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DE DIREITO CIVIL
Ano I (2016), 4
Comissão de redação
António Menezes Cordeiro
Miguel Teixeira de Sousa
Pedro Romano Martinez
Luís Menezes Leitão
DOUTRINA
Francisco G. Prol
Ordre Public et Arbitrabilité . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 807
Francisco Aguilar
A ideia de Direito ou uma das ideias de Direito? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 853
II. O regime da agência funciona ainda como uma matriz normativa apli-
cável, diretamente ou por analogia, aos contratos de distribuição, com relevo
para a concessão e a franquia, comportando igualmente elementos úteis para as
relações contratuais duradouras e para a teoria geral da representação. O estudo
aprofundado da agência conduziria a um pequeno tratado de Direito privado.
*
Em honra do Professor Doutor António Pinto Monteiro.
1
António Pinto Monteiro, Contrato de agência/Anotação ao Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de julho,
7.ª ed. (2010), 192 pp.; António Menezes Cordeiro, Direito comercial, 4.ª ed. (2016), 776-793.
ceiros (21.º a 23.º), cessação do contrato (24.º a 36.º), normas de conflitos (37.º
e 38.º) e disposição final (39.º). Nos direitos e obrigações das partes, quer o
agente, quer o principal ficam sujeitos ao princípio da boa-fé. Assim, segundo
o artigo 6.º (princípio geral):
nico-jurídico: para apoiar o poder criativo do pretor que, nos iudicia ex bona
fide, criou os ainda hoje principais contratos (compra e venda, locação, fiducia,
sociedade e mandato). Prosseguindo o seu caminho, a bona fides, ainda sob os
romanos, sofreu uma difusão horizontal, sendo desta feita apurada para sustentar
regimes mais favoráveis para pessoas merecidas de proteção. Temos a posse de
boa-fé, como exemplo. Boa-fé passa a exprimir um instituto de tipo subjetivo.
II. Ao longo do século XX, a boa-fé foi usada particularmente em quatro ins-
titutos: (a) o abuso do direito; (b) a culpa in contrahendo; (c) os deveres acessórios;
(d) a alteração das circunstâncias. Falamos de institutos complexos, traduzidos
em milhares de decisões. Pergunta-se, todavia, se será possível explicar, numa
breve noção, o efetivo papel da boa-fé em todas essas áreas. Vale a pena tentar.
V. Pois bem: os artigos 6.º e 12.º da Lei da Agência inserem-se em toda esta
sequência. E dentro da boa-fé, eles ligam-se, predominantemente, aos deveres
acessórios. Vamos ver.
4. Os deveres acessórios
II. Tais deveres têm base legal e um regime próprio, claramente dife-
renciado do dos deveres de prestar: principal e secundários. São os deveres
acessórios. A doutrina alemã, onde toda esta matéria foi desenvolvida, fala em
Nebenpflichten (deveres laterais), a não confundir com os Nebenleistungspflichten
(deveres de prestar laterais: os “nossos” deveres secundários). Aparecem, tam-
bém, Schutzpflichten (deveres de proteção), Rücksichtspflichten (deveres de consi-
deração) e Sorgfaltsflichten (deveres de cuidado)2.
2
Em especial: Kai Kuhlmann, Leistungspflichten und Schutzpflichten/ein kritischer Vergleich des Leis-
tungsstörungsrechts des BGB mit den Vorschlägen der Schuldrechtskommission (2001), 424 pp.; Wolfgang
Schur, Leistung und Sorgfalt/zugleich ein Beitrag zur Lehre von der Pflicht im Bürgerlichen Recht (2001),
XX + 390 pp. (123 ss. e passim); Hans Christoph Grigoleit, Leistungspflichten und Schutzpflichten,
FS Canaris 1 (2007), 275-306; Dieter Medicus, Zur Anwendbarkeit des Allgemeinen Schuldrechts auf
Schutzpflichten, FS Canaris 1 (2007), 835-855 (837 ss.); Dirk Olzen, no Staudinger II, §§ 241-243
(2009), § 241, Nr. 142 ss. (176 ss.); Harm Peter Westermann, no Erman/BGB, I, 13.ª ed. (2011),
§ 241, Nr. 8 e Nr. 10 ss. (777 ss.); Hans-Peter Mansel, no Jauernig/BGB, 14.ª ed. (2011), § 241,
Nr. 9 ss. (171 ss.); Reiner Schulze, HandKommentar, 7.ª ed. (2012), § 241, Nr. 4 ss. (254 ss.); Peter
Krebs, no NomosKommentar, 2/1, 2.ª ed. (2012), § 241, Nr. 44 ss. (18 ss.); Christian Grüneberg, no
Palandt, 75.ª ed. (2016), § 241 (261-262); Martin Schmidt-Kessel, no PWW/BGB, 7.ª ed. (2012),
§ 241, Nr. 15 ss. (329 ss.); Peter Huber, Der Inhalt des Schuldverhältnisses, no Staudinger/Eckpfeiler
des Zivilrechts (2012-2013), 211-244, Nr. 2-6 (212-213) e passim.
3 Vide o nosso Tratado de Direito civil, VI, 2.ª ed. (2012), 274 ss. e 283 ss..
5
Hermann Staub, Die positiven Vertragsverletzungen, 26. DJT (1902), 31-56, reedit. 1904 e, depois,
várias vezes republicado.
6 Heinrich Lehmann, Die positiven Vertragsverletzungen, AcP 96 (1905), 60-113 (92) e Ernst Zitel-
III. Os regimes dos deveres de prestar e dos deveres acessórios não coinci-
dem. Entre outros aspetos, temos, pelo menos, as seguintes clivagens:
(1) os deveres de prestar fundam-se, paradigmaticamente, na autonomia
privada; os acessórios, na boa-fé; pode haver deveres de prestar não-
-contratuais; seguem, tendencialmente, o mesmo regime, filiando-se,
então, nas normas legais que os imponham;
(2) os deveres de prestar vinculam o devedor; os deveres acessórios adstrin-
gem ambas as partes;
(3) os deveres de prestar visam o “efeito prestação” ou, pelo menos, o
“efeito atuação”, quando este seja o visado; os acessórios dirigem-se
para os efeitos “substancialização” e “integralidade”;
(4) os deveres de prestar são diretamente disponíveis (salvo recaindo em
pontos que o não sejam); os acessórios, enquanto ex lege, operam sem-
pre que se mostrem reunidas as respetivas condições constitutivas;
(5) os deveres de prestar surgem com o negócio e cessam com o cumpri-
mento; os acessórios podem ser pré ou pós-eficazes;
(6) os deveres de prestar cessam quando a respetiva fonte seja declarada nula
ou anulada ou caso haja resolução, revogação, denúncia, oposição à
renovação ou caducidade da prestação principal; os acessórios mantêm-
-se, nessas eventualidades, prosseguindo os seus fins de proteção;
(7) os deveres de prestar adstringem e tutelam as partes; os acessórios podem
tutelar terceiros;
(8) os deveres acessórios, designadamente os que se incluam no círculo
externo, podem constituir-se ou manter-se sem que exista um dever de
prestar; a obrigação subsistirá, então, apenas assente nos deveres acessó-
rios, não requerendo uma prestação principal.
II. No que tange à agência, não encontramos, no acervo das decisões dos
nossos tribunais, aplicações incisivas dos artigos 6.º e 12.º da Lei da Agência.
Deve dizer-se que, em boa parte, isso se deve à excelência do próprio regime
adotado em 1986: os seus meandros, mormente no ponto sensível da denúncia,
estão tão perfeitos que basta aplicar a lei. Assim, esses preceitos são referidos
para reforçar decisões judiciais apoiadas noutros lugares normativos. Um espe-
cial relevo vai para a necessidade de pré-aviso adequado.
10 Gerrick von Hoyningen-Huene, no Münchener Kommentar zum HGB I, 4.ª ed. (2016), § 86, Nr.
54-57 (1209-1210); Klaus J. Hopt, em Baumbach/Hopt, Handelsgesetzbuch, 37.ª ed. (2016), § 86,
Nr. 40-49 (407-409); Gottfried Löwisch, em Ebenroth/Boujong/Joost/Strohn, Handelsgesetzbuch
1, 3.ª ed. (2014), § 86, Nr. 2 e Nr. 20 ss. (718-719 e 724 ss.); relevamos os deveres acessórios sem
base legal explícita.
II. A Lei da Agência optou por enumerar direitos do agente e não, dire-
tamente, deveres do principal. Todavia, não oferece dúvidas retirar, do artigo
13.º, o elenco dos deveres em causa. Pois bem: o artigo 12.º, ao remeter para a
boa-fé, permite o alargamento prudente dos deveres em jogo.
11
Com alguns elementos: Gerrick von Hoyningen-Huene, no Münchener Kommentar cit., I,
4.ª ed., § 86a, Nr. 44-47 (1223-1224); Klaus J. Hopt, em Baumbach/Hopt, Handelsgesetzbuch
cit., 37.ª ed., § 86.ª (410 ss.); Gottfried Löwisch, em Ebenroth e outros, Handelsgesetzbuch cit., 1,
3.ª ed., § 86a, Nr. 34 ss. (752 ss.).
8. Aspetos do regime
Pour commencer à traiter l’affaire qui fait l’objet de mon exposé, l’Arbi-
trabilité et l’Ordre Public (OP), il convient de préciser d’abord les termes dont
nous allons parler.
*
Notes pour la conférence donnée lors de la réunion “Regards Croisés” qui, organisée par le
Chapitre Français du Club Espagnol de l’Arbitrage et par l’Association Française de l’Arbitrage,
s’est tenue à Paris le 29 novembre 2013.
** Avocat et Arbitre.
A) L’Arbitrabilité
En ce qui concerne ce que doit être entendu par arbitrabilité dans le champ
d’application de la Convention pour la reconnaissance et l’exécution des sen-
tences arbitrales étrangères (“Convention de New York”) (New York, 1958),
les pays ayant une tradition juridique romaine ou continentale et les pays de
la common law, ayant une tradition juridique anglo-saxonne, se divergent. Le
Droit espagnol penche clairement pour le système de la Civil Law.
Dans les pays régis par la Civil Law, l’arbitrabilité se réfère uniquement à
l’objet matériel de la Convention de New York, et ceci indépendamment de
la discussion sous-jacente sur l’existence d’une arbitrabilité subjective, outre
l’arbitrabilité objective1. Cependant, dans les pays soumis à la Common law l’ar-
bitrabilité est conçue dans un sens plus large. Il s’agit de l’arbitrabilité sensu lato
1
Marta Gonzalo Quiroga, Normes Impératives et Ordre Public dans l’Arbitrage Privé International.
B. L’Ordre Public
(i) Concept
2
SSTC 11/1987 , 116/1988 y 54/1989.
La définition donnée par nos tribunaux à l’OP semble donc ouvrir la porte
à l’acceptation de l’existence d’un OP international ayant les mêmes caractéris-
tiques (et la même difficulté de précision) que l’OP interne.
La frustration que comporte cette imprécision dans la définition du terme
d’OP est telle que certains auteurs ont qualifié cette institution juridique, d’une
part d’exaspérante (car ses éléments sont extrêmement difficiles à préciser),
d’autre part d’indispensable (car la précision de ses limites et de son application
est essentielle pour décider quelles sont les matières qui peuvent être soumises
à la connaissance et à la décision des arbitres).
(ii) Exemples
– L’OP national: d’un point de vue interne, l’OP peut être considéré
comme “l’ensemble des règles impératives et critères locaux qui, étant au-delà
des limites imposées à la liberté des parties pour la caractérisation du contrat, ne
peuvent être ni modifiés ni abrogés par les parties”. Cette définition envisage
l’OP sous la perspective du droit matériel plutôt que sous l’angle du droit
processuel sous lequel le considèrent d’autres auteurs et la jurisprudence
la plus récente.
– L’OP international: l’OP international, composé essentiellement des
mêmes principes supérieurs que l’OP national, se distingue de ce dernier
par son application, beaucoup plus restreinte en raison des relations privées inter-
nationales, qui nécessitent davantage de liberté et de flexibilité. Comme cet OP
doit être plus flexible que l’OP interne, son appréciation doit être moins
rigoureuse.
– L’OP transnational: cet OP est constitué des principes généralement
reconnus et acceptés dans le cadre des transactions internationales. Alors
que l’OP dit “international” est soumis aux limitations imposées par
l’Etat concerné sur la base de ses intérêts particuliers, l’OP transnational
n’est en fonction des intérêts d’aucun État particulier.
C. OP et Loi Impérative
Nous l’avons déjà indiqué plus haut, la notion de l’OP s’est parfois confon-
due avec celle de la “disposition impérative”. Cependant, ces deux concepts
ont été distingués depuis bien de temps par le Tribunal de cassation espagnol,
qui a constaté (dans le cadre du droit des sociétés) que “... le caractère impératif
des normes régissant la contestation des décisions des organes des sociétés ne
s’oppose pas au caractère transactionnel, donc dispositif, de ces règles, … de
même l’OP ne peut aucunement être invoqué pour exclure l’ordre arbitral”.
Cela veut dire que, dans le cas particulier de l’arbitrage en droit des socié-
tés, seules les normes configurant la structure institutionnelle des sociétés (à
En cas d’arbitrage national, le texte légal auquel il faut recourir pour appré-
cier l’arbitrabilité, c’est l’article 2 de la Loi d’Arbitrage, déjà mentionné, selon
lequel sont arbitrables les disputes portant sur des matières soumises au pouvoir
de disposition des parties.
Pour ce qui est de la relation entre l’OP et l’arbitrabilité, il faut prendre en
considération que la notion de disponibilité à laquelle nous nous référons est
une faculté de disposition relative aux aspects procédurales et non matériels des
relations juridiques. Nous l’avons déjà indiqué, les parties peuvent choisir libre-
ment la procédure à suivre pour la résolution de leurs disputes, alors qu’elles ne
peuvent pas convenir de ne pas appliquer une règle impérative.
Comme nous l’avons déjà dit, l’OP peut avoir une importance décisive sur
la vie de la procédure d’arbitrage à deux moments différents: d’une part, lors
de l’initiation de cette procédure (lorsqu’il faut préciser si l’arbitre peut ou non
connaître de l’affaire soumise à sa considération, ce qui est possible lorsqu’il ne
s’agit pas d’une matière d’OP dont la connaissance lui est interdite) et, d’autre
part, au moment où l’une quelconque des parties entend utiliser les moyens de
recours mis à sa disposition par la Loi (qu’il s’agisse d’un recours proprement
dit ou de l’exercice de l’action en nullité).
Même si nous avons déjà parlé des relations entre l’OP et l’arbitrabilité en
ce qui concerne la possibilité de soumettre une matière donnée à la voie de
l’arbitrage, permettez-moi de mentionner ici brièvement le contrôle de l’adé-
quation de la procédure d’arbitrage à la notion de l’OP.
Le Droit espagnol accorde aux parties la possibilité de demander l’annu-
lation de la sentence arbitrale moyennant l’exercice de l’action en annulation.
À ce propos, je dois avouer qu’en Droit espagnol les parties ne peuvent
pas, à mon avis, convenir de ne pas exercer l’action en annulation, ce qui, par
contre, semble être possible dans d’autres pays. La raison sur laquelle je base
«II est encore trop tôt pour savoir si nous vivons une étape importante dans l’histoire du
contentieux, qui verrait naître un nouvel état d’esprit dans le traitement des litiges, favorisant
notamment le désencombrement des tribunaux, ou s’il ne s’agit là que d’une mode passagère,
généralisée par la facilité des transmissions et le goût immodéré des juristes pour les colloques.
Quoi qu’il en soit, la responsabilité des juristes en la matière est grande ; en effet, il leur faut
anticiper les difficultés à venir tout en évitant d’en créer là où il n’y en avait pas vraiment.
L’efficacité des modes alternatifs est tributaire de leur simplicité et de leur souplesse. Laissons
aux stipulations particulières le soin d’affiner les détails de leur fonctionnement en fonction
des circonstances et des besoins.»
“To all readers of these public records: we declare that the learned master
Giovanni de Anglio, physician [medicus], has undertaken the treatment and
medication of Bertholucio, nobleman, son of the late Guidone dei Samaritani,
a citizen of Bologna. Master Giovanni shall pursue such treatment in exchange
for fifty good and sound golden florins, weighed Bologna style, at the terms
and conditions set herein: that said Master Giovanni has promised to treat and
heal Bertholucio from his illness, with the help of medications, waters, and
concoctions that Master Giovanni will buy at his own expense; so that in the
next forty days Bertholucio will be convalescing and improving, to the point
of being again able to partially move his hand, foot, thigh, and leg, to use said
hand to dress himself and put on shoes, and to wash his healthy hand with the
one which is now ill. These terms being met before the end of the forty days,
Bertholucio has promised and agreed to promptly compensate said master
with twenty-five golden florins out of the total amount of fifty, in payment for
the medications already administered and those still needed in order to com-
plete his recovery. Said master has also promised an agreed to treat, medicate,
and completely cure Bertholucio in such a way that he will clearly feel well in
the sick side as in the other one; and once he feels he has recovered his health,
*
Texto correspondente à apresentação da tese de doutoramento em Direito “Para o estudo da
responsabilidade civil contratual médica no direito privado português”, aquando da sua discussão
em provas públicas, no ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, no dia 29 de Junho de 2015,
perante um Júri composto pelo Professor Doutor Carlos Manuel Gutierrez Sá da Costa, Professor
associado do ISCTE – IUL, que presidiu, por delegação do Reitor, pelo Professor Doutor André
Gonçalo Dias Pereira, Professor auxiliar da Universidade de Coimbra, arguente, pela Professora
Doutora Paula Lobato de Faria, Professora associada da Escola Nacional de Saúde Pública e Uni-
versidade Nova de Lisboa, arguente, pelo Professor Doutor Vítor Pereira Neves, Professor auxiliar
da Universidade Nova de Lisboa, arguente, pela Professora Doutora Maria Eduarda Barroso Gon-
çalves, Professora catedrática do ISCTE – IUL, e pelo Professor Doutor Manuel Pita, Professor
auxiliar do ISCTE – IUL, orientador e arguente. A tese foi aprovada e encontra-se depositada no
Repositório do ISCTE-IUL, com o identificador http://hdl.handle.net/10071/10007.
Bertholucio has promised to promptly pay, upon request, the balance of the
agreed-upon sum – that is, another twenty-five florins of pure gold according
to standard. Furthermore, Raynerio, son of the late Jacopino de Arzellata and
chaplain of Santa Maria Maggiore, has officially and solemnly declared to Mas-
ter Giovanni that he received in escrow the said fifty florins from Bertholucio,
and has promised to give the master the entire amount as previously establi-
shed, on condition that he [Bertholucio] feels completely cured.”
Incluído em Gianna Pomata, Contracting a cure. Patients, healers and the law in early
modern Bologna, Baltimore e Londres: The John Hopkins University Press, 1998
Abstract: In this article, the Author explains his thesis about medical contractual
liability under Portuguese private law. He begins by describing the subject and
the purpose of his study, as well as its methodology. The great significance of the
subject is pointed out. Also, the specificities associated with the science of law are
mentioned. The thesis was concluded at the end of 2014, so the Author updated it,
considering the new materials, both from the doctrine and from the jurisprudence,
that have been made available during 2015. Among the topics dealt with, one can
find: the interactions between law and medicine, the diversity and complexity of
the latter nowadays, the new paradigm for the doctor-patient relationship, with
full recognition of the right of self-determination of the patient, as opposed to the
paternalistic approach of the past, and the significance of medical ethics and medi-
cal deontology for the contractual relationship between doctor and patient. As it
is well-know, the doctrine of informed consent represented the most important
change in the way law regulates medicine that occurred in the past decades and
such doctrine is of great significance for the issue of medical liability. The Author
considers informed consent as a relevant “key” to solve medical malpractice claims,
namely on what concerns which party should carry the burden of the risk of the
treatment. This was already mentioned in the doctrine, but only recently did the
Portuguese Supreme Court of Justice adopt the same position. Apart from sugges-
ting the need for some changes in the law, in order to avoid different understan-
dings by the doctrine and the jurisprudence, something that the social relevance of
the subject cannot favor, the Author’s thesis consists of putting in evidence the role
of the exchange of information between the doctor and the patient for a correct
risk distribution between the two parties, a criteria that is almost private of medical
malpractice law. As an annex, the Author makes available a Portuguese translation
of paragraphs 630a to 630h of the German Civil Code, which were introduced in
2013, by the Law for the Improvement of Patients’ Rights.
Keywords: law and medicine; patient’s rights; informed consent; medical mal-
practice law; Portuguese law
1. Quem se propõe elaborar uma tese não pode deixar de ser questionado,
e de se questionar, sobre o objeto e o propósito da sua investigação, bem como
relativamente à metodologia adotada.
(i)
(ii)
Quanto ao objetivo visado, ele foi, como é caraterístico deste tipo de traba-
lhos, o de contribuir para a aquisição de conhecimento num domínio jurídico
delimitado.
No texto da tese, secundei-me de Karl Popper e de Claus-Wilhelm Cana-
ris, sobre a função das teorias jurídicas e o seu caráter científico, atenta a possibilidade
de ser demonstrada a respetiva incorreção.
Pretendo agora penitenciar-me por não ter citado também Baptista
Machado e fazê-lo aqui: “duas funções principais se assinalam à teoria científica:
esclarecer ou explicar certos dados (função esclarecedora ou de relacionamento) e
permitir a prognose ou dedução de proposições sobre dados até ali despercebi-
dos, inarticulados ou sem relevância (função heurística)” (itálicos meus).
Voltando à tese, nela referi a conhecida bipartição de Umberto Eco, quanto
às descobertas científicas em ciências humanas, entre a tese de investigação, com maior
risco, e a tese de compilação, que consiste na análise crítica de toda a literatura
existente sobre o tema, avançando pretender fazer um pouco das duas.
Mas gostaria ainda de aqui retomar as importantes considerações de Baptista
Machado sobre a natureza e o método da ciência jurídica: «a natureza científica de
uma disciplina de pensamento carateriza-se essencialmente pela fecundidade
explicativa (interpretativa ou de relacionamento) e heurística das suas concei-
tuações, e bem assim pela sistematicidade das suas teorias e possibilidades de
controlo racional das suas conclusões. É a Ciência do Direito capaz de incremen-
tar o seu conhecimento em termos de aquisição de conhecimentos novos, em termos de
aprofundamento, inventividade e descoberta? O seu discurso conclusivo vincula ou
é suscetível de vincular em termos racionais – e, consequentemente, tanto as
suas indagações como esse discurso admitem um controle racional suficiente-
mente rigoroso? Assentaremos em que a dogmática jurídica moderna, represen-
tando embora uma forma de pensamento valorativamente orientada, visa tornar
os problemas jurídicos concretos “decidíveis” – mediante a redução das alterna-
tivas de decisão possíveis – num quadro de objetiva racionalidade, já descorti-
nando os princípios jurídicos que estão na base das normas legais e dando-nos em
1
Alexandra Aragão, Breves reflexões em torno da investigação jurídica, BFDUC, vol. LXXXV,
2009, 764-793.
desígnio imanente a tal função social e, portanto, como instrumento que é desse
desígnio, não pode ocupar a posição de espetador que inspeciona esse desígnio
numa atitude teorética ou especulativa. Parte integrante da realidade vital do
Direito, jamais pode, como tal, constituir-se em teoria autónoma e autorrefe-
renciada perante tal realidade. Numa palavra: ela é parte integrante da própria
vida do Direito – e não ciência do Direito. Qualquer ciência pertencente
ao sistema das ciências tem sempre um horizonte de investigação ilimitado,
porque é polarizada por um “transcendental” qualquer, quando mais não seja
pelo desígnio gnoseológico (de explicação ou esclarecimento) impresso no seu
objeto formal. É esse “transcendental” que lhe confere “transcendência teó-
rica”, abre um horizonte ilimitado à sua investigação e garante uma liberdade
particular à teoria em face do seu objeto material (pelo menos enquanto estão
em causa conceitos teoréticos), dado que aquela se afirma na sua autonomia e
obedece à lógica intrínseca do seu sistema próprio. Daí que se possa dizer que
as disciplinas pertencentes ao sistema das ciências se constituem num plano de
racionalidade e abstração tal que situam a realidade por elas estudada (o seu
objeto material) no exterior do sistema teórico de conhecimento que elaboram.
Ao passo que a ciência dogmática do Direito se articula operativamente com este
e se subordina ao desígnio (função) deste. Ora, uma “ciência” que se arti-
cula operativamente com a realidade que racionalmente elabora faz parte inte-
grante dessa realidade. O seu espaço de racionalidade e o seu nível de abstração
são instrumentais, são determinados por exigências funcionais de um subsistema
da realidade social (o Direito)»2 (itálicos meus).
(iii)
2
J. Baptista Machado, Introdução ao direito e ao discurso legitimador, 3.ª reimpressão, Coimbra:
Almedina, 1989, 359-375, 364/365, 366/367 e 369/370.
3 Desenvolvidamente, Clara Pereira Coutinho, Metodologia de investigação em ciências sociais e
2. Para ilustrar esta realidade, refiro que, só em 2015, e ainda o ano vai
a meio, foi publicada a já citada tese de doutoramento do Professor André
Dias Pereira, a Professora Paula Lobato de Faria publicou, em coautoria com
o Professor João Cordeiro, uma apresentação do Serviço Nacional de Saúde,
incluída numa obra especializada publicada em Espanha6, e a Professora Carla
Amado Gomes ocupou-se da responsabilidade civil médica num artigo há pou-
cos dias vindo a público7. Alargando o espectro à análise do contributo da
ciência médica para o direito, aspeto que tratei na primeira parte da tese, há que
referir também a investigação de Ana Sousa e Brito, a qual analisa a relevância
da neurociência para o direito penal8.
4 André Gonçalo Dias Pereira, Direitos do paciente e responsabilidade médica, Coimbra: Coimbra
Editora, 2015.
5 Antoine Leca, Droit de l’exercice médical en clientèle privée, 4.ª ed., Bordéus: Les Études Hospita-
sentación, in Derecho y Salud como realidades interactivas (dir. Jorge Tomillo Urbina/Joaquín
Cayón de las Cuevas), Cizur Menor: Aranzadi, 2015, 951-962.
7 Carla Amado Gomes, With great power comes great responsibility: apontamentos sobre responsabilidade
9
Acessíveis através de www.dgsi.pt.
euros a cada um dos autores, bem como “a quantia que se vier a liquidar,
no competente incidente de liquidação, quanto às despesas que os autores
AA e BB vão ter de suportar, com a substituição das próteses do filho, até
este atingir os 18 anos de idade”10;
(ii) Ac. RLx 26-Mar.-2015 (Maria José Mouro) (Proc. n.º 273/08.0TVLSB.
L1.-2): estava em causa a responsabilidade quer de um profissional
quer de uma clínica pelo exercício da medicina dentária, concreta-
mente um longo e complexo tratamento a um paciente que sofria de
bruxismo (patologia que se carateriza por uma pressão anormal nos
dentes no período noturno e/ou diurno) e que implicou a colocação
de pontes dentárias. A matéria da informação ao doente foi ponde-
rada, conforme consta dos factos não provados. Assim, não se pro-
vou: (i) a falta de informação sobre a necessidade de, a médio prazo,
serem colocadas novas pontes e implantes; (ii) que o réu médico não
tivesse apresentado as várias alternativas médicas de tratamento, res-
petivas desvantagens e riscos, assim como “a opção de colocação de
implantes que poupariam os dentes sãos sem ter que os desvitalizar”;
e, ainda, (iii) “que o mesmo réu nunca tenha comunicado ao autor as
exigências acrescidas de higiene oral e a necessidade de destartarizações
regulares com os inerentes custos”. No plano do enquadramento dos
factos nos regimes da responsabilidade contratual e/ou extracontra-
tual, o Tribunal da Relação de Lisboa, não obstante haver lamentado
que os elementos de que dispunha não eram abundantes, manteve
o entendimento da primeira instância, no sentido de a responsabili-
dade da clínica ser contratual e a do médico aquiliana. “Nos casos de
contrato de prestação de serviço em que os sujeitos são uma clínica
e o paciente e em que o objetivo exclusivo é a prestação de serviços
médicos/odontológicos, necessariamente executados por um ou mais
médicos/odontologistas, a obrigação de prestação do serviço é assu-
10
O mesmo litígio foi ainda objeto do Ac. n.º 55/2016, de 2 de Fevereiro de 2016, do Tribunal
Constitucional (Teles Pereira) (Proc. n.º 662/15), que decidiu: “Não julgar inconstitucionais
os artigos 483.º, 798.º e 799.º do Código Civil, interpretados no sentido de abrangerem, nos ter-
mos gerais da responsabilidade civil contratual – no quadro de uma ação designada por nascimento
indevido (por referência ao conceito usualmente identificado pela expressão wrongful birth) -, uma
pretensão indemnizatória dos pais de uma criança nascida com uma deficiência congénita, não
atempadamente detetada ou relatada aos mesmos em função de um erro médico, a serem ressar-
cidos (os pais) pelo dano resultante da privação do conhecimento dessa circunstância, no quadro
das respetivas opções reprodutivas, quando esse conhecimento ainda apresentava potencialidade
para determinar ou modelar essas opções”.
mida pela clínica, embora haja de ser executada por pessoal habilitado,
sendo aquela responsável, nos termos do n.º 1 do art. 800.º do CC
pelos atos praticados pelas pessoas que utilize para o cumprimento das
suas obrigações”. “Nestes casos, o médico/odontologista não se obriga
diretamente para com o paciente, sem prejuízo de a clínica acionar o
profissional de saúde tendo em conta o contrato que os vincula e da
responsabilidade extracontratual do mesmo profissional de saúde para
com o paciente”. Quanto às questões de fundo: “Tendo o A. confe-
rido à R., através do R., a execução de cuidados de caráter abrangente
referentes à sua saúde oral, a obrigação principal assumida é uma obri-
gação de meios, não estando a R. vinculada a um resultado concreto”;
“Nesse âmbito – da responsabilidade contratual – caberia ao A. alegar
e provar a objetiva desconformidade entre os atos praticados e as legis
artis, assim como o nexo de causalidade entre esses atos e os danos
– para além desses mesmos danos; já quanto à culpa haverá que con-
siderar a presunção de culpa resultante do n.º 1 do art. 799.º do CC
– nada impedindo que isto também suceda na obrigação de meios”;
e, sobretudo, a Relação de Lisboa concluiu pela falta do pressuposto
da ilicitude, comum a ambos os regimes de responsabilidade – “não
resultou concretamente demonstrado que a atividade desenvolvida no
tratamento do A. fosse desnecessária ou inútil, ou que sendo adequada
ou necessária haja sido praticada de forma deficiente ou defeituosa, ou,
ainda, que hajam sido omitidos atos necessários e adequados à situação
clínica do A.. Não se provou que a atividade desenvolvida no tratamento do
A. ocorreu em desconformidade com as legis artis. Não basta, para esse efeito,
haverem-se provado as referidas fraturas das pontes dentárias, desgastes
e fraturas das próteses, bem como as infeções de que o A. sofria e o
aparecimento de um quisto a que o A. foi intervencionado no dia 23
de Agosto de 2006 relacionado com a raiz de um dente que vários anos
antes fora tratado pelo R. J.M.. Na realidade, não sabemos porque é
que essas ocorrências sucederam. Haverá que acrescentar, quanto ao
tratamento efetuado pela 2.ª R. através de O.D., que ele não logrou
resolver a totalidade dos problemas que o A. então apresentava. Toda-
via, também isso, à luz do que viemos expondo, não é suscetível de cara-
terizar, por si só, um incumprimento (ato ilícito) da mesma R..”;
(iii) Ac. STJ 28-Mai.-2015 (Abrantes Geraldes) (Proc. n.º 3129/09.6TBV
CT.G1.S1): o STJ foi chamado a pronunciar-se numa situação em que
se discutiu a eventual violação das leges artis por um médico do trabalho
(1.º Réu). A A. era trabalhadora de uma empresa de trabalho tempo-
rário, que a havia cedido à 2.ª Ré. Esta, por seu turno, contratara com
11
O médico havia sido condenado, em primeira instância, no pagamento de 160 mil euros, a
título de indemnização por danos patrimoniais, e de 80 mil euros, por danos não patrimoniais,
tendo sido absolvido do pedido pela Relação. A flagrante divergência de entendimentos entre as
instâncias, numa matéria tão sensível e gravosa para os doentes como para os médicos, justifica
bem a necessidade de uma intervenção legislativa, que clarifique as regras e dê segurança.
e com a identidade, e, no caso sub judice, com a vida sexual e íntima, não é
possível que se verifiquem os pressupostos do consentimento presumido”. “O
consentimento presumido destina-se a fazer face a situações em que no decurso
de uma operação se verifica um perigo imprevisto para a vida ou para a saúde,
que é preciso resolver de imediato enquanto o/a paciente se encontra ainda em
período de inconsciência e incapaz de prestar consentimento”. “Ora, no caso
sub judice, os factos indiciam de forma inequívoca, que a intervenção cirúr-
gica que não foi objeto de consentimento prévio, não visava evitar qualquer
perigo para a vida, o corpo ou a saúde, nem tinha uma natureza urgente, que
não permitisse adiar a mesma para momento posterior depois da obtenção do
consentimento informado da paciente. De acordo com a lei e com a ética médica, o
médico deve dar prioridade à possibilidade de escolha do paciente face à incomodidade de
se repetir a intervenção” (itálico meu). A aplicação do consentimento presumido
ao caso dos autos colocaria “em perigo o direito da paciente à disposição do
seu corpo”.
Também a defesa do médico com fundamento no consentimento hipoté-
tico claudicou: “estamos perante uma violação grave do dever de informar, uma vez
que se trata de uma operação realizada sem consentimento prévio e não meramente
de um caso de falta de informação (ou de informação insuficiente) acerca dos
riscos de uma operação autorizada. Em consequência, não resta margem para a
possibilidade de demonstração de um consentimento hipotético, ou seja, de um
consentimento que não teria sido recusado, caso o médico tivesse interrogado
a paciente” (itálicos meus). “O ónus da prova do consentimento hipotético,
doutrina oriunda da jurisprudência alemã, pertence ao médico e obedece aos
seguintes requisitos: 1) que tenha sido fornecida ao paciente um mínimo de
informação; 2) que haja a fundada presunção de que o paciente não teria recu-
sado a intervenção se tivesse sido devidamente informado; 3) que a intervenção
fosse: (i) medicamente indicada; (ii) conduzisse a uma melhoria da saúde do
paciente; (iii) visasse afastar um perigo grave; (iv) a recusa do paciente não fosse
objetivamente irrazoável, de acordo com o critério do paciente concreto”.
“Faltam os requisitos do consentimento hipotético, em relação a intervenções
cirúrgicas suscetíveis de causar riscos graves, com dores intensas e incapacidade
para manter relações sexuais, andar e trabalhar, tendo de se concluir que a
autora, se soubesse dos riscos da mesma, teria recusado o consentimento”.
Outras questões abordadas pelo Acórdão, que também merecem que delas
seja aqui dado registo, são as seguintes:
• o problema do cúmulo, ou não, entre as responsabilidades contratual e
extracontratual, tendo o STJ entendido que se estava “perante um con-
curso de responsabilidade civil contratual – incumprimento ou cumpri-
O Acórdão não é isento de crítica, tendo o STJ começado por referir que
uma intervenção médico-cirúrgica, sobretudo de natureza invasiva, como era
o caso, constituía uma violação objetiva do direito à integridade física e moral
do doente, sendo geradora de responsabilidade civil, só se tornando lícita com
o consentimento livre, consciente e esclarecido do lesado, para depois concluir
que:
• “De um modo geral e partindo-se do princípio que qualquer intervenção
cirúrgica tem riscos, compreende a possibilidade de ocorrência de situa-
ções não desejadas ou desejáveis, tem a doutrina e a jurisprudência euro-
peia consagrado um princípio que tem como prévia do consentimento
informado a transmissão de uma informação simples e aproximativa e
sobretudo leal, a qual compreenda os riscos normalmente previsíveis,
salientando-se, porém, que se tem verificado uma maior exigência e rigor
de informação nos casos de intervenções não necessárias”;
• “Atualmente tanto na doutrina como na jurisprudência (tanto nacional
como europeia) vem prevalecendo o entendimento no sentido de que,
em princípio e independentemente de se fazer especial apelo ao princípio
da colaboração processual em matéria de prova, compete ao médico pro-
var que prestou as informações devidas”;
• “Quando se passa do plano da eventual falta de informação sobre os riscos
normais ou previsíveis do ato cirúrgico para um plano de falta de infor-
mação sobre a probabilidade de obtenção do resultado desejado desloca-
-se o núcleo típico do dever de informação prévio à intervenção cirúrgica
enquanto uma intervenção de meios para aquele que deveria ser o núcleo
desse mesmo dever caso estivéssemos no âmbito de uma obrigação de
resultado ou seja o dever de informação deixaria de compreender apenas
a transmissão dos riscos normais ou razoavelmente previsíveis ou mesmo
significativos do tratamento para passar a compreender o risco de não
verificação do resultado normalmente previsível”;
• “Não sendo a medicina uma ciência exata e revestindo o resultado de
uma cirurgia um caráter aleatório, não pode em geral o médico vincular-
-se ao resultado da terapia ou evolução clínica consequente, mostrando-
-se o dever de informação quanto a um resultado, apenas tido como pro-
vável ou altamente provável, devidamente preenchido quando o médico
informa de uma forma leal, e dentro do ética e deontologicamente exi-
gível, que aquele é o meio terapêutico adequado a debelar ou minimizar
os efeitos da situação determinante, fazendo referência às vantagens pro-
váveis daquele tratamento”.
Tudo isto, portanto, em meses. Por isso, uma apresentação da tese que tem
de ser também uma atualização da mesma tese. Certamente que em poucos
domínios do direito será assim. Destaque, sobretudo, para o conteúdo do
penúltimo Acórdão. Ele obriga-me, aliás, a corrigir, desde já, uma ideia que
veiculei na tese, que era a de a problemática da responsabilidade pela informa-
ção estar muito presente na nossa jurisprudência, influenciando o sentido das
decisões, mas não ter sido ainda claramente assumida, porventura com uma
ou outra exceção, como critério determinante e exclusivo para a repartição do risco
associado a uma intervenção médica. Depois do Acórdão em apreço, já não se
pode concluir assim.
Além disso, estão presentes, no mundo do direito, alguns formante não enun-
ciados, ou melhor, não verbalizados, como o hábito de considerar, nomeadamente
entre os países europeus, outros ordenamentos jurídicos. Com efeito, é uma regra
que, atenta a multiplicidade de casos em que é seguida, nem sequer precisa de
estar expressa.
12
Rodolfo Sacco, Introduzione al diritto comparato, UTET, 1992, Formante, Digesto delle Discipline
Privatistiche, Sezione Civile, VIII, UTET, 1992, 438-442, e Legal Formants: A Dynamic Approach
to Comparative Law, Installment I of II and Installment II of II, The American Journal of Compara-
tive Law, vol 39, respetivamente, n.º 1, Inverno 1991, 1-34, e n.º 2, Primavera 1991, 343-401.
ter bases para uma apreciação crítica das soluções do nosso ordenamento. Pelo
seu maior desenvolvimento, a doutrina, a jurisprudência e a legislação espanho-
las, francesa, italiana e alemã, que foram aquelas que pude considerar com mais
detalhe, e são amiúde citadas pelos especialistas portugueses e também em mui-
tas decisões dos nossos tribunais, facultam importantes pistas de compreensão
e avaliação do direito nacional. No entanto, não tendo incluído na tese, como
referi, um capítulo de direito comparado, julgo que não seria correto fazê-lo
aqui. Limito-me, por isso, a incluir, como anexo, uma proposta de tradução
da recente legislação alemã. Com efeito, como reação a um período histórico
que é bem conhecido e no qual a própria classe médica desempenhou um
papel muito criticável, estou a falar do nacional-socialismo13, o direito alemão
fez um longo caminho no sentido do sucessivo reforço da autodeterminação
do doente, apresentando uma jurisprudência e uma doutrina de primeira linha.
Ora esse caminho culminou na publicação, em 20 de Fevereiro de 2013, da
Gesetz zur Verbesserung der Rechte von Patientinnen und Patienten, a qual intro-
duziu no BGB os novos parágrafos 630a a 630h, com a regulamentação do
denominado Behandlungsvertrag. A legislação em causa, que indiquei na tese
como um modelo a ser tomado em consideração, incorporou, por exemplo na
matéria do consentimento informado, o acervo de conhecimentos que vinha
sendo formulado pela doutrina e pela jurisprudência, e é reconhecida como
de elevada qualidade científica, não obstante algumas críticas, atento o grau de
exigência da doutrina alemã da especialidade e algumas opções tomadas pelo
legislador, em matérias muito específicas.
13
Robert Jay Lifton, Ärzte im Dritten Reich, tradução, Estugarda: Klett-Cotta, 1996.
14
João Vaz Rodrigues/Guilherme de Oliveira, Medicina & direito: uma mera relação colorida?,
BOA, n.º 23, Novembro/Dezembro 2002, 8/9.
15 João Monteiro de Castro, Responsabilidade civil do médico, São Paulo: Método, 2005, 82.
profissional, o maior número de vezes possível, não têm paralelo, entre nós, na
especialização que, por exemplo, também já se verifica no mundo do direito.
A especialização médica refletiu-se, entre outros aspetos, na vertente econó-
mica e social ligada ao exercício da profissão, alterando o modo como o mesmo
se processa, seja pela necessidade de o doente recorrer a vários médicos, seja
pela necessidade de assegurar a colaboração entre os mesmos, seja, ainda, pelo
aumento de custos, para o doente, que tudo isso representa, seja, por último,
pela crescente deslocação do doente de casa para o hospital. O que trouxe con-
sigo a necessidade de cultivar o humanismo e a cultura médica, para contrabalançar
a visão menos abrangente do especialista, que ganha em profundidade aquilo
que perde em abrangência16.
O segundo aspeto focado que o jurista não pode ignorar é o de que, não
obstante o risco e a incerteza serem caraterísticas da prática clínica, ela tem
atualmente uma base científica sólida. Pratica-se a denominada medicina baseada
na evidência (MBE). Socorri-me, a este propósito, dos trabalhos do principal
divulgador da MBE entre nós, que é o Professor Vaz Carneiro. O mesmo
define-a como “a utilização conscienciosa, explícita e criteriosa da evidência
científica atualizada na tomada de decisões clínicas referentes ao doente indivi-
dual”17 e afirma que “o papel da ciência na prática clínica é, hoje em dia, abso-
lutamente insubstituível. A publicação permanente de estudos e ensaios clínicos
produz evidência (prova científica) de boa qualidade, sobre a qual é possível o
médico tomar decisões sólidas, mesmo que num contexto de incerteza e risco”.
