,
mesmo que causasse danos a saúde.
Nicotiana vem do nome de um médico francês, Jean Nicot (1530-1600), que introduziu a planta com sucesso na França. Nicot estudou
a fundo os efeitos da nicotina e a recomendava como uma substância que “curava-tudo” (Longenecker, 2002). Jean Nicot remeteu à
Europa sementes e a planta, acreditando que a erva usada pelos índios fosse dotada de propriedades curativas (Valle et al., 2007). Da
Europa, a prática de fumar o tabaco expandiu-se rapidamente para todo o mundo”. Extraído de
https://clinicajorgejaber.com.br/novo/2018/11/principais-efeitos-da-nicotina-em-nosso-corpo/ , com acesso em 31 out. 2019.
5 SOUZA CRUZ. Op. Cit.
6 DE OLIVEIRA ANDRADE, Rodrigo. Cigarros eletrônicos carregam a promessa de ajudar a cessação do tabagismo, mas evidências
339
exercício de defesa do consumidor, na forma da Constituição Federal, artigo 5º, inciso
XXXII, como direito e garantia fundamental.
7 LEITE, Maria Cecília F. Álvares, in Revista de Direito Público 63/200 jul set 82, já ensinava que a atividade de propaganda não é ato de
comércio, com base na Lei de |Propriedade Industrial (L 5772/71).
8 É um dos primeiros países a alcançar o mais alto nível das seis medidas MPOWER de controle do tabaco. Isso significa ter conseguido
implementar as melhores práticas no cumprimento das estratégias preconizadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Divulgado
durante o lançamento do Relatório da OMS sobre Epidemia Mundial do Tabaco, o resultado corrobora a posição do país como
referência internacional no combate ao tabagismo. Esta 7ª edição do informe revelou que, dentre os 171 países que aderiram às
medidas globais da OMS, apenas o Brasil se juntou à Turquia, como as duas únicas nações do mundo a implementarem ações
governamentais de sucesso. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/noticia/relatorio-da-oms-sobre-tabaco-destaca-brasil. Acesso em:
11 out. 2019.
9 OPAS BRASIL. Página Institucional. Brasil. Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com
_joomlabook&view=topic&id=202 . Acesso em: 09 out. 2019.
340
o tabaco, ou cigarros com menos queima, como o Iqos, os chamados cigarros
aquecidos.Tais tecnologias, se de um lado não evitam o uso de nicotina, indutor da
dependência, tem causado novas doenças pulmonares com mortes, e, o que é
interessante: com aumento expressivo do lucro. É nesse contexto que se examina que
o arcabouço legal das restrições normativas sobre publicidade de cigarros se aplicam
amplamente aos novos dispositivos chamados de cigarros, com a mesma efetividade da
atividade de propaganda do cigarro oriundo do tabaco”.
E no § 4º:
10 Para a tutela das relações de consumo, a partir do Código de Defesa do Consumidor, propaganda e publicidade têm o mesmo
sentido. O sentido de advertência comercial, não ideológica, cultural, nem religiosa, por exemplo.
11 Assim é a ementa da Lei 9.294/1996: “Dispõe sobre as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas,
medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, nos termos do § 4° do art. 220 da Constituição Federal.
341
propaganda dos chamados produtos fumígeros, como cigarro, cigarrilha, charuto e
cachimbo. E essa lei vem sendo adaptada para ampliar as restrições.
Todo esse esforço restritivo foi de certa forma exitoso, pois segundo o Ministério
da Saúde, no período entre 1990 e 2015, o percentual de fumantes diários no Brasil caiu
de 29% para 12% entre os homens e de 19% para 8% entre as mulheres.
