Você está na página 1de 46

DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA – 2020/2021

Aula n.º 10

LICENCIATURA EM SOLICITADORIA
ESCOLA SUPERIOR DE COMUNICAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E TURISMO (EsACT)
INSTITUTO POLITÉCNICO DE BRAGANÇA

Docente: Rui Ferreira


DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA: ARTICULAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA DA UE COM AS
ORDENS JURÍDICAS DOS ESTADOS-MEMBROS

- PRINCÍPIO DA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO UNIFORMES


- Em causa está o art. 267.º, TFUE, o qual não é uma invenção puramente
comunitária, pois já existia nos direitos nacionais, havendo reenvio entre os
tribunais das várias áreas.

- O que distingue dos contenciosos nacionais é que este é um mecanismo ativado


pelo juiz e não pelas partes – cooperação judicial (diálogo juiz-juiz – entre duas
ordens jurídicas separadas, mas com um elevado grau de integração), em que há
a ideia de horizontalidade e de cooperação entre as partes/entre iguais (não
existe hierarquia).
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA: ARTICULAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA DA UE COM AS
ORDENS JURÍDICAS DOS ESTADOS-MEMBROS

- A questão prejudicial é aquela cuja resposta ou resolução é necessária e


condiciona, como etapa prévia ou antecedente, a solução do litigio concreto.

- No caso do art. 267.º, TFUE, surgem questões de interpretação ou validade da


norma do direito da União Europeia, cuja resposta vai influenciar a forma como o
tribunal nacional decide o caso em apreço (onde surge a invocação da norma).

- O TJUE pode ser instado a pronunciar-se a título interpretativo em questões de


direito primário, direito secundário, acordos internacionais celebrados pela UE,
normas de direito da UE indiretamente aplicáveis, acórdãos do TJUE (tribunal
nacional pode recolocar a questão sobre o alcance do acórdão proferido a título
prejudicial).
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA: ARTICULAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA DA UE COM AS
ORDENS JURÍDICAS DOS ESTADOS-MEMBROS

- Competência-regra é a de que o juiz nacional é quem interpreta a norma do


direito da UE.

- O juiz nacional pode resolver uma apreciação de validade, ele próprio,


dispensando-se de a submeter ao TJUE, se considerar válido o ato; mas, segundo a
jurisprudência do TJUE, é obrigado a proceder ao reenvio sempre que, em seu
entender, a resolução da questão implique a declaração de invalidade do ato
em causa.
- Pode também requerer ao TJUE que a interprete.

- Poder ser aplicável a qualquer norma de qualquer ato de direito da UE quanto à


interpretação (determinar qual o exato sentido e alcance das disposições).
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA: ARTICULAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA DA UE COM AS
ORDENS JURÍDICAS DOS ESTADOS-MEMBROS

- Só se pode questionar a validade (comporta não só a legalidade intrínseca


resultante da observância das condições de fundo, como, igualmente, a
satisfação das exigências de forma – validade formal dos atos) de atos de atos de
direito derivado, em que não se questiona a validade dos Tratados.

- Sempre que no âmbito dos Tratados um tribunal nacional de instância se vir


confrontado com uma questão de interpretação ou de apreciação da validade
de um ato das instituições esse tribunal pode:
- Resolver ele próprio a questão;
- Submeter a sua resolução ao TJUE, mediante devolução ou reenvio, a título
prejudicial da questão suscitada.
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA: ARTICULAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA DA UE COM AS
ORDENS JURÍDICAS DOS ESTADOS-MEMBROS

- Quando num processo que suba até um tribunal supremo haja lugar à aplicação
do direito da UE, esse tribunal deve devolver a TJUE o julgamento da questão
prejudicial de interpretação ou apreciação de validade perante ele suscitada.

- Tem de haver questão pertinente – relevante para resolver o caso concreto –


ligação entre a proposição da questão e a resolução do caso específico (sem isto,
o TJUE emana despacho com a inadmissibilidade)

- O princípio geral é o da presunção da pertinência: o TJUE aceita como certa e


suficiente a apreciação realizada pelo juiz nacional a respeito da necessidade da
questão, embora haja jurisprudência do TJUE a afastar essa presunção de
pertinência.
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA: ARTICULAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA DA UE COM AS
ORDENS JURÍDICAS DOS ESTADOS-MEMBROS

- A questão tem de levantar dúvidas.

