Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
D I R E
I T O
ADMINISTRATIVO
Duarte Nogueira
Com os apontamentos de
Débora Sá
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
Nota Introdutória
Esta sebenta de Direito Administrativo, disponibilizada pela Comissão de Curso dos
alunos do 2.º ano da licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade do
Porto no ano letivo 2021/2022, foi elaborada pelo estudante Duarte Nogueira, com a
ajuda e colaboração de Débora Sá, que elaborou os apontamentos semanais da Unidade
Curricular em questão.
O material utilizado foi, maioritariamente, o conteúdo lecionado pelo docente Professor
Doutor João Pacheco de Amorim, bem como a leitura das Lições de Direito
Administrativo, de José Carlos Vieira de Andrade, nomeadamente a sua 5ª edição e a
leitura do Manual Curso de Direito Administrativo, de Diogo Freitas do Amaral, 3ª
edição, volume II.
A Comissão de Curso relembra que esta sebenta constitui, somente, um complemento de
estudo, não dispensando, por isso a presença nas aulas teóricas e práticas, assim como a
leitura das obras obrigatórias.
Nota – quando não há referência ao diploma em questão após mencionar um artigo é
porque se refere ao Código do Procedimento Administrativo.
Bom Estudo!
1
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
Índice
II Parte – As Principais Formas da Atividade Administrativa de Direito: O Regulamento, o
Ato e o Contrato Administrativo .................................................................................................. 4
Os Factos Jurídicos no Direito Administrativo ....................................................................... 4
Atividade dos particulares no Direito Administrativo ............................................................. 6
Factos Ilícitos dos Particulares............................................................................................. 7
Atividade Administrativa de Direito Público ........................................................................... 8
Capítulo I – O Regulamento Administrativo ............................................................................. 10
Noção e Fundamento ............................................................................................................. 10
Tipos de Regulamentos ........................................................................................................... 12
As espécies de regulamentos gerais externos ........................................................................ 14
Classificação dos regulamentos gerais externos ................................................................ 14
O Procedimento e a Forma dos Regulamentos ..................................................................... 16
Procedimento Regulamentar ............................................................................................... 16
Princípios Jurídicos relativos à atividade externa................................................................. 17
As relações entre regulamentos administrativos externos .................................................... 19
Invalidade dos Regulamentos ................................................................................................ 20
Capítulo II – O Ato Administrativo ............................................................................................ 21
Conceito de Ato Administrativo – artigo 148.º CPA .............................................................. 21
Classificação dos Atos Administrativos ................................................................................. 27
Classificação de outros atos jurídicos da Administração...................................................... 32
O Procedimento Administrativo ............................................................................................. 33
O procedimento num sistema de direito administrativo – as relações entre o procedimento
e o processo ......................................................................................................................... 33
O princípio da procedimentalização ................................................................................... 34
Procedimento vs. Ato Complexo.......................................................................................... 35
Momentos Característicos da figura do procedimento ....................................................... 35
Tipos de Procedimento ........................................................................................................ 36
Novas tendências procedimentais ....................................................................................... 36
O procedimento no CPA ...................................................................................................... 37
Os princípios gerais do procedimento (artigos 3.º a 19.º do CPA) .................................... 38
As Fases do Procedimento Administrativo.......................................................................... 39
A eficácia do Ato Administrativo ........................................................................................... 43
A distinção teórica e prática entre validade e eficácia de atos administrativos................. 43
Atos de eficácia instantânea e atos de eficácia duradoura ................................................. 44
Início da Eficácia ................................................................................................................ 44
As regras sobre a contagem da eficácia no CPA (artigos 155.º a 160.º)............................ 45
A Execução do Ato Administrativo ........................................................................................ 46
2
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
3
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
4
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
Neste contexto, há dois fatores muito importantes relativamente aos Factos Jurídicos
Naturais – o tempo e o espaço:
• Espaço – em matéria de atribuição de competências o espaço determina os limites
de forma territorial;
• Tempo – fator de produção ou extinção de efeitos, é causa no sentido de
criação/produção/extinção
o Caráter Produtivo
§ Instituto da Usucapião (de bens de domínio privado);
§ Uso imemorial (relativo a bens de domínio público)
• Permite a aquisição de direitos patrimoniais sobre coisas;
§ Possibilidade de aquisição do direito ao lugar (pelo “funcionário
putativo”);
§ O reconhecimento jurídico de situações de facto duradouras e
decorrentes de atos ineficazes – artigo 162.º/3 CPA – não
prejudica a atribuição de efeitos a situações de factos
nulos/ineficazes designadamente associados ao decurso do tempo,
ao abrigo do princípio da segurança jurídica, boa-fé, proteção da
confiança e da proporcionalidade (desenvolvido pela
jurisprudência com base nos princípios gerais administrativos).
o Caráter Extintivo
§ Caducidade (termo natural da eficácia de uma posição jurídica ou
de um poder, que deva ser exercido dentro de um certo prazo);
§ Prescrição (extinção de um direito ou de um poder pelo não uso,
por presunção legal de renúncia ao respetivo exercício).
No que toca aos Atos Jurídicos já releva a vontade do agente (a intenção) para que se
verifique a produção dos efeitos jurídicos – é uma declaração de vontade ou de ciência
(pode ter um pouco das duas – regra) à qual a Lei liga à produção de efeitos
A figura do ato jurídico distingue-se da figura da ação material (que também tem
consequências jurídicas), na medida em que o ato jurídico é um instrumento posto à
disposição do operador jurídico (entes privados, juízes ou órgãos administrativos), para
prosseguir certos fins. As meras ações materiais não são instrumentos postos à disposição
dos operadores.
Dentro dos atos jurídicos em sentido amplo podemos fazer a divisão entre a figura dos:
o Meros Atos Jurídicos, em que a vontade apenas origina a produção de efeitos
jurídicos, sem os moldar, como por exemplo:
o a aceitação de um ato;
o um pedido de naturalização;
o um parecer não vinculante;
o uma notificação etc.
o Decisões, ou seja, os atos jurídicos em sentido estrito, incluindo os atos
administrativos e os negócios jurídicos, em que a vontade tem um papel mais
importante, assumindo, definindo ou estipulando os próprios efeitos jurídicos
5
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
6
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
7
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
§
exemplo – retirada de subsídio ou perda de bolsa por perda de
requisitos; cassação de licença de porte de armas por extinção
superveniente dos requisitos necessários.
o Medidas de controlo Permanente
§ medidas de polícia;
§ apreensão da carta de condução por cegueira superveniente;
§ retirada de paralelismo pedagógico de escola privada por perda
de requisitos
o Repressivas
o suspensão de atividade;
o apreensão de bens;
o encerramento provisório de um estabelecimento;
o imposição de quarentena de pessoa com doença contagiosa.
o Reparatórias
o Abate de animais doentes;
o Demolição de um prédio em ruínas;
o Reconstrução obrigatória de prédios em ruínas
Nenhuma destas medidas são sanções administrativas. Estas são de várias espécies:
8
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
§ Atuações Informais - é uma figura semelhante à soft law, ou seja, embora não
estejam juridicamente reguladas, nem visem produzir diretamente efeitos
jurídicos, também têm relevância jurídica prática e efetiva, de incentivo, de
cooperação, de ameaça, de aviso, como por exemplo:
o Contactos prévios ou paralelos no âmbito de procedimentos
comunicativos;
o Iniciativa privada de planos urbanísticos;
o Declarações administrativas de intenção;
o Recomendações e advertências;
o Manifestações reiteradas de tolerância;
o Informações e avisos;
o Incentivos e promessas informais;
o Protocolos e acordos de cavalheiros;
o Cartas de direitos dos utentes;
o Conferências procedimentais (interadministrativas).
Todos estes exemplos que vimos têm relevo jurídico indireto no âmbito dos
procedimentos administrativos dos regulamentos, atos ou contratos, enquanto momentos
de formação ou de execução dessas atividades formais. No entanto, outras vezes,
adquirem relevo próprio e justificam uma consideração autónoma por parte da doutrina
administrativa, como atuações que geram expetativas dignas de proteção jurídica ou como
comportamentos ilícitos geradores de responsabilidade civil: medidas provisórias que
atinjam direitos dos particulares; ações materiais de exercício ilegais ou incorretas;
coação direta em situações de urgência (selagem de instalações, proibição de circulação),
informações erradas, advertências prejudiciais, acordos geradores de confiança
legítima.
