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DIREITO CONSTITUCIONAL
TOMO I
DO AUTOR
I — Livros e monografias
II — Lições policopiadas
In — Principais artigos
IV — Colectâneas de textos
V — Obras políticas
MANUAL DE
DIREITO CONSTITUCIONAL
TOMO l
PRELIMINARES
COIMBRA EDITORA
1997
C.G.D.. SÁ
MEDI AT C A
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omposiçao e impressão oimbra Editora, Limitada
Outubro de 1997
A MINHA MÃE
O presente livro nasce do ensino e para o ensino do Direito constitucional. Por isso,
compreende ou aproveita, em grande parte, páginas de lições policopiadas
destinadas aos alunos da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e da
Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa.
É trabalho não completo e não definitivo. Não completo, porque apesar de uma
relativamente longa extensão, não chega a versar todas as numerosíssimas matérias
que hoje cabem no Direito constitucional. Não definitivo, porque ensino é diálogo de
aquisições recíprocas e ensino universitário implica constante renovação (ainda
quando, como sucede em Portugal, se oferecem difíceis as condições de
investigação).
O que seja ele exactamente vem a ser, contudo, desde há muito, ponto de discussão
em diferentes disciplinas. Parece ligar-se ao poder, ao poder político ou, na tradição
clássica, à Civitas, à realização do Homem na Cidade e ao bem comum temporal. Há
quem afirme a sua especificidade irredutível e há quem, pelo contrário, o reconduza a
fenómenos de distinta natureza.
Nos nossos dias, toda esta problemática surge posta, directa ou indirectamente, a
respeito do Estado. É no Estado — organização de governantes e de governados ou
comunidade dos cidadãos — que se patenteia a mais clara luz, pois o Estado constitui
a sociedade política característica dos últimos séculos e, decerto, a mais complexa, a
mais sólida e a mais expansiva da história.
Conhecem-se também as duas perspectivas primárias das quais o Estado pode ser
encarado: como Estado-comunidade e como Estado-poder; como sociedade, de que
fazemos parte e em que se exerce um poder para a realização de fins comuns, e como
poder
12Manual de Direito Consiucional
político manifestado através de órgãos, serviços e relações de autoridade (). Mas estas
perspectivas não devem cindir-se, sob pena de se perder a unidade de que depende a
subsistência do político; e essa unidade é, para o que aqui interessa, uma unidade
jurídica, resulta de normas jurídicas.
Não são apenas os indivíduos (ou os particulares) que vivem subordinados a normas
jurídicas. Igualmente o Estado e as demais instituições que exercem autoridade
pública devem obediência ao Direito (incluindo ao Direito que criam).
Se pode ter-se por exagerada a posição dos autores que assimilam o fenómeno
estadual ao fenómeno normativo, pelo menos é claro que o Estado não pode ser
compreendido sem Direito — que transforma os homens em cidadãos, que estabelece
as condições de acesso aos cargos públicos, que confere segurança às relações entre os
cidadãos e entre eles e o poder.
Do mesmo modo, o povo e o território não são o povo e o território do Estado senão
em termos de Direito — Direito interno desse Estado e Direito internacional. A
pertença de alguém ao povo depende das leis da nacionalidade ou cidadania e envolve
determinado
() Por errada, deve, desde já, afastar-se a referência ao Estado como «nação
politicamente organizada» — pois são realidades diferentes a nação e o Estado, e a
organização em si é sempre jurídica.
Preliminares 13
E isto que é muito não abarca tudo. Há ainda que observar que, no desenvolvimento
de toda a sua actividade, o Estado e as demais entidades públicas (regiões autónomas,
autarquias locais, institutos públicos, associações públicas, etc.) têm de se mover
segundo regras jurídicas — sejam quais forem as fontes donde essas regras pro
venham (nomeadamente de natureza legal ou consuetudinária), o conteúdo e o sentido
que possuam, as concepções que lhes presidam e os processos de agir que instituam.
3. O Direito constitucional
Chama-se também Direito político, por essas serem normas que se reportam directa e
imediatamente ao Estado, que constituem o estatuto jurídico do Estado ou do político,
que exprimem um particular enlace da instância política e da instância jurídica das
relações entre os homens.
Qualquer Estado, em qualquer época e lugar, postula sempre normas com tal função.
O que não podem deixar de variar são a intensidade, a extensão e o alcance dessas
normas e as funções conexas ou complementares que se lhes prendam. E variam não
apenas em virtude das condições gerais de conservação ou de modificação do
ordenamento mas sobretudo em virtude dos fins e dos modos de exercício do poder e
das posições recíprocas de governantes e governados (em que consistem os regimes,
as formas de governo, os sistemas políticos).
se distancia muitíssimo das linhas ideológicas iniciais deste, está associado a noções
de Constituição material, formal e instrumental antes desconhecidas. E o Direito
constitucional assim balizado que se toma, por seu turno, alvo de um tratamento
científico e didáctico especializado — aquele que leva a cabo a ciência do Direito
constitucional e a que não pode comparar-se o rudimentar e vago tratamento do
precedente Direito público () (2).
Por outro lado, não raro, ao adoptar-se a expressão Direito político segue-se uma
visão restritiva do seu âmbito, circunscrevendo-o à organização e à limitação jurídica
do poder político. Ou seja: reduz-se o Direito político ao Direito do Estado-poder e
relega-se para fora ou para diferentes zonas tudo quanto concerne ao Estado-
comunidade. Porém, esta maneira de entender deve ter-se por insatisfatória, pois não
pode haver estatuto de poder sem estatuto da comunidade política a que se reporta,
nem limitação da autoridade dos governantes sem consideração da liberdade dos
governados.
() Sobre a formação do Direito constitucional, v., por agora, entre tantos, GARCIA
PELAYO, Derecho Constitucional Comparado, 8. ed., Madrid, 1967, págs. 22 e
segs.; COSTANTINO MORTATI, Diritto Costituwnale (noione e caratteri), m
Scritti, n, Milão, 1972, págs. 25 e segs.; NELSON SALDANHA, Formação da Teoria
Constitucional, Rio de Janeiro, 1983; ou PAUL BASTID, UIdée de Constitution,
Paris, 1985.
(2) A locução Direito constitucional terá aparecido em 1797 e terão sido autores
italianos (COMPAGNONI, Dl Luzzo, PELLEGRINO Rossi) que, primeiro, a terão
empregado.
(3) MAURICE HAURIOU, Précs de Droit Constitutionnel, 2.” ed., Paris, 1929, págs.
611 e segs.
(4) KONRAD HESSE, Escritos de Derecho Constitucional, trad., Madrid, 1983, Pág.
17.
16Manual de Direito Constitucional
suas normas.
Mais do que um ramo a par de outros, o Direito constitucional deve ser apercebido
como o tronco da ordem jurídica estatal (mas só desta), o tronco donde arrancam os
ramos da grande árvore que corresponde a essa ordem jurídica (2). Integrando e
organizando a comunidade e o poder, ele enuncia (na célebre expressão de
PELLEGRINO Rossi) as têtes de chapitre dos vários ramos do Direito, os princípios
fundamentais que os enformam; e enuncia-os, porque tais princípios revestem um
significado político, identificam-se com as concepções dominantes acerca da vida
colectiva, consubstanciam uma ideia de Direito.
Este fenómeno toma-se muito patente nas últimas décadas com a maior eficácia
adquirida pelas normas constitucionais e com o cumulativo incremento dos
mecanismos jurisdicionais ou parajurisdicionais de fiscalização da constitucionalidade
(2).
(3) Cfr., quanto ao Brasil (ainda antes da Constituição de 1988), MIGUEL REALE,
Lições Preiminares de Direito, .10.” ed., Coimbra, 1982, págs. 338-339.
dia para todo o ordenamento, como mostram bem, entre nós (como noutros países) as
reformas legislativas e a jurisprudência desde 1976 ().
Nem por isso, porém, cada um dos ramos deixa de se desenvolver num conglomerado
de preceitos e até de princípios próprios — necessariamente, para subsistirem, não
discrepantes daqueles — formulados em atenção à sua problemática particular e às
exigências científíco-culturais a que cabe responder.
(3) Sobre a distinção entre Direito público e Direito privado, v., designadamente,
GUSTAV RADBRUCH, Filosofia do Direito, 4. ed. portuguesa, Coimbra, 1961, li,
págs. 5 e segs.; CHARLES EISENMANN, Droit public et droit prive (en marge d’un
livre sur 1’évolution du droit civilrançais du XIX’ au XX siècle), in Revue du droit
public, 1952, págs. 903 e segs.; JULIEN FREUND, L’ essence du politique, Paris,
1965, págs. 280 e segs.; ORLANDO DE CARVALHO, A Teoria Geral da Relação
Jurídica — Seu sentido e limites, Coimbra, 1970, págs. 9 e segs.; NORBERTO
BOBBIO, La grande dicotomia, m Studi in memória di Cario Esposito, obra
colectiva, iv, Pádua, 1974, págs. 2187 e segs.; GUSTAVO R. VELASCO, Sobre Ia
división
Preliminares 19
(i) O surto destas expressões tem, contudo, o risco de inculcar uma desagregação da
unidade da Constituição.
20Manual de Direito Constitucional
para com os administrados (). Surgido, tal como o Direito constitucional, com o
constitucionalismo, nele perpassa a tensão entre o poder de decisão e de execução dos
órgãos administrativos e a necessidade de defesa dos direitos e dos interesses dos
administrados. O princípio da legalidade da administração pressupõe o da
constitucionalidade da lei.
Haverá então que apelar, de novo, para os critérios decorrentes do significado dos
preceitos à luz dos valores e concepções que presidem à legitimação e ao exercício do
poder político: será de Direito constitucional tudo quanto estiver em relação imediata
com esses valores, será de Direito administrativo tudo quanto contender com a sua
concretização ou efectivação, por meio das formas próprias de agir da Administração.
Mais aprofundada reflexão não pode ser feita nesta altura (2).
In — Da mesma maneira que, por exemplo, a Ciência do Direito civil ostenta a marca
dos factores de estabilidade ou instabilidade familiar, profissional, técnica e
económica, a Ciência do Direito constitucional acompanha e reflecte a experiência
constitucional (ou político-constitucional), com as suas vicissitudes de evolução e
ruptura.
Não é tão pouco por acaso que a Ciência do Direito constitucional emerge em
Portugal tão embrionária. Se ela não tem sido muito cultivada, isso deve-se também
ao constitucionalismo português ter andado aos saltos, ter passado por largos túneis e
ter havido até momentos de destruição ou involução, com a consequente falta de
instituições consolidadas. Daí, em contraste com a abundância e a pujança de
civilistas, o pequeno número de constitucionalistas a lembrar (SILVESTRE
PINHEIRO-FERREIRA, LOPES PRAÇA, JOSÉ FREDERICO LARANJO,
MARNOCO E SOUSA, ROCHA SARAIVA, JOO MAGALHÃES COLAÇO,
FEZAS VITAL, MARCELLO CAETANO) e a escassez tanto de monografias como
de obras gerais vindas a lume (1).
A Teoria Geral ou Doutrina Geral do Direito público procura, da mesma forma que a
Teoria Geral do Direito civil e, de certo modo, em reacção contra tendências
demasiado privatísticas da Teoria Geral do Direito, encontrar esquemas e categorias
comuns às várias disciplinas de Direito público — assim, v. g., os conceitos de pessoa
colectiva pública, atribuições, órgão, deliberação, função, competência, poder
funcional, acto, procedimento, processo.
A Teoria Geral do Estado, por seu turno, pode ser tomada ou como construção judica
do Estado, das suas condições de existência e das suas manifestações vitais, ou
(menos frequentemente) como enquadramento do Estado na dupla perspectiva de
realidade jurídica e realidade social (). Em qualquer dos casos, visa o Estado em si ou,
melhor, certo tipo de Estado, não este ou aquele Estado localizado (2).
(2) Sobre a doutrina portuguesa de certo período, v. Rui MACHETE, A Teoria Geral
do Estado em Portugal nos últimos vinte anos, in O Direio, ano 97.”, págs. 93 e segs.
e 185 e segs.
Preliminares 25
(2) Mas sem recusar esse conhecimento e sem esquecer que as normas constitucionais
não se identificam com um texto qualquer (pois o Direito é sempre mais que o texto).
(3) Cfr. GOMES CANOTILHO, op. cit., págs. 245 e segs.; FULCO LANCHESTER,
Alcune riflessioni sulla storia costituionale, in Quaderni Costituionali, 1994, págs. 7 e
segs.; FRANCESCO BONINI, Uno Satuto controverso — Consideraim sulla storia
costituzionale, ibidem, 1995, págs. 95 e segs.
26Manual de Direito Constitucional
Diversamente, se colhermos como objecto de comparação Constituições situadas em diversos tempos, iremos
elaborar um Direito constitucional comparado que apelidaremos de sucessivo. E esta comparação sucessiva pode
ultrapassar o âmbito de um só país, bem pode recair sobre Constituições de diferentes países em diferentes épocas.
Por vezes, é mesmo imprescindível:
por exemplo, para compreendermos as regiões autónomas na Constituição actual, teremos de a confrontar com as
Constituições espanhola de 1931 e de 1978 e com a italiana de 1947; e, para compreendermos a fiscalização da
constitucionalidade das leis, teremos de levar em linha de conta quer as Constituições de 1911 e 1933 (bem como
as versões de 1976 e de 1982 da Constituição actual) quer a prática jurisdiciona americana quer as Constituições
brasileira de 1891 e austríaca de 1920 ().
Quando a comparação incida sobre um número relativamente grande de ordenamentos jurídicos, tendo em vista
uma crescente generalização com base em elementos comuns, o Direito constitucional comparado tende a passar a
Direio constitucional geral (em contraste com o Direito constitucional particular de cada Estado). E o Direito
constitucional geral não pretende ser senão um esforço de formação de conceitos, esquemas, tipos ideais
reveladores da unidade fundamental de instituições dentro de cada continente ou de cada região ideológica, dentro
do mesmo país em diversas épocas e até dentro do mundo (2). No limite, pode chegar a identificar-se com a Teoria
Geral do Estado.
In — Não levanta nenhum problema a distinção entre Direito comparado e História do Direito a propósito da
comparação simultânea no presente. Pelo contrário, algumas dificuldades podem suscitar-se acerca da comparação
simultânea no passado e da comparação sucessiva.
(2) Cfr. SANTI ROMANO, op. c/r., págs. 11 e segs.; GARCIA PELAYO, op. cit.,
págs. 21-22; ALESSANDRO PIZZORUSSO, La Comparazione Giuridica e U Diritto
Pubblico, in L’Apporto dela Comparaione ala Scienza Giuridica, obra colectiva,
Milão, 1980, págs. 70 e segs.
28Maa! de Direito Constitucional
Em princípio, a comparação no passado não deixa de valer como verdadeira comparação. Porém, ela tende a ser
subsidiária da História, pois se destina em geral a permitir melhor apreender certas situações histórico-jurídicas ou
os condicionalismos históricos de certo sistema. Pode fazer-se o confronto de duas Constituições, devido às suas
interinfluências ou por a primeira a ser decretada ter vindo a ser fonte da segunda.
Quanto à comparação sucessiva, as dúvidas põem-se sobretudo quando tenha por objecto Constituições, institutos
ou preceitos em conexão temporal imediata ou contiguidade. Como distinguir um estudo comparativo sobre as
Constituições de 1911, 1933 e 1976 de um estudo histórico sobre as mesmas Constituições?
A diferença consiste no seguinte: o Direito comparado tem por fim o estabelecimento de relações de semelhança
ou diferença, de afinidade ou repulsa entre institutos e sistemas; a História tem por fim o estabelecimento de
relações de causa e efeito entre institutos e sistemas que se sucedam cronologicamente (); o primeiro acarreta uma
visão de predominância estática, mesmo se reportada a realidades sucessivas; a segunda uma visão dinâmica e
genética mesmo se localizada em dada época; aquee envolve abstracção; esta requer inserção num vasto panorama
institucional e social.
O exame paralelo das três Constituições republicanas portuguesas (e das suas revisões) cabe ao Direito
comparado, sempre que procure atentar nos elementos individualizadores e os procure interpretar como idênticos
ou opostos. Por exemplo: conhecidas as normas que regem a competência legislativa do Parlamento e do Governo
promover-se-á comparação se, independentemente de considerações de outra ordem, se focar tão somente o seu
conteúdo preceptivo.
Mas a História do Direito não se reduz àquilo por que se aproximam ou separam as duas Constituições. Revea-nos
a medida em que a conformação de um instituto num momento anterior terá contribuído para a sua conformação
num momento posterior e, principalmente, a medida em que a justificação de um novo instituto se encontra na
concepção e na prática de um instituto que o precedeu. Estaremos indubitavelmente em História do Direito
constitucional ao indagarmos até que ponto a prática do sistema do governo em certo momento terá determinado a
adopção de um sistema de governo diferente (ou radicalmente oposto) num momento posterior.
(i) Desnecessário será advertir que um instituto jurídico não é causa de outro como se
ambos fossem fenómenos físicos.
Preliminares 29
a Sociologia Política estuda o fenómeno político situado no domínio mais vasto dos
fenómenos sociais e pretende conhecer as acções recíprocas entre o Estado e outras
manifestações da vida social, pretende conhecer a acção e reacção que existe entre o
fenómeno político e os demais fenómenos sociais; a Ciência Política descreve e
analisa os sistemas políticos; a Sociologia Política procura explicá-los através de
métodos sociológicos adequados (3).
(3) Cfr., por todos, ARMANDO MARQUES GUEDES, op. cit.. págs. 26 e segs., ou
RALF DAHRENDORF, Sociedade e liberdade, trad., Brasília, 1981.
Preliminares 31
Quanto à Ciência Política Comparada, ela está para a Ciência Política como o Direito
Constitucional Comparado para o Direito Constitucional (2).
(2) V., por exemplo Comparativ Politics, obra colectiva editada por Harry Eckstein e
David E. Apter, Nova Iorque, 1963; Comparativ Government, obra colectiva editada
por Jean Blondel, Londres, 1969; STEIN ROKKAN, Citizens, Etections. Parties,
Oslo, 1976; MANUEL JIMENEZ DE PRAGA, Los Regmenes Polticos
Contemporâneos, 5.° ed., Madrid, 1974; GARRY K. BERTCH e outros, Comparing
Political Systems: Power and Policy in Three Worids, Nova Iorque, 1978;
(3) Dois exemplos: HANNAH ARENDT, On Revolution, Nova Iorque, 1962 (trad.
Sobre a Revolução, Lisboa, 1971), com uma história comparada das grandes
revoluções modernas; ADRIANO MOREIRA, Sistemas políticos de conjuntura, in
Estudos Políticos e Sociais, 1968, págs. 285 e segs. (e in Poítica Internacional,
Lisboa,
1970, págs. 287 e segs.).
32Manual de Direito Constitucioal
contrário, o Direito está acima e para além da lei; há valores suprapositivos a atender,
únicos que lhe podem imprimir razão e permanência; a elaboração científica implica o
apuramento de conceitos, mas não se esgota na sua concatenação; o sistema é
confrontado com a mediação do problema (); a lógica fornece processos de raciocínio,
não fornece soluções.
No que à nossa disciplina em especial importa, haverá que contar com a directa
relação entre a Constituição e aquilo que se tem chamado realidade constitucional, ou
realidade política, económica, social e cultural que lhe subjaz, a que pretende aplicar-
se e de que depende, em maior ou menor medida, o seu modo de vigorar (4). E haverá,
por conseguinte, com espírito aberto — embora sem sincretismo — de saber
apreender os contributos da Ciência Política e das outras disciplinas há pouco
indicadas (5).
(2) Cfr., entre tantos, RENATO TREVES, Diritto e Culura, reimpressão, Roma,
1989.
(3) Cfr., em geral, JOÃO BAPTISTA MACHADO, op. cit., págs. 253 e segs., ou
GUSTAVO ZAGREBELSKY, // Diritto Mitte, Turim, 1992, pág. 166.
uma ciência política como doutrina dos poderes criadores do Direito é indispensável
para a compreensão dos problemas constitucionais.
3 — Man. Dir. Const.. l
34Manual de Direito Constitucional
Mas não há estudo sem leitura — leitura criteriosa, dirigida ao essencial, atenta, com tempo para assimilação.
II — Antes de mais, para situar e entender devidamente o fenómeno político e o Direito constitucional importa ler,
ou reler: primeiro, os grandes filósofos desde PLATO e ARISTÓTELES a S. TOMÁS, KANT ou HEGEL; depois,
os principais doutrinadores e teóricos do Estado moderno, como MAQUIAVEL, BODIN, SUAREZ ou HOBBES;
enfim, os do constitucionalismo, como MONTESQUIEU, Rous-
SEAU, HAMILTON, MADISON e JAY, SlEYÈS, BENJAMIN CONSTANT OU ALEXIS DE TOCQUEVILLE.
— IVOR JENNINGS, The Law and the Constitution, 5.’ ed., reimpressão, Londres,
1967;
E em Portugal:
Legislação; Polis.
PARTE I
TÍTULO I
O ESTADO NA HISTÓRIA
CAPÍTULO I
§ 1.°
Seja qual for a essência do político e, portanto, do Estado (), há três maneiras
principais de encarar as relações entre um e outro conceito. O Estado é político, mas
todo o político é estadual?
(2) Cfr. MAURICE HAURIOU, op. cit., págs. 78 e segs.; LAWRENCE KRADER, A
formação do Estado, trad., Rio de Janeiro, 1970; ELMAN R. SERVICE, Lãs origenes
dei Estado y de Ia civiliación, trad. castelhana, Madrid, 1975; MANUEL DE
LUCENA, Ensaio sobre a origem do Estado, in Análise Social, n.” 48, 1976, págs.
917 e segs.; JEAN WILLIAM LAPIERRE, Vivre sans l’État? — Essai sur lê pouvoir
politique et 1’innovation sociale, Paris, 1977; The Early State, obra colectiva editada
por HENRI J. M. CLAESSEN e PETER SKALNIK, Haia, 1978; BERTRAND
BADIE, Culture et Politique, Paris, 1983; GEORGES BALANDIER, Anhropologie
Politique, 2. ed., Paris, 1991.
Parte l—O Estado e os sistemas constitucionais 45
(3) Cfr. GEORGES BURDEAU, Traité de Science Politique. l, 2.” ed. Paris, 1966,
págs. 476 e segs.; e, doutra óptica, F. H. HINSLEY, Sovereignity, trad. castelhana El
concepto de soberania, Barcelona, 1972, págs. 10 e segs.
46Manual de Direito Constitucional
Quanto mais uma sociedade global é heterogénea, quanto mais integra grupos ou
estratos diferentes pela cultura, pela posição social e pelo papel na divisão de trabalho
tanto mais o seu sistema político tende a organizar-se em funções diferenciadas,
especializadas, ligadas umas às outras por uma rede complicada de relações
hierárquicas ().
Não surpreende, naturalmente, a variedade histórica das formas por que o Estado
aparece, em correlação com as causas locais do acontecimento (4).
() JEAN-WILLIAN LAPIERRE, op. cit., págs. 167 e segs. Apresenta nove graus de
diferenciação e de complicação na organização política (págs. 95-96).
Estas características têm de ser vistas em conjunto e não isoladamente (até porque
algumas delas se encontram noutras sociedades, políticas e até não políticas).
() BURDEAU, op. cit., i, págs. 488 e segs., n, 1967, págs. 145 e segs.
() Cfr., por todos, GIANFRANCO POGGI, The State — Its Nature, Development and
Prospects, Cambridge, 1990, págs. 4 e segs.
(2) V. MAX WEBER, op. cí?., n, págs. 1060 e segs., ou J. KENNETH GALBRAITH,
Anatomia do Poder, trad. portuguesa, Lisboa, 1987, págs. 159, 163 e segs.
(3) Cfr. ADRIANO MOREIRA, Ciência Política, Lisboa, 1979, pág. 22.
(4) Cfr. JOSEPH R. STRAYER, On the Medieval Origins ofthe Modern State, trad.
portuguesa A origens medievais do Estado Moderno trad., Lisboa, 1985, págs. 11 e
segs.
Outra coisa vem a ser, porém, o problema teórico da definição do território como
elemento do Estado, conforme alguns escritores pretendem.
Por outro lado, não poucas diferenças derivam da maior ou menor fixidez dos limites
do território e da sua maior ou menor importância, da variação da extensão média do
território de época para época ou de zona para zona, dos efeitos jurídicos maiores ou
menores da residência no território do Estado (quanto a cidadania ou nacionalidade,
direitos e deveres, etc.) e da divergência de sentidos do princípio do exclusivismo do
poder territorial ().
Quer como ideia ou concepção judica ou política (2) quer como sistema institucional,
o Estado não se cristaliza nunca numa fórmula acabada; está em contínua mutação,
através de várias fases de desen volvimento progressivo (às vezes regressivo); os fins
que se propõe impelem-no para novos modos de estruturação e eles próprios vão-se
modificando e, o mais das vezes, ampliando.
() Cfr. Manual..., III, 3.° ed., Coimbra, 1994, pp. 219 e segs.
outros. E tais são o Estado oriental, o grego, o romano, o medieval e o moderno ().
9. O Estado oriental
(2) Cfr., por exemplo, Nicos POULANTZAS, Poder político e classes sociais, trad.,
Porto, 1971, l, págs. 156 e segs.; ou CARLOS DE CABO MARIN, Teoria histórica
dei estado y dei derecho constitucional, 1 vols., Barcelona, 1988 e 1993.
(3) V., entre tantos, OTTO HINIZE, Staat und Verfassung, 1962, e Sowlogie und
Geschichte, 1964, trad. castelhana Historia de Ias formas polticas, Madrid, 1968,
págs. 15 e segs.; A. APPADORAI, The Substance ofPolitics, IO. ed. Madrasta, 1965,
págs. 175 e segs.; MANUEL ANTUNES, Governo, m Enciclopédia Verbo, ix, págs.
845
e segs.
(2) Cfr., por todos, MANUEL GARCIA PELAYO, Lãs formas políticas dei Antíguo
Oriente, 2.” ed., Caracas, 1993.
(3) Cfr. NIYAZI YELTEKIN, La nature juridique dês droits de 1’homme, Lausana,
1950, pág. 170; ou RAPHAEL DRAI, État de droit et ailiance prophétiqe dans lê
droit hébraique, m Droits—revue française de théorie juridique, 15, 1992, págs. 51 e
segs.
(5) Apesar das tentativas havidas. Cfr. GEORGE TÉNÉKIDÈS, Droit international et
communautés fédérales dans Ia Grèce dês Cies, m Recueit dês Cours, 1956, li, págs.
475 e segs.
Parte I—O Estado e os sistemas constitucionais 53
A democracia tal como é concebida pode aplicar-se (sem esquecer outros aspectos) a
célebre distinção de BENJAMI CONSTANT entre liberdade dos antigos e liberdade
dos modernos (4), próxima da distinção entre liberdade-participação e liberdade-
autonomia de alguma teorização constitucional dos séculos xix e xx.
(2) O que não quer dizer que não existam elementos representativos: v. J. A. O.
LARSEN, Representative Government in Greek and Roman History, Berkeley e Los
Angeles, 1966.
(3) Assim, por todos, WERNER JAEGER, Alabana de Ia ley, trad., Madrid,
1982, pág. 35.
(4) De Ia liberte dês anciens comparée à cê lie dês modernes, 1815 (in Cours de
Politique Constitutionnele, iv Paris, 1820, págs. 238 e segs.).
54Manual de Direito Constitcional
as leis, em pronunciar sentenças, em examinar as contas, os actos e a gestão dos magistrados, em fazê-los
comparecer perante o povo, em submetê-los a acusações, em condená-los ou em absolvê-los; mas, ao mesmo
tempo que se dava isso que os antigos chamavam liberdade, eles admitiam como compatível com tal liberdade
colectiva a sujeição completa do indivíduo à autoridade do conjunto. — Todas as acções privadas estavam sob
uma vigilância severa. Nada era concedido à independência individual, nem no tocante à religião. A faculdade de
escolher o seu culto, faculdade que nós olhamos como um direito dos mais preciosos, teria parecido aos antigos
um crime e um sacrilégio. Nas coisas que nos parecem mais úteis, interpõe-se a autoridade do corpo social e afecta
a vontade dos indivíduos. — Nas relações mais domésticas, intervém ainda a autoridade.
«Assim, entre os antigos, o indivíduo, soberano quase habitualmente nos assuntos púbicos, é escravo nos assuntos
privados. Como cidadão, decide da paz e da guerra; como particular, aparece circunscrito, observado, reprimido
em todos os seus movimentos; enquanto porção do corpo colectivo, ele interroga, destitui, condena, despoja, exila,
fere de morte os seus magistrados ou seus superiores; enquanto submetido ao corpo colectivo, pode, por sua vez,
ser privado do seu estado, despojado das suas dignidades, banido, condenado à morte pela vontade discricionária
do conjunto de que faz parte. Entre os modernos, pelo contrário, o indivíduo, independente na sua vida privada,
não é soberano, mesmo nos Estados mais livres, senão na aparência...» () (2).
«A política era um assunto de todos os cidadãos, mas, entretanto, todos os assuntos dos cidadãos eram assuntos
políticos» (CHRISTIAN MEIER).
«Os cidadãos antigos não usufruem de direitos do homem e do cidadão e nem sequer de liberdade no plural ou no
singular, mas só de deveres....
(2) Cfr. as observações criticas de JELLINEK, op. cit., págs. 223 e segs.; e, doutros
prismas, GIULIANO CRIFÒ, Rapports entre 1’égalité et Ia liberte dans lê monde
ancien et particulièrement dans Ia Rome républicaine, in L’Égalité, obra colectiva,
viu, Bruxelas, 1982, págs. 431 e segs.; GEORGES TÉNÉKIDÈS, La Cite d’Athènes et
lês droits de 1’homme, m Protecting Human Rigths: lhe European Dimension-Studies
in honour ofGêrard J. Wiard, obra colectiva, Colónia, 1988, págs. 605 e segs.;
GEORGES VLACHOS, La Republique dês Athéniens, État de droit et de justice. Lê
témoignage de Démosthéne, in Revue internationale de droit compare,
1993, págs. 843 e segs.
Pare I—O Estado e os sistemas constitucionais 55
Todavia, apesar de a polis ser algo de essencial, superior e insubstituível, não deixa a
cultura helénica de, no limite, prefigurar um direito de desobediência a leis injustas
(ANTÍGONA) (2).
(2) Recorde-se a tragédia de SÓFOCLES (de que há tradução portuguesa, por MARIA
HELENA DA ROCHA PEREIRA, Coimbra, 1984).
(3) NORBERTO BOBBIO, Teoria delle Forme di Governo, Turim, 1976, págs. 16 e
segs.; e, entre nós, CABRAL DE MONCADA, Filosofia do Direito e do Estado, l,
Coimbra, 1953, págs. 11 e segs.; SILVA CUNHA, História breve das ideias políticas,
Porto, 1982, págs. 43 e segs.; DIOGO FREITAS DO AMARAL, Ciência Política, i,
1994.
56Manual de Direito Constitucional
lias e das gentes; e continua a ser um Estado de base municipal, ainda quando organiza um vastíssimo império em
três continentes.
Conforme escreve um Autor, no mundo antigo não domina uma concepção cosmopolito-igualitária, mas antes
aristocrática. O homem como tal possui direitos na medida em que faz parte de uma comunidade política (em
sentido lato). O direito não é qualquer coisa de inato, mas, pelo contrário, de adquirido, conquistado e mantido: os
membros de uma comunidade vencida na guerra não têm direitos a não ser por concessão especial. O sistema
político antigo aparece como um sistema de desigualdade e de exclusão recíproca. Da perspectiva de cada Estado,
o direito político subjectivo dispõe-se em círculos concêntricos e escalonados, tanto mais largos e mais fixos
quanto a quantidade de direitos políticos é menor até ao não-direito; e a igualdade só existe no interior de um
mesmo círculo.
Em Roma, quem se encontra fora do círculo do Estado é hostis; o que se encontra no raio menor do império, mas
fora da rés publica é hostis submetido — servus, dediticius, súbdito ou cliente; o que se encontra no raio menor,
mais próximo da rés publica, embora, ainda assim, fora dela, é o aliado — socius, amicus; o que se acha na
sociedade de rés publica, mas fora do governo, é o civis, o qual toma parte na assembleia do popuius; o que se
encontra no interior da esfera do governo, visto que tem a pretensão de governar, é o nobilis da aristocracia; e este,
na medida em que tem o poder executivo, é o magistratus e, na medida em que tem o direito de o controlar, é o
pater, membro do Senado ().
A rés publica corresponde a libertas, quer a libertas que o civis plebeu considera aequa, quer a que o patrício
reclama como liberdade de governar e de ser governado e que, em face do plebeu, representa a dignitas. E é assim
que a rés publica se contrapõe ao regnum, domínio de um só, porque no regnum a igualdade é só no estado de
sujeição (todos iguais, porque todos igualmente subordinados à vontade de um só) (2).
— O desenvolvimento da noção de poder político, como poder supremo e uno, cuja plenitude — imperium,
potestas, majes-
() GIULIANO CRIFÒ, op. ci., loc. cit., págs. 428-429. (2) Ibidem, pág. 438.
Parte I — O Estado e os sistemas constitucionais 57
tas () — pode ou deve ser reservada a uma única origem e a um único detentor (2);
- A consciência da separação entre o poder público (do Estado) e o poder privado (do
pater famlias) e a distinção entre Direito público e Direito privado;
-A consideração como direitos básicos do cidadão romano não apenas do jus suffragii
(direito de eleger) e do jus honorum (direito de acesso às magistraturas) mas também
do jus connubii (direito de casamento legítimo) e do jus commercii (direito de
celebração de actos jurídicos);
(2) Diz JELLINEK (op. cit. pág. 235) que, no mundo ocidental, foi em Roma que pela
primeira vez o povo na totalidade apareceu corporizado numa única pessoa, o
princeps. Mas a personalização do poder que se verifica durante o principado leva
alguns a falar numa síntese entre Cidade-Estado grega e despotismo oriental (assim,
MANUEL ANTUNES, toe. cit.). Cfr. ainda DANIEL VALLE RIBEIRO, O
Principado: origem e ideologia, in Revista Brasileira de Estudos Políticos, n.0 69-70,
Julho de 1989—Janeiro de 1990, págs. 135 e segs.
A pessoa toma-se agora um valor em si, por criada à imagem e à semelhança de Deus;
todos os homens são pessoas com igual dignidade («Não há judeu, nem grego, não há
escravo, nem homem livre...»), chamados à «liberdade dos filhos de Deus»; e o
espiritual é distinto do temporal («Dai a César o que é de César e a Deus o que é de
Deus») (2).
(2) Cfr., por todos, JÚLIO NAVARRO MONZÓ, Los problemas de Ia democracia, m
Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, ano xm, 1932-1934,
págs. 49 e segs.; FRANZISKUS STRATMANN, Cristo e o Estado, trad., Lisboa,
1956.
Parte l—O Esado e os sistemas constitucionais 59
I — A Idade Média, a Idade Média europeia (2), divide-se em duas grandes fases: a
das invasões e a da reconstrução. A sua história resume-se grosso modo na passagem
da insegurança geral à pequena segurança local, lentamente alargada, e na passagem
da decomposição ou da ausência de poder a uma situação complexa, com o poder real
estreitado entre a autoridade universal da Igreja e o poder parcelar (coexistente ou
não) dos barões e dos senhorios corporativos.
Num e noutro período, não há Estado com as características que geralmente se lhe
apontam, na quase totalidade do Continente. Por certo, não são de esquecer o Império
Romano do Oriente, que irá sobreviver até 1453 (3); os reinos das invasões bárbaras
(como o dos Suevos, com capital em Braga, e o do Visigodos); o Império Carolíngio e
os inícios do Sacro Império Romano-Germânico. Estes foram Estados, mas, de modo
algum, identicadores das concepções e das formas políticas medievais, fosse pelo seu
progressivo afastamento do Ocidente (caso de Bizâncio), fosse pela sua precariedade
ou duração efémera (os reinos bárbaros e os dois Impérios).
() Die politischen Religionen, 1938, trad. francesa Lês Religions Politíques, Paris,
1994, pág. 58.
(2) Porque outras áreas geográficas e civilizacionais (v. g., a índia ou o Japão)
também tiveram as suas Idades Médias.
(3) Cfr. (mas só considerando a relação com a Igreja) STEVEN RUNCIMAN, The
Byzantine Teocracy, 1977, trad. portuguesa A Teocracia Biantina, Rio de Janeiro,
1978.
Insistindo na distinção entre lei divina e lei humana ou entre lei eterna, lei natural e lei
humana e analisando a contradição entre lei humana e lei natural, a Escolástica com S.
TOMÁS DE AQUINO (Summa Teológica), sobretudo viria, mais tarde, a enfrentar o
problema da lei injusta e a admitir o direito de resistência em certas condições (!).
Finalmente, na Baixa Idade Média, alguns sectores intelectuais viriam a sustentar que
o poder vinha de Deus per populwn (S. TOMÁS)
(i) Sobre a conexão entre a investidura do Rei «por graça de Deus» e o direito de
resistência, cfr. Oo BRUNNER, Neue Wege der Verfassung und Soialgeschichte,
Gotinga, 1968, trad. italiana Per una una nuova storia costituonale e sociale, Milão,
1970, pág. 172.
Parte I—O Estado e os sistemas constitucionais 61
ou até que o pactum subjectionis não punha em causa o poder de raiz do povo
(MARSÍLIO DE PÁDUA).
Além das grandes abadias monacais, as estruturas urbanas autónomas que vão
surgindo — comunas ou concelhos, corporações de mesteres, universidades, etc. —
cada qual com a sua função, desenvolvem-se (ou formam-se e desenvolvem-se) à
margem de qualquer estrutura administrativa centralizada.
E porque não há uma relação geral e imediata entre o poder do Rei e os súbditos, os
direitos são a estes conferidos não enquanto tais, individualmente considerados, mas
sim enquanto membros dos grupos em que se integram; são direitos em concreto e em
particular, como expressão da situação de cada pessoa; direitos que se apresentam
como privilégios, regalias, imunidades que uns têm e outros
() V., por todos, MAX WEBER, op. cit., l, págs. 204 e segs., e n, págs. 810 e segs.
(3) QUEIROZ LIMA, Teoria do Estado, 8.” ed. Rio de Janeiro, 1957, pág. 81.
IV — Naturalmente, o papel da Igreja avulta nesta época, tal como já avultara aquando da queda do Império do
Ocidente, se bem que em circunstâncias e em moldes diversos.
Como escreve ALFREDO VON MARTIN, à Igreja Universal, muito centralizada, contrapõe-se uma
multiplicidade de grupos, de irradiação local, entre os quais o vínculo de coesão é muito ténue. Na sociedade
medieval, o factor decisivo de organização tanto política quanto cultural vem a ser uma instituição em rigor «não
medieval», de base jurídica-política, e estruturada segundo um princípio racional-finalista, ou seja, uma instituição
estranha, no mais íntimo do seu ser, à tendência feudal e corporativa (2).
Era a Igreja, e não o Estado (que não existia ainda, ou já não existia) que se contrapunha à sociedade e com ela
mantinha relações (3), e o menor valor do Estado comparado com o da Igreja era um dos princípios fundamentais
da concepção medieval do mundo, que nem sequer o poder temporal punha em questão (4).
«2. Concedemos também a todos os homens livres do reino todas as liberdades para
serem gozadas e usufruídas por eles e pêlos seus herdeiros.
«21. Não serão aplicadas multas aos condes e barões senão pêlos seus pares e de
harmonia com a gravidade do delito.
«41. Os mercadores terão plena liberdade para sair e entrar em Inglaterra.» Cfr.,
outros textos medievais em GREGORIO PECES-BARBA, Textos Básicos sobre
Derechos Humanos, Madrid, 1973, págs. 16 e segs.
mente dispostos — vai ressurgir a noção de Estado, na plena acepção. Pois o poder
concentra-se no Rei e toda a autoridade pública passa e emanar dele; ele atinge todos
os indivíduos — por serem súbditos do mesmo Rei; o território adquire limites
precisos e a todas as parcelas o governo central faz chegar a sua lei.
amém- .mau A UIP p.p? uialçft íwA A sw wVy cão, essa concentração acompanha-se
de uma crescente institucionalização (), determinada pelo próprio alargamento, da
comunidade política e pelo reforço do aparelho de poder, bem como pelas
transformações intelectuais que, entretanto, ocorrem. E com o constitucionalismo todo
o Estado ficará envolvido por regras e processos jurídicos estritos.
(3) Embora até momento tardio subsistam, no plano institucional, regimes de união
entre a Igreja e o Estado. Por outro lado, laicidade não é o mesmo que o laicismo (ou
regime a-religioso ou anti-religioso) que, por vezes nos séculos xix e xx,
64Manual de Direito Constitucional
(4) O poder no Ocidente não teve senão esporadicamente tendência para se erigir em
teocracia, em consequência da natureza transcendente do poder superior de Deus:
THOMAS MOLNAR, Lê socialism sans visage, trad. Paris, 1976, pág. 67. V. ainda,
sobre os factores religiosos da secularização política, GUY HERMET, Sociologie de
Ia Construction Démocratique, Paris, 1986, págs. 73 e segs.
(3) JOSEPH R. STAYER, On the Medieval Origins ofthe Modern State, trad.
portuguesa As Origens Medievais do Estado Moderno, Lisboa, 1985, págs. 16 e 17.
(4) JELLINEK dedica um capítulo inteiro ao assunto (op. cit., págs. 95 e segs.), assim
como ORLANDO, o fundador da escola italiana de Direito público (I nome di
Parte l—O Estado e os sistemas constitucionais 65
Assim, à polis grega e à civitas ou rés publica (ou, mais completamente, Senatus
Populusque Romanus), seguem-se, na Idade Média, a adopção de regnum, como
entidade política juridicamente construída e diferenciada da pessoa do Rei (); corona
toma-se, mais tarde, sua expressão simbólica (2); terra é locução corrente; e civitas
(ou Burg) não possui sentido político. É só com o aparecimento do moderno Estado
europeu que se impõe uma nova denominação.
Do italiano a palavra passa para as restantes línguas europeias nos séculos xvi e
seguintes, com maior ou menor êxito e precisão (4).
Stato, m Rivista di Diritto Publico, vol. xxv, págs. 345 e segs., e in Diritto Pubblico
Generale, Milão, 1954, págs. 185 e segs.). Mais recentemente v. PASSERIN
DENTRÈVES, La dottrina dello Stato, 2. ed., Turim, 1967, págs. 45 e segs.;
BERNARD GUENÉE, UOccident aux x siècles — Lês États, Paris, 1972, págs. 60 e
segs.;
(2) Ibidem.
(3) Cfr. duas aplicações do termo: todo o ordenamento jurídico tende a estabilizar-se,
a converter-se em «estado», em status (CABRAL DE MONCADA, op. cit., pág. 33);
o Estado é status reipublicae no duplo sentido da situação de uma comunidade com
capacidade para produzir uma vontade e uma obra comum e da própria comunidade
nessa situação (HINTZE, op. cit., pág. 294).
(4) BODIN fala ainda em república (em Lês six livres de Ia republique). E, entre nós,
RODRIGUES LOBO, por exemplo, ainda afrma: «A pessoa real é a cabeça da
República, como escreve Plutarco; e nenhuma coisa na terra há sobre ela mais que a
Lei,
5 — Man. Dir. Const., l
66Manua de Direito Constiucional
CAPITULO II
§ 1.° Formação
a que deve obedecer, e ela fica sendo Lei para todos os inferiores» Corte na Aldeia,
edição da Livraria Sá da Costa, 1945, pág. 274).
(2) Cfr. WERNER NAEFF, Staat und Staatgedanke, trad. castelhana La Jdea dei
Estado en Ia Edad Moderna, Madrid, 1947, pág. 6.
Mas não eram pequenas as fraquezas deste sistema: o localismo da vida social, a
precariedade das estruturas económicas, a grosseira tutela dos direitos dos indivíduos;
sobretudo, a deficiência interna resultante da contraposição entre o Papa e o
Imperador, entre o Sacerdotium e o Imperium, entre o poder espiritual e o poder
temporal, levando a frequentes lutas que não deixam de ainda mais debilitar um e
outro ().
A teoria canónica manteve a ideia de um império universal, mas a Cúria agiu sempre
de modo a contrariar as pretensões do Imperador à um domínio efectivo para além da
Itália e da Alemanha (2).
Desde os séculos xm-xiv ocorre a crise do sistema, até por reflexo da crise geral da
mentalidade e da vida medievais (as Cruzadas e o rompimento das barreiras do
Mediterrâneo, melhores comunicações internas e alargamento das áreas de segurança,
novas tendências literárias e artísticas que hão-de conduzir ao Renascimento, as
cidades e as manifestações de espírito burguês e de economia mercantil e capitalista).
Papel importantíssimo têm então dois factos: o despontar das nações europeias e a
recepção do Direito romano. As nações, comunidades de laços novos e especiais
assentes em afinidades de espírito e de interesses e no sentimento comum (3),
transformam a geografia da Europa. O Direito romano, estudado e divulgado pêlos
legistas pre-
(2) Cfr. HINTZE, Historia..., cit., págs. 143 e 146, ou VEZIO CRISAFULLI, Leioni
di Diritto Costituionale, 2. ed., l, Milão, 1970, pág. 55 (desde Carlos Magno o
Império era uma abstracção, não uma realidade).
As sociedades políticas estaduais, que vão surgir em consequência das causas gerais
apontadas ficarão, pois, sob a influência das nações. A comunidade nacional dará o
espaço e o apoio necessários para a acção do rei e cada Estado será talhado à medida
de uma nação. Ou ainda, segundo um autor, a nação é a ideologia do Estado
burocrático centralizado (2).
() Cfr. BERNARD GUENNÉ, 07. cit., págs. 113 e segs. e 296 e segs.; MARTIM DE
ALBUQUERQUE, A consciência nacionial portgesa, Lisboa, 1974, maxinie págs. 49
e segs. e 273 e segs.; ou a obra colectiva The Formation of National States in Western
Europe, editada por Charles Tilly, Princeton, 1975; JOSEPH R. STRAYER, op. cit.,
pág. 17; PIERRE FOUGEYROLLAS, La Nation — Essor et déclin dês sociéiés
moderns, Paris, 1987; ERNEST GELLNER, Nations and Nationalism, 1983, trad.
portuguesa Noções e Nacionalismo, Lisboa, 1993.
(2) MÁRIO ALBERTINI, L’Idée de Nation, in L’ldée de Nation, obra colectiva, Paris,
1969, pág. 13.
I — A moderna ideia de Estado tem o seu expoente na ideia de soberania. Talvez não
fosse este um conceito inteiramente novo,
() O Papa, que em 1250 ainda consegue triunfar do Imperador, cinquenta anos depois
já não consegue triunfar do Rei de França: é o conflito entre Bonifácio VIII e Filipe o
Belo.
(2) Sobre este processo, v. as sínteses de WERNER NAEFF, op. cit., maxime págs. 8
e segs.; HERMAN HELLER, Staaslehre, trad. portuguesa Teoria do Estado, São
Paulo, 1968, págs. 157 e segs.; MANUEL GARCIA PELAYO, Hacia el surgimento
histórico dei Estado moderno, in Idea de Ia Poltica y tros escritos, Madrid, 1983,
págs. 109 e segs.; DANIEL-LOUIS SEILER, op. ci., págs. 79 e segs. (falando em duas
matrizes institucionais, a inglesa e a lotaríngio-germânica); GIANFRANCO POGGI,
op. cit., págs. 34 e segs.
(3) PAULO MERÊA, O Poder Real e as Cortes, Coimbra, 1923, págs. 8-9.
70Manual de Direito Constiucional
mas JEAN BODIN (Lês six livres de Ia Republique, 1576) pô-lo a claro, purificou-o e
fortaleceu-o, fazendo dele um conceito jurídico () unitário (2).
(3) Embora não se trate ou não se trate ainda de monarquia absoluta e apenas de
monarquia real ou legítima, contraposta por BODIN quer à monarquia senhorial, quer
à monarquia tirânica: assim, CABRAL DE MONCADA, op. cit., loc. cit., págs. 50-51
(salientando que BODIN é, em muitos aspectos, ao mesmo tempo o continuador e o
primeiro grande adversário de MAQUIAVEL); ROBERT DERATHÉ, Théorie e
pratique en philosophie politique: Ia monarchie francaise selon Jean Bodin et
Montesquieu, in Theory and Politics — Théorie und Politik — Festschrift wm 70.
Gebtirstag fiir Cari Joachim Friedrich, obra colectiva, Haia, 1971 (aproximando
BODIN e MONTESQUIEU na pocupação de, em épocas diferentes, abrir caminho a
uma monarquia moderada); JOSÉ ADELINO MALTEZ, op. cit., 11, págs. 69 e segs.;
DIOGO FREITAS DO AMARAL, Ciência Política, cit., n, págs. 135 e segs.
(4) Cfr. HERMANN HELLER, La Sovranità el aiti scritti sulla dottrina dei Diritto e
dei Stato, 1926-1929, trad. italiana, Milão, 1987, págs. 70 e segs.; JULIAN H.
FRANKLIN, Jean Bodin and the Rise of Absolutist Theory, Cambridge, 1973;
(5) Por isso, MANUEL GARCIA PELAYO (Hacia..., cit., loc. cit., págs. 119 e segs.),
se refere à passagem de relações intransitivas a relações transitivas.
Parte I—O Estado e os sistemas constitucionais 71
Para isso o poder — por definição não apenas concentrado no Rei mas também
centralizado — dota-se dos necessários órgãos e serviços. São os tribunais do Rei e o
correspondente processo que aparecem; é uma administração burocrática em sentido
moderno (profissionalizada e hierarquizada) que progressivamente se substitui à
administração feudal (entregue a titulares por direito próprio); e são novas funções
que ela se vai propor.
Não é fácil divisar, com rigor, quando surge o Estado, quando se passa da organização
política medieval para a nova forma de organização política — até porque as
instituições e a vida têm uma continuidade que escapa à pura análise conceituai (). O
que pode afirmar-se é que ele surge, em momentos diversos, nas várias partes da
Europa, consoante as suas circunstâncias específicas.
Já em França emerge lentamente, ao longo dos séculos xiv e xv, pela reunião à Coroa
de terras e direitos de grandes feudatários Uma importância decisiva tem a guerra dos
100 anos, acentuando a consciência da nacionalidade francesa e soltando os laços
feudais entre a Inglaterra e a França (2).
(2) Como a França foi o primeiro país a resolver o problema da criação de um Estado
a partir de províncias virtualmente independentes, o modelo francês acabaria por se
impor na Europa (JOSEPH STRAYER, op. ci., págs. 53 e segs.).
72Manal de Direito Constitucional
Nos países nórdicos, define-se nos séculos xvi e xv em grande parte em ligação com a
Reforma protestante, aproveitada pêlos monarcas para, com a formação de Igrejas
nacionais, afirmarem e aumentarem o seu poder. E quase ao mesmo tempo na Rússia,
na Polónia e na Hungria, embora a centralização tenha chegado a resultados muito
mais profundos no primeiro país (de Ivan, o Terrível, a Pedro, o Grande) do que nos
outros dois.
O processo de criação dos Estados europeus culmina nos tratados de Vestefália (1648)
que põem termo à guerra dos Trinta Anos e, simultaneamente, selam a ruptura
religiosa da Europa, o fim da supremacia política do Papa (mesmo nos países
católicos) e a divisão da Europa em diversos Estados independentes, cada qual
compreendido dentro de fronteiras precisas (). À Respublica Christiana sucede, assim,
um sistema de Estados soberanos e iguais.