A discussão em torno da ilicitude do ato médico realizado, bem como a
questão da culpa, passam em muito pela comparação entre o que prescrevia, ou
não, a MBE para a situação em concreto e aquilo que foi realizado.
Por último, mencionei a vertente tecnológica, nomeadamente os exames ou
meios complementares de diagnóstico, cujo pedido de realização, ou não,
pelo médico, pode ser crucial para a resolução de um caso de responsabilidade
civil médica. Conclui sublinhando a dificuldade, nesta sede, em conciliar duas
aspirações contraditórias: por um lado, o crescente normativismo, na área da
saúde, fruto do tecnicismo reinante; pelo outro lado, a necessidade de respei-
16
João Porto, Technique et spécialisation médicale (Avantages et inconvénients), in Der Arzt in der
technischen Welt, IX. Internationaler Kongress Katholischer Ärzte, München, Arzt und Christ
– Sonderband 1961, 85-91.
17 Vaz Carneiro, A medicina baseada na evidência. Uma metodologia científi ca de apoio à decisão clínica,
18
Dominique Foldscheid, Conclusion: faut-il normer les normes?, in Normalisation, mondialisation,
humanisation. Trois objectifs en contradiction pour soigner les malades (coord. Jean-Pierre Alix/
Laurent Degos/Dominique Jolly), Paris: Flammarion, 2005, 63-67, 66/67.
19 Idalmiro Rocha Carraça, Omissão e partilha no ato médico, Porto: Laboratórios Bial, 1994, 18.
20 Michel Renaud, na sua declaração de voto no Parecer n.º 32/CNECV/2000 (Parecer sobre
sigilo médico). O A. afirma também a “fundamentação ética” dos deveres e normas de deonto-
logia profissional. O referido Parecer está disponível em www.cnecv.pt.
21
Sérvulo Correia, O exercício da medicina no âmbito da Segurança Social, Lisboa, 1971 (Separata
de Estudos Sociais e Corporativos, ano VIII, Outubro a Novembro, n.º 32).
11. Ao todo, trabalhei com 111 decisões judiciais, sendo 110 de tribunais
superiores. Quanto a contributos doutrinários, a tese, no global, faz menção a
cerca de 264 artigos ou livros. Na doutrina jurídica, iniciei o percurso em Cunha
Gonçalves, o qual, já em 1937 abordou quatro questões que marcaram o estudo
da responsabilidade civil médica durante todo o séc. XX e até ao presente:
(i) a natureza contratual ou extracontratual;
(ii) a caraterização da obrigação assumida pelo médico como sendo de
meios ou de resultado;
para o tema da tese. Juntando agora os diferentes aspetos, o que é que se pode retirar
ou concluir do trabalho?
1.º – Há atualmente um grande número de especialistas que se dedicam ao
tema da responsabilidade civil médica e a literatura de qualidade neste domínio
produzida é já vasta;
2.º – O número de casos levados a tribunal é também apreciável, nomeada-
mente por comparação com o que sucedia no passado e com aquilo que ainda
se passa no que se refere a qualquer outra profissão que também tenha feito
parte do conjunto tradicionalmente designado como profissões liberais – ex.
médicos, advogados, engenheiros, arquitetos. Com efeito, entre nós, para além
de questões relacionadas com o pagamento de serviços, apenas o exercício
da advocacia vem dando lugar a algum contencioso judicial, mas – durante o
período temporal considerado, ou seja, de 2000 a 2014 – significativamente
mais reduzido do que o da responsabilidade civil médica;
3.º – A doutrina médica e a doutrina jurídica dispõem hoje, portanto, de
elementos da chamada law in action, os quais lhes permitem continuar a desen-
volver os seus estudos. Por exemplo, a propósito de um dos casos de respon-
sabilidade pela utilização de instrumentos perigosos pode discutir-se se não se
deverá evoluir para um regime de responsabilidade objetiva quanto a esse tipo
de situações – no caso, apreciou-se a utilização de um cauterizador elétrico22.
Noutro exemplo, o facto de o Ac. RLx 8-Mai.-2014 (Ana Luísa Geraldes)
ter considerado ser “inaceitável” a conduta da médica obstetra que, sabendo o
resultado do RX e tendo sido ela a fazer a pressão sobre o tórax da parturiente,
omitira o verdadeiro diagnóstico, constitui certamente um ponto de partida
para desenvolver a discussão em torno do dever de o profissional de saúde
revelar os seus erros ao doente;
4.º – Tudo isto não obstante o CC se ter esquecido da pessoa do doente e
não regular especificamente o contrato de prestação de serviços médicos. Para resol-
ver o contencioso que o tem por objeto podem ser convocadas as regras gerais
sobre o incumprimento, o regime do contrato de mandato e, justificando, a
norma do artigo 493.º, n.º 2 do CC, que, em sede de responsabilidade extra-
contratual, trata das atividades perigosas. Aplicam-se-lhe igualmente o Código
Deontológico, a CDHB, a Norma da DGS n.º 015/2013, de 3 de Outubro de
2013, o RJCCG, a legislação de direito do consumo e, sendo o caso, o regime
da responsabilidade decorrente de produtos defeituosos. Acresce a possibilidade
de aplicação, a título subsidiário, de normas do Código Penal, nomeadamente
sobre o consentimento informado;
22
Ac. STJ 18-Fev.-1992 (Rui Brito).
5.º – Por força do atual CD, a eficácia civil do direito profissional médico é hoje
indiscutível, assegurando, por um lado, ao profissional uma autonomia que não
é só técnica e científica, mas também e, sobretudo, deontológica, assim como,
pelo outro lado, impondo-lhe um conjunto de deveres. O CD marca o conteúdo
da relação entre o médico e o doente, sendo, por outro lado, também hoje um
dado perfeitamente adquirido que a atividade médica não se legitima a si pró-
pria, é o consenso informado do doente que lhe dá legitimidade;
6.º – O princípio da autodeterminação é reconhecido e afirmado pela nossa
jurisprudência, por exemplo na importante matéria da responsabilidade pelo diag-
nóstico pré-natal. Nesta sede, tem sido “aberto a porta”, por parte da doutrina e
por algumas decisões judiciais, para que tenha lugar o ressarcimento dos dife-
rentes danos patrimoniais e não patrimoniais produzidos;
7.º – Por comparação com o que é comum vir referenciado na literatura de
outros países, são sensivelmente as mesmas especialidades – obstetrícia, ortopedia,
cirurgia, incluindo a estética – aquelas que, entre nós, têm dado origem a mais
processos judiciais no âmbito da responsabilidade civil médica.
Nota-se, por outro lado, um contencioso reduzido quanto a infeções noso-
comiais e mais abundante no que se refere aos serviços de urgência.
Fora da cirurgia estética, apenas num caso – Ac. RLx 27-Out.-1998 (Bet-
tencourt Faria) – se discutiu a utilidade do tratamento, com o doente a ques-
tionar a necessidade da intervenção cirúrgica na qual acabou por não lhe ser
colocada uma rede.
Por último, o número de casos catalogados na tese como de responsabilidade
pela informação tem de ser devidamente interpretado, como aí dei nota. Não se
trata de processos que os tribunais tenham resolvido exclusivamente por essa
via, mas sim de casos em que, de uma forma ou de outra, factos e questões
relacionados com a troca de informação entre as partes estiveram presentes e
foram tidos em consideração.
Quando terminei a tese, ainda se podia afirmar que, no nosso país, o con-
sentimento informado estava mais presente ao nível da doutrina do que da juris-
prudência. Hoje, após a publicação do já citado Ac. STJ 2-Jun.-2015 (Maria
Clara Sottomayor) (Proc. n.º 1263/06.3TVPRT.P1.S1) deixou de se poder
concluir assim. Com efeito, nesse Acórdão o STJ resolveu, de forma assumida
e doutrinária, a questão do risco com base precisamente no direito à autodetermi-
nação do doente e na doutrina do consentimento informado;
8.º – Nalgumas situações têm sido proferidas decisões de condenação no
pagamento de vultosas indemnizações, isto é, segundo os nossos padrões, retira-
dos da própria jurisprudência, nomeadamente daquela que se refere à respon-
sabilidade civil do advogado, acima de cem mil euros. Essas decisões, pelo seu
número e pelos montantes arbitrados, se forem amplamente divulgadas junto
da classe médica, podem até vir a ter impacto ao nível do exercício da própria
profissão, não só no incremento da denominada “medicina defensiva”, o que seria
negativo, mas, pela positiva, na procura da adequada cobertura seguradora, com
maior exigência a esse nível, eventualmente respaldada pela Ordem dos Médi-
cos, e numa maior abertura para a efetiva instituição de mecanismos coletivos
de prevenção de erros e outras formas de melhoria da qualidade da prestação
profissional;
9.º – Mas também pude constatar e registei que a doutrina e a jurisprudên-
cia encontram-se divididas no que respeita à aplicação dos regimes da responsa-
bilidade contratual ou extracontratual e às relações entre os mesmos. Esta divisão é
um fator de incerteza e de insegurança:
• para o doente lesado, porque não sabe se o seu caso vai ser discutido ao
abrigo de um regime em que beneficia de uma presunção legal de culpa
ou se, pelo contrário, terá também de fazer a prova da culpa;
• para o médico, porque não sabe se o prazo de prescrição aplicável é de
apenas três anos ou de vinte anos, o que corresponde, na prática, à neces-
sidade de guardar os registos clínicos pelo referido prazo mais alargado.
12.º – Focando agora um aspeto muito concreto, não me parece que tenha
sentido a criação, pela jurisprudência, da categoria da obrigação “de quase resul-
tado”, para depois se lhe aplicar o regime da obrigação de meios, não obstante
alguma maior exigência – que considero muito discutível – em sede de dever
de informação;
13.º – Não se cumpriu ainda aquilo que, no já longínquo ano de 1984,
Figueiredo Dias e Sinde Monteiro vaticinaram, no sentido de os tribunais con-
trolarem o conteúdo das declarações de consentimento informado, aspeto sobrema-
neira importante e no qual alguma jurisprudência não tem sido feliz;
14.º – Passando agora às minhas propostas, defendo a aplicação do regime da
responsabilidade contratual, porque entendo que a distinção entre ambas é, acima
de tudo, de paradigmas e de fundamentos. De paradigmas, porque o médico e
o doente não são um “estranho” um para o outro. De fundamentos, porque,
num caso, está em jogo “a palavra dada” e, no outro, o princípio alterum non
laedere23.
As realidades são substancialmente diversas e a importância do consentimento
informado, no âmbito da responsabilidade médica, justifica plenamente que se
dê primazia ao regime através do qual mais facilmente se poderá tirar partido de
todas as suas potencialidades, que é o da responsabilidade contratual;
15.º – Quanto à também já mencionada questão do âmbito de aplicação
da presunção legal de culpa do devedor (artigo 799.º, n.º 1 do CC), nomeadamente
no que se refere ao entendimento que a mesma só valeria para as obrigações
de resultado, é pacífico que o CC não consagrou qualquer regime especial
de responsabilidade para o profissional liberal. Nem mais gravoso, nem mais
aligeirado. Por isso, em minha opinião, a menos que houvesse uma razão de
fundo nesse sentido, não poderá a distinção de regimes ser introduzida pelo
intérprete, com base numa distinção doutrinária que, entre nós, não tem qual-
quer consagração na lei.
O problema não deve ser resolvido em termos meramente concetuais, de
saber se o contrato acrescenta, ou não, deveres específicos aos deveres gerais
impostos pela lei e pelo CD ao médico. A relação contratual acrescenta muito, no
plano da realidade dos factos, a que o direito não pode ser alheio. Nomeada-
mente, ela dá a possibilidade de, na prática, se extraírem todas as virtualidades
que a doutrina do consentimento informado encerra.
Por outro lado, aplicar sem restrições a presunção legal de culpa é uma
solução equilibrada, já que o devedor adstrito ao cumprimento de um dever espe-
cífico domina o modo como a prestação vai ser realizada, pelo que pode evitar
23 Por todos, Reinhard Zimmermann, The law of obligations: Roman foundations of the civilian tra-
dition, reimpressão, 1992, da 1.ª ed. (1990), Kenwyn: Juta; Munique: Beck, 1993, 902-906, 904.
dade contratual, uma vez que é no seu seio que melhor podem ser exploradas as
potencialidades do consentimento informado;
23.º – Perguntar-me-ão, e com isto concluo: soluções diferenciadas? Autonomia?
Estamos perante um setor do ordenamento que vai fazendo sozinho a sua
“modernização”, dando a doutrina especializada eco dos novos desenvolvimen-
tos que a matéria conhece noutros países, assim como são frequentes as referên-
cias, em decisões judiciais, a doutrina e a jurisprudência estrangeiras.
A repartição do risco através da informação não tem paralelo entre nós e, em mi-
nha opinião, comprova a especificidade da responsabilidade civil contratual médica.
Tal como o médico não deve findar os seus esclarecimentos com pergun-
tas “fechadas”, do tipo “fui claro?” ou “fiz-me compreender?”, também aqui
concluo de maneira “aberta”24, manifestando a minha total disponibilidade para
procurar responder às questões e oferecer os desenvolvimentos que V. Exas.
entenderem adequados nas arguições que se seguem.
ANEXO
§ 630a
Obrigações gerais do contrato de tratamento
§ 630b
Regras aplicáveis
24
Olivier Hamtat, L’obligation d’information des patients en matière d’actes chirurgicaux, Bordéus: Les
Études Hospitalières, 2010, 77.
§ 630c
Cooperação entre as partes. Deveres de informação
§ 630d
Consentimento
§ 630e
Deveres de esclarecimento
§ 630f
Documentação do tratamento
§ 630g
Direito de acesso ao processo clínico
(1) Deve ser concedido ao doente o acesso total, imediatamente após solicitação,
ao seu processo clínico, desde que o referido acesso não seja contraindicado a nível
terapêutico ou colida com quaisquer direitos significativos de terceiros. A recusa do
direito de acesso deve ser justificada. O § 811 aplica-se em conformidade.
(2) O doente pode também solicitar cópias eletrónicas do processo clínico. Terá de
reembolsar o prestador de cuidados de saúde pelos respetivos custos.
(3) Em caso de morte do doente, os direitos das alíneas 1 e 2 passam a estar disponí-
veis para os seus herdeiros defenderem os respetivos interesses patrimoniais. O mesmo
se aplica aos parentes próximos do doente, na medida em que pretendam fazer valer
interesses imateriais. Estes direitos são excluídos se o acesso ao processo clínico colidir
com a vontade expressa ou presumida do doente.
§ 630h
Ónus da prova na responsabilidade por erro de tratamento
ou erro de esclarecimento
(5) Caso se esteja perante um erro grosseiro de tratamento e o mesmo seja ade-
quado a causar danos à vida, ao corpo ou à saúde, tais como aqueles que se verificaram,
presume-se que o referido erro grosseiro foi a causa desses danos. Isto aplica-se também
quando o prestador de cuidados de saúde não adotou ou assegurou a aplicação atem-
pada de uma técnica médica, na medida em que a mesma, com grande probabilidade,
conduziria a um resultado que daria lugar à adoção de outras técnicas médicas, cuja não
aplicação constituiria (ela própria) um erro grosseiro.
Introdução
*
Professor auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
1 V. Francisco Aguilar, «Norma jurídica in tempore casus: O caso como fundamento dos (e limite
aos) poderes legislativo e jurisdicional», no prelo.
2
V. L. Frank Baum, The wonderful wizard of Oz, New York, 1996 [a primeira edição norte-ame-
ricana é de 1900], v.g., pp. 102 e ss..
3
Criatura da mitologia grega. O mito tem várias versões e interpretações, da Antiguidade clás-
sica à psiquiatria moderna. Medusa teria sido um monstro feminino com asas, um rosto ater-
rador e com serpentes venenosas vivas em lugar dos cabelos. Em versões posteriores, ainda na
Antiguidade, Medusa foi inicialmente uma mulher lindíssima, tendo sido sacerdotisa de Atena,
mas apesar de esse compromisso com a Deusa grega, permitira a aproximação de Poseidon, com
quem se unira no próprio templo de Atena, tendo, então, esta última, furiosa, destruído a beleza
inconfundível de Medusa, “condenando-a” ao ostracismo: tornou-lhe o rosto horripilante, com
a pele viscosa e verde, raiou-lhe os olhos de sangue e transformou os belos cabelos dourados da
ex-sacerdotisa em serpentes venenosas vivas, amaldiçoando-a, ainda, com a transformação em
pedra de todos aqueles que a olhassem directamente nos olhos. Medusa viria a ser morta, decapi-
tada, por Perseu, que contou com a ajuda proporcionada por vários Deuses, v.g., com um escudo
espelhado da própria Atena.
4 V. Francisco Aguilar, Dos comportamentos ditos neutros na cumplicidade, Lisboa, 2014, § 13.
5 V. Francisco Aguilar, Dos comportamentos..., obra citada, 2014, § 13.
6 V. Francisco Aguilar, Dos comportamentos..., obra citada, 2014, sobretudo a Introdução e §§
13 e 16; Idem, A norma do caso como norma no caso, Sobre a prático-axiológica natureza da intersubjectiva
realização (unitária) do Direito, Coimbra, 2016, sobretudo §§ 2 e 12; Idem, «Norma jurídica in tem-
pore casus..., obra citada, no prelo.
7
V. Francisco Aguilar, Dos comportamentos..., obra citada, 2014, sobretudo a Introdução e §§ 13
e 16; Idem, A norma do caso..., obra citada, 2016, sobretudo §§ 2 e 12.
8
V. Hannah Arendt, «Personal responsability under dictatorship» [1963], Responsability and judg-
ment, New York, 2003, p. 22.
A expressão common humanity que Arendt utiliza designadamente na fonte acabada de citar, foi,
entre nós, acolhida por Luís Pereira Coutinho na sua construção da “igualdade fundamental de
todos na humanidade comum” (Luís Pereira Coutinho, A autoridade moral da Constituição, Da
fundamentação da validade do Direito constitucional, Coimbra, 2009, in passim, apenas como exemplo p.
578) como parametrização – jusnaturalista porque em face da lei natural na construção do Autor
(cfr., por exemplo, Luís Pereira Coutinho, A autoridade moral..., obra citada, 2009, p. 569) – da
participação moral no espaço civilizacional ocidental desse modo fundante da autoridade material
da Constituição (cfr. Luís Pereira Coutinho, A autoridade moral..., obra citada, 2009, in passim).
9
V. Francisco Aguilar, Dos comportamentos..., obra citada, 2014, sobretudo § 13.
10
A axiologia dos dois é precisamente a mesma (v. Francisco Aguilar, A norma do caso..., obra
citada, 2016, § 12).
11 V. Francisco Aguilar, «Norma jurídica in tempore casus..., obra citada, no prelo.
12 V. Francisco Aguilar, Dos comportamentos..., obra citada, 2014, a Introdução; Idem, A norma do
caso..., obra citada, 2016, §§ 7 e 12; Idem, «Norma jurídica in tempore casus..., obra citada, no prelo.
13 Conceito entre aspas, porquanto conceitos não são verdadeiramente (v. Francisco Aguilar,
A norma do caso..., obra citada, 2016, in passim, sobretudo §12), devendo sublinhar-se, portanto, a
sua natureza material, isto é, aberta, e não formal, isto é, fechada.
14
V. Francisco Aguilar, A norma do caso..., obra citada, 2016, Epílogo; Idem, «Norma jurídica
in tempore casus..., obra citada, no prelo.
15 Sobre tudo isto, v. Francisco Aguilar, A norma do caso..., obra citada, 2016, § 12.
16 Sobre esta última, v. Francisco Aguilar, A norma do caso..., obra citada, 2016, Epílogo.
que por eles não pode ser ultrapassável, sob pena de esse “Direito” Direito
não chegar a ser. Termos em que uma outra concepção material de “Direito”
assente em uma qualquer discriminação na nuclear humanidade comum, v.g.,
a do censitário liberalismo constitucional ou a do racial nacional-socialismo
alemão, deve ser pela ciência jurídica, necessariamente não axiologicamente
cega, denunciada e descrita não como correspondendo ao Direito mas antes e
nos seus antípodas como aquilo que realmente é: a saber, não como ideia de
Direito – em rigor, talvez nem sequer como ideia de não-Direito, porquanto a
ambiguidade de esta última expressão pode pretender designar outras realidades
normativas não jurídicas –, mas como mera demanda, que fracassada deverá
ser, de ideia de Direito, porquanto, na realidade, ela é uma contra-ideia de
Direito17, isto é, uma ideia contra jus ou ideia de torto, porquanto não chegam
os programas normativos referentes aos preceitos em que assenta essa demanda
de normação a normar, atendendo à parametrização axiológica operada pela
(única) ideia (humana) de Direito: a (normativa) igualdade de todos na indes-
trinçável humanidade comum.
Uma última nota, para sublinhar o carácter universal da ideia de Direito
da igualdade de todos na indestrinçável humanidade comum. É que, não obs-
tante a circunstância da a ideia de Direito ter a sua proveniência regionalmente
recortada (ao mundo greco-romano, inicialmente forjada no eixo Atenas-Je-
rusalém), a verdade é que ela foi facticamente difundida pelo planeta, designa-
damente pela aventura europeia, tendo a força da sua moralidade nucleica, a
igualdade de todos na indestrinçável humanidade comum, sido decisiva para a
sua assimilação pelos povos da Terra, o que determinou que, sendo o Direito
de qualquer povo necessariamente humano, e não alienígena, a ideia de Direito
da igualdade de todos na indestrinçável humanidade comum se tenha natural-
mente imposto como a ideia de Direito comum a todos os povos da Huma-
nidade18, isto é, como a ideia de Direito comum à Humanidade. A ideia de
Direito da igualdade de todos na indestrinçável humanidade comum é, em
suma, como ideia de Direito universal, a ideia de Direito da Humanidade.
É por isso que a ideia de Direito da igualdade de todos na indestrinçável huma-
nidade comum, constituindo um verdadeiro parâmetro universal de parame-
trização normativa, impede a normação de programas normativos estrangeiros
na ordem jurídica do foro19. E é também por isso que a ideia de Direito da
igualdade de todos na indestrinçável humanidade comum surge como a ideia
de Direito do próprio Direito internacional (público), devendo ser considerada
17
V. Francisco Aguilar, «Norma jurídica in tempore casus..., obra citada, no prelo.
18
V. Francisco Aguilar, A norma do caso..., obra citada, 2016, § 14.
19 V. Francisco Aguilar, A norma do caso..., obra citada, 2016, § 14.
Conclusões
I – Introdução
*
O presente estudo corresponde, com alguns aditamentos, ao texto base de parte da comunica-
ção do autor, em 18-Fev.-2016, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, no âmbito
do XIV Curso pós-graduado de aperfeiçoamento em Direito do Consumo, organizado pelo
IDC – Associação para o Estudo do Direito do Consumo e integrará o volume V dos Estudos de
Direito do Consumo.
** Assistente convidado da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Advogado.
dade do termo consumidor, cfr. Pier Filippo Giuggioli, Il Contratto del Consumatore – Trattato di
Diritto Civile, dir. Rodolfo Sacco, Le Fonti delle Obbligazioni, 4 – UTET, Torino, 2012, 80 ss).
Em termos europeus, a noção de consumidor terá sido positivada, pela primeira vez, na Carta de
Protecção do Consumidor, de 17 de Maio de 1973 (Resolução n.º 543 da Assembleia Consultiva
do Conselho da Europa; cfr. A. (i)), que o definiu como «uma pessoa física ou colectiva a quem são for-
necidos bens e prestados serviços para uso privado». Em Portugal, a primeira noção legal de consumidor
resultou da antiga Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 29/81, de 22 de Agosto), que, no seu
artigo 2.º, considerava consumidor «todo aquele a quem sejam fornecidos bens ou serviços destinados ao seu
uso privado por pessoa singular ou colectiva que exerça, com carácter profissional, uma actividade económica».
Actualmente, entre nós, a vigente Lei de Defesa do Consumidor (LDC) – Lei n.º 24/96, de 31 de
Julho – no n.º 1 do seu artigo 2.º, define, em termos genéricos, consumidor, do seguinte modo:
«...todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados
a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a
obtenção de benefícios.». Segundo a orientação do Professor António Menezes Cordeiro (Da natu-
reza civil do Direito do Consumo, O Direito, 136.º/IV, 2004, 615 e 637 ss), a noção legal contida na
LDC é indevidamente estreita, pois não haverá qualquer razão para não proteger o consumidor
perante entidades que, fornecendo bens ou serviços, actuem sem carácter profissional ou o façam
sem visar a obtenção de benefícios.
A definição da Lei de Defesa do Consumidor foi incorporada noutros diplomas legais (cfr. Jorge
Morais Carvalho, Manual de Direito do Consumo, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2016, 17): umas
vezes por simples reprodução, como sucede no artigo 1.º-B/a) do Decreto-Lei n.º 67/2003, de
8 de Abril, relativo à venda de bens de consumo, e, outras vezes, por via de expressa remissão
legal, como ocorre com o artigo 3.º/b) do Decreto-Lei n.º 134/2009, de 2 de Junho, referente ao
regime aplicável aos call centres.
Porém, noutras fontes, para efeitos de aplicação dos respectivos regimes legais, consagram-se defi-
nições de consumidor nem sempre coincidentes (ora mais amplas, ora mais restritas), designada-
mente, em resultado da transposição, para o Direito interno, de diversas Directivas europeias (cfr.,
a este propósito, António Pinto Monteiro, A resposta do ordenamento jurídico português à contratação
bancária pelo consumidor, RLJ 143.º, 2014, 376 ss (377)). Assim, a título indicativo: o Decreto-Lei
n.º 95/2006, de 29 de Maio (alterado pelo Decreto-Lei n.º 134/2009, de 2 de Junho, pela Lei n.º
46/2011, de 24 de Junho, pela Lei n.º 14/2012, de 26 de Março e pelo Decreto-Lei n.º 242/2012,
de 7 de Novembro) – regime jurídico dos contratos à distância relativos a serviços financeiros
celebrados com consumidores –, no artigo 2.º/e), define consumidor como «qualquer pessoa singular
que, nos contratos à distância, actue de acordo com objectivos que não se integrem no âmbito da sua actividade
comercial ou profissional»; o Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de Março (alterado pelo Decreto-Lei
n.º 205/2015, de 23 de Setembro) – regime aplicável às práticas comerciais desleais – determina
que se considera consumidor (artigo 3.º/a)) «(…) qualquer pessoa singular que, nas práticas comerciais
abrangidas pelo presente decreto-lei, actue com fins que não se incluam no âmbito da sua actividade comercial,
industrial, artesanal ou profissional»; o Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de Junho (alterado, por último,
pelo Decreto-Lei n.º 42-A/2013, de 28 de Março) – regime jurídico dos contratos de crédito a
consumidores – define consumidor (artigo 4.º/1, a)) como «a pessoa singular que, nos negócios jurídicos
abrangidos pelo presente decreto-lei, actua com objectivos alheios à sua actividade comercial ou profi ssional»; o
Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de Fevereiro (com alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2014, de
28 de Julho) – relativo aos contratos celebrados à distância e aos contratos celebrados fora do esta-
belecimento comercial –, para efeitos de aplicação do correspondente regime, consagra a seguinte
definição de consumidor (3.º/c)): «a pessoa singular que atue com fins que não se integrem no âmbito da
sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional» (anteriormente, quanto à mesma matéria,
no artigo 1.º/3, a), do revogado DL n.º 143/2001, de 26 de Abril, dizia-se: «qualquer pessoa singular
que actue com fins que não pertençam ao âmbito da sua actividade profissional»); a Lei n.º 144/2015, de
8 de Setembro – que estabelece o regime jurídico dos mecanismos de resolução extrajudicial de
litígios de consumo – determina que, para efeitos da sua aplicação, se entende por «consumidor,
uma pessoa singular quando atue com fins que não se incluam no âmbito da sua atividade comercial, industrial,
artesanal ou profissional» (artigo 3.º/c)).
Na doutrina portuguesa, em geral, sobre o conceito de consumidor, vide, especialmente, Carlos
Ferreira de Almeida, Direito do Consumo, Almedina, Coimbra, 2005, 25 ss e 44 ss – e, anterior-
mente, Os direitos dos consumidores, Almedina, Coimbra, 1982, 203 ss e Negócio jurídico de consumo,
BMJ n.º 347, 1985, 11 ss – João Calvão da Silva, Responsabilidade civil do produtor, Almedina,
Coimbra, 1990, 58 ss, Jorge Morais Carvalho, Os Contratos de Consumo. Reflexão sobre a auto-
nomia privada no Direito do Consumo, Almedina, Coimbra, 2012, 22 ss e Manual de Direito do Con-
sumo, 3.ª ed., cit., 17 ss, Fernando Baptista de Oliveira, O conceito de consumidor. Perspectivas
nacional e comunitária, Almedina, Coimbra, 2009; cfr., também, Paulo Duarte, O conceito jurídico
de consumidor, segundo o art. 2.º/1 da Lei de Defesa do Consumidor, BFDUC, vol. LXXV, 1999, 649 ss.
2 A necessidade de protecção dos consumidores ganhou especial visibilidade a partir da célebre
rido Decreto-Lei n.º 24/2014: «a pessoa singular ou coletiva, pública ou privada, que, num contrato com
um consumidor, atue no âmbito da sua atividade profissional, ou através de outro profissional, que atue em
seu nome ou por sua conta.».
4 Num sentido amplo (que, aqui, não adoptamos), os contratos celebrados fora do estabelecimento
locali commerciali, CEDAM, 2011, 25 e 80-81: o Autor distingue a debilidade sócio-económica, que
caracteriza um sujeito ou uma classe de sujeitos e a debilidade contratual, resultante, sobretudo, da
assimetria informativa, independentemente, portanto, de qualquer status sócio-económico. No
tratamento dos contratos celebrados fora do estabelecimento, esta assimetria informativa é fre-
quentemente sublinhada pela doutrina: vide, nomeadamente, Andrea Stazi/Davide Mula, I
contratti negoziati fuori dei locali commerciali ed i contratti a distanza, in Il Diritto dei Consumatori. Profili
applicative e strategie processuali, a cura di Giuseppe Cassano/Marco Eugenio Di Giandomenico,
tomo 1, CEDAM, 2010, 297-298, Luca Di Donna, Obblighi informativi precontrattuali, I – La tutela
del consumatore, Giuffrè, Milano, 2008, 60, Alessandro Barca, Il diritto di recesso nei contratti del
consumatore, Giuffrè, Milano, 2011, 49-50, Alberto Gallarati, Il diritto di ritirare la «parola data»
tra formule e regole: un’indagine di analisi economica del diritto, RDCiv., LI, n.º 4, P.I, 2005, 343 ss (360
ss); em termos não inteiramente coincidentes, identificando, no mesmo domínio contratual, uma
assimetria económico-informativa, Massimiliano Dona, Pubblicità, pratiche commerciali e contratti nel
Codice del Consumo, UTET, Torino, 2008, 112. Ainda sobre o referido desequilíbrio informativo,
considerando, genericamente, os contratos de consumo, vide Enrico Gabrielli, Il consumatore e il
professionista, in Contratto e Contratti. Scritti, UTET, Torino, 2011, 423 ss (444 ss e 453 ss) e Paolo
Gallo, Trattato del Contratto, t. 1, La formazione, UTET, Torino, 2010, 777 (assinalando, como
“inevitável”, a assimetria informativa, na relação profissional – consumidor).
Na doutrina portuguesa, vide, nomeadamente, Carlos Ferreira de Almeida, Negócio jurídico de
consumo, cit., 19 ss e Direito do Consumo, cit., 27-28 e 37 ss, João Calvão da Silva, Responsabilidade
civil do produtor, cit., 27 ss e 54 ss, Elsa Dias Oliveira, A protecção dos consumidores nos contratos cele-
brados através da internet, cit., 24 ss e Jorge Pegado Liz, Introdução ao Direito e à Política do Consumo,
Edit. Notícias, Lisboa, 1999, 220 ss.
Cfr., igualmente, Pier Filippo Giuggioli, Il Contratto del Consumatore, cit., 44-45, referindo a
debilidade e a inferioridade do consumidor, nas relações com o profissional e acentuando que,
nesta óptica, os regimes jurídicos que, em tema de contratos com consumidores, visam a pro-
tecção destes poderão assumir contornos paternalistas. Sobre este “paternalismo”, vide, tam-
bém, Lorenzo Cavaglio, La formazione del contratto. Normative di protezione ed efficienza economica,
Giuffrè, Milano, 2006, em especial, 41 ss, 52 ss, 56 ss e 227 ss.
Entre nós, sobre o chamado paternalismo contratual, vide Hugo Ramos Alves, Sobre o dito
“Paternalismo Contratual”, Estudos do Instituto de Direito do Consumo, IV, IDC/FDUL, Alme-
dina, 2014, 43 ss.
Esta temática é, aliás, central, no que toca ao próprio Direito do consumo: nas palavras de Jean
Calais-Auloy/Henri Temple, Droit de la consommation, 9.ª ed., cit., o coração do Direito do
consumo é constituído por regras de aplicação reservada às relações entre profissionais e consu-
midores e cujo escopo é a protecção dos consumidores (p. 15), dado que os consumidores estão,
naturalmente, em posição de fragilidade perante os profissionais (p. 19).
7 Esta circunstância foi, expressamente, tomada em conta na Directiva 85/577/CEE, do Conse-
lho, de 20 de Dezembro de 1985, relativa à protecção dos consumidores nos contratos negocia-
dos fora dos estabelecimentos comerciais (cfr. o considerando apresentado em quarto lugar) (JO
L 372, de 31-12-1985).
Vide, nomeadamente, Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações (Parte Especial). Contratos,
2.ª ed., cit., 101 e 105, apontando – no domínio de vigência do Decreto-Lei n.º 143/2001 – a ine-
xistência de qualquer encomenda ou pedido prévio, por parte do consumidor, como característica
da venda ao domicílio. No mesmo sentido, vide Fernando de Gravato Morais, Contratos de cré-
dito ao consumo, Almedina, Coimbra, 2007, 172-173; Carolina Cunha, Métodos de venda a retalho
fora do estabelecimento: regulamentação jurídica e protecção do consumidor, in Direito Industrial, vol. IV,
2005, 285 ss (292); RP 5-Mai.-2005 (José Ferraz) (proc. n.º 0531983), in http://www.dgsi.pt.
Cfr. também Matteo Magri, Le vendite agressive. Contratti a distanza e negoziati fuori dei locali com-
merciali, cit., 85; Enzo Maria Tripodi/Claudio Belli, Codice del Consumo. Commentario del D.Lgs.
6 settembre 2005, n. 206, II ed., Maggioli Edit., 2008, 274 (comentário a cargo de Ettore Bat-
telli); Lucía Vázquez-Pastor Jiménez, Principales novidades que introduce la Ley 3/2014, de 27 de
marzo, en el régimen jurídico de los contratos celebrados fuera del establecimiento, cit., 4-5.
8
Amiúde, com “fastidiosa insistência”, nas palavras de Massimo Cartella, La disciplina dei con-
tratti negoziati fuori dei locali commerciali, Giur. Comm., 19.4, P. I, 1992, 715.
Refira-se que a prática de contactar o consumidor, visitando-o no seu domicílio, ignorando a
sua vontade manifestada em sentido contrário, pode configurar uma prática comercial agressiva
e desleal e, como tal, proibida (artigos 4.º, 6.º/c) e 12.º/b) do Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de
Março, alterado pelo Decreto-Lei n.º 205/2015, de 23 de Setembro).
9 Cfr. Vincenzo Roppo, Il Contratto, 2.ª ed. (Trattato di Diritto Privato, Iudica/Zatti), Giuff rè,
no domínio dos contratos, Estudos de Direito do Consumidor, n.º 4, 2002, 251. No mesmo sentido,
vide Gérard Cas/Didier Ferrier, Traité de droit de la consommation, PUF, Paris, 1986, 286.
11
Entre vários, vide Matteo Magri, Le vendite agressive. Contratti a distanza e negoziati fuori dei
locali commerciali, cit., 85, Massimiliano Dona, Pubblicità, pratiche commerciali e contratti nel Codice
del Consumo, cit., 112, Francesco Astone, I contratti negoziati fuori dai locali commerciali, in Trattato
di Diritto Privato Europeo, a cura di Nicolò Lipari, vol. 4.º, Singoli contratti. La responsabilità civile.
Le forme di tutela, 2.ª ed., CEDAM, Padova, 2003, 30 ss (37), Luca Di Donna, Obblighi informativi
precontrattuali, I – La tutela del consumatore, cit., 50, Cláudia Lima Marques, Contratos no Código
de Defesa do Consumidor. O novo regime das relações contratuais, 4.ª ed., cit., 705, José Manuel Lete
del Río/Javier Lete Achirica, Derecho de Obligaciones, vol. II, Contratos, Thomson/Aranzadi,
2006, 219; no mesmo sentido, já nas décadas de 70 e 80, Guido Alpa, Un progetto di direttiva comu-
nitaria in materia di vendite a domicilio, Riv. Soc., 22.º, 1977, 980-981, Raymonde Baillod, Le droit
de repentir, RTDC, 83, n.º 2, 1984, 228-229. Na doutrina portuguesa, vide, designadamente,
Sandra Passinhas, A Directiva 2011/83/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Outubro
de 2011, relativa aos direitos dos consumidores: algumas considerações, Estudos de Direito do Consumi-
dor, n.º 9, edição especial, 2015, 93 ss (114).
12 Cfr. o referido considerando 4 da Directiva 85/577/CEE, já citada.
Cfr. Jorge Morais Carvalho, Manual de Direito do Consumo, 3.ª ed., cit., 123 e Jorge Morais
Carvalho/João Pedro Pinto-Ferreira, Contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento
comercial. Anotação ao Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de Fevereiro, Almedina, Coimbra, 2014, 95,
Reinhard Zimmermann, The New German Law of Obligations. Historical and Comparative Perspec-
tives, Oxford University Press, 2005, reprint. 2010, 213 e Gemma Botana García, na sua tese
de doutoramento, Los contratos realizados fuera de los establecimientos mercantiles y la protección de los
consumidores, Bosch, Barcelona, 1994, 34.
13 Vide Christian Alexander, Verbraucherschutzrecht, Beck, München, 2015, 85, Claus-Wilhelm
Canaris, Wandlungen des Schuldvertragsrechts – Tendenzen zu seiner “Materialisierung”, AcP 200, 2000,
273 ss (346-347), Reinhard Zimmermann, The New German Law of Obligations. Historical and
Comparative Perspectives, cit., 213, Paolo Gallo, Trattato del Contratto, t. 1, La formazione, cit., 829,
Rodolfo Sacco, Conclusioni del contratto, RDCiv., XLI, P. II, 1995, 202 ss (207), Vincenzo Roppo,
Il Contratto, 2.ª ed., cit., 866, Massimo Cartella, La disciplina dei contratti negoziati fuori dei locali
commerciali, cit., 715-716, Matteo Magri, Le vendite agressive. Contratti a distanza e negoziati fuori
dei locali commerciali, cit., 85, Carlo Pilia, Accordo debole e diritto di recesso, Giuffrè, Milano, 2008,
42, Massimiliano Dona, Pubblicità, pratiche commerciali e contratti nel Codice del Consumo, cit., 112,
Alessandro Barca, Il diritto di recesso nei contratti del consumatore, cit., 50, Luca Di Donna, Obblighi
informativi precontrattuali, I – La tutela del consumatore, cit., 49-50, Ettore Battelli, in Enzo Maria
Tripodi/Claudio Belli, Codice del Consumo. Commentario del D.Lgs. 6 settembre 2005, n. 206,
II ed., cit., 274, Vincenzo Cuffaro (dir.), Codice del Consumo (coord. Angelo Barba/Andrea
Barenghi), 2.ª ed., Giuffrè, Milano, 2008, 247-248, Maria Carla Cherubini, Sul c.d. diritto di
ripensamento, RDCiv. XLV, P. II, 1999, 695 ss (697), Andrea Tucci, Contratti negoziati fuori da locali
commerciali e acessorietà della fideiussione, BBTC, LII/2, P. II, 1999, 132 ss (136, nota 12), Giorgio
De Nova, Il recesso, in Trattato di Diritto Privato, dir. Pietro Rescigno, 10, Obbligazioni e contratti,
t. 2.º, 2.ª ed., UTET, Torino, 1995, rist. 1998, 644-645, Mara Messina, “Libertà di forma” e nuove
forme negoziali, Giappichelli, Torino, 2004, 130 e 134, Francesco Macioce, L’obbligazione e il con-
tratto, Giappichelli, Torino, 2004, 191, Oreste Cagnasso/Gastone Cottino, Contratti commer-
ciali (Trattato di Diritto Commerciale, dir. Gastone Cottino, vol. IX), 2.ª ed., CEDAM, Padova,
2009, 60, Pascal Pichonnaz, La protection du consommateur en droit des contrats: le difficile équilibre
entre cohérence du système contractuel et régime particulier, in Droit de la consommation/Konsumenschutz-
recht/Consumer law. Liber amicorum Bernd Stauder, dir. Luc Thévenoz/Norbert Reich, Nomos/
Schultess, Zürich, 2006, 323 ss (331), Jean Calais-Auloy/Henri Temple, Droit de la consomma-
tion, 9.ª ed., cit., 580, Gemma Botana García, Los contratos realizados fuera de los establecimientos
mercantiles y la protección de los consumidores, cit., 34, Lucía Vázquez-Pastor Jiménez, Principales
novidades que introduce la Ley 3/2014, de 27 de marzo, en el régimen jurídico de los contratos celebrados
fuera del establecimiento, cit., 6-7, Alexandre Junqueira Gomide, Direito de arrependimento nos con-
tratos de consumo, cit., 49, Peter Rott/Evelyne Terryn, in Hans-W Micklitz/Jules Stuyck/
Evelyne Terryn, Cases, Materials and Texts on Consumer Law (coord. Dimitri Droshout), Hart
Publishing, Oxford and Portland, 2010, 245.
Entre nós, realçando também o factor surpresa, vide, nomeadamente, Jorge Sinde Monteiro,
Responsabilidade por conselhos, recomendações ou informações, Almedina, Coimbra, 1989, 373, Luís A.
Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, 5.ª ed., Universidade Católica Edit., Lisboa,
2014, 122, Ana Prata, Notas sobre responsabilidade pré-contratual, separata da Revista da Banca n.ºs
16/17, Lisboa, 1991, 128-129 (referindo-se aos “contratos-surpresa”), Fernanda Neves Rebelo,
O direito de livre resolução no quadro geral do regime jurídico da protecção do consumidor – Com as alterações
introduzidas pelo DL n.º 82/2008, de 20 de Maio, Revista Jurídica da Universidade Portucalense, n.º
13, 2008, 41 ss (63) (existe uma primeira versão deste estudo: O direito de livre resolução no quadro
geral do regime jurídico da protecção do consumidor, in Nos 20 Anos do Código das Sociedades Comerciais.