9
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
Convém ainda falar das Figuras híbridas – formas de atuação administrativa, que
embora possam integrar-se nas categorias tradicionais, de algum modo as forçam nos seus
limites, como é o caso dos:
§ Planos Administrativos – enquanto formas específicas de atuação jurídica, que
contém normas finais, são do tipo misto, regulamentar e concreto, e desempenham
funções de harmonização de interesses públicos e de racionalização estabilizadora
de situações – são muito heterogéneos:
o Quanto à forma – regulamento, ato ou contrato;
o Quanto à força vinculativa
§ Indicativos – plano rodoviário nacional; plano de reestruturação
hospitalar.
§ Imperativos (alcances diversos e graus diferentes de vinculação) –
planos de ordenamento do território e planos urbanísticos,
municipais, regionais e nacionais.
§ Programas – embora constituam, em princípio, atos políticos, podem ter uma
incidência administrativa concreta, substancial ou procedimental.
o definem diretrizes de orientação das políticas públicas (infraestruturas
energéticas, de transportes, saúde, ambiente);
o e de regulação nos domínios de partilha público-privada de exercício de
tarefas de interesse público (estratégia nacional de desenvolvimento
sustentável).
§ Decisões regulatórias – no âmbito da atividade das autoridades reguladoras que
embora assumam a forma de categorias tradicionais não se enquadram
perfeitamente no respetivo regime, destacando-se entre elas:
o Regulamentações técnicas independentes – mesmo tendo caráter
regulamentar, podem pôr em causa a reserva normativa da função
legislativa;
o Decisões administrativas arbitrais e de resolução de litígios entre privados
– aproximam-se de decisões judicias e podem comprimir a reserva do juiz;
o Contratos regulatórios – celebrados entre entidades administrativas sem
verdadeira autonomia entre si.
Noção e Fundamento
Para efeitos do disposto no artigo 135.º do CPA, consideram-se regulamentos
administrativos “as normas jurídicas gerais e abstratas que, no exercício de poderes
jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos”.
Os regulamentos são quaisquer normas emanadas pelos órgãos ou autoridades
competentes no exercício da função administrativa, com valor infralegal/regulamentar e
destinadas, em regra, à aplicação das leis ou de normas equiparadas (designadamente, das
disposições normativas diretamente aplicáveis da União Europeia).
10
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
11
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
Tipos de Regulamentos
§ Orgânicos ou organizatórios – dizem respeito à organização dos serviços
administrativos;
§ Funcionais ou operacionais – dizem respeito à disciplina do funcionamento
da administração
§ Relacionais – dizem respeito à regulação das relações jurídicas entre entes
públicos e particulares
o Estes visam preencher o espaço normativo entre a lei e a atuação
administrativa concreta (complementar a lei), abrangendo, em
princípio, matérias de menor importância, mais técnicas ou sujeitas a
mutações mais rápidas, que não devem ocupar o legislador nem
constar de diplomas legais, mas cuja regulação, por razões de
segurança e previsibilidade, de igualdade ou de transparência, não
deve ser deixada totalmente ao decisor nos casos concretos.
o Apresentam um aspeto inovador, ocupando o espaço da lei.
o No seu âmbito territorial, elas detêm de uma competência
regulamentar independente
O que dizer de um ato geral, mas que se esgota numa situação concreta?
É do entendimento geral que esta figura está mais perto de um ato administrativo do que
um regulamento e por isso é equiparado e tratado como se de um ato administrativo se
tratasse.
12
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
13
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
15
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
Procedimento Regulamentar
§ Os regulamentos são aprovados com base num projeto, acompanhado de uma
nota justificativa fundamentada, que deve incluir uma ponderação dos custos
e benefícios das medidas projetadas (artigo 99.º);
§ Impõem-se a indicação expressa da lei habilitadora que o regulamento visa
executar, seja, nos casos dos: regulamentos autónomos e independentes, da lei
1
Nota: para o Professor Pacheco de Amorim, todos os regulamentos independentes são regulamentos
autorizados
16
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
17
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
18
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
20
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
Antes: “A porta era estreita”, a única via era a impugnação jurisdicional do ato
administrativo para se aceder aos tribunais, mas os juízes detinham de poderes cassatórios
(anular o ato), como se fosse um tribunal de recurso com poderes limitados – então para
21
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
Funções:
Podemos identificar, no ato administrativo, várias funções:
§ Definitória Imperativa – enquanto ato jurídico regulador, conformador ou
concretizador das relações jurídicas externas, vinculativo para a Administração,
destinatários e terceiros.
o Esta função varia em função do conteúdo do ato, cumprindo atualmente
também, em determinadas situações, uma função orientadora de
comportamentos;
§ Tituladora ou executiva – decisão dotada de imperatividade e, sendo necessária
à sua execução, de executividade ou mesmo, excecionalmente, de executoriedade
(quando seja admissível a execução coativa).
22
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
§ Estabilizadoras – uma vez que a decisão, mesmo ilegal, não sendo nula (em
regra, de legalidade aparente), se consolida dentro de um prazo relativamente
curto como “caso decido” (se não houver impugnação), assegurando ainda a auto-
vinculação da Administração e a limitação dos respetivos poderes de revogação
(segurança jurídica), designadamente quanto a decisões constitutivas de direitos
para os destinatários (proteção da confiança legítima).
§ Procedimental – sendo o ato, como é, ou um referente unitário de colaborações
e de participações (ato principal), ou, ainda que integrado no procedimento, uma
pronúncia com efeitos externos próprios, autónoma relativamente a essa unidade.
§ Impugnatória, administrativa ou judicial – tendo em consideração que, para
além de possibilitar a iniciativa de autocontrolo administrativo (através de
reclamações e recursos), torna operativa a garantia constitucional e legal de
intervenção fiscalizadora dos tribunais, impondo uma forma especifica de ação
(ação administrativa especial, em regra, com pedido de anulação ou de declaração
de nulidade do ato, mas hoje também de condenação à prática de ato devido).
§ Processual – está subjacente a ideia de um princípio de economia processual que
se traduz num princípio do processo unitário - artigo 268.º/4 da CRP: direitos e
garantias dos administrados + Lei do Processo Administrativo
§ Responsabilizadora – existência de um prazo de 3 anos para o particular invocar
o direito a ser ressarcido, em caso de imputação da responsabilidade
extracontratual ao Estado, por incumprimento por parte deste.
A figura do ato administrativo serve também para determinar o núcleo essencial da função
administrativa, distinguindo-a materialmente da função legislativa, designadamente para
efeitos de separação de poderes entre o parlamento e o executivo. Ainda tem uma função,
no contexto do direito da União Europeia, para efeitos do reconhecimento recíproco das
decisões administrativas de autoridade – o método/princípio da equivalência, e o princípio
do país de origem geram efeitos vinculativos no contexto do ordenamento da União
Europeia.
23
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
Não é necessário:
o Qualificar a disposição contida num plano como um ato administrativo – os
regulamentos, sobretudo os imediatamente operativos, também são impugnáveis
judicialmente;
o A ficção do ato administrativo de “indeferimento tácito”, porque, em caso de
silêncio da Administração, cabe pedir a condenação desta pela não prática de ato
administrativo devido.
24
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
25
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
26
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
uma categoria, classe ou grupo de indivíduos), bem como atos administrativos abstratos
(que criam obrigações individuais permanentes).
O Professor José Carlos de Andrade defende que se deve admitir a categoria de atos
administrativos gerais, tendo em conta o artigo 52.º/3 do CPTA, que prossupõe a
existência de atos administrativos que não individualizem os respetivos destinatários.
Pode ainda haver Atos Administrativos Plurais - divisíveis em função dos destinatários,
constituindo um feixe de atos, entre os quais se destacam os atos contextuais (que são
atos autónomos, mas têm uma forma comum, como acontece na publicação dos resultados
de vários exames realizados por um júri, ou num despacho homologatório de decisões de
vários júris.