- Se não existirem dúvidas e a resposta for evidente, adota-se a teoria do ato claro.
- Ac. Clifit – o TJUE aceita que há normas de direito da UE tão claras no seu sentido
que não podem suscitar dúvidas, o que exige ao juiz nacional que verifique uma
série de condições para que a norma esteja ai abrigo da teoria do ato claro.
- Total clareza da norma em causa – caso em que não há qualquer questão e em
que não há dúvida.
- A norma aplicável é perfeitamente clara e não suscita a mínima dificuldade de
interpretação – “in claris non fit interpretatio” – aplicação correta do direito
eurocomunitário impõe-se com tal evidência que não deixa lugar a qualquer
dúvida razoável.
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA: ARTICULAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA DA UE COM AS
ORDENS JURÍDICAS DOS ESTADOS-MEMBROS

- Obrigatoriedade de Reenvio
- Entendimento maximalista: todos os tribunais que julgam como última instância
devem suscitar questões ao TJUE.

- Outros entendimentos na doutrina sustentam que não há obrigação de reenvio e


sim o dever prudencial de reenvio.
- Não é automático e deve compaginar-se com a prudência desse dever.
- O juiz pode não ter dúvidas e só com a dúvida é que colocaria a questão.
- Tudo é realizado segundo a cooperação leal e não por objeção ao reenvio,
sendo que aí o Estado-juiz pode ter sanções e ser demandado por
responsabilidade extracontratual por não ter efetuado o reenvio.
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA: ARTICULAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA DA UE COM AS
ORDENS JURÍDICAS DOS ESTADOS-MEMBROS

- Acórdão Silva e Brito: o tribunal superior deve colocar a questão ao TJUE, salvo se
houver alguma das exceções à obrigação de reenvio:

- Falta de pertinência da questão – quando o tribunal nacional considerar que o


litígio sub judice não deve ser decidido de acordo com as normas do direito da UE,
mas tão-somente em conformidade com as disposições do direito interno.
- Existência de interpretação já anteriormente fornecida pelo TJUE – apesar disto, o
tribunal nacional pode não se dar por satisfeito com a interpretação
anteriormente fornecida ou considerar que não é suficientemente explícito, pelo
que o pode solicitar de novo.
- Não existam dúvidas – aplica-se a teoria do ato claro.
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA: ARTICULAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA DA UE COM AS
ORDENS JURÍDICAS DOS ESTADOS-MEMBROS

- Acórdão Foto-Frost (27.10.1987): o TJUE assumiu que só ele tem a competência de


declarar a invalidade de uma norma de direito da UE.

- O juiz nacional tem competência para determinar se a questão é necessária ao


julgamento em causa – existe uma obrigação de reenvio por parte do órgão
jurisdicional nacional, mas no quadro de um dever prudencial de avaliação sobre
a necessidade e a pertinência da questão.

- Se o juiz nacional verificar que uma norma eurocomunitária é potencialmente


ilegal, havendo dúvidas sobre a validade de uma tal norma o juiz tem
obrigatoriamente que colocar a questão, se pretender declarar a invalidade da
norma eurocomunitária.
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA: ARTICULAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA DA UE COM AS
ORDENS JURÍDICAS DOS ESTADOS-MEMBROS

- O TJUE tem o monopólio para declarar a invalidade (em linha com os seus poderes
no quadro do recurso de anulação).
- O juiz nacional tem competência para analisar a validade e concluir que é válida,
mas não tem competência para analisar e concluir que não é válida.

- Se houver incumprimento do dever de reenvio pode haver ação por


incumprimento contra o Estado-membro; ação de indemnização por
responsabilidade do Estado-membro; recurso extraordinário de revisão; e queixa
para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA: ARTICULAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA DA UE COM AS
ORDENS JURÍDICAS DOS ESTADOS-MEMBROS

- Órgãos jurisdicionais
- Qualquer órgão designado por tribunal na estrutura judiciária interna de cada
Estado-membro, em conformidade com o princípio da autonomia processual.

