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2021/2022

SEBENTA DE 2.º SEMESTRE

D I R E
I T O
ADMINISTRATIVO
Duarte Nogueira
Com os apontamentos de
Débora Sá
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

Nota Introdutória
Esta sebenta de Direito Administrativo, disponibilizada pela Comissão de Curso dos
alunos do 2.º ano da licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade do
Porto no ano letivo 2021/2022, foi elaborada pelo estudante Duarte Nogueira, com a
ajuda e colaboração de Débora Sá, que elaborou os apontamentos semanais da Unidade
Curricular em questão.
O material utilizado foi, maioritariamente, o conteúdo lecionado pelo docente Professor
Doutor João Pacheco de Amorim, bem como a leitura das Lições de Direito
Administrativo, de José Carlos Vieira de Andrade, nomeadamente a sua 5ª edição e a
leitura do Manual Curso de Direito Administrativo, de Diogo Freitas do Amaral, 3ª
edição, volume II.
A Comissão de Curso relembra que esta sebenta constitui, somente, um complemento de
estudo, não dispensando, por isso a presença nas aulas teóricas e práticas, assim como a
leitura das obras obrigatórias.
Nota – quando não há referência ao diploma em questão após mencionar um artigo é
porque se refere ao Código do Procedimento Administrativo.

Bom Estudo!

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Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

Índice
II Parte – As Principais Formas da Atividade Administrativa de Direito: O Regulamento, o
Ato e o Contrato Administrativo .................................................................................................. 4
Os Factos Jurídicos no Direito Administrativo ....................................................................... 4
Atividade dos particulares no Direito Administrativo ............................................................. 6
Factos Ilícitos dos Particulares............................................................................................. 7
Atividade Administrativa de Direito Público ........................................................................... 8
Capítulo I – O Regulamento Administrativo ............................................................................. 10
Noção e Fundamento ............................................................................................................. 10
Tipos de Regulamentos ........................................................................................................... 12
As espécies de regulamentos gerais externos ........................................................................ 14
Classificação dos regulamentos gerais externos ................................................................ 14
O Procedimento e a Forma dos Regulamentos ..................................................................... 16
Procedimento Regulamentar ............................................................................................... 16
Princípios Jurídicos relativos à atividade externa................................................................. 17
As relações entre regulamentos administrativos externos .................................................... 19
Invalidade dos Regulamentos ................................................................................................ 20
Capítulo II – O Ato Administrativo ............................................................................................ 21
Conceito de Ato Administrativo – artigo 148.º CPA .............................................................. 21
Classificação dos Atos Administrativos ................................................................................. 27
Classificação de outros atos jurídicos da Administração...................................................... 32
O Procedimento Administrativo ............................................................................................. 33
O procedimento num sistema de direito administrativo – as relações entre o procedimento
e o processo ......................................................................................................................... 33
O princípio da procedimentalização ................................................................................... 34
Procedimento vs. Ato Complexo.......................................................................................... 35
Momentos Característicos da figura do procedimento ....................................................... 35
Tipos de Procedimento ........................................................................................................ 36
Novas tendências procedimentais ....................................................................................... 36
O procedimento no CPA ...................................................................................................... 37
Os princípios gerais do procedimento (artigos 3.º a 19.º do CPA) .................................... 38
As Fases do Procedimento Administrativo.......................................................................... 39
A eficácia do Ato Administrativo ........................................................................................... 43
A distinção teórica e prática entre validade e eficácia de atos administrativos................. 43
Atos de eficácia instantânea e atos de eficácia duradoura ................................................. 44
Início da Eficácia ................................................................................................................ 44
As regras sobre a contagem da eficácia no CPA (artigos 155.º a 160.º)............................ 45
A Execução do Ato Administrativo ........................................................................................ 46

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A evolução histórica da ideia de executoriedade ................................................................ 46


Distinções ............................................................................................................................ 46
Modalidades de execução coerciva ..................................................................................... 47
O procedimento de execução e as garantias dos particulares ............................................ 47
A função estabilizadora do Ato Administrativo – a força do caso decidido ou caso resolvido
................................................................................................................................................. 48
O Problema do caso decido formal ..................................................................................... 48
Estrutura e requisitos de validade do ato administrativo ...................................................... 49
A conceção estrutural do ato segundo um modelo prático ................................................. 49
O Sujeito .............................................................................................................................. 49
O Objeto .............................................................................................................................. 50
A Estatuição......................................................................................................................... 51
A invalidade do Ato Administrativo ....................................................................................... 54
Invalidade e ilegitimidade ................................................................................................... 54
Inexistência do ato administrativo ...................................................................................... 55
Tipos de Invalidade ............................................................................................................. 55
As diferenças de regime legal entre a anulabilidade e a nulidade ..................................... 55
Os casos de nulidade ........................................................................................................... 57
A Declaração da nulidade e a anulação de atos administrativos pela Administração ........ 63
A declaração de nulidade dos atos ...................................................................................... 63
A anulação administrativa de atos ...................................................................................... 66
As reclamações e recursos administrativos ........................................................................... 69
O Autocontrolo administrativo ............................................................................................ 69
As Reclamações ................................................................................................................... 70
Os Recursos Hierárquicos ................................................................................................... 70
Recursos Administrativos Especiais .................................................................................... 72
Capítulo III – O Contrato Administrativo ................................................................................. 72
A Admissibilidade da figura do contrato administrativo ...................................................... 74
Os conceitos legais de “contrato público” e de “contrato administrativo” .......................... 76
Alguns tipos legais de contratos administrativos................................................................... 79
Os Problemas da Formação do Contrato Administrativo ..................................................... 80
Regime procedimental e tipos de procedimentos ................................................................ 80
Panorama geral da tramitação dos procedimentos pré-contratuais .................................. 82
Princípios Fundamentais da Contratação Pública ............................................................. 83

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II Parte – As Principais Formas da Atividade Administrativa de


Direito: O Regulamento, o Ato e o Contrato Administrativo

Os Factos Jurídicos no Direito Administrativo


São factos jurídicos, em sentido amplo, todos os factos de cuja ocorrência o Direito faz
depender a produção de efeitos jurídicos.
É importante, no contexto do direito administrativo, a distinção entre:
• Meros factos jurídicos – é irrelevante a vontade (da pessoa) na produção de
efeitos jurídicos
• Atos Jurídicos – é relevante a vontade humana na produção dos efeitos jurídicos.
Os Factos Jurídicos podem ser:
• Factos Naturais – acontecimentos do mundo natural, ou seja, não envolvem seres
humanos, que se subdividem em:
o Situações – são duradouras;
§ Exemplo: edifício em ruínas;
o Acontecimentos – são instantâneos ou limitados no tempo.
§ Exemplos: incêndios, inundações, terramotos
• Factos Humanos
o Involuntários – não dependem da vontade:
§ Exemplos: Nascimento, morte, maioridade, despiste de veículo.
o Voluntários:
§ Condutas/ações materiais:
• Exemplos: Reparação de uma estrada, lecionar uma aula,
assistência da aula, vacinação
§ Meros Comportamentos – são naturalisticamente atos de vontade,
mas não valem como tal, apenas valem como meros factos
juridicamente, porque os respetivos efeitos jurídicos se produzem
por determinação normativa, independentemente da existência da
vontade do agente, que mesmo existindo não releva para essa
produção (vontade do autor é irrelevante)
• Exemplos: compra de casa, declaração de rendimentos,
transgressões;
• Relativamente ao artigo 157.º/a) por exemplo: a câmara
decide contratar, mas sujeita a sua eficácia à aprovação
do projeto à Assembleia Municipal, a qual emite uma
declaração de aceitação ou não (ato de vontade). No
entanto, a Assembleia não ganhou uma competência,
aquela declaração apenas é um requisito de eficácia, não
é causa direta da produção de efeitos e por isso a
declaração é um mero comportamento – mero facto
jurídico. Os efeitos jurídicos apenas são imputados à
vontade de contratar.

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Neste contexto, há dois fatores muito importantes relativamente aos Factos Jurídicos
Naturais – o tempo e o espaço:
• Espaço – em matéria de atribuição de competências o espaço determina os limites
de forma territorial;
• Tempo – fator de produção ou extinção de efeitos, é causa no sentido de
criação/produção/extinção
o Caráter Produtivo
§ Instituto da Usucapião (de bens de domínio privado);
§ Uso imemorial (relativo a bens de domínio público)
• Permite a aquisição de direitos patrimoniais sobre coisas;
§ Possibilidade de aquisição do direito ao lugar (pelo “funcionário
putativo”);
§ O reconhecimento jurídico de situações de facto duradouras e
decorrentes de atos ineficazes – artigo 162.º/3 CPA – não
prejudica a atribuição de efeitos a situações de factos
nulos/ineficazes designadamente associados ao decurso do tempo,
ao abrigo do princípio da segurança jurídica, boa-fé, proteção da
confiança e da proporcionalidade (desenvolvido pela
jurisprudência com base nos princípios gerais administrativos).
o Caráter Extintivo
§ Caducidade (termo natural da eficácia de uma posição jurídica ou
de um poder, que deva ser exercido dentro de um certo prazo);
§ Prescrição (extinção de um direito ou de um poder pelo não uso,
por presunção legal de renúncia ao respetivo exercício).

No que toca aos Atos Jurídicos já releva a vontade do agente (a intenção) para que se
verifique a produção dos efeitos jurídicos – é uma declaração de vontade ou de ciência
(pode ter um pouco das duas – regra) à qual a Lei liga à produção de efeitos
A figura do ato jurídico distingue-se da figura da ação material (que também tem
consequências jurídicas), na medida em que o ato jurídico é um instrumento posto à
disposição do operador jurídico (entes privados, juízes ou órgãos administrativos), para
prosseguir certos fins. As meras ações materiais não são instrumentos postos à disposição
dos operadores.
Dentro dos atos jurídicos em sentido amplo podemos fazer a divisão entre a figura dos:
o Meros Atos Jurídicos, em que a vontade apenas origina a produção de efeitos
jurídicos, sem os moldar, como por exemplo:
o a aceitação de um ato;
o um pedido de naturalização;
o um parecer não vinculante;
o uma notificação etc.
o Decisões, ou seja, os atos jurídicos em sentido estrito, incluindo os atos
administrativos e os negócios jurídicos, em que a vontade tem um papel mais
importante, assumindo, definindo ou estipulando os próprios efeitos jurídicos

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produzidos, determinando o conteúdo do ato. Estas decisões visam sempre a


realização de um fim predeterminado na lei, de interesse público que lhes é
indicado normativamente e operam através de uma racionalidade jurídica
A vontade administrativa, sujeita aos princípios da prossecução do interesse público e da
juridicidade, é uma vontade funcional e objetiva. Esta vontade não se confunde com as
manifestações da “liberdade” e da “autonomia da vontade” (expressão de uma vontade
psicológica) que são características dos negócios jurídicos celebrados por privados.

Atividade dos particulares no Direito Administrativo


A atividade dos particulares nas relações jurídicas administrativas intensifica-se e torna-
se cada vez mais relevante, manifestando-se hoje, em geral, através de vários fenómenos:
o Colaboração direta;
o toda a atividade dos trabalhadores em funções públicas;
o todas as entidades que estão investidas em funções publicas, a quem é
confiada uma parcela da função administrativa:
§ concessionários (em sentido amplo, abrangendo entidades
delegantes e acreditadas;
§ parcerias público-privadas institucionais;
§ associações entre entidades públicas e privadas;
§ entidades privadas de interesse público.
o Concertação:
o Contratos administrativos;
o Planos concertados;
o Acordos;
o Pactos;
o Convenções
o Iniciativa dos particulares:
o Requerimentos atendendo a atos favoráveis, dirigidos ao órgão
competente investindo a Administração o poder de decidir.
o Petições
o Comunicação prévia – alternativa ao mecanismo de autorização, é a
permissão para um particular exercer certa atividade/ato, afastando uma
proibição relativa, operada por um ato do próprio particular, ocupando um
lugar que tradicionalmente pertence a um ato administrativo.
o Participação do particular no procedimento
§ Inquéritos Públicos;
§ Colaboração Instrutória;
§ Audiência Prévia
o Iniciativa do controlo (mérito ou legalidade)
o Impugnações Administrativas (reclamações e recursos – supõem a
existência de um ato de 1.º grau, pelo que são procedimentos de 2.º grau)
o Ações judicias (ações particulares e ações populares)

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Factos Ilícitos dos Particulares


Os comportamentos (ações ou omissões) dos particulares que violem normas
administrativas, ou seja, que não cumpram os deveres impostos por normas destinadas à
salvaguarda do interesse público a cargo da Administração, são ilícitos e, em
consequência, essas normas podem tipificá-los e prever a aplicação de sanções,
configuradas, em sentido estrito, como medidas punitivas, aplicáveis aos infratores.
Relativamente ao incumprimento de deveres impostos por particulares em razão de
interesse público, a responsabilidade pode ser de três tipos:
o Disciplinar em sentido amplo – medidas administrativas desfavoráveis;
o Contraordenacional
§ Coimas (caráter pecuniário)
§ Sanções Acessórias (apreensão de carta de condução)
o Mandatária – causa a perda de mandato
Os tribunais comuns são aqueles que mais preparados se encontram para resolver os
litígios relativamente à aplicação de sanções aos particulares por incumprimento de
deveres impostos a estes pela Administração – há um desvio à competência dos tribunais
administrativos. No que toca à atividade administrativa sancionatória, há uma ligação
estrita entre os princípios da: Legalidade; Tipicidade; Audiência Prévia; Tutela Efetiva.

Devem distinguir-se as sanções propriamente ditas, que pressupõem a infração e visam a


punição, das medidas administrativas desfavoráveis não sancionatórias – estas são
procedimentos e atos de reação à violação de disposições precetivas, que não visam punir
transgressões, mas responder a quaisquer tipos de atuação ou situação lesiva do interesse
público com outras finalidades, designadamente a pura prevenção (neutralização do risco
ou do perigo para o interesse público) e a mera reintegração. Estas medidas desfavoráveis
podem ser:
o Preventivas;
o Controlo prévio
§ Exemplo – recusa de entrada no território nacional de alguém
que pode representar um perigo para algum interesse
público);
o Persuasivas;
o Avisos, advertências, aproximação da figura da soft law
§ Exemplo – suspender uma autorização até que sejam
conferidas algumas exigências;
o Prudenciais
§ Exemplo – proibição aos bancos de distribuição de
dividendos; obrigação da constituição de reservas; ordens de
vacinação.
o Extintivas
o anulação de um ato;
o declaração de nulidade;
o declaração de caducidade/revogação;

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§
exemplo – retirada de subsídio ou perda de bolsa por perda de
requisitos; cassação de licença de porte de armas por extinção
superveniente dos requisitos necessários.
o Medidas de controlo Permanente
§ medidas de polícia;
§ apreensão da carta de condução por cegueira superveniente;
§ retirada de paralelismo pedagógico de escola privada por perda
de requisitos
o Repressivas
o suspensão de atividade;
o apreensão de bens;
o encerramento provisório de um estabelecimento;
o imposição de quarentena de pessoa com doença contagiosa.
o Reparatórias
o Abate de animais doentes;
o Demolição de um prédio em ruínas;
o Reconstrução obrigatória de prédios em ruínas
Nenhuma destas medidas são sanções administrativas. Estas são de várias espécies:

Atividade Administrativa de Direito Público


Apesar da importância crescente do uso do direito privado pela Administração, o objeto
principal da nossa análise será a atividade administrativa de direito público.
Classificações dos atos:
a. Atos Jurídicos Formais
o Regulamento;
o Ato administrativo (regime procedimental e substantivo consta do CPA);
o Contrato Administrativo (regulado no Código dos Contratos Públicos).
Os atos jurídicos formais não se esgotam nestes três tipos. Em regra, a atividade
administrativa sempre envolveu, em volta destas pronúncias jurídicas formais:
§ Atos Jurídicos Instrumentais – atos administrativos em sentido amplo e não
constitutivos, que podem ser:
o Preparatórios (fase de iniciativa do procedimento)
o Instrutórios (instrução)
o Pareceres, inquéritos, exames, relatórios…
o Executivos
o Alvarás; aprovação de uma ata; ordens de execução.
o Comunicativos
o Notificação; publicação

§ Ações ou Operações Materiais


o de Exercício – constituem a própria razão de ser do organismo em causa,
atividade diária, atividade para a qual esse organismo existe;

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o prestação de serviços aos utentes, vistorias, exames, obras, campanhas


de esclarecimento, vigilância e coação direta pessoal.
o de Execução – executar atos ou contratos, por exemplo:
v Demolição que sucede a um ato que a determina;
v Ocupação de um terreno que se segue apos a declaração de
expropriação;
v Declarações negociais da própria Administração
• Sobre a validade e a interpretação de cláusulas no âmbito
da execução de contratos administrativos.
• São cada vez mais frequentes – por razoes de flexibilidade,
previsibilidade, participação, consensualização nos
procedimentos de concertação e parceria, nas áreas da
economia, saúde, ambiente, urbanismo e ordenamento do
território, apesar dos riscos da ilegalidade e para os direitos
de terceiros.

§ Atuações Informais - é uma figura semelhante à soft law, ou seja, embora não
estejam juridicamente reguladas, nem visem produzir diretamente efeitos
jurídicos, também têm relevância jurídica prática e efetiva, de incentivo, de
cooperação, de ameaça, de aviso, como por exemplo:
o Contactos prévios ou paralelos no âmbito de procedimentos
comunicativos;
o Iniciativa privada de planos urbanísticos;
o Declarações administrativas de intenção;
o Recomendações e advertências;
o Manifestações reiteradas de tolerância;
o Informações e avisos;
o Incentivos e promessas informais;
o Protocolos e acordos de cavalheiros;
o Cartas de direitos dos utentes;
o Conferências procedimentais (interadministrativas).

Todos estes exemplos que vimos têm relevo jurídico indireto no âmbito dos
procedimentos administrativos dos regulamentos, atos ou contratos, enquanto momentos
de formação ou de execução dessas atividades formais. No entanto, outras vezes,
adquirem relevo próprio e justificam uma consideração autónoma por parte da doutrina
administrativa, como atuações que geram expetativas dignas de proteção jurídica ou como
comportamentos ilícitos geradores de responsabilidade civil: medidas provisórias que
atinjam direitos dos particulares; ações materiais de exercício ilegais ou incorretas;
coação direta em situações de urgência (selagem de instalações, proibição de circulação),
informações erradas, advertências prejudiciais, acordos geradores de confiança
legítima.

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Convém ainda falar das Figuras híbridas – formas de atuação administrativa, que
embora possam integrar-se nas categorias tradicionais, de algum modo as forçam nos seus
limites, como é o caso dos:
§ Planos Administrativos – enquanto formas específicas de atuação jurídica, que
contém normas finais, são do tipo misto, regulamentar e concreto, e desempenham
funções de harmonização de interesses públicos e de racionalização estabilizadora
de situações – são muito heterogéneos:
o Quanto à forma – regulamento, ato ou contrato;
o Quanto à força vinculativa
§ Indicativos – plano rodoviário nacional; plano de reestruturação
hospitalar.
§ Imperativos (alcances diversos e graus diferentes de vinculação) –
planos de ordenamento do território e planos urbanísticos,
municipais, regionais e nacionais.
§ Programas – embora constituam, em princípio, atos políticos, podem ter uma
incidência administrativa concreta, substancial ou procedimental.
o definem diretrizes de orientação das políticas públicas (infraestruturas
energéticas, de transportes, saúde, ambiente);
o e de regulação nos domínios de partilha público-privada de exercício de
tarefas de interesse público (estratégia nacional de desenvolvimento
sustentável).
§ Decisões regulatórias – no âmbito da atividade das autoridades reguladoras que
embora assumam a forma de categorias tradicionais não se enquadram
perfeitamente no respetivo regime, destacando-se entre elas:
o Regulamentações técnicas independentes – mesmo tendo caráter
regulamentar, podem pôr em causa a reserva normativa da função
legislativa;
o Decisões administrativas arbitrais e de resolução de litígios entre privados
– aproximam-se de decisões judicias e podem comprimir a reserva do juiz;
o Contratos regulatórios – celebrados entre entidades administrativas sem
verdadeira autonomia entre si.

Capítulo I – O Regulamento Administrativo

Noção e Fundamento
Para efeitos do disposto no artigo 135.º do CPA, consideram-se regulamentos
administrativos “as normas jurídicas gerais e abstratas que, no exercício de poderes
jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos”.
Os regulamentos são quaisquer normas emanadas pelos órgãos ou autoridades
competentes no exercício da função administrativa, com valor infralegal/regulamentar e
destinadas, em regra, à aplicação das leis ou de normas equiparadas (designadamente, das
disposições normativas diretamente aplicáveis da União Europeia).

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Esta noção ampla abrange, além dos regulamentos tradicionais, os:


o estatutos auto-aprovados de entres corporativos ou institucionais (ordens e
universidades, respetivamente);
o regimentos de órgãos colegiais;
o convenções administrativas de caráter regulamentar;
o planos e documentos estratégicos de gestão territorial e os programas de
concursos, designadamente na contratação pública.
Elemento Orgânico – o regulamento é emanado por:
§ Órgãos da Administração;
§ Entidades privadas investidas em poderes públicos (poderes regulamentares) em
substituição da Administração;
§ Entidade inserida ou situada noutro poder do Estado (legislativo ou judicial)
Elemento Funcional – exercício da função administrativa (poderes jurídico-
administrativos.
Elemento Material:
§ Geral – com destinatários indeterminados;
§ Abstrato – aplicável a situações da vida indeterminada.
o Execução permanente – o regulamento tem vigência sucessiva, é um
comando prévio, predeterminado.
Distingue-se do ato administrativo pelo seu conteúdo, na medida em que o regulamento
é geral e abstrato, enquanto o ato administrativo tem destinatários individualizados e é
relativo a uma situação concreta. E distingue-se da lei pelo seu valor hierarquicamente
inferior.
Visa produzir efeitos externos e por norma são jurídico-administrativos, mas alguns
regulamentos têm como objeto relações jurídicas privadas, como é o caso dos:
§ Regulamentos emanados por autoridades reguladoras;
§ Regulamentos de extensão de contratos coletivos de trabalho

Alem dos clássicos regulamentos, temos outras figuras típicas


• Estatutos de certas entidades de cariz corporativo (Universidades e I.P),
elaboradas e aprovados pelas próprias entidades;
• Regimentos dos órgãos colegiais (regulam o seu funcionamento – regulamentos
internos);
• Convenções Administrativas de caráter regulamentar;
• Planos (urbanísticos, económicos);
• Programas dos concursos na contratação pública.

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Tipos de Regulamentos
§ Orgânicos ou organizatórios – dizem respeito à organização dos serviços
administrativos;
§ Funcionais ou operacionais – dizem respeito à disciplina do funcionamento
da administração
§ Relacionais – dizem respeito à regulação das relações jurídicas entre entes
públicos e particulares
o Estes visam preencher o espaço normativo entre a lei e a atuação
administrativa concreta (complementar a lei), abrangendo, em
princípio, matérias de menor importância, mais técnicas ou sujeitas a
mutações mais rápidas, que não devem ocupar o legislador nem
constar de diplomas legais, mas cuja regulação, por razões de
segurança e previsibilidade, de igualdade ou de transparência, não
deve ser deixada totalmente ao decisor nos casos concretos.
o Apresentam um aspeto inovador, ocupando o espaço da lei.
o No seu âmbito territorial, elas detêm de uma competência
regulamentar independente
O que dizer de um ato geral, mas que se esgota numa situação concreta?
É do entendimento geral que esta figura está mais perto de um ato administrativo do que
um regulamento e por isso é equiparado e tratado como se de um ato administrativo se
tratasse.

Os regulamentos também podem ser, quanto ao seu âmbito de aplicação:


§ Gerais (quando regulam relações externas, relativas à generalidade das pessoas);
§ Especiais (quando regulam relações jurídicas especiais de direito administrativo
com dimensões internas ou externas)
§ Sectoriais (quando regulam um setor de atividade económica ou social.
§ Técnicos (emanados de autoridades, organismos ou agências transnacionais,
umas públicas, outras privadas, têm vindo a ganhar cada vez mais importância,
com vinculatividade jurídica variável.
Uma das principais classificações é a relativa, tendo em conta a respetiva eficácia, aos
regulamentos externos e regulamentos internos.
§ Regulamentos externos – regulamentos aplicáveis a quaisquer relações
intersubjetivas, também às relações inter-administrativas)
o Fundamento – a competência regulamentar externa funda-se na previsão
legal expressa;
o Regime – estabelecido no CPA e apenas estes são judicialmente
impugnáveis.
§ Regulamentos internos – regulamentos que se limitam a disciplinar a
organização ou funcionamento de uma pessoa coletiva ou de um órgão, na medida
em que não tenham caráter relacional nem envolvam dimensões pessoais, bem
como os regulamentos operacionais que determinam auto-vinculações internas

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(incluindo diretrizes de órgãos superiores) na interpretação e aplicação das leis,


designadamente no exercício de poderes discricionários.
o Fundamento – a competência regulamentar interna funda-se num poder
implícito de auto-organização administrativa e que, por isso, não necessita
de previsão expressa da lei;
o Regime – não são judicialmente impugnáveis – não podem ser objeto de
ação judicial nem relevam como padrões jurídicos autónomos de controlo
pelo juiz; nem vale para eles o princípio da inderrogabilidade singular
(admitem-se decisões concretas divergentes da regulação interna anterior,
devidamente justificada).
Apesar disso, os regulamentos internos têm relevância jurídica, designadamente os
regulamentos operacionais que estabelecem diretrizes auto-vinculantivas para o poder
discricionário, em que, por um lado:
• São impugnáveis no âmbito da Administração
(designadamente, em recurso hierárquicos ou tutelares);
• O seu incumprimento, embora não origine por si a
invalidade da decisão divergente, pode ser sintoma ou
indício de arbitrariedade, de violação do princípio da
igualdade ou de um mau uso dos poderes discricionários,
suscetíveis de invocação perante o tribunal em quaisquer
ações (designadamente, na impugnação de atos, e nas ações
de responsabilidade civil administrativa).
Figuras Intermédias – No que toca aos regulamentos especiais, estes contêm em regra,
normas internas, que dizem respeito à relação orgânica, mas devem considerar-se
externos na medida em que afetam posições jurídicas subjetivas dos indivíduos
envolvidos, enquanto pessoas. Assim como os regimentos de órgãos colegiais, que
sendo, em princípio internos, contêm muitas vezes normas que respeitam a direitos dos
membros (sendo nessa medida externos).