Tal como pode haver Atos Administrativos Reais – definem a situação jurídica de uma
coisa (classificação de um imóvel de interesse público).
27
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
28
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
2
Nota: Para além das concessões, há outros atos que conferem direitos, como, por exemplo, a promessa
(a prática de um ato favorável) e a adjudicação (de uma posição contratual). Também são atos favoráveis
os atos que ampliam a esfera jurídica do destinatário ao terem como efeito a extinção ou a limitação de
deveres, ónus e sujeições perante a Administração, incluindo os atos de renúncia administrativa
29
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
A ter em conta: nem sempre se utiliza os conceitos doutrinais adequados ao regime que
estabelece, assim como, há zonas de fronteira entre estas categorias de ato (por exemplo,
as licenças de uso e porte de arma situam-se na fronteira entre as dispensas e as licenças;
as licenças de construção são para alguns autores autorizações permissivas,
pressupondo que o direito de propriedade inclui a faculdade de construir).
As designações legais dos atos permissivos do exercício de atividades também são
variadas, utilizando.se expressões como: validação, autenticação, registo e a certificação
de capacidades e competências.
Atualmente, na linha de uma orientação europeia, a tendência para a simplificação
administrativa inclui uma política que substitui autorizações por “declarações” ou
“comunicações prévias” do interessado à Administração de que preenche os pressupostos
legais e regulamentares para o exercício de uma determinada atividade ou para uma
determinada atuação. Os efeitos jurídicos produzem-se se não houver oposição do órgão
competente ou se ela não se verificar dentro do determinado prazo, por vezes a lei prevê
um reforço da fiscalização posterior, com sanções pesadas (decreto-lei n.º 48/2011 de 1
de abril, relativamente a diversas atividades económicas).
As comunicações prévias, com ou sem prazo, dependem de previsão legal e estão
atualmente previstas no artigo 134.º do CPA, que estabelece o respetivo regime. De
salientar que, nas autorizações prévias com prazo, a ausência de pronuncia do órgão
competente não dá origem a um ato de deferimento tácito, mas habilita o interessado a
exercer a atividade pretendida, sem prejuízo de a Administração usar os seus poderes para
defender a legalidade, designadamente proibindo atuações particulares ilícitas – número
3 do artigo 134.º.
ii. Autorizações nas relações entre órgãos administrativos
1. Autorizações constitutivas da legitimação (distintas das
delegações de competências) – o órgão autorizante confere ao
órgão autorizado a possibilidade de praticar num caso concreto
um ato administrativo (ou um outro ato jurídico) da
competência do destinatário (para cuja prática o órgão
autorizado já é, em abstrato, competente).
2. Aprovações – desencadeiam a eficácia do ato administrativo
aprovado (normalmente, depois de este estar constituído), no
quadro de um controlo preventivo externo, que pode ser de
legalidade e também de mérito, conforme o disposto na lei nas
respetivas relações interorgânicas.
3) Atos relativos a «status»
São atos de eficácia instantânea, através dos quais se procede à criação, modificação ou
à extinção de estatutos, em regra, de estatutos pessoais, mas também reais.
É necessário ter em conta o caráter objetivo e regulamentar do estatuto (conjunto
articulado de direitos e deveres), que se destaca e torna independente relativamente aos
atos concretos que o atribuem – resulta daí a possibilidade de modificação do status por
via geral e abstrata, mesmo que tais modificações sejam desfavoráveis, não sendo
possível, em princípio, invocar direitos adquiridos à aplicação das normas vigentes à data
31
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
32
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
O Procedimento Administrativo
O princípio da procedimentalização
• A procedimentalização de toda a atividade administrativa é destinada à produção
de atos, regulamentos e contratos, bem como à respetiva execução.
• Os objetivos da procedimentalização da atividade administrativa são:
o A participação e a garantia de interesses públicos e privados;
o A eficiência;
o A coordenação e racionalização de tarefas complexas
Finalidades que se combinam em proporções variáveis, conforme os tipos e as espécies
procedimentais, sendo exponencialmente complexo naqueles casos em que se defrontam,
para além de interesses privados conflituantes, interesses públicos contraditórios.
34
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
35
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
Tipos de Procedimento
o Procedimentos de 1.º grau – não tem como objeto um outro ato administrativo;
o Procedimentos de 2.º grau
o De iniciativa pública
o De iniciativa particular – impugnações administrativas
§ Reclamações e Recursos Administrativos (regulados no atrigo
184.º e ss. do CPA)
o Procedimentos bipolares (a relação é bipolar: por exemplo, expropriante e
expropriado) e procedimentos poligonais;
o Procedimentos decisórios e executivos;
o Procedimentos obrigatórios (formais) procedimentos facultativos/informais –
em princípio, todos os procedimentos previstos no CPA são obrigatórios.
o Procedimentos simples (normal) e procedimentos complexos (podem
contemplar subprocedimentos que entroncam o principal; pode haver um esquema
de sequência procedimentais).
Dentro destes últimos procedimentos complexos podemos fazer subdivisões:
§ Subprocedimentos – podem ser de instrução ou de controlo preventivo,
relativamente a outros órgãos administrativos, entroncando o seu ato principal:
o na fase preparatória (proposta, parecer);
o na fase integrativa da eficácia (aprovação).
§ Procedimentos escalonados ou faseados – antes da decisão final, há pré-
decisões:
o Atos prévios – decidem definitivamente certas condições da decisão
global;
o Decisões parciais – decidem alguns dos aspetos do requerimento ou da
matéria em causa
§ Procedimentos coligados ou conexos – ocorrem em simultâneo em termos
estruturais – apesar de um ser condição do outro, não há um entroncamento.
o Paralelos;
o Sucessivos/sequenciais.
Exemplo: a DIA (declaração de impacte ambiental) é um ato administrativo final parcial),
no âmbito do procedimento de AIA (avaliação de impacte ambiental), que constitui um
procedimento paralelo relativamente ao licenciamento de determinadas atividades.
36
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
O procedimento no CPA
Os procedimentos administrativos caracterizam-se pela sua diversidade, em função das
situações e do modo como se apresentam os interesses públicos a prosseguir pela
Administração.
3
Atualmente, as conferências deliberativas e de coordenação (mas não as instrutórias) estão reguladas
no CPA, dos artigos 77.º a 81.º, que determina as regras gerais sobre a sua instituição (por lei, regulamento
ou contrato interadministrativo), a sua realização, a audiência dos interessados ou pública e a conclusão.
37
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
38
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
39
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
40
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
Por norma, a audiência é escrita, mas o órgão pode optar pela via oral, como é o caso da
videoconferência.
Em princípio, é aplicável a todos os procedimentos, sem prejuízo daqueles casos em que
a lei permite a respetiva dispensa administrativa pelo órgão instrutor, por razões de
urgência4, inadequação, impraticabilidade, inutilidade ou superfluidade (artigo 124.º).
2. Fase Constitutiva
É nesta fase que se produz o ato principal ou típico, que é em regra um ato simples
(singular ou colegial), mas pode ser um ato complexo, com diferentes declarações:
> Ato compósito (com declarações iguais de diversos órgãos, como acontece com
despachos conjuntos de mais de um ministro);
> Ato continuado (várias declarações, do mesmo ou de órgãos diferentes,
diversificadas no tempo, mas que só na sua conjunção constituem os efeitos
jurídicos, como o exame constante de prova escrita e oral);
> Ato composto em sentido estrito ou ato complexo desigual – declarações
desiguais, em que um órgão decide e outro aprova, homologa ou certifica – uma
das declarações tem mais força/valor que outra.
o Por exemplo, na opinião do Professor Pacheco de Amorim, diferentemente
do Professor Vieira de Andrade, no caso dos pareceres totalmente
vinculativos, temos o ato do parecer e, depois, o ato de menor valor, o ato
final ou conclusivo, mas não decisório, do procedimento – artigo 92.º/6 do
CPA.