342
3. COTEJO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS À SAÚDE
Em reafirmação doutrinária, vale referir Paulo Bonavides14, o qual entende que “os
direitos sociais não são apenas justificáveis, mas são providos, no ordenamento
constitucional da garantia da suprema rigidez do §4.º do art. 60”, de maneira que estes
direitos são intangíveis e irredutíveis, ou seja, tanto lei ordinária, como emenda
Constitucional que restrinjam ou abolirem direitos sociais, comportará vicio de
inconstitucionalidade.15
Cabe ressaltar, ainda, que a Constituição Federal, em seu artigo 1o, III, estabeleceu
como fundamento do Estado Democrático de Direito a dignidade humana, que é um
valor inerente à pessoa, intimamente ligado ao direito à vida, também previsto como
direito fundamental mais importante no artigo 5º, uma vez que é basilar para o exercício
dos demais, inclusive o direito à saúde.16
Nas relações de consumo, estabelecido foi que é Política Nacional das Relações de
Consumo os direitos à vida, saúde, segurança e dignidade da pessoa humana, cujos
direitos foram erigidos a categoria de direitos básicos do consumidor, conforme se
depreende dos arts. 4º e 6º, I do Código de Defesa do Consumidor, assim como também
representa Política Nacional o disposto nos artigos 8º, 9º e 10, fixadores das diretrizes
em relação aos deveres de informar sobre os riscos à saúde e segurança dos
consumidores.
13
NEVES JÚNIOR, Fávio Martins Alves. Curso de Direito Constitucional [livro eletrônico] - 2a ed. - São Paulo: Thomson Reuters Brasil,
2018
14 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2000.
15 PIOVESAN, Flávia. Direito à Saúde e o Dever de Informar Direito à Prova e a Responsabilidade Civil das Empresas de Tabaco. Revista
para (re)pesar a jurisprudência brasileira sobre o tema. Revista de Informação Legislativa. Brasília a. 49 n. 193 jan./mar. 2012
343
Ocorre que a estratégia da indústria tabagista nunca foi pródiga nas informações
acerca dos malefícios do consumo de tabaco, pelo contrário, as publicidades
tradicionalmente associavam o produto à saúde, à prática de esportes, à juventude, à
beleza, ao lazer e ao prazer.
A neurociência tem contribuído mais fortemente face aos avanços dos meios de
investigações de modo a demonstrar tendências neurológicas diversas das pessoas. E no
campo da publicidade, o neuromarketing tem oferecido vasto campo de exploração,
pelo qual os fornecedores elegem seus alvos, visando alcançar mais eficientemente seus
propósitos mercadológicos.
17
PIOVESAN, Flávia. Direito à Saúde e o Dever de Informar Direito à Prova e a Responsabilidade Civil das Empresas de Tabaco.
Revista de Direito do Consumidor. (SL) vol. 5. p. 99 – 128. Abr / 2011.
18 OPAS Brasil. Página Institucional. Brasil. Disponível em
<https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5688:consumo-de-tabaco-esta-diminuindo-mas-
ritmo-de-reducao-ainda-e-insuficiente-alerta-novo-relatorio-da-oms&Itemid=839> Acesso em 14 out. 2019.
19 OPAS BRASIL. Página Institucional. Brasil. Disponível em:
https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_joomlabook&view=topic&id=202 . Acesso em: 09 out. 2019.
344
comercial. Em um de seus livros20, ele narra, em pesquisa que acompanhou, que por
vezes o comprometimento neurológico é tal, que as advertências contrárias não geram
efeito. Cita o grau zero dos efeitos das informações nas laterais, frente e verso das caixas
de cigarros, inclusive com as imagens ou fotografias repulsivas de danos físicos nos
fumantes. Descreveu sua impressão nestes termos:
20 LINDSTROM, Martin. A lógica do consumo: verdades e mentiras sobre por que compramos. Tradução Marcello Lino, RJ, Ed.
HarperCollins Brasil, 2016, p. 22.
21 PASQUALOTTO, Adalberto. A Convenção Quadro Para o Controle do Tabaco Como Reforço da Constitucionalidade da Proibição da
Publicidade de Tabaco. Revista de Direito do Consumidor. (SL). Vol. 91. p. 169 – 208. Jan – Fev. 2014.
345
públicas e privadas, considerando que, apesar de se configurar prática de ato lícito, não
está a atividade isenta de responsabilidade pelos riscos verificáveis.
Com alvo em tal possibilidade, várias ações civis individuais e públicas buscaram
esse desiderato, pelas vítimas diretamente ou por intermédio de familiares de pessoas
falecidas, sob o fundamento de que as doenças que causaram danos que levaram as
vítimas à morte, vítimas do uso incentivado, estimulado, com omissão da informação
dos malefícios do fumo. E, mais, subentendendo que fumar é apropriado e que faz
inserir o usuário no contexto social-histórico desse costume.
Das doenças, prevalece o câncer como a mais recorrente, outras como enfisema
pulmonar, insuficiência respiratória e cardiopatia isquêmica.