Em regra, os regulamentos são mediatamente ou indiretamente operativos, na medida


em que regulam em abstrato as atuações administrativas, os seus efeitos só se produzem
na esfera jurídica dos destinatários através de atos concretos de aplicação, administrativos
ou judiciais.
Em contraste, existem regulamentos imediatamente ou diretamente operativos, que
produzem os seus efeitos diretamente na esfera jurídica dos destinatários, sem a
necessidade de um ato específico de aplicação, bastando que a pessoa preencha em
concreto os requisitos fixados abstratamente na norma – é o que acontece com os
regulamentos:
§ que proíbem (há uma obrigação incondicional de abstenção ou de renúncia a um
comportamento) ou que impõem (há uma obrigação de comportamento ativo
vinculado) condutas específicas a pessoas determinadas/determináveis;
§ bem como os que determinam ou modificam um determinado estatuto (de pessoas
ou coisas);

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§ os que fixam o custo de um bem ou serviço (tarifas, taxas, propinas);


§ assim como os planos urbanísticos com eficácia intersubjetiva (planos municipais
e especiais de ordenamento do território), na medida em que, além das entidades
públicas, vinculam direta e imediatamente os particulares.

As espécies de regulamentos gerais externos

Classificação dos regulamentos gerais externos


Regulamentos executivos ou de execução de lei – todos aqueles que são necessários à
execução ou, pelo menos, à boa execução das leis: organizam procedimentos,
pormenorizam, interpretam, integram lacunas (por analogia, no quadro da lei respetiva)
de leis específicas.
Constam no artigo 199.º/c) da Constituição e integram a categoria dos regulamentos
comuns ou típicos, não sendo abrangidos pelo artigo 112.º/5, apesar de a formulação do
preceito constitucional não ser inequívoca nas referências que faz à proibição de
interpretar e integrar.
São uma derivação lógica da lei – são necessários à boa execução das leis; carecem de
uma lei habilitante que confira competência ao órgão para emanar o regulamento; tendo
competência para emanar o: governo e respetivos membros e todos os demais entes da
Administração Indireta do Estado e da Administração Autónoma.
A norma de habilitação especifica tem de ter uma:
• Referência subjetiva: ser identificado o órgão habilitado, competente;
• Referência objetiva: ser identificado o tema, a matéria específica.
O artigo 154.º/2 do CPA dita que os regulamentos de execução caducam com a revogação
das leis que regulamentam, salvo se forem compatíveis com a lei nova e enquanto não
houver regulamentação desta.

a. Regulamentos complementares – todos aqueles que, embora não tendo previsão


constitucional expressa, visam completar um determinado regime legal, seja
desenvolvendo-o, quando a lei se limite a estabelecer as respetivas bases gerais
(regulamentos de desenvolvimento), seja utilizando o quadro legal para regular
situações especiais não previstas (regulamentos de integração/integrativos/de
utilização da lei.
a. De desenvolvimento – desenvolvem o regime legal: são inovadores em
alguma medida, não são regulamentos de estrita execução, pois visam
completar um determinado regime legal. Embora não sejam proibidos
diretamente pelo artigo 112.º/5, não tem razão de ser, para certa parte da
doutrina, na qual se inclui o Prof. José Carlos de Andrade, tendo em conta a
competência legislativa alargada de que goza o Governo, e especificamente,
da figura dos decreto-lei de desenvolvimento – artigo 198.º/1/c)
b. De integração/integrativos – aparentemente proibidos pelo artigo 112.º/5,
mas que devem ser considerados admissíveis, desde que expressamente
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autorizados por lei, quando se limitem a adaptar o quadro legal a situações


especiais (fora da zona de reserva de lei formal), bem como quando se trate de
regulamentos produzidos no quadro de uma autonomia normativa legalmente
reconhecida (autonomia regulamentar das administrações autónomas ou a
autonomia estatutária das universidades) – a integração tem de fazer-se dentro
do espirito da lei, de acordo com o princípio da legalidade (analogia legis).
Estes últimos são regulamentos que visam situações especiais face ao regime geral
previso na lei, não previstas, por exemplo, no âmbito do urbanismo há uma lei de âmbito
geral, mas o regulamento aparece adaptando a lei para a utilização de um espaço para
pessoas para a utilização de um espaço para pessoas com deficiência.
Estão presentes no âmbito da Administração Independente (estadual) e institucional
(autónoma), ou seja, tendo presente a autonomia e independência dos entes das mesmas,
necessitam de uma norma habilitante – exclui-se a Administração Indereta.

b. Regulamentos independentes – todos aqueles que, embora não dispensem uma


norma legal que fixe a respetiva (norma habilitante), não visam executar, completar
ou aplicar uma lei específica, mas sim, dinamizar a ordem jurídica em geral,
disciplinando “inicialmente” certas relações sociais, seja no:
a. Exercício de poderes próprios de produção normativa primária pelas
comunidades autoadministradas (regulamentos autónomos);
i. São aqueles provenientes das autonomias territoriais,
constitucionalmente garantidos no artigo 227.º/d) e 241.º da CRP e a
sua emissão está legalmente prevista e atribuída aos órgãos
competentes pela lei – Estatuto das Regiões Autónomas e Lei das
Autarquias Locais.
ii. A competência objetiva resulta da Lei das Autarquias Locais e do
Estatuto das RA; a competência subjetiva resulta diretamente da CRP
iii. Também é necessário ter em conta os Regulamentos Provenientes das
Autonomias Profissionais e os Estatutos Universitários, pois também
podem considerar-se Regulamentos Autónomos Independentes,
embora apenas com base em habilitações legais (Lei das associações
públicas e profissionais, Lei da Autonomia das Universidades e a
Constituição).
b. Exercício de competência universal do governo em matéria administrativa
(regulamentos independentes governamentais);
i. A Constituição prevê expressamente a sua existência (artigo 112.º/6),
embora a doutrina se divida entre os que exigem, também aí, uma lei
especifica habilitante que defina a competência objetiva (matéria
específica) e subjetiva (órgão competente) para a sua emissão (artigo
112.º/7) e os que os admitem genericamente, fora da zona reservada à
lei, com base no disposto no artigo 112.º/6/alínea g) do artigo 199.º, na
medida em que estas normas constituem uma habilitação direta do
Governo, enquanto órgão administrativo competente para a prática de
tais atos normativos.

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Duarte Nogueira
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ii. A utilidade desta forma de decreto regulamentar, face à de decreto-lei,


estará na insusceptibilidade de sujeição à apreciação parlamentar
(artigo 169.º da CRP) e à fiscalização preventiva da
constitucionalidade (artigo 278.º da CRP).
c. Exercício de poderes normativos genéricos concedidos por lei a
entidades/autoridade reguladoras (regulação independente).
i. É discutível se os regulamentos provenientes destas autoridades
possam considerar-se como regulamentos independentes, ainda que
estas possam ser consideradas entidades administrativas
independentes – os regulamentos dessas autoridades, que não
constituem administrações autónomas, só deveriam valer como
regulamentos de execução de leis, não bastando uma referência legal
às atribuições da entidade, mas verifica-se que as leis, designadamente
no quadro da privatização de atividade de interesse público “abriram”
espaços significativos a favor da regulação técnica, de modo que tais
regulamentos se tornam regulamentos complementares, quando não se
arrogam mesmo o caráter independente.1
c. Regulamentos autorizados – todos aqueles pelos quais a Administração, com base
me habilitação legal expressa, regula matéria que, em princípio, sobretudo pelo seu
caráter inovatório, caberia à lei. Embora, em geral, devam considerar-se proibidos,
serão admissíveis em casos particulares, por exemplo, os regulamentos dos planos
urbanísticos, na medida em que coordenam interesses de diversos níveis – nacionais,
regionais, locais, sejam gerais ou especiais – professor José Carlos de Andrade.
d. Regulamentos de substituição (ou delegados) – em que a Administração é admitida
a atuar em vez do legislador, modificando, suspendendo ou revogando normas
contidas em diplomas legais
a. Tecnicamente são proibidos pelo artigo 112.º/5 da CRP, que em homenagem
à ideia de reserva de lei formal, não admite, nem a delegação propriamente
dita, nem sequer a deslegalização: note-se, em contraste, que este tipo de
regulamentos é admitido no ordenamento da União Europeia (TFUE – Artigo
290.º)
b. Contudo, na prática, é necessária uma articulação dos artigos 112.º/5 mais o
199.º/c, que dita a competência do Governo para emanar os regulamentos
necessários à boa execução da lei.

O Procedimento e a Forma dos Regulamentos

Procedimento Regulamentar
§ Os regulamentos são aprovados com base num projeto, acompanhado de uma
nota justificativa fundamentada, que deve incluir uma ponderação dos custos
e benefícios das medidas projetadas (artigo 99.º);
§ Impõem-se a indicação expressa da lei habilitadora que o regulamento visa
executar, seja, nos casos dos: regulamentos autónomos e independentes, da lei

1
Nota: para o Professor Pacheco de Amorim, todos os regulamentos independentes são regulamentos
autorizados

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que autoriza a respetiva emissão (artigo 127.º/7 da CRP; e artigo 136.º/2 e 3


do CPA);
§ Exige-se a publicação no Diário da República dos Regulamentos (artigo
119.º/1/h) da CRP), mas o professor diz que é inviável todos os regulamentos
serem publicados.
§ Os regulamentos estão sujeitos aos princípios da atividade administrativa, com
os quais se deve conformar – a nível autárquico tem de se ser mais flexível
(nomeadamente com o princípio da legalidade e os seus 3 subprincípios).
§ O regime regra é a não retroatividade (artigo 191.º), a não ser aqueles que
visam aplicar-se a leis retroativas e quando a boa execução das leis obrigue a
uma aplicação retroativa.
§ Os regulamentos podem ser administrativamente impugnados, segundo o
princípio da impugnabilidade administrativa – artigo 197.º

Princípios Jurídicos relativos à atividade externa

Os princípios gerais da atividade administrativa


A atividade regulamentar está sujeita aos princípios gerais que regem a atividade
administrativa:
a. Princípio da Legalidade:
i. primado da lei, e da Constituição
ii. precedência da lei
iii. revestem especial importância em sede de regulamentos o princípio
constitucional da reserva parlamentar e o consequente imperativo de
densidade legal acrescida (determinidade) – nas matérias reservadas ao
Parlamento, admitem-se, em geral, os regulamentos executivos, mas são
inadmissíveis regulamentos independentes do Governo, e só em
determinada medida serão admissíveis regulamentos independentes
autónomos, estes últimos justificados pela harmonização ou concordância
prática entre o princípio da reserva de lei e a garantia das autonomias
normativas, por exemplo, das Regiões Autónomas e das autarquias locais.
b. Princípios substanciais da juridicidade: que são válidos para todos os
regulamentos, incluindo os regulamentos predominantemente técnicos emanados
das autoridades reguladoras.
i. princípios da igualdade (não discriminação)
ii. proporcionalidade

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O regime especial aplicável à atividade regulamentar


Há um conjunto de regras, proposições e princípios especiais, definidos pela doutrina e
pela jurisprudência, e que agora constam em grande medida do CPA - artigos 137.º a
147.º -, constituindo um regime normativo próprio dos regulamentos externos,
distinto do regime dos atos legislativos:
• A obrigatoriedade da emissão e a proibição da simples revogação dos
regulamentos executivos que sejam necessários à execução das leis - artigo
137.º do CPA;
• A caducidade do regulamento como efeito da revogação da lei que visa
executar, salvo na parte ou na medida em que ele seja compatível com a nova lei
e enquanto não houver nova regulamentação, para evitar o vazio normativo –
artigo 145.º;
• A regra da irretroatividade dos regulamentos desfavoráveis - artigo 141.º –
com algumas compressões naturais: regulamentos de leis retroactivas,
regulamentos necessários à execução de leis;
• A regra da inderrogabilidade singular - artigo 142.º, n.º 2 - nos termos da
qual os regulamentos (diferentemente do que acontece com as leis, que são
reversíveis) não obrigam só os particulares, mas também a própria
Administração que os elaborou, de modo que nenhuma autoridade
administrativa pode deixar de o cumprir nos casos concretos, enquanto ele se
mantiver em vigor (mesmo que seja autora do regulamento, caso em que terá de
o revogar antes de poder dele divergir);
• A admissibilidade excecional da recusa de aplicação por órgãos
administrativos de regulamentos que considerem inconstitucionais, contrários
ao direito da união europeia ou ilegais – só em condições especiais
(antijuridicidade manifesta) e por certas autoridades (por ministros ou órgãos
superiores da administração autónoma, designadamente, quando tenham, eles
próprios, competência regulamentar);
• A impugnabilidade administrativa, mediante reclamação para o autor do
regulamento ou recurso para órgão competente para a respetiva modificação,
suspensão, revogação ou declaração de invalidade, ou para condenação à
emissão, em caso de omissão ilegal - artigo 147.º
• A impugnabilidade judicial direta, fundada na ilegalidade, garantida
constitucionalmente aos titulares de direitos ou interesses legalmente protegidos
- artigo 268.º, n.º 5, da CRP – que opera de forma diferente consoante o tipo de
regulamento - artigo 73.º do CPTA:
iii. no caso dos regulamentos que sejam imediatamente operativos, mediante
fiscalização abstrata (declaração de ilegalidade com força obrigatória geral)
a qual, no entanto, é limitada, visto que não é admissível quando esteja em
causa apenas a inconstitucionalidade do regulamento (cujo conhecimento é
reservado ao Tribunal Constitucional, a pedido de entidades competentes

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para requerer a fiscalização abstrata de normas jurídicas, nos termos do


artigo 281.º da Constituição) – nesses casos admite-se apenas a
impugnação e fiscalização concreta (desaplicação)
iv. no caso dos regulamentos não imediatamente operativos, suscita- -se a
questão da ilegalidade da norma no processo de impugnação do ato que a
aplique.

As relações entre regulamentos administrativos externos

a. De mera prevalência/preferência aplicativa


Em geral, valem os princípios da ausência de hierarquia e da igualdade de valor típico
entre regulamentos externos: todos têm valor de regulamento (infralegal e
infraconstitucional), embora haja várias exceções ou compressões desses princípios,
como resulta agora do CPA – artigo 138.º.
Os diversos regulamentos têm o seu âmbito de aplicação específico, eventualmente
cumulativo, em conformidade com as atribuições e competências próprias de cada
autoridade (princípio da atribuição de competências) de modo que não haverá, na maior
parte dos casos, conflitos normativos reais.
Em regra, todos têm o mesmo valor, enquanto regulamento, têm todos a mesma força
jurídica. Em caso de conflito, esta relação contende com a eficácia e não com a validade
do regulamento preterido; aplica-se o regulamento preferente e o preterido torna-se
ineficaz (fica como que congelado), se o regulamento preferente for revogado, o preterido
volta a produzir efeitos.
São regidos por este regime os regulamentos: governamentais, regionais relativamente às
autarquias, municipais relativamente às freguesias.
Relativamente aos regulamentos governamentais há uma natural ordem de prevalência
(prevalência aplicativa):
§ Decretos Regulamentares (pelo seu valor formal reforçado pela promulgação pelo
Presidente da República);
§ Resoluções Normativas do Conselho de Ministros (pelo seu valor substancial
reforçado);
§ Portarias Normativas;
§ Despachos Genéricos.

b. Relação cuja consequência é a invalidade


No que respeita a regulamentos provenientes de órgãos colocados entre si numa relação
de hierarquia ou de superintendência, os regulamentos da autoria dos órgãos subalternos
ou superintendidos não podem contrariar os regulamentos emanados pelos superiores ou
superintendentes sobre matéria que seja de atribuição e competência comum. Por sua vez,
os regulamentos da autoria dos delegados têm de respeitar os regulamentos emanados
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pelo delegante, salvo se a delegação incluir a competência regulamentar. Nestes casos, a


contrariedade implica a respetiva invalidade – artigo 143.º/2/a) a b).
O problema mais complicado é o que envolve os regulamentos das autarquias locais:
por se tratar de pessoas coletivas públicas de fins múltiplos. Nos termos do artigo 241.º
da Constituição, os regulamentos das autarquias locais devem respeitar os limites da
Constituição, das leis e dos regulamentos emanados das autarquias de grau superior,
isto é, das que têm jurisdição territorial mais ampla, ou das autoridades com poder tutelar
(Governo ou governos regionais).
1. Este preceito não deve, porém, ser interpretado no sentido de estabelecer uma
relação de subordinação abstrata, hierárquica e automática entre
regulamentos, com a consequência da invalidade das normas subordinadas – à
semelhança do que acontece na relação dos regulamentos com as leis e com as
normas constitucionais.
× Por um lado, a supremacia há-de consistir em uma mera prevalência
(“preferência aplicativa”) dos regulamentos preferidos.
× Por outro lado, a prevalência dos regulamentos governamentais só é
amissível relativamente às matérias de interesse nacional e na medida
em que a lei determine a existência de tutela normativa do Governo ou
dos governos regionais, tutela que não se presume.
Nas matérias de sobreposição de atribuições e competências governamentais -
nacionais ou insulares - com atribuições e competências autárquicas, por exemplo, em
matéria de ambiente e de ordenamento do território, a prevalência deve ser avaliada em
cada tipo de situações, em função das normas de competência, interpretadas no contexto
do sistema constitucional, tendo em conta que os princípios da subsidiariedade, da
autonomia local e da descentralização democrática da Administração Pública (artigo
6.º da Constituição) limitam o princípio da prevalência do interesse nacional –
devendo privilegiar-se os princípios de cooperação e de coordenação de interesses
nacionais e locais contra uma conceção “estatista” e centralizadora da
administração pública.
× Assim, se não for possível a aplicação cumulativa das normas nacionais e
autárquicas, entendemos que devem valer as normas autárquicas enquanto normas
especiais, salvo se a preferência das normas governamentais se impuser, seja
perante a deficiência da regulamentação local, seja pela necessidade imperiosa de
assegurar uma realização uniforme do interesse nacional.

Invalidade dos Regulamentos


Tendo em conta o artigo 143.º/1 do CPA, os regulamentos são inválidos se forem
desconforme com a Constituição, a Lei, os Princípios Gerais de Direito, ou infrinjam
normas de direito internacional ou de direito europeu.
A ilegalidade é, em princípio, invocável a todo o tempo, mas está sujeita a um prazo e à
oficiosidade da arguição das ilegalidades formais e procedimentais, salvo nos casos de
preterição absoluta de forma legal, ou preterição de consulta pública obrigatória: artigo

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144.º – em respeito pelos princípios da segurança jurídica, a Administração só pode


declarar a invalidade no prazo de 6 meses a contar da sua publicação.
No que toca à caducidade como o prevê o artigo 145.º/2, os regulamentos de execução
caducam com a revogação das leis que regulamentam, salvo na medida em que sejam
compatíveis com a lei nova e enquanto não houver regulamentação concreta para esta.

Capítulo II – O Ato Administrativo

Conceito de Ato Administrativo – artigo 148.º CPA


O Ato Administrativo em sentido próprio/estrito/forte é um ato regulado por disposições
de direito público, um ato jurídico decisório (manifestação de vontade ou de ciência),
praticado no exercício de poderes de autoridade, relativo a uma situação individual
e concreta – e, em princípio, com eficácia externa (eficácia intersubjetiva).
Um ato administrativo com eficácia externa é um ato constitutivo, tendo em conta a sua
aptidão para criar relações jurídico-administrativas, que à partida não têm os atos
instrumentais e os atos administrativos com eficácia interna (eficácia intra-subjetiva).
Este conceito de ato administrativo inclui os atos que se vão sujeitar, por norma, a um
regime típico:
o Substantivo;
o Procedimental;
o Processual/contencioso
Um ato administrativo é:
§ Um ato principal – decisões administrativas com determinada força jurídica em
termos de definição unilateral (favorável ou desfavorável) e estável da esfera
jurídica dos particulares;
§ Um ato jurídico constitutivo – criam ou extinguem relações jurídicas;
§ Uma estatuição (estatuto de direitos e deveres)
O regime procedimental e contencioso pode ser alargado a outros atos que não sejam
verdadeiros atos administrativos em sentido estrito – isto acontece sobretudo com o
regime processual e por razões de ordem prática – por exemplo:
> Nos procedimentos de contratação pública, muitos atos preparatórios (que não são
atos administrativos em sentido estrito) estão sujeitos a reclamações e recursos
administrativos especiais, no seu regime procedimental.

Antes: “A porta era estreita”, a única via era a impugnação jurisdicional do ato
administrativo para se aceder aos tribunais, mas os juízes detinham de poderes cassatórios
(anular o ato), como se fosse um tribunal de recurso com poderes limitados – então para

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haver um pretexto para tal, alargava-se o conceito de ato administrativo ao máximo, o


próprio conceito substantivo de ato administrativo quase coincida com o conceito
processual.

Agora: Os tribunais passaram a ter plenos poderes de cognição e decisão – permite


restringir o conceito de ato administrativo ao seu conceito estrito.
Afasta-se o Princípio da Impugnação Jurisdicional Unitária, na medida em que tem de se
aguardar pela decisão/ato final e respeitar o regime procedimental – esse ato final vai ser
o objeto de jurisdição.
O conceito de Ato Administrativo foi construído na Época Liberal, quando era
tipicamente um ato de autoridade, em regra desfavorável, no contexto de uma
Administração agressiva. Na transição para o Estado Social, perante a intensificação e
diversificação da atividade dos órgãos administrativos no exercício da função
administrativa, o conceito de ato administrativo passa a abranger também outro tipo de
atuações: autorizativas, concessórias, de prestação, de certificação, de regulação e de
incentivo; embora, nos sistemas de administração executiva, continue a ser uma forma
especifica de atuação administrativa que importa delimitar com rigor.
Desde cedo foi possível definir um conceito consensual de ato administrativo em sentido
amplo, pois que ninguém duvida que havia de ser um ato jurídico, unilateral e concreto,
subordinado a um regime de direito público.
Apesar da perda da posição central que ocupava, quer no contexto da função
administrativa (face ao regulamento e ao contrato administrativo), quer na dogmática
administrativa (face às construções conceituais de “procedimento” e de “relação
jurídica”, inicialmente ignorados ou marginalizados), quer no contencioso administrativo
(perante a proteção judicial plena e efetiva dos direitos dos particulares, antes
praticamente reduzida à impugnação de atos), o ato administrativo sobrevive, ainda
que necessariamente transformado, na medida da subsistência do sistema de
administração executiva e das funções que aí desempenha.

Funções:
Podemos identificar, no ato administrativo, várias funções:
§ Definitória Imperativa – enquanto ato jurídico regulador, conformador ou
concretizador das relações jurídicas externas, vinculativo para a Administração,
destinatários e terceiros.
o Esta função varia em função do conteúdo do ato, cumprindo atualmente
também, em determinadas situações, uma função orientadora de
comportamentos;
§ Tituladora ou executiva – decisão dotada de imperatividade e, sendo necessária
à sua execução, de executividade ou mesmo, excecionalmente, de executoriedade
(quando seja admissível a execução coativa).

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Duarte Nogueira
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§ Estabilizadoras – uma vez que a decisão, mesmo ilegal, não sendo nula (em
regra, de legalidade aparente), se consolida dentro de um prazo relativamente
curto como “caso decido” (se não houver impugnação), assegurando ainda a auto-
vinculação da Administração e a limitação dos respetivos poderes de revogação
(segurança jurídica), designadamente quanto a decisões constitutivas de direitos
para os destinatários (proteção da confiança legítima).
§ Procedimental – sendo o ato, como é, ou um referente unitário de colaborações
e de participações (ato principal), ou, ainda que integrado no procedimento, uma
pronúncia com efeitos externos próprios, autónoma relativamente a essa unidade.
§ Impugnatória, administrativa ou judicial – tendo em consideração que, para
além de possibilitar a iniciativa de autocontrolo administrativo (através de
reclamações e recursos), torna operativa a garantia constitucional e legal de
intervenção fiscalizadora dos tribunais, impondo uma forma especifica de ação
(ação administrativa especial, em regra, com pedido de anulação ou de declaração
de nulidade do ato, mas hoje também de condenação à prática de ato devido).
§ Processual – está subjacente a ideia de um princípio de economia processual que
se traduz num princípio do processo unitário - artigo 268.º/4 da CRP: direitos e
garantias dos administrados + Lei do Processo Administrativo
§ Responsabilizadora – existência de um prazo de 3 anos para o particular invocar
o direito a ser ressarcido, em caso de imputação da responsabilidade
extracontratual ao Estado, por incumprimento por parte deste.
A figura do ato administrativo serve também para determinar o núcleo essencial da função
administrativa, distinguindo-a materialmente da função legislativa, designadamente para
efeitos de separação de poderes entre o parlamento e o executivo. Ainda tem uma função,
no contexto do direito da União Europeia, para efeitos do reconhecimento recíproco das
decisões administrativas de autoridade – o método/princípio da equivalência, e o princípio
do país de origem geram efeitos vinculativos no contexto do ordenamento da União
Europeia.