Nos órgãos colegiais, pela sua complexidade subjetiva, o momento constitutivo decisório
segue um procedimento interno (artigo 23.º a 35.º do CPA), um conjunto de formalidades
e de requisitos de legitimação para a formação da vontade colegial – a deliberação. Exige-
se que seja expressa, embora o silêncio ainda hoje possa ter relevância decisória na
hipótese do deferimento tácito e nos casos em que tal esteja legalmente previsto – artigo
130.º do CPA.
No contexto do procedimento, a fase constitutiva assume relevância jurídica nuclear, seja
no plano substancial (porque é nela que em que o ato se consuma, válida ou
invalidamente), seja no plano temporal (porque é esse o momento em que o ato está
pronto e apto para produzir os efeitos visados, ainda que possa não os libertar
imediatamente por ser necessária uma fase integrativa da eficácia).
4
O professor Pacheco de Amorim fala da necessidade de fazer uma interpretação restritiva do
conceito de “urgência”.
41
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
aceitação dos particulares – Atos Integrativos de Eficácia, atos que, não contribuindo
para a definição do conteúdo do ato administrativo, nem operando no plano de validade,
visam apenas remover os obstáculos à sua operatividade efetiva, no que respeita aos seus
efeitos típicos.
Exemplos de Atos de controlo preventivo:
o Aprovação das atas dos órgãos colegiais (muitas vezes só efetuada na reunião
seguinte);
o Aprovação da decisão por um órgão tutelar;
o O visto do Tribunal de Contas.
Exemplo de Ato de adesão ou aceitação do particular:
o Aceitação da nomeação pelo funcionário.
Situações anómalas
As regras e as tramitações procedimentais devem ceder ou ser adaptadas pela
Administração em situações anormais, em função de ideias de premência e de
praticabilidade na prossecução do interesse público.
42
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
§ Situações de urgência
Existe uma necessidade imperiosa ou um perigo iminente, em regra prevenido pela
própria lei, que impõem ou preconizam uma resposta imediata por parte da
Administração:
o Coação direta policial, admitida em geral, quando esteja em causa a ordem
púbica, sempre sujeita aos princípios da proporcionalidade – artigo 175.º/2
do CPA;
o Execução coerciva de atos – artigo 176.º/1;
o Meras dispensas procedimentais – artigo 26.º/2; 71.º/2 e 124.º/1/a) do
CPA.
43
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
c. Atos cuja eficácia se encontre suspensa – seja por efeito legal de impugnação,
por decisão judicial cautelar ou por decisão administrativa.
Há atos inválidos que são produtores de efeitos.
§ Por um lado, os atos portadores de vícios que os tornem (apenas) anuláveis têm
eficácia provisória, que se torna mesmo definitiva, caso se tornem insuscetíveis
de impugnação judicial, por decurso do prazo respetivo (atos inimpugnáveis) –
artigo 163.º.
§ Por outro lado, embora só excecionalmente, podem ser reconhecidos efeitos
putativos aos atos nulos, dando relevo jurídico a situações de facto por eles
criadas, perante o decurso do tempo, ou com fundamentos em princípios jurídicos
fundamentais, como os princípios da boa-fé, da proteção da legítima confiança e
da proporcionalidade – artigo 162.º/3.
Início da Eficácia
A contagem dos efeitos reporta-se, em regra:
o Ao momento em que se desencadeia a eficácia (ex nunc), ou;
o Ao momento constitutivo do ato (ex tunc).
o Um momento não de retroatividade, mas sim de retroação.
A retroatividade propriamente dita verifica-se quando a lei ou o órgão decisor determina
a produção dos efeitos de um ato a contar de um momento anterior à respetiva constituição
do ato, afetando de forma favorável ou desfavorável as situações constituídas
anteriormente.
Figuras que se distinguem da retroatividade em sentido próprio:
o Falsa retroatividade/retroatividade inautêntica – o ato aplica-se só para o
futuro, a parir do momento constitutivo, mas ele vai incidir/produzir os seus
efeitos relativamente a situações já constituídas no passado.
o Retrodatação – verificam-se nos casos em que o ato é praticado em momento
constitutivo deslocado no tempo, concretamente quando os efeitos de um ato são
reportados a uma data passada, porque esses efeitos deviam ter sido produzidos,
44
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
por imposição legal, em momento anterior ao da sua própria efetiva. É datado com
a data em que o ato devia ter sido praticado.
o Retroação – acontece sempre que os efeitos de um ato se reportam naturalmente
ou necessariamente a um momento anterior, como acontece com os efeitos das
decisões de anulação de sanação de outro ato, embora esta situação suscite alguns
problemas temporais semelhantes ao da retroatividade.
45
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
Por fim, deve ter-se em conta a distinção entre o momento em que se desencadeia a
eficácia e a data à qual se reporta o início da produção dos efeitos – na realidade, a eficácia
de um ato pode ser simultaneamente:
o Condicionada – quanto ao desencadear da eficácia, se dependente de trâmite
integrativo da eficácia ou de cláusula acessória;
o Retroativa – quanto ao reporte ou à contagem da produção dos efeitos.
Assim, um ato sujeito a condição suspensiva poderá produzir os seus efeitos desde o
momento constitutivo, se a condição se vier a verificar.
Distinções:
§ Executoriedade – consiste no poder de execução coativa por meios próprios, sem
necessidade de mandato judicial, das próprias decisões administrativas, qualidade
que só tem sentido para determinados tipos de atos e que hoje só em termos
limitados é admissível.
§ Imperatividade – autoridade ou obrigatoriedade decorrente do poder de
constituição unilateral de efeitos jurídicos na esfera dos particulares, característica
de qualquer ato administrativo;
§ Exequibilidade (artigo 176.º do CPA) – execução do ato administrativo
o Atos exequíveis – necessitam ou admitem uma atividade administrativa de
execução par a produção dos efeitos visados;
o Atos não exequíveis – são capazes de produzir por si próprios os efeitos
visados, sem necessidade ou admissibilidade de execução, como acontece,
por exemplo, com os:
§ Atos negativos;
§ Atos relativos a status;
§ A grande parte dos atos favoráveis.
46
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
47
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
e bens, em que há falta de tempo para praticar um ato administrativo respeitando todos os
procedimentos.
O professor Pacheco de Amorim diz que talvez seja de admitir esta figura para conforto
da Administração e execução judicial, nestes casos de estado de necessidade. O Prof.
Vieira de Andrade não refere esta figura, mas Pacheco de Amorim diria que ainda se a
pode encontrar no artigo 3.º/2 do CPA.
48
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
O Sujeito
As pessoas coletivas que integram a Administração Pública em sentido organizativo são,
através dos respetivos órgãos, os sujeitos típicos do ato administrativo, embora, como
vimos se admitam outros sujeitos de direito administrativo: entidades privadas que
exerçam poderes públicos e órgãos de entidades públicas não administrativas.
Requisitos de validade do ato administrativo quanto ao sujeito – para que o ato se
constitua validamente, é preciso que o órgão que o pratica:
49
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
o Atue dentro das atribuições legais da pessoa coletiva (ou ministério) a que
pertence;
o Exerça competências que lhe tenham sido concedidos pela lei, ou tenham sido
nele delegadas com base na lei, em razão de matéria, da hierarquia e do território;
o Possua legitimação para exercer no caso concreto a competência, verificando-se
os requisitos e condições legais de exercício do poder.
O Objeto
O objeto do ato é o ente no qual se projetam diretamente os efeitos que o ato visa produzir.
Pode ser:
o uma pessoa (nomeação, autorização, imposição de comportamento);
o uma coisa (expropriação, classificação de bens);
o um outro ato administrativo (revogação, anulação, ratificação).
O objeto distingue-se do conteúdo (os efeitos jurídicos que o ato visa produzir) e do fim
(a finalidade de interesse público visada) do ato, embora se verifique o uso corrente dos
conceitos do objeto mediato (objeto propriamente dito) e de objeto imediato (conteúdo)
como conceitos ligados entre si – por vezes, a lei ou a doutrina utilizam até o conceito
com o alcance de englobar simultaneamente o objeto e o conteúdo, ou trata-os em
conjunto, como, por exemplo, no artigo 161.º/2, alínea c) do CPA.