22LAZZARINI SALAZAR, Andrea; BOZOLA GROU, Karina. Ações Indenizatórias Contra a Indústria do Tabaco: Estudos de Casos e
Jusrisprudência. Aliança Controle Tabagismo, 2011, p. 9.
346
reiterado, levando em conta, em juízo de probabilidade, o percentual elevado de
doenças verificáveis. E o livre arbítrio, assacado como defesa das indústrias fumageiras,
também não foi considerado, pois a maioria começa a fumar na adolescência, quando
há imaturidade emocional, por igual.
Também não se admite que o vício seja inerente ao produto, o qual refoge de
cuidados específicos do consumidor, e induzidor do comprometimento de sua saúde, tal
qual dos chamados “fumantes passivos”.
Pois bem, resta saber se o STJ vai confirmar tal decisão, haja vista histórico
recente de reforma das decisões favoráveis aos consumidores, em primeiro grau de
jurisdição.
Forte no argumento de que não há nexo causal direto entre o ato de fumar com
os danos à saúde, as empresas fumageiras sustentam que há fatores diversificados a
influenciar, de forma a não evidenciar ser o tabagismo a única causa.
23COSTA, Altair Guerra da. O tabagismo na perspectiva da responsabilidade civil. Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo – v.1,
n.1, (mar. 2011), Curitiba: Bonijuris, 2011, página 169.
347
Dado a isso, com acerto, refere que o liame causal é presunção juris tantum só derrubado
pela parte requerida, em inversão do ônus probatório.
Ainda releva notar que o Brasil aderiu à Convenção Quadro para o Controle do
Tabaco. A Convenção Quadro para o Controle do Tabaco é um tratado internacional,
celebrado com o apoio da Organização Mundial de Saúde, ratificada pelo Brasil desde
que entrou em vigor no ano de 2005.
Pois bem, feitas essas notas, seguimos mais especificamente no objeto principal
do assunto: o cigarro eletrônico e o cigarro aquecido, dentre outras formas alternativas
de fumar.
348
O cigarro eletrônico dispensa tabaco, mas não necessariamente a nicotina.
Conheça o que traz o cigarro eletrônico e qual é sua estrutura24.
24 O PODEROSO VAPOR, O QUE É e COMO FUNCIONA // Cigarro Eletrônico // Começando no Vape – Parte 1. 2017 (7m26s).
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=qF6S5K7UWyA. Acesso em 10 JUL. 2019.
25 ASSOCIAÇÃO MÉDICA BRASILEIRA. Posição da AMB quanto aos dispositivos eletrônicos para entrega de nicotina (cigarros eletrônicos
e cigarros aquecidos), ref. Resolução RDC 46/2009, da ANVISA. Brasil. Disponível em:
http://portal.anvisa.gov.br/documents/219201/2782895/28.07.2017+Carta+-+AMB++-++Cigarros+Eletr%C3%B4nicos.pdf/eef5af78-
5d90-4502-908c-b37b4355dccc. Acesso em 09 out. 2019.
26 “O cigarro como o conhecemos hoje, trazendo as folhas picadas e enroladas em papel, surgiu de uma improvisação européia. No
século XVI, os mendigos de Sevilha, na Espanha, que não tinham dinheiro para comprar os já tradicionais charutos, enrolavam em tiras
de papel o conteúdo das pontas descartadas nas ruas”. (SAMOR, Geraldo. Correio Braziliense. Brasil. Disponível em:
https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2018/07/04/internas_economia,692712/cigarro-eletronico-da-moda-
juul-labs-vale-us-16-bilhoes.shtml. Acesso em 30 ago. 2019).
349
a característica esbranquiçada, dá o efeito de “cigarro”. Aos dois sistemas, a nicotina
proporciona vício ou dependência. Mas o alcatrão ocasionado pela queima do tabaco no
cigarro tradicional causa malefícios aos pulmões e a doenças várias, principalmente o
câncer.
350
As justificativas para a proibição são, de fato, a ausência de segurança científica
de que tais dispositivos não oferecem riscos à saúde dos usuários, ou oferecem menos
riscos que o cigarro tradicional. O cigarro eletrônico surgiu como uma promessa de
auxílio para quem deseja parar de fumar, entretanto, segundo a Anvisa, não existem
estudos que comprovam a segurança do produto.
