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[Aulas Teóricas]









Contencioso Administrativo
e Tributário
!

APONTAMENTOS
2.º Semestre

Prof. Doutor Colaço Antunes


Prof. Doutor Diogo Feio

Maria João Cruz


2018/2019



Faculdade de Direito da Universidade do Porto


Contencioso Administrativo e Tributário Maria João Torres Cruz | FDUP 2018/2019

Aulas teórico-práticas

Índice
PARTE I. CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO ......................................................................................................................... 7

Cap. I. Do Contencioso Administrativo à Jurisdição Administrativa ............................................................................................... 7

Cap. II. O Contencioso de Plena Jurisdição .......................................................................................................................................... 7

1. Modelos de justiça administrativa ................................................................................................................................. 9

1.1. A alternativa entre os modelos: objetivismo e subjetivismo .............................................................. 9

1.2. Modelos organizativos............................................................................................................................ 10

Cap. III. Garantias administrativas e acesso à jurisdição administrativa ........................................................................................ 12

1. O direito de acesso aos tribunais administrativos e o princípio da tutela jurisdicional efetiva ......................... 12

1.1. O direito à proteção judicial ............................................................................................................. 13

1.2. O princípio da tutela jurisdicional efetiva ...................................................................................... 14

1.3. O princípio da plenitude dos poderes jurisdicionais .................................................................... 16

Cap. IV. Âmbito da jurisdição administrativa e organização judiciária administrativa. Conflitos de jurisdição e de
competência. ............................................................................................................................................................................................. 18

1. O critério da relação jurídico-administrativa e sua problematicidade ................................................................... 19

2. Unidade e dualidade de jurisdições ............................................................................................................................. 22

3. A relação intra-jurisdicional entre tribunais administrativos e fiscais.................................................................... 25

4. Organização e funcionamento dos tribunais administrativos e fiscais.................................................................. 26

Cap. V. Processos Administrativos ...................................................................................................................................................... 29

1. A ação administrativa .................................................................................................................................................... 29

1.1. Princípio da tutela jurisdicional efetiva e subprincípio da cumulação de pedidos ........................ 30

1.2. Objeto da ação administrativa............................................................................................................... 33

1.2.1. Pedido de impugnação de atos administrativos .............................................................................. 34

1.2.1.1. Legitimidade ............................................................................................................................. 39

1.2.1.2. Efeitos ....................................................................................................................................... 41

1.2.1.3. Prazos ........................................................................................................................................ 42

1.2.2. Ação de condenação à prática de ato devido................................................................................... 45

1.2.2.1. Pressupostos ............................................................................................................................. 46

1.2.2.2. Legitimidade ............................................................................................................................. 47

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1.2.2.3. Prazos ........................................................................................................................................ 47

1.2.3. Ação de impugnação de normas e condenação à emissão de normas ........................................ 48

1.2.3.1. Prazos ........................................................................................................................................ 50

1.2.3.2. Efeitos ....................................................................................................................................... 51

2. Processos principais urgentes ............................................................................................................................................................ 51

2.1. O contencioso pré-contratual (arts. 100º e ss. CPTA) ...................................................................... 52

2.2. Intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias (arts. 109º e ss. CPTA) ................... 55

2.3. Tutela cautelar.......................................................................................................................................... 56

2.3.1. Caraterísticas fundamentais da tutela cautelar ................................................................................. 58

2.4. Contencioso eleitoral .............................................................................................................................. 61

2.5. Procedimento de massa.......................................................................................................................... 62

2.6. Intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões . 64

3. Elementos da causa ............................................................................................................................................................................. 66

3.1. Partes ......................................................................................................................................................... 67

3.2. Pedido ....................................................................................................................................................... 68

3.3. Causa de pedir.......................................................................................................................................... 68

3.4. Objeto ....................................................................................................................................................... 69

4. Pressupostos processuais ................................................................................................................................................................... 69

4.1. Pressupostos relativos ao tribunal ........................................................................................................ 70

4.2. Pressupostos relativos às partes ............................................................................................................ 71

4.3. Pressupostos relativos ao processo ...................................................................................................... 74

5. Efeitos das sentenças e sua força jurídica ....................................................................................................................................... 77

PARTE II. CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO ................................................................................................................................. 87

Cap. I. Introdução .................................................................................................................................................................................... 87

1. Conceito de relação jurídica fiscal ............................................................................................................................... 87

1.1. Relação jurídica tributária e relação jurídica fiscal.............................................................................. 87

1.2. Sujeitos da relação jurídica tributária.................................................................................................... 90

1.3. Extinção da obrigação fiscal .................................................................................................................. 92

Cap. II. O Procedimento Tributário ..................................................................................................................................................... 93

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1. Noção de procedimento tributário ............................................................................................................................. 93

2. Fases do procedimento tributário ............................................................................................................................... 95

3. Revisão dos atos tributários ....................................................................................................................................... 101

4. Cobrança do imposto.................................................................................................................................................. 102

4.1. Cobrança coerciva ................................................................................................................................. 103

5. Princípios do procedimento tributário ..................................................................................................................... 105

5.1. Princípio da legalidade .......................................................................................................................... 105

5.2. Princípio da imparcialidade.................................................................................................................. 106

5.3. Princípio da proporcionalidade ........................................................................................................... 106

5.4. Princípio da celeridade ......................................................................................................................... 107

5.5. Princípio da colaboração ...................................................................................................................... 107

5.6. Princípio da boa fé ................................................................................................................................ 110

5.7. Princípio da participação ...................................................................................................................... 111

5.8. Princípio da confidencialidade ............................................................................................................ 115

5.9. Princípio da vinculação da forma ....................................................................................................... 116

5.10. Princípio do inquisitório e do dispositivo ....................................................................................... 116

5.11. Princípio da publicidade dos atos ..................................................................................................... 116

5.12. Princípio do duplo grau de decisão .................................................................................................. 116

Cap. III. Procedimentos em especial...................................................................................................................................................117

1. Procedimento de liquidação ....................................................................................................................................... 117

2. Procedimento de cobrança......................................................................................................................................... 117

3. Procedimento de informação vinculativa ................................................................................................................ 118

4. Procedimento de acordos prévios............................................................................................................................. 120

5. Procedimento para reconhecimento de benefícios fiscais .................................................................................... 122

6. Procedimentos de avaliação ....................................................................................................................................... 123

6.1. A avaliação direta .................................................................................................................................. 124

6.2. A avaliação indireta ............................................................................................................................... 124

7. Procedimento de inspeção ......................................................................................................................................... 126

8. Procedimento de acesso a informações bancárias.................................................................................................. 128

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9. Procedimento de reclamação graciosa ..................................................................................................................... 128

Cap. III. O Processo Tributário ...........................................................................................................................................................130

1. Princípios do Direito Processual Tributário............................................................................................................ 131

1.1. Princípio da verdade material (art. 13º, nº2 CPPT) ......................................................................... 131

1.2. Princípio de colaboração ...................................................................................................................... 131

1.3. Princípio de celeridade ......................................................................................................................... 131

1.4. Princípio do inquisitório ...................................................................................................................... 132

1.5. Princípio do contraditório ................................................................................................................... 133

1.6. Princípio de duplo grau de jurisdição ................................................................................................ 133

2. Partes do processo tributário ..................................................................................................................................... 133

2.1. Legitimidade (art. 9º, nº4 CPPT) ........................................................................................................ 133

3. Processos em especial ................................................................................................................................................. 135

3.1. Processo de impugnação judicial ........................................................................................................ 135

3.1.1. Incidentes da impugnação (art. 127º CPPT) ..................................................................... 141

3.2. Ação para reconhecimento de direitos ou interesses (art. 145º CPPT) ........................................ 142

3.3. Ações cautelares .................................................................................................................................... 144

4. Meios processuais especiais........................................................................................................................................ 145

5. Processo de execução fiscal ....................................................................................................................................... 147

5.1. Nulidades processuais (art. 165º CPPT) ............................................................................................ 148

5.2. Casos especiais de responsabilidade ................................................................................................... 149

5.3. Formas de reação à execução .............................................................................................................. 151

5.4. Elementos processuais ......................................................................................................................... 152

6. Recursos das decisões dos tribunais tributários ...................................................................................................... 152

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Nota prévia:
Os presentes apontamentos baseiam-se na frequência das aulas teórico-práticas de Contencioso
Administrativo e Tributário, lecionadas pelos Professores Doutores Luís Filipe Colaço Antunes e
Diogo Feio, no ano letivo 2018/2019 (2º Semestre).
Ressalva-se a existência de quaisquer erros, incompletudes ou imprecisões, e incentiva-se a uma
leitura atenta e crítica dos apontamentos. Estes apontamentos constituem um material de estudo
complementar, que deve ser lido em conjugação com a bibliografia obrigatória recomendada.

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Aulas teórico-práticas

PARTE I. CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO


PROF. DOUTOR. COLAÇO ANTUNES

12.02.2019

Cap. I. Do Contencioso Administrativo à Jurisdição Administrativa


Vamos falar em “contencioso administrativo” e “justiça administrativa” como sendo
sinónimos. A expressão “justiça administrativa” é uma expressão mais hodierna, que insinua desde
logo um contencioso diferente, um contencioso mais subjetivista, em que a função essencial da
jurisdição administrativa já não é apenas a de garantir a juridicidade da Administração, mas
fundamentalmente a de garantir a proteção efetiva e plena dos direitos eventualmente lesados por atos
da Administração. O contencioso administrativo aponta para uma posição de certa forma privilegiada
da Administração, sobretudo porque o Ministério Público, antes da reforma de 2002–2004, funcionava
quase como uma “muleta” do juiz, o que provocava uma situação de disparidade entre a Administração
e os particulares em termos justiçais. A função do Ministério Público é defender a legalidade
democrática e não os interesses da Administração. O Ministério Público perdeu, como veremos,
alguma preponderância processual, embora continue a ter um papel importante.

Cap. II. O Contencioso de Plena Jurisdição


O objeto do processo já não é apenas o ato e os seus vícios. Hoje, num contencioso de plena
jurisdição, os tribunais têm poderes, para além de praticar atos de natureza declarativa, para praticar
atos de natureza cautelar. O juiz, num modelo objetivista (pelo menos puro) apenas podia anular a
atuação da Administração, isto é, podia anular o ato administrativo, não podia condenar a
Administração a praticar um ato legalmente devido. Por isso mesmo, num sistema de contencioso
objetivista criavam-se “ficções de atos”, como o silêncio negativo (o indeferimento tácito), isto é,
criava-se artificialmente uma ficção, para abrir as portas, o acesso ao tribunal.

Como iremos ver, os poderes do juiz são variáveis consoante a natureza vinculada ou
discricionária da atividade administrativa. Se o ato é o epílogo de uma atividade administrativa
estritamente vinculada, o juiz não só pode condenar a Administração Pública a praticar o ato tal como
foi pedido pelo autor, como pode emitir uma sentença substitutiva do ato, produzindo os mesmos
efeitos. Se a atividade administrativa for discricionária quanto ao quid, quanto à determinação do

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conteúdo do ato, o juiz apenas pode condenar a Administração a praticar um ato administrativo
qualquer, mas não pode determinar o conteúdo do ato, porque isso é reserva da Administração. Se a
lei conceder liberdade à Administração de praticar ou não o ato, o juiz não pode sequer condená-la a
praticar um qualquer ato administrativo.

Quando falamos de justiça administrativa, estamos a falar de um sistema judicial ordenado


normativamente a resolver as controvérsias judiciais emergentes de uma relação jurídico-
administrativa, estamos a falar não só das formas, dos meios processuais, mas também de uma
organização judiciaria própria, específica. A Justiça Administrativa engloba duas secções: o direito
judiciário administrativo (organização dos tribunais administrativos, e que é disciplinada pelo Estatuto
dos Tribunais Administrativos e Fiscais – doravante ETAF) e o direito processual administrativo (aqui
já estamos a aplicar o Código do Processo nos Tribunais Administrativos – doravante CPTA).

O contencioso administrativo tem como finalidade principal e muitas vezes entendida como
exclusiva a de garantir e proteger os direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares. Esta
visão finalista está um pouco ligada ao início do contencioso administrativo. De facto, é esta ainda hoje
a sua finalidade mais relevante, mas não é a única. O princípio da legalidade “não tem apenas um
senhor, tem dois”: o princípio da legalidade (em termos amplos, o princípio da juridicidade) visa,
naturalmente, em primeiro lugar, tutelar as posições jurídicas dos particulares face à Administração,
mas também garantir que a Administração concretize o interesse público em termos juridicamente
válidos. O objeto, os litígios emergentes das relações jurídico-administrativas não se podem confinar à
relação jurídico-administrativa entre particulares e Administração, há também conflitos entre entidades
administrativas, e ainda conflitos interorgânicos.

No nosso contencioso administrativo, predominantemente subjetivista, há, no entanto, aspetos


objetivistas (p. ex, a relevância que tem no nosso contencioso administrativo a ação popular, na qual
está em causa a defesa de bens de natureza coletiva e não pessoal). O que mais vemos atualmente, de
facto, são os regimes predominantemente subjetivistas ou objetivistas. O Contencioso Administrativo
francês continua a ser predominantemente objetivista. Já o modelo português, tal como o alemão, é
predominantemente subjetivista (o alemão ainda mais do que o nosso, uma vez que no direito
processual alemão nem sequer existem as figuras da ação popular e da ação pública popular). Há,
todavia, autores que tentaram ver no art. 20º e sobretudo no art. 264º CRP um fundamento
constitucional para um modelo estritamente subjetivista. O prof. COLAÇO ANTUNES não entende que
o legislador constitucional pretendeu isto, até pela inserção sistemática deste artigo na Constituição.

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1. Modelos de justiça administrativa

Convém fazer uma referência aos principais modelos históricos de justiça administrativa, a fim
de tentar perceber, quer a sua evolução, quer as opções de sistema que ainda hoje se oferecem ao
legislador. Referirmo-nos-emos apenas aos modelos que têm sido adotados no espaço euro-continental
ou latino-germânico: pressupõe-se um sistema de administração executiva ou de ato administrativo,
em que a lei regula primariamente em termos substanciais toda a atividade administrativa e, em
determinada medida, atribui à Administração autoridade para tomar decisões unilaterais obrigatórias
para os particulares, conformadoras da respetiva esfera jurídica, dotadas de força executiva
(excecionalmente, até mesmo executória) e suscetíveis de, salvo nulidade, adquirirem a estabilidade de
caso resolvido, se não forem impugnadas dentro de certo prazo, ou seja, um sistema diferente do
modelo inglês de administração judiciária (que não vamos aqui desenvolver).

1.1. A alternativa entre os modelos: objetivismo e subjetivismo

No contexto específico dos sistemas de administração executiva, confrontam-se, como


sabemos, dois modelos de justiça administrativa: um modelo objetivista e um modelo subjetivista.
A comparação baseia-se com dois critérios distintivos fundamentais: por um lado, a função do
contencioso (visa-se, em primeira linha, a defesa da legalidade e do interesse público? ou a tutela de
“direitos”, de posições jurídicas substantivas individualizadas dos particulares?), e, por outro, no que
respeita à impugnação de decisões administrativas, o objeto do processo (é um processo feito de atos,
em que está em causa verificar a legitimidade do exercício do poder administrativo? ou julga-se a
alegada lesão das posições jurídicas subjetivas do administrado?)1. A opção por um ou outro modelo
revela-se em diversos aspetos do regime, tendo consequências práticas, por exemplo ao nível da
legitimidade da iniciativa processual, dos meios de acesso ao tribunal, dos poderes dos juízes e dos
efeitos das sentenças.

1 VIEIRA DE ANDRADE fala, para além desta diferença essencial, em critérios complementares a que por vezes se recorre,
que pela sua ligação com os modelos históricos mais conhecidos, poderiam indiciar também o caráter predominantemente
objetivista ou subjetivista do processo: a entidade competente para o controlo, a conceção do processo, o âmbito do
controlo, os poderes do juiz e os efeitos do caso julgado. Trata-se, porém, de meros indícios.

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1.2. Modelos organizativos

Quando falamos em modelos subjetivistas e objetivistas estamos a falar essencialmente da sua


dimensão processual. Mas há também um outro patamar – o do modelo organizativo. No nosso país,
como em geral nos sistemas de civil law, o que existe é uma dualidade de jurisdições: os tribunais
comuns, por um lado, e os tribunais administrativos, por outro. Para percebermos as origens desta
dualidade de jurisdições temos que ir ao Direito Administrativo francês a partir do final do séc.
XVIII/início do séc. XIX. É preciso ter presente o nascimento e evolução do contencioso
administrativo francês, sobretudo o seu modelo organizativo, que assumiu três expressões:

1. Modelo administrativista (administrador-juiz/autotutela/jurisdição reservada) – a decisão


final dos litígios administrativos compete aos órgãos superiores da Administração (“julgar a administração
é ainda administrar”). Surgiu da resolução de litígios que envolviam particulares e a Administração, mas
que eram dirimidos pelos órgãos superiores da Administração, que embora de acordo com
procedimentos minimamente juridicizados e com algum contraditório, não constituíam verdadeiros
tribunais administrativos. Podemos então dizer que a jurisdição administrativa surgiu dentro da
Administração, porque esses órgãos independentes eram órgãos administrativos, não eram tribunais.
Foi este o modelo liberal típico dos primórdios do sistema de administração executiva, fortemente
centralizado no governo e em que o contencioso era visto como um instrumento de realização do
interesse público (na época concebido como interesse do Estado).

2. Sistema quase judicialista (jurisdição delegada ou transferida) – a resolução dos litígios


relativos à Administração, por não ser substancialmente estranha à função jurisdicional, cabe a
autoridades “judiciárias”, que são órgãos administrativos independentes, alheios à organização dos
tribunais, apesar da sua designação como “tribunais administrativos”. Estas entidades, continuam, no
entanto, a ser órgãos administrativos e não verdadeiros tribunais, mantendo-se, por isso, a dificuldade
quanto à sua incapacidade de fazer executar as decisões. Trata-se de órgãos com funções específicas
de controlo e que atuam segundo um procedimento contraditório de tipo jurisdicional, embora
frequentemente sem atividade executiva. É, nas palavras de VIEIRA DE ANDRADE, “um modelo intermédio
na transição dos modelos administrativistas para os modelos judicialistas”.

3. Modelo judicialista – a decisão das questões jurídicas administrativas cabe a tribunais


integrados numa ordem judicial (de acordo com o princípio de que “julgar a administração é verdadeiramente
julgar”). É o modelo atual, que parte do princípio de que toda a atividade administrativa, mesmo nos
momentos discricionários, está subordinada ao Direito. Hoje os tribunais administrativos, ainda que
só a partir da revisão constitucional de 1989 é que tenham deixado de ser constitucionalmente

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facultativos, são autênticos tribunais (arts. 209º e 212º CRP), que gozam dos mesmos poderes de
decisão e de condenação dos tribunais comuns.

VIEIRA DE ANDRADE fala ainda em dois tipos de modelos mistos:

→ O modelo administrativista mitigado, em que a decisão sobre as questões contenciosas


cabe a órgãos superiores da Administração ativa, mas implica um procedimento jurisdicionalizado com
a intervenção consultiva obrigatória de um órgão administrativo independente (temperando assim a
atividade administrativa, de forma a evitar o arbítrio e dar uma garantia legal aos particulares);

→ O modelo judicialista mitigado, quando as sentenças dos tribunais, apesar da


competência decisória destes, não têm força executiva ou têm uma força executiva fortemente limitada
perante a Administração (em regra, por estarem sujeitas a publicação por esta, ou por dependerem da
boa vontade administrativa para as executar).

Pode dizer-se que os modelos administrativistas, puros ou mitigados, já não existem


atualmente, e que a generalidade dos países adotou modelos organizativos judicialistas. Mesmo em
França, onde graças ao prestígio do Conseil d’État (órgão administrativo independente que funciona
quer como tribunal, quer como órgão consultivo), ainda subsiste um modelo de justiça delegada, este
aproxima-se fortemente, na prática, do modelo judicialista de tribunais especializados.
Desde a segunda metade do século XX, tornou-se inquestionável a jurisdicionalização plena
do contencioso administrativo, embora isso não signifique uma homogeneização dos sistemas, já que
as tradições nacionais continuam a marcar fortemente as soluções estabelecidas.

Passou-se de uma jurisdição da Administração para uma jurisdição para a


Administração. Há um salto qualitativo em termos organizativos, os tribunais administrativos
começam a separar-se da Administração Pública, à luz do princípio da separação de poderes, mas é um
contencioso que se centra fundamentalmente no ato e nos seus vícios, e apenas num grau menor na
tutela dos particulares. De certa maneira, a função da jurisdição administrativa esgotava-se muito nesta
dimensão da defesa da legalidade e defesa do interesse público. A jurisdição administrativa, num
segundo momento, estava também muito vocacionada para pôr ordem na própria organização da
Administração (sobretudo na administração ministerial).
Atualmente, o prof. COLAÇO ANTUNES diria que a jurisdição administrativa é uma “jurisdição
contra a Administração”. Grande parte dos direitos fundamentais previstos na Constituição são
dirigidos contra a Administração. O objeto do processo hoje não é apenas a atuação administrativa e

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os seus vícios, é também a proteção efetiva da posição jurídica do particular eventualmente lesado por
essa atuação administrativa. Hoje já não basta anular o ato (isso seria um sistema objetivista puro), é
preciso substitui-lo, através das ações de condenação, por outro que satisfaça os interesses do
particular. O particular dispõe, hoje, de uma tutela efetiva a vários níveis – desde logo a nível cautelar
(que era um défice da justiça administrativa até 2002-2004; e também a nível executivo (o tribunal não
dispunha de meios que obrigassem a Administração a executar as sentenças, hoje não é assim, o juiz
dispõe de meios que obrigam a Administração a cumprir o que foi decidido, nomeadamente através
das sanções pecuniárias compulsórias). A tutela efetiva é hoje plena.
Que o sistema de justiça administrativa consagra todas as garantias dos particulares face à
Administração não há dúvidas. O que começa a faltar é o outro lado, não por defeito da justiça
administrativa mas por defeito do Direito Administrativo substantivo. O Direito Administrativo é um
Direito “híbrido”, a Administração é maioritariamente constituída por pessoas coletivas de direito
privado. O prof. entende que falta a outra garantia, a outra legitimidade, a Administração é cada vez
menos Administração, o Direito Administrativo é cada vez menos público. Para quê duas ordens
jurisdicionais autónomas quando o regime jurídico substantivo que aplicam é substancialmente o mesmo? O critério,
hoje, não é a personalidade jurídica pública, é a capacidade jurídica pública do ente. A doutrina
“rende-se” quando se trata de Direito Administrativo substantivo, defendendo depois uma justiça
administrativa. É este o problema.

EM SUMA, o processo administrativo é hoje um processo de partes, a posição de supremacia


da Administração desaparece. O processo administrativo “não fica atrás” do processo judicial (aliás, o
novo CPTA em grande parte inspirou-se na legislação processual civil). A Administração está, hoje,
sujeita a princípio de juridicidade, que toca todos os seus domínios.

19.02.2019

Cap. III. Garantias administrativas e acesso à jurisdição administrativa


1. O direito de acesso aos tribunais administrativos e o princípio da tutela jurisdicional efetiva

Parece haver um consenso na doutrina quanto à determinação dos momentos normativos que
integram a garantia de uma tutela judicial efetiva dos direitos dos cidadãos. A esse propósito, costumam
destacar-se:

1. O direito de acesso ao direito e aos tribunais;

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2. O direito a obter uma decisão judicial em prazo razoável e mediante processo


equitativo;
3. O direito à efetividade das sentenças proferidas.

No que respeita às relações jurídicas administrativas, essa garantia põe especiais exigências, na
medida em que está em causa, regra geral, uma relação entre um particular e uma entidade dotada de
um poder público, circunstância que ganha relevo sobretudo quando se trata de executar uma sentença
desfavorável a uma autoridade administrativa.

A rutura epistemológica no nosso sistema verificou-se na Reforma 2002-2004. Após esta


grande reforma, que consubstancia a mudança de um contencioso marcadamente objetivista para um
contencioso marcadamente subjetivista, o sistema sofreu uma outra reforma em 2015.

1.1. O direito à proteção judicial

1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses
legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se
acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.
3. A lei define e assegura a adequada proteção do segredo de justiça.
4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e
mediante processo equitativo.
5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais
caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações
desses direitos.

Art. 20º CRP – Acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva

O art. 20º CRP garante, em geral, aos cidadãos o direito de acesso ao Direito e aos tribunais
para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, bem como os direitos à informação e
consulta jurídica e ao patrocínio judiciário (nºs 1 e 2) – direito geral à proteção jurídica, que constitui
um direito-garantia dos cidadãos. O núcleo essencial desta garantia é constituído pelo direito à proteção
pela via judicial, que, para além de dimensões prestacionais típicas de direitos sociais (direitos ao apoio
judiciário), possui dimensões substanciais, que compõem o direito a uma decisão em prazo razoável e

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mediante processo equitativo (previsto no nº4). Nesse sentido, o direito à proteção jurídica integra o
conjunto dos direitos, liberdades e garantias e impõe a instituição legislativa de garantias processuais
adequadas.

1. As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
2. As decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as
de quaisquer outras autoridades.
3. A lei regula os termos da execução das decisões dos tribunais relativamente a qualquer autoridade e
determina as sanções a aplicar aos responsáveis pela sua inexecução.

Art. 205º CRP – Decisões dos tribunais

O direito à proteção judicial é ainda reforçado, ao nível constitucional, pelo art. 205º CRP, que
determina, nos nºs 2 e 3, a obrigatoriedade das sentenças para todas as autoridades e a imposição de
legislação que garanta a sua execução efetiva (VIEIRA DE ANDRADE coloca a questão de saber se este
preceito estabelece uma garantia institucional ou se, associado ao direito à proteção judicial, constitui
um verdadeiro direito subjetivo à execução das decisões jurisdicionais).
Suscita-se a questão de saber se o direito à proteção judicial, no contexto de uma organização
judicial em várias instâncias, implica um direito à reapreciação das decisões judiciais, ou seja, o direito
a, pelo menos, um duplo grau de jurisdição. A maioria da doutrina e da jurisprudência entende que,
fora do âmbito penal, a Constituição não assegura um tal direito (a não ser, porventura, quando estejam
em causa decisões que afetem diretamente direitos, liberdades e garantias, conferindo ao legislador
algum espaço para conformar o sistema de recursos). No entanto, entende VIEIRA DE ANDRADE,
mesmo no âmbito civil e administrativo, deve o legislador, em regra, prever o recurso, de forma a
cumprir a sua obrigação de assegurar aos particulares uma tutela judicial efetiva.

1.2. O princípio da tutela jurisdicional efetiva

4. É garantido aos administrados tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos ou interesses legalmente
protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer atos
administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de atos administrativos
legalmente devidos e a adoção de medidas cautelares adequadas.
5. Os cidadãos têm igualmente direito de impugnar as normas administrativas com eficácia externa lesivas dos
seus direitos ou interesses legalmente protegidos.

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Aulas teórico-práticas

6. Para efeitos dos n.os 1 e 2, a lei fixará um prazo máximo de resposta por parte da Administração.

Art. 268º CRP – Direitos e garantias dos administrados

Como consagração do direito geral à proteção judicial, a Constituição consagra, no art. 268º,
nºs4 e ss., o princípio da tutela jurisdicional efetiva dos cidadãos perante a Administração Pública.

Este princípio é reafirmado no art. 2º CPTA. Diz-nos o nº1 que “o princípio da tutela jurisdicional
efetiva compreende o direito de obter, em prazo razoável, e mediante um processo equitativo, uma decisão judicial
que aprecie, com força de caso julgado, cada pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a
fazer executar e de obter as providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, destinadas a assegurar o efeito útil
da decisão”. Importa ainda referir o nº2, nos termos do qual “a todo o direito ou interesse legalmente protegido
corresponde a tutela adequada junto dos tribunais administrativos”.
O princípio da tutela jurisdicional efetiva está transversalmente presente e, de certa
maneira, o princípio que melhor o expressa é o princípio da cumulação de pedidos. O princípio da
cumulação de pedidos é um subprincípio do princípio da tutela jurisdicional efetiva, que vem, desde
logo, permitir algo extraordinário. Antes de 2002, o recorrente que quisesse impugnar um ato
administrativo tinha que utilizar um meio processual impugnatório, e se quisesse requerer uma
indemnização pelos danos causados (pedido indemnizatório) tinha que recorrer a outro meio, que
poderia correr em tribunais diferentes. As ações de responsabilidade, em princípio, seriam sempre
propostas nos Tribunais Administrativos e Fiscais, enquanto que, no caso da ação impugnatória, a
competência dependia do autor do ato. Ainda hoje esta ideia se mantém: a competência para os
processos relativos a omissões ou ações do Presidente da República, Tribunais Centrais, Assembleia
da República é do Supremo Tribunal Administrativo, já a matéria de responsabilidade civil
extraobrigacional é da competência do tribunal de 1ª instância.
Com o princípio da cumulação de pedidos, em regra, no mesmo processo e na mesma ação é
possível cumular o pedido indemnizatório com o pedido impugnatório, bem como se pode cumular a
impugnação de um ato com o pedido de impugnação de uma norma (art. 4º CPTA). A cumulação de
pedidos é, como dissemos, um subprincípio que decorre do princípio da tutela jurisdicional efetiva: ao
ser possível julgar ambos os pedidos, o tribunal irá julgar quanto à validade do ato e ressarcibilidade
dos danos ocorridos em virtude da omissão ou da prática do mesmo. O tribunal competente é,
portanto, o mesmo para apreciar ambas a ações.

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Aulas teórico-práticas

1.3. O princípio da plenitude dos poderes jurisdicionais

A tutela efetiva é garantida, num segundo momento, pela plena jurisdição do tribunal, que lhe
permite tomar as decisões justas e adequadas à proteção dos direitos dos particulares e assegurar a
eficácia dessas decisões.
A lei atual determina, relativamente aos juízes:
1. O reforço dos seus poderes de pronúncia no plano declarativo, a acrescer aos poderes
de anulação e de condenação nas ações tradicionais (sobre contratos e
responsabilidade):
1.1. O poder de condenação à prática de atos administrativos (arts. 66º e ss. CPTA);
1.2. O poder de condenação à não emissão de atos administrativos (art. 37º, nº1, al. c
CPTA);
1.3. O poder de condenação à adoção ou abstenção de comportamentos
administrativos (art. 37º, nº1, al. h CPTA);
1.4. O poder de declaração de ilegalidade de normas por omissão, com fixação de
prazo para o suprimento da omissão (art. 77º CPTA);
1.5. O poder de condenação imediata na reconstituição da situação hipotética atual;
2. O poder de adotarem todo o tipo de providências cautelares que considerem
adequadas (arts. 2º, nº1 e 112º e ss. CPTA);
3. O reforço dos poderes em sede de execução de sentenças (arts. 3º, nº3 e 157º e ss.
CPTA);
4. O poder de aplicação de sanções pecuniárias compulsórias para assegurar a
efetividade das suas decisões (arts. 3º, nº2, 44º, 49º, 66º, 84º, 108º, 110º, 115º, 127º,
168º, 169º e 170º CPTA);
5. Os poderes de controlo da juridicidade de todas as atuações administrativas,
limitados apenas pelo não conhecimento do mérito, em função do princípio da
separação e interdependência de poderes (art. 3º, nº1 CPTA), e pelo respeito pelos
espaços de valoração próprios do exercício da função administrativa (arts. 71º, nº2, 95º,
nº3, 168º, nº2 e 179º, nº1 CPTA);
6. Os poderes de substituição, “quando a prática e o conteúdo do ato sejam estritamente
vinculados” ou haja uma decisão única possível no caso concreto, embora apenas em
sede de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias e de execução de
sentenças (arts. 3º, nº3, 109º, nº3, 164º, nº4, al. c, 167º, nº6 e 179º, nº5 CPTA).

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Aulas teórico-práticas

Fazendo um balanço global, salienta-se o seguinte: trata-se de uma justiça de plena de


jurisdição, em que o juiz tem um conjunto de poderes de cognição que antes não tinha, como poderes
condenatórios e de execução. Não há dúvidas de que o juiz pode, quando o ato seja estritamente
vinculado, emitir uma sentença substitutiva que produza os efeitos do ato ilegalmente omitido ou
recusado. Quando o titular do órgão competente para dar execução à sentença não o faz, pode o juiz
obrigar o funcionário a tal, ou até convocar um outro agente ou funcionário de outro órgão (para além
da possibilidade de aplicação de sanções pecuniárias compulsórias).
Em matéria tutelar, o reforço foi extraordinário. São conferidos ao juiz poderes efetivos de dar
provimento aos processos cautelares (mediante critérios de fumus boni iuris, periculum in mora e
ponderação dos interesses públicos e privados em causa).

Temos, por um lado, aspetos que nos revelam uma clara dimensão subjetivista da justiça
administrativa, como o reconhecimento da tutela jurisdicional efetiva e o princípio da cumulação de
pedidos. Por outro lado, estamos perante um contencioso de plena jurisdição, com reforço de
poderes em matéria cautelar, declarativa e executiva.

Hoje, o processo está dirigido à procura da justiça material, ou seja, decaíram muitos vícios
processuais que impediam o juiz de apreciar o mérito da causa. O que acontecia era que, em muitos
processos, o juiz não podia averiguar o mérito da causa, bastando para isso que o requerente usasse
um meio erróneo.

Uma outra caraterística da dimensão subjetivista do contencioso é a de que, hoje, a regra em


matéria de impugnações administrativas (que resulta do CPA) não é a impugnação administrativa
necessária, mas sim a impugnação administrativa facultativa. Antes, considerava-se que o processo
administrativo era a continuação do procedimento administrativo. Foi o legislador do processo a
antecipar-se, nos arts. 54º e 55º CPTA, insinuando que a regra é a da impugnação administrativa
facultativa. A impugnação administrativa é recomendável: é mais barata e mais rápida do que a via
contenciosa, e não carece de patrocínio judiciário. Uma coisa é admitir estas vantagens, outra coisa, é
fazer depender o acesso aos tribunais administrativos da via sacra das impugnações administrativas
necessárias. Se assim fosse, o recorrente só poderia recorrer à via contenciosa após o mais alto superior
hierárquico se pronunciar. Hoje, a regra é, como dissemos, a inversa. Não se elimina o recurso
hierárquico necessário, mas a verdade é que até o CPTA aponta para a ideia de a impugnação
administrativa ser facultativa.

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Aulas teórico-práticas

O prof. COLAÇO ANTUNES considera desnecessária a manutenção das impugnações


administrativas necessárias, entende que deveriam ser todas facultativas, isto porque apresentam
diferenças, desde logo nos prazos e nos efeitos:

→ Relativamente aos efeitos, estabelece o art. 189º CPA que as impugnações administrativas
necessárias de atos administrativos suspendem os efeitos dos atos (o que não acontece com as
impugnações administrativas facultativas, nos termos do art. 189º, nº2 CPA).

→ No que diz respeito aos prazos, enquanto que o art. 193º CPA estabelece que o recurso
hierárquico necessário dos atos administrativos deve ser interposto no prazo de 30 dias, o prazo para
interpor o recurso o facultativo é o prazo da impugnação contenciosa do ato em causa, ou seja, de três
meses (art. 58º, nº1, al. b CPTA).

Vimos já uma série de elementos subjetivistas. Mas há também elementos objetivistas, entre os
quais se salienta a amplitude da legitimidade processual ativa. Num contencioso estritamente
subjetivista os titulares do direito de impugnação seriam somente os titulares de direitos ou interesses
legalmente protegidos que tivessem sido lesados. Por sua vez, um contencioso objetivista concede
legitimidade ativa a qualquer pessoa que alegue uma pretensão legítima.
Outro exemplo da dimensão objetivista do contencioso administrativo é a figura da ação
popular (que, nos termos do art. 4º, nº1, al. k ETAF, é da competência dos tribunais administrativos
e fiscais), da ação pública (promovida pelo Ministério Público), e ainda da ação popular pública. É
de notar que o Ministério Público, embora tenha perdido poderes na reforma de 2002-2004, continua
a ter um papel preponderante, nomeadamente pelo facto de poder alegar vícios que não foram alegados
pelo autor.

Cap. IV. Âmbito da jurisdição administrativa e organização judiciária administrativa.


Conflitos de jurisdição e de competência.

Segundo um critério orgânico, a justiça administrativa compreende exclusivamente a resolução


das questões de Direito Administrativo que sejam atribuídas à ordem judicial dos tribunais
administrativos. Esta dimensão não teria relevância autónoma se fosse absolutamente decisivo o
critério material de delimitação da justiça administrativa, de tal forma que houvesse uma
correspondência total entre justiça materialmente administrativa e jurisdição administrativa. Ou seja,
esta dimensão só tem influência na determinação do âmbito da justiça administrativa se à jurisdição

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Aulas teórico-práticas

administrativa não for atribuída a competência para conhecer de todas as questões de Direito
Administrativo e exclusivamente dessas questões.

1. O critério da relação jurídico-administrativa e sua problematicidade

Vamos ter em consideração o âmbito material e orgânico:

→ Quanto ao âmbito material, assume-se como critério decisivo o critério da relação


jurídico-administrativa, porque a CRP, no art. 212º, nº3, diz-nos que compete aos tribunais
administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos litigiosos que tenham por objeto dirimir os
litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.

3. Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham
por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.

Art. 212º CRP - Tribunais Administrativos e Fiscais

Isto tem imensas vantagens, desde logo, porque está implícita a ideia do procedimento de
partes, com direitos e deveres de cada parte (cai a ideia de “administrado” ou “súbdito”). Vigora no
processo administrativo um princípio de paridade de armas.
Há que fazer referência ainda a uma outra vantagem: é que ao ganhar centralidade a relação
jurídico-administrativa, amplia-se e intensifica-se o princípio da tutela jurisdicional efetiva. Ao
contrário das teorias objetivistas e substancialistas, em que só se podia impugnar o ato final, agora,
como os procedimentos se analisam em fases autónomas, é possível encontrar, com facilidade, atos
administrativos procedimentais, que são verdadeiros atos administrativos, pois produzem efeitos
jurídicos externos.
A noção de relação jurídico-administrativa tem, então, diversas vantagens, porque em áreas em
que haja uma certa diminuição ou “atrofia” do controlo jurisdicional, pode ajudar à jurisdicionalização.
A procedimentalização da atividade administrativa é feita através da figura da relação jurídico-
administrativa.
Há que ter em conta outros aspetos. As relações jurídico-administrativas podem ser:
simétricas, assimétricas, dissimétricas, e poligonais (isto é, constituídas por um conjunto de
partes, ou seja, a relação não é apenas bipolar, do lado público intervêm vários agentes de Direito
Público e do lado particular intervém vários particulares). Antes via-se a questão da seguinte forma:
havia uma relação jurídico-administrativa entre autor e beneficiário do ato, e depois havia uma relação

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Aulas teórico-práticas

paralela entre sujeitos privados (beneficiário e lesados). Esta relação aparece-nos agora publicizada. A
relação jurídica poligonal não protege apenas os beneficiários do ato, protege também os direitos dos
contrainteressados. Basta pensar, p. ex, no licenciamento de uma atividade industrial perigosa, em que
há um número indeterminado de sujeitos da relação jurídico-administrativa. Trata-se de um ato com
efeitos relativamente a terceiros. Por exemplo, no Direito Urbanístico, se a obra padecer de vícios que
resultem da ilegalidade do ato autorizativo pode impugnar-se esse ato junto do tribunal administrativo,
mas se as ilegalidades nada têm a ver com a ilegalidade do ato administrativo, a ação tem de ser
interposta nos tribunais comuns. NOTA: uma atividade licenciada só entra no âmbito administrativo,
se as ilegalidades tiverem a ver com o ato autorizativo.

Como é que sabemos, hoje, se estamos perante uma relação jurídico-administrativa?

Tradicionalmente, definia-se como relação jurídico-administrativa aquela em que a


Administração estava, por um lado, munida de poderes de autoridade, e, por outro, sujeita a poderes
públicos, sob a alçada de normas legais para proteção dos particulares. Tinha de haver uma
pessoa coletiva de Direito Público, que atuava sob a égide do Direito Público. Em virtude de
integrarem a Administração entidades administrativas de Direito Privado, de haver uma
“miscigenação” entre Direito Público e Direito Privado, e em virtude de as entidades públicas
utilizarem instrumentos de Direito privado, e ainda do facto de entidades privadas desenvolverem
tarefas públicas, no exercício de poderes jurídico-administrativos, a noção fica desvanecida. A noção
constitucional, no art. 212º, nº3 CRP, tem implícita a ideia de uma relação entre particulares e
Administração, sob a égide do Direito Público.

O problema é que a relação jurídico-administrativa é a relação que é estabelecida entre uma


entidade pública ou privada no exercício de poderes jurídico-administrativos (e ao abrigo do
Direito Administrativo), e os particulares. É necessário salientar que numa relação jurídico-
administrativa um dos sujeitos tem sempre uma posição de primazia, estando a outra parte numa
posição passiva.

Por outro lado, é necessário salientar que há relações jurídico-administrativas entre órgãos da
mesma pessoa coletiva (desde que haja uma certa independência entre eles), ou entre órgãos que
integram pessoas coletivas distintas. Normalmente, a relação jurídico-administrativa é uma relação
externa, mas será legítimo excluir os atos internos? Não. Deve adotar-se uma noção que englobe estes
atos internos. É isso que se impõe das orientações doutrinais e jurisprudenciais dominantes.

Não podemos ter a noção de relação jurídico-administrativa semelhante à do Direito Civil.


Certos direitos subjetivos devem prevalecer sobre qualquer interesse público. Por outro lado, mesmo

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Aulas teórico-práticas

no âmbito das relações contratuais, a Administração pode alterar o conteúdo da sua prestação, ou pode
até rescindir unilateralmente o contrato. No Direito Administrativo contratual a relação jurídico-
administrativa não pode ser vista nos mesmo termos do Direito Privado.

→ Quanto ao âmbito orgânico, relativamente, mais uma vez, ao art. 212º, nº3 CRP, coloca-
se o seguinte problema:

Consagra este nº3 uma reserva material absoluta da jurisdição administrativa ou não?

Trata-se de uma reserva material absoluta num duplo sentido: os tribunais administrativos e
fiscais só podem julgar questões de Direito Administrativo e só eles podem julgar essas questões. Dispõe
o ETAF que os tribunais administrativos podem julgar questões que não sejam materialmente
administrativas. O CPTA, por sua vez, refletiu um entendimento doutrinal que defendia que em
algumas áreas se justificava um alargamento da jurisdição administrativa, nomeadamente em matéria
de contratos e responsabilidade civil extracontratual. De facto, ao lermos o art. 4º, nº1, als. e, f e g
ETAF, notamos que houve um alargamento do âmbito da jurisdição administrativa relativamente a
ações sobre questões que não são materialmente de Direito Administrativo. P. ex., compete aos
tribunais administrativos a apreciação de litígios relativos a contratos privados celebrados pela
Administração, bem como a apreciação de ações de responsabilidade civil extracontratual por atos de
gestão privada da Administração.
Mas só os tribunais administrativos e fiscais é que podem julgar estas questões? É preciso saber
se há reserva material absoluta ou relativa de jurisdição. A propósito desta questão têm sido
desenvolvidas várias teses. Se tivesse vigorado a tese da reserva material absoluta, a questão relativa à
matéria de indemnizações relativas às expropriações teria passado para os tribunais administrativos,
bem como a matéria relativa a contraordenações (o que não aconteceu). Entendia-se que os tribunais
comuns seriam mais garantísticos.
O prof. COLAÇO ANTUNES defende a reserva material absoluta de jurisdição administrativa,
salvaguardando os aspetos de natureza instrumental. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA
defendem, por sua vez, que só deveriam ser permitidas devoluções para outras jurisdições de matérias
materialmente administrativas que viessem previstas na Constituição. Outros autores, como FREITAS
DO AMARAL, defendem a atribuição destas matérias a outras jurisdições por consubstanciarem uma
melhor defesa dos direitos fundamentais e pela falta de recursos logísticos e humanos.
Importa fazer referência a um argumento do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da
República, que consiste na distinção entre contencioso por natureza (recurso contra atos
administrativos) e contencioso por atribuição ou acidental: o contencioso por natureza seria

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Aulas teórico-práticas

exclusivo dos tribunais administrativos e fiscais e o de atribuição deveria caber aos tribunais comuns.
Esta distinção, no entanto, já está ultrapassada.
O que tem vingado na doutrina maioritária (FERRER CORREIA, VIEIRA DE ANDRADE) e na
jurisprudência é a seguinte ideia: este preceito constitucional do art. 212º, nº3 é um modelo indicativo,
que define o núcleo essencial das matérias reservadas à jurisdição administrativa, mas não impede que
o legislador, dentro da liberdade constitutiva, alargue ou restrinja o âmbito da jurisdição administrativa,
desde que respeite o núcleo essencial do modelo constitucional, desde logo o modelo judicialista, o
modelo da tutela judicial efetiva e plena. Já seria inconstitucional, por exemplo, que o legislador viesse
fazer uma repartição de competências entre várias ordens judiciais, como a italiana, com base nos
direitos subjetivos: quando estivesse em causa um direito subjetivo, a competência seria dos tribunais
judiciais, quando estivesse em causa um interesse legítimo, a competência seria dos tribunais
administrativos.