Quanto aos requisitos de validade do ato relativo ao objeto, embora sejam diversas as
arrumações doutrinárias, consideram-se fundamentalmente os seguintes requisitos:
a. Existência (possibilidade física ou jurídica) – o objeto tem de existir no plano dos
factos e do direito, de modo que não é possível a requisição de uma coisa já
perecida, a nomeação de uma pessoa falecida ou a revogação de um ato já extinto.
b. Idoneidade (adequação do objeto ao conteúdo) – o objeto tem de preencher as
qualificações necessárias para suportar os efeitos do ato:
a. Não se pode validamente nomear como funcionário uma pessoa que não
reúna os requisitos legais;
b. Não de pode expropriar um terreno incluído no domínio público.
c. Legitimação (qualificação específica para sofrer em concreto os efeitos do ato) –
tem de preencher as condições subjetivas legais.
a. No âmbito de um concurso não se pode validamente adjudicar um contrato
a um candidato cuja proposta tenha sido excluída ou nomear para um lugar
alguém que não tenha sido candidato ou que tenha desistido.
d. Determinação (determinabilidade identificadora, conforme o tipo de ato) – o
objeto tem de ser perfeitamente individualizado ou determinado
a. Não é válida a decisão de promover o “funcionário mais experiente” de
um serviço ou de declaração de utilidade pública dos “terrenos
necessários” para a realização de uma certa obra pública.
50
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
A Estatuição
A estatuição refere-se à decisão, ou seja, à declaração formal que visa produzir
transformações no mundo jurídico. Tendo em conta a sua complexidade, vamos encará-
la de diversas perspetivas, distinguindo as dimensões substantivas das dimensões formais
e instrumentais e desdobrando-a em momentos juridicamente significativos, tendo em
vista os efeitos práticos referidos.
a. Aspetos Substanciais
• O Fim
Nas “normas-condição” (como são tradicionalmente as normas que preveem e regulam a
prática de atos administrativos) a definição legal do fim do ato administrativo não é
expressa, decorrendo da formulação dos pressupostos abstratos ou hipotéticos, isto é, das
circunstâncias da vida que revelam a existência do interesse público que o ato visa
satisfazer. Face ao seguinte exemplo – “quando um prédio ameace ruína, a Câmara
Municipal pode ordenar a sua demolição ou reconstrução”, a hipótese da norma não
enuncia, mas revela qual é o interesse público a prosseguir, que é, no caso, o da segurança
de pessoas e bens.
Podemos definir os pressupostos, neste sentido de indicadores do Fim, como aquelas
circunstâncias de cuja ocorrência a lei faz depender a validade da decisão – hipótese
normativa.
A verificação desses prossupostos hipotéticos nos casos concretos da vida (pressupostos
reais) impõe e justifica a decisão administrativa – a justificação constitui a fundamentação
formal do ato pela comprovação concreta da existência real dos pressupostos definidos
em abstrato na norma habilitante.
A concretização do fim do ato (isto é, a concretização do interesse público específico que
a lei visa assegurar ao prever a decisão administrativa) que está em primeira linha a cargo
do órgão da Administração que vai atuar, tem necessariamente influência na
determinação do conteúdo (dos efeitos do ato), na medida em que este dependa de escolha
discricionária – particularmente na aplicação dos preceitos normativos que acoplem uma
“indeterminação conceitual” na hipótese com uma “indeterminação estrutural” na
estatuição – por exemplo: “em caso de desordem que acarrete perigo grave para a
segurança de pessoas e bens, o órgão policial competente pode utilizar os meios
adequados para restabelecer a ordem pública”.
• O Conteúdo
De certa forma, em paralelo com o objeto, os requisitos de validade do ato relativos ao
conteúdo são os seguintes:
a. Compreensibilidade – o conteúdo tem de ser suscetível de compreensão racional,
não podendo ser contraditório, vago ou ininteligível;
b. Possibilidade – os efeitos visados não podem ser impossíveis fisicamente ou
contrariar uma proibição legal absolutamente imperativa;
c. Licitude – os efeitos visados têm de ser conformes à ordem jurídica
51
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
52
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
b. Aspetos Formais
• O Procedimento
Interessa especialmente o procedimento legal, que engloba os trâmites normativos
obrigatórios, embora haja procedimentos voluntários, autoescolhidos pelo agente
administrativo, que relevam juridicamente apenas do ponto de vista da necessária
racionalidade das condutas.
A Administração está sujeita ao cumprimento ordenado dos trâmites legalmente fixados,
cuja falta ou desvio se repercute na validade da decisão – devendo notar-se que relevam
neste plano os atos jurídicos procedimentais e não quaisquer formalidades. Acresce que
há preceitos legais ou regulamentares simplesmente indicativos cuja violação, como
veremos, é causa de meras irregularidades – por exemplo, o desrespeito dos prazos que
53
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
• A Forma
A forma designa a manifestação exterior do ato administrativo, isto é, a maneira como a
própria decisão se exterioriza – oral, escrita, sinais…
Neste sentido, não são formas as:
§ As documentações probatórias – atas que comprovam as decisões tomadas nas
reuniões dos órgãos colegiais;
§ Meramente comunicativas (notificações ou as publicações).
O princípio que rege a matéria é o da liberdade de forma, embora a forma escrita seja
ainda a mais frequente e surja como forma supletiva nos termos do artigo 150.º/1 do CPA,
ela não vale, em regra, para os atos dos órgãos colegiais, que são praticados oralmente e
reduzidos a escrito – n.º 2, e pode ser afastada por lei ou pela natureza e circunstância do
ato (além da oralidade, hoje é frequente a prática de atos administrativos por via
eletrónica).
O dever de fundamentação expressa dos atos administrativos – artigo 152.º a 154.º - é um
dever formal, porque a justificação (comprovação de que se verificam no caso concreto
os pressupostos vinculados do ato) e a motivação (as indicações das razões específicas
das escolhas discricionárias) têm de ser contextuais, isto é, têm de constar da forma
pública que contém a decisão, ainda que por remissão.
Existem declarações anómalas, como as que consubstanciam: Atos Tácitos – decisões
que estão contidas em outras pronúncias jurídicas expressas, por serem delas pressuposto
lógico necessário; Atos Concludentes – resultados decisórios que decorrem
inequivocamente de outras decisões. A identificação destes atos escondidos é importante
sobretudo para efeitos da respetiva impugnação judicial.
Invalidade e ilegitimidade
A Administração está obrigada a tomar decisões por causa do dever de Administração
que sobre ele impende.
5
O Professor Pacheco de Amorim não concorda com esta visão, como veremos adiante, pois face, por
exemplo aos pareceres erróneos, entende que sim, estamos perante um vício procedimental.
54
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
A legitimidade do ato administrativo tem a ver com a sua aptidão para prosseguir o
interesse público de acordo com as normas e princípios jurídicos (de legalidade e
juridicidade) e as normas de boa administração (a conveniência e mérito).
Interessa, em especial, o estudo dos vícios de legalidade ou juridicidade, por
incumprimento de disposições normativas e princípios jurídicos, com exclusão dos vícios
de mérito que têm um controlo judicial quase nulo, na medida em que só aqueles, por
força do princípio da separação de poderes, são suscetíveis de controlo judicial – artigo
3.º/1 do CPTA.
Em geral, distinguem-se os vícios invalidantes (ilegalidades que afetam potencialmente
os efeitos do ato) e vícios não invalidantes (meras irregularidades, que não são
suscetíveis de afetar a produção normal de efeitos pelo ato).
Tipos de Invalidade
Quando falamos em invalidade, podemos falar em:
o Nulidade – determina a improdutividade total do ato como ato jurídico;
o Anulabilidade – confere ao ato uma produtividade provisória e condicionada.
Embora o CPA não o refira expressamente, verifica-se a existência de invalidades mistas,
às quais se aplicam regimes especiais previstos na lei, como por exemplo, determinados
planos urbanísticos, em que se estabelece um prazo para a impugnação de atos nulos, ou
impostos pela natureza e circunstâncias do ato, por exemplo, em caso de atos
administrativos praticados sob a forma legislativa ou regulamentar, que não estão sujeitos
a ónus de impugnação autónoma.