() A fixação de fronteiras varia também de país para país. Portugal é talvez o país
europeu com mais antigas fronteiras precisas. Mas a Inglaterra ate à guerra dos 100
anos teve veleidades de um domínio continental; os cantões suíços acharam-se,
durante muito tempo, em parte dentro e em parte fora do Império; a Borgonha
pertenceu tanto ao sistema feudal alemão como ao francês; a França foi ampliando os
seus limites até ao século xvm; e os de todos os outros países avançavam ou recuavam
consoante as guerras.
(2) Cfr., por último, MARCELLO CAETANO, História..., cit., págs. 136 e segs.;
NUNO ESPUMOSA GOMES DA SILVA, op. cit., págs. 129 e segs.; MÁRIO JÚLIO
DE ALMEIDA COSTA, op. cit., págs. 159 e segs.
Parte I—O Estado e os sistemas constitucionais 73
Ou, mais tarde, como factos propiciadores da consolidação do Estado e do poder real:
as crises políticas de 1383 e 1438 e os seus reflexos sociais (4), as manifestações do
sentimento nacional desde o século xiv (5), a guerra de independência e as conquistas
e navegações além-mar. Menos de um século decorreria desde a aclamação de D. João
I em Cortes à sujeição da nobreza com D. João II.
§2.° Evolução
I — O Estado europeu move-se, do século xvi aos nossos dias, num mundo em
transformação e ele próprio é um poderoso agente de transformação do mundo. Sofre
o influxo das condições espirituais, socioeconómicas e internacionais, mas também
vai tentar pô-las ao seu serviço. Daí toda uma série de inter-relações que não podem
ser esquecidas.
() Cfr. PAULO MERÊA, op. cit., pág. 16 (que acrescenta: e não um proprietário
absoluto); e, doutras perspectivas, RUY DE ALBUQUERUE e MARTIM DE
ALBUQUERUE, op. cit., págs. 435 e segs.; e PAULO OTERO, op. cit., l, págs. 172 e
segs.
(2) Sobre as relações entre Estado moderno e capitalismo, v. HINTZE, op. cit., págs.
63 e segs. e 300 e segs.; ou BERTRAND BADIE e PIERRE BIRNBAUM, Sociologie
de 1’État, Paris, 1992, 2. ed., págs. 125 e segs.
Parle I—O Estado e os sistemas constitucionais 75
Surgem assim a Utopia de TOMÁS MORUS (1534) e as outras utopias que se lhes
seguem (4); as novas doutrinas do contrato social dos séculos xvn e xvm (bem
diferentes das medievais); o iluminismo; em suma aquilo em que, genericamente, se
tem chamado a modernidade.
(3) Cfr. NAEFF, op. cit., págs. 152 e segs. Aponta as seguintes fases da evolução do sistema europeu de Estados:
l) a época de Carlos V e seus adversários; 2) as coligações católicas e protestantes e a guerra dos 30 anos; 3) a
época de LUÍS XIV; 4) o século xvm após a guerra de sucessão de Espanha; 5) a Revolução Francesa e Napoleão;
6) a Europa após o Congresso de Viena; 7) a época de Bismarck; 8) o imperialismo entre 1880 e 1914; 9) a
Europa da Sociedade das Nações.
São diferentes as perspectivas por que pode ser tomada a evolução do moderno Estado
europeu, a reflectirem as preocupações de estudo dominantes.
(2) Assim procede NAEFF (op. cit., págs. 23 e segs., 81 e segs. e 129 e segs.), embora
a sua observação praticamente acabe em meados do século passado e dê ao Estado do
Romantismo um cunho meramente histórico e de reacção contra a Revolução
Francesa e o racionalismo.
(3) Cfr. FULCO LANCHESTER, Stato (forme di). m Encicopédia dei Diritto, XLIII,
1990, págs. 806 e segs.
Adoptar-se-á aqui a segunda perspectiva, por melhor se coadunar com a índole própria
desta disciplina; mas não deixará de se aproveitar alguma contribuição da primeira e
da terceira.
(3)Ou em Estado territorial institucional: OTTO BRUNNER, op. cit., pág. 204.
78Manual de Direito Constitucional
(2) Cfr. PAULO MERÊA, op. cit., págs. 13 e segs. e 26 e segs.; ANTÓNIO
MANUEL HESPANHA, Curso de História das Instituições, policopiado, Lisboa,
1978, págs. 410 e segs.; MARCELLO CAETANO, História..., cit., págs. 470 e segs.;
ARMINDO DE SOUSA, As Cortes Medievais Portuguesas. 2 vols., Lisboa, 1990;
RUY DE ALBUQUERQUE e MARTIM DE ALBUQUERQUE, op. cit., págs. 457 e
segs. , (3) NAEFF, op. cit., págs. 1415.
Parte l—O Estado e os sistemas constitucionais 79
O sentido próprio só pode ser o de Estado absoluto como aquele em que se opera a
máxima concentração do poder no rei (sozinho ou com os seus ministros) e em que,
portanto: 1.°) a vontade do rei (mas sob formas determinadas) é lei; 2.°) as regras
jurídicas definidoras do poder são exíguas, vagas, parce/ares e quase todas não
reduzidas a escrito (2). Assim se explicam tanto os exageros dos teóricos do
absolutismo (que sustentam que os únicos deveres do príncipe para com os súbditos
ou para com o Estado são deveres morais, embora gravíssimos) como os dos
monarcómacos (3) (que chegam a defender o tiranicídio).
«... pois tens de Rei o ofício. Que ninguém a seu Rei desobedeça».
(3) Ou de ALTÓSIO.
80Manual de Direito Constitucional
Num primeiro, que se estende até princípios do século xvin, a monarquia afirma-se de
«direito divino». O Rei pretende-se escolhido por Deus, governa pela graça de Deus,
exerce uma autoridade que se reveste de fundamento ou de sentido religioso ().
(3) Sobre o Estado de polícia, cfr. ROGÉRIO SOARES, Interesse público..., cit.,
págs. 54 e segs.; C. MORTATI, Lê forme di governo, cit., págs. 12 e segs.; JOSÉ Luís
CARRO FERNANDES-VALMAYOR, Policia y Domnio eminente como técnicas de
intervención en e Estado Preconstitucional, in Estúdios Jurídicos — Homenaje ai
Profesor Alfonso Oero, obra colectiva, Santiago de Compostela, 1981, págs. 367 e
segs.;
Sobretudo no século xvm, a lei prevalece sobre o costume como fonte do Direito e
esboça-se o movimento de codificação, reforma-se a justiça, consolida-se a função
pública, criam-se exércitos nacionais e o Estado intervém em alguns sectores até aí
ignorados da cultura, da economia e da assistência social.
(4) Para um panorama geral da época e das instituições em diversos países, v. a obra
colectiva dirigida por ALDERTO CARACCIOLO, La formaione dello Stato
moderno, Bolonha, 1970; ROBERT MANDROU, LEurope Absolutiste — Raison et
raison d’Etat (1649-1775), Paris, 1979; ROMAN SCHNUR, Individualismo e
absolutismo, trad., Milão, 1979; G. OESTREICH, Problemas estruturais do
absolutismo euroropeu, in Poder e Instituições..., págs. 181 e segs.
6—Man. Dir. Const.. I
82Manual de Direito Constitucional
guesia e a sua falta de poder político () hão-de levá-la depois a fazer ou a apoiar a
revolução.
Por outro lado, no reinado de D. José é publicada a Lei da Boa Raão e, no de D. Maria
I, Melo Freire prepara um projecto de Código do Direito Público (5).
() Sobre o Estado absoluto como transição do tipo fedal de Estado para o tipo
capitalista, v., numa concepção marxista, Nicos POULANTZAS, op. cit., págs. 174 e
segs. Algo diferentemente (por se inclinar para a correspondência do Estado absoluto
com o modo de produção feudal), ANTÓNIO MANUL HESPANHA, O Estado
absoluto — Problemas de interpretação histórica, in Estudos em homenagem ao
Professor Doutor J. J. Teixeira Ribeiro, obra colectiva, l, Coimbra, 1979, págs. 185 e
segs.
Ponto culminante de viragem é a Revolução Francesa (1789-1799) (), mas não pouca
importância assumem nessa mudança a Inglaterra (onde a evolução se desencadeia um
século antes e onde se inicia a «Revolução industrial»), e os Estados Unidos (com a
primeira ou, olhando às colónias de que se formou, com as primeiras Constituições
escritas em sentido moderno).
(i) Sobre o movimento político cultural em que se insere, v., por exemplo, BENNO
VON WIESE, La Cltura de Ia Ilustracción, trad. castelhana, Madrid, 1954
(reimpressão de 1979); BERNARD GROETIIUYSIN, Philosophie de Ia Révolution
Française, Paris, 1956; MAURIZIO FIORAUANTI, op. cit., págs. 107 e segs.;
GARCIA DE ENTERRÍA, La lengua de os derechos. La formación dei Derecho
Publico europeo trás Ia Revolución francesa, Madrid, 1994; MÁRIO DOGLIANI, op.
cit., págs. 150 e segs. Como nota VON WIESE: a radical racionalização da ideia do
Estado conduz à revolução (pág, 40). Quanto ao jusracionalismo, cfr., por todos,
FRANZ WIEÁCKER, História do Direito Privado Moderno, trad., Lisboa, 1980,
págs. 279 e segs.
84Manal de Direio Constitucional
Nem por isso, menos nítida é a divergência no plano das ideias e das regras jurídicas
positivas (). Em vez da tradição, o contrato social; em vez da soberania do príncipe, a
soberania nacional e a lei como expressão da vontade geral; em vez do exercício do
poder por um só ou seus delegados, o exercício por muitos, eleitos pela colectividade;
em vez da razão do Estado, o Estado como executor de normas jurídicas; em vez de
súbditos, cidadãos, e atribuição a todos os homens, apenas por serem homens, de
direitos consagrados nas leis. E instrumentos técnico-jurídicos principais tomam-se,
doravante, a Constituição, o princípio da legalidade, as declarações de direitos, a
separação de poderes, a representação política.
A atitude espiritual correspondente a este novo estado de coisas é bem descrita por KANT:
«Ninguém me pode constranger a ser feliz à sua maneira (como ee concebe o bem-estar dos outros homens), mas a
cada um é permitido buscar a sua felicidade pela via que lhe parece boa, contanto que não causa dano à liberdade
de os outros aspirarem a um fim semelhante e que pode coexistir como a liberdade de cada um, segundo uma lei
universal possível.
«Um governo que se erigisse sobre o princípio da benevolência para com o povo, à maneira de um pai
relativamente aos seus filhos, isto é, um governo paternal (imperium paternale), onde, por conseguinte, os
súbditos, como crianças menores que ainda não podem distinguir o que lhes é verdadeiramente útil ou prejudicial,
são obrigados a comportar-se de modo passivo, a fim de esperarem somente do juízo do chefe do Estado a maneira
como devem ser felizes e apenas da sua bondade que ele também o queiram — um tal governo é o maior
despotismo que pensar se pode (2).
«O iluminismo é a saída do homem da sua menoridade, de que ele próprio é culpado. E menoridade é a
incapacidade de se servir do entendimento sem a orientação de outrem. Tal menoridade é por culpa própria se a
sua causa não reside na falta de entendimento, mas na falta de decisão e de coragem em se servir de si mesmo sem
a orientação de outrem» (3).
(2) Sobre a expressão corrente: isto pode ser correcto na teoria, mas nada vale na
prática (1793), in A Paz Perpétua e outros Opúsculos, trad. de ARTUR MouRÂO,
Lisboa, 1988, pág. 75.
«Todos os homens são, por natureza, livres e têm certos direitos inatos, de que, quando entram no estado de
sociedade, não podem, por nenhuma forma, privar ou despojar a sua posteridade, nomeadamente o direito à vida e
à liberdade, tal como os meios de adquirir e possuir a propriedade e procurar obter a felicidade e a segurança».
Na Declaração de Independência dos Estados Unidos afirma-se: «Consideramos de per si evidentes as verdades
seguintes: todos os homens são criaturas iguais, são dotados pelo seu Criador de certos direitos inalienáveis e,
entre estes, acham-se a vida, a liberdade e a ânsia de felicidade; os governos são estabelecidos entre os homens
para assegurar estes direitos e os seus justos poderes derivam do consentimento dos governados; quando a forma
de governo se torna ofensiva destes fins é direito do povo alterá-la, ou aboli-la e instituir novo governo...».
Por sua vez, na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (votada pela Assembleia Nacional francesa),
proclama-se no artigo l.”: «Os homens nascem e são livres e iguais em direitos, as instituições políticas só podem
fundar-se na utilidade comum».
No artigo 2.”: «O fim de toda a associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do
homem. Estes direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão».
No artigo 6.”: «A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer, pessoalmente
ou através dos seus representantes, para a sua formação...».
(i) Nosso Contributo para uma teoria da inconstitucionalidade, cit., pág. 30.
86Manal de Direito Constitucional
No artigo 16.”: «Qualquer sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos, nem estabelecida a
separação dos poderes, não tem Constituição».
IV — Numa primeira noção (), Estado constitucional significa Estado assente numa
Constituição reguladora tanto de toda a sua organização como da relação com os
cidadãos e tendente à limitação do poder.
Estado de Direito é o Estado em que, para garantia dos direitos dos cidadãos, se
estabelece juridicamente a divisão do poder e em que o respeito pela legalidade (seja a
mera legalidade formal, seja — mais tarde — a conformidade com valores materiais)
se eleva a critério de acção dos governantes (2).
() A desenvolver e explicar melhor noutros tomos deste Manual. (2) ROBERT VON
MOHL, considerando o autor que lançou o conceito, dizia que a ideia em que se
fundamentava o Estado de Direito se resumia nisto: o desenvolvimento o mais
humano possível de todas as forças humanas em cada um dos indivíduos (Poliei,
1841, Concepto de policia y Estado de Derecho, m Liberalismo aleman en el siglo xix
— 1815-1848, colectânea de estudos, trad., Madrid, 1987, pág. 141). E acrescentava:
«Ninguém pode ser sacrificado como um meio ou como uma vítima à ideia de todo»
(pág. 142); «nenhum direito deve ficar sem protecção, porque seja demasiado
insignificante para o Estado» (pág. 143); «Estado de Direito exige protecção jurídica»
(pãg. 144).
Parte I—O Estado e os sistemas constitucionais 87
empenhado em limitar o poder político tanto internamente (pela sua divisão) como
externamente (pela redução ao mínimo das suas funções perante a sociedade).
In — Por osmose ou por imitação, por meios revolucionários ou por cedência régia, os
regimes liberais vão-se implantar ao longo da primeira metade do século xix. Ao
mesmo tempo, com base no «princípio das nacionalidades» (aliás, nem sempre
tomado em espírito romântico liberal), avança-se para a unificação da Itália e da
Alemanha e dá-se a independência da Grécia e dos demais países balcânicos. Também
os países da América Latina se separam da Espanha e de Portugal.
Por outro lado, o liberalismo vai enfrentar criticas doutrinais provenientes de vários
quadrantes: do pensamento reaccionário (Joseph de
Como quer que se entendam tais críticas, decisivas devem ter-se, apesar de tudo,
algumas das aquisições trazidas pelo liberalismo, quer directa e imediatamente, quer
indirecta ou mediatamente. Directamente: a abolição da escravatura, a transformação
do Direito e do processo penais, a progressiva supressão de privilégios de nascimento,
a liberdade de imprensa (l). Indirectamente: a prescrição de princípios que, ainda
quando não postos logo em prática, viriam, pela sua própria lógica, numa espécie de
auto-regência do Direito (2), a servir a todas as classes, e não apenas à classe
burguesa que começara por os defender em proveito próprio (assim, a partir da
liberdade de associação a conquista da liberdade sindical e a partir do princípio da
soberania do povo a do sufrágio universal).
() Cfr. MANUEL ANTUNES, Liberalismo, m Verbo, xn, pág. 18. (2) A expressão é
de RADBRUCH, op. cit., i, págs. 79-80, e n, págs. 136 e segs. Cfr. MIRKINE-
GUETZÉVITCH, Lês novelles tendances du Droit Consütutionnel, Paris, 1931, págs.
11-12; EMÍLIO CROSA, U feitore político e lê Costituüoni, in Studi di Diritto
Pubblico in onore di Oreste Ranelletti, obra colectiva, i, Pádua, 1931, págs. 149 e
segs.; BURDEAU, op. cit., i, págs. 159 e segs., e vi, págs. 358 e segs.; JOSÉ H.
SARAIVA, A Crise do Direito, Lisboa, 1964, págs. 39-40; ORLANDO DE
CARVALHO, Os direitos do homem no Código Civil Português, Coimbra, 1973,
págs. 10-11.
Escreve RADBRUCH (li, págs. 137-138): «... na realidade da vida política ainda os
interesses mais arbitrários se vêem sempre obrigados a tomar aparentemente a forma e
a cor do direito para conseguirem fazer-se respeitar. Viu-se já como a liberdade
reclamada pela burguesia no seu interesse de classe, só pelo facto de ter sido
reclamada sob a veste e na forma do direito, veio a aproveitar ao quarto-estado e a
redundar em prejuízo dos próprios interesses da burguesia sob a forma do direito de
associação... — É justamente por efeito desta auto-regência do jurídico que até as
próprias classes inferiores podem vir a ter interesse na realização do direito
estabelecido pelas classes superiores. É esta a razão que nos explica por que, tantas
vezes, na luta pelo direito as classes oprimidas se tenham convertido em defensoras da
ordem jurídica estabelecida que as classes superiores impuseram sobre elas. E que
esse direito, apesar de ser de classe, é sempre direito e, sendo direito, jamais ousará
apregoar francamente o interesse da classe dominante. Encobri-lo-á sob a roupagem
duma forma jurídica, redundando assim, qualquer que seja o seu conteúdo, em
benefício de todos os oprimidos».
90Manual de Direito Constitucional
Constituições que deles saíram e os regimes que depois se objectivaram que, pela
primeira vez na história, introduziram a liberdade política, simultaneamente como
liberdade-autonomia e liberdade-participação, a acrescer à liberdade civil.
(2) Cfr. a síntese de ERIC HOBSBAWN, Age of Extremes — The Short Twentieth
Century— 1914-1991, 1994, trad. portuguesa A Era dos Extremos—História Breve do
Século XX — 1914-991, Lisboa, 1996.
(4) Sobre a problemática do Estado ao longo do século xx, cfr. v. JOHN KENNETH
GALBRAITH, The New Industrial State, Nova Iorque, 1967 (há tradução portu-
Parte l—O Estado e os sistemas constitucionais 91
com ou sem formas aparentemente similares às dos regimes liberais, surgem no século
xx diversos regimes, não por acaso chamados totalitários, produto da «rebelião das
massas (ORTEGA), do impacto sobre estas de determinadas ideologias e de
ocorrências políticas internas ou externas de maior vulto. Tal como no Estado
absoluto, há
neles uma concentração do poder político, mas muito mais do que isso:
o Estado absoluto não intervinha na vida privada das pessoas, não pretendia absorver
a sociedade civil (nem tinha meios para isso) ();
(2) Cfr. tomo iv. Para uma primeira leitura abrangente, v. Comparative Politics, obra
colectiva, cit., págs. 440 e segs.; LEONARD SCHAPIRO, Totalitarism Londres,
1972; a obra colectiva editada por GUY HERMENS Totalitarismes, Paris, 984;
(3) Cfr. o nosso Direito internacional Público — l, Lisboa, 1995, págs. 234 e segs. e
outros citados
Parte I—O Estado e os sistemas constitucionais 93
(i) Cfr. Direito Internacional Público — l, cit., págs. 297 e segs., e autores citados.
94Manual de Direito Constituciona
Quanto à propagação das Constituições escritas, tanto pode ter-se como uma aquisição
positiva quanto como uma aquisição negativa. Aquisição positiva seria, pelo menos,
ficarem os cidadãos e a doutrina habilitados a reconhecer com recurso a elas as linhas
primordiais do ordenamento de cada um dos Estados. Facto negativo seria, ainda
assim, a generalização, visto que, para as Constituições se enxertarem em quaisquer
Estados, teriam de esvaziar, em proporção insofismável, o valor dos seus preceitos
(2).
Durante o século xix fácil fora olhar à ideia de Constituição para definir o sistema
político, pois que, sendo ela constante no que regulava e respeitada, Estado que
tivesse Constituição qualificava-se de Estado constitucional. No século xx tudo se
modifica, admitem-se as formas sem se admitirem os princípios, votam-se
compromissos entre forças que não se podem neutralizar, os mesmos princípios
adquirem signicados diferentes e, quando se inscrevem nos textos, nem sempre
conseguem concitar o acordo dos intérpretes.
Por isso, não admira que as Constituições acusem hoje uma instabilidade antes
desconhecida. Do século xvi resta em vigor apenas uma, do século xix quatro ou
cinco e até são poucas as que remontam a antes da segunda guerra mundial (3).
Entretanto, não se mostram menos frequentes as alterações ou vicissitudes de vária
natureza que vão sofrendo. E toma-se aí ainda mais patente o confronto entre as
Constituições que valem como fundamento do poder e aqueloutras que não passam de
instrumento ao seu serviço (4).
() Até porque, como já tem sido sublinhado, o ter uma Constituição converte-se, para
cada novo Estado, num símbolo de independência nacional.
O Estado social de Direito não é senão uma segunda fase do Estado constitucional,
representativo ou de Direito. Por dois motivos: 1.°) porque, para lá das
fundamentações que se mantêm ou se superam (iluminismo, jusracionalismo,
liberalismo filosófico) e do individualismo que se afasta, a liberdade — pública e
privada — das pessoas continua a ser o valor básico da vida colectiva e a limitação do
poder político um objectivo permanente; 2.°) porque continua a ser (ou vem a ser) o
povo como unidade e totalidade dos cidadãos, conforme proclamara a Revolução
francesa, o titular do poder político.
Do que se trata é ainda, para tomar efectiva a tutela dos direitos fundamentais, de
reforçar os mecanismos de garantia da Constituição; e daí a afirmação de um princípio
da constitucionalidade a acrescer ao princípio da legalidade da actividade
administrativa e a instituição de tribunais constitucionais ou de órgãos análogos ().
Para já, diga-se apenas que as Constituições donde arranca esta linha directriz são a
mexicana de 1917 e, sobretudo, a alemã de 1919 (dita Constituição de Weimar) e que,
entre as Constituições vigentes que a seguem, se contam a italiana de 1947, a alemã
de 1949, a venezuelana de 1961, a portuguesa de 1976, a espanhola de 1978 e a
brasileira de 1988.
lismo social, Buenos Aires, 1987; JOSÉ RAMÓN Cossio DIAZ, Estado social y
derechos de prestación, Madrid, 1989; PAULO BONAVIDES, op. cit., págs. 161 e
segs.;
O Estado fascista, por seu turno, tem esse nome por causa do regime instaurado na
Itália de 1922 a 1943 pelo partido fascista e que, com feições, ora extremas, ora
moderadas, foi transplantado ou seguido, na dependência de condicionalismos
internos e externos, em vários países. Se não há uma ideologia fascista definida única,
não custa descobrir elementos próximos comuns aos diversos regimes que, com maior
ou menor rigor, ali são habitualmente enquadrados.
Em quarto lugar, e mais importante do que todas estas vicissitudes e estes problemas,
deparam-se, porém — à escala de toda a Humanidade — a degradação da natureza e
do ambiente, as desigualdades económicas entre países industrializados e países
nãoindustrializados, as situações de exclusão social mesmo nos países mais ricos, a
manipulação comunicacional, a cultura consumista de massas, a erosão de certos
valores éticos familiares e políticos. De que modo e em que medida tudo isto irá
repercutir-se nas Constituições?
() Cfr., por exemplo, de vários prismas, HANS VAN DEN DOEL, Democracy and
Welfare Economis, 1979, trad. italiana Democraia e benessere, Bolonha, 1981;
FRANIS FUKUYAMA, The end of history and the last man, 1992, trad. portuguesa O
fim da história e o úlimo homem, Lisboa, 1992; MANUEL ARAGÓN, Los problemas
dei Estado social, m Sistema, Março de 1994, págs. 23 e segs.; BOAVENTURA DE
SOUSA SANTOS, Pela mão de Alice — O social e o político na pós-nwdernidade,
Porto, 1994, máxim págs. 69 e segs.
Parte l—O Estado e os sistemas constitucionais 99
E em que medida cabem no âmbito do Estado e não exigem, antes, por um lado, um
novo papel da sociedade civil e, por outro lado, uma reforçada cooperação
internacional?
Não significa isto, porém, que se tenha chegado ao «fim da história», até porque a
história comporta avanços e recuos, saltos e sobressaltos, e porque se mostram bem
evidentes as imperfeições e os sinais de perturbação e perplexidade de muitas das
actuais democracias, tais como a quebra do sentido de participação cívica e o
afastamento em relação aos governantes, a sujeição do contraditório parlamentar ao
imediatismo da comunicação audiovisual, as tendências oligárquicas e os défices de
democracia no interior dos partidos, ou os excessos de corporativismo (2). Dir-se-ia
que a «democracia sem inimigo» não tem mais problemas externos, mas que se abriu
a caixa de Pandora dos seus problemas internos (3) (4).
C) Pág.97.
(4) Mesmo um Autor como FRANIS FUKUYAMA, que fala numa «história
direccional e univrsal rumo à democracia liberal», reconhece que, ainda que a maioria
das carruagens da caravana da história cheguem eventualmente ao seu destino, não
sabemos se os seus ocupantes, ao olharem em redor, não julgarão inadequadas as
novas circunstâncias e «resolverão dar início a uma nova e mais disiante viagem» (op.
cit., págs. 324 e 325; v., ainda, págs. 303, 310 e segs. e 320-321).
100Manual de Direito Constitucional
In — Não sem relação com a situação no interior dos Estados, verifica-se o fenómeno,
de intensidade e amplitude iniludíveis, da integração em espaços continentais ou
regionais.
Sem ignorar outras experiências em curso (como o Mercosul, que abrange o Brasil, a
Argentina, o Paraguai e o Uruguai), é a integração europeia a que mais avulta. E sem
esquecer o Conselho da Europa (criado em 1948 e com relevantíssima acção no
domínio dos direitos do homem e da cooperação jurídica) é o processo desencadeado
pela Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (1952) e pelas Comunidades
Económica Europeia e Europeia de Energia Atómica (1957) que a tem levado mais
longe.
Tendo começado por uma via fundamentalmente prática e funcional e por abranger
apenas seis países, este processo viria a alcançar, pela sua própria dinâmica, pelo
«Acto Único Europeu» (1986) e pelo Tratado de Maastricht, dito de «União Europeia»
(1992), círculos crescentes de atribuições, a ponto de se tomar necessário proclamar
um princípio de subsidiariedade (art. 3.°-B do Tratado da Comunidade Económica
Europeia, aditado pelo Tratado de Maastricht).
TITULO II
CAPÍTULO I
E, não obstante, é necessário levar a cabo tal tarefa quer se trate de trabalhos
comparativos ex professo, quer (como aqui) de exposição perfunctória antecedente do
estudo da formação do Direito constitucional português e dos grandes temas da teoria
da Constituição.
Tal vem a ser a grande vantagem desta via ou perspectiva, mas também o seu maior inconveniente. É que tão
estreita relação entre as duas disciplinas ou entre as duas intenções pode levar à diluição ou à subaltemização do
trabaho comparativo ou então a grave diminuição do seu interesse por acabar por não mostrar ao vivo as
semelhanças, as diferenças e as interacções de institutos e preceitos.
Pelo que tange à tipologia das formas políticas, ela consiste em distribuir os diferentes sistemas constitucionais em
razão dos sistemas políticos que instituam, em inserir as Constituições em esquemas classificatórios de formas de
governo (governo representativo clássico, governo jacobino, monarquia limitada, democracia representativa, etc.)
ou de sistemas de governo (parlamentar, presidencial, directorial, etc.) e em proceder à respectiva descrição.
Oferece, no entanto, o óbice de as formas políticas não esgotarem, de modo algum, os sistemas constitucionais. As
Constituições não se reduzem à sua regulamentação; ocupam-se de outras matérias, desde a estrutura do Estado, os
direitos fundamentais e a economia à sua própria garantia e revisão.
com o estudo das experiências constitucionais, assenta-se no sistema constituciona de cada país como um todo e
procura-se conhecer a sua origem, quais os elementos políticos, económicos, culturais e religiosos que o têm
condicionado, quais os seus traços dominantes actuais e quais as suas linhas de projecção provável para o futuro. E
a experiência da organização jurídico-política de cada povo, produto de uma mentalidade e de um ambiente
peculiares, que se cuida de recortar ao longo das várias vicissitudes históricas por que tenha passado.
Sem embargo, não são poucos os riscos que tal estudo particuarizado de experiências constitucionais comporta: ou
o risco de fazer justificação, e não comparação; ou o risco de deslocação para pleno campo histórico, com
numerosíssimos factos e instituições, onde se toma penoso avançar; ou o risco de penetrar ou de se deixar envolver
tanto pelo ordenamento constitucional deste ou daquele país que depois dir-se-ia quase descabido comparar, por
tudo se mostrar original ou irredutível.
Quanto ao método de formação de famílias constitucionais consiste, por um lado, em examinar o Direito
constitucional de um país
Parle l—O Estado e os sisemas constitucionais 103
tal como se apresenta na sua realidade de sistema dotado de vida própria e, por outro
lado, em tentar agrupar sistemas semelhantes ou afins num pequeno número de
famílias ou tipos constitucionais.
Este método — mais concreto que o primeiro, mais compreensivo que o segundo e
mais estritamente jurídico de que o terceiro apontado — oferece uma tríplice
vantagem. Baseia-se no Direito constitucional como um todo, embora tenha de
escolher os elementos sobre que vai incidir a comparação; toma-o integrado no
sistema jurídico a que pertence; visa descobrir a continuidade institucional, mas, ainda
mais, a coerência actual de valores, conceitos e normas.
É um método que abre tanto para uma dimensão temporal quanto para uma dimensão
espacial (de tendência universalizante) como nenhum outro e que, assim, se situa bem
entre as tentativas de agrupamento de ordens jurídicas a que procede o Direito
comparado (). Contudo, tem de ser usado como prudência, por se terem tomado
menos firmes os contornos de sistemas e famílias num mundo em mudança.
HUBERT IZDEBSKI, Lê role du droit dans lês sociétes contemporaines: essai d’une
approche sociologique en droit compare, in Revue internatíonal de droit compare,
1988, págs. 571 e segs.; CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, op. cit., págs. 27 e
segs.
104Manual de Direito Constitucional
ZWEIGERT. E, debruçados já sobre os sistemas de Direito constitucional, devem referir-se os nomes de, entre
outros, KARL LOEWENSTEIN e SANCHEZ AGESTA (1).
Para RENÉ DAVID, o Direito não vem a ser unicamente um conjunto de regras jurídicas, variável de época para
época e de país para país. Em cada país pode mesmo dizer-se que — para além dessa inevitável transformação —
ele permanece idêntico a si mesmo nos conceitos, nos métodos de trabalho, nas ideias sobre a sociedade e a
justiça, nas estruturas em que se insere. Por conseguinte, quando se determinam as famílias jurídicas, parece
indicado tomar em conta estes elementos constantes do Direito, de preferência às disposições sempre menos
estáveis.
São os seguintes os meios ou os requisitos a atender no agrupamento. Refere-se um à técnica jurídica: um Direito
pertence à mesma família de outro, desde que o jurista seja capaz de lidar sem dificuldade com os conceitos,
institutos e construções dogmáticas de qualquer deles. Refere-se o segundo requisito à comunidade de princípios
filosóficos, políticos e económicos. Os dois critérios devem ser usados cumulativamente, não isoladamente, e com
visão larga suficiente para que se distingam as características essenciais de outras de acessória importância.
DAVID estuda então, com base nesses critérios, a família romano-germânica, os Direitos socialistas, o sistema de
Common Law e os Direitos religiosos e tradicionais (muçulmano, da índia, do Extremo Oriente e da África e de
Madagáscar) (2) (3),
Por seu turno, KONRAD ZWEIGERT toma como critério os «estilos» dos sistemas jurídicos e considera factores
determinantes de certo estilo a ori-
(2) Lês grands systèmes de droit contemporains, 2. ed. Paris, 1966. V. também Traité
élémentaire de droit civil compare Paris, 1950.
(3) De critério semelhante, mas não idêntico, aos de René David se serve OLIVEIRA
ASCENSO (op. cit., págs. 134 e segs.) para determinar os sistemas jurídicos actuais: o
critério das civilizações como ideologias que encarnaram na vida social. E, de acordo
com ele, considera «direitos primitivos» e «direitos civilizados» e nestes um sistema
ocidental (com subsistemas romanístico e anglo-americano), um sistema socialista ou
soviético e um sistema muçulmano.
Doutro prisma, em termos muito mais amplos, é também para a noção de civilização
que apela CONSTANTINESCO (op. cit., Ill, págs. 388 e segs.), sendo civilização um
modo diferente de conceber o universo, as nações, a sociedade, os homens e as suas
relações.
Parte I—O Estado e os sistemas constitucionais 105
gem histórica e a evolução do ordenamento, os modos de pensar dos juristas, os institutos jurídicos caracterizantes,
as fontes de Direito e a sua interpretação e os factores ideológicos ().
Como sistemas jurídicos enuncia o romanístico, o germânico, o anglo-americano, o escandinavo, o dos países
socialistas, os do Extremo Oriente, o islâmico e o indiano (2).
Bastante conhecida é a contraposição formulada por LOEWENSTEIN entre Constituições originárias e derivadas,
sendo «originária» uma Constituição que contém um princípio funcional novo, verdadeiramente criador e,
portanto, original para o processo do poder político e para a formação da vontade estadual e «derivada» aquela que
segue fundamentalmente um modelo nacional ou estrangeiro.
As famílias de Constituições englobam todos os documentos constitucionais que provêm de uma comum
Constituição originária ou, eventualmente, de uma Constituição que, embora derivada ela própria de outra, tenha
exercido influência exterior (3).
SANCHEZ AGESTA, finalmente, entende que a Constituição surge como realização de um quadro de
possibilidades típicas num meio histórico determinado, de tal sorte que a consideração histórica concreta das
ordens constitucionais, com as suas relações de influxo e repulsa, de propagação de ideias, de imitação de
instituições, de evolução e transmissão de princípios e fórmulas jurídicas, propicia a verdadeira base de uma
ciência do Direito constitucional.
Postulada a índole específica e autónoma de cada ordem constitucional, há que admitir a existência de causas
históricas que determinam formas análogas e paralelas em países distintos. As razões de homogeneidade reduzem-
se a duas: a imitação e a força expansiva de certas ideias. A difu-
Quer dizer: o resultado a que chegaremos será o mesmo a que chegaria RENÉ DAVID
— a apresentação de grandes sistemas de Direito constitucional (2), susceptíveis de
serem captados na sua filo-
sofía e na sua dogmática; mas ele não será prejudicado por nos servirmos, juntamente
com a geografia constitucional, da alusão particular a determinados países e
Constituições.
(2) A esta luz, não procede a crítica ao conceito de família constitucional como
imprecisa e vaga, formulada por HENC VAN MAARSEVEEN e GEN VAN DER
TANG (Wrítten Constitutions — A Computeriwd Comparativ Study, Nova Iorque e
Alphen aan den Rijn, 1978, págs. 284-285).
108Manual de Direio Constitucional
4.°) Sempre que essenciais os pontos de contacto, inclusão dos sistemas nas mesmas
famílias — sendo, porém, imprescindível proceder a análise histórica e sistemática;
6.°) com os elementos comuns aos vários sistemas integrados em cada família,
construção da unidade dogmática ideal correspondente a esta e sua consideração como
sistema abstracto coerente.
O caminho a percorrer fica, pois, situado entre duas balizas: o sistema ou os sistemas
constitucionais concretos e palpáveis na vida e o sistema ideal e típico de que
participam e que os influencia. Este sistema-tipo não é senão aquilo que existe de
paradigmaticamente comum aos vários sistemas positivos. Por exemplo: o Direito
constitucional canadiano e o neozelandês são expressões de um Direito constitucional
de matriz inglesa e pertencem à família inglesa de Direito constitucional; o Direito
constitucional chinês e o cubano são concretizações históricas do tipo soviético de
organização poítica.
De acordo com tal enquadramento, toma-se fácil afirmar que os resultados essenciais
da comparação vêm a ser, por um lado, o recortar de um determinado número de
famílias constitucionais e, por outro lado, a descrição dos elementos que, revelando-
nos a estrutura interna de cada uma (outro tanto é dizer: a estrutura de cada um dos
sistemas jurídico-constitucionais em especial, em que ela grosso modo se repete), lhe
imprimem as suas feições identificadoras o.
(i) Deste modo, o agrupamento dos sistemas constitucionais por famílias — por si só,
aliás, de grande interesse — concorre ainda para oferecer uma base segura de
autonomia à ciência do Direito constitucional comparado e para abrir à plena
explicação de qualquer instituto pertencente a uma ordem jurídica dada.
Parte l—O Estado e os sistemas constitucionais 109
nio (muitos dos quais ainda se encontram ligados entre si e com Grã-Bretanha dentro
do Commonwealth).
(i) Alguns documentos surgidos aquando das revoluções inglesas, como o Instrument
ofGovernment (1653), têm um simples interesse episódico.
Parte I—O Estado e os sisemas constiucionais 11
A este respeito, um autor, BISCARETTI Dl RUFFIA, distingue oito ciclos entre 1789
e a época contemporânea na linha do Estado de Direito, pertencendo os seis primeiros
àquilo que designa por «constitucionalismo clássico»: 1.°) as Constituições
revolucionárias (1789-1799); 2.°) as Constituições napoleónicas (1799-1815);
O que se diz acerca da Alemanha e da Áustria deve dizer-se, ainda com mais razão (e,
em parte, razão inversa) acerca da Suíça. A história constitucional helvética, aliás,
pode remontar-se à Idade Média e é largamente (embora não exclusivamente)
assinalada pelo cunho democrático. Nos séculos xvm e xix a Suíça sofre o influxo do
Direito revolucionário francês e em 1848 passa de confederação a federação, mas os
institutos e prática de democracia directa, o federalismo cantonal e plurilinguístico e o
sistema de governo directorial tomam o seu sistema constitucional irredutível a
qualquer outro.
Não é (ou não foi) o Estado de tipo soviético o único que se apresenta (ou apresentou)
em divergência radical perante o Estado constitucional representativo. Invocam
também princípios contrapostos aos do liberalismo político os regimes fascistas e
fascizantes que se exibem em força entre as duas guerras mundiais; e após 1945,
subsistiriam ainda, ou instaurar-se-iam de novo, regimes aparentados. Todavia, por
assumirem configurações concretas muito particulares e por, com algumas excepções,
não terem logrado definir formas constitucionais consistentes, não chegaram nunca a
dar origem a uma verdadeira e própria família de Direito constitucional.
Ásia e da África ensaiaram-se vias novas ou diferentes, em nome das suas tradições e
das suas necessidades de desenvolvimento. Mas debalde se procuraria um modelo
único e, muito menos, uma específica família de Direito constitucional, tão
divergentes foram essas vias e tão incipientes (ou falhadas) se revelariam.
Situação mais clara vem a ser a criada pelo fundamentalismo islâmico, cuja expansão,
a partir do Irão, poderá, eventualmente, conduzir à formação de uma família sui
generis.
(i) Assim, GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, 2.° ed., Coimbra, 1980, i,
págs. 113 e segs. (na 4. ed., Coimbra, 1986, págs. 72 e segs., propõe 3 tipos, aliás,
ideais, de Constituição: a Constituição do Estado liberal, a do Estado social e a do
Estado socialista).
8—Man. Dir. Const..
14Manual de Direito Constiucional
e variável, um objectivo de divisão ou desconcentração de poder. Mas o Direito constitucional marxista-leninista
(na esteira de RousSEAU) rejeita o princípio da representação política e toma-se indissocial de sistemas de
unidade e concentração de poder.
BISCARETTI Dl RUFFIA explica do seguinte modo o contraste entre o Direito constitucional ocidental e o
soviético:
«Enquanto que as Constituições da democracia clássica, com a sua rigidez bem protegida, visam oferecer as mais
amplas garantias às numerosas e distintas formações sociais que operam na sua esfera de aplicação (e, em
particuar, tendem a proteger os grupos minoritários face às maiorias contingentes), as Constituições socialistas
intentam, antes de mais, transformar de forma cada vez mais integral a velha sociedade não homogénea... numa
sociedade verdadeiramente homogénea, sem oposição de classes, e onde a propriedade de todos os meios de
produção das riquezas acabe por se tornar colectiva. E, como esta imensa obra de transformação social só se pode
realizar por sucessivas fases, as Constituições sofre frequentes mutações, correspondentes aos diversos estádios de
evolução progressivamente atingidos. E somente nos estádios mais avançados que as instituições constitucionais
podem começar a aspirar a uma certa estabilidade de estruturas, determinando então a entrada em vigor do
princípio da legalidade socialista (isto é, do respeito escrupuloso das normas legislativas), realizado com a
colaboração da autoridade judiciária» ().
«Enquanto que no Ocidente a vontade popular é o suporte e a justificação de um poder aberto a todas as aspirações
presentes do povo e a todas as renovações que, no futuro, possam transformar a sua vontade, no Leste o poder
fecha-se sobre uma vontade popular cuja preponderância justifica a exclusão de qualquer contradição e cuja
ortodoxia se opõe, no futuro, a qualquer alteração.
«De um lado Poder aberto, porque, se a vontade popular lhe dita os imperativos que comandam a sua acção, pelo
menos esta vontade é aceite na sua complexidade real. Existe nela o «pró» e o «contra». Sem dúvida, o «pró»
prevalecerá pelo jogo da força do número, mas o «contra» ter-se-á feito ouvir. Ou melhor: o Poder não lhe está
definitivamente fechado, porque lhe cabe a esperança de ganhar o Povo para esse «contra» que não tem, decerto, o
direito de mandar, mas que tem o direito de existir...
«De outro lado Poder fechado ou Poder servidor de uma vontade popular cuja
substância está definitivamente fixada. Poder fechado ainda como Poder cuja
inspiração, cujo programa e cujos planos, formados segundo as exigências dessa
vontade preponderante, escapam, doravante, a qualquer revisão, porque a organização
do exercício do poder está combinada de modo a esse poder ser monopoizado pela
força política que é erigida em senhora do Estado. Poder fechado, enfim, como Poder
partidário Poder dogmático, porque o serviço excusivo da ideologia que encarna lhe
impede de considerar as concepções divergentes a não ser como heresias que é preciso
destruir» ().
O Direito tem de ser visto numa dimensão muito mais ampla que a da ideologia e a da
afinidade de sistemas políticos e económicos. O Direito faz parte da vida dos povos e
o Direito constitucional ostenta, positiva ou negativamente, as particularidades da sua
convivência política, da sua cultura, do seu ambiente humano. Nem é a Constituição
económica a região nuclear ou determinante do Direito constitucional (2).
Por mais fortes que sejam os vínculos de unidade no Ocidente, subsistem irrecusáveis
sinais e causas de diferenciação. Basta pensar no papel do costume e das convenções
constitucionais em Inglaterra, em contraposição ao culto da lei nos países latinos (e
também, sob outra perspectiva, nos países com Constituições marxistas-leninistas); na
pujante função desempenhada pêlos tribunais americanos na vida política e social, ao
lado da estrita função judicativa dos tribunais franceses; noutro plano, nas diferenças
entre o governo local de Inglaterra e as autonomias comunais ou municipais do
Continente
() Traité..., cit., v, 2.” ed., Paris, 1970, págs. 614615. Cfr. também A Democracia,
trad., Lisboa, 1957, págs, 72 e segs.
Essa ligação entremostra-se mais fortemente no respeitante aos países com regimes
marxistas-leninistas: têm Direito privado socialista soviético os países com Direito
constitucional socialista soviético; ou melhor, a adopção de um regime de tipo
soviético acarreta a modificação completa do sistema jurídico privado. Mas encontra-
se conexão igualmente noutros países: o Direito constitucional de índole britânica
quase só abrange países de common law e não terá sido obstáculo desprezível à plena
recepção dele em numerosos países (caso das monarquias constitucionais europeias) o
possuírem estes um sistema de Direito privado estranho ao Common Law.
() V. também KONRAD ZWEIGERT e HEINZ KÕTZ, op. cit., pâg. 80. (2) Cfr., em
geral, B. CASTEJÓN PAZ e E. RODRIGUEZ ROMAN, Derecho Administrativo y
Ciência de Ia Administracion, 2. ed., Madrid, 1969, l, págs. 48 e segs., MARCELLO
CAETANO, Tendências..., cit., págs. 429 e segs., MARCELO REBELO DE SOUSA,
Estado, cit., loc. cit., págs. 242-243, HELLY LOPES MEIRELLES, Direito
Administrativo Brasileiro, 19.° ed. São Paulo, 1994, págs. 48 e segs., FREITAS DO
AMARAL, Curso..., cit., págs. 91 e segs.
118Manual de Direito Constitucional
mada administração judiciária de tipo britânico radica no ruie of law, ao passo que
que a administração executiva de tipo francês assenta no modo como a separação de
poderes aí foi (e continua sendo) entendida ().
Não menos nítida se mostra a dependência do sistema administrativo dos países com
regime marxista-leninista dos respectivos sistemas constitucionais. Os fins
prosseguidos pela Administração identificam-se com os fins ideológicos assumidos
pela Constituição e sobrepõem-se a quaisquer direitos e interesses subjectivos (sem
efectiva tutela jurisdicional). E o «centralismo democrático» do partido reflecte-se
numa extrema centralização e concentração da vida administrativa.
titucional. Exactamente por ser o tronco da ordem jurídica do Estado, muito mais
directamente que qualquer dos ramos sofre os efeitos dos condicionamentos culturais,
religiosos, políticos, económicos presentes ou latentes no país — assim como, em
contrapartida, é o sector estratégico fundamental de conformação jurídica e de
transformação desses condicionamentos.
Em instância algo diferente, não devem também esquecer-se os limites que resultam
para os governantes e, em geral, de maneira mais ou menos imediata, para os
mecanismos constitucionais, das estruturas económicas, sociais e culturais dos
respectivos países. A situação político-constitucional há-de ser variável consoante se
viva em país com certa tradição cultural ou com outra, com certa concepção das
relações entre o Estado e a sociedade ou com outra, em economia de mercado ou de
direcção central, num país agrícola ou num país industrializado, com certa
composição de classes sociais ou com composição completamente diversa (2).
(2) Cfr., por exemplo, v. S. N. ESENSTADT, Los sistemas polticos de los Impérios,
trad., Madrid, 1966; J. SCHUMPETER, Capitalism, socialism et démocratie, trad.,
Paris, 1972; MAURICE DUVERGER, Janus—Lês deux faces de 1’Occident, Paris,
1972; BARRINGTON MOORE, As origens sociais da democracia e da ditadura,
trad., Lisboa, 1975; JAMES M. BUCHANAN, Constitutional design and
construction:
Não é por fortuitas razões que a continuidade histórica triunfa no século xvni, em
Inglaterra, e não em França; ou que a Constituição dos Estados Unidos tem sido
defendida e desenvolvida pêlos tribunais; ou que, após décadas de regime soviético, se
procurou substituir o princípio da legalidade socialista pêlos princípios do Estado de
Direito. E não é por fortuitas razões que, na Ásia e na África, se tem dado uma
dialéctica dos sistemas políticos, económicos e constitucionais em face das condições
locais e a aplicação concreta tem conduzido a vivências muito diferentas daquelas que
os esquemas jurídicos pareceriam postular.
CAPITULO II
AS FAMÍLIAS CONSTITUCIONAIS
§ 1.°
a) A fase dos primórdios, iniciada em 1215 com a concessão da Magna Carta (pela
primeira vez, porque diversas outras vezes viria posteriormente a ser dada e retirada
consoante os fluxos e refluxos de supremacia do poder real);
b) A fase de transição, aberta em princípios do século xvn pela luta entre o Rei e o
Parlamento e de que são momentos culminantes a Petição de Direito (Petition of
Right) de 1628, as revoluções de 1648 e 1688 e a Declaração de Direitos (BUI
ofRights) de 1689;
Embora se fale, o mais das vezes, em Inglaterra, em rigor deve aludir-se a Reino
Unido da Grâ-Bretanha e da Irlanda do Norte, resultante da união, feita em 1707,
entre a Inglaterra (integrando o País de Gales e ocupando então toda a Irlanda) e a
Escócia — uma união real subsequente à união pessoal formada em 1602.
() Não o Direito privado, como se sabe, pois a Escócia tem um sistema próprio de
influência romanística.
(2) Cfr. ANNE PALLISTER, Magna Carta — The Heritage of Liberty, Oxónia,
1971; JOÀO SOARES CARVALHO, Em volta da Magna Carta, Lisboa, 1993.
124Manual de Direito Consitucional
Nas últimas décadas, as consequências sociais, económicas e culturais da 2. guerra mundial e da descolonização, a
inserção na Europa, o problema da Irlanda do Norte e certa quebra de consenso acerca da monarquia têm suscitada
sinais de mudança, que o futuro elucidará (2).
entre o século xvii e meados do século xix prevalece a Câmara dos Lordes, e por isso,
chama-se ao período aristocrático; desde o século xix transfere-se para a Câmara dos
Comuns (para si ou para o Gabinete) a sede principal do poder e, assim, chega-se a
um período democrático.
(2) Sobre a problemática das reformas constitucionais, cfr., entre outros, IAN
LOVELAND, op. cit., págs. 605 e segs.
sigo a ideia de um tipo de goveo que se pratica agora, em contraste com outro que se
praticava outrora. Mas não se trata, pelo menos até há cerca de um século, de um tipo
de goveo puro; trata-se de um tipo de governo misto, porque, se existe sempre um
órgão de determinada estrutura que exerce mais larga soma de atribuições efectivas,
deve ele também sempre contar com a interferência dos outros que o limitam e o
impedem de pôr em causa os fundamentos da Constituição.
porque a sua simples existência impede que surjam difíceis problemas de equilíbrio
político; e porque continuam a desempenhar uma função social e pública, interna e
externa, insubstituível (o Monarca é a expressão da unidade do Commonwealth).
«Em todas as nossas lutas políticas, a voz dos ingleses nunca se ergueu para pedir a afirmação de novos princípios,
o estabelecimento de leis novas;
o grito público foi sempre para reclamar uma melhor obediência às leis em vigor e para se repararem os males
nascidos da sua corrupção ou do seu esquecimento. Até à Magna Carta ter sido arrancada ao Rei João,
reclamaram-se as leis do born Rei Eduardo; e, quando o tirano, contra a sua vontade, apôs o selo nesta obra
capital, fundamento de todas as nossas leis posteriores, limitamo-nos a exigir o estrito acatamento de uma Carta
que passava por não ser senão a Constituição de Eduardo sob uma forma nova. Fizemos mudanças de tempo a
tempos. Mas estas mudanças foram simultaneamente um acto de conservação e de progresso: um acto de
conservação, porque eram um progresso; um progresso, porque conservavam» ().