Em relação aos males que o e-cigarrete vem causando, muito recentemente, nos
Estados Unidos, que não possui proibição expressa, já foram registrados mais de 450
casos em 33 Estados americanos nos últimos meses uma grave e misteriosa doença
pulmonar ligada ao uso de e-cigarretes (com nicotina e THC-tetra-hidrocanabinol,
componente psicoativo da maconha), com 6 mortes confirmadas29.
28 SETOR SAÚDE. Porque cigarro eletrônico é proibido no Brasil. Brasil. Disponível em: https://setorsaude.com.br/porque-o-cigarro-
eletronico-e-proibido-no-brasil/. Acesso em 30 out. 2019.
29 BBC, Globo.com. Brasil. Disponível em: https://g1.globo.com/bemestar/noticia/2019/09/12/a-misteriosa-doenca-ligada-a-cigarros-
https://www.gazetadopovo.com.br/viver-bem/saude-e-bem-estar/medicos-dao-nome-a-doenca-do-cigarro-eletronico-que-matou-
26-pessoas. Acesso em 30 out. 2019.
351
5.2 Cigarros aquecidos – IQOS
A Philip Morris, que segundo artigo da Revista Exame 32 , quer diversificar sua
produção, sob o pretexto da redução de danos pelo uso do tabaco, fato que admite ser
nocivo, atira-se na produção de dispositivos que afastem a combustão de matéria
orgânica. Assim, tem o objetivo de “gerar o contato com a nicotina do tabaco sem a
necessidade de queimá-lo”. oança no mercado o chamado Iqos, sigla de I Quit Original
Smoking (eu deixei de fumar o cigarro original), cujo produto constitui-se em cigarro,
que utiliza tabaco sem operar combustão.
32
DESIDÉRIO, Mariana. Exame. Brasil. Disponível em: https://exame.abril.com.br/negocios/a-philip-morris-criou-o-problema-agora-
quer-vender-a-solucao/. Acesso em 31 out. 2019.
33 PHILIP MORRIS INTERNATIONAL. Página Institucional. U.S. Disponível em: https://www.pmi.com/smoke-free-products/iqos-our-
http://iasaude.pt/index.php/informacao-documentacao/comunicacao-social/recortes-de-imprensa/5727-iqos-isso-e-que-era-bom.
Acesso em 16 out. 2019.
352
Em estudo publicado em 2017 35 , identificou-se a presença de monóxido de
carbono, de hidrocarbonetos aromáticos policíclicos e de compostos orgânicos voláteis.
Os autores do estudo relataram que, apesar das substâncias tóxicas encontradas em
menor concentração em comparação aos cigarros convencionais, ainda sim apresentam
risco a saúde36. O estudo informou ainda, que a fumaça do IQOS possuía 84% da nicotina
encontrada na fumaça de cigarro convencional.
Cabe destacar ainda, que para especialistas portugueses 37 o uso dos cigarros
aquecidos permite imitar o comportamento dos fumantes de cigarro convencional, por
isso, há “o risco de os fumadores alterarem o seu consumo para estes novos produtos
em vez de tentarem parar de fumar”. Pior, quem fuma, corre ainda o risco de somar um
novo vício ao tabaco convencional, alternando o consumo entre os dois. E, ainda, se não
fuma pode ter a “tentação” de fumar, e isto também se aplica a menores de idade, que
podem considerar o uso do tabaco aquecido no início de hábitos tabágicos.
35 AUER et. al. Heat-Not-Burn Tobacco Cigarettes: Smoke by Any Other Name. JAMA Intern Med. Publish online May 22, 2017.
Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5543320/. Acesso em 16 out. 2019.
36
ASSOCIAÇÃO MÉDICA BRASILEIRA. Posição da AMB quanto aos dispositivos eletrônicos para entrega de nicotina (cigarros eletrônicos
e cigarros aquecidos), ref. Resolução RDC 46/2009, da ANVISA. Brasil. Disponível em:
http://portal.anvisa.gov.br/documents/219201/2782895/28.07.2017+Carta+-+AMB++-++Cigarros+Eletr%C3%B4nicos.pdf/eef5af78-
5d90-4502-908c-b37b4355dccc. Acesso em 09 out. 2019.
