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O presente crime encontra-se regulado dentro do capítulo referente aos crimes contra a
reserva da vida privada. Se se poderá aceitar genericamente que o conjunto dos
conteúdos descritos como proibidos se enquadra num conceito mais vasto de reserva da
vida privada (considerando assim a vida privada como um em si, um conteúdo proibido
de tratamento informativo), a verdade é que o tipo de protecção subjacente a este tipo
legal não pode, reconduzir-se à mesma ideia que preside ais restantes crimes integrados
no capitulo VII do Código Penal Português. Do que se trata é de garantir a interdição
absoluta, constitucionalmente imposta, do tratamento informático de um conjunto de
dados pessoais que Constituição da República Portuguesa afirma como insindicáveise
da total e plena disponibilidade da pessoa a que se reportam.
Neste tipo ilícito é a privacidade que se afigura como bem jurídico típico. É uma
conclusão imposta tanto pelo elemento sistemático, como sobretudo pela circunstância
de a protecção da área de reserva ser o único referente à pluralidade de condutas e de
objectos da acção abrangidos pela factualidade típica.
Só de forma apressada e redutora poderia confinar-se à área de tutela sugerida pela
epigrafe do preceito: sigilo de correspondência e sigilo de telecomunicações. Para elem
disto, a incriminação cobre igualmente a inviolabilidade de “qualquer outro escrito que
se encontre fechado”. I. é, escritos cuja reserva se pretende assegurar, mas que não se
destina a mediatizar a comunicação entre pessoas nem são confiados aos serviços
postais.
Não se trata da privacidade em sentido material mas, antes, de uma caso paradigmático
da privacidade em sentido formal. Resulta, desde logo, indiferente o conteúdo das
missivas ou das telecomunicações, não se exigindo que versem sobre coisas privadas ou
intimas nem que contendam com segredos. Pode tratar-se de matérias inteiramente
anódinas, da troca de informações comerciais entre empresas ou mesmo da circulação
de ofícios ou protocolos entre órgãos ou agentes da administração pública, em princípio
expostos às regras da transparência. Por outro lado, e sobretudo, há modalidades da
conduta proibida em que nem se quer se exige a tomada de conhecimento do conteúdo.
É o qua acontece com a abertura (de carta, encomenda ou escrito fechado), punida em si
e de per si, mesmo sem acesso ao conteúdo. O que noutros termos, se pune apenas a
ultrapassagem de uma barreira física e o tabu que ela representa e assinala. O que
antecipa a protecção do bem jurídico em causa.
Para alem da privacidade (formal como acima se referiu), como bem jurídico individual,
a incriminação protege ainda, de forma reflexa e derivada, interesses de índole supra-
individual que podemos sintetizar como “a confiança da comunidade na integridade dos
serviços postais e de telecomunicações, é, a confiança de que as missivas, encomendas
e mensagens confiadas aos correios e às telecomunicações chegarão aos seus
destinatários sem perturbações, intromissões ou devassas indevidas.
Quanto ao portador do bem jurídico, nem sempre será fácil identificar com segurança e
rigor. Uma qualificação que, para alem de determinar a atipicidade da respectiva
conduta, prejudica a questão da legitimidade para consentir possam abrir ou tomar
conhecimento.
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Trata-se, em qualquer caso, de uma qualificação não necessariamente ditada pelas
relações de propriedade: portador do bem jurídico não é, por exemplo, o proprietário
dos escritos apreendidos e enviados em carta pelo Ministério Público. Por maioria de
razão, não pode considerar-se portador do bem jurídico o proprietário de um café ou bar
cujo aparelho telefónico é utilizado por um cliente. Portador do bem jurídico é, pelo
contrário, o que confia os seus pensamentos a um escrito fechado ou se decide a
comunicar por via de missiva ou telecomunicações.
O portador do bem jurídico hoc sensu é, por outro lado, o destinatário pessoal e
individualmente considerado e não a instituição a que pertence ou para quem trabalha.
Por exemplo: portador do bem jurídico será o medico do hospital (ou o seu
representante) a quem é dirigida a carta de um doente, e não a administração do
hospital.
O tipo objectivo
Objecto da acção
Como objecto da acção podem afigurar a carta, a encomenda, ou escrito fechado (nº1), e
as telecomunicações (nº2).
