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Faculdade de Direito da Universidade do Porto

Direito Administrativo

Professor Doutor Luís Filipe Colaço Antunes

Aulas Teóricas
Faculdade de Direito da Universidade do Porto

Nota introdutória:

Esta sebenta diz respeito às aulas teóricas do ano letivo


2018/2019 da unidade curricular de Direito Administrativo,
lecionadas pelo docente Luís Filipe Colaço Antunes. A sebenta tem
como base as aulas teóricas e a obra “A Ciência Jurídica
Administrativa” de Luís Filipe Colaço Antunes e foi realizada
pelos vogais do Departamento de Pedagogia da CC2, Francisco
Vasconcelos e Mónica Guimarães.
Foi elaborada com o intuito de auxiliar os estudantes para o
exame de Direito Administrativo.
Salientamos que a leitura desta sebenta não substitui a leitura
de bibliografia obrigatória ou recomendada, sendo um mero
instrumento de auxílio ao estudo.

No caso de serem encontrados erros, agradecemos que os


mesmos sejam comunicados para aperfeiçoamento do documento,
através do e-mail da CC2 – cc2direito1819@gmail.com.

Bom estudo!

A Comissão de Curso do 2º Ano de Direito


Faculdade de Direito da Universidade do Porto

Formas jurídicas da atividade administrativa não estritamente jurídica:


Ø A administração soft: A par das formas jurídicas da atividade administrativa (ato
administrativo ou regulamento - atos jurídicos administrativos; é uma atividade
administrativa jurídica vinculativa, que determina a conduta dos particulares),
aparecem também as formas de atividade administrativa não jurídica. Estas
caraterísticas de “constrangedora e vinculadora” da administração não existem na
soft administration (exemplo.: tome um genérico).
Quando existe uma recomendação mais concreta, tem uma força mais
conformadora do que uma regulação genérica, mas quaisquer umas, genéricas
ou diretas, têm a mesma natureza jurídica, isto é, não têm força vinculativa
própria. O que as carateriza é visarem persuadir os destinatários a adotar
determinados comportamentos, pretendem influenciar o processo de formação de
decisão de terceiros; mas não têm força vinculativa. Não possuem uma força
vinculativa e isso distingue-as das ações administrativas de caráter jurídico, que
têm um caráter vinculativo para os destinatários.
Esta soft administration provém bastante da globalização do direito. São apenas
atos declarativos sem efeitos jurídicos ou atos jurídicos sem efeitos vinculativos.
Coloca-se o problema da sua juridicidade – se são ou não impugnáveis. A ideia
dominante é a de que não são diretamente impugnáveis contenciosamente, porque
lhes falta o caráter vinculativo. Se o destinatário incumprir com um conselho ou
recomendação, não tem qualquer tipo de responsabilidade ou sanção. A sanção
resulta do incumprimento ou violação da lei para que a recomendação chamou à
atenção – ou seja, não pode provir da própria recomendação mas sim da violação
da lei. A questão da impugnabilidade destas medidas da soft administration coloca
dúvidas ao Professor, que afirma que estas medidas não têm caráter vinculativo,
mas por exemplo, o ato nulo não produz efeitos jurídicos, o que não quer dizer
que não produz efeitos de facto. Portanto, estas normas não têm caráter
vinculativo, mas podem ser impugnáveis para o Professor. Parte-se de um
princípio de justiça material e não formal.
Tem como manifestações essenciais os conselhos, recomendações e
advertências. Artigo 136º nº4 CPA: Embora estes atos declarativos sem efeitos
jurídicos ou atos jurídicos sem efeitos vinculativos não tenham natureza
regulamentar, carecem de lei habilitante. Se uma entidade incumprir uma
obrigação, não há qualquer responsabilidade por parte da entidade que incumpriu
a recomendação, a não ser que por exemplo uma autoridade reguladora
independente entenda que a conduta dessa operadora é ilegal (surge apenas pela
violação do comando legal).

Ø A atividade administrativa material (através de operações materiais) – por


exemplo, o pagamento de subsídios ou reconstrução de estradas.
É a atividade levada a cabo pela administração que visa concretizar direta e
exclusivamente um determinado resultado de facto; é típica do estado social de
direito. O objeto das operações materiais é apenas a realidade física material que
visa alterar em função da prossecução de um determinado interesse público
específico. Produzem efeitos de facto, efeitos reais e práticos; não produzem
efeitos jurídicos. O que as distingue é o facto de não produzirem efeitos jurídicos,
mas apenas efeitos materiais. Esta forma de atividade administrativa não jurídica
foi durante muito tempo ignorada.
A eficácia destas medidas pode ser interna ou externa, mas esta eficácia é apenas
uma eficácia de facto: se tiver uma eficácia interna, estes efeitos repercutem-se

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dentro da atividade administrativa a que são imputados (ex: reparação de uma


máquina); se tiver uma eficácia externa, produz efeitos para além da esfera da
entidade. Quando tem eficácia externa, pode lesar os direitos ou interesses
legalmente protegidos dos particulares (ex: encerramento de um bar; limpeza de
matas). Estas operações materiais não surgem do nada, são a concretização de
comandos jurídicos prévios: por exemplo, a limpeza de matas tem de resultar de
uma lei; a demolição de um prédio tem de resultar de um ato administrativo.
Esta atividade administrativa material tem uma relação com o princípio da
legalidade: tem de ter uma lei habilitante, uma autorização legal – à luz do
subprincípio da precedência da lei. A função da autorização legal é definir a
competência do órgão para praticar esta operação e também os meios, mas não
determina o conteúdo da operação material. Estas operações materiais se forem
realizadas com as novas técnicas científicas em vigor, e segundo regras da
experiência, não têm grande conteúdo jurídico, são neutras. Pode acontecer que
essas operações materiais cumpram essas normas técnicas e de experiência
comum e que possam estabelecer desequilíbrios ao nível da reequilibração de
encargos.
De acordo com o princípio da responsabilidade solidária, quando há danos, a
administração responde solidariamente em certas circunstâncias pelos titulares
dos seus órgãos.
Quanto a operações materiais ilícitas, o particular tem proteção de acordo com o
art. 37º CPTA.

• Atividade planificatória: planeamento e programação: A maior ou menor


presença nos ordenamentos jurídico-constitucionais da figura do plano e do
programa são sintomáticos das funções do Estado num determinado período. No
Estado de direito social, o plano e o programa eram de maior importância; no
Estado liberal estas categorias regrediram. Todavia, a noção de plano ou de
programa não são alheias ou adversas ao Estado de Direito, até porque os planos
têm a virtude de estruturar a atividade administrativa futura, tornando-a previsível
e esta caraterística é favorável à tutela das posições jurídicas dos particulares.
As suas caraterísticas essenciais são o facto da administração criar uma variedade
de instrumentos que lhe permitem coordenar um número alargado de setores
sociais, para além de que a planificação e a programação permitem uma maior
cooperação entre os serviços administrativos, tendo em conta uma divisão do
trabalho dentro da administração.
ü O plano permite uma classificação mais eficaz de certos objetivos de natureza
pública (ordenamento do território); os planos, que também são
procedimentos administrativos, têm a vantagem de adquirir para esses
procedimentos classificatórios todos os direitos e interesses juridicamente
relevantes que o plano pretende prosseguir – permite uma aquisição ampla e
uma ponderação justa entre interesses públicos e privados e uma melhor
avaliação do resultado que se pretende atingir.

Planificação é diferente de plano e programação é diferente de programa,


porque os conceitos de planificação e programação englobam a atividade,
sendo que o resultado é o plano e o programa.
Coloca-se a questão de saber se deve existir uma conceção unitária de
programa e plano ou apenas uma conceção diferente: a maioria da doutrina
inclina-se para uma conceção unitária. O Professor discorda, porque o plano

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é mais amplo do que o programa; a ideia de planificação exige a


fundamentação ao contrário do programa. Os planos são uma atividade
administrativa procedimentalizada; a natureza jurídica é diferente entre
ambos: quanto aos planos, têm-se colocado dúvidas ao nível da organização
territorial, entende-se que se trata de um ato administrativo real, porque estes
atos administrativos não têm como objeto as pessoas, mas sim as coisas; é um
ato administrativo individual, porque uma das suas caraterísticas é tratar-se de
uma decisão individual com um caráter concreto; as normas do plano
vinculam os titulares de direitos reais e têm natureza jurídica e em alguns
países coloca-se a questão de saber se podem ser considerados atos ou
regulamentos, e consideram que não se enquadram em nenhuma destas
figuras.

O plano é um instrumento jurídico, é uma forma jurídica da atividade


administrativa, dotado de vinculatividade, pelo que é diretamente impugnável,
com várias medidas interligadas (normalmente de caráter discricionário), que
visam impor uma certa ordem nos setores em que se aplicam, visam atingir
objetivos pré-definidos. Para isso necessitam de uma força jurídica
considerável, e é por tal razão que são vinculativos. Têm influência não só na
natureza jurídica destes institutos, mas também na discricionariedade de que
gozam os autores dos planos: afirma a estrutura das normas jurídicas
subjacentes às atividades administrativas de planeamento – não é igual à
estrutura típica das outras normas administrativas para outros setores da
atividade – contém elementos prognósticos. Para além disto, a planificação (e
procedimentos administrativos) implicam a ponderação de interesses públicos
e privados (como é o caso do Plano Diretor Municipal). Não há atividade
administrativa discricionária mais importante do que a planificação, seja ela
económica ou de planeamento do território. Existe uma diferença na natureza
jurídica dos programas e planos. O plano tem efeitos externos, projetando-os
na esfera jurídica dos particulares, o que não acontece com os programas. Por
este motivo, são diretamente impugnáveis porque não precisam da mediação
de um ato administrativo.

§ A norma típica subjacente à restante atividade administrativa:


ü Compõe um facto que uma vez verificado provoca uma consequência jurídica
determinada;
ü Estão regidas segundo o esquema “se e então”;
ü Está programada condicionalmente, ou seja, estabelece comportamentos jurídicos
diretos com prévia planificação direta e abstrata.
Estrutura típica da norma de planeamento:
ü São normas programadas para atingir determinados objetivos concretos;
ü Têm uma natureza finalista;
ü Estão redigidas com o esquema de meio-fim;
ü Visam orientar as medidas a tomar com vista à realização dos objetivos
previamente definidos, que são objetivos concretos;
ü Têm elementos prognósticos, que contém previsões para o futuro;
ü São normas que permitem uma vasta aquisição de interesses públicos;
ü Permitem uma valoração do resultado atingido.

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Há dois tipos fundamentais de planeamento: o territorial e o socioeconómico.


A planificação territorial é a mais recente e a que tem mais importância atualmente,
porque a económica era bastante importante apenas no Estado social. Os autores apontam
como critérios distintivos os seguintes:
ü A planificação socioeconómica tem como elemento principal o elemento
temporal, é uma planificação estratégica, uma planificação de desenvolvimento;
ü A planificação territorial tem como objeto principal o território, é uma
planificação de ordenamento, portanto o seu elemento principal é o espaço.

• Programa: O programa encontra-se entre a norma jurídica propriamente dita e as


expressões de soft administration. O Professor considera que são diretivas,
normas infra regulamentares.
ü Programa e programação: O programa apresenta-se como sendo estático, já a
programação baseia-se numa ideia mais processual (a administração em ação,
tendo em vista atingir um resultado, que se vai consubstanciar no programa).

Principais formas jurídicas da atividade administrativa:


Ø Ato administrativo: É a principal expressão jurídica da atuação administrativa;
é a figura que determina o sentido do Direito Administrativo; é uma decisão que
define unilateralmente a atuação dos particulares face à administração e desta face
aos particulares. Não há unanimidade quanto à conceção desta figura jurídica. Nos
traços essenciais, há algum consenso, mas quando falamos em aspetos mais
particulares, verificamos que continuam a existir diferenças importantes, que se
têm refletido no sistema jurídico administrativo, particularmente no CPA de 1991
e no de 2015.

O artigo 120º do Código de 1991 dava o seguinte conceito de ato administrativo:


“decisões dos órgãos da administração que, ao abrigo de normas de direito
público, visam produzir efeitos jurídicos numa situação igual e concreta”. No
artigo 148º do código atual está presente a conceção de ato administrativo “as
decisões que no exercício de poderes jurídico-administrativos visem produzir
efeitos jurídicos externos”. No anterior CPA, fazia-se referência apenas a
“produção de efeitos jurídicos” e não a “produção de efeitos jurídicos externos”,
o que leva a pensar que o CPA de 1991 não fazia a distinção entre um ato
instrumental e um ato constitutivo.

§ O que carateriza verdadeiramente o ato administrativo em sentido próprio é o


elemento de exterioridade – projetar os efeitos jurídicos na esfera dos particulares
– conformar a posição jurídica dos particulares. A noção vertida no art. 120º
era uma projeção psico-analítica de uma doutrina dominante de Freitas do Amaral
e Marcello Caetano, que tinham uma visão substantiva de ato bastante ampla. O
atual código aponta para uma ideia de acordo com as concetualizações germânicas
de Direito Administrativo.

§ Em primeiro lugar, o ato administrativo é uma decisão que se destina a produzir


efeitos jurídicos externos e isso distingue-os das operações materiais, que apenas
produzem efeitos de facto e não de direito; distinguem-se também das medidas

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como as recomendações, as advertências e os conselhos, pertencentes à soft


administration.

§ Em segundo lugar, são decisões que têm de ser tomadas no exercício de poderes
jurídico-administrativos. Podem ser praticados por órgãos administrativos, mas
também por entidades concessionárias (pessoas jurídicas privadas) no exercício
de poderes públicos ou por órgãos públicos que não integram a administração em
sentido orgânico ou subjetivo (ex: o PR propor um processo disciplinar ou
promover uma mudança de categoria de funcionário; os tribunais judiciais
praticam muitas vezes atos que são administrativos – a expropriação). Quando
uma entidade concessionária pratica esse ato, o Professor considera que não goza
da mesma discricionariedade que um órgão da administração – ele atua apenas em
substituição deste. Nestes casos, os tribunais deviam gozar de um poder de
condição e decisão mais intenso que lhes permitisse controlar judicialmente e de
forma mais intensa o exercício do poder discricionário dos atos administrativos –
artigo 4º nº1 d) ETAF.

§ O ato é uma decisão de um autor e esse autor realiza uma declaração – a


declaração do autor do ato. Ao contrário do ato, o contrato pressupõe uma
consensualidade e bilateralidade. O ato administrativo contempla a
imperatividade, autoridade e vinculatividade e é por aí que se distingue do
contrato administrativo.

§ O ato administrativo consubstancia uma decisão individual sobre um caso


concreto, portanto os destinatários do ato administrativo são uma ou várias
pessoas, mas todas elas perfeitamente individualizadas (incide numa situação
concreta mas são vários os destinatários, embora sejam individualizados). Há
umas figuras que são híbridas (situam-se numa zona de fronteira) – são estas os
atos coletivos, atos plurais e atos gerais.

ü Quanto aos atos coletivos, incidem sobre um caso concreto mas são vários os
seus destinatários, embora sejam individualizados e individualizáveis, mas o ato
administrativo não tem como objeto apenas uma pessoa (ex: quando o Governo
toma a decisão de dissolver um órgão de uma pessoa coletiva pública sujeito a
superintendência ou tutela, o objeto do ato coletivo não é o órgão, mas sim os
membros do mesmo).

ü Quanto aos atos plurais, a administração adota uma decisão que se aplica por
igual a várias pessoas diferentes (despacho ministerial que nomeia 10 funcionários
para 10 vagas diferentes num serviço).

ü O ato administrativo geral afasta-se da definição inicial do ato que tem como
destinatários uma ou várias pessoas, e esse grupo de pessoas não é inteiramente
determinado. Há uma aproximação aos regulamentos administrativos, mas
distinguem-se destes, porque os regulamentos são normas jurídicas gerais e
abstratas, dadas pela administração no exercício de poderes administrativos. A
norma regulamentar aplica-se a um número indefinido de pessoas, e por aqui
distinguem-se os atos dos regulamentos, principalmente no caso dos atos
administrativos gerais.

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§ Os atos administrativos são decisões de órgãos administrativos ou


equiparados praticadas sob a égide do Direito Administrativo, são submetidas
ao Direito Administrativo – são uma expressão de gestão pública. O governo
tem uma tripla personalidade – é órgão político, órgão legislativo e, ao abrigo
dos arts. 199º e 182º da CRP, é o órgão superior da administração do Estado,
portanto só temos atos administrativos por parte do Governo quando este
pratica atos no exercício da sua função administrativa. Nos termos do artigo
268º nº4 CRP e do artigo 52º nº1 CPTA, é possível que os tribunais
administrativos tenham competência para apreciar atos administrativos que
aparecem revestidos na forma de ato legislativo.

§ O ato administrativo em sentido próprio tem uma caraterística fundamental:


natureza reguladora (define a situação jurídica concreta dos particulares face
à administração – constitui, modifica ou extingue uma determinada situação
jurídica). Este elemento permite também distinguir a natureza jurídica externa
e a interna, mas o Professor defende que o âmbito dos atos externos deve ser
reduzido ao mínimo.

§ Os atos podem produzir efeitos ativos ou positivos (produzem efeitos que


alteram o ordenamento jurídico, não tem nada a ver com efeitos favoráveis) e
efeitos negativos (verificam-se quando o ato não desencadeia os efeitos
pretendidos pelo particular - ex: quando uma pessoa se dirige à Câmara
Municipal para solicitar uma licença de construção, mas este pedido é
indeferido).

§ O ato é, tendencialmente, a decisão final do procedimento.


Para o Professor, a noção de ato administrativo é que este é uma decisão
unilateral de autoridade, de um órgão administrativo ou equiparado que, no
uso de poderes jurídico-administrativos, e normalmente no termo do
procedimento, resolve a questão concreta entre a administração e o particular,
projetando os efeitos jurídicos na esfera jurídica dos interessados dos
destinatários.
É o ato que resolve a questão pendente entre o particular e a administração,
projetando os efeitos jurídicos externos na esfera jurídica do seu destinatário
(ex.: proibir uma ação; facultar uma conduta). Os procedimentos
administrativos completos realizam-se em fases autónomas, que muitas vezes
culminam com atos jurídicos da administração que produzem efeitos jurídicos
externos. Contudo, não são atos finais (por ex.: ato que define os excluídos
num procedimento concursal; ato administrativo que exclua um candidato
antes da tomada de decisão). Portanto, nestes casos não são atos
administrativos finais – há o dever de impugnar esse ato ao abrigo do artigo
51º nº4 do CPTA.

Os atos instrumentais têm outra vertente: são atos integrativos de eficácia -


são aplicados após a fase constitutiva, porque mesmo quando o ato
administrativo em sentido próprio é tendencialmente o ato final, mas não
necessariamente último, vêm os atos administrativos de eficácia, que
desencadeiam a eficácia do ato anterior.