26.02.2019

2. Unidade e dualidade de jurisdições

Há alguns desvios legais, que implicam uma dualidade de jurisdições, sendo que dois são
particularmente preocupantes: um relativo a matéria de expropriações e outro relativo a matéria de
contraordenações. O mesmo acontece com uma série de outras matérias que são materialmente
administrativas mas que não fazem parte da jurisdição administrativa.

É o art. 4º do ETAF que nos interessa aqui. As alíneas contempladas no art. 4º devem ser
interpretadas em conformidade com a cláusula geral, que está hoje vertida de forma residual na al. o do
nº1. No art. 4º a técnica utilizada pelo legislador passa por uma enumeração positiva nos nºs 1 e 2 e
depois uma enumeração negativa nos nºs 3 e 4. As várias alíneas do art. 4º incluem na jurisdição
administrativa matérias que não são verdadeiramente relações de direito administrativo. P. ex, em
matéria de responsabilidade contratual, falamos não apenas de contratos administrativos mas também
de contratos de Direito Privado celebrados pela Administração. O legislador optou por incluir matérias
que poderia ter deixado de incluir, uma vez que não se tratam de matérias materialmente
administrativas, e exclui outras que já são verdadeira e materialmente administrativas.
Apesar deste esforço clarificador do legislador, mantêm-se algumas dúvidas. Os principais
problemas colocam-se em matéria contratual e em matéria de responsabilidade civil extracontratual.
Relativamente a esta matéria da responsabilidade civil extracontratual houve um claro alargamento da

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Aulas teórico-práticas

jurisdição administrativa, alargamento este que não deixa de ser um pouco paradoxal, uma vez que é
feito num momento em que o direito substantivo se vai esvaindo.
O legislador utiliza, fundamentalmente, dois critérios para delimitar o âmbito da jurisdição
administrativa. Desde logo, o critério da relação jurídico-administrativa. Mas também o critério
da natureza material dos atos, isto é, cabem na jurisdição administrativa atos materialmente
administrativos que tenham sido praticados por entidades que não cabem na Administração.

Começando pela enumeração negativa dos nºs 3 e 4, estão excluídos da jurisdição


administrativa:
 Os atos praticados no exercício da função política e legislativa (nº3, al. a);
 Decisões jurisdicionais proferidas por tribunais não integrados na jurisdição
administrativa e fiscal (nº3, al. b);
 Atos relativos ao inquérito e instrução criminais, ao exercício da ação penal e à execução
das respetivas decisões (nº3, al. c);
 A apreciação das ações de responsabilidade por erro judiciário cometido por tribunais
pertencentes a outras ordens de jurisdição, assim como das correspondentes ações de
regresso (nº4, al. a);
 A apreciação de litígios decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes
seja uma pessoa coletiva de direito público, com exceção dos litígios emergentes do
vínculo de emprego público (nº4, al. b);
 A apreciação de atos materialmente administrativos praticados pelo Conselho Superior
da Magistratura e seu Presidente (nº4, al. c);
 A fiscalização de atos materialmente administrativos praticados pelo Presidente do
Supremo Tribunal de Justiça (nº4, al. d).

Passando para a enumeração positiva dos nºs 1 e 2, compete aos tribunais da jurisdição
administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a:

 Tutela de direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos, no


âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais (nº1, al. a);
 Fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos emanados por órgãos da
Administração Pública, ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal (nº1,
al. b);

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Aulas teórico-práticas

 Fiscalização da legalidade de atos administrativos praticados por quaisquer órgãos do


Estado ou das Regiões Autónomas não integrados na Administração Pública (nº1, al.
c);
 Fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos praticados por quaisquer
entidades, independentemente da sua natureza, no exercício de poderes públicos (nº1,
al. d);
 Validade de atos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos
administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação
sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades
adjudicantes (nº1, al. e);
 Responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público,
incluindo por danos resultantes do exercício das funções política, legislativa e
jurisdicional (nº1, al. f);
 Responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes,
trabalhadores e demais servidores públicos, incluindo ações de regresso (nº1, al. g);
 Responsabilidade civil extracontratual dos demais sujeitos aos quais seja aplicável o
regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas de direito
público (nº1, al. h);
 Condenação à remoção de situações constituídas em via de facto, sem título que as
legitime (nº1, al. i);
 Relações jurídicas entre pessoas coletivas de direito público ou entre órgãos públicos,
reguladas por disposições de direito administrativo ou fiscal (nº1, al. j);
 Prevenção, cessação e reparação de violações a valores e bens constitucionalmente
protegidos, em matéria de saúde pública, habitação, educação, ambiente, ordenamento
do território, urbanismo, qualidade de vida, património cultural e bens do Estado,
quando cometidas por entidades públicas (nº1, al. k);
 Impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no
âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito
administrativo em matéria de urbanismo (nº1, al. l);
 Contencioso eleitoral relativo a órgãos de pessoas coletivas de direito público para que
não seja competente outro tribunal (nº1, al. m);

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Aulas teórico-práticas

 Execução da satisfação de obrigações ou respeito por limitações decorrentes de atos


administrativos que não possam ser impostos coercivamente pela Administração (nº1,
al. n);
 Relações jurídicas administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas
nas alíneas anteriores (nº1, al. o);
 Litígios nos quais devam ser conjuntamente demandadas entidades públicas e
particulares entre si ligados por vínculos jurídicos de solidariedade, designadamente por
terem concorrido em conjunto para a produção dos mesmos danos ou por terem
celebrado entre si contrato de seguro de responsabilidade (nº2).

3. A relação intra-jurisdicional entre tribunais administrativos e fiscais

A jurisdição administrativa e a jurisdição fiscal, apesar de relativamente autónomas, são duas


“subportas” jurisdicionais. Isto significa que pode haver aqui uma subtração de alguns litígios que, no
entender do prof. COLAÇO ANTUNES, são materialmente administrativos mas que cabem no âmbito
da jurisdição fiscal. Vejamos:

 O art. 26º ETAF diz-nos (na al. c) que é da competência da secção do contencioso
tributário a apreciação dos recursos de atos administrativos do Conselho de Ministros
respeitantes a questões fiscais;
 Nos termos do art. 38º ETAF, compete à secção do contencioso tributário a apreciação
dos recursos de atos administrativos respeitantes a questões fiscais praticados por
membros do Governo (al. b);
 Nos termos do art. 49º ETAF, compete aos tribunais tributários conhecer das ações de
impugnação dos atos administrativos respeitantes a questões fiscais que não sejam
atribuídos à competência de outros tribunais (nº1, al. a, iv.).

Na jurisdição administrativa e fiscal temos três níveis de jurisdição - os tribunais


administrativos e fiscais, os Tribunais Centrais (do Norte e do Sul) e o Supremo Tribunal
Administrativo:

 1ª instância: tribunais administrativos de círculo


 2ª instância: Tribunais Centrais do Norte e do Sul, com sede no Porto e em Lisboa,
respetivamente
 3ª instância: Supremo Tribunal Administrativo.

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Aulas teórico-práticas

1. Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal têm alçada.


2. A alçada dos tribunais tributários corresponde a um quarto da que se encontra estabelecida para os
tribunais judiciais de 1.ª instância.
3. A alçada dos tribunais administrativos de círculo corresponde àquela que se encontra estabelecida para os
tribunais judiciais de 1.ª instância.
4. A alçada dos tribunais centrais administrativos corresponde à que se encontra estabelecida para os
tribunais da Relação.
5. Nos processos em que exerçam competências de 1.ª instância, a alçada dos tribunais centrais
administrativos e do Supremo Tribunal Administrativo corresponde, para cada uma das suas secções, respetivamente à
dos tribunais administrativos de círculo e à dos tribunais tributários.
6. A admissibilidade dos recursos por efeito das alçadas é regulada pela lei em vigor ao tempo em que seja
instaurada a ação.

Art. 6º ETAF - Alçada

Os tribunais administrativos, com a reforma de 2002-2004, passaram a incluir as alçadas (art.


6º ETAF), que correspondem às dos tribunais judiciais. Isto significa que, embora haja três níveis de
jurisdição, como vimos, no caso da justiça administrativa só há, em regra, duas instâncias de decisão
para cada processo (pode haver, excecionalmente, três níveis). Mas graças às alçadas, pode haver
situações em que para um processo apenas haja um nível de decisão (nos processos de valor inferior
ao da alçada de 1ª instância, para os quais não há possibilidade de recurso para a instância superior). O
prof. COLAÇO ANTUNES entende que o critério do valor da causa não é o mais adequado, na medida
em que um processo de baixo valor pode ser um processo extremamente complexo. Nos termos do
art. 142º CPTA, p. ex, esta regra é limitada.

Há ainda que fazer referência aos tribunais ad hoc, que podem existir nos termos do art. 209º
CRP (NOTA: importa não confundi-los com os centros de arbitragem). Também por esta via há aqui
uma certa restrição do âmbito de competência da jurisdição administrativa.

4. Organização e funcionamento dos tribunais administrativos e fiscais

Os tribunais administrativos e fiscais constituem, desde 1989, uma categoria própria de


tribunais, separada dos tribunais judiciais (art. 209º, nº1, al. b CRP), formando uma hierarquia cujo
órgão superior é o Supremo Tribunal Administrativo (art. 212º, nº1 CRP).

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Aulas teórico-práticas

O ETAF prevê a opção de constituir, ao nível da 1ª instância, duas categorias distintas de


tribunais: os tribunais administrativos de círculo e os tribunais tributários, sujeitas a diferentes Secções
dos Tribunais Centrais Administrativos e do Supremo Tribunal Administrativo (respetivamente, as
Secções do Contencioso Administrativo e as do Contencioso Tributário). Estas sub-ordens de
tribunais são relativamente autónomas, tendo apenas como órgão comum, no topo da hierarquia, o
plenário do Supremo Tribunal Administrativo.
NOTA: apenas serão objeto do nosso estudo (na parte de Contencioso Administrativo), os
tribunais administrativos, entendidos como sub-ordem judicial autónoma, devendo entender-se as
referências feitas ao STA e aos TCA, salvo indicação em contrário, como relativas às correspondentes
Secções do Contencioso Administrativo.

→ Tribunais Administrativos de Círculo (TACs):

1. A sede dos tribunais administrativos de círculo e as respetivas áreas de jurisdição são determinadas por
decreto-lei.
2. O número de juízes em cada tribunal administrativo de círculo é fixado por portaria do Ministro da Justiça.
3. Os tribunais administrativos de círculo são declarados instalados por portaria do Ministro da Justiça.

Art. 39º ETAF - Sede, área de jurisdição e instalação

→ Tribunais Centrais Administrativos:

1. São tribunais centrais administrativos o Tribunal Central Administrativo Sul, com sede em
Lisboa, e o Tribunal Central Administrativo Norte, com sede no Porto.
2. As áreas de jurisdição dos tribunais centrais administrativos são determinadas por decreto-lei.
3. Os tribunais centrais administrativos conhecem de matéria de facto e de direito.
4. Os tribunais centrais administrativos são declarados instalados por portaria do Ministro da Justiça, que fixa os
respetivos quadros.

Art. 31º ETAF - Sede, jurisdição e poderes de cognição

Compete à Secção de Contencioso Administrativo de cada tribunal central administrativo conhecer:

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Aulas teórico-práticas

c) Das ações de regresso, fundadas em responsabilidade por danos resultantes do exercício das suas funções, propostas
contra juízes dos tribunais administrativos de círculo e dos tribunais tributários, bem como dos magistrados do
Ministério Público que prestem serviço junto desses tribunais;

Art. 37º ETAF - Competência da Secção de Contencioso Administrativo

Nos termos desta al. c, a secção de contencioso administrativo dos tribunais centrais apenas
funciona como 1ª instância nestas situações de ações de regresso.

→ Supremo Tribunal Administrativo:

1. O Supremo Tribunal Administrativo é o órgão superior da hierarquia dos tribunais da jurisdição


administrativa e fiscal.
2. O Supremo Tribunal Administrativo tem sede em Lisboa e jurisdição em todo o território nacional.

Art. 12º ETAF - Sede, jurisdição e funcionamento

O Supremo Tribunal Administrativo é o tribunal superior, dedicado por excelência à


uniformização de decisões. Aproxima-se muito do Supremo Tribunal de Justiça. No entanto, nos
termos do art. 24º ETAF, a “dupla personalidade” é enorme, uma vez que, para além de funcionar
como tribunal superior de recurso, tem ainda uma competência primária em vastíssimas matérias.

»»»»»

Quanto à hierarquia, já sabemos que os processos entram, via de regra, nos tribunais de 1ª
instância, isto é, nos tribunais administrativos de círculo (art. 44º ETAF). Pode haver recurso per saltum,
isto é, diretamente para o Supremo Tribunal Administrativo, quando sejam suscitadas apenas questões
de direito e quando os valores sejam muito elevados ou indetermináveis, nos termos do art. 151º
CPTA.

1. Os recursos interpostos de decisões de mérito proferidas por tribunais administrativos de círculo são da competência
do Supremo Tribunal Administrativo quando as partes, nas alegações, suscitem apenas questões de direito e o
valor da causa seja superior a 500.000 (euro) ou seja indeterminada, designadamente nos processos de
declaração de ilegalidade de norma ou de declaração de ilegalidade por omissão de norma.

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Aulas teórico-práticas

Art. 151º CPTA - Revista per saltum para o Supremo Tribunal Administrativo

A decisão proferida pela secção do contencioso é recorrível para o pleno (art. 25º, nº1, al. a
ETAF), bem como os recursos para uniformização de jurisprudência (art. 25º, nº1, al. b ETAF)

Em razão do território, voltamos ao CPTA. A regra geral está contemplada no art. 16º CPTA,
segundo o qual os processos são intentados no tribunal da área da residência habitual ou da sede do
autor → critério da proximidade, em vista a facilitar o acesso aos tribunais. Esta regra, no entanto,
conhece diversas exceções:

 Desde logo, o art. 17º CPTA, relativamente a processos relacionados com bens imóveis
ou direitos a eles referentes, que são intentados no tribunal da situação dos bens;
 Outra exceção está consagrada no art. 18º CPTA: em matéria de responsabilidade civil
extracontratual, incluindo ações de regresso, é competente o tribunal do lugar em que
se deu o facto constitutivo da responsabilidade;
 Em matéria contratual há duas hipóteses: nos termos do art. 19º, nº1 CPTA, é
competente o tribunal do lugar do cumprimento do contrato; nos termos do art. 19º,
nº2 CPTA, se as partes convencionarem o tribunal perante o qual se comprometem a
deduzir as suas pretensões relativas ao contrato, o tribunal competente para o efeito é
o tribunal convencionado.

12.03.2019

Cap. V. Processos Administrativos


1. A ação administrativa

A forma de ação administrativa é aplicável a todos os litígios sujeitos à jurisdição administrativa


relativamente aos quais não esteja expressamente estabelecida uma regulação especial (art. 37º, nº1
CPTA). A dualidade entre ação administrativa comum e ação administrativa especial deixou de existir
com a Reforma de 2015, e pedidos que antes se formulavam ao abrigo de cada uma dessas ações estão
agora reunidos na atual categoria da ação administrativa. A única exceção diz respeito aos processos
urgentes (art. 36º CPTA).

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Aulas teórico-práticas

1.1. Princípio da tutela jurisdicional efetiva e subprincípio da cumulação de pedidos

As dimensões do princípio da tutela jurisdicional efetiva verificam-se:

 No plano declarativo, visto que o princípio da tipicidade das formas processuais existe;
 Em matéria de tutela cautelar: antes da Reforma de 2002/2004 era extremamente difícil
o autor obter sucesso por várias razões, nomeadamente porque os meios processuais
cautelares eram escassos, o processo cautelar em sentido próprio que existia era apenas
o pedido de suspensão dos efeitos do ato. O STA foi sempre fazendo uma
interpretação mais dúctil das normas, mas numa interpretação literal os três requisitos
cumulativos faziam com que a tutela cautelar fosse um dos défices mais graves da
justiça administrativa. Hoje, nos termos dos arts. 112º e 115 CPA, vemos que os
critérios são vários: fumus boni iuris, periculum in mora e apreciação em concreto dos bens
jurídicos em causa (sublinha-se “em concreto” porque se fossem em abstrato o
interesse público sobrepor-se-ia sempre).

Como dissemos anteriormente, o subprincípio da cumulação de pedidos é uma melhor


expressão do princípio da tutela jurisdicional efetiva. No contencioso anterior, de teor sobretudo
objetivista (o objeto do processo era o ato e os seus vícios), raramente fazia parte do processo a
pretensão do autor, que convém tutelar de forma efetiva e plena (não basta anular/invalidar o ato
administrativo, é necessário também reparar a situação criada pela prática do ato inválido).

Porque é que o prof. COLAÇO ANTUNES entende que o subprincípio da cumulação de pedidos é a melhor expressão
do princípio da tutela jurisdicional efetiva?

Por existir uma enorme “reverência” em relação ao autor do ato (que ainda se mantém, apesar
de mais mitigada do que antes - o STA continua a ter uma dupla personalidade, porque funciona como
tribunal de 1ª instância quando se trata de atos de certos autores – cfr. art. 24º ETAF, e como tribunal
de recurso e uniformização de jurisprudência), havia dois meios processuais que tinham que ser usados,
havendo duas ações e não uma, e a correr em tribunais diferentes. Este subprincípio da cumulação de
pedidos vem permitir (arts. 4º e 5º CPTA) que o autor, no mesmo processo, formule vários pedidos,
a apreciar pelo mesmo tribunal. Está aqui patente uma economia de meios processuais extraordinária,
e o juiz (o tribunal, se bem que agora os tribunais administrativos e fiscais passaram a julgar de forma
singular, isto é, com a Reforma de 2015 perdeu-se a colegialidade, o que diminuiu um pouco a
autoridade deste subprincípio) aprecia agora todo o âmbito da relação jurídica controvertida. Nesta
Reforma de 2015 diminuiu-se a tal dupla personalidade do STA, mas sobretudo dos Tribunais Centrais
Administrativos, que, em bom rigor, apenas conhecem em 1ª instância as ações previstas na al. c do

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Aulas teórico-práticas

art. 37º ETAF (ações de regresso fundadas em responsabilidade por danos resultantes do exercício das
suas funções, propostas contra juízes dos tribunais administrativos de círculo e dos tribunais
tributários, bem como dos magistrados do Ministério Público que prestem serviço junto desses
tribunais).
Convém ainda analisar a cumulação de pedidos a vários níveis:
 Quanto à sua estrutura, podemos ter uma cumulação:
1. Simples: o autor pretende a procedência de todos os pedidos e a produção de todos
os efeitos jurídicos;
2. Alternativa: o autor pretende a procedência de todos os pedidos mais satisfaz-se
com a obtenção da prestação que o demandado ou um terceiro escolher;
3. Subsidiária: o autor formula um pedido principal e um pedido subsidiário, no caso
de improcedência do primeiro.
 Quanto ao momento, a cumulação pode ser:
a) Inicial;
b) Sucessiva (p. ex., art. 63º, nº1 CPTA)
 Quanto aos pressupostos, há que ter em conta a distinção entre cumulação simples,
alternativa e subsidiária:
1. Na cumulação simples terá que existir sempre uma compatibilidade substantiva
entre os pedidos e os respetivos efeitos, isto é, tem que haver uma compatibilidade
entre os efeitos decorrentes dos pedidos formulados e entre os pedidos em si. P.
ex., serão incompatíveis os pedidos de alguém que formulasse um pedido de
reconhecimento de uma categoria funcional e, simultaneamente, formulasse um
pedido de anulação dessa categoria funcional;
2. Na cumulação alternativa e subsidiária tem que haver uma conexão objetiva entre
os pedidos, que pode decorrer da identidade da causa de pedir (art. 4º, nº1, al. a
CPTA), ou seja, que a causa de pedir seja única ou que os pedidos estejam entre si
numa relação de prejudicialidade ou de dependência (nomeadamente por se
inscreverem no âmbito da mesma relação jurídica material). Essa conexão objetiva
pode ainda decorrer do facto da procedência dos pedidos principais depender
essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação
dos mesmos princípios ou regras de direito (art. 4º, nº1, al. b CPTA).
Para além destes pressupostos, tem que existir uma compatibilidade processual (art.
5º, nº3 CPTA), sob pena de absolvição da instância relativamente ao pedido que

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Aulas teórico-práticas

não pertença ao âmbito de competência dos tribunais administrativos. Ou seja, o


tribunal tem que ser materialmente competente para apreciar todos os pedidos
cumulados, dispensando-se, em contrapartida, quer a competência hierárquica,
quer a competência territorial (art. 21º CPTA e art. 24º, nº1, al. e ETAF)

Nos termos do CPTA2, as causas passaram a ter um dado valor económico. O interesse
legalmente protegido que se quer defender em juízo corresponde a uma determinada utilidade
económica, e o CPTA configura, nos arts. 32º a 34º, os critérios que determinarão a fixação do valor
da causa.

1. Quando pela ação se pretenda obter o pagamento de quantia certa, é esse o valor da causa.
2. Quando pela ação se pretenda obter um benefício diverso do pagamento de uma quantia, o valor da
causa é a quantia equivalente a esse benefício.
3. Quando a ação tenha por objeto a apreciação da existência, validade, cumprimento, modificação
ou resolução de um contrato, atende-se ao valor do mesmo, determinado pelo preço ou estipulado pelas partes.
4. Quando a ação diga respeito a uma coisa, o valor desta determina o valor da causa.
5. Quando esteja em causa a cessação de situações causadoras de dano, ainda que fundadas em ato
administrativo ilegal, o valor da causa é determinado pela importância do dano causado.
6. O valor dos processos cautelares é determinado pelo valor do prejuízo que se quer evitar, dos bens que se
querem conservar ou da prestação pretendida a título provisório.
7. Quando sejam cumulados, na mesma ação, vários pedidos, o valor é a quantia correspondente à soma dos
valores de todos eles, mas cada um deles é considerado em separado para o efeito de determinar se a sentença pode ser
objeto de recurso, e de que tipo.
8. Quando seja deduzido pedido acessório de condenação ao pagamento de juros, rendas e
rendimentos já vencidos e a vencer durante a pendência da causa, na fixação do valor atende-se somente aos
interesses já vencidos.
9. No caso de pedidos alternativos, atende-se unicamente ao pedido de valor mais elevado e, no caso de pedidos
subsidiários, ao pedido formulado em primeiro lugar.

Art. 32º CPTA – Critérios gerais para a fixação do valor

2 No entender do prof. COLAÇO ANTUNES, esta questão poderia estar regulada no ETAF, uma vez que o art. 6º fixa as
alçadas.

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Aulas teórico-práticas

Nos processos relativos a atos administrativos, atende-se ao conteúdo económico do ato, designadamente por
apelo aos seguintes critérios, para além daqueles que resultam do disposto no artigo anterior:
a) Quando esteja em causa a autorização ou licenciamento de obras e, em geral, a apreciação de decisões
respeitantes à realização de empreendimentos públicos ou privados, o valor da causa afere-se pelo custo previsto da obra
projetada;
b) Quando esteja em causa a aplicação de sanções de conteúdo pecuniário, o valor da causa é determinado pelo
montante da sanção aplicada;
c) Quando esteja em causa a aplicação de sanções sem conteúdo pecuniário, o valor da causa é determinado
pelo montante dos danos patrimoniais sofridos;
d) Quando estejam em causa atos ablativos da propriedade ou de outros direitos reais, o valor da causa é
determinado pelo valor do direito sacrificado.

Art. 33º CPTA – Critérios especiais

O art. 32º CPTA fixa os critérios gerais para a determinação do valor da causa, e o art. 33º
CPTA fixa critérios especiais para os processos relativos a atos administrativos (atende-se
principalmente ao conteúdo económico do ato). O art. 34º CPTA, por sua vez, fixa um critério
supletivo.
Nos termos do art. 32º CPTA, havendo cumulação de pedidos, como é que se determina o
valor da causa? É necessário usar um critério interpretativo: é que a maioria dos pedidos são
cumulações aparentes (ou seja, são formulados vários pedidos mas têm a mesma utilidade económica,
daí que a cumulação seja meramente aparente). P. ex., um pedido de cumulação de impugnação de ato
com um pedido de condenação à prática de um ato → cumulação aparente.
O art. 32º, nº7 CPTA refere-se à cumulação simples. Como se determina o valor da causa? O
valor da causa será a soma dos valores dos vários pedidos. O nº9, 1ª parte diz respeito aos pedidos
alternativos, nos quais se atende apenas ao pedido de valor mais elevado, e a 2ª parte do nº9 diz respeito
aos pedidos subsidiários, nos quais se atende ao pedido formulado em primeiro lugar.

1.2. Objeto da ação administrativa

No art. 37º CPTA, cuja epígrafe é “objeto da ação administrativa”, incluem-se todos os pedidos
que, antes da Reforma de 2015, estavam repartidos pela ação administrativa comum e pela ação
administrativa especial.

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Aulas teórico-práticas

O objeto da ação administrativa, diriam os subjetivistas, é causado pela prática ou omissão do


ato administrativo. O prof. COLAÇO ANTUNES, por sua vez, entende que o objeto da ação é a forma
de atuação da Administração (o ato), mas também a tutela das pretensões substantivas dos particulares
eventualmente lesadas pela ação ou omissão da Administração.

1.2.1. Pedido de impugnação de atos administrativos

Art. 37º, nº1, al. a CPTA

A função da impugnação de atos administrativos é a do controlo da sua invalidade (por isso, a


lei continua a prever a utilização deste meio para obter a declaração de nulidade ou de inexistência de
atos administrativos, embora o pedido continue a ser, em regra, dirigido a obter a sua anulação). As
sentenças serão constitutivas no caso de anulação do ato e declarativas no caso de declaração de
nulidade ou de inexistência.

Noção de ato administrativo para efeitos contenciosos:

1. Ainda que não ponham termo a um procedimento, são impugnáveis todas as decisões que, no exercício de poderes
jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e
concreta, incluindo as proferidas por autoridades não integradas na Administração Pública e por entidades privadas
que atuem no exercício de poderes jurídico-administrativos.
2. São designadamente impugnáveis:
a) As decisões tomadas no âmbito de procedimentos administrativos sobre questões que não possam ser de novo
apreciadas em momento subsequente do mesmo procedimento;
b) As decisões tomadas em relação a outros órgãos da mesma pessoa coletiva, passíveis de comprometer as condições do
exercício de competências legalmente conferidas aos segundos para a prossecução de interesses pelos quais esses órgãos
sejam diretamente responsáveis.
(…)

Art. 51º CPTA – Atos impugnáveis

Para efeitos do disposto no presente Código, consideram-se atos administrativos as decisões que, no exercício de
poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual
e concreta.

Art. 148º CPA – Conceito de ato administrativo

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Aulas teórico-práticas

O conceito de ato administrativo impugnável começa por pressupor um conceito material de


ato administrativo, que se refere, nos termos do art. 148º CPA, às decisões materialmente
administrativas de autoridade (“no exercício de poderes jurídico-administrativos”) que visem a
produção de efeitos externos numa situação individual e concreta3, independentemente da sua forma
(ou seja, mesmo que estas decisões apareçam sob a forma de regulamento ou estejam contidas em
diplomas legislativos). Ficam, então, de fora deste conceito material os puros atos administrativos
(propostas, pareceres, comunicações), bem como as operações materiais (de exercício ou de execução)
e os comportamentos (informações, avisos).
Com a Reforma de 2015, o legislador aproximou a definição de ato para efeitos contenciosos
(art. 51º CPTA) da noção do art. 148º CPA. O conceito de ato administrativo impugnável tende a
coincidir com o conceito de ato administrativo para efeitos substanciais e procedimentais. Do ponto
de vista orgânico há um alargamento da noção de ato, porque não são apenas as decisões de órgãos
administrativos, mas sim de qualquer entidade que atue no exercício de poderes administrativos.
Curiosamente, o CPA não fala sequer em autor. Está aqui patente uma ideia de Administração Pública
em sentido objetivo, funcional, e não em sentido subjetivo ou orgânico.
Aproximaram-se ainda de um outro ponto de vista, na medida em que ambos abrangem, em
primeira linha, apenas as decisões administrativas que visem produzir efeitos externos (atos com
eficácia externa são aqueles que visem constituir efeitos nas relações jurídico-administrativas externas,
na esfera jurídica dos destinatários). Enquanto que o CPA de 1991 falava apenas em decisões de um
órgão administrativo, o CPA atual deixou de fazer essa referência orgânica, e introduziu-se um
elemento de exterioridade - só é ato administrativo o que produz efeitos jurídicos externos (os atos
instrumentais produzem efeitos jurídicos, mas não são externos). Daí que se diga que o ato
administrativo é um ato regulador, que modifica, extingue ou constitui relações jurídicas.
O CPTA não andou longe da definição do CPA. Se olharmos para o art. 51º CPTA vemos que
este abrange alguns atos instrumentais (como, p. ex., a exclusão de candidato de um concurso, sendo
um ato administrativo em sentido próprio, que constitui a situação jurídica do sujeito, devendo ser
imediatamente impugnado, sob pena de precludir a possibilidade de impugnar o ato final) e ainda as
decisões proferidas por órgãos públicos e privados que atuem no exercício de funções administrativas.
A al. a) do nº2 refere-se a decisões tomadas no âmbito de procedimentos administrativos sobre

3 Ver, no entanto, o art. 52º, nº3 CPTA, que parece admitir a existência de atos administrativos impugnáveis que não
individualizem os seus destinatários.

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Aulas teórico-práticas

questões que não possam ser de novo apreciadas em momento subsequente do mesmo procedimento;
e a al. b) refere-se aos pareceres vinculativos, que embora não tenham força constitutiva própria,
determinam o conteúdo do ato final.

3. Os atos impugnáveis de harmonia com o disposto nos números anteriores que não ponham termo a um
procedimento só podem ser impugnados durante a pendência do mesmo, sem prejuízo da faculdade de impugnação do
ato final com fundamento em ilegalidades cometidas durante o procedimento, salvo quando essas ilegalidades digam
respeito a ato que tenha determinado a exclusão do interessado do procedimento ou a ato que lei especial submeta a um
ónus de impugnação autónoma.

Art. 51º CPTA – Atos impugnáveis

O nº3 do art. 51º CPTA vem admitir que possam existir atos preparatórios e instrumentais que
se configurem como verdadeiros atos administrativos, com eficácia jurídica externa, podendo ser
impugnados autonomamente. A regra é a de que a não impugnação do ato instrumental (que é um
verdadeiro ato administrativo) não preclude o direito a impugnar o ato final, excecionando-se os casos
em que as ilegalidades dizem respeito à exclusão do interessado no procedimento (caso em que, não
impugnando o ato instrumental, preclude a possibilidade de impugnar o ato final).
Questão diferente é a de saber se pré-decisões (como p. ex., a decisão de constituir um júri de
prova de doutoramento) devem ou não ser impugnadas de forma autónoma. Embora também aqui
haja que distinguir entre vinculatividade e decisão perentória do conteúdo do ato, parece que estas pré-
decisões, ao abrigo do princípio da tutela jurisdicional efetiva (na sua vertente de decisão em tempo
útil) deviam ser autonomamente judiciadas, sem que tenha que se esperar pela decisão final.

→ Atos finais parciais:

P. ex., no procedimento de licenciamento de atividade industrial de estabelecimento que


produza produtos químicos, a Lei da Avaliação de Impacte Ambiental (DL nº 151º-B/2013, de 31 de
outubro), verificamos que há certos projetos que estão obrigatoriamente sujeitos a um
subprocedimento administrativo (prévio) de Avaliação de Impacte Ambiental, que termina com uma
decisão de avaliação, que é um ato final parcial (ato final de subprocedimento). Esse ato produz efeitos
jurídicos externos, desde logo porque caso a Avaliação de Impacte Ambiental seja negativa, o dono da
obra está impedido de prosseguir e de a realizar.

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Aulas teórico-práticas

4. Se contra um ato de indeferimento ou de recusa de apreciação de requerimento não tiver sido


deduzido o adequado pedido de condenação à prática de ato devido, o tribunal convida o autor a substituir a petição,
para o efeito de deduzir o referido pedido.

Art. 51º CPTA – Atos impugnáveis

Numa ação de condenação podemos estar perante uma inércia pura e simples (a Administração
Pública, no prazo legalmente estabelecido, não disse nada), ou então podemos ter um ato de
indeferimento expresso (ou até uma recusa por parte da Administração em apreciar o requerimento).
Quer o indeferimento, quer a recusa são atos administrativos, em bom rigor. Mas curiosamente, a ação
de condenação vem abranger estas três situações (inércia da Administração, indeferimento e recusa).
A ação de condenação, rigorosamente, apenas deveria abranger situações de silêncio puro, de inércia,
porque quer o indeferimento, quer a recusa são, como dissemos, atos administrativos, cabendo,
portanto, na ação de condenação à prática de ato legalmente devido. De certa forma, o legislador obriga
o juiz a convidar o autor a substituir o pedido (impugnatório por condenatório).

Será que esta norma não permite outras interpretações?

O prof. COLAÇO ANTUNES entende que pode haver cumulação de pedidos: impugnação e
condenação. Isto porque, normalmente, o pedido de impugnação não resolve o problema.

1. A impugnabilidade dos atos administrativos não depende da respetiva forma.


2. O não exercício do direito de impugnar um ato contido em diploma legislativo ou regulamentar não obsta à
impugnação dos seus atos de execução ou aplicação.
3. O não exercício do direito de impugnar um ato que não individualize os seus destinatários não obsta à impugnação
dos seus atos de execução ou aplicação cujos destinatários sejam individualmente identificados.

Art. 52º CPTA – Irrelevância da forma do ato

Dispõe o art. 52º, nº1 CPTA que a impugnabilidade do ato administrativo não depende da
respetiva forma (o ato pode assumir a forma de regulamento ou norma, sendo sempre justiciável). Nos
termos do nº2 do mesmo art. 52º CPTA, o não exercício do direito de impugnar um ato contido em
diploma legislativo ou regulamento não obsta à impugnação dos seus atos de execução ou aplicação.
O nº3 refere-se aos atos administrativos gerais.

→ Atos confirmativos:

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Aulas teórico-práticas

1. Não são impugnáveis os atos confirmativos, entendendo-se como tal os atos que se limitem a reiterar,
com os mesmos fundamentos, decisões contidas em atos administrativos anteriores.
2. Excetuam-se do disposto no número anterior os casos em que o interessado não tenha tido o ónus de
impugnar o ato confirmado, por não se ter verificado, em relação a este ato, qualquer dos factos previstos nos n.os 2 e 3
do artigo 59.º
3. Os atos jurídicos de execução de atos administrativos só são impugnáveis por vícios próprios, na medida em
que tenham um conteúdo decisório de caráter inovador.
4. Quando seja admitida a impugnação do ato confirmativo, nos termos do n.º 2, os efeitos da sentença que
conheça do objeto do processo são extensivos ao ato confirmado.

Art. 53º CPTA – Impugnação de atos confirmativos e de execução

O legislador define, no nº1, o que são atos confirmativos: “aqueles que se limitem a reiterar,
com os mesmos fundamentos, decisões contidas em atos administrativos anteriores”. O ato
impugnável é o ato confirmado, o que foi praticado pelo subalterno, porque se entende que o ato
confirmativo não é um ato em sentido próprio para efeitos contenciosos. É certo que é preciso verificar
se estão reiterados os mesmos argumentos e causas de pedir. O prof. COLAÇO ANTUNES entende que
nem sempre o ato confirmativo é uma cópia do ato praticado pelo ato do subalterno, daí que surjam
exceções. O nº2 contém essas mesmas exceções (nos casos em que o interessado não tenha tido o
ónus de impugnar o ato confirmado, por não se ter verificado, em relação a este ato, qualquer dos
factos previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 59º). Conforme dispõe o nº4, sendo impugnáveis, os efeitos da
eventual sentença são extensivos ao ato confirmado.

→ Atos administrativos ineficazes:

1. Os atos administrativos só podem ser impugnados a partir do momento em que produzam


efeitos.
2. O disposto no número anterior não exclui a faculdade de impugnação de atos que não tenham começado a produzir
efeitos jurídicos quando:
a) Tenha sido desencadeada a sua execução;
b) Seja seguro ou muito provável que o ato irá produzir efeitos, designadamente por a ineficácia se dever apenas ao facto
de o ato se encontrar dependente de termo inicial ou de condição suspensiva cuja verificação seja provável, nomeadamente
por depender da vontade do beneficiário do ato.

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Aulas teórico-práticas

3. O disposto na alínea a) do número anterior não impede a utilização de outros meios de tutela contra a execução
ilegítima do ato administrativo ineficaz.

Art. 54º CPTA – Impugnação de ato administrativo ineficaz

Em regra, apenas são impugnáveis os atos eficazes, aqueles que produzem efeitos jurídicos
externos (art. 54º, nº1 CPTA). Executoriedade e eficácia são, no entanto, elementos complementares
(o segundo é requisito do primeiro) mas autónomos. O CPTA admite a impugnação de atos ainda não
eficazes nas situações previstas no nº2 deste art. 54º:

 Quando tenha havido início de execução do ato;


 Quando seja seguro ou muito provável que o ato vá produzir os seus efeitos,
designadamente quando exista ou uma condição suspensiva de provável verificação.

Importa distinguir entre eficácia interna e eficácia externa. Quando falamos em eficácia
referimo-nos à eficácia externa, isto é, falamos dos atos recetícios, que carecem da comunicação aos
destinatários para produzirem efeitos jurídicos. A eficácia interna, por sua vez, tem a ver com a
obrigatoriedade jurídica do conteúdo regulador do ato. P. ex., quando estamos perante um ato nulo
(art. 162º CPA), este “não produz quaisquer efeitos jurídicos”. O prof. COLAÇO ANTUNES entende que o
que isto quer dizer é que esse ato não produz efeitos jurídicos internos (porque padece de um vício tão
grave que abala a sua própria estrutura). Mas um ato nulo pode ser eficaz externamente, se tiver sido
validamente notificado. O que ele não tem é eficácia interna.

1.2.1.1. Legitimidade

Arts. 55º e ss. CPTA.

1. Tem legitimidade para impugnar um ato administrativo:


a) Quem alegue ser titular de um interesse direto e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo ato nos seus direitos
ou interesses legalmente protegidos;
b) O Ministério Público;
c) Entidades públicas e privadas, quanto aos direitos e interesses que lhes cumpra defender;
d) Órgãos administrativos, relativamente a atos praticados por outros órgãos da mesma pessoa coletiva pública que
alegadamente comprometam as condições do exercício de competências legalmente conferidas aos primeiros para a
prossecução de interesses pelos quais esses órgãos sejam diretamente responsáveis;

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Aulas teórico-práticas

e) Presidentes de órgãos colegiais, em relação a atos praticados pelo respetivo órgão, bem como outras autoridades, em
defesa da legalidade administrativa, nos casos previstos na lei;
f) Pessoas e entidades mencionadas no n.º 2 do artigo 9.º
2. A qualquer eleitor, no gozo dos seus direitos civis e políticos, é permitido impugnar as decisões e deliberações
adotadas por órgãos das autarquias locais sediadas na circunscrição onde se encontre recenseado, assim como das
entidades instituídas por autarquias locais ou que destas dependam.
3. A intervenção do interessado no procedimento em que tenha sido praticado o ato administrativo constitui mera
presunção de legitimidade para a sua impugnação.

Art. 55º CPTA – Legitimidade ativa

No que respeita à legitimidade processual ativa, nos termos do art. 55º, nº1, têm legitimidade:

→ No âmbito da ação particular:

 Os titulares de um interesse direito e pessoal (nº1, al. a);


 As entidades públicas e privadas, quanto aos interesses que lhe cumpra defender (nº1,
al. c);
 Os órgãos administrativos, relativamente a atos praticados por órgãos da mesma pessoa
coletiva, quando esteja em causa a prossecução de interesses pelos quais esses órgãos
sejam diretamente responsáveis (al. d) – o prof. COLAÇO ANTUNES entende que esta
norma se refere a órgãos que tenham uma relação de autonomia entre eles, isto é, não
pode haver entre eles uma relação hierárquica estrita.

→ No âmbito da ação popular:

 Os cidadãos eleitores das comunidades locais, para impugnação dos atos dos respetivos
órgãos autárquicos ou de entidades instituídas pelas autarquias locais ou que delas
dependam, independentemente de terem ou não um interesse direto e pessoal na
anulação, através da ação popular local (nº2);
 Qualquer pessoa e entidade mencionada no art. 9º, nº2 – ação popular social (nº1, al.
f).

→ No âmbito da ação pública:

 O Ministério Público, para defesa da legalidade (nº1, al. b);

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Aulas teórico-práticas

 Os presidentes dos órgãos colegiais, contra os atos do respetivo órgão, e outras


autoridades, quando esteja em causa a defesa da legalidade (nº1, al. e).

No que diz respeito à legitimidade passiva, uma das grandes novidades do CPTA de 2002 foi
a de que, contrariamente ao que acontecia antes, em que a legitimidade pertencia ao órgão autor do
ato, a parte no processo passa a ser a pessoa coletiva pública ou, no caso do Estado e das Regiões
Autónomas, o Ministério ou a secretaria regional (nos casos em que o ato é da autoria de um órgão
integrado numa estrutura ministerial ou do governo regional, respetivamente – art. 10º, nº2 CPTA). Só
não será assim nos casos em que o ato é impugnado por outro órgão da mesma pessoa coletiva, caso
em que a ação é proposta contra o órgão que praticou o ato (art. 10º, nº8 CPTA).

Para além da entidade autora do ato impugnado, são obrigatoriamente demandados os contrainteressados a
quem o provimento do processo impugnatório possa diretamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na
manutenção do ato impugnado e que possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos
documentos contidos no processo administrativo.

Art. 57º CPTA - Contrainteressados

Haverá litisconsórcio passivo necessário sempre que existam contrainteressados. Os


contrainteressados são a outra parte principal. Durante muito tempo foram remetidos para parte
acessória, mas a verdade é que são, na generalidade das vezes, os mais afetados (mais até do que a
própria Administração Pública).