A lei penal portuguesa não inclui aqui as fotografias, desenhos ou outras reproduções da
imagem. Para uma recensão sistemática e tao completa como possível, deve começar-se
por clarificar o sentido e alcance típicos do escrito, um conceito genérico cuja
caracterização valerá também para a carta. Que se define pela diferença específica de se
tratar de um escrito destinado a ser transmitido e comunicado a outra pessoa. Enquanto
isto, há escritos que podem destinar-se apenas ao uso, experiência e reflexão dos seus
autores, como um diário, um livro de memorias, etc.
Assim, é indiferente o modo, o tipo e o processo de escrita: pode ser um impresso ou
um manuscrito; pode utilizar caracteres comuns ou estranhos; pode ser escrita
pictográfica ou críptica; pode constar de expressões numéricas ou mesmo de notas
musicais. Para além disso, pode tratar-se de escritos só acessíveis através de
procedimentos técnicos. Por último, será também irrelevante o material utilizado para
incorporar e conservar a escrita.
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revistas, jornais, panfletos publicitários, instruções sobre utilização, funcionamento e
máquinas ou instrumentos, indicações sobre propriedades e posologias de
medicamentos, etc. Mas já pertencerão à factualidade típica as observações, notas ou
dedicatórias pessoais apostas em revista ou livro, bem como as publicações (v.g:
revistas pornográficas) que forem remetidas com a indicação pessoal “reservado” ou
equivalente. É, no entanto, necessário precisar-se que a existência ou não de referência
individual depende sobremaneira das circunstâncias concretas. Assim, e no que toca às
indicações que acompanham os medicamentos: ela será de negar as relações entre os
produtores (ou distribuidores) e as farmácias, mas já poderá ter de afirmar-se nas
relações entre médico e o seu paciente, na medida em que o acesso à literatura do
médico pode permitir conclusões precisas sobre o estado de saúde do paciente.
Para constituírem objecto típico da infração, os escritos têm de estar fechados, uma
exigência que se reveste de particular relevo em se tratando de cartas. É ao fechar a
carta que se dá expressão visível de desejo de confidencialidade. É precisamente este
facto – estar fechada – que define a fronteira da tutela penal do sigilo de
correspondência e dos escritos em geral. Nem sempre será fácil decidir se uma carta ou
escrito estão fechados para este efeito. Tudo dependerá muitas vezes das circunstâncias
concretas (das práticas usuais, dos hábitos) do caso. O que, em geral, se exige é um
procedimento que estabeleça um obstáculo físico à tomada de conhecimento e que só
seja ultrapassável à custa de uma actividade física que pode ou não implicar uma
ruptura material.
Não basta seguramente a mera advertência (oral ou escrita) de que um documento é
reservado ou a sua arrumação num dossier ou uma gaveta aberta. Como não bastam os
códigos pessoais de acesso (v. g., pass-word) a escritos gravado em computador.
Também não podem considerar-se fechados os livros ou revistas envolvidos por
invólucros (transparentes). E que, se impedem reflexamente a tomada de conhecimento
ou a deterioração, visam primacialmente evitar que eles sejam folhados ou lidos antes
de comprados, um interesse económico que não cabe na área de protecção da norma. O
envelope fechado (com cola, selo, agrafos, fio etc.) representará o processo normal de
fechar uma carta, para outros escritos, o cofre, etc.
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com fios por cabo, ondas hertzianas, via satélite e, noutra perspectiva, digitalizada ou
não, etc. nos termos da lei (art.1º, nº2, da L 88\89, de 11 de Setembro) “por
telecomunicações entende-se a transmissão, recepção ou emissão de sinais,
representando símbolos, escrita, imagens, sons, ou informações de qualquer natureza,
por fios, meios radioléctricos, ópticas ou outros sistemas eletromagnéticos.” Assim, e a
par das formas clássicas do telefone e do telegrama, cabem aqui telecomunicações como
o telex, o telefax, a telefoto, correio eletrónico, etc.
Condutas típicas
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texto técnico ou científico e, como tal, inacessível a um agente leigo. Por via disto, não
se toma conhecimento do conteúdo de uma carta ou documento escrito em língua
estrangeira e muito menos caracteres que o agente não conhece. De igual modo, não
toma conhecimento do conteúdo o agente que, não tendo conhecimentos de música, se
confronta com uma partitura; ou, sem quaisquer conhecimentos de matemática, depara
com complexas expressões algébricas. Por outro lado, não se exige o conhecimento
integral do documento, sendo suficiente o conhecimento parcial: basta que o agente
saiba quem foi o remetente da carta.