Homenagem aos Profs. Doutores A. Ferrer Correia, Orlando de Carvalho e Vasco Lobo Xavier, vol. II,
Coimbra Edit., Coimbra, 2007, 571 ss) e O direito à informação do consumidor na contratação à distân-
cia, in Liber Amicorum Mário Frota. A causa dos direitos dos consumidores, Almedina, Coimbra, 2012,
103 ss (112), Fernando Nicolau dos Santos Silva, Dos contratos negociados à distância, RPDC,
n.º 5, 1996, 45, António Gama Ramos, Contratos de venda ao domicílio. Breve abordagem a uma área
conflitual no domínio dos contratos, cit., 252, Teresa Madeira, Contratos ao domicílio e equiparados,
RPDC, n.º 41, 2005, 39 ss (41).
14
Vide Basil Markesinis/Hannes Unberath/Angus Johnston, The German Law of Contract.
A comparative treatise, 2.ª ed., Hart Publishing, Oxford and Portland, 2006, 266; Alexandre
Junqueira Gomide, Direito de arrependimento nos contratos de consumo, cit., 53.
15
Vide Franceso Galgano, Trattato di Diritto Civile, vol. 2.º, 3.ª ed., Wolters Kluwer/CEDAM,
Padova, 2015, 232.
16 Cfr. Giannantonio Benacchio, Diritto Privato della Comunità Europea. Fonti, modelli, regole, 2.ª
ed., CEDAM, Padova, 2001, 312 e Vincenzo Cuffaro (a cura di), Codice del Consumo (coord.
Angelo Barba/Andrea Barenghi), 2.ª ed., cit., 248, referindo a iniciativa negocial agressiva do
profissional; em termos equivalentes, aludindo, também, ao comportamento agressivo da con-
traparte do consumidor, Carlo Pilia, Accordo debole e diritto di recesso, cit., 42; referenciando o
incómodo, sentido pelo consumidor, perante “a dialéctica persuasiva” do comerciante, Gemma
Botana García, Los contratos realizados fuera de los establecimientos mercantiles y la protección de los
consumidores, cit., 34, acompanhada por Lucía Vázquez-Pastor Jiménez, Principales novidades que
introduce la Ley 3/2014, de 27 de marzo, en el régimen jurídico de los contratos celebrados fuera del estable-
cimiento, cit., 6; no mesmo sentido, Federico Oriana, La legge francese sulla vendita a domicilio e la
protezione del consumatore, RTDPC XXIX, P. II, 1975, 1573 e François Collart Dutilleul/
Philippe Delebecque, Contrats civils et commerciaux, 6.ª ed., Dalloz, Paris, 2002, 94.
17 Cfr. Christian Alexander, Verbraucherschutzrecht, cit., 85.
18 Cfr. João Calvão da Silva, Responsabilidade civil do produtor, cit., 76, nota 3, referenciando as
vendas ao domicílio (e as vendas por correspondência) como “vendas sob alta pressão (high pres-
sure sales)”. A “forte pressão”, exercida pelo vendedor, sobre o consumidor, que acaba por formu-
lar uma “decisão de compra (…) confusa e quase inconsciente”, é sublinhada por Luís Menezes
Leitão, A protecção do consumidor contra as práticas comerciais desleais e agressivas, Estudos de Direito
do Consumidor, n.º 5, 2003,170-171 = O Direito, 134.º-135.º, 2002/2003, 75-76, na sequência
de António Gama Ramos, Contratos de venda ao domicílio. Breve abordagem a uma área conflitual no
domínio dos contratos, cit., 252, enquanto Carlos Ferreira de Almeida, Os direitos dos consumi-
dores, cit., 91, evidencia o “desejo de libertação”, do consumidor, “da insistência dum vendedor
inoportuno e persistente”; a “situação de fragilidade originada pela pressão” a que o consumidor
pode estar sujeito é, também, assinalada em Jorge Morais Carvalho, Os Contratos de Consumo,
cit., 234 e Manual de Direito do Consumo, 3.ª ed., cit., 140 (cfr., também, 151), bem como em João
Pedro Pinto-Ferreira/Jorge Morais Carvalho, Os contratos celebrados à distância e fora do esta-
belecimento, in I Congresso de Direito do Consumo (coord. Jorge Morais Carvalho), Almedina,
Coimbra, 2016, 96 (sempre citando Menezes Leitão) e ainda por Alexandra Teixeira de
Sousa, O direito de arrependimento nos contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento: algumas
notas, Estudos de Direito do Consumo – Homenagem a Manuel Cabeçadas Ataíde Ferreira, Ed. DECO,
2016, 18 ss (26). No mesmo sentido, entre outros, vide Carlo Pilia, Accordo debole e diritto di
recesso, cit., 41, Rodolfo Sacco, Conclusioni del contratto, cit., 207, Valentina Jacometti, Termi-
nologia giuridica e armonizzazione del Diritto Europeo dei contratti – Ius poenitendi del consumatore nelle
Direttive Comunitarie e nell’ordinamento francese, RDCiv., LIII, n.º 5, P.II, 2007, 561 ss (570) e Lucía
Vázquez-Pastor Jiménez, Principales novidades que introduce la Ley 3/2014, de 27 de marzo, en el
régimen jurídico de los contratos celebrados fuera del establecimiento, cit., 8; cfr., ainda, Matteo Magri,
Le vendite agressive. Contratti a distanza e negoziati fuori dei locali commerciali, cit., 28 e 81, que – numa
afirmação, porventura, excessiva – refere a situação de desorientação ou de desambientação, por
parte do consumidor, devida ao lugar onde o contrato é celebrado (v.g. o domicílio).
19 Vide Jorge Morais Carvalho, Manual de Direito do Consumo, 3.ª ed., cit., 122, apoiado em
20 Sem recuar a estádios anteriores, o fenómeno das vendas ao domicílio (e em reuniões), tal como
existe hodiernamente – levadas a cabo de modo estruturado e com base empresarial –, é facil-
mente detectável a partir de meados do século XIX. Alguns exemplos paradigmáticos: em 1851,
nos Estados Unidos, Isaac Singer optou por promover a demonstração do funcionamento de
máquinas de costura, para venda, nos domicílios dos (potenciais) clientes; mais perto do final do
mesmo século, a venda porta-a-porta desenvolveu-se significativamente, com a entrada da Avon
no sector dos perfumes e cosmética e a comercialização, por esse processo, dos respectivos pro-
dutos; mais tarde: a prática da venda de enciclopédias ao domicílio e, já no início do século XX,
a venda domiciliária de pequenos electrodomésticos; seguiram-se as vendas em reuniões, com
apresentação e demonstração do uso de bens, perante um grupo de pessoas reunidas no domicílio
de uma delas, por solicitação do vendedor: caso da Tupperware, marca dos conhecidos recipientes,
inventados, na década de 40, por Earl Tupper; a partir da segunda metade do século XX: desen-
volvimento da prática das vendas ao domicílio, por empresas de comercialização de livros, com
destaque, na Península Ibérica, para o Círculo de Leitores; já no século XXI: a comercialização,
porta-a-porta, de serviços de telecomunicações.
Cfr. Juan B. Mir Piqueras, La venta domiciliaria. Del puerta a puerta a multinível, Ed. Díaz de Santos,
1994, 4 ss, Gemma Botana García, Los contratos realizados fuera de los establecimientos mercantiles y
la protección de los consumidores, cit., 33, Juan Manuel Badenas Carpio/Carmen Boldó Roda,
Régimen jurídico de la llamada «venta directa». Las ventas domiciliarias y a distancia, tirant lo blanch,
Valencia, 2003, 23 ss; cfr., também, Alexandra Teixeira de Sousa, O direito de arrependimento
nos contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento: algumas notas, cit., 25.
21
Neste sentido, vide Jean Calais-Auloy/Henri Temple, Droit de la consommation, 9.ª ed., cit.,
580 e, mais amplamente, Gemma Botana García, Los contratos realizados fuera de los establecimientos
mercantiles y la protección de los consumidores, cit., 36.
22 Como sucede, aliás, noutros domínios: v.g. no da contratação com base em cláusulas contratuais
parative treatise, 2.ª ed., cit., 266, indicando a door-to-door selling como uma técnica de negociação
particularmente agressiva, Federico Oriana, La legge francese sulla vendita a domicilio e la protezione
del consumatore, cit., 1574, assinalando as «agressões» operadas pelas organizações de venda door-
-to-door, Carlo Pilia, Accordo debole e diritto di recesso, cit., 41, Guido Alpa, Un progetto di direttiva
comunitaria in materia di vendite a domicilio, cit., 980, Ettore Battelli, in Enzo Maria Tripodi/
Claudio Belli, Codice del Consumo. Commentario del D.Lgs. 6 settembre 2005, n. 206, II ed., cit.,
274, Francesco Ricci, I beni di consumo e la disciplina delle vendite aggressive, Cacucci Edit., Bari,
2013, 151, Valentina Jacometti, Terminologia giuridica e armonizzazione del Diritto Europeo dei con-
tratti – Ius poenitendi del consumatore nelle Direttive Comunitarie e nell’ordinamento francese, cit., 570,
Gemma Botana García, Los contratos realizados fuera de los establecimientos mercantiles y la protección
de los consumidores, cit., 32-33, Jean-Pierre Pizzio, Un apport législatif en matière de protection du con-
sentement. La loi du 22 décembre 1972 e la protection du consummateur solicité à domicilie, RTDC, 75, n.º
1, 1976, 66 ss (70-71), Raymonde Baillod, Le droit de repentir, cit., 228, Peter Rott/Evelyne
Terryn, in Hans-W Micklitz/Jules Stuyck/Evelyne Terryn, Cases, Materials and Texts on
Consumer Law, cit., 240, Cláudia Lima Marques, Contratos no Código de Defesa do Consumidor. O
novo regime das relações contratuais, 4.ª ed., cit., 706. Na doutrina portuguesa, vide, nomeadamente,
Carlos Ferreira de Almeida, Os direitos dos consumidores, cit., 90-91, Luís Menezes Leitão, A
protecção do consumidor contra as práticas comerciais desleais e agressivas, Estudos de Direito do Consu-
midor, n.º 5, cit., 169-170, João Calvão da Silva, Responsabilidade civil do produtor, cit., 76, Jorge
Morais Carvalho, Manual de Direito do Consumo, 3.ª ed., cit., 122, Jorge Morais Carvalho/
João Pedro Pinto-Ferreira, Contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento comercial. Ano-
tação ao Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de Fevereiro, cit., 94, Arnaldo Filipe Oliveira, Contratos
negociados à distância – Alguns problemas relativos ao regime de protecção dos consumidores, da solicitação e
do consentimento em especial, RPDC, n.º 7, 1996, 69.
Cfr., igualmente, RP 19-Jan.-2010 (Henrique Antunes), CJ XXXV/1, 2010, 185 ss (187).
24
Assim, Roberta Attanasio, in Contratti e tutela dei consumatori, a cura di Fabio Tommasi,
UTET, Torino, 2007, 133 ss, onde os contratos concluídos fora dos locais comerciais (e, depois, os
contratos à distância) são tratados sob o sugestivo título “Le fattispecie contrattuali più insidiose”.
25
Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, com três alterações – Decreto-Lei n.º 220/95, de 31
de Agosto, Decreto-Lei n.º 249/99, de 7 de Julho e Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezem-
bro – a que acresce a Declaração de Rectificação n.º 114-B/95, de 31 de Agosto.
26 Entre os problemas suscitados pelos hodiernos meios e modos de contratação, destacam-se os
27 O esquema formativo do contrato, reflectido nos artigos 224.º e seguintes (em especial, 228.º
e seguintes) do Código, corresponde, apenas, ao modelo básico (António Menezes Cordeiro,
Tratado de Direito Civil, II, 4.ª ed., cit., 153, 154 e 317) ou clássico (Carlos Ferreira de Almeida,
Contratos I, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2013, reimpr. 2015, 99; M. Januário da Costa Gomes,
Contratos Comerciais, Almedina, Coimbra, 2012, 44; José Engrácia Antunes, Direito dos Contra-
tos Comerciais, cit., 123 ss).
Efectivamente, são facilmente identificáveis outros modos de formação dos contratos; cfr. Pedro
Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 8.ª ed., Almedina, Coimbra, 2015, 422 ss,
Carlos Ferreira de Almeida, Contratos I, 5.ª ed., cit., 97-99, 121 ss e 133 ss, José Engrácia
Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, cit., 132 ss e a muito elucidativa síntese de M. Januário
da Costa Gomes, Contratos Comerciais, cit., 44-46.
28 Cfr. Matteo Magri, Le vendite agressive. Contratti a distanza e negoziati fuori dei locali commerciali,
cit., 97.
29 E não o conteúdo negocial. Vide Carlos Ferreira de Almeida, Contratos II, 4.ª ed., Almedina,
31
Neste sentido – referindo as particularidades, nomeadamente, da formação dos negócios cele-
brados no domicílio (“Haustürgeschäfte”), na sequência dos regimes geral e especiais de forma-
ção dos contratos – Karl Larenz/Manfred Wolf, Allgemeiner Teil des Bürgerlichen Rechts, 9.
Auflage, Beck, München, 2004, 591; na doutrina portuguesa, explicitamente, Carlos Ferreira
de Almeida, Direito do Consumo, cit., 93.
32
Cfr. António Menezes Cordeiro, Da natureza civil do Direito do Consumo, cit., 618, a propó-
sito das regras legais de defesa dos consumidores, designadamente, em matéria de celebração dos
contratos, sublinhando que tais dispositivos não operam “de modo auto-suficiente”.
Em sentido apenas aparentemente diferente (abrindo a exposição dos “outros sistemas” de forma-
ção do negócio, precisamente, com os contratos celebrados fora do estabelecimento comercial),
vide Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, 5.ª ed., cit., 121 ss; explica, porém, o
saudoso Professor que a formação do contrato ao domicílio se dá “segundo o sistema proposta-
-aceitação” (122).
Também no sentido de que os contratos de consumo – pela simples circunstância de o serem –
não obedecem a regras de formação diferentes dos demais, vide Christian Larroumet/Sarah
Bros, Les obligations. Le contrat (Traité de Droit Civil, dir. Christian Larroumet, t. 3), 7.ª ed.,
Economica, Paris, 2014, 193.
33 Cfr., no entanto, Carlos Ferreira de Almeida, Contratos II, 4.ª ed., cit., 128, que – nomea-
matéria de démarchage/venda ao domicílio (a delimitação era efectuada pelo artigo 1.º, abrangendo
“a contratação no domicílio de uma pessoa física, na sua residência ou no seu lugar de trabalho”
– cfr. Cas/Ferrier, Traité de droit de la consommation, cit., 290; Federico Oriana, La legge fran-
cese sulla vendita a domicilio e la protezione del consumatore, cit., 1574). Porém, mercê da influência
das soluções, entretanto, preparadas no ordenamento alemão, a incidência do modelo francês, no
texto definitivo da Directiva, resultou mais atenuada, sem que, no entanto, tal tenha implicado
modificações substanciais na lei francesa, a qual, mais tarde, em 1993, veio a transitar para o Code
de la Consommation. Vide Jean Calais-Auloy/Henri Temple, Droit de la consommation, 9.ª ed., cit.,
580, Francesco Astone, I contratti negoziati fuori dai locali commerciali, in Trattato di Diritto Privato
Europeo (Nicolò Lipari), vol. 4.º, 2.ª ed., cit., 36 ss e 40-43, Matteo Magri, Le vendite agressive.
Contratti a distanza e negoziati fuori dei locali commerciali, cit., 86, Guido Alpa, Un progetto di direttiva
comunitaria in materia di vendite a domicilio, cit., 981, Badenas Carpio/Boldó Roda, Régimen jurí-
dico de la llamada «venta directa». Las ventas domiciliarias y a distancia, cit., 47 ss.
Na Alemanha, a transposição desta Directiva foi operada pela HaustürWG (Haustürwiderrufs-
gesetz: Gesetz über den Widerruf von Haustürgeschäften und ähnlichen Geschäften), de 16 de Janeiro
de 1986 (em vigor em 1 de Maio de 1986 – § 9.º/1), precedida de mais de uma década de prepa-
ração e discussão (vide Reinhard Zimmermann, The New German Law of Obligations. Historical
and Comparative Perspectives, cit., 180). A matéria foi, depois, com a reforma de 2001/2002, inte-
grada no BGB: §§ 312 e 312a. Cfr. Carsten Schäfer, in Haas/Medicus/Rolland/Schäfer/
Wendtland, Das neue Schuldrecht, Beck, München, 2002, 366 ss, Stephan Lorenz/Thomas
Riehm, Lehrbuch zum neuen Schuldrecht, Beck, München, 2002, 64 ss, Jürgen Oechsler, Schuld-
recht. Besonderer Teil – Vertragsrecht, Franz Vahlen, München, 2003, 204, Carsten Herresthal,
10 Years after de Reform of the Law of Obligations in Germany – The Position of the Law of Obligations
in German Law, in Reiner Schulze/Fryderyk Zoll, The Law of Obligations in Europe, Sellier
european law publishers, Munich, 2013, 173 ss (195), Michaela Giorgianni, Principi generali sui
contratti e tutela dei consumatori in Italia e in Germania, Giuffrè, Milano, 2009, 33 ss. Entre nós, com
várias indicações, vide António Menezes Cordeiro, A modernização do Direito das Obrigações,
III – A integração da defesa do consumidor, Separata da ROA, 62/III, 2002, 717-719 e, mais recen-
temente, Tratado de Direito Civil, VI, Direito das Obrigações. Introdução. Sistemas e Direito europeu.
Dogmática geral, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2012, 108-110.
Em Itália, a Directiva 85/577/CEE foi objecto de (tardia) transposição através do DLg. de 15
de Janeiro de 1992, n.º 50, surgido ao abrigo da Lei de 29 de Dezembro de 1990, n.º 428 e que
entrou em vigor em 3 de Março de 1992. Vide Massimo Cartella, La disciplina dei contratti nego-
ziati fuori dei locali commerciali, cit., 715 ss, Rodolfo Sacco, Conclusioni del contratto, cit., 209 ss,
Matteo Magri, Le vendite agressive. Contratti a distanza e negoziati fuori dei locali commerciali, cit.,
92 ss, Francesco Astone, I contratti negoziati fuori dai locali commerciali, in Trattato di Diritto Privato
Europeo (Nicolò Lipari), vol. 4.º, 2.ª ed., cit., 46 ss, Marianna Mattei, in Le vendite speciali, a
cura di Gianluca Sicchiero, CEDAM, Padova, 2009, 390 ss, Vincenzo Cuffaro (a cura di),
Codice del Consumo (coord. Angelo Barba/Andrea Barenghi), 2.ª ed., cit., 247 ss, Luca Di
Donna, Obblighi informativi precontrattuali, I – La tutela del consumatore, cit., 59 ss, Giannantonio
Benacchio, Diritto Privato della Comunità Europea. Fonti, modelli, regole, 2.ª ed., cit., 311, Angelo
Luminoso, I contratti tipici e atipici, I (Trattato di Diritto Privato, Iudica/Zatti), Giuffrè, Milano, 1995,
101, Giuseppe Vettori (a cura di), Materiali e commenti sul nuovo Diritto dei Contratti, CEDAM,
Padova, 1999, 217 ss, Gemma Botana García, Los contratos realizados fuera de los establecimientos
mercantiles y la protección de los consumidores, cit., 120-121.
Sobre as diferenças entre as soluções italiana e alemã, vide Giovanni Gabrielli, L’attuazione in
Germania e in Italia della Direttiva Europea sui contratti negoziati fuori dai locali commerciali, Europa e
diritto privato, n.º 3, 2000, 715 ss.
No ordenamento espanhol, a transposição da Directiva de 1985 foi efectuada com a L. 26/1991,
de 21 de Novembro, sobre contratos celebrados fora dos estabelecimentos mercantis. Vide Gemma
Botana García, Los contratos realizados fuera de los establecimientos mercantiles y la protección de los con-
sumidores, cit., 173 ss e passim, Badenas Carpio/Boldó Roda, Régimen jurídico de la llamada «venta
directa». Las ventas domiciliarias y a distancia, cit., em especial, 63 ss, Lete del Río/Lete Achirica,
Derecho de Obligaciones, vol. II, Contratos, cit., 219 ss e Larrosa Amante, El derecho de desistimiento
en la contratación de consumo, tesis doctoral, Universidad de Murcia, Faculdade de Derecho, Depar-
tamento de Derecho Civil, Murcia, 2015, 76 ss.
37 Além de Portugal, apenas a Itália – através do referido DLg. n.º 50/1992 – optou por esta solu-
ção: aproveitar a transposição da Directiva comunitária (aliás, em Itália, operada com significativo
atraso, em relação ao termo fi xado no seu artigo 9.º: 23 de Dezembro de 1987), para regular, num
só diploma legal, várias modalidades contratuais: no texto legislativo italiano, a par da contratação
no domicílio, foram contemplados os contratos por correspondência, a contratação por meio de
televisão (“tele-compra”), bem como mediante o uso de instrumentos informáticos e telemáticos.
Porém, diferentemente da solução portuguesa, o legislador italiano, tendencialmente, submeteu
estes vários esquemas de contratação ao mesmo regime que traçou para os contratos celebrados
fora do estabelecimento (cfr. artigo 9 do citado DLg. n.º 50/1992).
Para uma panorâmica geral, acerca das diferentes opções tomadas, pelos diversos Estados-mem-
bros da Comunidade Europeia, na transposição da Directiva 85/577/CEE, vide Gemma Botana
García, Los contratos realizados fuera de los establecimientos mercantiles y la protección de los consumidores,
cit., 119 ss.
38 Uma alteração relevante incidiu sobre a amplitude da exigência de forma escrita para os con-
ter a fi xação do valor dos contratos, necessariamente reduzidos a escrito, para portaria conjunta
dos Ministros do Comércio e Turismo e do Ambiente e Recursos Naturais; nesta sequência, foi
publicada a Portaria n.º 1300/95, de 31 de Outubro, fixando em 10.000$ o valor a partir do qual
os contratos concluídos no domicílio deveriam ser celebrados por escrito.
39 JO L 144, de 4-6-1997.
Cfr. Ana Maria Guerra Martins, O Direito Comunitário do Consumo. Guia de estudo, Estudos do
Instituto de Direito do Consumo, vol. I, IDC/FDUL, Almedina, Coimbra, 2002, 63 ss (85-86).
40 Na Alemanha, a transposição consumou-se com a Fernabsatzgezetz (FernAbsG), de 27 de Junho
43 Este diploma revogou, expressamente (27.º/b)), os artigos 26.º a 29.º do Decreto-Lei n.º 143/2001.
44 Foram atingidos nada menos do que doze artigos (1.º, 6.º, 8.º, 9.º, 14.º, 15.º, 18.º, 19.º, 25.º, 31.º,
32.º e 34.º).
45 Foi revogado o artigo 10.º (pagamento por cartão de crédito ou de débito).
Consumidor, O Direito, 138.º/IV, 2006, 685 ss e Oliveira Ascensão, Direito Civil e Direito do
Consumidor, Themis, Edição Especial – Código Civil Português. Evolução e perspectivas actuais, 2008,
163 ss, em especial, 169 ss. Acrescem, evidentemente, além dos mencionados na nota anterior,
vários textos de António Pinto Monteiro: nomeadamente, Sobre o Direito do Consumidor em
Portugal e o Anteprojecto do Código do Consumidor, Estudos de Direito do Consumidor, n.º 7, 2005,
245 ss e Estudos do Instituto de Direito do Consumo, vol. III, IDC/FDUL, Almedina, 2006, 37
ss, Harmonização legislativa e protecção do consumidor (a propósito do anteprojecto do Código do Consumidor
português), Themis, Edição Especial, 2008, cit., 183 ss (= Estudos em honra do Professor Doutor José
de Oliveira Ascensão, coord. A. Menezes Cordeiro/P. Pais de Vasconcelos/P. Costa e Silva,
vol. II, Almedina, Coimbra, 2008, 1447 ss). Merecem ainda especial referência os vários estudos,
com âmbitos sectoriais, reunidos no citado vol. III dos Estudos do Instituto de Direito do Con-
sumo (da autoria de José de Oliveira Ascensão, António Pinto Monteiro, Pedro Romano
Martinez, Luís Menezes Leitão, Dário Moura Vicente, Augusto Silva Dias, Paulo Mota
Pinto, Adelaide Menezes Leitão, Elsa Dias Oliveira e ainda do Centro de Arbitragem de
Confl itos de Consumo de Lisboa).
48 JO L 304, de 22-11-2011.
A designação dada à Directiva – “ Directiva relativa aos direitos dos consumidores” – é, no mínimo,
excessivamente ampla, em função da matéria de que, de facto, se ocupa (que em pouco extravasa os
contratos celebrados fora do estabelecimento e à distância), o que explica o tom crítico de alguns
Autores: vide Christiane Wendehorst, Das neue Gesetz zur Umsetzung der Verbraucherrechterichtli-
nie, NJW 9/2014, 577, assinalando o “nome pomposo” da Directiva; entre nós, utilizando idên-
tica expressão, vide Carlos Ferreira de Almeida, O Futuro do Direito do Consumo, in I Congresso
de Direito do Consumo (coord. Jorge Morais Carvalho), Almedina, Coimbra, 2016, 27 ss (30).
Sobre a Directiva e seus antecedentes, vide Jorge Pegado Liz, A Nova Diretiva sobre Direitos dos
Consumidores, Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo, vol. II, n.º 2, 2012, 185 ss.
49 Artigo 31.º da Directiva.
50 Para além disto, alterou duas outras: a Directiva 93/13/CEE, do Conselho, de 5 de Abril de
1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores e a Directiva
1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio de 1999, relativa à venda de
bens de consumo – cfr. artigos 32.º e 33.º da Directiva 2011/83/UE.
51 Considerando 2 da Directiva; cfr. Albrecht von Loewenich, Einbeziehung von Finanzdienstleis-
tungen in das Gesetz zur Umsetzung der Verbraucherrechterichtlinie, NJW 20/2014, 1409; Francesco
Ricci, I beni di consumo e la disciplina delle vendite aggressive, cit., 147-148.
52 Cfr. o citado considerando 2 da Directiva.
53 Cfr. a advertência, neste sentido, de Tobias Brönneke/Klaus Tonner, Das Neue Schuldrecht.
Verbraucherrechtsreform 2014. Internethandel. Widerrufsrechte. Informationspflichten, Nomos, 2014, 5
(logo no prefácio da obra por ambos coordenada); na mesma obra, também sobre a harmoni-
zação, relativamente à Directiva 2011/83, cfr. a Introdução, a cargo de Klaus Tonner (35 ss,
em especial, 36-38); Christian Möller, Die Umsetzung der Verbraucherrechterichtlinie im deutschen
Recht, BB, 24/2014, 1411, Lukas Beck, Die Reform des Verbraucherschutzrechts, Jura, 36/7, 2014,
667 e – em especial, acerca da questão da eventual redução da protecção dos consumidores, em
virtude da harmonização total, e da margem de manobra do legislador interno, na transposição
da Directiva – Klaus Tonner, Die Umsetzung der Verbraucherrechterichtlinie – Auswirkungen der
Vollharmonisierung, VuR, 2014/1, 23 ss (24-25). Ainda sobre a harmonização total, vide Christian
Alexander, Verbraucherschutzrecht, cit., 23 e o Parecer (crítico) de Martin Schmidt-Kessel,
Stellungnahme zum Entwurf eines Gesetzes zur Umsetzung der Verbraucherrechterichtlinie, em especial, 5
ss (acessível em http://www.schmidt-kessel.uni-bayreuth.de/pdf_ordner/Stellungnahme_VRRL.
pdf ). Entre nós, vide Jorge Pegado Liz, A Nova Diretiva sobre Direitos dos Consumidores, Revista
Luso-Brasileira de Direito do Consumo, cit., 206 ss – sublinhando que a Directiva consagra uma
harmonização total “direccionada” – e Sandra Passinhas, A Directiva 2011/83/UE, do Parla-
mento Europeu e do Conselho, de 25 de Outubro de 2011, relativa aos direitos dos consumidores: algumas
considerações, cit., 100 ss.
Cfr., ainda, numa perspectiva fortemente crítica, Jérôme Huet, Le scandale de l´harmonisation totale,
Revue des Contrats, 2011/3, 1070 ss.
54
A Directiva ressalva, no seu artigo 4.º, as disposições em sentido diverso nela contidas (cfr., por
exemplo, os artigos 3.º/4 e 7.º/4 in fine), o que justifica referências a uma harmonização plena miti-
gada – cfr. António Pinto Monteiro, O novo regime da contratação à distância. Breve apresentação,
Estudos de Direito do Consumidor, n.º 9, edição especial, 2015, 11 ss (18-19) – ou a uma harmo-
nização total atenuada – cfr. Sandra Passinhas, A Directiva 2011/83/UE, do Parlamento Europeu
e do Conselho, de 25 de Outubro de 2011, relativa aos direitos dos consumidores: algumas considerações, cit.,
108 (citando Eva Domínguez Pérez); cfr., também, Marisa Dinis, Contratos celebrados à distância
e contratos celebrados fora do estabelecimento comercial – Da Diretiva à transposição para o ordenamento jurí-
dico português, RPDC, n.º 77, 2014, 11 ss (15 ss).
55 Cfr., com indicações, Jorge Morais Carvalho/João Pedro Pinto-Ferreira, Contratos cele-
brados à distância e fora do estabelecimento comercial. Anotação ao Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de Feve-
reiro, cit., 14 ss; Jean Calais-Auloy/Henri Temple, Droit de la consommation, 9.ª ed., cit., 556;
Gianluca Navone, in Giovanni D’Amico (a cura di), La Riforma del Codice del Consumo. Com-
mentario al D.Lgs. 21/2014, Wolters Kluwer/CEDAM, 2015, 149-150.
56
Na ordem jurídica alemã, a Directiva 2011/83/UE foi transposta através da VerbrRRL-UG, de
20 de Setembro de 2013 – Gesetz zur Umsetzung der Verbraucherrechterichtlinie und zur Änderung des
Gesetzes zur Regelung der Wohnungsvermittlung – publicada em 27 de Setembro de 2013 e entrada
em vigor em 13 de Junho de 2014 (cfr. Art. 15), que introduziu várias alterações no BGB. Cfr.
Christiane Wendehorst, Das neue Gesetz zur Umsetzung der Verbraucherrechterichtlinie, cit., 577 ss
e no Münchener Kommentar BGB, Band 2, Schuldrecht. Allgemeiner Teil, 7. Auflage, Beck, München,
2015, 1727; Christian Möller, Die Umsetzung der Verbraucherrechterichtlinie im deutschen Recht, cit.,
1411 ss, em especial, 1414 ss, Lukas Beck, Die Reform des Verbraucherschutzrechts, cit., 666 ss, Silke
Bittner/Jochen Clausnitzer/Carsten Föhlisch, Das neue Verbrauchervertragsrecht, Verlag Otto
Schmidt, Köln, 2014, 1 (Clausnitzer), Christian Alexander, Verbraucherschutzrecht, cit., 85.
Entre as diversas alterações ao BGB, realçam-se, apenas quanto à matéria aqui em causa, as relativas
aos (novos) §§ 312 ss – que foram profundamente reformulados, abrangendo, designadamente, o
novo capítulo 2 (§§ 312b-312h), especialmente dedicado aos contratos celebrados fora do estabe-
lecimento e aos contratos à distância (“Außerhalb von Geschäftsräumen geschlossene Verträge
und Fernabsatzverträge”) – e aos §§ 355-361, referentes ao direito de “revogação” nos contratos
de consumo (“Widerrufsrecht bei Verbraucherverträgen”). Relevam, ainda, outras alterações,
relativas aos deveres de informação a prestar ao consumidor: em especial, as respeitantes aos novos
Art. 246 (deveres de informação nos contratos de consumo), Art. 246a (deveres de informação
nos contratos celebrados fora do estabelecimento comercial e nos contratos à distância, excepto
os relativos a serviços financeiros), Art. 246b (para contratos celebrados fora do estabelecimento
comercial e contratos à distância referentes a serviços financeiros), Art. 246c e Art. 247 EGBGB.
Em Itália, a Directiva foi transposta pelo DLg. de 21 de Fevereiro de 2014, n.º 21 (publicado em
11 de Março de 2014), com entrada em vigor em 13 de Junho de 2014, que alterou o Codice del
Consumo, modificando as Secções I a IV do Capítulo I (agora sob a designação “Dos direitos dos
consumidores nos contratos”), do Título III, da Parte III (artigos 45-67), passando a matéria dos
contratos celebrados fora do estabelecimento a ser tratada, essencialmente, nos artigos 45/1 h)
(definição), 46 (âmbito de aplicação), 47 (exclusões) e 49 e seguintes. Cfr. Vincenzo Cuffaro (a
cura di), Codice del Consumo (coord. Angelo Barba/Andrea Barenghi), 4.ª ed., Giuffrè, Milano,
2015, 332 ss e 392 ss; Giovanni D’Amico (a cura di), La Riforma del Codice del Consumo. Com-
mentario al D.Lgs. 21/2014, cit., em especial, 33 ss, Enzo Maria Tripodi, La vendita fuori dei locali
commerciali ed a distanza. La nuova disciplina del codice del consumo, Altalex, 2014, especialmente, 28 ss.
Em França, a transposição foi operada através da chamada Loi Hamon (Lei n.º 2014-344, de 17 de
Março de 2014), para os artigos L 121-16 a L 121-24 do Code de la consommation, numa secção (2)
designada “contrats conclus à distance et hors établissement”; cfr. Jean Calais-Auloy/Henri
Temple, Droit de la consommation, 9.ª ed., cit., 35 e 580 e Natacha Sauphanor-Brouillaud, Droit
de la consommation, Revue de Droit Henri Capitant, 9, 31-Dez.-2015, acessível a partir de http://
www.henricapitantlawreview.fr. A matéria foi objecto de posteriores alterações, resultantes de
diversos diplomas legais: Decreto n.º 2014-1061, de 17 de Setembro de 2014, relativo às obrigações
de informação pré-contratual e contratual aos consumidores e ao direito de “retractação” (“droit
58 Para os contratos à distância: artigos 5.º (forma), 6.º (confirmação da celebração), 7.º (restrições
à entrega ou ao pagamento na internet), 8.º (restrições à utilização de técnicas de comunicação à
distância), 19.º (execução do contrato celebrado à distância).
59
A versão actual, consolidada, do Decreto-Lei n.º 24/2014 pode ser confrontada em Carlos
Lacerda Barata (org.), Código Civil e legislação complementar, 8.ª ed., AAFDL, Lisboa, 2016, 621 ss.
Doravante, as referências a preceitos legais, sem outra indicação, reportam-se ao Decreto-Lei n.º
24/2014, de 14 de Fevereiro, com a redacção presentemente em vigor.
60 A Lei n.º 47/2014 implicou várias outras modificações do DL n.º 24/2014, quase todas relativas
ao regime dos contratos celebrados à distância; essencialmente: (i) a introdução de uma restrição
à exigência de documento escrito, assinado pelo consumidor, na contratação por telefone, para
os “casos em que o primeiro contacto telefónico seja efectuado pelo próprio consumidor” (7.º/5, in fine, na
redacção da Lei 47/2014); (ii) uma alteração respeitante aos custos dos serviços que, por solicita-
ção do consumidor, tenham sido já prestados, durante o prazo para o exercício do direito de livre
desvinculação: nos termos da actual redacção do artigo 15.º/5, a) (i), o consumidor não suporta
quaisquer custos se “o prestador do serviço não tiver cumprido o dever de informação pré-contratual previsto
nas alíneas j) ou m) do n.º 1 do artigo 4.º”; (iii) uma alteração formal na letra do artigo 16.º, relativo
III. Numa apreciação genérica, o regime legal de 2014 – na linha dos que
o antecederam – mostra-se claramente vocacionado para uma cada vez mais
vincada protecção do consumidor.
Por confronto com o anterior, o regime actual apresenta várias diferenças;
considerando os aspectos com incidência nos contratos celebrados fora do esta-
belecimento61, como principais novidades temos:
(i) Abandono da tradicional designação “contratos ao domicílio” (e equi-
parados)62, em favor de uma mais abrangente, procurando fugir a equi-
parações, em razão das situações que são objecto do tecido normativo:
à “resolução automática” dos contratos acessórios (por exemplo: um contrato de seguro relativo a
um bem adquirido à distância), resultante do exercício do direito de livre desvinculação do con-
trato celebrado à distância (na versão originária, ressalvavam-se as situações previstas nos artigos
11.º e 12.º; agora: 12.º/3 e 13.º); (iv) revogação (artigo 6.º da Lei n.º 47/2014) do artigo 18.º do
DL n.º 24/2014, relativo à matéria do pagamento por cartão de crédito ou de débito: o referido
artigo 18.º correspondia ao artigo 10.º do DL n.º 143/2001, que, por sua vez, como referimos,
já fora revogado, com o surgimento do DL n.º 317/2009, relativo aos serviços de pagamento; (v)
uma modificação terminológica: a substituição do termo “leilão/leilões” pela designação “hasta(s)
pública(s)”, fazendo coincidir a terminologia agora utilizada com a da Directiva 2011/83/UE
(cfr. 2.º/13 da Directiva) (cfr. artigos 3.º/j), 4.º/6 e 17.º/1, j)), embora nem sempre do modo mais
rigoroso: com efeito, no confronto com as demais alíneas e por referência ao corpo do artigo
17.º/1 verifica-se, na actual redacção da alínea j), uma evidente falha formal no texto legislativo,
que, descuidadamente, passou a referir-se a «contratos de: (…) celebrados em hasta pública;» (sic).
A mesma lei alterou, também, a Lei de Defesa do Consumidor, cabendo, aí, relevar especial-
mente – também em tema de contratos à distância – os novos artigos 9.º-B (entrega dos bens) e
9.º-C (transferência do risco).
61 Não nos ocupamos aqui do regime privativo dos contratos celebrados à distância, relativa-
mente aos quais o DL n.º 24/2014 também trouxe importantes alterações; a título ilustrativo: (i):
a vinculação do consumidor, nos contratos celebrados por telefone, apenas depois de assinar a
oferta ou enviar o seu consentimento por escrito (5.º/7), em termos que permitem questionar se
tais contratos são, verdadeiramente, celebrados por telefone (vide Jorge Morais Carvalho/João
Pedro Pinto-Ferreira, Contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento comercial – Anota-
ção ao Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de Fevereiro, cit., 76 e Jorge Morais Carvalho, Manual de
Direito do Consumo, 3.ª ed., cit., 159, considerando que, em rigor, se trata de “contrato celebrado
na sequência de contacto telefónico”); (ii) contratos celebrado através da internet: a obrigação, para
o fornecedor, de que o “botão” que permita concluir a encomenda seja facilmente identificado,
com a expressão «encomenda com a obrigação de pagar» ou equivalente (5.º/4) – uma exigência legal
que, num enorme número de casos, continua a ser ostensivamente desrespeitada no comércio
electrónico! – e a obrigação de indicar, no sítio da internet, de modo claro e legível, até ao início
do processo de encomenda, eventuais restrições (nomeadamente, geográficas) quanto à entrega e
aos meios de pagamento admitidos (7.º).
62 Cfr. o artigo 1.º/1 e 2 e o artigo 13.º/1 e 2 dos revogados DL n.º 272/87 e DL n.º 143/2001.
Aproximadamente com o mesmo sentido, embora para o caso paradigmático da compra e venda,
são também tradicionais as expressões “venda directa” e “venda porta-a-porta”.
63 Cfr. Jorge Morais Carvalho, Manual de Direito do Consumo, 3.ª ed., cit., 140 e 144.
Na terminologia legal alemã, ocorreu a correspondente substituição de “Haustürgeschaften”
por (com âmbito mais alargado) “außerhalb von Geschäftsräumen geschlossene Verträge”: vide
Christian Möller, Die Umsetzung der Verbraucherrechterichtlinie im deutschen Recht, cit., 1411 e
1414, Peter Bülow/Markus Artz, Verbraucherprivatrecht, 4. Auflage, C. F. Müller, 2014, 90,
Christoph Schärtl, Der verbraucherschützende Widerruf bei außerhalb von Geschäftsräumen geschlossenen
Verträgen und Fernabsatzverträgen, JuS, 2014/7, 577-578 e Silke Bittner, in Bittner/Clausnitzer/
Föhlisch, Das neue Verbrauchervertragsrecht, cit., 29. A respeito da paralela alteração na termi-
nologia francesa (“contrats conclus par démarchage” – “contrats hors établissement”), cfr.
Natacha Sauphanor-Brouillaud, Droit de la consommation, Revue de Droit Henri Capitant,
9, cit..
A actual designação, todavia, não se mostra isenta de reparos (cfr. infra n.º 4).
64
Não são afastadas, do âmbito do direito de livre desvinculação, todas as modalidades dos referi-
dos contratos; fornecimento de alojamento: apenas quando tenha fins não residenciais; transporte:
somente o transporte de coisas.
65
Neste sentido, Jorge Morais Carvalho/João Pedro Pinto-Ferreira, Contratos celebrados à dis-
tância e fora do estabelecimento comercial – Anotação ao Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de Fevereiro, cit., 25.
Tais contratos estavam arredados do âmbito de aplicação do DL n.º 143/2001, quanto a múltiplos
e decisivos pontos do seu regime (artigo 3.º/2, b)).
66 Cfr. Mário Frota, Contratos à distância. Regras em vigor a 13 de Junho de 2014, RPDC, n.º 78,
2014, 9 ss (10); Marisa Dinis, Contratos celebrados à distância e contratos celebrados fora do estabeleci-
mento comercial – Da Diretiva à transposição para o ordenamento jurídico português, cit., 31 e O direito à
informação – consequências em caso de preterição dos deveres de informação, Revista Luso-Brasileira de
Direito do Consumo, vol. IV, n.º 16, 2014, 87 ss (101); Mariana Duarte, O novo regime dos con-
tratos celebrados à distância e fora do estabelecimento: reforço da protecção do consumidor?, AB Instantia, ano
II, n.º 3, 2014, 115 ss (116 e 118).
67 Uma solução legal que é reforçada e alargada (valendo para os demais direitos do consumidor,
consagrados no diploma legal em referência) pelo artigo 29.º do DL n.º 24/2014 (cfr. infra n.º 8).
68 Os artigos 6.º/5 e 18.º/5 (respectivamente, para os contratos celebrados à distância e fora do
estabelecimento) do anterior DL n.º 143/2001 referiam-se ao exercício do direito por carta regis-
tada com aviso de recepção, numa solução que suscitava dúvidas e que era discutida na doutrina
(cfr. infra n.º 8).
69 Anteriormente, o prazo era de 30 dias (8.º/1 do DL n.º 143/2001).
meses, a contar da recepção dos bens ou, na prestação de serviços, a partir da celebração do con-
trato ou do início da realização da prestação.
71 Para a devolução dos bens, vigorava antes um prazo de 30 dias, a contar da recepção (8.º/3 do
DL n.º 143/2001).