- Há outras entidade, com outras denominações, mas que que constituem um


órgão que, num certo litígio concreto, é titular de competência jurisdicional (e,
nesse sentido, um interlocutor legítimo no diálogo juiz-juiz).

- Na dúvida o TJUE aceita a questão colocada, mesmo que o autor da questão não
corresponda, prima facie, à qualificação de órgão jurisdicional.
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA: ARTICULAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA DA UE COM AS
ORDENS JURÍDICAS DOS ESTADOS-MEMBROS

- Haverá que analisar a natureza jurisdicional do órgão através de 5 (cinco) critérios


cumulativos, definidos no caso Vaassens-Gobbels (30.06.1996):

- Origem legal: órgão criado por lei, de forma direta (ato formalmente legislativo) ou
indireto (ato da função regulamentar)
- Pertinência e caráter obrigatório da sua jurisdição: duplo alcance, em que as
partes são obrigadas a recorrer àquele órgão para resolver o litígio e há
vinculatividade nas decisões proferidas pelo órgão. Podem ser ad-hoc, mas têm
que ter jurisprudência vinculativa (o que afasta alguma dos arbitrais).
- Processo com respeito ao princípio do contraditório: as partes têm de ter a
oportunidade de, com igualdade de armas, expor e debater as respetivas
pretensões processuais.
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA: ARTICULAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA DA UE COM AS
ORDENS JURÍDICAS DOS ESTADOS-MEMBROS

- Independência: duplo alcance, como resistência a pressões externas e


imparcialidade dos membros. Estabelece uma distinção clara com os órgãos
administrativos (que existem num quadro de tutela), daí que o TJUE venha
afastando as autoridades reguladoras, pois ao verificar os estatutos dessas
autoridades constatam que podem depender dos governos.
- Julgar segundo o direito: serviria para excluir o julgamento pela equidade e teriam
de aplicar normas de direito. No entanto, em virtude do primado e do efeito
direto, as instâncias jurisdicionais, mesmo que habilitadas a decidir segundo
critérios de equidade, estão obrigadas a respeitar o direito da UE.
- Do art. 267.º, TFUE, infere-se um sexto critério, de ser um órgão jurisdicional de um
dos Estados-membros (aqueles que se localizam no seu território – art. 335.º, TFUE),
excluindo os tribunais internacionais e tribunais de países terceiros.
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA: ARTICULAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA DA UE COM AS
ORDENS JURÍDICAS DOS ESTADOS-MEMBROS

- Tem ficado mais flexível, nomeadamente e relação aos tribunais arbitrais (Ac.
Merek Canada (C-555/13) e Ascendi (C-377/13).

- O TJUE chegou à conclusão que estes tribunais arbitrais portugueses podiam


colocar questões prejudiciais – art. 209.º, n.º 2, CRP, inclui os tribunais arbitrais entre
as entidades que podem exercer a função jurisdicional.

- São permanentes e a competência não depende unicamente da vontade das


partes – decisiva a distinção entre jurisdição facultativa e obrigatória, estes
tribunais arbitrais portugueses tinham jurisdição necessária.
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA: ARTICULAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA DA UE COM AS
ORDENS JURÍDICAS DOS ESTADOS-MEMBROS

- Tem-se admitido também os julgados de paz, órgãos de ordens profissionais,


autoridades reguladoras (dependendo de como estão configuradas
nacionalmente) e tribunais constitucionais.

- Naqueles que devem enviar questões prejudiciais encontram-se os tribunais que,


no caso concreto, em virtude da aplicação de regras processuais de restrição da
admissibilidade do direito de recurso, julgam em última instância (teoria do litígio
concreto).

- O Juiz nacional coloca a questão ao TJUE sob a forma de despacho,


suspendendo-se a instância nacional (o direito processual português fica parado).
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA: ARTICULAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA DA UE COM AS
ORDENS JURÍDICAS DOS ESTADOS-MEMBROS

- O processo de questões prejudiciais é tramitado como processo especial,


enquadrado pelo art. 267.º, TFUE; 23.º e 23.º-A, ETJUE; 93.º a 114.º, RP.

- Segundo o art. 23.º, ETJUE, os pedidos de questões prejudiciais são notificados às


partes no processo nacional, a todos os Estados-membros, à Comissão e ao
Parlamento Europeu, se forem autores do ato.