Por seu lado, um autor português, ANTÓNIO JOSÉ BRANDÃO, estabelece assim o confronto entre a experiência
francesa e a britânica:
«A França e todos os povos que a seguiram adoptaram para Constituição política a ideologia demoliberal e a
estrutura do Estado que ela impunha. A Inglaterra, porém, em vez de dotar o Estado com um documento
constitucional rigoroso, modelar, coerente, limitou-se a viver dentro do respeito da Constituição histórica da
Nação e do seu Estado. Sem querer saber de teorias, confiando no tacto existencial e no bom-senso do escol
político, vagarosamente, ao longo de quinhentos anos, do século xn ao século xvn, vai-se «constituindo» como
Nação. A «Magna Charta», a «Petition of right», o «Bill of rights», o «Instrument of Government», o «Act of
Settlement» marcam as fases do processo gradual que deu uma estrutura determinada ao Estado, de harmonia com
as diversas modificações estruturais da Nação. A história do regime constitucional inglês confunde-se, como
muitas vezes
(i) The Growth of he English Constitution, citado por DARESTE e DARESTE, Lês
Constitutions Moderns, 2. ed. Paris, 1891, l, págs. 42-43.
128Manual de Direito Constitucional
se afirmou, com a história do Parlamento. Mas este, no seu início, é o simples órgão consultivo e judiciário de um
Rei feuda detentor da plenitude do Poder político; só mais tarde, devido a circunstâncias históricas, passou a ser
instrumento de uta política entre os barões normandos, o alto clero e o Rei; por último, foi o método achado para
limitar o Poder real e o associar normalmente ao trabalho govemativo das duas Câmaras, a dos Comuns e a dos
Lordes.
«Desta sorte, às diferentes combinações das forças políticas, acarretando modificações estruturais da Nação
inglesa, corresponderam sucessivas modificações do Estado inglês. Este, em vez de uma Constituição escrita, tem
uma nação politicamente constituída de certo modo. As suas leis fundamentais dizem respeito a essas modificações
de estrutura política, que ele respeita e serve. Por isso, o Estado inglês não pauta a sua actividade governativa por
uma ideologia constitucional — mas pelo instinto de conservação e de desenvolvimento da estrutura histórica da
Nação inglesa...» ().
Diz-se muitas vezes que a Constituição inglesa é uma Constituição não escrita
(unwritten Constitution). Só em certo sentido este asserto se afigura verdadeiro: no
sentido de que uma grande parte das regras sobre organização do poder político é
consuetudinária; e, sobretudo, no sentido de que a unidade fundamental da
Constituição não repousa em nenhum texto ou documento, mas em princípios não
escritos, assentes na organização social e política dos Britânicos (2).
() Sobre o conceito de Constituição Política, Lisboa, 1944, págs. 98-99. (2) Cfr.
IVOR JENNINGS, op. cit., págs. 33 e segs.
Parte l—O Estado e os sistemas constitucionais 129
E não se diga que em Inglaterra é também apenas nos limites da lei que o costume
pode funcionar (3) — porque a prática não o corrobora; nem se invoque o princípio da
«soberania do Parlamento» (ou de que o Parlamento pode dispor sobre quaisquer
matérias, embora sem vincular o legislador futuro), porque este princípio ainda se
funda no costume.
() Cfr., por exemplo, K. LOEWENSTEIN, op. cit., págs. 165 e segs.; ou HELEN
FENWICK, op. cit., págs. l e segs.
(2) Sobre o assunto, v. GUSTAV RADBRUCH, Lo spiritto dei diritto inglese, trad.,
Milão, 1962; JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, As fontes do Direito no sistema
jurídico anglo-americano, Lisboa, 1974.
O quadro jurídico assim definido não é hoje especificamente inglês, nem sequer
anglo-saxónico — muitos desses princípios foram aclamados pelas revoluções liberais
— mas não há dúvida de que ele nasceu em Inglaterra, é lá que, durante muito tempo,
foi vivido mais autenticamente e (aspecto de mais alta importância) é lá que menos
interrupções ou suspensões tem sofrido.
(3) Sobre o ruie of law, v. DICEY, op. cit., págs. 183 e segs.; IVOR JENNINGS, op.
cit., págs. 41 e segs.; RADBRUCH, Lo spiritto..., cit., págs. 24 e segs.; GARCIA
PELAYO, Derecho Constitucional Comparado, cit., págs. 278 e segs.; JORGE
NOVAIS, op. cit., págs. 46 e segs.; NUNO PIÇARRA, A separação de poderes como
doutrina e princípio constitcional, Coimbra, 1989, págs. 41 e segs.; PEREIRA
MENAUT, op. cit., págs. 209 e segs.; GUSTAVO ZAGREBELSKY, op. cit.. págs. 24
e segs.; MARIA DA GLÓRIA GARCIA, op. cit., págs. 323 e segs.; IAN
LOVELAND, op. cit., págs. 63 e segs.
Para DICEY, o ruie of law significa três coisas: l.”) a absoluta supremacia do direito
sobre o poder arbitrário; 2.°) a igualdade perante a lei ou a igual sujeição de todos ao
direito ordinário do país aplicado pêlos tribunais ordinários; 3.) a Constituição como
consequência do direito ordinário do país ou como resultado das decisões judiciais
relativas aos direitos das pessoas (págs. 188 e segs.).
Parle I—O Estado e os sistemas constitucionais 131
II — As principais liberdades e garantias dos Ingleses encontram-se consagrados em três documentos já acima
citados — Magna Chara, Petition of Rights, BI ofRights — e ainda em outros que foram sendo publicados ao
longo dos tempos.
— Ninguém pode ser detido ou sujeito a prisão ou privado dos seus bens ou colocado fora da lei ou exilado ou, de
qualquer modo, molestado senão mediante um julgamento regular pêlos seus pares ou de harmonia com a lei do
país (Magna Carta, 39);
— Seja qual for a sua categoria ou condição, ninguém pode ser expulso das suas terras ou da sua morada, nem
detido, preso, deserdado ou morto sem que lhe seja dada a possibilidade de se defender em processo jurídico
regular (Petição de Direito, iv);
— Ninguém pode ser obrigado a contribuir com qualquer dádiva ou a pagar qualquer taxa ou imposto sem
consentimento do Parlamento (ibidem, viu);
— Os súbditos têm direito de petição perante o Rei e são ilegais todas as prisões ou processos por causa do
exercício deste direito (Declaração de Direitos, n.” 5);
— A liberdade de palavra e os debates ou processos parlamentares não devem ser sujeitos a acusação ou a
apreciação em nenhum tribunal ou em qualquer lugar que não seja o Parlamento (ibidem, n.” 9);
— Não devem ser exigidas cauções demasiado elevadas, nem aplicadas multas excessivas, nem infligidas penas
cruéis e aberrantes (ibidem, n.” 10);
— São ilegais todas as dádivas e promessas de multas e de confiscos antes de ser proferida sentença condenatória
(ibidem, n.” 12).
O quadro é completado pela acção dos tribunais, preenchendo o conteúdo destas e doutras liberdades e garantias e
consagrando novos direitos, através da solução de casos e de indução e generalização a partir dees. E tem-no sido
também por força da vinculação a tratados internacionais, designadamente à Convenção Europeia dos Direitos do
Homem ().
«Os Anglo-Saxões permaneceram fiéis à autêntica tradição clássica para a qual o juiz é o órgão essencial do
Direito. Na verdade, definem o Direito através do juiz: é Direito o que é aplicável pelo jui. Os Continentais
definem-no pela coacção social: é o conjunto de regras susceptíveis de ser sancionadas por uma coacção social.
«As duas definições seriam equivalentes, se o juiz fosse o único meio de sanção; mas há também o polícia e a sua
coercitio. Ora, a definição continental faz passar a coercitio disciplinar antes da arbitragem judiciária e o polícia
antes do juiz. Pelo contrário, os Anglo-Saxões fazem passar o juiz antes do polícia...
«2.” — O juiz anglo-saxão é o grande poder social e jurídico, por si só capaz de contrabalançar os poderes
políticos. Em primeiro ugar, o juiz anglo-saxónico é um grande poder social, pois que é ele que faz justiça a todo o
povo...
«... A segurança da vida privada repousa tanto sobre a justiça criminal como sobre a justiça civil...
«No desempenho da sua missão o juiz anglo-saxónico é senhor de Direito; o que ele não aplica não é Direito. E, na
verdade, ele é senhor da common law, por ser ele que a faz e continua a fazer mediante a sua jurisprudência.
Também perante o statute law o domínio é quase igual. Nos Estados Unidos da América a fiscalização da
constitucionalidade fomece-lhe o meio de manter constantemente as leis votadas pelas assembleias legislativas nos
quadros dos velhos princípios individualistas. Em Inglaterra, o juiz não pode recorrer à fiscalização da
constitucionalidade, mas serve igualmente os princípios de common law, mediante a interpretação de leis novas
que repõe no curso da tradição» (2).
(2) Sobre o papel dos tribunais anglo-saxónicos, v. também JENNINGS, op. cit., págs.
239 e segs.; OLIVEIRA ASCENSO, As fontes..., cit., págs. 58 e segs.; MARTIN
SHAPIRO, Courts—A Comparativ and Political Analysis, Chicago e Londres, 1981,
págs. 65 e segs.
Parte I—O Estado e os sistemas constitucionais 133
() Cfr., por todos, DICEY, op. cit., págs. 39 e seg. (que recorta a soberania do
Parlamento através do poder legislativo — de um poder legislativo sem limites sobre
qualquer matéria); e, mais recentemente, IVOR JENNINGS, op. cit., págs. 137 e
segs.; T. R. S. ALLAN, The British Model of Representativ Government: Political
Accountability and Legal Contri, in El Constitucionalismo en Ias postrimerías dei
sigio XX, obra colectiva, III, México, 1988, págs. 9 e segs.; A. W. BRADLEY, The
Sovereignity ofParliament on Perpetuity, in The Changing Constitution, págs. 79 e
segs.; IAN LOVELAND, op. cit., págs. 27 e segs.
Não quer isto dizer, no entanto, que (ao contrário do que, por vezes, se lê), em vez de
um sistema de separação de poderes, estejamos diante de um sistema de concentração.
Se a distinção entre Legislativo e Executivo se apresenta somente judica (dado o
domínio pelo Governo da iniciativa da lei), politicamente sobressai a separação entre
maioria e minoria, entre Governo e Oposição (que constitui o chamado «Gabinete-
sombra»). Além disso, a vitalidade da instituição parlamentar manifesta-se quer na
circunstância de os dirigentes políticos serem Deputados (e Lordes) quer na de as
grandes opções govemativas serem assumidas através de debate parlamen-
(2) Cfr., por todos, IAN LOVELAND, op. cit., págs. 234 e segs.
Parte I—O Estado e os sistemas constitucionais 135
tar; com a presença de Ministros, quer nas perguntas orais ao Governo ().
c) Escolha dos Ministros entre os membros do Parlamento e sua presença nas reuniões
das Câmaras;
g) Institucionalização da Oposição;
h) Disciplina partidária;
j) Alternância de dois partidos no poder, em períodos mais ou menos longos (ao fim
de uma, duas ou, mais raramente, três legislaturas) (2).
(2) Para uma visão histórica e descritiva, v. MARNOCO e SOUSA, Direito Político—
Poderes do Estado, Coimbra, 1910, págs. 221 e segs.; IVOR JENNINGS, Cabinet
Government, Cambridge, 1937; ERNST BAKER, Essays on Government, 2. ed.,
Oxnia, 1965, págs. 56 e segs.; KARL LOEWENSTEIN, Teoria..., cit., págs. 125 e
segs., e British Cabinet Government, Nova Iorque, 1967; GIUSEPPE DE
VERGOTTINI, Lo «Sha-
136Manual de Direito Constitucional
Mas em poucos campos se poderá dizer que tenha sido e que continue a ser mais forte
e duradoura a influência quer de Roma quer da Inglaterra do que no campo do Direito.
Sem contestação, deve mesmo acrescentar-se que a primeira no Direito privado, a
segunda no Direito público criaram paradigmas que os outros povos depois quiseram
imitar ().
Se olharmos para o mundo dos nossos dias, logo descobriremos nos países por onde
os Britânicos passaram traços de um sistema de governo parecido com o inglês, ou
seja, um sistema parlamentar de gabinete. Assim acontece com o Canadá (), a
Austrália, a Nova Zelândia; e com a Índia, a Malásia, a Jamaica, Trindade, Malta,
também dentro do Commonwealth; com a Irlanda (na prática, não propriamente na
Constituição de 1937) (2) e com Israel.
Contudo, importa advertir que não basta a similitude dos sistemas de governo para se
concluir pela similitude dos sistemas constitucionais. Os países referidos, embora com
maiores ou menores atenuações, incluem-se na família de Direito constitucional inglês
em virtude de outros elementos que os aproximam uns dos outros e da Inglaterra, tais
como a adesão ao Common Law, a importância do costume e da jurisprudência, o
sentido liberal das normas constitucionais, a flexibilidade ou a menor rigidez de
algumas das Constituições e, na maior parte das vezes, o sistema de partidos. Ao lado
deles, temos, porém, países — os escandinavos, de alguma maneira, a Alemanha, a
Espanha — cujos sistemas de governo actuais não são sem analogia com o sistema
inglês e que, apesar disso, seria precipitado integrar na família constitucional de raiz
inglesa, por faltarem outros elementos comuns; e no século xix ainda mais nítido foi
este fenómeno aquando da formação do parlamentarismo em grande parte da Europa.
(3) com o Direito ocorre algo de idêntico ao que ocorre com as línguas quando se
expandem fora da sua terra de origem: ele é recebido no estado em que se acha na
altura da expansão; e, assim como certos termos se tomam arcaicos no país de origem
e subsistem no país de difusão, assim certas formas institucionais ficam presas às
épocas em que eram aceites nos países donde provieram.
138Manual de Direio Consitucional
l .0) No século xvn, para as primeiras colónias da América do Norte e das Caraíbas.
Os traços próprios desta difusão vêm a ser três: existência de Constituições limitativas
da autoridade dos governadores; criação de assembleias representativas; garantia de
liberdades.
4.°) No segundo quartel do século xix para a Europa continental (depois do Reform
Act de 1832), em paralelo com a Constituição belga de 1831. Trata-se agora, por um
lado, de uma monarquia constitucional fundamentada na Constituição, e não já num
autónomo princípio monárquico, e, por outro lado, de um sistema parlamentar. O
Estatuto outorgado pelo rei Carlos Alberto da Sardenha em 1848, e que viria mais
tarde a ser extensivo à Itália unificada, é a Constituição mais importante feita sob essa
influência.
Parte I—O Estado e os sistemas constitucionais 139
§2.°
E depois, JAMES BRICE, The American Commonwealth, l.” ed., 1884 (trad. francesa
La Republique Américaine); EDWARD S. CORWIN, The Constitution and what it
means today, Princeton, 1920 (com numerosas reedições); e American Consitutional
History, Gloucester, 1970; ANDRÉ e SDZANNE TUNC, Lê Systeme Conslitutionnel
dês Élats- Unis, 3 vols., Paris, 19541955; The Constitution and the Supreme Court —
A Documenary History, ed. por Lewis H. Pollak, 2 vols., Cleveland e Nova Iorque,
1968; ARMANDO MARQUES GUEDES, op. cit., págs. 121 e segs.; ALFRED H.
KELLY e WINFRED A. HABISON, The American Constitution — Its Origin and
Development, . ed., Nova Iorque, 1976; MARCELLO CAETANO, op. cit., l, págs. 91
e segs.; HERMANN C. PRITCHETT, The American Constitution, 3.” ed., Nova
Iorque,
1977; SOTIRIOS A. BARBER, On What the Constitution means, Baltimore e
Londres, 1984; ROGERS M. SWITH, Liberalism and American Constitutional Law,
Cambridge (Mass.) e Londres, 1985; RONALD D. ROTUNDA, JOHN E. NOVAK e
J. NELSON YOUNG, Treatise on Constituttional Law — Substance and Procedure,
S. Paulo (Minesota), 3 vols., 1986; How Démocratie and How Capitalistic is the
Constitution, obra colectiva editada por ROBERT A. GOLDWIN e WILLIAM A.
SCHAMBRA, trad. portuguesa A Constituição Norte-Americana, Rio de Janeiro,
1986; The Constitution of the United States of America-Analysis and Interpretaion,
Washington, Congress
140Manal de Direito Constitucional
nas nesse ano. Sem esquecer os Covenants e demais textos da época colonial (antes de
mais, as Fundamental Orders of Connecticut, de 1639), integram-no, desde logo a
nível de princípios e valores ou de símbolos a Declaração de Independência, a
Declaração de Virgínia e as outras Declarações de Direitos dos primeiros Estados.
Não representa, por conseguinte, tarefa fácil, nem simples conhecer o Direito
constitucional dos Estados Unidos (até porque a própria Constituição de 1787, com as
suas extensas secções, não é tão breve quanto, por vezes, se supõe e as Constituições
dos Estados, além de diversificadas, são frequentemente longas e regulamentarias).
Rígida, visto que não pode ser alterada em moldes idênticos aos adoptados para a
feitura das leis ordinárias, e qualquer modicação requer um processo complexo, com
intervenção dos Estados. Elástica, visto que, a partir do seu texto primitivo, na
aparência intacto, e dos aditamentos, tem podido ser concretizada, adaptada,
vivificada (e até metamorfoseada) sobretudo pela acção dos tribunais.
Sem dúvida, a sua dupla função de lei fundamental e de pacto constitutivo da união (a
Constituição funda verdadeiramente os Estados Unidos) (), a tradição jurídica anglo-
saxónica, essa elasticidade, o trabalho jurisprudencial, circunstâncias histórico-sociais
favoráveis explicam a longevidade da Constituição e a consistência das instituições
políticas americanas (2).
(2) Sem embargo de uma relativa instabilidade das Constituições estaduais (de mais
fácil modificação). Até agora, para 50 Estados, houve 145 Constituições.
A atitude das constituintes não foi, pois, tanto uma atitude voluntarista — como se
exibiria em França pouco depois — quanto uma atitude cognoscitiva à imagem da que
se adoptava em Inglaterra. Um racionalismo, sempre temperado pelo empirismo, e
nunca desligado de um sedimento religioso (), foi aí um meio ou caminho para
organizar uma união de Estados livres (2).
(3) Em rigor, primeira Constituição escrita de Estado soberano ainda vigente, porque
mais antiga (de 1780) é a de Massachussetts.
43. O federalismo
.°) Poder constituinte de cada Estado, pois cada Estado decreta e altera a sua própria
Constituição, nos limites da Constituição federal e somente com a necessidade de
respeitar a forma republicana ();
3.°) Especialidade das atribuições federais, entendendo-se que as que não forem
próprias do Estado federal (v. g., defesa, comércio externo, moeda, correios)
pertencem (ou podem pertencer) aos Estados federados (v. g., Direito civil, Direito
penal, poder local);
4.°) Igualdade judica dos Estados federados, manifestada não apenas na sua igualdade
de condição e de participação no Senado e no processo de revisão constitucional mas
também na igual capacidade de cidadãos de cada Estado noutros Estados e no
reconhecimento de actos públicos, documentos e processos produzidos em qualquer
Estado (art. iv da Constituição).
Nos últimos anos, aliás, tem-se procurado afirmar uma tendência inversa, de
diminuição das atribuições e dos encargos federais (ligada quase sempre a uma
reacção contra o Welfare State) ().
(3) Sobre o assunto V. HAMILTON, O Federalista, trad. cit., págs. 623 e segs. ()
PETER DRUCKER, cit. por JACQUES MARITAIN (Reflexões sobre os Estados
Unidos, trad., 2. ed., Rio de Janeiro, 1959, pág. 202), explica assim a postura norte-
americana perante a religião: «A esfera do Estado tem que ser uma esfera autónoma...
Mas uma sociedade livre só é possível quando baseada solidamente no indivíduo
religioso... O Estado não deve apoiar, nem favorecer nenhum credo religioso... Mas
deve sempre apadrinhar, proteger e fomentar a religião em geral. Os Estados Unidos
são um Estado secular no que concerne a qualquer credo. Mas, ao mesmo tempo, uma
comunidade religiosa no que concerne a crença geral na necessidade de uma base de
cidadania verdadeiramente religiosa».
10— Man. Dir. Const.,
146Manual de Direito Constitucional
do proprietário; o 4.” assegura a inviolabilidade do domicílio; o 5.”, o 6.” e o 7.” respeitam a garantias de processo
penal; o 8.” impõe limites às penas criminais.
O 9.” Aditamento declara que a especificação de certos direitos pela Constituição não significa que fiquem
excluídos ou desprezados outros direitos — é a chamada cláusula aberta, da maior importância nos Estados
Unidos e noutros países (). E o IO.” Aditamento declara que os cidadãos gozam de todos os direitos que não lhes
sejam expressamente vedados.
O 14.” (de 1868) impede os Estados de fazer ou executar leis que restrinjam as prerrogativas e garantias dos
cidadãos, privar alguma pessoa da vida, da liberdade ou da propriedade sem observância dos tramites legais ou
recusar a qualquer pessoa a igualdade perante a lei.
O 15.” (de 1870) garante o direito de voto, independentemente da raça, da cor ou da anterior condição de escravo;
o 19.” (de 1920), independentemente do sexo; o 24.” (de 1964), independentemente do pagamento de qualquer
taxa ou imposto; e o 26.” (de 1971), independentemente de idade superior a 18 anos.
A tradução prática da maior parte destas regras deve-se menos ao legislador do que
aos tribunais (2).
(2) Cfr. The Rights of Americans, what they are, what they should be, obra colectiva editada por NORMAN
DORSEN, Nova Iorque, 1972; HENRY J. ABRAHAN, Freedom and he Courts. Civil Rights and Liberties in the
Uniled States, 3.” ed., Nova Iorque, 1977; o vol. 28, n.” 4 (de 1979), do Emory Law Journal; MICHAEL J.
PHILLIPS, Status and Freedom in American Constitutional Law, in Emory Law Journal, vol. 29 (Inverno de
1980), págs. 3 e segs.; The Supreme Court and Human Rights, obra colectiva editada por BURKE MARSHALL,
Washington, 1982; ROGERS M. SMITH, Liberalism and American Constitutional Law, 2. ed., Cambridge
(Massachussett),
1990; ANTONIN SCALIA, Federal Constitutional guarantees of individual rights in the United States of
América, m Human Rights and Judicial Review — A Comparativ Perspective, obra colectiva editada por DAVID
M. BEATTY, Dordrecht, 1994, págs. 57 e segs.
Parle l—O Estado e os sistemas constitucionais 147
I — São três os aspectos que mais ressaltam na observação do sistema judicial dos
Estados Unidos, originado no Common Law:
Nenhum preceito constitucional expresso confere este poder de garantia aos tribunais,
prevê a judicial review (3). Não obstante, sólidas razões jurídicas foram invocadas,
desde o início, para o sustentar. Foram elas: l.) o poder legislativo é um poder
constituído, que não pode ser exercido em contrário da Constituição, obra do poder
constituinte; 2.) os tribunais só podem aplicar leis válidas e são
(’) V., por exemplo, EUGENE V. ROSTOW, The Sovereign Prerogative: The
Supreme Court and the Quet for Law, New Haven, 1962; CARL BRENT SWISHER,
The Supreme Court m Modern Role, Nova Iorque, 1970; CHARLES C. BLACK, JR.,
The People and the Court. Judicial Review in a Democracy, Westport, 1977
(reimpresso).
(3) Os preceitos mais próximos são o art. 111, secção li, n. l (a Constituição como
fonte de decisão judicial), e o art. vi, n.” 2 (a Constituição como lei superior do País).
148Manual de Direito Constitucional
inválidas as leis contrárias à Construção — que é lei superior a todas as outras leis ().
e) A lei não é anulada, mas considerada não lei, nula; nem sequer o Supremo Tribunal
exige que o Congresso declare a lei sem valor, é como se nunca tivesse sido votada.
IV — A judicial review foi posta em prática pela primeira vez em 1803 no acórdão do
Supremo Tribunal que decidiu o caso «Marbury versus Madison».
() Assim, HAMILTON, O Federalista, trad. cit., págs. 577-578. (2) Outros meios são
a injunção e a juízo declaratório.
Parte I—O Estado e os sistemas constitucionais 149
.”) Até cerca de 1880, a preocupação maior é a da defesa da unidade dos Estados
Unidos e a fiscalização serve de arbitragem entre a União e os Estados federados;
3.”) Por último, sobretudo desde 1954 (caso «Brown versus Board of Educatíon»), de
preferência à salvaguarda da propriedade, dedica-se (mas com oscilações nos últimos
anos) à salvaguarda da liberdade política e da igualdade racial (4).
(3) No inicio deste século, o juiz Hugles (que foi presidente do Supremo Tribunal)
pôde afirmar: «Somos regidos por uma Constituição, mas são os juzes que dizem o
que é a Constituição».
Como escreve ROGÉRIO SOARES, seguindo GERHARD LEIBHOLZ, quando a jurisprudência americana
interpreta as cláusulas constitucionais da «Equal Protection of the Law», tradicionalmente supõe-nas compatíveis
com o juízo de que os negros podem ser tratados «equal but separate»; todavia, em
1954, o Supremo vem declarar «que educação separada é uma violação do princípio da igualdade». Foi a
constelação de valores socialmente acatados que obrigou assim a uma radical mudança de sentido na interpretação
constitucional. E, no entanto, a estrutura da Constituição não teve de ser alterada, pois ela nunca aceitou uma regra
inversa de desigualdades naturais entre os cidadãos ().
Por outro lado, são conhecidos o debate doutrinal e a divisão no seio dos próprios tribunais entre uma linha
preferentemente historicista e o activismo construtivista (2).
(2) Cfr., por todos, RONALD DWORKIN, Law’s Empire, 1986, trad. italiana L’imper
dei diritto, Milão, 1989, págs. 329 e segs.; MIGUEL BELTRÁN, Originalisme e
interpretación — Dworkin vs. Bork; una polemica costitucional, Madrid,
1989; ou EARL M. MALTZ, Rethinking Constitutional Law — Originalism,
Interventionism and the Politics of Judicial Review, Cansas, 1994.
(2) Se bastasse a maioria simples, como em Inglaterra, poderia correr-se o risco de conversão do sistema em
sistema parlamentar.
(3) O «veto legislativo» (ou reserva de aprovação de medidas adoptadas no uso de autorizações conferidas ao
Presidente) era também, por prática de há 50 anos, uma das formas de colaboração e fiscalização; o Supremo
Tribuna declarou-o inconstitucional em 1983. Cfr. Luc ROUBA, L’’ inconstitutionnalité du veto législatif aux
États-Unis, in Revue du droit public, 1984, págs. 949 e segs.; NUNO PIÇARRA, A reserva de administração in O
Direito, 1990, págs. 347 e segs.; PEDRO BACELAR DE VASCONCELOS, op. cit., págs. 37 e segs.
152Manual de Direito Constitucional
Para lá da influência dos doutrinários, alguns factores históricos explicam bem a sua
instauração: a experiência colonial, com governadores nomeados pela Coroa britânica
e assembleias electivas; a tendência natural para conceber o Presidente à imagem do
Rei de Inglaterra (no século xvm ainda exercendo a «prerrogativa»); a vontade dos
pais da Constituição de evitarem tanto o despotismo de um homem só como os vícios
das assembleias soberanas.
Em dois séculos de história e apesar da sua complexa realização — pois implica dois
centros de poder, ao contrário do parlamentarismo — o sistema revelou-se adequado
às necessidades e aos problemas. Mesmo nas ocasiões em que o partido do Presidente
não tem disposto de maioria no Congresso, os conflitos entre Executivo e Legislativo
têm sido vencidos sem crises institucionais, mercê da flexibilidade dos partidos
americanos e da homogeneidade fundamental do meio político e social (a despeito da
diversidade étnica e económica) (3).
() Cfr. EDWARD S. CORWIN, The Presidem. Office and Powers, 5.” ed., Nova
Iorque, 1994.
(3) Cfr. HUGH BONÉ, American politícs and the party system, 4.” ed., Nova Iorque,
1971; JUDSON L. JAMES, American Political Parties, Londres, 1971; JOSEPH H.
KESSEL, Presidential Parties, Homewood, 1984.
Parte I—O Estado e os sistemas constitucionais 153
senatoriais) e, desde 1951, o Presidente não pode ser eleito para terceiro mandato
consecutivo. Numa perspectiva mais larga, dir-se-ia tudo se reconduzir a uma
constante redistribuição de poder, numa relação cíclica de maior ou menor ascendente
de um ou outro órgão (e do Supremo Tribunal dos Estados Unidos) ().
(i) Sobre o sistema de governo americano, cfr., por exemplo, ERNEST S. GRIFFITH,
The American System of Government, Londres, 1954; RICHARD NEUSTADT,
Presidential Power, Nova Iorque, 1960; ANDRÉ TUNC, Lê couple Preside—
Congrès dans Ia vie politique dês Etats-Unis d’Amérique, in Méianges offerts à
Georges Burdeau, obra colectiva Paris, 1977, págs. 561 e segs.; CHRISTOPHER H.
PYLE e RICHARD M. Picus, The Preside, the Congress and lhe Consitution, Nova
Iorque, 1984; THEODORE J. Lowi, Presidential Power: Restoríng the Balance, in
Political Science Quarterly, 1985, págs. 185 e segs.
154Manual de Direito Consitucional
pois não há Goveo em sentido próprio nos Estados Unidos, mas sim uma
Administração submetida ao Presidente ();
4.) São bastante diversos os meios de fiscalização parlamentar, não menos eficazes
nos Estados Unidos do que em Inglaterra;
7.) Ao contrário dos partidos ingleses, de forte disciplina e distinta base, os partidos
americanos não têm consistência ideológica, são muito localizados por Estado e, por
conseguinte, permitem diferentes maiorias consoante as questões.
II — É inegável que tanto no Reino Unido como nos Estados Unidos se tem evoluído
para formas de democracia, a que já tem sido dado o nome de democracias directas (e
não democracias mediatiwdas), por permitirem a participação imediata dos cidadãos
na escolha dos governantes e, em particular, do chefe do governo. Mas isso não basta,
mesmo politicamente, para infirmar a originalidade do sistema parlamentar britânico.
Trata-se apenas de um aspecto da sua evolução condicionado em grande parte pêlos
modernos meios de comunicação social (2).
C) O que não quer dizer que, no plano político, o Secretário de Estado e outros
colaboradores do Presidente não tenham importantíssimas funções e, por vezes, mais
poderes efectivos que os membros do Gabinete em Inglaterra.
(2) Sobre o problema, v. ERNST FRÂNKEL, Die reprãsentalive und die plebiszitate
Komponente im democratischen Verfassungstaat, 1958, trad. italiana Lê componente
representativa e plebisciaria nello Stato costítuzionale democrático, Turim,
1994, págs. 50 e segs.; ALBERT MABILEU, Lê regime britannique en question, m
parte l—O Estado e os sistemas constitucionais_____15
A difusão global raramente tem sido real. Para lá da proximidade das formulações
constantes dos textos constitucionais, em poucos países ou em poucos momentos terá
sido possível reproduzir na prática instituições análogas às americanas. Só na
aparência se poderia
No que toca à América Latina — dividida em Estados bastante diferentes entre si—a
sua história, hábitos de centralização e concentração do poder, factores culturais e
sociais, o subdesenvolvi-
Revue française de science politique. 1966, págs. 1082 e segs. (que fala num
parlamentarismo presidencial); ou F. G. MARX, La Grande-Bretagne vit-elle sous un
regme présidentiel?, in Revue du droit public, 1969, págs. 5 e segs. Para uma visão
comparativa mais ampla v. a obra colectiva Presidents and Prime Mimsters,
3.” reimpressão, Washington, 1982, maxime págs. 284 e segs.
e francesas. ,, • j p
(?) Cfr Constitutionalism and Rights. The Influence of the Umted States
II — Dos elementos acolhidos noutros países o que menos êxito tem obtido tem sido o
presidencialismo, o que não surpreenderá se se recordarem as dificuldades de
funcionamento do sistema. O sistema presidencial exige equilíbrio e transigência entre
Presidente e Parlamento como órgãos independentes um do outro, e fora dos Estados
Unidos não é fácil encontrar os indispensáveis condicionalismos de sustentação.
oscilado entre a ditadura e o conflito: a ditadura ou, pelo menos, o governo pessoal,
quando o Presidente consegue o apoio ou o domínio do Parlamento, a obstrução e o
conflito, quando falta a coincidência entre a maioria parlamentar e o partido do
Presidente. E mesmo onde tem funcionado melhor o sistema, sobressaem divergências
em relação aos Estados Unidos: no sistema de partidos, na frequente consagração
constitucional de Ministros (dando origem a um presidencialismo imperfeito), no
reforço dos poderes do Presidente. O meio mais eficaz de limitação destes poderes é a
regra da não reeleição para mandato subsequente ({).
Se, algo diversamente, tomarmos como ponto de referência das instituições o sistema
jurídico-constitucional (e também o administrativo) dos Estados Unidos, mais ou
menos adaptado às tradições e condições locais, e se considerarmos desvios a tal
modelo os regimes ditatoriais sofridos, quase todos de origem ou de carácter militar,
então poderemos alargar algo mais a família. O Brasil e o México, os dois mais
populosos e importantes Estados da América Latina — aquele tendo vivido de 1964 a
1985 em sistema político de excepção ou de democracia controlada, e este até há
pouco, apesar da Constituição de 1917, em semiditadura de partido dominante () (2)
— integrar-se-ão aí, nessa medida; e o mesmo se diga das Filipinas, salvo entre 1965
e 1985.
() MAURICE DUVERGER, Institutions..., cit., l, págs. 489 e segs. (2) Cfr., por
exemplo, a obra colectiva Constitución Poltica de os Estados Unidos Mexicanos
Comentada, México, 1985.
Parte l— O Estado e os sistemas constitucionais 159
§3.°
I — Não é demais frisar que a grande diferença entre o sistema constitucional francês
() e os sistemas constitucionais britânico e americano reside, in primis, na sua origem
revolucionária e, depois, na vocação universalista de difusão de ideias que lhe está
associada.
O sistema vai-se formar a partir de 1789, por via de revolução que, em progressiva
radicalização, se propõe destruir todas as instituições e estruturas antigas. As ideias
que inspiram a mudança não se encontram somente em França, mas é lá (em face de
certos condicionantes históricos muito propícios) que são formalizadas e
compendiadas, e o seu triunfo torna-se um exemplo para o resto da Europa (para onde,
marcharão, nas chamadas guerras da Revolução e do Império, os soldados franceses).
(i) Além das obras de MONTESQUIEU e de ROUSSEAU, é essencial conhecer Qu’est-ce que lê Tiers-Élat? de
SIEYÈS, de 1789 (consultámos a edição crítica de ROBERTO ZAPPERI, Genebra, 1970). Como obras
fundamentais de construção jurídica, v. os Éléments de Droit Constitutionnel français et compare de A. ESMEIN,
cit.;
o Traité de Droit Constitutionnel de LÉON DUGUIT, com várias edições (seguimos a 3.”, em 5 vols. Paris, 1927,
de que há reimpressão); a Contribution à Ia Theorie Générale de l’État de R. CARRÉ DE MALBERG, 2 vols.,
Paris, 1920 e 1922 (com reimpressão); e o Précis de Droit Constitutionnel de MAURICE HAURIOU, cit., e,
como manuais mais circunstanciais, J. LAFERRIÈRE, Cours de Droit Public et Administratif, 1841; A. SAINT-
GIRONS, Manuel de Droit Constitutionnel, 1884; J. BARTHÉLEMY e P. DUEZ, Traité Élémentaire de Droit
Constitutionnel, 1926; e, mais próximos, com numerosas edições, as Institutions Politiques et Droit
Constitutionnel de MAR-
CEL PRÉLOT, GEORGES BURDEAU, ANDRÉ HAURIOU, MAURICE DUVERGER, JACQUES
A Revolução francesa marca a ruptura com o Estado absoluto O (2). É com ela, e não
obviamente com a transição inglesa para o sistema parlamentar ou com a Revolução
americana, que melhor se revela a contraposição entre Estado absoluto e Estado
constitucional, representativo ou de Direito. E, durante ela, vão exprimir-se, nas
concepções defendidas e nas práticas político-constitucionais experimentadas, alguns
dos contrastes de formas e sistemas de governo que irão marcar as suas futuras
vicissitudes.
II — A Revolução francesa prolonga-se por vários anos. O Ancien Regime não volta
mais, nem sequer na fase mais dura da Restauração. Todavia, não se cria uma ordem
constitucional homogénea e sem sobressaltos; pelo menos, não se cria desde logo; e o
século xix conhecerá também as suas revoluções (1830, 1848,
1870-1871).
Ao passo que, por exemplo, os Americanos tiveram até agora só uma Constituição e
todas as transformações políticas e sociais ocorreram à sua sombra, os Franceses já
experimentaram mais de dez Constituições e têm vivido em regimes de liberdade e de
restrição de liberdade política, de concentração e de desconcentração do poder, de
monarquia e de república, por mais de uma vez.
— a de 1791, que introduz a monarquia constitucional e o modelo do governo representativo clássico e atribui o
poder executivo ao Rei e o poder legislativo a uma Assembleia ();
— a de 1793 ou do ano i, repudiando a separação dos poderes e criando um órgão político único, o Corpo
Legislativo, que elegeria um Conselho Executivo dele dependente;
— a de 1795 ou do ano i, que estabelece duas Câmaras e um órgão colegial, o Directório, encarregado do poder
executivo. São três as Constituições napoleónicas:
— a de 1799 ou do ano viu, fundando o consulado (com três Cônsules), criando quatro assembleias (o Senado, o
Conselho de Estado, o Tribunado e o Corpo Legislativo) e estabelecendo o sistema eleitoral das listas de
confiança;
— a de 1804 ou do ano xn, instaurando o império. São duas as Constituições da restauração (2):
— A Carta Constitucional de 1814, outorgada por Luís XVIII, e esboçando uma monarquia limitada, com duas
Câmaras;
— A Carta Constitucional de 1830, resultado de um pacto entre o Rei (agora Luís Filipe de Orleães) e a Câmara
dos Deputados, o qual se traduz na aceitação da revisão da Carta de 1814 num sentido mais liberal.
— a de 1852, quase decalcada na do ano viu, com rumo ao poder pessoal, o que vem a ser confirmado com a
restauração do império (com Napoleão III), nesse mesmo ano;
() Por vezes diz-se que é esta a primeira Constituição escrita europeia. Mas não é: de alguns meses precedeu-a a
efémera Constituição da Polónia de 1791.
(2) Na crise da queda do l.” império ainda haveria a considerar a Constituição senatorial de 1814 e o Acto
Adicional às Constituições do Império de 1815.
l — Man. Dir. Const.. I
162Manual de Direito Constitucional
Por um lado, das catorze Constituições, onze pertencem à primeira fase, enquanto
que, na época que se he segue, apenas se encontram três Constituições (e deve reparar-
se em que a Constituição de 1875 foi vítima da derrota francesa de 1940 e a de 1946
das convulsões da Argélia).
Por outro lado, no primeiro período sucedem-se regimes e sistemas muito diversos,
alguns mesmo opostos: as monarquias constitucionais de 1791 e de 1814, tão
diferentes uma da outra, e o regime jacobino e convencional de 1973, o regime
cesarista de 1799 e o regime democrático de 1848, o regime directorial de 1795 e o
regime orleanista de 1830 (). Pelo contrário, no segundo período, de 1875 a 1958
domina o sistema parlamentar, que se esbate e é substituído (sem desaparecerem
completamente alguns dos seus aspectos) a partir deste ano; e, sobretudo, o
fundamento democrático do poder político não sofre já contestação, consolida-se o
sufrágio universal e garantem-se as liberdades individuais.
tra o poder só o poder. («É preciso que o poder detenha o poder»). Daí, outrossim, um
governo representativo, porque sem representação política cai-se na concentração do
poder no príncipe, ou no povo.
Parece ser de aceitar, contanto que seja tomado como referente apenas à época de 1789 a 1871; os ciclos não são
senão ciclos revolucionários e pós-revolucionários. Não parece que seja de aceitar no respeitante à época de 1871
para os nossos dias, em que prevalece uma impressão de homogeneidade.
Quer dizer: os ciclos, por si só, não servem de interpretação suficiente para toda a história constitucional francesa;
mais importante do que a divisão em ciclos é a divisão entre a crise de 1789 e do século xix e a estabilização
correspondente à III, à iv e à v repúblicas (2).
I — Seja qual for a interpretação que se entenda mais razoável para tentar reduzir à
unidade as vicissitudes político-constitucionais francesas, divisam-se causas que
concorrem para tão grande instabilidade: causas de ordem geral e filosófico-jurídicas;
sobretudo, causas de ordem política e social.
«No final do século xvm o movimento iluminista, cujo instrumento mais eficaz foi a Enciclopédia, espahou a
doutrina de que nos séculos anteriores o obscurantismo havia acumulado um acervo de erros grosseiros na forma
de governar os povos por efeito de uma prática rotineira.
() Précis..., cit., págs. 294-295. Cfr., algo diferentemente, por partir e chegar sempre a
goveo dominado pelo Executivo em ciclos mais largos, MARCELLO CAETANO, op.
cit., l, págs. 153-154.
O princípio monárquico, ligado (no modo que atrás se viu) a crenças religiosas, resiste
durante décadas ao triunfo do princípio da soberania nacional. Leva tempo até que
este tenha o assentimento da consciência colectiva (2). Mas o princípio da soberania
nacional
() Op. cit., i, pág. 126. Cfr. ANTÓNIO JOSÉ BRANDO, op. cit., págs. 21 e segs.
(2) Cfr. a distinção, feita por GUGLIELMO FERRERO (Pouvoir — Lês Gemes
Invisibles de Ia Cite, Nova Iorque, 1942, maxime págs. 145 e segs. e 231 e segs.) e
ilustrada em França, entre governos legítimos, pré-legítimos (os que estão a caminho
de
166Manal de Direito Constitcional
se tomar legítimos por obra do tempo, factor essencial para o assentimento) e qase
legimos (os que vivem à sombra de dois princípios e que têm apenas parte do
assentimento necessário para se legitimarem).
Tal lei decorre de um poder constituinte, distinto, como mostrou SIEYÈS, dos demais
poderes do Estado, poderes constituídos. Mas, ao contrário dos Estados Unidos, a
supremacia da Constituição não era até há alguns anos um princípio jurídico
operativo, determinante da invalidad das leis com ela incompatíveis. Na concepção
francesa, a força jurídica formal da Constituição e a sua rigidez excluem (ou tendem a
excluir) o costume; não envolvem — ou não envolviam até há pouco — todos os
corolários lógicos comportáveis dentro do sistema jurídico.
() Como, nomeadamente, defendeu DUGUIT, op. cit., Ill, págs. 599 e segs. O
preâmbulo da Constituição de 1958 consagraria esse entendimento.
(2) Sobre os direitos fundamentais em França, cfr., por exemplo, JEAN RIVERO,
Idéologie et téchnique dans lê droit dês libertes publiques, in Pages de Doctrine,
Paris,
1980, págs. 549 e segs.; ou PHLIPPE TERNEYRE, Point de vue français sur Ia
hiérarchie dês droits fundamentaux, in Eudes de Droit Constitutionnel France-
Portugais obra colectiva, Paris, 1992, págs. 35 e segs.
(s) JACQUES DONNEDIEU DE VABRES, L’État, 3. ed., Paris, 1967, pág. 15. (4)
Cfr., por todos, ESMEIN, op. cit., i, págs. 603 e segs., maxime págs. 603-604.
168Manual de Direio Constitcional
.°) Da ideia de lei (ordinária), ou do seu primado, como expressão da vontade geral
formada através de assembleias soberanas ();
2.°) Do entendimento dado à teoria da separação dos poderes, não se admitindo que
órgãos estranhos à função legislativa, os tribunais, venham apreciar a validade das
leis;
3.°) Da reacção contra a prática dos parlamentos (judiciais) do Ancien Regime, o que
levou até à proibição, por lei, da apreciação jurisdicional da constitucionalidade (2)
(3).
(2) Foi o Decreto de 16 de Agosto de 1790, que prescreveu que «os tribunais não
poderão tomar parte, directa ou indirectamente, no exercício do poder legislativo, nem
impedir ou suspender a execução dos decretos de corpo legislativo sancionados pelo
rei, sob pena de prevaricação».
(4) V., por todos, FRANÇOIS LUCHAIRE, Lê Conseil Constitutionnel, Paris, 1980;
Mas ela tão pouco se efectiva através dos tribunais judiciais. Efectiva-se — ainda por
causa de razões históricas, ligadas ao entendimento da separação dos poderes —
através de recurso para outros órgãos, os tribunais administrativos (o primeiro dos
quais é o Conselho de Estado, com uma influência e um papel criador não sem
paralelo mutatis mutandis ao do Supremo Tribunal dos Estados Unidos) ().
começa a esboçar traços próprios com Luís Filipe; adequa-se a um regime republicano
— pela primeira vez (2); e singulariza-se a partir de 1875 (3).
() Cfr., por todos, RENE CHAPUS, Droit du Contentieux Administratif, 4. ed., Paris,
1993, págs. 48 e segs.
(2) Pois até então o governo parlamentar tinha somente existido em monarquia.
(3) Cfr., por todos, A. ESMEIN, op. cit., l, págs. 223 e segs.
170Manual de Direito Constitucional
b) Bicameralismo;
A iv república (Constituição de 1946), embora não quisesse ser a mera repetição da m, acabou por muito pouco se
afastar desse modelo. De novo só trouxe o reforço do papel do Presidente do Conselho em relação aos Ministros, a
substituição do Senado por um Conselho da República de pode-
Parte l—O Estado e os sistemas constitucionais 171
rés reduzidos e a criação de um tímido Comité Constitucional, com competência respeitante à inconstituciona
idade. A prática constitucional orientou-se num sentido menos favorável à estabilidade: maior pulverização
partidária, dificuldades de formação de coligações devido à força dos partidos adversos ao regime Governos de
duração mais breve que na In república (i).
Seria com a v república que se haveria de verificar a reacção contra o governo da assembleia e conseguir a
formação de um sistema diferente que, sem pôr em causa as tradições democráticas e liberais francesas, fosse
capaz de dar e criar novas condições à política interna e externa do país.
Na sua versão original, a Constituição de 1958 destinava-se apenas a conter, limitar e racionalizar o
parlamentarismo vindo das repúblicas anteriores (2). O sistema continuaria a ser de governo parlamentar (3),
embora com o Presidente da República alçado à posição de árbitro, incumbido de vear pelo cumprimento da
Constituição, pelo regular funcionamento dos poderes públicos e pela continuidade do Estado (art. 5.”).
Mas logo predominou um entendimento diverso, resultante da forte personalidade do General de Gaulle e da crise
da Argélia, primeiro, e, a seguir, da revisão constitucional de 1962 (4) que estabeleceu a eleição do Presidente da
República por sufrágio universal (em vez de ser por um colégio restrito). A permanência da situação e a
legitimidade democrática imediata derivada da eleição — é uma regra geral em todos os países que quanto mais
amplo for o colégio eleitoral maior importância política terá o eleito — levaram a que o sistema, longe de se
traduzir em sistema parlamentar racionalizado, viesse a assumir características sui generis.
(2) Por exemplo, a votação das moções de censura condicionada a apertadas regras
(art. 49.”) e só certas matérias, aliás enumeradas com latitude, passarem a poder ser
objecto de lei (art. 34.”). LOEWENSTEIN fala em parlamentarismo frenado
(Teoria..., cit., págs. 115 e segs.).
(4) Aliás muito controversa: foi feita com desvio das regras constitucionais (arts. 11.”
e 89.”).
172Manual de Direito Constituciona
II — Numa visão mais formal pode dizer-se que o sistema gaullista (agora com quase
quarenta anos de existência, com quatro Presidentes sucessores de De Gaulle e
inversões de maioria em 1981,
1986, 1988 e 1993) corresponde a um sistema semipresidencial, por o Governo,
livremente nomeado pelo Chefe do Estado (mas não livremente demitido), ser
responsável politicamente perante o Parlamento. Ele não está muito longe, afinal na
linha de outros países europeus que, antes e depois da 2. guerra mundial, adoptaram
ou pareceram adoptar esquemas semelhantes.
— Apesar de haver incompatibilidade entre as funções de Ministro e Deputado, os Ministros podem participar nas
reuniões plenárias das Câmaras (e não apenas das comissões) e desde 1966 todos procuram ser eleitos Deputados;
— Apesar de a Constituição de 1958 ter restringido a necessidade de referenda ministerial, ela mantém-se para
certos actos;
— O Presidente da República tem o poder de submeter a referendo projectos de lei relativos à organização dos
poderes públicos e à ratificação de
() Cfr. MAURICE DUVERGER, Échec au Rói, Paris, 1978; a obra colectiva por este
autor dirigida Lês regimes semi-présidentieis, Paris, 1986; STEFANO BARTOLINI,
Sistema partitico ed eleione direta dei Capo dello Stato in Europa in Revista italiana
de scienza política, 1984, págs. 223 e segs.; CRISTINA QUEIROZ, O sistema
político-constitucional português, Lisboa, 1992, págs. 54 e segs.; GIOVANNI
SARTORI, Elogio dei sempresidenvalismo, in Rivista italiana di sciena política,
1995, págs. 3 e segs. Sobre a Finlândia (Constituição de 1919), v. especialmente
PAAVO KASTARI, Lê Presidem de Ia Republique en Finlande, trad., Neuchâtel,
1962; FRANÇOISE THIBAUT, La Finlande, un regime parlementaire en attente, in
Revue du droit publlc, 1977, págs. 655 e segs.; FRANÇOIS FRISON-ROCHE, La
Présidence de Ia Republique en Finlande et Ia nature du regime, in Droit, Institutions
et Systémes Politiques — Méianges en hommage à Maurice Duverger, obra colectiva
Paris, 1987, págs. 101 e segs.; ANGELO RINELLA, op. rir., págs. 83 e segs.
174Manal de Direito Consituciona
PIERRE AVRIL, Lê reime politíque de Ia V’ Republique, 4.° ed., Paris, 1979; JEAN-
LOLIIS QUERMONNE, Lê gouvernement de Ia France sos Ia V’’ Republique, Paris,
1980;
II — Vários momentos de irradiação do Direito público francês podem, por seu turno,
ser sucessivamente demarcados:
1.°) Nos finais do século xvm e inícios do século xix para a grande parte do
Continente europeu para onde se transmitem, por osmose ou em resultado das guerras
e da ocupação militar, as ideias da Revolução: garantia dos direitos individuais,
soberania nacional, separação de poderes. São desta época as Constituições espanhola
de 1812 e portuguesa de 1822, inspiradas na Constituição de 1791. E a influência do
jusracionalismo francês não está igualmente ausente do pensamento jurídico da
América Latina, em luta pela independência;
2.°) Após a revolução de 1830, e não sem conexão com as reformas eleitorais
britânicas, para vários países, no sentido da passagem da monarquia constitucional da
Restauração para uma fase mais liberal. A Constituição belga de 1831 () (ainda em
vigor, com alterações) e as Constituições espanhola de 1837 e portuguesa de
1838 assinalam tal difusão, assim como as primeiras tentativas constitucionais da
Grécia;
3.°) Após a revolução de 1848, num surto revolucionário generalizado, mas efémero,
em que já aparecem ideias socialistas, sobretudo para a Europa central;
4.°) Entre 1870 e a primeira guerra mundial, para alguns países da Europa meridional,
dos Balcãs a Portugal (Constituição de 1911), e da América Latina. Difundem-se o
republicanismo, com a separação da Igreja do Estado, e o governo parlamentar de
assembleia;
5.°) Após a primeira guerra mundial, para os países que se tornam independentes dos
Impérios vencidos e para outros que procuram adoptar também instituições
republicanas. É também essa a época da «racionalização do poder» (MIRKINE-
GUETZÉVITCH), sob a veste da Constituição formal;
Portugal, a Espanha, a Itália, a Grécia e a Roménia, pelo carácter atribulado das suas
histórias, com soluções de continuidade e convulsões revolucionárias das quais
procedem sistemas e regimes opostos, têm tanto de instável como a França do século
xix; tanto como ela têm aprendido em concreto o significado da luta pela
Constituição; e hoje, com excepção da Espanha, são repúblicas. Mas tem-lhes faltado
a duração das instituições e o consenso nacional que são comuns ao resto da Europa
ocidental.