3. Outras fontes
4. Noção; elementos
72 Sobre este preceito constitucional, vide Jorge Miranda, Anotação ao artigo 60.º da Constituição,
no já citado vol. IV dos Estudos do Instituto de Direito do Consumo, 2014, 25 ss e José Carlos
Vieira de Andrade, Os direitos dos consumidores como direitos fundamentais na Constituição portuguesa
de 1976, BFDUC, vol. LXXVIII, 2002, 43 ss, em especial, 49 ss.
73 Alterada, por último, pela Lei n.º 47/2014, de 28 de Julho.
75 Como sublinha Joaquim de Sousa Ribeiro, “os contratos de consumo são a expressão típica
e mais saliente dos processos de massificação contratual (…)” – O problema do contrato. As cláusu-
las contratuais gerais e o princípio da liberdade contratual, Almedina, Coimbra, 1999, 480. No mesmo
sentido, vide Jean Calais-Auloy, L’influence du droit de la consommation sur le droit civil des contrats,
RTDC 93, n.º 2, 1994, 239 ss (245).
vada, que, num contrato com um consumidor, actue no âmbito da sua actividade profissional, ou
através de outro profissional, que actue em seu nome ou por sua conta.
Atendendo a que, muitas vezes, na contratação fora do estabelecimento o consumidor terá par-
ticulares dificuldades em conhecer a identidade da contraparte, o artigo 20.º do Decreto-Lei n.º
24/2014 contém regras relativas à identificação do profissional e dos seus colaboradores. Vide Jorge
Morais Carvalho, Manual de Direito do Consumo, 3.ª ed., cit., 145. Cfr. infra n.º 9.
79 Para efeitos de aplicação do diploma, o Decreto-Lei n.º 24/2014 defi ne, também, “estabeleci-
80 Esta importante inovação é devidamente salientada por Jorge Morais Carvalho/João Pedro
Pinto-Ferreira, Contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento comercial – Anotação ao Decreto-
-Lei n.º 24/2014, de 14 de Fevereiro, cit., 40; cfr., igualmente, Jorge Morais Carvalho, Manual de
Direito do Consumo, 3.ª ed., cit., 150. Cfr., também, Alexandra Teixeira de Sousa, O direito de
arrependimento nos contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento: algumas notas, cit., 24, assina-
lando o carácter exemplificativo da enumeração legal resultante do artigo 3.º/g).
81
Em especial, pela contradição entre a letra do corpo da alínea g) e a da primeira subalínea: “O
contrato que é celebrado (…) em local que não seja o estabelecimento comercial (…), incluindo
os contratos celebrados no estabelecimento comercial (…)”.
Cfr., ainda, o que adiante referimos, também quanto ao artigo 3.º/g), i) do Decreto-Lei n.º 24/2014.
82 Mereceria, desde logo, por isso, surgir em primeiro lugar, no catálogo das subalíneas do artigo
3.º/g).
Em sentido diferente (defendendo que a definição legal de contrato celebrado fora do estabele-
cimento está “agora devidamente ordenada”), Marisa Dinis, Contratos celebrados à distância e con-
tratos celebrados fora do estabelecimento comercial – Da Diretiva à transposição para o ordenamento jurídico
português, cit., 30.
83 Não acompanhamos, portanto, Jorge Morais Carvalho, Manual de Direito do Consumo, 3.ª ed.,
cit., 146 e Jorge Morais Carvalho/João Pedro Pinto-Ferreira, Contratos celebrados à distância
e fora do estabelecimento comercial – Anotação ao Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de Fevereiro, cit., 39-40,
quando defendem igual posição, mas a propósito da consideração dos contratos celebrados no
domicílio (3.º/g), ii)), citando António Menezes Cordeiro, O Anteprojecto do Código do Consumidor,
cit., 696, que se pronunciou sobre a questão, mas tendo por referência os artigos 239.º e seguintes
do Anteprojecto do Código do Consumidor. O regime jurídico actual, com a formulação abran-
gente vertida no corpo da alínea g), dispensa alargamentos interpretativos da noção de domicílio.
84 Como referem Jorge Morais Carvalho, Manual de Direito do Consumo, 3.ª ed., cit., 146 e Jorge
que o regime legal opera mesmo que o contrato venha a ser celebrado com o consumidor que
organizou a reunião. Temos dúvidas de que seja este o sentido da lei.
87 Na versão portuguesa da Directiva 2011/83/UE (artigo 2.º/8), d)), designada por excursão; nas
versões inglesa, francesa e alemã: respectivamente, excursion, excursion, Ausflug; na versão italiana
encontramos uma expressão provavelmente preferível: viaggio promozionale, que surge, igualmente,
no artigo 45/1 h), 4) do Codice del Consumo.
88 Sirva de exemplo, neste domínio, a prática levada a cabo, quase indiscriminadamente, nos meses
citário, não nominativo, enviado por correio para um grande número de destinatários, para se
deslocarem a um local não habitualmente destinado à comercialização dos bens.
91 Vide Jorge Morais Carvalho, Manual de Direito do Consumo, 3.ª ed., cit., 148 ss e Jorge Morais
Direito alemão, cfr. § 312b, 1/3 BGB; cfr. Christian Alexander, Verbraucherschutzrecht, cit., 87,
Christiane Wendehorst, Das neue Gesetz zur Umsetzung der Verbraucherrechterichtlinie, cit., 581.
93 Cfr. Silke Bittner, in Bittner/Clausnitzer/Föhlisch, Das neue Verbrauchervertragsrecht, cit.,
30-31.
94
Contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento comercial – Anotação ao Decreto-Lei n.º 24/2014,
de 14 de Fevereiro, cit., 39. Em termos equivalentes, vide Jorge Morais Carvalho, Manual de
Direito do Consumo, 3.ª ed., cit., 144 e João Pedro Pinto-Ferreira/Jorge Morais Carvalho,
Os contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento, in I Congresso de Direito do Consumo, cit., 98.
95
A redacção do artigo 3.º/g), i), do Decreto-Lei n.º 24/2014 corresponde, com pequenas dife-
renças, à do artigo 2.º/8), c), da Directiva 2011/83/UE.
Parece-nos que – nestas hipóteses, em que a celebração do contrato ocorre no estabelecimento
comercial – seria preferível diferente solução: a consagração normativa de uma equiparação, evitando
inscrever tais situações no conceito de contrato celebrado fora do estabelecimento.
Com opinião divergente – considerando a actual técnica legislativa “mais simples e precisa” e aplau-
dindo o “melhor (…) nível conceptual” do diploma – vide Mariana Duarte, O novo regime dos
contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento: reforço da protecção do consumidor?, cit., 115 e 117.
96 Cfr. o que ficou dito acerca do artigo 3.º/g) i).
97 Vide RP 5-Mai.-2005 (José Ferraz) (proc. n.º 0531983) – acórdão proferido na vigência do
5. Âmbito de aplicação
II. Com efeito, o artigo 2.º/2 do diploma traça o âmbito de aplicação dos
artigos 4.º a 21.º (tendo em consideração os contratos celebrados fora do esta-
belecimento e os contratos celebrados à distância), excluindo diversos negócios:
contratos relativos a serviços financeiros (a))98; contratos celebrados através de
máquinas distribuidoras automáticas ou estabelecimentos automatizados (b))99;
contratos celebrados com operadores de telecomunicações, relativos à utilização
de cabines telefónicas públicas ou à utilização de uma única ligação telefónica,
de internet ou de telecópia efectuada pelo consumidor (c)); contratos relativos
à construção, à reconversão substancial, à compra e venda ou a outros direitos
respeitantes a imóveis, incluindo o arrendamento100 (d)); contratos referentes a
serviços sociais (e)), a cuidados de saúde (f)) e a jogos de fortuna ou azar (g))101;
sujeitos a um regime especial, estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 95/2006, de 29 de Maio – que
transpôs, para a ordem jurídica nacional, a Directiva 2002/65/CE, do Parlamento Europeu e do
Conselho, de 23 de Setembro – alterado pelo Decreto-Lei n.º 317/2009, de 30 de Outubro, pela
Lei n.º 46/2011, de 24 de Junho, pela Lei n.º 14/2012, de 26 de Março e pelo Decreto-Lei n.º
242/2012, de 7 de Novembro.
O confronto entre o regime geral dos contratos celebrados à distância e o regime especial dos
contratos relativos a serviços financeiros permite constatar, facilmente, uma ampla zona de sobre-
posição e variadíssimos pontos de convergência, detectando-se poucos aspectos diferenciadores.
Temos, pois, grandes dúvidas acerca da necessidade de autonomização normativa desta matéria:
teria sido bastante a inclusão, no diploma de âmbito geral, das pertinentes regras especiais/excep-
cionais acerca da contratação à distância de serviços financeiros.
Neste sentido, vide João Calvão da Silva, Banca, Bolsa e Seguros, tomo I, 4.ª ed., Almedina,
Coimbra, 2013, 115 ss e 126, considerando a desnecessidade de uma Directiva especial para os
serviços financeiros (no confronto com a Directiva 97/7/CE), atentas as muitas semelhanças de
regulamentação.
99 Os artigos 22.º-24.º do Decreto-Lei n.º 24/2014 tratam das chamadas vendas automáticas.
resultava da legislação anterior (artigo 14.º/a) do revogado Decreto-Lei n.º 143/2001, que afastava,
expressamente, a locação de bens imóveis, diferentemente do que sucedia em relação aos contratos
celebrados à distância, dada a ressalva feita no artigo 3.º/1, d), in fine, do mesmo diploma legal).
101 Na legislação anterior (Decreto-Lei n.º 143/2001), estas três matérias não estavam excluídas.
6. Deveres de informação
102 Submetidas ao regime constante do Decreto-Lei n.º 61/2011, de 6 de Maio, alterado, por
último, pelo Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29 de Agosto.
103 Decreto-Lei n.º 275/93, de 5 de Agosto, com várias alterações, a última das quais resultante
por via electrónica, aos quais serão aplicáveis (somente) as regras do artigo 5.º/2, 3 e 4 ex vi 2.º/2, m).
106
Como antes ficou referido, a alínea n) do artigo 2.º/2 foi aditada pela Lei n.º 47/2014, de 28
de Julho.
Cabe recordar que a Directiva 2011/83/UE (artigo 3.º/4) conferiu aos Estados-membros a possibi-
lidade de consagrarem, nos ordenamentos internos, soluções diferentes das da Directiva, quanto a
contratos celebrados fora do estabelecimento comercial, quando o pagamento a efectuar pelo con-
sumidor não exceder € 50 (ou valor inferior a este, determinado em legislação nacional). Diferen-
temente da opção tomada noutros ordenamentos – por exemplo, o italiano: artigo 47/2 do Codice
del Consumo – o legislador português não aproveitou, em termos gerais, esta possibilidade, embora,
com a alínea n), introduzida pela Lei n.º 47/2014, tenha criado uma nova exclusão, que opera em
função do valor e, também, do objecto. Cfr. Paulo Mota Pinto, O novo regime jurídico dos contratos
à distância e dos contratos celebrados fora do estabelecimento comercial, Estudos de Direito do Consumi-
dor, n.º 9, edição especial, 2015, 51 ss (56-57), concluindo pela compatibilidade com a Directiva.
107 Recorrendo às certeiras palavras de Carlos Ferreira de Almeida (Direito do Consumo, cit.,
115), “informação tem sido uma palavra chave e quase mágica” no Direito do consumo.
108 Vide Jean Calais-Auloy/Henri Temple, Droit de la consommation, 9.ª ed., cit., 55. Entre nós,
cfr., nomeadamente, Carlos Ferreira de Almeida, Os direitos dos consumidores, cit., 179 ss e
Direito do Consumo, cit., 115 ss, Elsa Dias Oliveira, A protecção dos consumidores nos contratos cele-
brados através da internet, cit., 65 ss, Jorge Morais Carvalho, Os Contratos de Consumo, cit., 191 ss.
109 Vide Karl Larenz/Manfred Wolf/Jörg Neuner, Allgemeiner Teil des Bürgerlichen Rechts, 10.
112
Acrescenta o n.º 3 do artigo 4.º que o respectivo conteúdo não pode “ser alterado, salvo acordo
expresso das partes em contrário anterior à celebração do contrato”, afastando, assim, a viabilidade
de um acordo tácito nesse sentido (cfr. 217.º do Código Civil).
Sobre o artigo 4.º/3, cfr. Jorge Morais Carvalho/João Pedro Pinto-Ferreira, Contratos cele-
brados à distância e fora do estabelecimento comercial – Anotação ao Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de Feve-
reiro, cit., 62-63, que, tendo presente o disposto no artigo 406.º do Código Civil, referem que a
exigência daquela norma “apenas tem autonomia no momento anterior à celebração do contrato”.
113 Vide Ubaldo Perfetti, Il contratto in generale, II – La conclusione del contratto, in Trattato di
bastando, para tanto, que evidencie que não tem, desde logo, uma vontade
firme de contratar; não haverá, então, uma verdadeira proposta contratual, por
parte do fornecedor de bens ou prestador de serviços, cabendo, depois, ao
consumidor emiti-la, se for essa a sua decisão. Esta solução mostra-se, aliás,
em conformidade com o disposto no corpo do artigo 4.º/1, que exige que
as informações sejam prestadas antes da celebração do contrato ou antes de o
consumidor se vincular por uma proposta correspondente115.
IV. Quanto ao tempo e ao modo de cumprimento da obrigação de presta-
ção de informação pré-contratual:
– Exige-se uma comunicação em tempo útil (4.º/1): antes da formação do
contrato ou antes de uma proposta do consumidor e com a antecedência
necessária para que este possa tomar conhecimento das informações;
– A informação deve ser sempre prestada de forma clara e compreensível
(4.º/1)116;
– Algumas das informações podem ser prestadas através do modelo de
informação sobre o direito de livre desvinculação, correspondente ao
anexo A do Decreto-Lei n.º 24/2014 (4.º/2).
Os dois primeiros aspectos devem ser aferidos perante cada caso concreto117,
tendo em conta, designadamente, a extensão do clausulado e a complexidade
do contrato.
115 Em sentido diferente, Jorge Morais Carvalho, Manual de Direito do Consumo, 3.ª ed., cit.,
151-152 e Jorge Morais Carvalho/João Pedro Pinto-Ferreira, Contratos celebrados à distância
e fora do estabelecimento comercial – Anotação ao Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de Fevereiro, cit., 55-56
(cfr., também, 63).
116 No Direito alemão vale idêntica solução, com equivalente formulação, que consta, em geral,
do Art. 246 EGBGB (deveres de informação nos contratos de consumo) e, em particular, do Art.
246a, § 4 (1) (para o qual remete o § 312d BGB) (para os contratos celebrados fora do estabele-
cimento e à distância), que exige que a informação, ao consumidor, seja prestada de modo claro
e compreensível (“in klarer und verständlicher Weise”). O Codice del Consumo (artigo 50/1) deter-
mina que as informações sejam legíveis, apresentadas em linguagem simples e compreensível; cfr.
Gianluca Navone, in Giovanni D’Amico (a cura di), La Riforma del Codice del Consumo. Com-
mentario al D.Lgs. 21/2014, cit., em especial, 157 ss. Também o Code de la Consommation (artigo L.
221-5) obriga a que, nos contratos celebrados fora do estabelecimento (e nos concluídos à distân-
cia), a informação pré-contratual seja transmitida de maneira legível e compreensível.
Entre nós, o artigo 8.º/1 da Lei de Defesa do Consumidor prescreve que a informação transmi-
tida ao consumidor deve ser prestada de “forma clara, objectiva e adequada”. Cfr. Jorge Morais
Carvalho, Os Contratos de Consumo, cit., 191 ss, em especial, 195.
117 Neste sentido, mas apenas quanto ao momento da prestação das informações, Jorge Morais
118 Em sentido coincidente, embora a propósito dos deveres de informação na contratação à distân-
cia, vide Paulo Mota Pinto, Princípios relativos aos deveres de informação no comércio à distância. Notas
sobre o direito comunitário em vigor, Estudos de Direito do Consumidor, n.º 5, 2003, 183 ss (187-188).
Sobre a culpa in contrahendo e o artigo 227.º do Código Civil, vide, com múltiplas indicações,
António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, II, 4.ª ed., cit., 207 ss e 267 ss; cfr., também,
Dário Moura Vicente, Da responsabilidade pré-contratual em Direito internacional privado, Almedina,
Coimbra, 2001, em especial, 262 ss; Ana Prata, Notas sobre responsabilidade pré-contratual, cit.; Eva
Sónia Moreira da Silva, Da responsabilidade pré-contratual por violação dos deveres de informação,
Almedina, Coimbra, 2003.
119 Vide António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, II, 4.ª ed., cit., 426 ss.
120 Neste sentido, Karl Larenz/Manfred Wolf, Allgemeiner Teil des Bürgerlichen Rechts, 9.
Auflage, cit., 768-769, quanto à exigência de forma escrita na transmissão das detalhadas infor-
mações a prestar ao consumidor. Cfr., igualmente, Paolo Gallo, Trattato del Contratto, t. 1, La
formazione, cit., 777, Vincent Forray, Le consensualisme dans la théorie générale du contrat, LGDJ,
Paris, 2007, 152, Paul-Henri Antonmattei/Jacques Raynard, Droit Civil. Contrats Spéciaux,
2.ª ed., Litec, Paris, 2000, 126, François Collart Dutilleul/Philippe Delebecque, Contrats
civils et commerciaux, cit., 93-94.
121
A definição legal de «suporte duradouro» consta do artigo 3.º/l).
122
Cfr. Jorge Morais Carvalho/João Pedro Pinto-Ferreira, Contratos celebrados à distância
e fora do estabelecimento comercial – Anotação ao Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de Fevereiro, cit., 64.
Cfr. o Art. 246a, § 4 (2) EGBGB, que acolhe idêntica solução. Cfr. Christian Möller, Die
Umsetzung der Verbraucherrechterichtlinie im deutschen Recht, cit., 1415; Marina Tamm, in Tobias
Brönneke/Klaus Tonner, Das Neue Schuldrecht. Verbraucherrechtsreform 2014. Internethandel.
Widerrufsrechte. Informationspflichten, cit., 109.
Para o Direito italiano, cfr. o artigo 50/1 do Codice del Consumo, que prescreve, também, que as
informações serão prestadas em suporte de papel ou, se o consumidor consentir, noutro suporte
duradouro. Cfr. Gianluca Navone, in Giovanni D’Amico (a cura di), La Riforma del Codice del
Consumo. Commentario al D.Lgs. 21/2014, cit., em especial, 153 ss.
123
Cfr. Paolo Gallo, Trattato del Contratto, t. 1, La formazione, cit., 831; Marisa Dinis, O direito
à informação – consequências em caso de preterição dos deveres de informação, cit., 103-104.
124 Cfr. o que adiante se acrescentará, sobre os deveres de informação relacionados com o direito
de livre desvinculação.
125 Assim, Marcelino Abreu, Contratos à distância e fora do estabelecimento, BOA n.º 112/113, 2014,
45. Cfr. também Mariana Duarte, O novo regime dos contratos celebrados à distância e fora do esta-
belecimento: reforço da protecção do consumidor?, cit., 118, que, por confronto com o regime anterior,
assinala um agravamento da posição do consumidor.
7. Forma
126 E, também, com o regime das cláusulas contratuais gerais, segundo o qual o ónus da prova do
cumprimento do dever/encargo de comunicação adequada e efectiva das cláusulas impende sobre
o seu utilizador (artigo 5.º/3 LCCG). Cfr. M. J. Almeida Costa/A. Menezes Cordeiro, Cláu-
sulas contratuais gerais. Anotação ao Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, Almedina, Coimbra,
1986, 24-25, António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, II, 4.ª ed., cit., 429-430; cfr.
também Jorge Morais Carvalho/João Pedro Pinto-Ferreira, Contratos celebrados à distância e
fora do estabelecimento comercial – Anotação ao Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de Fevereiro, cit., 65-66.
127 Nos Direitos italiano e francês vigoram regras equivalentes: cfr., respectivamente, artigo 49/10
tato del Contratto, t. 1, La formazione, cit., 777, Fabrizio Di Marzio, Introduzione. Verso il nuovo
Diritto dei Contratti, in Il Nuovo Diritto dei Contratti. Problemi e prospettive (a cura di F. Di Marzio),
Giuffrè, Milano, 2004, 13, A. Rosboch, Conclusione del contratto, RDCiv., XLVI, n.º 6, 2000, 899
ss (907), Stefano Pagliantini, La forma del contratto: appunti per una voce, Studi Senesi, CXVI (III,
Serie LIII), fasc. 1, 2004, 115-117.
129 Cfr. Carlos Ferreira de Almeida, Direito do Consumo, cit., 88 ss, João Calvão da Silva,
Responsabilidade civil do produtor, cit., 78-79, nota 3, Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das
Obrigações, 12.ª ed., Almedina, Coimbra, 2009, 283, nota 1, Luís Menezes Leitão, O Direito do
Consumo: autonomização e configuração dogmática, Estudos do Instituto de Direito do Consumo, vol.
I, IDC/FDUL, Almedina, Coimbra, 2002, 11 ss (27) e Direito das Obrigações, vol. I, Introdução. Da
constituição das obrigações, 13.ª ed., Almedina, Coimbra, 2016, 170, Jorge Morais Carvalho, Os
Contratos de Consumo, cit., 117 ss e Manual de Direito do Consumo, 3.ª ed. cit., 30 ss, Jorge Morais
Carvalho/João Pedro Pinto-Ferreira, Contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento
comercial – Anotação ao Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de Fevereiro, cit., 75, Mário Frota, Os contra-
tos de consumo – Realidades sóciojurídicas que se perspectivam sob novos influxos, RPDC, n.º 23, 2000, 9
ss (24) = Revista de Direito do Consumidor, ano 10, n.º 37, 2001, 9 ss (22); Jorge Pegado Liz,
Introdução ao Direito e à Política do Consumo, cit., 281, Vincent Forray, Le consensualisme dans la
théorie générale du contrat, cit., 147 e nota 278; cfr. também Hervé Jacquemin, Le formalisme contrac-
tuel. Mécanisme de protection de la partie faible, Larcier, Bruxelles, 2010, 37 ss.
Sobre o tema, em geral, vide Natalino Irti, La rinascita del formalismo ed altri temi, in Studi sul
formalismo negoziale, CEDAM, Padova, 1997, 29 ss.
Todavia, a assinalada tendência não encobre uma outra, recente e (paradoxalmente) de sentido
inverso, patente nas várias intervenções legislativas no sentido da desformalização (por exemplo: a
equiparação do documento particular autenticado à escritura pública, quando requerida para efeitos
de validade contratual). Cfr. António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, VII, Direito das
Obrigações. Contratos. Negócios unilaterais, Almedina, Coimbra, 2014 (com reimpressão 2016), 189.
130 Vide António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, II, 4.ª ed., cit., 168 e 175.
Sobre o novo formalismo de protecção, como modo de equilibrar relações contratuais, em defesa
da parte mais fraca (nomeadamente, o consumidor), especialmente, no que toca à informação,
vide Vincent Forray, Le consensualisme dans la théorie générale du contrat, cit., em especial, 152-153,
Christian Larroumet/Sarah Bros, Les obligations. Le contrat, 7.ª ed., cit., 196 e 558-559, Fabrizio
Di Marzio, Introduzione. Verso il nuovo Diritto dei Contratti, cit., 13, Ezio Guerinoni, Le pratiche
commerciali scorrete. Fattispecie e rimedi, Giuffrè, Milano, 2010, 50-51; cfr., igualmente, Giovanni
Berti de Marinis, La forma del contratto nel sistema di tutela del contraente debole, ESI, Napoli, 2013.
131 Prescreve a norma que “O contrato celebrado fora do estabelecimento comercial é reduzido a
escrito (…)”, numa formulação que, claramente, aponta para a exigência dessa forma especial (cfr.,
entre outros, António Menezes Cordeiro, Direito Comercial, 4.ª ed., cit., 644 e Luís Menezes
Leitão, Direito das Obrigações, vol. III, Contratos em especial, 11.ª ed., Almedina, Coimbra, 2016, 17).
Não partilhamos, pois, as dúvidas suscitadas por Jorge Morais Carvalho/João Pedro Pinto-
-Ferreira, Contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento comercial – Anotação ao Decreto-Lei
n.º 24/2014, de 14 de Fevereiro, cit., 86 (que, todavia, acabam por concluir pela consagração, no
artigo 9.º/1, de um requisito de forma escrita).
132
Nomeadamente, quando a preterição da forma legal seja imputável ao fornecedor de bens ou
prestador de serviços, a posterior invocação, por este, da correspondente nulidade poderá inscrever-
-se nos quadros da proibição de abuso do direito, sendo, assim, paralisada, configurando uma situa-
ção de inalegabilidade formal, uma vez verificados os requisitos apontados pela melhor doutrina.
Sobre esta matéria, cfr., em especial, António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, II,
4.ª ed., cit., 189 ss, maxime 200-201, Tratado de Direito Civil, V, Parte Geral. Exercício jurídico, 2.ª ed.,
Almedina, Coimbra, 2015, 329 ss, especialmente, 342-343 e Do abuso do direito: estado das questões
e perspectivas, ROA 65/II, 2005, 327 ss (353-355) = ARS IVDICANDI – Estudos em homenagem
ao Prof. Doutor António Castanheira Neves, vol. II, Coimbra Edit., Coimbra, 2009, 125 ss (148-150).
Com diferente orientação – que, em nossa opinião, carece de base legal – vide Jorge Morais
Carvalho/João Pedro Pinto-Ferreira, Contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento
comercial – Anotação ao Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de Fevereiro, cit., 86-88 (cfr., também, Jorge
Morais Carvalho, Manual de Direito do Consumo, 3.ª ed., cit., 31-32 e 166), que descortinam,
Ainda nos termos do mesmo artigo 9.º/1, também sob pena de nulidade,
o texto contratual deve conter, “de forma clara e compreensível e na língua
portuguesa”, as informações constantes do artigo 4.º133.
II. Por força do n.º 2 do artigo 9.º, sobre o fornecedor de bens ou presta-
dor de serviços impende o dever de entregar, ao consumidor, uma cópia do
contrato assinado134 ou a “confirmação”135 do contrato em papel (ou, com
a concordância do consumidor, noutro suporte duradouro)136; poderá ainda
acrescer a “confirmação” do consentimento prévio e expresso do consumidor
e o seu reconhecimento, nas hipóteses previstas no artigo 17.º/1, l), relativas à
como consequência da violação do artigo 9.º/1 (e artigo 9.º/2), uma nulidade atípica, não invo-
cável pelo profissional.
No Anteprojecto do Código do Consumidor (artigos 195.º/1, a), b) e c) e 243.º) consagrava-se,
efectivamente, uma invalidade formal mista, presumivelmente imputável ao profissional e apenas
invocável pelo consumidor: uma solução que não tem paralelo no regime em vigor.
133 Recorde-se que no artigo 4.º/1 já se encontra a exigência legal de que as informações sejam
prestadas “de forma clara e compreensível”, ao que o artigo 9.º/1 acrescenta a obrigatoriedade de
uso da língua portuguesa.
No que toca ao objecto negocial, a solução prescrita no artigo 9.º/1 contribuirá, certamente,
para assegurar a sua transparência. Cfr. Joaquim de Sousa Ribeiro, O princípio da transparência no
Direito Europeu dos contratos, Estudos de Direito do Consumidor, n.º 4, 2002, 137 ss, em especial,
142-143 = Direito dos Contratos. Estudos, Coimbra Edit., 2007, 75 ss, especialmente, 79-81. No
mesmo sentido, vide Paolo Gallo, Trattato del Contratto, t. 1, La formazione, cit., 778 e – refe-
rindo o formalismo negocial (de protecção) como instrumento para garantir a transparência do
contrato, permitindo aceder, em qualquer momento e sem excessivas dificuldades, ao respectivo
conteúdo – Pier Filippo Giuggioli, Il Contratto del Consumatore, cit.,134 e Ezio Guerinoni, Le
pratiche commerciali scorrete. Fattispecie e rimedi, cit., 42 ss.
Noutra vertente, vide Jean Calais-Auloy/Henri Temple, Droit de la consommation, 9.ª ed., cit.,
55, que sublinham que a informação dos consumidores constitui um factor de transparência do
mercado e, portanto, potenciador da concorrência e, por isto, de desenvolvimento económico;
sobre o tema, com várias indicações, vide, igualmente, Pier Filippo Giuggioli, Il Contratto del
Consumatore, cit., 122 ss.
134
Se dúvidas existissem, fica, assim, claro que, para efeitos do n.º 1 do artigo 9.º, o contrato deve
ser reduzido a escrito e assinado.
135 Não se trata de uma confi rmação proprio sensu, que pressupõe a anulabilidade. Vide António
tratos celebrados à distância e fora do estabelecimento comercial – Anotação ao Decreto-Lei n.º 24/2014, de
14 de Fevereiro, cit., 88, consideram que o desrespeito por esta formalidade acarreta a nulidade do
contrato. Na jurisprudência, em sentido contrário, vide RL 4-Jun.-2015 (Teresa Prazeres Pais)
(proc. n.º 9807-12.5TBOER.L1-8), in http://www.dgsi.pt.
Cfr. o artigo 7.º/2 da Directiva 2011/83/UE. Para o Direito italiano, cfr. artigo 50/2 do Codice
del Consumo – vide Gianluca Navone, in Giovanni D’Amico (a cura di), La Riforma del Codice
del Consumo. Commentario al D.Lgs. 21/2014, cit., 161 ss.
138 Cfr., nomeadamente, RC 12-Fev.-2008 (Costa Fernandes) (proc. n.º 366/05.6TBTND-A.
C1), in http://www.dgsi.pt.
139 Artigo 16.º/1, 3 e 4 do revogado Decreto-Lei n.º 143/2001, de 26 de Abril. Cfr. Pedro
Romano Martinez, Direito das Obrigações (Parte Especial). Contratos, 2.ª ed., cit., 105; Carvalho
Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, 5.ª ed., cit., 122; Jorge Morais Carvalho, Manual
de Direito do Consumo, Almedina, 2013, 158 e Os Contratos de Consumo, cit., 243-244; Carolina
Cunha, Métodos de venda a retalho fora do estabelecimento: regulamentação jurídica e protecção do consumi-
dor, cit., 294 e 296. Ainda quanto à exigência de documento escrito, no regime de 2001, vide Luís
Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, Introdução. Da constituição das obrigações, 11.ª ed., Alme-
dina, Coimbra, 2014, 170, nota 393 e vol. III, Contratos em especial, 9.ª ed., Almedina, Coimbra,
2014, 18; Pedro de Albuquerque, Direito das Obrigações. Contratos em especial, vol. I, t. I, Alme-
dina, Coimbra, 2008 (com reimpr. 2015), 81-82; Nuno Pinto Oliveira, Contrato de compra e
venda: noções fundamentais, Almedina, Coimbra, 2007, 30; Eva Sónia Moreira da Silva, Da res-
ponsabilidade pré-contratual por violação dos deveres de informação, cit., 167, nota 403; Teresa Madeira,
Contratos ao domicílio e equiparados, cit., 41.
140 Alguma doutrina refere-se, até, a um “princípio da reflexão”: Mário Frota, Os contratos
de consumo – Realidades sóciojurídicas que se perspectivam sob novos influxos, RPDC, n.º 23, cit., 13
(= Revista de Direito do Consumidor, n.º 37, cit., 12-13).
141 Inclusivamente fora do espaço europeu: a título ilustrativo, veja-se o artigo 1110 do novo
Código Civil e Comercial argentino (em vigor desde 1 de Janeiro de 2016), que determina que
“nos contratos celebrados fora dos estabelecimentos comerciais e à distância, o consumidor tem
o direito irrenunciável de revogar a aceitação dentro de dez dias contados a partir da celebração
do contrato” (ou da entrega do bem, se a aceitação for posterior a esta); vide Marisa Herrera/
Gustavo Caramelo/Sebastián Picasso (dir.), Código Civil y Comercial de la Nación Comentado,
tomo III, libro 3.º, Art. 724 a 1250, Edit. Ministerio de Justicia y Derechos Humanos de la Nación,
Buenos Aires, 2014, 515 ss.
142 Artigos 10.º e seguintes do citado Decreto-Lei n.º 24/2014, alterado pela referida Lei n.º 47/2014;
o regime dos artigos 10.º e 11.º aplica-se, também, às vendas especiais esporádicas (25.º/2 do mesmo
diploma legal). Cfr., também, o artigo 9.º/7 da Lei de Defesa do Consumidor.
Para os contratos celebrados à distância relativos a serviços financeiros: artigos 19.º e seguintes
do Decreto-Lei n.º 95/2006, de 29 de Maio (alterado, por último, através do Decreto-Lei n.º
242/2012, de 7 de Novembro).
143 Artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de Junho (alterado, por último, pelo Decreto-
275/93, de 5 de Agosto (alterado por seis vezes, a última das quais pelo Decreto-Lei n.º 245/2015,
de 20 de Outubro).
145
Artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 61/2011, de 6 de Maio, com última alteração resultante do
Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29 de Agosto.
146
Vide Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, 3.ª ed., cit., 78; Carvalho Fernandes,
Teoria Geral do Direito Civil, II, 5.ª ed., cit., 123, apontando o direito de “resolução” como “a mais
relevante garantia do consumidor”.
147 Vide Ezio Guerinoni, Le pratiche commerciali scorrete. Fattispecie e rimedi, cit., 69: na medida em
que o direito em causa é imediata e livremente accionável pelo consumidor, o Autor chega a falar,
a este propósito, de auto-tutela.
Cfr. Christian Alexander, Verbraucherschutzrecht, cit., 53, Maria Carla Cherubini, Sul c.d.
diritto di ripensamento, cit., 697-698 e 711 ss e Alexandra Teixeira de Sousa, O direito de arrepen-
dimento nos contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento: algumas notas, cit., 18.
Não obstante a grande protecção que, por via da livre desvinculação, é conferida aos consumi-
dores, ao que parece, não será especialmente elevado o número daqueles que, efectivamente,
149 Cfr. Carlos Ferreira de Almeida, Presságios sobre o direito do consumo, in Estudos de Direito do
Consumo – Homenagem a Manuel Cabeçadas Ataíde Ferreira, Ed. DECO, 2016, 125 ss (128), que equi-
para a excepcionalidade do “direito de arrependimento” no Direito do consumo à do direito à
greve no Direito do trabalho; M. Januário da Costa Gomes, Assunção fidejussória de dívida. Sobre
o sentido e o âmbito da vinculação como fiador, Almedina, Coimbra, 2000, 751 e 756. No sentido do
texto, cfr., também (embora a propósito do artigo 9.º/7 LDC), Joana Farrajota, A resolução do
contrato sem fundamento, Almedina, 2015, 31.
150 Cfr. Claus-Wilhelm Canaris, Wandlungen des Schuldvertragsrechts – Tendenzen zu seiner “Mate-
rialisierung”, cit., 344; Reinhard Zimmermann, The New German Law of Obligations. Historical
and Comparative Perspectives, cit., 213; Carlos Ferreira de Almeida, Direito do Consumo, cit., 114;
José Carlos Brandão Proença, A desvinculação não motivada nos contratos de consumo: um verdadeiro
direito de resolução?, ROA, 70, I/IV, 2010, 219 ss ( 253) = Estudos dedicados ao Professor Doutor Luís
Alberto Carvalho Fernandes, vol. II (Direito e Justiça, vol. especial), Universidade Católica Edit.,
Lisboa, 2011, 173 ss (205); Januário Gomes, Sobre o “direito de arrependimento” do adquirente de
direito real de habitação periódica (time-sharing) e a sua articulação com direitos similares noutros contratos
de consumo, RPDC, n.º 3, 1995, 70 ss (79).
Contra: Jean Calais-Auloy, L’influence du droit de la consommation sur le droit civil des contrats, cit., 244.
151 Cfr. Alberto Gallarati, Il diritto di ritirare la «parola data» tra formule e regole: un’indagine di
analisi economica del diritto, cit., passim (em especial, quanto aos contratos celebrados fora do esta-
belecimento: 364-365).
152 E, tendencialmente, quanto aos contratos celebrados à distância, já que o actual regime (arti-
gos 10.º ss) (ao contrário do anterior: Decreto-Lei n.º 143/2001, artigos 6.º-7.º e 18.º-19.º), salvo
aspectos pontuais, é estabelecido, de igual modo e conjuntamente, para ambas as categorias, em
consonância com a Directiva 2011/83/UE (artigos 9.º ss).
(ii) Para o caso de exercício, o consumidor deve ser informado, sendo caso
disso, de que suportará os custos da devolução do bem e do montante
desses custos, se o bem em causa, pela sua natureza, não puder ser
devolvido por correio normal (4.º/1, l));
(iii) Para a hipótese de o consumidor solicitar que a prestação de serviços se
inicie durante o prazo para o exercício do direito, o profissional deve
informar o consumidor da obrigação de pagar o valor proporcional ao
serviço prestado (4.º/1, m));
(iv) Existe ainda obrigação de informação acerca da própria e excepcional
inexistência do direito de livre desvinculação (cfr. artigo 17.º) e dos
casos em que o consumidor o perde (cfr. artigo 17.º/1, l)) (4.º/1, n));
(v) O dever de informação deve ser cumprido, em tempo útil, antes do
momento da celebração do contrato (4.º/1), nos termos que ficaram
antes indicados, inclusivamente quanto à subsequente integração, dos
respectivos dados, no contrato e aos respectivos aspectos formais, que
jogam como vias de protecção de consumidor153.
153 Cfr. Mara Messina, “Libertà di forma” e nuove forme negoziali, cit., 135.
154
Para a análise do rol de excepções legais, consagradas na sequência do artigo 16.º da Directiva
2011/83/UE, vide Jorge Morais Carvalho, Manual de Direito do Consumo, 3.ª ed., cit., 186 ss
e Jorge Morais Carvalho/João Pedro Pinto-Ferreira, Contratos celebrados à distância e fora do
estabelecimento comercial – Anotação ao Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de Fevereiro, cit., 127 ss.
155
Artigo 18.º/5 do referido Decreto-Lei n.º 143/2001, aplicável aos contratos celebrados fora do
estabelecimento. Sobre esta disposição legal, cfr. Jorge Morais Carvalho, na 1.ª edição do seu
Manual de Direito do Consumo, cit., 160 e Os Contratos de Consumo, cit., 415-416, Carolina Cunha,
Métodos de venda a retalho fora do estabelecimento: regulamentação jurídica e protecção do consumidor, cit.,
300 e, também, Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, 5.ª ed., cit., 123-124, para
quem a norma admitia outras formas de notificação desde que mais solenes. Diferentemente,
quanto aos contratos à distância, a letra do artigo 6.º/5, do mesmo diploma, previa, apenas, a
declaração por carta registada com aviso de recepção, o que suscitava a questão de saber se só por
esta via o direito podia ser validamente exercido. No sentido de que a lei prescrevia “uma forma
especial”, Pedro Romano Martinez, nas primeiras edições da obra Da Cessação do Contrato (1.ª
ed., 2005, 160; 2.ª ed., 2006, 164); em sentido diferente, defendendo que se tratava, apenas, de
uma formalidade ad probationem, que não afastava a hipótese de o consumidor exercer por outras
formas o direito de livre desvinculação de um contrato celebrado à distância, vide Jorge Morais
Carvalho, Manual de Direito do Consumo (1.ª edição: 2013), cit., 135-137 e Os Contratos de Con-
sumo, cit., 397-399; neste mesmo sentido – perante a redacção então em vigor do artigo 16.º/2
do Decreto-Lei n.º 275/93, de 5 de Agosto – Januário Gomes, Sobre o “direito de arrependimento”
do adquirente de direito real de habitação periódica (time-sharing) e a sua articulação com direitos simila-
res noutros contratos de consumo, cit., 74; cfr., também, com solução equivalente, Enrique Rubio
Torrano, Contratación a distancia y protección de los consumidores en el Derecho comunitário; en particular,
el desistimiento negocial del consumidor, Estudos de Direito do Consumidor, n.º 4, 2002, 59 ss (75).
156 Neste sentido, Jean Calais-Auloy/Henri Temple, Droit de la consommation, 9.ª ed., cit., 585.
157 Cfr. Jorge Morais Carvalho, Manual de Direito do Consumo, 3.ª ed., cit., 175.
158
O regime legal anterior era, neste ponto, mais favorável ao consumidor, pois o prazo podia
começar a contar apenas na data do início da prestação de serviços ao consumidor, quando esta
fosse posterior (artigo 18.º/1 do Decreto-Lei n.º 143/2001).
Sobre o início da prestação de serviços, nos respectivos contratos, durante o prazo para exercício
do direito de livre desvinculação, o regime actual estabelece regras especiais e inovadoras: artigo
15.º, que adiante será, novamente, focado, a propósito da imediata eficácia do contrato.
159 A lei usa a expressão “posse física dos bens”.
161 Neste circunstancialismo, evidentemente, a prestação feita a terceiro liberará o devedor (artigo
770.º/a) do Código Civil).
162 Trata-se de um dever pré-contratual, cuja prestação, na situação em causa, o fornecedor de
bens ou prestador de serviços só virá a realizar na vigência do contrato; ainda assim, a letra do
artigo 10.º/3 refere-se à hipótese de, no decurso dos 12 meses, o profissional “cumprir o dever de
informação pré-contratual”.
Para o Direito alemão, quanto ao regime paralelo ao da lei portuguesa, cfr. o § 356/3 BGB; vide
Christian Alexander, Verbraucherschutzrecht, cit., 93-94; Christoph Schärtl, Der verbraucher-
schützende Widerruf bei außerhalb von Geschäftsräumen geschlossenen Verträgen und Fernabsatzverträgen,
cit., 580; Christiane Wendehorst, Das neue Gesetz zur Umsetzung der Verbraucherrechterichtlinie,
cit., 582. No âmbito do correspondente regime legal francês, vide Jean Calais-Auloy/Henri
Temple, Droit de la consommation, 9.ª ed., cit., 585, com referência ao artigo L 121-21/1 do Code de
la consommation (na versão em vigor após 1 de Julho de 2016: artigo L 221-20 do mesmo código).
163 Afi rma o contrário Fernanda Neves Rebelo, O direito de livre resolução no quadro geral do regime
jurídico da protecção do consumidor – Com as alterações introduzidas pelo DL n.º 82/2008, de 20 de Maio,
cit., 66. No sentido do texto, cfr., nomeadamente, Pedro Romano Martinez, Da Cessação do
Contrato, 3.ª ed., cit., 157.