O controlo jurisdicional da atividade administrativa justifica-se designadamente para


aqueles atos que, pela sua natureza, deviam estar sujeitos à garantia constitucional de
impugnação judicial para uma proteção jurisdicional efetiva dos cidadãos – por serem
decisões de autoridade com efeitos externos, que afetam interesses dos particulares, e são
potencialmente lesivos das posições jurídicas destes direitos e interesses legalmente
protegidos.
No entanto, hoje este argumento não é decisivo porque a garantia judicial efetiva dos
particulares perante a Administração:
o É plena;
o Não está limitada à impugnação de decisões administrativas – o estar em causa
um ato administrativo apenas significa que há lugar à utilização de um certo
pedido (impugnação), sob a forma específica de ação administrativa especial.

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Não é necessário:
o Qualificar a disposição contida num plano como um ato administrativo – os
regulamentos, sobretudo os imediatamente operativos, também são impugnáveis
judicialmente;
o A ficção do ato administrativo de “indeferimento tácito”, porque, em caso de
silêncio da Administração, cabe pedir a condenação desta pela não prática de ato
administrativo devido.

Definições normativas de ato administrativo:


O conceito de Ato administrativo está definido, quer no CPA (para efeitos procedimentais
e regime substantivo), quer no CPTA (para efeitos contenciosos).
a. O conceito substantivo de ato administrativo é formulado no artigo 148.º do CPA;
b. O conceito adjetivo de ato administrativo surge em dois níveis
a. Conceito constitucional de ato lesivo de direitos e interesses legalmente
protegidos configura a garantia de sindicabilidade judicial efetiva (artigo
268.º/4 da CRP);
b. Conceito de ato administrativo impugnável da legislação processual
administrativa que define o âmbito próprio da ação administrativa – artigo
51.º CPTA, abrangendo obrigatoriamente os atos administrativos com
eficácia externa, ainda que inseridos num procedimento
O caráter decisório do ato administrativo em sentido estrito, por definição:
> Exclui os:
o Atos jurídicos meramente preparatórios (incapazes de produção autónoma
de efeitos jurídicos), incluindo os pareceres não vinculativos;
o Atos integrativos de eficácia (artigo 155.º/1 CPA), ou seja, atos de
comunicação
§ Notificação;
§ Publicação
o Atos de pura execução
§ Passagem de alvarás;
§ Diplomas
> Inclui:
o Atos destacáveis – atos que, apesar de inseridos num procedimento,
produzem autonomamente efeitos externos, ainda que limitados:
§ Atos prévios (informação prévia favorável e aprovação de projetos
de arquitetura no licenciamento urbanístico)
§ Atos parciais;
§ Medidas provisórias (artigo 89.º do CPA)

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O Problema do silêncio administrativo:


O consenso doutrinário e jurisprudencial que se foi formando sobre esta matéria
manifestou-se na revisão do CPA, em 2015. Por um lado:
o Aceitou-se a eliminação da figura do “indeferimento tácito” e a sua substituição
pela figura do incumprimento de dever de decisão, consagrada agora no artigo
129.º do CPA, em consonância com a previsão, na lei processual, da “ação de
condenação à prática de ato administrativo devido” como processo judicial
adequado para defesa dos direitos dos particulares em todos os casos de omissão
administrativa, designadamente silêncio relativamente a requerimentos dirigidos
pelos interessados às autoridades competentes [regra].
Por outro lado,
o Continua a justificar-se a inclusão no conjunto dos atos administrativos do
“deferimento tácito” que subsiste, nos termos do artigo 130.º, nos casos em que a
lei determine expressamente que a ausência de decisão sobre pretensão dirigida a
autoridade competente dentro do prazo legal tem o valor de deferimento
[exceção], embora alguns autores defendam que deveria ser totalmente eliminada.

Elementos do Conceito de Ato Administrativo


Tendo em conta um conceito dogmático/doutrinário – “estatuição autoritária praticada
por um sujeito de direito administrativo no exercício de poderes jurídico-
administrativos relativa a um caso concreto destinada a produzir efeitos jurídicos
externos, positivos ou negativos”.
a. Estatuição autoritária
O ato administrativo configura um comando, permissão ou proibição unilateral, é dotado
de imperatividade e vinculativo para a própria Administração e destina-se a regular
imediatamente situações ou relações jurídicas: como decisão de produção de vantagens,
como pronúncia ablatória, como imposição de desvantagens, como pressuposto de
efeitos, como avaliação ou qualificação, como determinação de prova ou fator de certeza
jurídica.
O CPA refere-se ao ato como decisão e na doutrina tradicional falava-se a propósito de
uma conduta voluntária, mas a voluntariedade ato, tal como o seu caráter decisório, têm
de ser entendidos no quadro de uma função que visa a realização de fins hétero-definidos.
Também são, por isso, decisões os:
o Atos estritamente vinculados;
o As verificações/Avaliações constitutivas – porque embora sejam manifestações
de ciência, criam a certeza jurídica oficial quanto aos factos verificados ou
avaliados.
o Atos unilaterais/atos necessitados de colaboração dos particulares.
o Admitem-se excecionalmente os Atos implícitos em sentido estrito (decisões
contidas em procedimentos executivos), embora a legalidade do procedimento

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executivo exija, em regra, a prática prévia do ato exequendo desfavorável – artigo


177.º do CPA.
Por falta deste elemento de imperatividade, excluem-se do conceito os:
o Atos de Direito Privado;
o Declarações Negociais (pronúncias sobre a interpretação ou a validade de
contratos administrativos)
o Atos Instrumentais com efeitos externos (de mera execução ou comunicação)
o Atos meramente confirmativos (que se limitam a pura e simplesmente, reiterar
com os mesmos fundamentos, decisões administrativas anteriores) – artigo 13.º/2
do CPA.

b. Praticada por um sujeito de Direito Administrativo


Para além dos órgãos da Administração, a definição abrange ainda os atos de sujeitos
privados dotados de poderes públicos de autoridade, incluindo as entidades
administrativas privadas, os concessionários e outros particulares que exerçam poderes
de autoridade (mas já não os privados reconhecidos a desempenar tarefas públicas ou de
interesse público, como por exemplo, as escolas privadas e as IPSS.
Também as “decisões materialmente administrativas” de autoridade não integradas na
Administração Pública, como o Presidente da República, a Assembleia da República e o
Tribunal Constitucional) são expressamente equiparadas por lei a atos administrativos
para efeitos de impugnação judicial, devendo aplicar-se também, com as devidas
adaptações, o regime substantivo.

c. No exercício de poderes jurídico-administrativos


Trata-se de poderes conferidos por “normas de direito público”, cuja natureza e função
excluem do conceito de ato, quer os atos de direito privado, quer os atos praticados por
sujeitos administrativos que pertençam:
o À função legislativa (embora haja atos materialmente administrativos sob a forma
de decreto-lei);
o À função política (atos políticos ou atos do governo);
o À função jurisdicional (embora haja decisões de arbitragem ou de resolução de
conflitos entre privados por autoridades administrativas, designadamente
reguladoras, que constituem verdadeiros atos administrativos.

d. Relativa ao caso concreto


Este elemento visa distinguir ato de regulamento. No entanto, se não há dúvidas de que
as disposições gerais e abstratas constituem regulamentos, já se discute a admissibilidade
de atos administrativos gerais (relativos a uma situação concreta, mas aplicáveis a uma
pluralidade de destinatários não determinada, ainda que determinável, identificada por

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uma categoria, classe ou grupo de indivíduos), bem como atos administrativos abstratos
(que criam obrigações individuais permanentes).
O Professor José Carlos de Andrade defende que se deve admitir a categoria de atos
administrativos gerais, tendo em conta o artigo 52.º/3 do CPTA, que prossupõe a
existência de atos administrativos que não individualizem os respetivos destinatários.
Pode ainda haver Atos Administrativos Plurais - divisíveis em função dos destinatários,
constituindo um feixe de atos, entre os quais se destacam os atos contextuais (que são
atos autónomos, mas têm uma forma comum, como acontece na publicação dos resultados
de vários exames realizados por um júri, ou num despacho homologatório de decisões de
vários júris.
Tal como pode haver Atos Administrativos Reais – definem a situação jurídica de uma
coisa (classificação de um imóvel de interesse público).

e. Destinada a produzir efeitos jurídicos externos, positivos ou negativos


Este elemento impõe a distinção entre efeitos jurídicos internos e externos, conforme
atinjam, ou não, diretamente, a esfera jurídica dos destinatários.
Suscitam-se problemas de fronteiras quanto aos atos praticados no âmbito das relações
especiais de direito administrativo – podem ser atos internos ou atos administrativos,
conforme se reportem, respetivamente, à relação orgânica (intra-subjetiva), ou à relação
fundamental (inter-subjetiva).
A produção de efeitos jurídicos externos verifica-se também nos atos negativos, que
operam efeitos de consolidação jurídica, proibindo a efetivação da pretensão denegada –
as decisões de recusa de produção dos efeitos jurídicos são, por isso, atos administrativos.

Classificação dos Atos Administrativos


Normalmente o regime dos atos não está por inteiro na Lei. Muitas vezes, a Lei não é
rigorosa, pelo que se conta com a Doutrina e a Jurisprudência para os elaborar melhor.
Em razão da amplitude de áreas de intervenção e da grande diversidade dos tipos de
atuação administrativa, verifica-se uma multiplicidade das classificações doutrinárias,
resultante da variedade possível dos critérios adotados, bem como uma disparidade,
decorrente da falta de consenso entre os autores quanto ao alcance dos conceitos
utilizados.
Algumas espécies doutrinárias de atos administrativos com relevo prático:
• Atos Vinculados vs. Atos Discricionários;
• Atos de Eficácia Duradoura (cujos efeitos não se esgotam no momento da sua
prática e criam uma relação jurídica que se prolonga no tempo) vs. Atos de
Eficácia Instantânea.
o Exemplos de atos de eficácia duradoura – certas autorizações, como numa
agência de viagem; licença de construção; atribuição de uma bolsa paga
periodicamente.

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• Atos Negativos – que não conferem os direitos pretendidos, designadamente o


indeferimento expresso de requerimentos e a recusa de apreciação de pedidos.
• Atos de Verificação Constitutiva – é uma verificação simples/elementar, às
quais não está associado um efeito constitutivo. O ato esgota-se na verificação.
Mas há casos em que a Lei associa o efeito constitutivo, apesar de não serem casos
muito comuns, exemplo:
o Classificação de um determinado terreno como não tendo dono conhecido.
• Atos Constitutivos de Direitos – enquanto atos que visam constituir posições
jurídicas subjetivas favoráveis na esfera jurídica dos destinatários ou de terceiros.
Podem ser direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos.
• Atos Provisórios – cujos efeitos dependem necessariamente de uma futura
pronúncia definitiva;
• Atos Precários – atos cujos efeitos podem terminar por estarem sujeitos a
revogação “discricionária” (por disposição legal ou por reserva de revogação) ou
por dependerem de “condições resolutivas” (legais ou apostas ao ato pelo seu
autor).
• Pré-decisões – entendidas como os atos que, precedendo o ato final de um
procedimento ou o ato que define a situação jurídica do interessado no âmbito de
outro procedimento, decidem, perentória ou vinculativamente, sobre a existência
de condições ou de requisitos de que depende a prática de tal ato. Têm como
subcategorias:
o Os Atos Prévios – aqueles que, embora decidindo sobre um aspeto
relevante da decisão final, não constituem, só por si, efeitos jurídicos na
esfera do destinatário (não constituindo atos administrativos em relação a
estes);
o Os Atos Parciais – decisões constitutivas de efeitos externos antecipados
no que respeita a uma parte ou a um aspeto da decisão final global.
• Promessas Administrativas – entendidas como atos geradores de uma auto-
vinculação unilateral à prática futura de atos (ou à não adoção de uma determinada
medida), publicita e convida os operadores;
o Exemplo – preparação de um concurso, há um momento em que se dá
publicidade ao concurso, surge aí o convite/apelo a contratar.

Classificação dos atos administrativos quanto ao conteúdo:


Tendo em conta o conteúdo, isto é, os efeitos que visam produzir na esfera do destinatário
(independentemente agora dos efeitos que produzam relativamente a terceiros), podemos
distinguir quatro tipo de atos:
1) Atos Desfavoráveis
a. Atos Ablatórios
b. Atos Impositivos
i. Comandos
ii. Proibições
c. Indeferimentos
2) Atos Favoráveis

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a. Concessões e outros atos equiparados


i. Concessões Translativas;
ii. Concessões Constitutivas;
b. Autorizações (em sentido amplo)
i. Dispensa;
ii. Licenças = autorizações constitutivas;
iii. Autorizações propriamente ditas = autorizações permissivas.
3) Atos Relativos a «status»
4) Atos Secundários ou de 2.º grau

1) Os Atos Desfavoráveis – que provocam situações de desvantagem para o respetivo


destinatário.
a. Atos Ablatórios – suprimem, comprimem ou retiram direitos ou faculdades
i. como expropriação de um terreno; apreensão da carta de condução;
encerramento de um estabelecimento; resolução de um contrato
administrativo ou a nacionalização de uma empresa…
b. Atos Impositivos - ordens que podem ser:
i. Comandos – que impõem obrigações de conteúdo positivo, de, por
exemplo, fazer demolir um prédio, de dar liquidação de taxa.
ii. Proibições – têm um conteúdo negativo, restringindo a liberdade, por
exemplo, proibição de circular, interdição de venda de medicamento.
c. Indeferimentos – é uma recusa pelo órgão competente, total ou parcial, da
prática de ato favorável ou da produção de efeitos jurídicos requerida pelo
interessado.

2) Os Atos Favoráveis – que desencadeiam benefícios para os destinatários, particulares


ou públicos.
a. Concessões e outros atos que conferem ou ampliam direitos ou poderes
“administrativos” ou extinguem obrigações.2
i. Translativas – se transmitem direitos ou poderes já existentes na
titularidade da Administração concedente;
Os seus casos típicos são: as concessões de serviço público e as concessões de poderes
públicos (por exemplo, de acreditação e certificação)
ii. Constitutivas – se criam ex novo direitos ou poderes que a
Administração não pode ser titular, mas que só ela pode criar em favor
dos particulares (implicando, em regra, uma restrição ou compressão
dos próprios poderes públicos).
Os seus casos típicos são: as concessões de uso privativo do domínio público (esplanadas,
exploração de cais portuários, gestão de parques de estacionamento, utilização do subsolo

2
Nota: Para além das concessões, há outros atos que conferem direitos, como, por exemplo, a promessa
(a prática de um ato favorável) e a adjudicação (de uma posição contratual). Também são atos favoráveis
os atos que ampliam a esfera jurídica do destinatário ao terem como efeito a extinção ou a limitação de
deveres, ónus e sujeições perante a Administração, incluindo os atos de renúncia administrativa

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para instalação de redes), embora atualmente as concessões, pelo menos as mais


complexas, operam quase sempre pela via do contrato e não através de atos
administrativos individuais e concretos.
É o caso também da Delegação de Poderes entre órgãos administrativos.
b. Autorizações (em sentido amplo) – que, por iniciativa ou candidatura do
interessado, visam remover um limite imposto pela Lei ao exercício de uma
atividade fora do domínio administrativo da entidade autorizante (isto é,
quando está em causa o exercício de uma atividade da esfera própria do
destinatário da autorização, seja um particular ou outro órgão administrativo.
i. Autorizações nas relações entre a Administração e os particulares
- na sequência de normas legais que limitam as liberdades, com maior
ou menos intensidade, fazendo depender a atuação do particular de
uma intervenção administrativa favorável
1. Dispensas – removem, a título excecional, no caso concreto (e
que por isso não se confundem com as isenções, que são gerais
e abstratas) um dever especial relativo a uma atividade em
regra estritamente proibida ou imposta por lei, à qual não
corresponde um direito da Administração (por exemplo, a
autorização excecional para a construção na zona de reserva
agrícola (RAN), ou de reserva ecológica (REN);
2. Licenças (autorizações constitutivas) – constituem direitos
subjetivos a favor dos particulares em áreas de atuação sujeitas
a proibição relativa (preventiva) pela lei, uma vez acautelada
no caso concreto a não lesão do interesse que justificou a
proibição legal – trata-se de atividades privadas que também
podem ser de interesse público e que a Administração deva
promover ou fomentar (exemplo, licenças para
desenvolvimento de atividade industrial ou para o
funcionamento de estações emissoras de rádio);
3. Autorizações propriamente ditas (autorizações permissivas)
– permitem o exercício pelos particulares da atividade
correspondente a um direito subjetivo pré-existente, apenas
condicionado pela lei a uma intervenção administrativa, em
regra vinculada – estas autorizações visam remover os limites
impostos pela lei ao exercício do direito pelo particular
(exemplo, a autorização para sair do país, a habilitação para
o exercício de uma profissão comum, a autorização do
trabalhador para acumulação de funções públicas e privadas);
4. Reconhecimentos – enquanto permissões de exercício de
atividade pelos particulares já autorizados por outra
autoridade, designadamente de outro Estado (exemplo –
reconhecimentos para atividades de prestação de serviços, ao
abrigo da Diretiva n.º 2006/123/CE, do Parlamento Europeu
e do Conselho, de 12 de dezembro; reconhecimento de
qualificações profissionais, ao abrigo da Diretiva 2005/36/CE
do Parlamento Europeu e do Conselho).
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A ter em conta: nem sempre se utiliza os conceitos doutrinais adequados ao regime que
estabelece, assim como, há zonas de fronteira entre estas categorias de ato (por exemplo,
as licenças de uso e porte de arma situam-se na fronteira entre as dispensas e as licenças;
as licenças de construção são para alguns autores autorizações permissivas,
pressupondo que o direito de propriedade inclui a faculdade de construir).
As designações legais dos atos permissivos do exercício de atividades também são
variadas, utilizando.se expressões como: validação, autenticação, registo e a certificação
de capacidades e competências.
Atualmente, na linha de uma orientação europeia, a tendência para a simplificação
administrativa inclui uma política que substitui autorizações por “declarações” ou
“comunicações prévias” do interessado à Administração de que preenche os pressupostos
legais e regulamentares para o exercício de uma determinada atividade ou para uma
determinada atuação. Os efeitos jurídicos produzem-se se não houver oposição do órgão
competente ou se ela não se verificar dentro do determinado prazo, por vezes a lei prevê
um reforço da fiscalização posterior, com sanções pesadas (decreto-lei n.º 48/2011 de 1
de abril, relativamente a diversas atividades económicas).
As comunicações prévias, com ou sem prazo, dependem de previsão legal e estão
atualmente previstas no artigo 134.º do CPA, que estabelece o respetivo regime. De
salientar que, nas autorizações prévias com prazo, a ausência de pronuncia do órgão
competente não dá origem a um ato de deferimento tácito, mas habilita o interessado a
exercer a atividade pretendida, sem prejuízo de a Administração usar os seus poderes para
defender a legalidade, designadamente proibindo atuações particulares ilícitas – número
3 do artigo 134.º.
ii. Autorizações nas relações entre órgãos administrativos
1. Autorizações constitutivas da legitimação (distintas das
delegações de competências) – o órgão autorizante confere ao
órgão autorizado a possibilidade de praticar num caso concreto
um ato administrativo (ou um outro ato jurídico) da
competência do destinatário (para cuja prática o órgão
autorizado já é, em abstrato, competente).
2. Aprovações – desencadeiam a eficácia do ato administrativo
aprovado (normalmente, depois de este estar constituído), no
quadro de um controlo preventivo externo, que pode ser de
legalidade e também de mérito, conforme o disposto na lei nas
respetivas relações interorgânicas.
3) Atos relativos a «status»
São atos de eficácia instantânea, através dos quais se procede à criação, modificação ou
à extinção de estatutos, em regra, de estatutos pessoais, mas também reais.
É necessário ter em conta o caráter objetivo e regulamentar do estatuto (conjunto
articulado de direitos e deveres), que se destaca e torna independente relativamente aos
atos concretos que o atribuem – resulta daí a possibilidade de modificação do status por
via geral e abstrata, mesmo que tais modificações sejam desfavoráveis, não sendo
possível, em princípio, invocar direitos adquiridos à aplicação das normas vigentes à data

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da admissão, salvo em casos excecionais, quando a lei o determine (direito à


irredutibilidade do salário) ou quando deva relevar o princípio da proteção da confiança
legítima.
4) Os atos secundários ou de 2.º grau
Atos que visam produzir efeitos sobre um outro ato administrativo anterior, que constitui
o respetivo objeto. Pode ser uma
§ Revogação – artigos 165.º a 172.º do CPA;
o Pura e simples (extintiva);
o Com substituição (efeito revogatório implícito, por incompatibilidade).
§ Anulação;
§ Ato de declaração de nulidade de um ato anterior – artigo 162.º/2 do CPA;
§ Reforma – alteração com intuito de sanar a invalidade de um contrato
o Efeitos retroativos;
o Incide sobre aspetos que não ponham em causa a essência/conteúdo
essencial do ato.
§ Ratificação-sanação/convalidação – artigo 164.º do CPA
§ Conversão – artigo 164.º do CPA. Sanação através de uma alteração do tipo do
ato administrativo
o Exemplo: alguém é nomeado para um cargo de uma função pública, mas
falta um requisito – pode implicar uma nulidade da nomeação. Para a
admissão a um estágio não esse requisito x, assim, pode-se converter o
ato de nomeação para um ato de admissão a esse estágio.
Não se devem confundir os atos secundários com os “atos contrários” – estes atuam sobre
a relação jurídica determinada pelo ato precedente e não tem efeitos retroativos, como
acontece, por exemplo, com a demissão (nomeação de um funcionário – é um ato que
extingue um status), com a reversão (ato de expropriação de um imóvel).

Classificação de outros atos jurídicos da Administração


Também são muito diversos quanto ao conteúdo os outros atos jurídicos da
Administração, em especial os atos instrumentais, que desempenham funções nos
variadíssimos procedimentos administrativos. Por exemplo:
§ Atos de conteúdo decisório
o Deliberações prévias (despachos com instruções concretas, aprovação de
projetos de arquitetura);
o Acordos preliminares (entre órgãos públicos ou com privados sobre os
termos de uma atuação administrativa);
o Atos de iniciativa interorgânica
§ No interesse do órgão que toma a iniciativa
• Requisições – de um órgão solicitar a prática de atos pelo
órgão competente;
• Designações – de representantes para a nomeação como
titular de um órgão.

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§ No interesse do destinatário (ou de ambos) – que, no fundo,


implicam uma co-decisão, pois que o órgão que pratica o ato não
é obrigado a aceitar o conteúdo da proposta, mas depende dela para
tomar a decisão – Propostas.

§ Atos de conteúdo declarativo


o Verificações (relatórios de vitorias ou de exames periciais, atestados,
certidões, diplomas, registos, atas, autos)
o Avaliações (relatórios de avaliação e, sobretudo, pareceres)
§ Não se devem confundir com as “verificações e avaliações
constitutivas” que, por criarem certeza jurídica são, como vimos,
verdadeiros atos administrativos.
Relativamente aos pareceres, enquanto avaliações jurídicas ou técnicas, são de diversos
tipos:
o Obrigatórios ou facultativos, conforme tenham, ou não, de ser solicitados pelo
órgão instrutor;
o Vinculantes ou não vinculantes, conforme tenham, ou não, de ser seguidos pelo
órgão decisor.
Os pareceres previstos em normas jurídicas são, salvo disposição expressa em contrário,
obrigatórios e não vinculantes (artigo 91.º do CPA).
O caso especial dos pareceres conformes, que apenas são obrigatórios e vinculantes num
sentido – é mais comum a exigência legal de “parecer favorável”, que é prossuposto para
que o órgão competente possa tomar uma decisão favorável e, por isso, só é vinculante se
for desfavorável, impedindo o órgão de decidir favoravelmente; mas por vezes a lei
também exige pareceres desfavoráveis para que possam ser tomadas decisões
desfavoráveis para que possam ser tomadas decisões desfavoráveis, casos em que o
parecer é vinculante se for favorável aos destinatários.
§ Comunicações
o Intimações para a adoção ou abstenção de uma conduta
§ Distingue-se dos avisos, admoestações, ou ameaças de prática de
um ato administrativo, quando estes ou estas sejam meros factos
jurídicos (comportamentos);
o Publicações e as notificações de decisões administrativas.

O Procedimento Administrativo

O procedimento num sistema de direito administrativo – as relações entre o


procedimento e o processo
Houve uma evolução desde os tempos “primitivos”, em que o procedimento
administrativo era interno, secreto e juridicamente irrelevante, para uma conceção
externa, transparente e juridicamente relevante do procedimento.
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Iremos ter em conta o Procedimento Administrativo nos sistemas de administração


executiva/continental/de tipo francês, em que a Administração visa a realização do
interesse público, previamente definido pela Lei e cuja atividade está, por razões de
sistema, sujeita à fiscalização judicial posterior.
Podemos falar de outros três paradigmas procedimentais:
a) Paradigma Monista – de inspiração austríaca, em especial Kelson, baseado no
modelo de lide, típico de um processo judicial, em que se visa julgar, isto é, dizer
o direito na situação concreta, através de uma pronúncia imparcial perante as
partes – é um paradigma que, apesar de haver uma certa aproximação nos
procedimentos sancionatórios, não vale para a generalidade dos procedimentos
administrativos, em que a Administração toma decisões para a satisfação eficiente
do interesse público.
a. Um paradigma do tipo garantístico;
b. Em que o processo judicial e o procedimento administrativo seriam
modalidades de um único modelo de tipo contencioso;
c. Estaria em causa uma Administração neutra equidistante, imparcial que
aplicaria o direito ao concreto através de uma pronúncia imparcial perante
as partes.
b) Conceção Socialista – uma Administração politicamente vinculada e pedagógica,
que parte do prossuposto da coincidência entre os interesses dos cidadãos e o
interesse da sociedade – um paradigma que não vale numa sociedade pluralista e
democrática, em que há direitos dos particulares e uma tensão legítima entre os
seus interesses e os da comunidade.
c) Modelos anglo-saxónicos – uma Administração livre e justa, fracamente
vinculada a soluções legais substantivas previamente definidas, em que o
procedimento é fator determinante e condição da legitimidade decisória dos casos
(“legitimação pelo procedimento”) – um paradigma que não vale inteiramente
num sistema de administração executiva, que continua vinculada no essencial a
predeterminações legislativas.