- Os interessados são notificados para, querendo, apresentar observações escritas (2


meses – prazo perentório).
- Prerrogativa dos advogados das partes no processo nacional conhecerem as
potencialidades desta janela aberta e apresentarem o entendimento da parte
sobre a validade ou interpretação da norma.
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA: ARTICULAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA DA UE COM AS
ORDENS JURÍDICAS DOS ESTADOS-MEMBROS

- Não é processo contencioso, pois não é acionado pela vontade das partes,
embora elas possa ter nele intervenção.
- Quanto a Portugal, sempre que há questões suscitadas por um tribunal português,
o Estado faz observações.

- Quem responde é sempre e só o TJUE, embora o artigo o art. 256.º, n.º 3, TFUE,
admita que se pode abrir para o Tribunal Geral (o que ainda não foi feito).

- Em seguida são apresentas as conclusões do advogado-geral.


DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA: ARTICULAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA DA UE COM AS
ORDENS JURÍDICAS DOS ESTADOS-MEMBROS

- Prevê-se no art. 267.º, TFUE, uma tramitação urgente que reduz os 14/15 meses de
resposta do TJUE para semanas – ocorre em especial nos casos penais e de
regulamentação do poder paternal.

- Acórdão
- Quanto aos efeitos do acórdão sobre a interpretação, a posição do TJUE é sempre
vinculativa para o juiz que colocou a questão e o acórdão tem força desde o dia
da sua prolação.

- O Acórdão é vinculativo para o juiz que colocou as questões, para os juízes de


recurso desse processo (no direito interno).
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA: ARTICULAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA DA UE COM AS
ORDENS JURÍDICAS DOS ESTADOS-MEMBROS

- Além deste quadro inter partes, a jurisprudência do TJUE produz efeitos num
modelo de efeito de precedente atípico.

- Tem o efeito de caso julgado análogo, mas não se está num quadro de
contencioso.

- O acórdão tem autoridade a título prejudicial em relação a questões futuras


materialmente idênticas, existindo vinculatividade de raiz funcional, o que exclui
qualquer relação hierárquica.
- Esta autoridade interpretativa justifica-se à luz do objetivo primordial da garantia
da uniformidade da interpretação e aplicação do direito da UE no conjunto das
ordens jurídicas dos Estados-membros.
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA: ARTICULAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA DA UE COM AS
ORDENS JURÍDICAS DOS ESTADOS-MEMBROS

- Se o tribunal nacional não quiser aplicar essa jurisprudência tem de recolocar a


questão – O TJUE ou altera a sua jurisprudência ou emite despacho
fundamentado, afirmando que já existe jurisprudência sobre essa matéria.

- Quanto aos efeitos do acórdão sobre a validade, se for reconhecida a invalidade


da norma eurocomunitária, ela não pode ser aplicada (há um dever de
desaplicação ao TJUE e, por maioria de razão, ao Tribunal geral.

- Não equivale a certidão de invalidade para o futuro, a sua eliminação definitiva


da ordem jurídica eurocomunitária depende de um ato de revogação (que
concretiza um dever cujo fundamento é o princípio da cooperação leal).
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA: ARTICULAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA DA UE COM AS
ORDENS JURÍDICAS DOS ESTADOS-MEMBROS

- A norma não deixa de existir na ordem jurídica do Direito da UE, isto é, a norma
não está morta, está apenas debilitada na sua viabilidade jurídica, pois a norma
não deve ser aplicada, paralisando a sua aplicação para o futuro, pelos que os
juízes não a devem utilizar.

- Alguma doutrina sustenta que a Comissão deve exercer a sua competência


propondo a revogação da norma a outra instituição (art. 4.º, n.º 3; 17.º, n.º 3,
ambos do TUE); se for a Comissão, esta deve revogar a norma.

- Tem efeitos retroativos, salvo se o TJUE considerar manter os efeitos do ato


(analogia com o art. 264.º, §2, TFUE).
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA: ARTICULAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA DA UE COM AS
ORDENS JURÍDICAS DOS ESTADOS-MEMBROS

- A jurisprudência portuguesa era contrária ao art. 267.º, TFUE, mas nos últimos anos
a média de colocação de questões prejudiciais é superior a muitos Estados-
membros com a mesma população.