1.2.1.2. Efeitos

A impugnação de um ato administrativo não suspende, em regra, automaticamente a eficácia


do ato (a menos que seja nulo, o ato continua a produzir os seus efeitos e a obrigar os respetivos
destinatários, sendo suscetível de execução coativa por parte da Administração). O interessado, para
evitar os efeitos práticos da decisão, terá que pedir ao tribunal a suspensão da eficácia do ato no âmbito
de um processo cautelar.
Por sua vez, a utilização de meios de impugnação administrativa (reclamações ou recursos)
suspende o prazo de impugnação judicial do ato, mas não impede que o interessado proceda a esta
impugnação judicial na pendência da impugnação administrativa (art. 59º, nºs 4 e 5 CPTA).

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Aulas teórico-práticas

1.2.1.3. Prazos

1. Salvo disposição legal em contrário, a impugnação de atos nulos não está sujeita a prazo e a de atos
anuláveis tem lugar no prazo de:
a) Um ano, se promovida pelo Ministério Público;
b) Três meses, nos restantes casos.
2. Sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 59.º, os prazos estabelecidos no número anterior contam-se nos
termos do artigo 279.º do Código Civil.
(…)

Art. 58º CPTA - Prazos

Para os particulares, o prazo de impugnação é de três meses (art. 58º, nº1, al. b CPTA), e para
o Ministério Público o prazo é de um ano (art. 58º, nº1, al. a CPTA). Conforme dispõe o nº2 do mesmo
art. 58º, os prazos contam-se nos termos do art. 279º C. Civ.

(…)
3. A impugnação é admitida, para além do prazo previsto na alínea b) do n.º 1:
a) Nas situações em que ocorra justo impedimento, nos termos previstos na lei processual civil;
b) No prazo de três meses, contado da data da cessação do erro, quando se demonstre, com respeito pelo
contraditório, que, no caso concreto, a tempestiva apresentação da petição não era exigível a um cidadão normalmente
diligente, em virtude de a conduta da Administração ter induzido o interessado em erro; ou
c) Quando, não tendo ainda decorrido um ano sobre a data da prática do ato ou da sua publicação, quando
obrigatória, o atraso deva ser considerado desculpável, atendendo à ambiguidade do quadro normativo aplicável ou às
dificuldades que, no caso concreto, se colocavam quanto à identificação do ato impugnável, ou à sua qualificação como
ato administrativo ou como norma.
(…)

Art. 58º CPTA - Prazos

O nº3 prevê as situações em que podem ser superados os limites do nº1: quando ocorra justo
impedimento (al. a); quando se demonstre que, no caso concreto, não era exigível a tempestiva petição
(al. b); quando, não tendo decorrido ainda um ano da prática do ato, o atraso deva ser considerado

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Aulas teórico-práticas

desculpável, atendendo à ambiguidade do quadro normativo aplicável ou às dificuldades de


identificação do ato (al. c).

O art. 59º CPTA regula o início dos prazos. Nos termos do nº1, “os prazos de impugnação só
começam a correr na data da ocorrência dos factos previstos nos números seguintes se, nesse
momento, o ato a impugnar já for eficaz, contando-se tais prazos, na hipótese contrária, desde o início da
produção de efeitos do ato”. Ou seja, os prazos começam a correr a partir da data dos factos previstos neste
art. 59º, mas se o ato ainda não for eficaz nesse momento, o prazo apenas começa a correr a partir do
momento em que começar a produzir os seus efeitos. Vejamos as várias situações previstas no art. 59º:

 Nº2: “O prazo para a impugnação pelos destinatários a quem o ato administrativo


deva ser notificado só corre a partir da data da notificação ao interessado ou ao seu
mandatário, quando este tenha sido como tal constituído no procedimento, ou da data da
notificação efetuada em último lugar caso ambos tenham sido notificados, ainda que o ato
tenha sido objeto de publicação, mesmo que obrigatória”;
 Nº3: “O prazo para a impugnação por quaisquer outros interessados começa a correr
a partir de um dos seguintes factos:
a) Quando os atos tenham de ser publicados, da data em que o ato publicado
deva produzir efeitos;
b) Quando os atos não tenham de ser publicados, da data da notificação, da
publicação, ou do conhecimento do ato ou da sua execução, consoante o que
ocorra em primeiro lugar.

(…)
4. A utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do ato
administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou
com o decurso do respetivo prazo legal, consoante o que ocorra em primeiro lugar.
5. A suspensão do prazo prevista no número anterior não impede o interessado de proceder à impugnação contenciosa
do ato na pendência da impugnação administrativa, bem como de requerer a adoção de providências cautelares.
(…)

Art. 58º CPTA - Prazos

Se a regra é a da impugnação administrativa, significa que, agora, o que acontece, excetuando


os casos em que haja recurso hierárquico necessário (porque aí suspende-se a eficácia do ato e não há

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Aulas teórico-práticas

problema de suspensão do prazo processual, só se obtendo a tutela judicial depois do cumprimento da


“via sacra” das impugnações administrativas necessárias), os atos podem sempre ser impugnados
judicialmente.

19.03.2019

1. Não pode impugnar um ato administrativo com fundamento na sua mera anulabilidade quem o tenha
aceitado, expressa ou tacitamente, depois de praticado.
2. A aceitação tácita deriva da prática, espontânea e sem reserva, de facto incompatível com a vontade de impugnar.
3. A execução ou acatamento por funcionário ou agente não se considera aceitação tácita do ato executado ou acatado,
salvo quando dependa da vontade daqueles a escolha da oportunidade da execução.

Art. 56º CPTA – Aceitação do ato

Esta figura da aceitação do ato é uma figura praticamente inexistente no direito processual
comparado. Existe uma figura semelhante no direito italiano (“aquiescência”). Normalmente, uma das
situações mais frequentes que se reconduzem a esta figura é a da renúncia do direito de impugnar o
ato. Esta é uma primeira tese. Para além disso, não é uma renúncia ao ato mas sim a uma posição
jurídica substantiva favorável. Em consequência, esta tese acaba por não se distinguir muito da primeira
tese, da renúncia ao direito de impugnar o ato, porque aprece lógico que a renúncia à posição jurídica
implique a renúncia ao exercício do direito.
O prof. COLAÇO ANTUNES não está de acordo com nenhuma destas teses. Há que distinguir
entre renúncia expressa e tácita. A grande dificuldade coloca-se quando a renúncia é tácita. O prof.
entende que na renúncia tácita não há sequer uma vontade implícita do interessado, os factos jurídicos
praticados pelo interessado criam uma relação de confiança legítima, quer na Administração, quer nos
contrainteressados, de que esse particular não vai exercer o seu direito de ação. As situações são
diferentes. P. ex., a renúncia à posição jurídica de vantagem pode ser feita desde o início do
procedimento, nomeadamente através da fase instrutória, onde é apresentado um projeto de decisão,
e onde vigora um princípio da dupla decisão. A renúncia a uma posição jurídica de vantagem tem uma
dimensão procedimental que a aceitação do ato não tem. O prof. entende que a aceitação do ato
dificilmente se pode formular antes da audiência prévia. A aceitação do ato não implica reconhecer a
validade do ato, e muito menos implica, mesmo havendo aceitação do ato, a renúncia à posição jurídica
do particular. O prof. entende que se trata mais de um efeito preclusivo que o sistema jurídico, por

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Aulas teórico-práticas

razões de economia processual, associa à conduta do autor, seja ela de forma mais expressiva, através
da aceitação expressa, seja ela através de aceitação tácita. Este efeito não tem tanto a ver com um ato
volitivo (pelo menos na aceitação tácita), mas antes com uma censura por parte do ordenamento
jurídico.
Esta figura da aceitação do ato não tem sentido quando estamos perante uma ação popular, p.
ex. A ser aplicável, é no domínio da ação particular, e com prudência.
Importa referir que não há aceitação de atos nulos, a aceitação só pode ter lugar relativamente
a atos anuláveis.
Quanto aos efeitos da sentença, quando se trata de uma sentença anulatória (a invalidade típica
é, como sabemos, a anulabilidade), esta tem um efeito constitutivo (visa conformar a situação jurídica
da Administração, nomeadamente impedindo que a Administração pratique o mesmo ato com os
mesmos vícios) e ultraconstitutivo (a Administração, na sequência de uma sentença anulatória, está
obrigada a reconstituir a situação que teria existido se o ato lesivo não tivesse sido praticado). O prof.
COLAÇO ANTUNES não concorda com a afirmação de que uma sentença que declara a nulidade tem
um efeito meramente declarativo. Os atos nulos, apesar de não produzirem efeitos jurídicos, produzem
resultados juridicamente relevantes. Ao contrário do que acontece no Direito Civil, em que a nulidade
é a “porta de saída”, remetendo-se os resultados do ato nulo para o mundo da irrelevância jurídica, no
Direito Administrativo a nulidade é a figura que permite que o ato não produza efeitos jurídicos mas
que se tenha em consideração esses resultados juridicamente relevantes do ato nulo. É preciso ter em
conta os resultados juridicamente relevantes produzidos na sequência de um ato nulo, que podem, em
alguns casos, justificar que a sentença não seja meramente declarativa.

1.2.2. Ação de condenação à prática de ato devido

1. A ação administrativa pode ser utilizada para obter a condenação da entidade competente à prática, dentro
de determinado prazo, de um ato administrativo ilegalmente omitido ou recusado.
2. Ainda que a prática do ato devido tenha sido expressamente recusada, o objeto do processo é a pretensão do
interessado e não o ato de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resulta diretamente da pronúncia
condenatória.
(…)

Art. 66º CPTA - Objeto

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Aulas teórico-práticas

A ação de condenação à prática de ato devido está regulada nos arts. 66º e ss. CPTA. Tem que
haver um requerimento do particular a solicitar a prática do ato, dirigido a um órgão com competência
para decidir, e tem que ter decorrido o prazo estabelecido na lei. Como sabemos, aboliu-se o
indeferimento tácito (que era uma ficção para “abrir a porta” do contencioso). Estamos agora não
perante a ficção de um ato mas perante um facto, uma inércia. O pedido é, por isso, a condenação à
prática de um ato legalmente devido.
A ação de condenação à prática de ato legalmente devido é, talvez, o meio processual mais
subjetivista do contencioso administrativo, porque enquanto na ação de impugnação ainda se pode
dizer que o objeto do processo é o ato (mas também a posição subjetiva lesada), aqui o objeto do
processo é a pretensão do particular (art. 66º, nº2 CPTA). Esta ação abrange a inércia em sentido
próprio (em bom rigor esta ação só devia servir para esta situação), bem como o ato de indeferimento
ou de recusa de apreciação do requerimento (estes últimos, no fundo, são atos administrativos, logo
não deviam estar aqui nesta ação).

1.2.2.1. Pressupostos

1. A condenação à prática de ato administrativo pode ser pedida quando, tendo sido apresentado
requerimento que constitua o órgão competente no dever de decidir:
a) Não tenha sido proferida decisão dentro do prazo legalmente estabelecido;
b) Tenha sido praticado ato administrativo de indeferimento ou de recusa de apreciação do requerimento;
c) Tenha sido praticado ato administrativo de conteúdo positivo que não satisfaça integralmente a pretensão do
interessado.
(…)
4. A condenação à prática de ato administrativo também pode ser pedida sem ter sido apresentado requerimento,
quando:
a) Não tenha sido cumprido o dever de emitir um ato administrativo que resultava diretamente da lei;
b) Se pretenda obter a substituição de um ato administrativo de conteúdo positivo.

Art. 67º CPTA - Pressupostos

Os pressupostos da ação de condenação à prática de ato legalmente devido estão regulados no


art. 67º CPTA. A condenação à prática de ato legalmente devido pode ser pedida quando tenha sido
apresentado requerimento (art. 67º, nº1 CPTA). O nº4 do art. 67º CPTA prevê as situações em que
não é necessário requerimento.

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Aulas teórico-práticas

1.2.2.2. Legitimidade

1. Tem legitimidade para pedir a condenação à prática de um ato administrativo:


a) Quem alegue ser titular de um direito ou interesse legalmente protegido, dirigido à emissão desse
ato;
b) O Ministério Público, sem necessidade da apresentação de requerimento, quando o dever de praticar o ato
resulte diretamente da lei e esteja em causa a ofensa de direitos fundamentais, a defesa de interesses públicos
especialmente relevantes ou de qualquer dos valores e bens referidos no n.º 2 do artigo 9.º;
c) Pessoas coletivas, públicas ou privadas, em relação aos direitos e interesses que lhes cumpra defender;
d) Órgãos administrativos, relativamente a condutas de outros órgãos da Administração Pública, que
alegadamente comprometam as condições do exercício de competências legalmente conferidas aos primeiros para a
prossecução de interesses pelos quais estes órgãos sejam diretamente responsáveis;
e) Presidentes de órgãos colegiais, relativamente à conduta do respetivo órgão, bem como outras autoridades,
em defesa da legalidade administrativa, nos casos previstos na lei;
f) As demais pessoas e entidades mencionadas no n.º 2 do artigo 9.º
2. Para além da entidade responsável pela situação de ilegalidade, são obrigatoriamente demandados os
contrainteressados a quem a prática do ato pretendido possa diretamente prejudicar ou que tenham legítimo
interesse em que ele não seja praticado e que possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos
documentos contidos no processo administrativo.

Art. 68º CPTA – Legitimidade

1.2.2.3. Prazos

1. Em situações de inércia da Administração, o direito de ação caduca no prazo de um ano contado desde o termo do
prazo legal estabelecido para a emissão do ato ilegalmente omitido.
2. Nos casos de indeferimento, de recusa de apreciação do requerimento ou de pretensão dirigida à substituição de um
ato de conteúdo positivo, o prazo de propositura da ação é de três meses, sendo aplicável o disposto no n.º 3 do artigo
58.º e nos artigos 59.º e 60.º
3. Quando, nos casos previstos no número anterior, esteja em causa um ato nulo, o pedido de condenação à prática do
ato devido pode ser deduzido no prazo de dois anos, contado da data da notificação do ato de indeferimento, do ato de
recusa de apreciação do requerimento ou do ato de conteúdo positivo que o interessado pretende ver substituído por outro,

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Aulas teórico-práticas

sem prejuízo, neste último caso, da possibilidade, em alternativa, da impugnação do ato de conteúdo positivo sem
dependência de prazo.

Art. 69º CPTA - Prazos

Os prazos variam conforme se trate de um silêncio em sentido próprio, ou seja, de uma inércia,
caso em que o prazo é de um ano (art. 69º, nº1 CPTA), ou de um caso de indeferimento expresso ou
de recusa de apreciação, caso em que o prazo é de três meses (art. 69º, nº2 CPTA).

Poderá haver uma alteração da instância nos termos do art. 70º CPTA.

1. Ainda que o requerimento apresentado não tenha obtido resposta ou a sua apreciação tenha sido recusada,
o tribunal não se limita a devolver a questão ao órgão administrativo competente, anulando ou declarando nulo o
eventual ato de indeferimento, mas pronuncia-se sobre a pretensão material do interessado, impondo a prática do ato
devido.
2. Quando a emissão do ato pretendido envolva a formulação de valorações próprias do exercício da função
administrativa e a apreciação do caso concreto não permita identificar apenas uma solução como legalmente possível, o
tribunal não pode determinar o conteúdo do ato a praticar, mas deve explicitar as vinculações a observar pela
Administração na emissão do ato devido.
3. Quando tenha sido pedida a condenação à prática de um ato com um conteúdo determinado, mas se
verifique que, embora seja devida a prática de um ato administrativo, não é possível determinar o seu conteúdo, o
tribunal não absolve do pedido, mas condena a entidade demandada à emissão do ato em questão, de acordo com os
parâmetros estabelecidos no número anterior.

Art. 71º CPTA – Poderes de pronúncia do tribunal

Os poderes de pronúncia do tribunal estão regulados no art. 71º CPTA. No caso dos atos
discricionários, quando se trate de uma discricionariedade quanto ao quid, tribunal só pode condenar a
Administração a praticar um ato qualquer, mas não pode determinar o conteúdo do ato.

1.2.3. Ação de impugnação de normas e condenação à emissão de normas

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Aulas teórico-práticas

1. A impugnação de normas no contencioso administrativo tem por objeto a declaração da ilegalidade de


normas emanadas ao abrigo de disposições de direito administrativo, por vícios próprios ou derivados da invalidade de
atos praticados no âmbito do respetivo procedimento de aprovação.
2. Fica excluída do regime regulado na presente secção a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral
com qualquer dos fundamentos previstos no n.º 1 do artigo 281.º da Constituição da República Portuguesa.

Art. 72º CPTA - Objeto

A ação de impugnação de normas e condenação à emissão de normas está regulada nos arts.
72º e ss. CPTA. A ação de impugnação de normas tem por objeto a declaração de ilegalidade de
normas, por vícios próprios ou derivados da invalidade de atos praticados no âmbito do respetivo
procedimento de aprovação. Quer dizer que as ações apreciam quer as invalidades próprias, quer as
invalidades derivadas de atos praticados no contexto procedimental, durante o procedimento. O nº2
do art. 72º CPTA coloca algumas dificuldades, nomeadamente com o nº2 do art. 73º CPTA, nos termos
do qual “quem seja diretamente prejudicado ou possa vir previsivelmente a sê-lo em momento próximo pela aplicação de
norma imediatamente operativa que incorra em qualquer dos fundamentos de ilegalidade previstos no n.º 1 do artigo
281.º da Constituição da República Portuguesa pode obter a desaplicação da norma, pedindo a declaração da sua
ilegalidade com efeitos circunscritos ao seu caso”.

Os pedidos de declaração de ilegalidade estão definidos no art. 73º CPTA, que se refere aos
pressupostos. Há três pedidos:

→ Dois a título principal:

 Pedido de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral de norma


imediatamente operativa (nº1):

Pode ser pedida por quem seja diretamente prejudicado pela vigência da norma ou possa vir
previsivelmente a sê-lo em momento próximo, independentemente da prática de ato concreto de
aplicação, pelo Ministério Público e por pessoas e entidades nos termos do nº 2 do artigo 9º, assim
como pelos presidentes de órgãos colegiais, em relação a normas emitidas pelos respetivos órgãos

 Pedido de declaração de ilegalidade com efeitos circunscritos ao caso concreto


(nº2):

Quem seja diretamente prejudicado ou possa vir previsivelmente a sê-lo em momento próximo
pela aplicação de norma imediatamente operativa que incorra em qualquer dos fundamentos de

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Aulas teórico-práticas

ilegalidade previstos no nº 1 do artigo 281º da Constituição da República Portuguesa pode obter a


desaplicação da norma, pedindo a declaração da sua ilegalidade com efeitos circunscritos ao seu caso.
Aqui os efeitos são circunscritos ao caso concreto do autor, que pode obter a desaplicação da norma.
Esta norma cria uma situação de insegurança jurídica. É que a norma mantém-se aplicável em
relação aos restantes casos. Outra questão que se coloca aqui é a de saber se esta solução não é
demasiado restrita. Só abrange os casos de ilegalidade qualificada? Exclui os casos de ilegalidade
simples? O prof. COLAÇO ANTUNES entende que se deve fazer uma interpretação extensiva e
teleologicamente orientada, em conformidade com a Constituição.
Outra questão que se pode colocar é a de saber se esta norma não terá ido longe demais. Há
quem entenda que a competência do Tribunal Constitucional não se refere apenas ao pedido de
declaração de ilegalidade com força obrigatória geral mas também aos pedidos de declaração de
ilegalidade com efeitos circunscritos ao caso concreto. Por um lado, estão em causa os efeitos
circunscritos ao caso concreto, não prejudicando a reserva que assiste ao Tribunal Constitucional, e
ainda em obséquio ao princípio da tutela jurisdicional efetiva.

→ E um a título incidental:

Art. 73º, nº3 CPT: casos em que o regulamento é mediamente operativo. Nestes casos, os
efeitos só se produzem através de um ato administrativo de aplicação. O prof. COLAÇO ANTUNES
pergunta se não teria mais sentido, nestes casos, em vez deste pedido, formular uma cumulação de
pedidos (admissível nos termos do art. 4º, nº2, al. b CPTA).

O Ministério Público tem o dever de pedir a declaração de ilegalidade com força obrigatória
geral quando tenha conhecimento de três decisões de desaplicação de uma norma com fundamento na
sua ilegalidade (art. 73º, nº4 CPTA).

1.2.3.1. Prazos

1. Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a declaração de ilegalidade de normas pode ser pedida a
todo o tempo.
2. A declaração de ilegalidade com fundamento em ilegalidade formal ou procedimental da qual não resulte
inconstitucionalidade só pode ser pedida no prazo de seis meses, contado da data da publicação, salvo nos casos de
carência absoluta de forma legal ou de preterição de consulta pública exigida por lei.

Art. 74º CPTA - Prazos

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Aulas teórico-práticas

A regra é a de que o pedido pode ser feito a todo o tempo. Todavia, o nº2 do art. 74º CPTA
vem precisar que a declaração de ilegalidade com fundamento em ilegalidade formal ou procedimental,
e da qual não resulte inconstitucionalidade, só pode ser pedida no prazo de seis meses. Trata-se de uma
solução entre a nulidade e a anulabilidade.

1.2.3.2. Efeitos

1. A declaração com força obrigatória geral da ilegalidade de uma norma, nos termos previstos neste Código, produz
efeitos desde a data da entrada em vigor da norma, salvo no caso de ilegalidade superveniente.
2. O tribunal pode, no entanto, determinar que os efeitos da decisão se produzam apenas a partir da data do trânsito
em julgado da sentença quando razões de segurança jurídica, de equidade ou de interesse público de excecional relevo,
devidamente fundamentadas, o justifiquem.
(…)

Art. 76º CPTA - Efeitos da declaração de ilegalidade com força obrigatória geral

O nº2 refere-se à produção de efeitos ex nunc. O que é que acontece aos atos praticados ao
abrigo das normas que foram declaradas ilegais quando o tribunal entende que a sentença só produz
efeitos a partir do transito em julgado? O prof. COLAÇO ANTUNES entende que o particular terá que
impugnar tempestivamente os atos praticados ao abrigo dessas normas. Os atos não se convalidam,
mantêm-se ilegais, e por isso têm que ser atacados tempestivamente.

Quanto aos poderes do juiz, apesar da sentença ser condenatória, os poderes não são tão
ingerentes como na ação de condenação à prática de ato legalmente devido.

26.03.2019

2. Processos principais urgentes

Temos vindo a analisar processos principais não urgentes. Os processos principais urgentes
estão definidos nos arts. 97º e ss. CPTA. São eles: o contencioso eleitoral (art. 98º CPTA); o
contencioso dos procedimentos de massa (art. 99º CPTA); o contencioso pré-contratual (arts. 100º e
ss. CPTA); a intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de

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Aulas teórico-práticas

certidões (arts. 104º e ss. CPTA) e a intimação para direitos, liberdades e garantias (arts. 109º e ss.
CPTA).
O contencioso eleitoral e o contencioso pré-contratual eram, antes, impugnações. Agora o
legislador chama-lhes ações administrativas urgentes. Isto porque, tanto no contencioso eleitoral como
no contencioso pré-eleitoral passou a abranger-se não só pedidos impugnatórios mas também pedidos
condenatórios.
Estes processos urgentes principais distinguem-se dos processos principais não urgentes
porque, atendendo à natureza dos bens jurídicos em causa (p. ex., o direito a realizar uma manifestação,
o direito de asilo), um processo principal com uma duração normal é absolutamente imprestável para
estas situações. Tratam-se de processos céleres, que obedecem a uma tramitação simplificada. Importa
notar que temos processos urgentes que não são processos principais - os procedimentos cautelares
(que têm como notas características a sua provisoriedade, a sua instrumentalidade a sua simplicidade).
O processo cautelar também não satisfaz os interesses que estão aqui em causa porque não têm
capacidade para decidir a questão.

2.1. O contencioso pré-contratual (arts. 100º e ss. CPTA)

Importa referir, a este nível, a existência de uma série de diretivas da UE. Ao nível do Código
dos Contratos Públicos, uma das diretivas implicou a consagração de um efeito suspensivo a nível
substantivo e um efeito suspensivo a nível processual. O processo principal não tem, em regra, efeito
suspensivo. Este contencioso pré-contratual é, então, uma exceção à regra. Nestes processos urgentes
há um elemento fundamental: o tempo. Quer a Administração, quer o tribunal, quer o particular têm
“tempos diferentes”. Se o legislador comunitário entendeu que era necessário estabelecer um efeito
suspensivo substantivo e processual é porque a Administração não é assim tão lenta como
frequentemente se diz. Dizer-se que a Administração é sempre “lenta” e que o particular é sempre
“rápido” é simplista, muitas vezes o particular não está interessado em obter uma sentença, “litiga por
litigar”.

1. Para os efeitos do disposto na presente secção, o contencioso pré-contratual compreende as ações de impugnação ou de
condenação à prática de atos administrativos relativos à formação de contratos de empreitada de obras
públicas, de concessão de obras públicas, de concessão de serviços públicos, de aquisição ou
locação de bens móveis e de aquisição de serviços.
2. Para os efeitos do disposto na presente secção, são considerados atos administrativos os atos praticados por quaisquer
entidades adjudicantes ao abrigo de regras de contratação pública.

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Aulas teórico-práticas

Art. 100º CPTA - Âmbito

Quais as ideias que estão subjacentes a este contencioso pré-eleitoral?

Obviamente, a primeira ideia é a de tutela da posição jurídica dos particulares. P. ex.,


quando há exclusão de um concorrente de um concurso tem que se obter uma decisão rápida, para
que esse concorrente entre novamente no concurso e eventualmente ganhe. Esta ideia tem muito a ver
com os atos relativos à formação do contrato, mas também com a fase de execução do próprio contrato
(art. 107º-A nº3 CPTA).
A noção de ato administrativo para efeitos de contencioso pré-contratual (art. 100º, nº2 CPTA)
é mais ampla do que aquela que nos vem definida no art. 51º CPTA e que normalmente não anda
muito distante da noção de ato administrativo que é dada pelo CPA no art. 148º, como vimos. Para
estes efeitos, são considerados atos administrativos os praticados por quaisquer entidades adjudicantes
ao abrigo de regras de contratação pública. Abrange-se aqui, p. ex., a decisão de contratar, a recusa de
contratar, a decisão que é tomada por um júri quanto à escolha de um procedimento concursal, a
hierarquização das propostas, a exclusão de um candidato numa fase do procedimento, e, obviamente,
o ato de adjudicação, que é o ato principal.
Nos termos do art. 100º, nº1 CPTA, este contencioso pré-contratual abrange não apenas
pedidos impugnatórios mas também pedidos condenatórios. O pedido impugnatório pode ser
insuficiente, o particular muitas vezes não quer apenas eliminar o ato mas sim obter um ato favorável
à sua pretensão (pensemos nos casos de exclusão de um concorrente de um concurso, p. ex.). Como
decorre ainda deste nº1, no contencioso pré-contratual apenas estão em causa os contratos de
empreitada de obras públicas, de concessão de obras públicas, de concessão de serviços públicos, de
aquisição ou locação de bens móveis e de aquisição de serviços. Este contencioso pré-contratual apenas
se aplica a estes contratos. Será que não existirão outros contratos que exijam o mesmo tipo de pedidos,
o mesmo tipo de processo urgente principal? O art. 132º, nº5 CPTA (“Quando, no processo cautelar, o juiz
considere demonstrada a ilegalidade de especificações contidas nos documentos conformadores do procedimento que era
invocada como fundamento do processo principal, pode determinar a sua imediata correção, decidindo, desse modo, o
mérito da causa, segundo o disposto no artigo 121º”) funciona como uma espécie de válvula de escape - trata-
se, no fundo, de uma possibilidade de convolar o processo cautelar em processo principal, antecipando
a decisão de mérito. É uma via judicial muito pouco usual no direito comparado. O art. 121º CPTA,
para o qual este nº5 remete, era antes muito mais exigente na fixação dos requisitos para que se pudesse
proceder a esta convolação. O legislador utiliza agora conceitos relativamente indeterminados. O prof.
COLAÇO ANTUNES entende que a norma anterior era bastante mais concretizadora dos requisitos.

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Aulas teórico-práticas

Podemos dizer que este art. 132º, nº5 CPTA é uma solução de certo modo equivalente ao processo
principal urgente, na medida em que esta convolação é possível.

Já dissemos que a noção de ato administrativo é aqui muito ampla. Nos termos do art. 103º
CPTA abrangem-se aqui processos dirigidos à declaração de ilegalidade de disposições contidas no
programa do concurso, no caderno de encargos ou em qualquer outro documento conformador do
procedimento de formação de contrato, designadamente com fundamento na ilegalidade das
especificações técnicas, económicas ou financeiras que constem desses documentos. Tratam-se,
verdadeiramente, de normas administrativas e não de atos administrativos.

Os processos do contencioso pré-contratual devem ser intentados no prazo de um mês, por qualquer pessoa
ou entidade com legitimidade nos termos gerais, sendo aplicável à contagem do prazo o disposto no n.º 3 do artigo 58.º e
nos artigos 59.º e 60.º.

Art. 101º CPTA - Prazo

No que respeita aos prazos, estes são relativamente curtos. Nos termos do art. 101º CPTA o
prazo é de um mês, independentemente do tipo de invalidade (ou seja, o prazo é de um mês ainda que
os atos sejam nulos). É este o prazo não apenas para os pedidos impugnatórios, mas também para os
pedidos condenatórios. Para além disso, é também este o prazo para o Ministério Público.

1. Os processos do contencioso pré-contratual obedecem à tramitação estabelecida no capítulo III do título II,
salvo o preceituado nos números seguintes.
2. Só são admissíveis alegações no caso de ser requerida ou produzida prova com a contestação.
3. Os prazos a observar são os seguintes:
a) 20 dias para a contestação e para as alegações, quando estas tenham lugar;
b) 10 dias para a decisão do juiz ou relator, ou para este submeter o processo a julgamento;
c) 5 dias para os restantes casos.
4. O objeto do processo pode ser ampliado à impugnação do contrato, segundo o disposto no artigo 63.º
(…)

Art. 102º CPTA - Tramitação

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Aulas teórico-práticas

No que respeita à tramitação, conforme retiramos da leitura do art. 102º CPTA, ela é bastante
mais rápida do que nos processos principais não urgentes. Os prazos (nº3) são curtos precisamente
porque se trata de um processo principal urgente. Nos termos do nº4, o objeto do processo pode ser
ampliado à impugnação do contrato, nos termos do art. 63º CPTA (se assim é, diz o prof. COLAÇO
ANTUNES, é porque a Administração não é assim tão lenta). Importa não descartar a hipótese, nos
termos do art. 4º CPTA, de uma cumulação de pedidos.

O tal efeito suspensivo processual que referimos está previsto no art. 103º-A CPTA. Este efeito
suspensivo não se aplica a qualquer ato procedimental mas apenas ao ato principal, isto é, ao ato de
adjudicação. A Administração, a entidade demandada e os contrainteressados (que são cada vez mais
a parte principal) podem requerer ao juiz o levantamento do efeito suspensivo.

No art. 103º-B CPTA está prevista a adoção de medidas provisórias, que têm um objeto
diferente do efeito suspensivo automático. O legislador quis acautelar situações que não tivessem por
objeto o ato de adjudicação.

No contencioso pré-contratual a própria Administração também está interessada neste


processo principal urgente, na medida em que pretende que o contrato que celebra seja estável.

2.2. Intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias (arts. 109º e ss. CPTA)

Qual o âmbito desta ação, de natureza essencialmente condenatória?

Nos termos do art. 109º CPTA, o âmbito desta ação poderia ser entendido de uma forma
relativamente restrita. O primeiro acórdão do STJ sobre este tipo de processos urgentes considerou
que esta ação só podia ser intentada no âmbito dos direitos, liberdades e garantias pessoais. A doutrina
tem vindo a alargar o âmbito desta ação, incluindo aqui também os direitos fundamentais de natureza
análoga aos direitos, liberdades e garantias. O prof. COLAÇO ANTUNES tem uma posição intermédia,
não tem um entendimento tão restrito como o deste primeiro acórdão, nem tão extenso como o da
jurisprudência e da doutrina. O prof. incluiria aqui os direitos fundamentais de natureza análoga os que
tenham uma relação intensa com valores como a dignidade da pessoa humana, quando estejam em
causa direitos fundamentais que não tenham uma natureza puramente instrumental. Esta impugnação
tem objetivos consideráveis e perenes, não a podemos banalizar, sob pena do seu descrédito.
Com a leitura do art. 109º CPTA percebe-se que a urgência deste processo principal não é
abstrata e presumida, é uma urgência concreta, objetiva. Há aqui uma certa ideia de subsidiariedade. A
providencia provisória pode ser decretada nos termos do art. 131º CPTA, no prazo de 48 horas.

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Deve ser adotada quando o decretamento provisório de uma providência cautelar não seja
suficiente para tutelar o bem jurídico, mas também nos casos em que não seja necessária uma decisão
de mérito no processo normal, no processo principal.
A decisão e seus efeitos estão previstos no art. 111º CPTA.

2.04.2019

2.3. Tutela cautelar

A tutela cautelar é um dos “calcanhares de Aquiles” do contencioso administrativo português


antes da reforma de 2002/2004, sendo que este regime foi alterado com a revisão de 2015. Assim era
porque na Lei de Processo nos Tribunais Administrativos a única providência cautelar em sentido
próprio era o pedido de suspensão da eficácia do ato. E mesmo o decretamento desta providência
cautelar não era fácil. O art. 66º desta lei consagrava três requisitos quer eram vistos,
jurisprudencialmente, como cumulativos:

i. Teria de haver um prejuízo;


ii. Do decretamento da providência cautelar da suspensão da eficácia do ato não podia resultar
um prejuízo grave para o interesse público;
iii. Do processo não podiam resultar indícios da ilegalidade da ação principal.

A existência destes três critérios, a par de um subprincípio da presunção da legalidade do ato,


fazia com que o juiz nem sequer analisasse o fumus boni iuris. O único critério era, no fundo, o periculum
in mora. Havia, portanto, um défice de tutela cautelar.
Contudo, a jurisprudência e a doutrina vêm fazer uma interpretação conforme à CRP, impondo
uma análise de acordo com o critério do fumus boni iuris (inspirada pela escola do uso alternativo do
Direito e pela jurisprudência do TJUE). Foi com base nestas duas fontes de inspiração que se começou
a ter em atenção a aparência de bom direito e a ponderação dos interesses envolvidos no processo
(não só da Administração mas também dos contrainteressados). Daí que a reforma de 2002/2004 tenha
provocado uma verdadeira revolução, que veio, desde logo, consagrar vários tipos de providências
cautelares:

 Providências cautelares conservatórias:

As providências cautelares conservatórias destinam-se a conservar a situação existente (a


titularidade de um direito, p. ex.).

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Aulas teórico-práticas

 Por outro lado, providências cautelares antecipatórias.

As providências cautelares antecipatórias visam prevenir um dano, obtendo antecipadamente


a disponibilidade de um bem ou gozo de um benefício a que o particular pretende ter direito.

1. Quem possua legitimidade para intentar um processo junto dos tribunais administrativos pode solicitar a
adoção da providência ou das providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, que se mostrem adequadas a
assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo.
2. As providências cautelares regem-se pela tramitação e são adotadas segundo os critérios previstos no presente
título, podendo consistir designadamente em:
a) Suspensão da eficácia de um ato administrativo ou de uma norma;
b) Admissão provisória em concursos e exames;
c) Atribuição provisória da disponibilidade de um bem;
d) Autorização provisória ao interessado para iniciar ou prosseguir uma atividade ou adotar uma conduta;
e) Regulação provisória de uma situação jurídica, designadamente através da imposição à Administração do
pagamento de uma quantia por conta de prestações alegadamente devidas ou a título de reparação provisória;
f) Arresto;
g) Embargo de obra nova;
h) Arrolamento;
i) Intimação para adoção ou abstenção de uma conduta por parte da Administração ou de um particular por
alegada violação ou fundado receio de violação do direito administrativo nacional ou do direito da União Europeia.

Art. 112º CPTA – Providências cautelares

Nem sempre é fácil distinguir uma medida antecipatória de uma medida conservatória. P. ex.,
a intimação para abstenção de comportamento de uma decisão que ordena uma demolição de um
prédio será conservatória ou antecipatória?

1. Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja
fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação
para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a
formular nesse processo venha a ser julgada procedente.

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Aulas teórico-práticas

2. Nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada
quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua
concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados
pela adoção de outras providências.
3. As providências cautelares a adotar devem limitar-se ao necessário para evitar a lesão dos interesses
defendidos pelo requerente, devendo o tribunal, ouvidas as partes, adotar outra ou outras providências, em cumulação ou
em substituição daquela ou daquelas que tenham sido concretamente requeridas, quando tal se revele adequado a evitar
a lesão desses interesses e seja menos gravoso para os demais interesses públicos ou privados, em presença.
(…)

Art. 120º CPTA – Critérios de decisão

Esta dificuldade levou o legislador a alterar os critérios para o decretamento das providências
cautelares, que estão previstos no art. 120º CPTA. Os critérios são os mesmos, mas a relação entre eles
alterou-se com a redação de 2015. Os critérios são: o fumus boni iuris (nº1), o periculum in mora (nº1) e a
ponderação dos interesses envolvidos (nº2).
Saliente-se que o juiz pode afastar-se da providência cautelar pedida ou cumulá-la com outras:
o legislador entendeu que esta é a melhor forma de assegurar uma justiça material e a igualdade das
partes. Isto quer dizer que há um fumus boni iuris e também um fumus males: o juiz pode entender que
apesar de haver aparência de bom direito, ponderando as vantagens e inconvenientes, que a
providência cautelar deve ser recusada. São aqui tidos em conta as pretensões dos contrainteressados.
Na reforma de 2002/2004 havia um predomínio do critério do fumus boni iuris, quando o juiz
se convencesse da altíssima probabilidade da procedência do pedido principal, não recorria aos outros
dois critérios. Agora, não é assim, mesmo que haja essa aparência, o juiz deve sempre ter em
consideração os outros dois critérios, os danos que as partes podem sofrer e o perigo na demora.
2.3.1. Caraterísticas fundamentais da tutela cautelar

O art. 112º CPTA consagra o princípio da universalidade das providências cautelares,


desde que estas se mostrem adequadas a salvaguardar a eficácia da sentença.
As caraterísticas principais da tutela cautelar são a sumariedade, a instrumentalidade e a
provisoriedade.
A sumariedade refere-se ao aspeto cognitivo do juízo. Em virtude da ideia de urgência, o juiz
faz uma análise sumária da existência dos pressupostos de facto do direito que devem fundamentar o
decretamento da providência cautelar. Normalmente há a ideia de que o juízo é de probabilidade. Não

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Aulas teórico-práticas

é bem assim, o juiz deve conhecer e deve exigir a prova dos fundamentos dos requisitos que enforma
o pedido da providência cautelar. O prof. COLAÇO ANTUNES entende que o objeto de prova, no
processo cautelar, não é o mesmo que o do processo principal. Enquanto que no processo cautelar o
juiz forma a sua convicção sobre a probabilidade da existência dos pressupostos de facto do direito,
no processo principal o juiz forma a sua convicção na base do conhecimento e prova efetiva dos
pressupostos da existência do direito. Não é tanto a superficialidade, mas a diversidade do objeto que
se distingue no processo cautelar e principal. Esta sumariedade transparece em vários artigos: 116º,
nº2, al. d CPTA, 118º, nºs 2, 3 e 6 CPTA.
Quanto à caraterística da instrumentalidade, no nosso Direito Processual Administrativo, o
processo cautelar depende sempre da existência de um processo principal (art. 113º, nº1 CPTA). NOTA:
a jurisprudência tem entendido que o processo cautelar pode ser intentado durante o processo
principal. Esta ideia também resulta do art. 123º CPTA. Não é assim em todos os ordenamentos
jurídicos. P. ex., no Direito Processual Administrativo francês e alemão podem propor-se processos
cautelares independentemente da existência de processos principais. A instrumentalidade também está
presente no art. 114º, nºs 2 e 3 CPTA.
Finalmente, quanto à caraterística da provisoriedade, esta resulta, desde logo, do facto de as
providências cautelares só se manterem até à prolação e respetiva execução da sentença principal (a
não ser nos casos excecionais, previstos no art. 121º CPTA, em que se pode convolar processos
cautelares em processos principais). Esta característica da provisoriedade pode detetar-se no art. 113º,
nº4 CPTA, que insinua a ideia de que a justiça cautelar tem como objeto uma situação concreta e,
portanto, o legislador entendeu que o requerente possa proceder à alteração ou ampliação do pedido
com base na alteração superveniente dos pressupostos de facto e de direito. Esta ideia está também
presente no art. 124º CPTA.

O art. 126º CPTA diz respeito à utilização abusiva das providências cautelares.

Uma outra norma relevante é a do art. 128º CPTA (proibição de executar o ato administrativo).
De certa forma, poderíamos entender que o art. 128º CPTA abre a possibilidade da suspensão da
eficácia do ato. Contudo, podemos colocar algumas críticas: por um lado, há aqui um certo
esquecimento dos contrainteressados; por outro lado, quem faz a avaliação do dano especial para o
interesse público? Em princípio, deve ser o juiz e não a Administração, pois esta é uma parte
(interessada). Parece que, muitas vezes, os juízes, sobretudo dos tribunais administrativos e fiscais, têm
dificuldade em considerar devidamente fundamentada uma resolução apresentada pela Administração,
deixando transparecer a ideia de que se está a fazer uma interpretação dos critérios para o decretamento
das providências cautelares utilizando de forma soberana o critério do fumus boni iuris. O art. 128º CPTA

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Aulas teórico-práticas

é interpretado, talvez, de forma demasiado garantística, não respeitando os critérios atualmente em


vigor para o decretamento das providências cautelares

Quanto à suspensão da eficácia de normas, rege o art. 130º CPTA. Até à reforma de 2002/2004,
esta suspensão da eficácia de normas não era possível. Estamos a referir-nos a normas imediatamente
operativas, sem necessidade de concretização por um ato administrativo (“cujos efeitos se produzam
imediatamente, sem dependência de um ato administrativo ou jurisdicional de aplicação”).

Quanto ao decretamento provisório da providência, rege o art. 131º CPTA, nos termos do qual
o juiz pode, no despacho liminar, a pedido do requerente ou a título oficioso, quando reconheça a
existência de uma situação de especial urgência, passível de dar causa a uma situação de facto
consumada na pendência do processo, decretar provisoriamente a providência requerida ou aquela que
julgue mais adequada. Também aqui transparece uma ideia de provisoriedade. De qualquer modo, o
prof. COLAÇO ANTUNES crê que é exigido, por parte do juiz, a verificação dos pressupostos previstos
no art. 116º CPTA, que se refere ao despacho liminar. Saliente-se que o decretamento provisório não
é passível de impugnação, o que não impede, no entanto, o juiz de o revogar ou alterar.

1. Quando, existindo processo principal já intentado, se verifique que foram trazidos ao


processo cautelar todos os elementos necessários para o efeito e a simplicidade do caso ou a
urgência na sua resolução definitiva o justifique, o tribunal pode, ouvidas as partes pelo prazo de 10
dias, antecipar o juízo sobre a causa principal, proferindo decisão que constituirá a decisão final desse processo.
2. O recurso da decisão final do processo principal, proferida nos termos do número anterior, tem efeito
meramente devolutivo.

Art. 121º CPTA – Decisão da causa principal


A figura prevista no art. 121º CPTA é a convolação de processos cautelares em processos
principais. A título de exemplo destaca-se o art. 132º, nº5 CPTA. A convolação permite acelerar certos
processos que não são processos urgentes principais. A interpretação dos pressupostos de que depende
a possibilidade de convolar processos cautelares em processos principais deve ser bastante restrita.
Esses pressupostos estão previstos no nº1 do art. 121º CPTA:
 O juiz deve estar na posse de todos os elementos necessários e fundamentais para julgar;
 O caso deve ser simples ou então deve a urgência na sua resolução justificar essa
convolação.
Formalmente, o processo cautelar não se transforma em processo principal, mas, de facto, é
isso que acontece, desde que preenchidos os requisitos referidos.

