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Ciência

Política
1º Semestre

I – INTRODUÇÃO À CIÊNCIA POLÍTICA


1.1 – Definição e objeto

Existem variadas definições de Ciência Política, devido à diversidade de perspetivas de investigação que é
possível utilizar no seu estudo, sendo a definição do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa geralmente aceite:

 É o estudo científico de uma modalidade de factos sociais: os factos políticos, que são aqueles que
se relacionam, direta ou indiretamente, com o acesso (ex: eleições), a titularidade (ex: primeiro-
ministro), o exercício (ex: legislar) e o controlo do poder político (ex: tribunal constitucional)”.

 É, portanto, uma ciência social que se ocupa dos factos políticos.

 Ciência Política em “lato sensu” (sentido amplo) engloba todas as ciências que se ocupam de factos
políticos, e em “stricto sensu” (sentido estrito) é uma ciência com âmbito próprio que a distingue
de outras ciências sociais – é autónoma, mas aberta à interdisciplinaridade.

1.2 – Poder

O Poder divide-se em 2 partes:

 O poder do homem sobre a natureza;

 O poder do homem sobre o homem.

Este último considera que o Homem vive em sociedade e, consequentemente, desenvolve diferentes
relações de poder e vários níveis de relações pessoais (progressivamente mais complexas e abrangentes),
e por isso pressupõe a potencialidade de alguém impor aos outros um determinado comportamento.

Modalidades do poder do homem sobre o homem:

 Aristóteles – interesse prosseguido por quem exerce o poder, com base na distinção entre o poder
paterno (o pai exerce poder sobre os filhos), poder despótico (poder do senhor sobre os seus
súbditos, mas privilegiando o seu interesse) e poder político (poder exercido pelos governantes aos
governados).
 Locke – fundamento do poder que é exercido, com base na mesma distinção de poderes. Está
associado à ideia de aplicação de sanções e é um poder limitado pelos direitos das pessoas. A sua
grande preocupação era a defesa do indivíduo perante o Estado.

1.2.1 - Poder Político

Segundo o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa o poder político corresponde ao “poder de injunção dotado de
coercibilidade material”.

Coercibilidade material vs Coação material - coercibilidade material significa suscetibilidade do uso da


força física ou da pressão material. Distingue-se da coação material que se define pela plena efetivação
de uma ou de outra.

 Fundamento para a existência e exercício do poder político: necessidade de encontrar


mecanismos destinados à resolução dos conflitos de interesses resultantes do acesso aos bens
finitos.

 Função: resolver os conflitos de interesses que podem surgir entre aqueles que concorrem na
utilização de bens finitos.

 O poder político exerce-se através da força e da autoridade, ou seja, da legitimidade dos seus
detentores, para atingir os seus objetivos.

1.2.1.1 – Poder Político e Legitimidade

É fundamental a existência de legitimidade no exercício do poder político.

Segundo o Prof. Jorge Miranda, “não basta o governante invocar qualquer intenção do seu poder ou ter,
pura e simplesmente, a força material para se fazer obedecer; ou apresentar-se ao serviço deste ou
daquele projeto ou ideologia. Tem ainda de obter o consentimento, pelo menos passivo, dos destinatários
do poder. Tem ainda de se configurar como autoridade”.

Max Weber apresenta e distingue três formas de legitimidade:

 Legitimidade tradicional: associada a sistemas onde se possui a crença de que se o poder for
exercido de acordo com as tradições está a ser bem executado e considerado legítimo;

 Legitimidade carismática: associada à admiração por alguém, que possui características excecionais
e que o destacam em relação aos restantes;
 Legitimidade racional: escolhemos os meios com o objetivo de atingir fins pré-determinados.

Tipos de Legitimidade:

 Legitimidade de título – resulta do modo de designação dos titulares do poder político;

 Legitimidade de exercício – resulta do modo como é exercido o poder político pelos governantes.

Legitimidade e Legalidade:

 Legitimidade – forma como os governantes ascendem ao poder político e como se comportam no


seu exercício;

 Legalidade – analisa as mesmas formas, mas de acordo com as regras jurídicas em vigor.

Assim, é possível uma ação política ser legal e ilegítima ao mesmo tempo: legal, pois estaria
enquadrada nas regras em vigor no âmbito de uma determinada ordem jurídica; e ilegítima caso as regras
em vigor que sustentam a ação política não traduzissem a vontade da comunidade e transcendessem a
vontade dos governantes.

1.2.1.2 – O Poder Político e o Estado

O Estado é a manifestação por excelência do poder político.