- Há um sistema completo e coerente de vias processuais que permite a aplicação


e interpretação do direito da UE
- Questões prejudiciais – competência declarativa do TJUE;
- O TJUE é instado a dar parecer quanto a acordos internacionais e da UE, parecer
facultativo quanto à sua obtenção, depois de proferido é vinculativo (art. 218.º,
TFUE) – competência consultiva do TJUE
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA: ARTICULAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA DA UE COM AS
ORDENS JURÍDICAS DOS ESTADOS-MEMBROS

- Competência contenciosa – recurso de anulação e ação de incumprimento (e


recurso por omissão) – vias processuais em que se permite o controlo da
legalidade face ao decisor da UE e permite-se o controlo de legalidade face aos
Estados-membros.

- PRINCÍPIO DA LEALDADE COMUNITÁRIA


- O princípio da cooperação leal corresponde a um princípio base para regular
estruturas complexas onde não existem relações de hierarquia entre os entes que
as compõem – art. 4.º, n.º 3, TUE.
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA: ARTICULAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA DA UE COM AS
ORDENS JURÍDICAS DOS ESTADOS-MEMBROS

- Obriga a que os diversos intervenientes adotem comportamentos compatíveis


com as obrigações decorrentes dos tratados e que sejam os que melhor
assegurem o cumprimentos dessas obrigações e dos objetivos da UE e da sua
ordem jurídica.

- As obrigações que derivam deste princípio dependem, em cada caso concreto,


das disposições dos Tratados ou das regras que resultam do sistema geral do DUE.

- Relativamente ao termo “leal”, o mesmo representa uma lógica de reforço da


dimensão de cooperação aliado à boa-fé.
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA: ARTICULAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA DA UE COM AS
ORDENS JURÍDICAS DOS ESTADOS-MEMBROS

- O princípio da cooperação leal serve como grande diretriz de interpretação do


bloco de legalidade.

- Tem um conteúdo material abrangente, servindo este princípio para justificar a


aplicação de outros princípios (tendo um conteúdo aberto e que necessita de
concretização).

- Coube à jurisprudência do TJUE construir o conteúdo do princípio geral de


cooperação leal e dos deveres gerais e específicos de cooperação que dele
decorrem para os diversos intervenientes.
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA: ARTICULAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA DA UE COM AS
ORDENS JURÍDICAS DOS ESTADOS-MEMBROS

- O princípio tem inspiração no DIP, como expressão do pacto sunt servanda extra
fortalecido.
- Tem um conteúdo mais aprofundado que no DIP devido ao desenvolvimento e
construção jurisprudencial (que conduziu a que dele se extraíssem outros
princípios).

- Os Federalistas defendem que o regime normativo instituído pelos Tratados


recorreu, com frequência, a institutos típicos do constitucionalismo federal, de
onde decorre uma inspiração no federalismo alemão.
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA: ARTICULAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA DA UE COM AS
ORDENS JURÍDICAS DOS ESTADOS-MEMBROS

- Porém, a UE não é um Estado federal e o princípio da cooperação leal deve ser


entendido na medida em que a UE é uma estrutura complexa, que envolve
processos de tomada de decisão descentralizada e a vários níveis, sendo este
princípio essencial ao seu funcionamento.

- Inserção sistemática:
- Art. 4.º, n.º 1, TUE: princípio de que cabe aos Estados-membros as competências
que não sejam atribuídas à UE
- Art. 4.º, n.º 2, TUE: Componentes da soberania dos Estados e que ainda
permanecem neles, em que a UE não pode tocar – respeito pelas identidades
nacionais.
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA: ARTICULAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA DA UE COM AS
ORDENS JURÍDICAS DOS ESTADOS-MEMBROS

- Art. 4.º, n.º 3, TUE, Aditamento pelo Tratado de Lisboa, que vincula a UE face aos
Estados-membros. Embora o princípio já tivesse sido consagrado pelo TJUE em
1971.
- Tem um âmbito subjetivo abrangente e aplica-se a todas as entidades nacionais,
bem como à atuação da UE e das suas instituições.
- Regime que se aplica a toda a UE, de forma global e mesmo em todos os pilares
(embora para a PESC há um regime específico: art. 24.º, n.º 3, TUE).
- Estabeleceu-se uma cooperação vertical e uma cooperação horizontal.