(2) E, mesmo sem democracia pluralista, como sucedeu em certa medida, com
Portugal na Constituiço de 1933 e na Grécia antes de 1975.
(4) Cfr. BERNARD LIME, Lê système constitutionnel roumain, ibidem, págs. 325 e
segs.; FLORIN VASILESCU, Lê regime politique de Romanie, elidem, 1995, págs.
451 e segs.
12 — Man. Dir. Const.. I
178Manua de Direito Constitucional
(2) Sem se contar a de 1808 (dita de Baiona), imposta por Napoleão. V.,
recentemente, RAUL MORODO, Reformismo y regeneracionismo: el contexto
ideológico y políico de Ia Constitución de Bayone, in Revista de Esúdios Polticos,
Janeiro-Março de 1994, págs. 29 e segs.
monarquia que tem por conteúdo um sistema democrático parlamentar (); os marcos
dessa transição foram a Lei de Reforma Política e o referendo de 1976, as Cortes
Constituintes de 1977-1978 e, por último, o referendo de 1978 de aprovação de uma
nova Constituição (2).
Menos turbulenta do que a Espanha, a Itália viria, apesar disso, a entrar mais cedo em
ditadura: foi, no rescaldo da primeira guerra mundial, o fascismo, implantado em
1922 e terminado em 1943 (ou, no norte da Península, em 1945). A seguir, em 1946
seria proclamada a república, por decisão tomada em referendo, e seria aprovada em
1947 uma nova Constituição por uma assembleia constituinte (2).
Ponto de grande relevo são uma cuidada parte I, sobre direitos fundamentais, que
engloba «relações civis», «ético-sociais», «económicas» e «políticas»; inovações no
exercício da função legislativa (iniciativa popular, veto popular com referendo
resolutivo ou revogatório, competência deliberativa das comissões parlamentares); a
instituição de regiões autónomas, umas de estatuto comum, outras de estatuto
especial; a existência do Tribunal Constitucional; a posição algo reforçada do
Presidente da República como Chefe do Estado, mas sem quebra do sistema
parlamentar (3).
() Cfr., por todos, BALLADORE PALLIERI, Diritto Costituionale, 8.” ed., Milão,
1965, págs. 137 e segs.
(2) V., por todos, a obra colectiva sob a direcção de Uo DE SIERVO, Seelte delia
Costituente e cultura jurdica, 2 vols., Bolonha, 1980.
(3) E numerosíssima a bibliografia italiana que poderia ser citada. Além dos
comentários sistemáticos de ANTÓNO AMORTH, de G. BRANCA e de
CALAMANDREI e LEVI, indiquem-se entre as obras mais recentes: ENRICO
SPAGNA Musso, Diritto Cosfituonale, 3.” ed., Pádua, 1990; TEMISTOCLE
MARTINES, Diritto Costituúonae,
7.” ed., Milo, 1992; ALESSANDRO PIZZORUSSO, Sistema instituzionale de Diritto
Publico Italiano, Nápoles, 1992; FAUSTO CUOCOLO, Instituione di Diritto
Pubblico,
7.” ed., Milão, 1992; PAOLO CARETTI e Uo DE SIERVO, Instituioni di Diritto
Pubblico, 2.° ed., Turim, 1994.
K
Nos últimos anos, porém, o sistema político entrou em acentuada crise — crise de
governabilidade e crise de legitimidade da classe política — sem que até agora as
reformas ensaiadas tenham tido êxito.
§4.°
Mas foram também produto de certas ideias. Não podem ser desprendidos da
propaganda revolucionária vinda do século xix e animada, nesse contexto favorável,
por Lenine. O seu sentido é impensável à margem da ideologia que se intitularia
marxista-leninista.
Daí que tanto se fale em constitucionalismo soviético — porque a revolução foi feita
em nome de «todo o poder aos sovietes» (quer dizer, aos conselhos de operários,
soldados, camponeses e marinheiros) — como em constitucionalismo marxista-
leninista — por causa daquela ideologia e do partido que a assume como sua, o
partido comunista.
a China após 1949; o Vietname do Norte desde 1954, e todo o Vietname e também o
Laos desde 1975; Cuba desde 1959-1961. E ainda, por certos períodos e com maior ou
menor aproximação ao modelo soviético, Camboja, a Etiópia, o lémen do Sul, Angola
e Moçambique ().
Nem por isso deixa de se justificar ainda hoje o estudo da família constitucional de matriz soviética: pêlos
elementos originais que comporta ou comportou, pela importância da Rússia e da China e pelo impacto mundial
das suas revoluções e das suas imagens durante décadas.
I — Podem ser apontadas oito grandes fases na história política e constitucional soviética:
b) De 1921 a 1928, fase de reconstrução, traduzida por uma «nova política económica» (ao contrário do que
poderia parecer, mais moderada que a do período anterior) e durante a qual se verifica a morte de Lenine (1924) e
a sua sucessão por Estáline;
d) De 1936 a 1953 (data do XX Congresso do Partido), estalinismo, reforçado pea segunda guerra mundia e
depois pela «guerra fria»;
f) De 1964 a 1985, fase de estabilização interna e de grande intervenção externa sob a direcção de Brejnev e dos
seus sucessores;
g) Entre 1985 e 1989, fase dita da Perestroika (reestruturação) e de Glasnost (transparência), com Gorbachev;
II — O primeiro texto de vocação constitucional soviético foi a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e
Explorado, de 23 de Janeiro
págs. 203 e segs., e Totaliarismo, sociedade civil, transição, m Análise Social, n.”
110, 1991, págs. 59 e segs.; o número de Dezembro de 1992 de Quaderni
Costituionale; GIUSEPPE DE VERGOTTINI, op. cit., págs. 773 e segs.
184Manual de Direito Constitucional
de 1918, de alguma sorte réplica da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, e contrapondo ao
carácter individualista desta uma polémica afirmação dos princípios colectivistas.
Logo nesse ano, em 10 de Julho, seria publicada uma Constituição — pela primeira vez uma Constituição adquiria
conteúdo não iberal — que ostentava duas características:
a) A limitação do sufrágio, reservado aos que prestassem trabalho produtivo e de que ficavam excluídos os que
exporassem o trabalho dos outros, como certas categorias sociais (comerciantes, proprietários, etc.);
b) A organização piramidal dos poderes — do soviete local ia-se subindo, por eleições em graus sucessivos, até o
Congresso Pan-Russo dos Sovietes, que, por sua vez, elegia a Junta Central Executiva dos Sovietes e esta o
Conselho dos Comissários do Povo.
In — A Constituição de 1918 era ainda Constituição da Rússia, pois que só em 1922 ficaria constituída (e viria a
desenvolver-se posteriormente) a União das Repúbicas Socialistas Soviéticas, pela agregação dos Estados da
periferia que enquadravam os povos submetidos antes ao domínio russo.
A Constituição de 31 de Janeiro de 1924, que formalizou a União, procedeu, entre outras coisas, à separação,
peculiar a um Estado federal, entre duas Câmaras; o Conselho da União e o Conselho das Nacionalidades
(equivalente grosso modo ao Senado americano).
Esta Constituição viria a sofrer, em 1989 e 1990, importantes modificações no respeitante à organização política,
com vista a certa abertura à sociedade, à limitação recíproca dos órgãos de poder e a uma embrionária fiscalização
da constitucionaidade das leis. Elas revelar-se-iam insuficientes ou contraproducentes e teriam limitadíssima
vigência (3).
VI — Em 1991 a U.R.S.S. desapareceria, tendo as repúblicas federadas adquirido ou readquirido (no caso de
países bálticos) a soberania internacional.
Nesse mesmo ano seria constituda uma «Comunidade de Estados Independentes», próxima de uma confederação
(4).
nio decorre, em linha recta, da concepção leninista, segundo a qual o partido, depois
de ter permitido ao proletariado a conquista do poder, exerce este em seu nome ().
a) Partido de escol ou animação (em que a entrada é limitada e confere tanto deveres
como direitos);
d) Partido com papel reconhecido pela Constituição (4), havendo ao lado dos órgãos
constitucionais órgãos do Partido, nuns casos com acumulação na mesma pessoa de
funções nos dois «aparelhos», noutros casos com separação;
(6) A sociedade civil aparece, assim, atomizada frente ao Estado e ao partido — tão
atomizada, embora em termos diferentes, como a liberl citecentista. Cfr., por
Parle I—O Esado e os sisteas constitucionais 187
A realidade do poder está no partido, e não nos órgãos de Estado, e o verdadeiro chefe
político soviético é o Secretário-Geral do Partido Comunista, e não o Presidente do
Soviete Supremo ou o Presidente do Conselho de Ministros (). Juridicamente os actos
políticos provêm dos órgãos do Estado, mas politicamente as decisões ou as grandes
decisões são sempre tomadas pêlos órgãos do Partido.
II — Por conseguinte, nos países com este regime as eleições para os órgãos
constitucionais não se revestem de grande importância, pois têm um significado
diferente do que possuem no Ocidente:
nelas não se firma a legitimidade dos governantes em concreto e delas não pode
resultar a substituição de um programa por outro programa, de um partido por outro
no poder.
Trata-se de eleições-ratificação (2), nas quais o povo quase por unanimidade (3), é
chamado a confirmar a lista apresentada pelo partido comunista e pêlos cidadãos sem
partido. Por outro lado, na lógica da recusa do princípio representativo, os mandatos
dos eleitos são juridicamente revogáveis.
() Foi assim que Estáline até 1941 foi apenas Secretário-Geral do Partido, e nada mais,
e o mesmo sucederia depois com todos os seus sucessores: todos conquistariam,
primeiro, o poder no partido e só depois viriam a exercer cargos constitucionais no
Estado.
Art. 6.” «A força dirigente orientadora da sociedade soviética, o núcleo do seu sistema político e de todas as
organizações estaduais e sociais, é o Partido Comunista da União Soviética. O P. C. U. S. existe para o povo e
serve o povo. Todas as organizações do partido actuam no âmbito da Constituição da U. R. S. S.».
Art. 8.” «Os colectivos de trabalhadores participam na discussão e na resolução dos assuntos do Estado e da
sociedade, na planificação da produção e do desenvolvimento social, na preparação e na distribuição dos quadros,
na discussão e na resolução das questões relativas à gestão das empresas e instituições, à melhoria das condições
de trabalho e de vida e à utilização dos recursos destinados ao desenvolvimento da produção, bem como a medidas
sociais e culturais e ao estímulo material...».
Art. 9.” «A orientação fundamental do desenvolvimento do sistema político da sociedade soviética é a contínua
ampliação da democracia socialista: participação cada vez mais ampla dos cidadãos na gestão dos assuntos do
Estado e da sociedade, aperfeiçoamento do aparelho de Estado, eevação do nível de actividade das organizações
sociais, reforço do controlo popular, fortalecimento da base jurídica do Estado e da sociedade, ampliação da
publicidade e consideração permanente pela opinião pública».
IV — A constituição revolucionária do domínio de um partido, tal como ocorreu na Rússia Soviética e noutros
países, tem sido, diferentemente interpretada.
Haveria nela aí uma contradição paradoxal entre anarquismo em teoria e totalitarismo na prática. MARX e
ENGEIS predisseram o desaparecimento da ordem coerciva como efeito automático do estabeecimento do
socialismo. Desde que na Rússia Soviética esta previsão evidentemente se não verificou, Lenine e Estáline foram
obrigados a modificar a doutrina original, adiando o desaparecimento do Estado para o momento em que o
socialismo estivesse generalizado ao mundo inteiro. Uma vez que tal se não deve
Parte I— O Estado e os sistemas constitucionais 189
esperar num futuro próximo, o carácter provisório da maquinaria coerciva mantida na União Soviética precisa
tanto mais de ser vincadamente sublinhado ().
Mas, igualmente, foi sustentado que o Estado soviético não seria um Estado conforme às visões e às
recomendações de MARX, e sim às de HEGEL (2).
«A Constituição não se destina somente a ser a expressão da tomada do poder pelo povo trabalhador mas também
a servir para a consolidação das instituições socioeconómicas e políticas fundamentais do novo regime e de
orientação essencial do seu desenvolvimento. Ora, esta orientação consiste na edificação da sociedade socialista e
depois comunista. Daqui resulta o dinamismo específico das Constituições dos Estados do povo trabalhador,
correspondente ao dinamismo do regime socioeconómico e político criado pela revolução... Exprimindo e
consolidando em normas jurídicas as instituições fundamentais do regime socioeconómico e político, a
Constituição exerce, ao mesmo tempo, uma função ideológica importante. com efeito, é por meio dela que se
manifestam os princípios que devem ser realizados pelo novo regime socioeconómico e político. A função social
da Constituição ficaria, por isso, injustamente diminuída se ficasse confinada à regulamentação jurídica. A sua
tarefa é muito mais vasta, porque ela deve também exprimir os
(2) K. STOYANOVITCH, Lê sort de l’État dans lês pays socialistes de nos jours, in
Archives de Philosophie du Droit, t. 21, Paris, 1976, pág. 161.
90Manual de Direito Constitcional
princípios ideológicos fundamentais que se realizam através das instituições do regime.
a) A aceitação da hierarquia das normas jurídicas, não por causa do seu valor
intrínseco e apenas por serem normas de Direito socialista;
GOMES CANOTLHO, Direito Constitucional, 4.” ed., 1986, págs. 74 e 75, e 6.” ed.,
págs. 82 e segs.
g) A extensão do princípio da legalidade tanto aos órgãos do Estado como aos cidadãos em geral, a quem se exige
uma colaboração activa na salvaguarda do Direito socialista ().
In — A concepção socialista dos direitos fundamentais não arranca da ideia de uma esfera individual independente
e livre do Estado, mas da ideia de cidadão activo que tem o direito e o dever de participar na vida política e
económica, social e cultural da sociedade socialista. Os direitos são simultaneamente deveres — os direitos do
cidadão reconhecidos pela constituição socialista devem ser activamente exercidos a fim de se progredir na
edificação da sociedade socialista. Na concepção socialista, o homem não se desdobra contraditoriamente em
burguês (bourgeois) apolítico e cidadão político (citoyen), antes se eleva e realiza pura e simplesmente em cidadão
(2).
Mas o corte antropológico que a teoria socialista operou em relação à teoria tradicional de direitos do homem
conduziu às suas deficiências principais: l) funcionalização extrema de direitos fundamentais e minimiwção de
uma irredutível dimensão subjectiva 2) tendencial redução dos direitos à existência de condições materiais,
económicas e sociais, com manifesto desprezo das garantias jurídicas (3).
Na experiência concreta, presta-se um realce muito grande aos direitos económicos, sociais e culturais — direitos
ao trabalho, ao repouso, à segurança social, à educação — em contraste com a situa-
(3) GOMES CANOTILHO, ibidem, 6.” ed., pág. 511. Cfr. também BOAVENTURA
DE SOUSA SANTOS, op. cit., pág. 209: «Se o liberalismo capitalista pretendeu
expurgar a subjectividade e a cidadania do seu potencial emancipatório — com o
consequente excesso de regulação simbolizada nos países centrais nas democracias de
massas — o marxismo, ao contrário, procurou construir a emancipação à custa da
subjectividade e da cidadania e, com isso, arriscou-se a sufragar o despotismo, o que
veio de facto a acontecer».
192Manual de Direio Constitucional
l
Parte /—O Estado e os sistemas constitucionais 193
«Todo o poder aos sovietes» significa que todos os sovietes ou conselhos são titulares
do poder do Estado e que, em cada escalão ou dimensão, todo o poder (sem prejuízo
da diferenciação de funções) é exercido pelo respectivo soviete (). Ou, como se lia no
art. 89.° da Constituição de 1977: os sovietes de deputados do povo constituem um
sistema único de órgãos representativos do poder do Estado (2).
Em alguns casos, pretendeu-se levar ainda mais fundo ou mais depressa a realização
do marxismo-leninismo: assim, a República Democrática Alemã com a acentuação da
ideia de desenvolvimento e de revolução científica e cultural (v. g., arts. 49.°, n.° l, e
124.°, n.° 3, do texto constitucional de 1974) e dos laços especiais com a U. R. S. S.
dentro da «comunidade de Estados socialistas» (arts. 6.°, n.0 2 e 3, 7.°, n.° 2, e 76.°,
n.° 3). Noutros casos, existia ou existem particularidades institucionais com interesse:
assim, a Jugoslávia e a China.
() Assim, GIORGIO LOMBARDI, op. cit., pág. 88. Corrigimos, pois, o que
escrevemos nas três primeiras edições deste Manual (na 3. ed., pág. 182).
A República Popular da China teve já quatro Constituições: a de 1954, a de 1975, a de 1978 e a de 1982. Esta
última, feita após a morte de Mão Zedong num momento de relativa estabilização, tem essencialmente em vista a
«modernização socialista do país» (2).
Os princípios fundamentais da Constituição de 1982 são: l.”) o socialismo; 2.”) a ditadura democrático-popular;
3.”) o marxismo-leninismo e o pensamento de Mão Zedong; 4.”) a direcção do Partido Comunista Chinês.
Entre as tarefas propostas ao Estado contam-se o desenvolvimento das actividades educativas, científicas e
culturais; a salvaguarda da unidade e da autoridade da legalidade socialista; o reforço das assembleias populares de
base; e o reforço da eficácia do Conselho de Estado.
Mantêm-se as comunas populares no âmbito da propriedade colectiva socialista das massas trabalhadoras, mas
admite-se, ao mesmo tempo, que a economia individual de trabalhadores da cidade e do campo é um complemento
do sector público da economia socialista e alude-se ao papel regulador suplementar do mercado.
Além da Assembleia Popular Nacional, do seu Comité Permanente e do Conselho de Estado (correspondentes,
respectivamente, ao Soviete Supremo, ao «Praesidium» e ao Conseho de Ministros na U. R. S. S.), existem o
Presidente da República e uma Comissão Militar Central.
CAPITULO In
§ 1.°
a) O federalismo cantonal, em que cada Estado federado parece ter mais que ver com
as Cidades-Estados da Grécia antiga do que com os Estados modernos (2);
Os poderes de ambas as Câmaras são iguais e elas devem ainda reunir-se em sessão conjunta para a prática de
certos actos.
Quanto ao Conselho Federal, é o órgão executivo da Federação e é integrado por 7 membros, eleitos por 4 anos
para Assembleia, mas que não dependem da confiança desta para se conservarem em funções.
Todos os anos a Assembleia Federal elege um dos membros do Conselho como Presidente da Confederação, se
bem que não se trate de Chefe de Estado, pois não tem competência própria.
O sistema deve ser qualificado, sim, de directorial (na linha da Constituição francesa
de 1795). Caracterizam-no, acima de tudo:
A Suíça é o único exemplo actual deste sistema do governo, pois o Uruguai voltou ao
presidencialismo depois de duas efémeras experiências, neste século, de Executivo
colegial (o Conselho Nacional de Governo com
9 membros eleitos por sufrágio directo, 6 representando a maioria e 3 a minoria).
§ 2.°
() Cfr. PAUL BASTID, Gouvernement d’Assemblée, Paris, 1956, págs. 215 e segs.;
LICIA CALIFANO-PLACCI e FRANCESCA RESCIGNO, Forme di governo
direttoriale e sistemi elettorali neli’ordinamento costituzionale delia Confederazione
Svizzera, in Forme di governo e sistemi elettorali, obra colectiva editada por SILVIO
GAMBINO, Pádua, 995, págs. 299 e segs.
Parle I—O Estado e os sistemas constitucionais 199
() Cfr., por exemplo, MARTIN KRIELE, op. cit., págs. 403 e segs.; ou CHRISTIAN
STARCK, La Révolution française et lê Droit public en Allemague, in Revue
internationale de droit compare, 1990, págs. 251 e segs.
(2) Cfr. JOSEPH BARTHÉLEMY, Lês théories royalistes dans Ia doctrine allemande
contemporaine, in Revue du droit public, 1905, págs. 717 e segs.; SCHMITT,
Teoria..., cit., págs. 382 e segs.; DIETRICH JESCH, Ley y Administrador, trad.,
Madrid,
1978, págs. 93 e segs.; e, especialmente, FERDINAND LASSALLE, Über die
Verfassung, trad. castelhana Que es una Constitución?, Barcelona, 1976, págs. 128 e
segs. (nesta conferência proferida em 1862, demonstra LASSALLE o
pseudoconstitucionalismo da Alemanha deste tempo).
200Manal de Direito Constitucional
zida por efeito da existência de diversos órgãos, se espraia por toda a vida do Estado.
Daqui resulta que tudo quanto não seja atribuído aos outros órgãos cabe ao Rei e, em
caso de dúvida ou conflito, presume-se a sua competência. Todos os outros órgãos
devem ser, senão necessariamente subordinados ao Monarca, pelo menos, dele
dependentes no sentido de que a sua vontade, o seu ininterrupto funcionamento ou
ainda o conferir de força jurídica às suas decisões dependem da vontade do Monarca
().
Apesar desta situação, não foi de pouco relevo o labor teórico dos grandes
juspublicistas alemães do século xix (VON MOHL já atrás mencionado e, entre
tantos, GERBER, LABAND, BLUNTSCHLI, JELLINEK), aos quais se deve a
elaboração de importantíssimos conceitos, que mais tarde frutificariam no Direito
positivo (3).
(5) Sobre a Constituição de 1871, v. MARQUES GUEDES, op. cit., págs. 283-284;
Prescreve, assim, uma regra de dupla responsabilidade política do Governo (arts. 52.°
e 54.°) e prevê o recurso ao povo, por eleições e referendos, para decidir eventuais
conflitos.
O Presidente, eleito por sufrágio universal (art. 41.°), por sete anos e podendo ser
reeleito (art. 43.°), nomeia e demite o Chanceler e, sob proposta deste, os Ministros
(art. 53.°); dissolve o Parlamento, embora uma só vez pelo mesmo motivo (art. 25.°);
promulga as leis votadas em conformidade com a Constituição (art. 70.°) e pode
submetê-las a referendo (art. 73.°); em caso de emergência, compete-lhe decretar as
medidas necessárias ao restabelecimento da lei e da segurança, podendo, inclusive,
para esse fim, suspender alguns dos direitos fundamentais (art. 48.°). Em
contrapartida, pode o Presidente ser destituído por voto popular, precedendo
deliberação da Assembleia por maioria de dois terços (art. 43.°).
(i) Cfr., por exemplo, a obra colectiva editada por Lúcio VILLARI, Weimar. Lotte
sociali e sistema democrático nelia Germania degli anni 20, Bolonha, 1977.
Parte I—O Estado e os sistemas constitucionais 203
I — Não bastam as fórmulas constitucionais, por melhores que sejam, para prevenir
ou resolver os problemas políticos — e isto deve ser, para os juristas, suficiente
convite à humildade.
Como a corrupção da Constituição de Weimar foi, a justo título, considerada uma das
causas da conquista do poder pêlos nacionais-socialistas, no segundo após-guerra
haveria de ser mais forte a consciência das limitações dos sistemas jurídico-formais,
assim como se haveria de procurar colher as lições da provação por que a Alemanha
tinha acabado de passar.
O Governo, composto pelo Chanceler e por Ministros da sua escolha, passa a ser
responsável perante a Assembleia Federal. É a esta que, sob proposta do Presidente da
República, compete eleger o Chanceler (art. 63.°); e, se lhe manifestar desconfiança,
ele terá de ser substituído (art. 67.°). No entanto, a censura ao Chanceler deverá ser
acompanhada da indicação do seu sucessor (mesmo artigo).
() Cfr., por exemplo, EKKEHART STEIN, Derecho Políico, trad., Madrid, 1973;
(2) Cfr., porém, LOEWENSTEIN, op. cit., págs. 113 e segs. (que, quanto à Alemanha,
fala em parlamentarismo controlado).
204Manual de Direito Consitucional
titucional (arts. 93.° e 94.°), cujo esforço construtivo tem sido relevantíssimo ().
Não se constituiu um novo Estado. Deu-se, sim, a extensão da República Federal aos
cinco Lãnder correspondentes à República Democrática, nos termos do art. 23.° da
sua Constituição (e não do art. 146.°, que implicaria uma assembleia constituinte).
A Constituição de Bona, porque provisória, deveria cessar com a unificação. Mas foi
modificada — inclusive no preâmbulo — de modo a subsistir como definitiva. E, por
isso, houve então o exercício de um poder constituinte (originário): no tocante à
Alemanha Ocidental, porque a Constituição aí adquiriu um novo sentido de vigência;
e, no tocante à antiga Alemanha Oriental, porque veio substituir o sistema
constitucional do regime marxista-leninista. Embora
De 1867 a 1918 a Áustria e a Hungria formaram uma união real, no interior da qual a
Áustria compreendia regiões com autonomia particular. Caído o Império, reduzida a
Áustria ao território de língua alemã, ela viveu em crise permanente, passando pela
república corporativa de Dolfuss até à anexação por Hitier em 1938 (Anschiuss). De
1945 a 1955 o país sofreu ainda a ocupação das quatro potências vencedoras da
guerra, e neste último ano foi declarada a neutralização.
(2) Cfr. CLAUDE SOPHIE DOUIN, Lê federalism autrichien Paris, 1977; ou HEINZ
SCHÀFFER, // federalismo austraco: stato e prospettive, in Quaderni costituionali,
1996, págs. 173 e segs.
§3.°
Como se sabe, este tem a sua primeira e quiçá mais característica manifestação na
Itália entre 1922 e 1943, com a tomada do poder pelo partido fascista (organizado na
base dos «fáscios» de combate) (2) e a locução Estado fascista aplica-se, depois, a
outros regimes. Não há, entretanto, um fascismo, antes diferentes fascismos — o
italiano não se confunde com o nacional-socialismo alemão — e alguns elementos
abrangem quer regimes europeus dos anos 20 e 30 quer regimes doutros continentes
dessa época e de décadas posteriores.
e segs.
14—Man. Dir. Const.. l
210Manual de Direito Constitucional
recimento de novos regimes de natureza e estrutura afins quer na Europa (na Grécia,
de 1967 a 1974), quer na Ásia (por exemplo, na Indonésia, desde 1965), quer na
América, aqui em variedade maior (desde o populismo peronista na Argentina, entre
1945 e 1955, ao fascismo de origem militar no Chile entre 1973 e 1990).
II — Bastante pragmático, não criou uma organização de poder ex novo; inseriu-se, simplesmente, na monarquia
constitucional, retirando-lhe a efectividade.
O sistema constitucional da Itália entre 1922 e 1943 apresenta, deste modo, uma face
dupla:
b) Por outro lado, 22 Corporações, a Câmara dos Fáscios e das Corporações (que em
1939 substituiu a Câmara dos Deputados) e o Grande Conselho do Fascismo
(encabeçado no Chefe do Governo, o verdadeiro detentor do poder) ().
(i) Cfr. MARCEL PRÉLOT, La théorie de l’État dans lê Droit fasciste, m Melanges
R. Carré de Malberg, Paris, 1931, págs. 433 e segs.; GIUSEPPE MELONI, La
posiione cosituionale dei Capo dei Governo, m Studi in onore di Federico Cammeo,
li, Pádua, 1933, págs. 121 e segs.; FRANCESCO D’ALESSIO, Lo Stato Fascista
come Stato di Dirito, m Scritti giuridici in onore di Santi Romano, 1940, l, págs. 489 e
segs.;
c) Valor hierárquico superior das Leis Fundamentais, embora com compreensão mais
política do que jurídica (3).
(3) Sobre o Direito constitucional espanhol da época de Franco, v., por exemplo, além
de SANCHEZ AGESTA, JOSÉ CASTAN TOBENAS, Los princpios filosofico-
juridicos y jridico-politicos dei Regimen Espani, Madrid, 1963; BISCARETTI Dl
RUFFIA, op. cit., págs. 385 e segs.; CARLOS R. ALBA, The organiwtion of
authoritarian leadership: Franco Spain, in Presidents and Prime Minisiers, págs. 256
e segs.
214Manual de Direito Constitucional
Em primeiro lugar, foi o único regime autoritário de direita da Europa que criou
instituições próprias, a meio caminho entre as monarquias absolutas, as monarquias
constitucionais e as ditaduras fascistas.
Em segundo lugar, e algo paradoxalmente, foi o único em que essas instituições, por
obra interna, por transição constitucional, mudaram e foram substituídas por
instituições democráticas pluralistas. No respeito das formas jurídicas das «Leis
Fundamentais» e com o impulso do Rei João Carlos, sucessor de Franco, liberalizou-
se o regime, abriu-se um processo constituinte, fizeram-se eleições e foi votada uma
nova Constituição, a que já fizemos referência. E, curio samente, desde 1978, têm
sido vários os processos de transição de regimes parecidos doutros países.
§4.°
Há quem fale em Estados de recente independência. Por seu turno, tal denominação
levaria a arredar Estados que nunca chegaram, juridicamente, a perder a
independência (embora a tivessem tido diminuída ou apagada, de facto, durante mais
ou menos tempo) e que apresentam problemas semelhantes aos dos Estados saídos da
descolonização dos últimos quarenta anos.
b) A precariedade da unidade política (na maior parte dos casos, por ausência de
nação ou por causa de fronteiras artificiais);
e) O ascendente, seja qual a forma que revista, do Poder Executivos, apesar das
deficiências de Administração;
(i) Cfr. Comparativ Politic. cit., págs. 647 e segs.; HENRIQUE MARTINS DE
CARVALHO, As Constituições Políticas e as Instituições Administrativas dos Novos
216Manual de Direito Constitucional
b) Nos novos países ou naqueles que, pela primeira vez, atingiram a independência
por via gradual e pacífica, adoptaram-se quase sempre instituições moldadas nas
instituições das respectivas potências ex-coloniais;
Estados, m Estdos Polticos e Sociais, 1964, págs. 565 e segs.; ANDRÉ HAURIOLI,
op. cit., págs. 664 e segs.; MAURICE PIERRE ROY, Lês Regimes Politiques du
Tiers-Monde, Paris, 1977; GOMES CANOTILHO, Direio Constiucional, 2. ed., l,
págs. 124 e segs.; DIRK BERG-SCHLOSSER, Lês systèmes politiques du Tiers-
Monde
Especialmente sobre os países árabes, a obra colectiva Lês Regimes Politiques Árabes,
Paris, 1990; GHASSAN SALAME, Sur Ia causalité d’un manque: pourquoi lê monde
árabe nest-il donc pás démocratique?, in Revue française de science politique, 1991,
págs. 307 e segs.
Resta saber se esta última tendência se manterá ou se, pelo contrário, as deficiências
de base política, económica e social a propagação das ideias fundamentalistas e o
agravamento dos desníveis Norte-Sul não irão, a prazo, impedir, em muitos casos, a
sua consolidação. Resta saber se não continuarão (tal como aconteceu, noutras
circunstâncias e noutras épocas, na Europa e na América) oscilações cíclicas de
instabilidade e regimes de características opostas.
V — Um quadro actual (1996) dos regimes dos países asiáticos e africanos mostra:
() Cfr. numa visão mais exaustiva, DIRK BERG-SCHLOSSER (op. ci., /oc. cf., págs.
515 e segs.), apontando: l) monarquias; 2) antigas oligarquias; 3) novas oligarquias; 4)
regimes socialistas baseados em tradições e culturas locais;
c) Domínio pleno pelo monarca de toda a vida política, com raros mecanismos de
autolimitação;
d) Autoristarismo conservador;
b) O domínio de partido hegemónicos (por vezes, apoiados nas Forças Armadas), sem
alternância;
220Manual de Direito Constitcional
«A República Islâmica é um sistema baseado na fé» (art. 2.”). «Todas as leis e todos
os decretos civis, penais, financeiros, administrativos, culturais, militares, políticos e
relativos a recursos naturais devem basear-se em princípios islâmicos» (art. 4.”).
«Com o fim de assegurar que as deliberações da Assembleia não ignorem os preceitos
islâmicos e os princípios da Constituição é instituído um Conselho de Vigilância da
Constituição» composto por juristas muçulmanos (art. 91.”), etc.
CAPITULO IV
§ 1.°
I — Numa obra como esta não poderia deixar de se dar tratamento autónomo ao
sistema constitucional do Brasil (bem como aos dos países africanos de língua oficial
portuguesa).
Se o movimento republicano brasileiro viria a exercer largo impacto entre nós, não
menor viria a ser a influência da primeira Constituição republicana brasileira, a de
1891, sobre a primeira Constituição republicana portuguesa, a de 1911. Como se verá
a seu tempo, alguns relevantíssimos institutos e soluções adoptados nesta vieram
daquela ou tiveram nela um antecedente comprovado: assim, por exemplo, a
fiscalização judicial da constitucionalidade das leis.
regime também cognominado de «Estado Novo») e de 1964 a 1985. Não admira que a
nossa Constituição de 1933 tenha inspirado, na Constituição brasileira de 1937, a
criação de um Conselho de Economia Nacional (idêntico à Câmara Corporativa) e a
atribuição ao Presidente da República dos poderes de dissolução da Câmara dos
Deputados e da feitura de decretos-leis.
Registe-se ainda a introdução (no Brasil desde 1969 e em Portugal desde 1971) de
cláusulas constitucionais de equiparação de direitos de portugueses e brasileiros,
concretizadas através da Convenção de 7 de Setembro de 1971, celebrada em Brasília.
Em cada província, existia um conselho geral, eleito nas mesmas condições da Câmara de Deputados, e com
competência para propor, discutir e deliberar sobre os assuntos provinciais (mas sendo as suas resoluções
submetidas ao poder central).
O catálogo de direitos individuais era também idêntico aos das Constituições liberais.
A escravatura continuava a ser, porém, directa ou indirectamente admitida.
II — Houve dois reinados: de D. Pedro I (de 1822 a 1831, ano em que abdicou) e de
D. Pedro II (de 1831 a 1889, ano da proclamação da república) (2). Deram-se duas
revisões da Constituição apenas: o Acto Adicional de 1834 e a Lei de Interpretação de
1840.
(2) De 1831 a 1840, como D. Pedro II era menor, foi o Brasil goveado por uma
regência.
Parte I—O Estado e os sistemas constitucionais 225
As instituições políticas não poderiam deixar de ser condicionadas por uma estrutura étnica e cultural em vias de
consolidação e sedimentação, na qual se integrariam fortes correntes imigratórias europeias; por profundas
divisões sociais; pela oposição entre o Brasil agrário, dominado pela aristocracia rural das plantações, e o Brasil
urbano, concentrado no litoral e de tendência burguesa.
O regime pretendeu evoluir para um sistema parlamentar de estilo inglês, com dois
partidos a alternar no poder (o liberal e o conservador). Mas foi sempre afectado pela
falta de base social e política e pela constante intervenção, de tipo orleanista, do
Imperador fazendo e desfazendo governos (apesar de ter sido criado em 1847 o cargo
de Presidente do Conselho de Ministros) ().
79. A república
Exercia o poder executivo o Presidente da República, eleito por sufrágio directo de 4 em 4 anos, e não reelegível
para o período imediato. Havia um Vice-Presidente e Ministros, que não respondiam perante o Congresso (como é
próprio do sistema presidencialista), mas que, ao invés dos Estados Unidos, recebiam estatuto constitucional e
referendavam os actos presidenciais.
Exerciam o poder judicial o Supremo Tribunal Federal e os demais tribunais. Entre outras faculdades a
Constituição conferia-lhes a de apreciar a constitucionalidade das leis.
Cada Estado federado tinha a sua Constituição, as suas eis, os seus tribunais. Previa-se intervenção federal nos
Estados, a qual só podia ocorrer nos casos especificados na Constituição federal. Os Estados adoptariam um
sistema de governo análogo ao federal, com assembleia legislativa e governador ou presidente eleito.
Os municípios tinham a sua autonomia reforçada em tudo quanto respeitasse aos seus particulares interesses
(princípio da plenitude, e não apenas da especialidade das atribuições municipais).
() De resto, não foi apenas por imitação dos Estados Unidos mas também por terem
consagrado o federalismo que os autores da Constituição tiveram de consagrar o
presidencialismo: para que um poder central forte, ligado ao Presidente da República,
preservasse a unidade do país.
(2) Cfr. Rui BARBOSA, Comentários à Constituição Federal Brasileira, São Paulo,
1932.
Parte l—O Estado e os sistemas constitucionais 227
Ias dos grandes proprietários. A vida política esteava-se num grande partido de governo e, a nível local, nos
caciques ou «coronéis», tão bem descritos na literatura da época.
Ainda haveria certa estabilidade das instituições políticas (), no hábito vindo do império, e sucessão regular dos
mandatos presidenciais, salvo agumas perturbações esporádicas.
Mas o Brasil iria passar a uma fase mais difícil e complexa da sua existência. O sentido dos problemas nacionais
iria desenvolver-se, tensões sociais acumuar-se, o jogo das forças políticas a nível estadual e federal tornar-se mais
difícil, as crises locais tornarem-se mais facilmente crises nacionais, os espíritos ficarem mais permeáveis a ideias
do exterior.
Nos anos 20, estavam lançados os dados para o superamento da situação tradicional: progressiva urbanização e
industrialização, surgimento de classe operária e de sindicatos (em breve constituindo uma nova força política),
crescimento demográfico sem par, impaciência da população perante as insuficiências do governo federal.
A revolução de Outubro de 1930, proveniente do Rio Grande do Sul e influenciada, em parte, pelas revoluções
políticas e sociais hispano-americanas e, em parte, pelas revoluções europeias do l.” pós-guerra, viria pôr fim à
«República velha» e abrir um novo período na história do Brasil. com diferentes oscilações e fases, este período
pode considerar-se ainda o actual.
I — O período iniciado em 1930 é assinalado por três notas gerais: l.’’) evolução com
soluções de continuidade e com frequentes crises político-militares; 2.’) sucessão,
quase alternância, de governos autoritários e de governos liberais e democráticos; 3.)
proliferação de Constituições (5 Constituições desde 1934 contra 2 apenas desde a
independência até esse ano).
4.” fase (l 945-1961): após a 2. guerra mundial (em que o Brasil participou ao lado
dos Aliados), nova fase democrático-liberal e nova Constituição, a de 1946;
7.” fase (desde 1985): transição para uma nova Constituição, a de 1988, e vigência
desta.
Aspectos a salientar num e noutro texto são o sentido centralizador, o aumento dos
poderes financeiros da União, o reforço do Poder Executivo, a eleição do Presidente
por sufrágio indirecto (colégio composto pêlos membros do Congresso e por
representantes dos Estados), o cuidado posto no processo de elaboração das leis, a
extensão da justiça militar, a noção de segurança nacional e a prefixação do sistema
partidário (3).
() TANCREDO NEVES (que, porém, devido a doença e morte, não chegaria a tomar
posse).
Três notas se salientam aqui: l .a) o declarar-se no art. l.° ser a República formada pela
«união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal» (art. 1.°), o que,
indo ao encontro da realidade, aponta para um duplo grau de organização territorial —
federalismo a nível de Estados e regionalismo a nível de município; 2.”) o fundar-se o
«Estado Democrático de Direito» (mesmo art. l.°) na soberania, na cidadania, na
dignidade da pessoa humana, nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e no
pluralismo político;
3.) o declarar-se, no art. 13.°, a língua portuguesa o idioma oficial da República ().
(i) Do mesmo passo, o art. 210.”, § 2.”, estipula que o ensino fundamental regular será
ministrado na língua portuguesa, assegurando-se às comunidades indígenas também a
utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem.
232Manual de Direito Constitcional
Mas não pode esquecer-se que algumas das normas atinentes a direitos são bem
necessárias no contexto concreto do Brasil: assim, a vedação da comercialização de
órgãos, tecidos, substâncias humanas, sangue e seus derivados (art. 199.°, § 4); a
consideração, a par da segurança social, da assistência social (art. 203.°); a
gratuitidade e a gestão democrática do ensino público (art. 206.°, n.0 4 e 5);
o acesso ao ensino obrigatório como direito público subjectivo (art. 208.°, § l); a
obrigação de recuperação do ambiente degradado após explorações mineiras (art.
225.°, § 2); a consideração da Floresta Amazónica como património nacional (art.
225.°, § 4); a recondução do planeamento familiar a livre decisão do casal, (art. 226.°,
§ 7);
rurais, para fins de reforma agrária, mediante prévia e justa indemnização em títulos
da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, mas as benfeitorias úteis
e necessárias sê-lo-ão em dinheiro (art. 184.°). Serão, porém, insusceptíveis de
desapropriação a pequena e média propriedade rural, desde que o seu proprietário não
possua outra, e a propriedade produtiva (art. 185.°).
O Presidente da República é eleito por sistema de dois turnos ou duas voltas (como
em França e em Portugal), por 4 anos. A eleição do Presidente importa a do Vice-
Presidente com ele registado. O Presidente é auxiliado pêlos Ministros de Estado, que
referendam os seus actos e decretos e em quem ele pode delegar algumas das suas
atribuições de carácter administrativo. O Congresso, que passa a eleger dos membros
do Tribunal de Contas da União, pode convocar os Ministros para informações, sob
pena de responsabilidade (art. 50.°).
(i) Além disso, reagindo contra abusos anteriores, prescreve-se que as «medidas
provisórias» (ou decretos legislativos do Presidente da República) serão submetidas
de imediato ao Congresso que, estando em recesso, será convocado para se reunir no
prazo de 5 dias (art. 62.”); e essas medidas perderão eficácia, desde a sua edição, se
não forem convertidas em lei dentro de 30 dias após a sua publicação. Na prática os
resultados têm sido escassos.
Parte —O Estado e os sistemas constitucionais 235
rés e os Tribunais e Juizes dos Estados, do Distrito Federal e dos territórios (art. 92.°).
V — Ao Supremo Tribunal Federal, composto por 11 Ministros nomeados pelo Presidente da República depois de
aprovada a escolha pelo Senado (art. 101.°), compete julgar originariamente a acção directa de
inconstitucionalidade de lei ou acto normativo federal ou estadual e o mandado de injunção, quando a norma
regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do Congresso, de um dos Tribunais Superiores ou do
próprio Supremo Tribunal Federal; julgar, em recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última
instância quando a decisão recorrida declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal ou julgar válida lei
ou acto de governo local contestado em face da Constituição; e exercer a fiscalização da inconstitucionalidade por
omissão (arts. 102.° e 103.°).
VI — Na Constituinte havia uma larga corrente parlamentarista. Manteve-se o sistema presidencial; mas, à luz
duma fórmula conciliatória, o Acto das Disposições Constitucionais Transitórias determinou a realização, em 7 de
Setembro de 1993, dum plebiscito para se decidir o problema, e também para se escolher entre república e
monarquia (art. 2.”).
Os resultados do plebiscito () viriam a ser favoráveis tanto ao presidencialismo como à república e a Constituição
deixou, assim, de ser provisória no referente a estes dois aspectos — aiás, fundamentais — a partir de então.
VII — O Acto das Disposições Transitórias estabeleceu igualmente que a revisão constitucional se efectuaria após
cinco anos contados de promulgação da Constituição, pelo voto de maioria absoluta dos membros do Congresso
Nacional em sessão unicameral (art. 3.°). Era um regime distinto das emendas (art. 60.”), não sem parecença com o
regime da primeira revisão da Constituição portuguesa de 1976 (2) e, como este destinado (parece) a uma
Esta revisão frustrar-se-ia. Contudo, desde 1994 têm sido aprovadas sucessivas alterações avulsas, sobretudo no
domínio da organização económica.
§2.°
com efeito, depois de ter sido longamente retardado por causa do regime político em
Portugal, deu-se a ritmo acelerado, logo que este regime foi substituído, e em cerca de
15 meses. Os «movimentos de libertação» que tinham conduzido a luta (política-
militar ou só política) receberam o poder, praticamente sem transição gradual, por
meio de acordos então celebrados com o Estado Português (2). Nuns casos (Guiné,
Moçambique e Angola) os próprios movimentos viriam a proclamar a independência
e a outorgar Constituições; noutros casos (Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe), ela seria
declarada formalmente
II —As primeiras Constituições (2) foram: a de 1973 (3) (depois substituída pela de
1984), quanto à Guiné-Bissau; as de 1975, quanto a de Moçambique, S. Tomé e
Príncipe e Angola; e a provisória, de 1975 (depois substituída pela de 1980), quanto a
Cabo Verde (4).
E tiveram de comum:
() De 1975 a 1980 a Guiné-Bissau e Cabo Verde viriam a ser goveados pelo mesmo
movimento, o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde, em
fenómeno inédito similar a uma união pessoal.
Tudo isto poderá explicar o carácter não democrático e o afastamento dos modelos
ocidentais nos cinco países de língua oficial portuguesa.
a seguir, em Cabo Verde far-se-ia uma nova Constituição. Mas, como é sabido em
Angola não se conseguiu até agora ultrapassar as sequelas da guerra.
E, tal como nas Leis Fundamentais da primeira era constitucional, não custa
reconhecer fortes pontos de semelhança:
TITULO In
AS CONSTITUIÇÕES PORTUGUESAS
CAPÍTULO I
() Como em tantos outros domínios, falta uma obra de fundo sobre a história
constitucional portuguesa. O que há são sínteses, de maior ou menor dimensão, na sua
maioria compreendidas em lições e trabalhos escolares: LOPES PRAÇA, Colecção de
leis e subsídios para o estudo do Direito Constituconal Português, li, Coimbra, 1884;
JOSÉ ALBERTO DOS REIS, Ciência Política e Direito Constitucional, Coimbra,
1908, págs. 21 e segs.; MARNOCO E SOUSA, Direito Polítco — Poderes do Estado,
cit., págs. 367 e segs.; FEZAS VITAL, Direito Constitucional, Lisboa,
1936-1937, págs. 334 e segs.; JOSÉ CARLOS MOREIRA, Lições de Direito
Constitucional, Coimbra, 1958, págs. 161 e segs.; MARCELLO CAETANO, Manual
de Ciência Política e Direito Constitucional, n, 6.” ed., Lisboa, 1972, e Constituições
Portuguesas, Lisboa, 1978; MIGUEL GALVÀO TELES, Constituições Portuguesas,
in Verbo, v, págs. 504 e segs.; CHRISTIAN DU SAUSSAY, L’évolution
constitutionnelle du Portu gal contemporain — De Ia révolution de 1820 à 1’Estado
Novo, tese policopiada, Nice, 1973; MARCELO REBELO DE SOUSA, Os
partidos..., cit., págs. 136 e segs.;
RUY DE ALBUQUERQUE e MARTIM DE ALBUQUERQUE (com a colaboração
de Duarte Nogueira, José Maltez e Leite Santos), História do Direito Português,
policopiado, n, Lisboa, 1983, págs. 154 e segs.; A. P. RIBEIRO DOS SANTOS, A
imagem do poder no constitucionalismo poruguês, Lisboa, 1990; NUNO
ESPUMOSA GOMES DA SILVA, op. cit., págs. 379 e segs.; GOMES
CANOTILHO, Direito Constitucional, cit., págs. 273 e segs.; MARIA DA GLÓRIA
GARCÍA, op. cit., págs. 339 e seg. e 558 e segs.; MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA
COSTA, op. cit., págs. 402 e segs
16—Man. Dir. Const.,
242Manual de Direio Constitcional
I — Existe, pois, como não podia deixar de ser, uma relação constante entre história
política e história constitucional portuguesa. Por um lado, aqui como por toda a parte,
são os factos decisivos da história política que, directa ou indirectamente, provocam o
aparecimento das Constituições, a sua modificação ou a sua queda. Por outro lado,
contudo, as Constituições, na medida em que consubstanciam ou condicionam certo
sistema político e na medida em que se repercutem no sistema jurídico e social vêm a
ser elas próprias, igualmente, geradoras de novos factos políticos.
Daí que, sem se confundirem as perspectivas peculiares de uma e outra, seja possível
e necessário considerar a experiência constitu-
cional portuguesa a partir de três grandes períodos que relevam simultaneamente para
a história política e para a história constitucional:
A época liberal vai de 1820 a 1926. Durante ela sucedem-se quatro Constituições —
de 1822, de 1826, de 1838 e de 1911 — que se repartem por diferentes vigências; há
duas efémeras restaurações do antigo regime; e passa-se da monarquia à república. E,
a distância, as principais diferenças entre essas Constituições (relativas aos poderes
recíprocos do Rei ou Presidente e do Parlamento e à forma de eleição deste) parecem
bem menores do que aquilo que as une (a separação de poderes e os direitos
individuais) ().
com a revolução de 1974, entra-se na época actual — muito recente e já muito rica de
acontecimentos, ideologias e contrastes sociais e políticos — em que o país se
encaminha para um regime democrático pluralista (ou de liberalismo político) com
tendências descentralizadoras, por um lado, e socializantes, por outro lado. A
Constituição de 1976, resultante dessa revolução, significa, em primeiro lugar, o
termo daquele interregno e, depois, a abertura para horizontes e aspirações de Estado
social e de Estado de Direito democrático. E só nesta altura pode falar-se em
constitucionalismo democrático, porque só agora está consignado o sufrágio
universal.
(i) Para uma visão sintética, cfr. MÁRIO MELO ROCHA, A separação dos poderes
nas Constiuições portuguesas do demo-liberalismo, m Estudos em homenagem ao
Prof. Doutor A. Ferrer Correia, obra colectiva, II, Coimbra, 1992, págs. 581 e segs.
Parte l—O Estado e os sistemas constitucionais 245
Tal não sobreposição manifesta-se com mais nitidez na época liberal, sem deixar de se
verificar nos dois períodos subsequentes ().
e a História de Portugal, obra colectiva sob a direcção de José Mattoso, vols. 5.” a
8.”, Lisboa, 1993 e 1994.
São em muito maior número as fases que dum ângulo estritamente jurídico-
constitucional cabe sumariar:
2.°) De 1822 a 1823 — fase de vigência (de primeira vigência) da Constituição votada
em 23 de Setembro de 1822;
() O projecto, obra de uma comissão nomeada pelo Rei e inacabado, foi pubicado,
graças a PAULO MERÊA, no Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra, vol. XLIII (de que há separata, Coimbra, 1967), e, mais recentemente, na
nossa colectânea Anteriores Constituições Portuguesas, Lisboa, 1975.
2.°) De 1933 a 1974 — vigência da Constituição de 1933, ainda que sujeita a várias
revisões, de maior ou menor vulto.
E no plano jurídico-constitucional:
2.°) Desde 1976 — regime constitucional (em que poderá, porventura, proceder-se à
demarcação de duas subfases — até à primeira revisão constitucional, em 1982, e
depois desta).
Parte I—O Esado e os sistemas constitucionais 249
— Tal como em Portuga, em Espanha dá-se uma guerra de sucessão (e outra, décadas
mais tarde), à qual subjaz o conflito entre liberais e absolutistas;
— São por demais conhecidos os pontos de contacto doutrinais e institucionais entre o «Estado Novo» de Salazar
e o regime de Franco;
Nas duas últimas revisões da Constituição de 1933, tentou-se, sem êxito, fazer
preceder o texto de um preâmbulo com a invocação do nome de Deus (cfr., em
sentido desfavorável, os pareceres da Câmara Corporativa, in Actas, 1959, n.” 58, e
1971, n.° 67). Mas uma referência a Deus seria incluída no art. 45.” após a revisão de
1971.