O Estado é uma sociedade política de fins gerais, que deve prover todos os fins relativamente às
necessidades coletivas. O Estado é regido por uma Constituição. Este é abalado e/ou condicionado
por realidades de âmbito infra e supraestadual.

Podemos olhar para o Estado de duas formas:

1- Enquanto comunidade: como sociedade, de que fazemos parte e em que se exerce um poder para
a realização de fins comuns;

2- Enquanto poder, enquanto forma de regulação das relações entre as várias entidades e o poder
supremo estadual: poder político manifestado através de órgãos, serviços e relações de autoridade.

A realidade estadual e a palavra “Estado” surgem em épocas diferentes:


 O “Estado” tal como o conhecemos (como pessoa coletiva, sinónimo de poder político, comunidade
de pessoas e território) começou a ser usado principalmente depois do século XVIII (revoluções
liberais).

 A palavra “Estado” é utilizada pela primeira vez no século XVI, numa obra de Nicolai Maquiavel – O
Príncipe de Maquiavel.

 É originária do verbo latino “sto, stas… statum” (estar/permanecer) e aponta para o facto de este
permanecer no tempo, já que podem mudar os governantes e os titulares e o Estado é uma
realidade política que permanece. É uma realidade atemporal, que corresponde a uma necessidade
social coletiva sentida sempre ao longo dos tempos.

Características do Estado

 Institucionalização: Duração, permanência do poder, independentemente da mudança de titulares.


Corresponde a uma ideia de fixação e enraizamento do Estado como realidade intemporal, com fins
gerais aos quais se propõe, quer na ordem externa, quer na ordem interna. O que garante que o
Estado permaneça é a Constituição.

 Territorialidade/Sedentariedade: corresponde à necessidade de um espaço físico para que o


Estado exerça o seu poder (Há sociedades políticas nómadas. Não há Estados nómadas, estando
sempre associados a um elemento físico/territorial).

 Autonomia: a esfera do Estado (poder político) é completamente independente perante a esfera


social (sociedade civil).

 Complexidade: O Estado constitui uma entidade de fins gerais (satisfação de toda e qualquer
necessidade coletiva), contrariando, assim, o princípio da especialidade. Com efeito, este está
associado a uma enorme complexidade, sendo esta visível quer na organização, quer de funções.

 Coercibilidade: suscetibilidade ou possibilidade de o direito estadual ser imposto pela força, isto é,
caso as normas não sejam cumpridas, há instrumentos que permitem a sua aplicação (ex: os
tribunais). Cabe ao Estado a administração da justiça entre as pessoas e os grupos e, por isso, tem
de lhe caber também a função de quando for necessário recorrer a uma força (os tribunais) o fazer.

Nota: é preferível falar em coercibilidade e não em coação/coerção para melhor acentuar a ideia de mera
suscetibilidade ou possibilidade de vindicação normativa pela força.

Elementos dos Estado


Os três elementos que nos permitem caracterizar o Estado enquanto Estado, partindo do princípio de que
são cumpridas todas as características já enunciadas, são os seguintes:

1. Elemento humano: povo


3. Elemento institucional: poder político
2. Elemento físico: território

Evolução histórica do Estado

Relação estreita entre o poder político e


direito: o poder político produz
1.2.1.3 – O Poder Político e o Direito Direito e o direito limita o poder político.

Existe uma nítida relação entre o poder político e o Direito: a organização do grupo humano que é
subordinado à comunidade é o resultado do poder político; e para a organização do grupo humano são
necessárias normas que o regulem, produzidas através de mecanismos do Direito, que são, por sua vez,
exercidos pelo poder político.

Prof. Marcelo Rebelo de Sousa:

 “por um lado, o poder político é um poder juridicamente enquadrado. A sua titularidade é


juridicamente definida, o seu objeto é juridicamente delimitado, o seu exercício é juridicamente
regulado”;

 “por outro lado, o poder político é o criador de regras de conduta social dotadas de coercibilidade.
É o criador das regras de Direito ou regras jurídicas”.
As regras jurídicas de determinada comunidade permitem saber quais os comportamentos autorizados ou
que não são proibidos no âmbito de autodeterminação e quais os comportamentos podem vir a ser
adotados.
Nos grupos humanos organizados essas regras são criadas por órgãos especializados do poder político. Daí
a progressiva desvalorização do costume ao nível do poder estadual e infra estadual e maior valorização
pela lei como fonte de Direito. Quanto ao Direito Internacional, prevalecem as normas de natureza
consuetudinária (com base no costume).