56
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
o O conteúdo do ato anulável não possa ser outro, por o ato ser de conteúdo
vinculado ou a apreciação do caso concreto permita identificar apenas uma
solução como legalmente possível – alínea a);
o O fim visado pela exigência procedimental ou formal preterida tenha sido
alcançado por outra – alínea b);
o Se comprove, sem margem para dúvidas, que, mesmo sem o vício, o ato
teria sido praticado com o mesmo – alínea c).
• A anulação contenciosa tem efeitos retroativos.
Características da nulidade:
• Improdutividade absoluta do ato nulo, relativamente aos efeitos próprios visados
– o ato nulo é totalmente ineficaz desde o início, isto é, não produz qualquer efeito,
independente da declaração de nulidade.
• A ineficácia do ato nulo exprime uma incapacidade que resulta da lei como efeito
automático (ipsu iure), que o tribunal ou o órgão administrativo competente se
limitam a declarar;
• A nulidade é insanável, quer pelo decurso do tempo (por isso é que é invocável a
todo o tempo por qualquer interessado); quer por ratificação – o ato nulo não é
suscetível de ser transformado em ato válido, o que não quer dizer que não possam
ser atribuídos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos, de
harmonia com os princípios da boa-fé, da proteção da confiança e da
proporcionalidade ou outros princípios jurídicos constitucionais, designadamente
associados ao decurso do tempo, como veremos mais adiante;
• Os atos nulos apenas podem ser o objeto de reforma ou de conversão, como o diz
o artigo 164.º/2 do CPA;
• Os particulares e os funcionários públicos têm o direito de desobedecer a
quaisquer ordens que constem de um ato nulo. Na medida em que, se este não
reproduz efeitos, nenhum dos seus imperativos é obrigatório.
o Se mesmo assim a Administração quiser impor pela força a execução de
um ato nulo, os particulares têm o direito de resistência passiva – artigo
21.º da Constituição.
• Um ato nulo pode ser impugnado a todo o tempo, isto é, a sua impugnação não
está sujeita a prazo.
• O reconhecimento judicial da existência de uma nulidade toma a forma de
declaração de nulidade e tem natureza meramente declarativa.
Os casos de nulidade
O CPA prevê atualmente um único fundamento para a nulidade dos atos administrativos:
a determinação expressa da lei, seja nos casos previstos no artigo 161.º/2, seja nas
situações previstas em leis avulsas.
Deixou de prever, por razões de segurança jurídica, as chamadas nulidades por natureza,
que se verificavam mediante a falta de qualquer elemento essencial do ato.
57
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
58
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
59
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
• Vícios da estatuição:
o Formais:
§ Vícios do procedimento – resultam da falta ou insuficiência
de trâmites processuais (atos de tramite): vícios que dizem
respeito a atos do procedimento, atos instrutórios, que geram,
por norma, a anulabilidade do ato administrativo, mas em casos
mais graves, atos sancionatórios e outros atos que afetem
direitos fundamentais – não todos, mas se se ofender o núcleo
essencial – geram a nulidade.
No que toca ao procedimento fala-se em formalidades essenciais e não essenciais. As
Essenciais subdividem-se em: Relativamente essenciais e Absolutamente essenciais.
Esta classificação é muito formalista e é estranho dizer que dentro das formalidades
essenciais, há umas mais essenciais que outras. No que toca à formalidade essencial, à
partida, a sua preterição gera a anulabilidade. A formalidade não essencial não tem força
invalidante – invalidade não invalidante, mas por normas as invalidades são essenciais.
As formalidades absolutamente essenciais nunca podem sofrer uma “degradação”, não
são degradáveis, é o caso da falta de fundamentação.
O professor Vieira de Andrade diz que estes vícios de procedimento não devem ser
confundidos com os vícios que ocorram nos atos do procedimento, por exemplo,
pareceres ou provas ilegais que podem influir na decisão e projetar-se nela, determinado,
então, vícios de conteúdo, no entanto o Professor Pacheco de Amorim não subscreve por
completo esta posição, pois, no seu entender, não deixa de se estar perante um vício do
procedimento, por exemplo um inquérito mal concedido, um parecer erróneo, que irá
influenciar a decisão final. Ora, não deixa de haver um vício de procedimento, só que,
como afeta uma decisão há um vicio de conteúdo do ato que absorve o tal vicio de
conteúdo, e de facto, faz sentido falar em vício de conteúdo do ato. Mas o facto de não
influenciar o conteúdo não faz com que deixe de ser um vicio de procedimento.
60
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
O artigo 163.º/5/b) é uma norma dirigida aos juízes, não à Administração. É uma norma
processual e não procedimental e diz-nos que o juiz deverá reconhecer decidir/reconhecer
no sentido de não se produzir o efeito anulatório – o juiz deverá confirmar o ato
impugnado e não o anular.
A ideia aqui é que as exigências de forma e procedimento terão como objetivo a tutela
substancial ou de interesses públicos ou de interesses particulares. A questão que se
coloca no contencioso subjetivista (contencioso virado para a tutela dos interesses dos
particulares) é se a exigência formal ou procedimental se destina a acautelar o
determinado interesse substancial, se esse acautelamento foi conseguido por outra via,
então não se deverá produzir o efeito anulatório. Exemplo: Audiência (artigo 124.º/1/e).
Ou seja, a ideia não é assegurar a todo o custo a legalidade formal, porque as exigências
de forma e procedimento são sempre uma espécie de guarda avançada dos interesses dos
particulares, um acautelamento dos interesses em jogo.
A degradação tem muito a ver com a natureza dos interesses.
As exigências de forma e procedimento estão consagradas na Constituição, obriga ao
intérprete a olhar cautelosamente no caso concreto, não pode haver uma total
desvalorização do direito das formas – o juiz terá de fazer uma cuidadosa análise antes de
desconsiderar a preterição da exigência formal ou procedimental. Necessário ter em conta
que direito do particular está em causa, se esse direito é reconduzido à figura de direito
fundamental e se está em causa um elemento essencial do direito em causa – exigência
de harmonização racional de valores e princípios em cada caso concreto.
o Vícios Substanciais
• Vícios de fim – não tem relevo autónomo no domínio dos poderes vinculados,
estes vícios, sendo o ato vinculado, já estão salvaguardados pela lei, ou seja,
um suposto vício de fim, será sempre um vicio de conteúdo.
o Um licenciamento que é vinculado. O órgão titular da competência se
deferir, quando não há aptidão construtiva em termos do PDM, o fim
não tem qualquer relevo aqui, o que ressalva é o vicio de conteúdo. O
ato com aquele conteúdo viola a lei que determina o indeferimento de
licenciamento em casos como estes.
o Exemplo: o PDM está suspenso e vigoram normas provisórias que
conferem poder discricionário ao licenciador – aí sim, o fim releva.
o Quando falamos em Fim, também falamos em pressupostos, estão
ligados. Pressuposto abstrato e concreto; fim abstrato e fim concreto.
Quando falta o pressuposto abstrato é um caso de pura falta de base legal. Se a
Administração exerce esses poderes não se verificando nenhuma violação grave, ou a
Administração invoca outro pressuposto que não o legal (por exemplo, um terramoto),
temos simplesmente a falta de base de legal do ato. Pode acontecer que o pressuposto
abstrato esteja corretamente invocado, e aí já não temos um vício relativo ao pressuposto
abstrato, mas o concreto pressuposto que levou a Administração a agir está
incorretamente subsumido ao pressuposto legal – erro na qualificação dos factos, ou a
situação concreta não se verifica.
61
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
Os vícios da discricionariedade são vícios de conteúdo, podem dizer respeito (estar mais
ligado) aos pressupostos ou à estatuição. Quando ligado aos pressupostos – a
Administração está habilitada a aditar aos pressupostos legais, complementa em concreto
esse pressuposto; quando ligado a estatuição, há uma prerrogativa de escolha, à decisão
propriamente dita e é aqui que podemos ter os vícios de violação de princípios.
As violações destes princípios, em regra, geram a mera anulabilidade do ato.
Vícios da decisão não têm necessariamente de conduzir a um conteúdo ilegítimo, ou seja,
pode um ato sofrer de um vício substancial e, todavia, pode ser renovado, vir a dar lugar
à prática de um ato do mesmo ponto de vista.