Parte I—O Estado e os sistemas constitucionais 253
Por outra banda, enquanto que a Constituição de 1933 somente compreende duas
partes («Garantias Fundamentais» e «Organização Política do Estado»), além de
disposições complementares, a Constituição de 1976 compreende quatro partes
(«Direitos e deveres fundamentais», «Organização económica», «Organização do
poder político» e «Garantia e revisão da Constituição») além de «Princípios
fundamentais» (correspondentes aos títulos sobre a «Nação Portuguesa» das
Constituições anteriores) e «Disposições finais e transitórias». De realçar aqui o
progresso conceituai traduzido ainda na definição de «princípios gerais» em cada uma
das três primeiras partes.
Por seu turno, a Constituição de 1976 contém normas sobre os símbolos nacionais, o
estado de emergência, o direito de asilo, a extradição e a expulsão, o Provedor de
Justiça, o direito à intimidade, a informática, o direito de antena, a objecção de
consciência, as comissões de trabalhadores, a liberdade sindical, a autogestão, as
cooperativas, a segurança social, o ambiente, a qualidade da vida, a habitação, o
urbanismo, o planeamento familiar, a maternidade, a infância, a juventude, os
deficientes, a velhice, o acesso às Universidades, a educação física e os desportos, a
protecção do consumidor, os sectores de propriedade dos meios de produção, o plano,
as actividades delituosas contra a economia nacional, os investimentos estrangei-
Parte I—O Estado e os sistemas constitucionais 255
I — Sem curar por ora dos projectos políticos subjacentes a cada Constituição e de
algumas complexas questões de teoria constitucional que colocam, convém proceder a
uma primeira observação global das grandes orientações expressas nas seis Leis
Fundamentais portuguesas — a uma primeira observação daquilo que, a despeito de
tudo, têm de comum e daquilo que mais vincadamente as divide.
II — Têm de comum:
—Entre Constituições pluralistas e liberais (em sentido político), como são todas,
menos a de 1933, e Constituição autoritária, como é esta;
—Entre Constituições que instituem o Governo como órgão colegial autónomo (as de
1933 e 1976) e Constituições sem desdobramento ou com desdobramento imperfeito
do Poder Executivo (as anteriores, que prevêem Secretários de Estado ou Ministros
com estatuto próprio);
Se, neste século e meio, tem havido não poucas normas constitucionais não
efectivadas na organização e na disciplina da actividade administrativa e se, ao invés,
tem havido aquisições e mutações no Direito administrativo sem imediata prévia
prescrição constitucional, a médio e a longo prazo a jurisprudência, a prática e a
doutrina têm feito prevalecer a unidade dinâmica do ordenamento ().
Dados históricos bem conhecidos, a relativa inaptidão dos projectos políticos nelas
contidos em face dos problemas concretos do país, os atrasos económicos, sociais e
culturais, o relativo pouco enraizamento de práticas de participação política, as
dificuldades de institucionalização, o excessivo peso dos militares em consequência
de tudo isso, a cisão entre «estrangeirados» e «nacionais» e entre progressistas e
tradicionalistas, a prevalência das razões de dissenso sobre as razões de consenso
nacional têm travado ou mitigado tal possibilidade.
() A Administração Púbica nas Constituições portuguesas, cit., loc. cit., págs. 616 e
617.
Parte l—O Estado e os sistemas constitucionais 259
A experiência, em tantos casos, dolorosa dos três primeiros quartéis do século xx, a
modernização da sociedade, os progressos da
CAPITULO II
AS CONSTITUIÇÕES LIBERAIS
§1.°
A Constituição de 1822
() Sobre a Constituição de 1822, v., além das obras gerais mencionadas, PADSTINO
JOSÉ DA MADRE DE DEUS, A Constituição de 1822 Comentada e Desenvolvida
na Prática, Lisboa, 1823 (critica sistemática, na análise artigo a artigo);
(2) Pelo Brasil foram eleitos 69 Deputados, dos quais 46 tomaram assento nas Cortes
de Lisboa.
(3) Por curiosidade, recorde-se que a Constituição de Cádis chegou a ser posta em
vigor no Brasil pelo Decreto de 21 de Abril de 1821 (revogado no dia seguinte...). E
também em Nápoles e no Piemonte, por essa altura, se quis aplicá-la.
262Manual de Direito Constitucional
vês dela ou subsidiariamente, as Constituições francesas de 1791 e 1795.
Na sua origem acha-se, portanto, a difusão das ideias liberais vindas de França, atenuadas ou interpretadas na linha
de utilitarismo de Bentham (que chegou a ter correspondência directa com as Cortes portuguesas) através da
procura do equilíbrio entre o poder do Estado e os direitos e deveres individuais ().
II — Apesar de a Constituição de Cádis e de a Constituição portuguesa serem muito próximas, não deixa de haver
diferenças assinaláveis entre elas:
.”) Na Constituição de Cádis, apenas se encontram preceitos sobre direitos (art. 4.”) e sobre deveres (arts. 6.” a
8.”) (2), e não um título autó-
2.”) A forma de governo é a monarquia moderada hereditária em Espanha (art. 14.”) e a monarquia contitucional
hereditária em Portugal (art. 29.°);
3.”) O poder executivo cabe em Espanha ao Rei, só (art. 16.”) e, em Portugal ao Rei e aos Secretários de Estado
(art. 30.”);
4.”) O sufrágio para eleição das Cortes é universal, mas indirecto em Espanha (arts. 35.” e segs.), e com algumas
incapacidades (art. 33.”), mas directo em Portugal (arts. 37.” e segs.);
5.”) A Constituição de Cádis proíbe a reeleição dos Deputados (art. 110.”), não a portuguesa (art. 36.”);
6.”) A liberdade de imprensa tem mais garantias na Constituição de Cádis (arts. 131.”, n.” 24, e 371.”) do que na
nossa (arts. 7.” e 8.”);
7.”) A Constituição espanhola admite duas devoluções da lei para efeito de veto pelo Rei (art. 148.”), a portuguesa
só uma (art. 110.”);
8.°) Na Constituição de 1812 não há representação paritária das províncias do ultramar (art. 232.”), ao invés do
que sucede na Constituição de 1822 (art. 162.”);
9.”) A Constituição espanhola é muito mais extensa (384 artigos) do que a portuguesa (240 artigos).
() V. MARIA HELENA CARVALHO DOS SANTOS, op. cit., loc. cit., págs. 92 e 95
e segs.
única Constituição portuguesa que o faz e pode presumir-se que esse título vem a
corresponder na intenção dos constituintes a qualquer das declarações de direitos
francesas (). Não se esgota, porém aí, o tratamento da matéria.
c) A ligação entre direitos e deveres e entre liberdade e lei (arts. 2.° e 19.°, deste
constando uma verdadeira enumeração de deveres) (2);
Mas a importância que atribui à educação leva-a também a ligar o gozo de direitos
políticos à posse de habilitações literárias, por meio de uma cláusula de sufrágio sob
condição resolutiva, destinada a incentivar a alfabetização. Daí a norma do art. 33.°,
vi, segundo a qual deixam de ter direito de voto «os que para o futuro, em chegando à
idade de vinte e cinco anos completos, não souberem ler e escrever, se tiverem menos
de dezassete quando se publicar a Constituição».
O mesmo fariam a Carta Constitucional (art. 67.°, § 2.°), a Constituição de 1838 (arts.
6.°, vil, e 73.°, Ill) e o Acto Adicional à Carta de 1852 (art. 6.°, m).
No Brasil há uma Delegação do Poder Executivo (arts. 128.° e segs.) confiada a uma
Regência com cinco membros nomeados pelo Rei, ouvido o Conselho de Estado, e
dos quais um seria secretário dos negócios do reino e fazenda, outro dos da justiça e
eclesiásticos e outro dos de guerra e marinha. Existem também um Supremo Tribunal
de Justiça (art. 193.°) e um Tribunal Especial para a Liberdade de Imprensa (art. 8.°).
Mas esta união real — talvez a primeira formalizada numa Constituição de tipo
francês — deve ter-se por imperfeita, por faltar, pelo menos, uma assembleia electiva
que funcionasse junto dos órgãos do poder executivo brasileiro.
representantes (25 de cada reino) (i). O projecto não foi aceite pêlos Deputados
portugueses (2).
porém, «não pode ser exercitada senão pêlos seus representantes legalmente eleitos»
(art. 26.°).
Daí que somente à Nação (isto é, ao povo) pertença fazer pêlos seus Deputados juntos
em Cortes a sua Constituição (art. 27.°); e que a lei seja a vontade dos cidadãos
declarada pela unanimidade ou pluralidade dos votos de seus representantes juntos
em Cortes, precedendo discussão pública (art. 104.°) (3); e que a autoridade do Rei
provenha da Nação (art. 121.°).
() V. o texto in Diário das Cortes Constituintes, vol. 6.”, págs. 558 e 559.
Ao Rei não é dado poder de sanção das leis (embora a Constituição empregue esse
termo), só de veto, e veto puramente suspensivo, suprível pela mesma maioria da
primeira deliberação (art. 110.°) () (2);
O Rei deve ouvir o Conselho de Estado nos negócios graves, em particular sobre o
veto, a guerra e a paz e os tratados (art. 167.°) (4). Todos os decretos do Rei devem
ser assinados (referendados) pêos Secretários de Estado (art. 161.°) (5).
(4) O Conselho de Estado não é, de resto, apenas órgão consultivo. Cabe-lhe também
propor ao Rei as pessoas para os lugares da magistratura e para os bispados (art.
168.”).
(5) Como observou OLIVEIRA MARTINS (Política e História, i, cit., pág. 90), a
monarquia não entra na Constituição de 1822 como um elemento; é apenas uma
tradição, uma instituição, a que por conveniência se conserva uma vida que não é
vida.
Parte I—O Estado e os sistemas constitucionais 269
pnsáveis (art. 131.°); a sua responsabilidade perante as Cortes dá-se apenas por actos
ilícitos (arts. 103.°-xv, 159.° e 160.°); e, se podem falar e ser chamados a prestar
declarações diante delas, não podem estar presentes às votações (art. 91.°).
§ 2.°
A Carta Constitucional
auxiliado pelo seu secretário Gomes da Silva (seu cargo era de Oficial Maior do Gabinete Imperial) no preparo da
Cana Constitucional de 1826.
«Premido pelo decurso rápido dos poucos dias de que dispunha, D. Pedro tomou de dois exemplares do projecto
revisto do Conselho de Estado para a Constituição brasileira de 1824, e enquanto anotava em um, através de
emendas, supressões e adições àquilo que se deveria transformar no texto da Carta lusa, o Chalaça fazia o mesmo
no outro exemplar.
«Depois houve troca de textos, com notas do Imperador no do Chalaça e reciprocamente. Por fim Gomes da Silva
trasladou para o texto manuscrito o resultado do seu trabalho, enquanto o Imperador tentava fazer o mesmo em
outras páginas. Não dispondo porém do tempo de seu secretário (muito cheios lhe foram aqueles dias) nem talvez
paciência para o meticuloso esforço, apresentou apenas, depois de alguns poucos artigos redigidos, uma tabela
comparativa e numerada entre os artigos modificados da Constituição brasileira e os que lhe deveriam
corresponder na portuguesa.
«Além disso, tomou do manuscrito de Gomes da Silva e neles introduziu emendas e adições que, se comparadas
com o texto definitivo da Carta, verifica-se que foram todas adoptadas.
«Terminada a apressada redacção, foi o documento impresso no Rio de Janeiro, na Tipografia Imperial e Nacional,
com o acertado nome de Carta Constitucional e não de Constituição, pois havia sido outorgada e não votada.
Segundo os juristas brasileiros, a Carta Constitucional do Império americano passou a merecer o título de
Constituição desde que a Câmara dos Deputados, com apoio do Senado, discutiu-a e votou-a em 1834, ao
introduzir nela o Acto Adicional, que serviu, assim, como uma espécie de ratificação legislativa a posteriori.
«A Carta portuguesa foi assinada no palácio do Rio de Janeiro, aos 29 de Abril de 1826, por D. Pedro, que nela
ainda se assina El-Rei, pois a sua abdicação ao trono português só se deu alguns dias depois».
II — A Carta tem, por conseguinte, por fonte a Constituição brasileira, embora com diferenças, explicáveis pelas
diversas circunstâncias dos dois países.
As mais importantes das diferenças, por vincarem um elemento mais liberal e democrático na Constituição
brasileira, são as seguintes: nesta, é admitido o culto doméstico aos estrangeiros (); na Cons-
I — A outorga feita pelo Rei implica uma mudança de natureza do regime político: de
monárquico passa a monárquico constitucional; ao outorgar a Carta, ao exercer o
poder constituinte, o Rei manifesta-se, pela última vez, como Rei absoluto; mas, a
partir desse momento, a partir da entrada em vigor da Carta, ele toma-se um poder
constituído ao lado de outros poderes constituídos; e, por isso, não lhe pertence o
poder de revisão constitucional — este pertence — às Cortes com sanção obrigatória
real (arts. 140.° e seg.) (3).
II — Por isso não se justifica sustentar, como sustenta PAULO OTERO (5), que o
princípio monárquico expresso na Carta Constitucional é um pro-
(2) Cfr. a comparação feita por JORGE CAMPINOS, op. rir., págs. 21 e segs.
(3) Ao passo que, por exemplo, a Carta Constitucional francesa nada dispunha sobre
revisão
Nem corresponderia ao sentido objectivo da Carta ou à realidade constitucional do século xix dizer que a
atribuição de natureza sagrada à pessoa do Rei (art. 72.”) seria um efeito de a origem directa do seu poder residir
em Deus ou que, afinal, o Rei seria um vigário de Deus (4). Não era tal:
para lá da fórmula vinda da tradição (5), não havia aí senão uma imunidade, uma garantia frente aos demais
poderes do Estado; e o mesmo viria a constar, mais tarde, da Constituição de 1838 (art. 85.”) e já constava, em
parte, da Constituição de 1822 (art. 127.”).
Só no plano do sistema de governo (das relações entre os órgãos de poder), não no da forma de governo (das
relações entre poder e comunidade política) se podia asseverar que a Carta era uma das mais monárquicas, senão a
mais monárquica das Constituições do seu tempo (6), por causa do poder moderador atribuído ao Rei. Mas essa
era a tese de BENJAMI CONSTANT da monarquia constitucional da Restauração, diferente da monarquia
constitucional propriamente dita de tipo alemão (7).
In — As vicissitudes políticas e a prática constitucional levariam, de resto, a que o poder moderador e o próprio
princípio monárquico sofressem importantíssimas inflexões normativas.
(5) V., neste sentido, os Autores da época, LOPES PRAÇA, op. cit., 11, pág. 273;
JOSÉ TAVARES, op. cit., pág. 84; MARNOCO E SOUSA, op. cit., págs. 798 e segs.
Segundo este último Autor, dizer que assim como é sagrada a majestade da Nação,
assim também deve ser sagrada a pessoa do Rei, em que se personifica a majestade da
Nação, são planos sem significado jurídico algum (pág. 799).
(7) Seria interessante, aliás, cotejar a Carta com o projecto da Constituição de 1823 ou
com a proposta tradicionalista (embora aceitando D. Maria II) de D. MIGUEL
ANTÓNIO DE MELO, Projecto para a Reforma de Lei Fundamental da Monarquia
Portuguesa, Paris, 1828.
Parle l—O Estado e os sistemas constitucionais 273
De 1826 a 1828, com efeito, a situação seria extremamente precária perante os riscos
de reacção absolutista. Ao invés, depois de 1834, os ânimos liberais, incitados pela
dinâmica da vitória (como tantas vezes tem sucedido em casos semelhantes) acolhem
mal o espírito ainda conservador da Carta: e daí a agudização dos conflitos entre
cartistas e vintistas que há-de marcar uma geração. Só a partir de 1851 se obtém uma
plataforma de entendimento seguro entre as duas grandes correntes — mas em
prejuízo da posição do Monarca.
A Carta relega os direitos fundamentais para o seu último, longo e extenso artigo, o
145.° Confere-lhes, pois, menor relevo sistemático. Em contrapartida, descobre-se
nela um maior equilíbrio entre liberdades e garantias.
Aquisições importantes são o princípio da não retroactividade das leis (), a liberdade
de deslocação e emigração, a liberdade de trabalho e de empresa, a propriedade
intelectual, a instrução primária e gratuita e, mesmo, o primeiro prenúncio da
liberdade religiosa (respectivamente, §§ 2.°, 5.°, 23.°, 24.°, 30.° e 4.°). Promete-se a
organização «quanto antes» de um Código Civil e Criminal «fundado nas sólidas
bases da Justiça e Equidade» (§ 17.°). Sinal do espírito de contemporização com o
passado é a garantia da nobreza hereditária (§ 31.°).
O Acto Adicional de 1852 aboliria a pena de morte nos crimes políticos (art. 16.°) e a
Lei de l de Julho de 1987 nos crimes comuns.
LOPES PRAÇA, Estudos..., cit., li, págs. 231 e segs.; MANUEL EMDIO GARCIA,
Plano desenvolvido do curso de Ciência Política e Direito Políico, 3.° ed., Coimbra,
1885, págs. 46 e segs.; JOSÉ TAVARES, op. cit., págs. 6 e segs.; MARNOCO E
SOUSA, op. cit., págs. 793 e segs.
(3) Cfr. Contributo..., cit., págs. 51-52; MARGARIDA SALEMA, op. cit., págs. 90 e
segs. •
II — Antes desta revisão, sem dúvida pelo menos à face da letra da Carta, o poder
moderador conferia ao Rei proeminência sobre os demais poderes. Isso não
significava, porém, que fosse razoável assimilá-la a um poder consumptivo e
absorvente que pusesse em movimento o Estado e que, constantemente, o sustivesse
(3).
() Todavia, parece sempre ter-se entendido que os Ministros também eram responsveis
pêlos actos do poder moderador: assim, LOPES PRAÇA, op. cit., pág. 294;
In — Por costume constitucional, primeiro, e por lei (de 23 de Junho de 1855) depois,
apareceria a gura de presidente do Conselho de Ministros(s) ().
Seria uma prática nos moldes da monarquia de Luís Filipe em França e semelhante à
que se manifestaria no Brasil de D. Pedro II e também na Espanha e na Itália, países
com condições semelhantes às de Portugal.
(3) Por sinal, logo em 1826 o Governo demitiu-se depois de voto de desconfiança das
Câmaras.
(4) Daí não decorria, entretanto, que o Executivo se tomasse o principal centro
decisório do sistema, beneficiando, paradoxalmente, da legitimidade monárquica do
seu chefe e da legitimidade democrática da maioria parlamentar sustentadora dos
Ministros (como escreve PAULO OTERO, O poder de substituição..., cit., pág. 339).
Parte I—O Estado e os sistemas constitucionais 277
(4) Cfr. o nosso Decreto, Coimbra, 1974, págs. 12-13, e autores citados;
— A sujeição de todos os tratados a aprovação das Cortes antes de serem ratificados (art. 10.”);
(2) Sobre a estrutura dos partidos nessa época, v. MARCELO REBELO DE SOUSA,
op. cit., págs. 147 e segs.
Parte í—O Estado e os sistemas constitucionais 279
— A admissibilidade de legislação especial e de descentralização nas províncias ultramarinas (art. 15.”) ();
— A reforma da Câmara dos Pares, que, doravante, era constituída por 100 membros vitalícios nomeados pelo
Rei, por 50 membros electivos e pêlos pares por direito próprio (art. 6.) (2);
— A já referida sujeição de certos actos do poder moderador a responsabilidade dos Ministros, isto é, a referenda
ministerial (art. 7.°);
— A proibição de nova dissolução antes de passada uma sessão legislativa sobre a anterior dissolução (art. 7.”, §
2.”);
— A exigência do transcurso de quatro anos, pelo menos, entre duas revisões constitucionais (art. 8.”) (3);
— Uma nova reforma da Câmara dos Pares, ficando a ser composta por
90 membros vitalícios nomeados pelo Rei e pêlos pares por direito próprio (art. l.”);
— A possibilidade de nomeação pêlos Ministros de delegados especiais para tomarem parte na discussão perante
as Câmaras de determinados projectos de lei (art. 4.”);
— Uma nova regulamentação da comissão mista paritária de pares e deputados para o caso de divergências entre
as duas Câmaras, e a atribuição ao Rei — no exercício do poder moderador — ouvido o Conselho de Estado, da
competência para decidir (através de «decretos com força legislativa») havendo empate ou desacordo na comissão
(arts. 5.° e 6.°);
(2) Bem como pêlos pares hereditários, que continuavam a fazer parte da Câmara na
qualidade de pares vitalícios.
— O regresso parcial ao sistema da Carta, passando a Câmara dos Pares a ser composta por pares vitalícios sem
número fixo (art. l.”);
— A atribuição ao Supremo Tribunal de Justiça da competência para o julgamento dos crimes de responsabilidade
ministeria (art. 2.”).
Objecto do Decreto de 23 de Dezembro de 1907, a morte do Rei em l de Fevereiro de 1908 não permitiu a este
Acto ter efectividade, nem vir a ser convalidado pelas Cortes (que estavam para ser eleitas).
V — Em 1900 foi apresentada uma proposta de lei de reforma da Carta, que não chegou a ser aprovada e da qual
constavam, designadamente:
— Mais uma reestruturação da Câmara dos Pares, regulamentando-se a nomeação dos pares vitalícios pelo Rei,
decarando-se pares por direito próprio os titulares de certos cargos e admitindo-se 8 pares eleitos pêlos
estabelecimentos científicos (arts. l. a 5.”);
— A atribuição aos tribunais da competência para conhecer da vaidade das leis e do poder de não aplicar decretos
e regulamentos ou ordens do Governo e actos de quaisquer autoridades não conformes às leis publicadas em
harmonia com os preceitos constitucionais ().
§3.°
A Constituição de 1838
() Além das obras atrás citadas, v. ainda JOO DE SANDE MAGALHES MEXIA
SALEMA, Princípios de Direito Poítico Aplicados à Constituição Política da
Monarqia Portuguesa de 1838 ou A Teoria Moderada do Governo Monárquico
Constitucional Representativo, i, Coimbra, 1841 (sobre os oito primeiros artigos,
apenas);
Costuma dizer-se que representa uma síntese entre os textos de 1822 e 1826. Na
realidade, está mais perto do primeiro do que do segundo, porque reafirma a soberania
nacional, restabelece o sufrágio directo e elimina o poder moderador, embora institua
uma segunda Câmara (a Câmara dos Senadores) e aumente os poderes do Rei em
relação aos atribuídos pela Constituição de 1822.
Mas esse projecto não tinha ainda condições para se impor demoradamente e, cedo, o
Decreto de 10 de Fevereiro de 1842 restaurou a Carta Constitucional. Viria a ser a
Regeneração, nove anos mais tarde, a fazer aquilo que poderia ter sido a função
histórica do setembrismo: a pacificação da sociedade portuguesa e a conciliação dos
partidos desavindos, mas numa perspectiva agora mais próxima de 1826 do que de
1822.
(i) Segundo OLIVEIRA MARTINS (Portugal Contemporâneo, li, cit., pág. 319), era
«uma combinação média, cujo intérprete político era Rodrigo da Fonseca e cujo
melhor defensor foi Herculano. Era um segundo romantismo, individualista sem
enjeitar a tradição, e até popular sem deixar de ser brandamente aristocrata».
Curiosamente, ALMEIDA GARRETT (Viagens na minha terra, cap. v) chamar-lhe-
ia, porém, «a rabugenta Constituição de 1838».
Parte l—O Estado e os sistemas constitucionais 283
Por outro lado, a liberdade de imprensa recebe um maior impulso e estabelece-se que
nos processos respeitantes ao seu abuso o conhecimento dos factos e a sua
qualificação competem exclusivamente aos jurados (art. 13.° e § 2.°) ().
Neste título declara-se irrevogável a venda dos Bens Nacionais «feita na conformidade
das leis» (art. 23.°, n.° 2) (2).
O poder legislativo cabe a duas Câmaras, o que é concessão aos cartistas; todavia, a
Câmara alta, a Câmara dos Senadores, passa a electiva e temporária (art. 58.°), o que é
concessão aos vintistas (3). Ambas as Câmaras são eleitas por sufrágio directo (art.
71.°), restringindo-se a elegibilidade para Senadores a certas estritas categorias de
pessoas, em termos censitários e capacitários (art. 77.°) (4).
«O Rei é o Chefe do Poder Executivo» (art. 80.°) — expressão vinda da Carta, não da
Constituição de 1822 — e obtém o poder de sanção das leis (art. 81.°, n.° l) e o de
dissolução da Câmara dos Deputados, dissolução essa que, a haver, implica a
renovação de metade da Câmara dos Senadores (art. 81.°, n.° 3, § 1.°). Nenhum
preceito esclarece se uma eventual denegação de sanção tem efeitos
() A liberdade de expressão aparece, antes de mais, como liberdade de imprensa (em vez de a imprensa, como em
1822 e em 1826, aparecer como uma das formas de expressão).
(2) Sobre o seu sentido económico-social, v. GOMES CANOTLHO, op. cit., pâg. 300.
(3) V. a discussão sobre a Câmara dos Senadores, in BENEDICTA MARIA DUQUE VIEIRA, op. cit., págs. 48 e
segs. e 51 e segs.
Todavia, em artigo transitório da Constituição atribuía-se às primeiras Cortes ordinárias o poder de optar entr a
eleição popular ou a designação dos Senadores pelo Rei, sobre lista tplice proposta pêlos círculos eleitorais.
(4) Este art. 77.” é extremamente elucidativo do carácter classista da Câmara dos Senadores, ao prever como duas
primeiras categorias de elegíveis «os proprietários que tiverem de renda anual dois contos de réis» e «os
comerciantes e fabricantes, cujos lucros anuais forem avaliados em quatro contos de réis».
284Manual de Direito Constitucional
A Constituição de 1911
() Cfr. Contributo..., cit., pág. 53, nota; MARGARIDA SALEMA, op. d., pág. 12.
bro de 1910 (). Nas duas reuniões seguintes elegeu uma comissão incumbida de
preparar o projecto de Constituição.
(2) Está publicado em Anteriores Constituições Portuguesas, cit., págs. 623 e segs. O
relator da Comissão foi Sebastião de Magalhães Lima.
centralizadoras do partido republicano, a segunda até pelo incentivo que fora para os
republicanos portugueses a proclamação da república no Brasil.
No fundo, a Constituição acabaria por ter por fontes mais influentes as Constituições
da monarquia oitocentista e a prática da 3.” república francesa (2).
(2) DOUGLAS L. AHEELER (op. cit., pág. 96) fala num «conglomerado» de sistemas
republicanos de França, Brasil e Suça.
Parte l—O Estado e os sistemas constiucionais 287
Salientam-se na enumeração:
(3) Previsão de lei especial sobre o exercício do culto religioso, neutralidade religiosa
do próprio ensino particular, banimento da Companhia de Jesus.
c) Como novidade ainda, e como único sinal de abertura a uma visão social, a
obrigatoriedade do ensino primário elementar (art. 3.°, n.° 11), e não apenas a
gratuitidade como na Carta e na Constituição de 1838 ().
Mas estabelece-se o serviço militar obrigatório para todos os portugueses, cada qual
segundo as suas aptidões (art. 68.°).
(3) Seria muito mais tarde — já após o 28 de Maio — pelo Decreto n.” 19 694, de 5
de Maio de 1931, que as mulheres receberiam, embora limitadamente, direito de
sufrágio.
Não custa explicar a diferença de atitudes: enquanto que o regime de 1911 temia um
sentido conservador ou reaccionário do voto feminino, o de 1926 parecia contar com
ele.
Parte l—O Estado e os sistemas constitucionais 289
O poder legislativo é exercido pelo Congresso da República (2), formado pela Câmara
dos Deputados e pelo Senado (art. 7.°) (3), uma e outro eleitos por sufrágio directo
(art. 8.°). Privativa da Câmara é a iniciativa sobre impostos, organização das Forças
Armadas, discussão das propostas do poder executivo, pronúncia dos membros deste,
revisão da Constituição e prorrogação e adiamento da sessão legislativa (art. 23.°).
Privativa do Senado a aprovação das propostas de nomeação dos governadores e
comissários de República para as províncias do utramar (art. 25.°).
(3) Por que não uma só Câmara como em 1822? Decerto, tanto por influência da in
república francesa como por inércia em face do projecto inicial.
19—Man. Dir. Const..
290Manal de Direito Constiucional
Não foi apenas por influência da Constituição brasileira; foi ainda, sobretudo, por
razões internas (antes de mais a reacção contra os decretos ditatoriais de antes de
1910) que a Constituição reconhe-
(3) Assim, MARNOCO E SOUSA, op. cit., págs. 13 e segs.; FEZAS VITAL, op. cit.,
págs. 273 e segs. Cfr. as críticas de I. MANY, op. cit., págs. 14 e segs.
Dizia o art. 63.°: O «Poder Judicial, desde que, nos feitos submetidos a julgamento,
qualquer das partes impugnar a validade da lei ou dos diplomas emanados do Poder
Executivo ou das corporações com utilidade pública, que tiverem sido invocados,
apreciará a sua legitimidade constitucional ou conformidade com a Constituição e
princípios nela consignados».
— Criação do Conselho Paramentar, formado por membros eleitos pelo Congresso de harmonia com um princípio
de representação proporcional de «todas as correntes de opinião» (mesma Lei n.” 891), e que foi a primeira forma
de institucionalização ou de reconhecimento constitucional dos partidos ou dos grupos parlamentares no Direito
português (l);
— Incremento da descentralização nas colónias e criação do regime de altos comissários (Lei n.” 1005);
— Organização das Câmaras em sessões plenárias e por secções, sendo chamados às reuniões destas para «expor
os seus alvitres» «representantes das classes organizadas e associações interessadas nos assuntos que nas mesmas
se discutirem» (Lei n.” 1154).
Apesar de extensa e profunda, esta reforma não afectaria o teor do sistema de governo (2); nem aumentaria a base
de apoio ao regime republicano.
() Contra: PAULO OTERO (O poder de subsituição..., cit., pág. 250, nota), para quem
a sua função estaria, antes, próxima da de uma comissão permanente do Congresso.
Mas, ainda que assim fosse, uma coisa não excluiria a outra.
A alteração não sobreviveu ao assassinato de Sidónio Pais, já que, dois dias depois
deste, o Congresso da República suspendeu os arts. 116.° a 221.° do Decreto até à
revisão constitucional prevista no art. n das disposições transitórias deste (Lei n.° 833,
de 16 de Dezembro de 1918). E, assim, a Constituição de 1911 viria a ser reposta na
sua integridade.
CAPITULO In
A CONSTITUIÇO DE 1933
\
294Manual de Direito Constitcional
(4) Foram: precedido pelo Decreto n. 11 789, de 19 de Junho de 1926, o Decreto n.”
12 740, de 26 de Novembro de 1926 (cometendo o exercício das funções de
Presidente da República ao Presidente do Ministério e submetendo a referenda
ministerial os seus actos); o Decreto n.” 15 063, de 25 de Fevereiro de 1928 (a
estabelecer a eleição por sufrágio directo do Presidente da República e a fixar em
cinco anos o perodo presidencial); o Decreto n.” 15 248, de 24 de Março de 1928
(permitindo ao Presidente da República residir num dos palácios nacionais); o Decreto
n.” 15 381, de 9 de Abril de 1928 (sobre o compromisso de
Parte I—O Estado e os sistemas constitucionais 295
debate político se travaria no interior do novo regime entre os que pretendiam mera reforma das instituições
republicanas e os que, próximos do «Integralismo Lusitano» ou do fascismo italiano, reclamavam uma
Constituição diferente () (2). Venceriam estes, com Salazar, embora não sem compensações aos primeiros.
II — O Decreto n.” 20 643, de 22 de Dezembro de 1931, criou um Conselho Poítico Nacional, chamado
fundamentalmente a dar parecer acerca dos projectos de Constituição e de Códigos Administrativo e Eleitoral e
acerca da organização do regime corporativo. Compunham-no o Presidente do Ministério, o Ministro do Interior,
o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o Procurador-Geral da República e 11 homens públicos nomeados
pelo Presidente da República (3).
Não terá, entretanto, este Conselho Político Nacional desempenhado um papel de relevo. Na realidade, foi Oliveira
Salazar que concebeu e elaborou um projecto de Constituição, apoiado ou coadjuvado por um pequeno grupo de
pessoas (4). Mas desconhecem-se os trabalhos preparatórios respectivos.
Antiparlamentarista como se proclamava, não convocou o regime uma assembleia constituinte para apreciar esse
projecto ou, eventualmente, outros projectos que fossem apresentados. Sim-
(2) Cfr. MARCELLO CAETANO, Manual..., cit., li, págs. 487 e segs.
plesmente, o Governo publicou-o nos joais diários de 28 de Maio de 1932 para efeito
de discussão no país e, depois, refundiu-o e submeteu-o a «plebiscito nacional». E,
como continuavam as liberdades restringidas ou suspensas, tal não poderia deixar de
se reflectir num carácter muito limitado e pouco pluralista dessa discussão o.
O projecto de 1932 em pouco diverge do texto que veio a ser plebiscitado. As únicas divergências de certo vulto
são as seguintes:
— O nome «República organicamente democrática e representativa» e não «República corporativa» (art. 6.”);
— O não se preverem no § 2.” do art. 8.” medidas para impedir preventivamente «a perversão da opinião pública»;
— O estatuir-se não haver amnistia para os condenados por crimes eleitorais (art. 9.”);
— A composição mista da Assembleia Nacional, com 45 Deputados eleitos pêlos corpos administrativos e pêlos
colégios corporativos coloniais e 45 por sufrágio directo (art. 85.”).
O plebiscito realizou-se em 19 de Março de 1933. Os resultados da assembleia geral de apuramento (2) foram
publicados em 11 de Abril no Diário do Governo. Nesta data entrou a Constituição em vigor.
Não houve promulgação e o texto que faz fé como texto primitivo da Constituição é o constante do Decreto n.”
22241.
As disposições do Acto Colonial, aprovado pelo Decreto n.” 18 570, foram consideradas matéria constitucional
pela Constituição (art. 132.”) e publicadas de novo no dia 11 de Abril de 1933. Continuariam a valer
(2) A favor — 719 364 votos; abstenções — 487 364; contra — 5995. As abstenções
contaram como votos a favor (sendo o sufrágio obrigatório).
Parte l—O Estado e os sistemas consiucionais 297
como normas constitucionais não integradas na Constituição instrumental até 1951.
Decerto, em muita da linguagem e em muitas das soluções de fundo ela não rompe
com as Constituições anteriores. Mas, por outro lado, o engrandecimento do Poder
Executivo ou do Governo deriva das leis constitucionais da Ditadura, tal como o
sistema de compressão das liberdades públicas da sua prática; a intervenção do Estado
na sociedade e na economia, a ordem administrativa e, muito provavelmente, a
sistematização do texto constitucional denunciam leitura da Constituição de Weimar;
e a qualificação do Estado como Estado corporativo e a criação de uma Câmara
Corporativa reflectem a atenção prestada ao fascismo italiano.
Por seu turno, depois, viria a Constituição de 1933 a ser fonte doutras Constituições
de regimes autoritários: assim, a efémera Constituição austríaca de 1934 (de
DOLFUSS) como já se disse; a brasileira de 1937; e até a egípcia de 1956.
() Cfr. MARCELLO CAETANO, Manual..., cit., li, págs. 487 e segs. e 493-494;
MIGUEL GALVÂO TELES, Constitições portuguesas, cit., loc. cit., pág. 1505;
FRANCISCO LUCAS PIRES, O Estado Pós-Corporativo, in Revista da Corporação
dos Transportes e Turismo, n.” 2, Outubro de 1973, págs. 3 e segs.; MANUEL DE
LUCENA, A evolução do sistema corporativo português, Lisboa, 1976, l, págs. 116 e
segs.; JORGE CAMPINOS, O presidencialismo do Estado Novo, cit., págs. 27 e
segs,; MANUEL BRAGA DA CRUZ, O parido e o Estado no salaarismo, cit., págs.
48 e segs.
298Manual de Direio Constitucional
() Constituição de 1822, art. 20.”; Carta, art. 2.”; Constituição de 1838, art. 20.”;
Constituição de 1911, art. 2.”; indirectamente; Constituição de 1933, art. l.”
(2) Constituição de 1822, art. 162.”; Carta, art. 75.”, § 8”; Constituição de 1838, art.
37.”, IX; Lei n.” 1005, de 7 de Agosto de 1820.
(3) Assim, MANUEL BRAGA DA CRUZ, O partido e o Esado..., cit., pág. 62. Cfr.
ANTÓNIO DUARTE SILVA, Salazar e a Política Colonial do Estado Novo: o Acto
Colonial (1930-1951), m Salazar e o Salazarismo, obra colectiva, págs. 131 e segs.;
() Sobre o pblema, em termos opostos, ANTÓNIO JOSÉ BRANDÃO, op. cit., págs.
103 e segs.; e JORGE MIRANDA, Contributo..., cit., págs. 94 e segs.
(3) «Não reconhecemos a liberdade contra a Nação, contra o bem comum, contra a
família, contra a moral» (SALAZAR, Discrsos, l, 4. ed., Coimbra, 1948, pág. 309).
302Manual de Direito Constitucional
() Muito embora o sentido do art. 4.” não fosse unívoco, prevalecendo uma
interpretação legalista e positivista sobre uma interpretação rigorosamente preceptiva
e jusnaturalista. Sobre o problema, v. a nossa Ciência Política..., cit., li, págs. 115 e
segs., e autores citados.
(3) Cuja fonte terá sido o art. 130.” da Constituição de Weimar, de resto
habitualmente considerado (a par do art. 124.”, 2.° parte) um dos primeiros preceitos
constitucionais que procederam à institucionalização dos partidos políticos.
Parte l—O Estado e os sistemas constitucionais 303
com as regras próprias de hermenêutica jurídica, sem dúvida o art. 8.°, n.° 14, ao
garantir a liberdade de associação, implicaria a sua admissibilidade.
Pode então falar-se num verdadeiro costume constitucional contra legem (ou, pelo
menos, praeter legem), estribado na convicção jurídica e política ligada àquela
ideologia e exibida numa constante prática legal, jurisprudencial e administrativa (2).
(2) Contra: MARCELO REBELO DE SOUSA, op. cit., págs. 223 e segs,, maxime
págs. 231-232. A Constituição de 1933 não reconheceria liberdade de associação
partidária; a prática constitucional delinearia os contornos de um regime jurídico que
poderia propiciar várias modalidades de organização política; e viria a prevalecer a
prática factual do sistema de partido liderante (pág. 231).
Por nós, podemos cnceder que o art. 22.” seja afloramento de um princípio de isenção
ou imparcialidade de Administração. Já não podemos aceitar a recondução do art. 8.”,
§ 2.”, a «disposição em branco» (pág. 229). Uma leitura jurídica deste preceito nunca
poderia ser tal que destruísse o conteúdo essencial do corpo do artigo; se ele veio a ser
assim na prátic foi porque a Constituição aí não adquiriu efectividade (ou porque, em
última análise, se formou também um costume abrogante da garantia da liberdade de
associação)
() V., por todos, MARCELLO CAETANO, Direito Constitucional, cit., l, págs. 450 e
segs. A favor dos partidos, cfr., porém, PEREIRA DOS SANTOS, op. cit., págs. 367 e
379-380.
(2) Embora o título vi da Constituição de 1822 tenha por epígrfe «Do governo
administrativo e económico» e o título vil da Carta por epígrafe «Da administração e
economia das províncias».
PEREIRA DOS SANTOS, op. dl., págs. 148 e segs.; JORGE MIRANDA, Relevância
da agricultura no Direito Constitucional Português (separata da Rivista di Diritto
Agrário,
1965, e de Scientia luridica, 1966), Ciência Política..., cit., li, págs. 253 e segs.;
Mas vem a ser no título viu da parte l, sob a rubrica de «ordem económica e social», que se encontram as normas
mais significativas.
«A organização económica da Nação deverá realizar o máximo de produção e riqueza socialmente útil e
estabelecer uma vida colectiva de que resultem poderio para o Estado e justiça entre os cidadãos» (art. 29.”).
«O Estado regulará as relações da economia nacional com a dos outros países em obediência ao princípio de uma
adequada cooperação, sem prejuízo das vantagens comerciais a obter especialmente de alguns ou da defesa
indispensável contra ameaças ou ataques externos» (art. 30.”).
«O Estado tem o direito e a obrigação de coordenar e regular superiormente a vida económica e social com os
objectivos seguintes:
«l.” Estabelecer o equilíbrio da população, das profissões, dos empregos, do capital e do trabalho;
«2.” Defender a economia nacional das explorações agrícolas, industriais e comerciais de carácter parasitário ou
incompatíveis com os interesses superiores da vida humana;
«3.” Conseguir o menor preço e o maior salário compatíveis com a justa remuneração dos outros factores da
produção, pelo aperfeiçoamento da técnica, dos serviços e do crédito;
«4.” Desenvover a povoação dos territórios nacionais, proteger os emigrantes e disciplinar a emigração» (art. 31.°).
«O Estado favorecerá as actividades económicas particulares que, em relativa igualdade de custo, forem mais
rendosas, sem prejuízo do benefício social atribuído e da protecção devida às pequenas indústrias domésticas» (art.
32.”).
«O Estado só pode intervir directamente na gerência das actividades económicas particulares quando haja de
financiá-las e para conseguir benefícios sociais superiores aos que seriam obtidos sem a sua intervenção» (art.
33.”, corpo).
«O Estado promoverá a formação e desenvolvimento da economia nacional corporativa, visando a que os seus
elementos não tendam a estabelecer entre si concorrência desregrada e contrária aos justos objectivos da sociedade
e deles próprios, mas a colaborar mutuamente como membros da mesma colectividade» (art. 34.”).
«A propriedade, o capital e o trabalho desempenham uma função social, em regime de cooperação económica e
solidariedade, podendo a lei determinar as condições do seu emprego ou exploração conformes com a finalidade
colectiva» (art. 35.”).
20—Man. Dir. Const., l
306Manual de Direito Constitucional
Também devem merecer alguma atenção as normas do título xm, sobre as «administrações de interesse colectivo»,
e as do título xiv, sobre finanças ().
II — O Decreto-Lei n.° 23 048, de 23 de Setembro de 1933, aprovou um «Estatuto do Trabalho Nacional». E não
é tanto na Constituição quanto no Estatuto, bem próximo da Carta dei Lavoro fascista, que deve perscrutar-se o
exacto sentido da economia corporativa visada pelo «Estado Novo» (2).
«A Nação Portuguesa constitui uma unidade moral, política e económica, cujos fins e interesses dominam os dos
indivíduos e grupos que a compõem» (art. l.”) (3).
«A hierarquia das funções e dos interesses sociais é condição essencial da organização da economia nacional» (art.
8.”).
«Sobre o capital aplicado em exploração agrícola industrial ou comercial impende a obrigação de conciliar os seus
interesses legítimos com os do trabalho e os da economia pública» (art. 14.”).
«A direcção das empresas, com todas as suas responsabilidades, pertence de direito aos donos do capital social ou
aos seus representantes. Só por livre concessão deles o trabalhador pode participar na gerência, fiscalização ou
lucros das empresas» (art. 15.”).
«O direito de conservação ou amortização do capital das empresas e o do seu justo rendimento são condicionados
pela natureza das coisas, não podendo prevalecer contra ele os interesses ou os direitos do trabalho» (art. 16.°) (4).
() Onde aparecem normas importantes de garantia dos contribuintes (art. 70.”) e dos
portadores de títulos da dívida pública fundada (art. 68.”).
(2) Cfr. SILVA LEAL, Política..., cit., págs. 55 e segs.; MANUEL DE LUCENA, op.
cit., págs. 179 e segs.
(3) Sobre o art. l.” do Estatuto, procurando dar-lhe um sentido não totalitário,
PEREIRA DOS SANTOS, op. cit., págs. 128-129, e FEZAS VITAL, Curso..., cit.,
págs. 49 e segs.
«O direito ao trabalho é tomado efectivo pêlos contratos individuais ou colectivos. Nunca o pode ser pela
imposição do trabalhador dos organismos corporativos ou do Estado, salvo, no que respeita a este último, o direito
que lhe assiste, em caso de suspensão concertada de actividades, de usar de todos os meios legítimo para competir
os delinquentes ao trabaho» (art. 23.”).
O Chefe do Estado é eleito por sufrágio directo, «pela Nação», por sete anos (art.
72.°), pode ser reeleito e só perante a Nação responde pêlos actos praticados no
exercício das suas funções (art. 78.°). Compete-lhe nomear o Presidente do Conselho
e os Ministros, dar à Assembleia Nacional a eleger poderes constituintes, convocar a
Assembleia Nacional extraordinariamente para deliberar sobre assuntos determinados
e adiar as suas sessões, dissolvê-la quando assim o exijam os interesses superiores da
Nação e prorrogar por seis meses as eleições subsequentes, dirigir a política externa
do Estado, promulgar as leis, exercer poder de veto, etc. (arts. 81.°, 87.°, § único, e
98.°). Os actos do Presidente da República, salvo a nomeação e a demissão do
Presidente do Conselho, as mensagens dirigidas à Assembleia Nacional e a mensagem
de renúncia ao cargo, devem ser referendados pelo Ministro ou pêlos Ministros
competentes ou por todo o Governo (art. 82.°) ().
A Assembleia Nacional tem noventa Deputados, eleitos por sufrágio directo por
quatro anos (art. 85.°). Compete-lhe, designadamente,
fazer leis, vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis, autorizar o Governo a
cobrar as receitas do Estado e a pagar as despesas públicas (mas não já aprovar o
orçamento), aprovar as convenções internacionais, declarar o estado de sítio, deliberar
sobre a revisão constitucional antes de decorrido o prazo de 10 anos sobre a última
revisão (art. 91.°). A Assembleia funciona três meses, improrrogáveis, em cada ano
(art. 94.°) ().
Conquanto a feitura das leis continue a competir à Assembleia Nacional (art. 91.°, n.°
l), prescreve-se que elas devem restringir-se às bases gerais dos regimes judicos (art.
92.°) e, sobretudo, permite-se ao Governo elaborar decretos-leis não só em caso de
autorização legislativa como em casos de urgência e necessidade pública (art. 108.°,
n.° l) (2), o que, dada até a insindicabilidade destas circunstâncias, equivale a
confirmar e a manter a prática da «Ditadura Militar» (3).
Para além disto, é todo o estatuto constitucional da Assembleia que sofre diminuição:
redução do número de Deputados a 90 e da sessão legislativa a 3 meses; inexistência
de comissões parlamentares;
() Cfr. PIRES CARDOSO, op. cif., págs. 140 e segs.; MARCELLO CAETANO,
Câmara Corporativa, in Verbo, IV, págs. 572-573; CRUCHO DE ALMEIDA,
Câmara Corporativa, m Dicionário Jurídico da Administração Pública, li, págs. 146
e segs.
(2) Aliás, Salazar defendia que fosse só o Goveo a legislar com a colaboração
consultiva duma Câmara Corporativa, possivelmente completada por um conselho de
técnicos de leis; e que a Assembleia Nacional subsistisse como assembleia política,
que transmitiria ao Governo as grandes aspirações nacionais e fiscalizaria a
administração pública (in ANTÓNIO FERRO, op. cit., págs. 274275). V. também
Discursos, i, págs. 382 e segs.
sibilidade de o Presidente prorrogar até seis meses o prazo para novas eleições após
dissolução, se assim o aconselharem «os superiores interesses do país»; não só
irresponsabilidade do Governo perante a Assembleia como não comparência dos
Ministros às suas reuniões.
Não é parlamentar, por tudo quanto acaba de se referir e por Presidente da República e
Governo não estarem sujeitos a votações na Assembleia Nacional, como
expressamente se estipula (arts. 78.° e 111.°).
Não é presidencial, porque este sistema, conforme se viu a propósito dos Estados
Unidos, implica separação e equilíbrio entre Presidente da República e Parlamento e
tal não se verifica na Constituição portuguesa. Para além do mais, bastaria recordar
que em sistema presidencial não existe dissolução do Parlamento pelo Presidente (2).
(2) Na mesma linha, FEZAS VITAL, Direito Constitucional, cit. (pág. 361), faando
numa república sui generis, que não se integra em qualquer dos tipos tradicionais de
república (presidencial, directorial ou parlamentar).
Parte —O Estado e os sistemas constitucionais 311
Se há pontos de contacto com Weimar, são aqui bastante mais fortes as afinidades
com a Constituição imperial alemã de 1871, ainda que não se trate de um puro sistema
de chanceler, por os Ministros intervirem na função legislativa (aprovando ou
assinando os decretos-leis) e na função política (referendando actos do Presidente da
República) (3).
() Sobre esta matéria, para maior desenvolvimento, v. Chefe do Estado, cit., págs. 23 e
segs.
(2) Não tem, por isso, razão JORGE CAMPINOS (O presidencialismo..., cit., págs. 32
e segs. e 153 e segs.) quando alude a «presidencialismo constitucional do Presidente
da República» em contraste com a prática de «presidencialismo funcional do
Presidente do Conselho». Ou, menos ainda, AFONSO QUEIRÓ quando fala em
semipresidencialismo (parecer sobre o projecto da lei n.” 6/x, n.” 18.”, in Revisão
Constitucional de 1971, Coimbra, 1972, pág. 253).
(4) Para o estudo das revisões e dos aspectos da Constituição que tocaram, é essencial
a leitura dos pareceres da Câmara Corporativa sobre as propostas e os projectos de
alterações (publicados no Diário das Sessões da Assembleia Nacional e nas Actas da
Câmara Corporativa, sucessivamente). Os pareceres até 1945 foram relatados por
FEZAS VITAL; em 1951, o parecer sobre a proposta de revisão do Governo foi da
autoria de MARCELLO CAETANO e o parecer sobre o projecto do Deputado
CANCELA DE ABREU da autoria de ANTÓNIO PEDRO PINTO DE MESQUITA;
Em 1935-38 e em 1945 continua a ser dominante o antiparlamentarismo. Daí, o reduzir-se ainda a força da
Assembleia Nacional, em contraste com a ampliação de poderes do Governo (e, neste, do Presidente do Conseho)
e da Câmara Corporativa.
Em 1951 verifica-se certo reequilíbrio e a Assembleia aproveita ou desenvolve algumas virtualidades que a
Constituição lhe abre, quanto a reserva de competência legislativa e ratificação de decretos-leis. Entretanto,
começa a pôr-se o problema da eleição presidencial, o que leva a estabelecer, como garantia do regime, o requisito
de idoneidade política dos candidatos ao cargo.
Tal preocupação de defesa manifesta-se de tal forma em 1959 que ofusca outras preocupações igualmente então
sentidas. A revisão desse ano fica assinalada por ter substituído o modo de eleição do Presidente (2), e não por ter
aditado à reserva da Assembeia Nacional, órgão de eleição directa dos cidadãos, a competência para legislar sobre
as mais importantes liberdades públicas (3).
O compromisso ideológico anterior a 1930, e ainda patente no texto primitivo da Constituição, há muito se havia
rompido em beneficio dos elementos autoritários. Por isso, não foi difícil introduzir as emendas adequadas à
conjuntura.