- Relação Vertical
- Dever de respeito e abstenção de comportamentos entre a UE e os Estados-
membros: predominantemente obrigações de conteúdo negativo (§3 in fine).-
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA: ARTICULAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA DA UE COM AS
ORDENS JURÍDICAS DOS ESTADOS-MEMBROS.

- Dever de assistência mútua entre a UE e os Estados-membros: predominantemente


obrigações positivas, podendo relacionar-se com o princípio da solidariedade (§ 2
(de resultado); § 2 (de meios).

- O princípio da cooperação leal vincula os Estados-membros na sua globalidade,


incluindo as instituições politicas e legislativas, a administração pública e os
tribunais.

- Relação horizontal (art. 13.º, n.º 2, TUE).


- Segundo a doutrina está em causa o princípio do equilíbrio institucional, sendo o
equilíbrio de poderes característico da estrutura institucional da UE.
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA: ARTICULAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA DA UE COM AS
ORDENS JURÍDICAS DOS ESTADOS-MEMBROS

- As instituições devem respeitar as respetivas atribuições e competências, não


atuando além da sua esfera legal de ação; repartição de poderes no quadro da
UE deve ser rigorosamente respeitada por cada instituição.

- Nenhum órgão ou instituição pode utilizar as suas competências de forma a que


prive outro de exercer as suas
- Está subjacente a ideia de potenciar ao máximo as competências que vários
órgãos da UE têm para agir (p.e. entre escolher o processo legislativo especial e
ordinário, quando os tratados dão essa hipóteses, em que se deve escolher o
ordinário, uma vez que serão mais as instituições a participar nesse procedimento).
- Deve ir-se pela base jurídica que potencia ao máximo a ação legal das
competências de cada instituição.
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA: ARTICULAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA DA UE COM AS
ORDENS JURÍDICAS DOS ESTADOS-MEMBROS

- Equivalente ao princípio da separação de poderes da CRP.

- Execução do direito da UE
- A execução é assegurada pelos órgãos da UE e pelos Estados-membros, nos
termos do qrt. 291.º, TFUE.

- Quem executa o direito da UE é à partida os Estados membros.


- As administrações públicas dos Estados-membros são incumbidas de assegurar a
execução administrativa do direito da UE em cooperação com as instituições da
UE e são elas que o fazem em primeira linha.
- Pelas vias administrativas, judiciais e legislativas.
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA: ARTICULAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA DA UE COM AS
ORDENS JURÍDICAS DOS ESTADOS-MEMBROS

- É possível a própria UE executar os seus próprios atos legislativos, quando a adoção


de condições uniformes de execução seja necessária – através da Comissão
(funcionando nesse âmbito a comitologia).

- O sistema é baseado num “federalismo executivo” com algumas adaptações,


uma vez que a UE legisla e os Estados-membros aplicam.

- A aplicação do direito da UE envolve a complexidade da administração pública


dos Estados-membros, que está vinculada, pelo art. 4.º, n.º 3, TUE, aos princípios do
direito da UE – Acórdão Fratelli Constanzo.
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA: ARTICULAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA DA UE COM AS
ORDENS JURÍDICAS DOS ESTADOS-MEMBROS

- Execução Direta: realizada pelas entidades da administração da própria UE, que


assumem uma função administrativa.

- Execução indireta: realizada pelas entidades administrativas dos Estados-membros


encarregadas de executar as políticas europeias e o direito da UE, entendendo
RUI LANCEIRO que a administração dos Estados-membros é a espinha dorsal da
aplicação administrativa do direito da UE.

- O art. 4.º, n.º 3, TUE, implica o dever de interpretação da legislação nacional


conforme ao Direito da UE (limites e forma de aplicar no acórdão Von Colson e
Kamann.
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA: ARTICULAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA DA UE COM AS
ORDENS JURÍDICAS DOS ESTADOS-MEMBROS

- Dever de desaplicação de legislação nacional desconforme ao direito da UE –


Acórdão Fratelli Constanzo

- Há liberdade (autonomia) dos Estados-membros em estabelecer o


enquadramento orgânico-institucional e jurídico-processual e procedimental, nos
termos dos quais cumprem a obrigação de resultados que é a execução e a
garantia do cumprimento das disposições do direito da UE.