164 Cfr. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, 5.ª ed., cit., 124, José Carlos
Brandão Proença, A desvinculação não motivada nos contratos de consumo: um verdadeiro direito de
resolução?, ROA, 70, cit., 242 e Carolina Cunha, Métodos de venda a retalho fora do estabelecimento:
regulamentação jurídica e protecção do consumidor, cit., 301-302. No mesmo sentido, perante a legis-
lação francesa, Jean Calais-Auloy/Henri Temple, Droit de la consommation, 9.ª ed., cit., 586,
Christian Larroumet/Sarah Bros, Les obligations. Le contrat, 7.ª ed., cit., 367, Raymonde
Baillod, Le droit de repentir, cit., 240 e, à luz do Direito italiano, Cesare Ruperto (dir.), La
Giurisprudenza sul Codice Civile coordinata con la dottrina, Libro IV, Delle Obbligazioni, Tomo III, a
cura di Renato Sgroi, Giuffrè, Milano, 2005, 1707, Maria Carla Cherubini, Sul c.d. diritto di
ripensamento, cit., 698-699, A. Rosboch, Conclusione del contratto, cit., 905.
165 Cfr., Januário Gomes, Sobre o “direito de arrependimento” do adquirente de direito real de habitação
periódica (time-sharing) e a sua articulação com direitos similares noutros contratos de consumo, cit., 76 e
82 e José Carlos Brandão Proença, A desvinculação não motivada nos contratos de consumo: um ver-
dadeiro direito de resolução?, ROA, 70, cit., 237.
166
Assim, Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, 5.ª ed., cit., 124 (a propósito do
correspondente artigo 18.º/4 do Decreto-Lei n.º 143/2001, que tomava as cláusulas como não
escritas).
167
Vide Vincenzo Roppo, Il Contratto, 2.ª ed., cit., 867.
168
A este efeito acrescenta o artigo 11.º/6 a extinção de “toda a eficácia da proposta contratual,
quando o consumidor tenha feito tal proposta”. Este segmento decorrerá da transposição do artigo
12.º/b) da Directiva, segundo o qual o exercício do “direito de retractação” leva à “extinção das
obrigações das partes de celebrar o contrato”, “nos casos em que tenha sido apresentada uma
oferta pelo consumidor”. Também no projecto de Código Europeu dos Contratos, da Academia
dos Jusprivatistas Europeus (Pavia), se prevê o correspondente direito do consumidor, cujo exer-
cício terá efeito extintivo do contrato ou da proposta por si efectuada (artigo 159/1, conjugado
com o artigo 9/1).
Porém, à luz do regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 24/2014, segundo o qual o direito de livre
desvinculação opera no âmbito de um contrato já celebrado, não se vê qual seja o conteúdo útil
da referida prescrição legal contida no n.º 6 do artigo 11.º; cfr. Jorge Morais Carvalho/João
Pedro Pinto-Ferreira, Contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento comercial – Anotação
ao Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de Fevereiro, cit., 107.
169 No sentido em que a expressão é utilizada por José Carlos Brandão Proença, A Resolução
do Contrato no Direito Civil. Do enquadramento e do regime, Coimbra Edit., 1982 (edição 1996), 22 e
160 ss. Ao analisar, especificamente e com profundidade, a livre desvinculação do consumidor,
o ilustre Professor, explicando que o exercício do direito implica uma “liquidação restitutiva”,
identifica, em conclusão, uma “liquidação resolutiva”, “ mais complexa” e “mais intensa” do que
a comum resolução contratual: José Carlos Brandão Proença, A desvinculação não motivada nos
contratos de consumo: um verdadeiro direito de resolução?, ROA, 70, cit., 243 e 269.
170 No domínio do Decreto-Lei n.º 143/2001, vigorava um prazo de 30 dias, a contar da recep-
ser suportado pelo profissional, Jorge Morais Carvalho, Manual de Direito do Consumo, 3.ª ed.,
cit., 181 e Jorge Morais Carvalho/João Pedro Pinto-Ferreira, Contratos celebrados à distância e
fora do estabelecimento comercial – Anotação ao Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de Fevereiro, cit., 110 e 114.
172 Ao invés das duas anteriores (comuns aos contratos celebrados fora do estabelecimento e à dis-
tância), está hipótese só vale no âmbito dos contratos celebrados fora do estabelecimento comer-
cial (cfr. 12.º/5).
173 Saliente-se que, em regra, o consumidor é o proprietário da coisa adquirida: artigo 408.º/1
do Código Civil.
174 Admita-se, a título de exemplo, o caso de um consumidor que, não obstante a falta de infor-
mação, pela contraparte, conhece perfeitamente a existência e todos os contornos do seu direito
de livre desvinculação, que acaba por exercer, depois de experimentar a coisa adquirida, danifi-
cando-a, com uma conduta grosseiramente descuidada.
175
Embora para o eficaz exercício do direito de livre desvinculação valha a expedição da corres-
pondente declaração (11.º/3; cfr. supra), para efeitos da obrigação de o profissional restituir os
montantes pagos, releva o momento em que este seja informado, o que implica a recepção ou o
conhecimento da declaração de desvinculação (de acordo com a regra do artigo 224.º/1, primeira
parte, do Código Civil).
Cfr. José Carlos Brandão Proença, A desvinculação não motivada nos contratos de consumo: um
verdadeiro direito de resolução?, ROA, 70, cit., 241. Cfr. também Jorge Morais Carvalho/João
Pedro Pinto-Ferreira, Contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento comercial – Anotação
ao Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de Fevereiro, cit., 109, que, todavia, apenas se referem, generica-
mente, ao artigo 224.º do Código Civil (de igual modo: Jorge Morais Carvalho, Manual de
Direito do Consumo, 3.ª ed., cit., 180).
176 Cfr. o considerando 46 da Directiva 2011/83/UE, onde se indica, nomeadamente, que o reem-
bolso não deverá ser feito através de nota de crédito (salvo – numa hipótese pouco comum – se
esta via tiver sido a utilizada pelo consumidor).
funcional, que justifica o apelo à exceptio non adimpleti contractus (artigo 428.º do
Código Civil), a valer, por extensão legal do regime (artigo 290.º do Código
Civil), para lá do estrito âmbito das relações contratuais sinalagmáticas, abran-
gendo as obrigações recíprocas de restituição, decorrentes da resolução dos
contratos (cfr. 433.º e 289.º ss do Código Civil)177.
Em caso de mora no cumprimento da obrigação de reembolso, o profis-
sional fica obrigado a devolver em dobro a quantia devida, no prazo de 15 dias
úteis. Esta consequência opera à margem do direito do consumidor a indem-
nização pelos danos (patrimoniais ou não patrimoniais) sofridos – artigo 12.º/6
– configurando, assim, uma verdadeira sanção civil178.
177 Cfr. António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, IX, Direito das Obrigações. Cumpri-
mento e não-cumprimento. Transmissão. Modificação e extinção, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2016, 268
e 280, defendendo a aplicabilidade da exceptio a situações de fonte não contratual que impliquem,
contudo, uma sinalagmaticidade funcional. Cfr., também, Inocêncio Galvão Telles, Direito das
Obrigações, 7.ª ed., Coimbra Edit., Coimbra, 1997, 454, nota 1 – admitindo o saudoso Professor
uma “excepção paralela à de não cumprimento do contrato (…) quando surge situação análoga à dos
contratos sinalagmáticos”, nomeadamente, quanto a obrigações recíprocas de restituição decorrentes,
por exemplo, da resolução dos contratos – bem como José de Oliveira Ascensão, Direito Civil.
Teoria Geral, vol. II, Acções e factos jurídicos, 2.ª ed., Coimbra Edit., 2003, 390 e Pedro Romano
Martinez, Direito das Obrigações. Apontamentos, 4.ª ed., AAFDL, Lisboa, 2014, 292.
Sobre o tema, vide, também, José João Abrantes, A excepção de não cumprimento do contrato no
Direito civil português. Conceito e fundamento, Almedina, Coimbra, 1986, com posição (pelo menos,
aparentemente) diferente (cfr. p. 67, nota 46). Cfr. Jorge Morais Carvalho/João Pedro Pinto-
-Ferreira, Contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento comercial – Anotação ao Decreto-Lei
n.º 24/2014, de 14 de Fevereiro, cit., 111.
178
Cfr., com idêntica solução, o artigo 9.º-B/8 da LDC, bem como o artigo 19.º/2 do revogado
Decreto-Lei n.º 143/2001.
No sentido do texto, considerando que a obrigação de devolução em dobro tem carácter san-
cionatório da mora, RP 27-Abr.-2015 (Carlos Gil) (proc. n.º 4257/13.9TBMTS.P1), in http://
www.dgsi.pt.
Cfr. Jorge Morais Carvalho, Os Contratos de Consumo, cit., 417 e Jorge Morais Carvalho/
João Pedro Pinto-Ferreira, Contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento comercial – Ano-
tação ao Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de Fevereiro, cit., 112.
179 Considera-se acessório o contrato ao abrigo do qual o consumidor adquire bens ou serviços
do artigo 16.º (com expressa ressalva do regime dos contratos de crédito aos
consumidores).
De acordo com a letra da mesma disposição legal, o exercício do “direito
de livre resolução” implica a (impropriamente chamada) “resolução automática”
dos contratos acessórios. Estes cessam, portanto, automaticamente: um modo
de extinção próprio da caducidade dos contratos180.
Esta situação não envolve qualquer obrigação de indemnização ou de paga-
mento de quaisquer encargos, exceptuados os casos previstos nos artigos 12.º/3
e 13.º, por força do citado artigo 16.º181.
180 Neste sentido, José Carlos Brandão Proença, A desvinculação não motivada nos contratos de
constituía um manifesto lapso, ultrapassado pela actual redacção, dada pela Lei n.º 47/2014, de
28 de Julho.
182 Vide Carlos Ferreira de Almeida, Direito do Consumo, cit., 109; José Carlos Brandão
Proença, A desvinculação não motivada nos contratos de consumo: um verdadeiro direito de resolução?,
ROA, 70, cit., 234, 248 e 257; Januário Gomes, Sobre o “direito de arrependimento” do adquirente
de direito real de habitação periódica (time-sharing) e a sua articulação com direitos similares noutros con-
tratos de consumo, cit., 81 e Assunção fidejussória de dívida. Sobre o sentido e o âmbito da vinculação como
fiador, cit., 756; José Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, cit., 328; Fernando de
Gravato Morais, Contratos de crédito ao consumo, cit., 167; Fernanda Neves Rebelo, O direito
de livre resolução no quadro geral do regime jurídico da protecção do consumidor – Com as alterações introdu-
zidas pelo DL n.º 82/2008, de 20 de Maio, cit., 66; Alexandra Teixeira de Sousa, O direito de
arrependimento nos contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento: algumas notas, cit., 29 e 31;
Christian Alexander, Verbraucherschutzrecht, cit., 54; Janko Büsser, Das Widerrufsrecht des
Verbrauchers. Das verbraucherschützende Vertragslösungsrecht im europäischen Vertragsrecht, Peter Lang,
2001, 201 (por referência à maioritária doutrina germânica); Matteo Magri, Le vendite agressive.
Contratti a distanza e negoziati fuori dei locali commerciali, cit., 308; Enrico del Prato, Dieci lezioni
sul contratto, CEDAM, 2011, 76; Valentina Frediani, I danni al consumatore, in I danni da inadem-
pimento, professionisti e consumatori, a cura di Luigi Viola, Halley Edit., 2008, 251; Raymonde
Baillod, Le droit de repentir, cit., 241-242; Patrick Wéry, Droit des obligations, vol. 1, Théorie générale
du contrat, 2.ª ed., Larcier, 2011, 216; Larrosa Amante, El derecho de desistimiento en la contratación
de consumo, cit., 145-146 e 436; Enrique Rubio Torrano, Contratación a distancia y protección de
los consumidores en el Derecho comunitário; en particular, el desistimiento negocial del consumidor, cit., 72;
Lete del Río/Lete Achirica, Derecho de Obligaciones, vol. II, Contratos, cit., 231; Alexandre
Junqueira Gomide, Direito de arrependimento nos contratos de consumo, cit., 55. Na jurisprudência,
vide STJ 28-Abr.-2009 (Fonseca Ramos) (proc. n.º 2/09.1YFLSB), in http://www.dgsi.pt (a
propósito do “direito de arrependimento” no crédito ao consumo).
183 Neste sentido, Jorge Morais Carvalho, Os Contratos de Consumo, cit., 416 e 453 e Manual de
Direito do Consumo, 3.ª ed., cit., 178. Em termos próximos, vide Pedro Romano Martinez, Da
Cessação do Contrato, 3.ª ed., cit., 270 (considerando que o negócio é celebrado com cláusula reso-
lutiva, em que a resolução tem uma base legal), Januário Gomes, Sobre o “direito de arrependimento”
do adquirente de direito real de habitação periódica (time-sharing) e a sua articulação com direitos similares
noutros contratos de consumo, cit., 85 (referindo a condição resolutiva); cfr., também, Reinhard
Zimmermann, The New German Law of Obligations. Historical and Comparative Perspectives, cit., 214
e – para uma equiparação entre o direito de desvinculação do consumidor e a “condição resolutiva
meramente potestativa e unilateral” – Camilla Ferrari, Ipotesi di qualificazione per il «recesso»
del consumatore, RDCiv., LVI, n.º 1, P. II, 2010, 1 ss, em especial, 22 ss, 33 ss, 38.
184 Perante os dados do Direito francês, parte da doutrina defende que a “retractação” se situa
no período de formação do contrato, que, durante o prazo para o exercício do direito, “não está
definitivamente concluído”, sendo o consentimento manifestado pelo consumidor meramente
“embrionário”, só se completando com o decurso do período de reflexão. Vide Jean Calais-
-Auloy, L’influence du droit de la consommation sur le droit civil des contrats, cit., 244, Jean Calais-
-Auloy/Henri Temple, Droit de la consommation, 9.ª ed., cit., 572 e 586, Raymonde Baillod, Le
droit de repentir, cit., 235 ss e 241.
Com orientação contrária, vide, nomeadamente, Dimitri Houtcieff, Droit des contrats, 2.ª ed.,
Larcier, Bruxelles, 2016, 103-104, distinguindo as situações em que o legislador consagra délais
de réflexion, que operam a montante do consentimento – não valendo a aceitação de uma pro-
posta, pelo seu destinatário, antes do decurso de determinado prazo – actuando, portanto, na
fase de formação do contrato, e aquelas em que a lei determina délais de rétractation, que vigoram
a jusante do acordo, já constituído, levando, então, o exercício do correspondente direito à extin-
ção do contrato; segundo Houtcieff, o regime dos contratos celebrados fora do estabelecimento
corresponderá a esta última hipótese. Neste sentido, vide, igualmente, Philippe Malaurie/
Laurent Aynès/Pierre-Yves Gautier, Droit des Contrats Spéciaux, 8.ª ed., cit., 73-75, considerando
a desvinculação do consumidor, no contrato celebrado do estabelecimento, como uma retractação
posterior à formação do contrato e não uma manifestação de uma reflexão prévia.
Sobre o tema, nos quadros do ordenamento francês, cfr. Jean-Pierre Pizzio, Un apport législatif en
matière de protection du consentement. La loi du 22 décembre 1972 e la protection du consummateur solicité
à domicilie, cit., em especial, 80 ss, Stéphane Detraz, Plaidoyer pour une analyse fonctionnelle du droit
de rétractation en droit de la consommation, JurisClasseur, Contrats – Concurrence – Consommation,
n.º 5, Mai 2004, 7 ss (12-13), Valentina Jacometti, Terminologia giuridica e armonizzazione del
Diritto Europeo dei contratti – Ius poenitendi del consumatore nelle Direttive Comunitarie e nell’ordinamento
francese, cit., principalmente, 590 ss, Janko Büsser, Das Widerrufsrecht des Verbrauchers. Das ver-
braucherschützende Vertragslösungsrecht im europäischen Vertragsrecht, cit., 206 ss e, com múltiplas indi-
(do contrato) suspensa ou eficácia resolúvel – vide, com várias indicações, Carlos Ferreira de
Almeida, Direito do Consumo, cit., 110 ss. Cfr. também Jorge Morais Carvalho, Os Contratos
de Consumo, cit., 452-453, Alexandre Junqueira Gomide, Direito de arrependimento nos contratos
de consumo, cit., 62 ss e, com várias indicações, Paolo Gallo, Trattato del Contratto, t. 1, La forma-
zione, cit., 831 ss.
186 Cfr. Januário Gomes, Sobre o “direito de arrependimento” do adquirente de direito real de habita-
ção periódica (time-sharing) e a sua articulação com direitos similares noutros contratos de consumo, cit.,
83, Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, 3.ª ed., cit., 268 (nota 571) e 270, José
Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, cit., 327; cfr., também no mesmo sentido,
Marisa Dinis, Contratos celebrados à distância e contratos celebrados fora do estabelecimento comercial – Da
Diretiva à transposição para o ordenamento jurídico português, cit., 25.
Em sentido concordante, perante o ordenamento italiano, vide Ubaldo Perfetti, Il contratto in
generale, II – La conclusione del contratto, cit., 87-88 e Paolo Gallo, Trattato del Contratto, t. 1, La
formazione, cit., 838. Na doutrina espanhola, vide Gemma Botana García, Los contratos realizados
fuera de los establecimientos mercantiles y la protección de los consumidores, cit., 264, Larrosa Amante,
El derecho de desistimiento en la contratación de consumo, cit., 145-148, 181-182 e 436, Enrique Rubio
Torrano, Contratación a distancia y protección de los consumidores en el Derecho comunitário; en particu-
lar, el desistimiento negocial del consumidor, cit., 72 e Antonio Gálvez Criado, El derecho de desis-
timiento en los contratos indefinidos y en los contratos con consumidores en la Propuesta de Modernización
del Código Civil, in Derecho Privado Europeo y Modernización del Derecho Contractual en España, dir.
Albiez Dohrmann, coord. Palazón Garrido/Méndez Serrano, Atelier, Barcelona, 2011,
534-535 (considerando quer a legislação em vigor, quer a Proposta de Modernização do Código
Civil espanhol). No âmbito do actual regime jurídico alemão, vide Christian Alexander, Ver-
braucherschutzrecht, cit., 55.
No mesmo sentido, vide Jorge Morais Carvalho, Manual de Direito do Consumo, 3.ª ed., cit., 176
ss, excepto no que toca aos contratos de prestação de serviços. Quanto a estes, considera o Autor
que, por força do artigo 15.º/1 do Decreto-Lei n.º 24/2014, “interpretado a contrario sensu”, os
efeitos do contrato não se produzem de imediato, ficando suspensos durante o decurso do prazo
para o exercício do direito de livre desvinculação (cfr. Manual de Direito do Consumo, 3.ª ed., cit.,
178-180; cfr., igualmente, Jorge Morais Carvalho/João Pedro Pinto-Ferreira, Contratos
celebrados à distância e fora do estabelecimento comercial – Anotação ao Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de
Fevereiro, cit., 120-122). Discordamos deste entendimento: embora dentro do condicionalismo
previsto no n.º 1 do artigo 15.º, o consumidor pode exigir a imediata realização da prestação do
serviço contratado, não podendo a contraparte opor-se a esta pretensão. Ora, o prestador de ser-
viços que, nesta circunstância, durante o “período de reflexão” do consumidor, realize a sua pres-
tação, estará a praticar um acto devido, cumprindo (não antecipadamente) a respectiva obrigação
contratual: nesse momento, o contrato existe e já é eficaz.
187 Idêntica orientação foi adoptada – no âmbito dos projectos de Direito europeu dos contratos
– no Draft Common Frame of Reference (DCFR) (“Quadro Comum de Referência), que, no livro
II, capítulo V, contém regras sobre o right of withdrawal, em duas secções, sendo a primeira rela-
tiva ao exercício e aos efeitos do direito (artigos 5:101 – 5:106) e a segunda dedicada aos contratos
celebrados fora do estabelecimento (artigo 5:201) e aos contratos de time-sharing (artigo 5:202);
lê-se no artigo 5:105/(i): «Withdrawal terminates the contractual relationship and the obligations of both
parties under the contract.».
O texto pode ser confrontado em von Bar/Clive/Schulte-Nölke, Principles, Definitions and
Model Rules of European Private Law. Draft Common Frame of Reference (DCFR), Outline Edition,
Sellier european law publishers, Munich, 2009, 201 ss (202).
188 No sentido de que o “direito de arrependimento”, aqui em causa, segue o regime da resolu-
ção, vide Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, 3.ª ed., cit., 58-59 e 157 e Direito
das Obrigações. Apontamentos, 4.ª ed., cit., 289-290, tratando o “arrependimento” como um tipo
ou modalidade de resolução, a que se aplicam os efeitos desta (291 ss); com muito interesse, cfr.,
também, o já citado estudo de Januário Gomes, Sobre o “direito de arrependimento” do adquirente de
direito real de habitação periódica (time-sharing) e a sua articulação com direitos similares noutros contratos
de consumo, 74 e 83.
Em sentido diferente, não reconduzindo os efeitos do “arrependimento do consumidor” à retroacti-
vidade da “verdadeira resolução contratual”, vide José Carlos Brandão Proença, A desvinculação
não motivada nos contratos de consumo: um verdadeiro direito de resolução?, ROA, 70, cit., em especial, 269.
189
Neste sentido, designadamente, Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, 3.ª ed.,
cit., 78, utilizando «resolução» (sem prescindir das aspas), Jorge Morais Carvalho, Os Contratos
de Consumo, cit., 456-457 e Manual de Direito do Consumo, 3.ª ed., cit., 126, Elsa Dias Oliveira,
A protecção dos consumidores nos contratos celebrados através da internet, cit., 109, Fernanda Neves
Rebelo, O direito de livre resolução no quadro geral do regime jurídico da protecção do consumidor – Com as
alterações introduzidas pelo DL n.º 82/2008, de 20 de Maio, cit., 67 (embora considerando a resolução
como a figura mais próxima: p. 68).
190 Sem prejuízo das obras adiante referidas, vide, especialmente, Januário Gomes, Sobre o “direito
de arrependimento” do adquirente de direito real de habitação periódica (time-sharing) e a sua articulação com
direitos similares noutros contratos de consumo, cit., 70 ss e José Carlos Brandão Proença, A desvin-
culação não motivada nos contratos de consumo: um verdadeiro direito de resolução?, cit., passim.
191 Cfr. Valentina Jacometti, Terminologia giuridica e armonizzazione del Diritto Europeo dei con-
tratti – Ius poenitendi del consumatore nelle Direttive Comunitarie e nell’ordinamento francese, cit., 570
ss, 573 ss e 597-598.
192
Veja-se António Pinto Monteiro/Mafalda Miranda Barbosa, Harmonização da linguagem
jurídica ao nível do Direito contratual europeu. Breves notas, Estudos de Direito do Consumidor, n.º 8,
2006/2007, 109 ss (124), que alertam para a circunstância de a expressão “direito de livre resolu-
ção” se prestar a confusões, por contrariar o sentido comum da resolução, que é fundamentada.
193 Em sentido diferente, veja-se Elsa Dias Oliveira, A protecção dos consumidores nos contratos cele-
brados através da internet, cit., 109, considerando a “terminologia interessante e inovadora” e que
“traduz de forma mais fiel a natureza da figura em causa” e Fernanda Neves Rebelo, O direito de
livre resolução no quadro geral do regime jurídico da protecção do consumidor – Com as alterações introduzidas
pelo DL n.º 82/2008, de 20 de Maio, cit., 70, sustentando que a designação direito de livre resolução
foi uma boa escolha do legislador.
194 Vide Jean Calais-Auloy/Henri Temple, Droit de la consommation, 9.ª ed., cit., 586; Stéphane
Detraz, Plaidoyer pour une analyse fonctionnelle du droit de rétractation en droit de la consommation, cit.,
7 e 11; Larrosa Amante, El derecho de desistimiento en la contratación de consumo, cit., 186; Enrique
Rubio Torrano, Contratación a distancia y protección de los consumidores en el Derecho comunitário;
en particular, el desistimiento negocial del consumidor, cit., 71; na doutrina portuguesa, José Carlos
Brandão Proença, A desvinculação não motivada nos contratos de consumo: um verdadeiro direito de
resolução?, ROA, 70, cit., 257.
195 O termo “livre” realça isto mesmo. Vide Fernando de Gravato Morais, Crédito aos consumi-
dores. Anotação ao Decreto-Lei n.º 133/2009, Almedina, Coimbra, 2009, 79; já em União de contratos
de crédito e de venda para o consumo, Almedina, Coimbra, 2004, 190-191, o mesmo Autor conside-
rou “discutível a qualificação proposta pelo legislador” (do Decreto-Lei n.º 143/2001), ao regular
o direito de “livre resolução”.
196 Com diferente entendimento, preferindo associar a livre resolução à retractação ou à revo-
gação, João Calvão da Silva, Banca, Bolsa e Seguros, tomo I, 4.ª ed., cit., 113 e José Carlos
Brandão Proença, A desvinculação não motivada nos contratos de consumo: um verdadeiro direito de
resolução?, ROA, 70, cit., maxime 260 e 270. Também o Professor António Menezes Cordeiro
se refere à possibilidade de o consumidor revogar o contrato (Direito Comercial, 4.ª ed., cit., 643).
197 Neste sentido, Jorge Morais Carvalho, Manual de Direito do Consumo, 3.ª ed., cit., 124-127 e,
já antes, em Os Contratos de Consumo, cit., 455 ss. Este Autor opta por utilizar a expressão “direito
de arrependimento”, terminologia que (de modo muito aproximado) é também bem acolhida por
António Menezes Cordeiro, Da natureza civil do Direito do Consumo, cit., 639 (“direito à reflexão
e ao arrependimento”), A modernização do Direito das Obrigações, III – A integração da defesa do consu-
midor, cit., 718 e Tratado de Direito Civil, VI, 2.ª ed., cit., 110 (“direito de revogação” e “direito ao
arrependimento”) e Direito Comercial, 4.ª ed., cit., 643-644 (“direito ao arrependimento”), bem
como por Carlos Ferreira de Almeida, Direito do Consumo, cit., 100 ss, 105 ss, Luís Menezes
Leitão, A protecção do consumidor contra as práticas comerciais desleais e agressivas, Estudos de Direito
do Consumidor, n.º 5, cit., 166, 167, 172, José Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comer-
ciais, cit., 325 ss (utilizando “direito desistência ou de arrependimento”) e Mário Frota, Os con-
tratos de consumo – Realidades sóciojurídicas que se perspectivam sob novos influxos, RPDC, n.º 23, cit.,
23 ss (usando “direito de arrependimento” ou “direito de desistência”, embora em escrito mais
recente privilegie esta última designação – Contratos à distância. Regras em vigor a 13 de Junho de
2014, RPDC, n.º 78, cit., 10, 15 e 16 ss).
Também no sentido do texto, Elsa Dias Oliveira, A protecção dos consumidores nos contratos cele-
brados através da internet, cit., 109, Valentina Jacometti, Terminologia giuridica e armonizzazione del
Diritto Europeo dei contratti – Ius poenitendi del consumatore nelle Direttive Comunitarie e nell’ordinamento
francese, cit., 599, Larrosa Amante, El derecho de desistimiento en la contratación de consumo, cit., 148
9. Outros aspectos
Abstract: This scientific article collimates to the analysis of the legal framework
of gaming and betting contracts in Macau, mainly regarding the (pressing) question of
“outstanding chips”. Based on this doctrinal article some ideas to resolve the issue of
“outstanding chips” have been pointed out, recommending in particular the mobi-
*
Magistrado do Ministério Público.
lization to the legal framework of gaming and betting contracts in casinos of Special
Administrative Region of Macau, of the doctrinal category of dynamic distribution of
the burden of proof and the theory of the risk levels; regarding, specifically, the (candent)
issue of dynamic distribution of the burden of the proof that is imposed on the casinos
of Macau, enacted in the procedure charge of proving that the liquidation of tax revenue
due to the National Treasury of the Special Administrative Region of Macau,
emerging from the quantitative determination of the outstanding chips is excessive and
whether it passes the test of the proportionality (Verhältnismäßigkeitsgrundsatz).
*
Este estudo segue as regras anteriores ao novo acordo ortográfico.
1
John Bulloch, “Income or Liability: How Casinos Classification of Outstanding Chips Deter-
mine Taxability”, in: UNLV Gaming Law Journal, Vol. 5, Spring 2014, (2014), pp. 121-143.
2 John Bulloch, “Income or Liability: How Casinos Classification of Outstanding Chips Deter-
mine Taxability”, cit., p. 121; no mesmo sentido, Kevin Mcgeehan, The Gaming Industry: An
Analysis of Critical Federal Tax Issues 11 (1994), pp. 11-18.
3 John Bulloch, “Income or Liability: How Casinos Classification of Outstanding Chips Deter-
mine Taxability”, cit., p. 121; no mesmo sentido, Kevin Mcgeehan, The Gaming Industry: An
Analysis of Critical Federal Tax Issues, cit., pp. 17-18.
4 John Bulloch, “Income or Liability: How Casinos Classification of Outstanding Chips Deter-
mine Taxability”, cit., p. 121; no mesmo sentido, Kevin Mcgeehan, The Gaming Industry: An
Analysis of Critical Federal Tax Issues, cit., p. 18.
these transactions as liabilities is inappropriate and at least a portion of the cash casi-
nos receive in this Exchange must be included in gross income5”.
Assim sendo, a questão nodal que se coloca é a de saber qual o método de
cálculo das outstandings chips usualmente utilizado pelos casinos para determinar,
para efeitos fiscais, o seu número aproximado.
A este respeito, e continuando a seguir o pensamento da recente dou-
trina norte-americana, cumpre dizer que os “Casinos use the accrual method to
account from income from gaming activities6. Under the accrual method of accounting,
each casino calculates their income from gaming activities as the amount the casino has
won on the patrons’wagering transactions less any amount the casino has lost from similar
transactions”7.
Todavia, a referida doutrina norte-americana, criticando o método de deter-
minação e quantificação das outstanding chips utilizado pelos casinos, no que res-
peita, em concreto, ao accrual method, aduz que “missing from this equation is the
cash the casino receives in exchange for the chips the patrons use to gamble”8.
Porquanto, “instead of counting this cash received as income, casinos record these
transctions on their books as outstanding liabilities”9.
Esta forma de quantificação das outstanding chips, através do accrual method,
em si mesmo tomada, é criticável.
Na medida em que “this approach allows the casinos to exclude the exchange of
cash for chips when patrons receives the chips and when the patron exchanges the chips
back for cash from the income statement”10.
5 John Bulloch, “Income or Liability: How Casinos Classification of Outstanding Chips Deter-
mine Taxability”, cit., p. 121; no mesmo sentido, I.R.S. Non-Docketed Serv. Adv. Ver. 9274
(Feb. 22, 1990) at 1.
6 John Bulloch, “Income or Liability: How Casinos Classification of Outstanding Chips Deter-
mine Taxability”, cit., p. 121; no mesmo sentido, Kevin Mcgeehan, The Gaming Industry: An
Analysis of Critical Federal Tax Issues, cit., p. 18.
7 John Bulloch, “Income or Liability: How Casinos Classification of Outstanding Chips Deter-
mine Taxability”, cit., p. 121; no mesmo sentido, Kevin Mcgeehan, The Gaming Industry: An
Analysis of Critical Federal Tax Issues, cit., p. 18.
8 John Bulloch, “Income or Liability: How Casinos Classification of Outstanding Chips Deter-
mine Taxability”, cit., p. 121; no mesmo sentido, Kevin Mcgeehan, The Gaming Industry: An
Analysis of Critical Federal Tax Issues, cit., p. 18.
9 John Bulloch, “Income or Liability: How Casinos Classification of Outstanding Chips Deter-
mine Taxability”, cit., p. 121; no mesmo sentido, Kevin Mcgeehan, The Gaming Industry: An
Analysis of Critical Federal Tax Issues, cit., p. 18.
10 John Bulloch, “Income or Liability: How Casinos Classification of Outstanding Chips Deter-
mine Taxability”, cit., p. 121; no mesmo sentido, Kevin Mcgeehan, The Gaming Industry: An
Analysis of Critical Federal Tax Issues, cit., p. 18.
A significar que “all transactions related to the exchange of cash for chips for cash
are accounted for on the balance sheet as a short-term liability instead of unearned or
prepaid revenue”11.
De outra banda, quiçá para afastar o entono crítico acenado pela referida
doutrina norte-americana, os taxpayres (dentre os quais, os casinos) têm mobi-
lizado o argumento “that the requeriment to recognize income when payment received
violates the generally accepted accouting principle of matching12.
Porquanto, ao abrigo do matching principle, “the payment received is not included
in income until the payee has earned the payment through performing the servisse or
surrendering the good”13.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal dos Estados Unidos da
América (Us Supreme Court), tem rejeitado peremptoriamente, desde os finais
dos anos 50 do século XX, a mobilização do matching principle14.
Na verdade, o Supremo Tribunal Federal dos Estados Unidos da América (Us
Supreme Court), no leading case Schlude v. Comm’r, 372 U.S. 128 (1963), embora
reconhecendo algum valor normativo ao matching principle, “it has declined to
allow income deferral unless15 there is a sufficiently determinate showing of the future
expense”16-17.
11 Na doutrina norte-americana, David Hasen, “The Tax Treatment of Advanced Receipts”, in:
Tax Law Review, (2008), 61, pp. 395-401.
12 Na doutrina norte-americana, Nicholas A. Mirkay, “It’s All About Timing: Will Karns
Impact the IRS Battles Over Advance Receipts”, in: Delaware Law Review, (2010), 12, pp. 55-64.
13 Nicholas A. Mirkay, “It’s All About Timing: Will Karns Impact the IRS Battles Over
States (AAA), 367 U. S. 687 (1961) que referem, no que toca ao matching principle, que “this approach
assures that the income is recognized in the same year as the associated expenses”.
15
Nicholas A. Mirkay, “It’s All About Timing: Will Karns Impact the IRS Battles Over Advance
Receipts”, p. 64, nota 98.
16
Us Supreme Court), Schlude v. Comm’r, 372 U.S. 128 (1963), pp. 131-132.
17
Talvez por essa razão, a doutrina norte-americana refira que, tal como Schlude (a dance studio),
“casinos are also accrual-based taxpayers. However, casinos do not account for the outstanding chips in the
same way that the dance studio accounted for their prepayment. When a patron exchanges cash for chips,
the casino classifies the cash as a liability as opposed to unearned or deferred revenue. This is partially due to
the fact that the money received in exchange for chips is “refundable”, which is dissimilar to the prepayments
received under the studio’s contract”, Neste sentido, John Bulloch, “Income or Liability: How Casi-
nos Classification of Outstanding Chips Determine Taxability”, cit., p. 129; no mesmo sentido,
Kevin Mcgeehan, The Gaming Industry: An Analysis of Critical Federal Tax Issues, cit., p. 21. E essa
diferença capital entre o ramo de actividade do Gaming, realizada nos casinos, e os dance studios, foi,
de certa forma, delimitada pelo Us Supreme Court (Schlude), quando afirma que, ao contrário dos
casinos (acrescento nosso), “the taxpayer was a dance studio that received down payments for future lessons.
Though the lessons had an expiration date, the studio din not set up a specific schedule for the completion of
each pre-paid lesson. The contracts were also “non-conceleable” that the studio would retain all pre-payments,
i.e., the income, even if the services were never used by the costumer. This accrual-based tax-payer deferred
including the prepayment in income until the payment was earned. To do so, the studio set up a “deferred
income account” with the total amount of the contract price upon the execution of the contract. As the cliente
used the services, the dance studio determined what amount of revenue had been earned by multying the hours
used by the predetermined per hour charge. If no services had been provided during the year, the contract was
deemed in the deferred income account in that taxable year”. Neste sentido, Us Supreme Court), Schlude
v. Comm’r, 372 U.S. 128 (1963), pp. 130-132.
18 A possível legalização do gaming em Singapura “was initially alluded to in 2004, and after a vari-
ous stages of debate and consultation, the Casino Control Act was passed in 2006. Two operators were then
selected, in what was a very competitive process. Resorts World Sentosa (of Genting Berhard, Malaysia) and
the Marina Bay Sands (of Las Vegas Sands, USA) were each granted a license. The Casino Regulatory
Authority, created in 2008 to oversee the gaming industry, has been performing its mission with very high
degree of transparency. Credit for gaming is authorized and legally enforceable. Gaming promoters can be
licensed in Singapore, but there has been some caution in this regard due to concerns such as suitabilility and
money laundering. Measures are in place to discourage Singapore’s citizens and permanente residentes from
gambling. Citizens and permanent residents are required to pay na entry fee of SGD 100 (around 80 $) to
gain acess for a twenty-four hour period oro f SGD 2000 ($ 1600) for a full year. Tourists do not have to
pay to enter the casinos. There is a check of the documents of every single person going in an out of the casinos.
When this measure ws approved it was thought that ir would be suficiente to prevent most Singaporians from
excessive gambling. However, that proved not to be the case and in fact quite many Singaporeans are willing
to pay the entry fee and play. Other restricitive measures are now being considered to try to lower a somehow
unexpected surge of gambling in Singapore. Overall, Singapore developed casinos with very specific tourism,
business and town planning goals at sight. As the revenue to be gained from the industry was not a priority,
the tax levels are relatively low”; Ver Derek da Cunha, “Singapore Places in Bets: Casinos, For-
eign Talent and Remaking a City-State”, in: Straits Times Press, Singapore, (2010), passim; Jorge
Godinho, “Casino Gaming in Macau: Evolution, Regulation and Challenges”, in: UNLV Gam-
ing Law Journal, Vol. 5, Spring 2014, (2014), p. 23.
19 John Bulloch, “Income or Liability: How Casinos Classification of Outstanding Chips Deter-
20 The Adjusted Float is calculated as follows “ 1) Determine the total value of chips and tokens in
active circulation; 2) Subtract the value of chips and tokens in the custody or under the control of
the house as determined in accordance with normal counting procedures (including tokens in the taxpayer’s
slot machines); 3) Subtract the value of outstanding chips and tokens in denomination of $ 100 or more; 4)
Subtract the adjustment for chips and tokens in denomination of less than $ 100 (the “Small Denomination
Adjustment”). The Small Denomination Adjustment may be determined by either of the following alter-
native methodologies: i) The Experience Method (Alternative 1): The Small Denomination Adjustement
shall be determined as the sum of items (a) and (b). a) the value of chips and tokens of denominations of less
than $ 100 in patrons’hands determined by accrual or observable count as the Computation Date; b) the
value of total chips returns in denominations of less than $ 100 over one-week period immediately following
the Computation Date that are received by the taxpayer; c) From Bright Exchange or other clearinghouse
facilities, and d) from other casinos directly; ii) The percentage Method (Alternative 2): The Small Denomi-
nation Adjustement shall be determined as the sum of items (a), (b) and (c) as applied to chips and tokens
(other than souvenir chips and tokens which shall be separately treated under subparagraph H; a) 75 % of
the value of outstanding chips and tokens in denomination of $ 10 or greater but less than $ 100; b) 35 %
of the value of outstanding chips and tokens in denomination of $ 5 or greater but less than $ 10; c) 10 $ of
the value of chips and tokens of denominations of less than $ 5; 5) The amount recorded in gross income is
any excessof current year outstanding chips over the prior year calculation”; Ver Order Adjusting Partnership
Income at 3, Eldorado Hotel Associates v. Comm’r T. C. No. 2862-95 (April 1, 1996), pp. 5-7; John
Bulloch, “Income or Liability: How Casinos Classification of Outstanding Chips Determine
Taxability”, cit., p. 140; a significar, em suma, que “The Adjusted Float modifies the casino’s income
by changing the Annual Float. The Annual Float is the diference between the current year’s Adjusted Float
and the Adjusted Float of the taxable year immediately preceeding the current taxable year. If the current
year’s Adjusted Float is greater than the prior year’s Adjusted Float, the Annual Float is positive and the
casino must add the amount to their income. When the current year’s Adjusted Float is less than the prior
year’s Adjusted Float, The Annual Float is negative and the casino deducts that amount from their income”;
neste sentido, John Bulloch, “Income or Liability: How Casinos Classification of Outstanding
Chips Determine Taxability”, cit., p. 141.
interpretação do contrato e heteronomia”, in O Direito, Ano 145.º (2013), Volume III, Director:
Jorge Miranda, Almedina, Coimbra, (2014), p. 539.
22 Sendo esta nota típica geralmente associada às normas jurídicas primárias, neste sentido, na doutrina
23
Neste sentido, José Lebre de Freitas, “Sobre o conceito de acto processual”, in Estudos em
Homenagem a Miguel Galvão Teles, Volume II, Almedina, Coimbra, (2012), p. 150.
24
Referindo expressamente a relação de instrumentalidade que medeia o direito processual e o direito
material, na doutrina alemã, o notável estudo de Dieter Medicus, “Anspruch und Einrede als
Rückgat einer zivilistischen Lehrmethode”, in Archiv für die civilische Praxis, 174, (1974), p. 316.
25 Desdobrando a actividade médica em obrigações fragmentárias de actividade e obrigações fragmentárias
relativas à responsabilidade civil do profissional médico – Dos mecanismos jurídicos para uma intervenção pró
damnato», in Revista do CEJ, 1.º Semestre de 2011, Número 15, Dossiê Temático: Crimes contra a
autodeterminação sexual e contra a liberdade sexual com vítimas menores de idade, Almedina,
Coimbra, (2013), p. 28.
prova”; Neste sentido, Rita Lynce de Faria, A inversão do ónus da prova no Direito civil português,
Lisboa, Lex, (2001), p. 36.
29 Neste sentido, defendendo, em matéria de prova difícil ou impossível, o recurso a presunções judi-
acções relativas à responsabilidade civil do profissional médico – Dos mecanismos jurídicos para uma interven-
ção pró damnato», cit., p. 28.
31 Quanto a este aspecto, no âmbito da responsabilidade civil por acto médico, Mafalda Miranda
Medica com particolare riguardo alla ginecologia ed ostetricia: esperienze recenti e prospettive”,
in RcP, Volume LXIX, (2004), pp. 328-335, também disponível em ssrsn.com (acesso em 11 de
Abril de 2015).
33
Neste sentido, Jorge Sinde Monteiro, Responsabilidade por conselhos, recomendações ou informações,
Almedina, Coimbra, Colecção Teses, tese de Doutoramento, (1989), p. 247, nota 429.
34 Na doutrina alemã, acerca do cumprimento do ónus da prova na responsabilidade civil, Ute
Graf, Die Beweislast bei Behandlungsfehlern im Arzthaftungsprozess, VVF, München, (2001), pp. 234
e ss.
35 Neste sentido, por todos, na doutrina francesa, Patrice Jourdain, “Responsabilité Civile”, in
Revue Trimestrielle de Droit Civile, Juillet/Septembre 2008, (2008), pp. 492 e ss.
36 Que prevê um afloramento da distribuição dinâmica do ónus da prova, cingindo-a, no entanto, aos
bandi: uma breve análise da distribuição estática e dinâmica do ônus da prova e a incidência nos
sistemas processuais civis português e brasileiro”, in: Scientia Juridica (SI), Tomo LXIII, n.º 336,
Setembro-Dezembro de 2014, Braga, cejur, (2014), pp. 527-528; João Batista Lopes, “Ónus da
prova e teoria das cargas dinâmicas no novo código de processo civil”, in: Revista de Processo, Ano
37, Volume 204, Fevereiro de 2012, (2012), pp. 231-242.