Já em 1971 a proposta de lei de revisão (quase toda aprovada) — embora não vá tão longe como um projecto de
lei ao mesmo tempo apresentado e
II — A própria Constituição conferiu à primeira Assembleia Nacional «poderes constituintes», que os exerceu e de
cuja actividade resultaram cinco leis: as Leis n. 1885, 1910, 1945, 1963 e 1966, respectivamente, de 23 de Março
e 23 de Maio de 1935, 21 de Dezembro de 1936, 18 de Dezembro de 1937 e 23 de Abril de 1938 (sem contar com
a Lei n. 1900, de 21 de Maio de 1935, de modificação do Acto Colonial).
Foi aquilo a que se chamaria a ratificação parlamentar da Constituição (2). E, se este termo não é inteiramente
satisfatório no plano jurídico O, no plano político compreende-se o seu uso. Não tendo a Constituição sido
discutida em assembleia constituinte e no referendo só sendo possível aprovar ou rejeitar o texto sem lhe
introduzir alterações, interessaria ver até que ponto os primeiros Deputados a eleger (e eleitos com tais poderes de
revisão) o entendiam susceptível de adaptação, correcção ou melhoria (4).
In — A revisão feita através da Lei n.” 1885, entre outras coisas, estabeleceu:
— A suplência do Presidente da República pelo Presidente do Conselho, e não já por todo o Governo;
— A necessidade de referenda, não de todos os Ministros, mas tão só do Presidente do Conselho e dos Ministros
competentes;
— A sujeição da iniciativa legislativa dos Deputados a fortes restrições (não envolver aumento de despesas ou
diminuição de receitas e receber voto favorável de comissão especial);
() O projecto n.” 6/x, dos Deputados Sá Carneiro e outros. Também seria quase todo
rejeitado um projecto voltado para outros aspectos, o n.” 7/x, dos Deputados Duarte
Amaral e outros.
(3) Tal como não era correcto dizer que se colocava a vontade duma assembeia acima
da decisão plebiscitaria (assim, PEREZ SERRANO, El proyecto constitucional
português, in Revista de Derecho Público, l, 1932, pág. 232).
— A possibilidade de consulta da Câmara Corporativa pelo Governo quanto a decretos-leis ou propostas de lei;
— A sujeição a ratificação da Assembleia somente dos decretos-leis publicados durante o período da sessão
legislativa;
IV — A Lei n. 1910 limitou-se a prescrever que o ensino ministrado pelo Estado deveria ser «orientado pela
doutrina e pela moral cristãs tradicionais do País».
As outras leis contêm quase só aperfeiçoamentos da estrutura dos órgãos existentes, nomeadamente da Assembleia
Nacional e da Câmara Corporativa. O estatuto desta ficou mais aproximado do da Assembleia Nacional.
Restringiu-se também aos dipomas promulgados a incompetência dos tribunais para conhecerem da
inconstitucionalidade orgânica e formal (Lei n.” 1963).
V — Operada pela Lei n.” 2009, de 17 de Setembro de 1945, que simultaneamente tocou no texto constitucional e
no do Acto Colonial, a revisão de 1945 projectou-se no seguinte:
— Admissão das comissões parlamentares, em cujas sessões podiam tomar parte Ministros e Subsecretários de
Estado;
— Substituição dos Ministros, quando ausentes do Continente, pelo Presidente do Conselho, se não tivessem sido
nomeados Ministros interinos;
— Competência do Governo para fazer decretos-leis em circunstâncias normais, e não só em caso de urgência e
necessidade pública, e restrição da ratificação aos casos em que um número mínimo de Deputados a pedisse;
— Dever do Governo de regulamentar as leis no prazo de 6 meses. A mais importante inovação foi a que
estabeleceu a paridade de poderes legislativos entre Assembeia Nacional e Governo, pondo finalmente a
Parle I—O Esado e os sisemas constitcionais 315
«verdade formal» de acordo com a «verdade rea» () ou, dito de outro modo, a lei constitucional de acordo com a
prática. Mas houve quem entendesse que essa alteração básica na função legislativa, tal como se encontrava
definida no texto plebiscitado em 1933, carecia de ser submetida a novo referendo (2) (aliás, previsto no art. 135.”,
n.” 2, de então).
VI — Feita pela Lei n.” 2048, de 11 de Junho de 1951, o ponto de maior relevo da revisão de 1951 foi a
integração do Acto Colonial na Constituição, acompanhada do retorno ao nome tradicional de províncias
ultramarinas.
— O não poderem apresentar-se a eleição presidencial os candidatos que não oferecessem garantias de respeito e
fidelidade aos princípios da Constituição, sendo esta idoneidade política verificada pelo Conselho de Estado;
— A interpretação autêntica do art. 93.”, no sentido de contemplar matérias de exclusiva competência legisativa da
Assembleia;
VII — A revisão de 1959 traduziu-se na Lei n.” 2100, de 29 de Agosto de 1959, e foi dominada por uma questão:
a mudança, por razões de cir-
(2) Deputado Antunes Guimarães (Diário das Sessões, 1945, n.” 187, págs. 718 e 720,
e n.” 190, pág. 768). Muito mais tarde, dir-se-ia ter-se modificado em 1945 a estrutura
do regime (Deputado Sá Carneiro, in Diário das Sessões, 1971, n.” 102, pág. 2048).
— O principio de que a organização político-administrativa das províncias ultramarinas deveria tender para a
integração no regime geral da administração;
—A exigência de um mínimo de 10 Deputados para poderem ser apresentados projectos de revisão constitucional;
VIII — Por último, as principais modificações trazidas pela Lei n.” 3/71, de 16 de Agosto, foram:
— A consagração expressa de uma cláusula de recepção geral plena do Direito internacional convencional (art.
4.°, § l.”) e o apuramento do processo de ratificação de tratados (arts. 81.”, n.” 7, 91.”, n.” 7, e 109.”);
— A proibição expressa de discriminações fundadas na raça e, quanto à mulher, no bem da família (art. 5.”, § 2.°);
— A possibilidade de equiparação dos brasileiros aos portugueses para efeito de gozo de direitos, salvo direitos
políticos reservados a portugueses originários (art. 7.”, § 3.°);
— O reforço das garantias individuais no campo do Direito e do processo penais (art. 8.”);
— A promoção, «perante Deus e os homens», da liberdade das diversas confissões religiosas, apesar de a religião
católica ser a «tradicional da Nação Portuguesa» (arts. 45.” e 46.”);
— A inclusão de novas matérias na reserva de competência da Assembleia Nacional (art. 93.”) e certo
revigoramento das condições de trabalho da Assembleia (art. 94.” e outros), não obstante a intervenção do
Presidente do Conselho na fixação da ordem do dia (art. 101.”, § único);
— A faculdade dada ao Governo de declarar o estado de sitio a título provisório e de tomar providências em caso
de subversão, com restrição das liberdades e garantias individuais (art. 109.°, §§ 5.” e 6.”).
IX — Se a revisão feita em 1971 foi a mais extensa e a mais debatida de todas as revisões, ela foi insuficiente para
transformar o regime e, para transformando-o, poder dar-lhe esperança de sobreviver.
Muito mais longe ia o já citado projecto de revisão n.” 6/x no sentido do reforço das liberdades de expressão e
informação, de associação e de reunião, das garantias de processo pena, do regresso à eleição directa do Presidente
da República, da intervenção legislativa e fiscaizadora da Assembleia Naciona e da apreciação dos actos do poder
pêos tribunais.
Este projecto frustrou-se, acusado de ibera individualista () e de ir contra o espírito da Constituição, sugerindo-se
que violaria limites materiais da
() Parecer da Câmara Corporativa, in Actas..., 1971, n.” 67, págs. 677 e segs.
318Manal de Direito Constitcional
revisão (o que era abrir uma questão que, anos mais tarde com a futura Constituição de 1976, ganharia particular
acuidade, mas posta de outros quadrantes políticos). Nem sequer foi discutido na especialidade pela Assembleia e
o seu principal autor () veio, por causa disso, a impugnar a constitucionalidade de lei de revisão (o que era também
levantar um tema básico de Direito constitucional) (2).
a) Numa estabilidade e numa continuidade sem paralelo na Europa — não tanto das
instituições (como se veria no final) quanto das pessoas e dos cargos (desde 1933,
somente houve três Presidentes da República e dois Presidentes do Conselho; a
Assembleia Nacional só foi dissolvida uma vez, em 1945, e por motivos conjunturais,
não por causa de qualquer conflito político; não se deram verdadeiramente senão
remodelações do Governo, nunca Governos novos;
(2) O projecto de lei (deveria ter sido projecto de resolução) não foi admitido pelo
Presidente da Assembleia e não foi publicado. V., porém, a discussão do problema na
nota de JORGE DE S BORGES à recolha de textos parlamentares Revisão da
Constituição Política, Porto, 1971, e na 6. ed. do Manual de Ciência Poltica de
MARCELLO CAETANO, 11, págs. 500 e segs.
(5) A expressão é de SALAZAR (Discursos, III, pág. 103), o qual especificava ainda:
«o acto eleitoral não se destina tanto à designação dos Deputados como ao
reconhecimento solene das benemerências do regime e à afirmação da confiança do
País na realidade sempre fecunda dos princípios da Revolução Nacional» (págs. 103-
104).
sempre realizadas nos prazos prescritos — para legitimar os governantes, mas sim
para outros fins (para o regime, preparação de quadros, propaganda ou animação
política, conhecimento dos adversários, aparência democrática para o estrangeiro; para
a Oposição, oportunidade de presença, possibilidade de se fazer ouvir sem todas as
restrições à liberdade do resto do tempo, lançamento de certas ideias-força) (). Daí e
por não se ter chegado ao sufrágio universal (2), um número reduzido de eleitores
recenseados e de eleitores efectivamente votantes (3) (4);
(2) V., por último, a Lei n.” 2137, de 26 de Dezembro de 1968. Para o estudo da
legislação eleitoral em geral, v. JOSÉ DE MAGALHES GODINHO, A legislação
eleitoral e a sua crítica, Lisboa, 1969; JORGE MIRANDA, Colégio eleitoral, in
Dicionário Jurídico da Administração Pública, i, págs. 464 e segs.
(3) Em 1973, para uma população de cerca de 8 500 000 habitantes havia
2 091 003 eleitores inscritos (ou seja, uma percentagem de 24%).
Em 1958 (ainda com sufrágio directo): Américo Thomaz — 758 998 votos;
Em 1965 (já com colégio eleitoral restrito): eleitores — 585; eleitores presentes —
569; listas válidas (a favor do candidato único) — 556; listas nulas — 13.
C) Cfr. SOARES MARTINEZ, op. cif., págs. 153 e segs.; G. BURDEAU, op. cit., v,
2. ed., 1970, págs. 535 e segs.; LUCAS PIRES, O Estado Pós-Corporativo, cit.;
MANUEL DE LUCENA, op. cit., i, págs. 200 e segs., e 11, págs. 55 e segs.;
HOWARD G. WIARDA, Corporativism and Development, The Portuguese
Experience, Universidade de Massachussets, 1977.
(4) DIAZ LLANOS, op. cit., pág. 271 (v. também págs. 279 e segs.).
21 —Man. Dir. Const., I
322Manual de Direito Constitucional
e os candidatos escolhidos pela União Nacional ou pela Acção Nacional Popular ();
(2) Cfr. DIAZ LLANOS, op. ci., loc. cit., págs. 276-277; LUCAS PIRES. O Estado...,
cit., pág. 17. Aquele autor diz que a Câmara Corporativa se tomou um enorme centro
de poder burocrático, este fala no realçar dos elementos centrais do sistema
corporativo.
Algo controverso O—se bem que, talvez sem interesse de maior — é apenas saber se
pode ou deve qualificar-se de regime fascista (2) ou se cabe noutro tipo ou subtipo de
regimes (3).
Em nossa opinião, apesar das similitudes com regimes fascistas e do uso, sempre que
achou necessário, de técnicas fascistas, o sistema salazarista não foi um fascismo. Não
assentava num partido
maneira geral durante os 41 anos da sua vigência houve, de parte dos governantes,
a preocupação de a respeitar.
(•) Assim, KARL LOEWENSTEIN, Teoria..., cit., pág. 458; GEORGES BURDEAU,
Traité..., cit., v, pág. 542; RAYMOND ARON, op. cit.. págs. 233-234 e 364 (o regime
quereria’ser’liberal sem ser democrático, mas não chega a ser liberal); MAURICE
DUVERGER, Institutions..., cit., págs. 495 e segs. (fala em regime pseudofascista,
intermédio entre as ditaduras fascistas e as ditaduras de países subdesenvolvidos);
ideológico de massas que se tivesse apoderado do Estado. E não lhe presidia uma
concepção totalitária: se tinha da Nação (mas não do Estado) uma visão
transpersonalista e não democrática — era a Nação historicamente definida em vez do
Povo, o titular último da soberania () — nem por isso lhe sacrificava aquilo que tinha
por «liberdades essenciais», nem deixava de proclamar, como se sabe, a vinculação do
Estado à moral e ao direito (art. 4.° da Constituição).
CAPÍTULO IV
A CONSTITUIÇÃO DE 1976
120. Sequência
(2) Assim, DOUGLAS WHEELER, A Ditadura Militar, cit., págs. 13; ou JAIME
NOGUEIRA PINTO, O fim do Estado Novo e as origens do 25 de Abril, 2.” ed.,
Lisboa, 1995, pág. 46.
nos lugares próprios das partes subsequentes da presente obra, como se impõe.
MÁRIO RAPOSO, Nota breve sobre a Constituição poruguesa, ibidem, págs. 775 e
segs.; MANUEL DE LUCENA, O Estado da Revolução —A Consituição de 1976,
Lisboa, 1978; SOARES MARTINEZ, Comentários à Constituição Portuguesa de
1976, Lisboa, 1978; Luís SALGADO DE MATOS, Lê Preside de Ia Republique
Portugaise dans lê cadre du regime poliique, policopiado, Paris, 1979; EMÍDIO DA
VEIGA DOMINGOS, Portugal Políico —Análise das Instituições, Lisboa, 1980;
ALBERTO MARTINS, O Estado de Direito e a ordem política portuguesa, in
Fronteira, n.” 9, Janei-Março de 1980, págs. 10 e segs.; MARIA ISABEL JALLES,
mplicações jurídico-constitucionais da adesão de Portugal às Comunidades
Europeias — Alguns aspectos, Lisboa, 1980, págs. 67 e segs. e 243 e segs.; A
Constituição de 1976 à luz duma reflexo crist, obra colectiva, Lisboa, 1980; JOO
MOTA DE CAMPOS, A ordem constitucional poruguesa e o Direito comuniário,
Braga, 1981, maxime págs. 67 e segs.; Rui MACHETE, Os princípios estruturais da
Consituiço e a próxima revisão constitucional, in Revista de Direito e Estudos
Sociais, 1987, págs. 337 e segs.;
Por agora, tratar-se-á apenas da sua formação — com maior minúcia do que a respeito
de qualquer das Constituições anteriores, naturalmente — das suas características
gerais, das questões a elas ligadas, das revisões e do sentido da aplicação e do
desenvolvimento das normas constitucionais.
Essa ideia de Direito revelou-se claramente nas proclamações e nos primeiros actos
concretos do Movimento das Forças Armadas (a libertação dos presos políticos, o
regresso dos exilados, o desaparecimento da censura, o feriado do l.° de Maio, etc.) e
veio a ter formal consagração num documento sem precedentes no Direito público
português: no Programa divulgado na madrugada seguinte, explicitamente referido na
lei pela qual foram declarados destituídos os titulares dos órgãos políticos do regime
deposto (a Lei n.° 1/74, de 25 de Abril), e depois publicado em anexo à lei que definiu
a estrutura provisória do poder (a Lei n.° 3/74, de 14 de Maio).
O Programa do Movimento das Forças Armadas não foi, portanto, um mero texto político; foi também, desde o
início, um texto carregado de sentido jurídico, pois, com o êxito da acção revolucionária, transformou-se de acto
interno do Movimento em acto constitucional do Estado (). Ele compreendia «medidas imediatas», relativas à
substituição dos órgãos do poder e à restauração das liberdades cívicas, e «medidas a curto prazo», corres-
Por isso, apesar de o Programa prever uma nova política económica, «posta ao serviço
do Povo Português, em especial das camadas da população até agora mais
desfavorecidas», uma nova política social «que, em
() Sobre o assunto, v. JORGE MIRANDA, A Revolução de 25 de Abril e o Direito Constitucional, cit., págs. 83 e
segs.
(2) Cfr os prazos observados aquando das anteriores Assembleias Constituintes: Agosto-Dezembro de 1820,
Setembro de 1836-Janeiro de 1837, Outubro de 1910-Junhode 1911.
328Manual de Direito Constitucional
todos os domínios, terá essencialmente como objectivo a defesa dos interesses das classes trabalhadoras e o
aumento progressivo, mas aceerado, da qualidade de vida de todos os portugueses» [B., 6, a) e b)} e uma política
ultramarina «que conduza à paz» (B., 8), foi claramente dito que «as grandes reformas de fundo só poderão ser
adoptadas no âmbito da futura Assembleia Nacional Constituinte» (B., 5) e que a definição da política ultramarina
competiria «à Nação» [B., 8, a].
Quer dizer que, de harmonia com a ortodoxia constitucional democrática (), o Movimento das Forças Armadas se
propunha devolver o poder ao povo num prazo relativamente curto: nisto se distinguia de quase todas as
revoluções militares do nosso tempo. Deveria ser o povo, através da eleição dos Deputados à Assembleia
Constituinte, a determinar o sistema político e económico-social em que desejaria viver — porque «a vontade do
povo é o fundamento da autoridade dos poderes públicos e deve exprimir-se através de eleições honestas a realizar
periodicamente por sufrágio universal e igual, com voto secreto...» (art. 21.”, n.” 3, da Declaração Universal).
In — Mas três circunstâncias particulares, sem paralelo em épocas anteriores, viriam a assinalar o processo que se
desenrolaria até à Constituição (2).
A primeira viria a ser a turbulência dos dois anos entre a revolução e a Constituição, derivada de condicionalismos
de vária ordem (descompressão política e social imediatamente após a queda dum regime autoritário de 48 anos,
descolonização dos territórios africanos feita em 15 meses após ter sido retardada 15 anos, luta pelo poder logo
desencadeada) e traduzida, a partir de certa altura, num conflito de legitimidades e de projectos de revolução (3)
(4).
(’) Sempre invocada pela Oposição ao regime de Salazar: v., por exemplo, no mais
elaborado dos documentos da Oposição, o «Programa para a Democratização da
República» (de 1961), o primeiro capítulo, sobre «Restauração da ordem
democrática».
A segunda circunstância viria a ser, como efeito directo dessa turbulência e dos
desvios que se verificaram em relação ao Programa do Movimento das Forças
Armadas, a celebração de duas «Plataformas de Acordo Constitucional» entre os
principais partidos políticos e o Movimento das Forças Armadas — representado num
órgão entretanto criado, o Conselho da Revolução — para predeterminar alguns
pontos importantes da futura Lei Fundamental.
A terceira nota específica foi o pluralismo partidário que brotou no País e que se
manifestou na Assembleia Constituinte (), sem que houvesse maioria de qualquer
partido ou coligação e tendo cada um dos seis partidos aí com assento apresentado o
seu próprio projecto da Constituição.
(i) Cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA, Os paridos..., cit., págs. 233 e segs.
330Manual de Direito Constiucional
122. As leis constitucionais revolucionárias
I — Desde o início, se separaram as leis constitucionais e as leis ordinárias, aquelas sob a forma de «leis», estas
sob a forma de «decretos-leis» () (2). A Lei n.” 1/74, de 25 de Abril, e as Leis n 2 e 3/74, de 14 de Maio, foram as
três decretadas pela Junta de Salvação Nacional «para valer como leis constitucionais». E a separação veio a ser
reiterada pela Lei n. 3/74 não apenas pela expressa qualificação dos dois tipos de actos — lei constiucional (art.
1.°, n.” 2) e decreto-lei (art. 16.”, n.” 3) — mas também pela diferenciação dos órgãos competentes para a autoria
de uns e outros (arts. 13.”, n.” l, l.”, e 16.”, n. 3) e pela não sujeição a referenda ministerial da promulgação das
leis constitucionais [art. 8.”, n.” 2, alínea c].
com esta Lei n.” 3/74, o poder revolucionário institucionalizou-se por meio de diversos órgãos. Os «poderes
constituintes assumidos em consequência do Movimento das Forças Armadas» foram conferidos ao Conselho de
Estado (art. 13.°, n.” l, l.”), ao passo que os poderes legisativos ficaram entregues ao Governo Provisório (art. 16.°,
n.” l, 3.”), com sanção do Conselho de Estado quanto às matérias mais importantes (art. 13.”, n.” l, 2.”). Poderia,
pois, falar-se nesse momento em rigidez constitucional.
As Leis n.0 3, 4 e 5/75, de 19 de Fevereiro, 13 de Março e 14 de Março, alteraram este regime, atribuindo à Junta
e ao Conselho de Estado, primeiro, e ao Conselho da Revolução, depois, largas faculdades legislativas. Mas
deixaram de pé o Governo Provisório como órgão legislativo comum.
Segundo a Lei n.” 3/74, os poderes constituintes do Conselho de Estado manter-se-iam «até à eleição da
Assembleia Constituinte» (art. 13.”, n.” l, l.”). A Lei n.” 5/75 dilatou esse período, levando-o «até à promulgação
da nova Constituição», ou seja, na prática, até cerca de um ano depois — o que seria confirmado ou ratificado
(embora em termos algo diversos) pelo art. 297.” da Constituição.
() Em contraste com o que tinha sucedido entre 1926 e 1933, perodo em que as
diversas leis materialmente constitucionais foram publicadas através de decretos ou de
decretos com força de lei, de forma e valor idênticos aos da legislação ordinária.
As mais importantes destas leis foram a Lei n.° 7/74, de 27 de Julho (que reconheceu
o direito dos povos dos territórios ultramarinos à autodeterminação, com todas as
consequências, incluindo a independência e autorizou o Presidente da República a,
ouvidos a Junta de Salvação Nacional, o Conselho de Estado e o Governo, praticar os
actos e concluir os acordos relativos ao exercício desse direito) e a citada Lei n.° 5/75
(a qual criou o Conselho da Revolução e lhe conferiu não só os poderes acumulados
da Junta de Salvação Nacional, do Conselho de Estado e do Conselho de Chefes dos
Estados-Maiores das Forças Armadas mas também, com a «rectificação» publicada
em 21 de Março de 1975, poder legislativo para «as necessárias reformas da estrutura
económica portuguesa»).
Sob o aspecto orgânico e formal, as três primeiras leis contrapõem-se a todas as restantes. com efeito, elas foram
aprovadas e publicadas pela Junta de Salvação Nacional, como órgão revolucionário «puro», dotado do poder
constituinte originário pleno (por não ter sido instituído por nenhum outro órgão e agir como mandatário imediato
do movimento vitorioso, o Movimento das Forças Armadas) (), ao passo que as ulteriores o foram já segundo
regras prefixadas (na Lei n.” 3/74 e nas que a alteraram), num encadeamento de modificação e de criação
constitucional.
Sob o aspecto material, é a ideia de Direito prevalecente que mostra variações. Em correspondência com as fases
do processo revolucionário, podem discernir-se sucessivamente as leis que melhor a espelham e as que, de certo
modo, traduzem diferentes ideias de Direito.
Assim, até à Lei n.” 5/75, de 14 de Março, o conteúdo originário da revolução encontra-se no Programa do MFA e
na Lei n.” 3/74. As outras leis são verdadeiras leis de revisão constitucional, com excepção da Lei n.” 7/74 e das
leis subsequentes, justificadas ou não por estado de necessidade. Da Lei n.” 5/75 à Lei n.” 14/75, de 20 de
Dezembro (ou seja, do 11 de Março ao 25 de Novembro), a ideia de Direito, sem romper por completo com o
Programa do MFA, dilui-se cada vez mais em leis avulsas, constitucionais e ordinárias. Por último, da Lei n.”
15/75, de 23 de Dezembro (extinção do Tribuna Militar Revolucionário), e da Lei n.” 17/75, de 26 de Dezembro
(reestruturação das Forças Armadas com vista a isenção partidária e a garantia do pluralismo político), à aprovação
da Constituição, o projecto político volta a ser o do Programa do MFA interpretado e revivido de harmonia com
essas duas leis e conjugado com as Leis n.0 3/74 e 5/75.
IV — A Constituição de 1933 veio ainda a ser fonte do Direito constitucional português até à entrada em vigor da
nova Constituição, ainda que — como não podia deixar de ser — em moldes muito diferentes daqueles em que o
era antes do 25 de Abril (2).
() Tanto é assim que a Junta surgiu externamente sem actos autónomos de designação
e de constituição e os seus primeiros membros nunca foram nominalmente indicados
no jornal oficial.
O legislador constitucional revolucionário ter-se-á preocupado — esquecendo-se que o Direito não é só lei — com
o tratamento de certas matérias. Receando talvez que alguns dos direitos fundamentais ou o estatuto de certos
órgãos ficassem sem assento constitucional ou até sem regulamentação expressa, terá preferido transigir e
conservar (ou repor) em vigor preceitos da Constituição precedente não inconciliáveis com as normas que já
tivesse decretado ou viesse a decretar (2).
I — Convocando uma Assembleia Constituinte, o Programa do Movimento das Forças Armadas traçou logo as
regras fundamentais do processo que havia de conduzir à feitura de uma nova Constituição: prazo máximo de doze
meses para a sua eleição; sufrágio universal, directo e secreto [A., 2, a)}\ plenitude do poder constituinte a esta
Assembleia por não se estabelecer nenhuma decisão prévia que a condicionasse, nem se prever a sujeição da
Constituição a qualquer forma de sanção ou referendo; brevidade do «período de excepção» (B., 3) ou de
interregno constitucional; e carácter transitório ou provisório das instituições políticas que, entretanto, exercessem
o poder.
Estipulava-se, pois, que fosse uma Assembleia Constituinte, e só ela, a decretar a nova Constituição; mas, ao
mesmo tempo, impunha-se a coexistência da Assembleia Constituinte e do Governo Provisório, enquanto
() Cfr. tomo n.
(2) Sobre a situação constitucional comparada com a que perdurou de 1926 a 1933, v.
A Revolução de 25 de Abril..., cit., págs. 32 e segs.
334Manual de Direito Constitucional
aquela funcionasse, e a subsistência deste e da Junta de Salvação Nacional — para «salvaguarda dos objectivos»
proclamados no Programa — até à eleição do Presidente da República e da Assembleia Legislativa (B., 3, e C., l).
II — A Lei n.° 3/74 veio dar cumprimento ao Programa, mas dispôs sobre o estatuto da Assembleia em termos
restritivos.
Assim, o art. 2.” desta lei enunciava como órgãos de soberania, até que iniciassem o exercício das suas funções os
órgãos a instituir pela nova Constituição, quase no mesmo plano, a Assembleia Constituinte e o Presidente da
República, a Junta de Salvação Nacional, o Conselho de Estado, o Governo Provisório e os tribunais. O art. 3.”,
n.” l, adstringia a Assembleia à elaboração e à aprovação da Constituição, o que, conjugado com os preceitos sobre
os outros órgãos, lhe subtraía poderes de qualquer outra espécie (i). O art. 3.”, n.” 2, fixava como prazo para a
feitura da Constituição o de noventa dias contados a partir da verificação dos poderes dos Deputados, e dava ao
Presidente da República o poder de o prorrogar por igual período, ouvido o Conselho de Estado. O art. 3.”, n.” 3,
prescrevia a dissolução automática da Assembleia, uma vez aprovada a Constituição ou, quando a não tivesse
aprovado, decorrido aquele prazo;
e ordenava, neste caso, que fosse eleita nova Assembleia dentro de sessenta dias.
Ou seja: a Assembleia Constituinte não era instituída como órgão de soberania único; diferentemente das
anteriores Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes, não recebia as competências legislativas e de fiscaização
política inerentes a um verdadeiro Parlamento. E, por outro lado, estava sujeita a um prazo, manifestamente
insuficiente na nossa época, para fazer a Constituição — tão insuficiente que viria a ser sucessivamente
prolongado ou prorrogado (2) de modo que a Assembleia, em vez de três meses, funcionaria dez meses.
Inéditas entre nós, estas regras tinham tido antecedentes em França em 1945 e em
Itália em 1946 e viriam a ter algum paraelo na Grécia em 1974-75 ().
Mas, apesar de tudo, a Assembleia não deixava de ser um órgão soberano. Só ela
podia decretar a Constituição e nenhum outro órgão tinha o poder de a promulgar, de
a sancionar ou de a vetar. Pela própria natureza das coisas e pela própria letra da Lei
n.° 3/74, à Assembleia Constituinte não pertencia apenas «elaborar» mas também
«apro var» a Constituição. Não era, pois, um mero órgão de redacção;
Na Grécia, por seu turno, a Assembleia dita de revisão de 19741975, não podia
decidir sobre a opção entre monarquia e república (devolvida ao povo), tinha de tomar
como base de trabalho o projecto de Constituição elaborado pelo Governo saído das
eleições para a Assembleia (que era também legislativa) e, se a Constituição não
estivesse pronta no prazo de três meses, o Governo poderia submeter esse projecto a
referendo.
(3) Decreto-Lei n.” 595/74, de 7 de Novembro (quase todo ainda hoje em vigor).
336Manual de Direito Constitucional
O direito de voto foi conferido aos cidadãos de ambos os sexos maiores de dezoito anos, sem excluir os
analfabetos, residentes no território eleitoral ou nos territórios ultramarinos ainda sob administração portuguesa, e
aos não residentes, verificadas certas condições, essas bastante restritivas ().
Os círculos eleitorais coincidiam com as áreas dos distritos administrativos. Em cada círculo haveria um Deputado
por vinte e cinco mil eleitores inscritos ou resto superior a doze mil e quinhentos.
Viria a haver também Deputados pêlos emigrantes e outros portugueses residentes no estrangeiro — pela primeira
vez no Direito púbico português — por Macau e pêlos portugueses de Moçambique.
Os Deputados eram eleitos por listas plurinominais, apresentadas por cada colégio, dispondo o eleitor de um voto
singular de lista. Nos círculos com menos de trinta e sete mil e quinhentos eleitores, o sufrágio seria por lista
uninominal. A conversão de votos em mandatos nos colégios plurinominais far-se-ia de acordo com o método de
representação proporcional de Hondt. As vagas seriam preenchidas pêlos primeiros candidatos não eleitos. Nos
colégios uninominais o mandato seria conferido ao candidato da lista que obtivesse maior número de votos.
Só podiam apresentar candidaturas os partidos políticos e nenhum partido carecia de autorização para se constituir,
embora a inscrição de um partido no Supremo Tribunal de Justiça tivesse de ser requerido por, pelo menos, 5000
cidadãos maiores de 18 anos no pleno gozo de seus direitos. Era permitido a dois ou mais partidos apresentarem
uma lista única.
Ninguém poderia ser candidato por mais de um círculo eleitoral ou figurar em mais de uma lista. Os candidatos
gozariam de imunidades. Os militares eram inelegíveis.
Até dez dias depois da publicação do decreto de marcação da data das eleições, o Governo nomearia uma
Comissão Nacional das Eleições, com composição variada, à qual especialmente competiria assegurar a igual-
Os partidos políticos teriam direito de antena nas estações de rádio e televisão, tanto públicas como privadas. As
publicações noticiosas, diárias ou não diárias, que pretendessem inserir matéria respeitante à campanha eleitoral,
deveriam dar um tratamento jornalístico não discriminatório às diversas candidaturas. Cada partido e cada
coligação ou frente não poderia gastar mais que uma importância global correspondente a 80 000$00 por cada
candidato.
Em cada assembleia haveria um delegado, e seu suplente, de cada lista de candidaturas. Os delegados reunir-se-
iam para escolher os membros da mesa da assembleia de voto.
O direito de sufrágio só poderia ser exercido pelo cidadão eeitor, sem forma alguma de representação. O sufrágio
constituiria também um dever cívico, pelo que, sem motivo justificado perante o juiz de direito da comarca, o seu
não exercício determinaria ineegibilidade para a Assembeia Legislativa, para os corpos administrativos ou para os
órgãos dirigentes de qualquer pessoa colectiva pública durante um ano após a eleição da Assembleia Constituinte.
O regimento fixou um «plano de elaboração da Constituição» que consistia em: l.”) apresentação de projectos de
Constituição e de propostas de sistematização do texto constitucional; 2.”) nomeação de comissão que, tendo em
vista os projectos e as propostas apresentados, desse parecer sobre a sistematização da Constituição; 3.”) debate na
generalidade sobre os projectos e propostas e o parecer da comissão e aprovação pela Assembleia do sistema geral
da Constituição; 4.”) nomeação de comissões para elaborar pareceres sobre as diferentes matérias nos prazos
determinados pela Assembleia; 5.”) debate, na generalidade e na especialidade, e votação a respeito de cada título
ou capítulo da Constituição, com base em todos os projectos e propostas até então apresentados e nos pareceres
das respectivas comissões; 6.”) nomeação de comissão encarregada de proceder à harmonização dos títulos ou
capítulos da Constituição aprovados
Por outro lado, como normas regimentais que viriam a ser fonte do novo Direito parlamentar português avutavam
o direito dos Deputados eleitos por cada partido de se constituírem em grupo paramentar, a perda do mandato do
Deputado que se inscrevesse em partido diverso daquele em que se encontrasse filiado aquando das eleições e a
composição das comissões com representação proporcional dos partidos.
V — O plano de elaboração da Constituição foi cumprido e, assim, no processo constituinte desenrolaram-se três
fases fundamentais: uma fase de sistematização; uma fase de elaboração e aprovação das disposições dos
diferentes títulos e capítulos e do preâmbulo; e uma fase de redacção final e aprovação global.
Naturalmente, a fase mais longa e central foi a segunda. Cada comissão especializada — veio a haver dez —
trabalhava sobre os projectos de Constituição dos partidos e sobre anteprojectos de autoria de algum ou alguns dos
seus membros e preparava um parecer, do qual constava um novo articulado (); e, na prática, veio a ser cada um
dos textos assim propostos que o Plenário discutiu e votou sucessivamente, com mais ou menos alterações (2). E
como os projectos dos partidos foram
(2) Os pareceres das comissões estão publicados nos lugares próprios do Diário da
Assembleia Constituinte. Das actas só existem as da l.” Comissão (Princpios
Fundamentais), em anexo ao citado estudo de VITAL MOREIRA, loc. ci., págs. 19 e
segs.; as da 3.° Comissão (Direitos Económicos, Sociais e Culturais), in Diário, n.”
132, págs. 4452 e segs., e in Fontes e Trabalhos Preparatórios..., li, págs. 631
———
apresentados em Junho de 1975 p , p . . ou de 1976- e:
texto constituonai. Os resultadoÍabalt Jurídlca digna de u1 ”ano, que os aprovou sem discussão am ios ao
P]e-
0 da Ambeia na ua
assinado pelo Presidente da Issembia (e ° eto de fos Presdente da República (art 312 n 0 nte e pelo
cado do PoderconstepeTo1 exercício então tituinte. pel0 povo ravés da Assembleia Cons-
ÏS.), as só até Novedo Poder Políco Lisboa, 1981. ble Constituine - Organição
relatorc
) a d Pa-
340Manual de Direito Constitcional
Não houve referendo para qualquer decisão preliminar aos trabalhos da Assembleia; e, por certo, não o poderia
prever a Lei n.” 3/74, dada a devolução pelo Programa do MFA das «grandes reformas de fundo» para o âmbito da
Assembleia Constituinte (). Desde que, contudo, estas reformas vieram a ser decretadas à revelia da Assembleia,
lógico teria sido, em perspectiva constitucional democrática rigorosa, que o povo tivesse sido chamado a
manifestar-se sobre elas. Mas quer as dificuldades técnicas de organização do recenseamento e das operações de
voto quer, sobretudo, fortíssimas dificuldades políticas obstaram a tal recurso ao sufrágio (e até impediram que ele
tivesse sido, nessa altura, preconizado).
Tão pouco viria a haver referendo para aprovação da Constituição votada pela Assembleia. Igualmente não
previsto pela Lei n.” 3/74 (2), viria a ser alvitrado em certo momento, mas tardiamente. E dizemos tardiamente,
porque mal se aceitaria que uma Assembleia Constituinte eleita e que funcionou na base apenas do mandato
representativo viesse a posteriori a ter as suas deliberações consideradas precárias por ficarem dependentes de
sanção popuar. Pelo menos, parece que seria ilegítimo que, por lei constitucional emanada do Conselho da
Revolução, fosse imposta qualquer forma de referendo (3); quando muito, admitir-se-ia que a própria Assembleia
o criasse.
(2) Mas também previsto no projecto Palma Carlos (art. 2.”, n.” 4).
II — No início de 1975, já com a situação política deteriorada, o Movimento das Forças Armadas pretendia uma
institucionalização duradoura (e não apenas até à entrada em vigor da Constituição) e directa (traduzida em amplas
competências de direcção política do Estado ou até na identificação com os órgãos governativos). Para o efeito
abriram-se negociações com os partidos, as quais não pareciam estar muito adiantadas em 11 de Março de 1975
(pois havia divergências e reticências da parte de alguns destes).
Os acontecimentos desse dia permitiriam criar o Conselho da Revolução e, a seguir, a Assembleia do MFA (que
até então já reunia informal ou irregularmente) foi elevada a órgão de soberania. As eleições para a Assembleia
Constituinte, marcadas para o mês de Abril, terão estado então em perigo de não se realizarem ou de serem
adiadas. Só terão sido garantidas pelas relações de força subsistentes no seio do MFA, pela ductilidade dos
partidos que se dispuseram a assinar um compromisso político com vista à inclusão na Constituição das principais
cláusulas pretendidas pêlos militares, pela pressão da opinião pública nacional e internacional e pela própria
iminência de conclusão de um processo que, desde o início, sempre despertara o entusiasmo dos eleitores — eram
as primeiras eleições livres desde há 48 anos e as primeiras eleições portuguesas por sufrágio universal no pleno
sentido deste termo.
In — O compromisso Plataforma de Acordo Constitucional ou Pacto (como vulgarmente ficou a ser designado) foi
assinado em 13 de Abril e continha um elemento doutrinário — socialista, e não já (ou não apenas) democrático
— e um elemento organizatório — relativo aos órgãos de soberania até à Constituição e no período de transição, a
fixar entre 3 e 5 anos pela Assembleia Constituinte (E., 1.1).
O elemento doutrinário era, apesar de tudo, reativamente mitigado (terão aí conseguido alguma coisa os partidos).
A Constituição deveria consagrar «as conquistas legitimamente obtidas ao longo do processo, bem como os
desenvolvimentos do Programa impostos pela dinâmica revolucionária que, aberta e irreversivelmente, empenhou
o País na via original para um Socialismo Português» (E., 2). E deveria também consagrar os princípios do MFA
(ibidem), ao mesmo tempo que se reafirmava o pluralismo político e se apelava para um «projecto comum de
reconstrução nacional» «em
342Manual de Direito Constitucional
iberdade» (B.). Sob este aspecto, a Plataforma poderia constituir uma garantia contra a ditadura ().
Mais graves eram as limitações estabelecidas quer no respeitante à Assembleia Constituinte quer no respeitante aos
futuros órgãos de soberania.
com efeito, haveria uma comissão do MFA que, em coaboração com os partidos, acompanharia os trabalhos da
Constituinte «de forma a facilitar a cooperação entre os partidos e a impulsionar o andamento dos trabalhos, dentro
do espírito do Programa do MFA e da presente pataforma» (C., 2); e, eaborada e aprovada pela Assembleia
Constituinte a nova Constituição, deveria esta ser promulgada pelo Presidente da Repúbica, depois de ouvido o
Conselho da Revolução (C., 3), o que poderia traduzir-se numa espécie de homoogação da Constituição.
Por outro lado, reportando-se ao art. 3.”, n.” l, da Lei n.” 3/74, de 14 de Maio, que circunscrevia a Assembleia à
feitura da Constituição, estabelecia-se a prevenção segundo a qua não deveria haver relação entre os resultados das
eleições e a composição do Governo provisório, só dependente do Presidente da Repúbica, ouvidos o Primeiro-
Minisiïo e o Conselho da Revolução (C., 5). Era a cláusua política mais importante na altura e a sua natureza
conjuntural ficaria demonstrada depois quando a correlação de forças político-militares se inverteu.
Durante o período de transição previa-se um sistema de governo directorial ou convencional miitar (2),
correspondente ao que estava a ser praticado desde 28 de Setembro de 1974, e que compreendia:
— Um Presidente da Repúbica, eleito por um colégio eleitoral formado pêlos Deputados à Assembleia Legislativa
e pêlos membros da Assembleia do MFA e cujos poderes não tinham autonomia em relação ao Conseho da
Revolução a que presidia (D., 2);
— Um Conselho da Revolução, órgão sancionado das principais leis e com competência legislativa directa não
apenas em matéria militar mas também em matérias de interesse nacional de resolução urgente, definidor das
linhas de orientação programática do Governo e fiscal da constitucionali-
— Uma Assembleia Legislativa eleita por sufrágio universal e, precedendo-a, uma Assembeia do MFA sem
competência definida (D., 5, e D., 6);
IV — As eleições para a Assembleia Constituinte realizaram-se, pois, nesse clima e sob o condicionalismo do
Pacto. Mas a participação maciça de eleitores (91%) e os seus resultados () tornaram patentes as contradições
políticas do momento e abriram caminho a uma legitimidade democrática independente da legitimidade
revolucionária e que, aos poucos, se lhe iria sobrepor (2),
A Constituinte abriu em 2 de Junho (3), e pouco depois os seis partidos presentes na Assembleia entregaram os
respectivos projectos de Constituição; e a simples leitura dos textos, bem como das suas principais
fundamentações ou das argumentações contra eles aduzidas, mostraria as grandes
(2) Ness sentido, embora de ângulos diferentes, TEIXEIRA RIBEIRO, prefácio aos
Discursos, Conferências, Entrevistas de Vasco Gonçalves, Lisboa, 1976, pág. 11;
Em Julho, porém, a Assembleia dir-se-ia condenada a apagar-se ou prestes a ser encerrada. Aparentemente, era um
corpo estranho num contexto revolucionário hostil à «democracia burguesa», de que era tida como expressão. Daí
os ataques que contra ela se multiplicavam. E, em 8 desse mês, a Assembleia do MFA aprovava na generaidade o
chamado «Documento-Guia da Aliança Povo-MFA» (esquema de organização política em nome do «poder
popular», com sucessivas assembleias desde a base até uma Assembleia Popular Nacional e em que o Conselho da
Revolução era definido como «órgão máximo de soberania nacional»). Mas a Constituinte replicou não só através
dos seus trabalhos como através do período de «antes da ordem do dia» e dos requerimentos dirigidos ao Governo;
e não foi das menores essa intervenção, particularmente em Agosto.
Os preceitos constitucionais que entretanto iam sendo aprovados estavam em correspondência com a relação de
forças no hemiciclo e com a situação poítica — consagração dos princípios de soberania do povo, una e
indivisível, e da constitucionalidade, grande atenção à defesa das liberdades (nomeadamente, a de imprensa) e do
pluralismo, acentuação das referências ao socialismo e à independência nacional; em gera, necessidade e
variabilidade de soluções de compromisso.
A formação do VI Governo provisório equivaleu a uma derrota das tendências vanguardistas, mas subsistiram o
anarcopopulismo e o seu sucedâneo, o anarcomilitarismo. No mais agudo da crise político-militar, em 12 e 13 de
Novembro, os Deputados ficaram sequestrados no Palácio de S. Bento por uma manifestação cerca de 24 horas,
sem que o Exército interviesse; e, levantado o sequestro, a maioria seguiu para o Porto, disposta a encabeçar a
resistência, se a situação se tornasse insustentável em Lisboa (2).
O Presidente da República e o Conselho da Revolução funcionariam em estreita ligação, por aquele ser também o
presidente do Conselho da Revolução e o exercício dos seus poderes mais importantes depender de consulta,
parecer favorável ou autorização do Conselho. Mas o ser eleito por sufrágio universal conferir-lhe-ia supremacia,
expressão da prevalência ganha pelo princípio democrático, também manifestada na sua substituição interina pelo
Presidente da Assembleia Legislativa (2.7) e no regime da fiscalização preventiva das leis (3.8.4). Implícito no
Pacto estaria, apesar disso (ou por causa disso), que o primeiro Presidente da República seria militar (2).
O Conselho da Revolução, além de órgão auxiliar do Presidente, seria órgão político e legislativo sobre assuntos
militares e órgão de garantia constitucional (3.5). Nesta última função seria obrigatoriamente assistido por um
novo órgão, a Comissão Constitucional (com maioria de juristas). Os tribunais e a própria Comissão, como
tribunal, exerceriam, contudo, a fiscalização concreta da constitucionalidade (3.10).
O Governo seria politicamente responsável perante o Presidente da República e a Assembleia Legislativa, o que
apontava para um sistema misto. Deixava-se à Assembleia Constituinte definir os termos da efectivação da
responsabilidade poítica do Governo perante o Parlamento (4.1 e 4.2).
A primeira egislatura teria a duração de quatro anos (5.1). Na segunda legisatura, a Assembeia Legislativa teria
poderes de revisão, não podendo o Presidente da República recusar a promulgação da lei de revisão. Considerar-
se-ia findo o período de transição, quando entrasse em vigor esta lei (5.4).
() V. Diário, n.0 88 a 93, de 3 a 11 de Dezembro de 1975, maxime n.° 88, págs. 2861
e segs., e n.” 93, págs. 3035 e 3036.
Em primeiro lugar, era um facto a autonomia da instituição miitar na véspera da aprovação da Constituição e não
seria realista supor que fosse possível, pelo menos ate à entrada em funcionamento dos futuros órgãos
constitucionais, submetê-la a um regime idêntico ao da generalidade dos países da Europa Ocidental. A sua
disposição não seria essa e, provavelmente, os militares algum receio experimentariam de que os órgãos políticos
constituídos na base de partidos viessem a decidir, a tão curto prazo, da sua organização e da sua disciplina. Era
preferível encaminhar as Forças Armadas para a plena normalidade democrática sob a direcção do Presidente da
República eleito e de um Conselho da Revolução, aliás com reduzido poder operacional, do que tentar aplicar o
modelo clássico sem base consistente.
Em segundo lugar, era também mais realista deixar as Forças Armadas dentro do sistema político, co-
responsabilizando-as pelo seu funcionamento e vinculando-as à garantia da Constituição, do que ignorá-las e
acabar por ter de aceitar as suas incursões como sucedera na l. República (2) (3).
VI — Nos meses finais de elaboração da Constituição, as posições dos partidos perante o corpo de normas já
aprovadas revelam algumas oscilações. De um lado (do Centro Democrático Social e de certos meios do Partido
Popular Democrático e do Partido Socialista) ouvem-se vozes cada vez mais críticas a tais normas, particularmente
àquelas que, no Verão e no Outono passados, tinham consagrado ou até declarado irreversíveis cer-
(2) E mais esta segunda razão que transparece do debate na Assembleia Constituinte
sobre a intervenção política das Forças Armadas.
A sugestão de submeter a Constituição a referendo, adiantada aquando das conversações para a nova Plataforma,
se se baseava no princípio democrático (contraposto ao referendo orgânico que, de algum modo, o l. Pacto
introduzira ao prever a promulgação da Constituição pelo Presidente da República, «ouvido o Conselho da
Revolução»), ter-se-á destinado também a corrigir ou a repensar o sentido de alguns dos seus preceitos (). Discute-
se outrossim sobre a admissibilidade de revisão constitucional durante a primeira legislatura (2). Uma e outra
ideias não conseguem vingar. Em contrapartida os resultados da Comissão de Redacção e o preâmbulo, último
texto parcelar votado pela Assembleia, denotam a procura de fórmulas de contenção verbal e pacificação
ideológica.
A Constituição vem a ser aprovada em votação final global apenas com os votos contrários dos Deputados de um
partido, o Centro Democrático Social, embora sejam visíveis as divergências nas declarações de voto dos partidos
aprovantes (3).
Cfr. o debate travado sobre o assunto na Assembleia (in Diário n.” 104, de 15 de
Janeiro de 1976, págs. 3359 e segs.) e a nossa posição, in Constituição e Democracia,
cit., págs. 158 e segs.
(2) V. o debate, in Diário n.” 121, de 18 de Março de 1976, págs. 4002 e segs. Havia
três teses em presença: a da aplicação à primeira legislatura dos princípios gerais da
revisão (proposta do CDS), a da admissibilidade da revisão, mas só a título
excepcional e por maioria agravada (proposta do PPD) e a da recusa da revisão (tese
do PS e do PCP, a qual venceu).
(3) V. as declarações de voto in Diário n.” 132, de 3 de Abril de 1976, págs. 4433 e
segs. O CDS justificou o seu voto contra, por a Constituição estabelecer uma «amarra
socialista» e ser «instrumento de forças temporalmente maioritárias» e não
suficientemente «norma de identidade colectiva de todos os portugueses».
348Manua de Direito Constitucional
(i) Cfr. C. SCHMITT, Teoria..., cit., págs. 33 e segs.; ENZO CHELI, // problema
storico delia Costituente, m Itália 1943-1950 — La ricostruione, obra colectiva,
Roma-Bári, 1974, págs. 226 e segs.; PABLO LUCAS VERDU, El titulo I dei Ante-
Parte l—O Estado e os sistemas constitucionais 349
() A expressão é de MIGUEL GALVÂO TELES, A Constiuição de 1976: uma constituição transitória, cit. Cfr.
GIUSEPPE DE VERGOTTINI, op. cit., págs. 231 e segs.
(2) A aprovação dos preceitos constitucionais foi, no entanto em larga medida consensual, sendo mais de 60%
aprovados por unanimidade. V. os elementos apresentados por VEIGA DOMINGOS, op. cit., págs. 87 e segs.
poder nas partes In e IV. As normas das três primeiras partes são normas substantivas,
sejam de fundo, de competência ou de forma. As da IV parte são normas adjectivas ou
de garantia.
Todas as quatro partes têm mais desenvolvido tratamento do que aquele que noutras
Constituições se confere às respectivas matérias: 69 artigos para os direitos
fundamentais, 31 para a organização económica, 166 para a organização do poder
político, 14 para a garantia e a revisão da Constituição. Além disso, recebem valor
constitucional a Declaração Universal dos Direitos do Homem (por via do art. 16.°,
n.° 2) e algumas leis constitucionais posteriores a 25 de Abril de 1974 por força dos
arts. 306.°, 308.° e 309.°
Mas foi porque uns temiam pelas liberdades, outros pêlos direitos dos trabalhadores,
outros pelas nacionalizações e pela reforma agrária, outros pelo Parlamento e pela
separação dos poderes, outros ainda pela descentralização regional e local, que a
Constituição acabou por ficar como ficou ().
Em contrapartida, em alguns dos artigos do texto inicial — não muitos (talvez não
mais de 10 ou 15), embora emblemáticos — a Assembleia Constituinte não escapou a
um verbalismo ideológico — proclamatório des-
cabido. Mas mais importante do que a forma era, e é, o conteúdo constitucional ().
A organização política, por seu turno, consiste em quatro grandes relações: l.”) entre
unidade do Estado, por uma banda, e autonomia político-administrativa dos Açores e
da Madeira e poder local, por outra banda; 2.”) entre democracia representativa e
democracia participativa; 3.) entre Presidente da República e Assembleia da
República, um e outro baseados no sufrágio universal e directo; 4.) entre eles e o
Governo e um órgão ainda radicado na legitimidade revolucionária recebida na
Constituição, o Conselho da Revolução.