- O princípio da autonomia organizativa dos Estados-membros não é absoluto e,


pelo art. 4.º, n.º 3, TUE, deve assegurar a correta execução do Direito da UE.
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA: ARTICULAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA DA UE COM AS
ORDENS JURÍDICAS DOS ESTADOS-MEMBROS

- Só se aplica na ausência de regulamentação da UE, pelo que se houver


indicação da UE, as administrações dos Estados-membros executam o direito da
UE segundo o direito adjetivo dos Estados-membros.

- Sujeitos a limites
- Princípio da equivalência: tratamento não discriminatório do Direito da União
Europeia face ao direito nacional, em termos de efetividade de aplicação e
execução, bem como em termos de garantia de cumprimento.
- Os procedimentos usados para executar o direito da UE não podem ser menos
favoráveis que os procedimentos relativos a ações análogas de natureza interna
ou nacional.
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA: ARTICULAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA DA UE COM AS
ORDENS JURÍDICAS DOS ESTADOS-MEMBROS

- O objetivo é evitar que a aplicação do direito da UE seja descurada ou


negligenciada.

- Princípio da efetividade: estabelece que as regras adjetivas nacionais não devem


impossibilitar ou dificultar excessivamente a aplicação do direito da UE.
- O direito adjetivo nacional não pode ser de tal modo gravoso que na prática
torne impossível aplicar o direito da UE.
- Assegura que o direito da UE, pelo exercício de direitos de cidadãos europeus e
pela aplicação dos objetivos da UE pelos atos das instituições, seja devidamente
executado pelas autoridades nacionais dos Estados-membros.

- Pode existir conflito entre estes princípios.


DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA: ARTICULAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA DA UE COM AS
ORDENS JURÍDICAS DOS ESTADOS-MEMBROS

- O TJUE inicialmente resolvia o conflito pendendo a favor do princípio da


equivalência.

- Atualmente, parece que esse princípio só pode ser invocado na medida em que a
aplicação do direito administrativo nacional não dificulte ou impossibilite a
aplicação do direito da UE.

- PRINCIPIO DA RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL DOS ESTADOS-MEMBROS POR


VIOLAÇÃO DO DIREITO DA UE
- O ART. 340.º, TFUE, reconhece o direito à indemnização quando o autor do dano é
o decisor da UE, cabendo ao TJUE o julgamento da respetiva ação.
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA: ARTICULAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA DA UE COM AS
ORDENS JURÍDICAS DOS ESTADOS-MEMBROS

- Acórdão Francovich (19.11.1991)


- É identificado um novo princípio geral de direito comunitário.
- O princípio da responsabilidade extracontratual do Estado por prejuízos causados
aos particulares por violação do direito da UE que lhes sejam imputáveis é inerente
ao sistema do Tratado.
- O TJUE afirma que é inerente à lógica dos Tratados que se um Estado-membro
violar o direito do UE e ofender direitos dos cidadãos, causando-lhes prejuízos,
deve responder por esses danos.

- A responsabilidade do Estado-membro por violação de norma comunitária


depende:
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA: ARTICULAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA DA UE COM AS
ORDENS JURÍDICAS DOS ESTADOS-MEMBROS

- O princípio da autonomia institucional e processual dos Estados-membros conhece


limitações:
- Princípio/critério da equivalência: as condições materiais e formais fixadas pelas
diversas legislações nacionais em matéria de reparação de danos não podem ser
menos favoráveis do que as que dizem respeito a reclamações semelhantes de
natureza interna.

- Princípio/critério da efetividade: as condições materiais e formais não podem estar


organizadas de forma a tornar praticamente impossível ou excessivamente difícil a
obtenção de reparação.
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA: ARTICULAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA DA UE COM AS
ORDENS JURÍDICAS DOS ESTADOS-MEMBROS

- Segundo a jurisprudência Francovich só há lugar à responsabilidade quando:


- O resultado prescrito pela diretiva implica a atribuição de direitos a favor de
particulares;
- O conteúdo desses direitos identifica-se nas disposições relevantes da diretiva;
- Existe um nexo de causalidade entre a violação da obrigação que impende sobre
o Estado-membro e o prejuízo invocado pelo particular lesado.