O princípio da procedimentalização
• A procedimentalização de toda a atividade administrativa é destinada à produção
de atos, regulamentos e contratos, bem como à respetiva execução.
• Os objetivos da procedimentalização da atividade administrativa são:
o A participação e a garantia de interesses públicos e privados;
o A eficiência;
o A coordenação e racionalização de tarefas complexas
Finalidades que se combinam em proporções variáveis, conforme os tipos e as espécies
procedimentais, sendo exponencialmente complexo naqueles casos em que se defrontam,
para além de interesses privados conflituantes, interesses públicos contraditórios.

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Procedimento vs. Ato Complexo


Nas declarações de atos jurídicos que preparam o procedimento – não há uma relação de
causalidade direita ou imediata entre esses atos e a situação jurídica dos
particulares/sujeitos jurídicos.
Estamos perante um ato complexo quando temos duas ou mais declarações que
apresentam a mesma relação de causalidade direita ou imediata da situação jurídica, mas
são declarações qualificadas:
o Estão a igual distância da situação jurídica em causa;
o Não se confundem com o procedimento, exemplo, a fundamentação não é um ato
do procedimento, é uma exteriorização da vontade da Administração, faz parte da
forma do ato;
o Integram um único ato administrativo.

Momentos Característicos da figura do procedimento


a. Um conjunto de pronúncias (atos jurídicos) – exprimem a colaboração de
diversos órgãos e a composição de diferentes interesses públicos e privados; o
procedimento propicia a articulação de diferentes interesses públicos com
interesse privados
a. O Professor Pacheco de Amorim defende uma conceção de procedimento
mais ampla, dizendo que o procedimento é constituído também por factos
jurídicos e não apenas atos; por exemplo, os prazos, que são factos
jurídicos, e apresentam uma importância na cronologia do procedimento.
b. Um resultado jurídico unitário – com a finalidade última de interesse público
substancial comum a todas as manifestações que o constituem; pois não obstante
a pluralidade de interesses e órgãos, tudo está orientado para a produção de um
único resultado jurídico.
c. Tramitação temporal e substancial – o procedimento obedece a um esquema
lógico e cronológico de desenvolvimento e progressão da atividade/atuação da
administrativa, constituindo uma sequência ordenada, em que há, tipicamente:
a. Um (ou mais) ato principal, cuja finalidade imediata coincide com a
finalidade última do procedimento – são declarações principais e também
são causa direta dos efeitos jurídicos.
b. Atos funcionalmente subordinados – apenas contribuem indiretamente
para a produção de efeitos, desempenhando cada um deles um papel
específico:
i. Iniciativa;
ii. Preparação;
iii. Controlo (por órgãos supra-ordenados)
a. Para o Professor Pacheco de Amorim esses atos de controlo
interadministrativos não são verdadeiros atos
administrativos; por exemplo, o Prof. considera que a
Autorização é um ato interno de controlo – poderá ser um
ato administrativo se, e apenas se, exprimirem um controlo

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tutelar (pois a tutela integrativa confere o caráter externo,


característico dos atos administrativos).
iv. Comunicação da decisão

Tipos de Procedimento
o Procedimentos de 1.º grau – não tem como objeto um outro ato administrativo;
o Procedimentos de 2.º grau
o De iniciativa pública
o De iniciativa particular – impugnações administrativas
§ Reclamações e Recursos Administrativos (regulados no atrigo
184.º e ss. do CPA)
o Procedimentos bipolares (a relação é bipolar: por exemplo, expropriante e
expropriado) e procedimentos poligonais;
o Procedimentos decisórios e executivos;
o Procedimentos obrigatórios (formais) procedimentos facultativos/informais –
em princípio, todos os procedimentos previstos no CPA são obrigatórios.
o Procedimentos simples (normal) e procedimentos complexos (podem
contemplar subprocedimentos que entroncam o principal; pode haver um esquema
de sequência procedimentais).
Dentro destes últimos procedimentos complexos podemos fazer subdivisões:
§ Subprocedimentos – podem ser de instrução ou de controlo preventivo,
relativamente a outros órgãos administrativos, entroncando o seu ato principal:
o na fase preparatória (proposta, parecer);
o na fase integrativa da eficácia (aprovação).
§ Procedimentos escalonados ou faseados – antes da decisão final, há pré-
decisões:
o Atos prévios – decidem definitivamente certas condições da decisão
global;
o Decisões parciais – decidem alguns dos aspetos do requerimento ou da
matéria em causa
§ Procedimentos coligados ou conexos – ocorrem em simultâneo em termos
estruturais – apesar de um ser condição do outro, não há um entroncamento.
o Paralelos;
o Sucessivos/sequenciais.
Exemplo: a DIA (declaração de impacte ambiental) é um ato administrativo final parcial),
no âmbito do procedimento de AIA (avaliação de impacte ambiental), que constitui um
procedimento paralelo relativamente ao licenciamento de determinadas atividades.

Novas tendências procedimentais


§ Mecanismos de simplificação administrativa
o Desregulação – substituindo as autorizações ou licenciamentos por mera
comunicação de início de atividade (iniciativa de procedimento de
verificação para eventual oposição administrativa com ou sem prazo) –

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aqui se inscreve a iniciativa governamental crismada no “licenciamento


zero”. – Artigo 134.º do CPA: comunicações prévias.
o Relevância do silêncio endoprocedimental como dispensa – artigo 99.º/3
do CPA; ou também, com efeito devolutivo a outras entidades.
§ Atos de comunicação – não ficam protegidos logo pelo regime: o
ato torna-se inimpugnável e, sendo constitutivo de direitos, incorre
em responsabilidade: gerou-se o deferimento tácito então a
Administração vem anulá-lo.
§ Comunicação sem prazo – A Administração pode exercer um
controlo sucessivo – pode determinar a suspensão da atividade – o
particular fica sem a segurança que lhe dá o ato administrativo, só
se pode valer dos factos juridicamente relevantes e da lei –
enquanto em atos administrativos o particular é em parte
desresponsabilizado, a Administração é quem mais é
responsabilizada por ser conhecedora da lei.
§ Comunicação com prazo (artigo 134.º/2) – pronunciando-se em
sentido contrário, o ato da Administração não é um ato negativo de
indeferimento – o Professor Pacheco de Amorim vê como um ato
positivo cujos efeitos se opõem ao conteúdo do ato do particular.
o Concentração – verificação ou autorização de projetos globais ou de rede
(como por exemplo, as redes de distribuição de gás), que substituem
diversas autorizações parcelares.
o Coordenação3 – conferências procedimentais, que podem ser:
§ Instrutórias – quando se reúnem e concertam pareceres de diversos
serviços num determinado procedimento, por vezes com a
participação do particular requerente;
§ Deliberativas – quando, em procedimentos complexos, se reúnem
os órgãos competentes para uma decisão conjunta, que substitui a
prática de vários atos autónomos.
§ De Coordenação – quando, em procedimentos complexos, se
reúnem os órgãos competentes para praticarem, simultaneamente,
atos administrativos autónomos.
§ Privatização – substituição de procedimentos públicos por procedimentos
privados; delegação da instrução em técnicos privados habilitados.

O procedimento no CPA
Os procedimentos administrativos caracterizam-se pela sua diversidade, em função das
situações e do modo como se apresentam os interesses públicos a prosseguir pela
Administração.

3
Atualmente, as conferências deliberativas e de coordenação (mas não as instrutórias) estão reguladas
no CPA, dos artigos 77.º a 81.º, que determina as regras gerais sobre a sua instituição (por lei, regulamento
ou contrato interadministrativo), a sua realização, a audiência dos interessados ou pública e a conclusão.

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Por isso, os procedimentos administrativos são, normalmente, procedimentos especiais,


facto que suscita problemas na codificação, que há de limitar-se a regras e princípios
gerais, e obriga a cautelas na aplicação dessas regras aos vários procedimentos.
No CPA, o procedimento de feitura dos atos administrativos é regulado como o
Procedimento-Tipo – o que corresponde à realidade, dado o caráter específico do
procedimento regulamentar e do procedimento contratual.

Os princípios gerais do procedimento (artigos 3.º a 19.º do CPA)


§ Princípios de atividade – incidem sobre o ato, regulamento e contrato
administrativo: dimensões substantivas da atividade administrativa –
macroprincípios:
o Princípio do Procedimento Administrativo Justo – engloba todos os
princípios gerais da atividade administrativa que hão de ter alguma
incidência no procedimento;
o Princípio do Procedimento legalmente devido (legal processo of law) –
especial relevância nos procedimentos sancionatórios: revela a
importância dos momentos garantísticos do procedimento – as
consequências são diversas;
o Princípio da Transparência Procedimental – ideia de transparência ao
longo de todo o procedimento (exemplo, comunicações dos atos,
fundamentação de cada ato).

§ Princípios Procedimentais – estão na parte geral do procedimento, incluídos nos


princípios gerais da atividade administrativa (indevidamente, segundo o
Professor).
o Princípio da Participação dos Interessados no procedimento:
§ Dimensão garantística – defesa dos direitos dos particulares;
§ Dimensão da legitimação democrática do procedimento – reforço
da legitimação do procedimento e da decisão final.
o Princípio da Legalidade e da Oportunidade da Iniciativa Pública;
o Princípio da Boa Administração Procedimental (artigo 5.º):
§ Eficiência, economicidade, celeridade.
o Princípio da Imparcialidade negativa (artigo 9.º)
o Princípio da Boa-fé Procedimental e da Colaboração com os Particulares
(artigo 10.º e 11.º);
o Princípio do Procedimento Aberto – subprincípios da informação e da
participação (artigo 11.º e 12.º);
o Princípio da Decisão (artigo 13.º)
§ Dever de resposta por parte das autoridades administrativas;
§ Dever jurídico de decidir de acordo com o interesse público –
qualquer requerimento de um particular gera esse dever (não
acontece o mesmo com uma comunicação prévia).
o Princípio da Gratuitidade do Procedimento (artigo 15.º)

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§ Mas admitem-se taxas moderadoras – taxas que não podem ter


como objetivo cobrir parte substancial dos custos do
procedimento, mas sim admitir-se a possibilidade de serem
cobradas taxas que se destinem a evitar a proliferação de
requerimentos impertinentes;
o Princípio da Cooperação Leal com a UE (artigo 19.º);
o Utilização da Língua Portuguesa (artigo 54.º);
o Princípio do Inquisitório (58.º) - decorrente do Princípio da Prossecução
do Interesse Público (artigo 4.º).

Relativamente aos sujeitos do procedimento, o CPA adota um conceito amplo de


interessados, que engloba, para além dos titulares de interesses individuais específicos,
os titulares de interesses coletivos e de interesses gerais comuns – artigo 65.º/2, 67.º e
68.º.

As Fases do Procedimento Administrativo


1. Fase Preparatória
Integram-se aqui os atos preparatórios típicos, isto é, os atos jurídicos que estão
diretamente conexionados com o ato principal, visando a sua consumação e que não
produzem efeitos externos senão através dele – visam a consumação desse ato e em
princípio não produzem efeitos externos, apenas através do ato administrativo final do
procedimento. Por isso, as invalidades não podem ser logo atacadas em tribunal – se se
estiver perante uma ilegalidade no procedimento o particular terá de aguardar a decisão
final, pois o vício no procedimento tende a inquinar o ato final, mas não necessariamente.
O Professor Vieira de Andrade não considera que se integrem as operações materiais,
mas o professor Pacheco de Amorim defende que o procedimento não se esgota em atos,
mas também engloba os factos, os prazos e as operações/atos materiais.
Os prossupostos longínquos não integram (ou seja, o que legitima a Administração a
agir, mas não se confunde com os requerimentos, que é um prossuposto próximo, pois já
se integra na subfase da iniciativa). O que está em causa são aqueles que são longínquos,
que se encontram distantes do procedimento e que, por isso, não o integram, como por
exemplo, a delegação de poderes.
Os Atos com autonomia funcional também não podem ser considerados integrados no
procedimento, uma vez que, visam produzir efeitos externos próprios, como acontece
tipicamente com a autorização para a prática de um ato administrativo ou com a decisão
de exclusão de um candidato do procedimento concursal.
Nos termos do CPA, incluem-se na preparação da decisão administrativa, que
condicionam a validade do ato principal, a:
o Iniciativa (artigo 102.º) – pode ser desencadeada pelo:
o Interessado (sendo como tal qualificado quem tenha legitimidade para
iniciar o procedimento, nos termos do artigo 68.º);

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o Por meio de requerimento (artigo 102.º e ss.)


o Por um órgão administrativo através de um ato público de iniciativa
(devendo distinguir-se, neste caso, os procedimentos:
§ Oficiosos;
§ não oficiosos – desencadeados por propostas, requisições,
pedidos).

o Instrução (artigo 115.º a 120.º) – momento de individualização, valoração e


comparação dos interesses coenvolvidos na decisão administrativa que o
procedimento serve, integra os atos que relevam como produtores de uma situação
jurídica que é condição validade do ato principal, mas exterior ao tipo legal
respetivo. Em particular, aí sem devem incluir:
o De origem administrativa: as diligências probatórias (artigo 116.º a
120.º) e as diligências consultivas (em especial, os pareceres – artigos 91.º
e 92.º);
o De origem privada: provas e alegações.
A direção da instrução, que se desenvolve de acordo com o Princípio do Inquisitório
(artigo 58.º) e o Princípio da Adequação Procedimental (artigo 56.º), cabe, em regra,
ao órgão competente para a decisão final, que, no entanto, deve, em princípio, delegar o
poder de direção num inferior hierárquico (artigo 55º. do CPA).
No entanto, neste momento procedimental, podem produzir-se atos que não sejam
meramente preparatórios, designadamente por produzirem efeitos autónomos – atos que
podem consistir em decisões impugnáveis diretamente junto dos tribunais, não estando
sujeitas ao princípio da impugnação unitária (isto é, não tendo que ser impugnadas através
da impugnação do ato principal).
Assim, perante a admissibilidade de o órgão competente para a decisão final ordenar
medidas provisória necessárias para prevenir lesões graves ou de difícil reparação dos
interesses públicos (artigos 89.º e 90.º), embora possam ser ordenadas em qualquer fase
do procedimento, são mais prováveis durante a instrução, estas medidas produzirão
efeitos jurídicos próprios, muitas vezes lesivos da esfera jurídica dos particulares.
Também a suspensão do procedimento depende da existência de uma causa prejudicial,
deve ser fundamentada e, se lesiva, há de ser suscetível de impugnação.
Atualmente, a Administração deve fomentar, na medida do possível e adequado, a
utilização de meios eletrónicos na sua relação com os particulares, promovendo,
designadamente, o “balcão único eletrónico” – artigos 61.º e 62.º.

o Audiência (artigo 121.º a 125.º)


Constitui um trâmite intermédio entre a fase preparatória e a fase constitutiva, destinado
à efetivação da participação dos interessados na formação da decisão administrativa, que
serve para defesa dos interessados dos particulares envolvidos, mas também para o bom
andamento da função administrativa – dupla função.

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Por norma, a audiência é escrita, mas o órgão pode optar pela via oral, como é o caso da
videoconferência.
Em princípio, é aplicável a todos os procedimentos, sem prejuízo daqueles casos em que
a lei permite a respetiva dispensa administrativa pelo órgão instrutor, por razões de
urgência4, inadequação, impraticabilidade, inutilidade ou superfluidade (artigo 124.º).

2. Fase Constitutiva
É nesta fase que se produz o ato principal ou típico, que é em regra um ato simples
(singular ou colegial), mas pode ser um ato complexo, com diferentes declarações:
> Ato compósito (com declarações iguais de diversos órgãos, como acontece com
despachos conjuntos de mais de um ministro);
> Ato continuado (várias declarações, do mesmo ou de órgãos diferentes,
diversificadas no tempo, mas que só na sua conjunção constituem os efeitos
jurídicos, como o exame constante de prova escrita e oral);
> Ato composto em sentido estrito ou ato complexo desigual – declarações
desiguais, em que um órgão decide e outro aprova, homologa ou certifica – uma
das declarações tem mais força/valor que outra.
o Por exemplo, na opinião do Professor Pacheco de Amorim, diferentemente
do Professor Vieira de Andrade, no caso dos pareceres totalmente
vinculativos, temos o ato do parecer e, depois, o ato de menor valor, o ato
final ou conclusivo, mas não decisório, do procedimento – artigo 92.º/6 do
CPA.
Nos órgãos colegiais, pela sua complexidade subjetiva, o momento constitutivo decisório
segue um procedimento interno (artigo 23.º a 35.º do CPA), um conjunto de formalidades
e de requisitos de legitimação para a formação da vontade colegial – a deliberação. Exige-
se que seja expressa, embora o silêncio ainda hoje possa ter relevância decisória na
hipótese do deferimento tácito e nos casos em que tal esteja legalmente previsto – artigo
130.º do CPA.
No contexto do procedimento, a fase constitutiva assume relevância jurídica nuclear, seja
no plano substancial (porque é nela que em que o ato se consuma, válida ou
invalidamente), seja no plano temporal (porque é esse o momento em que o ato está
pronto e apto para produzir os efeitos visados, ainda que possa não os libertar
imediatamente por ser necessária uma fase integrativa da eficácia).

3. Fase Integrativa de eficácia


A lei, ao estabelecer o procedimento, frequentemente exige que, praticado o ato principal,
ele só possa produzir os efeitos respetivos de estiverem satisfeitos outros trâmites, que
consistem designadamente em atos de controlo preventivo ou em atos de adesão ou

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O professor Pacheco de Amorim fala da necessidade de fazer uma interpretação restritiva do
conceito de “urgência”.
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aceitação dos particulares – Atos Integrativos de Eficácia, atos que, não contribuindo
para a definição do conteúdo do ato administrativo, nem operando no plano de validade,
visam apenas remover os obstáculos à sua operatividade efetiva, no que respeita aos seus
efeitos típicos.
Exemplos de Atos de controlo preventivo:
o Aprovação das atas dos órgãos colegiais (muitas vezes só efetuada na reunião
seguinte);
o Aprovação da decisão por um órgão tutelar;
o O visto do Tribunal de Contas.
Exemplo de Ato de adesão ou aceitação do particular:
o Aceitação da nomeação pelo funcionário.

Suscita-se a dúvida sobre o significado e o alcance das comunicações dos atos


administrativos, sejam elas notificações (pessoais), ou publicações (em períodos
oficiais), quando sejam obrigatórias.
Entende-se que devem ser concebidas como condições de oponibilidade dos efeitos e não
como condições gerais de eficácia do ato, em face da regra geral do caráter não recetício
dos atos administrativos e da razão de ser substancial da comunicação, que não é
puramente formal, visando, além da segurança jurídica, a proteção dos particulares. Este
entendimento é fundamentado com base nos artigos 60.º/1 do CPTA e o artigo 160.º do
CPA, não obstante o artigo 158.º/2 do CPA parecer condicionar a eficácia do ato à sua
publicação, nos casos em que esta seja obrigatória, sem distinguir entre efeitos favoráveis
ou desfavoráveis.
São especialmente relevantes os direitos de informação procedimental dos
interessados diretos, que têm garantia na Constituição (artigo 268.º/1) e assento na lei
(artigos 82.º a 85.º do CPA): este direito engloba a informação sobre o andamento do
procedimento e as resoluções tomadas, bem como a consulta dos documentos e a
passagem de certidões.
Estes direitos estão, no entanto, sujeitos a limites de segredo:
o Segredos públicos (segredo de Estado ou segredo de Justiça);
o Segredos privados (privacidade de dados pessoais de outrem, sobretudo íntimos;
segredo industrial ou comercial).
Limites estes que são mais intensos e extensos nos casos em que os direitos de informação
se estendem a titulares de interesse legítimos que não são interessados diretos.

Situações anómalas
As regras e as tramitações procedimentais devem ceder ou ser adaptadas pela
Administração em situações anormais, em função de ideias de premência e de
praticabilidade na prossecução do interesse público.

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§ Situações de urgência
Existe uma necessidade imperiosa ou um perigo iminente, em regra prevenido pela
própria lei, que impõem ou preconizam uma resposta imediata por parte da
Administração:
o Coação direta policial, admitida em geral, quando esteja em causa a ordem
púbica, sempre sujeita aos princípios da proporcionalidade – artigo 175.º/2
do CPA;
o Execução coerciva de atos – artigo 176.º/1;
o Meras dispensas procedimentais – artigo 26.º/2; 71.º/2 e 124.º/1/a) do
CPA.

§ Estado de necessidade administrativo


Prossupõe a verificação de uma situação de perigo grave e excecional para interesses de
grande relevo, que em regra também é urgente, mas não necessariamente – recai sobre a
Administração o ónus de provar que não havia outra hipótese.
Nestas situações, que não se devem confundir com as situações de exceção formalmente
decretadas (estado de sítio ou de emergência), a consequência é a própria
desprocedimentalização da atividade que não tem de obedecer à legalidade formal e
procedimental: os atos são válidos ainda que ilegais – artigo 3.º/2 do CPA.

A Eficácia do Ato Administrativo

A distinção teórica e prática entre validade e eficácia de atos administrativos


Em regra, a eficácia de um ato está associada à sua validade: os atos que são praticados
com respeito pela Lei (pelas normas jurídicas aplicáveis) devem produzir os efeitos
jurídicos correspondentes; os atos que não respeitem as normas jurídicas não devem
produzir os efeitos pretendidos. No entanto:
o A validade respeita a momentos intrínsecos do ato – depende do cumprimento do
respetivo padrão normativo de formação, isto é, se o ato comporta ou não
ilegalidades (vícios) e denota a vitalidade ou aptidão para produzir efeitos.
o A eficácia respeita a circunstância extrínsecas ao ato de que dependa a
operatividade ou produção efetiva dos efeitos visados pela decisão.
Isto significa, desde logo, que há atos administrativos válidos, mas não operativos. Assim
acontece com:
a. Atos de eficácia diferida – estão sujeitos ao termo inicial, por força da lei ou de
cláusula acessória aposta ao ato pelo respetivo autor;
b. Atos de eficácia condicionada – por o seu procedimento incluir uma fase
integrativa da eficácia ou por a produção dos efeitos do ato depender da
verificação de uma condição, quer se trate de uma condição legal ou de uma
cláusula acessória condicional aposta pelo autor do ato;

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c. Atos cuja eficácia se encontre suspensa – seja por efeito legal de impugnação,
por decisão judicial cautelar ou por decisão administrativa.
Há atos inválidos que são produtores de efeitos.
§ Por um lado, os atos portadores de vícios que os tornem (apenas) anuláveis têm
eficácia provisória, que se torna mesmo definitiva, caso se tornem insuscetíveis
de impugnação judicial, por decurso do prazo respetivo (atos inimpugnáveis) –
artigo 163.º.
§ Por outro lado, embora só excecionalmente, podem ser reconhecidos efeitos
putativos aos atos nulos, dando relevo jurídico a situações de facto por eles
criadas, perante o decurso do tempo, ou com fundamentos em princípios jurídicos
fundamentais, como os princípios da boa-fé, da proteção da legítima confiança e
da proporcionalidade – artigo 162.º/3.

Atos de eficácia instantânea e atos de eficácia duradoura


Os atos têm eficácia instantânea quando os seus efeitos se esgotam no momento em que
se tornam eficazes, aí se incluindo também certos atos que dão origem a situações
duradouras, como acontece com os atos extintivos e com aqueles que criam status.
Os atos têm eficácia duradoura, quando criam e sustentam “relações de trato sucessivo”
entre a Administração e os particulares. Este tipo de atos suscita problemas específicos
em função das vicissitudes do tempo, tendo em conta que, durante a respetiva vigência,
pode haver alterações das circunstâncias de facto, das normas aplicáveis ou da conceção
administrativa do interesse público, que permitam ou determinem a sua modificação,
anulação ou revogação, designadamente quando haja espaços de discricionariedade ou de
autonomia decisória.

Início da Eficácia
A contagem dos efeitos reporta-se, em regra:
o Ao momento em que se desencadeia a eficácia (ex nunc), ou;
o Ao momento constitutivo do ato (ex tunc).
o Um momento não de retroatividade, mas sim de retroação.
A retroatividade propriamente dita verifica-se quando a lei ou o órgão decisor determina
a produção dos efeitos de um ato a contar de um momento anterior à respetiva constituição
do ato, afetando de forma favorável ou desfavorável as situações constituídas
anteriormente.
Figuras que se distinguem da retroatividade em sentido próprio:
o Falsa retroatividade/retroatividade inautêntica – o ato aplica-se só para o
futuro, a parir do momento constitutivo, mas ele vai incidir/produzir os seus
efeitos relativamente a situações já constituídas no passado.
o Retrodatação – verificam-se nos casos em que o ato é praticado em momento
constitutivo deslocado no tempo, concretamente quando os efeitos de um ato são
reportados a uma data passada, porque esses efeitos deviam ter sido produzidos,
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por imposição legal, em momento anterior ao da sua própria efetiva. É datado com
a data em que o ato devia ter sido praticado.
o Retroação – acontece sempre que os efeitos de um ato se reportam naturalmente
ou necessariamente a um momento anterior, como acontece com os efeitos das
decisões de anulação de sanação de outro ato, embora esta situação suscite alguns
problemas temporais semelhantes ao da retroatividade.