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Aulas teórico-práticas

9.04.2019

2.4. Contencioso eleitoral

1. Os processos do contencioso eleitoral são de plena jurisdição e podem ser intentados por quem, na eleição em causa,
seja eleitor ou elegível ou, quanto à omissão nos cadernos ou listas eleitorais, também pelas pessoas cuja inscrição haja
sido omitida.
2. Na falta de disposição especial, o prazo de propositura de ação é de sete dias a contar da data em que seja possível o
conhecimento do ato ou da omissão.
3. Nos processos abrangidos pelo contencioso eleitoral, a ausência de reação contra os atos relativos à exclusão, inclusão
ou omissão de eleitores ou elegíveis nos cadernos eleitorais, e demais atos com eficácia externa anteriores ao ato eleitoral,
assim como de cada ato eleitoral adotado no âmbito de procedimentos encadeados impede o interessado de reagir contra
as decisões subsequentes com fundamento em ilegalidades de que enfermem os atos anteriormente praticados.
(…)

Art. 98º CPTA – Contencioso eleitoral

O contencioso eleitoral, tal como o contencioso pré-contatual, insere-se na ação administrativa


urgente, e ambos eram anteriormente designadas por impugnações urgentes. Como algumas destas
impugnações são também pedidos condenatórios, o legislador alterou a designação de impugnação
para ação administrativa urgente.
Esta matéria está contemplada no art. 98º CPTA. Em matéria de eleições, o prof. COLAÇO
ANTUNES entende que é uma das matérias em que se justifica uma justiça administrativa efetiva, plena

e urgente, na medida em que os direito de eleger e de ser eleito são direitos fundamentais de
participação política, para os quais a duração normal dos processos não seria suficiente. Da mesma
forma, são também insuficientes os processos cautelares, na medida em que estes bens jurídicos
fundamentais que têm a ver com direitos de participação política dificilmente se harmonizam com a
solução provisória típica dos processos cautelares.
Quanto às eleições aqui em causa, são relativas à designação de órgãos eletivos de pessoas
coletivas de Direito Público, especialmente no âmbito da Administração Autónoma não territorial,
porque nas eleições relativamente à Administração Autónoma, p. ex., regional, a competência é dos
tribunais comuns. Abrange este contencioso eleitoral também eleições relativamente a órgãos de
entidades inseridas na Administração direta e indireta, como p. ex., alguns estabelecimentos públicos.
O prof. COLAÇO ANTUNES entende que não cabe no contencioso eleitoral a apreciação de qualquer

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Aulas teórico-práticas

litígio de natureza eleitoral que envolva pessoas jurídicas privadas, ainda que atuem no âmbito de
exercício de poderes jurídico-administrativos.
O legislador de 2015 introduziu uma alteração ao regime estabelecido pela reforma de
2002/2004, que apontava para um contencioso unitário. Não está apenas em apreciação o ato eleitoral
mas sim todos os atos que envolvem o procedimento eleitoral. Nesta medida, apontou-se para um
princípio de aquisição progressiva, que se pode ver no nº3 do art. 98º CPTA. Este princípio tem a
ver com a preocupação da estabilidade do universo eleitoral.
Diz o nº1 do art. 98º CPTA que os processos do contencioso eleitoral são de plena jurisdição.
Significa isto que este processo de contencioso eleitoral engloba também a possibilidade de condenação
imediata das autoridades administrativas para assegurar imediatamente a inscrição nos cadernos
eleitorais, a exclusão de candidatos ou a recusa de candidaturas. Não é um contencioso estritamente
condenatório. O juiz tem os poderes mais reforçados, não se resumindo aos poderes impugnatórios.
Terá legitimidade para propor uma ação desta natureza (legitimidade processual ativa), nos
termos do nº1 do art. 98º CPTA, quem seja eleitor ou elegível, ou quanto à omissão nos cadernos ou
lista, também as pessoas cuja inscrição haja sido omissa.
Como se trata de um processo principal urgente, o prazo de propositura da ação é de sete dias
a contar da data em que seja possível o conhecimento do ato ou da omissão (art. 98º, nº2 CPTA).

(…)
4. Os prazos a observar durante a tramitação do processo são os seguintes:
a) Cinco dias para a contestação;
b) Cinco dias para a decisão do juiz ou do relator, ou para este submeter o processo a julgamento;
c) Três dias para os restantes casos.
(…)

Art. 98º CPTA – Contencioso eleitoral

A tramitação a observar é relativamente simplificada e célere, como decorre do nº4 do art. 98º
CPTA.

2.5. Procedimento de massa

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Aulas teórico-práticas

1. Para os efeitos do disposto na presente secção, e sem prejuízo de outros casos previstos em lei especial, o contencioso
dos atos administrativos praticados no âmbito de procedimentos de massa compreende as ações respeitantes à prática ou
omissão de atos administrativos no âmbito de procedimentos com mais de 50 participantes, nos seguintes domínios:
a) Concursos de pessoal;
b) Procedimentos de realização de provas;
c) Procedimentos de recrutamento.
2. Salvo disposição legal em contrário, o prazo de propositura das ações a que se refere o presente artigo é de um mês e
as ações devem ser propostas no tribunal da sede da entidade demandada.
(…)
5. Os prazos a observar durante a tramitação do processo são os seguintes:
a) 20 dias para a contestação;
b) 30 dias para a decisão do juiz ou do relator, ou para o despacho deste a submeter o processo a julgamento;
c) 10 dias para os restantes casos.
(…)

Art. 99º CPTA – Contencioso dos procedimentos de massa

Há aqui dois requisitos cumulativos:

1. Estas ações são respeitantes à prática ou omissão de atos administrativos no âmbito de


procedimentos com mais de 50 participantes;
2. Estes procedimentos com mais de 50 participantes têm que dizer respeito a um
determinado universo:
a. Concursos de pessoal;
b. Procedimentos de realização de provas;
c. Procedimentos de recrutamento.

Curiosamente, poderia haver aqui referência a outros procedimentos de massa, como p. ex. as
ações populares. Talvez não haja esta referência porque a ação popular está regulada em diploma
próprio (Lei nº 83/95, de 31 de agosto).

Quais as pretensões deduzíveis?

Apenas pedidos de anulação ou reclamações de nulidade e pedidos de condenação à prática de


atos administrativos. Quaisquer outros pedidos não são aqui admitidos no âmbito do contencioso de
massas.

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Aulas teórico-práticas

O prazo de propositura das ações é de um mês e as ações devem ser propostas no tribunal da
sede da entidade demandada (art. 99º, nº2 CPTA).

O nº4 do art. 99º CPTA consagra o princípio da concentração de processos, que tem,
naturalmente, que ver com a preocupação de obter uma maior uniformidade das decisões
jurisprudenciais.

2.6. Intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de


certidões

Esta matéria está regulada nos arts. 104º a 108º CPTA. A intimação para a prestação de
informações, consulta de processos ou passagem de certidões era, antes, um processo cautelar, com
muitas limitações. É certo que, embora literalemente a lei não fizesse referência à prestação de
informações, quer a doutrina, quer a jurisprudência entendiam que este processo englobava também
as pretensões informativas.

Será que se justifica a existência de um processo urgente principal quanto a esta matéria?

Há uma certa controvérsia na doutrina quanto à consagração destes processos como principais
urgentes. Muitas vezes os pedidos de informação são um pouco “caprichosos”. Para além de que nem
todas as informações carecem de uma resposta célere e urgente. O prof. COLAÇO ANTUNES entende
que o legislador se inclinou para esta posição com base numa ideia de transparência administrativa, por
um lado, e com base numa ideia de que estas pretensões materiais são fáceis de prestar, por outro lado.
Talvez estas duas razões associadas tenham contribuído para esta solução.

Tratam-se de ações de condenação que visam a adoção, em regra pela Administração, de


comportamentos em sentido amplo (p. ex., atos jurídicos, omissões, atos materiais, etc).
Quanto ao âmbito destas ações principais urgentes, nos termos do nº1 do art. 104º CPTA,
estas intimações englobam tanto o direito à informação procedimental como o direito à informação
não procedimental.
Os pressupostos substantivos e procedimentais são definidos por lei (nomeadamente em
matéria da Lei de Acesso aos Documentos Administrativos). Estarão, naturalmente, definidos e
limitados certos segredos públicos.
Nos termos do nº2 do art. 104º CPTA, o pedido de intimação é igualmente aplicável nas
situações previstas no nº2 do art. 60º, e pode ser utilizado pelo Ministério Público para efeitos do
exercício da ação pública. Ou seja, pode ser utilizado como processo cautelar ao abrigo do art. 60º

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Aulas teórico-práticas

CPTA. É preciso conjugar o art. 104º CPTA com o art. 106º CPTA e ainda com o art. 60º CPTA.
Verifica-se, nos termos do art. 106º CPTA, um efeito interruptivo.

1. A intimação deve ser requerida contra a pessoa coletiva de direito público, o ministério ou a secretaria
regional cujos órgãos sejam competentes para facultar a informação ou a consulta, ou passar a certidão.
2. Quando o interessado faça valer o direito à informação procedimental ou o direito de acesso aos arquivos e
registos administrativos, a intimação deve ser requerida no prazo de 20 dias, a contar da verificação de qualquer dos
seguintes factos:
a) Decurso do prazo legalmente estabelecido, sem que a entidade requerida satisfaça o pedido que lhe foi
dirigido;
b) Indeferimento do pedido;
c) Satisfação parcial do pedido.

Art. 105º CPTA - Pressupostos

Quanto aos pressupostos desta intimação, nos termos do art. 105º CPTA, esta deve ser
requerida contra a pessoa coletiva de Direito Público, o ministério ou a secretaria regional cujos órgãos
sejam competentes para facultar a informação ou a consulta, ou passar a certidão (nº1). A intimação
deve ser requerida no prazo de 20 dias a contar da verificação de qualquer um dos factos previstos no
nº2.
No que toca à legitimidade, têm legitimidade processual ativa os titulares do direito à
informação. Há aqui, no entender do prof. COLAÇO ANTUNES, um pressuposto processual específico:
o interessado deve fazer um pedido prévio de acesso à informação, e só depois é que é legítimo recorrer
a este tipo de ação. Quanto à legitimidade passiva aplica-se o disposto no art. 10º, nº2 CPTA.

Qual a natureza do indeferimento do pedido? Ou até o decurso do prazo legalmente estabelecido?

Não são atos administrativos. Deve entender-se, para este efeito, que são atos materiais.

1. Deduzido o pedido de intimação, a secretaria promove oficiosamente a citação da entidade demandada e dos
contrainteressados para responder no prazo de 10 dias.
2. Apresentada a resposta ou decorrido o respetivo prazo e concluídas as diligências que se mostrem necessárias, o juiz
profere decisão no prazo de cinco dias.

Art. 107º CPTA – Tramitação

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Aulas teórico-práticas

A tramitação desta intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou


passagem de certidões é bastante simples (art. 107º CPTA).
A decisão (art. 108º CPTA) tem natureza condenatória. O juiz determina o prazo em que a
intimação deve ser cumprida (máximo de 10 dias). Se houver incumprimento sem justificação aceitável,
deve o juiz determinar a aplicação de sanções pecuniárias compulsórias, sem prejuízo do apuramento
da responsabilidade civil, disciplinar e criminal a que haja lugar.
Havendo alguma margem de apreciação por parte dos órgãos administrativos, não é possível
uma sentença sub-rogatória. Não é este o entendimento do prof. COLAÇO ANTUNES. Normalmente
estes processos seguem o processo executivo fungível. Há dois tipos de execução: uma execução
substitutiva, quando o ato é estritamente vinculado, caso em que o próprio tribunal emite sentença que
produz os efeitos do ato omitido; e uma execução “sub-rogatória” ou indireta, na qual o juiz tem
poderes executivos de chamar à execução da sentença quer os órgãos superiores hierárquicos, quer até
órgãos de outras entidades administrativas. É nesta medida que o prof. COLAÇO ANTUNES não entende
porque não poderá haver uma verdadeira execução sub-rogatória. São atos que se podem inserir stricto sensu
na atividade administrativa? São órgãos administrativos que praticam estes atos ou são órgãos auxiliares do juiz? Ou
serão atos judiciais em sentido amplo? O prof. COLAÇO ANTUNES não entende que haja aqui grandes
obstáculos, mesmo quando o órgão administrativo tem alguma margem de decisão, a uma execução
sub-rogatória ou indireta.

23.04.2019

3. Elementos da causa

A doutrina processualista costuma falar em elementos essenciais da causa, identificando


como tais as partes e a existência de um tribunal. Para além destes, o problema esmiúça-se através da
análise dos contrainteressados e cointeressados. Mais ainda: poderíamos acrescentar como elementos
ou condições de validade das ações o pedido, a causa de pedir e o objeto.
Na ação administrativa, a falta de algum destes elementos implica, nos termos do art. 80º
CPTA, a recusa pela secretaria do recebimento da petição inicial, que neste caso sofreria de ineptidão.
Conforme dispõe o nº1, a secretaria recusa o recebimento da petição inicial quando se verifique algum
dos seguintes factos:

a) Não tenha endereço ou esteja endereçada a outro tribunal ou autoridade;

66
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Aulas teórico-práticas

b) No caso de referir a existência de contrainteressados, não proceder à cabal indicação


do respetivo nome e residência, sem prejuízo do disposto no artigo 78.º-A;
c) Omita qualquer dos elementos a que se referem as alíneas b), c), d) e h) do n.º 2 do
artigo 78.º;
d) Não tenha sido junto nenhum dos documentos comprovativos previstos no n.º 1 do
artigo 79.º;
e) Não esteja redigida em língua portuguesa;
f) Não esteja assinada;

Este artigo deve ser conjugado com o art. 78º, nº2 CPTA, que enumera uma série de requisitos
da petição inicial. Nos termos deste artigo, deve o autor:

a) Designar o tribunal em que a ação é proposta;


b) Identificar as partes, incluindo eventuais contrainteressados, indicando os seus nomes,
domicílios ou sedes e, sempre que possível, não se tratando de entidades públicas,
números de identificação civil, de identificação fiscal ou de pessoa coletiva, profissões
e locais de trabalho;
c) Indicar o domicílio profissional do mandatário judicial;
d) Indicar a forma do processo;
e) Identificar o ato jurídico impugnado, quando seja o caso;
f) Expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que
servem de fundamento à ação;
g) Formular o pedido;
h) Declarar o valor da causa.

3.1. Partes

São partes necessárias ou principais o demandante (autor da ação) e a entidade demandada


(contra a qual é a ação é proposta ou a quem é exigível uma dada providência judiciária; e são, em regra,
pessoas coletivas de Direito Público, podendo, no entanto, nos termos do art. 37º, nº3 CPTA, ser
particulares).
Ao lado das partes principais surgem os contrainteressados. Na linguagem processual anterior
à reforma de 2002/2004 os contrainteressados eram partes principais. O prof. COLAÇO ANTUNES diria
que os contrainteressados são partes em sentido próprio: quando no art. 95º CPTA se fala em “partes”
deve incluir-se os contrainteressados. Os contrainteressados são aqueles que pretendem que não se dê

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Aulas teórico-práticas

provimento ao pedido apresentado pelo autor contra a entidade administrativa em causa (art. 57º
CPTA). Os contrainteressados têm poderes processuais próprios das partes: podem contestar e até
recorrer (arts. 68º, nº2, 78º, nº2, al. b, 80º, nº1, al. b, 81º, 94º, nº4, al. e, 114º, nº3, al. d, 115º, 116º, 117º,
120º e 177º CPTA). Para além das partes principais e dos contrainteressados, temos ainda os
cointeressados, que têm interesse em que o autor tenha sucesso no seu pedido, têm interesse em que
o tribunal dê provimento à pretensão formulada pelo autor. Os contrainteressados e os
contrainteressados cabem na categoria mais ampla dos assistentes, partes acessórias que têm interesse
em que uma das partes ganhe a ação.

Há situações de dualidade de partes. É o caso, p. ex., da coligação (art. 12º CPTA), ou do


litisconsórcio, que pode ser ativo ou passivo (art. 10º, nº6 e 9 CPTA). Enquanto que na coligação há
uma pluralidade de pedidos, no litisconsórcio há unidade de pedidos.

Depois temos ainda a posição do Ministério Público, que tem uma espécie de “dupla
personalidade”. O Ministério Público aparece como parte principal quando impugna um ato ou norma
administrativa, ou como parte acessória quando atua em defesa ou representação do Estado (em defesa
da legalidade ou interesse público). O prof. COLAÇO ANTUNES entende que o Ministério Público não
devia atuar em defesa do interesse público, isso deveria caber aos serviços jurídicos da Administração
Pública. A intervenção do Ministério Público deve, no entender do prof., ser confinada à defesa da
legalidade administrativa. O Ministério Público é, portanto, uma parte acessória especialíssima, na
medida em que não tem poderes tão confinados como normalmente têm as partes acessórias, podendo
invocar vícios que não foram alegados pelo autor principal.

3.2. Pedido

O pedido é o efeito pretendido pelo autor com a propositura de uma ação. Na medida em que
se reporta a esses efeitos, o pedido pode, em virtude da natureza diversa dos efeitos pretendidos, ser
impugnatório, condenatório ou declarativo.

No caso das providências cautelares (art. 120º, nº 3 CPTA), há uma espécie de compressão do
princípio do pedido, na medida em que o tribunal pode adotar outras previdências em cumulação ou
em substituição daquelas concretamente requeridas.

3.3. Causa de pedir

A causa de pedir envolve duas ideias diferentes: um conjunto de factos concretos que alicerçam
o pedido, por um lado, e as razões de direito que sustentam esse pedido, por outro. Na grande parte

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Aulas teórico-práticas

das vezes, um pedido processual alicerça-se em várias causas de pedir, especialmente se for
impugnatório.

A causa de pedir equivale à invalidade do ato em termos unitários ou há um concurso de causa de pedir?

Os processualistas de Lisboa entendem que as causas de pedir equivalem à invalidade do ato


em termos unitários. O prof. COLAÇO ANTUNES concorda com VIEIRA DE ANDRADE, que diz que há
concurso de causas de pedir.
Podemos ter um ato materialmente bom e formalização ser insuficiente, e vice-versa.
Um outro argumento para sustentar a existência de concurso de causas de pedir é o seguinte:
se as causas de pedir fossem redutíveis à ilegalidade do ato em sentido unitário não teríamos de invocar
todas as ilegalidades do ato? Basta que o tribunal reconheça algumas das causas para invalidar a atuação
da Administração Pública? Não precisa de dar razão a todos?

3.4. Objeto

Aqui falamos no objeto em sentido mediato, porque o objeto imediato tem a ver com o
conteúdo da relação jurídica materialmente controvertida, com o conteúdo da causa, da pretensão. O
que nos interessa aqui é, portanto, o objeto mediato – o que é objeto de controvérsia e impugnação?
Um ato? Uma norma? Um contrato? O prof. COLAÇO ANTUNES valoriza muito esta noção de objeto
mediato.

4. Pressupostos processuais

Pressupostos processuais são os elementos de cuja verificação depende, num determinado


processo, o poder-dever do juiz de se pronunciar sobre o fundo da causa, isto é, de apreciar o mérito
do pedido formulado e de sobre ele proferir uma decisão. São condições para o juiz possa decidir do
mérito. Na falta absoluta destes pressupostos, o juiz está impedido de decidir de fundo sobre um
determinado litígio, formando-se uma exceção dilatória, de acordo com os arts. 89º CPTA e 576º, nº2
e 577º CPC, que levam à absolvição do réu da instância.
Há várias formas de tratar a matéria dos pressupostos processuais, há pressupostos absolutos
e pressupostos relativos, pressupostos gerais, pressupostos positivos e pressupostos negativos, etc. O
prof. COLAÇO ANTUNES “arruma-os” da seguinte forma:

1. Pressupostos relativos ao tribunal;


2. Pressupostos relativos aos sujeitos/partes processuais;
3. Pressupostos relativos ao processo

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Aulas teórico-práticas

4.1. Pressupostos relativos ao tribunal

Arts. 13º e ss. CPTA

NOTA: O CPC é aqui de aplicação subsidiária. O processo administrativo “civilizou-se” muito


desde a reforma de 2002/2004, e depois ainda mais com a reforma de 2015.

→ Competência

Só há um único pressuposto relativo ao tribunal – o pressuposto da competência. A


competência pode ser vista em termos absolutos ou relativos. Falamos de competência absoluta
quando está em causa a atribuição de competência aos tribunais administrativos e fiscais ou aos
tribunais judiciais, e falamos de competência relativa quando está em causa a atribuição da causa a um
tribunal administrativo determinado (a competência relativa está preenchida se o tribunal onde se
instaura a ação é competente em razão da matéria, da hierarquia e do território). No Direito Processual
Administrativo só a incompetência absoluta pode gerar consequências da falta de um pressuposto
processual, ao contrário do que sucede no Direito Processual Civil. Ou seja, só a incompetência
absoluta impede o conhecimento do mérito da causa e pode produzir a absolvição da instância. Em
caso de incompetência relativa haverá remessa oficiosa do processo para o tribunal competente (art.
14º, nºs 2 e 3 CPTA).
A competência do tribunal fixa-se, nos termos do art. 5º ETAF, no momento da propositura
da ação, sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente – é o
princípio da perpetuação da competência do foro.
Conforme dispõe o art. 13º CPTA, o âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos
tribunais administrativos, em qualquer das espécies, é de ordem pública, ou seja, não carece de ser
alegada, e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria.
O art. 14º CPTA regula as situações em que a petição é dirigida a tribunal incompetente.
Importa distinguir duas situações, conforme se trate de incompetência relativa ou absoluta:

→ O art. 14º, nº1 CPTA refere-se a situações de incompetência relativa, casos em que
o processo é oficiosamente remetido ao tribunal administrativo competente;
→ Já as situações de incompetência absoluta estão previstas no nº2, nos termos do qual o
interessado pode, dentro de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão que
declare a incompetência, requerer a remessa do processo ao tribunal competente.

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O art. 15º CPTA trata da extensão da competência à decisão de questões prejudiciais. O juiz
pode, quando o conhecimento do objeto da ação dependa (no todo ou em parte) da decisão de uma
ou mais questões da competência de um tribunal de outra jurisdição, sobrestar na decisão até que o
tribunal competente se pronuncie (suspensão da instância), conforme dispõe o nº1, ou então a
questão prejudicial é decidida com efeitos restritos ao processo administrativo se a ação da competência
do tribunal de outra jurisdição não for proposta no prazo de dois meses ou se ao processo não for
dado andamento por negligência das partes (nºs 2 e 3).

4.2. Pressupostos relativos às partes

1. A personalidade e a capacidade judiciárias consistem, respetivamente, na suscetibilidade de ser parte e na de


estar por si em juízo.
2. Tem personalidade judiciária quem tenha personalidade jurídica, e capacidade judiciária quem tenha
capacidade de exercício de direitos, sendo aplicável ao processo administrativo o regime de suprimento da incapacidade
previsto na lei processual civil.
3. Para além dos demais casos de extensão da personalidade judiciária estabelecidos na lei processual civil, os
ministérios e os órgãos da Administração Pública têm personalidade judiciária correspondente à legitimidade ativa e
passiva que lhes é conferida pelo presente Código.
4. Nas ações indevidamente propostas contra ministérios, a respetiva falta de personalidade judiciária pode ser
sanada pela intervenção do Estado e a ratificação ou repetição do processado.
5. A propositura indevida de ação contra um órgão administrativo não tem consequências processuais, nos
termos do n.º 4 do artigo 10.º

Art. 8º-A CPTA – Personalidade e capacidade judiciárias

NOTA: o prof. COLAÇO ANTUNES chamou particular atenção para os nºs 3 e 4.

→ Personalidade judiciária

A personalidade judiciária, que se define como “a suscetibilidade de ser parte no processo”


é um primeiro pressuposto processual relativo às partes. Consiste na possibilidade de requerer ou de
contra si ser requerida, em nome próprio, qualquer das providências de tutela jurisdicional
reconhecidas na lei. Art. 10º CPTA – critérios de aferição da personalidade judiciária.

→ Capacidade judiciária

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Aulas teórico-práticas

A capacidade judiciária é a suscetibilidade de uma pessoa estar por si em juízo. A


autonomização deste pressuposto em face da personalidade judiciária releva nos casos em que se
verifiquem limites à capacidade de exercício. No que diz respeito às entidades públicas, a capacidade é
determinada pela competência do órgão para representar a pessoa coletiva. No caso do Estado, este é
representado pelo Ministério Público (art. 11º, nº1 CPTA).

O art. 11º CPTA diz respeito ao patrocínio judiciário e representação em juízo. Conforme
dispõe o nº1, nos tribunais administrativos é obrigatória a constituição de mandatário nos termos
previstos no CPC, podendo as entidades públicas fazer-se patrocinar em todos os processos por
advogado, solicitador, ou até licenciado em Direito ou em Solicitadoria. O Estado é sempre
representado pelo Ministério Público.

→ Legitimidade processual

A legitimidade processual (ativa e passiva) estão reguladas nos arts. 9º e 10º CPTA,
respetivamente. A legitimidade processual é uma condição cuja verificação é indispensável à obtenção
de uma pronúncia judicial sobre o mérito da causa. A legitimidade pode ser, como sabemos, ativa ou
passiva.

1. Sem prejuízo do disposto no número seguinte e no capítulo II do título II, o autor é considerado parte
legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida.
2. Independentemente de ter interesse pessoal na demanda, qualquer pessoa, bem como as associações e
fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias locais e o Ministério Público têm legitimidade para propor e
intervir, nos termos previstos na lei, em processos principais e cautelares destinados à defesa de valores e bens
constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a
qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais, assim
como para promover a execução das correspondentes decisões jurisdicionais.

Art. 9º CPTA – Legitimidade ativa

No que diz respeito à legitimidade processual ativa, importa referir os arts. 9º CPTA e 26º
CPC. A legitimidade ativa implica que o interessado seja efetivamente o titular do direito que invoca.
A titularidade da relação jurídica afere-se pela forma como ela foi invocada na petição, isto é, em função
da titularidade de um direito ou interesse legalmente protegido. Ou seja, e conforme dispõe o nº1 do
art. 9º CPTA, o autor é parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida. A

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Aulas teórico-práticas

legitimidade processual passiva pertencerá à parte que é titular do dever correspondente ao direito
invocado na relação material controvertida (em regra, uma pessoa coletiva pública).
O art. 9º, nº2 CPTA amplia o conceito de legitimidade processual ativa, nomeadamente quando
estão em causa os chamados “interesses difusos”. Não se exige aqui interesse pessoal e direito na
demanda, tem legitimidade qualquer pessoa, associações ou fundações defensoras dos interesses em
causa, autarquias locais e ainda o Ministério Público.
O legislador optou por uma das teses de controvérsia entre processualistas: fazer referência à
titularidade da relação jurídica tal como foi invocada na petição inicial vs. fazer referência à titularidade
de relação jurídica real (o legislador optou pela primeira).

Quer isto dizer que a legitimidade processual ativa é bastante “generosa”. Daí que exista um
pressuposto processual relativo ao processo que tem muito que ver com legitimidade processual ativa,
que é o interesse processual, o interesse em agir: tem que haver uma necessidade efetiva, real e atual
de tutela jurídica. Esse pressuposto relativo ao processo está no art. 39º CPTA. O legislador exige uma
verificação objetiva da existência de um interesse real e atual, isto é, da utilidade da procedência do
pedido.
Há quem entenda que a legitimidade incluiria o conceito de interesse processual. O prof.
COLAÇO ANTUNES entende que, independentemente desta controvérsia (de se reconhecer ou não a
autonomia do pressuposto do interesse processual), a verdade é que é essencial a verificação objetiva
de um interesse real e atual. Não basta invocar a titularidade de um direito ou interesse legalmente
protegido, até porque se assim fosse não teria explicação a legitimidade processual bastante ampla em
matéria de ação popular ou ação pública levada a cabo pelo Ministério Público, porque aí não está em
causa a titularidade de nenhum direito ou interesse legalmente protegido, mas sim a tutela de bens de
fruição coletiva, de bens comuns, que de certa forma se poderiam reconduzir a interesses públicos mas
não inteiramente personalizados no Estado. O prof. COLAÇO ANTUNES entende que estes interesses
difusos, no nosso ordenamento jurídico, deveriam ser crismados como direitos plurisubjetivos (sendo
direitos fundamentais de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, tal como consagrados
no art. 66º CRP), e não como meros interesses.

1. Não pode impugnar um ato administrativo com fundamento na sua mera anulabilidade quem o tenha
aceitado, expressa ou tacitamente, depois de praticado.
2. A aceitação tácita deriva da prática, espontânea e sem reserva, de facto incompatível com a vontade de
impugnar.

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3. A execução ou acatamento por funcionário ou agente não se considera aceitação tácita do ato executado ou
acatado, salvo quando dependa da vontade daqueles a escolha da oportunidade da execução.

Art. 56º CPTA – Aceitação do ato

Importa referir a figura da aceitação do ato (art. 56º CPTA). Trata-se de uma figura anómala,
nas palavras do prof. COLAÇO ANTUNES, que consiste na impossibilidade de impugnação judicial do
ato pela parte que anteriormente já o tinha aceitado ou com o qual havia concordado. Trata-se, por
isso, de um pressuposto processual negativo. Esta aceitação do ato não deve se confundida nem com
a renúncia ao direito de impugnar nem com a queda do prazo, nem também com a extinção do direito
ou interesse legalmente protegido (neste último caso doutrina faz decorrer a aceitação do ato, e de
certa maneira a caducidade do direito da ação, da extinção do direito ou interesse legalmente protegido
- primeiro extinguir-se-ia direito, que teria como consequência a caducidade ao direito de ação).
O prof. COLAÇO ANTUNES entende que o legislador quis, por razões de economia processual,
associar um efeito processual a determinadas condutas dos particulares litigantes quando estes
manifestem um comportamento pouco atento, cuidadoso, de certo modo negligente.
A aceitação pode ser expressa ou tácita (art. 56º, nº1 CPTA). A aceitação expressa pode ser
configurada como um ato negocial; já a aceitação tácita, que deriva de uma prática espontânea
incompatível com a vontade de impugnar, envolve um juízo e prognose pelo juiz.

4.3. Pressupostos relativos ao processo

→ Interesse processual (art. 39º CPTA)

O interesse processual traduz a necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer


prosseguir a ação, de forma a pôr termo a uma situação objetiva de carência em que o litigante se
encontra. Trata-se de uma necessidade justificada, razoável e fundada de lançar mão do processo. Não
se confunde com a legitimidade: esta afere-se em relação à parte que é titular da relação material
controvertida; já no interesse processual não se discute a titularidade do direito mas sim a necessidade
efetiva de tutela judiciária.
A razão de ser deste pressuposto processual é a de obstar à instauração de ações inúteis.

→ Tempestividade (art. 58º CPTA)

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A tempestividade é um pressuposto que delimita o prazo fixado pela lei para a proposição da
ação ou para a produção de um específico efeito processual. O prazo para particulares é de três meses
(art. 58º, nº1, al. b CPTA), e o prazo para o Ministério Público é de um ano (art. 58º, nº1, al. a CPTA).

É importante ter em consideração que o caso decidido só se forma decorrido o prazo mais
longo (o prazo para o Ministério Público), ou seja, o ato anulável só se consolida e torna-se impugnável
decorrido o prazo de um ano do Ministério Público, porque o particular pode não impugnar o ato,
mas o Ministério Público ainda vai a tempo, por ter um prazo maior.
MAS o decurso no prazo não sana os vícios! O ato não se convalida, o ato consolida-se. Daí que
possa ser atacada em termos incidentais nos termos do art. 38º CPTA, sempre que a lei substantiva o
admita, com o limite posto pelo nº2.

O art. 58º, nº3 CPTA permite que o prazo de impugnação se alargue para além do previsto na
al. b). Em que situações?

a) Quando haja justo impedimento nos termos do art. 140º CPC


b) No prazo de três meses a contar da cessação do erro, quando se demonstre, com respeito pelo
contraditório, que não era exigido apresentação tempestiva do pedido em virtude da conduta
da Administração Pública, ou seja, quando há um erro desculpável induzido pela conduta da
Administração Pública.
c) Erro desculpável, desde que não tenha decorrido um ano da prática do ato

30.04.2019

Temos vindo a analisar os pressupostos processuais. Falámos do interesse em agir. Há autores


que não autonomizam o pressuposto processual da legitimidade.

Devemos continuar a entender a exigência de uma pronúncia administrativa prévia como pressuposto processual da ação
administrativa (art. 59º, nºs 4 e 5 CPTA, arts. 185º, 189º e 190º CPA?

Houve uma evolução considerável nesta matéria. Até à reforma de 2002/2004, a regra era a da
impugnação administrativa necessária. O autor teria que recorrer para o superior hierárquico para obter
uma pronúncia administrativa, e só depois é que estava aberta a possibilidade de propositura da ação.
A impugnação administrativa necessária era vista como um pressuposto processual. O legislador da
justiça admin antecipou-se (art. 59º, nºs 4 e 5 CPTA). A regra, hoje, teria passado a ser a da impugnação
administrativa facultativa e já não a da impugnação administrativa necessária. Esta revolução foi

75
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Aulas teórico-práticas

confirmada posteriormente com o novo CPA de 2015, no art. 185º, nº2 – as reclamações e os recursos
têm caráter facultativo. Esta é a regra. Cai, portanto, a ideia de impugnação administrativa como
pressuposto processual.
O que distingue hoje uma impugnação administrativa necessária de uma facultativa é que,
quando a impugnação é necessária, suspende a eficácia do ato. Se é facultativa não suspende a eficácia
do ato, suspende, nos termos do nº3 do art. 189º, o prazo de propositura de ações nos tribunais
administrativos. O art. 185º, nº2 CPA veio inverter a regra mas não veio eliminar as impugnações
admin necessárias, que têm o seu expoente mais simbólico no chamado recurso hierárquico necessário.
O recurso hierárquico necessário só existirá quando o órgão subalterno atuar no exercício de uma
competência concorrente. O prof. COLAÇO ANTUNES entende que se deveria ter eliminado a
impugnação administrativa necessária.
A questão que se coloca aqui é a seguinte: será que o art. 185º, nº2 CPA viola os arts. 20º e 268º, nº4
CRP? Aparecem várias teses:

→ Por um lado, as teses mais subjetivistas e radicais (VASCO PEREIRA DA SILVA), segundo as
quais há inconstitucionalidade por violação do direito de acesso aos tribunais e por violação do
princípio da tutela jurisdicional efetiva.

→ Por outro lado, (VIEIRA DE ANDRADE), há quem entenda que o art. 268º, nº4 CRP não
coloca em causa a legitimidade e juridicidade das impugnações administrativas necessárias. Trata-se
apenas de uma condicionante legítima, a tutela jurisdicional atualiza-se no momento posterior.

O prof. COLAÇO ANTUNES entende, por um lado, que a impugnação administrativa necessária
poderia ter sido eliminada “sem grandes custos”, porque se manteria sempre aberta a possibilidade das
impugnações administrativas, eliminando-se apenas a “via sacra” das impugnações administrativas
necessárias. Por outro lado, o prof. COLAÇO ANTUNES entende que, havendo inconstitucionalidade,
seria através de outros argumentos: a impugnação administrativa, quando necessária, de certa maneira
tem os mesmos fundamentos da anulação, a única diferença é que a anulação é de iniciativa da própria
Administração. O prof. entende que o argumento mais forte para sustentar a inconstitucionalidade é
o argumento da precedência da lei: o legislador, ao impor a impugnação administrativa necessária,
estaria a consagrar uma forma de autotutela contenciosa indireta.

As garantias administrativas só são verdadeiras garantias administrativas do particular quando


não são obrigatórias ou necessárias.

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Aulas teórico-práticas

Justifica-se a existência como pressuposto processual de uma interpelação administrativa prévia, nomeadamente através
da apresentação de um requerimento que constitua o órgão admin competente no dever de decidir (art. 67º, nº1, 37º, nº3,
109º, nº2, 104º, nº2, 157º, nº2 CPTA)?

Perante uma atuação de particulares que viole vínculos jurídico-administrativos, e tendo a


Administração sido chamada a agir, nomeadamente através da apresentação de um requerimento, sem
que tenha adotado as medidas necessárias, qualquer pessoa ou entidade cujos direitos ou interesses
sejam diretamente ofendidos, pode pedir ao tribunal que condene a Administração a adotar medidas
ou a abster-se.

Art. 157º, nº2 CPTA – embora o legislador aponte para uma execução espontânea das
sentenças por parte da Administração, isto não tem um efeito automático, o que faz é criar um dever
da Administração.

»»»»»

Depois temos ainda os pressupostos processuais negativos:

 Cumulação ilegal de pedidos;


 Litispendência (sempre que haja repetição de uma causa quanto aos seus elementos
essenciais) e caso julgado.

5. Efeitos das sentenças e sua força jurídica

Arts. 173º e ss. CPTA

O princípio da tutela jurisdicional efetiva também é extensivo à execução de sentenças dos


tribunais administrativos, na medida em que se pressupõe um dever de executar as sentenças e um
direito subjetivo à execução.
No âmbito da jurisdição administrativa, o art. 158º CPTA concretiza o princípio constitucional
da prevalência das decisões judiciais, estabelecendo que as decisões dos tribunais administrativos são
obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer autoridades
administrativas (nº1), adiantando que a prevalência das decisões dos tribunais administrativos sobre as
das autoridades administrativas implica a nulidade de qualquer ato administrativo que desrespeite uma
decisão judicial e faz incorrer os seus autores em responsabilidade civil, criminal e disciplinar (nº2).
O art. 173º, nºs 1, 2 e 3 CPTA: as sentenças administrativas têm um efeito constitutivo,
nomeadamente quando se trata da anulação de atos administrativos, que implicam a invalidação

77
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Aulas teórico-práticas

retroativa do ato desde o momento em que foi praticado. Há aqui também um efeito reconstrutivo e
conformativo da posterior ação da Administração. A Administração tem o dever de reconstituir a
situação hipotética atual, isto é, a situação que existiria se o ato ilegal não tivesse sido praticado ou
tivesse sido praticado com a respetiva ilegalidade. A Administração passa a estar inibida de repetir os
mesmos atos com os mesmos vícios, não está impedida de renovar o ato (sobretudo quando este
padece apenas de vícios de fundamentação). Não pode é repetir o mesmo ato com os mesmos vícios,
bem como não pode praticar atos que ponham em causa a execução da respetiva sentença. A nulidade,
no Direito Administrativo, é uma “porta de entrada”.
A execução das sentenças é de cumprimento espontâneo por parte da Administração. A
Administração tem um dever jurídico de executar a sentença corretamente, tendo em consideração os
fundamentos da sentença e os preceitos legais aplicáveis no momento da execução dessa mesma
sentença. A execução da sentença não é discricionária, a Administração está vinculada a executar essa
sentença.

Tal como no processo civil, os efeitos das sentenças são, normalmente, inter partes. Mas o
processo administrativo pode produzir efeitos erga omnes, sobretudo quando está em causa a invalidade
de normas administrativas. Nos termos dos arts. 73º, nº1 e 76º CPTA, quando se trata de uma
declaração de ilegalidade com força obrigatória geral, e desde que se trate de uma norma imediatamente
operativa, a sentença produzirá efeitos erga omnes. Já não será assim nos casos de declaração de
ilegalidade com efeitos circunscritos ao caso concreto.

14.05.2019

(Cabe-nos agora fazer umas breves observações acerca de duas temáticas: as ações contratuais e a ação
popular)

Ações contratuais

O contencioso contratual não se reduz apenas ao processo urgente principal que é o


contencioso pré-contratual. Temos também as ações sobre interpretação, validade e execução dos
contratos (arts. 41º, 45º, 45º-A, 77º-A e 77º-B CPTA).
As ações relativas à validade e execução dos contratos podem ser utilizadas para resolver
qualquer litígio relativo aos contratos, designadamente questões de interpretação, validade, execução,

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Aulas teórico-práticas

modificação → remissão para o art. 307º CCP – declarações do contraente público, cuja natureza pode
ser de dois tipos:

→ Natureza negocial, que é a regra (se estivermos perante uma declaração negocial, a via
judicial deverá ser a que está prevista nos arts. 77º-A e ss. CPTA);
→ Natureza de ato administrativo (aqui o meio processual terá que ser a ação administrativa
de impugnação de um ato administrativo).

Há a assinalar aqui um conjunto de particularidades quanto à legitimidade e quanto ao prazo.

Quanto aos prazos, temos de recuar um pouco e fazer apelo ao art. 41º, nº1 CPTA.

Quanto à legitimidade, a legitimidade processual ativa é bastante generosa, quer quanto aos
pedidos relativos à validade dos contratos (art. 77º-A, nº1 CPTA), quer quanto aos pedidos relativos à
execução do contrato (art. 77º-A, nº3 CPTA). Esta última é ainda mais surpreendente. Faria sentido
que a legitimidade processual ativa fosse reconhecida apenas às partes da relação contratual, mas não
é assim. Esta ampla legitimidade processual ativa, no entender do prof., justifica-se por alguns
princípios do Direito Administrativo Europeu e do Direito da Contratação Pública Europeu: o
princípio da concorrência, o princípio da transparência e o princípio da igualdade.

Ação popular

A ação popular está prevista no art. 52º, nº3 CRP. Há que distinguir a ação popular social (que
a lei designa por ação popular administrativa) da ação popular local. A ideia da ação popular assumir
outras formas de ação administrativa só se poderá aplicar à ação popular social (a tal ação popular
administrativa, na designação legal) e não à ação popular local.
A ação popular administrativa está prevista na Lei nº 83/95, de 31 de agosto. A ação popular,
de certa forma, tem um regime não muito claro, porque uma ação popular em sentido próprio é o
meio destinado a obter tutela jurídica dos bens jurídicos definidos no art. 9º, nº2 CPTA (melhor ainda
do que na própria Lei da Ação Popular). Não se pode propor uma ação particular para defesa do
ambiente. A ação popular serve para a tutela destes bens jurídicos, não se pode, em princípio, propor
uma ação particular para defesa deles. Esta é, no fundo, uma questão de princípio, mas há aqui questões
de interpretação jurídica. Os interesses difusos em sentido próprio são aqueles que são da titularidade
de todos e cada um dos cidadãos. Já quando se fala de interesses difusos em sentido impróprio estamos
a falar de interesses coletivos.

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Aulas teórico-práticas

Casos práticos
Nº1:
Despacho do Diretor Geral de Fundos Farmacêuticos que ordena o encerramento de
um posto de medicamentos, sem fundamentar devidamente a sua decisão, e indicando, na
notificação, a sujeição daquela decisão a impugnação administrativa necessária. Quid iuris?

Estamos perante um caso em que a via adequada seria a impugnação de ato administrativo. De
facto, de acordo com a noção de ato administrativo contida no CPTA (art. 148º), e que corresponde,
atualmente, ao conceito processual de ato administrativo impugnável, estamos perante um ato
administrativo – é uma decisão de uma autoridade, no exercício de poderes jurídicos administrativos,
que via a produção de efeitos externos numa situação individual e concreta (art. 51º CPTA). Esta ação
terá como objeto a anulação do ato (art. 50º CPTA). O ato está enfermado por um vício material, pois
viola uma norma legal, nomeadamente o art. 152º, nº1, al. a CPA. O ato é, portanto, anulável (art. 163º,
nº1 CPA).
Quanto à sujeição da decisão a impugnação administrativa necessária, a verdade é que assim
não seria, ou seja, o posto de medicamentos pode recorrer logo à impugnação judicial, na medida em
que os arts. 185º, nº2 CPA e o art. 59º, nº4 CPTA estabelecem que a impugnação administrativa, regra
geral, é facultativa. Se optasse por esta via, suspendia-se o prazo para a impugnação contenciosa, que
seria de 3 meses (art. 58º, nº1, al. b CPTA). Teria legitimidade nos termos do art. 55º, nº1, al. c CPTA.