Por outro lado, para além da influência de diversas correntes ideo lógicas, a
comparação permite descobrir afinidades com Constituições diversas de países
estrangeiros. As regras gerais sobre direitos, liberdades e garantias em parte
reproduzem as que constam da Constituição de Bona. São as Constituições italiana e
alemã, ambas do pós-guerra e do pós-fascismo, que mais se aproximam da nossa na
enumeração dos direitos, liberdades e garantias. Contudo, nos direitos económicos,
sociais e culturais toma-se palpável alguma parecença com Constituições marxistas-
leninistas. A nacionalização de empresas nos sectores básicos da economia, sem ser
inédita em Constituições próprias do Estado social de Direito, está revestida de uma
acentuação anticapitalista aí desconhecida. A institucionalização dos partidos tem
paralelo nas Constituições italiana, alemã federal e francesa, entre outras. A
concepção do Presidente da República e das relações entre Governo e Parlamento vem
dos países de parlamentarismo racionalizado e de semipresidencialismo. A
subsistência do Conselho da Revolução aparenta-se ao papel das Forças Armadas na
Turquia nos primeiros anos de vigência da Constituição de 1961. A Comissão
Constitucio-
Parte l—O Estado e os sistemas constitucionais 353
Não pouco abundantes, muito naturalmente, se bem que menos fortes no plano das
opções de fundo, são os traços das Constituições portuguesas anteriores que
perduram. A Constituição de 1976 restaura a legalidade democrática, reafirma a
democracia política (liberal, pluralista), reabre o Parlamento, mas não repõe a ordem
liberal individualista; o seu intervencionismo social e económico, mesmo se de rumo
oposto, só pode cotejar-se com o da Constituição de 1933; e não faltam os institutos
que ou vindos de longe ou vindos de 1933 são recebidos ou consagrados ().
c) A preocupação tanto de enumerar os direitos quanto de definir o seu conteúdo e fixar as suas garantias e as suas
condições de efectivação;
d) A contraposição entre direitos, liberdades e garantias e direitos económicos, sociais e culturais, com colocação
em títulos separados;
e) A previsão entre os direitos, liberdades e garantias não só dos direitos clássicos mas também de direitos novos,
como as garantias relativas à informática (art. 35.”), o direito de antena (art. 40.”) e a objecção de consciência (art.
41.°, n.” 5);
f) A colocação da propriedade, não já a par das liberdades, mas sim dentre os direitos económicos, sociais e
culturais (art. 62.”) e a inserção da iniciativa económica privada na parte li, relativa à organização económica (art.
85.”);
g) O aparecimento como direitos fundamentais de direitos dos trabalhadores e das suas organizações (arts. 52.” e
segs.) ().
Essa maior relevância dos direitos, liberdades e garantias não se esgota, por isso, na sistematização adoptada na
parte i da Constituição. Exibe-se também noutros importantíssimos aspectos:
a) Na decisão afirmada no preâmbulo de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos (2) e na referência do
Estado democrático
b) Na inserção dos «direitos, liberdades e garantias dos cidadãos» como limites materiais da revisão constitucional,
ao passo que, dos direitos económicos, sociais e culturais, os únicos que aí surgem são os direitos dos
trabalhadores, das comissões de trabalhadores e das associações sindicais [alíneas d) e e) do art. 290.”];
c) Na fixação de um regime dos direitos, liberdades e garantias, donde resuta o carácter preceptivo, de vinculação
imediata para as entidades públicas e privadas, das normas constitucionais atributivas de tais direitos (arts. 18.” e
segs.), enquanto que, relativamente aos direitos económicos, sociais e culturais, são garantias e condições para a
sua efectivação «a apropriação colectiva dos principais meios de produção, a panificação do desenvolvimento
económico e a democratização das instituições» (art. 50.”);
d) Na reserva de competência legislativa do Parlamento sobre direitos, liberdades e garantias [alíneas c), d), h) e i)
do art. 290.”];
e) Na necessidade de adaptação das normas atinentes ao seu exercício até o fim da l.” sessão legislativa (art. 293.”,
n.” 3).
Desde logo, sob o aspecto verbal, eles não fazem mais do que repetir, com vigor, o
que já vinha das Constituições de 1822, 1838,
1911 e até 1933, as quais, todas, conferiam o poder ao Povo ou Nação no sentido
revolucionário setecentista ou democrático-liberal. As diferenças que existem
relativamente a estas não diminuem a vizinhança bem nítida entre os preceitos.
Parte — O Estado e os sistemas constitucionais 357
A «soberania popular», de que trata o art. 2.°, equivale exactamente a «soberania nacional» na tradição vinda da
Revolução francesa (sem conotações com a tese de «soberania popular» ou de soberania fraccionada atribuída a
ROUSSEAU). De resto, a soberania é una e indivisível (art. 3.°, n.° l), a Assembleia da República é a assembleia
representativa de todos os cidadãos portugueses (art. 150.°) e os Deputados representam todo o país e não os
círculos por que são eleitos (art. 152.°, n.° 3).
Mesmo à face do texto constitucional inicial, o Estado não é um Estado classista. O cidadão precede o trabalhador
(arts. 4.” e 12.” e segs.) e a soberania popular precede o poder democrático das classes trabalhadoras, seja este o
que for (art. 2.”). Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e ninguém pode ser privilegiado, beneficiado,
prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão da sua situação económica ou
condição social (art. 13.°). São os cidadãos enquanto tais (e não enquanto trabalhadores, ou não só os
trabalhadores), que participam no exercício do poder político, pois «todos os cidadãos têm direito de tomar parte
na vida política e na direcção dos assuntos públicos do país, directamente ou por intermédio de representantes
livremente eleitos» (art. 48.°, n.” l) e «a participação directa e activa dos cidadãos na vida política constitui
condição e instrumento fundamental de consolidação do sistema democrático» (art. 112.”). Daí o sufrágio
universal (arts. 48.”, n.” 2, 124.”, 150.” e segs., 233.”, n.° 2,
241.”, n.” 2, e 252.°), limite material da revisão constitucional [art. 290.”, alínea h)].
A democracia não se dissolve no socialismo. E distinta dele e antecede-o, pois não há socialismo sem democracia,
sem sistema político democrático. E o que se vê também do preâmbulo e dos arts. 2.”, 73.”, n.” 2, 185.”, n.” 2, e
273.”, n.” 4.
A Constituição não cria, pois, um «Estado socialista operário e camponês», um Estado de «ditadura do
proletariado» ou um «Estado revolucionário democrático», e tão pouco fala em «poder popular». Pelo contrário,
cria uma «democracia política» [arts. 3.”, n.” 3, e 9.”, alínea b)} que se esteia no «pluralismo de expressão e
organização política democráticas» (art. 2.”).
I — Para se saber o que é o socialismo a que se referem o art. 2.° e outros preceitos da
Constituição, no texto inicial, e ainda hoje o preâmbulo, não há que definir o
socialismo em abstracto ou como conceito ideológico; há que fazer trabalho de
interpretação sistemática, tendo em conta, em particular, as normas da Constituição
económica.
II — A Constituição liga o socialismo à «construção duma economia socialista, através da transformação das
relações de produção e de acumulação capitalistas» (como diz o art. 91.”). E o socialismo não aparece apenas em
termos programáticos. Aparece também em termos preceptivos, nomeadamente no que toca às nacionalizações de
empresas (não de sectores) efectuadas após o 25 de Abril (art. 83.”). Em nenhum outro país ocidental — salvo o
México (arts. 27.” e segs. da Constituição de 1917) — se encontra algo de idêntico.
Enquanto que Constituições como a francesa (preâmbulo de 1946), a italiana (art. 43.”), a alemã (art. 15.”), a
venezuelana (arts. 97.” e segs.) (2) ou apenas admitem ou prevêem nacionalizações ou outras formas de
apropriação colectiva, a Constituição portuguesa não só impõe e garante nacionalizações já consumadas (art. 83.”)
como ainda considera as nacionalizações uma das condições de desenvolvimento da propriedade social, a qual
tenderá a ser dominante (art. 90.”, n. l).
(2) Sem esquecer a Constituição de Weimar (art. 156.”), as espanholas de 1931 (art.
44.”) e de 1978 (art. 129.”) ou a brasileira de 1934 (arts. 116.”, 117.” e 119.”).
Parte I—O Estado e os sistemas constitucionais 359
Mas não é também possível, mesmo no domínio da organização da economia, assimilar o socialismo concebido
pela Constituição ao socialismo que então aparecia nas Constituições e na prática dos países de Leste (com
excepção, em alguns aspectos fundamentais, da Jugoslávia). com efeito, a Constituição:
a) Distingue entre socialização dos meios de produção e apropriação colectiva, sendo certo que «socialização»
surge na Constituição em dois sentidos — como sujeição ao enquadramento da Constituição, da lei e do Plano, na
perspectiva do interesse colectivo e do desenvolvimento das relações de produção socialistas [arts. 9.”, alínea c), e
10.°, n.” 2, bem como arts. 81.”, alínea g), 82.” e 290.”, alínea/] e como transferência para a propriedade social
(art. 90.”); e distingue entre apropriação colectiva e estatização (art. 89.”, n.” 2);
b) Apesar da diminuição do papel do sector privado — como mostram a não inserção da liberdade de iniciativa na
parte l, haver sectores básicos nos quais está vedado o acesso às empresas privadas (art. 85.”, n.” 2) e preverem-se
expropriações sem indemnização (art. 82.”, n.” 2) — e apesar de faltarem normas directas de protecção — afora a
genérica incumbência ao Estado de protecção das pequenas e médias empresas económica e socialmente viáveis,
as quais podem não ser apenas privadas [art. 81.”, alínea j), 2. parte] — a Constituição garante a sua existência
(arts. 85.”, n.” l, e 89.”, n.” 4), até porque a propriedade social só deve ser predominante e não exclusiva na
transição para o socialismo;
c) Incumbe o Estado de assegurar a «equilibrada concorrência entre as empresas», independentemente dos sectores
a que pertençam [art. 81.”, alínea y’], o que, em conjugação com a flexibilidade do Plano (art. 92.”), por um lado,
e com a intervenção do Estado nos preços e nos circuitos comerciais (arts. 103.” e 109.”) e com a possibilidade de
intervenção na gestão das empresas privadas (art. 85.”, n.” 3), por outro lado, aponta para uma economia de
mercado controlado;
d) Dá preferência às formas autogestionárias [arts. 61.”, n.” 2, e 89.”, n.” 2, alínea )], quer sobre a gestão privada
(art. 83.”, n.” 2), quer sobre a gestão pública (art. 90.”, n.” 3), e tem em vista o seu futuro predomínio (art. 90.°,
n.” l);
e) Só toma o Plano imperativo para o sector público estadual (art. 92°) e prevê a contratação colectiva (art. 58.”, n.
3 e 4), seja esta um verdadeiro e próprio direito fundamental dos parceiros sociais ou só dos trabalhadores ou mera
garantia institucional.
360Manal de Direito Constitucional
In — Tudo isto em conexão com:
a) O desenvolvimento pacífico do processo político-social previsto, dito, umas vezes, «processo revolucionário»
(arts. 10.”, n.” l, e 55.°, n.” l), outras vezes «transição pacífica e pluralista» (art. 273.”, n.” 4);
b) O gradualismo, que reflecte a necessidade de tomar em conta as condições objectivas, internas e externas, de
Portugal, adequando as formas de concretização dos objectivos constitucionais às «características do presente
período histórico» [art. 9.”, alínea c)];
c) O carácter não autoritário e nem sequer determinante (ou exclusivamente determinante) da intervenção do
Estado no processo de transição — o Estado «abre caminho», «assegura a transição», e não propriamente o
socialismo; «cria condições», não impõe soluções prefixadas;
d) O apelo à participação dos sujeitos económicos, especialmente dos trabalhadores [arts. 2.”, 56.”, 58.” e 81.”,
alínea o)};
e) A atribuição à Assembleia da República das principais decisões sobre matérias económicas, através da lei [arts.
164.”, alíneas g) e h), e 167.”, alíneas o) a t)} ().
I — O sistema de governo de 1976 foi moldado com a preocupação maior de evitar os vícios inversos do
parlamentarismo de assembleia da Constituição de 1911 e da concentração de poder da Constituição de 1933, e
tendo como pano de fundo a situação institucional pós-revolucionária.
O ponto mais delicado dizia respeito ao lugar do Presidente da República, às suas competências e ao seu modo de
eleição. Ele não devia ser um Presidente meramente representativo, nem um
Acrescia o modo de eleição, que não podia deixar de ser (após o desvio traduzido na l.
Plataforma de Acordo Constitucional) a eleição por sufrágio directo e universal. A sua
reivindicação fazia parte desde 1958-1959 do património das reivindicações
democráticas em Portugal. Só ela daria ao Presidente da República suficiente
legitimidade para presidir ao Conselho da Revolução e, se fosse caso disso, para se lhe
impor (3). Ela serviria de contraponto de unidade em face da eventual fragmentação
parlamentar resultante do princípio da representação proporcional — decorrente este,
por seu turno, de uma exigência de garantia do pluralismo e de integração numa
sociedade tão dividida como se apresentava a portuguesa.
(’) Como era preconizado nos programas dos dois partidos maioritários da Assembleia
Constituinte: no do Partido Socialista falava-se em «contrato de legislatura», no do
Partido Popular Democrático em «parlamentarismo mitigado». Cfr. também o nosso
Um projecto de Constituição, Braga, 1975.
(3) Mas isso explica, por outra parte, a circunstância de o primeiro Presidente eeito ter
sido um militar, conforme já assinalámos
362Manual de Direito Constitucional
mós meses de 1975 e nos primeiros de 1976. E estas orientações viriam a ser
consagradas na 2.” Plataforma () e no texto constitucional.
Ee incorpora, ao mesmo tempo, a representação histórica do Movimento das Forças Armadas e a representação
institucional das Forças Armadas. E o que resta do MFA (arts. 3.”, n.” 2, e 10.”, n.” l) e a sua composição concreta
remonta, por regressivas continuidades dos titulares, até ao acto revoucionário de 1974 [art. 143.”, n.” l, alínea e)}.
E, entretanto, por serem seus membros os mais altos chefes militares do país, com directa condução das Forças
Armadas [art. 143.”, n.” l, alíneas b) e c)], ele representa as Forças Armadas como instituição e assume as funções
políticas das Forças Armadas como garantes do «regular funcionamento das instituições democráticas»
Cfr. ainda SALGADO DE MATOS, op. cit., págs. 10 e segs.; PEDRO SANTANA
LOPES e DURÃO BARROSO, Sistema de governo e sistema partidário, Lisboa,
1980, págs. 21 e segs.; DOMINIQUE ROUSSEAU, La primauté présidentielle dans
lê nouveau regime portugais, m Revue du droit public, 980, págs. 1325 e segs.;
ANTÓNIO VITORINO, O sistema de governo na Constituição portuguesa de 1976 e
na Constituição espanhola de 978, m Revista jurídica, n.” 3, Janeiro-Fevereiro de
1984, págs. 33 e segs.; LUCAS PIRES, Teoria..., cit., págs. 226 e segs.; o n.” 138, de
1996, da Análise Social.
(3) O termo semipresidencial não será, por certo, dos mais felizes; mas o que interessa
é o conceito tal como o definimos.
366Manal de Direito Constitucional
e das «condições que permitam a transição pacífica e pluralista da sociedade portuguesa para a democracia e o
socialismo» (arts. 274.”, n.” l, e 273.”, n.0 2, 3 e 4).
com estas características, o Conselho da Revolução apresenta-se como um dos elementos mais originais do texto
primitivo da Constituição de
1976. Mas também um dos mais anómalos à face dos princípios constitucionais da soberania do povo (arts. 2.” e
3.”, n.” l) e do sufrágio universal (arts. 48.” e 116.”); e daí, independentemente mesmo da interpretação histórica
com recurso ao Pacto MFA-partidos, a sua existência apenas transitória enquanto limite da democracia
representativa (i).
II — O Conselho da Revolução tem competências de três ordens. Serve de órgão auxiliar do Presidente da
República, a título consultivo [arts. 145.”, alínea a), 147.” e 307.”], ou a título deliberativo [arts. 145.”, alíneas b),
c), d) e e), 132.”, n.” l, 133.”, n.” 2, e 135.”, n.” l]; e é ainda, excepcionalmente, órgão consultivo da Assembleia
da República (art. 306.”, n.” 2). Funciona como órgão de garantia do cumprimento da Constituição (arts. 146.” e
280.”, n.” 2), em articulação com a Comissão Constitucional e com os tribunais (arts. 277.” a 285.). Possui reserva
de competência política e legislativa em matéria miitar (art. 148.”).
Porém, esclareça-se que o texto de 1976 não prevê qualquer separação ou independência do «poder militar» em
relação ao «poder civil» ou qualquer «autogestão» das Forças Armadas (2). A Constituição enuncia, sim, a regra
de separação e interdependência dos órgãos de soberania (art. 114.”, n.” l) (3). O mais que prevê é a separação da
estrutura do Conselho da Revo lução e dos Chefes de Estado-Maior relativamente à do Governo; ou a
(2) A que se refere DUVERGER, Échec au Rói, cit., pág. 36. No mesmo sentido,
FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo e Ciência da Administração,
policopiado, Lisboa, 1978, págs. 272 e segs. Cfr. GIUSEPPE DE VERGOTTINI,
Diritto Costituionale Comparato, cit., págs. 932 e segs.
(3) Essa interdependência confirmam-na numerosos preceitos: arts. 136.”, alnea a), e
143.°, alínea a); 137.°, n.” l, alínea a); 135.° e 140.”; 167.”, alínea l), 164.”, alínea y),
e 202.”, alínea b); 108.”, n.” 3, e 202.”, alnea b); 141.”, n.” 2.
Parte I—O Estado e os sistemas constitucionais 367
O Estado Português continua unitário (art. 6.°, n.° l), sem embargo de ser também
descentralizado — ou seja, capaz de distribuir funções e poderes de autoridade por
comunidades, outras entidades e centros de interesses existentes no seu seio.
Descentralizado na tríplice dimensão do regime político-administrativo dos Açores e
da Madeira, do poder local ou sistema de municípios com outras autarquias de grau
superior e inferior e ainda de todas aquelas medidas que possam caber na
«descentralização democrática da administração pública» segundo os arts. 6.°, n.° l, e
268.°, n.° 2 (2).
Mas todos os elementos característicos do Estado regional estão presentes na Constituição. As regiões autónomas,
como entidades políticas que são, gozam de extensos poderes e direitos, uns definidores do âmbito essencial da
autonomia e traduzidos na prática de actos próprios para a prossecução de «interesse específico», outros
correspondentes à participação em actos do Estado (arts. 229.” e 231.”); têm garantias constitucionais adequadas
para os defender (arts. 229.”, n.” 2, e 236.”); além disso, e sobretudo, dispõem de órgãos de governo próprio —
uma assembleia regional eleita por sufrágio universal e um governo perante ela responsável (art. 233.”), em
moldes de sistema parlamentar ().
E esta é a primeira vez na história portuguesa que o Estado, o poder central, confere faculdades substancialmente
políticas a órgãos locais com titulares representativos das respectivas populações.
In — Já não têm em si natureza política as atribuições das autarquias locais, as quais «serão reguladas por lei, de
harmonia com o princípio da descentraização administrativa» (art. 239.”).
No entanto, a Constituição não só coloca os órgãos das autarquias locais a par dos órgãos de soberania e dos
órgãos das regiões autónomas (arts. 114.” e segs.) como prevê um estatuto desses órgãos e das próprias autarquias
— freguesias, municípios e regiões administrativas (art. 238.°) — sempre na base da representação democrática
(art. 241.”).
com os órgãos das freguesias articulam-se as organizações populares de base territorial (arts. 118.” e 264.” e
segs.).
Poucas Constituições manifestam tão vincadamente como a de 2 de Abril de 1976 a preocupação de garantia e
procuram tão minuciosa e com-
A fiscalização concreta compete aos tribunais, na linha do regime de 1911 e sem acepção de espécies de
inconstitucionalidade (ao contrário da Constituição de 1933). Quando o útimo tribunal julgue inconstitucional
uma norma legislativa ou equiparável há recurso para a Comissão Constitucional (e também quando qualquer
tribunal aplique norma antes jugada inconstitucional pela Comissão) (arts. 207.” e 282.”).
A Comissão Constitucional é, pois, o órgão fulcral do sistema: sem o seu parecer (embora não vinculativo), o
Conselho da Revolução não pode decidir; como tribunal de recurso é uma instância de concentração; e tendo
julgado três vezes uma norma materialmente inconstitucional ou, uma vez, organicamente, o Conselho da
Revolução pode declarar a sua inconstitucionalidade, também com força obrigatória gera (art. 281.”, n.” 2) (2).
() Cfr. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, op. cit., l.” ed., págs. 477 e segs.
e 494 e segs.; ANDRÉ THOMASHAUSEN, op. cit., loc. cit., págs. 486-487; JORGE
MIRANDA, A Constituição de 1976, cit., págs. 139 e segs.; HÉCTOR Fix
ZAMUDIO, La protecion processual de los derechos humanos ante Ias juridiciones
nacionales, México, 1982, págs. 203 e segs.
Esse debate centrou-se sobre aspectos globais da obra constitucional: sobre o sentido
normativo fundamental da Constituição, e em especial da Constituição económica ();
sobre o seu carácter definitivo ou transitório; sobre os limites materiais de revisão
constitucional; e sobre o modo de fazer a primeira revisão.
Para uns, o que haveria a realçar na Constituição seria o socialismo (ou a transição
para o socialismo), o rumo para uma sociedade sem classes, o poder democrático das
classes trabalhadoras, o controlo de gestão, a apropriação colectiva, a eliminação dos
monopólios e dos latifúndios, as nacionalizações, o plano, a reforma agrária, as
organizações populares de base (2).
Uma quarta maneira de ver era a dos que encontravam na Constituição igualmente esses elementos — a
democracia ou a democracia política, pluralista e representativa, e o socialismo ou a democracia económica, social
e cultural — como frutos de um determinado compromisso político e os procuravam interpretar e integrar
sistematicamente através dos processos próprios do trabalho jurídico. Mas ainda aqui podiam distinguir-se
cambiantes.
Foi sempre esta última posição a que defendemos, apoiando-nos no ponto firme que era e é a legitimidade
democrática da Constituição e no valor primordial da dignidade da pessoa humana (art. l.”) (2) (3). E foi ela que
constantemente veio a ser adoptada pela Comissão Constitucional (4).
In — A Constituição, ao contrário da Plataforma de Acordo Constitucional (5.4) (5), não fala em «período de
transição». No entanto, por a Plataforma ter sido fonte imediata da parte 111 e da parte iv e por a Constituição
prever um regime da primeira revisão diferente do das revisões ulteriores
mais mitigadamente, por PAULO PITTA E CUNHA, op. cit., oe. cf.; e por ANDRÉ
GONÇALVES PEREIRA, Da revisão constitucional ao «compromisso impossível»,
in Expresso, de 19 de Janeiro de 1980; e, mesmo após 1982, por Rui MACHETE, Os
princípios estruturams..., cit., oe. cit., págs. 346, 357, 359 e 360, e em termos radicais,
por LUCAS PIRES, Teoria da Constituição de 1976, cit., maxime págs. 132 e segs.,
184 e segs., 292 e segs. e 388.
(4) O primeiro e decisivo parecer neste sentido foi o n.” 15/77, de 17 de Junho de
1977, in Pareceres, , págs. 67 e segs.
Doutro prisma, a Constituição seria transitória, por incindível da transição para o socialismo a que ela própria se
referia; seria uma Constituição para a transição para o socialismo e, logo que este objectivo estivesse alcançado,
haveria de ser substituída por outra, determinada pelas relações sociais de produção que então viessem a
prevalecer (2).
Por um lado, o ter sido a Plataforma uma das fontes da Constituição e o falar em «período de transição» só poderia
implicar (como veio a impicar) uma consequência: a extinção do Conseho da Revolução, na primeira revisão
constitucional (correspondente ou subsequente ao período dito de transição). E essa consequência apenas prova (e
provou) que a Constituição continha em si um princípio definitivo, o princípio democrático, em relação ao qual o
Conselho da Revolução representava um desvio.
Por outro lado, regras específicas da primeira revisão eram a exigência de maioria de dois terços dos Deputados
presentes, desde que superior à maioria absouta dos Deputados em efectividade de funções (art. 286.”, n.” l), em
vez de maioria de dois terços dos Deputados em efectividade de funções (art. 287.”, n.” 3); e a aproximada
coincidência da atribuição à Assembleia da República de poderes de revisão com os termos da primeira legislatura
e do primeiro mandato presidencial (arts. 286.”, n.” l, 299.”, n.” l, e 296.”). Mas estas regras justificavam-se por a
primeira fase de vigência de qualquer Lei Fundamental equivaler a um tempo de experimentação e por a extinção
do Conselho da Revolução exigir a reponderação do sistema de governo. Não permitiam concluir que se fosse
passar de uma Constituição a outra (3).
Quanto à «transição para o socialismo» tão pouco ela conferia à Constituição índole transitória, apenas lhe
conferia (parcialmente) carácter programático. A transição não era exterior à Constituição formal e alterações
IV — Tanto a Constituição não era transitória que enumerava explícitos limites materiais da revisão constitucional
—, quer dizer, princípios substantivos que deviam ser respeitados em ulterior modificação do seu texto. E à volta
do preceito a eles referente (o art. 290.”) uma larga polémica doutrinal (e política) se estabeleceu.
O lugar indicado para analisar o problema, extremamente complexo, não pode ser, porém, este (2). Por agora
apenas se diga que cláusulas de limites materiais encontram-se em várias Constituições (como na nossa de 1911,
no seu art. 82.”, § 2.4, a respeito da forma republicana de governo); o que distingue a Constituição de 1976 é
prever um copioso elenco, abrangendo também princípios da organização económica.
V — O modo como se deveria fazer a primeira revisão constitucional foi, de todas as questões, a mais agitada. A
despeito de a Constituição se ocupai” ex professo do assunto, cometendo tal poder à Assembleia da República
[arts. 164.”, alínea a), 169.”, n.” l, e 286.” e segs.], houve quem invocasse a possibilidade ou a necessidade de
recorrer ao povo através de referendo; foram apresentados um projecto de lei e uma proposta de lei de autorização
legislativa tendentes à organização do referendo (3); e a campanha eeitoral relativa à eleição presidencial, em 1980
teve-o como tema primacial.
O referendo serviria para resolver o problema dos limites materiais da revisão constitucional, pois só o povo,
titular da soberania, os poderia ultrapassar; ou para vencer o bloqueamento ideológico que a Constituição traria
consigo; ou para eliminar a regra da maioria qualificada de dois terços para a aprovação de alterações à
Constituição; ou ainda, na hipótese de não se formar na Assembleia da República a maioria qualificada exigida no
art. 286.”, para viabilizar a própria revisão.
Sendo, embora, diversas as funções esperadas do referendo, era comum a fundamentação: o princípio democrático
— por o povo, por direito natu-
() Para maior desenvolvimento deste assunto, v. A Constiuição de 1976, cit., págs. 215
e segs.
Mas a fraqueza jurídica dos argumentos era notória, à face dos cânones gerais de interpretação e das regras básicas
do constitucionalismo ocidental (em que todo o poder público tem de estar previsto e contido em regras jurídicas e
em que prevalecem os mecanismos representativos e pluralistas sobre os de democracia directa).
No fundo o que estava em causa era a oposição à Constituição; era, não já um processo para a modificar — o que
pressupunha a aceitação das suas regras — mas um processo para a substituir; era saber se deveria ou não dar-se, e
de que forma, ruptura da ordem constitucional de 1976 ().
VI — O intenso debate travado teve, pelo menos, um mérito: o de propiciar a consideração crítica dos institutos
constitucionais e a formulação, em alternativa, de vários projectos de reforma (3)
(2) Do mesmo modo que, em todas as eleições realizadas desde 1976, nunca
obtiveram maioria absoluta dos eleitores os partidos ou coligações que se declararam,
mais ou menos directamente, contrários à Constituição (pelo menos, até 1987).
(4) Por força dos arts. 286.”, n.” l, e 299.”, n.” l, da Constituição já citados.
Parle l—O Estado e os sistemas constitucionais 375
A Assembleia criou uma comissão eventual (2), composta por Deputados indicados por todos os partidos,
proporcionalmente à sua representação parlamentar. A comissão deveria proceder à sistematização e à apreciação
das propostas de alteração à Constituição, de modo a preparar a discussão no Plenário: a comissão verificaria quais
as propostas susceptíveis de obterem a maioria prescrita de dois terços e, se fosse caso disso, poderia elaborar
textos de substituição (3).
O essencial da definição do conteúdo da revisão viria a ser obra da comissão, resultante dos debates nela havidos
— que foram todos gravados e publicados (4) — ou da formalização de acordos entre dirigentes partidários,
celebrados fora do Parlamento, sobre determinados pontos (5).
O decreto de revisão compreenderia duas partes: uma correspondente às alterações à Constituição; a outra, a
disposições transitórias. Uma vez elaborado pela comissão eventual (funcionando agora como comissão de
redacção), viria a ser submetido a votação final global pelo Plenário e a ser aprovado também por maioria de dois
terços dos Deputados (3) (4).
Sujeita a promulgação obrigatória (art. 286.”, n.” 2), a lei de revisão foi publicada em 30 de Setembro de 1982 e
entraria em vigor no trigésimo dia posterior.
In — A revisão constitucional de 1982 foi bastante extensa, trouxe modificações à maior parte das disposições
constitucionais (5) — agora reduzidas a 300 artigos, em vez dos anteriores 312 (6).
gamente referenciados nas páginas do Diário da ssembleia (v., desde logo, 2.” série,
2.” suplemento ao n.” 114, reunião de 6 de Maio de 1982 da comissão eventual, págs.
2076(15) e segs.).
(4) A maioria reconheceu vantagem poltica nessa votação final global. Mas,
juridicamente, embora não ilegítima, foi de bem escassa utilidade. Não foi tal votação
que determinou a aprovação das alterações à Constituição — esta deu-se por virtude
das sucessivas votações, preceito a preceito, feitas nos termos do art. 286.”;
quando muito (e sobretudo para as disposições transitórias) a votação apenas lhes terá
emprestado plena eficácia.
(5) Basta notar que a lei de revisão, na parte respeitante às alterações da Constituição,
tem 237 artigos.
— A inclusão da menção do Estado de Direito democrático nos arts. 2.” e 9.”, aínea
b);
— A referência ao respeito dos direitos do homem como princípio das relações internacionais de Portugal (art. 7.”,
n.” l);
— A previsão da recepção na ordem interna das normas emanadas dos órgãos competentes de organizações
internacionais de que Portugal seja parte, desde que tal se encontre expressamente estabelecido nos respectivos
tratados constitutivos (art. 8.”, n.” 3);
— A referência expressa ao princípio da igualdade social ou «igualdade real entre os portugueses» no art. 9.”,
alínea d);
— A valorização do património cultural e a defesa da natureza e do ambiente como tarefas fundamentais do Estado
[art. 9.”, alínea e)}\
— A substituição de um preceito sobre processo revolucionário por um preceito sobre sufrágio universal e partidos
políticos (art. 10.”).
V — Na parte i, salientem-se:
— O maior rigor posto no regime das restrições e da suspensão dos direitos, liberdades e garantias (arts. 18.”, n.0
2 e 3, e 19.”);
— A passagem para o título dos direitos, liberdades e garantias da liberdade de escolha de profissão (agora art.
47.”) e dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores (arts. 53.” e segs., novos);
— A consagração de alguns direitos dos jornalistas (art. 38.”, n.” 3) e da obrigação do Estado de impedir a
concentração de empresas jornalísticas (art. 38.”, n.” 6);
— A substituição dos conselhos de informação por um Conselho de Comunicação Social (art. 39.”);
— A explicitação do direito de criação de escolas particulares e cooperativas (art. 43.°, n.” 4);
— A prescrição da regra do concurso no acesso à função pública (art. 47.”, n.” 2, novo);
— A consagração do direito das comissões de trabalhadores de gerir ou participar na gestão das obras sociais da
empresa e de promover a eleição
Parle l—O Estado e os sisemas constitucionais 379
de representantes dos trabalhadores para os órgãos sociais de empresas pertencentes a entidades públicas [art. 55.”,
alíneas e) e f)};
VI — Na parte n avultam:
— A reformulação dos princípios fundamentais da organização económica (art. 80.”), incluindo o da coexistência
dos diversos sectores de propriedade dos meios de produção, pública, privada e cooperativa, sem adstrição à «fase
de transição para o socialismo» (art. 89.”, n.” l);
— A eliminação da referência à predominância tendencial da propriedade social (art. 90.”, n.” l);
— A não reelegibilidade do Presidente da República, em caso de renúncia, nas eleições que se realizem no
quinquénio imediatamente subsequente (art. 126.”, n.” 2);
— A criação do Conselho de Estado como órgão consutivo do Presidente da República [arts. 136.”, alínea a), e
144.” e segs.];
— A demissão do Governo peo Presidente da República só quando tal se torne necessário para assegurar «o
regular funcionamento das instituições democráticas» [arts. 136.”, alínea g), e 198.”, n.” 2];
— A reguamentação da designação dos chefes de estado-maior das Forças Armadas [art. 136.”, alínea p)];
— A transferência para a Assembleia da República ou para a sua Comissão Permanente da competência para
autorizar a declaração de guerra e do estado de sítio ou do estado de emergência [arts. 138.”, alínea c), 141.” e
164.”, alíneas j) e l)];
— O alargamento da reserva de competência egislativa da Assembleia da República, absouta e relativa (arts. 167.”
e 168.”);
— A limitação do Governo, antes da apreciação do seu programa pela Assembleia, à prática dos actos estritamente
necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos (art. 189.”, n.” 5) e a possibilidade de ele solicitar a
aprovação de um voto de confiança aquando dessa apreciação (art. 195.”, n. 3);
— A definição geral das relações entre o Governo e o Presidente da Repúbica em termos de «responsabilidade», e
não já de «responsabilidade poítica» (arts. 193.” e 194.°);
— A prescrição da demissão do Governo por virtude do início de nova legislatura e de aprovação de uma moção
de censura, e não já de duas (art. 198.”, n.” l);
sw
— A definição da composição do Conselho Superior da Magistratura, com maioria de vogais designados pelo
Presidente da República e pela Assembleia da República (art. 223.”);
— A atribuição às regiões autónomas de poder tributário próprio, nos termos da lei, e de participação na definição
das políticas respeitantes às águas territoriais, à zona económica exclusiva e aos fundos marinhos contíguos (art.
229.”);
— A admissibilidade de recurso directo para o Tribunal Constitucional de decisões dos tribunais sobre
inconstitucionalidade e ilegalidade (art. 280.”);
— A composição do Tribunal Constitucional, com dez juizes designados pela Assembleia da República e três
cooptados por estes (art. 284.”) ().
Não admira, por isso, bem como pelo contexto político da conjuntura, que, no início
da sessão legislativa subsequente à passagem dos 5 anos prescritos pelo art. 286.°, n.°
l, da Lei Fundamental, se tivesse desencadeado um novo processo de revisão
constitucional.
() Assim, escassos 18 meses depois da Lei Constitucional n.” 1/82 chegou a ser
apresentado na Assembleia da República um projecto de resolução tendente à
assunção de poderes de revisão constitucional: projecto de resolução n.” 23/in,
apresentado por Deputados do Centro Democrático Social em 12 de Março de 1984.
e projecto n.” 10/v, dos Deputados Carlos Lélis, Cecília Catarino, Guilherme da Silva
e Jaime Ramos.
Feita em l de Junho de 1989 a votação global, a lei de revisão (Lei Constitucional n.” 1/89) seria publicada em 8
de Julho e entraria em vigor no trigésimo dia posterior.
In — Centrada na organização económica (da mesma maneira que a de 1982 se centrara no sistema de órgãos
políticos em face da extinção do Conselho da Revolução), a revisão constitucional de 1989 não se esgotou, porém,
aí. Teve um âmbito mais lato (em alguns aspectos, com um perfeccionismo excessivo e, noutros, frustrado).
() O texto do acordo foi publicado nos jornais (por exemplo, no Diário de Notícias de
15 de Outubro de 1988) e referido em debates na comissão eventual (v.,
designadamente Diário da Assebleia da República, v legislatura, 2. sessão legislativa,
2. série, n.” 57-RC, acta n.” 55, reunião de 26 de Outubro de 1988, págs. 1822 e
segs.).
(4) V. Diário n.” 91, pág. 4530. As declarações finais dos subscritores dos projectos
encontram-se a págs. 4510 e segs.
com raras excepções, votaram a favor os Deputados do Partido Social Demo crata, do
Partido Socialista, do Partido Renovador Democrático e do Centro Democrático
Social e contra os do Partido Comunista, de «Os Verdes» e da Intervenção
Democrática.
384Manual de Direito Constitucional
Os seus pontos fundamentais são, pois, os seguintes:
a) Supressão quase completa () das menções ideológico-proclamatórias que ainda restavam após 1982;
c) Supressão da regra da irreversibil idade das nacionalizações posteriores a 25 de Abril de 1974, e, em geral,
aligeiramento da parte da organização económica;
/ Modificação de três das alíneas do art. 290.° sobre limites materiais da revisão constitucional.
A numeração dos artigos sofreu algumas oscilações: umas inevitáveis (no campo da Constituição económica e das
disposições finais e transitórias);
outras sumptuárias (no domínio de tribunais); e outras ainda inconvenientes (no domínio da revisão
constitucional).
A sistematização não sentiu grandes quebras. Apenas a parte li passou a ter agora quatro títulos (de princípios
gerais, de planos, de política agrícola, comercial e industrial e de sistema financeiro e fiscal), a parte In passou a
ter um novo título (dedicado ao Tribunal Constitucional) e a parte iv (por causa disso) deixou de ter o seu título i
(sobre fiscalização da constitucionalidade) subdividido em dois capítulos.
— O dizer-se, no art. l.”, «República soberana ... empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e
solidária» (2) e não mais «empenhada na sua transformação numa sociedade sem classes»;
() Salvo em alguns parágrafos do preâmbulo, no art. 7.” e no art. 46.”, n.” 4. (2) A
expressão «sociedade livre, justa e solidária» reproduz a do art. 3.”-i da Constituição
brasileira.
f’
e /—O Estado e os sistemas constitucionais 385
— No art. 5.°, a supressão do número respeitante a Macau, transplantado para «Disposições Finais e Transitórias»
(art. 292.”, n.” l);
— No art. 9.”, a referência ao ordenamento do território [alínea e)] e, sobretudo, a assunção como tarefa
fundamental do Estado de «assegurar o ensino e a valorização permanente, defender o uso e promover a difusão
internacional da língua portuguesa» [alínea f)] e, ainda, a eliminação da «socialização dos principais meios de
produção» [alínea d)}.
— A consagração do direito à palavra entre os direitos pessoais (art. 26.”, n.” 21);
— A prescrição da necessária informação dos cidadãos privados da liberdade acerca dos seus direitos (art. 27.”,
n.” 4);
— A referência expícita à preservação dos direitos fundamentais das pessoas condenadas a penas ou a medidas de
segurança privativas da liberdade (art. 30.”, n.” 5);
— A substituição do Conselho de Comunicação Social por uma Alta Autoridade para a Comunicação Social, com
composição diferenciada e com competências também no sector privado (art. 39.”);
— A atribuição de direito de antena a organizações representativas de actividades económicas (art. 40.”, n.” l);
— A possibilidade de apreciação pelo Plenário de petições colectivas endereçadas à Assembleia da República (art.
52.”, n.” 2);
— A institucionalização da concertação social [arts. 56.”, n.” 2, alínea (, e 95.°, n.” l];
— A inserção sistemática dos direitos dos consumidores no âmbito dos direitos fundamentais, e não já no da
organização económica (art. 60.”);
— A garantia de que todo o tempo de trabalho contribuirá para o cálculo das pensões de velhice e invalidez,
independentemente do sector em que tenha sido prestado (art. 63.”, n.” 5);
— A passagem do serviço nacional de saúde de gratuito a tendencialmente gratuito [art. 64.”, n.” 2, alínea a)];
— A integração num «sector cooperativo e social», a par do sector cooperativo, dos meios de produção possuídos
e geridos por comunidades locais e dos meios de produção objecto de exploração colectiva por trabalhadores [arts.
80.”, alínea b), e 82.”, n.” 4];
— A consideração da apropriação colectiva de meios de produção e solos, de acordo com o interesse público, e
não já da apropriação colectiva dos principais meios de produção e solos [art. 80.”, alínea c)];
— A eliminação das referências a nacionalizações e a reforma agrária nas incumbências do Estado [art. 81.°,
alíneas e) e h)], e mesmo das referências a reforma agrária em sede de política agrícola (arts. 96.” e segs.);
— A possibilidade de reprivatização dos meios de produção e de outros bens nacionalizados depois de 25 de Abril
de 1974, nos termos de «lei-quadro» aprovada por maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções e
observados certos critérios pré-estabelecidos (arts. 85.” e 296.”);
— A regra da prévia decisão judicial para a intervenção do Estado na gestão de empresas privadas (art. 87.”, n.”
2);
— A substituição do conceito de Plano pelo de planos de desenvolvimento económico e social e a redução do seu
tratamento constitucional (arts. 91.” e segs.);
— A substituição do Conselho Nacional de Plano por um Conselho Económico e Social, órgão de consulta e
concertação no domínio da política económica e social (art. 95.”);
— A consagração expressa do direito de reserva (art. 97.”, n.” l) e, sobretudo, a possibilidade de as torras
expropriados serem entregues a título
(i) O que parece impedir a cogestão nas empresas privadas, salvo quanto às obras
sociais [art. 54.”, n.” 5, alínea e)}; aí só é possível o controlo de gestão [art. 54.”, n.”
5, alínea b)}, porque mais do que isso afectaria a liberdade da empresa (arts. 61.°, n.”
l, e 87.”).
Parte —O Estado e os sistemas constitucionais 387
de propriedade, sem prejuízo da estipulação de um período probatório da efectividade e da racionalidade da
respectiva exploração antes da outorga da propriedade plena (art. 97.”, n.” 2);
— A atribuição de valor reforçado às «leis orgânicas» (art. 115.”, n.” 2) ou leis sobre as matérias das alíneas a) a
e) do art. 167.” — eleições de titulares de órgãos de soberania, referendo Tribunal Constitucional, defesa nacional
e Forças Armadas e estado de sítio e estado de emergência (art. 169.°, n. 2);
— A aplicação às assembleias legislativas regionais (nome das assembleias das regiões autónomas) das regras
fundamentais de garantia da oposição na Assembeia da República (arts. 117.”, n.” 3, e 234.”, n.” 3);
— A consagração constitucional de um órgão internacional, o Parlamento Europeu [arts. 136.”, alínea b), e 139.°,
n.” 3, aínea c)];
— A consagração das especialidades das autorizações legislativas orçamentais em matéria tributária (art. 168.”, n.”
5);
— A exigência de maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções para a aprovação das leis orgânicas
(art. 171.”, n. 5) e da maioria de dos Deputados presentes, desde que superior à maioria absouta dos Deputados
em efectividade de funções, para a aprovação das disposições de eis relativas a círculos eleitorais (art. 171.”, n.”
6);
leis, por só poder haver agora suspensão de decretos-leis autorizados e se preverem prazos de caducidade da
suspensão ou do processo (art. 172.”, n.0 2, 3 e 5);
388Manual de Direito Constitciona
— A necessidade, e não só a mera possibilidade, de existência de tribunais administrativos e fiscais [arts. 211.”,
n.” l, alínea b), e 214.”], com o correspondente conselho superior (arts. 218.”, n.” 4, e 222.”, n.” 2);
— A possibilidade de os juizes do Tribunal Constitucional a escolher dentre os juizes dos restantes tribunais serem
todos designados pela Assembleia da República (art. 224.°, n.” 2);
— A previsão de recurso para o pleno do Tribunal Constitucional das decisões contraditórias das secções no
domínio da aplicação da mesma norma (art. 226.”, n.” 3);
— O poder das assembleias legislativas regionais de desenvoverem leis de bases [art. 229.”, n.” l, alínea c)];
— O direito de acesso dos cidadãos aos arquivos e registos administrativos (art. 268.”, n.” 2) e a fixação legal de
prazos máximos de resposta por parte da Administração (art. 268.°, n.” 6);
— O alargamento do direito de acesso dos cidadãos aos meios contenciosos (art. 268.”, n.0 4 e 5);
— O respeito pelas convenções internacionais como limite da defesa nacional (art. 273.”, n.” 2).
— A substituição nos limites materiais expressos de revisão constitucional (agora, art. 288.”), do «princípio da
apropriação colectiva dos principais meios de produção e solos, bem como dos recursos naturais, e a eliminação
dos monopólios e latifúndios» pela «coexistência dos sectores público, privado e cooperativo e social da
propriedade dos meios de pro-
*
— A exclusão desse elenco de limites materiais da «participação das organizações populares de base no exercício
do poder local» [anterior alínea].
— A previsão de uma organização judicial própria de Macau (art. 292.”, n.” 5);
Viria a ser uma revisão paralela à operada noutros países comunitários (com relevo
para a França e para a Alemanha) e, diferentemente das anteriores, só afectando muito
poucos artigos (conquanto não pouco importantes). Sem ela não seria possível
ratificar o tratado (2).
II — O processo foi desencadeado ao abrigo do art. 282.°, n.° 4 (por ainda não terem
decorrido cinco anos sobre a anterior revisão):
Também quase de seguida foi criada — à semelhança do que ocorrera com as duas anteriores revisões
constitucionais — uma comissão eventua para o estudo das alterações propostas e para a preparação de um texto
de síntese susceptível de obter a maioria de dois terços dos Deputados em efectividade de funções exigida para a
aprovação pelo Plenário (art. 286.°, n.° l, da Constituição).
A comissão efectuaria quinze reuniões de Setembro a Novembro. Como nota interessante assinale-se que, pela
primeira vez em processos de revisão constitucional, a comissão solicitou a colaboração de especialistas para se
pronunciarem sobre as questões jurídicas (ou jurídico-políticas) suscitadas pelo confronto entre a Constituição e o
Tratado e sobre as soluções para elas advogadas pêlos partidos (2). Entretanto, tal como em 1989, à margem da
comissão houve conversações entre os dirigentes dos dois principais partidos e deles sairia um acordo que, depois,
a comissão e o Plenário viriam a formalizar.
Finalmente em 17 de Novembro de 1992, foram votadas as alterações e elas dariam origem à Lei Constitucional
n.” l/vi, de 25 de Novembro. Voltou a fazer-se votação final global (3) (4).
e segs.; n.” 68, reunião de 26 de Maio de 1992, págs. 2226 e segs.; e n.” 75, reunião de
11 de Junho de 1992, págs. 2460 e segs.
(2) As actas das reuniões da comissão estão todas publicadas no Diário da Assembleia
da República, 2. série, n.0 l a 15-RC. Nós próprios inteemos na reunião de 15 de
Outubro de 1992 (v. n.” 8-C).
tidos, também os partidos centrais do sistema. Mas desta vez não estiveram
acompanhados de Deputados de nenhum outro partido.
(4) Questão muito discutida em 1992 foi a de saber se, à semelhança de outros países,
devia ou não haver referendo sobre as alterações à Constituição ou sobre o próprio
tratado de Maastricht.
Apesar de uma larga corrente de opinião o defender e de ele constar (aliás, em termos
diversos) de alguns dos projectos de revisão, não foi viabilizado.
De todo o modo, para tal, teria de ser, primeiro, modificado o art. 118.” (atrás
considerado) e, depois, a Assembleia teria de assumir, de novo, poderes de revisão já
com a virtualidade de subsequente realização de referendo.
392Manual de Direio Constitucional
tempo por assunção de poderes de revisão por quatro quintos dos Deputados em
efectividade de funções ().
Logo em 1994, menos de 2 anos após a revisão de 1992, seria desencadeado um novo
processo (que não se consumaria por divergências procedimentais e pelo termo da
legislatura em Outubro de 1995). E, imediatamente a seguir, em 26 de Janeiro de 1996
(3), outra vez viria a ser aberta a revisão com a entrega de um primeiro projecto — a
que se juntariam mais dez: em conjunto incidiriam sobre 236 dos 298 artigos da
Constituição, em nome, principalmente, ou da reforma do sistema político ou da
descarga semântica da Constituição (4). Daí a Lei Constitucional n.° 1/97, de 20 de
Setembro.
() Cfr. GIOVANNI VAGLI, Sulla tera revisione coslituvonale delia 2.” Repubblica
Portoghese, Pisa, 1994.
(4) Projectos de revisão n.” 1/v, de Deputados do Partido Popular; n.” 2/vn, dos
Deputados Pedro Passos Coelho e outros; n.” 3/vn, de Deputados do Partido
Parte I—O Estado e os sistemas constitucionais 393
In — Como nas anteriores revisões, foi constituída uma comissão eventual que
trabalhou durante largos meses (2) e que — em interessante novidade — recebeu para
audição os subscritores das petições (também em número de 11) apresentadas por
cidadãos e grupos de cidadãos.
(2) A Comissão tomou como base do seu regimento o adoptado pela homóloga
comissão da frustrada revisão de 1994 (v. Diário, 2. série, n.” 1-RC, de 7 de Maio de
1996), embora, insolitamente, tenha deliberado que as sugestões de alteração ao
Plenário fossem tomadas nos termos gerais — quer dizer, sem ser por maioria de dois
terços (v. acta n.” 7-RC, de 4 de Junho de 1996).
394Manual de Direito Constitucional
(2) Votaram a favor os Deputados do Partido Socialista (na sua grande maioria) e do
Partido Social-Democrata; contra os Deputados do Partido Popular, do Partido
Comunista Português e do Partido «Os Verdes» e l Deputado do Partido Socialista; e
houve algumas abstenções de Deputados do Partido Socialista.
f
— Afirmação da sujeição também de quaisquer entidades públicas à Constituição (art. 3.”, n.” 3);
— Proclamação do princípio da subsidiariedade e do regime autonômico insular como elementos a respeitar pelo
Estado unitário (art. 6.”, n.” l) e menção do carácter periférico dos Açores e da Madeira [art. 9.”, alínea g)];
— Consideração, entre as tarefas fundamentais, da promoção da igualdade entre homens e mulheres [art. 9.”,
alínea h)];
— Alusão ao referendo entre as formas de exercício do poder político pelo povo (art. 10.”, n.” l) e à unidade do
Estado entre os limites de actuação dos partidos (art. 10.”, n.” 2).
— Consagração do direito de qualquer cidadão a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade
(art. 20.”, n.” 2);
— Explicitação do princípio da decisão jurisdicional em prazo razoável (art. 20.”, n.” 4);
— Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, criação por lei de procedimentos judiciais
caracterizados por celeridade e prioridade (art. 20.”, n.” 5);
— Constitucionalização da possibilidade de detenção de suspeitos para efeito de identificação, nos casos e pelo
tempo estritamente necessários [art. 27.”, n. 3, alínea g)];
— Admissibilidade, nos termos da lei e assegurados os direitos de defesa, de dispensa da presença do arguido em
actos processuais, incluindo a audiência de julgamento (art. 32.”, n.” 6);
— Algumas alterações na composição da Alta Autoridade para a Comunicação Social (art. 39.”);
— Atribuição de direito de antena às organizações sociais de âmbito nacional (art. 40.”, n.” l) e extensão aos
partidos representados nas assembleias legislativas regionais do regime do direito de antena e de réplica política
dos partidos representados na Assembleia da República (art. 40.”, n.” 2);
— Prescrição de princípios de democraticidade interna e de publicidade do patrimíónio e das contas dos partidos
políticos (art. 51.”, n.” 6) e possibilidade de impugnação de eleições e deliberações dos seus órgãos perante o
Tribunal Constitucional [art. 223.”, n. 2, alínea h)}
— Explicitação do direito de acção popular (verdadeira e própria) para defesa dos bens do Estado, das regiões
autónomas e das autarquias locais [art. 52.”, n.” 3, alínea b)};
— Referência à conciliação da actividade profissional com a vida familiar [art. 59.”, n.” l, alínea b)} e atribuição
às mães e aos pais de direitos de dispensa de trabalho por período adequado (art. 68.”, n.” 4);
— Previsão de políticas de prevenção e tratamento da toxicodependência [art. 64.”, n.” 3, alínea y)];
— Incumbência do Estado de, em colaboração com as autarquias locais, promover a qualidade ambiental das
povoações e da vida urbana, designadamente no plano arquitectónico e da protecção das zonas históricas [art.