37 Exposta exemplarmente por Leo Rosenberg, Die Beweislast auf der Grundlage der bürgerlichen
Gesetzbuches and der Zivilprozessordnung, 5. Auflage, Beck, München, 1963, pp. 124-168.
38 Na doutrina portuguesa, José Luís Bonifácio Ramos, “O sistema misto de valoração da prova”,
in: Revista O Direito, Ano 146.º, Vol. III, (2014), Director: Jorge Miranda, Almedina, Coimbra,
(2014), p. 572.
39 Neste sentido, Mariana França Gouveia, A Causa de Pedir na Acção Declarativa, Almedina,
1225.º, do Código Civil: O Facto e o Direito na interpretação dos documentos”, in Estudos sobre
o Direito Civil e Processo Civil, Volume I, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, (2010), p. 443.
41 Neste sentido, José Lebre de Freitas, “A propriedade de prédio confi nante na norma do artigo
1380.º, n.º 1, do Código Civil. Facto constitutivo e facto impeditivo”, in Cadernos de Direito Pri-
vado (CDP), n.º 30, Abril/Junho 2010, cejur, Coimbra Editora, Coimbra, (2010), p. 24, nota 14.
outstanding chips que só pelos casinos – e só pelos casinos – pode ser, com um
mínimo de fiabilidade, realizada)42, onde se divisem direitos colectivos (os da
RAEM), cujo ónus probatório, onde a prova se afigure difícil43, ou mesmo impos-
sível44 toldaria, como acima se apontou, o naipe de direitos subjectivos que lhe
foram conferidos pelo direito substantivo.
Por isso se compreende a razão pela qual a doutrina advogue, nos casos de
dificuldade manifesta na prova de determinados factos, a inversão do ónus da prova
(artigo 337.º, n.º 1 e 2, do Código Civil de Macau) ou, pelo menos, uma redis-
tribuição mais equilibrada do ónus da prova45, e, no âmbito desta, a mobilização da
teoria da distribuição dinâmica do ónus da prova.
De acordo com a teoria da distribuição dinâmica do ónus da prova, cujo precur-
sor, no seu desenho actual, foi o processualista argentino Jorge W. Peyrano,
o ónus probatório deveria ser distribuído não por causa da função que os factos
desempenham no processo, mas, antes, em função do conceito de prova mais
fácil, atribuindo-o, especificamente, à parte que está casuisticamente em posição
mais favorável de o demonstrar46.
Deste modo, a concreta distribuição do ónus probatório deve autonomizar-se
da natureza que os factos assumem no desenho processual (factos constitutivos ou
impeditivos) quando e se essa natureza tornar impossível ou difícil a prova desses fac-
tos naturalísticos47.
Como bem afirmam Jorge Morais Carvalho/Micael Teixeira, esta ideia
justifica-se dado que, deste modo, se estimula a efectiva produção de prova e a
procura da verdade material, onerando a parte com maior facilidade probatória, bem
como se promove a igualdade material entre as partes, dando a ambos maior igual-
dade na possibilidade de fazerem valer a posição em juízo. Isto porque a parte
com maior facilidade probatória pode efectivamente demonstrar a versão do facto
que lhe aproveita e a parte contrária, apesar de ter menor facilidade em provar,
“La prueba difícil”, in Debido Proceso-Realidad y debido processo – El debido processo y la prueba, AAVV,
Buenos Aires, (2003), pp. 329-330.
44 Neste sentido, Elizabeth Fernandez, “Desvio de poder: mito ou realidade?”, in Cadernos de Jus-
tiça Administrativa (CJA), n.º 93, Maio/Junho 2012, cejur, Coimbra Editora, Coimbra, (2012), p. 11.
45 Neste sentido, Elizabeth Fernandez, “Desvio de poder: mito ou realidade?”, in Cadernos de
Mestrado – Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, (2012), pp. 49 e ss.
47 Neste sentido, muito recentemente, Jorge W. Peyrano, “La prueba difícil”, in Civil Procedure
pode sempre beneficiar de uma decisão de ónus da prova, caso a outra parte não
consiga realizar a prova48.
No caso concreto do gaming e das outstanding chips, a teoria da distribuição
dinâmica do ónus da prova seria aplicada, justamente, do ponto de vista da inad-
missibilidade de ónus da prova a cargo do Estado-Colectividade da Região Admi-
nistrativa Especial de Macau quanto ao excesso do montante de imposto devido
– por exemplo, pela contagem defeituosa (para mais) do número global de outs-
tanding chips – porquanto é o casino (que monitoriza e controla desde os números
de série referentes a um dado lote de fichas (chips) que coloca ou retira de circulação
interna no casino; ao número de outstanding chips em poder material dos patrons
que foram (ou não) trocadas por dinheiro (cash) num dado ano civil/económico)
quem tem maior facilidade em demonstrar a versão factual que lhe aproveita, ou
seja, a de que a liquidação do imposto exigível e devido derivou de um excesso no
que respeita à determinação quantitativa das outstanding chips e que, por isso,
aquele (o montante de imposto devido à Fazenda Nacional da Região Adminis-
trativa Especial de Macau) deve ser reduzido para um montante acuradamente
determinado com recurso a uma nova contagem das outstanding chips.
Esta conclusão é reforçada pela asserção de estar em causa factos pessoais dos
gerentes dos casinos (emergentes dos deveres laterais de protecção do patrimó-
nio da RAEM – através do regular pagamento do imposto devido, e, ainda, do
dever de monitorização do sistema informático de registo e quantificação das outstan-
ding chips que dele se desdobra): este está em melhores condições do que qualquer
outro (incluindo a Fazenda Nacional da RAEM) para os trazer ao processo, na
medida em que são factos pertencentes à sua “esfera de risco”49, entendido como
critério suplementar de distribuição do ónus da prova, ou, melhor dizendo, ao
“círculo de vida” em que o facto se produz50-51: é a consagração da denominada
teoria das esferas de risco52, que preconiza uma ligação umbilical entre o ónus da prova
1380.º, n.º 1, do Código Civil. Facto constitutivo e facto impeditivo”, cit., p. 22, nota 10.
50 Neste sentido, na doutrina alemã, Baumgärtel, Beweislastpraxis im Privatrecht, Köln, Karl Hey-
distribuição fundamentada do ónus da prova, Dissertação de Mestrado, Lisboa, Lex, (2000), p. 134.
52 Neste sentido, Pedro Ferreira Múrias, Por uma distribuição fundamentada do ónus da prova, cit.,
p. 137.
53 Neste sentido, na doutrina alemã, pioneiramente, J. Prölss, Die Beweislastverteilung nach Gefa-
hrenbereichen, VersR, (1964), 33 (A), pp. 901-906.
54 Parecendo expressar a admissibilidade de aplicação da teoria das esferas de risco a outros âmbitos
impossibilidade de restituição em espécie”, in O Direito, Ano 144.º (2012), Volume III, Director:
Jorge Miranda, Almedina, Coimbra, (2013), p. 669.
56 No mesmo sentido, na doutrina alemã, Claus-Willem Canaris, “Aquivalenzvermutung und
ção por incumprimento”, in Estudos em Homenagem a Miguel Galvão Teles, Volume II, Almedina,
Coimbra, (2012), p. 703.
58 Neste sentido, miguel mesquita, “A flexibilização do princípio do pedido à luz do moderno
Processo Civil”, in Revista de Legislação e Jurisprudência (RLJ), Ano 143.º, 3983, Novembro-Dezem-
bro 2013, Director: António Pinto Monteiro, Coimbra Editora, Coimbra, (2013), p. 143.
59 Neste sentido, José Luís Bonifácio Ramos, “Questões relativas à Reforma do Código de
Processo Civil”, in O Direito, Ano 144.º, 2012, Volume III, Director: Jorge Miranda, Almedina,
Coimbra, (2013), p. 669.
60 Neste sentido, José Luís Bonifácio Ramos, “Desígnios do “novo” Código de Processo Civil”,
in O Direito, Ano 145.º (2013), Volume IV, Director: Jorge Miranda, Almedina, Coimbra, (2014),
p. 814.
61
Neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa, “Apontamentos sobre o princípio da gestão pro-
cessual no novo Código de Processo Civil”, in Cadernos de Direito Privado (CDP), n.º 43, Julho/
Setembro 2013, cejur, Coimbra Editora, Coimbra, (2013), p. 10.
62 Neste sentido, Isabel Alexandre, “A fase de instrução e os novos meios de prova no Código
de Processo Civil de 2013”, in Revista do Ministério Público (RMP), n.º 134, Ano 34, Abril-Junho
2013, Coimbra Editora, Coimbra, (2013), p. 21.
63 Neste sentido, Carlos Lopes do Rego, “O Princípio do Dispositivo e os Poderes de Con-
volação do Juiz no Momento da Sentença”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de
Freitas, Comissão Organizadora: Armando Marques Guedes; Maria Helena Brito; Ana Prata; Rui
Pinto Duarte; Mariana França Gouveia, Volume I, Coimbra Editora, Coimbra, (2013), p. 833.
64 Hugo Luz dos Santos, “O dever de lealdade dos Administradores das Sociedades Comer-
ciais na Região Administrativa Especial de Macau e em Portugal (algumas notas mais ou menos
desenvolvidas)”, in: Revista de Administração Pública de Macau, n.º 108, Macau, China, (2015), em
curso de publicação, passim.
65 Ver, na doutrina norte-americana, sobre as restrições (totais ou parciais) de acesso ao direito de proprie-
dade, Ahsley Mas, “Eminent Domain Law and “Just” Compensation for Diminution of Acess”,
in Cardozo Law Review (CLR), Vol. 36, 371, (2014); Jeremy P. Hopkins, “Just Compensation:
Elementary Principles and Considerations to Ensure Property Owner is Made Whole”, in ALI-
ABA, 53, 117, (2006); ver Philip Nichols et Alii, Nichols on Eminent Domain, § 16. 01, Mathew
Bender, 3rd edition, (2013); Jack R. Sperber, “Just Compensation and the Valuation Concepts
You Need to Know to Measure”, in ALI-ABA, 1, 8-9, (2009); Ver, na jurisprudência norte-ameri-
cana, Wilbert Family Ltd P’ship v Dall. Area Rapid Transit, 371 S.W.D., 3d 506, 510 (Tex. App 2012).
66
Ver, sobre a protecção do direito de propriedade privada à luz do artigo 6.º e 103.º Lei Básica
de Macau, na doutrina macaense, Paulo Cardinal, The Constitucional Layer of Protection of Fun-
damental Rights in the Macau Special Administrative Region, Macau, (2008), p. 257; Paulo Cardi-
nal, “A Lei Básica e o regime jurídico das terras na Região Administrativa Especial de Macau”,
in: Scientia Juridica (SI), Tomo LXIII, n.º 336, Setembro-Dezembro de 2014, Braga, cejur, (2015),
p. 432; à luz da Lei Básica de Hong Kong, ver, Simon Young, “Restricting Basic Law Rights
in Hong Kong”, in: Hong Kong Law Journal, (2004), p. 110; veja-se, ainda na doutrina macaense,
Tong Io Cheng, The Origin of Ownership and the Legitimacy of the Existence and Continuation of the
System: A Civil Law Person’s Interpretation of the Private Property Protection System in the Basic Law of
the Macao SAR, Macau, China, (2009), passim.
67 V., na doutrina portuguesa, monograficamanente, Miguel Nogueira de Brito, A Justificação da
68 V., na doutrina alemã, Markus Appel, Entstehungsschäche und Bestandsstärke des verfassungsrechtli-
chen Eigentums, p. 218.
69 A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) tem referido, a este res-
peito, que “A expectativa legítima de ver realizada a pretensão merece a protecção do artigo 1.º, do Protocolo
Adicional n.º 1 à Convenção Europeia dos Direitos do Homem (….) e engloba o direito ao respeito dos seus
bens, que não implica somente o respeito pela titularidade do direito de propriedade. Para além disto, ao pro-
prietário é assegurado o exercício das faculdades inerentes a este direito, como sejam as de usar, dispor ou retirar
dela os seus frutos”; na doutrina portuguesa, V. Tiago Macieirinha, “O direito de propriedade na
Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, in: Revista O Direito, Ano 146.º, (2014), I, Alme-
dina, Coimbra, (2014), pp. 76-77; no mesmo sentido, Acórdãos do Tribunal Europeu dos Direitos do
Homem (TEDH), Pressos Compania Naviera S. A., n.º 31; Gratzinger e Gratzingerova, n.º 73, Jantner,
n.º 29-33, Marckx, n.º 63, Kotov, n.º 90, Stran Greek Refineries and Straits Andreadis, n.º 61.
70 Na doutrina alemã, Robert Alexy, Theorie der Grundrechte, (1985), 6.ª Ed., Frankfurt, Suhrkamp,
Global Constitucionalism”, in: Columbia Journal of Transnational Law, n.º 47, (2008), pp. 72-164.
72
Ver, na doutrina norte-americana, David M. Beatty, The Ultimate Rule of Law, Oxford, Oxford
University Press, (2004), pp. 34-49.
73 Sobre o constitucionalismo norte-americano, ver, na doutrina norte-americana, Louis Seid-
mann, Never Mind the Constitution; On Constitution Disobedience, New York, N.Y., Oxford Uni-
versity, 2012, pp. 12-35.
74 Sobre o constitucionalismo norte-americano, ver, na doutrina norte-americana, Jeremy Wal-
dron, Book Review Never Mind the Constitution; On Constitution Disobedience, in: Harvard Law Review,
Volume 127, (2014), pp. 1151 e ss.
75 Ver Robert Alexy, Theory of Constitutional Rights, Oxford, Oxford University Press, (2002),
pp. 47-49.
76
Em recente publicação portuguesa, Robert Alexy, “Direitos Fundamentais e princípio da
proporcionalidade”, tradução por Paulo Pereira Gouveia, in: Revista O Direito, Ano 146.º, (2014),
IV, Almedina, Coimbra, (2015), p. 821.
77 Robert Alexy, Theory of Constitutional Rights, cit., p. 102.
78 Robert Alexy, “The Weight Formula”, in: Frontiers of Economics Analysis of Law – Studies in the
Philosophy of Law, 3, Cracow, Jagiellonian University Press, (2007), pp. 9-27; Robert Alexy, Theory
of Constitutional Rights, cit., pp. 97-99; na língua alemã, Robert Alexy, “Die Gewichtsformel”,
in: Gedächnisschrift für Jürgen Sonnenschein, Verlag, Köln, (2003), 771-792.
79 Por essa razão, entende-se que “a Fórmula do Peso está intrinsecamente ligada ao discurso jurídico.
Ela exprime uma forma argumentativa básica do discurso jurídico”; por isso, ela é ligada “à Fórmula da
Subsunção como a única forma argumentativa básica do discurso jurídico”; neste preciso sentido, em lín-
gua inglesa, Robert Alexy, “On Balancing and Subsumption”, in: Ratio Juris, n.º 16, (2003),
pp. 433-448; Robert Alexy, On the Nature of Legal Principles, Archives for Philosophy of Law, vol.
Supl. 119, Franz Steiner & Nomos, (2010), pp. 9-18; Robert Alexy, A Theory of Legal Argumen-
tation, Oxford, Claredon Press, (1989), pp. 221-230; em língua alemã, monograficamente, Ernst-
-Wolfgang Böckenforde, “Grundrechte als Grundsatznormen. Zur Gegenwartige Lage der
Grundrechtesdogmatik”, in: Böckenförde, Staat, Verfassung, Demokratie, Suhrkamp, Frankfurt am
Main, (1991), pp. 188-190; Robert Alexy, Theorie der Juristichen Argumentation, (1978), 6.ª Ed.,
Frankfurt am Main, Suhrkamp, (2008), pp. 273-283.
80 Sobre o tema, na doutrina norte-americana, Ronald Dworkin, Taking rights seriously, (1997),
pp. 81 e ss; Ahron Barak, The Judge in a Democracy, (2006), pp. 13 e ss.
81 O Direito encontra o seu ponto gravitacional na actividade judicial; tudo se resume a saber, portanto,
a forma pela qual o juiz decidirá o caso concreto, uma vez que “It matters how judges decide cases”;
Ver, na doutrina norte-americana, Ronald Dworkin, Law’s Empire, Hart Publishing, London,
(1998) (reimp. da edição de 1986), p. 1; Ronald Dworkin, A Matter of Principle, Clarendon Press,
Oxford, (2001) (reimp. da ed. de 1985), pp. 10 e ss; Ronald Dworkin, Taking rights seriously,
Duckworth Books, London, 2nd edition, (1982), pp. 3 e ss.
82
Para uma panorâmica geral da forma como os juízes pensam, na doutrina norte-americana,
Richard Posner, How judges think, (2008), que refere a p. 13, “que as filosofias judiciais são ou
racionalizações para decisões tomadas por outros fundamentos ou armas retóricas”; com muito interesse,
defendendo no âmbito jurídico-constitucional norte-americano, o minimalismo, Cass Sunstein,
Radicals on Robes, (2005), passim; para uma crítica acerba à posição doutrinal de Cass Sunstein,
v., na doutrina norte-americana, Ronald Dworkin, “Looking for Cass Sunstein”, in: The New
York Review of Books, (2009), 56.
83 Ainda que, muito recentemente, a doutrina norte-americana, se bem que no âmbito do (aceso
práticos das decisões judiciais, em relação ao caso concreto como ao sistema como
um todo, devem ser o factor decisivo na actuação dos tribunais84.
No caso concreto, a distribuição dinâmica do ónus da prova que impende sobre
os casinos de Macau, traduzido no encargo processual de provar que a liquidação do
imposto devido à Fazenda Nacional da Região Administrativa Especial de Macau,
emergente da determinação quantitativa das outstanding chips é excessivo; é jurídico-
-constitucionalmente sustentável.
A significar que, em sede do framework originalism85, esse é o original meaning
da norma constitucional que canoniza o princípio da dignidade da pessoa humana
dos cidadãos da Região Administrativa Especial de Macau (artigo 30.º, da Lei
Básica de Macau) – pois é o recebimento completo e regular das receitas fiscais
que a operacionaliza –; na medida em que “the interpreters must be faithful to the
original meaning of the constitutional text and the principles that underlie the text”86;
sendo essa a razão pela qual autorizada doutrina norte – americana refere que
“there are benefits that are hard or impossible to quantify (such as human dignity)”87.
84
Sobre este debate, na doutrina norte-americana, Richard Posner, Law, pragmatism and democ-
racy, (2003), passim; Jules Coleman, The pratice of principle: in defence of a pragmatic approach to legal
theory, (2001), passim.
85 Na doutrina norte-americana, Jack M. Balkin, “Framework Originalism and The Living
Constitution”, Public Law & Legal Theory Research Paper Series, Research Paper n.º 82, in: Yale
Law Journal, February 2008, (2008), p. 4.
86 Jack M. Balkin, “Framework Originalism and The Living Constitution”, cit., p. 4; Jack M.
Balkin, “The New Originalism and The Uses of History”, in: Fordham Law Review, Vol. 82
(2013), p. 647.
87 Na doutrina norte-americana, Cass R. Sunstein, “The Real World of Cost-Benefits Analy-
sis: Thirty-Six Questions (and almost as many answers)”, in: Columbia Law Review, January 2014,
Volume 114, Number 1, (2014), p. 177.
§ 1. Considerações introdutórias
rio, importa saber quais as consequências daí decorrentes para as partes e como
se articulam as posições de cada um dos envolvidos.
Uma última nota para que fique assente, desde já, que o presente estudo
não se apresenta possível em moldes de estabelecer soluções concretas e gene-
ricamente aplicáveis, tendo em conta o campo em que se insere: por um lado,
as relações fidejussórias podem ser muito diversificadas, pelo que cada caso
apresentará características próprias que importam considerar; por outro lado, no
que respeita à regra de conduta segundo a boa fé, joga-se com situações concre-
tizáveis em cada caso concreto, de modo que é a própria essência dos deveres
acessórios que determina que eles se moldem na base da relação negocial em
causa e em consonância com as necessidades de protecção e prevenção de danos
presentes em cada situação. De igual modo, o abuso do direito apresenta-se
como instituto a ser aplicado in casu e de acordo com as suas configurações
específicas. Assim, o presente estudo pretende apresentar modelos de solução
que se afigurem, em abstracto, válidos e admissíveis, mas cuja aplicação depen-
derá da apreciação e ponderação em cada caso concreto.
1
Sobre a fiança em geral, cfr., entre outros, J. Costa Gomes, Assunção Fidejussória de Dívida: Sobre
o sentido e o âmbito da vinculação como fiador, Coimbra: Almedina, 2000; A. Menezes Cordeiro,
Tratado de Direito Civil, vol. X, Coimbra: Almedina, 2015, pp. 423 e ss.; Pestana de Vasconcelos,
Direito das Garantias, 2.ª ed., Coimbra: Almedina, 2013, pp. 83 e ss.; L. Menezes Leitão, Garan-
tias das Obrigações, 2.ª ed., Coimbra: Almedina, 2008, pp. 105 e ss.; e Almeida Costa, Direito das
Obrigações, 12.ª ed., Coimbra: Almedina, 2009, pp. 888 e ss..
2 Considera-se que o fiador é terceiro face à relação base que deu origem ao crédito cujo cum-
primento é garantido.
3 Note-se que a regra é que pelas dívidas responde o patrimínio próprio do devedor, constituindo
esse património a garantia geral do cumprimento, nos termos do artigo 601.º CC. Todas as garan-
tias que se lhe venham juntar são, então, garantias especiais.
4 Sobre a distinção entre garantias pessoais e garantias reias, cfr., entre outros, L. Menezes Lei-
tão, Garantias…, pp. 95-96, e Almeida Costa, Direito…, pp. 881-884, tendo presente que na
garantia pessoal há uma pessoa que se vincula ao cumprimento da obrigação, enquanto na garan-
tia real há um bem, do devedor ou de terceiro, que é afecto, preferencialmente, ao cumprimento
de determinada obrigação.
5
Pestana de Vasconcelos, Direito…, p. 85; L. Menezes Leitão, Garantias…, p. 107.
6 Cfr. Almeida Costa, Direito…, p. 846.
7 Cfr. A. Menezes Cordeiro, Tratado…, vol. X, pp. 442-444; Pestana de Vasconcelos, Direito…,
p. 85; L. Menezes Leitão, Garantias…, pp. 106-107; e, mais desenvolvidamente, J. Costa Gomes,
Assunção…, pp. 121 e ss., maxime pp. 130 e ss., onde procura delimitar o conteúdo da obrigação
do fiador face à do devedor e nota, numa manifestação desta individualização de prestações, que
o cumprimento da obrigação do fiador não acarreta o cumprimento nem a extinção da obrigação
do devedor, que continua a ela vinculado face àquele, por força da sub-rogação do artigo 644.º
CC, e que o credor, quando exige o cumprimento ao fiador, faz actuar o direito de crédito de
garantia que tem contra ele e não aquele que tem contra o devedor.
prestação de fiança, com respeito pelos limites do artigo 631.º CC – assim, além
do devedor principal estar obrigado por via do contrato base, também o fiador
tem um dever de realizar a prestação, o qual resulta da fiança, havendo duas
obrigações distintas8 e com fontes e regimes também, em regra, diversos. O
credor fidejussório é credor de ambas as obrigações e o conteúdo da obrigação
do fiador, que dá origem ao crédito fidejussório, embora seja uma obrigação
própria, depende, então, do conteúdo da obrigação do devedor9, que dá ori-
gem ao crédito principal.
A obrigação do fiador caracteriza-se, assim, pela acessoriedade10, tal como
resulta expressamente do artigo 627.º, n.º 2, CC; esta característica significa que
a obrigação do fiador é moldada à luz da do devedor principal, estando o seu
regime dependente das vicissitudes e do regime definido para a obrigação prin-
cipal e sendo o seu conteúdo definido em relação a esta. A consulta do regime
legal da fiança demonstra exactamente o que se acaba de dizer, nomeadamente
no que diz respeito à forma da constituição, à validade, ao âmbito, aos meios
de defesa de que dispõe o fiador e à extinção11, na medida em que a acesso-
riedade implica o acompanhamento da obrigação fidejussória face à obrigação
garantida12. Outra importante característica é a subsidiariedade13 da fiança em
relação à obrigação principal e esta tem a sua principal manifestação na consa-
gração do benefício da excussão prévia pelos artigos 638.º e 639.º CC – quer
isto dizer que o fiador pode recusar o cumprimento da obrigação quando o
património do devedor principal não tenha sido excutido; quando, tendo-o
sido, o crédito não tenha sido satisfeito por culpa do credor; e quando tenham
sido constituídas garantias reais. O fiador pode renunciar a este benefício nos
termos do artigo 640.º, alínea a), CC e a sua invocação pode ser impedida
nos termos da sua alínea b), afastando então a subsidiariedade característica da
8 Em considerações sobre as garantias pessoais em geral, cfr. J. Costa Gomes, Assunção…, pp.
57 e ss..
9 Almeida Costa, Direito…, p. 889.
10
De resto, é característica das garantias em geral, na medida em que elas são funcionalizadas e
dependentes relativamente à obrigação assegurada. Para mais desenvolvimentos, cfr. Cláudia
Madaleno, A acessoriedade nas garantias das obrigações, Lisboa: FDUL, 2009, maxime, a propósito da
fiança, pp. 139 e ss.; A. Menezes Cordeiro, Tratado…, vol. X, pp. 172 e ss.; e J. Costa Gomes,
Assunção…, pp. 106 e ss..
11 Cfr. L. Menezes Leitão, Garantias…, pp. 109-110; Pestana de Vasconcelos, Direito…, pp.
14 Cfr., entre outros, Pestana de Vasconcelos, Direito…, pp. 88-90, e A. Menezes Cordeiro,
Tratado…, vol. X, pp. 444-445 e 486 e ss..
15 Para mais desenvolvimentos a propósito da discussão, cfr. J. Costa Gomes, Assunção…, pp.
377 e ss..
16 Assim, J. Costa Gomes, Assunção…, pp. 388-389; Pestana de Vasconcelos, Direito…, p. 85;
18 Os defensores da natureza contratual interpretam este preceito apenas com o sentido de que
somente a declaração do fiador tem de seguir a forma exigida, o mesmo já não se aplicando à
declaração de aceitação da contraparte, que segue a regra da liberdade de forma.
1.3. Breve análise das posições das partes decorrentes da prestação de fiança
19
Cfr. Miguel Brito Bastos, “Deveres acessórios de informação. Em especial, os deveres de
informação do credor perante o fiador”, in Revista de Direito das Sociedades, A. V (2013), n.º 1/2,
pp. 181-281 (185-187).
20
Almeida Costa, Direito…, p. 899, e A. Menezes Cordeiro, Tratado…, vol. X, p. 492.
21
Para mais desenvolvimentos, cfr. A. Menezes Cordeiro, Tratado…, vol. X, pp. 491 e ss.; L.
Menezes Leitão, Garantias…, pp. 114 e ss.; Almeida Costa, Direito…, pp. 899 e ss.; e Pestana
de Vasconcelos, Direito…, pp. 92 e ss.. Mais desenvolvidamente sobre o direito à liberação, e
atenta a sua importância, cfr. J. Costa Gomes, Assunção…, pp. 835 e ss..
22 Para mais desenvolvimentos, cfr. Pestana de Vasconcelos, Direito…, pp. 90 e ss.; A. Mene-
zes Cordeiro, Tratado…, vol. X, pp. 484 e ss.; L. Menezes Leitão, Garantias…, pp. 111 e ss.; e
J. Costa Gomes, Assunção…, pp. 941 e ss..
23
A celebração de negócios jurídicos está na disponibilidade das partes, dentro dos limites legais,
conforme dispõe o artigo 405.º CC. Cai, assim, no âmbito da autonomia privada a decisão de
celebrar um contrato, bem como a inclusão das mais variadas cláusulas, desde que as mesmas ou
os efeitos por elas alcançados não sejam legalmente proibidos – a liberdade contratual abrange a
decisão de contratar e a opção quanto ao conteúdo do contrato. Sobre o princípio da liberdade
contratual, cfr., entre outros, Almeida Costa, Direito…, pp. 228 e ss..
24 As prestações podem ser principais ou secundárias: A. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito
Civil, vol. VI, 2.ª ed., Coimbra: Almedina, 2012, pp. 319-320, distingue-as com referência à obri-
gação – assim, a prestação principal será o ponto de vista unitário da obrigação à volta do qual se
ordenam as restantes actuações, correspondentes às prestações secundárias; o conjunto unificado
será a obrigação. As prestações principais e secundárias têm como fonte o contrato e têm subja-
cente a ideia do dever de prestar, tendo sido conhecidas e queridas pelas partes aquando da con-
tratação (cfr., também, pp. 475 e ss.).
25 A propósito da boa fé, de referir que existem dois conceitos que importam distinguir: i) a boa fé
subjectiva e ii) a boa fé objectiva. A boa fé subjectiva está relacionada com uma situação psicológica
do agente, ou seja, está relacionada com estados relativos à pessoa – tem que ver com o conheci-
mento, ou não, de uma circunstância de facto ou de direito, discutindo-se ainda em que moldes.
A boa fé objectiva surge como algo exterior ao sujeito, que lhe é imposto através de regras, prin-
cípios ou limites, traduzindo uma regra de conduta – está relacionada com uma norma a respeito
das condutas das partes ou dos conteúdos negociais. Aqui relevante é a boa fé objectiva. Sobre a
distinção, cfr., entre outros, A. Menezes Cordeiro, Da Boa Fé…, pp. 24, 407 e ss., 510 e ss.; Nuno
Pinto Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra: Coimbra Editora, 2011, pp. 163-164;
e L. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, 9.ª ed., Coimbra: Almedina, 2010, pp. 56 e ss..
26
A. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, vol. V, 2.ª ed., Coimbra: Almedina, 2015, p.
374, considera que a boa fé «surge tão-só como uma via para permitir, ao sistema, reproduzir,
melhorar, corrigir e completar as suas soluções».
27 A. Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, Coimbra: Almedina, 2013 (5.ª reimp.), p. 649.
28 Sobre os deveres acessórios em geral, cfr. A. Menezes Cordeiro, Tratado…, vol. VI, pp. 321-323
e 510 e ss.. Estes deveres são impostos pelo direito à relação obrigacional como forma de impor
a prossecução dos valores do sistema e a prevenção de danos nas prestações devidas e nas pessoas
envolvidas e enquanto decorrência da boa fé; complementam, deste modo, os efeitos pretendidos
pelas partes, integrando-se no todo da obrigação através da unificação com os deveres de prestar
e seguindo o seu regime (p. 517). Os deveres acessórios cominados podem ser de três categorias:
de segurança, de lealdade e de informação (p. 322) – cfr., também, A. Menezes Cordeiro, Da
Boa Fé…, pp. 604 e ss..
29 Não deverá obstar à cominação de tais deveres após a cessação do contrato ou envolvendo ter-
ceiros o facto de não haver regra nesse sentido, tal como há nos artigos 227.º e 762.º, n.º 2, CC
para a fase de negociações e para a execução do contrato, uma vez que os vectores que preenchem
a “boa fé” são também projectados «na constatação de lacunas e na sua integração onde estes não
encontrarem regulação legal» – Miguel Brito Bastos, “Deveres acessórios…”, p. 193, nota 21.
A. Menezes Cordeiro, Tratado…, vol. VI, p. 321, considera que a aplicação da regra de conduta
segundo a boa fé, em geral, para o exercício de quaisquer posições jurídicas fora das previstas nos
artigos 227.º, n.º 1, e 762.º, n.º 2, CC decorre da regra do artigo 334.º CC, que proíbe a conduta
que desrespeite os limites impostos pela boa fé.
30
Cfr. A. Menezes Cordeiro, Da Boa Fé…, p. 590, e Tratado…, vol. VI, pp. 319 e ss., que diz que
«não há “obrigações simples”: para executar correctamente aquilo a que se adstringiu, o devedor
deverá sempre proceder a actuações diferenciadas»; Antunes Varela, Das Obrigações em Geral,
vol. I, 10.ª ed., Coimbra: Almedina, 2003 (Reimp.), p. 121; e Nuno Pinto Oliveira, Princípios…,
p. 49, onde caracteriza a relação obrigacional complexa por se concretizar «num conjunto ou num
sistema de direitos subjectivos propriamente ditos e de deveres jurídicos, de direitos potestativos e de estados
de sujeição, de excepções, de ónus e de expectativas jurídicas». L. Menezes Leitão, Direito…, vol. I, pp.
123-126, dá à obrigação um sentido que abrange «o conjunto de situações jurídicas geradas no
âmbito da relação entre o credor e o devedor», abrangendo i) o dever de efectuar a prestação prin-
cipal, ii) o de efectuar as prestações secundárias, iii) os deveres acessórios, iv) sujeições, v) poderes
ou faculdades e vi) excepções.
teiro, Responsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações, Coimbra: Almedina, 1989, pp.
409 e ss., e Miguel Brito Bastos, “Deveres acessórios…”, pp. 191-193 entre deveres de infor-
mação stricto sensu e deveres de esclarecimento. Assim, os primeiros funcionam mediante a soli-
citação pelo seu beneficiário que cria a obrigação na esfera do devedor da informação, sendo que
«o titular de um direito de informação tem uma mera faculdade potestativa que pode exercer
contra o devedor de informação (que até à eficácia desse exercício não é, em rigor, um devedor,
encontrando-se num correlativo estado de sujeição)» (“Deveres acessórios…”, p. 192) e os segundos
implicam uma obrigação de o devedor da informação comunicar os factos em questão esponta-
neamente, pelo que «o direito de esclarecimento surge na esfera do seu titular mal se verifiquem
os seus pressupostos, nos quais não se inclui qualquer exercício potestativo da sua parte» (“Deve-
res acessórios…”, p. 192). Cfr. também a distinção feita por Nuno Pinto Oliveira, Princípios…,
pp. 188-190, onde apresenta três requisitos para os ditos deveres de esclarecimento: i) a assimetria
informacional, ii) a essencialidade da informação, e iii) a exigibilidade da informação resultante
da ponderação de todas as circunstâncias do caso concreto – estes requisitos poderão ser recon-
duzidos aos que serão analisados a propósito da cominação do dever de informação; por outro
lado, considera que o princípio geral a propósito do dever de informação é o de que cada parte
tem o dever de comunicar à outra todos os elementos que lhe tenham sido solicitados. Considere-
-se, assim, a referência a deveres de informação como abrangendo as duas realidades, atendendo
a que a distinção prende-se em grande parte com a força das razões que justificam a imposição
de tais deveres e a consequente restrição da liberdade de agir do devedor da informação, embora
considerando em primeira linha os deveres de esclarecimento, deveres de prestação espontânea.
34 Cfr. A. Menezes Cordeiro, Da Boa Fé…, pp. 1189 e ss..
35 Assim, A. Menezes Cordeiro, Da Boa Fé…, p. 1248; Nuno Pinto Oliveira, Princípios…, p.
39 Cfr. João Baptista Machado, “Tutela da Confiança e ‘Venire Contra Factum Proprium’”, in Obra
40 Cfr. A. Menezes Cordeiro, Da Boa Fé…, pp. 1249 e 1262; M. Carneiro da Frada, Teoria
da Confiança…, p. 586; e Miguel Brito Bastos, “Deveres acessórios…”, p. 199. É de notar que,
por motivos óbvios, a inexistência de uma situação de confiança não poderá ser compensada, não
havendo então cominação do dever de informar. No caso da cominação de deveres de informação
ao credor fidejussório perante o fiador, questão que importa no âmbito do presente estudo, parece
seguro afirmar que, na generalidade dos casos, o credor fidejussório não criou na sua esfera uma
situação de confiança de que lhe seriam prestadas as informações devidas; assim sendo, perante
a inexistência de uma situação de confiança na prestação das informações, a cominação de tais
deveres ao credor estará dependente da verificação de outros princípios que possam justificar a
imposição. O afastamento, à partida, da constituição de uma situação de confiança na esfera do
fiador justifica-se pelas características da fiança e da relação que se estabelece entre as partes, o
que não impede que, num caso concreto, se conclua pela sua existência.
41 Sobre a questão, cfr. Miguel Brito Bastos, “Deveres acessórios…”, pp. 200 e ss., e bibliografia
43 Cfr. A. Menezes Cordeiro, Da Boa Fé…, p. 1253, que, naquilo que veremos que nos inte-
45 Neste sentido, A. Menezes Cordeiro, Da Boa Fé…, p. 651, diz que «o Direito não procura
uma igualdade negocial absoluta como regra», mas que o desequilíbrio deve ser esclarecido e a
parte débil deve aceitar, com conhecimento, a desvantagem e as posteriores vicissitudes que afec-
tem as posições dos envolvidos.
46 Miguel Brito Bastos, “Deveres acessórios…”, p. 212.
47
Sobre as características do sistema, cfr. A. Menezes Cordeiro, Da Boa Fé…, pp. 1258 e ss..
48
Miguel Brito Bastos, “Deveres acessórios…”, p. 214, diz que o conteúdo do princípio da
autodeterminação «tem como condição da sua optimização que a base factual, de que os agentes
disponham para tomarem decisões sobre a prática de actos, integre a totalidade dos factos rele-
vantes para essas decisões».
49
Neste sentido, Miguel Brito Bastos, “Deveres acessórios…”, p. 221.
50
Stephan Breidenbach, Die Voraussetzungen von Informationspflichten beim Vertragsschluß, Mün-
chen: C. H. Beck, 1996, citado por Miguel Brito Bastos, “Deveres acessórios…”, pp. 216 e ss..
51 Miguel Brito Bastos, “Deveres acessórios…”, p. 218.
52 Esta posição é defendida por Miguel Brito Bastos, “Deveres acessórios…”, pp. 222 e ss., que,
afastando a aplicação do princípio da materialidade, apresenta critérios de ponderação para uma jus-
tificação de tais deveres no princípio da autodeterminação do potencial beneficiário, devendo uma
ponderação ser feita nos termos de um sistema móvel e com base em critérios que, não constituindo
um elenco fechado, permitam, in casu, determinar a prevalência de um dos princípios em jogo.
53 Note-se que são equiparáveis as situações em que, não tendo o conhecimento efectivo dos fac-
tos, o potencial beneficiário possa deles conhecer por vias alternativas à prestação da informação
pelo potencial devedor, não devendo, nestes casos, este último sofrer a imposição de deveres para
a comunicação de informações que podem ser obtidas por outras vias, sem especial esforço do
interessado.
54 Miguel Brito Bastos, “Deveres acessórios…”, p. 226.
56 A este propósito, defende Eva Sónia Moreira da Silva, As relações entre a responsabilidade pré-
-contratual por informações e os vícios da vontade (erro e dolo): o caso da indução negligente em erro, Coim-
bra: Almedina, 2009, pp. 25 e ss., que o critério passa por um «ónus de autoinformação», consi-
derando que apenas quando o potencial beneficiário tivesse procurado obter a informação por si
próprio é que seria admissível a cominação do dever de informação à outra parte, usando a bitola
do bonus pater familias, em paralelo com o artigo 487.º, n.º 2, CC. Miguel Brito Bastos, “Deve-
res acessórios…”, pp. 228-229, afasta-a, uma vez que está em causa uma bitola de culpa que deve
ser tida em conta para aferir da diligência na prossecução do cumprimento de um dever violado.
Afasta, de resto, o conceito de «ónus de autoinformação» como meio para decidir quais as infor-
mações que deverão ser objecto da cominação de um dever de informar, considerando que o cri-
tério deverá partir da possibilidade do acesso à informação e atribuir-lhe maior ou menor peso
«em função da probabilidade de obtenção dessa informação, bem como do esforço e do custo
necessários» (p. 229). Tudo visto, parece que esta posição é a que melhor se coaduna com toda a
sistemática subjacente, devendo ser sempre conjugada com outro elemento – a disponibilidade,
pelo potencial devedor, da informação devida. Assim, haverá carência informativa relevante para
cominar o dever quando, sendo a informação relevante, a sua obtenção pelo próprio beneficiário
seja demasiado onerosa ou exija um esforço desrazoável da sua parte, considerando que a contra-
parte dispõe da informação em causa.
57 Cfr. Miguel Brito Bastos, “Deveres acessórios…”, p. 232.
58 A. Menezes Cordeiro, Tratado…, vol. VI, p. 516, diz que está vinculada aos deveres de infor-
59 Miguel Brito Bastos, “Deveres acessórios…”, p. 233, nota 121, utiliza esta situação como
argumento para afastar, mais uma vez, a cominação de deveres de informação com base no prin-
cípio da materialidade da regulação jurídica, dizendo que se este visa garantir uma situação de
nivelamento informativo entre as partes, não se poderia admitir a cominação de um dever de
informação cujo objecto é constituído por factos desconhecido do obrigado, pois para garantir esse
nivelamento a parte apenas seria obrigada a informar sobre factos de que conheça – relativamente
a factos desconhecidos por ambas as partes não haveria qualquer desnível.
60
Cfr. Miguel Brito Bastos, “Deveres acessórios…”, p. 233, nota 122.
61
Pode-se afirmar, a este respeito, que apenas em situações de carência informativa de especial
relevância e em que a obtenção da informação pelo próprio beneficiário não seja possível é que se
poderá partir para a cominação do dever à parte que desconhece os factos a informar. De resto,
sendo possível a obtenção da informação por ambos, só um juízo de ponderação entre a onerosi-
dade da obtenção para cada uma das partes que revele especial prejudicialidade para o seu bene-
ficiário pode justificar a cominação do dever de informação, pois que noutros casos não parece
razoável a restrição imposta ao potencial devedor quando a obtenção pelo próprio beneficiário
seja tão ou menos onerosa.