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A doutrina tradicional entendia que só o ato final do procedimento era


contenciosamente impugnável, porque só esse ato final seria suscetível de
produzir efeitos jurídicos externos – mas isto não é a realidade, porque
acontece cada vez mais que atos praticados durante o procedimento sejam
diretamente impugnáveis contenciosamente.
Em comparação com o artigo 120º do código anterior, subjetivamente a noção
de ato atual é mais ampla (porque podem ser decisões de órgãos públicos não
organicamente administrativos, desde que sejam feitas dentro do interesse
administrativo). Quanto ao conteúdo, o ato agora apresenta uma definição
mais exata.

v Debate doutrinal: A doutrina tradicional (Marcello Caetano e Freitas do Amaral)


apresentava duas noções de ato administrativo:

§ Substantiva: numa noção ampla, constataram que o ato administrativo é um ato


jurídico praticado por um órgão administrativo, no exercício de poderes
administrativos, produzindo efeitos jurídicos numa situação individual e concreta
– esta noção aproxima-se do que estava presente no artigo 120º do CPA de 1991;
não se incluíam os requisitos processuais de impugnabilidade do ato
administrativo.

§ Adjetiva ou processual: conceção excessivamente restritiva, com influência na


redação originária da CRP, na lei e na jurisprudência administrativa, segundo a
qual só eram impugnáveis os atos definitivos e executórios. Os atos não
definitivos eram atos instrumentais (ex: parecer ou informação).

Na versão originária da CRP – no art. 268º nº3 e 25º nº1 da Lei do Processo dos
Tribunais Administrativos, que antecedeu o CPTA, consagrava-se também os dois
requisitos: definitividade (para efeitos contenciosos, apenas era relevante do
ponto de vista judicial o ato final do procedimento, o definitivo, porque só esse
ato era suscetível de produzir efeitos jurídicos lesivos na esfera dos destinatários)
e executoriedade (eficácia do ato, mas de facto isto não era a mesma coisa,
porque a eficácia é um requisito da executoriedade: um ato só pode ser executado
depois de ser eficaz na ordem jurídica). Estas duas noções acabavam por ser um
pouco contraditórias. A executoriedade é a capacidade que a Administração tem
de executar por meios próprios os seus atos, que normalmente impõem deveres.

Críticas: Doutrina de José Soares: Quanto à noção ampla, os autores dizem que
a noção substantiva é demasiado abrangente, englobando formas de atuação muito
diferentes na mesma categoria de ato administrativo. A noção adjetiva era também
demasiado confusa e não apontava os requisitos para a sua impugnabilidade
contenciosa; abrangia muitas realidades distintas, desde realidades materiais,
competenciais e procedimentais.

v A doutrina clássica concretizou um conceito unitário de ato administrativo, que


engloba os principais tipos de atos administrativos, terminando com a distinção
entre noção adjetiva e substantiva do ato administrativo. Qualquer ato
administrativo em sentido próprio é contenciosamente impugnável, quer seja um

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ato final ou um ato procedimental. Para esta doutrina, o ato apresentava três
definitividades:

ü Definitividade horizontal ou procedimental: não existiam atos procedimentais


que fossem contenciosamente impugnáveis; apenas os atos finais eram suscetíveis
de serem diretamente impugnáveis, já que os outros atos não produzem efeitos
jurídicos externos.

ü Definitividade material: o ato administrativo em sentido próprio regula a


situação jurídica do particular face à administração (está em causa o conteúdo do
ato administrativo);

ü Definitividade vertical ou competencial: um ato verticalmente definitivo podia


ser um ato praticado por um órgão supremo de uma hierarquia administrativa; por
um órgão independente; o ato praticado por um órgão subalterno no uso de uma
competência exclusiva (aqui a doutrina tem uma discordância, porque para a
doutrina clássica só poderia ser praticado pelo subalterno no uso de uma
competência exclusiva - se fosse no exercício de uma competência concorrencial
o ato não era definitivo - mas na altura era o subalterno que praticava atos no uso
de uma competência concorrente com o superior hierárquico, estes atos estavam
sujeitos ao recurso hierárquico necessário, e o ato só se tornava definitivo quando
praticado por um órgão subalterno depois de haver recurso administrativo para o
superior hierárquico, que confirmava o ato ou dava razão ao recorrente).

v A doutrina crítica constata que a definitividade material e parcialmente a


horizontal eram elementos definidores do próprio ato administrativo em sentido
próprio – que é materialmente definitivo, é o ato regulador, que constitui, modifica
ou extingue uma determinada situação jurídica - de facto este elemento material
era intrínseco à própria definição de ato administrativo (é um elemento implícito
na noção de ato administrativo).
A jurisprudência cria uma categoria de atos destacáveis, porque podem haver
atos procedimentais que são verdadeiros atos administrativos. Esta teoria crítica
da doutrina racional afastava estas duas definitividades e afirmava que a
definitividade vertical ou competencial tinha um problema: quem era o autor do
ato e no uso de que competência ele atuava; no entanto, mantém a necessidade do
recurso hierárquico necessário.

Neste sentido, importa ter em conta a competência comum, que é relevante para
este problema: quando um ou mais órgãos tem competência para praticar um ato
administrativo. Pode dividir-se em:
ü Competência conjunta (pratica um ato por acordo);
ü Competência simultânea (qualquer dos órgãos pode praticar o ato).
Por sua vez, a competência própria existe quando a lei atribui competência
para praticar o ato administrativo ao órgão subalterno. Pode ser:
ü Exclusiva (ato verticalmente definitivo);
ü Concorrente (tem de haver, antes de proposta ação no tribunal, recurso
hierárquico necessário para o supremo hierárquico - não é verticalmente
definitivo, porque o superior hierárquico pode anular, revogar, modificar ou
extinguir o ato).

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Assim sendo, os atos administrativos definitivos/finais são os atos praticados pelos


supremos da hierarquia, órgãos independentes ou órgãos subalternos com competência
exclusiva e por subalternos no âmbito de uma delegação de poderes, se o ato quando
praticado pelo delegante ou subdelegante fosse definitivo – artigo 44º nº5 CPA.
São atos não finais ou não definitivos os praticados pelos órgãos subalternos no
exercício de uma competência concorrente e os atos praticados ao abrigo da delegação de
poderes, quando se praticados pelo órgão delegante ou subdelegante não fossem
definitivos.
Atualmente, não podemos reconduzir a categoria de ato administrativo apenas ao ato final
do procedimento, uma vez que existem atos instrumentais que podem produzir efeitos
jurídicos externos e por isso são diretamente impugnáveis.
O avanço face à doutrina tradicional: mantém a definitividade competencial,
defendendo que a questão que se coloca é o regime jurídico face ao momento em que é
possível essa impugnação. O ato administrativo é contenciosamente impugnável, sendo
que essa justicialidade só se concretiza depois de o recorrente ter utilizado o recurso
hierárquico necessário. A doutrina e o legislador constitucional anteciparam-se e
contemplaram a inversão da regra supracitada. O artigo 268º nº4 tem duas interpretações:
1. As impugnações administrativas necessárias seriam inconstitucionais, baseando-
se no facto de que o seu prazo é de um mês (artigo 193º nº2 CPA), uma vez que
havia uma limitação do direito à tutela jurisdicional efetiva (impugnação
necessária suspende a eficácia do ato, logo não há lesão para o particular) e
também por violar o princípio da desconcentração administrativa;
2. O Professor invoca a inconstitucionalidade em virtude de a necessidade de
impugnação configurar uma autotutela contenciosa administrativa.

v A doutrina de Rogério Soares apresenta uma noção restrita de ato


administrativo: para esta doutrina, o ato era uma estatuição autoritária que definia
imediatamente a situação jurídica dos particulares perante a administração,
produzindo efeitos jurídicos externos e, nessa medida, constituía, modificava ou
extinguia determinadas situações jurídicas. O que define o ato administrativo não
é tanto ser o ato final do procedimento – mas sim o facto de ser uma decisão de
um órgão administrativo ou outro que produza efeitos jurídicos externos – e
constitua, modifique ou extinga uma determinada situação jurídica.
Atos tácitos: Correspondem ao silêncio da administração, quando instada a pronunciar-
se por um particular através do respetivo requerimento e não diz nada. A ausência de
pronúncia expressa por parte da administração tinha dois significados, de acordo com a
doutrina e o código de 1991: o silêncio da administração equivalia e tinha os mesmos
efeitos de uma resposta favorável; o indeferimento tácito não significava o mesmo que
indefiro, mas sim que o particular devia presumir que existia um ato de indeferimento
para impugnar o ato. Estava previsto nos artigos 108º (deferimento tácito) e 109º
(indeferimento tácito) do CPA de 1991.
Para se formar um ato tácito, são precisos 3 requisitos cumulativos:
ü Que um particular ou órgão administrativo formule uma pretensão através de um
requerimento e o órgão administrativo seja competente para decidir;

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ü Que o órgão administrativo tenha o dever legal de decidir, seja competente e não
tenha decidido há menos de 2 anos o mesmo pedido formulado pelo mesmo autor
com os mesmos fundamentos (artigo 13º CPA). O termo inicial do prazo conta-se
a partir da notificação do ano anterior; o termo do prazo é a data da apresentação
do requerimento.
ü Que o órgão competente não tenha praticado o ato no prazo legalmente
estabelecido.

Atualmente, não há indeferimento tácito: quando o particular formular a pretensão, o


órgão administrativo for competente e este não se pronunciar, não há indeferimento tácito,
há uma omissão ilegal. Há apenas deferimento tácito (artigo 130º CPA). Antes, o
indeferimento tácito era uma espécie de ficção legal – o autor podia impugnar
contenciosamente o ato, que na realidade era uma omissão ilegal. Para permitir o direito
de acesso ao Direito e aos tribunais, o legislador presumia que era indeferido. O ato
administrativo era ainda mais relevante na atividade administrativa do que é hoje. O
recurso contencioso da administração era o meio mais importante e o juiz não tinha
poderes de intimidar a administração a praticar um ato, não havia este meio processual e,
no fundo, a reforma de 2002/2004, passou a estabelecer que, quando estamos perante um
silêncio, estamos perante uma omissão ilegal. Quando a administração indefere, presume-
se que é expresso. Se se tratar de um silêncio em sentido próprio, o direito da ação caduca
no prazo de um ano. O CPA de 2015, no artigo 184º, estabelece as impugnações
administrativas: reclamações e recursos administrativos, que servem para reagir
contra a omissão ilegal. O prazo para o deferimento tácito é a notificação do ato.
• A reforma foi, no entanto, incompleta, porque o deferimento tácito é um
mecanismo legal que permite salvaguardar e tutelar a posição jurídica de um
particular face à falta de eficácia da administração que não atuou e deveria ter
atuado, mas se é uma criação legal para atingir este fim, por que razão o
beneficiário de deferimento tácito pode ter algo mais vantajoso, com o prejuízo
de terceiros e do interesse público (há um enriquecimento sem causa)? Deveria
existir uma impugnação administrativa para o deferimento tácito. Não pode ter
mais vantagens por este mecanismo do que por um ato expresso validamente
emitido - o Professor não entende o porquê de o particular beneficiar do silêncio
positivo em prejuízo de terceiros (muitas vezes titulares de bens jurídicos
fundamentais) e do interesse público. Atualmente, a menos que a lei se
pronuncie em contrário, a regra é da impugnação administrativa facultativa
- o ato administrativo pode ser imediatamente impugnado contenciosamente, o
que não impede que o interessado, se quiser, interponha uma garantia
administrativa.

• O problema do deferimento impõe-se quando o particular dirige um


requerimento à administração, formulando uma pretensão e esse requerimento não
se encontra em conformidade com o ordenamento jurídico aplicável. Surgiram
três teses:
ü O silêncio deve produzir os efeitos requeridos pelo particular ao elaborar a sua
pretensão;
ü Só produz efeitos autorizativos ou probatórios permitidos pelo ordenamento
jurídico aplicável - o ato probatório só pode produzir os efeitos que o regime
legal aplicável permite: os efeitos que a lei considera válidos;

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ü Modela-se os efeitos do deferimento tácito pela gravidade dos vícios de que


eventualmente padeça.
O Professor adota a seguinte tese: Na apreciação de um ato probatório formado
silenciosamente, os efeitos do deferimento têm de ser modelados pelas ilegalidades que
padeça a formação tácita dos atos. A diferença é que, caso os vícios gerassem a
anulabilidade, o deferimento formava-se. Só haveria verdadeiramente consequências
jurídicas se o deferimento tivesse vícios graves que gerassem nulidade. O Professor
entende que se devem graduar os efeitos, mas não os eliminar quando o vício é menos
importante.
No artigo 130º CPA, quando falamos de ato tácito, estamos sempre a falar de um ato final
do procedimento, insere-se na fase constitutiva, mas pode haver um órgão que está
chamado a estabelecer um parecer e não o faz - podem existir silêncios procedimentais.

Tipologia dos atos administrativos:


• Atos de primeiro grau (incidem diretamente sobre uma situação – por exemplo,
uma concessão de um subsídio) e atos de segundo grau (que têm por objeto atos
anteriormente praticados, são atos sobre atos (ex.: revogação, anulação).
Atos que criam situações de desvantagem:
• Atos ablativos: são atos que eliminam, comprimem ou retiram direitos aos
particulares – exemplo: expropriação por utilidade pública – extinguem o
direito subjetivo de propriedade, relativo a um direito real menor, ficando
sobre derrogado no património do expropriado o crédito a uma justa
indemnização, permitindo-se ao mesmo tempo que o bem expropriado seja
posteriormente transferido para o património do beneficiário da expropriação;
servidões administrativas, que impõem um encargo que pode ser imposto por
lei/ato administrativo sobre um determinado prédio em proveito da atividade
administrativa sobre essa coisa; atos que extinguem direitos – extingue uma
concessão ou licença;
• Atos impositivos: impõe uma conduta, sujeitam os destinatários à produção
de determinados efeitos jurídicos – normalmente são ordens: que podem ser
comandos, quando impõe obrigações de caráter positivo; ou proibições,
quando impõem uma obrigação de conteúdo negativo.

Atos que criam situações de vantagem:


ü Delegação de poderes: É um ato favorável, porque é um ato administrativo que
confere a um órgão administrativo que outro órgão, em regra, da mesma pessoa
coletiva pública, exercite uma competência que é do órgão delegante. Cria no
delegado uma qualificação para exercer em nome próprio uma competência
alheia.

ü Concessões: Quando falamos de concessões estamos a falar do exercício de uma


atividade pública por outra entidade.
Podem ser translativas e constitutivas.
As translativas permitem que a administração transmita para o particular um
conjunto de poderes e de direitos de que ela já é titular – ex.: concessão de serviço
público, obra pública – apesar de ser uma atividade jurídica privada, passa a
exercer poderes administrativos – a administração atribui a uma entidade

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concessionária estes atos, confiando no profissionalismo desta entidade privada,


sem prejuízo de caber à administração o poder de fiscalização e superintendência
sobre estas entidades. Estas entidades privadas que exercem funções públicas
fazem parte da administração indireta privada – mas é indireta apenas do ponto de
vista funcional, porque exercem tarefas públicas que, em primeira mão, cabem à
administração pública.
Nas constitutivas, a administração cria um conjunto de poderes e direitos de que
ela não pode ser titular, mas que só ela pode transmitir a terceiros. Exemplo:
concessão de uso privativo de domínio público – permite que um particular possa
utilizar em proveito próprio bens dominiais, bens pertencentes ao domínio
público. Só pode ser feito se não colocar em causa os interesses públicos
relevantes a que estão adstritos esses bens dominais – ex.: concessão que atribui
a um particular a possibilidade de instalar uma esplanada numa parcela de uma
praça pública; ou quando a administração permite a um agricultor a utilização para
rega de águas públicas. Nestes casos, há prazos que têm de ser cumpridos.
ü Autorizações: Podem ser no âmbito da relação da administração e os particulares
e autorizações concedidas nas relações entre órgãos administrativos.

Âmbito da relação entre a administração e os particulares:

Podem ser autorizações constitutivas, que se designam normalmente por


licenças – são atos administrativos através dos quais a administração constitui
direitos a favor de particulares, permitindo-lhes que estes desenvolvam uma
atividade, em regra, legalmente proibida, ou sujeita a certos controlos
administrativos prévios; antes da prolação desta autorização, o particular não tem
qualquer direito face à administração – o direito nasce desta mesma autorização.
A administração precisa de desenvolver um controlo prévio administrativo da
concessão do direito a desenvolver uma determinada atividade, em virtude desta
poder por em causa interesses públicos relevantes. A administração, antes de
emanar o ato favorável, procede à ponderação das circunstâncias especiais do caso
e só depois de as avaliar é que a administração emana a autorização constitutiva.

Quando se trata apenas de uma autorização, é uma autorização permissiva. São


aquele tipo de atos que concedem a possibilidade a um particular de desenvolver
uma atividade a que corresponde um direito pré-existente na esfera jurídica do
particular. Este ato vem permitir ao particular o exercício de uma atividade que já
é existente na esfera do particular. Não vem conceder direito nenhum; trata-se de
permitir que o particular exerça uma atividade que corresponde a um direito que
ele já tem; não se constitui nenhum direito, avalia-se a pretensão do particular de
exercer o direito e averigua-se se a autorização permissiva deve ser concedida.
Exemplo: autorização para realizar uma manifestação (este direito está previsto
no artigo 45º CRP – não cria nenhum direito, mas permite o seu exercício, de
acordo com os parâmetros da ordem pública).

Autorizações no âmbito das relações entre órgãos administrativos:


Neste caso, há duas figuras que merecem distinção: as autorizações constitutivas
de legitimação – é um ato praticado por um órgão que permite que outro órgão
exerça uma competência para praticar determinados atos de que ele já é titular
previamente – só o pode fazer depois de obter uma autorização favorável de outro
órgão que tem o poder de controlar a legalidade e o mérito desse ato. O que a

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distingue da delegação de poderes? No caso desta autorização constitutiva, o


órgão já é competente antes da autorização e mesmo depois desta ele continua a
exercer uma competência própria. No caso da delegação de poderes, o órgão
delegado não tem competência antes do ato de delegação e mesmo depois desta
exerce uma competência alheia em nome próprio.

A outra figura são as aprovações: que são autorizações permissivas, mas no


âmbito da relação entre órgãos administrativos: são atos que têm por objeto outros
atos cuja eficácia jurídica visam desencadear; visam tornar eficaz o ato aprovado.
A diferença entre a autorização constitutiva de legitimação e a aprovação é o facto
de a autorização ser prévia ao momento decisório, enquanto a aprovação é
posterior à fase decisória; a autorização constitutiva é um requisito de validade do
ato, a aprovação é um requisito de eficácia do ato. Se um ato for praticado sem
que antes se tenha obtido uma autorização constitutiva de legitimação do órgão
competente, esse ato é inválido. Se um ato sujeito a aprovação tiver sido praticado
sem essa mesma aprovação é um ato ineficaz, não produz efeitos jurídicos.

Por último, podemos ter atos que reduzem encargos dos particulares:

ü Ato de dispensa: É um ato administrativo que vem remover um dever especial


sobre o particular quando estamos num domínio em que determinada atividade é
estritamente proibida. Exemplo: licença de uso de porte de arma.
ü Isenção: Quando o afastamento desse dever especial é feito diretamente pela lei.
Exemplo: Quando a lei diz que certos projetos estão isentos de avaliação de
proteção ambiental.