A terceira modalidade de conduta típica – impedir, por qualquer modo, que seja
recebido destinatário – valerá natural e prevalentemente para as cartas e encomendas.
O impedimento pode concretizar-se por qualquer modo: pela destruição pura e simples;
pela substração definitiva; pela retenção temporária; pelo desvio de um circuito (mais
rápido) para outro (mais lento); pela recusa da entrega invocando (infundadamente) que
o destinatário não é conhecido, etc. Por outro lado, também aqui bastará, para preencher
aa factualidade típica, um impedimento meramente parcial. Por último, deve ter-se que
pode haver impedimento mesmo em casos em que acarta ou encomenda acaba por
chegar – tempestivamente, mas contra as normas – ao destinatário. É o que se passa
com as encomendas à cobrança, quando se faz entrega ao destinatário sem que ele
pague a prestação devida, hipótese em que a encomenda deveria ser devolvida ao
remetente.
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Tipo subjectivo.
A infração só é punível a titulo de dolo, sendo, para o efeito e para qualquer das
modalidades de conduta típica, bastante o dolo eventual. O tipo não contem quaisquer
outras exigências de índole subjectiva.
As causas de justificação
Para além disso, valeram aqui, nos termos gerais e verificados os respectivos
pressupostos, as dirimentes gerias da ilicitude penal, nomeadamente a legitima defesa e
o direito de necessidade. Dirimentes de que não poderão prevalecer-se os agentes da
autoridade para, a custa do sacrifício dos direitos individuais, alargar os meios de
cumprimento das funções de direito público que lhes estão cometidas, i. é, prosseguir os
interesses encabeçados pela administração publica. Concretamente, as instâncias de
perseguição criminal (policias e autoridades judiciarias) não poderão invocar o direito
de necessidade para obter provas a custa da devesa da correspondência e das
telecomunicações, para além dos limites consignados pela a lei processual penal. Elas
devem pelo contrário, ater-se estritamente as exigências de legalidade e de reserva da
lei. Já será diferente se a intervenção das autoridades não tiver finalidade repressiva –
investigar e punir um facto passado – mas antes repressiva, preordenada à salvaguarda,
v. g., da vida, da integridade física ou da liberdade de um refém. Aqui já nada impedirá
a invocação do direito de necessidade, verificados que sejam os respectivos
pressupostos legais.
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Comparticipação
Tratando-se de um crime comum, qualquer pessoa pode figurar como autor. Tal só não
valerá para a pessoa a quem a carta ou escrito é dirigido, o destinatário da
correspondência. Por vias disso, terá de ficar impune a participação de terceiro na acção
do destinatário, dada a ausência de facto principal ilícito. Na hipótese inversa de ser o
destinatário a participar na acção de terceiro também este deverá ficar impune, se
conhecia a participação do destinatário. Porque então a acção do terceiro será atípica ou
ao menos como outros preferem justificada. Se o terceiro não conhecer a participação
de destinatário, a sua conduta valerá como tentativa inidónea.
Concurso
Há concurso aparente com o crime do art.192º (devassa da vida privada) por relação de
consunção, bem como com o do art.384º (violação do segredo de correspondência ou
de telecomunicações), por relação de especialidade. Também haverá concurso aparente
com o crime de Dano (art.213º) se a destruição ou inutilização das coisas não
ultrapassar o que se pode considerar o “facto típico acompanhante” da abertura de uma
carta ou encomenda. Já haverá concurso efectivo nos casos em que o acesso a escritos
fechados se faça à custa da destruição v. g. de um cofre com relevo patrimonial.
Procedimento Criminal
Dispõe o tipo ilícito o seguinte: nº1. Quem, sem consentimento, abrir encomenda, carta
ou qualquer outro escrito que se encontre fechado e lhe não seja dirigido ou tomar
conhecimento, por processos técnicos, do seu conteúdo, ou impedir, por qualquer
modo, que seja recebido pelo destinatário, é punido com pena de prisão até 1 ano ou
com pena de multa até 240 dias.
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3. Quem, sem consentimento, divulgar o conteúdo de cartas, encomendas, escritos
fechados, ou telecomunicações a que se referem os números anteriores, é punido com
pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias.
Violação de correspondência
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Conclusão
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Fonte bibliográfica:
Comentário Conimbricense do Código Penal. Tomo I; dirigido por Jorge de Figueiredo
Dias.
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