- A jurisprudência Francovich deixou algumas dúvidas: o direito de reparação era


apenas quanto à não transposição das diretivas? Deveria haver exigência de
violação grave e manifesta de direito da UE? O direito à reparação estaria
dependente da impossibilidade de invocar judicialmente a norma
eurocomunitária violada por carecer de efeito direto?
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA: ARTICULAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA DA UE COM AS
ORDENS JURÍDICAS DOS ESTADOS-MEMBROS

- O acórdão Brasserie du Pêcheur/Factortame garante que os Estados-membros são


obrigados a reparar os prejuízos invocados pelos particulares em virtude de
violação do direito comunitário que sejam imputáveis ao legislador nacional
(podem denunciar os Estados-membros no caso de violação de normas dotadas
de efeito direto).

- Só pode haver responsabilidade nesses casos se:


- Regra de direito violado tinha por objeto conferir direitos aos particulares;
- Violação é suficientemente caracterizada – desrespeito grave e manifesto;
- Existe nexo de causalidade direto entre a violação e o prejuízo sofrido.
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA: ARTICULAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA DA UE COM AS
ORDENS JURÍDICAS DOS ESTADOS-MEMBROS

- Aplica-se independentemente de qual o órgão da administração que cometeu a


violação – é o Estado central que responde.

- Também se aplica ao poder judicial?


- O Acórdão Köbler (30.09.2003) vem responder que sim.
- Cumpre o requisito da “violação suficientemente caracterizada” se for violação
da regra de direito da UE por decisão imputável ao juiz nacional, em especial ao
que julga em última instância.
- Pode incluir a violação da obrigação de reenvio do art. 267.º, TFUE, ou
desconsideração de jurisprudência assente do TJUE sobre a matéria – Acórdão
Tomásová.
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA: ARTICULAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA DA UE COM AS
ORDENS JURÍDICAS DOS ESTADOS-MEMBROS

- Pode incorrer em responsabilidade o Estado-juiz que viola o dever de interpretar e


aplicar a norma de Direito da UE, omitindo o dever de garantir a sua aplicação no
litígio concreto.

- No acórdão Silva e Brito (9.9.2015), o STJ não colocou questão prejudicial


obrigatória ao TJUE.
- O tribunal supremo está obrigado a suscitar uma questão prejudicial de
interpretação a propósito do sentido controvertido de um determinado conceito
jurídico constante de legislação eurocomunitária, sobre o qual existe jurisprudência
divergente por parte das instâncias jurisdicionais inferiores, bem como a
dificuldade de interpretação do conceito noutros Estados-membros.
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA: ARTICULAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA DA UE COM AS
ORDENS JURÍDICAS DOS ESTADOS-MEMBROS

- Querendo uma indemnização por violação da obrigação de reenvio, Portugal


violou o princípio da efetividade ao não facilitar a indemnização.

- Por força do princípio do precedente atípico (aquilo que caracteriza a autoridade


da coisa interpretada pelos acórdãos proferidos a título prejudicial) desde o caso
Silva e Brito que os tribunais portugueses estão impedidos de aplicar exigência
processual do artigo 13.º, n.º 2, RRCEE, sempre que esse fundamento é violação do
Direito da UE.
- Danos causados aos particulares em virtude de uma violação do direito da UE,
cometida por órgão jurisdicional nacional que decide em última instância, obsta à
aplicação de uma norma nacional que exige como fundamento do pedido de
indeminização contra o Estado a prévia revogação da decisão danosa?
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA: ARTICULAÇÃO DA ORDEM JURÍDICA DA UE COM AS
ORDENS JURÍDICAS DOS ESTADOS-MEMBROS

- O acórdão Silva e Brito equipara a sentença do TJUE à revogação da decisão


danosa quando se constata a violação da obrigação de reenvio por parte do
tribunal nacional, cujas decisões não são passiveis de recurso interno.

- A tutela através da reparação financeira funcionará como medida


compensatória para o lesado que já não pode, no quadro das vias internas de
recurso, obter uma revisão da decisão danosa.

Você também pode gostar