Categoria jurídica do procedimento em geral: O procedimento administrativo é hoje


uma categoria jurídica central do Direito Administrativo. O eixo principal do direito
administrativo já não é o ato administrativo, mas sim o procedimento, que é a forma da
relação jurídico-administrativa.
O artigo 267º nº5 CRP consagra uma imposição constitucional, no sentido de o
legislador criar uma lei que venha disciplinar normativamente o processamento da
atividade administrativa. Esta ideia de processamento vem da doutrina tradicional, que os
distinguia da seguinte forma: ao procedimento administrativo chamava processo
administrativo gracioso e ao processo administrativo chamava processo administrativo
contencioso. Entendia que o processo administrativo era a continuação do procedimento
administrativo. O momento de ligação era o recurso hierárquico necessário – antes do
particular ser destinatário de um ato, a regra era a impugnação administrativa necessária
– não podia impugnar contenciosamente imediatamente esse ato, tinha de recorrer para o
superior hierárquico.
Esta previsão constitucional é feita à luz de dois princípios: o princípio de Estado
de Direito, porque o procedimento é um meio de a administração praticar decisões legais,
eficazes e materialmente justas; e o princípio democrático: os cidadãos participam na
formação das decisões (na fase instrutória e de audiência prévia dos interessados). Tem
de existir um procedimento administrativo para tudo.
Ao nível da ciência jurídico-administrativa, o procedimento trouxe uma pequena
revolução no direito administrativo, porque de certa forma o procedimento administrativo
veio trazer para a centralidade a noção de relação jurídico-administrativa; tem uma
dimensão garantística temporalmente adequada e de tutela jurídica dos particulares,

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porque é o único lugar em que o particular pode intervir junto da administração antes de
ser praticado o ato. Isto não acontece no processo administrativo – é uma fase patológica
– o ato já foi praticado e as consequências já foram sofridas. Há atos instrumentais e
alguns atos preparatórios que podem ser diretamente impugnáveis, permitindo uma tutela
judicial adequada. Na concessão processual, o procedimento aparece como uma categoria
geral.
Apesar de haver alguma sintonia quanto aos princípios que orientam o
procedimento e o processo administrativo (direito de audiência prévia, dever de
fundamentação), prosseguem finalidades diferentes: o procedimento é muito menos
solene e formal do que o processo e normalmente desenvolve-se muito mais rapidamente
do que o processo; o procedimento permite decisões legítimas do ponto de vista jurídico,
mas também materialmente justas, e no processo o que está em causa é dirimir o litígio
entre a administração e os particulares. A complementaridade está desde logo no facto de
o tribunal administrativo apreciar todo o procedimento e não apenas o ato final. O
procedimento administrativo é uma antecâmara do processo administrativo, porque se o
procedimento for bem feito impede que o processo chegue ao tribunal.
Conceções doutrinárias do procedimento administrativo:
• Conceção de Adolf Merkl: Parte dos pressupostos de Kelsen, que tinha uma visão
piramidal do ordenamento jurídico. Afirma que o procedimento administrativo é
o modo como são os atos administrativos. No entanto, isto pode aplicar-se quer
aos regulamentos, quer aos contratos. Via o procedimento como uma categoria
geral.

• Conceção de Aldo Sandulli: Tem uma conceção formalista do procedimento – há


uma sucessão ordenada de atos e formalidades. Esta ordenação de atos e
formalidades deve ser feita de acordo com a prática destes mesmos em
determinadas fases/unidades temporais. Reforça a tutela jurisdicional do
particular face a determinados atos preparatórios que produzam efeitos jurídicos
externos.

• Conceção de Feleciano Benvenuti: Assim como o processo é a forma da função


jurisdicional, o procedimento administrativo era a forma da função administrativa
– o órgão competente, através desta visão, deixa de poder exercer uma forma
unilateral sem procedimento administrativo. Não existe ato sem que exista
previamente procedimento, daí que o procedimento seja o principal ato da
atividade administrativa.

• Conceção de Shimitt Glaesar: Vê o procedimento administrativo como um


elemento de direção da tomada das decisões por parte da administração. Para este
autor, o procedimento é um direito de direção das decisões administrativas – é
uma premissa do se e do como da tomada das decisões.

• Teoria do ato procedimento: O que importa para esta doutrina é o ato final – é
relevante, na medida em que os atos instrumentais não têm qualquer relevância
jurídica autónoma, são apenas auxiliares da decisão jurídica final. É uma tese
substancialista – reduz muito o campo da tutela jurisdicional - é verdade que existe
uma instrumentalidade, mas não se pode, como fazia esta doutrina, descredibilizar
a relevância e autonomia jurídica de alguns atos procedimentais.

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• Conceção do Professor: Adota uma noção mista: formal e substancial. O


procedimento é um conjunto, um complexo de atos subjetiva, funcional e
materialmente diversificados.
São subjetivamente diversificados, porque hoje a atividade administrativa não se
desenvolve à volta de um órgão – há uma articulação da atuação de todos os
órgãos de várias pessoas coletivas públicas – o procedimento tem uma função
organizatória.
São funcionalmente diversificados, porque podem ser atos da administração ativa,
passiva ou de fiscalização e controlo.
São atos materialmente diversificados, porque pode ser um ato meramente
declarativo, que certifique determinada situação; constitutivo; e pode ser um ato
de ciência, de conhecimento.
Principais funções do procedimento administrativo: Significa saber para que serve um
direito administrativo procedimental. O primeiro país a ter uma lei de procedimento
administrativo foi a Áustria, em 1925. O legislador disciplina que a atividade a
desenvolver pela administração está sujeita a uma tramitação pré-determinada
normativamente.
• Função metódica: O procedimento administrativo tem como principal função
ordenar a administração enquanto esta desenvolve a sua atividade – a
administração em ação. Impõe uma ordem lógica e deontológica à atividade
administrativa, vinculando a administração a praticar certos atos e atividades em
determinadas unidades temporais a que chamamos fases, de modo a permitir a
racionalidade dessas decisões. Tem a vantagem de o particular conhecer
previamente os passos que a administração toma quando inicia um procedimento
com vista à prática de um ato administrativo – o particular sabe quais são os seus
direitos, o que torna mais transparente a atividade administrativa.

• Função de garantia e proteção jurídica do particular, do cidadão: Em


primeiro lugar, o procedimento administrativo tem como objetivo que a
administração tome as suas decisões concretas imbuída de um espírito de justiça
material. As decisões da administração têm de ser não só lícitas, legais, mas
também materialmente justas. É uma forma de a administração praticar decisões
administrativas na obtenção da decisão mais eficaz para o interesse público, sem
se separar da tutela das posições jurídicas substantivas dos particulares.
A lei do procedimento consubstancia um conjunto de princípios que
vinculam a administração à procura da justiça material nessas decisões –
princípio da verdade material, da transparência administrativa, da imparcialidade,
da fundamentação dos atos administrativos. Desenvolve-se esta função de
proteção jurídica naquelas áreas em que a administração goza de poder
discricionário, e também na problemática dos conceitos jurídicos relativamente
indeterminados. Nestes domínios em que há um défice de controlo jurisdicional,
o procedimento tem uma função de compensação face a esse controlo
jurisdicional, ou seja, reforça os requisitos de uma tutela jurisdicional efetiva e
plena do particular, porque a administração é obrigada a enviar para o juiz o
processo administrativo – o juiz aprecia toda a atividade administrativa
precedente. É um instrumento de proteção jurídica do particular, porque o
procedimento permite uma tutela jurídica temporalmente adequada, e não apenas
da decisão final. É também uma tutela jurídica de natureza preventiva, na medida

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em que é o único instrumento jurídico em que o particular pode intervir em várias


fases, desde a iniciativa do procedimento, até intervenção em fase instrutória e na
audiência dos interessados – possibilita influenciar o ato administrativo que venha
a ser praticado no termo deste procedimento administrativo. A tutela jurisdicional
intervém no momento patológico – o ato já foi praticado e já está potencialmente
a produzir danos na esfera patrimonial dos seus destinatários. O procedimento
administrativo impede que o particular esteja confrontado com um facto
consumado.

• Função consensual: É uma função mais empírica. A administração só pode


praticar uma decisão administrativa como epílogo de um procedimento
administrativo, que tem várias fases em que os particulares são chamados a
transmitir as suas opiniões. Os particulares, através do procedimento, podem ficar
voluntariamente convencidos da bondade da decisão da administração. Há vários
momentos participativos e a administração é obrigada a fundamentar as suas
decisões. Há várias garantias procedimentais dentro da grande garantia: a
existência de um direito ao procedimento.

• Instrumento de otimização das tarefas administrativas: É um meio de a


administração atingir tarefas eficazes. A ideia de eficiência é um termo
polissémico: exprime a ideia de produzir determinados resultados de forma eficaz;
é uma combinação racional entre meios e fins, porque deve-se utilizar os mínimos
recursos possíveis para atingir os fins. No procedimento administrativo, se
introduzirmos a ideia de rapidez, este não é considerado eficiente.

• Função organizativa: Atualmente, a atividade administrativa não se desenvolve


no seio de apenas um órgão, nem nos órgãos de uma única pessoa coletiva pública
– envolve vários órgãos de várias pessoas coletivas públicas – ex.: a elaboração
do Plano Diretor Municipal engloba vários órgãos.
Tramitação do procedimento administrativo relativamente ao ato:
§ Cada forma jurídica da atividade administrativa tem um procedimento
correspondente. O CPA não surge do nada, uma vez que já antes a doutrina havia
alimentado uma ideia de tipicidade dos atos administrativos com vista à obtenção
de uma decisão mais racional e materialmente justa, fruto de maturação
dogmática. No entanto, certos autores opunham-se, porque a atividade
administrativa era tão variada que seria impossível tipificá-la.
§ Princípio da discricionariedade procedimental/princípio da adequação
procedimental: Opõe-se à ideia de que estamos perante um procedimento rígido
– artigos 56º e 57º CPA. Tem como objeto o próprio desenvolvimento do
procedimento, os termos em que ele se vai desenvolver – os atos e formalidades
a praticar em determinada fase. Artigo 57º nº3 CPA: A causa deste contrato entre
órgão competente e interessados não tem como causa o interesse público nem
determina de uma forma específica o conteúdo do ato, apenas fixa os parâmetros
a que este deve atender. Tem de haver um ato administrativo que deve respeitar
os limites da fixação deste contrato. Se determinar na totalidade o conteúdo do ato
levanta-se a dúvida se não há uma renúncia ao exercício da competência (substitui
o ato administrativo). Ex.: Artigo 117º CPA.
§ Princípio do inquisitório: Na ausência de uma norma de competência que
atribuísse ao responsável pelo procedimento a possibilidade de o alterar, a

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doutrina recorria-se do art. 58º. A administração não pode contar apenas com os
dados que lhe são conhecidos, tem de fazer tudo o que seja possível para recolher,
principalmente na fase instrutória, todos os factos e pareceres relevantes para uma
boa decisão final.
Procedimento administrativo:
§ Forma clássica: Existe uma fase preparatória (onde se incluem todos os
trâmites necessários à tomada da decisão final); fase constitutiva (fase da tomada
de decisão) e fase integrativa de eficácia (o ato administrativo já foi praticado,
não há nada a acrescentar ao conteúdo do ato, mas ele ainda não está em condições
de produzir efeitos jurídicos externos).

ü Dentro da fase preparatória existem as seguintes subfases: subfase da


iniciativa, subfase instrutória, subfase da audiência prévia dos interessados e
subfase da preparação direta de decisão.

§ O Professor Freitas do Amaral segue uma orientação diferente, e considera


que o procedimento administrativo se ordena em seis fases: fase da iniciativa, fase
instrutória, fase da audiência prévia dos interessados, fase da preparação direta da
decisão, fase da decisão constitutiva e fase complementar/subsequente.

v Fase preparatória:

§ Subfase da iniciativa: Corresponde à fase de abertura do procedimento. A


iniciativa do procedimento administrativo pode caber à administração ou aos
interessados – artigo 53º CPA. Não se pode confundir iniciativa (que pode ser do
particular ou da administração) com alguns antecedentes procedimentais.
A forma habitual de um particular se dirigir à administração para requerer a
abertura de um procedimento é um requerimento inicial, que deve conter uma
série de requisitos definidos na alínea 1 do artigo 102º CPA – exemplo:
identificação do órgão a que se dirige, exposição dos factos fundamentadores do
pedido e indicação do pedido.
Sobre este requerimento, pode recair um despacho de indeferimento liminar
(prévio), nos termos do artigo 108º nº3 CPA ou um despacho de aperfeiçoamento,
nos termos do nº1 e nº2 do mesmo artigo.
O responsável pela direção do procedimento está previsto no artigo 55º - o que é
diferente do órgão competente para tomada da decisão final. No código de 1991,
o órgão competente para a decisão final podia delegar a instrução no inferior
hierárquico, mas atualmente o legislador foi mais longe, e estabelece no artigo 55º
nº2 um dever de delegar ao inferior hierárquico.
A fase da iniciativa culmina com o saneamento do procedimento – consiste na
verificação de que não existem obstáculos que impeçam o normal
desenvolvimento do procedimento ou a tomada da decisão final – artigo 109º
CPA.
A legitimidade procedimental está estipulada no artigo 68º CPA.
Os prazos para os particulares têm um caráter mais perentório e para a
administração um caráter mais ordenador.

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§ Subfase instrutória: Para o Professor, esta é a fase mais relevante do


procedimento administrativo, porque permite criar as condições para que o órgão
responsável pela direção do procedimento possa determinar o conteúdo do ato
final, quer para o interesse público, quer para a proteção dos direitos e interesses
legalmente protegidos dos particulares.
Esta fase fornece os elementos que determinarão o conteúdo da decisão final da
administração. Está ligada ao princípio do inquisitório – a administração deve
invocar todas as diligências necessárias para apurar os factos.
Há dois tipos de diligências fundamentais nesta fase: as probatórias e as
consultivas (artigos 115º e ss. CPA).
As diligências probatórias correspondem às provas apresentadas pelos
interessados, nos termos do artigo 116º CPA. O responsável pode recorrer a todos
os meios e provas admitidos em Direito, sendo que não carecem de prova nem de
alegações os factos notórios, bem como os factos de que o responsável pela
direção do procedimento tenha conhecimento. O Professor considera que todos os
factos devem ser objeto de prova. Os factos relevantes para a decisão devem ser
estabelecidos e provados – ex.: a posse de habilitações académicas.
A falta de provas tem as suas consequências previstas no artigo 119º nº2.
Quanto às diligências consultivas estão previstas nos artigos 91º e seguintes. O
parecer é obrigatório quando a lei exige o cumprimento dessa formalidade; é
facultativo quando o órgão competente para a decisão não é obrigado a segui-lo,
caso o tenha solicitado.
O parecer é vinculativo quando, além de ter de ser obrigatório, têm de ser seguidas
as respetivas conclusões pelo órgão competente. Quando a lei prevê um parecer,
mas nada estabelece em relação à sua obrigatoriedade, nos termos do nº2 do art.
91º, significa que têm de ser pedidos, mas não têm necessariamente de ser
seguidos, pelo que o órgão pode decidir em sentido diferente. Os pareceres devem
ser sempre fundamentados e concluídos de modo expresso e claro.
Durante o procedimento, não há nenhuma discricionariedade: o órgão analisa o
procedimento, faz uma ponderação e determina o conteúdo do ato. Na fase instrutória, há
absoluta vinculação (princípio da completude do material instrutório).
• Subfase da audiência prévia dos interessados: Artigos 121º a 124º CPA. Para
alguns autores, configura-se como a fase mais revolucionária. A sede por
excelência é a participação dos interessados no procedimento, à luz do princípio
da participação (artigo 12º CPA). É uma fase tão relevante que, a seguir à fase
instrutória, destina-se a preparar a decisão e a conformar a mesma decisão que
compete ao órgão responsável pelo procedimento administrativo. Vigora também
aqui o princípio da dupla decisão, portanto, a administração está obrigada a
elaborar um projeto de decisão, que deve ser devidamente fundamentado e que
será comunicado aos interessados para estes se pronunciarem. Só depois de
cumprida esta formalidade é que se torna legítimo entrar na fase constitutiva. Esta
audiência pode ser feita de forma escrita ou oral, nos termos do artigo 122º nº1,
mediante um prazo de dez dias (contando-se nos termos do artigo 37º CPA, em
dias úteis). O artigo 121º nº3 prevê que a contagem de prazos é suspensa em todos
os procedimentos administrativos enquanto se realiza a audiência.
Os interessados têm o direito de serem ouvidos, direito a uma audiência prévia
antes de ser tomada a decisão – artigo 121º nº1 CPA, sem prejuízo do disposto no
artigo 124º CPA, que são as exceções, em que existe dispensa da audiência dos
interessados. No caso de se verificar o adiamento a que se refere o artigo 123º nº2

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e nº3 CPA, o órgão responsável pela direção do procedimento deve tentar chegar
a acordo com o interessado sobre a nova data da audiência.
O que se apresenta aos interessados é apenas um projeto de decisão e nunca a
decisão final, sendo que este vai ser complementado com um parecer dos
interessados.
Quanto à dispensa dos interessados: artigo 124º CPA - o responsável pela
direção do procedimento administrativo tem uma margem de discricionariedade.
Pode dispensar a audiência dos interessados e tem margem de apreciação para
decidir quando o deve ou não fazer, mediante fundamentação completa e clara,
sob pena de poder afetar a validade do ato final – a discricionariedade é concedida
pelos pressupostos objetivos plasmados nas diversas alíneas do artigo 124º CPA.

Quais são as consequências que resultam da violação ou preterição desta


formalidade essencial que é a audiência prévia dos interessados? Em regra, a
preterição da audiência prévia dos interessados gera apenas um tipo de invalidade
mais débil: a anulabilidade da decisão. No entanto, há dois casos especiais em que
a preterição da audiência prévia dos interessados gera a nulidade: os
procedimentos disciplinares (artigo 269º nº3 CRP) e procedimentos
contraordenacionais (art. 32º nº10 CRP), porque aqui o direito à audiência prévia
é visto como um direito fundamental procedimental, de natureza análoga aos
direitos, liberdades e garantias, e por isso a consequência é a nulidade, nos termos
do artigo 161º nº2 d) CPA.