Nº2:
Ato que exclui candidato de procedimento concursal tendente à celebração de um
contrato de aquisição de bens móveis que viola princípio da imparcialidade, praticado por
município e em cuja notificação falta indicação da data da sua prática.

Neste caso, estamos perante um ato administrativo interprocedimental, podendo, ainda que
não seja um ato final, de acordo com o art. 51º CPTA, ser impugnável (é uma decisão de uma pessoa
coletiva pública territorial, no exercício de poderes jurídicos administrativos, que visa produzir efeitos
jurídicos externos, numa situação individual e concreta. O ato viola o principio da imparcialidade
(previsto no artigo 9º CPA), padecendo de um vício material e também de um vício formal por violação
do art. 114º, nº2, al. b CPA. Assim sendo, o ato é anulável (art. 163º, nº1 CPA).
Ora, o meio processual adequado é a impugnação contenciosa do ato, sendo o objeto da ação
a anulação do ato (art. 50º CPTA). Saliente-se que o candidato deve impugnar este ato durante o

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Aulas teórico-práticas

procedimento concursal, sob pena de não poder impugnar o ato final de adjudicação com fundamento
nas ilegalidades cometidas no ato de exclusão (artigo 51º, nº3 CPTA). O candidato teria legitimidade
ativa para a ação, de acordo com o art. 55º, nº1, al. a CPTA, no prazo de 3 meses (art. 58º, nº1, al. b
CPTA).

Nº3:
O conselho distrital da Ordem dos Advogados do Porto recusou o pedido de inscrição
feito por Bernardo, licenciado em Direito, residente em Coimbra, com fundamento de que tal
inscrição não podia ser aceite sem uma avaliação prévia da capacidade do titular da
licenciatura para o exercício da atividade profissional de advogado, uma vez que essa
licenciatura não obedecia aos requisitos que aquela Ordem entende como necessários para os
cursos de licenciatura em Direito.
Bernardo pretende reagir judicialmente.

1. Qual o pedido processual principal que, no caso, seria apropriado para tutelar a
pretensão de Bernardo?

O pedido processual apropriado seria o pedido de condenação à prática de ato legalmente


devido (art. 67º, nº1, al. b CPTA), na medida em que há um ato de indeferimento expresso. É preciso
saber se o requerimento foi apresentado no âmbito de uma matéria que constitua o órgão competente
no dever de decidir.

2. Contra quem deve ser proposta a ação? E o Ministério Público também poderia propor
a ação?

Art. 68º, nº2 CPTA + art. 10º, nºs 1 e 2 CPTA, quanto à legitimidade passiva: a entidade
demandada é a pessoa coletiva (e não os respetivos órgãos, a não ser na hipótese prevista no nº8). A
entidade demandada será a Ordem dos Advogado.

MP – art. 68º, nº1, al. b CPTA, na medida em que estão em causa direitos fundamentais
(liberdade de profissão).

3. Qual o prazo para propor a ação?

Art. 69º, nº3 CPTA: o prazo é de dois anos.

4. Qual o tribunal competente?

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Aulas teórico-práticas

A jurisdição competente é a administrativa. Quanto ao território, a regra geral está prevista no


art. 16º, nº1 CPTA – tribunal da área da residência habitual do autor (Coimbra) + art. 44º, nº1 ETAF
→ tribunal administrativo de círculo de Coimbra. Esta é a regra geral no que respeita ao território, mas
há várias exceções: art. 20º, nº1 CPTA. Quanto ao critério da hierarquia o tribunal competente é o de
1ª instância.

5. Poderá ser requerida alguma providência cautelar? Se entender que sim, diga qual a
que se lhe afigura apropriada.
Art. 112º CPTA

Análise do Acórdão T. Conflitos 20.10.2016, proc. 121/16:

Responsabilidade civil extracontratual. Questão de saber se o litígio seria competência da


jurisdição administrativa ou da jurisdição civil. o tribunal interpretou a al. h do art. 4º ETAF à luz do
art. 1º, nº5 Lei nº 67/2007. O tribunal decidiu que a competência seria da jurisdição administrativa. Há
um ac. do Tribunal de Conflitos em sentido diferente (Ac. Tribunal de Conflitos de 18.12.2013, proc.
028/13), que entende que se trata de uma competência dos tribunais comuns.

Nº4:
O Ministério dos Negócios Estrangeiros procedeu à abertura de um concurso público
para o recrutamento de 5 juristas para a carreira diplomática. A este concurso concorreram 30
juristas. João apresentou a sua candidatura mas não viria a ser admitido na fase da apreciação
formal das candidaturas. O seu advogado requereu de imediato uma providência cautelar e
propôs uma ação principal. Apos estas diligências, João continuou no concurso.

1. Na primeira fase do concurso qual a providência que terá sido requerida pelo
advogado de João?

Providência cautelar de admissão provisória em concursos e exames (art. 112º, nº2, al. b CPTA).
É uma providência cautelar antecipatória. Art. 120º CPTA relativamente aos critérios de decisão.
Depois da reforma de 2015, o fummus boni iuris já não é só por si suficiente, é preciso sempre recorrer
aos outros dois critérios. O legislador, antes da reforma de 2015, era mais exigente quando se tratava
de apreciar o provimento de uma providência cautelar antecipatória, relativamente às providências
cautelares conservatórias.

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Aulas teórico-práticas

2. Qual o pedido principal que o advogado de João terá utilizado?

Pedido de condenação à prática de ato legalmente devido (art. 67º, nº1, al. b CPTA). O que
João pretendia era ser admitido ao concurso, logo um pedido impugnatório não era suficiente. Ele
podia, em alternativa, proceder à mera impugnação do ato, fazendo referência na petição inicial que
pretendia a eliminação daquele ato do ordenamento jurídico. Se João tivesse deduzido o pedido
impugnatório aplicar-se-ia o nº4 do art. 51º CPTA.

3. Contra quem terá proposto a ação?

É necessário conjugar o art. 68º, nº2 CPTA com o art. 10º, nº2 CPTA.

Nº5:
O secretário de estado da agricultura emitiu um despacho normativo a estabelecer
novas regras de atribuição de subsídios aos agricultores do território continental. Contudo,
em virtude dos critérios previstos no referido despacho, muitos agricultores consideram que
ficam, desde logo, excluídos, só tendo acesso aos subsídios os que tenham uma elevada
capacidade produtiva. Inconformados, pretendem reagir contra o despacho. Supondo que é
por eles consultados, responda às seguintes questões:

a) Qual a ação administrativa apropriada aconselharia? Qual o meio processual?

O despacho normativo é um regulamento administrativo, é uma norma administrativa


secundária (arts. 135º e ss. CPTA). É um regulamento mediatamente operativo.
Estamos no âmbito do contencioso das normas administrarias. Mas dentro do contencioso das
normas administrativas, qual o meio processual adequado? O pedido de declaração de ilegalidade com
força obrigatória geral nunca pode fundamentar-se numa inconstitucionalidade da norma regulamentar
(art. 72º, nº2 CPTA). Parece que há aqui uma reserva do Tribunal Constitucional.
Outra possibilidade é o pedido de declaração de ilegalidade com efeitos circunscritos ao caso
concreto.
Uma outra possibilidade seria a da cumulação de pedidos, que pressupunha um ato
administrativo. Muitas vezes as pessoas não reagem logo à ilegalidade da norma, só se confrontam com
essa ilegalidade quando há um ato administrativo que as afete.

b) Aconselharia o uso de alguma providência cautelar? No caso da resposta ser


afirmativa, qual a providência que aconselharia?

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Aulas teórico-práticas

Podemos colocar a possibilidade do art. 130º CPTA: providência cautelar para suspensão da
eficácia de normas.

c) Sabendo que, entretanto, os produtores sofreram prejuízos na sua atividade,


aconselharia a fazer uso, na mesma ação, de algum outro pedido? E como
qualificaria esse pedido?

Pedido indemnizatório, podendo cumular os pedidos nos termos dos arts. 4º e 5º CPTA. A
acumulação não poderia ser aparente, teria sempre que ser real.

Nº6:
Genoveva, arquiteta, apresentou proposta a um concurso público aberto pela Câmara
Municipal do Porto destinado á celebração de contrato de aquisição de serviços no domínio
da arquitetura no valor de 500 000€. A sua proposta era a mais vantajosa comparativamente às
apresentadas pelos outros concorrentes (67). Contudo, em virtude de diversas ilegalidades
cometidas pelo júri ao longo do respetivo procedimento a proposta de Genoveva não viria a
ser adjudicada.

Supondo que é consultado por Genoveva, diga como a aconselharia a proceder


justificando as suas respostas e caracterizando cada um dos meios processuais concretamente
em causa:

a) A propor uma ação administrativa para impedir que a CM celebrasse o contrato com
o concorrente classificado em 1º lugar?

b) A propor uma ação administrativa relativa ao contencioso dos procedimentos de


massas?

c) Caso, justificadamente, não concorde com alguma ou ambas as soluções que foram
sugeridas a Genoveva diga como a aconselharia, fundamentando igualmente a sua resposta,
referindo os pedidos que poderiam ser formulados na ação.

(Respondendo às alíneas a, b e c de forma conjunta)

Estando em causa um procedimento pré-contratual destinado à celebração de um contrato


abrangido pelo art. 100º CPTA (contrato de aquisição de serviços), revelam-se inapropriados os meios
processuais referidos nas alíneas a) e b). O meio processual adequado é o contencioso pré-contratual

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Aulas teórico-práticas

urgente, que compreende as ações de impugnação de atos administrativos relativos à formação de


contratos de aquisição de serviços, assim como a ação de condenação à prática de ato administrativo
legalmente devido (arts. 100º e ss. CPTA).

d) Dado que o procedimento já se encontrava na fase final o melhor seria aguardar pela
celebração do contrato entre a Câmara Municipal e o concorrente classificado em 1º lugar
para, após esta, a Genoveva propor uma ação relativa à validade do mesmo com fundamento
nas ilegalidades cometidas pelo júri ao longo do procedimento?

Tempestividade da propositura da ação: 1 mês, mesmo que se trate de nulidade (art. 101º
CPTA), tanto para a ação particular como para a ação pública. Desde que tivesse respeitado o prazo
de 1 mês, era possível a ampliação da instância, ou seja, o objeto do processo podia ser ampliado à
impugnação do contrato (quanto às invalidades que derivam do procedimento pré-contratual) – art.
102º CPTA. Da mesma maneira, caso tivesse impugnado o ato ou os atos procedimentais que deram
origem às alegadas invalidades (incluindo o ato de adjudicação), poderia arguir a invalidade do contrato
nos termos do art. 77º-A, nº1, al. d CPTA.
Mas como não fez uso do meio processual adequado no prazo legalmente previsto, desta
inércia resulta um efeito preclusivo.

Nº7:
Carolina requereu, junto da Câmara Municipal de Penafiel, o licenciamento para
construção de uma moradia no centro histórico. O pedido de licenciamento foi deferido, tendo
sido emitida a respetiva licença de construção no dia 6 de abril de 2018. Contudo, após o início
da obra, com base em parecer dos serviços técnicos, a Câmara Municipal, em reunião colegial,
declarou nula a licença de construção no dia 31 de janeiro de 2019, com fundamento na
violação do plano de urbanização. Desse ato notificou Carolina.

a) Qual o meio processual que seria apropriado para tutelar a pretensão de Carolina?
Poderia ser requerida alguma providência cautelar?

Estamos perante um ato administrativo de declaração de nulidade de uma licença de


construção. O meio processual adequado: arts. 50º e ss. CPTA – ação administrativa de impugnação
do ato.

Providência cautelar conservatória

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Aulas teórico-práticas

b) Qual o prazo para propor a ação? Contra quem deve ser proposta a ação? Qual o
tribunal competente?

Arts. 41º, 58º e 59º CPTA.

c) Carolina não se conforma com a norma do plano de urbanização que serviu de


fundamento à declaração de nulidade da licença de construção, alegando a sua
desconformidade com os diplomas legais relativos à proteção do património histórico e
cultural, e ainda com as normas constitucionais sobre habitação e urbanismo.

Pedido de desaplicação incidental da norma ao caso concreto (art. 73º, nº2 CPTA).

d) Suponha que Carolina apresentou, no dia 18 de março, um requerimento ao


presidente da Câmara Municipal para aceder às plantas e ao regulamento do plano de
urbanização. Porém, até ao dia de hoje não obteve qualquer resposta. Quid iuris?

Prazo máximo de 10 dias para as informações solicitadas, ao abrigo dos arts. 82º e ss. CPA.
Intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões (arts. 104º
e ss. CPTA). Efeito interruptivo do prazo de impugnação.

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Aulas teórico-práticas

PARTE II. CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO


PROF. DOUTOR. DIOGO FEIO

21.02.2019

Cap. I. Introdução
1. Conceito de relação jurídica fiscal

O conceito de relação jurídica, no Direito Público, tem como base o conceito de relação jurídica
do Direito Privado. Ou seja, aplica-se este conceito de relação jurídica do Direito Privado ao Direito
Público e, de modo especial, ao Direito Tributário.

1.1. Relação jurídica tributária e relação jurídica fiscal

Ao falar-se de uma relação jurídica tributária está-se a falar de prestações coativas


pecuniárias, que o Estado impõe, sem que tenha natureza de sanção (os tributos), e que são impostas
a sujeitos passivos. A relação jurídica tributária existe, portanto, quando há impostos, taxas ou
contribuições especiais. Já a relação jurídica fiscal pressupõe somente a existência de impostos. A
relação jurídica tributária é, portanto, mais ampla do que a relação jurídica fiscal. O Direito Fiscal está,
então, englobado no Direito Tributário.

Qual é a caraterística essencial diferenciadora do Direito Fiscal em relação ao Direito Tributário?

O Direito Fiscal aplica-se apenas a prestações pecuniárias, que são coativamente determinadas
pelo sujeito ativo da relação jurídica, que não têm caráter de sanção e que são unilaterais. O sujeito
passivo de um imposto vai ter de o pagar, independentemente de lhe ser feita ou não uma prestação
pelo Estado. Não é pelo facto de se utilizarem serviços públicos que se paga impostos: quer se utilize
mais ou menos, paga-se os mesmos impostos. Os tributos que, por sua vez, têm como caraterística a
bilateralidade, são as taxas. As taxas existem porque se utilizou um serviço público, porque alguém
adquiriu um bem público ou porque em relação a alguém se levanta um obstáculo jurídico. A taxa
pressupõe sempre uma relação de bilateralidade.

Quando falamos de “fisco” estamos apenas a falar de impostos. Os impostos são as mais
importantes receitas que o Estado tem: aquela que todos os anos tem de ser determinada no
Orçamento do Estado.
Para se pagar impostos é preciso cumprir com o princípio da capacidade contributiva: só
paga impostos quem tiver capacidade económica.

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Aulas teórico-práticas

→ O primeiro indício de capacidade contributiva está relacionado com o rendimento. P. ex.,


um funcionário publico, pela prestação da sua função, receberá uma renumeração: esta remuneração
está sujeita à categoria A do Cód. IRS (trabalho dependente). NOTA: Saliente-se que, se os rendimentos
são colocados numa conta, também serão tributados.

→ O segundo indício de capacidade contributiva é o consumo. Aqui importa o IVA. No


âmbito deste imposto, temos que referir o conceito de repercussão fiscal. O devedor do imposto será
o proprietário do estabelecimento comercial: ele vai ser obrigado a entregar ao Estado o resultado da
diferença entre o IVA que recebeu e o que pagou para ter os bens à venda. O IVA incide sobre todo
o processo produtivo. Vários agentes económicos vão atuando e todos eles vão poder abater ao IVA
recebido o IVA pago, sendo que o consumidor final não o pode fazer, não intervém diretamente na
relação jurídica fiscal, mas vai pagar o imposto.

→ O terceiro indício de capacidade contributiva é a utilização do rendimento em património.


O único património tributado em Portugal é o imobiliário: sujeito a IMT e IMI. O IMI, Imposto
Municipal sobre Imoveis, é pago porque alguém é proprietário de um imóvel. A venda de um imóvel
também pressupõe, por parte de quem o compra, o pagamento de IMT.

»»»»»

Os principais impostos são, então, o IRS, IRC, IMI, IVA, IMT, e Imposto do Selo. Saliente-
se que há uma tendência de tributar especiais casos de capacidade contributiva, através de contribuições
especiais: setor energético, setor bancário, indústria farmacêutica (são tributações parcelares e
naturalmente aceites pela generalidade das pessoas).

A relação jurídica tributária, além de possuir o facto (índice de capacidade contributiva), e o


objeto (pagamento do imposto) tem também, naturalmente, sujeitos (ativo: quem recebe; e passivo:
quem paga).

A obrigação de imposto e relação jurídica de imposto pode ser considerada em sentido estrito
ou em sentido amplo. Em sentido estrito, refere-se à relação jurídica em que alguém paga imposto a
outrem. Em sentido amplo, abrange as obrigações acessórias, como a obrigação de declaração, p. ex.
Quer no IRS, como IRC, como no IVA, tem de haver uma declaração por parte do sujeito passivo que
vai fazer nascer a obrigação de pagar o imposto. O conceito de obrigação faz perceber que o conceito
de relação jurídica tributária é diferente de relação jurídica civil. Na relação jurídica tributária está
presente uma ideia de coatividade (determinada pelo Estado), ao passo que a relação jurídica civil vai

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Aulas teórico-práticas

tendo alguns elementos de liberdade. A obrigação que aqui está presente é uma obrigação coativa que
o cidadão tem de cumprir perante o Estado. O Direito Fiscal acabou por ser o campo do Direito
Administrativo em que foi mais fácil aplicar a ideia de relação jurídica.

A obrigação legal, que tem de ser cumprida pelos contribuintes em relação ao sujeito ativo
(Estado), tem os seus elementos essenciais regulados no art. 36º da Lei Geral Tributária.

1. A relação jurídica tributária constitui-se com o facto tributário.


2. Os elementos essenciais da relação jurídica tributária não podem ser alterados por vontade das partes.
3. A administração tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo
nos casos expressamente previstos na lei.
4. A qualificação do negócio jurídico efetuada pelas partes, mesmo em documento autêntico, não vincula a
administração tributária.
5. A administração tributária pode subordinar a atribuição de benefícios fiscais ou a aplicação de regimes
fiscais de natureza especial, que não sejam de concessão inteiramente vinculada, ao cumprimento de condições por parte
do sujeito passivo, inclusivamente, nos casos previstos na lei, por meio de contratos fiscais.

Art. 36º LGT – Regras Gerais

Em primeiro lugar, a relação jurídica tributária inicia-se a partir do momento em que


sucede o facto tributário (em que há consumo, património ou rendimento). P. ex., no que diz respeito
ao IRS, a relação jurídica tributária existe a partir do momento em que alguém recebe rendimento.
Por outro lado, não se trata de uma relação jurídica cujos elementos essenciais possam ser
alterados pela vontade das partes. Os elementos essenciais da relação jurídica tributária são
determinados por lei, sendo matéria da reserva relativa da Assembleia da República. Como os
elementos do imposto estão determinados por lei, não se pode dar moratórias. A data de pagamento
do imposto está determinada pelo seu regime legal (a não ser que a própria lei determine exceções).
Portanto, a obrigação de pagar impostos não está na disponibilidade das partes. Além do mais o
Estado, a quem é devido o imposto, tem nas suas mãos aquilo que se pode designar como “título
executivo”. Se a obrigação não for cumprida, ultrapassado o prazo, passa-se da fase declarativa da
relação jurídica para a fase executiva.

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Aulas teórico-práticas

1.2. Sujeitos da relação jurídica tributária

Os sujeitos da relação jurídica tributária podem ser ativos e passivos. Há, no entanto, vários
tipos de sujeitos passivos e vários tipos de sujeitos ativos.

 O sujeito ativo será o titular do poder tributário, aquele que determina a linha da relação
jurídica, ou seja, o Estado. Uma outra vertente do sujeito ativo passa pela sua competência tributária,
ou seja, o fisco vai gerir a própria relação jurídica. Existirá um ato pelo qual um serviço do Estado, que
será a Autoridade Tributária, envia, para o contribuinte, a nota de liquidação. A competência tributária
é a capacidade que existe de ir determinando os elementos da própria relação jurídica. A competência
tributária não tem de ser obrigatoriamente estatal. No caso do IMI e do IMT, a sua liquidação poderia
ser feita diretamente pelas autarquias locais. A capacidade tributaria ativa é a capacidade de exigir o
cumprimento da obrigação (art. 15º LGT, com a relação que existe entre a capacidade tributária e
personalidade tributária).

 O sujeito passivo pode ter várias circunstâncias. Será, desde logo, o contribuinte, aquele
que praticou o facto tributário, ou seja, o facto que vai levar ao pagamento do imposto. Alguém que
recebe o rendimento, pratica o facto tributário. Agora, o funcionário não vai receber o seu rendimento
total: há uma parte que ficou retida e que é entregue ao Estado (não sendo contribuinte, a entidade
patronal é devedora de imposto). Alguém que não praticou o facto tributário vai entregar, ao Estado,
o montante que é devido. Podemos ter contribuintes que são devedores de impostos e devedores de
impostos que não são contribuintes. O sujeito passivo, em sentido estrito, é o equivalente àquele que
tem capacidade tributária.

A nossa “vida fiscal” é um “filme anual”: no dia 1 de janeiro começa um “novo filme”. Entre
1 de janeiro e 31 de dezembro vai determinar-se os rendimentos, fazer-se as deduções e, no final, fica-
se com o montante que tem de ser entregue ao Estado. Imagine-se que x tem de entregar 20, mas a
sua entidade patronal já entregou 16: assim, x só terá de pagar 4. Se a entidade patronal entregou 25,
o Estado terá de devolver 5 a x.

Quem tem a obrigação de entregar o imposto é um sujeito e quem praticou o facto é outro
(substituição fiscal). A substituição fiscal pode ser definitiva ou provisória. É definitiva quando o
montante, que o terceiro entrega ao sujeito ativo, já iliba o contribuinte de algum imposto. P. ex., os
juros são genericamente tributados, a nível de IRS, a 28%. Acontece a retenção no banco. Em relação
aos salários, é muito difícil que o valor retido corresponda ao valor do imposto a pagar: esta retenção
é uma substituição por conta (vai ser necessário fazer um acerto). Este é o primeiro caso em que o

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Aulas teórico-práticas

devedor do imposto é diferente do contribuinte. Um outro caso é o seguinte: imaginemos uma empresa
que não tem dinheiro para pagar os impostos devidos - havendo incumprimento da obrigação de pagar
os impostos, entra-se na fase executiva. E se não houver património para executar, ou se depois de
executados todos os bens ainda houver obrigação de pagamento de impostos? Em algumas
circunstâncias o Estado pode fazer uma reversão fiscal. P. ex., o art. 25º da LGT.

1. Pelas dívidas fiscais do estabelecimento individual de responsabilidade limitada respondem apenas os bens a
este afetos.
2. Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, em caso de falência do estabelecimento individual de
responsabilidade limitada por causa relacionada com a atividade do seu titular, responderão todos os seus bens, salvo se
ele provar que o princípio da separação patrimonial foi devidamente observado na sua gestão.

Art. 25º LGT - Responsabilidade do titular de estabelecimento individual de


responsabilidade limitada

Sempre que uma empresa não consiga pagar os seus impostos, entrando na fase executiva,
sendo alvo de excussão prévia, e se ainda houver imposto a pagar, o Estado reverte a obrigação e causa
contra os administradores ou diretores da empresa: é responsabilidade dos membros dos corpos
sociais. Nestas circunstâncias, o Estado pode pedir a cada um deles e a responsabilidade é solidária.

1. Os administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções
de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em
relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de
exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois
deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente
equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no
período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.

Art. 24º LGT - Responsabilidade dos membros de corpos sociais e responsáveis


técnicos

O art. 24º LGT tem dois regimes de responsabilidade:

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Aulas teórico-práticas

 Quando a dívida se tenha verificado no período do exercício do cargo ou o prazo legal de


pagamento tenha terminado depois deste, tem de se provar que é por culpa do responsável que não
existe património para se pagar.

 Quando os factos tributários tenham sucedido durante o período de sua administração, o


responsável só terá de pagar se for por culpa sua que não haja património. O ónus da prova está,
portanto, do lado dos administradores, diretores ou gerentes. Quando as dívidas tributárias tenham
surgido durante o período em que eram administradores, os responsáveis têm de provar que não lhes
foi imputável a falta de pagamento (trata-se de uma prova diabólica ou impossível) - tem de provar que
não é por sua culpa que não há património.

»»»»»

Na repercussão fiscal, também o devedor do imposto não é contribuinte. O consumidor final,


ao pagar o IVA, torna-se repercutido. Isto significa que a obrigação de pagar o imposto que tem, p.
ex., a sociedade que gere um bar, é economicamente transmitida para o consumidor. A relevância do
repercutido é que, ao contrário do substituído e do responsável, não faz parte da relação jurídica fiscal.
A relação que o consumidor tem com o estabelecimento comercial é de Direito Privado. Já a relação
que o restaurante tem com o tal bar, é uma relação jurídica fiscal. O problema que com isto surge é
que o repercutido que discorde do imposto que seja cobrado tem uma posição processual mais fraca
que o sujeito passivo. Quem realmente paga tem que alegar que o pagamento não é devido, interpondo
ação nos tribunais fiscais. Ora, acontece que, na demanda, tem de sempre de estar presente o Estado,
e aqui a relação que o repercutido tem não é com o Estado mas sim com o dono do estabelecimento.
Há tribunais que consideram que o consumidor final não tem legitimidade ativa e outros que, pelo
contrário, consideram que tem.

1.3. Extinção da obrigação fiscal

Como é que se extingue a obrigação fiscal?

Genericamente, a obrigação fiscal extingue-se com o pagamento do imposto: seja pelo


contribuinte, pelo substituto ou pelo responsável. Podem existir circunstâncias em que ela se extingue
porque não há pagamento nem como cobrar. A extinção da obrigação fiscal está intimamente
relacionada coma a ideia de pagamento.

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Aulas teórico-práticas

Cap. II. O Procedimento Tributário


1. Noção de procedimento tributário

Nas palavras de JOAQUIM FREITAS DA ROCHA, o procedimento tributário é o “conjunto de


atos, provenientes de órgãos administrativos tributários distintos, relativamente autónomos e
organizados sequencialmente, direcionados à produção de um determinado resultado, do qual são
instrumentais”.

O art. 54º, nº1 LGT define o procedimento tributário como “toda a sucessão de atos dirigida
à declaração dos direitos tributários”, abrangendo toda a atividade da Administração Tributária que
tem em vista a declaração de direitos tributários. Este mesmo nº1 faz uma listagem exemplificativa de
atos que compreendem o procedimento tributário (REMISSÃO PARA O ART. 44º CPPT). Segundo LEITE
CAMPOS, BEJAMIM SILVA RODRIGUES e LOPES DE SOUSA, a lista prevista neste nº1 não é taxativa, ou
seja, podem incluir-se no âmbito do procedimento tributário outras atividades administrativas, desde
que tenham como objetivo a declaração de direitos tributários.

No elenco do nº1 destaca-se o procedimento de liquidação e reclamação (al. b). A operação


de liquidação, seja ela administrativa, adicional ou oficiosa, concretiza-se sempre num ato de liquidação
– o chamado ato tributário de liquidação A liquidação é a aplicação ao elemento que em concreto se
tenha chegado, através da aplicação da lei, da taxa de imposto. Isto é, é a operação através da qual se
aplica a taxa de imposto à matéria tributável, chegando ao valor a pagar pelo contribuinte. Esta
operação é bastante complexa. O ato de liquidação é o ato administrativo através do qual aquela
operação de cálculo de imposto devido é executada pela Administração Tributária.
Deve distinguir-se, entre os atos de liquidação praticados pela Administração, os simples atos
de liquidação administrativa, os atos de liquidação oficiosa e os atos de liquidação adicional. A
liquidação será administrativa quando a competência para o cálculo do imposto couber aos serviços
centrais da Autoridade Tributária (estas liquidações são cada vez menos comuns no que diz respeito
aos “grandes” impostos, nos quais, com exceção do IRS, se tem vindo a impor como regra a
autoliquidação). A liquidação oficiosa é aquela efetuada pela Administração Tributária perante o
incumprimento dos sujeitos passivos das suas obrigações (designadamente da obrigação de
autoliquidação) A liquidação adicional sucede outros atos de liquidação administrativa (simples ou
oficiosa) ou de autoliquidação. A Administração Tributária procederá a uma liquidação adicional
quando chegar à conclusão que o montante de imposto liquidado está errado (pode ser inferior ou
superior ao devido).

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Aulas teórico-práticas

Os atos de autoliquidação distinguem-se dos atos de liquidação pelo facto de ser o próprio
sujeito passivo a calcular o montante devido.

Aquando da notificação da liquidação é enviado um código para pagamento e prazo para o


fazer. O contribuinte que não paga dentro no prazo entra numa situação em que pode ser executado.
O dia em que surge a obrigação de pagamento é o dia a partir do qual surge o direito a litigar, contra o
Estado, o montante liquidado. O princípio, em Direito Fiscal, é que só se pode impugnar depois de
pagar (princípio solve et repetere).
O Estado, quando líquida, está a praticar um ato que é exequível, ou seja, o Estado tem o
direito de, no caso de não haver pagamento, executar o devedor. Pode o contribuinte não pagar e
reclamar, mas nesse caso, ao mesmo tempo que corre o processo declarativo, corre o processo
executivo. O único meio de suspender o processo executivo é prestando uma garantia.
No mesmo dia em que, não havendo pagamento, começa o prazo para a execução, começa
também o prazo para reclamar ou impugnar. O contribuinte, querendo, pode recorrer diretamente aos
tribunais, mas pode também reclamar administrativamente. Há casos em que, antes de se optar pela
via judicial, tem de, obrigatoriamente, recorrer-se à via administrativa. Tudo isto é relevante pela
questão do tempo, na medida em que o prazo para a impugnação e para a reclamação não é o mesmo.
A liquidação do imposto passa pelo lançamento do imposto (liquidação em sentido estrito) e
termina com a cobrança. O lançamento do imposto vai determinar a matéria tributária, à qual vai ser
aplicada a taxa.

Passada a fase da liquidação, o procedimento pode passar a ser um procedimento de


reclamação. A reclamação administrativa é utilizada nos casos em que o erro na liquidação seja
meramente um erro de cálculo. Para questões de natureza jurídica é muito difícil que a reclamação seja
o meio mais adequado, o melhor, nesses casos, será a impugnação judiciária diretamente. É que,
recorrendo à reclamação administrativa, dificilmente a Administração dirá algo diferente do que disse
no processo de liquidação. Quando ao procedimento de reclamação, este deve ser simples, com o
mínimo de formalidades necessárias. NOTA: saliente-se que nunca pode haver reclamação num caso
que já esteja decidido.

O caso, no fim da reclamação, é provisoriamente decidido. A prova é limitada e a reclamação


deve ser apresentada no prazo de 120 dias depois do último dia para se pagar ou para se fazer a
cobrança.

28.02.2019

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Aulas teórico-práticas

Como vimos, o procedimento tributário é a sucessão de atos destinada à declaração de


direitos tributários. Qual será o direito tributário por excelência? É o direito de tributar impostos. O
caso típico de procedimento tributário é o procedimento de liquidação de impostos. A liquidação
de um imposto é composta pelo:

 Lançamento:

Há lançamento quando se determina que há um indício de capacidade contributiva - p. ex.,


alguém recebeu um rendimento;

 Liquidação em sentido estrito:

Há liquidação em sentido estrito quando se aplica a taxa de um imposto ao índice de capacidade


contributiva – p. ex., quando se aplica a tabela de taxa de IRS a um determinado rendimento.

»»»»»

Diferente de procedimento tributário é o processo tributário, processo judicial de natureza


tributária. Enquanto que o procedimento tem apenas duas partes, o processo, por sua vez, tem três:

1. O contribuinte

2. A Administração

3. O tribunal

2. Fases do procedimento tributário

O procedimento tributário tem uma fase preparatória, uma fase constitutiva e uma fase
executiva:

1. A fase preparatória é a do lançamento do imposto

Nos impostos, quase sempre tudo começa com uma declaração do contribuinte.

2. A fase constitutiva é a da liquidação (passa a haver a obrigação de pagamento)

3. A fase executiva:

O princípio que vigora no Direito Fiscal é, como dissemos, o princípio solve et repetere (que
traduzido à letra significa “paga primeiro, reclama depois”). Só depois do pagamento é que o contribuinte

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Aulas teórico-práticas

pode reclamar ou impugnar. Caso não se queira pagar é preciso constituir uma garantia que suspenda
o processo executivo, caso contrário este corre ao mesmo tempo que o processo declarativo.
As reclamações podem suceder por parte dos contribuintes na sequência de uma liquidação
que lhes foi feita. A reclamação é feita perante a própria Administração, ou seja, estamos ainda na
lógica da relação entre as partes da relação jurídica fiscal: Administração e contribuintes. Os
contribuintes têm aqui, então, duas alternativas:

→ Reclamar:

A decisão que da reclamação resultar é sempre suscetível de impugnação judicial.

→ Impugnar judicialmente:

Quando se trata de uma impugnação judicial, há duas alternativas:

 Processo nos tribunais judiciais;


 Processo no centro de arbitragem administrativa:
A grande vantagem de recorrer a um centro de arbitragem administrativa é o facto de
que a, partir do momento em que seja constituído tribunal arbitral, os juízes têm seis
meses para decidir, ou seja, a decisão é significativamente mais célere;
A principal desvantagem é o facto de apenas em casos excecionais ser esta decisão
suscetível de recurso).

O que está em causa nas reclamações e nas impugnações são liquidações, atos administrativos
de natureza tributária, genericamente definitivos e que determinam a obrigação do sujeito passivo de
entregar uma determinada quantia ao Estado. Os atos tributários não têm a natureza de sanção. A
sanção existiria se a base da capacidade contributiva fosse a de um qualquer ilícito. Isto não quer dizer
que as atividades ilícitas não estejam sujeitas a tributação.

→ Início do procedimento (arts. 69º e ss. LGT):

O procedimento tributário pode começar através de duas vias:

 Intervenção dos interessados (do próprio contribuinte);


 Intervenção da Administração tributária

1. O procedimento inicia-se nos prazos e com os fundamentos previstos na lei, por iniciativa dos
interessados ou da administração tributária.

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Aulas teórico-práticas

2. O início do procedimento dirigido ao apuramento de qualquer situação tributária é comunicado aos


interessados, salvo quando a comunicação possa pôr em causa os efeitos úteis que visa prosseguir ou o procedimento
incida sobre situações tributárias em que os interessados não estão ainda devidamente identificados.

Art. 69º LGT - Impulso

Na prática, grande parte dos casos que chegam aos escritórios de advogados terão por base
inspeções tributárias - a Inspeção Tributária intervém para examinar a situação do contribuinte e ver
se está de acordo com o regime legal. Muitas vezes sucede que é determinada uma liquidação adicional.
Se isto acontecer, o contribuinte tem que pagar e só depois pondera reclamar ou impugnar.

NOTA: a questão da fraude carrossel – na fraude carrossel o que está em causa é o IVA, que
para os contribuintes tem uma realidade dupla, na medida em se aplica a todo o processo produtivo,
ou seja, todos os agentes de um processo produtivo pagam e recebem IVA, mas são os consumidores
finais que verdadeiramente pagam o imposto. A fraude carrossel consiste na criação artificial de fases
deste processo produtivo, alterando-se artificialmente o montante a pagar em sede de IVA. Este
exemplo da fraude carrossel é relevante na medida em que, muitas vezes, inspeções a um sujeito passivo
acabam por ter repercussões na esfera de outros sujeitos passivos (se é feita uma inspeção ao sujeito
passivo criado artificialmente, os montantes devidos pelos restantes sujeitos passivos serão alterados).

→ Instrução (arts. 71º e ss. LGT):

Depois da iniciativa passamos para a fase de instrução, aquela em que são determinados os
elementos essenciais para que haja uma liquidação. Quem é que faz a instrução? A Administração
Tributária, aqui já não há participação direta do contribuinte. Será, normalmente, o órgão competente
para tomar a decisão quem faz a instrução (art. 71º LGT). Na instrução, o órgão instrutor pode utilizar
todos os meios de prova (art. 72º LGT). Pode até utilizar presunções (que admitem sempre prova em
contrário).
Em princípio, as declarações dos contribuintes presumem-se verdadeiras, isto é, a
Administração é que tem que provar que elas não são verdadeiras. A relação jurídica tributária nasce,
portanto, neste aspeto, desequilibrada a favor do contribuinte.

→ Decisão (arts. 77º e ss. LGT):

A decisão tem que ser fundamentada (pelo menos de forma sumária), e essa fundamentação
tem que ser de facto e de direito. A falta de fundamentação é um dos vícios mais importantes. Importa

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Aulas teórico-práticas

distinguir falta de fundamentação de avaliação indireta – é possível que a Administração utilize meios
indiretos para chegar a uma tributação. A decisão da Administração é sujeita a impugnação judicial,
mas também a formas administrativas para além da reclamação. É possível que haja recurso hierárquico
(normalmente resulta numa decisão de manutenção da decisão da Administração) e há também a
possibilidade de revisão oficiosa (prazo de quatro anos, quando o erro não seja imputável ao
contribuinte mas sim ao serviço) - art. 78º LGT.

Caducidade da liquidação

Como dissemos, a liquidação é o procedimento fiscal mais relevante. A caducidade do direito


de liquidação está regulada nos arts. 45º e ss. LGT. O legislador determinou que o direito que a
Administração tem de liquidar um imposto caduca no prazo de quatro anos (art. 45º, nº1 LGT).

Quais as regras para determinar a caducidade?

Nos termos do art. 45º, nº4 LGT:

• Quando o imposto é periódico (p. ex., o IRS) o prazo de caducidade conta-se a partir do
último dia do período relativo ao imposto, isto é, a partir do termo do ano em que se verificou o facto
tributário. Quando é que caducará o direito de liquidar o IRS relativamente ao ano 2019? A 31
dezembro de 2023.
• Quando o imposto é de obrigação única o prazo conta-se a partir do momento em que se
deu o facto tributário, com exceção do IVA e dos impostos sobre o rendimento quando a tributação
seja efetuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que o prazo se conta a partir do início
do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respetivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto
tributário.

Este prazo de caducidade é muito importante, porque a Administração Tributária perde o


direito à liquidação.

1. O prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço
ou despacho no início da ação de inspeção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo desde o seu
início, caso a duração da inspeção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação, acrescido do
período em que esteja suspenso o prazo para a conclusão do procedimento de inspeção.
2. O prazo de caducidade suspende-se ainda:
a) Em caso de litígio judicial de cuja resolução dependa a liquidação do tributo, desde o seu início até ao
trânsito em julgado da decisão;

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Aulas teórico-práticas

b) Em caso de benefícios fiscais de natureza contratual, desde o início até à resolução do contrato ou durante o
decurso do prazo dos benefícios;
c) Em caso de benefícios fiscais de natureza condicionada, desde a apresentação da declaração até ao termo do
prazo legal do cumprimento da condição;
d) Em caso de o direito à liquidação resultar de reclamação ou impugnação, a partir da sua apresentação até
à decisão.
e) Com a apresentação do pedido de revisão da matéria coletável, até à notificação da respetiva decisão.
3. Em caso de aplicação de sanções da perda de benefícios fiscais de qualquer natureza, o prazo de caducidade
suspende-se desde o início do respetivo procedimento criminal, fiscal ou contraordenacional até ao trânsito em julgado da
decisão final.

Art. 46º LGT – Suspensão do prazo de caducidade

Nos termos do art. 46º, nº1 LGT, o prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao
contribuinte da ordem de serviço ou despacho no início da ação de inspeção externa, cessando, no
entanto, esse efeito, contando-se o prazo desde o seu início, caso a duração da inspeção externa tenha
ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação, acrescido do período em que esteja suspenso o
prazo para a conclusão do procedimento de inspeção. Para que um contribuinte “se safe” de pagar o
imposto não basta que decorra o prazo de quatro anos, é preciso que não seja suscitada uma ação de
inspeção externa. O nº2 do art. 46º LGT prevê outras situações em que o prazo de caducidade se
suspende.

»»»»»

Como é que se determina a matéria coletável?

1. A matéria tributável é avaliada ou calculada diretamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só
podendo a administração tributária proceder a avaliação indireta nos casos e condições expressamente previstos na lei.
2. Em caso de regime simplificado de tributação, o sujeito passivo pode optar pela avaliação direta, nas
condições que a lei definir.

Art. 81º LGT – Âmbito

Esta questão tem a ver com a avaliação. A avaliação, por princípio, é uma avaliação direta, só
haverá avaliação indireta quando a lei assim o permita (art. 87º LGT). A avaliação direta visa

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Aulas teórico-práticas

determinar o valor dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação, tratando-se de um instrumento útil
na descoberta da verdade material (art. 83º, nº1 LGT). Quem é que faz esta avaliação? Nos termos do
art. 82º LGT a competência para a avaliação direta é da Administração Tributária e, nos casos de
autoliquidação, do sujeito passivo; a competência para a avaliação indireta é sempre da Administração
Tributária. A avaliação dá o valor patrimonial tributário (VPT). A avaliação direta é feita quase por
uma mera observação.
A avaliação indireta é, como dissemos, excecional, é subsidiária da avaliação direta (art. 85º,
nº1 LGT). O procedimento de avaliação indireta visa a determinação do valor dos rendimentos ou
bens tributáveis através de indícios, presunções ou outros elementos de que a Administração Tributária
disponha. O primeiro caso de avaliação indireta que aparece na LGT é o regime simplificado de
tributação (art. 87º, nº1, al. a LGT). Como sabemos, o rendimento resultante do trabalho pode ser
tributado de duas formas:

- Categoria A: trabalho dependente

- Categoria B: trabalho independente

Como é que se calcula o rendimento da categoria B? Existe uma fórmula que leva à
determinação ou não da existência de lucro. Os profissionais da categoria B, ou optam por uma
contabilidade organizada, ou optam pela via do regime simplificado de tributação – terão, para isso,
que ter um rendimento anual inferior a 200.000 euros (art. 28º, nº2 CIRS). O regime simplificado de
tributação consiste no seguinte: presume-se que o contribuinte tem de gastos 25% do valor do seu
rendimento. Assim, se o contribuinte x ganha 100.000 euros por ano, presume-se que tem de gastos
25.000 euros, tributando-se apenas 75.000 euros. Mas o regime não é assim tão simplificado, na medida
em que o trabalhador vai ter que apresentar comprovativos de gastos no valor de 15.000 euros (ou
seja, a presunção acaba por ser apenas relativamente a 10% e não a 25% do rendimento).Este regime
simplificado de tributação é um caso de avaliação indireta. Já o regime da contabilidade organizada,
por sua vez, é um caso de avaliação direta.
EM SUMA: A avaliação direta é a regra e a avaliação indireta é excecional. A avaliação indireta
tem lugar nos casos previstos no art. 87º, nº1 LGT, que veremos adiante.

Nos casos em que não há declaração, a Administração pode fazer inspeções, e pode até fazer
uma avaliação direta do rendimento. Imaginemos o caso dos jogadores de futebol: é possível que alguns
dos seus direitos de imagem estejam relacionados com o seu contrato de trabalho. Mas não são todos
os direitos de imagem que estão relacionados com o contrato de trabalho. P. ex., se o jogador faz um
anúncio de televisão, vai receber royalties que serão tributados na categoria E.

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Aulas teórico-práticas

6.03.2019

3. Revisão dos atos tributários

1. A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito
passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da
administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não
tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.
(…)

Art. 78º LGT – Revisão dos atos tributários

O art. 78º LGT é especialmente importante na prática.

Quem pode fazer o pedido de revisão de atos tributários?