As regras sobre a contagem da eficácia no CPA (artigos 155.º a 160.º)


O código estabelece a regra geral da eficácia ex nunc, os efeitos do ato produzem-se desde
a data em que foi praticado para o futuro – artigo 155.º, mas admite exceções, quando a
lei ou o próprio ato lhe atribuam eficácia retroativa (artigo 156.º), eficácia diferida ou
condicionada (artigo 157.º).
No que respeita às situações de eficácia retroativa, a lei consagra um princípio geral de
não retroatividade dos atos administrativos, com algumas limitações:
o Por um lado, estabelece como exceções os casos de:
o Atos meramente interpretativos – um ato praticado pelo seu autor que
fixa uma determinada interpretação quanto ao teor de um ato por si
praticado anteriormente.
o Atos de execução de sentenças anulatórias (desde que não sejam
renovadores do ato anulado).
o Por outro lado, permite a atribuição de efeitos retroativos, pelo respetivo autor
relativamente a atos de efeitos inteiramente favoráveis, se justificada, bem como
nos casos especiais de atos extintivos de 2.º grau (revogatórios), na sequência de
reclamação ou no contexto de recurso hierárquico.
A Lei só admite a retroatividade perfeita nos casos de atos favoráveis, desde que a decisão
pudesse ser validamente tomada com o mesmo conteúdo nesse momento anterior ao qual
os efeitos são reportados, justamente porque aí não há ofensa de direitos ou posições
jurídicas dos particulares, nem uma ilegalidade substancial. Impõe-se assim, um
entendimento limitado de a lei atribuir/permitir a atribuição de efeitos retroativos a atos
administrativos, prevista no artigo 156.º/2, alíneas c) e d), tendo a ideia de que tem de ser
fundamentada e não pode pôr em causa direitos adquiridos, nem princípios jurídicos
fundamentais, sob pena de inconstitucionalidade.
O artigo 157.º contempla situações diversas, só havendo lugar verdadeiramente a um
diferimento da eficácia na hipótese de o ato depender de termo inicial (suspensivo). Nas
restantes hipóteses, a eficácia está condicionada, seja à aprovação do ato, ao referendo ou
à verificação da condição acessória ou da condição legal, de modo que a decisão poderá,
conforme as circunstâncias, a natureza do ato ou a disposição da lei, produzir os seus
efeitos no momento em que se verifica o facto condicionante ou então reportá-los ao
momento constitutivo do ato.
A eficácia dos atos constitutivos de deveres ou encargos é sempre diferida porque
depende da sua notificação aos destinatários, dado que os efeitos desfavoráveis só lhes
serão oponíveis após a notificação – artigo 160.º.

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Por fim, deve ter-se em conta a distinção entre o momento em que se desencadeia a
eficácia e a data à qual se reporta o início da produção dos efeitos – na realidade, a eficácia
de um ato pode ser simultaneamente:
o Condicionada – quanto ao desencadear da eficácia, se dependente de trâmite
integrativo da eficácia ou de cláusula acessória;
o Retroativa – quanto ao reporte ou à contagem da produção dos efeitos.
Assim, um ato sujeito a condição suspensiva poderá produzir os seus efeitos desde o
momento constitutivo, se a condição se vier a verificar.

A Execução do Ato Administrativo

A evolução histórica da ideia de executoriedade


A conceção oitocentista dos sistemas de administração executiva afirmava o privilégio da
execução prévia dos atos administrativos, fundado numa presunção de legalidade
administrativa – a Administração tinha o poder geral de executar as suas decisões pelos
próprios meios, coativamente, se fosse caso disso, sem necessidade de recorrer aos
tribunais.
Atualmente esta conceção da executoriedade é insustentável no quadro de uma
administração democrática, em que os administrados são cidadãos titulares de direitos
perante as autoridades administrativas – deixou-se de poder falar de uma verdadeira
presunção de legalidade dos atos administrativos, nem faz sentido reconhecer à
Administração um poder geral de uso da força fora de situações excecionais ou de
urgência.

Distinções:
§ Executoriedade – consiste no poder de execução coativa por meios próprios, sem
necessidade de mandato judicial, das próprias decisões administrativas, qualidade
que só tem sentido para determinados tipos de atos e que hoje só em termos
limitados é admissível.
§ Imperatividade – autoridade ou obrigatoriedade decorrente do poder de
constituição unilateral de efeitos jurídicos na esfera dos particulares, característica
de qualquer ato administrativo;
§ Exequibilidade (artigo 176.º do CPA) – execução do ato administrativo
o Atos exequíveis – necessitam ou admitem uma atividade administrativa de
execução par a produção dos efeitos visados;
o Atos não exequíveis – são capazes de produzir por si próprios os efeitos
visados, sem necessidade ou admissibilidade de execução, como acontece,
por exemplo, com os:
§ Atos negativos;
§ Atos relativos a status;
§ A grande parte dos atos favoráveis.

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Modalidades de execução coerciva


A execução coativa, em caso de incumprimento voluntário, varia conforme os diversos
tipos de deveres impostos aos particulares, que podem ser de:
o Prestação pecuniária;
o Prestação de coisa certa;
o Prestação de facto:
o Fungível
o Infungível
o Respeito por ações ou omissões impostas por atos (artigos 175.º/1 e 179.º a 181.º
do CPA).
É de salientar a possibilidade de o incumprimento de uma prestação de facto fungível dar
lugar a uma execução de prestação pecuniária (se a Administração optar por realizar a
execução em via substitutiva, diretamente ou por intermédio de terceiro, à custa do
executado), bem como a circunstância de o incumprimento de uma obrigação de prestação
de facto negativa (um dever de não fazer) que, em si, não é suscetível de gerar uma
execução, pode gerar uma obrigação de repristinação e a correspondente execução
coativa.

O procedimento de execução e as garantias dos particulares


O CPA regula com densidade normativa, em termos genéricos e sem prejuízo de normas
especiais, o procedimento de execução de atos administrativos:
> Impõe a prática prévia do ato exequendo (artigo 177.º/1), com a consequente
inadmissibilidade de decisões implícitas (quando desfavoráveis e exequíveis);
> Salvo em estado de necessidade, tem de haver uma decisão autónoma,
devidamente fundamentada, de proceder à execução, determinando o conteúdo e
os termos desta – artigo 177.º/2;
> A decisão de executar deve ser notificada, autonomamente ou conjuntamente
com a notificação do ato exequendo, com a cominação de um prazo razoável para
o cumprimento da obrigação (artigo 177.º/3 e 4);
> Admite a fixação de sanções pecuniárias, quando a obrigação é de prestação de
facto – artigo 181.º;
> Prescreve e assegura o respeito, em todas as situações, pelos princípios da
dignidade da pessoa humana, da adequação, da necessidade e da
proporcionalidade na escolha do modo de execução coerciva – artigo 266.º/2 da
CRP e artigo 178.º do CPA;
> Estabelece garantias dos executados, designadamente de impugnação
administrativa e de acesso aos meios contenciosos – artigo 182.º.
A figura do ato implícito era tradicional na Escola de Coimbra – em determinadas
situações, nomeadamente em estado de necessidade urgente, poderia considerar-se que
uma determinada operação material continha em si, de modo implícito, a declaração do
ato administrativo. Em situações típicas, tais como aquelas que têm a ver com a
salvaguarda da saúde pública ou outras questões de grave risco e perigo para as pessoas

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e bens, em que há falta de tempo para praticar um ato administrativo respeitando todos os
procedimentos.
O professor Pacheco de Amorim diz que talvez seja de admitir esta figura para conforto
da Administração e execução judicial, nestes casos de estado de necessidade. O Prof.
Vieira de Andrade não refere esta figura, mas Pacheco de Amorim diria que ainda se a
pode encontrar no artigo 3.º/2 do CPA.

A função estabilizadora do Ato Administrativo – a força do caso decidido ou


caso resolvido

O Problema do caso decido formal


Uma das características típicas do sistema de administração executiva é justamente a do
ónus de impugnação dos atos administrativos, sob pena da respetiva consolidação
(inimpugnabilidade), apesar de uma eventual invalidade, desde que não se trate de atos
nulos.
Há diferenças entre a força do “caso decidido” e a força do “caso julgado”. A força
jurídica do “caso decidido” vale para a generalidade dos atos administrativos, enquanto
decisões de autoridade que definem o direito do caso concreto de forma estável, em nome
da segurança jurídica. Hoje esta estabilidade é afirmada, em especial, relativamente aos
atos constitutivos de direitos e aos atos devidos, de modo que a estabilidade do ato confere
segurança aos particulares contra pronuncias ablatórias provenientes da própria
Administração – os órgãos administrativos não podem revogar nem anular livremente os
atos constitutivos de direitos ou os atos que sejam legalmente (ou contratualmente)
devidos – artigo 167.º/2, 168.º/2 e ss.
Até à revisão de 2015, o CPA revelava uma preocupação legítima, mas excessiva, com a
garantia dos particulares perante a Administração, prejudicando uma desejável
flexibilidade na realização do interesse público:
o No que respeitava à revogação de atos válidos, por razões de oportunidade ou
conveniência, estava estabelecido a irrevogabilidade dos atos administrativos
favoráveis, salvo concordância do interessado – sem atender à eventual relevância
da sua revogação para o interesse geral, não se curando de saber se os interesses
do particular mereciam tutela jurídica, isto é, se a confiança depositada na
estabilidade das posições jurídicas subjetivas constituídas é, ou não, digna da
proteção da ordem jurídica.
o Ora, há determinas situações em que o interesse público pode tornar
conveniente ou até imperiosa a revogação de um ato administrativo
constitutivo de direitos. E nesses casos, poderá haver razões para que, num
contexto de ponderação de interesses, se deva dar primazia à realização do
interesse público em face dos interesses dos particulares, seja naquelas
situações em que:
§ Os particulares por não estarem de boa-fé, não sejam sequer
merecedores de tutela pelo direito;

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§Seja quando essa supremacia se justifique nas circunstâncias do


caso concreto, ainda que com efeitos indemnizatórios ou
compensatórios dos prejuízos causados.
o Do mesmo modo, também o regime da anulação, ao traçar um mero horizonte
temporal de um ano, após o qual se proibia totalmente a anulação, era indiferente
à ponderação dos valores em causa.
O CPA atualmente admite a:
§ possibilidade de revogação dos atos constitutivos de direitos em determinadas
circunstâncias excecionais – artigo 167.º/2, alínea c), ainda que eventualmente
com direito a indemnização;
§ bem como, também em casos excecionais, a possibilidade de anulação
administrativa oficiosa no prazo de cinco anos – artigo 168.º/4, isto é, para além
do prazo da sua impugnabilidade judicial, que é de um ano, como o diz o artigo
168.º/2.
§ Também se admite a anulação administrativa de atos inválidos jurisdicionalmente
inimpugnáveis dentro dos seis meses após o conhecimento pelo órgão
administrativo da causa de invalidade ou, em caso de erro, após a cessação do
erro, se esse prazo for além do prazo de impugnação judicial (mas sempre no prazo
máximo de 5 anos da prática do ato) – condicionalismo que também afeta a força
do caso decidido.

Estrutura e requisitos de validade do ato administrativo

A conceção estrutural do ato segundo um modelo prático


No que toca à conceção estrutural do ato administrativo adotamos, seguindo Rogério
Soares, o modelo prático e teleológico que visa estabelecer um esquema descritivo dos
aspetos significativos do ato, capaz de fornecer uma explicação coerente do seu regime
de funcionamento e orientado fundamentalmente pela necessidade de construção de uma
teoria de invalidades. Neste modelo procura-se identificar os momentos que sejam
relevantes para efeitos de localização dos diversos tipos de vícios de que o ato pode
padecer, bem como para avaliação das consequências do respetivo desvalor, tendo em
vista as diferenças de regime da invalidade, que variam em função do alcance e gravidade
do efeito.
Considera-se assim, como momentos relevantes do ato: o sujeito, o objeto e a estatuição.

O Sujeito
As pessoas coletivas que integram a Administração Pública em sentido organizativo são,
através dos respetivos órgãos, os sujeitos típicos do ato administrativo, embora, como
vimos se admitam outros sujeitos de direito administrativo: entidades privadas que
exerçam poderes públicos e órgãos de entidades públicas não administrativas.
Requisitos de validade do ato administrativo quanto ao sujeito – para que o ato se
constitua validamente, é preciso que o órgão que o pratica:

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o Atue dentro das atribuições legais da pessoa coletiva (ou ministério) a que
pertence;
o Exerça competências que lhe tenham sido concedidos pela lei, ou tenham sido
nele delegadas com base na lei, em razão de matéria, da hierarquia e do território;
o Possua legitimação para exercer no caso concreto a competência, verificando-se
os requisitos e condições legais de exercício do poder.

O Objeto
O objeto do ato é o ente no qual se projetam diretamente os efeitos que o ato visa produzir.
Pode ser:
o uma pessoa (nomeação, autorização, imposição de comportamento);
o uma coisa (expropriação, classificação de bens);
o um outro ato administrativo (revogação, anulação, ratificação).
O objeto distingue-se do conteúdo (os efeitos jurídicos que o ato visa produzir) e do fim
(a finalidade de interesse público visada) do ato, embora se verifique o uso corrente dos
conceitos do objeto mediato (objeto propriamente dito) e de objeto imediato (conteúdo)
como conceitos ligados entre si – por vezes, a lei ou a doutrina utilizam até o conceito
com o alcance de englobar simultaneamente o objeto e o conteúdo, ou trata-os em
conjunto, como, por exemplo, no artigo 161.º/2, alínea c) do CPA.
Quanto aos requisitos de validade do ato relativo ao objeto, embora sejam diversas as
arrumações doutrinárias, consideram-se fundamentalmente os seguintes requisitos:
a. Existência (possibilidade física ou jurídica) – o objeto tem de existir no plano dos
factos e do direito, de modo que não é possível a requisição de uma coisa já
perecida, a nomeação de uma pessoa falecida ou a revogação de um ato já extinto.
b. Idoneidade (adequação do objeto ao conteúdo) – o objeto tem de preencher as
qualificações necessárias para suportar os efeitos do ato:
a. Não se pode validamente nomear como funcionário uma pessoa que não
reúna os requisitos legais;
b. Não de pode expropriar um terreno incluído no domínio público.
c. Legitimação (qualificação específica para sofrer em concreto os efeitos do ato) –
tem de preencher as condições subjetivas legais.
a. No âmbito de um concurso não se pode validamente adjudicar um contrato
a um candidato cuja proposta tenha sido excluída ou nomear para um lugar
alguém que não tenha sido candidato ou que tenha desistido.
d. Determinação (determinabilidade identificadora, conforme o tipo de ato) – o
objeto tem de ser perfeitamente individualizado ou determinado
a. Não é válida a decisão de promover o “funcionário mais experiente” de
um serviço ou de declaração de utilidade pública dos “terrenos
necessários” para a realização de uma certa obra pública.

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Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

A Estatuição
A estatuição refere-se à decisão, ou seja, à declaração formal que visa produzir
transformações no mundo jurídico. Tendo em conta a sua complexidade, vamos encará-
la de diversas perspetivas, distinguindo as dimensões substantivas das dimensões formais
e instrumentais e desdobrando-a em momentos juridicamente significativos, tendo em
vista os efeitos práticos referidos.
a. Aspetos Substanciais
• O Fim
Nas “normas-condição” (como são tradicionalmente as normas que preveem e regulam a
prática de atos administrativos) a definição legal do fim do ato administrativo não é
expressa, decorrendo da formulação dos pressupostos abstratos ou hipotéticos, isto é, das
circunstâncias da vida que revelam a existência do interesse público que o ato visa
satisfazer. Face ao seguinte exemplo – “quando um prédio ameace ruína, a Câmara
Municipal pode ordenar a sua demolição ou reconstrução”, a hipótese da norma não
enuncia, mas revela qual é o interesse público a prosseguir, que é, no caso, o da segurança
de pessoas e bens.
Podemos definir os pressupostos, neste sentido de indicadores do Fim, como aquelas
circunstâncias de cuja ocorrência a lei faz depender a validade da decisão – hipótese
normativa.
A verificação desses prossupostos hipotéticos nos casos concretos da vida (pressupostos
reais) impõe e justifica a decisão administrativa – a justificação constitui a fundamentação
formal do ato pela comprovação concreta da existência real dos pressupostos definidos
em abstrato na norma habilitante.
A concretização do fim do ato (isto é, a concretização do interesse público específico que
a lei visa assegurar ao prever a decisão administrativa) que está em primeira linha a cargo
do órgão da Administração que vai atuar, tem necessariamente influência na
determinação do conteúdo (dos efeitos do ato), na medida em que este dependa de escolha
discricionária – particularmente na aplicação dos preceitos normativos que acoplem uma
“indeterminação conceitual” na hipótese com uma “indeterminação estrutural” na
estatuição – por exemplo: “em caso de desordem que acarrete perigo grave para a
segurança de pessoas e bens, o órgão policial competente pode utilizar os meios
adequados para restabelecer a ordem pública”.

• O Conteúdo
De certa forma, em paralelo com o objeto, os requisitos de validade do ato relativos ao
conteúdo são os seguintes:
a. Compreensibilidade – o conteúdo tem de ser suscetível de compreensão racional,
não podendo ser contraditório, vago ou ininteligível;
b. Possibilidade – os efeitos visados não podem ser impossíveis fisicamente ou
contrariar uma proibição legal absolutamente imperativa;
c. Licitude – os efeitos visados têm de ser conformes à ordem jurídica

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Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

o por exemplo, não pode ser válida a habilitação profissional para o


exercício de uma atividade criminosa;
d. Legitimidade – a decisão não pode ofender diretamente normas ou princípios que
regem a atividade administrativa.
No conteúdo do ato, há a considerar o:
• Conteúdo principal, que inclui o:
§ Conteúdo legal típico (os efeitos que, nos termos da lei, cada tipo
de ato visa normalmente produzir);
§ Conteúdo discricionário específico determinado pelo autor do ato
no caso concreto (clausulas particulares);
• Cláusulas acessórias.
No quadro do exercício de poderes discricionários, as cláusulas particulares respeitam
ao conteúdo principal do ato, tal como é concretizado ou determinado no caso específico
pelo órgão competente no uso dos seus poderes próprios; já as cláusulas acessórias,
embora igualmente discricionárias, apenas dizem respeito à eficácia do ato ou então
determinam aspetos marginais ou não imprescindíveis do respetivo conteúdo. As
cláusulas acessórias permitem adaptar o conteúdo do ato às circunstâncias do caso
concreto, presentes ou futuras, e implicam sempre, ainda de que de diversas maneiras,
uma limitação do alcance normal do ato principal.
O artigo 149.º do CPA prevê quatro tipos de cláusulas acessórias:
§ Condição – a eficácia do ato fica dependente e um acontecimento futuro e incerto,
mas possível:
o cuja verificação a desencadeia (condição suspensiva) ou;
o a extingue (condição resolutiva);
o falamos em condição potestativa, ou impura, quando o acontecimento
depende da vontade de alguém, designadamente do destinatário;
§ Termo – a eficácia do ato fica dependente de um acontecimento futuro e certo,
muitas vezes um prazo:
o cuja verificação a desencadeia (termo inicial);
o ou a extingue (termo final).
§ Modo – consiste num encargo (dever de fazer, não fazer ou suportar), imposto
num ato de conteúdo principal positivamente favorável (autorização, concessão),
encargo que, ao contrário da condição e do termo, não afeta a eficácia do ato, e
cujo incumprimento pelo destinatário pode levar a uma execução, eventualmente
coativa, ou a outras consequências sancionatórias, incluindo a possibilidade de
revogação do ato (favorável).
§ Reserva (reserva de revogação, reversa de modo ou outra) – através da qual o
autor do ato se reserva o exercício de um poder ou faculdade que, de outro modo,
não teria ou não poderia exercer:
o Poder de revogação de ato favorável;
o Poder de imposição de novos encargos em atos de eficácia duradoura;
o Outros poderes legítimos.

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Duarte Nogueira
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Verificam-se na prática especiais dificuldades na distinção entre cláusula particular,


condição potestativa e modo, enquanto cláusulas que surgem sobretudo em atos
favoráveis:
§ Cláusula particular – integra o conteúdo principal da decisão concreta e o
respetivo conteúdo corresponde a uma modalidade necessária de exercício da
atividade autorizada ou concedida:
o Licença para vender bolos na praia, mas em invólucros fechados;
o Licença para abrir um clube noturno, mas com insonorização reforçada.
§ Condição potestativa – implica um ónus, a verificação prévia de um prossuposto
dependente da vontade do destinatário, mas que não constitua uma obrigação
deste:
o Licença para instalar um andaime, com a condição de fazer um seguro ou
assinar um “termo de responsabilidade”.
§ Modo – impõe uma obrigação ao destinatário, alheia ao conteúdo típico da
autorização ou que não seja de verificação prévia, embora dependa desse conteúdo
principal:
o Obrigação de pavimentar o passeio público em frente ao edifício, imposta
na licença de construção.
A Administração não é livre na aposição de cláusulas acessórias aos atos administrativos,
estando sujeitas a limites, que agora constam expressamente do artigo 149.º/1 e 2:
§ Prossupõe-se a existência de capacidade discricionária do órgão competente – não
se admite, em regra, a aposição de cláusulas acessórias em atos estritamente
vinculados e, relativamente a atos a que correspondam direitos dos destinatários,
só vale quando a lei o preveja ou para assegurar a verificação futura de
pressupostos legais ainda não preenchidos no momento da prática do ato;
§ São proibidas as cláusulas cuja aposição implique a descaracterização do fim ou
do conteúdo principal do ato tal como é legalmente configurado;
§ Exige-se a verificação de uma relação direta (adequada) entre a cláusula acessória
e o conteúdo típico do ato (mesmo quanto ao modo);
§ Impõe-se o respeito pelos princípios jurídicos aplicáveis, designadamente a
proibição do arbítrio e da desproporção, em caso de cláusulas desfavoráveis.

b. Aspetos Formais
• O Procedimento
Interessa especialmente o procedimento legal, que engloba os trâmites normativos
obrigatórios, embora haja procedimentos voluntários, autoescolhidos pelo agente
administrativo, que relevam juridicamente apenas do ponto de vista da necessária
racionalidade das condutas.
A Administração está sujeita ao cumprimento ordenado dos trâmites legalmente fixados,
cuja falta ou desvio se repercute na validade da decisão – devendo notar-se que relevam
neste plano os atos jurídicos procedimentais e não quaisquer formalidades. Acresce que
há preceitos legais ou regulamentares simplesmente indicativos cuja violação, como
veremos, é causa de meras irregularidades – por exemplo, o desrespeito dos prazos que

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Duarte Nogueira
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se impõem à Administração no desenrolar do procedimento, em que a sua violação não


se repercute no ato final.
O Professor Vieira de Andrade entende que a projeção do conteúdo dos atos preparatórios
na feitura do ato não diz respeito ao procedimento, é um vício do conteúdo do ato e não
do procedimento, por exemplo, um parecer erróneo pode afetar a validade do ato decisório
quanto ao conteúdo, mas não dá origem a um vício procedimental; já a falta de audiência
seria um vício procedimental5.

• A Forma
A forma designa a manifestação exterior do ato administrativo, isto é, a maneira como a
própria decisão se exterioriza – oral, escrita, sinais…
Neste sentido, não são formas as:
§ As documentações probatórias – atas que comprovam as decisões tomadas nas
reuniões dos órgãos colegiais;
§ Meramente comunicativas (notificações ou as publicações).
O princípio que rege a matéria é o da liberdade de forma, embora a forma escrita seja
ainda a mais frequente e surja como forma supletiva nos termos do artigo 150.º/1 do CPA,
ela não vale, em regra, para os atos dos órgãos colegiais, que são praticados oralmente e
reduzidos a escrito – n.º 2, e pode ser afastada por lei ou pela natureza e circunstância do
ato (além da oralidade, hoje é frequente a prática de atos administrativos por via
eletrónica).
O dever de fundamentação expressa dos atos administrativos – artigo 152.º a 154.º - é um
dever formal, porque a justificação (comprovação de que se verificam no caso concreto
os pressupostos vinculados do ato) e a motivação (as indicações das razões específicas
das escolhas discricionárias) têm de ser contextuais, isto é, têm de constar da forma
pública que contém a decisão, ainda que por remissão.
Existem declarações anómalas, como as que consubstanciam: Atos Tácitos – decisões
que estão contidas em outras pronúncias jurídicas expressas, por serem delas pressuposto
lógico necessário; Atos Concludentes – resultados decisórios que decorrem
inequivocamente de outras decisões. A identificação destes atos escondidos é importante
sobretudo para efeitos da respetiva impugnação judicial.

A invalidade do Ato Administrativo

Invalidade e ilegitimidade
A Administração está obrigada a tomar decisões por causa do dever de Administração
que sobre ele impende.

5
O Professor Pacheco de Amorim não concorda com esta visão, como veremos adiante, pois face, por
exemplo aos pareceres erróneos, entende que sim, estamos perante um vício procedimental.