• Subfase de preparação direta da decisão (artigos 125º e 126º CPA): Importa


também ter aqui em conta o artigo 55º do CPA.

v Fase constitutiva (artigos 127º e seguintes): Há uma separação entre a fase de


instrução, onde se encontra o órgão responsável pelo procedimento, e o órgão
competente para a decisão – nos termos do artigo 55º CPA, não coincidem. O
órgão competente para tomar a decisão já não carece da concordância ou da
demostração da vontade dos interessados. O órgão vai tomar a decisão,
ponderando todos os elementos essenciais da decisão. Em virtude da completude
do material instrutório, está na posse da tomada de decisão. Esta decisão,
normalmente, é escrita, nos termos do artigo 150º CPA, e deve conter também os
elementos obrigatórios contidos no artigo 151º CPA.
Há possibilidade aqui, de haver um incumprimento do dever de decisão (artigo
129º, 13º CPA), e o interessado pode utilizar os meios de tutela administrativa:
pedido impugnatório de condenação à prática do ato (artigo 184º nº1 b) CPA);
possibilidade de utilizar as garantias contenciosas, utilizando a ação
administrativa sob a forma do pedido de condenação à prática do ato legalmente
devido, porque estamos perante uma omissão ilegal. Se a administração não tomar
a decisão que devia tomar ao abrigo do artigo 13º CPA, há uma omissão ilegal.
Esta forma de reação face a uma omissão ilegal surge apenas em 2015, com a
reforma do procedimento administrativo

v Fase complementar ou integrativa de eficácia: Significa que o ato está pronto,


não há nada a acrescentar, nem quanto ao conteúdo, nem quanto à validade, mas
o ato ainda não está em condições de imediatamente produzir efeitos jurídicos
externos na esfera jurídica dos destinatários. São normalmente atos instrumentais
cujo objetivo é afastar os obstáculos que possam impedir a operatividade de

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produção de efeitos jurídicos externos. Esta fase é sempre uma fase posterior à
fase constitutiva e decisória, e tem como objetivo desencadear a eficácia de
qualquer ato administrativo em sentido próprio. Só a partir destes atos integrativos
de eficácia é que se começam a contar os prazos para a impugnação administrativa
ou oficiosa.
Os atos integrativos da eficácia não acrescentam nada ao conteúdo e validade do
ato, a sua função é permitir que o ato final produza os seus efeitos jurídicos
externos, momento a partir do qual se inicia a relação jurídica.

A dificuldade maior prende-se com a comunicação dos atos aos interessados:


A forma é, em regra, a notificação (artigo 114º CPA), podendo existir também a
publicação, que ocorre quando existe um número elevado de destinatários (artigo
158º CPA). Havendo lugar à publicação, a notificação é na mesma obrigatória.

Numa interpretação literal do artigo 160º CPA, estes atos impositivos de deveres
não precisariam de ser comunicados aos respetivos interessados para terem
eficácia jurídica externa.
O Professor entende que todos os atos negativos, que impõem deveres, devem ser
comunicados ao interessado, sendo um requisito da eficácia do ato. Quanto aos
atos que estabelecem uma vantagem, não necessitam de comunicação ao
interessado; não é requisito de eficácia, mas sim de oponibilidade ao destinatário.
Quanto à notificação, no nº1 do artigo 114º enumeram-se exemplificativamente
os atos que devem ser notificados. O nº2 afirma que da notificação do ato devem
constar determinados elementos.

o Podem existir atos complementares que sejam da responsabilidade da


Administração ou da responsabilidade dos particulares.
ü Quando se tratam de atos integrativos da eficácia da responsabilidade da
Administração estamos no âmbito do controlo preventivo das aprovações e
vistos. Esta função é exercida pelos órgãos que tenham funções de controlo e
fiscalização – são os chamados atos de controlo preventivos.
ü Quando se tratam de atos instrumentais da responsabilidade dos particulares,
estes são excecionais, como é o caso por exemplo dos atos de adesão.

Validade do ato: Um ato administrativo é válido juridicamente quando tem a qualidade


de, ao ser constituído, estar em conformidade com as normas jurídicas que regulam esta
forma específica de atuação administrativa num caso concreto. É a qualidade que um ato
tem, quando é constituído de acordo com as normas e princípios aplicáveis numa situação
individual e concreta, produzindo efeitos jurídicos estáveis ou permanentes. A validade
seria a aptidão intrínseca do direito para produzir os efeitos jurídicos típicos
correspondentes ao tipo legal a que pertence, em virtude da sua conformidade com o
ordenamento jurídico. Esta conformidade obedece ao sistema jurídico, ao conjunto de
normas e princípios jurídicos aplicáveis.
Um ato administrativo não tem apenas vícios de legalidade, pode ter vícios de
mérito. O ato tem de ser constituído de acordo com as normas de boa administração, que
são normas extrajurídicas, de natureza técnica. Se tiver sido praticado em
desconformidade com estas normas técnicas, temos um vício de mérito. Os tribunais
administrativos apenas têm competência para apreciar os vícios de legalidade, têm uma

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tutela jurisdicional limitada, nos termos do artigo 3º nº1 CPTA, mas os vícios de mérito
podem ser apreciados pelo superior hierárquico.
Um ato que seja desconforme com a ordem jurídica tem um vício: Quanto a estes,
são essencialmente de elaboração doutrinal e jurisprudencial, o legislador não define os
vícios, apenas os tipos de invalidade. Os vícios não têm todos a mesma relevância
jurídica. Pode acontecer que o legislador desvalorize certas conformidades da atuação da
administração com o ordenamento jurídico. A invalidade seria a inaptidão intrínseca do
ato para produzir os efeitos jurídicos correspondentes ao tipo legal em que se insere, em
virtude da sua desconformidade com a ordem jurídica.
Os vícios podem distinguir-se em:
• Vícios invalidantes: Há vícios mais graves, que abalam a própria estrutura do ato
e outros vícios menores, que causam a anulabilidade do ato, embora invalidantes.
• Vícios não invalidantes: ocorrem quando a ordem jurídica considera que o
incumprimento das normas que deviam ser praticadas é desprovida de valor
jurídico. Nestes casos existe uma mera irregularidade.

Tipos de invalidade:
• Nulidade: Apresenta-se como a exceção. Está prevista no artigo 161º nº1 CPA,
onde temos uma enumeração simplesmente exemplificativa, o que significa que
podemos ter mais nulidades do que as previstas no artigo mencionado. Há uma
gravidade do vício e uma evidência.
No código de 1991 distinguiam-se nulidades por determinação legal e nulidades
por natureza (quando faltava ao ato um dos seus elementos essenciais, que
dissesse respeito a algo significativo da determinação desse ato – por exemplo,
verificação constitutiva em que os factos indicados são falsos; situação de
carência de poder).
Atualmente, só temos nulidades por determinação legal. O ato nulo não produz
efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade (artigo 162º nº1
CPA) – o que se quer dizer é que o ato nulo não produz efeitos jurídicos externos.
O Professor considera que há alguns efeitos jurídicos externos que o ato nulo
produz, por exemplo os que sejam necessários para abrir a possibilidade da
impugnação contenciosa. O ato nulo produz resultados juridicamente
relevantes para o ordenamento jurídico administrativo. Se assim não fosse, a
que propósito se faria um pedido de formulação de eficácia de um ato nulo? O
professor considera que um ato nulo nunca produz eficácia interna, que é a
obrigatoriedade jurídica do conteúdo regulador do ato – no momento em que é
praticado, o conteúdo do ato torna-se juridicamente vinculativo para os
destinatários. A eficácia jurídica corresponde à eficácia externa, em que é preciso
a prática de um ato instrumental que o torne operativo.
No artigo 162º, afirma-se que a nulidade pode ser invocada a todo o tempo e o
Professor considera que isto é claramente excessivo.
De acordo com o artigo 162º, para conhecer a nulidade de um ato, qualquer
autoridade administrativa é competente. No entanto, para declarar a nulidade só
são competentes ou um tribunal administrativo ou um órgão com poderes de
controlo sobre o ato praticado.
Um ato nulo é diferente de um ato inexistente, porque este último não produz
efeitos jurídicos nem resultados juridicamente relevantes.

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• Anulabilidade: Esta é a regra em direito administrativo. Não é a anulação


administrativa. A anulabilidade é um tipo de invalidade, presente no artigo 163º.
Enquanto um ato não for anulado nem administrativamente nem
contenciosamente, produz os mesmos efeitos jurídicos que um ato válido produz
e é na mesma vinculativo, de acordo com o artigo 168º CPA. Produz efeitos
jurídicos como se fosse um ato válido. Os efeitos do ato são provisórios e podem
ser destruídos com a eficácia retroativa, nos termos do artigo 163º nº2 CPA.
De acordo com o artigo 38º CPTA, esse ato anulável que se tenha consolidado,
se não foi anulado pela administração nem contenciosamente impugnado, pode
ser atacado indiretamente.
Requisitos de validade do ato: São exigências que a lei exige relativamente a cada um
dos elementos que compõe a estrutura do ato.
Quais são os elementos que compõem a estrutura do ato?
§ Elementos subjetivos: a prática de um ato administrativo pressupõe um autor,
um órgão administrativo competente para a sua prática e um ou vários
destinatários, porque cada vez mais é óbvia a importante presença das relações
jurídicas administrativas poligonais, em que cada uma das partes é constituída por
vários sujeitos, muitas vezes com posições jurídicas contrapostas;

§ Elementos objetivos: há um objeto, isto é, uma realidade sobre o que vai incidir
os efeitos do ato, que pode ser uma pessoa, uma coisa ou um ato administrativo
real; bem como um conteúdo, ou seja, transformações que o ato administrativo
vai produzir no ordenamento jurídico e nas situações jurídicas dos particulares;

§ Elementos formais: estamos a fazer referência a todos aqueles elementos


necessários à formação e à expressão da vontade implícita no ato administrativo.
É necessário distinguir a forma (modo de exteriorização legal do ato; é a forma
escrita, nos termos do artigo 150º CPA) das formalidades (regras procedimentais,
o cumprimento dos trâmites, das regras em relação ao funcionamento do órgão
colegial, fundamentação do ato; são fases essenciais e necessárias em
determinados momentos para que a Administração possa formar válida e
corretamente o respetivo ato administrativo);

§ Elementos funcionais: estamos a referir-nos ao fim a que se destina o ato, o


interesse público específico que a administração visa prosseguir. A administração
nunca tem discricionariedade para realizar esses fins, apenas quanto aos meios
para realizar os mesmos. O interesse público identifica-se através dos
pressupostos, que são circunstâncias de facto previstas na lei e que uma vez
verificadas na vida real, legitimam, autorizam e obrigam a administração a
praticar um ato administrativo. Há que distinguir entre fim legal (pressupostos
abstratos e hipotéticos previstos na norma) e fim real (pressupostos concretos do
ato). A verificação destas situações de facto, se estiverem de acordo com a
finalidade determinada pela lei, autorizam a administração a praticar um ato
administrativo.
Requisitos de validade do ato:

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• Quanto aos elementos subjetivos: Importa fundamentalmente o autor do ato. É


necessária a presença de um órgão de uma determinada pessoa coletiva pública,
dotada de funções para os efeitos. Os requisitos de validade dos elementos
subjetivos são as atribuições (exigência de um órgão administrativo competente
inserido numa pessoa coletiva pública com atribuições para o efeito) e as
competências (o órgão da pessoa coletiva pública tem de ser competente para
praticar o ato).
O órgão competente tem de estar legitimado para o exercício dessa competência
– requisito da legitimação para o exercício dessa competência – o titular do órgão
tem de estar regularmente investido, têm de se cumprir também as garantias de
imparcialidade, tem de existir uma autorização constitutiva de legitimação, têm
de ser cumpridas as regras relativamente ao quórum dos órgãos colegiais e é
necessária a fixação de um determinado prazo para praticar o ato.

• Quanto aos elementos objetivos: Relaciona-se com o objeto, que tem de ser
fisicamente possível e tem de existir suscetibilidade desse facto ser capaz de
realizar uma determinada disposição legal. Existe ainda o requisito da sua
determinação – tem de estar delimitado e identificado.
Quanto ao conteúdo, depende se o ato administrativo é essencialmente vinculado
ou discricionário. Se for vinculado, o conteúdo do ato deve responder ao que a lei
prevê para a prática desse ato. Se for discricionário, o conteúdo tem de ser o
mínimo certo, legal e possível.

• Quanto aos elementos formais: Tem de se tomar em conta a distinção entre


forma (modo de exteriorização legal imposto pela lei, de acordo com o artigo 105º
CPA, em regra é a forma escrita). Há atos que têm uma forma simples, quando
a lei não exige um modelo especial para a sua prática e atos que têm uma forma
solene, quando têm de ser praticados com a forma legal estabelecida. Se o ato
assumir a forma de despacho ministerial, temos um ato sob a forma simples, mas
se a lei estabelecer que o ato assuma a forma de uma portaria, temos um ato sob a
forma solene.
As formalidades são os trâmites que o ato administrativo deve cumprir para que
possa ser validamente constituído. Podem distinguir-se em:

ü Formalidades anteriores à prática do ato – todas as formalidades que


precedem o momento constitutivo do procedimento. Importa distinguir aqui
formalidades essenciais (constituem requisitos de validade do ato, toda aquela
formalidade legalmente exigida) e formalidades não essenciais.

ü Formalidades relativas à prática do ato – como por exemplo as regras


relativas ao funcionamento dos órgãos colegiais.

Temos de ter em conta o dever de fundamentação expressa dos atos


administrativos, previsto nos artigos 152º a 154º CPA. Consiste numa
declaração contida no próprio ato, por intermédio da qual o seu autor expõe
os fundamentos de facto e de direito, ainda que de uma forma sintética e
resumida. Todos os atos administrativos necessitam do dever de
fundamentação expressa? O professor considera que não há um dever geral
de fundamentação expressa dos atos administrativos, embora se conjugarmos
o artigo 268º nº3 da CRP com o artigo 152º do CPA, o dever de fundamentação

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expressa dos atos recai sobre quase todos os atos administrativos. Os atos
desfavoráveis, no entanto, devem ser sempre fundamentados, principalmente
os atos impositivos e os que tenham uma natureza discricionária.

É necessária uma distinção entre justificação do ato (indicação sobre os


pressupostos, isto é, aquelas circunstâncias de facto que demonstram a
existência de uma situação jurídica, de interesse público legalmente definida
que legitima e obriga a administração a praticar o ato) e motivação do ato
(tem a ver com os atos discricionários, é uma indicação sobre os factos e
interesses que foram concludentes para a determinação do conteúdo daquele
ato em particular).

Destacam-se dois tipos de fundamentação expressa, de acordo com o


artigo 153º CPA: contextual e por remissão (o órgão que tem de tomar a
decisão remete para o âmbito do órgão do parecer consultivo).
Uma fundamentação obscura equivale à inexistência da fundamentação, de
acordo com o artigo 153º nº2 CPA. O artigo 154º CPA refere-se à
fundamentação oral.

Densificação da interpretação: Há quem valorize uma leitura mais


formalista e afirme que a fundamentação tem um caráter justificativo, é uma
fundamentação que pretende justificar a prática daquele ato (tende a
privilegiar-se o seu caráter retórico e enunciativo). Na vertente substancialista
atende-se ao procedimento e à fase instrutória sempre conotada com a
completude do material procedimental e da existência de elementos
probatórios.
O professor considera que na fundamentação formal prevalece o caráter mais
justificativo e discursivo e acredita que deve existir uma fundamentação mais
substancialista, em que a centralidade se encontra no procedimento, deve
conter os interesses que o órgão competente para a tomada de decisão
entendeu serem os determinantes para a prática daquele ato com aquele
conteúdo. Esta visão mista está de acordo com a plurifuncionalidade do dever
de fundamentação.
A fundamentação é uma garantia de que a administração tomou a melhor
decisão e a menos intrusiva; e é um instrumento excelente que o interessado
dispõe para atacar administrativa e contenciosamente o ato; é também um
instrumento que visa tornar mais transparente e objetiva a atuação da
administração e garante a ambivalência da prática do ato administrativo:
interesse público e direitos e interesses legalmente protegidos.

O artigo 153º CPA refere-se também à relação entre uma fundamentação


formalista e substancialista, ao mencionar os pressupostos de facto e de
direito.
A consequência jurídica da falta de fundamentação é, para alguns autores, a
nulidade, porque é vista como a violação de um direito fundamental de
natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias. O professor não
concorda, pois considera que a nulidade é excessiva. Tem de haver sempre
uma congruência entre aquilo que foi decidido e a fundamentação dada.

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ü Formalidades supríveis (quando a sua falta no momento adequado pode


ainda ser remediada na medida em que o objetivo que ela pretendia atingir
seja ainda efetivado/realizável) e insupríveis (aquela que, não tendo sido
realizada no momento adequado, já não é suscetível de remediação).

• Quanto aos elementos funcionais: Está em causa o interesse público específico,


pelo que o ato não se pode afastar do interesse público previamente definido e
qualificado pelo legislador. O problema atinge maior gravidade nos atos
discricionários, altura em que surge o desvio de poder.

No artigo 163º nº5 afirmam-se as ocasiões em que não se produz efeito anulatório,
sendo designado princípio do aproveitamento do ato. Este princípio significa que,
por vezes, existem formalidades essenciais que caem em formalidades não essenciais,
ao mesmo tempo que determinados vícios seriam invalidantes quando podem ser vícios
não invalidantes. Embora haja vício, não vai existir anulação quando o conteúdo do ato
não puder ter sido realizado de forma diferente. Nestes casos é exigido um juízo de
prognose, visto que terá de se imaginar como é que o ato seria se tivesse sido cumprida
a formalidade essencial. Apenas se aplica aos atos anuláveis e nunca a atos nulos.

Vícios orgânicos, formais e materiais:


• Os vícios orgânicos são os que dizem respeito ao autor do ato administrativo:

ü Usurpação de poder (artigo 161º nº2 a) CPA) - acontece quando um órgão


administrativo pratica um ato no âmbito das atribuições do poder legislativo
ou judicial - é uma incompetência absoluta, por violação do princípio da
separação de poderes (violação da reserva do poder legislativo e da reserva do
poder judicial), cuja consequência jurídica é a nulidade.

ü Incompetência absoluta/ falta de atribuições (artigo 161º nº2 b) CPA) –


quando um órgão pratica um ato que é da competência de outro órgão de outra
pessoa coletiva pública; quando o Ministério pratica um ato no domínio de
outro Ministério – a consequência jurídica é a nulidade – artigo 161º nº2 b)
CPA.

ü Incompetência relativa (artigo 163º nº1 CPA) - quando um órgão pratica um


ato de outro órgão da mesma pessoa coletiva pública – a consequência jurídica
é a anulabilidade.

ü Falta de legitimação - Quando o órgão que atua, embora o faça dentro das
atribuições da pessoa coletiva pública a que pertence e no âmbito da sua
competência, não está legitimado na situação concreta para exercer as suas
competências. Há falta de legitimação nos casos de impedimento (artigos 69º
e seguintes CPA) – a consequência é a anulabilidade; no caso da falta de

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autorização constitutiva de legitimação – a consequência é a anulabilidade;


quando não se cumpre o quórum - a consequência jurídica é a nulidade (artigo
161º nº2 h) CPA) e quando estamos perante a falta de investidura do titular do
órgão – a consequência é a nulidade.

• Nos vícios formais, podem ser vícios de forma (modo de exteriorização


legalmente exigida ao ato; pode ser simples ou solene) - se houver carência
absoluta de forma legal, temos a nulidade nos termos do artigo 161º nº2 g) CPA.
Podem também ser vícios de formalidades (têm a ver com o cumprimento dos
trâmites legais relativos à formação do ato administrativo).