O pedido pode ser feito pelo sujeito passivo, ou pode ser de iniciativa da própria Administração
Tributária.

A quem se dirige o pedido?

O pedido é feito à Administração Tributária, mais concretamente à entidade que praticou o ato
em questão.

O prazo para o sujeito passivo fazer este pedido de revisão de atos tributário é o prazo de
reclamação administrativa (art. 78º, nº1 LGT). O prazo para a Administração Tributária fazer o pedido
é de quatro anos, ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago com fundamento em erro
imputável aos serviços.

Esta é a norma que, em muitos casos, pode “salvar” uma impugnação (caso tenha passado o
prazo para a impugnação), na medida em que o sujeito passivo pode pedir uma revisão do ato e dessa
decisão parte-se para a impugnação. Imaginemos que é praticado um ato tributário do qual o particular
discorda. Quais as hipóteses de reação? Reclamação ou impugnação. Da reclamação, no caso de
indeferimento da intenção do contribuinte, pode caminhar-se para a impugnação. Nos casos em que
os prazos já estão ultrapassados pode recorrer-se à revisão e da decisão partir para a impugnação.

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Aulas teórico-práticas

4. Cobrança do imposto

Qual a lógica do ato tributário, desde que foi praticado até à cobrança do imposto?

Estamos perante um ato que, sendo praticado, levará ao pagamento de impostos, porque é um
indício de capacidade contributiva. Quando se identifica o ato tributário temos o lançamento do
imposto. A fase seguinte é a liquidação (aplicação da taxa de imposto à situação económica que o faz
nascer). A liquidação será notificada ao contribuinte, que das duas uma: ou paga dentro do prazo que
lhe foi dado (pagamento voluntário), ou deixa passar o prazo para pagamento voluntário e entra-se
na fase de cobrança coerciva (art. 103º LGT e arts. 148º e ss. CPPT). A partir do momento em que
se deixa passar o prazo para pagamento voluntário inicia-se o processo executivo, e é possível que em
tribunal estejam a decorrer dois processos relativamente à mesma dívida de imposto: um processo para
declarar a liquidação e outro para executar a dívida de imposto.

A dívida de imposto não é negociável. Não podem credor e devedor chegar a um acordo de
perdão de parte da dívida. No limite, aquilo que poderá suceder é um pagamento a prestações. Isso
está determinado no art. 42º LGT, nos termos do qual o devedor que não consiga cumprir de uma só
vez a dívida tributária pode requerer o pagamento a prestações. Ou seja, é necessário fazer um
requerimento, e a Administração dirá se aceita ou não o pagamento a prestações. Esse requerimento
deve ser feito após ter terminado o prazo para pagamento voluntário (art. 86º, nº2 CPPT). Ou seja, o
contribuinte deixa passar o prazo de pagamento voluntário, dá-se início ao processo executivo, e é
nessa ocasião que se faz este requerimento de pagamento em prestações. Pode, de todo o modo, o
contribuinte apresentar o requerimento antes, mas essa questão apenas vai ser decidida depois de
decorrido o prazo para pagamento voluntário.

1. São devidos juros de mora quando o sujeito passivo não pague o imposto devido no prazo legal.
2. Os juros de mora aplicáveis às dívidas tributárias são devidos até à data do pagamento da dívida.
(…)

Art. 44º LGT – Falta de pagamento da prestação tributária

Uma consequência relevante da passagem do prazo para pagamento voluntário da prestação


tributária é o facto de se iniciar a contagem de juros moratórios (art. 44º LGT).

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Aulas teórico-práticas

4.1. Cobrança coerciva

A cobrança coerciva (execução fiscal) está prevista no art. 103º LGT e nos arts. 148º e ss.
CPPT. Quando falamos de execução fiscal estamos a referir-nos ao processo fiscal, isto é, o processo,
que se passa em tribunal, no âmbito do qual os órgãos executivos da Administração Tributária vão
praticar atos de tentativa de cobrança, atos esses que não têm natureza jurisdicional. O executado tem
sempre o direito de reclamação relativamente aos atos que vão sendo praticados no processo de
execução pelos órgãos da Administração Tributária. É este o processo que corre de forma paralela ao
processo de impugnação judicial.
A execução fiscal, para ser efetiva, não tem que aguardar o decorrer do prazo de impugnação
judicial. O órgão de execução fiscal será o serviço da Administração Tributária onde deva legalmente
correr a execução ou, quando esta deva correr nos tribunais comuns, o tribunal competente. É
competente para decidir os incidentes, os embargos, a oposição, incluindo quando incida sobre os
pressupostos da responsabilidade subsidiária, e a reclamação dos atos praticados pelos órgãos da
execução fiscal o tribunal tributário de 1ª instância da área do domicílio ou sede do devedor (art. 151º
CPPT). A ideia aqui é que há sempre um controlo, uma supervisão do órgão judicial.
Para que a execução se inicie tem que haver uma citação do executado. O contribuinte é
notificado da liquidação e citado para a execução. As regras relativas à citação estão previstas nos arts.
191º a 193º CPPT. Há regras especificas para a citação postal, para a citação pessoal (efetuada nos
termos do CPC) e para a citação eletrónica, pois as citações podem ser feitas para o domicílio fiscal
eletrónico, isto é, para o endereço de email que o próprio contribuinte forneceu à Administração
Tributária.
Tal como sucede no processo civil, pode existir penhora (art. 193º CPPT), que corresponde à
apreensão dos bens necessários para cumprimento da dívida fiscal.

Um aspeto muito importante é a possibilidade de prestação de garantias (art. 169º CPPT).


Esta possibilidade é relevante porque vai suspender o processo executivo enquanto decorra a
reclamação graciosa, a impugnação judicial ou o recurso judicial que tenham por objeto a legalidade da
dívida exequenda. As garantias são prestadas nos termos legais e devem, evidentemente, cobrir
integralmente a dívida que esteja em causa.
Imaginemos que não foi prestada garantia e que, portanto, o processo segue os trâmites
executivos. Vai ser feita a apreensão de bens para penhora, a convocação dos vários credores existentes
e a graduação dos créditos entre os diversos credores.

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Aulas teórico-práticas

A execução, não tendo sido suspensa, termina com a venda dos bens penhorados. Tem que se
ver se o montante da venda dos bens penhorados chega ou não para cobrir o montante da dívida. Se
não chegar e estivermos perante uma empresa pode ter que se aplicar o art. 24º LGT, que regula a
responsabilidade dos membros de corpos sociais e responsáveis técnicos, mas a aplicação deste artigo
apenas terá lugar nas circunstâncias em que houver uma declaração de falhas (arts. 272º a 275º
CPPT). Quando é que há declaração em falhas? Quando os bens não cheguem para pagar a dívida ou
quando o executado seja desconhecido ou esteja ausente em parte incerta (ou seja, nas circunstâncias
de impossibilidade de pagamento).

Quanto à extinção da execução, ela está prevista nos arts. 259º e ss. CPPT, e pode ter lugar
porque houve pagamento coercivo (art. 259º CPPT) ou porque houve pagamento voluntário (art. 264º
CPPT). É possível que o pagamento seja feito por um terceiro (“a execução extinguir-se-á no estado em que
se encontrar se o executado, ou outra pessoa por ele, pagar a dívida exequenda e o acrescido” – art. 264º, nº1
CPPT).

Assim terminamos a descrição do procedimento tributário, desde o início ao seu fim, ou seja,
desde que nasce a dívida tributária até ao seu pagamento (seja voluntário, seja através de uma execução).
Na evolução do procedimento poderão existir atos suscetíveis de entrada no processo: quando, no
plano declarativo, se queria impugnar ou reclamar atos, ou quando, no plano executivo, apareçam
embargos ou outros incidentes.

»»»»»

No plano do sujeito ativo, como vimos, o conceito de órgãos da Administração é


extraordinariamente relevante. Fundamentalmente, estamos aqui a falar da Autoridade Tributária e
Aduaneira (AT). Convém, a este nível, ter em atenção a existência de serviços centrais - figura do
Diretor Geral de Impostos (e vários subdiretores) -, e de serviços desconcentrados a nível local (≠ de
descentralização, que pressupõe a criação de pessoas coletivas próprias), que podem ser as Direções
de Finanças ou os Serviços de Finanças.

O procedimento tributário corresponde, como dissemos, à sucessão de atos que são


necessários para a declaração de direitos tributários, e dentro dessa sucessão de atos temos os atos
preparatórios da decisão e o próprio ato de decisão. Todos eles se incluem dentro da lógica do
procedimento e em relação a todos eles os contribuintes têm direitos.

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Aulas teórico-práticas

5. Princípios do procedimento tributário

Arts. 55º a 60º LGT e arts 10º e 45º a 50º CPPT.

Há que distinguir a determinação legal dos princípios da classificação doutrinal dos mesmos.

A administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios
da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade,
no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários.

Art. 55º LGT – Princípios do procedimento tributário

O art. 55º LGT enumera os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da


justiça, da imparcialidade e da celeridade.

5.1. Princípio da legalidade

Quando invoca o princípio da legalidade fala-se, naturalmente, de determinações previstas na


CRP. No nº2 do art. 103º CRP, com remissão para o 266º, é determinado que os impostos são criados
por lei (princípio geral) e que essa lei tem que determinar a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as
garantias. Estas matérias estão sujeitas ao princípio de reserva de lei, isto é, têm que ser determinadas
por lei da Assembleia da República, a não ser que o governo, através de Decreto Lei autorizado, esta
autorizado a fazê-lo. Esta ideia de legalidade constitucional tem que se adequar com outros princípios
constitucionais. P. ex., na determinação das taxas do IMI, em algumas circunstâncias, aquilo que a lei
fez foi determinar um “espaço” de taxas, que depois é concretizado pelas autarquias locais. Aquilo que
parece ser uma violação do princípio da legalidade (porque a CRP impõe que a lei determine a taxa, e
não um limite de taxas) tem que ser compatibilizado com outros princípios (como, p. ex., o princípio
da autonomia do poder local).

1. Estão sujeitos ao princípio da legalidade tributária a incidência, a taxa, os benefícios fiscais, as garantias dos
contribuintes, a definição dos crimes fiscais e o regime geral das contraordenações fiscais.
2. Estão ainda sujeitos ao princípio da legalidade tributária:
a) A liquidação e cobrança dos tributos, incluindo os prazos de prescrição e caducidade;
b) A regulamentação das figuras da substituição e responsabilidade tributárias;
c) A definição das obrigações acessórias;
d) A definição das sanções fiscais sem natureza criminal;

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Aulas teórico-práticas

e) As regras de procedimento e processo tributário.

Art. 8º LGT – Princípio da legalidade tributária

O princípio da legalidade não está, todavia, apenas previsto na CRP, está também previsto na
LGT, que alarga esse princípio à definição dos tipos fiscais e ao regime geral das contribuições fiscais.
Faz, por outra via, uma extensão do princípio da legalidade àquilo que é a liquidação e cobrança de
impostos, a regulamentação das figuras da substituição e responsabilidade tributárias, a definição das
obrigações assessórias, a definição das sanções sem natureza criminal e as regras de procedimento e
processo tributário. Estas matérias não vão, portanto, poder ser objeto de um regime determinado por
normas regulamentares. Aqui não está tanto em causa a questão formal mas sim a questão de se dizer
que tem que ser uma norma legislativa e não administrativa.

5.2. Princípio da imparcialidade

Este princípio da imparcialidade, que é aplicado à Administração Tributária, tem aplicação


durante todo o procedimento tributário, isto é, tem aplicação em todos os atos preparatórios e no ato
de decisão. Como sabemos, os atos da Administração são escortináveis em tribunal (a Administração
é sujeito ativo da relação jurídica tributária, e muitas vezes é necessário que determinados conflitos
venham a ser tratados por um terceiro imparcial face aos sujeitos dessa relação jurídica tributária).

5.3. Princípio da proporcionalidade

O princípio da proporcionalidade está previsto no art. 266º, nº2 CRP. Este princípio tem uma
divisão tripla: a atividade da Administração Tributária tem que ser necessária, adequada e proporcional
em sentido estrito.
O art. 63º LGT refere-se à inspeção. É principalmente no decorrer de uma inspeção tributária
que poderão existir situações violadoras deste princípio da proporcionalidade. Qual a ideia que aqui
tem que estar presente? Numa inspeção tributária, a Administração Tributária apenas deve praticar os
atos que sejam estritamente necessários ao apuramento da situação tributária dos contribuintes. O art.
63º, nº1 LGT enumera alguns desses atos que podem ser praticados pelos órgãos competentes:

a) Aceder livremente às instalações ou locais onde possam existir elementos


relacionados com a sua atividade ou com a dos demais obrigados fiscais;
b) Examinar e visar os seus livros e registos da contabilidade ou escrituração, bem
como todos os elementos suscetíveis de esclarecer a sua situação tributária;

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Aulas teórico-práticas

c) Aceder, consultar e testar o seu sistema informático, incluindo a documentação


sobre a sua análise, programação e execução;
d) Solicitar a colaboração de quaisquer entidades públicas necessária ao apuramento
da sua situação tributária ou de terceiros com quem mantenham relações
económicas;
e) Requisitar documentos dos notários, conservadores e outras entidades oficiais;
f) Utilizar as suas instalações quando a utilização for necessária ao exercício da ação
inspetiva.

5.4. Princípio da celeridade

O princípio da celeridade está enunciado no art. 55º LGT e concretizado no art. 57º LGT, nos
termos do qual o procedimento tributário deve ser concluído no prazo de quatro meses, devendo a
Administração e os contribuintes abster-se da prática de atos inúteis ou dilatórios. A regra em Direito
Tributário é inversa à do Direito Administrativo, isto é, a regra é a do indeferimento tácito. Ou seja, se
a Administração Tributária nada disser no prazo de quatro meses, pressupõe-se que indeferiu o pedido
que lhe foi feito. A ficção do ato de indeferimento tácito, prevista como consequência da violação do
princípio da celeridade, despoleta a possibilidade de recurso hierárquico, reclamação graciosa, ação
administrativa, impugnação judicial e de pedido de constituição de tribunal arbitral, nos termos do art.
57º, nº5 LGT. Mantém-se, todavia, o dever de responder da Administração.
Importa aqui referir o art. 45º LGT, que se refere à caducidade do direito à liquidação. Se os
tributos não forem notificados ao contribuinte no prazo de quatro anos (se a lei não determinar outro
prazo), caduca o direito a fazer a liquidação.

5.5. Princípio da colaboração

O princípio da colaboração está previsto no art. 59º LGT, nos termos do qual “os órgãos da
administração tributária e os contribuintes estão sujeitos a um dever de colaboração recíproco”. Falamos de uma
colaboração entre a Administração, por um lado, e o contribuinte, por outro. É um dever recíproco e
que pressupõe a ideia de informação. Por princípio, quer a Administração, quer os contribuintes atuam
de boa fé, isto é, presume-se a boa fé da atuação de ambos (art. 59º, nº2 LGT). Isto tem relevância
relativamente a presunções sobre as declarações iniciais e informações prestados pelos contribuintes
(p. ex., no IRC há uma autoliquidação, ou seja, é o próprio contribuinte que faz a liquidação – presume-
se que atua de boa fé). A Administração é que tem que provar que há erros ou omissões na atuação do

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Aulas teórico-práticas

contribuinte, algo que vai fazer através da utilização do expediente do art. 63º LGT (inspeções
tributárias).

A Administração tem especiais deveres de informação e de esclarecimento quanto à


necessidade de apresentação de declarações, reclamações e petições relativamente às quais o
contribuinte esteja em dúvida e em relação às quais precise de esclarecimentos (art. 48º CPPT).
Dentro da lógica das informações, importa referir as orientações genéricas, previstas no art.
68º-A LGT. As orientações genéricas da Administração estão dentro daquilo a que se chama “Direito
circulatório”. Uma orientação genérica é uma posição que a Administração toma sobre uma
determinada circunstância que se pode vir a repetir, mas cujo conteúdo tem uma mera eficácia para
dentro da própria Administração. O facto de existir uma orientação genérica não leva a que o
contribuinte não possa atuar de forma diferente à da orientação genérica (mas é provável que a
Administração faça, nesses casos, uma inspeção). Uma orientação genérica não é uma norma
vinculativa, é uma interpretação relativa a uma situação que nem sequer é concreta e cujos efeitos se
aplicam apenas à própria Administração. As orientações genéricas nunca podem ser invocáveis de
forma retroativa, conforme dispõe o art. 68º-A, nº2 LGT.
Convém orientações genéricas do instituto das informações vinculativas, previsto no art. 68º
LGT. Os pedidos de informações vinculativas (PIV) são pedidos feitos pelos contribuintes em relação
a uma qualquer situação jurídico-fiscal, que vai da determinação da sua situação fiscal à determinação
de benefícios fiscais. O pedido tem que ser apresentado por via eletrónica e é dada uma resposta pela
Administração Tributária. O que é que sucede aqui? A Administração Tributária (art. 68º, nº14 LGT),
em relação ao objeto do pedido, não pode, num prazo de quatro anos, atuar em sentido diverso naquela
situação em concreto, a não ser que haja uma decisão judicial em sentido diverso. Ao contrário do que
acontece nas orientações genéricas, estes pedidos de informação vinculativa são pedidos feitos pelo
contribuinte à Administração, aos quais a Administração tem que responder, e essa resposta vincula a
própria Administração perante a situação daquele contribuinte, por um prazo de quatro anos, a não
ser que haja decisão judicial em sentido diferente. Portanto, quando existem duvidas por parte do
contribuinte em relação a uma situação, uma das coisas que se pode ponderar é fazer este pedido de
informação vinculativa, correndo, no entanto, o risco da interpretação contrária por parte da
Administração, que a ela fica vinculada durante um período de quatro anos.
Convém referir a possibilidade de um repercutido que não é sujeito passivo poder fazer um
pedido de informação vinculativo em relação a uma situação em que lhe tenha sido transmitida a
obrigação de pagar o imposto.

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Aulas teórico-práticas

As informações vinculativas são publicadas, logo é possível verificar se, em relação a uma
dúvida, já há uma informação vinculativa da Administração.

Pode pedir-se uma informação vinculativa com caráter de urgência, que terá que ser
respondida no prazo de 75 dias (art. 68º, nº2 LGT). Os pedidos de informação vinculativa com carater
de urgência têm que estar acompanhados de uma proposta de enquadramento jurídico-tributário.
O pedido de informação vinculativa (quer tenha ou não caráter de urgência) é sempre feito por
via eletrónica.
No caso em que o pedido é urgente e não há resposta no prazo dos 75 dias considera-se que a
Administração aceitou tacitamente o enquadramento jurídico-tributário apresentado pelo contribuinte
(art. 68º, nº8 LGT). A informação vinculativa produz efeitos apenas para a situação em concreto, e
apenas no que respeita aos atos e factos que tenham sido identificados no pedido. Esta é a grande
diferença entre as informações vinculativas e as respostas expressas, que vinculam a Administração
Tributária em relação àquele contribuinte durante um período de quatro anos, a não ser que haja
sentença judicial em sentido contrário.
Pode, no caso do pedido de informação vinculativa urgente, a Administração notificar o
contribuinte de que a situação é de especial complexidade técnica, e que por isso se vai aplicar o prazo
normal dos 150 dias (art. 68º, nº10 LGT). O pedido de informação vinculativa é arquivado se estiver
pendente ou vier a ser apresentada reclamação, recurso ou impugnação judicial que implique os factos
objeto do pedido de informação (art. 68º, nº12 LGT). Por outro lado, numa se pode fazer um pedido
de informação vinculativa quando esteja a correr um procedimento de inspeção tributária.
O nº 15 do art. 68º LGT prevê a caducidade das informações vinculativas se houver uma
alteração superveniente dos pressupostos de facto ou de direito em que assentaram (p. ex., se houver
uma alteração legislativa) e podem ser revogadas, com efeitos para o futuro, no prazo de um ano a
contar da sua prestação, sendo o contribuinte obrigatoriamente notificado (art. 68º, nº16 LGT).
Convém ter em atenção que há sempre a possibilidade de recorrer contenciosamente das
informações vinculativas que sejam prestadas. Tem que se seguir a forma das ações administrativas
comuns. É um pedido feito ao tribunal administrativo e tributário, que segue a forma da ação
administrativa, e tem sido aceite a possibilidade de mesmo os repercutidos poderem recorrer de uma
informação vinculativa (porque, relembre-se, quem pode fazer o pedido de informação vinculativa, em
princípio, são os sujeitos passivos, havendo no entanto alguma discussão relativamente à questão de
saber se podem ou não os repercutidos fazê-lo também).

Relativamente à colaboração dos sujeitos passivos, por sua vez, ela sente-se desde logo no dever
de declaração. Por princípio, como dissemos, presume-se verdadeira e de boa fé a declaração que o

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Aulas teórico-práticas

contribuinte faz. A Administração tem o ónus da prova relativamente àquilo que foi declarado pelo
contribuinte. É a Administração, através do procedimento de inspeção, que vai ter que provar essa
falta de verdade. É, portanto, a própria Administração quem, no fundo, “vira” o ónus da prova, porque
a partir do momento em que há uma liquidação adicional é o contribuinte que tem que provar que a
Administração não atuou de acordo com a verdade da situação tributária.

Pode parecer contraditório, mas o sujeito passivo, querendo, pode recusar-se a colaborar. P.
ex., no processo de inspeção, a determinada altura é aberto um período de audiência prévia do
contribuinte, que pode ou não exercer esse direito de audiência prévia, não podendo ser prejudicado
pelo facto de não o exercer. Ou seja, a falta de exercício da colaboração não pode ter como
consequência uma alteração do ónus da prova que existe sobre a Administração. Há um princípio de
boa fé de atuação dos dois agentes, presumem-se verdadeiras as declarações dos contribuintes e é, por
isso, a Administração que tem o ónus de provar que aquilo que foi declarado tem omissões, não
corresponde à verdade, ou não faz uma boa interpretação da lei. Ou seja, é a Administração quem tem
que demonstrar a falta de verdade daquilo que tenha sido declarado pelo contribuinte.

5.6. Princípio da boa fé

O princípio da boa fé está previsto no art. 59º, nº2 LGT. O art. 59º CPPT, por sua vez, prevê
que o procedimento se inicia com as declarações dos contribuintes, desde que estes fornecem à
Administração os elementos indispensáveis à verificação da sua situação tributária.
Conforme dispõe o art. 75º, nº1 LGT, “presumem-se verdadeiras e de boa fé as
declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos
inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal,
sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos”.
Importa ainda referir o art. 74º LGT, que determina, no nº1, que o ónus da prova dos factos
constitutivos de direitos, sejam da Administração, sejam dos contribuintes, recai sobre quem os
invoque.

7.03.2019

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5.7. Princípio da participação

O princípio da participação está consagrado no art. 60º LGT e no art. 267º, nº5 CRP. O art.
267º, nº5 CRP consagra o direito de participação que qualquer cidadão tem no procedimento
administrativo. Qual é a concretização no procedimento tributário deste direito que é dado aos
administrados? É, fundamentalmente, um direito de audiência prévia, que tem duas grandes funções:

→ Uma relacionada com a descoberta da verdade: isto tem que ver com a lógica de que se
pressupõe que as declarações são verdadeiras – a verdade tributária será, então, naturalmente, a
tributação de acordo com a substância económica da situação (porque os impostos existem para
tributar situações económicas);

→ E uma outra relacionada com uma defesa antecipada de direitos.

Há aqui uma lógica de tipicidade, ou seja, a lei determinar, no art. 60º, nºs 1 e 2, os casos em
que pode existir audiência prévia. Vejamos:

Há um princípio geral de audição da posição do contribuinte. O nº2 do art. 60º LGT diz que é
dispensada a audição quando:

a) A liquidação se efetuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido,


reclamação, recurso ou petição lhe for favorável;
b) A liquidação se efetuar oficiosamente, com base em valores objetivos previstos na lei,
desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em
falta, sem que o tenha feito.

Há momentos em que é especialmente importante o direito de audiência prévia. É o caso da


situação em que foi determinada uma segunda liquidação, situação em que tem que ser ouvido o
contribuinte e tem que haver já uma espécie de projeto de decisão por parte da Administração – se o
contribuinte exercer o seu direito de audiência prévia, ele tem que ser tido em conta na fundamentação
final. Este direito deve ser utilizado (ou não) de acordo com os próprios interesses do contribuinte, há
uma abertura da própria lei para isso.

Entre os vários direitos de audição destacam-se os que envolvem a aplicação de métodos


indiretos de avaliação da situação tributária e as circunstâncias em que há inspeções.

Vejamos os vários momentos de participação:

1. Audição antes da liquidação (art. 69º, nº1, al. a LGT):

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Aulas teórico-práticas

Incluem-se nestas situações as circunstâncias de uma liquidação administrativa propriamente


dita (é uma exceção: pensemos no IRS e no IRC, onde há uma declaração do contribuinte - no IRS há
uma declaração de rendimentos; no IRC há, para além disso, autoliquidação, o contribuinte aplica a
taxa; no IVA há também uma declaração dos movimentos feitos durante um determinado mês ou
trimestre, de acordo com os valores que estejam em causa; nos impostos sobre o património há
também uma declaração do próprio contribuinte). Ou seja, incluem-se nestas situações, desde logo, as
liquidações oficiosas (que têm lugar quando o contribuinte não entregou a declaração). O contribuinte
tem também o direito de participar na formação das liquidações adicionais (quando em sede de
fiscalização tributária se concluir que o imposto liquidado com base na declaração do contribuinte é
inferior ao legalmente devido). NOTA: a não entrega da declaração é algo que vai existindo cada vez
menos, na medida em que é tudo feito cada vez mais por via eletrónica.

2. Audição antes do indeferimento dos pedidos, reclamações, recursos ou petições


que tenham sido apresentados (art. 60º, nº1, al. b LGT):

Uma vez que o nº2, al. a) do art. 60º LGT dispensa a audição prévia quando a decisão seja
favorável ao contribuinte, estamos aqui perante uma dimensão contraditória do direito de participação,
a lei só reconhece o direito do contribuinte se pronunciar nos casos em que as decisões da
Administração lhe sejam desfavoráveis (só há dispensa de audição prévia quando a decisão é totalmente
favorável ao contribuinte, não pode ser uma decisão apenas parcialmente favorável). A decisão
desfavorável pode surgir por via expressa ou tácita, e existe sempre a possibilidade de recurso
hierárquico (p. ex., para o Ministro das Finanças) – há situações em que a lei determina que esse recurso
hierárquico é obrigatório.

3. Audição antes de revogação de qualquer benefício fiscal ou ato administrativo


constitutivo de direitos em matéria fiscal (art. 60º, nº1, al. c LGT):

Prevê-se também o direito do interessado ser ouvido antes da decisão de revogação de um


benefício fiscal e antes da emanação de atos que concluam outros procedimentos tributários que não
o de liquidação.
Quanto ao reconhecimento dos benefícios fiscais importa referir que há benefícios automáticos
e outros que dependem de reconhecimento (esta matéria está regulada no Estatutos dos Benefícios
Fiscais e em legislação avulsa). Para que haja reconhecimento de benefícios fiscais, quando a lei
determina essa necessidade (ou seja, quando estes não são automáticos), tem que haver um
requerimento do contribuinte para esse efeito. O contribuinte tem que fazer o requerimento, referir a
base que permite o reconhecimento do benefício fiscal (têm que estar verificados pressupostos legais

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Aulas teórico-práticas

e o contribuinte tem que explicar, no requerimento, porque considera que estes estão cumpridos) e
tem que se fazer o calculo do benefício, quando tal seja obrigatório. O pedido é feito nos serviços que
podem fazer a liquidação do tributo, e o despacho determinará o início e o fim da aplicação do
benefício.
Podem também existir decisões da própria Autoridade Tributária que revertam um
determinado benefício. Essas decisões têm sempre que passar por audiência prévia do interessado.

4. Audição antes da aplicação de normas anti abuso (art. 63º, nº5 CPPT):

Quando seja aplicada uma disposição anti abuso (art. 63º, nº5 CPPT) é necessário que se
estabeleça o direito de audição prévia, que terá que ser exercido no prazo de 30 dias a contar da
notificação do projeto de aplicação da norma anti abuso ao contribuinte. A consequência da aplicação
da norma geral anti abuso é a ineficácia do ato (art. 38º LGT), que se aplica quando existe a utilização
de meios artificiosos ou fraudulentos que levam a uma menor tributação ou até a uma inexistência de
tributação. Tem que ser comprovado que determinado ato ou negócio foi praticado com um objetivo
de natureza fiscal (de diminuir, eliminar ou determinar o deferimento temporal dos impostos), e desde
que existam contratos ou atos que pudessem chegar ao mesmo resultado mas com maior pagamento
de impostos. É muito difícil determinar o que é que é fraude fiscal e o que é elisão fiscal (utilização das
normas tributárias de forma a chegar a um menor pagamento de impostos). Se não há uma
substancialidade económica para fazer determinada opção, pode existir uma situação de abuso.
Quando se aplica esta norma geral anti abuso, que vai levar a uma maior tributação, tem que haver
uma audiência prévia do interessado.
EM SUMA, há um negócio jurídico válido, que pode produzir os seus efeitos, mas que no plano
tributário pode ter passado por um abuso de formas jurídicas. Esta norma anti abuso do art. 38º LGT
é especialmente relevante, porque poderia ser entendida como uma “válvula de escape” para o sujeito
ativo da relação. Ao mesmo tempo, é tão mais necessária na medida em que cada vez mais há
expedientes complicados, formas jurídicas complexas e que muitas vezes têm que ser “descascadas”
para ver se há algum objetivo de natureza tributária escondido.

5. Audição antes da reversão do processo de execução fiscal (art. 23º, nº4 LGT):

Os responsáveis subsidiários podem ser chamados a responder pelas dívidas dos devedores
originários. Isto faz-se através da reversão do processo de execução fiscal contra o responsável
subsidiário, que deve ser precedida da audiência do responsável subsidiário, que tem assim
oportunidade de pôr em causa a verificação dos pressupostos da reversão.

6. Audição antes da aplicação de métodos indiretos (art. 60º, nº1, al. d LGT):

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Aulas teórico-práticas

Métodos diretos são aqueles que “se veem”, digamos assim. Imaginemos que estamos perante
um consultório médico, que declara que atende um doente por dia, e há uma inspeção na qual se vê
que na sala de espera há cerca de 100 lugares sentados. É provável que o consultório receba mais do
que aquilo que declara. A avaliação indireta, por sua vez, pode ser feita em várias circunstâncias: quando
p. ex não há declaração, ou quando esta é insuficiente, quando tem erros claros e óbvios. A avaliação
indireta é extraordinariamente importante para os casos de tributação do património (que em Portugal
é, fundamentalmente, o património imobiliário).

O art. 87º LGT determina taxativamente os casos em que pode haver avaliação indireta (NOTA:
voltaremos a esta questão a propósito do procedimento de avaliação indireta):

a) Regime simplificado de tributação;


b) Impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos
indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto;
c) A matéria tributável do sujeito passivo se afastar, sem razão justificada, mais de 30% para
menos ou, durante três anos seguidos, mais de 15% para menos, da que resultaria da
aplicação dos indicadores objetivos da atividade de base técnico-científica;
d) Os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos,
sem razão justificada, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as
manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89.º-A;
e) Os sujeitos passivos apresentarem, sem razão justificada, resultados tributáveis nulos ou
prejuízos fiscais durante três anos consecutivos, salvo nos casos de início de atividade, em
que a contagem deste prazo se faz do termo do terceiro ano, ou em três anos durante um
período de cinco.
f) Acréscimo de património ou despesa efetuada, incluindo liberalidades, de valor superior a
100.000 euros, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou
com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com
os rendimentos declarados.

É, a este propósito, importante referir o art. 89º-A LGT, que determina padrões de rendimento
relativamente a algumas ostentações de riqueza.

A aplicação de meios indiretos pressupõe uma audiência prévia do contribuinte. Convém ter
em atenção que há proibição de dupla audição, isto é, não há audição numa inspeção e num processo
de avaliação por meios indiretos, há apenas uma audição (art. 60º, nº3 LGT).

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Aulas teórico-práticas

7. Audição antes da conclusão do relatório de inspeção tributária (arts. 60º, nº1, al. e
LGT):

Após a realização de uma inspeção tributária deve ser elaborado um projeto de relatório com
a identificação dos atos tributários que poderão decorrer daquela inspeção, bem como a sua
fundamentação. O sujeito passivo deve ser notificado desse projeto de relatório, de forma a poder
pronunciar-se sobre ele. É este relatório que, tornando-se definitivo, consubstanciará a fundamentação
da liquidação adicional decorrente da inspeção.

A audição prévia pressupõe que a Administração Tributária comunica ao sujeito passivo o


projeto da sua decisão e a respetiva fundamentação. É muito provável que entre o projeto e decisão
final haja uma coincidência de fundamentos e de conteúdo.
Elementos novos em relação aos quais não exista pronuncia (que podem surgir na audiência
prévia) correspondem a um fundamento de impugnação judicial. A falta de notificação dos
interessados da decisão final, quando seja de indeferimento, leva à anulabilidade do ato decisório.

5.8. Princípio da confidencialidade

O princípio da confidencialidade está previsto no art. 64º LGT, nos termos do qual os
dirigentes, funcionários e agentes da Administração Tributária têm que guardar sigilo sobre os dados
recolhidos sobre a situação tributária dos contribuintes e os elementos de natureza pessoal que
obtenham durante o procedimento. São deveres especiais que têm que ser cumpridos pelos agentes da
Administração.
Este dever de sigilo pode cessar nos casos previstos no nº2 do art. 64º LGT:
a) Autorização do contribuinte para revelação da sua situação tributária;
b) Cooperação legal da administração tributária com outras entidades públicas, na medida
dos seus poderes;
c) Assistência mútua e cooperação da administração tributária com as administrações
tributárias de outros países resultante de convenções internacionais a que o Estado
Português esteja vinculado, sempre que estiver prevista reciprocidade;
d) Colaboração com a justiça nos termos do Código de Processo Civil e mediante
despacho de uma autoridade judiciária, no âmbito do Código de Processo Penal;
e) Confirmação do número de identificação fiscal e domicílio fiscal às entidades
legalmente competentes para a realização do registo comercial, predial ou automóvel.

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Aulas teórico-práticas

Se o princípio da confidencialidade for violado, o agente em causa incorre em responsabilidade


disciplinar, contraordenacional e criminal.

Tem que haver aqui um equilíbrio entre o elemento de natureza pessoal e de necessário respeito
pela confidencialidade de atos pessoais, por um lado, e o interesse público, por outro. Por isso se evolui
em relação a casos mais graves com a possibilidade de publicação das listas dos devedores fiscais.

5.9. Princípio da vinculação da forma

Em regra, a forma é escrita.


5.10. Princípio do inquisitório e do dispositivo

O princípio do inquisitório está previsto no art. 58º LGT. A ideia aqui presente é a de que a
Administração não está limitada pela iniciativa do autor do pedido, o contribuinte, para realizar todas
as diligências necessárias à satisfação do interesse e à descoberta da realidade material. Quer isto dizer
que a Administração não está limitada àquilo que seja o pedido do contribuinte. Privilegia-se aqui a
descoberta da verdade material.

5.11. Princípio da publicidade dos atos

Este princípio verifica-se, desde logo, na relevância da notificação (publicidade individual). A


publicidade geral é a publicação.

5.12. Princípio do duplo grau de decisão

Em contencioso tributário a regra é a de que as decisões administrativas concretizam atos


definitivos imediatamente impugnáveis, prevendo-se, como regra, a natureza meramente facultativa
dos recursos hierárquicos (arts. 54º e 67º, nº2 CPPT). As reclamações graciosas também são, via de
regra, de natureza facultativa (exceções: arts. 131º a 133º-A CPPT). No entanto, nada impede os
contribuintes de recorrer primeiro à sindicância administrativa. O art. 47º CPPT consagra o princípio
do duplo grau de decisão, nos termos do qual a mesma pretensão não pode ser apreciada
sucessivamente por mais de dois órgãos integrando a mesma Administração Tributária. Quer isto dizer
que o recurso administrativo apenas pode existir uma vez. Há uma decisão inicial e pode haver recurso
hierárquico para outro órgão, mas nunca pode ser a mesma questão apreciada por mais de dois órgãos
que integrem a mesma Administração Tributaria. À segunda decisão desfavorável pode recorrer-se à
via jurisdicional.

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Aulas teórico-práticas

Convém notar que há casos em que o recurso hierárquico é obrigatório, situações em que tem
que se seguir o trilho administrativo e procedimental.

14.03.2019

Cap. III. Procedimentos em especial


Vamos agora olhar para aqueles que são os diferentes tipos de procedimento. Importa referir
que os procedimentos podem ser da iniciativa da Administração ou do contribuinte.

1. Procedimento de liquidação

Todos os procedimentos têm como regime típico o procedimento de liquidação. É à volta da


liquidação que tudo acaba por se passar em matéria tributária, porque é a liquidação que determina, no
fundo, o montante de imposto a pagar. Todos os litígios entre contribuinte e Administração terão
sempre como foco principal a ideia de liquidação.
A liquidação tem como elemento fundamental a declaração que o contribuinte faz, que se
presume verdadeira e de boa fé. O art. 59º CPPT, que se refere ao início do procedimento, deixa claro
que o este se inicia com base nas declarações do contribuinte ou, na falta delas, com base nos elementos
de que disponha a entidade competente, isto é, a Administração. A declaração, para servir como ponto
de partida da liquidação, terá que ter todos os elementos que a lei prevê, e tem que fornecer à
Administração um modo de alcançar a verdade tributária. Podem suceder circunstâncias de declarações
de substituição (p. ex., um contribuinte que se engana na declaração que está a apresentar) e é preciso
ter em atenção que, nos dias de hoje, a declaração está muito facilitada (pense-se no caso do IRS, em
que muitos dos dados já estão preenchidos e o contribuinte apenas tem de os confirmar). Hoje em dia
a questão da declaração está ligada a uma ideia de celeridade, porque ela é prestada via eletrónica.

2. Procedimento de cobrança

Relacionado com o procedimento de liquidação está a ideia de cobrança (para a Administração)


e pagamento (para o contribuinte). Esta cobrança é tanto mais importante quando se sabe que a
principal das receitas que é cobrada pelo Estado é a que advém dos impostos.

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Aulas teórico-práticas

A cobrança pode ser voluntária ou coerciva. É voluntária quando é cumprida dentro do prazo
legalmente previsto. É coerciva quando é feita em processo de execução. É de salientar que o
pagamento da prestação tributária constitui a obrigação principal do sujeito passivo, nos termos do art.
31º, nº1 LGT. O prazo de cobrança dos impostos varia de imposto para imposto, de acordo com
aquilo que seja determinado nas regras especiais. Se nada for dito, o prazo é de 30 dias a partir da
notificação da liquidação. A partir do momento em que se ultrapasse o prazo para pagamento
voluntário, começam a contar-se juros de mora. É também esse o momento em que o contribuinte
pode fazer o requerimento para pagamento a prestações, e é ainda o momento em que se pode prestar
garantia para suspender a execução. P. ex., alguém que discorda da liquidação não vai pagar porque
quer impugnar, e então presta garantia para suspender a execução. Se não suspender a execução há
uma possibilidade de cobrança coerciva.

3. Procedimento de informação vinculativa

O procedimento de informação vinculativa tem, como vimos, como ponto de partida o pedido
de informação vinculativa. Art. 68º LGT. O pedido de informação vinculativa é feito pelos sujeitos
passivos (art. 18º, nºs 3 e 4 LGT): o contribuinte, o substituto ou o responsável. O nº4 do art. 18º LGT
diz-nos que não é sujeito passivo quem suporta o encargo do imposto por repercussão fiscal. Portanto,
considera-se que, à partida, e sem mais, o repercutido não teria a possibilidade de fazer o pedido. É
este o pressuposto inicial. Estes pedidos de informação vinculativa incidem situações em concreto que
se vão aplicar a um determinado contribuinte (que pergunta, no fundo, qual o enquadramento no plano
da legislação fiscal), que tem que começar por descrever os factos e dar os elementos necessários para
que a Administração possa decidir.
A informação vinculativa pode ser pedida com caráter de urgência, conforme dissemos
anteriormente. Nos casos em que é pedida com caráter de urgência, tem que se ter em atenção o prazo
de 75 dias e a necessidade de o pedido vir obrigatoriamente acompanhado de uma proposta de
enquadramento. Com isto não quer dizer que quem faça um pedido de informação vinculativa não
urgente não possa fazer o enquadramento. Pode fazê-lo, se assim o entender, mas não tem de o fazer.
Como dissemos, à partida os repercutidos não podem fazer o pedido de informação
vinculativa. O legislador, no nº4 do art. 68º LGT, diz-nos, no entanto, que o pedido por ser feito “por
outros interessados”. O prof. DIOGO FEIO entende que entram aqui os repercutidos, porque se assim
não fosse não faria sentido a remissão para o nº3 do art. 18º LGT. A legitimidade para o pedido deve,
portanto, ser ampla.

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Aulas teórico-práticas

Os advogados, solicitadores, revisores e técnicos oficiais de contas e quaisquer entidades


habilitadas ao exercício da consultadoria fiscal podem, nos termos do nº5 do art. 68º LGT, requerer
informações vinculativas acerca da situação tributária dos seus clientes.
O pedido de informação vinculativa, quando urgente, terá que ser aceite no prazo de 30 dias a
partir do momento em que foi feito. A sua aceitação tem que ser notificada ao contribuinte, que tem
que pagar uma taxa entre 25 e 250 unidades de conta (UC)4, nos termos do nº7 do art. 68º LGT. Para
que seja aceite como urgente, o pedido tem que estar pago, obrigatoriamente. No caso de um pedido
de informação vinculativa urgente não ser respondido no prazo legal, considera-se deferido
tacitamente, tratando-se de uma exceção à regra do indeferimento. Se se exige ao contribuinte que
faça um enquadramento, tem alguma lógica que o silêncio da Administração seja entendido como
aceitação desse enquadramento. Para além disso, se o pedido é urgente, não pode a Administração,
pela sua falta de resposta, retirar-lhe esse efeito urgente. O deferimento tácito em causa tem efeitos
sobre a situação em concreto e é relativo ao período de tributação em que ocorram, isto é, não tem
efeitos para além disso (art. 68º, nº9 LGT).
Para as situações em que a Administração entende que não estão cumpridos os pressupostos
para que a informação seja urgente, e notifica o contribuinte disso, a natureza do pedido passa a ser
não urgente. Ou seja, não há como consequência o indeferimento do pedido (art. 68º, nº10 LGT).
O pedido de informação vinculativa não terá efeito algum se estiver um procedimento de
inspeção aberto (seria uma duplicação de procedimentos em relação ao mesmo facto), assim como será
arquivado se existir uma reclamação ou uma impugnação sobre os mesmos factos (art. 68º, nº12 LGT).
Trata-se de um princípio de economia procedimental.
Os efeitos da resposta ao pedido de informação vinculativa estão regulados no nº14: a
Administração fica vinculada à decisão que tomou. NOTA: a decisão que se tenha que tomar sobre um
pedido de informação vinculativa é especialmente relevante para o advogado, porque sabe que vincula
a Administração à resposta que esta vier a dar relativamente ao tipo de situação em concreto. Isto não
limita, obviamente, o direito que o contribuinte tenha de, p. ex., apresentar uma impugnação judicial.
De tudo o que acabamos de dizer retiram-se dois aspetos. Em primeiro lugar, os pedidos de
informação vinculativa devem ser preventivos. Em segundo lugar, acabam por criar um risco para o
contribuinte, o da resposta não ser a que pretende. Mas pode, muitas vezes, ser necessário fazer um
pedido de informação vinculativa para clarificar situações (p. ex., um contribuinte que sistematicamente

4 Uma UC equivale a 102 euros.

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Aulas teórico-práticas

atua de uma determinada forma relativamente a um imposto e tem dúvidas sobre essa atuação). É,
portanto, um instrumento muito importante mas que tem que ser ponderado. Se alguém faz
preventivamente um pedido de informação vinculativa e a resposta é contrária ao enquadramento que
o contribuinte faz dos factos, esse contribuinte fica a saber que relativamente a liquidações que lhe
venham a ser feitas no que respeita a esses mesmos factos não lhe vale de nada a impugnação graciosa,
é preferível partir logo para a impugnação judicial.
A informação vinculativa, como já foi dito, vincula a Administração, salvo se houver alteração
superveniente dos factos. A Administração deixa de estar vinculada à informação que deu quatro anos
depois de a ter dado, a não ser que o contribuinte solicite a renovação da informação inicialmente dada.
No caso da Administração não responder a um pedido de informação vinculativa não urgente,
passado o prazo dos 150 dias previsto no nº4 do art. 68º LGT, o contribuinte pode atuar de acordo
com aquela que é a sua posição em relação à circunstância em concreto, nunca podendo por esse facto
ser sujeito a coimas, juros ou outros acréscimos legais (art. 68º, nº18 LGT).
As decisões da Administração são sujeitas a um recurso judicial autónomo, em que se utiliza a
forma de ação administrativa (nº 20 do art. 68º LGT) e terão, de acordo com o art. 9º CPPT (nºs 4 e
1), legitimidade para essa ação os contribuintes, os substitutos, os responsáveis, outros obrigados
tributários, partes em contratos fiscais e qualquer pessoa que prove ter um interesse legalmente
protegido.