Ainda quanto aos vícios de conteúdo, voltamos para o artigo 163.º - regime da
anulabilidade (vícios menos graves) para falar das outras alíneas do número 5 deste artigo:
previsões que tentam atenuar um excessivo legalismo ou formalismo:
a) Sendo o ato de conteúdo vinculado, aqui o vício tem de ser ou de forma ou de
procedimento ou de competência; sendo o ato de conteúdo vinculado e não
sendo um ato sancionatório, pode o juiz entender decidir no sentido de não se
produzir o efeito anulatório confirmando o ato praticado, ou então quando o
conteúdo até é discricionário, mas esta discricionariedade ficou reduzida a 0 –
deve dar lugar à desvalorização do vício de forma ou procedimento – quando
só há uma solução legalmente possível.
c) São os casos de superabundância de fundamento, ou seja, quanto a um dos
fundamentos do ato há um vicio substancial e note-se que isto abrange os atos
discricionários. Se o juiz adquirir a convicção de que mesmo sem haver vício,
os restantes fundamentos invocados eram/são suficientes para o ato ser
praticado à mesma (sem o vício tudo ficaria igual) – princípio do
aproveitamento do ato administrativo.
Quanto ao uso dos poderes discricionários, uma decisão é tomada com base em
determinados fundamentos de facto e de direito (a mera justificação), mas há a
obrigatoriedade de a Administração ponderar os interesses em jogo, fazer uma
hierarquização e será isso que irá ditar a decisão. Nesse jogo de ponderações, saímos da
zona de justificação para a zona da motivação, obrigando a Administração a exteriorizar
o seu motivo decisório, o caminho que o órgão fez para chegar àquela decisão.
Quanto aos motivos, se se comprovar que o motivo é inexistente (por exemplo, se foi uma
decisão irracional) ou que os motivos estão errados (por exemplo, aceitaram premissas
erradas) ou que são completamente irrelevantes para aquela situação concreta, pode
haver contradição, pode haver incongruência. Estes vícios determinam a invalidade do
ato.
Outra situação típica de vicio de poder discricionário é a Administração julgar que está a
aplicar um quadro lugar de vinculação e toma uma decisão que não levou qualquer
ponderação, pois achava que era a única que poderia tomar, mas deveria ter exercido o
poder discricionário.
62
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
Os vícios de vinculação são aqueles em que há falta de base legal, erro de pressupostos
concretos e abstratos e vícios de conteúdo.
Quanto às consequências, se o ato nulo não produz quaisquer efeitos então está legitimada
a desobediência, já não gozará da presunção da legalidade.
Há uma primeira questão que se levanta6: se o ato nulo não produz efeitos, a que
propósito pode ser requerida a suspensão jurisdicional desses mesmo efeitos, como se
pode interpor uma providencia cautelar de suspensão de efeitos, se esses efeitos nem se
produzem à partida – há aqui uma incongruência. Quem diz ao tribunal diz também à
Administração através do recurso administrativo ou reclamação.
Mas a nulidade é algo de tão evidente para toda a gente? Supondo que até se admite que
haja um vicio, nem sempre é evidente que seja nulo ou anulável, nem sempre é evidente
que um ato padeça de um vício.
6
Alguma doutrina, designadamente de Coimbra e Lisboa, que se debruçou sobre esta matéria nunca
chegou a completar os seus trabalhos dado a complexidade do assunto
63
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
Para além disso, esta perpétua possibilidade de pôr em causa um ato nulo também está
atenuada pelo número 3 do artigo 162.º – há possibilidade de atribuição de efeitos
jurídicos a situações fácticas decorrentes de direitos nulos, à luz dos princípios da boa-fé,
da proteção da confiança e da proporcionalidade, designadamente associados ao decurso
do tempo. Há aqui uma inversão com o código de 1991 – o decurso do tempo aparecia
em primeiro lugar e depois os princípios, agora não. Os princípios aparecem em primeiro
lugar, no que toca a atos nulos favoráveis, e só depois o decurso do tempo – já não é o
primeiro referencial, na medida em que pode haver atribuição de efeitos jurídicos tendo
em conta os princípios, esquecendo o decurso do tempo.
A jurisprudência antiga era muito assertiva falava em 10 anos no que toca ao “decurso do
tempo” – falava-se na possibilidade de conferir efeitos jurídicos a atos nulos, se se
tivessem passado 10 anos, no entanto a jurisprudência atual já não fica presa a estes 10
anos7.
Ora, o juiz terá sempre de fazer um balanço entre os interesses públicos e os privados,
tendo em conta os princípios enunciados no número 3.
O CPA manifestou maior abertura no seu artigo 164.º, em contraste com 1991, quanto às
situações de convalidação:
a. Ratificação – é o ato administrativo pelo qual o órgão competente decide sanar
um ato inválido anteriormente praticado, suprindo a ilegalidade que o vicia –
“convalidação quanto às situações de incompetência e quanto a vícios de forma
e procedimento, mas está associada originariamente quanto a situações de
incompetência”.
a. Um exemplo é a repetição, por escrutínio secreto, da votação ilegalmente
feita por votação nominal; ou a prática de um ato incluindo a
fundamentação legalmente exigida e que dele não constava
originariamente; ou a assunção pelo órgão competente de um ato praticado
por órgão incompetente.
7
O RJUE, no seu artigo 69.º/4 prevê a possibilidade de volvidos 10 anos não se permitir a declaração de
nulidade, caduca essa faculdade.
64
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
65
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
66
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
67
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
68
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
69
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
As Reclamações
Noção e Prazo
Através da reclamação, os interessados (artigo 186.º) solicitam uma revisão da primeira
decisão ao órgão autor do ato, em princípio no prazo de 15 dias (artigo 191/3.º) ou, em
caso de omissão ilegal, no prazo de um ano (artigo 187.º).
Salvo disposição legal em contrário, pode haver reclamações relativas a quaisquer atos
administrativos, nos termos do artigo 191.º/1 do CPA – que, no entanto, contém uma
exceção relativa logo no n. º2, quanto aos atos que eles próprios, decidam reclamação ou
recurso.
A reclamação perdeu grande parte da sua importância prática, na medida em que, na
generalidade dos procedimentos administrativos, o interessado tem agora, normalmente,
a possibilidade de se pronunciar em sede de audiência prévia, no fim da instrução e antes
da decisão final.
Espécies
A reclamação é, em regra, facultativa, mas pode ser necessária, quando, por
determinação legal expressa ou inequívoca, seja pressuposto da impugnação judicial ou
condenação à prática do ato – artigo 185.º/1 e 2.
Na reclamação pode se solicitar a declaração de nulidade, a anulação do ato ou a respetiva
convalidação, se o ato for considerado ilegal, ou a sua suspensão, revogação, modificação
ou substituição, por razões de oportunidade ou conveniência – artigo 185.º/3.
Efeitos
A reclamação não suspende a eficácia do ato, a não ser quando seja uma reclamação
necessária, ou então, quando o autor do ato, oficiosamente ou a pedido dos interessados,
considere que a execução imediata causa ao destinatário prejuízos irreparáveis ou de
difícil reparação ou suspensão não cause prejuízo de maior gravidade ao interesse público
– artigo 189.º/2.
Mas, como qualquer impugnação administrativa, suspende o prazo de impugnação
judicial, embora não impeça o reclamante de propor a ação respetiva e de requerer
providências cautelares – artigo 59.º/4 e 5 do CPTA, bem como o artigo 190.º/3 e 4 do
CPA.
Os Recursos Hierárquicos
Noção
Salvo disposição legal em contrário, podem ser objeto de recuso hierárquico todos os atos
administrativos praticados por órgãos subalternos, isto é, sujeitos a poderes de hierarquia
de outros órgãos. Os interessados podem agora também, por esse meio, reagir contra a
omissão ilegal de atos administrativos por um órgão subalterno – artigo 193.º do CPA.
O interessado solicita ao superior hierárquico do órgão autor a revisão do ato – que, como
no caso da reclamação, pode consistir na respetiva declaração de nulidade, anulação ou
convalidação, se o ato for considerado ilegal (ou mera confirmação, no caso contrário).