ü Se forem formalidades essenciais/regras do procedimento a serem


violadas, pode existir a preterição de formalidades – vício de forma ou de
procedimento, cuja consequência jurídica será a anulabilidade, nos termos
do artigo 163º, nº1 do CPA e excecionalmente verifica-se a nulidade nos
casos de violação de direitos fundamentais procedimentais, falta de
audiência (artigo 161º, nº2, alínea d) do CPA), atos praticados com
preterição total do procedimento legalmente exigido (artigo 161º, nº2,
alínea l do CPA), procedimentos disciplinares (artigo 269º, nº3 da CRP) e
procedimentos contraordenacionais (artigo 32º, nº10 da CRP).
ü Se forem violadas regras relativas à prática do ato administrativo:
podemos ter a preterição de formalidades relativas à prática do ato
administrativo – a consequência jurídica é a anulabilidade, nos termos do
artigo 163º, nº1 do CPA; quando a deliberação é tomada tumultuosamente
– a consequência jurídica é a nulidade (artigo 161º, nº2, alínea h do CPA);
quando a deliberação é tomada com inobservância da maioria exigida por
lei – a consequência é a nulidade (artigo 161º, nº2, alínea h do CPA).

• Os vícios materiais reportam-se:


ü Ao objeto (realidade sobre que recaem os efeitos jurídicos do ato
administrativo). Os vícios podem ser a impossibilidade e
ininteligibilidade, cuja consequência jurídica será a nulidade (artigo 161º,
nº2, alínea c do CPA); ou atos administrativos certificativos que
produzem falsidade ou inexistência do facto certificado, o que gera a
nulidade nos termos do artigo 161º, nº2, alínea j do CPA;
ü Ao conteúdo do ato (implicações que a prática do ato tem no ordenamento
jurídico e na esfera jurídica dos destinatários).
Pode existir o vício de violação de lei, que é um vício residual, sendo que o professor
considera que o vício de violação de lei é sintomático do vício de desvio do poder. O vício
de violação de lei consiste na discrepância entre o conteúdo e ou o objeto do ato
administrativo e as normas jurídicas que lhe são aplicadas.
No entanto, é preciso distinguir este vício quando se trata de um ato administrativo
vinculado, em que o vício de violação de lei se revela quando a administração decide
coisa diferente da prevista na lei – há uma ilegalidade quanto aos pressupostos e a
consequência jurídica é, em regra, a anulabilidade. O vício de violação de lei nos atos

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discricionários consiste na violação dos princípios jurídicos fundamentais que regem a


atividade administrativa discricionária, como por exemplo o princípio da
proporcionalidade – a consequência jurídica é a nulidade, nos termos do artigo 161º nº2
c) CPA. São também nulos os atos certificativos inexistentes, nos termos do artigo 161º
nº2 j) CPA.
Pode existir também o vício de desvio de poder, que se associa ao exercício do poder
discricionário, o que não significa que um ato discricionário padeça somente do vício de
desvio de poder – pode padecer do vício de forma, de incompetência. Estamos perante
este vício quando se verifica que o exercício do poder discricionário se dá por um motivo
principalmente determinante que não está em conformidade com a finalidade atribuída
pela lei para o exercício do poder discricionário para aquele caso. O vício de desvio do
poder, em regra, tem como consequência jurídica a anulabilidade, quando prossegue um
interesse público secundário ao invés de um primário, mas o artigo 161º nº2 e) CPA
estabelece que a consequência é a nulidade quando o desvio de poder tenha a ver com a
prossecução de interesses privados ao invés de interesses públicos.
Quanto ao conteúdo do ato, a consequência é a nulidade quando há falta absoluta de
base legal, ou seja, quando há a prática de um ato administrativo sem lei que o autorize;
quando há atos que criem obrigações pecuniárias não previstas na lei; quando há a prática
de um ato contra expressa proibição legal; quando exista um ato cujo objeto constitua um
crime ou seja determinado pela prática de um crime, nos termos do artigo 161º nº2 c)
CPA; quando existam atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental
(artigo 161º nº2 b) CPA) – são aqueles casos de procedimentos disciplinares (art. 269º
nº3 CRP); atos que tenham por objeto a renúncia de titularidade ao exercício de
competência; atos que ofendam o caso julgado (artigo 161º nº2 i) CPA). Os restantes
vícios respeitantes ao conteúdo do ato (a violação do regime legal, erro sobre os
pressupostos de facto ou violação de princípios jurídicos como a imparcialidade,
proporcionalidade, igualdade e justiça) geram a anulabilidade. Nem todas as
circunstâncias suscetíveis de gerar nulidade estão previstas no artigo 161º (a enumeração
é exemplificativa).
Quanto ao texto do ato, deve conter uma série de menções obrigatórias (artigo 151º
e 155º nº2 CPA) – a ausência destas não tem sempre a mesma consequência jurídica. A
falta de menção da autoridade que praticou o ato, da identificação do destinatário, da
identificação do conteúdo ou do sentido da decisão e o respetivo objetivo de assinatura
do ato administrativo gera normalmente a inexistência. A vontade do agente deve ser
esclarecida e livre, sem erro, dolo ou coação (o erro e o dolo têm como consequência
jurídica a anulabilidade, mas a coação nos termos do artigo 161º nº2 f) CPA gera a
nulidade).

Sanação dos atos inválidos: Não consiste na sanação dos atos anuláveis, porque no
código atual de 2015 a sanação abrange os atos anuláveis e atos nulos. Converte-se um
ato inválido num ato válido. O decurso do tempo não sana os vícios dos atos anuláveis.
Um ato anulável, se não for impugnado pelo lesado ou não anulado pela administração,
não se convalida mas consolida-se na ordem jurídica, torna-se inatacável do ponto de
vista contencioso diretamente. No entanto, está sempre sujeito a fiscalização contenciosa
a nível incidental - se o interessado não atacar o ato, não pode pretender através da
fiscalização acidental obter o mesmo benefício jurídico que teria obtido se o tivesse

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impugnado.
A sanação dos atos consiste na ratificação (ato administrativo pelo qual o órgão
administrativo competente decide sanar um ato inválido anterior, eliminando a
ilegalidade que o vicia – repete-se a mesma decisão, mas sem o vicio que o afetava –
exemplo: um ato não fundamentado adquire uma fundamentação); reforma (ato
administrativo pelo qual a administração conserva um ato administrativo anterior na parte
não afetada pela ilegalidade – aproveita a parte sana e elimina a outra) e conversão (ato
administrativo através do qual se aproveitam os elementos válidos de um ato ilegal, para
com eles compor um outro ato válido). Estão previstas no artigo 164º CPA.

Eficácia do ato: Enquanto os requisitos de validade do ato têm a ver com os seus
elementos intrínsecos, a eficácia tem a ver com as circunstâncias extrínsecas do ato – a
prática de atos, em regra, instrumentais e após a fase constitutiva do procedimento, em
que o ato administrativo já está pronto e não há nada a acrescentar quanto ao seu conteúdo
ou validade, mas ainda não está suficientemente operativo para produzir efeitos jurídicos
externos, o que significa que não se pode dizer que um ato é ineficaz querendo dizer que
o ato é inválido.
Há pelo menos um tipo de invalidade em que esta e as consequências jurídicas se
assemelham que é o caso do ato nulo ou inexistente – não é válido e também não
produz efeitos jurídicos. No entanto, os requisitos de validade e a eficácia do ato são
coisas diferentes. Os requisitos de eficácia do ato são a aprovação (atos de controlo
preventivo a cargo da administração), o visto, a notificação e a publicação. Mesmo
quando o ato exige publicação terá obrigatoriamente de ser notificado, é uma forma de
publicidade formal e pessoal. No caso em que os atos são não recetícios não se exige
que o conteúdo do ato seja levado ao conhecimento do seu destinatário. No entanto, a
notificação é um requisito de oponibilidade no caso dos atos desfavoráveis, porque o
prazo para impugnação administrativa ou contenciosa só começa a contar a partir daí.

Podem existir atos válidos, mas ineficazes (é um ato que está perfeito, mas ainda não está
em condições de produzir efeitos jurídicos; ato que está sujeito à aprovação de outro
órgão; ato que está sujeito a condição ou termo suspensivo – artigo 157º CPA); e atos
inválidos, mas eficazes – são os atos anuláveis - se tiver decorrido o prazo para a sua
impugnação ou se a administração não tiver precedido à sua impugnação, considera-se
consolidado na ordem jurídica, mas não se convalida porque continuam a existir vícios,
e é por isso que pode existir impugnação acidental (artigo 38º CPTA).
Há dois aspetos importantes: suspensão da eficácia do ato e cessação da eficácia do
ato. Há suspensão de eficácia de um ato quando esse ato é objeto de um ato administrativo
que faz cessar provisoriamente o ato anterior; quando o ato é sujeito a um recurso
hierárquico necessário (artigo 189º nº1 CPA) – uma das caraterísticas da impugnação
administrativa necessária é a suspensão da eficácia do ato - as impugnações
administrativas facultativas não suspendem a eficácia do ato, apenas o prazo processual,
nos termos do artigo 190º CPA; ou, por exemplo quando se é objeto de uma ordem de
demolição e se impugna a mesma para impedir a execução do ato - tem de se propor uma
providência cautelar, nos termos dos artigo 102º e seguintes CPA.
Quanto à cessação de eficácia do ato, pode ocorrer por intermédio da prática de um ato
administrativo (revogação ou anulação); pode ocorrer por uma sentença administrativa

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na sequência de um processo principal ou quando o ato está sujeito à aposição de cláusulas


acessórias, nos termos do artigo 149º CPA (condição resolutiva e termo final).

Revogação (artigo 167º CPA) e anulação (artigo 168º CPA) dos atos administrativos:
No Código de 1991, havia um tratamento unitário destas duas figuras distintas. O novo
código consagrou uma nítida separação entre estas duas figuras. Quer se trate da
revogação, quer da anulação, consistem em atos que têm por objetos atos anteriormente
praticados (atos de segundo grau), fazendo com que esses atos deixem de produzir os
respetivos efeitos jurídicos. O nosso legislador oferece no artigo 165º CPA a definição
destas figuras.
Ø Distinção quanto aos motivos: A revogação incide sobre atos válidos, enquanto
que a anulação incide sobre atos inválidos. Enquanto na revogação, o motivo que
a determina são razões de inconveniência ou inoportunidade (o ato anterior não é
conveniente para satisfazer o interesse público atual), na anulação, o que a
determina é o facto desse ato ser ilícito. Há atos que são insuscetíveis de revogação
ou anulação (artigo 166º CPA) – os atos nulos; atos anulados contenciosamente;
os atos julgados com eficácia retroativa.

Ø Distinção quanto aos efeitos: A revogação, em regra, apenas produz efeitos para
o futuro, tem uma eficácia ex nunc (artigo 171º nº1). A anulação produz efeitos ex
tunc – elimina os efeitos do ato desde o momento em que ele foi praticado,
retroativamente.

Ø Distinção quanto à competência de iniciativa: A competência para efetuar uma


revogação, nos termos do artigo 169º nº2 CPA é do seu autor e dos respetivos
superiores hierárquicos, desde que não se tratem de atos de competência exclusiva
do subalterno. A competência para efetuar uma anulação corresponde ao órgão
que os praticou e ao superior hierárquico, mesmo que o órgão subalterno tenha
atuado no âmbito de uma competência exclusiva.

Ø Distinção quanto à função administrativa: A revogação é praticada no âmbito


da função administrativa ativa; enquanto que a anulação é praticada no âmbito da
função administrativa de controlo ou fiscalização.

Ø Distinção quanto ao prazo: A revogação, em princípio, pode ser feita a todo o


tempo, enquanto que a anulação administrativa está sujeita a prazos (artigo 168º
CPA).

Ø Distinção quanto ao fim: No caso da revogação, quando se afirma que o ato


anterior é inoportuno/inconveniente, atende-se ao interesse público atual. O
interesse público que se tem em vista com a anulação administrativa é o mesmo
interesse público que presidiu à prática do ato administrativo.

Ø Distinção quanto ao tipo de ato: A revogação limita-se a atos de eficácia


duradoura ou atos de eficácia instantânea, que ainda não tenham sido executados);
enquanto que a anulação se aplica a qualquer ato administrativo.

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No código anterior, um ato constitutivo de direitos não podia ser alvo de revogação.
Atualmente, isto não se verifica, e podem ser revogados nos termos do artigo 167º CPA.
No artigo 168º CPA estão previstos os prazos para a anulação e estes variam consoante o
ato seja constitutivo de direitos ou não.
Os atos contrários são uma figura próxima da anulação e da revogação. No entanto, nos
atos contrários temos um caso concreto distinto. Por exemplo, um ato que nomeia um
funcionário para uma vaga; passado algum tempo, esse funcionário é alvo de um
procedimento disciplinar – este segundo ato é um ato contrário ao anterior, mas não é
uma anulação nem uma revogação. Os atos contrários são sempre atos de primeiro grau.

Execução do ato administrativo: A administração, quando pratica um ato


administrativo, diferindo um direito no caso concreto, pratica-o ao abrigo de uma
autotutela declarativa. O ato é uma manifestação unilateral de autoridade, que define a
situação jurídica do caso concreto, sem necessidade de recurso aos tribunais. Quando
falamos na execução do ato, falamos na autotutela executiva. O privilégio da execução
prévia estava ligado à presunção da legalidade dos atos administrativos, que já não existe
no ordenamento jurídico português, porque tornava difícil o tratamento de uma
providência cautelar. O que está aqui em causa é a executoriedade dos atos
administrativos, o que significa que o fundamento da executoriedade está na autotutela
executiva. A executoriedade do ato administrativo não é uma caraterística de todos os
atos administrativos mas sim daqueles que exigem a colaboração do particular para a sua
execução, ou seja, é caraterística dos atos administrativos impositivos de deveres e de
encargos – é a capacidade que a administração tem de executar, por meios exclusivamente
administrativos, sem recurso a qualquer tribunal, os seus próprios atos, retirando destes
todos os efeitos práticos que se pretendia obter com a sua constituição.
A executoriedade pode ser coativa, quando por exemplo um ato administrativo tem
resistência por parte do destinatário - a administração pode recorrer a meios de coação.
A doutrina tem construindo a seguinte teoria: a executoriedade de um ato
administrativo só pode ser executada se e quando expressamente prevista na lei; e, em
segundo lugar, quando a administração esteja numa situação de estado de necessidade
para a realização do interesse público. O professor considera que o legislador consagrou
esta teoria. A executoriedade tem como fundamento a autotutela executiva – a
administração goza destes privilégios porque a lei a incumbe de realizar o interesse
público primário, e pode dispor de um procedimento executivo para retirar todos os
efeitos práticos do ato que anteriormente havia praticado. Para se falar de executoriedade,
temos de ter em conta a ideia de exequibilidade, porque nem todos os atos precisam de
ser executados para produzirem os efeitos jurídicos e os resultados que se pretendam obter
com a sua prática. Se for uma ordem de demolição, os efeitos práticos desse ato só se
concretizam com a demolição. No entanto, nem todos os atos têm de ser executados para
produzir os efeitos jurídicos – são atos não exequíveis. O título executivo é o ato
exequente, ou seja, a administração não precisa de obter nenhuma outra pronúncia para
executar um ato, inclusive a pronúncia judicial.
Regime jurídico: A execução dos atos administrativos está regulada nos artigos 165º e
seguintes CPA. Este código introduziu uma revolução nesta matéria que ainda não foi

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concretizada – nomeadamente o artigo 176º nº1 CPA, que consagra a teoria protagonizada
pela doutrina. No entanto, ainda não entrou em vigor o diploma que legitima o artigo 176º
nº1, dado que o diploma a que se refere nunca chegou a ser aprovado, e enquanto não for
publicado continua em vigor o artigo 149º nº2 do CPA anterior, nos termos do artigo 6º
do DL nº 4/2015.
O legislador estabelece algumas definições de cautela do procedimento de execução dos
atos administrativos, no artigo 177º e artigo 178º CPA. No artigo 183º CPA, está previsto
o pagamento de sanções pecuniárias, em que a administração não tem qualquer
executoriedade - quando se trata do pagamento de quantia certa a administração não pode
agir sem recorrer aos tribunais.
No artigo 182º CPA, há a referência a uma série de garantias de tipo jurisdicional. Os
destinatários do ato podem impugnar o ato exequente, que é o ato que vai ser executado
e é diferente do ato de execução; também podem impugnar a decisão de proceder à
abertura de execução ou outros atos administrativos praticados no âmbito do
procedimento de execução.

Regulamento administrativo como forma jurídica da atividade


administrativa: Tal como acontece com o ato administrativo, o CPA tem uma
definição de regulamento administrativo no artigo 135º. Está sujeito ao princípio da
legalidade e aos seus subprincípios: primado da lei, reserva de lei e precedência de lei.
Aqui, não se afirma que é uma decisão tomada por um órgão administrativo, o que
significa que quando falamos na dimensão orgânica dos regulamentos, não podemos
referir-nos apenas a entidades administrativas que façam parte da administração em
sentido orgânico, porque podem ser feitos também por órgãos públicos que não são
entidades administrativas (como por exemplo, o Tribunal e Assembleia da República);
ou por entidades privadas (concessionários) – artigo 4º nº1 ETAF. Ao nível orgânico cai
então o critério da personalidade jurídica, no caso pública, exigindo-se sim a capacidade
jurídica publica caraterizada pela possibilidade de execução de poderes jurídico-
administrativos.
São normas jurídicas e abstratas, pelo que temos uma dimensão material – são normas
jurídicas e, como tal, aplicam-se a um número indeterminado de pessoas e situações
concretas, enquanto o regulamento estiver em vigor.
Na dimensão funcional dos regulamentos (implícita nesta noção), afirma-se que são
emanados no exercício da função administrativa. O Governo é dotado de competência
legiferante e regulamentar sendo nesta segunda que assume um papel primordial.
Quando elabora regulamentos atua como órgão administrativo.
Quanto à forma, podemos distinguir: Decretos regulamentares; resoluções normativas
do Conselho de Ministros; Portarias gerais; Despachos normativos; decretos
regulamentares regionais, posturas municipais e regulamentos elaborados pelas entidades
administrativas independentes.