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A legitimidade do ato administrativo tem a ver com a sua aptidão para prosseguir o
interesse público de acordo com as normas e princípios jurídicos (de legalidade e
juridicidade) e as normas de boa administração (a conveniência e mérito).
Interessa, em especial, o estudo dos vícios de legalidade ou juridicidade, por
incumprimento de disposições normativas e princípios jurídicos, com exclusão dos vícios
de mérito que têm um controlo judicial quase nulo, na medida em que só aqueles, por
força do princípio da separação de poderes, são suscetíveis de controlo judicial – artigo
3.º/1 do CPTA.
Em geral, distinguem-se os vícios invalidantes (ilegalidades que afetam potencialmente
os efeitos do ato) e vícios não invalidantes (meras irregularidades, que não são
suscetíveis de afetar a produção normal de efeitos pelo ato).

Inexistência do ato administrativo


A inexistência de ato administrativo verifica-se em todas as situações em que não há
sequer ato (há inércia ou silêncio, o ato não está ainda procedimentalmente constituído)
ou há um ato que não é um ato administrativo, não é uma decisão – ou é um ato privado
da Administração ou de um privado não detentor de poderes públicos. Em qualquer dos
casos, falta uma decisão formalmente imputável a um ente com poderes administrativos.
Esta situação não deve confundir-se com a construção jurídica do ato administrativo
inexistente, em que a inexistência seja vista, designadamente por qualificação legislativa
expressa, como uma forma extremamente grave de invalidade de uma decisão
aparentemente imputável à Administração ou que esta pretenda fazer valer como tal.

Tipos de Invalidade
Quando falamos em invalidade, podemos falar em:
o Nulidade – determina a improdutividade total do ato como ato jurídico;
o Anulabilidade – confere ao ato uma produtividade provisória e condicionada.
Embora o CPA não o refira expressamente, verifica-se a existência de invalidades mistas,
às quais se aplicam regimes especiais previstos na lei, como por exemplo, determinados
planos urbanísticos, em que se estabelece um prazo para a impugnação de atos nulos, ou
impostos pela natureza e circunstâncias do ato, por exemplo, em caso de atos
administrativos praticados sob a forma legislativa ou regulamentar, que não estão sujeitos
a ónus de impugnação autónoma.

As diferenças de regime legal entre a anulabilidade e a nulidade


A anulabilidade tem sido vista como a consequência normal da ilegalidade, como o
regime típico da invalidade do ato administrativo, em contraposição com o regime típico
da nulidade do negócio jurídico de direito privado. Só excecionalmente é que o ato
inválido é nulo, isto é, apenas nos casos expressamente previstos na lei. Porquê?
Por razões de certeza e segurança da ordem jurídica. Não se poderia admitir que, dado o
regime da nulidade e, designadamente, a possibilidade de ela ser declarada a todo o
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Duarte Nogueira
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tempo, pairasse indefinidamente a dúvida se os atos da Administração são legais ou


ilegais, válidos ou inválidos. É preciso que ao fim de algum tempo, razoavelmente curto,
cessem as dúvidas e os atos da Administração possam claramente ser definidos como
válidos ou inválidos. Em regra, um ato inválido é anulável – se ao fim de um certo prazo
ninguém pedir a anulação, nem o mesmo for anulado por iniciativa da própria
Administração, ela converte-se num ato válido, isto é, fica sanado. O ato consolida-se, o
vício não deixa de existir, mas, por motivos de certeza e segurança jurídica, o ato torna-
se inimpugnável.
Assim, os atos anuláveis são sanáveis (por decurso do tempo ou por ato administrativo
secundário), isto é, podem transformar-se em atos com força de caso decidido. O
fenómeno da sanação consiste precisamente na transformação jurídica de um ato ilegal
num ato inatacável contenciosamente e o seu fundamento consiste na, já referida,
necessidade de certeza e segurança jurídica, sendo certo que a Administração Pública
pratica milhares de atos administrativos por dia. Se tal não fosse possível a vida jurídica
tornar-se-ia impossível, e a própria atividade económica e social ficaria completamente
paralisada, acumulando-se prejuízos para todos, ainda mais nos dias de hoje, dado o
grande intervencionismo da Administração Pública na vida económica e social dos países.
A orientação genérica do nosso Direito Administrativo é no sentido de que “o legislador
escolhe com toda a cautela os casos em que tão severa sanção (a da nulidade) se aplica,
limitando-a a um pequeno número de ilegalidades graves e evidentes”, como nos diz o
professor Marcello Caetano.
Características da anulabilidade:
• O ato anulável, embora inválido, é juridicamente eficaz até ao momento em
que venha a ser anulado (se for) – artigo 163.º/2 do CPA.
• A anulabilidade é sanável, quer pelo decurso do tempo, quer por ratificação,
reforma ou conversão – artigo 164.º/1 do CPA.
o Se o ato anulável não for objeto de anulação administrativa oficiosa ou de
anulação administrativa oficiosa ou de anulação jurisdicional, resultante
de impugnação pelo interessado ou pelo ministério público dentro de um
certo prazo, acaba por se transformar num ato inatacável – artigo 163.º/3
e /4 do CPA e 58.º do CPTA.
• O ato anulável é obrigatório, ou seja, não se admite a desobediência, quer para
os funcionários públicos, quer para os seus destinatários, enquanto não for
anulado.
• Só pode ser impugnado dentro de um certo prazo que a lei estabelece,
normalmente curto.
• O reconhecimento de que o ato é anulável por parte do tribunal determina a sua
anulação. Estamos perante uma sentença de anulação, assumindo natureza
constitutiva.
• O artigo 163.º/5 prevê a limitação da relevância invalidante da ilegalidade, da
ilicitude ou dos defeitos da vontade por via do afastamento legal do efeito
anulatório, quando:

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Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

o O conteúdo do ato anulável não possa ser outro, por o ato ser de conteúdo
vinculado ou a apreciação do caso concreto permita identificar apenas uma
solução como legalmente possível – alínea a);
o O fim visado pela exigência procedimental ou formal preterida tenha sido
alcançado por outra – alínea b);
o Se comprove, sem margem para dúvidas, que, mesmo sem o vício, o ato
teria sido praticado com o mesmo – alínea c).
• A anulação contenciosa tem efeitos retroativos.

Características da nulidade:
• Improdutividade absoluta do ato nulo, relativamente aos efeitos próprios visados
– o ato nulo é totalmente ineficaz desde o início, isto é, não produz qualquer efeito,
independente da declaração de nulidade.
• A ineficácia do ato nulo exprime uma incapacidade que resulta da lei como efeito
automático (ipsu iure), que o tribunal ou o órgão administrativo competente se
limitam a declarar;
• A nulidade é insanável, quer pelo decurso do tempo (por isso é que é invocável a
todo o tempo por qualquer interessado); quer por ratificação – o ato nulo não é
suscetível de ser transformado em ato válido, o que não quer dizer que não possam
ser atribuídos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos, de
harmonia com os princípios da boa-fé, da proteção da confiança e da
proporcionalidade ou outros princípios jurídicos constitucionais, designadamente
associados ao decurso do tempo, como veremos mais adiante;
• Os atos nulos apenas podem ser o objeto de reforma ou de conversão, como o diz
o artigo 164.º/2 do CPA;
• Os particulares e os funcionários públicos têm o direito de desobedecer a
quaisquer ordens que constem de um ato nulo. Na medida em que, se este não
reproduz efeitos, nenhum dos seus imperativos é obrigatório.
o Se mesmo assim a Administração quiser impor pela força a execução de
um ato nulo, os particulares têm o direito de resistência passiva – artigo
21.º da Constituição.
• Um ato nulo pode ser impugnado a todo o tempo, isto é, a sua impugnação não
está sujeita a prazo.
• O reconhecimento judicial da existência de uma nulidade toma a forma de
declaração de nulidade e tem natureza meramente declarativa.

Os casos de nulidade
O CPA prevê atualmente um único fundamento para a nulidade dos atos administrativos:
a determinação expressa da lei, seja nos casos previstos no artigo 161.º/2, seja nas
situações previstas em leis avulsas.
Deixou de prever, por razões de segurança jurídica, as chamadas nulidades por natureza,
que se verificavam mediante a falta de qualquer elemento essencial do ato.

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O preceito identifica uma série de hipóteses de nulidade, que correspondem a uma


tradição jurisprudencial e legislativa (ligada às invalidades dos atos da administração
local), acrescida em 2015 de várias situações, propostas ou detetadas ao longo do tempo
pela doutrina e pela jurisprudência.
Os casos previstos no CPA respeitam a vícios relativos a momentos essenciais relativos
ao sujeito, objeto, ao fim, ao conteúdo, à forma e ao procedimento do ato – nessa medida,
a qualificação legal pretende corresponder a uma identificação de nulidade por natureza,
ou melhor, a um critério substancial, que também presidiu à qualificação das novas
hipóteses, introduzidas em 2015 – alíneas e), j), k), e l).
Mas o novo código apresenta uma aparente taxatividade (o número do artigo 161.º) onde
revela nulidades por natureza, cuja gravidade é evidente. Isto diz-nos que não é uma
simples escolha do legislador, mas sim um reconhecimento de situações de vícios graves
e evidentes. Ora, a obra do legislador é sempre imperfeita e, por isso, teremos de nos
orientar através da interpretação extensiva ou restritiva ou qualificar situações como
análogas: a letra da lei apoia este entendimento flexível uma vez que fala em
“designadamente”, abrangendo aqueles casos fora do elenco taxativo.
Análise alínea a alínea do artigo 161.º/2
a. Os atos viciados de usurpação de poder – em causa, por exemplo, os atos que
invadem a esfera do poder judicial
b. Os atos estranhos às atribuições dos ministérios, ou das pessoas coletivas
referidas no artigo 2.º, em que o autor se integre.
c. Os atos cujo objeto ou conteúdo seja impossível, ininteligível ou constitua ou
seja determinado pela prática de um crime
a. Impossibilidade fáctica (contrato sobre um prédio já inexistente).
b. Impossibilidade jurídica (revogação ou anulação de um ato já caducado).
c. Cujo objeto seja indeterminado.
d. Os atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental
e. Os atos praticados com desvio de poder para fins de interesse privado – está
autonomizado da alínea c) pela sua gravidade. À partida é um crime, não
necessariamente, mas é sempre grave usar poderes públicos para seguir interesses
que não são públicos.
f. Os atos praticados sob coação física ou sob coação moral
a. Exemplo de coação física: alguém levanta a mão de outro contra a sua
vontade numa votação num órgão colegial;
b. No entanto a coação moral depende: se assinar um despacho sob a mira de
uma pistola é coação moral, sendo um caso grave, considera-se nulo, mas
se for medo/ameaça de um superior hierárquico, não se considera nulo o
seu ato, à partida.
i. Ou seja, há vários níveis de intensidade, é necessário ter em conta
o caso concreto, através de critérios de gravidade e evidência.
g. Os atos que careçam em absoluto de forma legal – é uma exigência no artigo
150.º.
h. As deliberações de órgãos colegiais tomadas tumultuosamente ou com
inobservância do quórum ou da maioria legalmente exigidos – A expressão

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“tumultuosamente” implica um tumulto violento, casos de desordem total –


necessário proceder a uma interpretação restritiva.
i. Os atos que ofendam os casos julgados – os atos que desrespeitem o poder
judicial, pela mesma ordem de razões da alínea a) – o respeito pelo princípio da
separação de poderes.
j. Os atos certificativos de factos inverídicos ou inexistentes – equivale a situações
de falta ou impossibilidade do objeto. O ato certificativo destina-se a certificar o
ato: se é falsa a certificação então claramente gera a nulidade do ato; falta o
elemento essencial que é precisamente a que se destina o ato: certificar algo.
k. Os atos que criem obrigações pecuniárias não previstas na lei
l. Os atos praticados, salvo em estado de necessidade, com preterição total do
procedimento legalmente exigido – situações no âmbito da contratação pública,
de adjudicação de contratos com valor estimado elevado a partir de um limiar para
a qual a lei prevê um procedimento concursal: se o órgão desrespeita essa
exigência legal e adjudica a um operador económico sem sujeição a procedimento
concursal, há uma carência absoluta do procedimento legal – mas será necessário
ter em conta o caso concreto, consoante os critérios de gravidade e evidência.

Conexão entre vícios e tipos de invalidade dos atos:


• Relativos ao sujeito:
o Usurpação de poderes;
o Falta de atribuições;
o Mera incompetência/falta de competência, mas não de atribuições, dentro
do mesmo órgão – por norma, simples incompetência relativa. Todavia,
mais uma vez aplica-se analogicamente os vícios da falta de atribuições,
nomeadamente no que respeita as atribuições das pessoas coletivas
públicas de população e território e, de facto, não pode deixar de ser nulo
o ato praticado com incompetência territorial. Recorrendo aos critérios da
gravidade e evidência é nulo um ato praticado por um órgão que opera no
Norte sobre um objeto que se passa no Sul, seja relativo à Administração
desconcentrada ou descentralizada.
o As faltas de fata de legitimação – a legitimação é uma designação
abrangente que alcança uma série de requisitos relativos ao sujeito, vício
residual, vala comum onde se recolhem todos os vícios e inobservância de
requisitos (garantias de imparcialidade regulada nos artigos 59.º a 66.º).
Consequência: mera anulabilidade.
o Os casos mais graves de falta de legitimação – nulidade. Por exemplo um
órgão que renuiu sem convocatória, ou quando há uma deliberação não
havendo reunião, falta de investidura do titular (agente que atua ao abrigo
de poderes que irá obter, mas que ainda não foi nomeado para tal.
Investidura - ligação do titular ao órgão).
Quanto aos vícios da vontade, em matéria de dolo ou negligência, já não são considerados
como vícios do sujeito, pois aqui passamos para os vícios da discricionariedade. Vícios
não do sujeito, mas da estatuição.

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• Vícios Relativos ao objeto:


o Impossibilidade – nulidade;
o Indeterminação – nulidade;
o Falta de Idoneidade – mera anulabilidade;
o Falta de legitimação – mera anulabilidade.

• Vícios da estatuição:
o Formais:
§ Vícios do procedimento – resultam da falta ou insuficiência
de trâmites processuais (atos de tramite): vícios que dizem
respeito a atos do procedimento, atos instrutórios, que geram,
por norma, a anulabilidade do ato administrativo, mas em casos
mais graves, atos sancionatórios e outros atos que afetem
direitos fundamentais – não todos, mas se se ofender o núcleo
essencial – geram a nulidade.
No que toca ao procedimento fala-se em formalidades essenciais e não essenciais. As
Essenciais subdividem-se em: Relativamente essenciais e Absolutamente essenciais.
Esta classificação é muito formalista e é estranho dizer que dentro das formalidades
essenciais, há umas mais essenciais que outras. No que toca à formalidade essencial, à
partida, a sua preterição gera a anulabilidade. A formalidade não essencial não tem força
invalidante – invalidade não invalidante, mas por normas as invalidades são essenciais.
As formalidades absolutamente essenciais nunca podem sofrer uma “degradação”, não
são degradáveis, é o caso da falta de fundamentação.
O professor Vieira de Andrade diz que estes vícios de procedimento não devem ser
confundidos com os vícios que ocorram nos atos do procedimento, por exemplo,
pareceres ou provas ilegais que podem influir na decisão e projetar-se nela, determinado,
então, vícios de conteúdo, no entanto o Professor Pacheco de Amorim não subscreve por
completo esta posição, pois, no seu entender, não deixa de se estar perante um vício do
procedimento, por exemplo um inquérito mal concedido, um parecer erróneo, que irá
influenciar a decisão final. Ora, não deixa de haver um vício de procedimento, só que,
como afeta uma decisão há um vicio de conteúdo do ato que absorve o tal vicio de
conteúdo, e de facto, faz sentido falar em vício de conteúdo do ato. Mas o facto de não
influenciar o conteúdo não faz com que deixe de ser um vicio de procedimento.

§ Vícios de forma – por norma, gera a mera a anulabilidade do ato,


podendo, no entanto, provocar a nulidade nos casos mais graves,
quando se verifique uma carência absoluta de forma legal – artigo
161.º/2/g), ou constituir meras irregularidades, quando estejamos
perante aspetos formais menores, que devam qualificar-se, em si,
como formas não essenciais

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Duarte Nogueira
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O artigo 163.º/5/b) é uma norma dirigida aos juízes, não à Administração. É uma norma
processual e não procedimental e diz-nos que o juiz deverá reconhecer decidir/reconhecer
no sentido de não se produzir o efeito anulatório – o juiz deverá confirmar o ato
impugnado e não o anular.
A ideia aqui é que as exigências de forma e procedimento terão como objetivo a tutela
substancial ou de interesses públicos ou de interesses particulares. A questão que se
coloca no contencioso subjetivista (contencioso virado para a tutela dos interesses dos
particulares) é se a exigência formal ou procedimental se destina a acautelar o
determinado interesse substancial, se esse acautelamento foi conseguido por outra via,
então não se deverá produzir o efeito anulatório. Exemplo: Audiência (artigo 124.º/1/e).
Ou seja, a ideia não é assegurar a todo o custo a legalidade formal, porque as exigências
de forma e procedimento são sempre uma espécie de guarda avançada dos interesses dos
particulares, um acautelamento dos interesses em jogo.
A degradação tem muito a ver com a natureza dos interesses.
As exigências de forma e procedimento estão consagradas na Constituição, obriga ao
intérprete a olhar cautelosamente no caso concreto, não pode haver uma total
desvalorização do direito das formas – o juiz terá de fazer uma cuidadosa análise antes de
desconsiderar a preterição da exigência formal ou procedimental. Necessário ter em conta
que direito do particular está em causa, se esse direito é reconduzido à figura de direito
fundamental e se está em causa um elemento essencial do direito em causa – exigência
de harmonização racional de valores e princípios em cada caso concreto.

o Vícios Substanciais
• Vícios de fim – não tem relevo autónomo no domínio dos poderes vinculados,
estes vícios, sendo o ato vinculado, já estão salvaguardados pela lei, ou seja,
um suposto vício de fim, será sempre um vicio de conteúdo.
o Um licenciamento que é vinculado. O órgão titular da competência se
deferir, quando não há aptidão construtiva em termos do PDM, o fim
não tem qualquer relevo aqui, o que ressalva é o vicio de conteúdo. O
ato com aquele conteúdo viola a lei que determina o indeferimento de
licenciamento em casos como estes.
o Exemplo: o PDM está suspenso e vigoram normas provisórias que
conferem poder discricionário ao licenciador – aí sim, o fim releva.
o Quando falamos em Fim, também falamos em pressupostos, estão
ligados. Pressuposto abstrato e concreto; fim abstrato e fim concreto.
Quando falta o pressuposto abstrato é um caso de pura falta de base legal. Se a
Administração exerce esses poderes não se verificando nenhuma violação grave, ou a
Administração invoca outro pressuposto que não o legal (por exemplo, um terramoto),
temos simplesmente a falta de base de legal do ato. Pode acontecer que o pressuposto
abstrato esteja corretamente invocado, e aí já não temos um vício relativo ao pressuposto
abstrato, mas o concreto pressuposto que levou a Administração a agir está
incorretamente subsumido ao pressuposto legal – erro na qualificação dos factos, ou a
situação concreta não se verifica.

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Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

Os vícios da discricionariedade são vícios de conteúdo, podem dizer respeito (estar mais
ligado) aos pressupostos ou à estatuição. Quando ligado aos pressupostos – a
Administração está habilitada a aditar aos pressupostos legais, complementa em concreto
esse pressuposto; quando ligado a estatuição, há uma prerrogativa de escolha, à decisão
propriamente dita e é aqui que podemos ter os vícios de violação de princípios.
As violações destes princípios, em regra, geram a mera anulabilidade do ato.
Vícios da decisão não têm necessariamente de conduzir a um conteúdo ilegítimo, ou seja,
pode um ato sofrer de um vício substancial e, todavia, pode ser renovado, vir a dar lugar
à prática de um ato do mesmo ponto de vista.
Ainda quanto aos vícios de conteúdo, voltamos para o artigo 163.º - regime da
anulabilidade (vícios menos graves) para falar das outras alíneas do número 5 deste artigo:
previsões que tentam atenuar um excessivo legalismo ou formalismo:
a) Sendo o ato de conteúdo vinculado, aqui o vício tem de ser ou de forma ou de
procedimento ou de competência; sendo o ato de conteúdo vinculado e não
sendo um ato sancionatório, pode o juiz entender decidir no sentido de não se
produzir o efeito anulatório confirmando o ato praticado, ou então quando o
conteúdo até é discricionário, mas esta discricionariedade ficou reduzida a 0 –
deve dar lugar à desvalorização do vício de forma ou procedimento – quando
só há uma solução legalmente possível.
c) São os casos de superabundância de fundamento, ou seja, quanto a um dos
fundamentos do ato há um vicio substancial e note-se que isto abrange os atos
discricionários. Se o juiz adquirir a convicção de que mesmo sem haver vício,
os restantes fundamentos invocados eram/são suficientes para o ato ser
praticado à mesma (sem o vício tudo ficaria igual) – princípio do
aproveitamento do ato administrativo.

Quanto ao uso dos poderes discricionários, uma decisão é tomada com base em
determinados fundamentos de facto e de direito (a mera justificação), mas há a
obrigatoriedade de a Administração ponderar os interesses em jogo, fazer uma
hierarquização e será isso que irá ditar a decisão. Nesse jogo de ponderações, saímos da
zona de justificação para a zona da motivação, obrigando a Administração a exteriorizar
o seu motivo decisório, o caminho que o órgão fez para chegar àquela decisão.
Quanto aos motivos, se se comprovar que o motivo é inexistente (por exemplo, se foi uma
decisão irracional) ou que os motivos estão errados (por exemplo, aceitaram premissas
erradas) ou que são completamente irrelevantes para aquela situação concreta, pode
haver contradição, pode haver incongruência. Estes vícios determinam a invalidade do
ato.
Outra situação típica de vicio de poder discricionário é a Administração julgar que está a
aplicar um quadro lugar de vinculação e toma uma decisão que não levou qualquer
ponderação, pois achava que era a única que poderia tomar, mas deveria ter exercido o
poder discricionário.

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Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

Os vícios de vinculação são aqueles em que há falta de base legal, erro de pressupostos
concretos e abstratos e vícios de conteúdo.

A Declaração da nulidade e a anulação de atos administrativos pela


Administração
Esta matéria vem prevista nos artigos 162.º e 165.º e ss.
Os atos administrativos inválidos podem ser objeto de revisão administrativa, isto é, de
uma reapreciação negativa ou divergente, pelo próprio autor ou por órgão dotado de
competência suficiente, da qual pode resultar a convalidação do ato (ratificação, reforma
e conversão) ou então a sua invalidação.
É sobre esta última possibilidade que nos iremos debruçar, que se pode traduzir na
declaração de nulidade ou anulação administrativa de atos.

A declaração de nulidade dos atos


O entendimento maioritário defende que um ato nulo não produz efeitos e que pode ser
invocada por todo o interessado e declarada a todo o tempo.
O Código de 2015 consagra a interpretação restritiva que se tinha de fazer com a leitura
do disposto no Código de 1991: restrição no que toca à possibilidade de quem pode
declarar a nulidade erga omnes. Há uma restrição do âmbito de aplicação do regime de
nulidade, ao impor uma determinação legal expressa desse tipo de invalidade.
O Artigo 162.º/2 quando diz que a nulidade pode ser “conhecida por qualquer autoridade”
refere-se a uma não consideração dos efeitos produzidos pelo órgão ou o tribunal em
causa, mas essa desaplicação do ato só vale naquele processo/procedimento, o ato, por
força do princípio da presunção da legalidade dos atos administrativos, continua a ser um
ato administrativo e, à partida, deverá ser executado. Aquele conhecimento incidental não
muda nada.

Quanto às consequências, se o ato nulo não produz quaisquer efeitos então está legitimada
a desobediência, já não gozará da presunção da legalidade.
Há uma primeira questão que se levanta6: se o ato nulo não produz efeitos, a que
propósito pode ser requerida a suspensão jurisdicional desses mesmo efeitos, como se
pode interpor uma providencia cautelar de suspensão de efeitos, se esses efeitos nem se
produzem à partida – há aqui uma incongruência. Quem diz ao tribunal diz também à
Administração através do recurso administrativo ou reclamação.
Mas a nulidade é algo de tão evidente para toda a gente? Supondo que até se admite que
haja um vicio, nem sempre é evidente que seja nulo ou anulável, nem sempre é evidente
que um ato padeça de um vício.

6
Alguma doutrina, designadamente de Coimbra e Lisboa, que se debruçou sobre esta matéria nunca
chegou a completar os seus trabalhos dado a complexidade do assunto

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Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

O regime mais radical que legitima a desobediência de um funcionário (de executar um


ato) e de um destinatário (cumprir o conteúdo do ato), só se deverão admitir nos casos de
um vício especialmente evidente e especialmente grave (as chamadas inexistências).
Na nossa CRP temos consagrado o direito de resistência, no artigo 21.º, mas apenas está
consagrado relativamente a atos que ofendam Direitos, Liberdades e Garantias, ou seja,
desobedecer às determinações de um ato nulo, a lei, à partida, só legitima em caso de
ofensa de DLG.
Quanto aos demais casos, se o tribunal com sentença transitada em julgado que declara a
nulidade estará a posteriori justificada uma posição de resistência/desobediência às
determinações do ato, todavia, é um risco que quer o funcionário quer o particular
destinatário incorrem.