70
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
A eventual falta de decisão dentro do prazo, bem como a confirmação do ato não
constituem atos de indeferimento, mas um facto ou um ato jurídico que desencadeia a
eficácia do ato recorrido, bem com o início da contagem do prazo para a respetiva
impugnação judicial, ou, em caso de omissão, para o pedido de condenação à prática de
ato devido – artigo 198.º/4.
É cada vez mais frequente que a Administração Pública, para prosseguir os fins de
interesse público que a lei põe a seu cargo, procure a colaboração dos particulares,
acordando com estes os termos em que o tal interesse é prosseguido. Por outro lado, a
complexificação da própria Administração justifica ou impõe formas de coordenação
interadministrativa.
Nos termos da lei, a utilização do contrato administrativo nem sequer carece, hoje, de
habilitação específica: “na prossecução das suas atribuições ou dos seus fins, os órgãos
da Administração Pública podem celebrar quaisquer contratos administrativos, salvo se
outra coisa resultar da lei ou da natureza das relações a estabelecer” – artigo 278.º do
72
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
Código dos Contratos Públicos (CCP daqui em diante) e, no mesmo sentido, artigo
200.º/3 do CPA.
Assim, por exemplo:
o Quando a Administração precisa de executar obras, em vez de o fazer diretamente,
contrata com um empreiteiro os termos e as condições em que a obra vai ser
executada;
o Quando esteja em causa a aquisição de materiais necessários ao funcionamento
da própria Administração, esta celebra contratos de fornecimento com privados,
seja medicamentos para hospitais ou material escolar para estabelecimentos de
ensino público, etc.;
o Quando o Estado e as demais entidades públicas cooperam entre si com vista ao
desempenho das respetivas atribuições, assinando para o efeito protocolos ou
convenções.
A utilização, no plano do direito interno, da via contratual pela Administração Pública
pode traduzir-se no uso de dois tipos diferentes de contrato, conforme é hoje
expressamente confirmado pelo artigo 200.º/1 do CPA:
o se a Administração está a exercer atividades de gestão privada, lançará mão de
um contrato civil, de trabalho ou comercial, constituindo relações jurídicas de
direito privado;
o se a Administração se encontra a prosseguir atividades de gestão pública, lançará
mão, por norma, de contrato administrativo, constituindo relações jurídicas
administrativas.
A figura do “contrato administrativo” não é sinónimo de qualquer contrato celebrado pela
Administração Pública com outrem: só é contrato administrativo o contrato com um
regime jurídico traçado pelo Direito Administrativo – artigos 1.º/6; 279.º e 280.º do
CCP.
[Com a aprovação do CCP pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, o regime
público dos contratos da Administração veio sofrer algumas alterações. Se é verdade que
o CCP procura adaptar a legislação nacional ao conceito vindo do Direito Europeu de
“contrato público”, mantendo simultaneamente o conceito de contrato administrativo,
não é menos verdade que o puro contrato de direito privado da Administração ficou
relegado para um campo residual, nomeadamente quando não esteja em causa uma
entidade que integre a Administração Pública, mas que não se encontre no exercício da
função administrativa. O CCP tem, na verdade, um duplo objetivo:
o Em primeiro lugar, versa sobre a matéria da contratação pública visando
adaptar a legislação nacional ao direito europeu, sendo esse o escopo da sua
Parte II (artigos 16.º a 277.º). O regime da contratação pública é aplicável à
formação dos contratos públicos, entendendo-se como tais os que,
independentemente da sua designação e natureza, sejam celebrados por certas
entidades adjudicantes – trata-se, principal, mas não exclusivamente, de
entidades públicas: artigo 1.º/2, 2.º e 2.º do CCP.
o Em segundo lugar, aquele diploma regula na sua Parte III (artigos 278.º a 454.º),
e em medida muito mais ampla do que até então, o regime substantivo dos
73
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
74
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
75
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
Os limites naturais resultam da natureza da atividade ou dos seus efeitos, seja pela:
• Necessidade de assegurar uma igualdade universal de tratamento (decisões
regulamentares, designadamente em matéria de segurança social e de obrigações
fiscais);
• Ausência de interesse de contraentes privados (decisões sobre a organização
administrativa);
• Razões de ordem pública e de soberania (decisões sancionatórias, incluindo
disciplinares ou de aplicação de coimas, atos de polícia, decisão de impugnações
administrativas, concessão da nacionalidade ou do asilo, fiscalização de eleições).
No entanto, mesmo nestas áreas, que seriam, em si mesmas, “domínios próprios da
atuação unilateral”, encontramos o uso da figura contratual: a Administração celebra
contratos fiscais, sobretudo no domínio do direito económico fiscal (contratos que
envolvem isenções fiscais, para finalidades de política económica), contratos policiais,
em matéria de proteção ambiental, urbanismo e até de segurança, além dos contratos de
organização (desde logo, os contratos interadministrativos). Não é sequer de excluir a
celebração de acordos no domínio sancionatório (disciplinar e contraordenacional, por
exemplo em matéria ambiental), apesar da rejeição de princípio dos processos agnitórios
no nosso sistema processual penal, que tem influenciado decisivamente o domínio das
sanções administrativas.
O nosso ordenamento jurídico é, de resto, no quadro europeu continental, um dos mais
amigos da forma contratual, na medida em que, como veremos, para além dos contratos
de inspiração francesa, se admite, em geral – agora por influência do direito alemão – a
figura do contrato sobre o exercício de poderes públicos – artigo 280.º/1, alínea b) e
285.º do CCP, que abrange contratos cujas prestações envolvem o uso de poderes de
autoridade, incluindo substitutivos de atos administrativos unilaterais.
76
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
No plano substancial, em vez de, como fazia o CPA, definir o contrato administrativo
em abstrato, através da caracterização da relação jurídica sobre a qual incidem os
respetivos efeitos como relação jurídica de direito público, o CCP retoma a antiga ideia
de uma enumeração, ainda que agora mediante uma tipificação substancial e aberta dos
contratos administrativos, identificados por aquilo que se pode designar por fatores de
administratividade.
77
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
É a estes contratos que se aplica o regime substancial estabelecido na Parte III do Código.
Apesar de o Código estabelecer um conceito amplíssimo de contratos públicos, que
incluem os contratos administrativos – artigo 1.º/1), os conceitos legais operativos não
coincidem inteiramente, no que respeita à aplicação dos regimes da Parte II e da Parte III.
Por um lado, há contratos públicos (em sentido estrito) que não são contratos de
natureza administrativa, como por exemplo:
o Os contratos qualificados pela lei ou pelas partes como contratos de direito
privado ou submetidos a um regime de direito privado, mesmo que celebrados por
“contraentes públicos” no exercício da função administrativa – assim, o regime
da Parte III do CCP não se aplica, em princípio, a contratos de compra e venda,
doação, permuta e arrendamento de bens imóveis (do património privado dos
entes públicos) e a contratos similares – artigo 4.º/2, alínea c);
o Os contratos outorgados pelos “organismos públicos” que não sejam celebrados
no exercício de funções materialmente administrativas, nem sejam submetidos
pela vontade das partes a um regime substantivo de direito público.
Para além disso, há contratos administrativos que não serão “contratos públicos” em
sentido estrito, na medida em que não se lhes aplicam as regras de contratação pública
estabelecidas na Parte II, por não envolverem prestações sujeitas à concorrência de
mercado – entre os quais se destacam alguns contratos sobre o exercício de funções
públicas.
Em suma, o Contrato Administrativo:
o É essencialmente um contrato que cria, modifica ou extingue uma declaração
jurídico-administrativa – pelo menos uma das partes do contrato é um contraente
público ou então um privado investido de poderes públicos – artigo 3.º CCP.
o Vale como ato administrativo;
o Regem-se na sua execução pelo Direito Administrativo – tudo o que respeita à
vida do contrato (procedimento, formação, questões de interpretação e validade)
é regulado em primeira linha pelo regime substantivo do Direito Administrativo;
o Regime de contencioso: Direito Administrativo “puro e duro”;
78
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
79
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
80
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
81
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022
82
Duarte Nogueira
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2021/2022