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Classificação do regulamento administrativo:


Resulta de três critérios:
1. Âmbito da eficácia: Permite distinguir entre os regulamentos internos e os
regulamentos externos.
Os regulamentos internos caraterizam-se pelos seus efeitos jurídicos se
repercutirem no interior da própria administração, tendo como destinatários os
respetivos funcionários e agentes administrativos. Muitos destes regulamentos
internos têm a ver com a distribuição de tarefas, fixação de normas de expediente
e certas normas que procedem à auto-vinculação dos superiores hierárquicos
relativamente ao exercício de poderes discricionários.
Levanta-se ainda a questão das Circulares (Professor discorda sobretudo as que
provêm da administração fiscal que são figuras através das quais os superiores
hierárquicos fixam a interpretação da Lei)- são uma figura entre o ato e o
regulamento sendo considerado um soft law. No entanto, a jurisprudência faz um
entendimento diferente: mesmo que estas instruções sejam classificadas como soft
law sem caráter vinculativo, na medida em que realizam resultados lesivos, tem
necessariamente relevância jurídica.
Os regulamentos internos têm uma caraterização mais extensa: não são
diretamente impugnáveis contenciosamente, apenas a título incidental
consubstanciando uma limitação em matéria jurisdicional - o professor não
concorda que estas normas não possam ser impugnadas. Não se aplica nos
regulamentos internos o princípio da inderrogabilidade simular dos regulamentos
– o superior hierárquico pode praticar atos administrativos em violação do
regulamento, desde que devidamente justificados. Inicialmente os regulamentos
internos não eram considerados normas jurídicas - Otto Mayer distinguia entre
regulamentos administrativos e regulamentos jurídicos, porque se entendia que
estes não tinham natureza jurídica (não eram contenciosamente impugnáveis). No
entanto, foi-se reconhecendo que eram poderiam estar sujeitos a fiscalização de
forma incidental e indireta, ou seja, através da impugnação do ato administrativo
que concretizava o regulamento. O professor considera que não faz sentido a
desaplicação do princípio da inderrogabilidade simular dos regulamentos a estas
normas internas porque estas podem consistir em normas de autovinculação e
podem violar princípios como a justiça ou a igualdade e defende também que se
deve fazer uma interpretação restritiva de regulamentos internos, em
conformidade com a CRP, já que não se compreende, tendo em conta o Estado de
Direito constitucional, a ideia de que não são normas jurídicas. Um dos exemplos
de normas internas são as circulares e instruções. As circulares, sobretudo em
matéria de distribuição tributária, têm como destinatários imediatos os serviços.
No entanto, as circulares têm na realidade como destinatários os contribuintes,
porque o subalterno que a aplica, ao abrigo do princípio da hierarquia, vincula-se
mais à circular do que à própria lei. Durante muito tempo não se consideravam
normas jurídicas em virtude da confusão entre juridicidade e justicialidade.
Quanto à juridicidade não há qualquer duvida que consubstanciam normas
jurídicas cujo incumprimento pode conduzir à aplicação de sanções e
responsabilidade disciplinar

O regulamento externo tem como destinatários a generalidade das pessoas – tem


consequências ao nível do ordenamento jurídico geral e têm uma dimensão

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bilateral, porque vinculam tanto a administração quanto os seus destinatários. A


vinculação da administração e dos destinatários reconduz-nos ao princípio da
inderrogabilidade simular dos regulamentos - o regulamento externo não pode ser
contrariado e a administração não pode tomar decisões em desconformidade com
o regulamento administrativo.

2. Tipo de relação jurídica disciplinada no regulamento administrativo: Permite


distinguir entre regulamentos gerais e regulamentos especiais, sendo que estes
últimos podem ser internos ou externos.

ü Regulamentos gerais alteram o ordenamento jurídico e vinculam quer a


administração quer os destinatários e também os Tribunais Administrativos.
ü Regulamentos especiais visam disciplinar as chamadas relações especiais de
poder administrativo/Direito Administrativo em que se estabelece uma
ligação mais íntima e uma subordinação maior entre um círculo circunscrito
de pessoas e a Administração, que cria uma relação estatutária com a
Administração (ex: Militares). São relações especificas com conteúdo mais
restrito com possibilidade de maior compressão de Direitos Fundamentais dos
administrados. Estes podem ter natureza interna ou natureza externa. Utiliza-
se a distinção de Ule que estabelece uma distinção entre relações orgânicas
ou de funcionamento (internos) e relações de serviço ou fundamentais
(externos). Quando se trata de uma relação orgânica olha-se ao funcionário
como parte da máquina administrativa tendo estes regulamentos a intenção de
estabelecer regras de expediente, divisão de tarefas, etc;. Por outro lado, temos
as relações de serviço que vêm o administrado não como mero elemento da
Administração mas eminentemente como uma pessoa detentora de Direitos
Fundamentais, ou seja, como sujeito da relação jurídica de Direito Público.

3. Ligação de dependência do regulamento relativamente à lei: O regulamento é


uma norma secundária. O exercício da função administrativa esta sujeita ao
princípio da legalidade em sentido amplo na sua tripla dimensão:
1. Prevalência de Lei- um regulamento não pode contrariar ou revogar uma Lei
previsto no Art.112/5 da CRP;
2. Reserva de Lei-um regulamento não pode disciplinar certas matérias
reservadas constitucionalmente à Lei. O Professor entende este subprincípio
com maior elasticidade exigindo que a Lei ,no mínimo, estabeleça a
competência subjetiva (definição do órgão que pode praticar o ato ) e objetiva
(matéria a disciplinar) do ato que possa funcionar como norma habilitante
3. Precedência de Lei- tem de haver sempre uma Lei prévia para a entidade
administrativa ter capacidade regulamentar.
Coloca-se a questão se estes três subprincípios se aplicam não só como limite mas
também como fundamento do poder regulamentar. Quando afirmamos que terá de haver
sempre uma lei prévia, esta expressão pode abranger duas realidades diferentes: uma das
realidades é a lei prévia como objeto a regulamentar, por intermédio do respetivo
regulamento administrativo; ou entender a lei prévia como lei habilitante. O Professor
entende que a atividade regulamentar bem como qualquer manifestação da atividade
administrativa está sujeita a estas duas géneses do princípio da legalidade. Isto justifica-
se pela existência de regulamentos que não desenvolvem leis anteriores e fazem uma

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normação primária de caráter inovador que necessitam obrigatoriamente duma fixação da


competência subjetiva e objetiva. Para parte da doutrina, nos regulamentos independentes
não exigiriam sequer uma norma habilitante, no entanto, o professor entende que, a par
do que está na CRP, é preciso sempre uma lei habilitante que defina, no mínimo, a
competência subjetiva e objetiva.

• Regulamentos de execução- não têm caráter de criação devendo esclarecer,


pormenorizar, a concretizar e a integrar as lacunas da Lei quando a mesma for
obscura. O legislador nem sempre é feliz na expressão utilizada e entre esta e a
desejada há um hiato em que se devem interpor estes regulamentos. Visa tornar
mais claro aquilo que a Lei diz e, portanto, nestes casos não tem qualquer margem
de poder decisório ou discricionário.

• Regulamentos complementares- entram em ação quando a Lei fixa um quadro


legal muito amplo como acontece na definição das linhas gerais ou das bases
gerais de um determinado sistema. Este regulamento terá de desenvolver esta Lei
que define um quadro amplo e geral reconduzido a meros princípios. Podem ser
de desenvolvimento ou de integração. Os primeiros visam completar e
desenvolver o regime geral que o legislador insere na Lei de forma muito
contígua. Aqui há um caráter inovador, ainda que a sua seja limitada uma vez que
a Lei que visa desenvolver determina o fim e o quadro geral. Por sua vez, os
integrativos têm em vista estender o quadro geral a situações especiais que não
estavam expressamente previstas na Lei que visam alargar.

• Regulamentos delegados ou autorizados- Legislador delega a função legislativa


na Administração permitindo que esta o substitua. A doutrina urbanística entendia
que os planos urbanísticos com eficácia jurídica seriam regulamentos delegados,
mas estes colocam dificuldades de natureza constitucional (artigo 112º nº5 CRP).
Só se poderiam admitir dentro do subprincípio da reserva de lei, desde que
houvesse uma lei habilitante e não fosse uma matéria de reserva de lei absoluta da
Assembleia da República. São os que colocam mais dificuldades, porque o
regulamento delegado ou autorizado que modifique, altere uma lei, revogue, ou
suspenda os seus efeitos, é inconstitucional – não pode ser suspensivo,
modificativo ou revogatório de uma lei.

• Regulamentos independentes e autónomos-Existem regulamentos


independentes emanados pelo Governo, mas os regulamentos autónomos são os
que provêm do poder de normação das entidades infra estaduais que integram a
Administração autónoma territorial e não territorial ,No entanto, não é
independente, no sentido de ter de existir sempre uma lei habilitante. Estes
regulamentos independentes devem assumir a forma de Decreto Regulamentar
que é o regulamento do Governo com maior solenidade, estando sujeito a
assinatura do Primeiro Ministro e cujo procedimento se assemelha à criação
legislativa (Art.134b) e Art.140 CRP). Parte da atual doutrina entendia que, numa
sociedade como a atual, que se carateriza por uma força intervencionista do
Estado, era impossível que uma lei que definisse a competência objetiva e as
matérias a disciplinar pelo regulamento, pelo que esta exigência constitucional
não se podia cumprir nos regulamentos independentes e autónomos. O professor
não considera isto é correto, porque é necessário sempre a indicação do diploma

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que legitima a atuação da administração. O artigo 136º nº2 CPA confirma a


necessidade de existir sempre uma lei habilitante.

Outros regulamentos que não estão diretamente ligados a qualquer critério:


ü Regulamentos necessários (quando a própria lei determina a sua
regulamentação); ou facultativos. Esta distinção é importante para os casos de
omissão ilegal do regulamento, que só se pode colocar quanto aos regulamentos
necessários (artigo 137º CPA, artigo 37º CPTA).

ü Regulamentos diretamente operativos (projetam direta e imediatamente os seus


efeitos jurídicos externos na esfera jurídica do destinatário, sem necessidade de
qualquer ato administrativo ou sentença concretizadora – exemplo: PDM,
regulamentos que definem a inspeção automóvel em matéria de segurança) ou
regulamentos não diretamente operativos/mediatamente operativos
(exemplo: regulamento que determina a doação de bolsas aos estudantes, porque
é necessária uma decisão do órgão administrativo competente que afirma se o
candidato preenche os requisitos). No artigo 73º CPTA, estão previstos dois
pedidos que se podem fazer para impugnar o regulamento administrativo: pedido
de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral e pedido de declaração
de invalidade com efeitos circunscritos ao caos concreto (ambos estes pedidos só
podem ser feitos no caso dos regulamentos diretamente operativos). No caso dos
regulamentos mediatamente operativos, aplica-se o artigo 73º nº3.
Teste legal e constitucional aos regulamentos supracitados:
• Art.112º nº5: o legislador não foi muito feliz na sua construção, mas a sua
intenção seria terminar com as leis que remetiam para despachos a sua
interpretação. Não devemos considerar inconstitucionais regulamentos de
execução nomeadamente ao abrigo do art.189º c). Já os regulamentos
complementares de desenvolvimento enfrentam maiores dificuldades: para que
servem num sistema constitucional em que o governo tem capacidade legiferante
primária? Poder-se-ia nestas situações utilizar um Decreto Lei de
Desenvolvimento, mas, ainda assim, não seria uma causa para convocar a
inconstitucionalidade. A inconstitucionalidade destes regulamentos depende das
matérias reguladas e do facto de as mesmas entrarem ou não num âmbito de
reserva absoluta. Há, no entanto, que cumprir certos requisitos base para a sua
existência: que a sua existência esteja prevista legalmente, que as matérias estejam
fora da reserva de lei e que façam uma mera adaptação do quadro geral. É
impossível que este tipo de regulamentos revogue, modifique ou suspenda os
efeitos de uma lei.

• Art. 112º nº7 e art. 136º nº1 CPA: abordam os regulamentos independentes e
autónomos. Há uma exigência constitucional da lei definir a autoridade que pode
praticar o ato e a matéria a disciplinar pelo regulamento (competência subjetiva e
objetiva, respetivamente). Nos regulamentos independentes alguma parte da
doutrina não exige habilitação legal, ainda que fixassem dois limites: teriam de
assumir a forma de decreto regulamentar e o seu conteúdo não poderia incidir
sobre matéria de reserva absoluta. O art. 136º nº2 CPA demonstra a necessidade
de uma lei habilitante.

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Hierarquia entre Regulamentos (art. 138º CPA e art. 241º CRP)


A competência do poder regulamentar está distribuída por um considerável
número de entidades administrativas que se inserem em diversos setores de atividade
administrativa. Há uma desconcentração e descentralização do poder regulamentar que
tem uma correspondência no mesmo fenómeno que ocorre na própria atividade
administrativa. A existência de uma hierarquia regulamentar é plasmada constitucional e
legalmente, nomeadamente no art. 241º da CRP e no art. 138º CPA. No âmbito das
relações de hierarquia entre os regulamentos, os regulamentos do Governo prevalecem
sobre qualquer outro regulamento, nomeadamente de entidades com poderes de
superintendência e mérito. As principais dificuldades estão na relação entre os
regulamentos do Governo, das Regiões Autónomas e das autarquias locais (art. 242º
CRP). A tutela da administração estadual sobre a administração autónoma é uma tutela
de mera legalidade.
O Professor afirma que não há uma relação hierárquica entre os regulamentos da
Administração do Estado e da Administração autónoma a menos que haja uma atribuição
concorrente. A autonomia regulamentar do poder local é uma demonstração do
autogoverno e autoadministração. No âmbito das suas competências próprias e
regulamentares não há qualquer relação hierárquica e se houvesse essa intervenção do
regulamento do governo seria ilegítima e nunca poderia prevalecer. Na relação entre o
poder regulamentar do Governo e das RA’s nem sequer seria possível estabelecer esta
hierarquia em virtude da inexistência de tutela de legalidade. A única possibilidade ocorre
quando existe uma sobreposição ao nível de regulamentos de aplicação de leis da
república e a lei não tenha determinado que a competência dessa lei compete ao poder
estadual.
O art. 138º CPA define que esta hierarquia apenas ocorre em termos de atribuições
concorrentes ainda que ressalvando a existência de normas especiais que deverão sempre
ter um ascendente na aplicação. Já o nº2 define a superioridade entre regulamentos
municipais face aos regulamentos da freguesia.
Limites ao poder regulamentar:
• Princípio da inderrogabilidade singular - art. 142º nº2 CPA: o regulamento
administrativo, na medida em que é uma norma geral e abstrata e tem
vinculatividade geral, vincula não só os seus destinatários, mas também a
Administração (incluindo o seu autor) e os próprios Tribunais. A vinculação à
administração consubstancia-se na impossibilidade da mesma praticar atos que
contrariem um regulamento, sob pena da invalidade do ato.
• Proibição de eficácia retroativa (art.141º CPA) - a retroatividade só está proibida
nos regulamentos desfavoráveis.
Garantias administrativas impugnatórias em matéria regulamentar: artigo 184º e
seguintes:
As garantias administrativas impugnatórias dividem-se nas reclamações, recursos
hierárquicos e recursos especiais. O Professor não considera a expressão “garantias”
correta, dado que se conclui que estas garantias estão construídas apenas para a defesa da

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tutela dos direitos subjetivos e interesses legalmente protegidos, enquanto a


administração pode também ter a vantagem de, com isso, eliminar um ato ilegal. O
Professor considera que a formulação correta é garantias impugnatórias e condenatórias
(estas últimas têm lugar no âmbito da omissão ilegal). O novo CPA, para além de admitir
a impugnação administrativa de regulamentos que sejam imediatamente operativos,
estabelece que estes podem ser também objeto de um pedido condenatório quando se
verifica uma omissão ilegal do regulamento administrativo.
Definição de garantias administrativas: Pode-se encontrar em alguns manuais a noção
de garantias graciosas, que, segundo o Professor, não fazem sentido, porque não é nenhum
ato de graça, mas sim de Direito. Segundo o Professor Marcello Caetano, o processo
administrativo era a continuação do procedimento, porque as impugnações
administrativas eram na altura necessárias e, como tal, fazia-se essa ligação (era
necessário recorrer administrativamente para o superior hierárquico).
Art. 266º nº1 CRP: o ordenamento jurídico tem de consagrar um conjunto de meios de
natureza administrativa ou jurisdicional que permitam ao particular utilizar quando haja
ofensas aos seus direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos. As garantias
administrativas têm como objetivo assegurar a legalidade da atuação da administração,
efetivar o dever de boa administração e proteger as posições jurídicas, substantivas e
favoráveis dos particulares. Quando falamos de garantias administrativas, estamos a falar
das garantias que existem dentro da administração e que cumprem este triplo escopo.
Atualmente, a regra é a impugnação administrativa facultativa.
Vantagens e inconvenientes:
• Vantagens:
ü Possibilidade de o órgão administrativo competente para apreciar a
impugnação administrativa apresentada pelo particular apreciar os vícios de
legalidade, mas também os vícios de mérito (aprecia os vícios que podem
inquinar o ato e a inoportunidade ou inconveniência do ato), sendo que isto os
tribunais não podem fazer (art. 3º CPTA) – art. 185º nº3 CPA.
ü O órgão competente tem a faculdade de não só declarar nulo o ato, como
também de o modificar, revogar ou substituir.
ü A interposição por parte do particular das garantias administrativas permite-
lhe suspender os prazos para a interposição do recurso contencioso da ação no
tribunal;
ü Normalmente, é um procedimento rápido, simples e quase gratuito, dado que
não é preciso pagar custos judiciais;
As impugnações administrativas são aconselháveis, mas não podem ser obrigatórias
ou necessárias, segundo o Professor (art. 185º nº2 CPA). No entanto, pode existir uma lei
específica que diga que o recurso é necessário. O Tribunal Administrativo e o Tribunal
Constitucional entendem que é uma restrição do acesso ao Direito e aos tribunais. Para o
Professor, se é facultativa, o particular pode sempre utilizá-la.
• Inconvenientes:
ü Os órgãos administrativos que apreciam as reclamações e recursos não se
preocupam tanto com acautelar os direitos subjetivos e interesses legalmente
protegidos dos particulares, mas antes com a prossecução do interesse público;
ü Como a regra hoje é a impugnação administrativa facultativa, suspende-se o
prazo da ação, mas não se suspende o prazo de eficácia do ato, pelo que este
pode ser executado (art. 189º nº2). A Administração pode executar o ato, sem

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prejuízo do interessado poder requerer a adoção de providências cautelares,


nos termos do art. 190º nº4 do CPA.
Regime comum: conjunto de normas que se aplicam a todas as impugnações
administrativas:
ü Art. 184º nº1 b): permite-se não só impugnar o ato, como também reagir
administrativamente contra uma omissão ilegal de atos administrativos, em
incumprimento do dever de decisão;
ü Art. 184º nº3: as reclamações e recursos são deduzidas por meio de requerimento;
ü Art. 185º nº2: as reclamações e recursos têm caráter facultativo;
ü Art. 186º nº1: legitimidade ampla para estes procedimentos;
ü Art. 186º nº2: figura da aceitação do ato. Tradicionalmente, esta figura era
traduzida de duas formas: significaria a queda do prazo de impugnação ou uma
renúncia ao direito de impugnar o ato. A doutrina italiana veio dizer que não se
tratava de uma renúncia ao direito de impugnar o ato, mas sim a uma renúncia a
um direito subjetivo ou interesse legalmente protegido. Não está em causa a
aceitação da ilegalidade do ato nem qualquer renúncia, a lei qualifica o particular
como não merecedor de uma tutela total.
ü Artigo 187º: prazos para reclamação, recurso e reclamação e recurso contra
omissões ilegais (que têm prazo de um ano). O CPA estabelece dois regimes para
a contagem dos prazos: se houver lugar a publicação obrigatória (art. 138º nº1), o
prazo de reclamação e recursos só corre a partir da data de publicação; se existir
a hipótese da publicação não ser obrigatória, o prazo começa a correr do primeiro
facto que se verifique, de acordo com o art. 138º nº2. Tratando-se de uma omissão
ilegal, o prazo conta-se a partir da data do incumprimento do dever de decisão.
ü Art. 189º: os efeitos da impugnação administrativa variam consoante seja
necessária (suspende os efeitos jurídicos do ato) ou facultativa (não suspende a
eficácia do ato, salvo nos casos em que a lei disponha o contrário). Em regra, a
impugnação administrativa não suspende os efeitos do ato.
ü Art. 190º: Efeitos sobre os prazos. O nº1 afirma que quando a reclamação é
necessária, porque está ainda sujeita a recurso administrativo necessário, este
suspende os prazos do recurso administrativo. Os nº3 e nº4 correspondem ao art.
59º nº4 e nº5 CPTA.
Regime em especial:
§ Reclamação (arts. 191º e 192º CPA): é uma garantia impugnatória ou
condenatória; é um pedido de impugnação apresentada ao autor do ato. Muitas
vezes, os atos têm conteúdo ambivalente e conteúdo favorável para o destinatário
e desfavorável para os demais interessados, pelo que têm de ser sempre
notificados.