4. Procedimento de acordos prévios

O IRC é um imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas. Tributa-se o lucro = aquilo
que se ganhou - aquilo que se gastou. O modo como se contabilizam os gastos tem que ser o mais
rigoroso possível, e não é igual numa lógica meramente contabilística face à contabilidade fiscal. A
contabilidade fiscal terá regras próprias que vêm do CIRC.

Imaginemos os seguintes exemplos:

➔ Uma sociedade portuguesa compra uma determinada mercadoria por 1.000.000 euros a
uma sociedade alemã.
➔ Uma sociedade portuguesa, perante uma outra, compra a mesma mercadoria mas paga
10.000 euros. As duas sociedades têm sócios idênticos.

No segundo caso é possível que, pelo facto de existirem relações especiais entre pessoas que
estão envolvidas no negócio, se tenha praticado uma situação que não corresponde ao valor da
mercadoria no mercado. O art. 63º CIRC, determina o que se vai considerar como relações especiais.

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Aulas teórico-práticas

O conceito de relações especiais está desenvolvido no art. 63º, nº4 CIRC. Este nº4 não é taxativo, é
meramente exemplificativo.
Se a Administração chegar à conclusão que há relações especiais, pode aplicar às relações
económicas em causa uma avaliação em que utilize como pressuposto os valores normais de mercado.
A forma como se chega a esses valores normais de mercado é muito complexa.
Os preços de transferência pressupõem uma relação especial que leva a que sejam aplicados
“preços” que não correspondem à normalidade do mercado (são preços de favor), e nessas
circunstâncias a Administração pode fazer uma correção, aplicando os preços normais de mercado.
Que consequência é que isto vai ter? Por parte de quem recebe o preço, há uma modificação quanto
aos seus ganhos, que terá como consequência o aumento do lucro e, consequentemente, há uma maior
tributação em sede de IRC.
Os acordos prévios, previstos no art. 138º CIRC, são acordos que se aplicam em relação a
circunstâncias de preços de transferência, em que previamente os contribuintes (que naturalmente
cairiam numa circunstância de relação especial) pedem à Administração que determine o método para
determinar os termos e as condições que são economicamente aceitáveis. Isto inclui quer operações
económicas e financeiras, quer mesmo operações entre grupo. Estes pedidos podem ser feitos
relativamente a casos em que uma das entidades é estrangeira e em que exista uma convenção para
evitar a dupla tributação, e no fundo o que se determina aqui é um procedimento amigável. O pedido,
que é feito ao Diretor Geral da Autoridade Tributária, deve conter uma proposta em concreto. O
acordo, que é confidencial, é reduzido a escrito e trata-se de um acordo entre a Autoridade Tributária
portuguesa e as Autoridades Tributárias estrangeiras que estejam em causa. O prazo de vigência do
acordo nunca pode ultrapassar três anos. A consequência disto é o facto de a Autoridade Tributária
ficar vinculada a atuar de acordo com aquilo que acordou. Os sujeitos passivos não podem interpor
recurso relativamente ao acordo. Este acordo pode ser prorrogado sob solicitação do sujeito passivo.

NOTA: a única política europeia que acaba por estar sujeita a um princípio de uniformidade é
a fiscal. A consequência disto é que nunca haverá política fiscal material a nível da UE porque haverá
sempre algum Estado a vetar. E é importante que, relativamente a certas matérias, haja uma política
uniforme. P. ex., quando há transações entre diferentes Estados da UE por parte de diferentes pessoas
coletivas (e as pessoas coletivas, muitas vezes, têm sede num Estado e estabelecimento estável num
outro), não tem lógica que as regras não sejam uniformes. Isto é, aliás, prejudicial para as empresas. Há
uma proposta (CCCTB - Common Consolidated Corporate Tax Base) que é, no fundo, um caminho para se
determinar uma base de cálculo da base tributável que seja idêntico em todos os Estados.

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Aulas teórico-práticas

O regime dos grupos de sociedades é determinado de acordo com o seguinte princípio:


sociedades que participem noutras, no mínimo em 75% do seu capital, desde que essa participação lhe
dê, no mínimo, 50% dos votos, podem optar pela tributação pelo regime dos grupos de sociedades.
Imaginemos a sociedade A, que tem uma participação de mais do que 75% nas sociedades B, C, D e
E. A Sociedade A pode optar pelo regime de tributação dos grupos de sociedades. O lucro que vai ser
tributado vai ser o resultado da soma algébrica dos lucros de todas as sociedades do grupo.

Sociedades Gestoras de Participações Sociais (SGPS): são sociedades que são tributadas
por participações sociais que têm noutras.

21.03.2019

5. Procedimento para reconhecimento de benefícios fiscais

Arts. 2º e 5º Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF – DL nº 215/89, de 1 de julho)

Como sabemos, os benefícios fiscais correspondem a medidas excecionais, naturalmente


determinadas por interesses de natureza extrafiscal, que podem levar à isenção de pagamento de
imposto, à diminuição da taxa a aplicar, à diminuição da consideração da matéria coletável para cálculo
do imposto, etc. Aquilo que é importante perceber é que os benefícios fiscais são medidas excecionais,
determinadas por interesses extrafiscais e que impedem o normal desenvolvimento das normas de
incidência dos impostos.
Os benefícios fiscais têm que estar previstos na lei (estão sujeitos ao princípio da legalidade),
mas poderão estar previstos na lei, diretamente, ou na lei mas dependentes de um reconhecimento, de
um ato administrativo pelo qual se reconhece que tem razão de ser a existência de um determinado
benefício fiscal. Ou seja, os benefícios fiscais podem ser automáticos ou dependentes de
reconhecimento.

→ São automáticos quando dependem apenas da aplicação da lei, sem mais.

→ São dependentes de reconhecimento quando dependem de um ato administrativo que


os reconheça. Isto acontece muito frequentemente no que diz respeito a bens imóveis. Imaginemos
que existe um regime especial de IMI em relação a imóveis localizados no centro histórico, para
reabilitação. É preciso que haja um ato administrativo que reconheça, em primeiro lugar, que o imóvel
está dentro do perímetro do centro histórico, e depois que reconheça que o imóvel está a ser
reabilitado. Estes benefícios têm, naturalmente, um prazo, e nascem de um requerimento que tem que

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Aulas teórico-práticas

ser feito pelo interessado. O requerimento tem que ser especificamente para esse fim, tem que calcular
o montante em causa, e tem que fazer a prova dos pressupostos necessários para a aplicação do
benefício.

A lei prevê a existência de um despacho de deferimento, que vai determinar o momento em


que se começa a aplicar o benefício fiscal e o momento em que se deixará de aplicar. Se, passado o
prazo legal, nada for dito relativamente ao reconhecimento do benefício, pressupõe-se indeferimento
(há, neste caso, indeferimento tácito). Seja um caso de indeferimento tácito, seja um caso de
indeferimento expresso, o recurso hierárquico é obrigatório, e só na sequência dele é que se pode
propor, mantendo-se a situação de indeferimento, um elemento contencioso, através de uma ação
administrativa especial contra o ato administrativo em matéria tributária de falta de reconhecimento
de benefícios fiscais.
Para que o benefício se possa manter é necessário comprovar não só os seus requisitos mas
também a manutenção da aplicação dos mesmos, razão pela qual, se isso não suceder, é possível
revogar ou anular o benefício. Dessa decisão também se pode propor recurso contencioso. Mais uma
vez há aqui uma distinção entre a fase procedimental (administrativa) e a fase processual.
6. Procedimentos de avaliação

Os procedimentos de avaliação são os necessários para determinar o valor de um bem para


efeitos tributários, isto é, para, p. ex., determinar o valor dos bens imóveis para efeitos de tributação.
Este procedimento de avaliação é especialmente relevante quando estamos a tratar de tributação
patrimonial.
Muitas vezes os procedimentos de avaliação vêm previstos nos códigos respetivos, isto é, em
legislação especial (o CIMI tem muitas regras relativamente a esta questão).
A avaliação pode ser pedida pelo próprio contribuinte, previamente à liquidação, desde que
consiga comprovar que tem um interesse legítimo em pedir essa avaliação. Evidentemente que para o
fazer é necessário que a avaliação ainda não tenha sido feita pela Administração Tributária, e o seu
resultado vincula a Administração por um período de três anos (mais uma vez, um risco que o
contribuinte terá que correr).
Neste caso em concreto, a reclamação administrativa ou a impugnação da avaliação têm efeitos
suspensivos relativamente à mesma, o que nem sempre isto sucede no Direito Tributário.

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Aulas teórico-práticas

6.1. A avaliação direta

A avaliação direta tem por base a declaração dos contribuintes, relativamente à qual existe,
como sabemos, uma presunção de verdade. A avaliação direta parte de um princípio de procura da
verdade material. A avaliação que a Administração faça é suscetível de impugnação autónoma (art. 86º,
nº1 LGT e art. 54º CPPT). Pode ser necessário, quando a lei assim o imponha, que para se partir para
a impugnação se tenham que esgotar os meios administrativos: ou uma segunda avaliação ou a revisão
de atos tributários. É o caso do nº2 do art. 86º LGT.

6.2. A avaliação indireta

Existe avaliação indireta nos casos em que a avaliação direta não é possível (é o caso de
situações em que não há declaração, p. ex.). Como referimos supra, o art. 87º LGT determina os casos
em que é admitida a avaliação indireta. O elenco do art. 87º LGT é taxativo. Com a avaliação indireta
não se vai, provavelmente, chegar a uma verdade absoluta, mas sim a uma verdade aproximada. Para
além disso, por princípio, a utilização de presunções deve ser vista com cautela em matéria tributária,
porque vai levar ao pagamento de impostos. A determinação dos casos daquilo que é a avaliação
indireta vai depender muito de conclusões de ordem prática. O art. 87º, nº1 LGT prevê os seguintes
casos:

 Regime simplificado de tributação (al. a):

O primeiro caso, que já vimos, é o caso de um regime simplificado de tributação. Falámos dele
a propósito da categoria B do IRS.

 Impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos


indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto (al.
b):

Ou seja, quando exista uma falha que impeça em absoluto a avaliação direta da matéria
tributável. Será, p. ex., o caso de inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade, quando
não supridas no prazo legal; ou a recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente
exigidos, quando não seja possível à Administração Tributária obtê-los ao abrigo dos poderes que lhe
são conferidos.

 Nos casos em que a matéria tributável do sujeito passivo se afasta, sem razão
justificada, mais de 30% para menos ou, durante três anos seguidos, mais de

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Aulas teórico-práticas

15% para menos, da que resultaria da aplicação dos indicadores objetivos da


atividade de base técnico-científica referidos na LGT (al. c):

Isto aplica-se fundamentalmente a pessoas coletivas (porque o legislador utilizou a


expressão “atividade”), logo a rendimentos empresariais, e cai na aplicação do art. 88º LGT. Aqui
já não estão em causa defeitos formais ou a inexistência de contabilidade, tratam-se de verdadeiros
defeitos substanciais.

 Nos casos em que os rendimentos declarados em sede de IRS se afastam


significativamente para menos, sem razão justificada, dos padrões de rendimento
que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo
sujeito passivo (nos termos do artigo 89º-A LGT, fundamentalmente o nº4) (al. d):

O legislador estabelece, na tabela do nº4 do art. 89º-A LGT, um padrão de riqueza que
pode constituir manifestações de fortuna, ou seja, que podem ser reveladores de padrões de
rendimento substancialmente elevados. A ideia do legislador terá sido a de que um sujeito passivo
que tem capacidade económica para obter os bens previstos nesta tabela auferirá pelo menos de
um rendimento correspondente ao rendimento padrão previsto no nº4 do art. 89º-A LGT. Assim,
haverá avaliação indireta quando o contribuinte não entregue declaração e evidencie essas
manifestações de riqueza.

 Nos casos em que os sujeitos passivos apresentam, sem razão justificada, resultados
tributáveis nulos ou prejuízos fiscais durante três anos consecutivos, salvo nos casos
de início de atividade, em que a contagem deste prazo se faz do termo do terceiro
ano, ou em três anos durante um período de cinco (al. e):

Importa referir que os sujeitos passivos têm oportunidade de justificar que estes rendimentos
nulos ou prejuízos repetidos correspondem à realidade. Por outro lado, o recurso à avaliação indireta
só é possível quando estes prejuízos se verificam durante três anos consecutivos, salvo nos casos de
início da atividade. Quando uma atividade se inicia é normal que exista prejuízo, daí a ressalva destas
situações. Nesses casos, a contagem começa a partir do terceiro ano de atividade.

 Por fim, nos casos de acréscimo de património ou despesa efetuada, incluindo


liberalidades, de valor superior a 100. 000 euros, verificados simultaneamente com a
falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de
tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados (al. f):

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Aulas teórico-práticas

Cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos


declarados e de que é outra a fonte do acréscimo do património ou da despesa efetuada (p. ex., um
empréstimo bancário ou uma doação).

A avaliação indireta é baseada em conceitos de presunção, que podem, portanto, não


corresponder à verdade material.
O ónus da prova relativamente à avaliação indireta está sempre do lado da Administração
Tributária. Quando se fala, a este propósito, em ónus da prova, é o ónus da prova relativamente aos
requisitos que possibilitam a aplicação da avaliação indireta.
O contribuinte tem direito a ser ouvido (direito de audiência prévia) antes da aplicação de
métodos indiretos (art. 60º, nº1, al. d LGT).
Pode o contribuinte fazer um pedido de revisão da matéria tributável, isto é, da base do imposto
(rendimento, património ou consumo) antes da aplicação da taxa de imposto. Tem que o fazer no
prazo de 30 dias a partir do momento em que foi notificado do resultado da avaliação indireta. A
passagem pelos meios administrativos é, em princípio, obrigatória, e sê-lo-á em todas as situações que
deem origem a uma liquidação. Apenas no caso em que não há lugar a uma liquidação é que pode o
contribuinte recorrer diretamente à impugnação judicial.

7. Procedimento de inspeção

O procedimento de inspeção, para além de ver referido o seu regime na legislação geral,
também o vê no Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (DL nº 413/98, de
31 de dezembro), tal é a sua relevância. No que respeita à inspeção é muito importante o art. 63º LGT.
A Administração Tributária tem poderes discricionários relativamente à escolha dos
contribuintes que vão ser alvo de inspeção e relativamente aos atos que estejam em causa em qualquer
inspeção. A abertura de uma inspeção provém, evidentemente, da aplicação da lei tributária, mas há
uma liberdade da Administração, que obviamente não pode ser abusada, relativamente aos atos que
estão sujeitos a inspeção. A lei toma cuidados de forma a evitar uma “perseguição” dos contribuintes.
Relativamente a um ato em concreto, a não ser em casos muito excecionais, não se pode repetir uma
inspeção – garantia de irrepetibilidade (cfr. Ac. TCA Norte de 20.12.2005, Recurso nº 00079/02).
Em relação ao mesmo contribuinte pode, p. ex., inspecionar-se dois anos, não se pode é inspecionar
duas vezes o mesmo ano em relação ao mesmo tipo de imposto.
As inspeções podem ser internas ou externas. As inspeções externas são aquelas que a
Administração faz no domicílio ou sede do contribuinte, conforme estejamos perante uma pessoa
singular ou coletiva (são externas, portanto, relativamente à própria Administração). Estas inspeções

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Aulas teórico-práticas

externas serão mais normais no caso de pessoas coletivas, sendo que tudo começa com a notificação,
onde tem que estar explicado o âmbito da inspeção. Nos casos de fraude carrossel, que já vimos, pode
acontecer que um contribuinte seja inspecionado e daí se retire a existência de uma fraude.
As inspeções podem ainda ser globais ou limitadas. Naturalmente que uma inspeção interna
é limitada. Nas inspeções externas é também natural que sejam concedidas à Administração as
condições para poder cumprir os seus objetivos (p. ex., os membros da Administração que estão
encarregues de fazer a inspeção podem ficar alojados nas instalações do sujeito passivo).
Elemento essencial para o procedimento de inspeção é a notificação inicial, que serve como
comunicação. Esta notificação tem que ser enviada para o domicílio ou sede do sujeito passivo. É
necessário que a notificação remeta para uma ordem de serviço, em que estará o âmbito e extensão da
inspeção. Tem que estar determinado, à partida, o imposto e o ano sobre os quais vai incidir a inspeção.
Os atos de inspeção iniciam-se a partir do momento em que o contribuinte recebe esta notificação.
O contribuinte tem que ter a hipótese de ser ouvido em audiência prévia. Há uma nota de
diligência obrigatória, em que se acaba por explicar os vários atos da inspeção, e um relatório (relatório
final da ação de inspeção) é entregue ao contribuinte para que ele possa exercer o seu direito de
audiência prévia. Este relatório já contém um projeto de decisão. Normalmente, o que acontece é que
o projeto de decisão acaba depois por ser a decisão final, ou seja, é muito difícil reverter a decisão em
audiência prévia. Exercer ou não o direito de audiência prévia é uma opção estratégica do contribuinte,
na medida em que, nessa audiência prévia, o contribuinte vai invocar uma série de argumentos, e é
possível que a Administração se defenda desses argumentos, criando um facto à volta deles, que depois
o contribuinte pode atacar.
Se do relatório não constar o projeto de decisão, isso pode ser usado pelo contribuinte como
uma causa de invalidade da própria inspeção.
Feita a audição prévia há notificação da decisão final ao contribuinte, e se houver alguma
liquidação a fazer determina-se o prazo de liquidação adicional, isto é, o prazo para fazer o pagamento
voluntário. Em princípio, as inspeções não podem durar mais do que seis meses, e durante esses seis
meses suspende-se o prazo de caducidade da liquidação.
O contribuinte tem um especial dever de colaboração com a Administração durante a inspeção,
que se nota, desde logo, nos casos em que cede parte das suas instalações para que a inspeção decorra,
bem como no facto de ter que fornecer todos os elementos e documentos que a Administração solicite.
O contribuinte não pode, portanto, colocar obstáculos à realização da inspeção. Um direito que o
contribuinte tem é o direito ao silêncio.

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8. Procedimento de acesso a informações bancárias

Este procedimento remete-nos para uma grande discussão, que é a de perceber os limites do
sigilo bancário, porque, há aqui interesses conflituantes. O que é que acontece se se quebra o direito
ao siligo bancário? Há uma violação do direito à privacidade. Há então o conflito de interesses entre,
por um lado, o combate à fraude e à evasão fiscal, e, por outro, a tutela do direito à privacidade. Sendo
esta matéria especialmente controvertida, o legislador toma cuidados especiais relativamente ao
levantamento do sigilo bancário. A questão levantava-se também relativamente à necessidade de
autorização judicial. Como era necessária autorização judicial, os procedimentos para esse efeito eram
tão demorados que acabava por ficar sem efeitos. No art. 63º-B, nº1 LGT determinam-se os casos em
que a Administração Tributária tem o poder de levantar o sigilo bancário (p. ex., quando existam
indícios de prática de crime em matéria tributária).
Uma vez levantado o sigilo bancário, o ónus da prova é do contribuinte.

9. Procedimento de reclamação graciosa

O procedimento de reclamação graciosa é especialmente relevante. O grande objetivo da


reclamação graciosa é a anulação de atos tributários, em especial a liquidação. Podem requerer a
reclamação o contribuinte, os substitutos e os responsáveis tributários. A decisão de reclamação é
suscetível de impugnação judicial. É por essa razão que não se admite que exista ao mesmo tempo
reclamação e impugnação.
Importa referir a aplicação do princípio solve et repetere: a interposição de uma reclamação
graciosa não suspende a liquidação, nem suspende a consequência da liquidação, que é a cobrança de
impostos (art. 69º, al. f CPPT). Apenas há suspensão quando o contribuinte tenha prestado uma
garantia. O pedido de prestação de garantia pode ser anterior à abertura do processo executivo mas o
executado pode, já durante a execução, prestar uma garantia bancária, uma caução, um seguro-caução
ou qualquer meio suscetível de assegurar os créditos do exequente, isto é, da Administração (art. 199º
CPPT). A prestação de uma garantia bancária tem custos para o contribuinte; é, por isso, natural que
o contribuinte apresente como garantia um imóvel, p. ex.
A reclamação graciosa pode ser apresentada num prazo de 120 dias (ATENÇÃO que 120 dias ≠
quatro meses) a partir do momento em que terminou o prazo para fazer o pagamento voluntário do
imposto, e pode ser deduzida com base nos mesmos fundamentos previstos para a impugnação
judicial, conforme resulta do art. 70º, nº1 CPPT. A reclamação é apresentada no serviço de finanças
competente (ou seja, o serviço das finanças da área do domicílio ou sede do contribuinte). Será

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apresentada por escrito, e nos casos de manifesta simplicidade pode ser apresentada de forma oral.
Quando se opta pela forma escrita, o pedido por ser feito também através da transmissão eletrónica,
isto é, via email. A reclamação está isenta de custas. Nela devem constar os fundamentos factuais e de
direito, e em princípio a prova é documental.
Os fundamentos são, como dissemos, os mesmos que existem para a impugnação, isto é, existe
uma cláusula aberta quanto à legalidade (art. 70º, nº1 CPPT). Há uma grande abertura por parte do
legislador relativamente à admissibilidade de situações em que se admite a reclamação graciosa.
O prazo de 120 dias começa a contar-se a partir do fim do prazo para pagamento voluntário,
determinado na notificação. Sendo ela entregue no serviço periférico local, é dirigida ao serviço
periférico regional. O órgão periférico local (sede ou domicílio do contribuinte) vai instruir o processo
que depois envia para o órgão periférico regional, num prazo de 90 dias, no máximo, o que quer dizer
que para uma decisão expressa o órgão regional tem mais cerca de 30 dias. O próprio serviço periférico
local faz uma proposta de decisão. Regra geral, não será necessária instrução quando os elementos
juntos ao processo já sejam suficientes para se tomar a decisão (há uma remessa imediata, nestes casos).
Quanto à decisão propriamente dita (art. 75º CPPT), ela pode ser expressa ou tácita, e pode ser
de deferimento ou indeferimento. Se nada for dito, e para efeitos de impugnação, considera-se que há
indeferimento tácito. Quer isto dizer que, passado o prazo para a Administração decidir, se nada for
dito, começa a contar-se o prazo para a impugnação judicial, considerando-se que houve
indeferimento. O contribuinte pode, obviamente, não impugnar a decisão de indeferimento tácito e
esperar pela decisão expressa. O facto de existir indeferimento tácito não quer dizer que a
Administração não esteja obrigada a responder. O art. 106º CPPT deve ser lido em conjugação com o
art. 57º LGT, que determina que o procedimento tributário, se nada for dito em contrário na lei, deve
ser concluído no prazo de quatro meses. Durante esse período o contribuinte fica proibido de praticar
atos que sejam considerados dilatórios.
Portanto, findo o prazo para pagamento voluntário do tributo, começa a contar o prazo de
reclamação graciosa. O prazo de apresentação da reclamação graciosa é, como dissemos, de 120 dias.
Caso seja apresentada a reclamação nesse prazo de 120 dias, a partir do momento da entrega da
reclamação no órgão competente (o serviço periférico local da área do domicílio ou sede do
contribuinte) começa a contar o prazo de quatro meses, que a lei determina como os quatro meses do
procedimento. Passados esses quatro meses, se nada for dito, começa a contar o prazo para
impugnação judicial. Caso se deixe passar esse prazo, o contribuinte só poderá recorrer à impugnação
caso venha, hipoteticamente, a existir um indeferimento expresso. A regra geral aqui é a contrária do
Direito Administrativo, é a do indeferimento tácito. NOTA: há casos previstos na lei de deferimento

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tácito. É o caso dos pagamentos por conta, pagamentos que o contribuinte vai fazendo durante o
período tributário por conta do imposto que vai ter que pagar - os profissionais da categoria B, durante
o ano, terão que fazer três pagamentos por conta (art. 133º CPPT). Este pagamento por conta também
é suscetível de impugnação judicial, mas tem que haver obrigatoriamente reclamação graciosa, e se
nada for dito pela Administração no prazo de 90 dias, a pretensão do contribuinte foi tacitamente
deferida. Da decisão pode caminhar-se para a impugnação judicial (no prazo de três meses) ou pode
fazer-se recurso hierárquico (art. 76º CPPT). Os recursos hierárquicos são apresentados no prazo de
30 dias da notificação do ato.
Em princípio as reclamações graciosas não são obrigatórias, são facultativas, o contribuinte é
que vai tomar a decisão entre reclamar ou recorrer diretamente à impugnação. Essa análise passa, p.
ex., pela existência ou não de uma questão meramente jurídica (caso em que é natural recorrer
diretamente à impugnação). Há, no entanto, casos em que a reclamação graciosa é obrigatória. É o
caso de impostos em que tenha existido erro na autoliquidação. Se a questão for meramente uma
questão de direito não é obrigatória a reclamação, que só será obrigatória quando haja questões de
facto a considerar. Há ainda reclamação graciosa obrigatória nos casos de retenção na fonte em que o
substituto entregou imposto superior ao que era obrigado, e nos casos de pagamentos por conta.

28.03.2018

Cap. III. O Processo Tributário


Quando falamos de processo tributário estamos perante um caso de contencioso pleno sobre
os diversos elementos que fazem parte da formação de um ato tributário. O ato tributário corresponde
essencialmente à ideia de liquidação, e aquilo que aqui está em causa nada mais é do que a consideração
da possibilidade, desde logo, de impugnar um ato tribuário, mas não só.
O processo tributário é dominando pelo princípio da legalidade. A ideia de oportunidade
acaba por estar pouco considerada, o que tem consequências mesmo a nível da formalização do
processo. O processo tributário é, como sabemos, um processo de natureza escrita, em que a prova
testemunhal, p. ex., apesar de ser admitida, não tem grande peso. Esta lógica do contencioso pleno
dominado pelo princípio da legalidade tem por base a forma como na CRP se vê a existência do
contencioso relativamente aos atos administrativos. A base comum do processo tributário parte do
processo civil. Aliás, naquilo que sejam lacunas relativamente ao processo tributário, a solução vai ser
encontrada nas regras do processo civil.

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O contencioso tributário gira muito à volta da impugnação da liquidação. Não obstante, não é
apenas isso, existem outras formas de intervenção.

1. Princípios do Direito Processual Tributário

1.1. Princípio da verdade material (art. 13º, nº2 CPPT)

Os poderes do juiz (art. 13º CPPT) estão intimamente relacionados com a ideia de procura da
verdade material. O juiz que preside ao tribunal tributário tem a obrigação de proceder a todas as
diligências necessárias para chegar à verdade material. Aqui a ideia não é a de uma intervenção através
de presunções. Esta obrigação de chegar à verdade material tem um efeito quer para partes privadas,
quer para partes públicas (desde logo, na medida em que as autoridades públicas são obrigadas por lei
a prestar todos os elementos necessários ao bom andamento do processo). As partes criam uma
situação em que tem que se procurar a verdade material, e o juiz tem que, naturalmente, procurar
sempre essa verdade.

1.2. Princípio de colaboração

É um dever recíproco, e que está relacionado com o tal dever de procura da verdade material.
Quem será o autor por excelência no processo tributário? O contribuinte. E quem será, por excelência, o sujeito
passivo? A Administração Tributária. Em regra, as ações são propostas contra a Administração
Tributária. Isto é assim desde logo porque a Administração goza do poder executivo e, quando quer
atuar, tem na sua mão, através desse poder executivo, a possibilidade de liquidação. O natural é que o
contribuinte discorde da atuação da Administração Tributária. É bastante razoável que em muitas
situações a impugnação judicial surja na sequência de ações inspetivas e de uma liquidação adicional.
As partes têm, no processo tributário, um especial dever de colaboração, porque o fim que aqui
está em causa é especialmente relevante para a sociedade – o pagamento de impostos, que é, como
sabemos, a principal receita do Estado.

1.3. Princípio de celeridade

O princípio da celeridade é aquele que leva a que o processo deva estar concluído num prazo
razoável. O prazo de conclusão de um processo tributário, em regra, é de dois anos (em alguns casos
é de 90 dias). Apenas uma ínfima parte dos processos termina, no entanto, dentro deste prazo de dois
anos. Um juiz que não cumpra este prazo está sujeito a responsabilidade disciplinar. Esta possível
responsabilidade disciplinar tem que ser vista com cuidado, na medida em que há casos de especial

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Aulas teórico-práticas

complexidade que não permitem a resolução num prazo tão curto. Muitas vezes as questões colocadas
são questões contabilisticamente muito complexas, e os juízes têm que recorrer a quem saiba de outras
áreas para além do Direito.
Por outro lado, a existência deste prazo é relevante. Imaginemos uma empresa que tem um
litígio com o Estado no valor de 1 milhão de euros. Sabendo que existe o risco de perder, muitas vezes
as empresas pretendem uma decisão que possa ser mais rápida. Mais do que ter uma decisão a seu
favor, as empresas pretendem uma decisão rápida. As empresas cada vez mais preferem recorrer à
arbitragem tributária por causa disto, porque independentemente de não existir recursos, a partir do
momento em que o tribunal arbitral esteja constituído há um prazo inicial de seis meses para se decidir.
Em circunstâncias excecionais, e por acordo do próprio tribunal, podem ser determinados períodos
suplementares. Entre o momento em que entra uma impugnação no tribunal arbitral e a decisão final
raramente decorre mais do que um ano. A decisão é tomada e o contribuinte sabe logo se tem ou não
razão. Isto é especialmente relevante, p. ex., nas situações em que na sequência da liquidação adicional
e da notificação para pagamento se abriram processos executivos.
É preciso, no entanto, ter em atenção o risco de uma decisão arbitral, porque os árbitros (três,
nas questões mais relevantes) não são, à partida, conhecidos. Se a jurisprudência do centro de
arbitragem não for pacífica em relação a uma matéria, tem sempre que se pesar os prós e os contras.
Dúvidas não há, no entanto, que com a arbitragem se deu mais um passo relevante no sentido de maior
celeridade processual. NOTA: Para se partir para a arbitragem não é, em regra, necessária uma
reclamação graciosa anterior.

1.4. Princípio do inquisitório

Este princípio do inquisitório tem a ver com um princípio de oficiosidade, isto é, o juiz pode
praticar os atos que sejam necessários no processo para chegar à verdade material. O juiz não estará
determinado na sua procura de prova por aquilo que as partes, quanto a essa matéria, fazem juntar ao
processo. O juiz recebe uma petição inicial em que fica determinado o objeto do processo, e quanto a
essa matéria ele não vai nem mais além, nem mais aquém. Quanto à prova, no entanto, o juiz pode
ultrapassar aquilo que as partes juntam ao processo. O juiz pode, como determina o art. 13º, nº1 CPPT,
ordenar todas as diligências que sejam necessárias para atingir a verdade material.

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1.5. Princípio do contraditório

O princípio do contraditório tem a ver com a utilização dos elementos processuais através das
duas partes do processo. Esta referência está ligada a uma outra: o contraditório escrito, que tem como
elementos essenciais a petição inicial e a sua resposta, isto é, a contestação:

→ A petição inicial é apresentada pelo contribuinte, deve ser dirigida ao juiz, deve ter
indicado o valor ou a forma de cálculo desse mesmo valor, e deve ser entregue em triplicado
(uma para a outra parte, uma para arquivo e outra para a Fazenda Pública). Também na
petição inicial deve ser feito o pedido de prova testemunhal, se for caso disso.
→ A contestação é apresentada pela Administração, no prazo de 90 dias, e deve também
solicitar, desde logo, a prestação de prova.

Junto do processo tributário estará, naturalmente, o procedimento administrativo, isto é, a


liquidação e a eventual reclamação.

O juiz, em primeiro lugar, deve determinar diligências de prova. Pode fazê-lo em relação a
todos os meios de prova (pode, p. ex., haver pareceres técnicos ou de peritos) mas sempre nos limites
da petição inicial, a não ser que haja alterações supervenientes. A contestação também tem que se
limitar ao pedido de impugnação.

1.6. Princípio de duplo grau de jurisdição

No processo tributário há recurso único. Uma questão tributária entra num tribunal tributário
de 1ª instância. Se houver recurso relativamente a uma questão de facto há recurso para o Ttribunal
Central Administrativo. Quando o recurso envolve questões de direito, será para o Supremo Tribunal
Administrativo. Ou seja, há apenas um recurso, que vai para o TCA ou para o STA.

2. Partes do processo tributário

2.1. Legitimidade (art. 9º, nº4 CPPT)

O art. 9º CPPT começa por tratar a legitimidade no procedimento e só depois trata a


legitimidade no processo. O que faz é “estender” a legitimidade no procedimento para o processo.
Terão legitimidade a Administração Tributária, os sujeitos passivos (contribuintes, substitutos e
responsáveis) e todas as outras pessoas que provem ter interesse legalmente protegido (isto tem

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Aulas teórico-práticas

interesse relativamente aos repercutidos, que têm a sua posição determinada por via de lei; poderão,
portanto, ter um interesse que seja tutelado pela própria lei), bem como as partes de contratos fiscais.
Relembremos que quando falamos de responsáveis subsidiários, eles terão legitimidade quando
tenha existido contra eles uma situação de reversão. Não tem lógica que se admita a responsabilidade
processual para quem ainda não faz parte da relação. Não se pode admitir legitimidade para potenciais
sujeitos passivos, apenas para os sujeitos passivos efetivos.
Além dos sujeitos passivos, tem legitimidade o representante da Fazenda Pública (O art. 15º
CPPT refere-se à competência do representante da Fazenda Pública) e o Ministério Público, sob lógicas
distintas: o representante da Fazenda Pública sob a lógica de defesa da posição da Administração
Tributária; e o Ministério Pública numa lógica de defesa da legalidade. Ao passo que um defende uma
das partes, o outro está pura e simplesmente na defesa da legalidade.

A matéria da competência quanto à matéria, à hierarquia e ao território é importante por causa


das regras relativas à incompetência. Quando não seja cumprida uma regra quanto à competência em
razão da hierarquia ou da matéria estamos perante uma incompetência absoluta (art. 16º CPPT),
que é de conhecimento oficioso e que pode ser arguida pelas partes até ao trânsito em julgado da
decisão final, tal é a sua relevância. A violação de regras de competência em razão do território, por
sua vez, leva a uma incompetência relativa, que tem como consequência a remessa oficiosa do
processo ao tribunal competente no prazo de 48h. Nos outros casos de incompetência, e havendo uma
decisão que a declare, o interessado pode, no prazo de 14 dias a contar da notificação dessa decisão,
requerer a remessa do processo para o tribunal competente. A decisão que declara a existência de
incompetência tem sempre que declarar qual o tribunal competente. As petições de impugnação são
entregues no serviço periférico local. No caso de terem sido entregues num que seja incompetente, o
dirigente em causa deve remetê-la ao serviço competente no prazo de 48h.

Processo ≠ Procedimento

No procedimento temos apenas duas partes, a Administração e o


contribuinte, que são partes interessadas, e existe uma certa desigualdade entre
elas (a Administração vai tomar a decisão); no processo há três partes, sendo
que uma delas é um terceiro – os juízes -, e as outras duas estão em posição de
igualdade. É a diferença entre uma relação triangular (processual) e uma relação
entre duas partes apenas, em que uma tem uma posição de superioridade em
134
relação à outra (procedimental).
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Aulas teórico-práticas

3.04.2019

3. Processos em especial

Existem vários meios processuais à disposição dos sujeitos da relação tributária. Quando se
fala em meios processuais é preciso ter em atenção que o normal é que o sujeito ativo de uma relação
processual tributária seja o sujeito passivo de uma relação tributária, porque o normal é que esteja em
causa qualquer queixa por parte do contribuinte, do substituto ou do responsável. Sempre que o meio
processual utilizado pelo contribuinte não seja o mais adequado de acordo com a lei, há uma correção
para aquele que é o meio adequado (art. 97º, nº3 LGT), princípio esse que também está previsto no
nº4 do art. 98º CPPT. Este direito não pode ser absoluto, há circunstâncias em que a incompetência
tem que passar por regras próprias.

Vários processos que em especial estão previstos:

3.1. Processo de impugnação judicial

Qual o grande objetivo do processo de impugnação judicial?

O principal objetivo do processo de impugnação judicial é o de alcançar-se uma situação em


que há uma anulação total ou parcial dos atos tributários. Como sabemos, a impugnação judicial é,
naturalmente, o ato processual subsequente a uma circunstância de reclamação.
É uma ação declarativa de simples apreciação, isto é, cria no final um direito, seja para o
contribuinte, seja para a Administração. Pode até ser uma mera confirmação de um direito. Este
processo tem como fim olhar para a legalidade da liquidação. Não corresponde a uma circunstância de
execução, o processo é meramente declarativo. A execução corre ao mesmo tempo, podendo ser
suspensa pela prestação de uma garantia, sendo que essa execução é autónoma deste processo
declarativo. Pode a execução estar a correr, não ser prestada garantia, e somente na circunstância em
que é considerada ilegal a liquidação é que há efeitos sobre a execução.
Há uma relação especial entre impugnação judicial e reclamação graciosa. Em primeiro lugar,
ambas têm o mesmo objetivo: a ilegalidade total ou parcial da liquidação e a sua anulação. Como se
distinguem?

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Aulas teórico-práticas

 Em primeiro lugar, distinguem-se porque no processo há uma decisão tomada por um


terceiro imparcial – o juiz -, ao passo que na reclamação a decisão depende de uma das partes
interessadas – a Administração.
 Por outro lado, têm tempos de tramitação diferentes. A reclamação antecede a impugnação,
em alguns casos é até uma condição para se poder impugnar. A não resposta no caso de
reclamação, no prazo de quatro meses, corresponde a uma circunstância de indeferimento
tácito. Por sua vez, o prazo para se resolver a questão processual é de dois anos, mas se
passar esse prazo, aquilo que, no limite, pode acontecer, é uma circunstância de
responsabilidade disciplinar por parte do juiz.
 Outra diferença passa pela prova. No âmbito do processo, nos termos do art. 115º, nº1
CPPT são admitidos os meios gerais de prova. Já na reclamação graciosa há uma limitação
dos meios probatórios à forma documental e aos elementos oficiais de que os serviços
disponham (art. 69º, nº1, al. e CPPT), sem prejuízo da possibilidade do instrutor solicitar
meios complementares de prova que sejam necessários para se alcançar a verdade material.
Portanto, em princípio não haverá prova testemunhal numa reclamação graciosa. O que é
que pode suceder? Quando se quiser apresentar prova testemunhal numa reclamação
graciosa tem que se fazer um requerimento à Administração para que o admita, mas não é
certo que o faça. Já no tribunal, por sua vez, são admissíveis todos os meios de prova,
independentemente de, em regra, ser considerado como natural que o processo seja
fundamentalmente de natureza escrita.
 Outra distinção tem a ver com a natureza das decisões. A decisão de uma reclamação é de
natureza procedimental, suscetível de ser impugnada, ao passo que a decisão judicial será,
em princípio, uma decisão final sobre o litígio.
 Por outro lado, o processo tributário tem custas, naturais ao funcionamento dos tribunais.

Importa agora referir algumas regras relativamente à interposição da impugnação:

→ Art. 111º, nº 3 CPPT: Quando antes da receção de uma impugnação judicial tenha sido feita
uma reclamação graciosa quanto ao mesmo ato, a reclamação tem que ser apensa à impugnação, no
estado em que se encontrar. Pode suceder que, quando estejamos perante um indeferimento tácito,
apenas se junte o pedido de reclamação graciosa.

→ Art. 111º, nº4 CPPT: No caso em que posteriormente à receção da interposição da


impugnação tenha sido apresentada reclamação, quanto ao mesmo ato mas com fundamento diverso,
a mesma deve também ser apensa à impugnação.

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Aulas teórico-práticas

Como é que é possível que haja uma impugnação judicial apresentada antes da reclamação?

É possível, desde logo, porque os prazos são diferentes (120 dias para a reclamação vs. três
meses para a impugnação).

Quais os fundamentos de impugnação?

São, fundamentalmente, situações de ilegalidade. Note-se que há uma remissão do art. 70º, nº1
CPPT para o art. 99º CPPT, que se refere aos fundamentos da impugnação, que são: a) a errónea
qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários;
b) a incompetência; c) a ausência ou vício da fundamentação legalmente exigida; e d) a preterição de
outras formalidades legais. O texto do art. 70º, nº1 CPPT refere-se a estas circunstâncias de forma
meramente exemplificativa (“designadamente”).

Quanto à tempestividade com que é apresentada a impugnação, tem que se distinguir duas
circunstâncias, conforme seja o primeiro meio de reação do contribuinte ou não (cfr. art. 102º, nº1, al.
d CPPT – presunção de indeferimento tácito). Há um prazo de três meses (não é igual a 90 dias!).
Quando há indeferimento expresso, os três meses contam-se a partir do momento do conhecimento
da decisão.

O nº3 do art. 134º CPPPT refere-se a situações de tributação do património, situações em que
esteja em causa uma incorreção numa inscrição matricial, que é essencial para determinar o valor de
um imóvel para efeitos de imposto (o VPT). Se um contribuinte tem dúvidas sobre o valor que está
inscrito na matriz, tem que solicitar a modificação desse valor antes de partir para a impugnação. Se a
Administração nada disser, o contribuinte tem 30 dias para impugnar. Se, pelo contrário, houver
decisão expressa por parte da Administração, o contribuinte tem também 30 dias. Aqui está um dos
casos em que tem que se passar obrigatoriamente pela reclamação antes de partir para a impugnação.
Outro caso é o do pagamento por conta, que é o pagamento provisório de imposto feito pelo próprio
contribuinte (quando é por terceiro estamos perante uma retenção na fonte). Para se impugnar o
pagamento por conta é necessário previamente fazer uma reclamação graciosa, que tem que ser feita
no prazo de 30 dias após ter sido feito o pagamento indevido. Se houver indeferimento expresso o
prazo para impugnação é de 30 dias. Se a Administração nada disser no prazo de 90 dias considera-se
que houve indeferimento expresso, começando o prazo dos 30 dias a contar a partir daí.

Algumas notas de natureza prática:

O prazo começa a contar a partir do dia seguinte ao evento, e é contínuo, isto é, não para
durante dias não úteis. Se terminar num dia não útil (sábados, domingos e feriados) o fim de prazo

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passa para o dia útil seguinte. Atos que sejam praticados em tribunal e cujo termo do prazo termine
em férias judiciais transfere-se para o primeiro dia útil após as férias. Se p. ex. o prazo de impugnação
terminar em férias deve a impugnação ser entregue de qualquer das formas.