62 A propósito da distinção entre regras e princípios, cfr. Robert Alexy, “Direitos fundamen-
tais e princípio da proporcionalidade”, in O Direito, A. 146.º (2014), vol. IV, pp. 817-834 (819),
cuja distinção assenta, por um lado, na definitividade das regras enquanto um dos critérios (são
«comandos definitivos») e na sua aplicação por subsunção, sendo que, nestes casos, perante uma
norma válida, deve o agente fazer exactamente o que ela diz, cumprindo-a; caso não o faça, ela é
violada – a norma determina uma regulação conclusiva. O outro critério refere-se à optimização;
considerando os princípios «mandados de optimização», as normas seriam aplicáveis progressiva-
mente, numa medida variável e que deverá procurar a máxima extensão possível de aplicação de
acordo com as possibilidades de facto e de direito. Segundo o Autor, em “Sobre a Estrutura dos
Princípios Jurídicos”, in Revista Internacional de Direito Tributário, vol. III, Belo Horizonte: Jan.-
-Jun. 2005, pp. 153-167 (161), a optimização «requer que sejamos capazes de cumprir uma norma
em maior ou menor extensão» implicando «a consideração de todas as circunstâncias». Também
determinante seria a forma como os conflitos se resolvem – de regras pela determinação de inva-
lidade ou por excepção e de princípios por ponderação – e a lei da ponderação (Robert Alexy,
“Sobre a Estrutura…”, pp. 159-160). Esquematicamente, então, o que ficou dito será representado
da seguinte forma: R = ¬ Optimização; P = Optimização & R = Definitividade; P = ¬ Defini-
tividade (regulação prima facie) – representação de David Duarte, “15 Minutos para 15 Páginas:
duas Dúvidas para um Problema Essencial”, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra, vol. LXXXVIII, tomo II, Coimbra: Gráfica de Coimbra, 2012, pp. 527-536 (528-529),
onde apresenta esta posição de Robert Alexy e a afasta, considerando a possibilidade da não
definitividade das regras e demonstrando-a com o exemplo do conflito entre a norma que impõe
que os veículos parem quando o sinal estiver encarnado (N1) e a que proibe os veículos de pararem
perto de instalações militares (N2) (cfr. p. 529) – conclui que N1 e N2 = ¬ Optimização + ¬ Defi-
nitividade (regulação prima facie). Assim, adopta a optimização como critério distintivo e afirma
que a definitividade deve ser usada numa situação relacional entre normas (p. 530). Para David
Duarte, a distinção passa por características estruturais das normas em questão e a optimização
e a tendência para os conflitos são propriedades dos princípios que resultam da sua específica pre-
visão, considerando estar aqui o verdadeiro critério distintivo entre normas e princípios (p. 534).
Cfr., sobre a questão estrutural, David Duarte, “An Experimental Essay on the Antecedent and
Its Formulation”, in i-lex, 16, 2012, pp. 37-60 (www.i-lex.it) (51 e ss.), onde admite que tanto as
regras como os princípios são normas prima facie e podem levar à aplicação de normas de confl ito
ou à ponderação (p. 52) e defende que a distinção resulta do significado da indeterminação na
estrutura da previsão e do que resulta dessa estrutura (p. 54). Cfr., ainda, Rúben Ramião, “A
Teoria dos Princípios”, in O Direito, A. 146.º (2014), vol. IV, pp. 971-1035.
63 Cfr. David Duarte, “15 Minutos…”, pp. 530-532, onde considera que os princípios se apli-
cam por subsunção, de resto, tal como as regras, método através do qual se define os princípios
aplicáveis ao caso e que entram em conflito, sendo este posteriormente resolvido pela ponderação,
uma vez que, tendencialmente, esses conflitos não são resolúveis por normas de conflitos. Robert
Alexy, “Direitos fundamentais…”, p. 819, porém, considera que «a ponderação é a forma espe-
cífica de aplicação dos princípios».
64 Miguel Brito Bastos, “Deveres acessórios…”, p. 196.
fundamental”, in O Direito, A. 147.º (2015), vol. II, pp. 431-484 (459), que «a ponderação permite
2.4. Breves conclusões acerca das razões justificativas dos deveres de informação
uma escolha, seja justa ou injusta, mas em Estado de Direito Democrático, a ponderação usa a
proporcionalidade como medida de justeza para que se efectue a escolha».
66
Cfr. Robert Alexy, “Direitos fundamentais…”, p. 819. Nas páginas seguintes, o Autor pro-
cede a breves esclarecimentos sobre cada um dos sub-princípios em questão – em termos muito
gerais: o da adequação «exclui a adopção de meios que impeçam a realização de pelo menos um
princípio, sem promoverem outro princípio ou fim»; o da necessidade exige que, entre dois meios
igualmente adequados para promover um princípio, se adopte o que for menos restritivo do outro;
o da proporcionalidade stricto sensu relaciona-se com a sua “Lei da Ponderação” e exclui uma inter-
ferência intensa num princípio que não seja justificada por equivalente intensidade na promoção
do princípio com que colide. Cfr. também, entre outros, Rúben Ramião, “O princípio…”, pp.
456 e ss., sobre as suas dimensões, acrescentando à necessidade, ponderação e proporcionalidade
stricto sensu a legitimidade, que visa aferir se o fim promovido com a restrição é legítimo, se é legal;
e 458 e ss., a propósito da ponderação.
67 Cfr. Miguel Brito Bastos, “Deveres acessórios…”, p. 236, onde considera ainda poder con-
68
Cfr. supra, 2.1.. Também Miguel Brito Bastos, “Deveres acessórios…”, p. 207, afasta a possi-
bilidade de, em geral, haver esta situação de confiança imputável ao credor fidejussório.
69 Cfr. Miguel Brito Bastos, “Deveres acessórios…”, p. 233, nota 121.
70
Miguel Brito Bastos, “Deveres acessórios…”, p. 253, refere que o fiador se encontra numa
posição de «tendencial défice informativo quanto a factos dos quais depende o conhecimento do
perigo que para ele resulta, a cada momento, da prestação da fiança».
se consegue perceber que, não sendo parte na relação garantida, o fiador não
se encontra numa posição privilegiada que lhe permita ter conhecimento, por
si próprio, de factos relevantes que vão surgindo com a execução, ou não, do
contrato durante a sua vigência.
O conhecimento acerca das vicissitudes da relação de valuta é importante
para o fiador na medida em que, sendo devedor de uma obrigação acessória à
do devedor principal, está numa posição jurídica que depende da deste e que
evolui consoante a sua evolução, sofrendo a relação fidejussória a projecção
das vicissitudes da relação de valuta – os factos constitutivos, modificativos,
impeditivos e extintivos relacionados com esta projectam-se naquela e afectam
igualmente a posição do fiador. Assim, ao fiador importa tomar conhecimento
dos factos que digam respeito à relação entre o credor e o devedor principal,
por forma a conhecer, durante a vigência de ambas as relações, a medida das
obrigações que possa ser chamado a cumprir e quais as faculdades de que dis-
põe para melhor tutelar a sua posição e, deste modo, proceder a uma adequada
formação da vontade e tomada de decisões.
O facto de o fiador ser terceiro à relação de valuta implica que este não
tenha conhecimento destes factos sem desenvolver específicos esforços nesse
sentido, ficando dependente, ainda assim, da colaboração de terceiros71, ou
sem a comunicação dos mesmos por uma das partes na relação – o credor ou o
devedor principal. Esta prestação de informações relevantes ao fiador não está,
porém, expressamente prevista na lei, pelo que a única via para a cominação
passa pela regra de conduta segundo a boa fé. Tendo sido já afastado o princípio
da tutela da confiança como fundamento para a cominação de deveres de boa
fé ao credor fidejussório72 perante o fiador, resta a via do princípio da materia-
lidade subjacente e do princípio da autodeterminação.
A aceitação da cominação do dever de informação ao credor fidejussó-
rio parece longe de gerar consenso e alguns aspectos contra são rapidamente
apontados. Desde logo, porque apenas o fiador está vinculado a uma obrigação
perante o credor e este tem apenas um crédito que pode exercer e, não estando
obrigado a uma prestação principal, não poderiam ser-lhe cominados deveres
acessórios. Ora, os deveres acessórios não estão necessariamente dependentes da
71
Cfr. Miguel Brito Bastos, “Deveres acessórios…”, p. 255.
72 Embora a cominação de deveres de informação tanto possa ser feita relativamente ao credor
fidejussório quanto ao devedor principal, no âmbito do presente estudo assume relevância ape-
nas no que diz respeito ao primeiro, uma vez que o objecto prende-se com o exercício abusivo
do crédito fidejussório por violação de deveres de informação e apenas o credor poderá exercer
o crédito, pelo que a violação de deveres de informação pelo devedor não permitiria ao fiador
paralisar o exercício do credor com fundamento no abuso do direito.
73 Cfr. A. Menezes Cordeiro, Da Boa Fé…, p. 594, onde expressamente admite a cominação ao
credor de deveres acessórios semelhantes aos do devedor e com «um âmbito transcendente em
relação ao mero aceitar da prestação». Também em Tratado…, vol. VI, p. 324, considera que ao
credor são cominados deveres acessórios, devendo ele, no exercício do seu direito, «conter-se nos
limites da boa fé, sob pena de abuso». Ainda no mesmo sentido, J. Costa Gomes, Assunção…, pp.
583 e 588, defende a existência de deveres de protecção baseados na boa fé, mesmo quando não
exista um dever principal de prestar.
74
Cfr. A. Menezes Cordeiro, Tratado…, vol. VI, p. 511. Nuno Pinto Oliveira, Princípios…, pp.
49-50, diz que os deveres de prestação são os correspondentes à obrigação do contrato, definida
pelas partes no âmbito do princípio da autonomia privada, enquanto que os deveres acessórios de
conduta são «uma complementação do conteúdo obrigacional do contrato fundada no princípio da
boa fé», cumprindo uma função instrumental face àqueles.
75 Cfr. M. Carneiro da Frada, Teoria da Confiança…, pp. 739 e ss., onde é feita uma distrinça entre
76
Cfr. J. Costa Gomes, Assunção…, pp. 391 e ss., onde admite que a fiança «tanto pode ser gra-
tuita quanto onerosa», o que não afecta a qualificação do contrato como tal.
77 Cfr. Martin Henssler, Risiko als Vertragsgegenstand, Tübingen: J. C. B. Mohr (Paul Siebeck),
pp. 343 e ss.. Colocando entraves à cominação dos deveres de informação pré-contratuais, na
medida em que possam prejudicar o interesse do credor fidejussório, após a assunção da fiança
considera que já não haverá uma colisão entre os interesses do credor fidejussório e do fiador, mas
que a limitação do risco é da competência do fiador e, portanto, o credor fidejussório não tem um
dever de o informar sobre o desenvolvimento da situação; o dever só seria cominado em situa-
ções especiais em que fosse claro que o fiador não poderia conhecer determinadas informações.
78 Cfr. Miguel Brito Bastos, “Deveres acessórios…”, p. 246.
79
Numa breve referência sobre esta função, cfr. A. Menezes Cordeiro, Tratado…, vol. VI,
pp. 515-516
80 Neste sentido, Miguel Brito Bastos, “Deveres acessórios…”, p. 253.
81Cfr. Miguel Brito Bastos, “Deveres acessórios…”, p. 257, que considera que haverá uma ligação
especial também com o devedor principal quando seja prestada fiança a favor do credor, quando
haja um contrato prévio para a prestação da fiança ou um contrato trilaterar: o fiador teria, então,
um canal informativo alternativo contra o devedor principal. Nas páginas seguintes, tece consi-
derações a propósito do problema e de como se articula a cominação de deveres de informação
entre o devedor principal e o credor fidejussório. Sobre a cominação de deveres de informação
ao devedor principal, cfr. também J. Costa Gomes, Assunção…, pp. 578.579, onde considera que
eles abrangem as características da relação de valuta e o estado do seu património e que se mantêm
enquanto subsistir a garantia e «até à liquidação da relação devedor-fiador».
82 Neste sentido, cfr. Miguel Brito Bastos, “Deveres acessórios…”, p. 259, onde considera
que seria contraditório desvalorizar a carência informativa do fiador que fundamenta o dever de
informação por ele ser titular de um direito de informação perante o devedor, o qual, sem a sua
colaboração, não lhe garante um efectivo acesso à informação.
83 Sobre a questão terminológica e a utilização, pela lei, da expressão “é ilegítimo”, cfr. A. Mene-
zes Cordeiro, Tratado…, vol. V, pp. 269 e ss.; também sobre a noção, cfr. Fernando Cunha de
Sá, Abuso do Direito, Coimbra: Almedina, 1997 (Reimp.), pp. 103 e ss. e 496 e ss., que considera o
abuso do direito ligado à ilicitude da conduta que contradiz o «comportamento normativamente
qualificado como obrigatório» numa situação concreta.
84 Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., Coimbra: Coimbra
Editora, 1987, p. 298. Em igual sentido, A. Menezes Cordeiro, Tratado…, vol. V, p. 373, onde
considera que os elementos subjectivos poderão, porém, ter relevância para a definição das con-
sequências do abuso que poderão ser as mais variadas. Cfr., também negando a consciência do
exercício abusivo através da negação da exigência de culpa, Fernando Cunha de Sá, Abuso…,
pp. 496 e ss., e Rui Amendoeira, O Abuso do Direito, Lisboa: 1992, p. 29.
85
Para breves considerações sobre estes limites, cfr. A. Menezes Cordeiro, Tratado…, vol. V, pp.
271-272, e J. Oliveira Ascensão, “O ‘Abuso do Direito’ e o art. 334 do Código Civil: Uma
Recepção Transviada”, in Estudos em homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano no centenário do
seu nascimento, vol. I, Lisboa: Coimbra Editora, 2006, pp. 607-631 (612-614). Para uma imagem
geral do surgimento da figura e da sua evolução histórica, cfr. A. Menezes Cordeiro, Tratado…,
vol. V, pp. 273 e ss. e 279 e ss., e Da Boa Fé…, pp. 670 e ss.; em ambas as obras, nas páginas seguin-
tes, é feita referência ao desenvolvimento a propósito de cada figura do abuso. Sobre as diversas
doutrinas do abuso do direito, cfr. A. Menezes Cordeiro, Tratado…, vol. V, pp. 351 e ss., e Fer-
nando Cunha de Sá, Abuso…, pp. 285 e ss.. J. Oliveira Ascensão, “O ‘Abuso do Direito’…”,
pp. 620 e ss., considera, atenta a exposição das páginas anteriores, que a figura prevista no artigo
334.º CC sob a epígrafe “abuso do direito” não consagra, de facto, o abuso e, mais, não prevê
um instituto unitário: estão em causa três institutos distintos que prevêem «modos irregulares
de exercício do direito, mas com natureza, princípios e regimes próprios», o que não favorece a
unificação numa única figura.
86 Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 10.ª ed., Coimbra, Almedina, 2003, p. 153,
assinala que os factores subjectivos do agente e a sua intenção no exercício poderão ser relevantes
e, portanto, não deverão ser excluídos à partida; segue a mesma posição J. Oliveira Ascensão,
“O ‘Abuso do Direito’…”, p. 623, que afirma serem integrados no âmbito do artigo 334.º CC os
exercícios abusivos por força do fim do agente.
87
Esta parece ser a posição adoptada por J. Oliveira Ascensão, “O ‘Abuso do Direito’…”, pp.
624 e ss., onde considera que há uma proibição de praticar actos cujo fim seja prejudicar outrem,
estando necessariamente implicada uma valoração subjectiva, sendo «o fim do agente que torna
antes de mais o acto reprovável» (p. 625); diz, assim, que o acto será abusivo quando seja funda-
mentalmente movido pela finalidade de causar prejuízo a outrem, considerando que será de afas-
tar «o que for manifestamente prejudicial a outrem, quando isso não acarrete nenhum prejuízo
ao agente» (p. 627).
88 A. Menezes Cordeiro, Da Boa Fé…, p. 899, acentua a necessidade de utilizar este conceito
90 Norma esta que J. Oliveira Ascensão, “O ‘Abuso do Direito’…”, p. 613, considera «controlar
todo o comportamento humano interactivo», ou seja, o comportamento dos sujeitos em relação.
A. Menezes Cordeiro, Da Boa Fé…, pp. 680-681, diz que «a admissão do abuso do direito tem
sido fundada na necessidade de respeitar os direitos alheios, na violação, pelo titular exercente, de
normas éticas, na ocorrência, por parte do mesmo titular, de falta e na não consideração do fim
preconizado pela lei, aquando da concessão do direito».
91
A. Menezes Cordeiro, “Do Abuso do Direito: Estado das Questões e Perspectivas”, in Revista
da Ordem dos Advogados, A. 65 (Set. 2005), vol. II, pp. 327-385 (331 e 378-380), alega a nulidade
dos negócios jurídicos violadores dos bons costumes, prevista no artigo 280.º, n.º 1, CC, e que seria
extensível ao exercício das posições jurídicas para afirmar a desnecessidade da previsão do abuso
do direito para os casos da sua violação; também quanto ao fim social e económico do direito,
considera que releva para fins interpretativos das normas instituidoras dos direitos. Deste modo e
atenta a exposição levada a cabo e que se segue a propósito das figuras típicas de abuso, facilmente
se percebe que o abuso do direito se reconduz à concretização, num segundo plano, da regra de
conduta segundo a boa fé. Esta concretização em segundo plano tem mais que ver, por sua vez,
com a tutela da situação jurídica violada pela inobservância da regra de conduta, na medida em que
visa intervir no exercício de uma posição jurídica que se afigura abusivo e contrário ao sistema.
92 Defendendo uma abertura de espírito quanto a esta questão, A. Menezes Cordeiro, Tratado…,
vol. V, p. 372.
93 A. Menezes Cordeiro, Da Boa Fé…, p. 900.
94 Ac. TRC 02-12-2008 (Teles Pereira), processo 162/06.3TBVLF.C1, donde resulta: «verifica-
dos tais pressupostos, o abuso do direito é constatado pelo Tribunal, mesmo quando o interessado
não o tenha expressamente mencionado: é, nesse sentido, de conhecimento oficioso». Também,
entre outros: Ac. STJ 12-11-2013 (Nuno Cameira), processo 1464/11.2TBGRD-A.C1.S1; Ac.
TRLx 04-11-2004 (Urbano Dias), processo 8034/2004-6.
95 A. Menezes Cordeiro, Tratado…, vol. V, pp. 271-272. Nas páginas seguintes encontra-se a refe-
rência aos problemas da aplicação da figura no ordenamento jurídico português, nomeadamente
porque: usa um conceito central para cobrir soluções periféricas; funcionaria como «excepção de
Direito material», já que não tem um papel de delimitação e normativização de condutas; e não
existem elementos legais para construir um sistema de excepções materiais.
96
A. Menezes Cordeiro, Tratado…, vol. V, p. 324, sugere um modelo de decisão para protecção
da confiança do beneficiário que se rege pelas seguintes proposições: i) um não-exercício prolon-
gado; ii) uma situação de confiança; iii) uma justificação para essa confiança; iv) um investimento
de confiança; e v) uma imputação dessa confiança ao não-exercente – estes seriam, assim, os
pressupostos para a aplicação da suppressio. João Baptista Machado, “Tutela…”, p. 421, por sua
vez, falando em Verwirkung (figura equivalente no direito alemão) aponta como pressupostos: i)
o titular deixar passar longo tempo sem exercer o seu direito; ii) com base no não-exercício e na
própria conduta do titular, a contraparte criar a convicção, justificada, de que ele já não exercerá
o direito; e iii) com base nessa confiança, a contraparte iniciar actividades que seriam prejudica-
das pelo exercício inesperado do direito, acarretando este maiores desvantagens do que se tivesse
sido exercido atempadamente.
97 Cfr. A. Menezes Cordeiro, Tratado…, vol. V, pp. 324-325.
98 É discutida a dogmática subjacente ao venire contra factum proprium e são apresentadas quatro dou-
trinas: a da boa fé, a da confiança, a do negócio jurídico e a da dissolução do venire. Ora, parece
demasiado impreciso, desde logo, considerar que o venire decorre da simples aplicação da boa fé,
atenta a necessidade já referida de a concretizar. No caso desta figura, facilmente se denota a situação
de confiança implicada na tutela da parte que vê a sua posição prejudicada face à conduta do agente
em contradição com um comportamento anterior, pelo que, à partida, parece legitimo considerar
que, dentro da tutela da boa fé objectiva, o venire visa uma situação última de tutela da confiança.
99
A. Menezes Cordeiro, Tratado…, vol. V, p. 275, fala em «exercício de uma posição jurídica
em contradição com uma conduta antes assumida ou proclamada pelo agente».
100
Estes mesmo pressupostos são adoptados por A. Menezes Cordeiro, Tratado…, vol. V, pp.
292-293. Em sentido similar, cfr. João Baptista Machado, “Tutela…”, pp. 416 e ss.: atente-se
que, quando fala, no primeiro pressuposto, em «situação objectiva de confiança» (p. 416), parece
estar aqui referida a situação de confiança subjectiva do tutelado acrescida da justificação dessa
confiança em elementos objectivos relaccionados com uma conduta do agente que a criou, neste
último ponto estando, então, o factor objectivo da confiança.
101 Nesta medida, distingue-se o venire positivo, quando a pessoa cria a convicção de que não vai
adoptar certa conduta e, depois, adopta-a, e o venire negativo, que traduz a situação oposta de a
pessoa criar a convicção de que adoptará certa conduta e, depois, nega-a – cfr. A. Menezes Cor-
deiro, Tratado…, vol. V, pp. 280 e ss..
referência102. Nesta medida, não é exigida a culpa do agente que cria a situação
de confiança, bastará que ele pudesse ter adoptado outra conduta, que pudesse
conhecer que a conduta adoptada cria a confiança e que, desse modo, há uma
limitação futura da sua liberdade de agir103. Adicionalmente a estes pressupos-
tos, deverá verificar-se a ausência de uma razão justificativa para esse compor-
tamento contraditório do agente104 e a boa fé do tutelado, que apenas receberá
a protecção pretendida quando esteja de boa fé e tenham sido verificadas, por
sua parte, as diligências tidas por usuais no agente médio quando colocado em
idêntica posição105.
A inalegabilidade formal é outro tipo de condutas abusivas que se podem
verificar pela contrariedade à boa fé. Sendo a regra geral do artigo 219.º CC
que os negócios jurídicos são consensuais, há casos em que é exigida uma forma
especial da qual depende a sua validade e cujo desrespeito é causa de nulidade
do negócio celebrado, nos termos do artigo 220.º CC. Apesar da norma do
artigo 286.º CC, que permite a alegação da nulidade pelos interessados a todo o
tempo, esta figura das inalegabilidades vem enquadrar como abusiva a conduta
da parte que celebrou um negócio sem observância da forma devida, tendo
conhecimento disso ou até tendo incentivado a contraparte à celebração nesses
moldes, e que, tendo-se prevalecido dele, alega depois a nulidade formal106.
No entanto, a parte não pode, sem mais, valer-se da inalegabilidade formal:
terá que estar numa posição de boa fé subjectiva quanto ao desconhecimento
da necessidade de forma especial – ou seja, terá que ser uma situação em que a
exigência não seja evidente e em que tenha procurado obter informação sobre
a imposição, ou não, de forma; as circunstâncias do caso concreto poderão,
porém, revelar uma situação de confiança acrescida entre as partes que venha
justificar o menor cuidado posto na indagação107. Partindo desta ideia de con-
fiança a tutelar, deverão estar preenchidos os requisitos para a aplicação da
tutela da confiança108 e deverá verificar-se que o investimento de confiança não
pode ser assegurado por outra via que não a manutenção do contrato através da
inalegabilidade da nulidade por falta de forma.
102 No sentido de que o venire envolve uma contradição entre dois comportamentos que se suce-
dem temporalmente, M. Carneiro da Frada, Teoria da Confiaça…, pp. 404 e 410 e ss..
103 Cfr. João Baptista Machado, “Tutela...”, pp. 414-415.
108 Assim, A. Menezes Cordeiro, Tratado…, vol. V, p. 311, considera que a inalegabilidade requer
O tu quoque surge, por sua vez, traduzido na regra segundo a qual quem
viola uma norma jurídica não pode depois, sem abuso, prevalecer-se da situa-
ção decorrente da violação, exercer a posição que violou ou impor a outrem
que acate a situação violada109. Enquanto que nas últimas figuras referidas há
uma base relacionada com a tutela da confiança, no que diz respeito ao tu
quoque estará antes em causa a regra de conduta segundo a boa fé concretizada
pelo princípio da materialidade subjacente110. Assim é pois choca que uma parte
possa impor a outrem uma posição jurídica que previamente violou, na medida
em que isso seria contrário à regra de conduta segundo a boa fé; e sê-lo-ia,
desde logo, por violar a promoção do exercício informado das respectivas posi-
ções entre as partes em relação que resulta do princípio da primazia da mate-
rialidade subjacente – quem age e assim cria uma situação material contrária à
promovida pelo sistema não pode exercer a sua posição sem que sofra alguma
consequência e, sendo o exercício abusivo, porque violador do limite da boa fé
firmado pelo princípio da materialidade, pode ver o seu exercício restringido
ou até impedido, por forma a recuperar a situação material promovida pelo
sistema e afectada pelo exercício.
O exercício em desequilíbrio, por fim, é outra figura de enquadramento de
actos abusivos que se caracteriza por haver uma desproporção entre o exercício
da posição jurídica em questão e os efeitos que dele derivam. São, então, apre-
sentadas três hipóteses de exercício em desequilíbrio111: i) o exercício danoso
inútil, situação em que o agente actua no exercício do seu direito sem, porém,
dele retirar qualquer benefício e causando prejuízo a outrem; ii) o dolo agit qui
petit quod statim redditurus est, que vem atribuir valoração negativa à conduta do
agente que exige o que tem de restituir de seguida, uma vez que a exigência
109
Cfr. A. Menezes Cordeiro, Tratado…, vol. V, p. 327.
110
Neste sentido, A. Menezes Cordeiro, Tratado…, vol. V, p. 337, depois de, nas páginas ante-
riores, proceder a uma breve exposição a respeito das diferentes teorias apresentadas, diz que «a
pessoa que, mesmo fora do caso nuclearmente exemplar do sinalagma, desequilibre, num momento
prévio, a regulação material expressa no seu direito subjectivo, não pode, depois, pretender, como
se nada houvesse ocorrido, exercer a posição que a ordem jurídica lhe conferiu» – embora formal-
mente a situação jurídica permaneça, aparentemente, intocada, materialmente há uma modificação,
assim se podendo considerar que a conduta foi contrária ao princípio da primazia da materiali-
dade subjacente e que, sendo violada a boa fé, o exercício da situação será, à partida, inadmissí-
vel, por exceder os seus limites. Também neste sentido, Nuno Pinto Oliveira, Princípios…, pp.
191-192, considera que, por força do princípio da prioridade da substância, o exercício é abusivo
em três situações, sendo uma delas aquela em que o direito a exercer foi adquirido ilicitamente,
reconduzindo o caso ao tu quoque.
111 A. Menezes Cordeiro, Tratado…, vol. V, pp. 341 e ss..
112
A distinção perante o exercício danoso inútil está no facto de implicar uma relação entre as
partes constituída por dois vínculos, sendo que um habilita a exigência pelo agente e o outro
impõe a sua restituição – cfr. A. Menezes Cordeiro, Tratado…, vol. V, p. 346. Cfr., também,
Nuno Pinto Oliveira, Princípios…, p. 192.
113 Cfr. A. Menezes Cordeiro, Tratado…, vol. V, p. 346.
114 Atenta a exposição já feita, será relevante e, por isso, tido em conta o desrespeito pelos limites
da boa fé, considerando-se esta figura – o abuso do direito – uma espécie de segunda via para a
sua tutela enquanto regra geral do sistema.
a sua posição – estes factos poderão ser tais que permitam ao fiador libertar-se
da obrigação, daí a importância da sua comunicação.
A questão assim exposta diz respeito ao exercício abusivo devido à violação
dos limites impostos pela boa fé, através da cominação de deveres acessórios,
ao credor fidejussório no exercício da sua posição – estando adstrito a uma
conduta de acordo com a boa fé, na qual se inclui a prestação de informações,
apenas o cumprimento dos deveres acessórios assim impostos equivaleria a um
enquadramento da sua conduta em conformidade com as valorações prossegui-
das pelo sistema115. O comportamento do credor fidejussório que não presta os
deveres de informação devidos é, então, contrário à regra geral da boa fé, por
não corresponder à conduta por ela exigida, e ilícita, pela violação de um dever,
acarretando consequências116. Importa saber, então, se uma das consequências
115 Conforme se disse supra, 2.1., os deveres acessórios são cominados com a função específica de
atribuir uma melhor prossecução dos direitos constituídos pelo contrato e de prevenir danos no
cumprimento das suas prestações pelas partes.
116 O incumprimento do dever acessório de informação, sendo ilícito, só por si já daria lugar a
outro lado, a violação dos deveres acessórios poderá também dar lugar a resolução por justa causa,
tal como refere Miguel Brito Bastos, “Deveres acessórios…”, p. 270, e cuja admissibilidade
na fiança enquanto relação jurídica duradoura é defendida por J. Costa Gomes, Assunção…, pp.
826 e ss., considerando haver justa causa quando o risco para o fiador seja maior e, no caso, tendo
em conta que a relação poderá ter subsistido apenas pelo incumprimento do dever de informar.
117 Neste sentido, e admitindo a verificação de abuso do direito por violação de deveres acessórios
de informação na relação fidejussória, cfr. Miguel Brito Bastos, “Deveres acessórios…”, p. 270.
118 Pensemos no caso de a obrigação do devedor principal resultar de um contrato a prestações
em que a obrigação garantida está fraccionada em diversas parcelas e imaginemos que o devedor
principal incumpre a sua obrigação, não pagando uma ou mais parcelas: esta é uma situação de
um facto que deve ser transmitido ao fiador, uma vez que o incumprimento do devedor reper-
cute os seus efeitos na obrigação do fiador, que, sendo chamado a cumprir, teria de pagar juros de
mora, os quais vão acumulando com o decurso do tempo. Ou seja, não é indiferente para o fiador
tomar conhecimento do incumprimento numa fase inicial ou passado o incumprimento de uma
grande parte da obrigação, pois neste momento os juros acumulados serão, invariavelmente, de
valor superior e a obrigação do fiador será também, consequentemente, de maior valor. Acresce
que com o decurso do tempo aumenta a probabilidade de o património do devedor se dissipar.
Neste exemplo, a informação do incumprimento é relevante, porque afecta amplamente a medida
da obrigação que o fiador terá de cumprir.
119 Miguel Brito Bastos, “Deveres acessórios…”, p. 265, diz que «quando a informação for
120
Considera Miguel Brito Bastos, “Deveres acessórios…”, p. 261, que «se o credor não tiver
qualquer instrumento de informação que lhe permita aceder a essa informação […] e não ocorrer
nenhuma situação que atribua à carência informativa do fiador um peso exorbitante, não serão,
por regra, cominados deveres de informação ao credor fidejussório sobre factos que […] concer-
nam a estados ou comportamentos do devedor principal fora da sua relação com o credor fide-
jussório, como a sua situação patrimonial, a impossibilidade de este ser demandado ou executado
em território português, ou factos como o desemprego, o encarceramento do devedor principal,
que são indiciários de decréscimo futuro do património».
121 As alíneas a), d) e e), porém, não assumem aqui relevância, uma vez que dizem respeito exclu-
sivamente à relação entre devedor principal e fiador e entre credor fidejussório e fiador, pelo que
ele não precisa de ser informado para tomar conhecimento dos factos aí relevantes. De resto, tam-
bém os artigos 437.º, 637.º, 638.º, 639.º e 642.º CC permitem impedir a vinculação à satisfação da
obrigação ou extinguir a cobertuda fidejussória, diminuindo o perigo de o fiador ser chamado a
cumprir – cfr. Miguel Brito Bastos, “Deveres acessórios…”, p. 254.
122
Vaz Serra, Fiança e figuras análogas, Lisboa: FDL, 1957, p. 300. Também considerando que o
incumprimento de uma obrigação acarreta um agravamento dos riscos da fiança, cfr. J. Costa
Gomes, Assunção…, p. 859.
123
Pensando numa situação em que o facto a ser comunicado é o incumprimento pelo devedor
principal, poderia o fiador, tendo conhecimento disso, decidir reagir de modo a que a obrigação
fosse cumprida ou poderia decidir cumprir ele próprio de modo a que não houvesse lugar a juros
de mora mais elevados. Não será absurdo considerar a hipótese de o credor fidejussório deixar
passar o tempo até à interpelação do fiador para o cumprimento com o intuito de auferir um
maior valor respeitante aos juros, o que configuraria uma situação de claro exercício inadmissí-
vel da posição jurídica. Acrescente-se que em situação de fianças duradouras será extremamente
oneroso impor ao fiador que se procure informar regularmente sobre a evolução da situação no
que respeita ao cumprimento das prestações; por outro lado, será minimamente oneroso impor
ao credor fidejussório que, quando eventualmente interpele o devedor principal para o cumpri-
mento da prestação em falta, o faça com conhecimento do fiador.
pudesse levar à extinção da fiança. Ora, parece que a situação assim descrita se
enquadraria no exercício de uma posição jurídica – a do credor fidejussório –
que excede os limites da boa fé, na medida em que o agente violou a regra de
conduta segundo a boa fé, que lhe impõe um dever acessório de informação, e
posteriormente exerce o crédito fidejussório numa posição que se afigura mais
benéfica do que aquela em que se encontraria caso tivesse cumprido aquele
dever, situação esta que, materialmente, não é conforme com o sistema, pois
o fiador encontra-se numa situação de desinformação que não lhe permite
uma adequada tomada de decisões e conformação da sua vontade. A situação
encaixa-se perfeitamente, aliás, na modalidade de tu quoque, segundo a qual «a
pessoa que viole uma norma jurídica não pode depois, sem abuso, prevalecer-se
da situação daí decorrente»124. Atente-se, mais uma vez, que toda esta análise a
que aqui se procede em termos amplos e um tanto abstractos dependerá sem-
pre de um estudo em cada caso concreto para averiguar se se aplica, tal como a
cominação do dever de informação também deve ser feita in casu, uma vez que
a grande variedade de relações fidejussórias que se podem estabelecer não per-
mite proceder a uma análise e chegar a conclusões que se tenham por assentes
para todas as situações configuráveis.
Considerando-se o exercício do crédito fidejussório abusivo, qual será a
consequência para o credor? A consequência típica do abuso do direito parece
ser, à primeira vista, a paralisação da pretensão exercida, ou seja, a consequência
para o caso do abuso no exercício da fiança seria a sua paralisação, que implica-
ria a perda da garantia pelo credor fidejussório; mas outras possíveis consequên-
cias são configuráveis, nomeadamente a constituição do direito a indemnização
a favor do fiador125. Não é claro que a paralisação da pretensão seja a solução
mais razoável como solução geral; de facto, podem ser configuradas situações
em que a total paralisação do exercício do crédito fidejussório não se justifique,
nomeadamente nos casos em que a consequência do incumprimento do dever
de informar tenha sido apenas um aumento substancial das importâncias a aufe-
rir pelo credor fidejussório a título de juros de mora. Importa considerar em
124
Também Miguel Brito Bastos, “Deveres acessórios…”, p. 270, nota 220, parece configurar
possível a consideração destas situações como casos de tu quoque.
125 Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil…, vol. I, pp. 299-300, apresentam ainda como
possíveis consequências a nulidade nos termos do artigo 294.º CC ou o alargamento do prazo pres-
cricional ou de caducidade, mas parece que no caso da relação fidejussória, em geral, não haverá
lugar a essas consequências. Cfr. A. Menezes Cordeiro, Tratado…, vol. V, p. 327, onde, a pro-
pósito da figura específica do tu quoque, diz que as consequências podem ir «desde o bloqueio do
exercício até à limitação de sanções», e pp. 373-374, onde, em geral, admite como consequências
do exercício abusivo i) a supressão do direito, ii) a cessação do concreto exercício, mantendo-se o
direito, iii) o dever de restituição e iv) o dever de indemnização.
concreto o que esteja em causa, traçando agora apenas linhas gerais de orienta-
ção. Quando a omissão da informação tenha implicado apenas um aumento do
valor a que o fiador é chamado a cumprir, por força dos juros de mora devidos
ou da aplicação de cláusula penal, não parece razoável impor a paralisação total
do crédito, essa não se afigura como a solução que mais se conforma com o
sistema e com a prossecução, em última instância, dos fins queridos pelas partes
– no caso, o cumprimento da prestação pelo fiador. A solução que se afigura
mais adequada passaria, aí, por uma redução da obrigação a que o fiador se
encontra vinculado, que operaria tendo por base a violação da regra de con-
duta segundo a boa fé, de onde resulta a cominação do dever de informação.
Os moldes desta redução teriam de ser estabelecidos, uma vez mais, in casu, já
que neste âmbito tudo joga com a consideração dos interesses e das posições
jurídicas em jogo numa óptica de ponderação dos danos causados ao fiador
e benefícios obtidos pelo credor. Assim sendo, importa, em primeiro lugar,
averiguar em que momento é cominado o dever de informação – consoante as
circunstâncias do caso, poderá ser logo no incumprimento da primeira presta-
ção ou algumas prestações depois: este momento é determinado na ponderação
sobre a cominação do dever de informar a propósito do elemento da carência
informativa do fiador, mas parece que quando incumprida a terceira prestação
é seguro dizer que há carência informativa relevante e que o credor fidejus-
sório deve informar o fiador, uma vez que com o incumprimento da terceira
prestação podemos deduzir uma intenção de não cumprir ou falta de condições
para cumprir; se houver lugar, por exemplo, a uma declaração séria de não
cumprimento, parece que a cominação do dever será imediata. Não o fazendo
e exigindo o cumprimento apenas após o incumprimento de várias prestações,
parece que aquele é o momento relevante para operar uma paralisação parcial
do seu direito, que operará ao nível da responsabilidade pelo incumprimento;
assim, embora a fiança abranja, ou deva abranger, a responsabilidade pela mora
ou culpa do devedor principal, nos termos do artigo 634.º CC, nos casos em
que a responsabilização se apresente agravada sem o conhecimento do fiador
de que se tinham verificado os factos que lhe dão origem, não poderá o credor
fidejussório beneficiar da total abrangência que se afigure excessiva por um
alargado decurso do tempo, pelo que apenas teria direito aos juros de mora
vencidos até à verificação da sua actuação ilícita, ou seja, até ao incumprimento
do dever de informação a que estava adstrito – a apreciação do momento em
que se considera incumprido o dever de informação deverá ter em conta o
momento da cominação do dever e a consideração de um prazo razoável, aten-
dendo às características do caso concreto.
Esta solução poderá implicar um esvaziamento parcial da finalidade da
fiança enquanto garantia do crédito do devedor principal e figura através da
126 Conforme diz A. Menezes Cordeiro, Tratado…, vol. V, p. 327, «fere a sensibilidade […] que
uma pessoa possa desrespeitar um comando e, depois, vir exigir a outrem o seu acatamento»,
pelo que parece que será uma solução conforme com os fins prosseguidos pela regra de conduta
segundo a boa fé reduzir o benefício que advém para o credor fidejussório do incumprimento
dos seus deveres.
situação, na medida em que seria possível a sua liberação com fundamento nos
factos objecto do dever de informação que não foram comunicados.
A opção pela responsabilidade civil, ao invés da paralisação, total ou parcial,
da pretensão do credor, embora possa admitir-se, uma vez que há a violação de
um dever que dá lugar à responsabilidade contratual, nos termos do aritgo 799.º
CC, não parece a solução mais adequada ou, pelo menos, a mais eficiente. No
caso em que, como decorrência da violação do dever de informar, o fiador se
encontre numa posição mais onerosa face àquela em que estaria se lhe tives-
sem sido comunicados os factos devidos, este sofre um dano na sua esfera que
será, no mínimo, o equivalente à prestação que terá de realizar. Assim, o dano
que o credor fidejussório teria que indemnizar corresponderia, em abstracto, a
essa prestação – verifica-se, nestes casos, que atribuir ainda o direito ao credor
fidejussório de exercer o seu crédito não é a solução mais eficiente, uma vez
que a posterior indemnização por violação do dever de informação traria uma
situação equivalente ou mais gravosa ainda do que a que decorreria da parali-
sação imediata do crédito justificada com a inadmissibilidade do seu exercício,
por ultrapassar os limites da boa fé. Note-se que, também aqui, é fundamental
proceder a uma avaliação casuística e concluir que existe um nexo causal entre
a maior oneração do fiador e a violação do dever acessório de informação
pelo credor fidejussório; se se concluir que essa maior oneração se verificaria
ainda que o dever tivesse sido pontualmente cumprido, não haverá imputação
do dano ao credor fidejussório nem, portanto, exercício abusivo do crédito
fidejussório.
*
O texto que se publica corresponde, no essencial, a um trabalho realizado durante a licenciatura
na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, no âmbito da cadeira de Direito dos Contratos
II, sob a regência do Sr. Professor Pedro de Albuquerque. Sublinha-se, aqui, a sua preciosa ajuda
na construção deste artigo: pelo incentivo ao debate durante as aulas e pelas incessantes críticas,
que motivaram o aprofundamento do tema.
1 Como na ordem jurídica alemã (BGB) ou na suíça (Código das obrigações suíço), cujas normas
se explicitarão infra.
2
Daqui em diante, sempre que não se referir o contrário, os artigos mencionados correspondem
ao Código Civil Português em vigor.
3
Ana Prata, O contrato-promessa e o seu regime civil (2.ª reimpressão da edição de 1994), 2006, p. 308.
4
Bem se sabe que a densificação dos conceitos de liberalidade e animus donandi não é simples, muito
menos pacífica. Quanto a este aspeto, veja-se, por todos, António Santos Justo, Donatio e ani-
mus donandi, in Boletim da Faculdade de Direito – Estudos em homenagem aos Profs. Drs. M. Paulo de
Mêrea e G. Braga da Cruz, 1982.
5 Ao contrário do que se constatava no Código Civil de 1867, o artigo 940.º do presente Código
insere, no conceito de doação, a modalidade da assunção de uma obrigação: “ (…) ou assume uma
obrigação, em benefício do contraente”. Pormenor cuja (extrema) relevância se abordará infra.
1.2.1. A prometibilidade
6
Artigo que foi reconstituído pelo Decreto-Lei n.º 379/86, de 11 de Novembro. Sobre essa alte-
ração, ver, por ex., Almeida Costa, Direito das Obrigações, 4.ª ed., pp. 272 e ss.
7 Cfr. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, VII, Direito das Obrigações: Contratos. Negócios
unilaterais (2.ª reimpressão da 1.ª ed. do tomo II da parte II de 2010), 2016, p. 319.
8 Menezes Cordeiro, Tratado de Direito, op. cit., não utiliza, especificamente, esta palavra; pela
ordem de ideias do citado autor, pensa-se que faz todo o sentido propô-la – também fruto de
um neologismo.
9 Veja-se, por exemplo, o artigo 1591.º. relativo à promessa de casamento.
10 Ver-se-á, contudo, que parte da doutrina parece não olhar para a problemática desta forma.
11
Veja-se, a título exemplificativo, Mario D’Orazi, Della prelazione legale e voluntaria, 1950, p. 194
12
Ascenção Barbosa, Do contrato-promessa, sem edição, 1956, pp. 136 e ss.
13 Referindo também este aspeto histórico, cf. Biondi, Sucesión testamentaria y donación, 1960, pp.
702 e ss.
14 Requisito ainda hoje existente nos quadros do atual Código Civil, com expressão no artigo
942.º/2.
15 Luiz da Cunha Gonçalves, Tratado de Direito Civil em Comentário ao Código Civil Português,
IV, 1931, n.º 511, p. 271. O autor parece, aqui, confundir os conceitos de liberalidade e gratuiti-
dade. Confusão que tentará ser esbatida, mais à frente, neste trabalho.