§ Recurso hierárquico (arts. 193º a 198º CPA): é a garantia administrativa mais


complexa. É uma garantia administrativa impugnatória ou condenatória, através
da qual é conferido ao particular o direito de impugnar um ato praticado ou de
reagir contra a omissão ilegal por parte do órgão que tinha o dever de decidir. Esta
faculdade conferida ao particular é dirigida ao superior hierárquico (o que
distingue a reclamação do recurso é o órgão que tem competência para
apreciar/efetivar esta garantia). A impugnatória encontra-se no art. 193º nº1 a) e
a condenatória no art. 193º nº1 b). O prazo para a interposição do recurso varia
consoante este recurso hierárquico seja necessário (prazo de 20 dias) ou

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facultativo (prazo de impugnação contenciosa do ato em causa) – art. 58º CPTA;


arts. 86º e seguintes CPTA. Embora o recurso hierárquico seja apresentado ao
superior hierárquico, o requerimento deve ser apresentado ao autor do ato ou da
omissão. O art. 197º é extremamente importante, porque as competências do
superior hierárquico que aprecia o recurso vão depender das competências do
órgão subalterno, que podem ser exclusivas ou concorrentes. O prazo para a
decisão está previsto no art. 198º. No art. 198º nº4, o Professor considera que não
faz qualquer sentido a menção apenas ao recurso hierárquico necessário. O
Professor considera também que deve existir um respeito pelo princípio do pedido
e analisar apenas as causas de invalidade que foram invocadas.

§ Recursos administrativos especiais (art. 199º CPA): são recursos ditados por
motivos especiais. Antes de existirem estes recursos, existiam dois tipos de
recurso: recurso impróprios (quando não há uma relação de hierarquia) e tutelares
(quando não há uma relação de superintendência ou tutela). Estes recursos
administrativos especiais vêm designar os antigos recursos hierárquicos. O
Professor considera que se devia manter a possibilidade dos atos praticados pelo
delegado ou subdelegado serem alvo de recurso administrativo.

Responsabilidade civil extracontratual por atos de gestão pública do Estado e


demais entidades públicas – Lei 67/2007 de 31 de dezembro:
Este título da lei não traduz o seu conteúdo, porque este regime jurídico abrange
também a responsabilidade civil extracontratual de entidades privadas que atuam no
exercício da função administrativa. Também não se pode falar em responsabilidade
administrativa, porque esta lei abrange a responsabilidade civil extracontratual do Estado
e demais pessoas coletivas de direito público dos danos resultantes da função legislativa,
jurisdicional e administrativa, ainda que com um regime mais restrito do que o da
responsabilidade civil extracontratual da administração.
Ao contrário do Direito Privado, onde foi sempre pacífica a ideia de que se alguém
provoca um dano na esfera jurídica patrimonial de um terceiro, está obrigado a
indemnizá-lo, no Direito Público, e em particular no Direito Administrativo, esta ideia
apareceu muito tarde (apenas no final do século XIX), porque isto é uma herança pré-
liberal, do Estado polícia, a que o Estado de Direito Liberal foi recetivo durante algum
tempo. Atualmente, está prevista a salvaguarda de erro judiciário no art. 216º nº2 CRP.
A responsabilidade do Estado-administração é mais uma das manifestações da
responsabilidade dos poderes públicos; anteriormente, existia a ideia de um Estado polícia
em que não existia qualquer responsabilidade, na medida em que tudo se subordinava à
vontade do rei ou do príncipe, que com certeza pretenderia o melhor para os seus súbditos.
Quando o Estado atuava enquanto Estado, no âmbito da personalidade jurídica pública,
havia absoluta irresponsabilidade; quando atuava sem o ius imperium, como uma pessoa
jurídica privada, podia existir responsabilidade civil. O Estado só era responsável pelos
atos lícitos legais praticados pelo seu funcionário, enquanto nos atos ilícitos o responsável
era o funcionário ou agente. A ideia de soberania do Estado era incompatível com
qualquer ideia de responsabilização.
Razões que levaram a que o Estado assumisse a responsabilidade civil
extracontratual por atos ou omissões
• Aprofundamento do princípio da legalidade;

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• Construção da ideia de personalidade coletiva, e dentro desta da personalidade


jurídica pública, o que permitiu desenvolver a teoria da imputação – os atos ilícitos
praticados pelo agente eram imputados à pessoa coletiva pública onde estava inserido;
• Teorias organicistas;
• O próprio Estado de Direito, que desenvolveu as relações com os cidadãos e o Estado
não podia ser imune aos danos infligidos na esfera jurídica dos particulares.
• Nesta evolução histórica, há um evento jurisprudencial muito marcante: Acórdão
Blanco de 1873 (criança atropelada por uma empresa pública e o tribunal afirma que
o litígio tinha de ser resolvido no âmbito do direito público e atribui a competência
para julgar o litígio a um tribunal administrativo).

Âmbito de aplicação da Lei 67/2007


• Âmbito material
Abrange não apenas a responsabilidade civil extracontratual do Estado no âmbito da
função administrativa, mas também da função político-legislativa e jurisdicional. Havia
uma discussão doutrinária entre uma doutrina que afirmava que isto tinha assento na
Constituição (art. 22º: responsabilidade solidária) e outra que afirmava que não havia
qualquer previsão legal. O Estado responde, em certas circunstâncias, perante os danos
praticados materialmente pelos seus agentes, mas, noutras circunstâncias, pode existir o
direito de regresso (art. 271º nº4 CRP) relativamente aos funcionários e agentes. Este
direito de regresso é bicéfalo, porque a ação pode ser proposta contra a entidade
administrativa, contra ao funcionário ou contra ambos. Temos um regime de
responsabilidade subsidiaria cumulativa e solidária entre as entidades administrativas e
funcionários ou agentes. Se o subalterno exercer o direito de respeitosa representação,
exime-se de responder pelos danos causados aos particulares.
A Lei 67/2007, em matéria de regime jurídico substantivo, abrange a
responsabilidade civil extracontratual dos atos de gestão pública do Estado e demais
entidades públicas, o que significa que está excluída a responsabilidade civil
extracontratual dos atos de gestão privada (artigo 1º nº2 Lei 67/2007).
Temos uma dualidade de regimes jurídicos substantivos, mas não temos uma
dualidade de jurisdições: a competência para julgar em matéria de responsabilidade civil
extracontratual por atos de gestão pública e por atos de gestão privada compete aos
Tribunais Administrativos (art. 4º f), d), h) ETAF). Neste artigo do ETAF, não há nada
na letra da lei que indicie que compete aos Tribunais Administrativos julgar em matéria
de responsabilidade civil extracontratual, os atos de gestão privada. No entanto, foi-se
entendendo na doutrina e na jurisprudência que abrange ambos os litígios. O Professor
considera que não se deve revogar a forma da lei e que não se deve fazer essa interpretação
cortante com o conteúdo e a forma da lei.
• Âmbito subjetivo
Esta lei aplica-se também não apenas a pessoas coletivas públicas, mas abrange
também entidades privadas no exercício de poderes jurídico-administrativos (artigo 1º
nº5 Lei 67/2007).
Para haver responsabilidade civil é necessária a existência de um dano, ilicitude, culpa
(que só pode ser atribuída à administração), nexo de causalidade entre a causa e o dano.
Assenta, na sua vertente externa, no princípio da responsabilidade solidária (art. 22º
CRP), que muitos autores consideram um direito fundamental de natureza análoga aos
DLG e, na sua vertente interna, no direito de regresso plasmado no art. 251º nº 4.

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O princípio da responsabilidade solidária e subsidiária não é absoluto e, como tal, é


aplicado com limites que estão previstos no art. 22º CRP e art. 8º nº2 Lei 67/2007.
O primeiro limite é a aplicação deste princípio apenas aquando das ações ou omissões
que ocorram no exercício dessas funções, bem como ações ou omissões que sejam causa
desse mesmo exercício (abrange apenas os factos funcionais). Assim excluem-se os atos
praticados fora do exercício das respetivas funções ou não por causa desse exercício, em
suma, os atos de natureza pessoal. Ex: uma pessoa está detida numa esquadra e é
assassinada por um agente policial. Este ato foi praticado no exercício das suas funções
(estava na esquadra). Deve o princípio da responsabilidade solidária cobrir esta situação?
Estamos perante um facto funcional ou pessoal? Supondo que o agente policial agiu tendo
em conta motivos passionais, temos um facto pessoal. Tem de se apurar a intenção do
agente policial ao praticar o ato. Outra questão que se coloca é que, muitas vezes, as
estruturas administrativas e a repartição das competências e atribuições sobrepõem-se,
pelo que é difícil determinar qual é a responsabilidade subjetiva, porque só pode haver
responsabilidade por facto ilícito determinando quem foi o sujeito. Nestes casos, não
podendo responsabilizar um titular, a administração está obrigada a indemnizar os
lesados, respondendo por esse dano, estando inibida de exercer o direito de regresso.
Por outro lado, temos o direito de regresso que forma a vertente interna. Em regra,
a Administração responsabilizando-se pelos atos dos seus funcionários ou agentes por
razões de eficácia, tem a possibilidade de, posteriormente, exercer este direito. Por vezes,
este direito pode ser bicéfalo, pois se a ação for intentada contra o funcionário e ele
responder pelos danos, pode exercer o direito de regresso quanto à Administração e exigir
o reembolso.
Requisitos para o direito de regresso: art. 8º nº1 e nº3 Lei 67/2007:
• O funcionário terá de ter atuado com dolo (maioritariamente dolo consciente) ou
diligência e zelo manifestamente inferiores. Se atuou com zelo e diligências normais
ou inferiores, mas não manifestamente inferiores, o funcionário, em obséquio à ideia
de que na dúvida se abstém, goza de uma certa imunidade e a responsabilidade
corresponde à administração.

• Se atuava no cumprimento de comandos/ordens hierárquicas, em princípio está isento


de qualquer responsabilidade civil quanto a terceiros, mas este caso também há
requisitos cumulativos: tem de haver um comando hierárquico, que deve respeitar
três condições: o comando tem de ser emanado de um legítimo superior hierárquico,
tem de versar sobre matéria de serviço e que não se traduza na prática de um crime.

• O segundo requisito é o direito de respeitosa representação: o órgão subalterno


deve reclamar previamente (art. 271º nº2 CRP), pedindo esclarecimento por escrito e
chamando à atenção para o superior hierárquico da ilicitude do comando. Quando isto
suceder, não é o subalterno que tem de ser responsabilizado, mas sim o superior
hierárquico. Um funcionário que tenha cumprido o dever de respeitosa representação,
poderia vir ao processo invocar a sua causa específica de exclusão da responsabilidade
como fundamento para improcedência da ação contra ele proposta? O Professor
considera que não é legítimo, a não ser que o lesado tivesse conhecimento de todo o
processo, mas este processo normalmente é interno e por isso o lesado não sabe. Deve
chamar-se ao processo o superior hierárquico. Se tiver sido ele a responder pelos
danos, pode intentar uma ação de regresso contra a pessoa coletiva pública a que
pertence (exerce o direito de regresso bicéfalo). Se a administração responder pelos

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danos e exercer o direito de regresso contra o funcionário, a causa específica de


exclusão de responsabilidade funcionaria como obstáculo a esta ação proposta pela
administração.

• A natureza jurídica do direito de regresso é uma faculdade ou a administração está


obrigada a exigir o ressarcimento do que tiver pago? Hoje, é um direito fundamental
da administração e esta tem de o exercer de forma vinculada (art. 6º Lei 67/2007).

• Culpa: art. 10º Lei 67/2007: antes, não havendo presunção de culpa, competia ao
lesado o ónus de prova; o critério era o critério do pater famílias (critério civilista).
Atualmente, o critério da lei aponta para o funcionário médio, zeloso e cumpridor. O
Professor considera que, embora não decorra imediatamente da lei, pode-se presumir
que o ónus da prova não é do lesado, deslocou-se para o interior da administração e
compete à mesma no âmbito do direito de regresso. Podemos configurar numa
interpretação sistemática e atualista da lei, situações em que haja uma presunção
de culpa? Isto não se confunde com a responsabilidade objetiva. O Professor acredita
que algumas situações são suscetíveis de presunção de culpa:
ü Casos em que se ofendam DLG dos particulares;
ü Quando a ação ou omissão se traduz na prática de um crime;
ü Quando o funcionário pratica um ato nulo, porque são atos que padecem de
vícios graves;
ü Quando o lesado chama à atenção na audiência prévia dos interessados que
aquele ato é ilegal e, apesar disso, o funcionário intencionalmente mantém a
sua decisão e pratica o ato, independentemente das advertências do lesado.

§ Culpa grave ou culpa leve: art. 7º Lei 67/2007. Nos casos de culpa leve, responde
exclusivamente o Estado e demais pessoas coletivas de Direito público.
§ Culpa anónima: art. 7º nº3 e nº4 Lei 67/2007. Não é suscetível de ser individualizada, o
Estado responde e não há lugar a direito de regresso.
§ Culpa do lesado: art. 4º Lei 67/2007 e art. 37º CPTA: tutela jurisdicional e ações de
responsabilidade. Antes da Lei 67/2007, existia um conceito doutrinal ilegal. Por exemplo,
alguém é destinatário de um ato desfavorável, mas não se impugna o ato. No regime anterior,
entendia-se que o lesado que não tivesse impugnado o ato não devia ter a possibilidade de
propor uma ação de responsabilidade civil, porque se entendia que a impugnação do ato era
um pressuposto da ação de responsabilidade. Por força da evolução da doutrina, entendeu-se
que devia decair a relação entre a impugnação contenciosa ato e a ação de responsabilidade,
pelo que se pode propor autonomamente a ação de responsabilidade civil, sem ter impugnado
administrativa e contenciosamente o ato. Todavia, o legislador estabelece no art. 4º uma
relação de equilíbrio: se o tribunal entender que há uma duplicidade de culpa, pode entender
que certos danos não se teriam verificado com a impugnação contenciosa e limitar ou excluir
a indemnização. As ações de responsabilidade civil, em princípio, não estão sujeitas a prazo,
mas é necessário ter em conta o art. 4º Lei 67/2007, o art. 498º CC e o art. 5º CPTA.
Responsabilidade civil por danos decorrentes da função jurisdicional
Encontra-se previsto nos arts. 12º a 14º da Lei 67/2007. Há que distinguir duas
situações: a do art. 12º, que prevê os danos provocados por deficiente funcionamento da
justiça, onde é aplicado o regime da responsabilidade por factos ilícitos da atividade
administrativa (responsabilidade subjetiva ou individual com base na culpa e factos
ilícitos); e a dos arts. 13º e 14º, que prevê a responsabilidade que ocorre por erro

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judiciário. O erro judiciário tem tendência a ser subordinado a uma apreciação por parte
de Tribunais de instância superior e, dessa forma, justifica-se este regime especial.
O art. 13º fixa que o Estado só é civilmente responsável por danos decorrentes de
situações manifestamente ilegais, inconstitucionais ou injustificadas por erro grosseiro.
O nº2 fixa a necessidade de uma sentença que venha revogar essa decisão para que dessa
forma dê origem a uma indemnização. O art. 14º define a responsabilidade dos
magistrados podendo existir o direito de regresso do Estado quando os tribunais tiverem
atuado com dolo ou culpa grave
Responsabilidade civil por danos decorrentes da função político-legislativa
Antes da consagração do art. 15º, existiam dois entendimentos doutrinários:
Maria Glória Dias Garcia entendia que o art. 22º da CRP, na medida em que faz uso de
expressões muito vagas e amplas, legitimava a ideia de responsabilização da função
jurisdicional e do exercício da função político-legislativa. Freitas do Amaral entendia
que este art. 22º configurava um direito fundamental de natureza análoga aos DLG. O
TJUE entendia também que havia responsabilidade em matéria civil e legislativa.
Lúcia Amaral opõe-se a esta visão. Por um lado, afirma que é um contrassenso
falar de responsabilidade civil de atos lícitos. Por outro lado, só haveria lugar a
responsabilidade civil por ato legislativo se este criasse danos graves e especiais sobre
determinadas pessoas. Sendo assim, um problema que consubstanciava uma
responsabilidade civil extracontratual, corolava-se numa forma atípica de controlo da
constitucionalidade. Sobrava a responsabilidade por atos ilícitos. Segundo a autora, só se
admitiria esta responsabilidade a título subsidiário: a Lei teria de ser previamente
declarada inconstitucional e apenas se a retroatividade desta decisão do TC não fosse
suficiente para eliminar os danos provocados no período em que esteve vigente.
O Professor afirma que, para o legislador, a responsabilidade civil por ato
legislativo ou por omissão, nos termos do art. 15º, parece consubstanciar um direito
subjetivo público no sentido da inconstitucionalidade da Lei. Em segundo lugar, nos nº 2
e 5 do art. 15º parece desenhar-se que o direito à reparação depende de duas condições: a
anormalidade do dano e a prévia emissão de um juízo de inconstitucionalidade da lei ou
omissão legislativa. A responsabilidade civil por ato legislativo ou omissão parece
consubstanciar um comportamento ilícito subjetivável pelo menos quando são fonte de
causação de danos anormais a certas pessoas. Por último, no nº4 desse mesmo artigo são
fixados alguns requisitos de que faz depender a existência e extensão da responsabilidade
civil.
Responsabilidade objetiva (artigo 11º Lei 67/2007): Não tem um caráter excecional,
ao contrário do direito civil. É um instrumento de repartição de encargos, uma vez que se
alguém adquire vantagens no exercício da sua atividade causando com essa mesma
atividade danos a terceiros, deve responder por esses mesmos danos. Não há uma censura
ética ao comportamento da administração como na responsabilidade civil de natureza
subjetiva/delitual, há apenas que reconhecer que é necessário compensar os terceiros por
essa atividade. Aplica-se aqui o princípio da igualdade perante os encargos públicos.
Existe ainda a ideia de concorrência de culpas (art. 11º nº2), onde pode o Tribunal,
tendo em conta as circunstâncias, reduzir ou excluir a culpa. O Professor considera que
há situações de responsabilidade subjetiva que não cabem nestes parâmetros um pouco
limitados. Não é possível estabelecer um nexo de causalidade e temos de alargar bastante
a noção de responsabilidade subjetiva. Atendendo ao facto de que a RJA tem um caráter

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poligonal e os seus efeitos podem ser ambivalentes (demonstra a complexidade da vida


moderna), podemos entender que esta disposição é um pouco acanhada. A jurisprudência
americana afirma que quando o emissor é indeterminado fixa-se a responsabilidade
objetiva de acordo com as quotas de mercado das respetivas empresas.
• Indemnização por sacrifício (art. 16º Lei 67/2007): esta designação está fora do
contexto da lei de responsabilidade civil administrativa. Versa sobre uma matéria
que, tradicionalmente, era incluída na responsabilidade civil por atos lícitos. O
legislador quis afastar desta lei a responsabilidade civil extracontratual por atos
lícitos e as situações que aqui versam não se relacionam muito com a
responsabilidade civil, mas sim com as expropriações por utilidade pública, e
sobretudo aquelas expropriações do plano (que são uma figura de expropriação
particular) – enquanto que na expropriação por utilidade pública há um momento
translativo ou extintivo do direito real; temos na expropriação do plano uma
expropriação por sacrifício – por exemplo, um PDM vem estipular para uma
determinada área da cidade o proprietário não pode construir – são expropriações
de sacrifício, porque o proprietário continua a ser proprietário, mas vê diminuído
o valor económico e financeiro do terreno.