Existe uma relação entre a legitimidade do poder político e a legitimidade das regras que são criados pelo
poder político. Há casos nos quais a violação intencional das leis de forma não violenta é justificada:

 Desconformidade com regras hierarquicamente superiores que tenham sido violadas;


 Intenção de modificar determinado modo ilegítimo de organização da comunidade;
 Presença de governos ditatoriais;
 Situações de ocupação estrangeira;
 Sistemática violação dos direitos humanos.

1.3 – Breve evolução da Ciência Política

 Aristóteles – identificava e analisava fenómenos políticos, era um realista (pois descrevia a


realidade), mas também idealista (procurava o melhor regime político);

 Maquiavel - autonomizou o estudo da política, através da identificação de regularidades, despida


de conceções morais, iniciando assim o estudo da política de forma amoral/neutral;

 Montesquieu – autor da separação de poderes e procurou estabelecer leis sobre os fenómenos


políticos.

 O século XIX e a afirmação das ciências sociais - Alexis de Tocqueville e Karl Marx.

 A Ciência Política nos séculos XX e XXI - perspetiva empírica inicia-se nos Estados Unidos já no
século XIX. Com a eclosão da II Guerra Mundial, a Europa começa a adotar esta perspetiva.

 Em Portugal, desenvolveu-se, principalmente, nos dois últimos séculos.

1.4 – Os Métodos na Ciência Política

Prof. Adriano Moreira distingue 4 perspetivas:

1) Perspetiva das tendências individuais – estudo do comportamento dos agentes individuais ou grupos
na política, ou seja, quem exercer o poder político.
2) Perspetiva racionalista – analisa o processo de formação de decisões, em conformidade com o princípio
de racionalidade situada ou razoabilidade. De acordo com a teoria dos jogos, os decisores atuam com o
objetivo de maximizar os ganhos e minimizar as perdas, tendo sempre em consideração qual poderá vir a
ser o próximo passo do “adversário”.

3) Perspetiva funcionalista – procura explicar qual é a função desempenhada por uma entidade/órgão em
determinada estrutura social.
4) Perspetiva sistémica – estuda o fenómeno político tendo como base o conceito de sistema, ou seja, um
conjunto de elementos interrelacionados e em interação. Destaca o meio ambiente, os inputs e outputs e a
retroação.

Técnicas de Investigação – Observação direta extensiva (sondagens) ou observação direta intensiva


(entrevista, testes de medida de atitudes e observação participante).

Métodos da Ciência Política:

 Indutivista (do concreto para a generalização);

 Dedutivista (da hipótese para o concreto);

 Quantitativo (baseia-se em dados de natureza numérica);

 Qualitativo (tenta identificar elementos simbólicos e motivações por detrás dos fenómenos
políticos);

 Comparação

 Sistematização

Em suma, verifica-se um pluralismo metodológico e uma complementaridade de métodos.

1.5 – Ciência Política e outras Ciências

Prof. Marcelo Caetano:

 Sociologia Política – “tem como objeto as relações entre factos políticos e outros tipos de factos
sociais”.

 Antropologia Política – “debruçada sobre os fenómenos de poder relativos a sociedades pré-


estaduais e, em geral, historicamente já ultrapassados”.
 História Política – “ocupada com os factos políticos passados”.

 História das ideias políticas – “domínio da História Política que respeita à evolução das ideias
políticas no passado”.

 Economia Política: estuda o papel do Estado como regulador económico, bem como a importância
dos fatores económicos relacionados com os fatores políticos.

 Filosofia Política: “questiona pressupostos e consequentes da própria Ciência Política”, em busca


da melhor solução.

1.6 – Relação entre Ciência Política e Direito Constitucional

Existe uma estreita relação entre a Ciência Política e o Direito Público, mais particularmente com o
Direito Constitucional.

Com o primeiro, pois este é composto pelo conjunto de regras jurídicas que regulam os factos políticos que
são estudados pela Ciência Política. Com o segundo, porque se traduz no estatuto jurídico do poder
político.

Prof. Marcelo Rebelo de Sousa distingue:

 Direito Constitucional em sentido material ou substancial – “conjunto de normas jurídicas


fundamentais que regem a estrutura, os fins e as funções do Estado, a organização, a titularidade, o
exercício e o controlo do poder político do Estado, bem como as respeitantes à fiscalização do
acatamento pelo próprio poder político do Estado”;

 Direito Constitucional em sentido formal – “conjunto de normas jurídicas escritas, elaboradas por
órgão dotado de poderes especiais, através de um processo específico, diverso do que gera leis
ordinárias”;

 Direito Constitucional em sentido instrumental – “texto único em que se compendiam as normas


formalmente constitucionais”.

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