37 TEIXEIRA, Tânia, Observador. Portugal. Disponível em: https://observador.pt/2019/04/02/tabaco-aquecido-tem-riscos-graves-para-
353
5.3 O tradicional “narguilé”
Em geral se usa com tabaco e se utiliza de carvão. Pode ser utilizado sem tabaco,
com outras ervas. Mas, independentemente, a queima do carvão também causa danos
aos pulmões dos usuários, haja vista a ingestão de resíduos tóxicos. 41
39 MINISTÉRIO DA SAÚDE. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Uso de narguilé: efeitos sobre a saúde,
necessidades de pesquisa e ações recomendadas para legisladores. Brasil. Disponível em:
https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/161991/9789241508469-
por.pdf;jsessionid=8B67E2564B43E80746626CCB005AA17B?. Acesso em: 01 nov. 2019.
40 NICÉSIO, Raphael Gonçalves. Biomedicina Brasil. Brasil. Disponível em: https://www.biomedicinabrasil.com/2012/09/riscos-e-
http://www.blog.saude.gov.br/promocao-da-saude/50145-voce-sabia-que-uma-hora-de-narguile-equivale-a-100-cigarros. Acesso
em 31 out. 2019.
42 Idem.
354
A cada tragada de um cigarro convencional, o fumante ingere mais de 4.700
substâncias tóxicas e, a maioria delas, cancerígenas. Essas substâncias também são
ingeridas por quem usa o narguilé e as consequências danosas, assim como o
desenvolvimento de vários tipos de cânceres e a dependência, são as mesmas.
6. CONCLUSÕES
355
Agradecimentos:
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AUER et. al. Heat-Not-Burn Tobacco Cigarettes: Smoke by Any Other Name. JAMA Intern
Med. Publish online May 22, 2017.
356
GAZETA DO POVO. Médicos dão nome à doença do cigarro eletrônico que matou 26
norte-americanos. Brasil.
oEITE, Maria Cecília F. Álvares. Revista de Direito Público 63/200 jul set 82.
MARQUES, Claudia oima. Manual de direito do consumidor. 2. ed. rev., atual. e ampl.
Antonio Herman V. Benjamin, Claudia oima Marques e oeonardo Roscoe Bessa. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2009.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Uso
de narguilé: efeitos sobre a saúde, necessidades de pesquisa e ações recomendadas
para legisladores. Brasil.
_____. Você sabia que uma hora de narguilé equivale a 100 cigarros? Brasil.
NEVES JÚNIOR, Fávio Martins Alves. Curso de Direito Constitucional [livro eletrônico] -
2a ed. - São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018
357
_____. Correio Braziliense. Brasil.
358
8. Espaço Memorial do
Ministério Público
Vitor Lemes de Resende1
Cristiano de Oliveira Viana Correia2
Rodrigo Bonatto Dall’Asta3
BREVE HISTÓRIA DO
CEAF E DA ESMP
1Historiador do Memorial do Ministério Público do Paraná. Graduado em Psicologia (2012) e em História (2017) pela Pontifícia
Universidade Católica do Paraná.
2Estagiário de pós-graduação do Memorial do Ministério Público do Paraná. Graduado em História pela Universidade Federal do
Paraná (2017).
3Estagiário de pós-graduação do Memorial do Ministério Público do Paraná. Graduado em História pela Universidade Federal do
360
Voltado aos bacharéis (inscritos na OAB) e acadêmicos do Direito que cursavam
o 4º e o 5º anos, essa iniciativa tinha como objetivo preparar os estudantes para a prática
jurídica ministerial, além de promover a participação dos membros do MP com a
atividade pedagógica, incentivando entre instrutores e estagiários o ideal de
aprimoramento da Justiça e da própria instituição.
361
Ministério Público (APMP), que criou a Fundação Escola do Ministério Público do Paraná
(Fempar) em 22 de dezembro do mesmo ano.
13http://femparpr.org.br/site/fempar/quem-somos/.
14Resolução PGJ nº 62, de 26.1.2000.
15Resolução PGJ nº 2110, de 25.7.2011.
362
a realidade da prática do cargo. O curso é iniciado com palestras presenciais em Curitiba,
após o que cada participante segue o conteúdo de aulas a distância. A procuradora de
Justiça Samia Saad Gallotti Bonavides, que na época coordenava o CEAF, comentou em
2015, por ocasião do IV Curso de Preparação, que a pretensão do curso era tratar de
temas relevantes, além dos vinculados à atuação resolutiva dos conflitos e sua
prevenção:
363
Figura 1: página inicial do CEAF existente em 2001.
