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TBORIA CBRAL 1>0 DIREITO CIVIL

AS PBSSOAS

chegado a existir. ~ uma ficção legal imposta pragmaticamente pela necessidade


Vtl O Códlgo de Seabra, no artigo 6•, esratuía que "a capacidade jurídica
de simplificar a cÕmplexi<lade da vida e da morte. Mas não passa duma ficção.
1 ,,l,111l1t1•se pelo nascimento; mas o individuo, logo que é procriado, fica debaixo
I• ]•1111 ceÇllo da lei, e tem-se por nascido para os efeitos declarados no presente
VI. Tem sido discutido se o facto do nascimento funciona como uma condiçãoi 1
1 ,·,.hw1' , Grn Já expressamente admitido que os nascituros recebessem doações
suspensiva ou como uma condição resolutiva da personalidade jurídica81 •
.u 111111 Ili 79•) e fossem contemplados em testamento (artigo 17762).
Na primeira alternativa, o pré-nascido não tem personalidade jurídica antes d1
N" NU3 vlg~ncia, a Doutrina entendia que o nascituro já concebido não tinha
nascimento. Se, antes de nascer, lhe forem atribuidos bens por doação ou sucessã, 11c, ., 11111lldnde jurídica, que só vinha a adquirir com o nascimento completo com
e ele ,1er a nascer com vida, é-lhe reconhecida retroativamente a personalidad,
1,l.1 /1 IUtcln que a lei lhe dispensava durante a gestação era objectiva, não lhe
desde a data da aquisição; se a aquisição for anterior à concepção, a personali-, ,11lr I l11do direitos subjectivos. Quando contemplado cm doação ou testamento,
dade tem-se por adquirida ao tempo da concepção, e o tempo da aquisição d 1.. ,,.~ respectivos ficavam-lhe reservados, na expectativa do seu nascimento, e
bens é determinado "dentro dos primeiros cento e vinte dias dos trezentos qu,
,11 1,110 por ele verdadeiramente adquiridos com o nascimento" .
precederam o nascimento", de acordo com o regime dos artigos 1798• e 18001 Note•se que o artigo 6• do Código de 1867, não falava em personalidade
do Código Ch'il.
11111111\'~1,nas em capacidade, como era característico da terminologia da época.
Na segunda alternativa, entende-se q ue o pré-nascido tem personalidad \111il.; hoje, a generalidade da doutrina alemã usa o termo Rcschtsfahigkeit q ue,
jurídica desde a concepção e a sua personalidade extingue-se com a morte; cas1
1111 iluor, significa capacidade de gozo, e amalgama indistintamente nesse con-
venha a morrer antes do nascimento, é retroativamente desconsiderada a si
·•11,1 Q personalidade e a capacidade de gozo, o q ue cria alguma equivocidade.
personalidade, tendo-se como nunca tendo existido, por ficção legal.
t , 1111i1mo sucede no Godice Civi/eitaUano de 1941. No actual Código Civil cm vez
Numa perspectiva personalista, como a nossa, em que a personalidade jurí•
il, "~11pnctdade", como no anterior, surgiu o termo "personalidade", de acordo
dica é conatural à ,•ida humana, não pode ser aceite a construção da condiç~
"'li 1\ orientação generalizada, mas nem sempre correcta, de traduzir o termo
suspensiva. Na verdade, se o nasciniro tem a susceptibilidade da tin,laridade d1 ,l,,11130 I«schtsj/ihigkeit por personaUdade jurídica, em vez de capacidade.
direitos subjectivos ames do nascimento, dependente apenas de circunstancial:
No encanto, a opção não foi a melhor. Como se viu, o reconhecimento da
mente ter sido contemplado em doação ou sucessão, tal significa que tinha f
I" i,1,nalldade de seres humanos est.1 fora do alcance e da competência da lei,
personalidade jurídica. Mesmo entendendo a personalidade jurídica como simples! , f,1 ~li ordinária ou constinicional. É hoje indiscutível que o nascituro tem vida
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susceptibilidade abstracta e qualitativa de titularidade de direitos e obrigações, , ,, \UA vida é inviolável. O artigo 6~ do Código Civil, para ser compatível com a
como é tradicional na doutrina portuguesa, a susceptibilidade de aquisição de;
1 ,.,,.1ln.,t)ão, com as coordenadas axiológicás do sistema e com a natureza das
direitos antes do nascimento por doação e sucessão e a susceptibilidade de sei
1111,1', temde ser interpretado como referido, não à personalidade jurídica, cuja
representado no respectivo exercício, admitida pelos artigos 9522, 2033•, n• l,j
1878", n• 1e 2240•, n• 2 do Código Civil, tornam inegável a personalidade jurídica
do nascituro já concebido. I IIAt ítl!RkBlllA, Código Cfl1f/ l'ortugua Am1otado, 1, 2~ e-d., Jmpn:nsa da Unh•ersld:ide, Coimbra,
1'1 ''f, f>'ga. U e segs., cm anotação ao ~migo 6° do Código de 1867, cscre-.·c: "a capacidade juridica.,
A construção positivista formalista da personalidade jurídica só consegue, 10, llllA.nto só pelo n:L,.cimcnto se adqui.n, rctrotr:ic-sc :ué à époct1. da conccpç.10, pertencendo ao
ultrapassar esta dificuldade considerando que, antes do nascimento, os d.ireitos 1,1,ljyf~uo que nascer com \fid:i e co1n tigura humana, os direito." que lhe houvere1n sido deferidos
atribuídos ao nascituro são direitos sem sujeito, o que constitui uma contradição t, ,1110 Jo..<1 trezentos dJas anteriores ao seu nascimento, que é o pcriodo máximo da gcst:ação". Para
nos próprios termos e uma solução arti6cial. • fltll flllRMe MourRA, hi.ttituiçiJe1do Dirdto Civil Portugu&, cit., 1, pág, 167, o nascituro j~concebido,
•tlf• tio nascer, não pode ser considerado pessoa, mas beneficia de pr-Otccç:i.o (objccti\fa) da lei
'" l #pc:et~dva do seu nascimento"; uma vez nlScido coLn \•Jda, a lei confoi:c-lhc "'os direitos que
111 h•vorln adquirido, se jâ d\'e$SC nascido". Também para CA8RJ\L DE MoNCADA, Lif6ts de Dircit<J
1.t'fll. clt,, 1:ntgs, 253-257, a l'Utela pré-n:tul é objecth--a; o regime dos referidos artigos 147~ e 177611,
"' Cfr., por todos. FruTZ FA8R.1crus, RclativitUl der R«l1tiflJJ1igk,u., .Beck, Münchc11 und Bcrlin, 1963.
,j!!Orom npcnas sigoi1icar que os nascituros podem ser contemplados em doa~-ões e testamentos
Na doutrina alem5 a questão tém sido ptejudic:tda pelo uso do termo Rcchtsflil,igkt:it, cujo significado
1•••• o ciclto duma legítima t.Xpeaatf,,o: o seu nlScimcnto". Estes bens nio são logo adquiôdos por
engloba indJstinramcnte a person3Jidade juridic.-. e 3 capacidade de gozo e que tem sido muJt:.as vcu:s
lida com o sentido exclusivo de personaJidadc. t, li "m11sfi(.llm-lhe1 reservador na expectativa de que venham a nascer: a aquJsl.ção de tais direito.s só
"' 11oro;1r-.sc cfoctlva, no caso de o cmbri3o vir a ser gente, o que só aooncece com o n:tscimcnto.
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