16
Manuel Baptista Lopes, Das doações, sem edição, 1970, pp. 27 e ss.
17
Menezes Cordeiro, op. cit, p. 326.
18 Quanto a estes argumentos, cf. menezes Cordeiro, op. cit, pp. 324 e 325.
2.1.2. Críticas
19
Cf. toda a posição do autor, aqui explanada, em Menezes Cordeiro, op.cit., pp. 319 e ss e,
especificamente, pp. 320-326.
20 Menezes Cordeiro, op.cit., p.325.
21 Toda a posição, exposta neste capítulo, em Vaz Serra, Anotação ao Acórdão do STJ de 18-05-
1976, in Revista de Legislação e Jurisprudência, 110, 1977, pp. 207 e ss.
22 Toda a posição do autor, exposta neste capítulo, em Antunes Varela, Anotação ao Acórdão
“contrato-promessa de doação”, uma vez que, como se demonstrará em seguida, parece ser o
mais correto para se compreender a exposição: no fundo, uma promessa de doação é uma doação
obrigacional, não um verdadeiro contrato-promessa.
24 Desde que seja respeitada a forma – tema a ser desenvolvido infra.
Em síntese, o raciocínio que, segundo esta visão, deve ser feito é o seguinte:
dentro do texto e do espírito da lei (n.º 1 do artigo 940.º), pode qualificar-se
como doação o caso de alguém assumir, a título gratuito, a dívida já existente
do devedor, em face de terceiro; igualmente qualificável como doação é o caso
em que alguém assume, a título gratuito, uma obrigação inteiramente nova para
com o outro contraente. Defende Antunes Varela que, para esta segunda ver-
tente, o exemplo típico é, precisamente, o de alguém se obrigar a doar alguma
coisa ou direito ao outro contraente25.
Por esta lógica, deve concluir-se que a lei considerou, assim, a promessa de
doação como verdadeira doação.
Quanto a este aspeto, cumpre mencionar um dado histórico-legislativo
importante: ao contrário do que constava no Código Civil de 1867, o artigo
940.º do presente Código insere, no conceito de doação, a modalidade da
assunção de uma obrigação.
A parte final do artigo 940.º – “(…) ou assume uma obrigação, em benefí-
cio do outro contraente” – serve para explicar e sustentar esta posição. Prome-
ter doar é, portanto, doar, na modalidade de doação obrigacional.
Antunes Varela26, no intuito de explicar, fundamentar e defender a sua
posição, faz um paralelismo, de relevante interesse, com um tipo contratual
tipificado em ordens jurídicas sul-americanas – como é o exemplo da brasileira:
o compromisso de venda.
Ora, no compromisso de venda, o compromitente-vendedor não se limita
a prometer vender, porque quer vender desde logo – embora sem a forma
externa necessária à validade da venda. Compromete-se entretanto a formalizar
a venda, a repetir ou a reproduzir a declaração da mesma, pela forma exigida
pela lei. Com efeito, parece que a situação é comparável com a do promitente
doador, na medida em que doa desde logo, «atribuindo gratuitamente ao pro-
missário, por espírito de liberalidade, um direito de crédito a expensas do seu
património. Ao efetuar posteriormente a transmissão prometida – dizendo, por
via de regra, que doa à outra parte determinada coisa ou direito –, ele de algum
25
Antunes Varela, op.cit., p. 61.
26
Antunes Varela, op.cit., p. 61, nota 2.
27
Quanto a este ponto, Vaz Serra, op. cit., p. 213.
28
Lembre-se que o conceito de gratuitidade é distinto do de liberalidade: o primeiro, objetivo e eco-
nómico, refere-se à ausência de contraprestação; o segundo, subjetivo e moral, prende-se, como
já se viu, com a atribuição efetuada sem qualquer vínculo jurídico, por mera espontaneidade.
29 Vaz Serra, op. cit., p. 213
30 O autor chega a defi nir, distinguindo, a causa donandi mediata, da causa donandi imediata. Estar-
-se-á, no caso da promessa de doação, perante a primeira vertente, na medida em que existe uma
mediação temporal (iter do cumprimento) que separa a promessa da efetiva prestação.
31 Vaz Serra, op.cit., p. 213.
32 Cfr. Boletim do Ministério da Justiça, n.º 76. Vid. Também, a este respeito, Pires de Lima, nesta
revista, 99.º, pp. 352 ss; Igualmente, no mesmo sentido, Antunes Varela, op. cit., p. 62.
2.2.3. Críticas
Cumpre, desde logo, tecer uma crítica – ainda que parcial – quanto à exi-
gência formal desta posição: ainda que se mostrem muito atendíveis os argu-
33
Argumento que tem como base teleológica a ponderabilidade requerida para a doação.
3. Jurisprudência
34 Cf. Larenz, Lehrbuch des Schuldrechts, II – Besonder Teil, 1, 1986, pp. 200 e ss.
35
Ainda que recorram, paradoxalmente, ao regime do contrato-promessa para fundamentarem
a exigência de forma escrita (1.ª crítica).
36 Quanto à função mitigadora do contrato-promessa, cf. Menezes Cordeiro, op cit., pp. 303 e
ss, que aponta o efeito de dilação, a possibilidade de arrependimento, a indecisão quanto a contra-
tar e a regulação parcial como quatro possíveis razões para que se considere o contrato-promessa
como um tipo «mais solto ou lasso do que o provocado pelo definitivo».
37 Vejam-se, neste seguimento, por ordem temporal: STJ-16-Jul.-1981; RLx 14-Out.-1993; STJ
38
Como exemplo: STJ 20-Nov.-1986; RLx 19-Fev.-2002.
39
Ver, neste sentido, STJ 21 – Nov.-2002; RLx 25-Jun.-2009.
40 Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. III – Contratos em especial, 11.ª ed., 2016, pp. 191 e ss.
43
Menezes Leitão, op. cit., p. 193.
44
Neste sentido, Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 8.ª ed, 2015, p. 469.
45 Pedro Pais de Vasconcelos, op. cit., p. 471.
46 Pedro Pais de Vasconcelos, op. cit., p. 472. Como principais impulsionadores da teoria da
combinação, aqui explanada, Hoeniger, Die gemischte Vertrage in ihren Grundformen, 1910 e Rume-
lin, Dienstvertrag und Werkvertrag, 1905.
47 Quanto a este ponto, no mesmo sentido mas sem justificar a articulação de regimes, refere
Menezes Leitão, op. cit., p. 193, que, «verificando-se uma situação de ingratidão do donatário,
parece, em face do artigo 970.º, que a revogação poderá abranger, quer o contrato-promessa de
doação, quer a doação realizada em cumprimento daquele».
48 Menezes Leitão, op. cit., p. 193.
5. Síntese conclusiva
50
Adere-se aqui, à posição defendida por Almeida Costa, op.cit, pp. 55 ss. No mesmo sentido,
Ana Prata, op.cit., p. 315.
51 Menezes Cordeiro, op.cit., p.325
52 Lembre-se que, como se apresentou supra, parece ser esta a tendência mais recente da
jurisprudência.
Introdução
1
Para maior estudo sobre o tema Juan B. Jordano Barea. La teoria del heredero aparente y la proteccion
de los terceiros. Instituto Nacional de Estudos Jurídicos. Anuário de Direito Civil, Madrid, 1950.
e António Gordilho. La representacion aparente. Publicaciones de la Universidad de Sevilla, 1978.
Almedina, p. 103, explica que a Procuração tolerada (duldungsvollmacht) ocorre quando alguém
admite que um terceiro se arrogue seu representante. A tutela ocorre por força da confiança, impu-
tada ao representado. Na procuração aparente (Anscheinsvollmacht), “algumas jurisprudências e doutrinas
vão mais longe”. Ocorre quando alguém arroga-se representante de outrem sem conhecimento do
representado. Contudo o representado se tivesse utilizado o cuidado exigível na vigilância de seus
subordinados, poderia (e deveria) prevenir a situação. Como elemento objetivo tem-se a aparência
da representação e como elemento subjetivo a negligência do representado.
4 Pedro Pais de Vasconcelos. Teoria Geral do Direito Civil. Vol II. Coimbra: Editora Almedina,
2002, p. 222.
5 António Menezes de Cordeiro. Tratado de Direito civil. Parte Geral, Vol. V. 2012. Coimbra: Editora
Almedina, p. 104. No mesmo sentido Maria Helena Brito. A representação nos contratos internacionais.
Dissertação de doutoramento em Ciências Jurídicas na Faculdade de Direito da Universidade de
Lisboa, 1997, p. 155, que afirma “no Direito Português não há no Código civil qualquer norma relativa a
regulamentação à representação que se fundamente na ideia de aparência”.
6 Idem, p. 102.
Menezes Cordeiro7 afirma não ser possível alargar o artigo 266.º aos casos
em que faltem uma procuração, posto que, esta norma se assenta num instru-
mento de representação, efetivamente existente, cuja cessação não foi comuni-
cada ao terceiro. Inexistindo procuração, ou mesmo em situações de tolerância
ou aparência, não se aplica o artigo 266.º.
Observa-se que em matéria de tutela de terceiros em face dos negócios
celebrados por um falsus procurator, a regulamentação do Código Civil fez uma
opção no sentido de excluir quaisquer formas mais amplas de proteção da
confiança de terceiros, sendo natural que se prevaleça a autonomia privada do
representado, não lhe sendo imposta vinculação negocial contra a sua vontade8.
Porém, concordamos com o posicionamento de Paulo Mota Pinto9 de que
não havendo certas formas de proteção, o legislador pode ter querido simples-
mente deixar a porta aberta a um ulterior aperfeiçoamento da tutela do tráfico.
7
Embora o autor se posicione contra a extensão do artigo 266 aos demais casos, acaba por admi-
tir tutela da boa fé de terceiros cf. António Menezes Cordeiro. Tratado de Direito Civil Português,
I, Parte geral, Tomo III, Coimbra: Almedina, 2001, c.f. 189.
8 Paulo Mota Pinto. Aparência de Poderes de Representação e Tutela de Terceiros. Reflexão a propósito
do artigo 23.º do Decreto-Lei n.º. 178/86, de 3 de Julho. Boletim da FDUC, 69, G.C. – Gráfica de
Coimbra, Coimbra, 1993, p. 612.
9 Idem, p. 612.
13 Idem, p. 151.
14 Idem, p. 152.
15 Dentro da parcela minoritária arrolamos Salvatore Patti. Profili dela tolleranza nel Diritto Privato,
Napoli, 1978 p. 153-154 que entende que a tolerância do representado gera a confiança no ter-
ceiro o que com base no princípio da boa fé, o tolerante ficará responsável pelos efeitos do negócio
jurídico celebrado. Ferrara, Cariota Luigi. Il negozio Giuridico. Napoli: A. Morano Editore. 1940,
p. 700, embora não aceite o princípio da aparência como fundamento de vinculação negocial,
admite com fundamento nos princípios da reponsabilidade e da confiança que o negócio possa ser
relevante e eficaz em relação ao representado, se do seu comportamento possa ser possível deduzir
a vontade de atribuição de poderes representativos, mesmo que da inação, e uma tolerância aos
atos praticados pelo representante. Nas palavras do autor: “il falsus procurator ha tutte le apparenze di
vero procurator? in altri termini, che dire del rappresentante apparente? A nostro avviso, la semplice apparenza
di un potere di rappresentanza non può vincolare il preteso rappresentato, salvo che non is voglia aderire al c.
c. princípio della apparenza, da noi ripudiato. Sicchè, a ragione si esclude che si possa argomentare per la tutle
dell´altro contraente in buona fede dal solo comportamento del mandatario. Necessario è che il dominus abbia
tenuto un comportamento tale da lasciar trarre líllazione che egli ha voluto conferire ad altri un mandato; ocorre,
ma basta un fatto concludente che puó esse considerato como procura (tacita), e basta persino l´inazione e pre-
cisamente il tollerare e tacere da parte di chi sa che altri va compiendo affari in nome di lui.”
16
Maria Helena Brito, op. cit., p. 274.
17
Paulo Mota Pinto, op. cit., p. 626.
18 Paulo Mota pinto, op. cit., p. 609.
19 José de Oliveira Ascensão e Manuel A. Carneiro da Frada. Contrato celebrado por agente de
reprodução do artigo 294.º do Código de Comércio espanhol de 1885, e suscita alguns problemas
de interpretação, sobretudo quanto à sua estatuição, em suas palavras “estabelece-se uma ficção, uma
presunção iuris et de iure, ou tão só iuris tantum? De qualquer modo, e sobretudo se se entender que estamos
perante uma presunção ilidível, este preceito também não parece alargar significativamente a proteção dos tercei-
ros que pagam a um representante, sendo o seu conteúdo sem dúvida menos amplo do que o de uma disposição
como o §56 do Handelsgesetzbuch alemão, do qual resulta, segundo Canaris, uma “procuração aparente por
força de atribuição de uma posição.””
21
António Menezes Cordeiro. Tratado de Direito civil. Parte Geral, Vol. V. Coimbra: Editora
Almedina, p. 105. Para o autor há uma porta aberta para a procuração aparente, porém somente
para o Direito Comercial. “O particular que contactasse com uma organização comercial em termos que lhe
permitissem esperar, com razoabilidade, a presença de poderes de representação, numa situação também imputável
ao principal, seria protegido, E a proteção natural residiria no surgimento, ex bona fide e com apoio no artigo
23°/1 em causa, de uma procuração aparente. Ficariam ainda abrangidas situações como as dos trabalhado-
res putativos que, sem no contrato de trabalho, representariam as respectivas “entidades patronais”. Assevera
não ser possível em termos substantivos, autonomizar soluções comerciais, no Direito Português
e que a pessoa que contrata com um alegado representante tem no mínimo que ter cautelas de
observar “Compreende-se que a tutela da aparência exija uma prévia procuração, manifestando-se, apenas,
quando sobrevenham modificações ou a extinção (artigo 266). “(p. 106). Diz ser diferente se a situação for
institucional. Ninguém vai num supermercado, invocar perante o empregado do caixa o artigo
266 do Código Civil. Nesses casos compete ao empregador/empresário manter a disciplina na
empresa, assegurando-se da legitimidade dos seus colaboradores, p. 107.
22 António Menezes Cordeiro. Tratado de Direito civil. Parte Geral, Vol. V. op. cit., p.107, fala em
procuração institucional a qual ocorre sempre que uma pessoa de boa fé contratar com uma organi-
zação em cujo nome atua “um agente” em termos tais que, de acordo com os dados sócio-culturais
vigentes e visto a sua inserção orgânica, seja tranquila a existência de poderes de representação.
Nesses casos, conclui tratar-se de alargamento da aplicação do artigo 23/1.º do Decreto-Lei 178/86.
23 Tribunal de Relação de Lisboa recurso n.º 3635/2007-6 de 12/07/2007, que nas palavras da
Relatora Fátima Galante afirmou “A representação aparente não é exclusiva dos contratos de agência e
pode ser aplicável a outros contratos de cooperação ou colaboração. A representação aparente pressupõe uma
relação entre representante aparente e o representado aparente que mereça tutelar as expectativas de terceiros.”
No mesmo sentido, Tribunal de Relação de Lisboa 1636/2003-7, Relator: Pimentel Marcos,
29/04/2003; Tribunal da Relação de Lisboa 07/10/1993 (Colectânea de Jurisprudência, Ano
XVIII, 1993,Tomo IV, 133 a 137) Tribunal da Relação do Porto, de 06/10/1992 (Colectânea de
Jurisprudência, Ano XVII, 1992,Tomo IV, 245 a 251) reconhecendo ser possível a aplicação das
disposições do artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 178/86 a todos os contratos de cooperação e colabo-
ração chegando a afirmar ser “uma norma paradigmática dos contratos de cooperação, aplicando-se, assim,
analogicamente, a todos os contratos que revistam tal natureza”.
24
José de Oliveira Ascensão e Manuel A. Carneiro da Frada, op. cit., p. 58.
25 Pedro de Albuquerque, op. cit., p. 1055-1057.
26 O autor ao analisar o artigo 246.º do Código Civil, diz que não constitui óbice ao alargamento,
dentro de certos limites, do regime da representação aparente, nos moldes consagrados no artigo
23.º do Decreto-Lei 178/86, para além do âmbito do Direito Comercial. Utiliza dois argumen-
tos, o primeiro é que de o artigo 23.º do Decreto-Lei 177/86 representa um afastar, no âmbito
do direito comercial da aplicação da regra contida no artigo 246 CC e a concretização da ideia
do risco de organização empresarial. Em suas palavras “Os fatores capazes de levarem o terceiro a ser
naturalmente inclinados a acreditarem na existência de um poder de representação não variam consoante se
esteja no âmbito do direito civil ou num contexto mercantil.” p. 1060-1061.
27
Helena de Brito, op. cit., p. 166.
28
Apesar de não confirmar a aplicação do Decreto-Lei as relações de Direito Civil, a autora afirma
que não exclui sua aplicação em domínios diferentes dos considerados. Mas ressalta “A relevância da
aparência de representação em situações não abrangidas na previsão legal depende, em cada caso, da verificação
dos requisitos que, em geral se exijam para a responsabilidade pela confiança, com fundamento na proibição
de “venire contra factum proprium”; à situação serão reconhecidos os efeitos mais adequados às circunstâncias
concretas (eficácia do negócio representativo em relação ao “representado” ou pagamento de indemnização à
contraparte pelo pretenso “representado” tendo como objeto ressarcir o interesse contratual negativo ou eventu-
almente, em certos os casos, o interesse contratual positivo” – nota de rodapé 154 – p. 166).
29 José de Oliveira Ascensão e Manuel A. Carneiro da Frada. Contrato celebrado por agente de pessoa
colectiva. Representação, responsabilidade e enriquecimento sem causa. RDE 16 a 19, 1990 a 1993. p. 45.
Para o autores a proteção de terceiros perante a procuração aparente é em razão da necessidade
prática de lançar sobre o detentor da empresa comercial “o risco da organização interna da empresa e
da observância efectiva da divisão interna de funções por parte das pessoas e departamentos de acordo com as
suas instruções”. (p. 57).
30
Paulo Mota Pinto, op. cit., p. 606.
31
Paulo Mota Pinto, op. cit., p. 613-616.
32 António Menezes Cordeiro. Tratado de Direito Civil Português, I, Parte geral, Tomo III, Coimbra:
34 António Menezes Cordeiro. Abuso do abuso do direito: estado das questões e perspectivas. ROA, Ano
65, vol. II, set. 2005. Ao analisar o artigo 334, assevera que o preceito começa por estatuir “é
ilegítimo o exercício” e que a ilegitimidade tem no Direito civil, um sentido técnico; “exprime,
no sujeito exercente, a falta de uma específica qualidade que o habilite a agir no âmbito de certo direito.” Diz
Para configuração do venire contra factum proprium são necessários dois com-
portamentos da mesma pessoa, lícitos em si e diferidos no tempo. O primeiro
(factum proprium) é contrariado pelo segundo38.
que mesmo nos casos em que o sujeito estiver, “legitimado”, não poderia exceder manifesta-
mente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do
direito em causa. Aventa que o legislador pretendia dizer é “ ilícito” ou “não é permitido”. Ao
analisar o preceito que “o titular exceda manifestamente certos limites”, faz uma crítica a expres-
são “manifestamente” dizendo que perante institutos modernos “a adjetivação enérgica não faz
sentido”, tendo a Ciência do Direito que localizar em termos objetivos o seu significado. Quanto
aos “limites impostos pela boa fé” o autor afirma tratar da boa-fé objetiva “Aparentemente, lidamos
com a mesma realidade presente noutros preceitos, com relevo para os artigos 227.º/1, 239.º, 437.º/1 e 762.º/2
(10). Teríamos, então, um apelo aos dados básicos do sistema, concretizados através de princípios mediantes:
a tutela da confiança e a primazia da materialidade subjacente.” Já “limites impostos pelos bons costu-
mes” direcionam-se para as regras da moral social “os bons costumes prefigurados no artigo 334.º equi-
valerão aos mesmos “bons costumes” presentes no artigo 280.º/1”. Por fim, na análise do “fim social ou
económico do direito” o mestre afirma que “apela a uma interpretação melhorada das normas, que dê
valor à dimensão teleológica. Não exige a ideia de “abuso”. E conclui “que o artigo 334.º não comporta uma
exegese comum. Os seus diversos termos ora devem ser corrigidos pela interpretação, ora soçobram no vazio”.
35 Idem, p. 661.
36 António Menezes Cordeiro. Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo IV, 2005,
38 António Menezes Cordeiro. Boa fé..., op. cit., p. 745. Para António Junqueira de Azevedo.
Interpretação do contrato pelo exame da vontade contratual. Estudos e pareceres de direito privado. São Paulo:
Editora Saraiva, 2004, p. 167, o venire contra factum proprium “traduz o exercício de uma posição jurídica
em contradição com o comportamento anterior; há quebra da regra da boa-fé porque se volta contra as expecta-
tivas criadas — em todos, mas especialmente na parte contrária”.
39 Ao falar sobre o princípio da confiança António Menezes Cordeiro. Boa fé no Direito Civil, op.
cit., p. 1241 afirma que “a aproximação entre confiança e boa fé constitui um passo da Ciência Jurídica que
não mais se pode perder. Mas ele só se torna produtivo quando, à confiança, se empreste um alcance material
que ela, por seu turno, comunique à boa fé.”
40
António Menezes Cordeiro – Do abuso do direito: estado das questões e perspectivas. ROA, Ano 65,
vol. II, set. 2005.
41
Anderson Schreiber. A proibição de comportamento contraditório. Rio de Janeiro. Renovar, 2005, p.
134 alerta para a necessidade de analisar o caso concreto para constatar a ocorrência da legítima
confiança (2005, p. 134): “A confiança que se perquire aí não é um estado psicológico, subjetivo, daquele
sobre quem repercute o comportamento inicial. Trata-se, antes, de uma adesão ao sentido objetivamente extra-
ído do factum proprium. Somente na análise de cada caso concreto será possível verificar a ocorrência ou não
desta adesão ao comportamento inicial, mas servem de indícios gerais não-cumulativos: (i) a efetivação de gastos
e despesas motivadas pelo factum proprium, (ii) a divulgação pública das expectativas motivadas, (iii) a ado-
ção de medidas ou a abstenção de atos com base no comportamento inicial, (iv) o grau elevado de repercussão
exterior, (v) a ausência de qualquer sugestão de uma futura mudança de comportamento, e assim por diante.”
42 António Menezes Cordeiro – Do abuso do direito: estado das questões e perspectivas. ROA, Ano 65,
pacta sunt servanda e vincula uma pessoa à suas atitudes, em particular quando
tenham um beneficiário43.
4.1.2. Venire contra factum proprium nas relações negociais com base na represen-
tação tolerada
43 António Menezes de Direito. Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo IV, 2001,
Coimbra: Almedina, p. 283.
44 Paulo Mota Pinto, op. cit., p. 636.
46
Manuel António de Castro Portugal Carneiro da Frada. Teoria da Confiança e Responsabili-
dade civil. Almedina: Coleção Teses, 2004, p. 56 – nota 40 – “note-se por outro lado que a recondução
da procuração aparente ao abuso do direito não permite com facilidade que, internamente, isto é, do ponto de
vista do próprio princípio justificador, se explique o seu não reconhecimento nas relações juscivis (onde se depara
com os obstáculos acima referidos) e a sua admissão tão-só no direito comercial, como é proposto na doutrina
germânica. É certo que os princípios jurídicos não têm por que se manifestar com igual intensidade em todos os
sectores do ordenamento; eles não valem sem excepções ou restrições, e só no jogo de articulação com as demais
normas e princípios desvelam plenamente o seu alcance. Há todavia uma distinção entre admitir determinada
exceção ou desvio a um princípio e aceitar que as limitações de que ele aparentemente padece num concreto
âmbito relevam afinal, pela sua generalidade e justificação material intrínseca, de um princípio constitutivo
distinto (que pode, aliás, por sua vez, sofrer restrições). Em termos práticos, não é indiferente explicar que a
proteção de terceiros que contratam com um falsus procurator pela via da imputação do negócio ao representado
não se aplica, apesar do princípio, (via de regra) em direito civil, ou sustentar que essa proteção se dá em direito
comercial por força de princípios gerais diversos.”
47 Pedro de Albuquerque, op. cit., p. 1075.
do representado que não queira se vincular ao negócio que ele conhecia a atua-
ção do representante, mas não reagiu.
O comportamento contraditório do representado, que conhecia a atuação
do representante e não reagiu, e o pedido da não vinculação perante o negócio,
constituiria o venire contra factum proprium48.
No âmbito da representação tolerada, Rui Ataíde49 ao discorrer sobre a
confiança diz que a omissão, por si só, pode não ser suficiente, carecendo de
outros “ingredientes” que reforcem a respectiva credibilidade.
O comportamento do representado deve ser analisado, de forma global, a
partir das práticas negociais anteriores ou de quaisquer circunstâncias que cer-
tifiquem a inequivocidade da aparência50.
Existindo alguma situação possível de modelar o fato, como confiável, em
seu torno estarão os demais elementos: a justificada situação de confiança, dada
pela boa-fé subjetiva de um terceiro, que, em regra, perante as características do
fato confiável, estará dispensado de particulares deveres de indagação que ao
caso couber51.
A confiança transmitida para o terceiro deve ser em decorrência do com-
portamento do suposto representado, pois o que se espera, é que se fosse uma
representação não autorizada, ele manifestaria a sua oposição. A sua inércia,
mesmo tendo conhecimento da atuação do representante, gera uma confiança
legítima na atribuição da procuração52.
A recusa do representado em ratificar o negócio constituiria um venire contra
factum proprium como assevera Rui Ataíde53.
48 Nesse sentido Paulo Mota Pinto, op. cit., p.636 e António Menezes Cordeiro. António Menezes
Cordeiro. Tratado de Direito Civil Português, I, Parte geral, Tomo III, Coimbra: Almedina, 2001,
c.f.189.
49 Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde, op. cit., p. 277, ao falar de “ingredientes” cita
como exemplos: “anteriores atuações dotadas de habilitação ou , mas tarde, ratificadas; antecedentes liga-
ções comerciais inseridas ou não numa relação duradoura de negócios, desenvolvida diretamente ou por meio de
representante/s; a utilidade da iniciativa representativa, determinada objectivamente, segundo a vontade pre-
sumível do dominus, em conformidade com o sentido de condutas anteriores; uma simples atuação prolongada
em articulação com um dos outros fatores.”
50 Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde, op. cit., p. 276.
53 O autor com extrema propriedade explica: “A recusa de ratifi cação do negócio representativo por quem,
v.g., no passado, se serviu desse ou de outros representantes para concluir transações com aquele ou outros ter-
ceiros, ou por quem habituou o meio da especialidade de negociar através daquele ou de diferentes procuradores,
ou ainda, por quem, já antes, pessoalmente ou por intermédio de representante, mantivera relações negociais de
igual ou semelhante teor de negócios representa um venire contra factum proprium, porque contradiz o significado
objetivo da tolerância observada durante a actuação representativa, violando manifestamente os limites impostos
5. Análise de jurisprudência
pela boa fé ao exercício dos direitos, ao frustrar a legítima confiança da contraparte, depositada inicialmente na
outorga da procuração e, mais tarde, na efectividade da ratificação.” (op. cit., p. 323).
54 Poderia até se dizer que o comportamento do representado gerou uma “expectativa jurídica”.
Sobre o tema Maria Raquel Aleixo Antunes Rei. Da expectativa jurídica. ROA, Ano 54, vol. I,
abril/1994.
55 Pedro de Albuquerque, op. cit., p. 1077. Assevera “que a boa fé deve ser própria da pessoa que sem
ofender deveres de cuidado e de indagação pertinentes no caso, ignore estar a lesar posições alheias; uma justi-
ficação para essa confiança traduzida na presença de elementos objetivos suscetíveis de, em abstrato, originarem
uma crença plausível; um investimento de confiança traduzido num assentar efetivo, por parte do sujeito pro-
tegido, de atividades jurídicas sobre a crença, em termos que desaconselhem ou tornem injusto o seu preterir; e
uma imputação da confiança a pessoa atingida”.
56
Pedro de Albuquerque, op. cit., p. 1077.
57
Embora haja poucos julgados nessa matéria, observa-se que em 1987 e 1991, os tribunais se mani-
festaram contrários a figura do mandado aparente, conforme se verifica nos acórdãos n.º 2273/91
do TRL (Colectânea de Jurisprudência, Ano XVI, 199, Tomo I, 169 a 171) e n.º 25786/91 do TRP
(Colectânea de Jurisprudência, Ano XVI, 1991, Tomo III, 231 a 234). No julgado do Tribunal de
Relação de Coimbra (acórdão n.º 16006/87 de 27.01.1987) foi declarado “que o mandado aparente
não está consagrado na nossa lei” (Colectânea de Jurisprudência, Ano XII, 1987, Tomo I, 40 a 45).
58 Nesse sentido já havia manifestado Humbertus Schwarz. Sobre a evolução do mandato aparente
nos direitos romanísticos. Seu significado para o Direito Português. Revista de Direito e Estudos Sociais.
Ano XIX.1972. p. 99-122. “A escassa disciplina que este instituto teve no Código Civil, não pode ser defi-
nitiva; pelo contrário, deixa a jurisprudência um vasto campo de soluções possíveis, socialmente adequadas.”
59 Destacamos Humbertus Schwarz. Sobre a evolução do mandato aparente nos direitos romanísticos.
Seu significado para o Direito Português. Revista de Direito e Estudos Sociais. Ano XIX.1972. Paulo
Mota Pinto. Aparência de Poderes de Representação e Tutela de Terceiros. Reflexão a propósito do artigo
23.º do Decreto-Lei n.º. 178/86, de 3 de Julho. Boletim da FDUC, 69, G.C. – Gráfica de Coimbra,
Coimbra, 1993; Pedro de Albuquerque. A representação voluntária em Direito Civil. Ensaio de recons-
trução dogmática. Colecção Teses, Almedina, Coimbra, 2004. Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas
Ataíde. A responsabilidade do “representado” na representação tolerada. Um problema de representação sem
poderes. Lisboa, AAFDL, 2008. António Menezes Cordeiro. Tratado de Direito Civil Português, I,
Parte geral, Tomo III, Coimbra: Almedina, 2001, c.f.189, que apontou o abuso de direito como
via para tutela de terceiros “o terceiro que seja colocado numa situação de acreditar, justificada-
mente, na existência duma procuração, poderá ter proteção: sempre que, do conjunto da situação,
resulte que a invocação, pelo “representado”, da falta de procuração constitua abuso de direito,
seja na modalidade do venire contra factum proprium, seja na da surrectio”. Maria Helena Brito.
A representação nos contratos internacionais. Dissertação de doutoramento em Ciências Jurídicas na
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1997, p. 139, nota 154 “A relevância da apa-
rência de representação em situações não abrangidas na previsão legal depende, em cada caso,
da verificação dos requisitos que em geral se exijam para a responsabilidade da confiança, com
fundamento na proibição de “venire contra factum proprium”; à situação serão reconhecidos os
efeitos mais adequados às circunstâncias concretas (eficácia do negócio representativo em relação
ao “representado” ou pagamento de indemnização à contraparte do pretenso “representado”,
tendo como objeto ressarcir o interesse contratual negativo ou eventualmente, em certos casos,
o interesse contratual positivo”.
60 Disponível em: <http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/48
61
Atualmente as disposições sobre a venda de bens da massa falida estão no artigo 141 e seguintes
do CIRE.
62
Nas palavras do Relator Lopes do Rego “A circunstância de a relevância e efeitos da figura da
representação aparente serem menos amplas e intensas no domínio do direito civil, relativamente
ao que ocorre em direito comercial, não significa, porém, que não possam verificar-se situações
excepcionais em que a tutela da fundada confiança do terceiro de boa fé na existência de poderes
representativos de quem outorgou no negócio imponha a vinculação do próprio representado
aos efeitos do acto: tal ocorrerá, nomeadamente quando a desprotecção do terceiro traduzisse
uma insuportável lesão da confiança, incompatível com os ditames da boa fé e com a proscrição
do abuso de direito – decorrente da simultânea existência de uma muito fundada aparência de
poderes representativos e de uma reprovável negligência do representado na criação dessa mesma
aparência fundada”. Disponível em: <http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b
5f003fa814/482b0a2eeafc2c3a80257e4b0053c076?OpenDocument>. Acesso em: 01/06/2015.
63
Embora extenso, mas de extrema importância, destaco trechos da análise dos requisitos para
configuração do venire contra factum proprium: “foi ele – o administrador da massa falida – que esco-
lheu e requereu a nomeação nos autos de falência da entidade que outorgou no acto de venda, cumprindo-lhe
naturalmente aferir cuidadosamente da respectiva idoneidade para o exercício das funções que lhe estavam come-
tidas e fiscalizar diligentemente a respectiva actuação (...) saliente-se que se infere claramente da correspondência
trocada entre o administrador e a leiloeira CC que aquele admitia perfeitamente que as escrituras de venda por
negociação particular pudessem ser realizadas por esta sociedade, sem qualquer intervenção pessoal do adminis-
trador: veja-se, nomeadamente, o teor da carta de fls. 178, em que a administrador interpela aquela sociedade
por quotas, solicitando-lhe que informe quais as escrituras entretanto realizadas e intimando-a a explicitar os
motivos da falta de realização das restantes escrituras. Resulta, pois, claramente desse documento que o admi-
nistrador conhecia e estava perfeitamente consciente de que – apesar da falta de poderes do auxiliar – este vinha
outorgando de forma reiterada nos actos de celebração das próprias escrituras de venda, em violação da aludida
norma processual e em indevida (mas por ele tolerada e consentida) substituição do próprio administrador. (...)
finalmente – e em termos de muito substancial relevância para a ponderação dos efeitos a atribuir à situação
de representação aparente culposamente criada – verifica-se que o administrador da falência não teve a menor
atenção ao teor da certidão judicial cuja passagem ele próprio terá requerido (...) expressamente atestava que o
dito auxiliar estava habilitado ao exercício das funções de encarregado da venda, atestando que a dita certidão
se destinava a outorgar a escritura de venda dos prédios a seguir indicados, pela encarregada de venda nomeada
nos autos CC- Agência de Leilões Ltda. Como é evidente, esta manifesta falta de cuidado do representante
legal (...)era susceptível de iludir justificadamente terceiros sobre o âmbito efectivo dos poderes de representação
que nos autos de falência estavam cometidos à CC, criando uma situação de representação aparente da massa
falida por essa sociedade relativamente aos actos de alienação em causa, cujas consequências não podem ser feitas
repercutir exclusivamente sobre os terceiros de boa fé que, nomeadamente, confiaram justificadamente no teor da
dita certidão, solicitada e obtida pelo próprio administrador como instrumento indispensável á feitura dos negócios
de venda dos bens integrados na massa falida. Ou seja: o administrador da falência contribuiu decisivamente
– com a falta de diligência no controlo da fidedignidade da certidão que serviu de suporte à actuação da CC e
do próprio âmbito da actividade que vinha sendo efectivamente desenvolvida por esta entidade , nomeada nos
próprios autos de falência – para a criação de uma justificada aparência de poderes representativos do auxiliar,
decorrentes, desde logo, de se mostrar certificada a qualidade de encarregado da venda – que o habilitava, aos
olhos do outro contraente – de boa fé – à realização da escritura de venda por negociação particular. Tal actua-
ção negligente do administrador da falência – representante institucional e legal da própria massa falida, como
património autónomo – não pode deixar de se repercutir na esfera jurídica da entidade por si legalmente repre-
sentada, vinculada também ela, em conformidade com os princípios da boa fé, a ter de suportar as consequên-
cias do investimento na confiança justificadamente feito pelo outro contraente, em função dos actos e omissões
plenamente imputáveis ao dito representante legal. Na verdade, o terce iro/adquirente de boa fé confiou justifi-
cadamente na legitimação substancial de quem lhe foi apresentado como detentor da qualidade de encarregado
da venda por negociação particular do imóvel, sendo claramente desproporcionado que quem criou a aparência
de poderes representativos para outorgar na venda por negociação particular realizada possa vir ulteriormente
pretender eximir-se à eficácia do negócio, alegando que tal qualidade, apesar de expressamente certificada, se
5.1.2. Comentários
não verificava. E, neste concreto circunstancialismo, traduz efectivamente um reprovável venire contra factum
proprium a pretensão de – eximindo-se à eficácia do negócio realizado – pretender colocar exclusivamente a cargo
do outro contraente de boa fé as consequências desfavoráveis da aparência de poderes representativos, plenamente
imputável a actos e omissões do representante legal da massa falida”. Disponível em: <http://www.dgsi.
pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/482b0a2eeafc2c3a80257e4b0053c076?Open
Document>. Acesso em: 01/06/2015.
5.2.2. Comentário
65 Cf. nota 6.
66 João Nuno Calvão da Silva. Procuração artigo 116.º do Código do Notariado e artigo 38.º do Decreto-Lei
n.º 76-A/2006, de 29 de Março. ROA, Ano 67, Vol. II, Set. 2007, ao analisar o artigo 258 do C.C.
“Assim, é essencial a existência de legitimação representativa, só podendo o representante actuar em nome do
representado, vinculando-o às consequências jurídicas do acto praticado, se dispuser de poderes para tal. Não
existindo o necessário poder de representação, apenas a ratificação do representado torna o negócio eficaz na
sua esfera jurídica(10). Neste sentido, estabelece o artigo 268.°, n° 1, do CC: “O negócio que uma pessoa,
sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele rati-
ficado.(...) nas situações em que a falta de poderes do representante resulta da falta de uma procuração, porque
este nunca teve legitimação representativa, não é aplicável o artigo 266.° do CC, acima transcrito, nem parece
justificar-se a protecção de terceiro mediante a eficácia do negócio na esfera jurídica do representado.” Nesse
sentido também Pedro de Albuquerque. op. cit., p. 992. “Na verdade, o artigo 258.º estabelece, de
modo aparentemente límpido, como o negócio jurídico realizado pelo representante, em nome do reprsentado,
nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último. Isto a sugerir
imediatamente como na eventualidade de não existir procuração ou de não serem respeitadas as fronteiras ou
restrições do poder de representação, se não é possível vincular o representado.”
67 Nas palavras do julgador: “Deste conjunto de factos deriva que, não obstante não ter outor-
gado procuração à sua administradora, a autora (representada) foi ao longo dos anos tolerando a
assunção por aquela, em face do arrendatário, de poderes de representação para tratar dos assuntos
Portanto, o argumento jurídico (artigo 258.º CC) foi equivocado, pois não
é válido para a procuração tolerada. Além disso, como foi reconhecida a necessi-
dade de tutela da requerida para salvaguardar o princípio da confiança e boa-fé,
deveria ter sido reconhecida a figura do abuso de Direito, na modalidade do
venire contra factum proprium para fazer cessar a pretensão da autora de inexistên-
cia de procuração e de invalidade da oposição dirigida à sociedade.
Todos os requisitos para a configuração do venire contra factum proprium esta-
vam presentes no caso em comento.
A autora tinha conhecimento de que a sociedade atuava em seu nome em
assuntos relativos ao rés de chão tanto que, a renda era paga à administradora do
senhorio desde 1994 e todos os assuntos referentes ao arrendado eram tratados
com esta.
A carta que a requerida enviou para a administradora no dia 14/11/2005
comunicando o falecimento de seu pai, por certo chegou ao conhecimento da
autora, que respondeu 3 (três) dias depois denunciando o contrato e propondo
a pagar a indenização legal. Na carta de denúncia, a autora não contestou a qua-
lidade de representante da sociedade e ainda consignou que enviaria a mesma
informação a ela.
Por certo, essas atitudes da autora, em conhecer a atuação da sociedade e
não se opor, criou uma situação de representação aparente, cuja consequência
não pode ficar exclusivamente sobre a requerida de boa-fé.
O comportamento da autora não teria sido contraditório, se logo na denún-
cia, tivesse alertado à requerida da inexistência de poderes de representação da
sociedade.
Contudo, preferiu continuar omissa e tolerante, reforçando a crença da
representação da sociedade, na medida em que informou para a requerida que
a cópia da denúncia também seria enviada à sociedade.
Sua atitude criou, na parte requerida, a confiança de existência de poderes
de representação por parte da sociedade administradora.
Por certo, a requerida quando enviou para a sociedade a oposição à denún-
cia, acreditava estar cientificando a própria autora, e que tal atitude não a lesava
em qualquer direito, já que na primeira carta, o mesmo procedimento foi ado-
tado e nenhuma resistência foi apresentada por parte da autora.
Conclusão
68
António Menezes Cordeiro. Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo IV, 2005,
Livraria Almedina, Coimbra, 2005, p. 375.
mônia,69 já que, como regra geral, o risco em contratar com um falso represen-
tante deve ser atribuído ao terceiro.
Contudo, em certos casos o terceiro merecerá a proteção jurídica quando o
representado tiver contribuído com a situação enganosa, por meio de sua omis-
são e levado o terceiro a crer na existência da representação.
A aparência de representação não pode ser condição suficiente para vincu-
lação do representado, pois exige-se que este tenha contribuído para fundar a
confiança no terceiro.
É preciso verificar qual foi o comportamento (omissão) juridicamente rele-
vante do representado, que levou o terceiro de boa-fé a ter confiança sobre a
validade da representação.
A solução adequada será analisar o comportamento do representado em
face das ações do representante. A mera omissão, por si só, não pode ser funda-
mento para a criação da confiança. É necessário que os atos do representante
sejam de conhecimento do representado e que o comportamento deste, frente
às atitudes do representante, seja omisso. E mais, que os atos anteriores do repre-
sentado tenham sido desenvolvidos por meio desse “representante aparente”.
Portanto, é necessário avaliar todo o contexto fático, mormente o nexo de
causalidade entre a conduta do representado e a confiança gerada ao terceiro.
Nos dois julgados analisados, já existia uma conduta anterior do represen-
tado que se valia do “representante aparente” para a concretização dos negócios.
Não foi tão somente a omissão fator relevante para justificar a confiança do
terceiro de boa-fé.
Por certo, não se pode criar uma situação desequilibrada, mas em determi-
nados casos, a postura do representado que gerou a situação de aparência, deve
ser menos protegida que o terceiro de boa-fé, cuja confiança seja justificada.
Jurisprudência
69 António Menezes Cordeiro. Tratado de Direito Civil. Parte Geral, I, Tomo III. Coimbra: Almedina,
p. 189.
DOUTRINA
Isabel Alexandre
O tribunal estadual competente, segundo a Lei da Arbitragem Voluntária. . . . . . . . . . 117
Rui Marques
A propósito da simulação: uma figura do Direito civil emprestada ao Direito tributário 359
Daniela Mirante
Da natureza jurídica do contrato celebrado entre o empresário desportivo e o praticante
desportivo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 419
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O abuso do direito no Direito tributário – Dois pesos e duas medidas? A caminhada pelo
deserto doutrinário... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 745
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JURISPRUDÊNCIA ANOTADA
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