364
A teleconferência, que será transmitida ao vivo, via satélite, dos
estúdios da TV Cidadão, em Curitiba, poderá ser assistida, em todo
território nacional, por meio de antena parabólica, na frequência de
4190 Mhz, transponder 12 B2, polarização vertical, entre os canais 23
e 25. [...] No Estado do Paraná, será também transmitida para os
assinantes de TV a cabo dos sistemas NET [...], TVA [...] e VCC/SOT […]21.
365
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, apresentou a conferência com o tema “O papel
do operador jurídico na democracia”.
Figura 3: registro
Figura 3: registro por
por ocasião
ocasião da
da segunda
segunda teleconferência
teleconferência do
do MPPR,
MPPR,realizada
realizadaem
em
28.9.1999. Da esquerda para a direita: Cristina Maria Suter Correia da Silva, Olympio
28.9.1999. Da esquerda para a direita: Cristina Maria Suter Correia da Silva, Olympio
de Sá Sotto Maior Neto, Gilberto Giacoia, então procurador-geral de Justiça, Eliezer
de Sá Sotto Maior Neto, Gilberto Giacoia, então procurador-geral de Justiça, Eliezer
Gomes da Silva, coordenador do CEAF à época, Amilton Bueno de Carvalho,
Gomes da Silva,
desembargador coordenador
de Justiça do CEAF àeépoca,
e conferencista, Jaime Amilton Bueno da
Peters, diretor de Carvalho,
TV Cidadão.
desembargador de Justiça e conferencista, e Jaime Peters, diretor da TV Cidadão.
22Transmissãovia internet para consumo imediato, sem necessidade de download de arquivos, que permite ao usuário assistir ao
vídeo pelo computador, tablet ou celular.
366
O novo milênio e a reorganização do CEAF
367
trabalharam para ampliar o papel pedagógico no Ministério Público. Até 2008, cerca de
30 termos de convênio e de cooperação técnica foram estabelecidos com diversas
instituições de ensino superior no Paraná.
Assessoria de Imprensa
368
e resguardar a imagem da instituição. Assim, em abril de 2002, a pedido da então
procuradora-geral de Justiça, Maria Tereza Uillle Gomes (2002-2004)31, a Dra. Valéria
Grilo ficou responsável pela estruturação da Assessoria de Imprensa no MPPR, iniciada
pela contratação da jornalista Jaqueline Conte.
Biblioteca
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Foi também criada a Divisão de Periódicos, sem lotação de servidores
específicos, buscando difundir jurisprudência e informação, com auxílio da Biblioteca na
produção de publicações científicas, desenvolvendo a revista Direito & Sociedade, criada
em 2001 e mantida até 2007. Em dezembro de 2014, a iniciativa é reiniciada com o título
Revista Jurídica do Ministério Público do Estado do Paraná, que a partir de 2019 passa a
ser distribuída exclusivamente no formato digital.
Estágios
370
especificados, mas pavimentou o caminho para o estabelecimento do estágio de pós-
graduação38 no Ministério Público e o serviço voluntário a partir de 1º de abril de 200939.
371
01/201741, de 3 de maio de 2017, aprovou o regulamento do Curso de Preparação e
Aperfeiçoamento em Ministério Público, estabelecendo-o como etapa obrigatória no
processo de vitaliciamento dos membros.
Novas instalações
372
Unidades possam desempenhar seus papéis e oferecer um trabalho de qualidade, à
altura da importância do Ministério Público do Paraná para a sociedade.
373
FOTOS DO CONCURSO
CULTURAL CLIQUE CIDADÃO
DO MINISTÉRIO PÚBLICO
DO ESTADO DO PARANÁ
FOTO 1
Juliana de Freitas Alves
FOTO 2
Andressa Osaku
FOTO 3
Tarcis Augusto Schuhli
FOTO 4
Ana Julia Passuello Miranda
FOTO 5
Emidio Trancoso Rodrigues Neto
FOTO 6
Arnaldo Eduardo Gomes
FOTO 7
Carla Arnhold
FOTO 8
Antonio Adriano de Miranda Garcia
FOTO 9
Ka a Krüger
FOTO 10
Luiz Felipe de Souza Prigol
ISSN 2595-6515 (Eletrônico)
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