Para além disso, esta perpétua possibilidade de pôr em causa um ato nulo também está
atenuada pelo número 3 do artigo 162.º – há possibilidade de atribuição de efeitos
jurídicos a situações fácticas decorrentes de direitos nulos, à luz dos princípios da boa-fé,
da proteção da confiança e da proporcionalidade, designadamente associados ao decurso
do tempo. Há aqui uma inversão com o código de 1991 – o decurso do tempo aparecia
em primeiro lugar e depois os princípios, agora não. Os princípios aparecem em primeiro
lugar, no que toca a atos nulos favoráveis, e só depois o decurso do tempo – já não é o
primeiro referencial, na medida em que pode haver atribuição de efeitos jurídicos tendo
em conta os princípios, esquecendo o decurso do tempo.
A jurisprudência antiga era muito assertiva falava em 10 anos no que toca ao “decurso do
tempo” – falava-se na possibilidade de conferir efeitos jurídicos a atos nulos, se se
tivessem passado 10 anos, no entanto a jurisprudência atual já não fica presa a estes 10
anos7.
Ora, o juiz terá sempre de fazer um balanço entre os interesses públicos e os privados,
tendo em conta os princípios enunciados no número 3.
O CPA manifestou maior abertura no seu artigo 164.º, em contraste com 1991, quanto às
situações de convalidação:
a. Ratificação – é o ato administrativo pelo qual o órgão competente decide sanar
um ato inválido anteriormente praticado, suprindo a ilegalidade que o vicia –
“convalidação quanto às situações de incompetência e quanto a vícios de forma
e procedimento, mas está associada originariamente quanto a situações de
incompetência”.
a. Um exemplo é a repetição, por escrutínio secreto, da votação ilegalmente
feita por votação nominal; ou a prática de um ato incluindo a
fundamentação legalmente exigida e que dele não constava
originariamente; ou a assunção pelo órgão competente de um ato praticado
por órgão incompetente.

7
O RJUE, no seu artigo 69.º/4 prevê a possibilidade de volvidos 10 anos não se permitir a declaração de
nulidade, caduca essa faculdade.

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Duarte Nogueira
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b. Reforma – é o ato administrativo pelo qual se conserva de um ato anterior a parte


não afetada de ilegalidade – “não estava previsto a reforma de atos nulos passou
a ser possível, desde que não haja uma alteração do seu conteúdo essencial, se
não seria um puro fenómeno de retroatividade, na medida em que está em causa
um novo ato. Não se pode, sob a capa de uma reforma, praticar um novo ato –
seria passar por cima do regime de nulidade”.
a. Um exemplo é a redução de uma licença por um ano;
c. Conversão – é o ato administrativo pelo qual se aproveitam os elementos válidos
de um ato ilegal para com eles se compor um outro ato que seja legal – implica a
“transfiguração” jurídica do ato.
a. Um exemplo é o caso da nomeação definitiva que é convertida em
provimento interino, por se encontrarem preenchidos naquela apenas os
requisitos legalmente previstos para este.
Regime:
• Os atos nulos só podem ser objeto de reforma ou conversão – artigo 164.º/2;
• As normas de competência e tempestividade aplicáveis são as da anulação
administrativa dos atos inválidos – artigo 164.º/1;
• A reforma e a conversão obedecem às normas procedimentais aplicáveis ao
novo ato – artigo 164.º/4;
• Em caso de incompetência, o poder de ratificar o ato ilegal cabe ao órgão
competente para a sua prática - e não ao órgão que agiu com incompetência –
artigo 164.º/3;
• A ratificação, a reforma e conversão retroagem os seus efeitos à data dos atos
a que respeitam – artigo 164.º/5, 1ª parte;
• Mas, em ordem a garantir a tutela jurisdicional efetiva, a eficácia retroativa de
tais atos não prejudica a possibilidade de anulação dos efeitos lesivos
produzidos durante o período de tempo em que os tiver precedido, quando os
mesmos sejam praticados na pendência de processo impugnatório e respeitam
a atos que envolvam a imposição de deveres, encargos, ónus ou sujeições, a
aplicação de sanções ou a restrição de direitos e interesses legalmente
protegidos – artigo 164.º/5, 2ª parte.

Portanto, não sendo o vício especialmente evidente e grave mantém-se o dever de


obediência, à partida. Incorre em risco de sofrer as mesmas sansões por desobediência.
Mas caso desobedeça e em transito julgado, os tribunais administrativos declarem a
nulidade do ato em caso, funcionará como uma causa de afastamento da responsabilidade
daquele que desobedeceu. E se a pessoa foi condenada, entretanto? Ora, o tribunal
criminal deve aguardar pela decisão dos tribunais administrativos, tem de haver uma
articulação judicial, para não incorrer em risco de condenar alguém que não deveria ser
condenada.
Quanto à competência de nulidade erga homens a lei é um pouco restritiva, quem são?
Os órgãos administrativos competentes para anulação (o próprio autor do ato, o superior
hierárquico, órgão com poderes de supervisão, quando a lei preveja a competência

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Duarte Nogueira
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anulatória a um certo órgão ou o delegante face ao delegado) e os tribunais


administrativos.
Há uma diferença, como o prevê o artigo 169.º do CPA, no que toca à revogação e
anulação.

A anulação administrativa de atos


Diferenças entre a anulação e a revogação:
A lei permite a anulação dos atos por decisão administrativa, oficiosa ou mediante
reclamação ou recurso dos interessados. No entanto, o CPA, até 2015, incluía a anulação
administrativa numa figura complexa de revogação.
Acontece, porém, que se trata de figuras bem diferentes, como é reconhecido na
generalidade da doutrina europeia: a revogação propriamente dita é um ato que se dirige
a fazer cessar os efeitos doutro ato, por se entender que não é conveniente para o interesse
público manter esses efeitos produzidos anteriormente; a revogação anulatória ou
anulação é um ato através do qual se pretende destruir os efeitos de um ato anterior, mas
com fundamento na sua ilegalidade, ou, pelo menos, num vício que o torna ilegítimo e,
por isso, inválido.
Assim, a revogação propriamente dita distingue-se, desde logo, da revogação anulatória
quanto à função, porque naquela está em causa o exercício de uma atividade da
administração ativa, enquanto nesta se cumpre uma função de autocontrolo.
Por isso mesmo, há uma diferença entre o fundamento da revogação propriamente dita,
que é tipicamente a inconveniência atual para o interesse público, tal como é
configurado pelo agente, da manutenção dos efeitos do ato que é revogado, e o
fundamento ou a causa do ato na anulação, que é a ilegalidade do ato.
Daí decorre outra diferença: o poder de revogação pertence a quem possa legalmente
praticar o ato, ou seja, integra uma competência dispositiva, enquanto para a anulação
de um ato pode ser competente qualquer órgão que tenha um poder de controlo, uma
competência de fiscalização: na maior parte dos casos, além do autor potencial e do
delegante, o superior hierárquico, mas muitas vezes também o titular de um poder de
superintendência e até de tutela, se tal estiver expressamente previsto na lei.
São ainda patentes as diferenças quanto ao respetivo objeto (mediato): enquanto são
suscetíveis de anulação administrativa quaisquer atos, à revogação propriamente dita
estão sujeitos apenas alguns tipos de atos, os que produzem efeitos atuais ou potenciais
(não caducados nem esgotados), designadamente, os atos com eficácia duradoura (ou
atos de eficácia instantânea, mas ainda não executados).
Por último, também os efeitos de uma e de outra figura são diversos. Os efeitos de uma
revogação são, em princípio, efeitos para o futuro (ex nunc), embora possam, em certos
casos e em certas condições, ser retrotraídos a um momento anterior (desde logo, quando
se revogue um ato na sequência de impugnação administrativa ou nos casos previstos no
artigo 171.º/1 do CPA), enquanto os efeitos naturais da revogação anulatória se produzem
“ex tunc”, reportando-se ao momento da prática do ato anulado (ou ao da existência

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Duarte Nogueira
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do vício, nos casos de invalidade superveniente), embora possam, de forma excecional,


valer apenas para o futuro, como agora se prevê no artigo 168.º/4, alínea b) e no artigo
171.º/3 do CPA.
Em face desta distinção profunda entre as duas figuras, percebe-se que a revisão do CPA
as tenha separado e autonomizado, embora as tenha tratado na mesma secção. Isto não
apenas, nem fundamentalmente, por uma questão conceitual ou de asseio formal, para
satisfazer puras preocupações analíticas ou alguns interesses doutrinários; mas porque a
circunstância de estas duas figuras aparecerem tratadas em conjunto causava na prática
alguns problemas se podia conduzir a soluções erróneas ou inadequadas.
Revogação em suma – 167.º:
o Ato que se dirige a fazer cessar os efeitos de outro ato, por se entender que não é
conveniente para o interesse público manter esses efeitos produzidos
anteriormente.
o Função: exprime uma função da administrativa ativa.
o Competência: o poder de revogação pertence a quem possa legalmente praticar o
ato – competência dispositiva.
o Objeto mediato do ato revogado – estão apenas sujeitos a revogação alguns tipos
de atos: os que produzem efeitos atuais ou potenciais (não caducados nem
esgotados):
o Atos com eficácia duradoura/continuada;
o Atos de eficácia instantânea, mas ainda não executados
o Efeitos ex nunc, só para o futuro, embora possa haver casos que determinem a
retroação dos seus efeitos:
o Quando se revogue um ato na sequência de impugnação administrativa;
o Nos casos previstos no artigo 171.º/1 CPA
o Os superiores hierárquicos não podem revogar os atos dos subalternos quando se
trate do ato da competência destes – artigo 169.º/2 CPA
Anulação em suma – 168.º
o Ato através do qual se pretende destruir os efeitos (retroação) de um ato anterior,
mas com fundamento na sua ilegalidade ou, pelo menos, num vício que o torna
ilegítimo e, por isso, inválido.
o Função: exprimir uma função de auto-controlo;
o Competência: pode ser competente qualquer órgão que tenha um poder de
controlo, uma competência de fiscalização:
o Órgão que os praticou;
o Superior hierárquico;
o Artigo 169.º/3, 4 e 5. Titulares com poderes de
§ Supervisão
§ Superintendência
§ Tutela
o Objeto mediato do ato revogado – são suscetíveis de anulação administrativa
quaisquer atos;

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Duarte Nogueira
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o Eficácia ex tunc – reportando-se ao momento da prática do ato anulado ou ao da


existência do vício, nos casos de invalidade superveniente (destruição dos efeitos,
retroação)
o Embora possam excecionalmente valer apenas para o futuro – artigo
168.º/4, alínea b) e 171.º/3 do CPA.
o Pode ser oficiosa ou na sequência de reclamação ou recurso administrativo dos
interessados.

Competência para a anulação administrativa


Os atos administrativos podem ser objeto de anulação administrativa pelo: órgão que os
praticou e pelo respetivo superior hierárquico, bem como, em caso de delegação, pelo
órgão delegante ou subdelegante. Por sua vez, os atos administrativos praticados por
órgão sujeitos a superintendência ou tutela administrativa só podem ser objeto de
anulação administrativa pelos órgãos com poderes de superintendência ou tutela nos
casos expressamente permitidos por lei – artigo 169.º/3, 4 e 5 do CPA

O regime atual da anulação administrativa


Desde logo, é relevante saber se há, ou não, impugnação administrativa ou judicial do
ato:
o No caso de haver impugnação administrativa, os requisitos e os prazos de
decisão são os estabelecidos na secção relativa às reclamações e recursos
administrativos – artigos 184.º e ss.
o Quando o ato tenha sido objeto de impugnação jurisdicional, a anulação
administrativa pode ter lugar até ao encerramento da discussão (artigo 168.º/3) em
consonância com o disposto no CPTA (artigo 64.º) e não apenas, como antes de
2015, até à contestação (resposta) da entidade administrativa.
No que toca à anulação oficiosa, o prazo-regra para a anulação administrativa é agora de
seis meses e conta-se da data do conhecimento, pelo órgão competente, da causa da
invalidade, ou, nos casos de invalidade resultante de erro do autor, desde o momento da
cessação do vício. No entanto, para além deste prazo, há a considerar outros
condicionalismos temporais e substanciais, que revelam uma diferença de regime entre
os atos administrativos constitutivos de direitos e outros, considerando-se constitutivos
de direitos “os atos administrativos que atribuam ou reconheçam situações de
vantagem ou eliminem ou limitem deveres, ónus, encargos ou sujeições, salvo quando
a sua precariedade decorra da lei ou da natureza do ato” – artigo 167.º/3.
Ø Os atos constitutivos de direitos só podem, em regra, ser objeto de anulação
administrativa dentro do prazo máximo de um ano, a contar da data da respetiva
emissão – artigo 168.º/2 – isto é, enquanto forem judicialmente impugnáveis. No
entanto, excecionalmente, os atos constitutivos de direitos podem ser objeto de
anulação administrativa dentro do prazo de 5 anos a contar da respetiva emissão,
isto é, mesmo que já se tenham tornado judicialmente inimpugnáveis, em três
circunstâncias elencadas no Código – artigo 168.º/4:

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Duarte Nogueira
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o Quando o respetivo beneficiário tenha utilizado artifício fraudulento com


vista à obtenção da sua prática;
o Quando se trate de atos constitutivos de direitos à obtenção de prestações
periódicas, no âmbito de uma relação continuada, caso em que a anulação
tem eficácia apenas para o futuro;
o Quando se trate de atos constitutivos de direitos de conteúdo pecuniário,
cuja legalidade, nos termos da legislação aplicável, possa ser objeto de
fiscalização administrativa para além do prazo de um ano, com imposição
do dever de restituição das quantias indevidamente auferidas.
Para salvaguarda do princípio da proteção da confiança legítima, determina-se que a
anulação administrativa de atos constitutivos de direitos constitui os beneficiários que
desconhecem sem culpa a existência da invalidade (que estejam de boa-fé) e tenham
auferido, tirado partido ou feito uso da posição de vantagem em que o ato os colocava
(que tenham efetuado um investimento de confiança), no direito de serem indemnizados
pelos danos anormais que sofram em consequência da anulação – artigo 168.º/6.
Ø Os restantes atos administrativos podem ser objeto de anulação administrativa,
mesmo que se tenham tornado judicialmente inimpugnáveis, desde que não tenha
decorrido o prazo máximo de 5 anos, a contar da respetiva emissão.
A lei determina ainda, nos termos do artigo 168.º/5 que, quando o ato se tenha tornado
inimpugnável por via jurisdicional, ele só pode ser objeto de anulação administrativa
oficiosa, tornando claro que não há, nessas situações, direito do interessado a impugnação
administrativa.
Quanto à anulação dos atos inválidos em geral estará a Administração obrigada a anulá-
los? O prof. Pacheco de Amorim diz que não parece que haja uma estrita obrigação, a
Administração deve ponderar os interesses em causa.

As reclamações e recursos administrativos


O Autocontrolo administrativo
As impugnações administrativas desempenham um papel potencialmente relevante na
fiscalização da legalidade e também da oportunidade administrativa (mérito), bem como
na garantia dos direitos e interesses dos particulares – que dispõem da possibilidade de
fazer o autor refletir sobre a decisão tomada ou de convocar, para uma eventual revisão
do ato, um órgão superior, supostamente mais habilitado ou de vistas mais largas.
Do mesmo modo, o particular pode atualmente apelar para o autor do ato ou para o órgão
superior, reagindo contra a omissão ilegal de atos administrativos, solicitando a sua
prática – artigo 184.º

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Duarte Nogueira
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As Reclamações
Noção e Prazo
Através da reclamação, os interessados (artigo 186.º) solicitam uma revisão da primeira
decisão ao órgão autor do ato, em princípio no prazo de 15 dias (artigo 191/3.º) ou, em
caso de omissão ilegal, no prazo de um ano (artigo 187.º).
Salvo disposição legal em contrário, pode haver reclamações relativas a quaisquer atos
administrativos, nos termos do artigo 191.º/1 do CPA – que, no entanto, contém uma
exceção relativa logo no n. º2, quanto aos atos que eles próprios, decidam reclamação ou
recurso.
A reclamação perdeu grande parte da sua importância prática, na medida em que, na
generalidade dos procedimentos administrativos, o interessado tem agora, normalmente,
a possibilidade de se pronunciar em sede de audiência prévia, no fim da instrução e antes
da decisão final.
Espécies
A reclamação é, em regra, facultativa, mas pode ser necessária, quando, por
determinação legal expressa ou inequívoca, seja pressuposto da impugnação judicial ou
condenação à prática do ato – artigo 185.º/1 e 2.
Na reclamação pode se solicitar a declaração de nulidade, a anulação do ato ou a respetiva
convalidação, se o ato for considerado ilegal, ou a sua suspensão, revogação, modificação
ou substituição, por razões de oportunidade ou conveniência – artigo 185.º/3.
Efeitos
A reclamação não suspende a eficácia do ato, a não ser quando seja uma reclamação
necessária, ou então, quando o autor do ato, oficiosamente ou a pedido dos interessados,
considere que a execução imediata causa ao destinatário prejuízos irreparáveis ou de
difícil reparação ou suspensão não cause prejuízo de maior gravidade ao interesse público
– artigo 189.º/2.
Mas, como qualquer impugnação administrativa, suspende o prazo de impugnação
judicial, embora não impeça o reclamante de propor a ação respetiva e de requerer
providências cautelares – artigo 59.º/4 e 5 do CPTA, bem como o artigo 190.º/3 e 4 do
CPA.

Os Recursos Hierárquicos
Noção
Salvo disposição legal em contrário, podem ser objeto de recuso hierárquico todos os atos
administrativos praticados por órgãos subalternos, isto é, sujeitos a poderes de hierarquia
de outros órgãos. Os interessados podem agora também, por esse meio, reagir contra a
omissão ilegal de atos administrativos por um órgão subalterno – artigo 193.º do CPA.
O interessado solicita ao superior hierárquico do órgão autor a revisão do ato – que, como
no caso da reclamação, pode consistir na respetiva declaração de nulidade, anulação ou
convalidação, se o ato for considerado ilegal (ou mera confirmação, no caso contrário).
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Duarte Nogueira
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O superior poderá suspender, revogar, modificar ou substituir o ato, por razões de


oportunidade ou conveniência, ainda que em sentido desfavorável ao recorrente, mas só
quando disponha de poderes dispositivos, e não de mera fiscalização, por não se tratar de
uma competência exclusiva do subalterno – artigo 197.º/1 do CPA.
Espécies
O recurso hierárquico é, em regra, facultativo, mas pode ser necessário, quando, por
determinação legal expressa, seja pressuposto da impugnação judicial ou da condenação
à prática do ato – artigo 185.º/1 e 2.
Quanto à conformidade com a Constituição da previsão legal de impugnação
administrativas necessárias, o Tribunal Constitucional e o STA, ao contrário do que
defende uma parte da doutrina, entendem que não há inconstitucionalidade, porque se
trata da fixação, por lei, de um pressuposto processual que constitui um mero
condicionamento ou, quando muito, de uma restrição legítima (justificada e proporcional)
do direito de acesso aos tribunais, cujo conteúdo essencial não é tocado – para efeitos de
segurança jurídica, relativamente às impugnações existentes à data, o artigo 3.º do
Decreto-Lei n.º 4/2015, que aprovou o CPA, fixa as expressões legais, cuja utilização
significa o seu caráter necessário.
Efeitos da interposição
O recurso hierárquico necessário suspende a eficácia do ato até à respetiva decisão ou o
esgotamento do prazo para decidir – artigo 189.º/1, data em que começará igualmente a
correr o prazo de impugnação judicial.
O recurso hierárquico facultativo não suspende automaticamente a eficácia do ato, a não
ser que o autor ou o superior, ponderado o interesse público e os interesses do destinatário,
determine a suspensão. Mas suspende, não interrompe, o prazo de impugnação judicial
ou para pedir a condenação à prática do ato, embora não impeça o recorrente de propor
no tribunal a ação respetiva – artigo 189.º e 190.º do CPA; artigo 59.º/4 e 5 do CPTA.
Procedimento
O CPA regula atualmente, com especial cuidado, o procedimento de recurso, a interpor,
em princípio, no prazo de impugnação judicial (ou no prazo de 30 dias se o recurso for
necessário) – artigo 193.º.
O recurso é apresentado ao órgão recorrido, que, depois procede à notificação de
eventuais contrainteressados, se pronuncia sobre o recurso e o remete ao órgão
competente.
No entanto, não havendo oposição, o órgão recorrido pode dar-lhe provimento ou, em
caso de omissão, praticar o ato solicitado – dando conhecimento ao órgão superior – artigo
196.º do CPA.
A decisão do superior expressa pode ser de confirmação ou de revisão, anulando ou então
revogando, modificando, substituindo ou praticando o ato, conforme os seus poderes (e
sem sujeição ao pedido, eventualmente em sentido desfavorável ao recorrente), nos
termos do artigo 197.º - não sendo necessária a audiência prévia (a não ser em algumas
situações de modificação ou substituição).
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Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022

A eventual falta de decisão dentro do prazo, bem como a confirmação do ato não
constituem atos de indeferimento, mas um facto ou um ato jurídico que desencadeia a
eficácia do ato recorrido, bem com o início da contagem do prazo para a respetiva
impugnação judicial, ou, em caso de omissão, para o pedido de condenação à prática de
ato devido – artigo 198.º/4.

Recursos Administrativos Especiais


As outras formas especiais de impugnação administrativa são, atualmente, nos termos do
artigo 199.º do CPA:
o Os recursos especiais: recurso para outro órgão da mesma pessoa coletiva, onde
ou quando não haja hierarquia, incluindo o recurso de atos do órgão delegado para
o delegante ou de decisão de membro, comissão, secção ou de segmento de órgão
colegial para o plenário.
o Os recursos tutelares: quando se recorre para o órgão de outra pessoa coletiva,
com poderes de superintendência ou de tutela.
O recurso para o delegante (em regra, facultativo) é sempre admissível, tendo em conta a
plenitude dos poderes do delegante relativamente aos atos do delegado, decorrente de lhe
pertencer a competência exercida – embora o artigo 199.º/2 do CPA, por erro manifesto,
que deve ser objeto de correção teleológica exija para o efeito expressa disposição legal.
Já os restantes recursos, designadamente o recuso para o órgão superintendente ou tutor,
dependem de previsão legal expressa, que determina também a competência do órgão
para o qual se recorre para produzir os efeitos pretendidos: declaração de nulidade,
anulação, ou, se assim estiver estabelecido, revogação, suspensão, modificação ou até
substituição do ato praticado pelo pelo órgão recorrido, a prever expressamente nas
situações de recurso tutelar – artigo 199.º/1, 3 e 4.
A estes recursos é aplicável o regime do recurso hierárquico, conforme sejam necessários
ou facultativos, mas, nos recursos tutelares, com as adaptações necessárias para
salvaguarda da autonomia da entidade tutelada – artigo 199.º/5.

Capítulo III – O Contrato Administrativo

É cada vez mais frequente que a Administração Pública, para prosseguir os fins de
interesse público que a lei põe a seu cargo, procure a colaboração dos particulares,
acordando com estes os termos em que o tal interesse é prosseguido. Por outro lado, a
complexificação da própria Administração justifica ou impõe formas de coordenação
interadministrativa.
Nos termos da lei, a utilização do contrato administrativo nem sequer carece, hoje, de
habilitação específica: “na prossecução das suas atribuições ou dos seus fins, os órgãos
da Administração Pública podem celebrar quaisquer contratos administrativos, salvo se
outra coisa resultar da lei ou da natureza das relações a estabelecer” – artigo 278.º do
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Código dos Contratos Públicos (CCP daqui em diante) e, no mesmo sentido, artigo
200.º/3 do CPA.
Assim, por exemplo:
o Quando a Administração precisa de executar obras, em vez de o fazer diretamente,
contrata com um empreiteiro os termos e as condições em que a obra vai ser
executada;
o Quando esteja em causa a aquisição de materiais necessários ao funcionamento
da própria Administração, esta celebra contratos de fornecimento com privados,
seja medicamentos para hospitais ou material escolar para estabelecimentos de
ensino público, etc.;
o Quando o Estado e as demais entidades públicas cooperam entre si com vista ao
desempenho das respetivas atribuições, assinando para o efeito protocolos ou
convenções.
A utilização, no plano do direito interno, da via contratual pela Administração Pública
pode traduzir-se no uso de dois tipos diferentes de contrato, conforme é hoje
expressamente confirmado pelo artigo 200.º/1 do CPA:
o se a Administração está a exercer atividades de gestão privada, lançará mão de
um contrato civil, de trabalho ou comercial, constituindo relações jurídicas de
direito privado;
o se a Administração se encontra a prosseguir atividades de gestão pública, lançará
mão, por norma, de contrato administrativo, constituindo relações jurídicas
administrativas.
A figura do “contrato administrativo” não é sinónimo de qualquer contrato celebrado pela
Administração Pública com outrem: só é contrato administrativo o contrato com um
regime jurídico traçado pelo Direito Administrativo – artigos 1.º/6; 279.º e 280.º do
CCP.
[Com a aprovação do CCP pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, o regime
público dos contratos da Administração veio sofrer algumas alterações. Se é verdade que
o CCP procura adaptar a legislação nacional ao conceito vindo do Direito Europeu de
“contrato público”, mantendo simultaneamente o conceito de contrato administrativo,
não é menos verdade que o puro contrato de direito privado da Administração ficou
relegado para um campo residual, nomeadamente quando não esteja em causa uma
entidade que integre a Administração Pública, mas que não se encontre no exercício da
função administrativa. O CCP tem, na verdade, um duplo objetivo:
o Em primeiro lugar, versa sobre a matéria da contratação pública visando
adaptar a legislação nacional ao direito europeu, sendo esse o escopo da sua
Parte II (artigos 16.º a 277.º). O regime da contratação pública é aplicável à
formação dos contratos públicos, entendendo-se como tais os que,
independentemente da sua designação e natureza, sejam celebrados por certas
entidades adjudicantes – trata-se, principal, mas não exclusivamente, de
entidades públicas: artigo 1.º/2, 2.º e 2.º do CCP.
o Em segundo lugar, aquele diploma regula na sua Parte III (artigos 278.º a 454.º),
e em medida muito mais ampla do que até então, o regime substantivo dos

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contratos administrativos: o acordo de vontades, independentemente da sua


forma ou designação, celebrado entre contraentes públicos e contraentes ou
somente entre contraentes públicos, desde que se integre em determinadas
categorias delimitadas em função de certos fatores – os fatores ou critérios de
administratividade – artigos 1.º/6 e 3.º CCP.
Assim, a discussão em torno dos critérios de distinção entre contrato administrativo e
contrato de direito privado da Administração evoluiu para uma discussão sobre os
critérios de administratividade do contrato. Neste domínio sistemático, o Código
apresenta um primeiro título referente aos contratos administrativos em geral – artigos
278.º a 342.º; e um segundo título sobre contratos administrativos em especial – artigos
343.º a 454.º, o qual regula alguns dos principais tipos de contratos administrativos.
Deste modo, da qualificação de um dado contrato como “contrato público” à luz do
Código, nada se pode retirar quanto à natureza jusprivatista ou jusadministrativa do
mesmo, pois a aludida qualificação resulta apenas do facto de ser celebrado por uma
entidade adjudicante, nomeadamente uma entidade pública. O legislador limitou-se a
transpor o conceito de direito europeu, que não distingue entre contratos regidos por
direito privado e contratos regidos pelo direito administrativo.
Em jeito de conclusão: Quase todos os contratos administrativos são contratos públicos,
no entanto, nem todos os contratos públicos são contratos administrativos, pois também
cabem na noção dada a alguns contratos de direito privado celebrados pela Administração
Pública.