A impugnação interrompe o prazo de prescrição (art. 49º, nº1 LGT), bem como a citação no
processo executivo, a reclamação e o recurso hierárquico. Havendo antes reclamação, a impugnação
começa no momento em que é apresentada a reclamação. Esta suspensão da prescrição é um contínuo.
O contribuinte pode optar por reclamar primeiro e impugnar depois, ou então impugnar logo, fazer
reclamação com recurso hierárquico e daí partir para a impugnação. O primeiro destes atos que permita
a suspensão é o relevante.

Como é que se inicia o processo?

i) O processo inicia-se com a apresentação da petição inicial. O que é que se pede na petição inicial?
A anulação do ato de liquidação, com base numa ilegalidade.
A petição inicial tem sempre que ser dirigida a um juiz. Será apresentada ao juiz do tribunal
administrativo e fiscal da sede ou residência do contribuinte ou no serviço periférico local da sede ou
residência do contribuinte. É apresentada em articulado e em triplicado (art. 103º CPPT). No caso em
que se apresenta a petição inicial no serviço periférico local, este tem que a enviar para o tribunal, e
com a entrega da petição inicial deve entregar-se o pedido de prestação de garantia ou a própria
prestação da garantia para suspender a execução.

Quais os elementos que deve conter a petição inicial?

 Identificação do ato que está em causa, do ato impugnado;


 Entidade que praticou o ato;
 Pedido (anulação da liquidação);
 A causa de pedir tem que ser explícita e é obrigatório indicar os factos (os argumentos jurídicos
podem não ser juntos, mas acabam por ser, na prática) e o valor do processo.

A impugnação pode ser inepta, quando lhe faltem os elementos essenciais, o que leva a uma
circunstância de nulidade insanável. Como estamos perante uma nulidade insanável, ela pode ser
conhecida a todo o tempo, porque o princípio da verdade material é relevante mas o princípio de
acordo com o qual uma impugnação não deve ser inepta também o é, porque ela vai determinar o
padrão de defesa da outra parte.

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(Ac. STA de 26 de abril de 2007)

»»»»»

Relacionada com a apresentação da impugnação está a prestação da garantia, porque se não for
prestada garantia temos aquele efeito de que já falámos da manutenção ou início do processo executivo,
porque são duas vias diferentes relacionadas com a aplicação do princípio do solve et repetere.

Por outro lado, temos o contraponto do pedido de impugnação, que é a contestação (art. 110º
CPPT). Quem contesta no processo tributário, regra geral, é a Administração Tributária. O juiz notifica
a contraparte para responder. As notificações são essenciais, são a forma de comunicação do juiz com
as partes.
Quando é recebida a petição inicial o juiz notifica o representante da Fazenda Pública para, no
prazo de 90 dias, não só contestar como também apresentar prova adicional. Caso o representante da
Fazenda Pública pretenda, pode solicitar, em 3 dias, o processo administrativo, sem que isso suspenda
o prazo para a contestação. É a solicitação da parte procedimental que esteja junto ao processo de
impugnação (p. ex., uma reclamação anterior). A obrigação de remeter o processo administrativo
impende desde logo sobre o representante da Fazenda Pública.

A defesa pode ser feita:

→ Por exceção

→ Por impugnação

A falta de contestação não equivale a confissão, o juiz aprecia livremente a falta de contestação.

O facto de ter surgido um pedido de impugnação não preclude o direito da própria


Administração de revogar o ato tributário. O art. 110º, nº1 CPPT remete para o art. 112º, nº5 CPPT.
Para as situações em que há uma revogação parcial, esta é notificada ao representante da Fazenda
Pública. Independentemente do processo judicial, a própria Administração pode fazer uma análise
sobre os atos de liquidação, podendo revogá-los. Será escusado continuar de forma inútil com o
processo, porque a própria Administração pode entender que não tem razão. Isto é uma lógica de uma
economia processual.

Portanto, no momento posterior à contestação:

 O ato pode ser revogado;


 Pode o juiz solicitar um ato de aperfeiçoamento das peças às partes;

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 Pode o juiz, quando estejamos perante circunstâncias extraordinariamente simples,


conhecer imediatamente o pedido (mas só depois de ter sido apresentada a contestação ou
de ter passado o prazo para contestar). Dentro do conhecimento imediato da questão pode
partir para o indeferimento liminar, mas deve ser cauteloso. Está aqui em causa uma
limitação dos DLG dos contribuintes.

ii) Abre-se depois o momento da instrução, que é aquele em que se organizam ou se juntam
os elementos de prova. Importa não esquecer aqui o princípio de admissibilidade dos meios gerais de
prova (art. 115º CPPT) e da liberdade do juiz em relação à prova: liberdade de “investigação” e
liberdade de valoração da prova. O princípio essencial no processo tributário é, como sabemos, o da
descoberta da verdade material.
Quanto aos meios de prova, importa referir que, quando estejamos perante informações
oficiais, é necessário que as mesmas estejam fundamentadas. Os documentos que sejam apresentados
podem ser confrontados com dúvidas sobre a sua veracidade, que devem ser colocadas no prazo de
10 dias após a sua apresentação, momento em que se deve fazer a comparação com o pretenso original
do documento. Os documentos podem ser particulares ou autênticos.
Quanto à prova testemunhal, não se pode exceder três testemunhas por facto, nem 10 por cada
ato tributário, isto é, por cada liquidação de um ato (art. 118º CPPT). Quando há prova testemunhal
há audiência de julgamento. NOTA: no caso da arbitragem é usual a apresentação de testemunhas.
Uma outra forma de prova admitida é a prova pericial, feita por peritos que dão pareceres
técnicos (acontece muito em relação à tributação do património e questões de natureza contabilística).
É um pedido feito pelo juiz, ou oficiosamente ou com base num pedido das partes, e a prova pericial
é feita de acordo com as regras do CPC.

iii) Passamos de seguida para a fase de alegações, que é uma fase escrita. O grande interesse
desta fase é o de se fazer uma análise crítica da prova produzida e das questões de direito. Nesta altura
já não se pode fazer prova, pode fazer-se apenas juízos sobre a prova.

iv) Passamos depois para a fase de vista pelo Ministério Público, que aparece aqui como
defensor da legalidade e do interesse público.

v) Fase da sentença:

A sentença tem que ser notificada (arts. 122º e 126º CPPT). Caso quem impugna perca total
ou parcialmente, é condenado em custas e pode eventualmente ser condenado como litigante de má
fé. A sentença tem que expressamente declarar o que é que são factos provados e factos não provados,

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tem que identificar os interessados, os factos, sintetizar as posições das partes e dar os fundamentos
da decisão.
A sentença é nula quando não há assinatura do(s) juiz(es), quando não são especificados os
argumentos da decisão, ou quando há uma contradição entre os fundamentos considerados e a decisão.
A nulidade mais fácil de suprir é, naturalmente, a falta de assinatura.
O juiz apenas está limitado quanto às questões que deve conhecer, isto é, as delimitadas na
impugnação. Por outro lado, tem liberdade quanto aos fundamentos de decisão, com o limite de que
os fundamentos não podem ser contraditórios com a própria decisão.
A sentença é notificada a partir da sua produção, num prazo de 10 dias, ao impugnante, ao
Ministério Público e ao representante da Fazenda Pública. Tomada a decisão e depois de notificada,
não tem o juiz liberdade para a alterar.

O que está em causa neste plano é uma decisão de anulação de um ato tributário. O ato é o
centro da impugnação. Tomada a decisão, e caso seja dada razão ao sujeito ativo, ao impugnante, pode
a Administração ter que reconstituir a legalidade. Ou seja, a Administração, que beneficiou do princípio
solve et repetere, terá que reconstituir aquilo que deveria existir sem a ilegalidade, isto é, terá desde logo
que devolver aquilo que tenha recebido. Deve fazê-lo pagando ou fazendo com que sejam pagos juros
indemnizatórios quando se demonstre que houve erro imputável aos serviços. Tem que haver uma
compensação em relação ao direito da Administração de impor um pagamento, pagamento que aqui
foi ilegal. Para haver juros, estes têm que ser pedidos. A sentença vai precisar sempre de uma atuação
da Administração. O juiz não é a Administração, o juiz determina uma decisão que tem que ser
cumprida pela Administração.

3.1.1. Incidentes da impugnação (art. 127º CPPT)

 Assistência
 Habilitação
 Apoio judiciário

O prazo de resposta aos incidentes é de 15 dias, com a obrigação do Ministério Público, dentro
desses 15 dias, se pronunciar. São questões prejudiciais, que são decididas de forma autónoma.

4.04.2019

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3.2. Ação para reconhecimento de direitos ou interesses (art. 145º CPPT)

1. As ações para obter o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido em matéria


tributária podem ser propostas por quem invoque a titularidade do direito ou interesse a reconhecer.
2. O prazo da instauração da ação é de 4 anos após a constituição do direito ou o conhecimento da lesão do
interessado.
3. As ações apenas podem ser propostas sempre que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma
tutela plena, eficaz e efetiva do direito ou interesse legalmente protegido.
4. As ações seguem os termos do processo de impugnação, considerando-se na posição de entidade que praticou o ato a
que tiver competência para decidir o pedido.

Art. 145º CPPT - Reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária

As ações para reconhecimento de direitos ou interesses podem sempre ser colocadas por quem
demonstre ter um direito ou um interesse legalmente protegido, conforme resulta do nº1 do art. 145º
CPPT. O prazo desta ação é bastante mais amplo do que o prazo da impugnação: quatro anos a partir
da constituição do direito ou do conhecimento da lesão. No nº3 do art. 145º CPPT salienta-se o facto
destas ações apenas poderem ser propostas quando esse for o meio processual mais adequado para
assegurar a tutela plena, eficaz e efetiva do direito ou interesse legalmente protegido. Isto é, o legislador,
ao prever esta forma processual, não está a admitir que ela seja utilizada quando já falharam todos os
prazos. É uma ultima ratio, ou seja, tem lugar quando há uma qualquer situação controvertida que não
cabe na previsão legal de uma impugnação. Pode haver dúvidas em saber se estamos perante uma
verdadeira ação de reconhecimento ou se deveríamos estar perante uma ação administrativa. Esta ação
tem um âmbito amplo, que corresponderá a todas as situações em que no procedimento tributário
surge um ato administrativo lesivo do sujeito passivo.
Com esta ação de reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária
não se consegue anular uma liquidação, são coisas distintas. O caso mais natural de recurso a esta ação
será o da existência de um ato preparatório no procedimento tributário que não tenha consequências
diretas patrimoniais. Não é um modo de atuar em última via. Haverá um caso de verdadeira atuação
em última via, quando p. ex. já passou o prazo para impugnação, é o da revisão oficiosa. Ao pedir a
revisão oficiosa o sujeito passivo está “a dar um passo atrás”, porque se recorre a um meio
procedimental quando se estava a pensar recorrer a um meio processual. É, no fundo, voltar para a
esfera de decisão da Administração.

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Porque é que, à partida, este meio processual será interessante?

Vamos partir assumindo como ponto inicial o processo de impugnação judicial, que se
caracteriza por ter por objeto um ato de liquidação, isto é, uma atitude positiva por parte da
Administração Tributária. É importante que exista um qualquer meio para as omissões de sejam lesivas
pelo contribuinte. Um contribuinte não se sentirá lesado apenas porque a Administração tomou uma
determinada decisão, isto é, há omissões que podem ser lesivas de direitos do contribuinte. Esta ação
tem um campo de intervenção materialmente distinto face ao direito de impugnação, e para ser
utilizada, terá obrigatoriamente que ser o meio tributário mais adequado para assegurar a tutela plena
do direito ou interesse em causa. Por vezes há questões que têm uma base de natureza fiscal e que não
se consegue que sejam tratadas pelas formas processuais previstas no CPPT. P. ex., as empresas A e B
têm um contrato de prestação de serviços. A empresa A, que presta o serviço e receberá uma
remuneração por essa mesma prestação, entende que se deve aplicar a taxa máxima de IVA. Já a
empresa B entende que não se deve pagar IVA, isto é, entende que a operação está isenta. As duas
partes têm uma ideia distinta relativamente à prestação que tem que ser cumprida. Isto é uma relação
entre dois sujeitos privados, e o contencioso tributário está pensado para bases de intervenção em que
temos como sujeito passivo da relação jurídica o contribuinte e como sujeito ativo a Administração.
A impugnação judicial serve para aqueles casos em que o particular considera que tem o seu
direito potencialmente numa situação de lesão em virtude de uma liquidação. A ação para
reconhecimento de um direito ou interesse em matéria fiscal serve para situações em que há uma
omissão lesiva por parte da Administração ou uma outra qualquer forma de atuação pela positiva mas
que não cabe no âmbito de uma impugnação. No caso, pode suceder que outros tribunais tenham que
decidir questões fiscais, ou seja, há questões que saem do âmbito da jurisdição fiscal. Por isso é que é
relevante referir que a ação de reconhecimento de um direito ou interesse em matéria fiscal só pode
ser seguida quando seja o meio processualmente mais adequado.

É uma ação declarativa de simples apreciação, e a sua tramitação é idêntica à da ação de


impugnação judicial. O prazo para instaurar a ação é de quatro anos a partir do conhecimento da
constituição do direito ou da sua lesão, e apenas podem ser propostas por quem invoque esse mesmo
direito ou lesão. Pode suceder que durante o próprio procedimento tributário seja necessário recorrer-
se a ações de natureza administrativa, p. ex., para forçar a Administração a tomar uma qualquer posição
ou para a intimar a um qualquer comportamento.

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O contencioso tributário está muito mais baseado na lógica do ato do que o contencioso
administrativo. Esta ação de reconhecimento de um direito ou interesse em matéria fiscal é a ação que
mais se afasta dessa lógica do ato tributário.

NOTA: também no âmbito tributário podem existir ações administrativas.

3.3. Ações cautelares

As ações cautelares têm no processo tributário o mesmo conceito que têm no Direito Civil.
São meios que, perante situações de urgência, pretendem acautelar a prática de lesões que se
demonstrem irreparáveis para o contribuinte. A decisão de uma ação cautelar não tem necessariamente
a ver com a decisão do fundo da questão. Basta que exista uma mera aparência de existência de direitos
e a antevisão de um dano.
As providências cautelares podem ser a favor da Administração Tributária, sujeito ativo da
relação tributária, ou a favor do contribuinte, sujeito passivo da relação tributária (bem como os
substitutos e os responsáveis).
O legislador processual tributário foi muito cauteloso na determinação dos meios cautelares,
isto é, não deu grande abertura à sua existência, porque vigora aqui o princípio solve et repetere.

→ Providencias a favor da Administração Tributária:


 Arresto (arts. 136º a 139º CPPT):

O arresto aparece, precisamente, pelo facto de procedimento e processo tributário terem um


objetivo de cobrança de impostos. Pode existir a necessidade de a Administração recorrer a esta figura
do arresto. O arrestado não perde a propriedade dos bens, mas os atos de disposição desses mesmos
bens são ineficazes relativamente à Administração.
A lei supletiva quanto ao arresto é o CPC.
A competência é sempre do tribunal da área do domicílio ou sede do executado. Quem pode
fazer o pedido é o representante da Fazenda Pública, que pode fazê-lo em relação ao devedor do
tributo (o contribuinte ou o substituto; pode ser também um responsável subsidiário ou solidário –
para ser arrestado um bem de um responsável subsidiário tem que ter existido a aplicação da reversão
da dívida).
O arresto terminará, isto é, fica sem efeito a partir do momento em que seja paga a dívida, ou
quando se tenha chegado à conclusão de que não existe dívida.

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 Arrolamento (arts. 140º a 142º CPPT):

A legislação supletiva é também o CPC.


O tribunal competente já não será o da sede ou residência do executado mas o da sede ou
residência do contribuinte, porque nos encontramos em fase declarativa. Aparece quando haja o
fundado receio de dissipação de bens ou documentos que sejam conexos com uma questão tributária.

→ Providências a favor do contribuinte:

Estão previstas de forma genérica no artigo que se refere à intimação para o comportamento.
Podem ser utilizadas pelos contribuintes e demais obrigados tributários, isto é, responsáveis e
substitutos. O requerente deste direito tem que invocar e provar o receio de uma possível lesão. Tem
ainda que provar um nexo de causalidade entre a ação sobre a qual pretende atuar provisoriamente e a
lesão, ou seja, tem que provar que há um nexo e que a providência cautelar é o meio adequado à sua
defesa.
É um meio excecional, não é natural que venha a ser utilizado, porque poderia ser um modo,
teoricamente, para contornar um efeito meramente devolutivo. Ou seja, não pode ser o meio utilizado
para não cumprir o princípio solve et repetere.

4. Meios processuais especiais

Estão também previstos no CPPT (que se refere a “meios processuais acessórios”, ou seja,
teremos meios processuais principais – impugnação e ação de reconhecimento; os meios
processuais cautelares – o arrolamento, o arresto e a utilização deste meio pelo contribuinte, e os
meios processuais acessórios). São meios processuais acessórios:

→ A intimação para a consulta de documentos e passagem de certidões;


→ O processo especial de revogação do sigilo bancário:

O processo especial de revogação do sigilo bancário apenas se aplica às situações em que a lei
permita o levantamento do sigilo bancário, naturalmente. É possível que exista um recurso interposto
pelo contribuinte. Ou seja, há uma decisão da Administração de levantar o sigilo bancário; se o
contribuinte discorda, utiliza este meio processual e recorre especificamente dessa decisão da
Administração. Deve, perante o tribunal do domicílio fiscal do contribuinte, salientar as suas razões de
defesa do não levantamento do sigilo, e deve fazê-lo no prazo de 10 dias a contar da notificação do
levantamento do sigilo bancário. NOTA: não é necessário que seja um advogado a fazê-lo. Em 10 dias
a Administração deve deduzir a sua oposição.

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É um processo urgente, que deve ser resolvido com uma decisão no prazo de 90 dias contados
da apresentação do pedido de recurso pelo contribuinte. Aqui é especialmente prevista a urgência da
decisão, porque está em causa o conhecimento de dados de natureza bancária.

 A intimação para um comportamento (art. 147º CPPT):

1. Em caso de omissão, por parte da administração tributária, do dever de qualquer prestação jurídica
suscetível de lesar direito ou interesse legítimo em matéria tributária, poderá o interessado requerer a sua
intimação para o cumprimento desse dever junto do tribunal tributário competente.
2. O presente meio só é aplicável quando, vistos os restantes meios contenciosos previstos no presente
Código, ele for o meio mais adequado para assegurar a tutela plena, eficaz e efetiva dos direitos ou
interesses em causa.
(…)
Art. 147º CPPT – Intimação para um comportamento

Existe para casos de omissão por parte da Administração de uma qualquer prestação jurídica
que esteja legalmente sustentada e que seja suscetível de lesar um direito ou interesse legítimo em
matéria tributária. Pretende-se obviar a todas as situações em que a Administração não atuou no tempo
em que era devido. Não estamos a falar de mora da Administração, estamos a falar de incumprimento
da Administração relativamente às suas obrigações. Este meio só pode ser utilizado quando se esteja
numa situação de último recurso, isto é, tal como prevê o art. 147º, nº2 CPPT, este meio só é aplicável
quando, vistos os restantes meios contenciosos, ele for o meio mais adequado para assegurar a tutela
plena, eficaz e efetiva dos direitos ou interesses em causa.
A intimação para um comportamento inicia-se com um requerimento em que se tem que
indicar a omissão, o direito em causa e os procedimentos a praticar pela Administração Tributária.
Os prazos de pronúncia são, naturalmente, curtos, é uma tutela célere. A Administração
Tributária tem que se pronunciar no prazo de 15 dias sobre o requerimento, e depois desse prazo o
juiz intima ou não a Administração a reintegrar o direito, determinando ele próprio um prazo para a
Administração o fazer. O tribunal não vai atuar, vai mandar a Administração atuar num prazo de 30 a
120 dias. Por isso, a decisão que seja tomada tem que especificar o comportamento que a
Administração tem que tomar.
Este é o processo subsidiário.

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5. Processo de execução fiscal

A execução fiscal é o meio processual que tem como objetivo a realização efetiva de um direito
de crédito, e que vai, naturalmente, utilizar meios não jurisdicionais. É o caso processual em que é mais
evidente a relação entre meios jurisdicionais e meios não jurisdicionais. A base deste processo passa
pela ideia de preferência pelo direito do credor. Isto é, o processo de execução fiscal existe para
satisfazer o direito à realização do crédito que o credor tem. Por outras palavras, é o processo para
executar o crédito, neste caso de natureza fiscal.
Salienta-se, naturalmente, em relação a este processo, a ideia de penhora de bens que possa vir
a necessária como modo de satisfazer uma determinada dívida. A dívida tem que ser certa, líquida e
exigível.
Os documentos que podem servir de base à execução fiscal estão determinados no art. 162º
CPPT:
a) Certidão extraída do título de cobrança relativa a tributos e outras receitas do Estado;
b) Certidão de decisão exequível proferida em processo de aplicação das coimas;
c) Certidão do ato administrativo que determina a dívida a ser paga;
d) Qualquer outro título a que, por lei especial, seja atribuída força executiva.

Nos termos do art. 88º CPPT, terminado o período para pagamento voluntário por parte do
contribuinte, é extraída uma certidão de dívida pelas entidades competentes. Essas certidões têm que
ser assinadas e autenticadas e têm que conter alguns elementos, desde logo a identificação dos
devedores.
Os requisitos do título executivo estão regulados no art. 163º CPPT:
 Menção da entidade emissora ou promotora da execução (al. a);
 Assinatura da entidade emissora ou promotora da execução, por chancela nos termos do
Código ou, preferencialmente, através de aposição de assinatura eletrónica avançada (al. b);
 Data em que foi emitido (al. c);
 Nome e domicílio do ou dos devedores (al. d);
 Natureza e proveniência da dívida e indicação do seu montante (al. e).

Aqui não está em causa a legalidade da dívida mas antes o cumprimento dos elementos
necessários para se fazer uma execução. A legalidade da dívida, a ser discutida, é-lo nos meios
declarativos (impugnação judicial).

Que dívidas podem estar abrangidas?

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O âmbito da execução fiscal está regulado no art. 148º CPPT, nos termos do qual o processo
de execução fiscal abrange a cobrança coerciva das seguintes dívidas:

a) Tributos, incluindo impostos aduaneiros, especiais e extrafiscais, taxas, demais


contribuições financeiras a favor do Estado, adicionais cumulativamente cobrados,
juros e outros encargos fiscais (nº1, al. a);
b) Coimas e outras sanções pecuniárias fixadas em decisões, sentenças ou acórdãos
relativos a contraordenações tributárias, salvo quando aplicadas pelos tribunais comuns
(nº1, al. b);
c) Coimas e outras sanções pecuniárias decorrentes da responsabilidade civil
determinadas nos termos do RGIT (nº1, al. c);
d) Outras dívidas ao Estado e outras pessoas coletivas de Direito Público que devam ser
pagas por força de ato administrativo [nos casos e termos expressamente previstos na
lei] (nº2, al. a);
e) Reembolsos ou reposições [nos casos e termos expressamente previstos na lei] (nº2, al.
b).

As figuras principais do processo de execução fiscal são o credor, que é a Administração


Tributária, e o órgão de execução fiscal; e, do lado oposto, o executado.

5.1. Nulidades processuais (art. 165º CPPT)

1. São nulidades insanáveis em processo de execução fiscal:


a) A falta de citação, quando possa prejudicar a defesa do interessado;
b) A falta de requisitos essenciais do título executivo, quando não puder ser suprida por prova
documental.
2. As nulidades dos atos têm por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam
absolutamente, aproveitando-se as peças úteis ao apuramento dos factos.
3. Se o respetivo representante tiver sido citado, a nulidade por falta de citação do inabilitado por prodigalidade só
invalidará os atos posteriores à penhora.
4. As nulidades mencionadas são de conhecimento oficioso e podem ser arguidas até ao trânsito em julgado da decisão
final.

Art. 165º CPPT – Nulidades. Regime

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Aulas teórico-práticas

A nulidade dos atos tem como consequência a anulação dos atos subsequentes (a cobrança
coerciva), conforme resulta do nº2 do art. 165º CPPT. No caso de falta de citação de alguém que seja
inabilitado, isso só invalida os atos posteriores à penhora (nº3 do art. 165º CPPT). Estando o processo
executivo a correr, as nulidades são de conhecimento oficioso, e podem ser arguidas até ao fim do
processo, até ao trânsito em julgado da decisão final.

Como sabemos, no processo tributário há atos que são praticados pela Administração e atos
que são praticados pelos tribunais. Genericamente, a competência dos tribunais tribuários está prevista
no art. 151º CPPT, e a competência da Administração no art. 150º CPPT. P. ex., a instauração é feita
pela Administração, bem como os atos de execução material. O tribunal (da área do domicílio ou sede
do devedor) decide os incidentes, os embargos e a oposição à execução. O ato de citação do executado
é feito pelo órgão de execução fiscal.
Todas as certidões de dívida que existem devem ser juntas. Hoje, com as vias informáticas, e
estando instaurado o processo executivo através da emissão do título executivo, faz-se
automaticamente a citação do contribuinte.

O prazo da oposição é de 30 dias a contar da citação (art. 203º, nº1 CPPT). Os fundamentos
de oposição à execução estão previstos no art. 204º CPPT. A oposição suspende a execução (art. 212º
CPPT). Nos termos do art. 213º CPPT, transitada em julgado a sentença, o processo deve ser devolvido
ao órgão da execução fiscal para ser apensado ao processo da execução.

11.04.2019

O processo executivo é independente do declarativo, isto é, o processo declarativo não tem


efeitos suspensivos sobre a execução. Os efeitos suspensivos sobre a execução aparecem por via da
prestação de garantia, como vimos. É, portanto, possível que tenhamos a correr ao mesmo tempo o
processo declarativo e o processo executivo.

5.2. Casos especiais de responsabilidade

A responsabilidade não existe apenas em relação à totalidade da dívida tributária, isto é, a


responsabilidade pode ser solidária ou subsidiária. O caso mais importante é o de responsabilidade
subsidiária, que é, de acordo com o art. 22º, nº4 LGT, o regime regra. Em regra, quando falamos de

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Aulas teórico-práticas

responsabilidade falamos de responsabilidade subsidiária, em que o responsável apenas aparece num


segundo plano relativamente ao devedor originário.
Conforme dispõe o art. 23º, nº1 LGT, para que haja responsabilidade subsidiária tem que haver
reversão do processo de execução fiscal. Em que circunstância há reversão? Quando os bens do devedor
originário são insuficientes para fazer o pagamento da dívida fiscal. Por isso se fala no benefício de
excussão (art. 23º, nº2 LGT): penhorar tudo o que seja possível na órbita dos devedores originários.
Sempre que há uma reversão, o responsável subsidiário tem o direito a ser ouvido.

Quais são os casos especiais de responsabilidade?

→ O caso do art. 24º LGT, que se refere à responsabilidade dos membros de corpos sociais e
responsáveis técnicos:

Quando a pessoa coletiva não tenha a capacidade/possibilidade de pagar as suas dívidas fiscais
há responsabilidade subsidiária dos administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam
funções de administração ou gestão. Esta responsabilidade subsidiária depende de reversão, aplicando-
se o benefício de excussão. São duas as situações de responsabilidade dos administradores (art. 24º,
nº1 LGT):

 Al. a: quando o facto tributário tenha sucedido durante o mandato do administrador ou


diretor OU quando o prazo legal para pagamento termine já depois de findo o seu mandato
(o facto tributário nasceu antes do mandato da administração mas o prazo para pagamento
termina depois (tem que se demonstrar que foi por culpa do administrador que não havia
bens necessários para se pagar);
 Al. b: quando o prazo para pagamento está dentro do mandato da administração (o ónus
da prova está do outro lado, ou seja, o administrador, diretor ou gerente tem que
demonstrar que não foi por responsabilidade sua que não houve pagamento).

NOTA: o conceito de administrador também abarca o conceito de diretor; abarca todos os que podem
vincular a pessoa coletiva.

→ O caso do art. 28º LGT, que se refere à responsabilidade em caso de substituição tributária.

A regra geral está no nº1 do art. 28º LGT. Quando tenha sido feita a operação material de
retenção e não tenha sido entregue ao Estado o montante em causa, o substituído fica desonerado de
responsabilidade. A responsabilidade é do substituto apenas. Está é a regra geral, mas há exceções:

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Aulas teórico-práticas

 Nº2: é uma retenção na fonte a título de pagamento por conta de um imposto devido
a final. Caso não tenha sido feita a retenção, a responsabilidade original é do substituído
e a responsabilidade subsidiária do substituto.
 Nº3: o prof. DIOGO FEIO entende que este nº3 apenas de aplica aos casos de retenção
na fonte, isto é, retenção que tenha a natureza de pagamento por conta de um imposto,
e não às retenções definitivas.

NOTA: Temos dois grandes tipos de substituição fiscal:

→ A substituição fiscal definitiva;


→ A substituição fiscal por conta de um importo a pagar (quando falamos de retenção
fiscal em sede de IRS é deste segundo tipo que estamos a falar).

A citação do responsável é fundamental para o início do processo executivo. No caso em que


haja responsáveis subsidiários, a regra é a de que todos têm que ser citados. No entanto, se apenas
alguns tiverem sido citados, o processo não fica parado, corre em relação àqueles que tenham sido
citados.

5.3. Formas de reação à execução

1. A oposição à execução (arts. 203º e ss. CPPT):

Aquilo que se põe em causa é o ato executivo, não a dívida tributária. Os fundamentos da
oposição à execução estão previstos nos arts. 204º e 205º CPPT. Não se aplica à ilegalidade em
concreto.

2. A reclamação (art. 276º e ss. CPPT):

Existe quanto a tomadas de posição assumidas pela Administração (é a aplicação da ideia de


que estamos perante regras procedimentais). É uma reclamação feita para o tribunal tributário de
primeira instância.

A citação do executado vem definida no art. 35º, nº2 CPPT, de acordo com o qual a citação é
o ato pelo qual se dá conhecimento ao executado da execução contra ele movida, e se dá a hipótese de
ele vir ao processo executivo tomar a sua posição. Por isso é importante o regime das respostas, pois
com a citação abre-se o prazo para apresentar a oposição. Nesta altura pode o executado apresentar
um requerimento para fazer pagamento a prestações.
Os requisitos formais das citações estão regulados no art. 190º CPPT.

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Aulas teórico-práticas

5.4. Elementos processuais

A petição (arts. 206º e 207º CPTP) deve ser apresentada no prazo de 30 dias a partir da citação
(art. 203º CPPT) e a tramitação segue o modelo da impugnação. O modelo processual é o da
impugnação, como sabemos.

6. Recursos das decisões dos tribunais tributários

Os recursos das decisões dos tribunais tributários correspondem a um segundo juízo sobre a
pretensão do sujeito ativo da relação jurídico-tributária processual. É uma reapreciação por parte de
um juiz. O recurso ou é para o Supremo Tribunal Administrativo ou para o Tribunal Central
Administrativo, consoante estejamos a falar de questões de facto ou de direito: quando estamos a falar
de questões factuais, o recurso é para o Tribunal Central Administrativo; quando a questão suscitada
envolva legalidade, o recurso é para o Supremo Tribunal Administrativo. A tramitação está prevista
nos arts. 280º e ss. CPPT.

2.05.2019

Aula aberta (Dra. Tânia Carvalhais Pereira)


Arbitragem tributária

O que é a arbitragem tributária?

A Lei de Autorização da Arbitragem Tributária previa a arbitragem como meio de resolução


de litígios em matéria tributária alternativo à impugnação judicial. Exclui-se, por isso, desde logo, da
arbitragem tributária, um conjunto de atos. A arbitragem tributária apenas seria alternativa à
impugnação judicial, isto é, haveria, à partida, uma coincidência de objeto.
O RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária) foi aprovado pelo DL 10/2011, de 20 de
janeiro.
Na própria lei de autorização previa-se que os tribunais arbitrais teriam decisões com o mesmo
valor dos tribunais judiciais.
Aplicação estrita do Direito constituído.
O próprio regime da arbitragem tributária prevê a possibilidade de designação de árbitros ou
pelas partes ou pelo Conselho Deontológico (órgão independente) do CAAD (Centro de Arbitragem

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Administrativa). Ainda que a lei preveja estas duas opções, na prática, em mais de 90% dos casos, os
árbitros são designados pelo Conselho Deontológico e não pelo sujeito passivo (porque é bastante
mais caro – clara opção política).
O modelo de arbitragem em Portugal é um modelo de arbitragem institucionalizada no CAAD.
O art. 4º RJAT diz que só existe arbitragem tributária no CAAD. O que se quis foi atribuir a designação
dos árbitros a um órgão independente cujo presidente é designado por um órgão público. O presidente
tem que ser um juiz conselheiro jubilado da jurisdição administrativa e tributária. Por oposição à
arbitragem ad hoc.
O CAAD tem um regulamento de seleção de árbitros que oferece uma série de garantias
adicionais. Para além de requisitos técnicos (pelo menos 10 anos de comprovada experiência em
Direito Tributário, e em alguns casos podem ser pessoas licenciadas em Economia ou Gestão – mas
num coletivo de três, dois são sempre licenciados em Direito), há outros requisitos, nomeadamente de
idoneidade moral. Os árbitros selecionados são sujeitos a verificação pelo CAAD e só depois é que
são admitidos na lista de árbitros.

Quem pode recorrer à arbitragem tributária?

Todos os contribuintes que sejam pessoas singulares ou coletivas, residente sou não em
Portugal, que tenham um litígio com a Autoridade Tributária que se enquadre no âmbito dos tribunais
tributários. Dentro do âmbito de competência previsto no RJAT e de vinculação da Autoridade
Tributária arbitragem tributária, a Autoridade Tributária não se pode ausentar, o direito à escolha entre
colocar a questão perante um tribunal tributário ou perante um tribunal arbitral é do contribuinte.

Quais os litígios que podem ser dirimidos com recurso à arbitragem tributária?

A ideia inicial da Lei de Autorização é a de que tudo o que é impugnável é arbitrável, ou seja,
uma coincidência total do âmbito de competência. Vamos ver que não é exatamente assim. A
competência dos tribunais arbitrais é apreciada pelo próprio tribunal, ao abrigo do princípio da
competência da competência. A “competência do tribunal determina-se pelo pedido do autor e pela
causa de pedir em que o mesmo se apoia” (P. 118/2012-T).

A competência dos tribunais arbitrais é limitada:

1. Pelas matérias indicadas no art. 2º, nº1 RJAT;


2. E pelos termos em que a AT se vinculou àquela jurisdição (arts. 2º e 3º da Portaria de
Vinculação da Autoridade Tributária):

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Todas as pretensões que digam respeito a tributos que não sejam impostos não caem no âmbito
de vinculação da arbitragem tributária (a portaria “afunila” o âmbito). A Portaria também exclui um
conjunto de pretensões (v. art. 2º PV).
Quis-se excluir também todas as pretensões relativas a direitos aduaneiros na importação (já
não se pode dizer o mesmo dos direitos de exportação), bem como os demais impostos indiretos que
incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação (os tribunais arbitrais consideraram que o
IVA se inclui aqui nestes impostos indiretos que incidem sobre mercadorias, ou seja, exclui-se o IVA
na importação do âmbito da arbitragem).
Para além desta delimitação negativa ao nível da matéria, há também uma delimitação negativa
ao nível do valor: art. 3º, nº1 PV – litígios de valor não superior a 10 milhões de euros. Porquê 10
milhões? É um valor relativamente baixo.
EM SÍNTESE, o âmbito de competência dos tribunais tributários é muito mais amplo do que o
âmbito de competência dos tribunais arbitrais tributários, quer em razão da matéria, quer em razão do
valor. Os tribunais arbitrais são competentes para apreciar a legalidade dos atos de liquidação de impostos
(e não de quaisquer tributos).

E as contribuições?

É um ato de tributação de um tributo, mas não é um imposto. Proc. nº 312/2015-T: o sujeito


passivo invocou que não era uma contribuição mas sim um verdadeiro imposto, logo arbitrável. O
tribunal arbitrável considerou-se competente, mas não considerou que se tratava de um imposto. O
tribunal considerou que quando a Autoridade Tributária se vinculou à arbitragem não havia nenhuma
contribuição administrada pela Autoridade Tributária, ou seja, referiu imposto porque era o único
tributo que a Autoridade Tributária administrava. Deste processo houve recurso para o Tribunal
Constitucional, que entendeu que esta contribuição não é um imposto, é uma verdadeira contribuição.
Este processo traduz um alargamento daquela que era a interpretação literal do âmbito da arbitragem.

Os tribunais arbitrais são competentes para apreciar a legalidade de:

 Atos de liquidação de impostos administrados pela Autoridade Tributária, seja


liquidação, autoliquidação, retenção na fonte ou pagamento por conta

Porque é que a portaria fala em “administração”? Quem administra liquida? Há algum imposto que não seja
administrado pela AT? E os casos de autoliquidação?

A administração do imposto cabe à entidade legalmente competente para:

 Liquidar;

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 Emitir informações genéricas;


 Apreciar a reclamação graciosa e o recurso hierárquico;
 Cobrar o imposto.

Quais os impostos que não são administrados pela Autoridade Tributária?

Art. 12º, nº1 Decreto Regulamentar Regional nº2/2013/M (Aprova a orgânica da Direção
Regional dos Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira). A Região Autónoma da Madeira
administra os impostos?

 Resposta afirmativa: P. 89/2012-T; P. 336/2017-T: o tribunal arbitral julgou-se


incompetente.
 Resposta negativa: P. 260/2013-T; P. 90/2014-T: o tribunal arbitral julgou-se
competente.

Numa interpretação literal, os tribunais arbitrais não serão competentes para apreciar a
legalidade de:

 Atos de liquidação de taxas;


 Contribuições para a Segurança Social;
 Processo executivo;
 Processos contraordenacionais

Quanto custa recorrer à arbitragem?

Há um regulamento de custas do CAAD (disponível no site). O valor da taxa de arbitragem é


o valor total a pagar no âmbito do processo (não se prevê o pagamento de custas de parte ou de
incidentes). A taxa varia em função de dois critérios:

1. Utilidade económica do pedido: o valor do processo, que é calculado nos termos do art.
97º-A CPPT;
2. Facto do contribuinte ter ou não escolhido os árbitros:
a. Processos sem escolha de árbitro: Tabela I (50% pago com a apresentação do
pedido de constituição de tribunal arbitral + 50% pago apos R1; reembolsável em
caso de vencimento – se o contribuinte ganhar, recebe tudo o que pagou);
b. Processos com escolha de árbitro: Tabela II (mais caro; taxa paga pela totalidade
com o pedido de constituição de tribunal arbitral; não reembolsável).

Como apresentar um pedido de contribuição de tribunal arbitral?

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Através de requerimento (site do CAAD).

Em que prazo?

Art. 10º RJAT

Apresentado o pedido, qual a tramitação subsequente?

1. O CAAD recebe o pedido


2. E tem dois dias (úteis) para a “aceitação do pedido” (verificação dos requisitos formais);
3. Comunicado ao sujeito passivo e à AT;
4. AT tem 30 dias úteis para revogar o ato;
5. Se a AT não revogar (“comunicação do art. 13º, nº1”) são designados os árbitros;
6. O árbitro tem 5 dias para aceitar;
7. 10 dias úteis para a constituição de tribunal arbitral (ope legis);
8. Despacho do tribunal arbitral (art. 17º RJAT);
9. AT apresenta resposta;
10. Marcação de “reunião do art. 18º RJAT” (se houver inquirição de testemunhas);
11. Ata da reunião;
12. Apresentação das alegações (se houver);
13. Tribunal define a data para a decisão, que deve ser no prazo de seis meses a contar da data da
constituição do tribunal arbitral;
14. Depois da decisão é arquivado o processo;
15. Conta de custas

Quais as principais vantagens da arbitragem tributária?

→ Especialização por matéria:

Os árbitros têm pelo menos 10 anos de comprovada experiência na matéria. Há uma inscrição
por tributo. Possibilidade de designação de árbitro não presidente licenciado em economia ou gestão,
sempre que a natureza da matéria o justifique.

→ Maior informalidade e flexibilidade


→ Garantia
→ Simplificação das regras processuais
→ Celeridade (decisão no prazo máximo de 1 ano)

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Aulas teórico-práticas

Casos práticos:
Nº1:
António recebeu uma citação com uma nota de liquidação, no valor de 50.000€, relativa
ao seu IRS. Concorda com parte mas discorda de outra. Dois meses depois contacta uma
sociedade de advogados. Será possível promover a sua defesa? E se o contacto ocorresse seis
meses depois?

António será um contribuinte, que recebeu uma nota de liquidação para pagamento de imposto,
tendo recebido essa nota por via de citação. Ou estamos perante um processo executivo ou há aqui
um engano na forma utilizada. No caso de não se estar no processo executivo nunca poderia ser por
via de citação mas sim por via de notificação.
No caso de ser uma citação é que poderíamos por a hipótese de estar em causa uma
responsabilidade subsidiária. Não é o caso porque a nota de liquidação se refere ao seu IRS.
Apesar do contencioso tributário ter por centro o ato tributário, é evidente que a discordância
pode ser parcial. Acontecerá de forma mais natural quando esteja em causa uma liquidação adicional,
porque na liquidação inicial, como existe um princípio de auto declaração do contribuinte, apesar de
heteroliquidação, é pouco usual que isto aconteça.
Se fosse processo executivo, o prazo para a oposição seria de 30 dias a contar da citação pessoal
ou da data em que tiver ocorrido ato superveniente. Isto relativamente à parte executiva. Relativamente
à parte declarativa. Estando a decorrer processo executivo, ele podia fazer requerimento para prestar
garantia.
E se o contacto ocorresse seis meses depois? Passou o prazo de reclamação e de impugnação. Resta a
revisão oficiosa do ato.

Nº2:
Bernardo é notificado de uma liquidação de que discorda. No prazo devido, intenta
uma impugnação judicial relativamente a um indeferimento tácito do seu pedido de anulação.
Após ter entrado com a petição inicial, a Administração responde no prazo de sete meses. O
que deverá fazer o juiz, sabendo-se entretanto que a Administração indeferiu de forma
expressa a intenção do contribuinte?

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Aulas teórico-práticas

Bernardo está especialmente descontente na medida em que lhe foram penhorados


vários bens do seu património. A sua fúria aumentou ao saber através do seu gerente bancário
que lhe tinha sido levantado o sigilo bancário.

Bernardo, sujeito passivo de uma relação jurídica tributária, é notificado de uma liquidação, e
discorda. Tem várias hipóteses de atuação, desde logo, a via administrativa e a via judicial. Bernardo
intentou uma impugnação judicial. Qual é o prazo? 3 meses. A impugnação judicial pode ser judicial
ou por via arbitral. Fundamentos da impugnação. A impugnação foi feita relativamente a um
indeferimento tácito do seu pedido de anulação. Temos que pressupor que houve reclamação, que foi
indeferida tacitamente (que se forma no prazo de 4 meses). A partir da formação do indeferimento
tácito abre-se o prazo para a impugnação judicial.
Qual é o prazo de resposta para a impugnação judicial? É de 90 dias. Qual a consequência da
falta de resposta? Princípio da liberdade do juiz poder livremente considerar essa circunstância. Não
há aqui confissão.
O facto de haver indeferimento tácito não quer dizer que o procedimento termine. Pode haver
uma tomada de decisão pela Administração, de forma expressa. Neste caso a Administração indeferiu.
Que consequência é que isso tem? Havendo indeferimento expresso abre-se prazo para impugnação
do indeferimento expresso. Se nada for feito mantém-se o processo relativamente ao indeferimento
tácito.
Há processo executivo, paralelo ao processo declarativo. A penhora existe relativamente a bens
que possibilitem o cumprimento da obrigação em causa.
Possibilidade de processo especial de levantamento do sigilo bancário.

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