66.”, n.” 2, alínea e)};
— Incumbência de proteger e valorizar a linguagem gestual portuguesa, enquanto expressão cultural e instrumento
de acesso à educação e de igualdade de oportunidades [art. 74.”, n. 2, alínea b)};
— Incumbência de assegurar aos filhos de imigrantes apoio adequado para efectivação do direito ao ensino [art.
74.°, n.” 2, alínea j)];
Parte I—O Estado e os sistemas constitucionais 397
— A avaiação da qualidade de ensino como limite à autonomia universitária (art. 76.”, n.” 2).
— Constitucionalização das políticas da água e das florestas [arts. 81.”, alínea m), e 93.”, n.” 2)];
— Inclusão, no sector cooperativo e social, dos meios de produção possuídos e geridos por pessoas colectivas sem
carácter lucrativo que tenham por principa objectivo a solidariedade social [art. 82.”, n.” 4, alínea d)];
— Transferência para disposições finais e transitórias do preceito sobre reprivatização de bens nacionalizados
depois de 25 de Abril de 1974 (art. 296.”);
— Em vez de necessidade, faculdade de a lei definir os sectores básicos nos quais seja vedada a actividade às
empresas privadas (art. 86.”, n.” 3);
— Eliminação da referência a planos de médio prazo e anual e da conexão deste com o orçamento (anterior art.
92.”);
— Exercício das funções do Banco de Portugal também nos termos de normas internacionais (art. 102.”);
— Referência a tributação do património em vez de referência a imposto sobre sucessões e doações (art. 104.”, n.”
3);
— Previsão das transferências de verbas para as autarquias locais aquando da elaboração da proposta de
orçamento [art. 106.”, n.” 3, alínea)] e atribuição às autarquias locais de poderes tributários nos termos da lei (art.
238.”, n.” 4).
— Referência a homens e mulheres a propósito da participação política dos cidadãos (art. 109.”);
— Limitação temporal dos mandatos do Provedor de Justiça (art. 23.”, n.” 3), do Presidente do Tribunal de Contas
(art. 214.”, n.” 2), do Procurador-Geral da República (art. 220.”, n.” 3) e dos Ministros da República para as
regiões autónomas (art. 230.”, n.” 2);
— Possibilidade de referendo por iniciativa de cidadãos dirigida à Assembleia da Repúbica (art. 115.”, n.” 2);
— Atribuição de direito de voto nos referendos nacionais a cidadãos residentes no estrangeiro quando eles recaiam
sobre matéria que lhes digam também especificamente respeito (art. 115.”, n.” 12) e ficando a cargo do Tribunal
Constitucional a apreciação dos respectivos requisitos [art. 223.”, n.°2, alínea f)};
— Atribuição, no termo da lei, de direito de voto na eleição do Presidente da República aos cidadãos residentes no
estrangeiro com laços de efectiva ligação à comunidade nacional (art. 122.”, n.” 2); e, desde já, aos inscritos nos
cadernos eleitorais para a Assembleia da República em 31 de Dezembro de 1996 (art. 297.”);
— Atribuição ao Presidente da República do poder de dirigir mensagens às assembleias legislativas regionais [art.
133.”, aínea d)};
— Redução do número de Deputados de entre duzentos e trinta e duzentos e trinta e cinco para entre cento e
oitenta e duzentos e trinta (art. 148.”);
— Alteração do preceito concernente ao sistema eleitoral, passando a dizer-se que os Deputados são eleitos por
círculos eleitorais geograficamente definidos na lei, a qual pode determinar a existência de círculos plurinominais
e uninominais, bem como a respectiva natureza e complementaridade, por forma a assegurar o sistema de
representação proporcional e o método da média mais alta de Hondt na conversão dos votos em número de
mandatos (art. 149.”, n.” l);
— Atribuição à Assembleia do poder de se pronunciar, nos termos da lei, sobre as matérias pendentes de decisão
em órgãos da União Europeia que incidam na esfera da sua competência legislativa reservada [art. 161.”, alínea
n)];
— Atribuição ainda do poder de acompanhar, nos termos da lei e do regimento, o envolvimento de contingentes
militares portugueses no estrangeiro [art. 163.”, alínea j)];
— Antecipação do início da sessão legislativa para 15 de Setembro (art. 174.”, n.” l);
— Atribuição aos grupos parlamentares do poder de, a par do Governo, solicitarem prioridade, na fixação da
ordem do dia, para assuntos de interesse nacional de resolução urgente (art. 176.”, n.” 2);
v
Parte l — O Estado e os sistemas consiuconais 399
— Consagração de «direitos e gerantias mínimas» dos Deputados não integrados em grupos parlamentares (art.
180.”, n.” 4);
— Introdução de um preceito sobre imunidades dos advogados e patrocínio forense (art. 208.”);
— Inexistência de tribunais militares, salvo em estado de guerra e para crimes de natureza estritamente militar
(arts. 209” e 213.”);
— Aumento para nove anos do mandato dos juizes do Tribunal Constitucional e impossibilidade de renovação
(art. 222.”, n.” 3);
— Atribuição às regiões autónomas também das receitas fiscais nelas geradas, bem como de uma participação nas
receitas tributárias do Estado estabelecida de acordo com um princípio que assegure a efectiva solidariedade
nacional [art. 227.”, n.” l, alínea j)]’,
— Explicitação do poder de as regiões autónomas de, em matérias de interesse específico, se pronunciarem sobre a
definição das posições do Estado Português no âmbito do processo de construção europeia e de participarem em
delegações envolvidas em processos de decisão comunitária [art. 227.”, n.” l, alíneas v) e x)];
— Redução das funções administrativas dos Ministros da República à superintendência, mediante delegação do
Governo e de forma não permanente, nos serviços do Estado nas regiões (art. 230.”, n.” 3);
— Reserva aos governos regionais das matérias respeitantes à sua própria organização e ao seu funcionamento
(art. 231.”, n.” 5);
— Criação de referendos vinculativos regionais, a realizar, por decisão do Presidente da República sob proposta
das assembleias legislativas regionais, acerca de questões de relevante interesse específico regional (art. 232.”, n.”
2);
— Alargamento das polícias municipais à manutenção da tranquilidade pública e à protecção das comunidades
locais (art. 237.”, n.” 3);
— Modificação do sistema de órgãos executivos locais, passando o presidente a ser o primeiro candidato da lista
mais votada ou para a assembleia correspondente ou para o executivo, de acordo com a solução a adoptar pela ei
(art. 239.”, n.” 3);
— Explicitação da possibiidade de candidaturas por grupos de cidadãos eleitores para todos os órgãos das
autarquias locais (art. 239.”, n.” 4);
400Manual de Direito Constitucional
— Possibilidade de constituição de associações de freguesia (art. 147.”) e de a ei conferir atribuições e
competências próprias às associações e federações de municípios (art. 253.”);
— Consagração geral dos órgãos administrativos independentes (art. 267.”, n.” 3);
— Previsão das tarefas das Forças Armadas de satisfação de compromissos internacionais do Estado no âmbito
militar, de participação em operações humanitárias e de paz e de cooperação técnico-militar (art. 275.”, n.0 5 e 6);
— Consideração como tendo valor reforçado, além das leis orgânicas, as leis que careçam de aprovação por
maioria de dois terços, bem como aquelas que, por força da Constituição, sejam pressuposto normativo necessário
de outras leis ou que por outras devam ser respeitadas (art. 112.”, n.” 3);
— Respeito pêlos decretos legislativos regionais, não já das leis gerais da República, mas sim dos princípios
fundamentais das leis gerais da República [arts. 112.”, n.” 4, e 227.”, n.” l, aínea a)];
— Prescrição de que só são leis gerais da República as leis e os decretos-leis cuja razão de ser envolva a sua
aplicação a todo o território nacional e que assim o decretem (art. 112.”, n.” 5);
— Apresentação de um elenco de matérias de interesse exclusivo das regiões autónomas, a título enunciativo,
embora acompanhado de uma cláusula geral (novo art. 228.”);
— Transposição das directivas comunitárias por lei ou por decreto-ei (art. 112.”, n.” 9), vedando-se, pois, aqui a
intervenção das assembleias legislativas regionais (que antes era possível);
— Ampliação das leis orgânicas, as quais passam a abranger também a cidadania, as associações e os partidos
políticos, as eleições das assembleias legislativas regionais, os estatutos dos titulares dos órgãos de soberania e do
poder local, o sistema de informações, o segredo de Estado e as finanças regionais (art. 166.”, n.” 2);
— Aprovação por maioria de dois terços dos Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos
Deputados em efectividade de funções, do voto dos cidadãos residentes no estrangeiro na eleição presidencial, da
composição da Assembleia da República e do sistema de órgãos executivos do poder local (art. 168.”, n.” 6);
— Substituição do termo ratificação de decretos-leis pelo termo apreciação parlamentar de actos legislativos,
substituição da referência a dez reuniões plenárias pelo prazo de trinta dias e estabelecimento da prioridade
regimental da apreciação [arts. 162.”, alínea c), e 169.”].
X — Não houve nenhumas alterações no sistema de fiscalização da constitucionalidade (para além das que
poderão resultar da criação do procedimento célere de defesa de direitos, liberdades e garantias pessoais). Nem no
sistema de revisão.
XI — Não cabe aqui emitir um juízo sobre a bondade das soluções políticas da revisão. Não pode, porém, deixar
de se apontar a inconstitucionalidade material de que padecem as referentes às leis gerais da República [arts. 112.°,
n.° 4, e 227.°, n.° l, alínea b)} e ao voto de portugueses residentes no estrangeiro na eleição presidencial (arts.
121.° e 297.°) ().
Qualificar como leis gerais da República as leis e os decretos-leis cuja razão de ser envolva a sua aplicação a todo
o território nacional e que assim o decretem, quebra a unidade da ordem jurídica e colide com o princípio da
unidade do Estado. Apenas por equívoco
(i) Sem esquecer a inconstitucionalidade formal por desrespeito da regra sobre tempo
de revisão.
26 — Man. Dir. Const.,
402Manual de Direito Constitucional
Por seu turno, o modo como aparece consignado o voto dos residentes fora do país
afecta: a) o princípio da igualdade, por estabelecer uma diferenciação entre os
cidadãos já inscritos no recenseamento eleitoral e os ainda não inscritos; b) ainda o
princípio da igualdade e também o do sufrágio secreto, por não ser postulado o voto
presencial, ao contrário do que acontece com os eleitores residentes no território
nacional.
(3)Cfr. Manual..., n, 3.” ed., Coimbra, 1991, págs. 215 e segs., e autores
citados.
w
Parte I—O Estado e os sisemas constitucionais 403
O articulado ficou mais volumoso e programático do que antes, com não poucas
redundâncias e repetições e acolhendo normas que ou já se encontravam no Direito
ordinário, interno ou internacional, ou que melhor para ele ficariam remetidas. Em
contrapartida, algumas das formulações em matéria económica e social ficaram mais
abertas e menos comprometidas com conotações ideológicas.
XIII — Será esta a última grande revisão da Constituição de 1976? Tendo em conta as
posições dos partidos tudo indica que não: apesar de cada partido alguma coisa ir
enxertando no texto, resta-lhe sempre uma maior ou menor insatisfação por aquilo que
não consegue obter. Assim como, naturalmente, soluções conjunturais ou sob pressões
corporativas se entremostram precárias e efémeras.
Por outro lado, se o Presidente da República até então não estava autorizado a
dissolver o Parlamento sem a concordância do Conselho da Revolução, agora a
dissolução passou a ser livre, salvo parecer não vinculativo do Conselho de Estado e
certas restrições circunstanciais: não se quis ou não se pôde fazer do Conselho de
Estado um sucessor do Conselho da Revolução. O contraponto disto seria uma
cláusula limitativa da faculdade de demissão do Governo, de
404Manual de Direito Constitcional
modo a atalhar a concentração de poder: ele, doravante, só pode ser demitido quando
tal se tome necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições
democráticas (art. 198.°, n.° 2).
Assim, a modificação operada no art. 193.° bem pode entender-se que traduz a
conversão de uma regra de dupla responsabilidade política (ou de dupla
responsabilidade política integral) em mero princípio geral de relacionamento entre
órgãos políticos (ou, doutro prisma, em regra de responsabilidade institucional). O
Governo deixa de estar dependente da confiança (ou da não desconfiança política) do
Presidente da República, para só ficar dependente da do Parlamento.
DE SOUSA, O sistema de governo português, 4. ed., Lisboa, 1992, págs. 103 e segs.;
Assembleia da República [arts. 136.°, alínea i), e 175.°] (), quando tal se tome
necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas, a
demissão do Governo [arts. 136.°, alínea g), e 198.°, n.° 2, já citado].
Uma solução como esta faz avultar o papel do Presidente da República, como fiel
agora da funcionalidade do sistema no momento constitutivo do Governo quando não
haja maioria de partido ou de coligação pré-eleitoral. Todavia, ao contrário do que
poderia recear-se (3), daí não resultou — pelo menos, até hoje — a nomeação de
«Governos do Presidente» semelhantes aos de determinada fase da Alemanha de
Weimar (afastado que estava, à partida, o modelo
() Sublinhe-se este ponto: em sistema parlamentar, a dissolução pode dar-se (ou dá-se
mesmo, efectivamente), a pedido do Primeiro-Ministro; no sistema português, tal não
acontece, a decisão é só do Presidente e por sua iniciativa.
I — Desde 1976 houve cinco eleições presidenciais, três Presidentes eleitos e treze Governos.
O primeiro Presidente, Ramalho Eanes, foi eleito com o apoio do Partido Socialista, do Partido Popular-
Democrático — depois denominado Social-Democrata — e do Centro Democrático Social, e reeleito em 1980
com o apoio do Partido Socialista e do Partido Comunista, contra a maioria parlamentar de então, a coligação
chamada Aliança Democrática (do Partido Social-Democrata, do Centro Democrático Social e do Partido Popular
Monárquico).
O segundo Presidente, Mário Soares, foi eleito em 1986 com o apoio também do Partido Socialista e do Partido
Comunista, contra o candidato apoiado pelo Partido Social-Democrata, então no Governo. Seria reeleito em 1991,
porém, com o apoio não só do primeiro desses partidos como do Partido Social-Democrata.
O terceiro Presidente, Jorge Sampaio, finalmente, foi eleito em 1996 com o apoio do Partido Socialista (agora no
Governo) e do Partido Comunista.
a) Apesar de os partidos não terem o poder jurídico de apresentação de candidaturas, eles sempre têm interferido, e
em grau crescente, na eleição presidencial;
b) Nenhum partido só por si conseguiu fazer eleger um Presidente, o que, para além do apoio de outro ou outros
partidos, tem realçado a participação individual de cidadãos e permitido ao Presidente, uma vez eleito, agir livre de
compromissos partidários;
d) As maiorias presidenciais nunca coincidiram com a situação parlamentar — ou por serem mais largas que as
bases parlamentares dos Governos (entre 1976 e 1979, entre 1991 e 1996 e, de novo, agora) ou por se verificar
oposição ou conflito entre o Presidente e as bases parlamentares do Governo (entre 1979 e 1985 e entre 1986 e
1991);
408Manual de Direito Consticiona
e) Em suma, tem-se conseguido realizar a intenção dos constituintes de não simultaneidade não só cronológica
mas também política entre a eleição presidencial e a parlamentar.
.” Governo — minoritário do Partido Socialista (1976-1977) e caído por não aprovação de moção de confiança;
2.” Governo — de coligação (não declarada) do Partido Socialista e do Centro Democrático Social (1978) e caído
por ruptura da coligação e subsequente demissão pelo Presidente da República;
4.” Governo — de iniciativa presidencial (1978-1979), caído por pedido de demissão do Primeiro-Ministro;
7.” Governo — maioritário da mesma coligação (1981) e caído por pedido de demissão do Primeiro-Ministro;
8.” Governo — maioritário da mesma coligação (1981-1983) e caído por pedido de demissão do Primeiro-
Ministro;
9.” Governo — maioritário de coligação do Partido Socialista e do Partido Social-Democrata (1983-1985) e caído
por ruptura da coligação;
.” Governo — minoritário do Partido Social-Democrata (1985-1987), caído por aprovação de moção de censura;
13.” Governo — minoritário do Partido Socialista (desde Outubro de 1995), embora próximo da maioria absoluta.
IV — Como se verifica, a versatilidade do sistema permitiu os mais diversos tipos de Governo, nos seguintes
moldes:
a) Nenhum Governo se pôde formar ou subsistir senão como emanação ou expressão da situação parlamentar e,
salvo um breve período (1978-1979), o Presidente da República limitou-se a nomear Primeiro-Ministro o dirigente
político indicado pêlos partidos;
b) Nenhum Governo caiu por acto do Presidente da República, todos caíram por virtude de crises parlamentares ou
extraparlamentares;
Parte I—O Estado e os sistemas constitucionais 409
e, sob este aspecto, pode dizer-se que a revisão de 1982, eliminando a responsabilidade política diante do
Presidente, não fez mais do que consagrar uma prática que remontava a 1976-1977;
c) O Presidente reservou, porém, para si a definição do tipo, das condições, das formas e do termo da subsistência
dos Governos (numa posição activa, e não meramente declarativa, como seria em sistema paramentar);
d) Formado qualquer Governo, o Presidente, mais preocupado com o equilíbrio político geral, guardou sempre
perante ele um maior ou menor distanciamento;
e) Este último ponto, assim como a menor afirmação do Parlamento () (por causas históricas antigas e por
dificuldades actuais de funcionamento) têm contribuído para uma efectiva autonomia do Governo frente tanto ao
Presidente como à Assembleia e, em caso de Governo maioritário, para a tendência pala uma
«governamentalização» do sistema;
f) A par disso, a apresentação desde 1985 de «candidatos a Primeiro-Ministro» pêlos dois principais partidos tem
conduzido ao aglutinar de elementos de democracia semidirecta (ou, noutra óptica, plebiscitaria) (2), com
elementos de democracia representativa (3).
() com efeito, muitos dos grandes debates políticos não se têm feito no Parlamento; as
perguntas orais ao Governo não têm espontaneidade; os Ministros são, na maior parte
das vezes, recrutados fora do Parlamento; os chefes de partidos ou não tomam nele
assento ou, raramente, participam nas suas actividades.
(3) Sobre a prática do sistema de governo desde 1976, cfr. PEDRO SANTANA
LOPES e JOSÉ DURÃO BARROSO, op. cit., págs. 37 e segs.; PÍER LUGI
LUCIFREDI, // Presidene delia Repubblica m Portogallo, m II Poltico, 1983, págs.
677 e segs.;
Como, sem esquecer o Conselho Europeu, os órgãos directivos da Comunidade ou são formados por Ministros ou
designados pêlos Governos (a Comissão) (2), verifica-se aí uma clara predominância do Executivo. E deles são
dimanados — ao arrepio do princípio da separação de poderes — os regulamentos e as directivas, com extensão e
intensidade cada vez maiores, sendo certo que os regulamentos se aplicam na ordem interna sem interposição de
nenhum órgão do Estado e prevalecem sobre as leis (art. 8.”, n.” 3, da Constituição).
Tão pouco tem o Presidente da República sido chamado a interferir na política comunitária, ainda que possa
entender-se que as suas compe-
1986, págs. 209 e segs.; JOSÉ DURO BARROSO, Lês conflits entre lê Preside
portugais et Ia majorité parlementaire de 1979 à 1983. ibidem, págs. 237 e segs.;
(2) O Comissário português tem sido designado pelo Primeiro-Ministro, sem lei de
regulamentação.
(3) Seria apenas uma lei ordinária, a Lei n.” 20/94, de 5 de Junho, a prevê-la, e
timidamente.
.
Prte I—O Estado e os sisemas constitucionais 411
tências respeitantes às relações internacionais a devam ou devessem abranger ().
Em segundo lugar, as alterações da parte III, conquanto bem mais profundas, tão
pouco excederam o projecto compromissório e pluralista da Constituição económica,
tal como sempre o interpretámos. O estatuto da iniciativa privada não apagou o
favorecimento da iniciativa cooperativa e a garantia institucional de autogestão (arts.
61.°, 85.°, 94.°, n.° 2, e 97.°). Continuam a ser admitidas a apropriação pública e a
planificação [arts. 80.°, alíneas d) e e), 81.°, alínea g), 83.° e 91.° e segs.]. As
reprivatizações devem observar
Por último, as modificações introduzidas no art. 290.° (hoje art. 288.°), corroborando
a tese que há muito sustentávamos da revisibilidade de cláusulas expressas de limites
materiais de revisão (3), não representam também senão benfeitorias e actualizações.
O princípio da coexistência de sectores é — e já era em 1976 — mais significativo do
cerne da Constituição do que a apropriação colectiva;
FIM DO TOMO I
Ou VITAL MOREIRA (A segunda revisão..., cit., loc. cit., pág. 23, nota): desde a sua
primeira versão, em que a democracia e o socialismo económico cogente pareciam
estabelecer entre si uma relação de tensão excessivamente conflitual, a C.R.P. evoluiu
sem rupturas, através das suas revisões, para um equilíbrio mais despojado, mais
articulado e mais estável, que lhe permitiu superar as tensões decorrentes da revolução
e dos seus retrocessos.
V. ainda, se bem que partundo de uma visão diferente a respeito do texto inicial da
Constituição, CARDOSO DA COSTA, A evolução constitucional no quadro da
Constituição da República de 1976, Lisboa, 1994.
ÍNDICES
ÍNDICE DE AUTORES
ABENDROTH, Wolfgang — 91, 95 ABRAHAN, Henry J. — 146 ADRADOS, Francisco Rodriguez — 53 AGESTA, Sanchez
— 104, 105, 106, 121,
178, 179,213, 294,365 AGUIAR, Joaquim — 409 AKZIN, Benjamin — 129 ALBA, Carlos R. —213 ALBERTINI, Mário —
68 ALBUQUERQUE, Martim de — 60, 65, 67,
68, 70, 73, 74, 78, 79, 241 ALBUQUERQUE, Ruy de — 65, 67, 73,
74, 78, 241 ALDERMAN, R. K. — 135 ALEXANDROV, N. G. — 181 ALLANT.R. S.— 133 ALMEIDA COSTA, Mário Júlio
de — 25,
282
ALTÚSIO — 79
AMARAL, Maria Lúcia — 206 AMORTH, António — 180 AMPHOUX, Jean — 206 ANASTAPLO, George — 140 ANCEL,
Marc — 103
ANTUNES, Manuel — 51, 57, 81, 89 APPADORAI, A. — 51 APTER, David E. — 31 AUINO, S. Tomás de — 37, 60
ARAGÓN, Manuel — 98 ARENDT, Hannah — 31 ARINOS, Afonso — 94, 269 ARISTÓTELES — 55 ARKES, Hadiey —
140
27 — Man. Dir. Const.. I
132
ATAI DE, Augusto de — 304 ATALIBA, Geraldo — 236 AUBERT, Jean-François — 196 Au ER, Andreas — 21 AVRIL,
Piene — 174
BALDINI, Massimo — 75
367
BARBER, Sotirios A. — 139 BARBOSA, Rui — 39, 226 BARBOSA DE MELO — 304, 374 BARBOSA RODRIGUES, Luís
— 239 BARRETO, Tobias — 225 BARILE, Paolo — 40, 41 BARTHÉLEMY, J. — 159, 166, 199 BARTOLINI, Stefano —
173 BASTlD,Paul— 15, 198 BASTOS, Celso — 230, 325 BEATTY, David M. — 146 BEAUDOIN, Geraíd A. — 137
BEAUTÉ, Jean — 145
418Manual de Direito Constitucional
BERG-SCHLOSSER, Dirk — 216, 218 BERTCH, Garry K. — 31 BIGOTTE-CHORÀO, Mário — 302 BIRNBAUN, Pierre —
74, 120
BISCARETTI Dl RUFFIA, Paolo — 36, 111,
323
BIVER, Karine — 36 BLACK, Charles C. — 147 BLAUSTEIN, Albert P. — 35, 95, 96 BLONDEL, Jean — 31 BLUNTSCHLI
— 200
BOBIO, Norberto — 41, 55, 88, 91 BOBOTOV, Serguei — 157 BÕCKENFÕRDE, Ernst-Wolfgang — 204 BODIN, Jean —
37, 65, 70 BOLINGBROKE — 126 BONAVDES, Paulo — 39, 42, 88, 91, 221,
230
BONÉ, Hugh — 152 BONINI, Francesco — 25 BONINI, Roberto — 53 BONNARD, Roger — 212 BONELLA, Carmela de
Cabo — 404 BOSSUET — 80 BOUVIER, Vincent — 126 BRACHER, Karl-Dietrich — 212 BRADLEY, A. W. — 133
BRAGA, Teófilo — 285 BRAGA DA CRUZ, Manuel — 30, 246,
297,299,319, 320, 323, 410 BRANCA, G. — 180 BRANCOURS, Jean-Pierre — 65 BRANDO, António José — 127, 165, 301
BRONZE, Fernando José — 26 BRUNEAU, Thomas C. — 329 BRUNET, René — 201 BRUNNER, Otto — 60, 77, 80
BRYCE, James — 41, 136, 139 BUCHANAN, James M. — 120 BURCKHARD, Jacob — 76 BURDEAU, Georges — 38, 41,
45, 47,
212, 321
BURDESE, Alberto — 58
BLIRKE — 126
CALAMANDREI — 180
CALMON, Pedro — 60
CAMÕES, Luís de — 79
CARACCIOLO, Albert — 81
CASSELLA, Fabrizio — 36
CASSESE, Sabino — 44
CASPARY, Adolf — 57
CASSIRER, Ernst — 60
CASTANHEIRA NEVES — 33
CHADUS, René — 169 CHARLOT, Monica — 136 CHARVIN, Robert — 194 CHÂTELET, François — 90 CHEU, Enzo —
348 CHEVALIER, François — 156 CLAESSEN, Henri J. M. — 44 COHENDET, Marie-Anne — 172 COLLIGNON, Jean-Guy
— 185 COMBA, Mário — 36
COMPAGNONÍ — 15
103, 104, 107 CONTE, Francis — 185 CORKILL, David — 410 CORRAL, LUÍS Diez dei — 88 CORULL, Ombretta
Fumagalli — 80 CORWIN, Edward S. — 139, 152 COSTA ROSA — 39 COSTA PINTO, António — 323 COTTON JR.,
Joseph — 149 COULANGES, Fustel de — 52 CRIFÒ, Giuiiano — 54, 56 CRISAFULLI, Vezio — 67 CROSA, Emilio — 89
CRUCHO DE ALMEIDA — 308 CUBERTAFOND, Bemard — 220 CUOCOLO, Fausto — 126, 180
DE LOLME — 122
193
DELPECH, J. — 35 DELPÉRÉE, Francis — 36 DEMICHEL, André — 176, 323 DEMICHEL, Francine — 323 DERATHÉ,
Robert — 70 DE SIERVO, Ugo — 40, 180, 349 DE VEGA, Pedro — 186 Dl Luzzo — 15 Dl PALMA, Giuseppe — 182 Dl
SUNI PRAT, Elisabetta Paliei — 36 DM, J. S. da Sva — 82 DIAZ LLANOS — 319, 321, 322 DIAZ, José Ramón Cossio — 96
DICEY, A. V. — 37, 118, 122, 130, 133 DINIS, Maria Helena — 230 DORDJEVIC, Jovan — 195 DOBROLWSKI, Silvio —
88 DÕEHRING, Kari — 95 DOEL, Hans Van Den — 98 DOGAN, Mattei — 31 DOGMANI, Maria — 42, 53, 83, 141
DONNARLIMMA, Maria Rosaria — 96 DONNEDIEU DE VABRES, Jacques — 167 DORSEN, Norman — 146 DOUIN,
Claude Sophie — 207 DRAI, Raphael — 52 DRUCKER, Peter — 145 DUARTE SILVA, António — 39, 237, 299 DUEZ, P. —
159, 166 DUGUIT, Léon — 159, 167 DURAND, Yves — 81 DURÀO BARROSO, José Manuel — 365,
208
EISERMANN, Gottfried — 31 ELAZAR, Daniel J. — 145 ENGELS — 188 ERMACORA, Felix — 207 ESMEIN, A. — 29,
37, 122, 159, 167, 169 ESPOSITO, Cario — 157 ESTEBAN, Jorge de — 179
FÁBRICA, Luís Sousa da — 78 FARACO DE AZEVEDO, Plauto — 212 FAVOREU, Louis — 17, 168 FAVRE, Antoine —
196 FEIJTÕ, François — 182 FENWICK, Helen — 123, 129 FERNANDES, António José — 30, 159,
179, 203
FERNANDES, Maria João — 393 ERNANDES TOMÁS, Manuel — 267 FERNANDES-VALMAYOR, José — 80
FERNANDEZ-CARVAJAL— 16 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio — 230 FERREIRA BORGES — 269 FERREIRA, David
— 245 FERREIRA, Fernando Amâncio — 368 FERREIRA DA CUNHA, Paulo — 25, 41,
82, 84,247, 261,269 FERREIRA DA SILVA, Ana Maria — 261 FERREIRA DE ALMEIDA, Carlos — 26,
39, 41, 229, 230, 236 ERREIRA PINTO, Ana Maria — 268 FERRERO, Guglielmo — 165 FERRO, António — 296, 298, 309
FEZAS VITAL — 23, 39, 241, 276, 290,
294,304, 306, 310, 311 FIGUEIREDO, Mário de — 300 FILOMENA MÓNICA, Maria — 274 FIOROVANTI, Maurizio — 64,
83, 88, 200 Fix ZANUDIO, Hector — 35 FLANZ, Gisbert H. — 35 FLOGÀITIS, Spyridon — 118
FOUGEYROLLAS, Pierre — 68
—221
FRÂNKEL, Emst — 154, 201, 409 FRANKLIN, Julian H. — 70 FREEMAN, Edward — 127 FREITAS DO AMARAL, Diogo
— 19, 21,
55, 70, 117, 135, 140, 366 FREIRE ANTUNES, José — 246 FREIRE DE CARVALHO, José Liberato —
260
FREUND, Julien — 18 FRISON-ROCHE, François — 173 FROMONT, Michel — 204 FUKASE, Tadakazu — 139
FUKUYAMA, Francis — 98, 99, 200 FUEYO, Jesus — 49
294, 297, 311, 325, 359 GAMBINO, Silvio— 198 GANINO, Mário — 185 GARCIA, Maria da Glória — 60, 80, 88,
118, 130, 221, 222, 241, 326 GARCIA, Manuel Emídio — 274 GARCIA ALVAREZ, Manuel — 185, 195 GARCIA
BELAUNDE — 156 GARCIA DE ENTERRÍA — 83, 179 GARCIA PELAYO, Manuel — 15, 27, 40,
52, 57, 60, 69, 70, 91, 122, 130, 164 GARRIDO FALLA — 179 GASPAR, Carlos — 326 GASPAR, Jorge — 343 GÉLARD,
Patrice — 182, 185, 186, 192 GELLNER, Ernest — 68 GENTILE, Emlio — 211 GEORGAKILAS, Ritinha A. Stevenson —
230
GIERKE, Otto — 59
GILQUEL, Jean — 40
45, 68,72, 241, 247 GOMES DE CARVALHO, M. E. — 267 GONÇALVES, Maria Eduarda — 360, 412 GONÇALVES
PEREIRA, André — 229, 345,
365, 371, 405, 410 GONIDEC, P. F. — 216 GOUCHA SOARES, António — 145 GOUVEIA, Velasco de — 82 GOYARD,
Claude — 294 GRANGER, Roger — 120 GRAWIZZ, Madeleine — 31 GRIFFITH, Ernest S. — 153 GRIFFITHS, C. — 78
GRIMM, Dieter — 204 GROETHUYSIN, Bemard — 83 GUENÉE, Bemard — 65, 68, 78 GUTTINCER, Philippe — 193
HAMON, Léon — 58
159, 163, 164 HAZARD, J. N.— 181 HEGEL — 37, 189, 209 HELLER, Hermann — 38, 44, 69, 70 HELLER, Kurt — 207
HENKIN, L. — 155 HENRIQUES DE SOUSA, Braz Florentino
— 224
247
HINSLEY, P. H. — 45
78
HIRSCH, Emst E. — 31 HOBBES — 37, 80 HOBSBAWN, Eric — 90, 323 HÕRSTER, Heinrich Ewaid — 325 HORTA
CORREIA, José Edwardo — 263 HUMBOLDT, Wilhelm Von — 87
JAEGER, Weaner — 53
JAME I — 80
JAY— 139
JELLINEK, Georg — 24, 33, 34, 37, 50,
51, 54,57, 64, 200 JENNINGS, Ivor — 40, 122, 128, 130,
132, 133, 135 JESCH, Dietrich — 199 JEHRING, Rudolph Von — 58 JILLSON, Calvin L. — 141 JIMENEZ DE PRAGA,
Manuel — 31 JOWELL, Jeffrey — 123 JÚDICE, José Miguel — 346, 366, 374
KAHN,Ronald— 149 KAMINIS, Georges — 179 KANT — 37,83,84, 87 KAPYRIN, Igor— 185 KASTARI, Paavo — 173
KELLY, H. — 134
KELSEN — 38, 181, 189, 207, 208 KER, David Lindsay — 122 KERN, Fritz — 60 KESSEL, Joseph H. — 152 KING,
Anthony — 136 KOJA, Friedrich — 207 KOMMERS, Donald P. — 205 KÕTZ, Heinz— 103, 117
422Manal de Direito Constitucional
KRADER, Lawrence — 44, 45, 48 KRIELE, Martin — 40, 79, 124, 199
LABAND — 200 LAFERRIÈRE, J. — 35, 159 LALUMIÈRE, Pierre — 176 LAMBERT, Édouard — 149 LAMBERT, Jacques
— 149, 156 LANCHESTER, Pulco — 76, 200, 201 LANE, David — 192 LANGHANS, Franz — 242, 281 LAPIERRE, Jean
William — 44, 46 LARANJO, José Frederico — 23, 38 LARSEN, J. A. O. — 53 LASKI, Harold — 88 LASSALLE, Ferdinand
— 199 LAUVAUX, Philippe — 116 LAVERO, Banolomé — 71, 178 LAVIGNE, Marie — 185 LAVÍGNE, Pierre — 185, 193
LAVROFF, Dimitri Georges — 179, 185 LECA, Jean — 31 LÊ DIVELLE, Armei — 201 LEIBHOLZ, Gerhard — 34, 41, 122,
124,
150, 212
LEINGBRUBER, Oscar — 196 LEITE PINTO, Ricardo — 365, 404, 409 LEITO, João Manuel — 39 LEITO MARQUES,
Maria Manuel — 360,
412
LENINE — 181, 186 LÊ POINTE, Gabriel — 79 LESAGE, Michel — 181, 193, 194 LEVI — 180 LHOME, Jean — 88
LIANO, António Gonzaiez Dias — 294 LIEVENS, Robert — 190 LIMA, Queiroz — 61 LIME, Bemard — 177 LOBO
ANTUNES, Miguel — 365 LOBO D’ÁVILA, Joaquim Tomás — 263 LOCKE — 83
323
364, 365,371, 374, 404, 410 LUCENA, Manuel de — 30, 44, 210, 220,
329, 353,366, 371, 377 LUCHAI, Juan — 195 LUCHAIRE, François — 34, 159, 168 LUCIFREDI, Pier Luigi — 409
LUHMANN, Niklas — 91, 92 LUNO, António Enrique — 262 LUTHER, Jõrg — 206 LYRA TAVARES, Ana Lúcia da — 230
MABILEU, Albert — 154 MACEDO, Jorge Borges de — 82 MACHADO HORTA, Raul — 230 MACHADO PAUPÉRIO —
70 MACHETE, Rui — 24, 78, 300, 325, 371,
413
MACKINTOSH, John — 136 MADISON — 37, 87, 139, 148 MADRE DE DEUS, Faustino José da —
260
MAGALHÃES, JOSÉ — 389 MAGALHÃES COLAÇO, Isabel — 104 MAGALHES COLAÇO, João — 23, 284,
320
MAGALHÃES GODINHO, Vitorino — 245 MAITLAND, F. W. — 122 MALFLIET, Katij — 192 MALLOY, James M. — 156
MALTEZ, José Adelino — 30, 44, 70
v
índice de Autores 423
MANDROU, Robert — 81
MANSILLA, H. C. F. — 92
MAQUIAVEL — 37
290
201, 211, 212, 365 MARSHALL, Burke — 146 MARSHALL, Geoffrey — 40, 122 MARSHALL, Terence — 142 MARTIN,
Alfred Von — 62 MARTIN, António Perez — 66 MARTINES, Temistocle — 40, 180 MARTINS, Alberto — 325 MARTINS,
Ana — 140 MARTINS, H. — 323 MARTINS, Ives Gandra — 230 MARTINS, Pedro — 58 MARTINS DE CARVALHO,
Henrique —
221
MARTINS PEREIRA, João — 329 MARX, F. G. — 154 MARX— 188, 189 MATA, Maria Eugenia — 243 MATTEUCCI,
Nicola — 88 MATTOSO, José — 73 MAYER, Dayse Vasconcelos — 141 MAYNTZ, Renate — 206 MAYSTADT, Philippe
— 197 MCELDOWNEY, John — 40, 123
MCILWAIN, Charles Howard — 53, 58 MEDEIROS FERREIRA, José — 329 MEDVEDEV, Roy — 181 MEINECKE,
Friedrich — 81 MEIRELLES, Helly Lopes — 117 MELO, D. Miguel António — 272 MELO FREIRE — 82 MELONI,
Giuseppe — 211 MENAUT, Antnio Pereira — 123, 130 MENDONÇA, Luís — 237 MENEZES CORDEIRO — 119 MERÊA,
Paulo — 69, 74, 78, 247 MERLE, Michel — 30 MESTRE, Achille — 193 MEXIA SALEMA, João de Sande Magalhães — 281
MEYER, Christian — 55 MEZZETTI, Luca — 203 MIAILLE, Michel — 30 MIRANDA, Inocêncio António de — 264
MIRANDA, Jorge — 21, 35, 39, 41, 85,
175, 209
MOHL, Robert von — 86, 200 MOLNAR, Thomas — 64 MONTENEGRO, Artur — 58 MONTESQUIEU — 37, 82, 83, 126,
138,
150, 159, 162, 163 MONZÓ, Júlio Navarro — 58 MOORE, Barrington — 120, 124, 166 MORAIS, Isaltino — 365, 404, 409
MOREIRA, Adriano — 30, 31, 48, 322,
413
MOREIRA NETO, Diogo Figueiredo — 34 MORIN, Edgar — 187, 329 MORODO, Raul — 178 MORTATI, Costantiano —
15, 32, 38, 61,
80, 201,203,211
424Manual de Direito Constitucional
MORUS, Tomás — 75 MOSSE, George L. — 209 MOURA, Carlos — 321 MOUSKHÉLY, Michel — 190 MOTA DE
CAMPOS, João — 325 MUNRO, Colin R. — 122 MUNSLOW, Barry — 216 MUSSOLINI — 208
160
NADALES, A. J. Porras — 98 NASCHITZA, Anita H. — 191 NEGRI, Guglielmo — 211 NEUSTADT, Richard — 153
NEVES, Orlando — 328 NEVES DE ALMEIDA, Carlos — 264 NGUYEN, Lê Mong — 159 NIETZSCHE — 209 NIZZA DA
SILVA, Maria Beatriz — 222,
261, 267
NOBRE DE MELO — 39 NOGUEIRA, Humberto — 157 NOGUEIRA DE BRITO, Luís — 393 NOGUEIRA PINTO, Jaime —
209, 324 NOLTE, Emst — 209 NOVAIS, Jorge Reis — 41, 80, 88, 95,
OESTREICH, G. — 81
OFFE, Claus — 98
39
OLIVEIRA LIMA — 223 OLIVEIRA MARQUES — 245, 277 OLIVEIRA MARTINS — 58, 78, 245, 268,
360, 412
OLIVER, Dawn — 123 OPELLO, Walter C. — 152 ORNAGHI, Lorenzo — 300 OSÓRIO DE CASTRO, Zélia — 261, 263,
268
PACTET, Pierre — 153 PAES DE ANDRADE — 221 PAINE, Thomas — 87 PAJOT, Laié — 294 PALADIN, Livio — 211
PALLISTER, Anne — 123 PAMBOU-TCHIVOUNDA, Guiliaume — 216 PANTÉLIS, Antoine M. — 177 PAPELL, António
— 179 PARADISI, Bruno — 60 PASCOAL, José Manuel — 39 PASSERIN D’ENTRÈVES — 65 PASQUINO, Gianfranco —
329 PAYNE, Staniey G. — 323 PEASLEE, A. B. — 35 PECES-BARBA, Gregorio — 179 PELASSY, Dominique — 31
PELLEGRINO, Roberto Carlos — 230 PELLOUX, Robert — 210, 323 PEREIRA, José Esteves — 82 PEREIRA, Mirian
Halpern — 245 PEREIRA DA SILVA, Vasco — 98 PEREIRA os SANTOS — 293, 304, 306 PEREIRA MARQUES, Fernando
— 246 PEREZ SERRANO— 313 PEYROU-PISTOULEY, Sylvie — 207 PHILLIPS, Michael J. — 146 PHILLIPS, O. Hood —
139 Picus, Richard M. — 153 PIÇARRA, Nuno— 41, 130, 151 PIERANDREI, Franco — 197, 212 PINHEIRO-FERREIRA,
Silvestre — 23, 48,
87, 175, 260, 268, 269, 274 PIMENTA BUENO, José António — 39,
223
311
PINTO DOS SANTOS, Manuel — 277, 278 PINTO FERREIRA — 39, 221 PINTO LOUREIRO, António José — 306
1’»
ndice de Autores 425
PINTO OSÓRIO — 277 PIRES CARDOSO — 300, 309 PISIER-KOUCHNER, Evelyne — 90 PITEIRA SANTOS, Fernando
— 245 PITA E CUNHA, Paulo — 371 PIZZORUSSO, Alessand — 27, 40, 103,
180
PLATÃO — 37
POGGI, Gianfranco — 48, 69, 98 POLIN, Claude — 323 PONTEIL, Féiix — 88 PONTES DE MIRANDA — 39 POPPER,
Kari — 209 POULAIN, Bemard — 168 POULANTZAS, Nicos — 41, 51, 82, 91,
323
PRÉLOT, Mareei — 44, 159, 211 PRITCHETT, Henmann C. — 139 PROENÇA, Maria Cândida — 263 PUNNETT, R. M. —
136 PYLE, Christopher H. — 153
QUADROS, António — 324, 329 QUEIRÓ, Afonso — 21, 34, 293, 303,
QUEIROZ, Cristina — 173, 174, 405 QUEIROZ LMA, Eusébio — 39 QUERMONNE, Jean-Louis — 174 QUIRINO DE
JESUS — 298
RAPOSO, João — 39
RAPPARD, W. E. — 196
REALE, Miguel — 17
RENARD, Georges — 18
RODRIGUES LOBO — 65
RODRIGUES DA SILVA, Júlio Joaquim da
Costa — 281 RODRIGUES DIAS — 247 RODRIGUEZ, António Pupiná — 44 ROGEIRO, Nuno — 140 ROHR, Jean — 196
ROKKAN, Stein — 31 ROMAN, E. Rodriguez — 117 ROSA LUXEMBURGO — 186 ROSAS, Fernando — 296, 320
ROSENTHAL, A. — 155
ROSENTHAL, Eduard — 75
Rossi, Pellegrino — 15
159, 162, 163 ROUSSEAU, Dominique — 365 ROY, Maurice Pierre — 216 ROZMARYN, Stefan — 190 RUAS, Henrique
Barrilaro — 88 RUNCIMAN, Steven — 59
SAINT-GIRONS, A. — 159
SAINT-SIMON — 124
409
SANTANA LOPES, Pedro — 365, 374, 409 SANTI ROMANO — 16, 17, 27, 34, 38 SANTOS, António Cabral — 412
SANTOS, António Carlos — 360, 412 SARAIVA, António José — 73 SARAIVA, José António — 329 SARAIVA, José
Hermano — 89, 94, 312 SARTORI, Giovanni — 31, 41, 99, 173,
365
SAUSSAY, Christian du — 241 SCALIA, Antonin — 146 SCHÂFFER, Heinz — 207 SCHAMBRA, William A. — 134
SCHAPIRO, Leonard — 92 SCHEIDER, Theodor — 95 SCHEUNER, Uirich — 212 SCHIERA, Pierangelo — 64, 75, 78, 80
SCHMITT, Cari — 88, 199, 201, 348 SCHMITTER, Philippe C. — 320 SCHNEIDER, Hans Peter — 203, 204 SCHNUR,
Roman — 81 SCHUMPETER, J. — 120 SCHWARTZMAN, Katheleen — 290 SEGADO, Francisco Femández — 30, 40,
156, 179
SEILLER, Daniel-Louis — 31, 69, 125 SERENS, Manuel Nogueira — 103 SERVICE, Elman R. — 44 SHAPIRO, Martin —
132 SHELDON, Charles H. — 149 SIBERT, Albert — 245 SIEYÈS — 37, 159, 163 SILVA, José Afonso da — 39, 41, 221,
230
SILVA, Vicente Jorge — 329 SILVA CUNHA — 55 SILVA LEAL, António da — 300, 302,
304, 306
SILVEIRA, Luís — 39, 274 SKALINIK, Peter — 44 SMEND, Rudolf — 37 SMITH, Adam — 87 SMITH, Rogers M. — 146
SOARES, Mário — 260, 269, 284
61, 80, 88, 91, 95, 126, 150, 263, 316 SOARES CARVALHO, João — 123 SOARES MARTINEZ — 300, 304, 321,
329
SPAGNA Musso, Enrico — 30, 40, 180 STARCK, Christian — 40, 199, 203 STAYER, Joseph — 64, 68, 71 STEIN, Ekkehart
— 203 STEIN, Lorenz Von — 166 STEPANOV, Igor-Mijjallovich — 193 STERN, Klans — 40, 203 STOYANOVITCH, K. —
189, 195 STRATMANN, Franziskus — 58 STRAYER, Joseph R. — 48 STROGOVITCH, M. S. — 192 STUART MILL — 87
STÜCKA, P. — 181
SUANZES-CARPEGNA, Joaquim — 178 SUÁREZ, Waldino-Cleto — 37, 157 SULEMAIN, Ezra N. — 174 SWISHER, Cari
Brent — 147 SWITH, Rogers M. — 139 SZASKOWSKI, Bogan — 182
TABASA, Aguson — 58 TAVARES, José — 38, 269, 272, 274 TCHE-HAO, Tsien — 195 TEIXEIRA RIBEIRO — 300, 304,
343 TEJERINA, Aguilar — 179 TÉNÉRIDES, Georges — 52, 54 TENGARRINHA, José — 260, 278 TENOR 10, Oscar —
216 TERNEYRE, Philippe — 167 THEOTÓNIO PEREIRA, Pedro — 245, 300 THIBAUT, Françoise — 173 THOMAS, Pierre
— 294
s
THOMASHAUSEN, André — 325, 369, 372 TOCQUEVILLE, Alexis de — 37, 87, 139,
160, 166
TOPORNINE, B. N. — 190 TORGAL, Lus Reis — 265, 323 TORRECILLAS RAMOS, Dircêo — 179 TREVES, Renato— 31,
33 TRIEPEL, Heinrich — 34 TRINDADE COELHO — 269 TROPER, Michel — 34 TUNC, André— 139, 153 TUNC,
Suzanne, — 139 TURPINS, Colin — 136
VAGLI, Giovanni — 392 VALENTE, Vasco Pulido — 245, 246 VALLE, R. Hernandez — 156 VALLE RIBEIRO, Daniel —
57 VAN DER TANG, Gen — 107, 243 VAN DER MEERSCH, Ganshof— 121 VAN MAARSEVEEN, Henc — 107, 243
VANOSSI, Jorge — 96 VARGUES, Isabel Nobre — 265 VASCONCELOS, Pedro Bacelar de — 150,
151
VASCONCELOS, Zacarias de — 224 VASILESCII, Florin — 177 VAZ, Manuel Afonso — 412 VEDEL, Georges — 21
VEIGA DOMINGOS, Emídio da —
325, 349
VERDELHO, Teimo dos Santos — 261 VERDÚ, Pablo Lucas — 34, 179, 348 VERDUSSEN, Marc — 36 VERGOTTINI,
Giuseppe de — 26, 40, 106,
366, 377
VEYNE, Paul — 55
VILAVERDE CABRAL, Manuel — 240 VILLALON, Pedro Cruz — 205 VILLARI, Lúcio — 202 VILLERS, Roberto — 78
VISSCHER, Ferdinand de — 57 VITORINO, António — 365 VITORINO, Nuno — 343 VLACHOS, Georges — 54
VOEGELIN, Eric — 58, 70
324
WIARDA, Howard G. — 321 WIEÂCKER, Franz — 83 WIESE, Beuno von — 83 WOOLF, Stuart — 209 WOUTYCZEK,
Krzystof— 177
96, 130, 349 ZANGARA, Vincenzo — 95 ZAPPERI, Roberto — 159 ZARKA, Jean-Claude — 172 ZELLWEGER, Édouard —
191 ZIPPELIUS, Reinhold — 40, 95 ZOLLER, Elisabeth — 149 ZORGBIDE, Charles — 174 ZWEIGERT, Konrad — 103,
104, 117
’!
ÍNDICE GERAL DO TOMO I
PRELIMINARES
Págs.
3. O Direito constitucional......................................................................... 13
constitucional comparado....................................................................... 24
Elementos de estudo....................................................................... 35
Bibliografia geral............................................................................. 37
PARTE I
TÍTULO I
O ESTADO NA HISTÓRIA
CAPITULO II
Formação
§2” Evolução
22.Períodos de evolução............................................................................76
TITULO II
CAPÍTULO I
CAPTULO II
AS FAMÍLIAS CONSTITUCIONAIS
101
103
109
112
116
119
122
125
128
130
133
136
43.O federalismo.....................................................................................
139
143
145
147
150
153
155
159
160
432Manual de Direito Constitucional
Págs.
CAPITULO In
196
197
CAPITULO IV
79. A república.............................................................................................
Págs.
214
218
221
223
225
227
230
236
238
TITULO In
AS CONSTITUIÇÕES PORTUGUESAS
CAPÍTULO I
CAPÍTULO II
AS CONSTITUIÇÕES LIBERAIS
A Carta Constitucional
A Constituiço de 1838
A Constituição de 1911
CAPÍTULO In
A CONSTITUIÇÃO DE 1933
CAPÍTULO IV
A CONSTITIÇÃO DE 1976
Págs.
120. Sequência...............................................................................................324
índices
Índice de Autores..................................................................................417
Índice geral............................................................................................429