A Admissibilidade da figura do contrato administrativo


O recurso à colaboração contratual de particulares constitui um “expediente largamente
utilizado desde a Antiguidade”. Inicialmente, pensou-se que tais contratos eram contratos
de direito privado, regulados substancialmente pelo Código Civil, e cujo contencioso
pertenceria aos tribunais comuns. Seriam contratos privados porque “em face do
concessionário, e pelo ato de concessão, a pessoa administrativa demitia-se das suas
prerrogativas de direito público e surgia quem quer que contrata”.
Porém, as grandes transformações políticas, económicas e tecnológicas ocorridas na
Europa desde meados do século XIX viriam a alterar profundamente este entendimento e
a formar a convicção de que nem todos os contratos que a Administração celebra são da
mesma natureza.
Com origem em França, de onde se espalhou para vários países europeus e também sul-
americanos, surgiu a Teoria dos Contratos Administrativos, que passou a constituir
uma das traves-mestras da parte geral do Direito Administrativo nos países onde vigora
um sistema de administração executiva ou de tipo francês. Os pontos essenciais desta
teoria que se podem enumerar são os seguintes:
• O elemento essencial do regime jurídico desses contratos administrativos é a
possibilidade de o conteúdo das suas prestações ser alterado, durante a execução
do contrato, para a satisfação de novas exigências do interesse público.

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• O princípio do equilíbrio financeiro do contrato deve ser sempre respeitado, de tal


forma que o interesse público não seja satisfeito à custa dos legítimos interesses
dos particulares, nem estes possam sobrepor-se à necessária garantia do primeiro.
Em Portugal a utilização de contratos de Direito Administrativo foi inicialmente admitida
para satisfação de necessidades de gestão: execução de obras (através de contratos de
empreitada), aquisição de bens e administração do domínio público.
Estes contratos constituíam, contratos de colaboração subordinada, entendidos como
contratos privados transformados, nos quais se incluíam cláusulas exorbitantes, que
implicavam a reserva de poderes por parte da Administração, considerados
indispensáveis ou convenientes para a realização do interesse público superior – poderes
de direção (que asseguram a supremacia do contraente público, em vez da igualdade entre
as partes) e poderes de modificação e rescisão (que criavam alguma instabilidade na
relação contratual, em vez de estabilidade do compromisso pactuado, típica dos negócios
privados).
A partir da segunda metade do século XX, produziram-se transformações que acabaram
por tornar o contrato administrativo, como figura de direito público, uma “instituição do
nosso tempo” – Pedro Gonçalves.
As alterações substanciais (a proliferação de interesses públicos a cargo da
Administração), funcionais (os novos conteúdos de prestação, controlo, infra-
estruturação, promoção, garantia e regulação) e estruturais (as novas formas jurídicas)
da atividade administrativa no contexto de um Estado Social, Garantidor e Regulador
justificaram a compatibilidade e tiveram como consequência a adoção generalizada de
figuras contratuais pela Administração no exercício da função administrativa, não apenas
para a realização de empreendimentos materiais sob a égide do direito privado, mas
sobretudo no desenvolvimento de atividades subordinadas a regimes de direito público,
incluindo até, por vezes, sobre o próprio exercício de poderes públicos.
Apesar da inexistência atual de uma incompatibilidade de princípio entre contrato e
autoridade administrativa, há determinadas atuações administrativas de direito público
que não podem ser desenvolvidas por via contratual – é necessário dizer que, sendo
embora, em princípio, uma figura de utilização geral pela Administração, há limites ao
uso da forma do contrato administrativo nos quadros do direito público.
Nos termos do artigo 278.º do CCP os limites legais decorrem de lei imperativa, de que
são exemplo:
a. A exclusão do contrato de trabalho em funções públicas para aquelas “atividades
que impliquem o exercício direto de poderes de autoridade que definam situações
jurídicas subjetivas de terceiros ou o exercício de poderes de soberania” – artigo
1.º/4 da Lei n.º 23/2004, de 22 de junho, que justamente operou a contratualização
das relações de emprego público;
b. A proibição de concessão, pelas entidades reguladoras, a entidades públicas ou
privadas, da prossecução de quaisquer das suas atribuições ou poderes
regulatórios ou sancionatórios – artigo 40.º/5 da Lei n.º 67/2013, de 28 de agosto:
Lei-Quadro das entidades administrativas independentes com funções de
regulação da atividade económica.

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Duarte Nogueira
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Os limites naturais resultam da natureza da atividade ou dos seus efeitos, seja pela:
• Necessidade de assegurar uma igualdade universal de tratamento (decisões
regulamentares, designadamente em matéria de segurança social e de obrigações
fiscais);
• Ausência de interesse de contraentes privados (decisões sobre a organização
administrativa);
• Razões de ordem pública e de soberania (decisões sancionatórias, incluindo
disciplinares ou de aplicação de coimas, atos de polícia, decisão de impugnações
administrativas, concessão da nacionalidade ou do asilo, fiscalização de eleições).
No entanto, mesmo nestas áreas, que seriam, em si mesmas, “domínios próprios da
atuação unilateral”, encontramos o uso da figura contratual: a Administração celebra
contratos fiscais, sobretudo no domínio do direito económico fiscal (contratos que
envolvem isenções fiscais, para finalidades de política económica), contratos policiais,
em matéria de proteção ambiental, urbanismo e até de segurança, além dos contratos de
organização (desde logo, os contratos interadministrativos). Não é sequer de excluir a
celebração de acordos no domínio sancionatório (disciplinar e contraordenacional, por
exemplo em matéria ambiental), apesar da rejeição de princípio dos processos agnitórios
no nosso sistema processual penal, que tem influenciado decisivamente o domínio das
sanções administrativas.
O nosso ordenamento jurídico é, de resto, no quadro europeu continental, um dos mais
amigos da forma contratual, na medida em que, como veremos, para além dos contratos
de inspiração francesa, se admite, em geral – agora por influência do direito alemão – a
figura do contrato sobre o exercício de poderes públicos – artigo 280.º/1, alínea b) e
285.º do CCP, que abrange contratos cujas prestações envolvem o uso de poderes de
autoridade, incluindo substitutivos de atos administrativos unilaterais.

Os conceitos legais de “contrato público” e de “contrato administrativo”


O CCP, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, segue um caminho
diferente do definido outrora pelo CPA: embora parta de um conceito-quadro (amplo) de
contrato público, acaba por adotar dois conceitos polarizadores, embora em grande
medida sobreponíveis, para efeitos de delimitação do respetivo âmbito de aplicação, que
abrange: a contratação administrativa (formação do contrato) e o regime substantivo
da relação contratual (execução do contrato).
O CCP adota uma noção ampla de contrato público que delimita uma função dos sujeitos
outorgantes, para efeitos da aplicação de um determinado regime procedimental de
formação de contratos – regulado na Parte II do Código – em grande medida para
cumprimento de diretivas europeias.
Este conceito legal de “contrato público” – artigo 1.º/2 – abrange todos os contratos
celebrados no âmbito da função administrativa, independentemente da sua designação e
da sua natureza (isto é, mesmo que sejam de direito privado), desde que sejam outorgados
pelas entidades adjudicantes referidas na lei – artigo 2.º. Quem são as tais entidades:

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o As pessoas coletivas públicas – as que constituem a tradicional Administração


Pública em sentido organizatório, incluindo as administrações autónomas e
independentes – artigo 2.º/1.
o Os organismos de direito público – entidades criadas especificamente para
satisfazerem necessidades de interesse geral, sem caráter industrial ou comercial
(ou seja, cuja atividade económica não se submete à lógica do mercado e da livre
concorrência, designadamente por não terem fins lucrativos), desde que
financiadas por pessoas coletivas públicas ou sujeitas ao seu controlo ou à sua
influência dominante – artigo 2.º/2
o No âmbito dos setores especiais (água, energia, transportes e serviços postais),
quaisquer entidades, incluindo as empresariais, que exerçam essas atividades,
quando estejam sujeitas a controlo ou influência dominante de entidades
adjudicantes – artigo 7.º
No entanto, o regime de contratação estabelecido no CCP não se aplica a todos os
contratos celebrados pelas entidades adjudicantes, mas apenas àqueles cujas prestações
suscitam, pelo menos potencialmente, a concorrência no mercado – artigo 5.º/1 e 16.º/2,
por isso se pode dizer que há contratos celebrados pela Administração que não são, afinal,
para efeitos de regime de formação, verdadeiros contratos públicos, no sentido europeu:
todos aqueles que não envolvam problemas de concorrência, entre os quais se contam
alguns contratos administrativos, entre os quais, designadamente, contratos
interadministrativos e contratos sobre o exercício de poderes públicos.
Por outro lado, o CCP estabelece um outro conceito mais restrito: o do contrato
administrativo celebrado por contraentes públicos (entre si ou com cocontratantes
privados) para efeitos de aplicação do regime substantivo dos contratos de natureza
administrativa – regime de execução, modificação e extinção das relações jurídicas
administrativas – artigo 1.º/5 CCP.
Quem são as entidades que correspondem à categoria de contraente público – artigo 3.º:
• Pessoas coletivas de direito público;
• Organismos públicos ou de direito público (e as entidades adjudicantes nos setores
especiais), mas só quando os contratos sejam qualificados pelas partes como
contratos administrativos ou submetidos a um regime substantivo de direito
público;
• Quaisquer entidades, sejam públicas ou privadas;
• Quaisquer entidades, sejam públicas ou privadas, que possam celebrar contratos
no exercício de funções materialmente administrativas.

No plano substancial, em vez de, como fazia o CPA, definir o contrato administrativo
em abstrato, através da caracterização da relação jurídica sobre a qual incidem os
respetivos efeitos como relação jurídica de direito público, o CCP retoma a antiga ideia
de uma enumeração, ainda que agora mediante uma tipificação substancial e aberta dos
contratos administrativos, identificados por aquilo que se pode designar por fatores de
administratividade.

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Nos termos do artigo 280.º reveste a natureza de contrato administrativo o acordo de


vontades, independentemente da sua forma ou designação, em que pelo menos uma das
partes seja um contraente público, que se integre em qualquer das seguintes categorias:

É a estes contratos que se aplica o regime substancial estabelecido na Parte III do Código.
Apesar de o Código estabelecer um conceito amplíssimo de contratos públicos, que
incluem os contratos administrativos – artigo 1.º/1), os conceitos legais operativos não
coincidem inteiramente, no que respeita à aplicação dos regimes da Parte II e da Parte III.
Por um lado, há contratos públicos (em sentido estrito) que não são contratos de
natureza administrativa, como por exemplo:
o Os contratos qualificados pela lei ou pelas partes como contratos de direito
privado ou submetidos a um regime de direito privado, mesmo que celebrados por
“contraentes públicos” no exercício da função administrativa – assim, o regime
da Parte III do CCP não se aplica, em princípio, a contratos de compra e venda,
doação, permuta e arrendamento de bens imóveis (do património privado dos
entes públicos) e a contratos similares – artigo 4.º/2, alínea c);
o Os contratos outorgados pelos “organismos públicos” que não sejam celebrados
no exercício de funções materialmente administrativas, nem sejam submetidos
pela vontade das partes a um regime substantivo de direito público.
Para além disso, há contratos administrativos que não serão “contratos públicos” em
sentido estrito, na medida em que não se lhes aplicam as regras de contratação pública
estabelecidas na Parte II, por não envolverem prestações sujeitas à concorrência de
mercado – entre os quais se destacam alguns contratos sobre o exercício de funções
públicas.
Em suma, o Contrato Administrativo:
o É essencialmente um contrato que cria, modifica ou extingue uma declaração
jurídico-administrativa – pelo menos uma das partes do contrato é um contraente
público ou então um privado investido de poderes públicos – artigo 3.º CCP.
o Vale como ato administrativo;
o Regem-se na sua execução pelo Direito Administrativo – tudo o que respeita à
vida do contrato (procedimento, formação, questões de interpretação e validade)
é regulado em primeira linha pelo regime substantivo do Direito Administrativo;
o Regime de contencioso: Direito Administrativo “puro e duro”;

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o Dá poderes exorbitantes para salvaguarda/proteção do interesse público – pode o


interesse público fazer com que o contrato seja modificado mesmo que o
contraente não o queira;
o O contraente público tem poderes de inspecionar, dar ordens, aplicar sanções sem
que o contrato tenha que os prever/especificar – aplicam-se em bloco estas normas
que conferem a uma parte do contrato poderes exorbitantes.
Já o Contrato Público:
o Neutro quanto à natureza do contrato;
o Abrange todo e qualquer contrato administrativo;
o “Público” em razão do caráter económico e interesse concorrencial a que fica
sujeito; quanto à sua formação fica sujeito a um procedimento regulado por
normas de Direito Administrativo Procedimental (há uma série de operadores
económicos que concorrem entre si, as entidades públicas apelam à concorrência
e concurso ao celebrarem contratos com os mesmos);
o Não interessa a vida do contrato, a natureza do contrato, como vai ser executado
– há uma livre escolha nesse âmbito; podem ser remetidas para o Código Civil;
o O Direito Administrativo tem relevo no procedimento pré-contratual que está
regulado exaustivamente pela disciplina da contratação pública:
o Também a salvaguarda dos princípios leva a que alguns traços do regime
administrativo se apliquem aos próprios contratos de direito privado –
salvaguarda o valor da concorrência.

Alguns tipos legais de contratos administrativos


Como referido, no Título II da Parte III do CCP são disciplinados os:
o Contratos de Empreitada de obras públicas;
o Concessão de Obras Públicas;
o Concessão de Serviços Públicos;
o Locação e Aquisição de Bens Móveis;
o Aquisição de Serviços;
o Sociedade.
Quanto a estes contratos, é estabelecida, por lei, uma presunção inilidível de que tem
caráter económico e interesse concorrencial.
O regime particular de cada um destes tipos deve ser integrado pelo disposto no Título I.
Todos estes contratos são expressamente confirmados como tendo natureza
jusadministrativa pelo artigo 200.º/2 do CPA: “são contratos administrativos os que como
tal são classificados no CCP ou em legislação especial”.
Quanto aos contratos acima referidos, o legislador nacional foi mais longe do que o
legislador europeu ao juntar mais uma espécie contratual – o contrato de sociedade
(artigo 16.º/1).
Simultaneamente, o CCP não regula alguns contratos que também são “administrativos”
(típicos e nominados), como é o caso: da concessão de uso privativo do domínio público,

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da concessão de exploração de jogos de fortuna ou azar e o contrato de trabalho de funções


públicas.
Por outro lado, existem muitos contratos típicos que, embora não qualificados legalmente
como contratos administrativos, cumprem os fatores de administratividade consignados
no CCP (contratos típicos não nominados), por exemplo, os contratos de urbanização ou
os contratos-programa de redução de carga poluente.

Os Problemas da Formação do Contrato Administrativo


Um dos principais objetivos do CCP é o estabelecimento de uma disciplina aplicável à
contratação pública em conformidade com o Direito Europeu: é esse o conteúdo da sua
parte II. Tal regime regula a formação dos contratos públicos, entendendo-se por tal todos
os contratos celebrados por certas entidades – as entidades adjudicantes referidas no CCP,
nomeadamente nos seus artigos 2.º/7. Supletivamente, determina-se no CPA que, “na
ausência de lei própria, aplica-se à formação dos contratos administrativos o regime geral
do procedimento administrativo estatuído pelo presente Código, com as necessárias
adaptações” – artigo 201.º/3.

Regime procedimental e tipos de procedimentos


As regras sobre a formação dos contratos administrativos são particularmente apertadas
e constituem um exemplo claro de como a Administração Pública está por vezes sujeita
a restrições e obrigações muito maiores do que aquelas que impendem sobre os
particulares em geral, no âmbito do direito privado. Trata-se de regras que versam sobre
os aspetos essenciais do contrato público ou administrativo.
A formação do contrato envolve, em regra, a adoção de um procedimento tendente à
escolha do cocontratante e à definição do conteúdo do contrato. Trata-se de um
procedimento de 1.º grau que se rege, em princípio, pelas disposições da Parte II do CCP.
Com efeito, a sua celebração é sempre precedida pela prática de um ato administrativo,
que é o ato de adjudicação, e este, por sua vez, é precedido por um procedimento
administrativo, o qual se inicia com a decisão de contratar.
Com o CCP, a regra geral, que traduz uma mudança de paradigma, é a de que a escolha
do tipo de procedimento condiciona o valor do contrato a celebrar, em virtude do princípio
da concorrência. Ou seja, de acordo com o artigo 17.º e ss. do CCP, sendo adotado um
determinado tipo de procedimento, este vai determinar o valor máximo do benefício
económico que pode ser obtido pelo adjudicatário com a execução de todas as prestações
que constituem o objeto a celebrar.
A pessoa coletiva pública qualificada como entidade adjudicante, ao abrigo dos critérios
de qualificação previstos no artigo 2.º do CCP, fica sujeita à obrigação de subordinar a
formação dos seus contratos a procedimento de contratação pública.
O artigo 16.º/1 remete para a formação de contratos cujo objeto abranja prestações que
estão ou sejam suscetíveis de estar submetidas à concorrência no mercado, obriga a adotar
um dos seguintes tipos de procedimentos: o ajuste direito, o concurso público, o concurso

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limitado por prévia qualificação, o procedimento de negociação e o diálogo


concorrencial.

Procedimentos Não Concorrenciais:


• Ajuste Direto – artigos 112.º a 129.º do CCP
É um procedimento fechado, mas que depende de iniciativa pública, o que significa que
só podem apresentar propostas aqueles que tenham sido convidados a fazê-lo pela
entidade adjudicante. Está talhado para contratos de baixo valor ou em que,
independentemente do valor, ocorra uma razão material, que deve ser devidamente
fundamentada, que justifique a preterição do princípio da concorrência.
Procedimentos Concorrenciais:
• Concurso Público – artigos 130.º a 161.º do CCP
É o procedimento de iniciativa pública aberto à livre competição dos interessados
admitidos a fazer valer a sua pretensão de contratar com a Administração em condições
de plena igualdade entre as respetivas propostas, para que aquela possa escolher a que
melhor satisfaça o interesse público.
Não se sabe, à partida, que pessoas ou entidades estão a concorrer e não há limite ao
número de concorrentes, pois avaliam-se propostas e não os concorrentes.
Procedimento Semiaberto
• Concurso Limitado por prévia qualificação – artigos 162.º a 192.º
A ele podem candidatar-se quaisquer interessados que preencham os requisitos exigidos,
mas apenas poderão apresentar propostas os candidatos que sejam qualificados numa
primeira fase.
• Procedimento de negociação – artigos 193.º a 203.º
É uma figura recente, originária do Direito Europeu, e implica que para além da
representação das candidaturas e da qualificação dos candidatos, a que se segue a
apresentação de propostas iniciais pelos candidatos qualificados, haja ainda uma
negociação das propostas apresentadas, e uma análise da versão final das propostas.
• Diálogo concorrencial – artigo 204.º a 218.º
Esta figura, também com origem no Direito Europeu, dita que a entidade adjudicante
discute com os candidatos qualificados os aspetos complexos ainda por definir, só
procedendo à elaboração do caderno de encargos, com as cláusulas a incluir no contrato
a celebrar, após tal diálogo.
O Direito da União Europeia e o legislador nacional prevê situações em que não deve
haver concurso – situações de exceção de emergência, por exemplo – artigo 23.º ss.

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Panorama geral da tramitação dos procedimentos pré-contratuais


Os procedimentos a seguir pelas entidades adjudicantes têm tramitações legais distintas,
embora haja algumas regras gerais, comuns à generalidade dos procedimentos,
relativamente aos seus trâmites principais, regulados nos artigos 34.º a 111.º do CCP:
I. Fase de Iniciativa – artigos 36.º a 38.º
a. Início do Procedimento – a decisão de contratar (e de autorização da
despesa) e a decisão de escolha do procedimento;
b. Aviso de Abertura;
c. Peças procedimentais típicas:
i. O Programa do Procedimento, que é “o regulamento que define os
termos a que obedece a fase de formação do contrato até à sua
celebração” – artigo 41.º; é um documento com caráter
regulamentar, que disciplina o procedimento pré-contratual,
contendo as regras de participação e as garantias administrativas
de recurso (facultativas).
ii. O Caderno de Encargos, que é a peça do procedimento que contém
as cláusulas a incluir no contrato a celebrar – artigo 42.º/1 –
constitui a base negocial do futuro contrato, embora se discuta na
doutrina se constitui uma declaração negocial ou um regulamento.
II. Fase de Apresentação e Aceitação Formal das Propostas
a. Apresentação das Propostas – a proposta é a declaração pela qual o
concorrente manifesta à entidade adjudicante a sua vontade de contratar e
o modo pelo qual se dispõe a fazê-lo – artigo 56.º, respeitando os termos
definidos pelos documentos contratuais.
III. Fase de Avaliação
a. Análise das Propostas pelo júri do procedimento, em função das regras e
com base nos padrões estabelecidos no programa e demais documentos do
concurso.
IV. Fase da Adjudicação
a. Relatório Preliminar, que concentra a decisão sobre todas as questões
procedimentais, podendo o júri propor a exclusão de propostas e devendo
propor a ordenação das propostas não excluídas.
b. Relatório Final, após audiência prévia dos interessados.
V. Fase Decisória
a. Decisão de Adjudicação, que é “o ato pelo qual o órgão competente para
a decisão de contratar aceita a única proposta apresentada ou escolhe de
entre as propostas apresentadas” – artigo 73.º, é feita em regra à “proposta
economicamente mais vantajosa para a entidade adjudicante”, na
modalidade de “melhor relação qualidade/preço”, ou, quando a
concorrência respeite apenas ao preço, à “do preço mais baixo” – artigo
74.º.
VI. Fase de Celebração do Contrato
a. Habilitação, prestação de caução e confirmação de compromissos pelo
adjudicatário – artigos 81.º a 93.º;

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b. Fixação Negocial da Minuta dos Contratos (aprovação pelo órgão


competente, com eventuais ajustamentos por razões de interesse público e
a respetiva aceitação pelo adjudicatário – artigos 98.º a 102.º);
c. Outorga do Contrato, em regra não antes de 10 dias da notificação da
adjudicação a todos os interessados – artigo 101.º/1/a).

Princípios Fundamentais da Contratação Pública


1. Princípio da Concorrência
Visa assegurar, na medida do possível, a otimização dos interesses da entidade
adjudicante em termos de preço e qualidade das prestações a adquirir pela mesma. Este
princípio traduz o reconhecimento da liberdade de iniciativa económica privada e da
economia de mercado como modo principal de satisfação das necessidades económicas
gerais e colocando-as ao serviço do interesse público, ao permitir que a escolha da
Administração recaia efetivamente na melhor proposta, em vez de privilegiar os
nacionais, os amigos ou os mais poderosos.
Podemos falar em dois tipos de concorrência:
§ Horizontal – disciplinadora das relações empresariais entre si;
§ Vertical – proíbe-se as autoridades nacionais a ajudarem as empresas nacionais
para não distorcer a concorrência, que as autoridades proporcionem negócios
porque estar-se-ia a beneficiá-los.

2. Princípio da Igualdade e da Não Discriminação


Estes princípios impõem que os candidatos se mantenham sempre numa posição de
igualdade no decurso do tempo, o que significa que as regras do jogo devem já estar
claramente definidas antes, e devem manter-se imutáveis após a abertura do
procedimento. Assim como está proibida as discriminações injustificadas entre os
candidatos.
3. Princípio da Transparência e da Publicidade
A Administração Pública deve fundamentar os seus atos e garantir a cabal audiência dos
particulares interessados, não lhes podendo sonegar informação quer sobre o andamento
dos processos em que sejam diretamente interessados, quer sobre as resoluções definitivas
que sobre eles forem tomadas (transparência);
Quaisquer decisões ou deliberações dos órgãos da entidade adjudicante devem ser dadas
a conhecer a todos os que nele possam vir a estar ou estejam já interessados no
procedimento concursal (publicidade).
Princípios gerais da atividade administrativa que têm proteção reforçada na
contratação pública – legalidade administrativa, prossecução do interesse público,
proporcionalidade, imparcialidade e boa-fé e tutela da confiança.
Novos princípios – responsabilidade e sustentabilidade (no âmbito da proteção
ambiental).
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Duarte Nogueira

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