Direito da Contratação Pública


O contrato administrativo fez a sua aparição no Direito Público muito tardiamente,
enquanto no Direito Privado os contratos obrigacionais são uma figura clássica. Isto
prende-se com diversos fatores:
• Esta ideia de contrato liga-se ao princípio da liberdade contratual e era difícil
conjugar um contrato público com este princípio. No entanto, mesmo hoje, a
liberdade contratual no Direito Civil não é igual ao que se desenhava
anteriormente. Este princípio desdobra-se em duas dimensões: liberdade de
contratar ou não contratar e a liberdade que os sujeitos têm de modelação do
conteúdo dos contratos. Há algumas situações em que a lei estipula o dever de
contratar (seguro de responsabilidade civil obrigatório) e há certos contratos que
estão proibidos entre algumas pessoas (art. 877º CC). Quanto à liberdade de
modelação do conteúdo do contrato, existem também restrições: caso de contratos
familiares; situações em que existem cláusulas que violem os bons costumes (art.
280º CC); negócios usurários e os limites que se colocam em matéria de contratos
de adesão.
• O princípio pacta sunt servanda não se coadunava com o Direito Administrativo
onde há uma certa mutabilidade do interesse público, havendo a suscetibilidade
de a Administração alterar o conteúdo contratual ou rescindi-lo mediante justa e
contemporânea indemnização.
• Como a atividade contratual não deixa de ser uma forma de atividade e
administrativa e está sujeita ao princípio da legalidade, teríamos um novo entrave
ao princípio da autonomia privada contratual (liberdade contratual no direito
público administrativo).
• Outro argumento que dificultava o aparecimento desta categoria jurídica era a
ideia que advinha da pandectística alemã, de que o contrato era incompatível com

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a ideia de soberania. Ou seja, o Estado não poderia vincular-se aos particulares e


perante eles ter obrigações.
Torna-se, então, como uma figura jurídica que se assume como quase ator principal
no palco do Direito Administrativo em meados do século XX. É um equívoco pensar-se
que estes contratos serão exatamente iguais aos negócios jurídicos bilaterais do Direito
Civil, já que, ainda que a relação jurídico-administrativa esteja cada vez mais equilibrada,
haverá sempre um desfasamento e um ascendente do Estado. Mesmo estas restrições
oriundas do Estado Polícia criaram alguma veemência em virtude da teoria do fisco: o
Estado tinha uma dupla personalidade (atualmente podemos falar de dupla capacidade) e
quando atuava na veste do seu ius imperium estava proibido de celebrar contratos e
vincular-se a obrigações perante os particulares, sendo que apenas o podia fazer quanto
estivesse despido do poder de império. O Professor considera que o contrato sempre
existiu, mas aparecia disfarçado sobre uma noção muito ampla e desvirtuada de ato
administrativo para escapar ao controlo jurisdicional dos tribunais judiciais. O Professor
admite que o contrato, atualmente, está quase ao mesmo nível do ato administrativo. Um
argumento que nega esta visão eram as teorias contratualistas da fundação do Estado
(Rosseau, Locke, etc…)
Fontes do Direito da Contratação Pública
1. Direito Administrativo Europeu: não se dá apenas um processo de conformação,
mas também de praticamente substituição que só não ocorre na sua plenitude porque
o legislador comunitário utiliza a figura da diretiva. Diretiva 24/2014 (contratação
pública), diretiva 23/2014 (adjudicação dos contratos de concessão); diretiva 25/2014
(contratação de entidades que cooperam nos setores da água, energia, transportes e
serviços); diretiva 55/2014 (faturação eletrónica na contratação). Estas diretivas
tratam dos procedimentos administrativos pré-contratuais, ou seja, da formação dos
contratos. Tem sobretudo uma dimensão procedimental inspirando a segunda parte
do Código dos Contratos Públicos.

2. Código dos Contratos Públicos aprovado pelo DL 18/2008 e posteriormente


alterado. Quando se fala em Direito da contratação pública o legislador não foi
particularmente feliz. Acaba por se fazer um “tricot jurídico” em virtude do enorme
número de anexos ao Código. A disciplina da formação dos Contratos refere-se aos
procedimentos administrativos pré-contratuais. O código tem uma parte
procedimental que é um procedimento de seleção concorrencial, porque, no fundo,
obedece a uma série de intenções tais como os interesses públicos, conseguir
entidades públicas fiáveis e mais bem apetrechadas do ponto de vista tecnológico e
económico e gastar o menos possível do erário público. A parte 3ª corresponde à parte
substantiva, onde estão disciplinadas as regras que se aplicam em bloco aos contratos
administrativos e em parte a contratos sujeitos à parte 2ª (art. 280º nº3). Os contratos
públicos estão disciplinados na parte II do Código e na parte III encontra-se o regime
dos contratos administrativo.

3. Código do Procedimento Administrativo arts. 200º a 202º


Contratos Públicos

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Nem todos os contratos públicos são contratos administrativos por não


consubstanciarem um elo dentro da relação jurídico-administrativa e não estando assim
sujeitos à parte II e III do Código dos Contratos Públicos.
Os contratos que a administração pública pode celebrar são de dois tipos, nos
termos do art. 200º CPA. Pode haver contratos públicos que são contratos
administrativos sujeitos à disciplina da Parte III do CCP e submetidos ao regime de
Direito Público, ou contratos públicos cuja disciplina substantiva é de Direito Privado.
Ou seja, os contratos públicos não têm uma direta sinonímia em contratos administrativos.
Quando se fala em “público” não se visa afirmar um regime jurídico preciso e
determinado. A parte de Direito Público encontra-se na disciplina que estabelece regras
procedimentais relativas à formação do contrato (regras concorrenciais). Uma ideia que
carateriza fortemente os contratos públicos é o de que os seus efeitos se traduzam no
mercado, isto é, que tenham um impacto concorrencial.
A parte III aplica-se aos contratos previstos na Parte II, não havendo contratos
administrativos que não estejam sujeitos à Parte II. Podemos aplicar a Parte III, mas
parcialmente quando se tratam de contratos que não materializam uma RJA, ainda que
estejam sujeitos a Parte II - contratos com regime substantivo misto. Há ainda uma
terceira hipótese que são contratos públicos não abrangidos, nos termos do arts. 201º e
202º CPA, à Parte III estando sujeitos a um regime substantivo de Direito Privado.
Uma outra caraterística dos Contratos Públicos é o facto de configurarem uma
relação entre as entidades adjudicantes, previstas no art. 2º CCP.
Âmbito de incidência subjetiva da Parte II- Os contratos públicos (art. 2º CCP)
Aqui a nota subjetiva incide sobre as entidades adjudicantes. Estas entidades,
independentemente da sua natureza pública ou privada, tem de cumprir os seguintes
requisitos: criadas especificamente para satisfazer necessidades de interesse geral; não
têm caráter comercial e não estão necessariamente sujeitas à lógica concorrencial do
mercado; sejam maioritariamente financiadas pelas entidades referidas no art. 2º nº1.
O art. 2º nº1, alterado em 2017, fala do Estado, Regiões Autónomas, Autarquias
Locais, pessoas coletivas públicas derivadas ou secundárias pertencentes à Administração
direta e indireta, entidades administrativas independentes, Banco de Portugal, associações
públicas e associações com participação dominante de entidades públicas.
O nº2 fixa ainda como entidades adjudicantes os organismos de Direito Público
(criação jurisprudencial do TJUE para garantir a sua aplicação do Direito da Contratação
Pública). Há uma extensão do art. 2º ao art. 7º: o legislador considera também entidades
adjudicantes as incluídas no art. 7º.
Uma primeira ideia importante é a de que o conceito de entidade adjudicante está
associado à situação funcional em que se encontram as entidades previstas na lei -
competência de adjudicação que é o ato final da disciplina procedimental do Contrato.
Em segundo lugar, quase todas estas entidades adjudicantes possuem
personalidade jurídica.
Em terceiro lugar, a Parte II visa apenas contratos cuja execução corresponda à
satisfação de um interesse da entidade adjudicante. Isto significa que nem todos os
contratos celebrados por estas entidades sejam sujeitos à disciplina da Parte II.

Âmbito de incidência objetiva da Parte II - Contratos Públicos

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Averigua-se pela negativa e, dessa forma, podemos afirmar que os contratos que
se encontram fora do âmbito de aplicação da Parte II são os previstos nos art. 5º, art. 5º-
A, art. 5º-B e art. 6º-A do CCP.
Síntese e distinção entre Contratos Públicos e Contratos Administrativos

Os contratos públicos surgem por conformação do Direito Europeu e das diretivas


fundacionais (diretivas 23/2014 e 24/2014).
Desde a alteração de 2017 é difícil a distinção entre contrato público e contrato
administrativo. O contrato público distingue-se pela sua dimensão procedimental,
prevista na Parte II, sendo contratos celebrados pelas entidades adjudicantes (previstas no
art. 2º CCP) e têm obrigatoriamente de ter impacto concorrencial. Portanto, pode haver
contratos públicos que não sejam contratos administrativos, porque não estão sujeitos à
Parte III (regulamentação substantiva da relação contratual), que só se aplica a contratos
que conformam, disciplinam e regulam relações jurídico-administrativas de natureza
contratual
No entendimento do Professor, é difícil conceber que existam contratos
administrativos que não sejam contratos públicos, pois os contratos administrativos estão
sempre sujeitos à Parte II do CCP, o que quer dizer que em princípio são também
contratos públicos (ao contrário já não acontece). Segundo o art. 280º nº1 CPA podem
existir contratos administrativos ou contratos de Direito privado. Na visão do Professor,
em termos substantivos, um contrato de Direito Privado pode ser também um contrato
administrativo, na medida em que esteja sujeito à Parte II do CCP. Esta sujeição ao regime
previsto na Parte II relaciona-se com o impacto concorrencial que esses contratos tenham.
Ainda, nos termos do art. 280º nº3, podemos ter contratos administrativos que não sejam
públicos, sempre excecionalmente e na medida em que não tenham impacto concorrencial
(ex: contrato de locação de bens móveis - arts. 43º1 e ss.).
Há uma outra caraterística do contrato administrativo no aspeto orgânico-
subjetivo. Nos contratos administrativos a referência orgânico-subjetiva não se faz quanto
às entidades adjudicantes, mas sim aos contraentes públicos do art. 3º sendo que há uma
coincidência parcial com as entidades adjudicantes.
Do ponto de vista processual ou jurisdicional, o art. 4º e) do ETAF fixa que, desde
que haja um procedimento pré-contratual regido por normas de Direito Público, a
jurisdição competente para apreciar é a administrativa.

Princípios do Direito da Contratação Pública


O legislador, ainda que enunciando diversos princípios, não os esgota em apenas uma
norma, estando os mesmo dispersos pelo Código. De ressalvar os previstos no art. 1º-A
que serão os princípios cardeais da contratação pública. Temos três princípios com efeito
direto sobre a ordem jurídico-administrativa:
1. Princípio da igualdade material: aplica-se em conjunto com o princípio da
legalidade. Significa o tratamento igualitário de todos os agentes e operadores
económicos, tanto no acesso como na participação em procedimentos pré
contratuais. Este tratamento igual baseia-se na ideia de que todos eles respeitam
as condições objetivas exigíveis à celebração do contrato. Este tratamento não diz
respeito à categoria do operador económico, mas sim à análise objetiva das
condições práticas. Uma outra dimensão importante é a vertente da não

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discriminação que se liga à ideia de não excluir os operadores e agente


económicos internacionais (mesmo que atuando no mercado interno). Liga-se,
então, ao princípio da concorrência, sendo que em conjugação visam garantir a
igualdade de acesso entre os concorrentes, bem como uma igualdade de
tratamento durante o procedimento, tratando os agentes económicos com
imparcialidade e boa-fé. Os critérios de escolha têm de ser fixados previamente
sob pena de ilegalidade

2. Princípio da concorrência: princípio fundante do Direito da Contratação


Pública, sendo aquele que tem maior impacto direto. Apela à ideia de que o
intérprete deve interpretar e aplicar as normas jurídicas relativamente ao Direito
da contratação de modo a garantir a participação do maior número de agentes e
operadores económicos no procedimento pré-contratual. Equivale a um princípio
da integridade. Uma das consequências jurídicas deste princípio é a
hierarquização dos procedimentos. Aqui o legislador não foi totalmente feliz ao
prever o ajuste direto em primeiro lugar, uma vez que este concurso terá sempre
uma natureza mais fechada. Ora, em primeiro lugar, dever-se-ia valorar os
procedimentos abertos.

3. Princípio da transparência: princípio mais típico do Direito da contratação


pública e do próprio Direito Administrativo Europeu. Atualmente, há um grande
apelo a este princípio, porque o Direito da Contratação Pública é dos ramos do
Direito mais permeáveis ao fenómeno da corrupção. Desde logo, observa-se na
publicidade que é dada ao arranque do procedimento e às escolhas do mesmo.
Além da publicitação, este princípio denota-se no dever de fundamentação dos
procedimentos administrativos. Significa ainda que todas as decisões e
procedimentos levados a cabo pelo responsável devem ser tomadas de forma
cristalina, clara, lógica e coerente, cujo entendimento se torne razoavelmente
incontornável para qualquer destinatário médio.
De notar que temos ainda outros princípios sem previsão no art. 1º-A: princípio
da ponderação, colaboração recíproca (contraentes informem-se mutuamente),
princípio da proporcionalidade e conexão material das prestações (art. 281º).
Relação entre princípio da legalidade e a discricionariedade administrativa
Esta discricionariedade com formação normativa no Direito da Contratação
Pública é diminuta, porque o legislador desenvolveu de forma intensa o mesmo,
deixando muito pouco para o órgão de direção do procedimento fazer uso da
discricionariedade de tonalidade normativa. Também não é plausível que haja uma
discricionariedade administrativa maior do que nas manifestações unilaterais da
atividade administrativa.

Formas e critérios de escolha do contratante – Art. 16º CCP


Estamos a falar dos tipos e escolhas de procedimentos administrativos. Há dois tipos
de critérios que iluminam a escolha nos tipos de procedimento:

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• Quantitativos: em função do valor do contrato – arts. 17º a 22º.


• Materiais: permitem a celebração de contratos através de determinados
procedimentos independentemente do valor do contrato. Nos artigos 23º a 30º o
legislador esquece o valor do contrato e estabelece a sua substituição um conjunto
de circunstâncias e fatores, independentemente daquele valor, que condicionam a
adoção de diversas formas de procedimento contratual.
Ajuste direto: o princípio da transparência manifesta-se melhor em procedimentos
abertos e menos em procedimentos de ajuste direto em que a entidade adjudicante convida
uma ou mais entidades a apresentarem uma proposta – arts. 17º a 22º. Neste caso o CCP
manda atender especialmente ao valor do contrato combinado com a espécie de contrato
a celebrar.
Os contratos públicos são um bem jurídico escasso, uma vez que são contratos
beneficiadores de determinadas entidades. Sublinha-se o art. 19º, onde são fixados limites
à possibilidade de recorrer ao ajuste direto quando se trate de procedimentos relativos às
empreitadas de obras públicas. Em princípio, o ajuste direto seria uma opção de recurso.
No entanto, o legislador utiliza conceitos jurídicos indeterminados e é através desta
“discricionariedade” que a Administração faz uso deste tipo de contratos. Os arts. 25º a
27º densificam as condições específicas para se poder celebrar um procedimento por
ajuste direto.
Aqui tratam-se de procedimentos em que a Administração quer contratar, mas ainda
não sabe muito bem em que condições ou não é capaz de definir em termos claros e
precisos a estrutura financeira ou jurídica dos contratos. Nestes casos é possível que o
diálogo com a entidade adjudicante facilite a densificação do conteúdo contratual.

Procedimento pré contratual e outorga do contrato – arts. 36º ss


1ªfase: inicia-se no art. 36º. O procedimento de formação de qualquer contrato inicia-se
pela decisão de contratar. Devemos salientar os aspetos do tipo de peças do
procedimento (art. 40º). Note-se ainda as especificações técnicas (art. 49º) que
constituem um dos maiores refúgios das idiossincrasias nacionais em virtude da
discriminação face a entidades internacionais. Aqui, quer a administração quer o
contratante devem estar munidos de especialistas e peritos de tipo não jurídico. Chama-
se ainda à atenção ao previsto no art. 52º (definição de candidato) e no art. 53º (definição
de concorrentes).
2ª fase: apresentação de propostas: art. 56º: proposta que é o modo de apresentação,
elementos e prazo da respetiva manutenção; art. 57º: enumeração dos documentos
obrigatórios da proposta; art. 57º-B: documentos necessários a determinado tipo de
contratos; art. 62º: modo de apresentação das propostas; art. 65º: prazo obrigatório à
manutenção da proposta, que é de 66 dias contados da data do termo do prazo
(subprincípio do princípio da concorrência); arts. 67º e 68º: referem- se ao júri e ao seu
funcionamento no procedimento que é um órgão administrativo ad hoc que deve apreciar
as propostas recebidas e propor a adjudicação de uma delas.
3ª fase: análise e avaliação das propostas: art. 70º.
4ª fase: adjudicação: art. 73º. É o ato final do procedimento que escolhe uma de entre as
propostas. Critérios da adjudicação: art. 74º - é a proposta economicamente mais
vantajosa para a entidade adjudicante. Demonstra a natureza eminentemente económica
do Direito da Contratação Pública.

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5ª fase: Celebração do contrato (arts 81º ss CCP): art. 94º CCP (regra quanto à forma
do contrato, que será o contrato escrito); exceções – art. 95º CCP; art. 97º - preço do
contrato.
O efeito suspensivo automático previsto no art. 101º CCP diz respeito apenas ao
ato principal do procedimento: o ato de adjudicação.
Conformação da relação contratual e respetiva execução do contrato: arts. 302º ss
CCP. Os contratos administrativos não são contratos idênticos aos contratos celebrados
no âmbito do direito privado – existem algumas assimetrias e discriminações razoáveis.
O objeto de um contrato administrativo é a prossecução de um interesse público, que goza
de uma certa mobilidade (diferem ao longo do tempo), e isso confere ao poder
administrativo um conjunto de poderes:
• Poder que o contraente público tem de modificar unilateralmente as cláusulas
respeitantes ao conteúdo e modo de execução das restrições previstas no contrato
por razões de interesse público (alínea c);
• Resolver unilateralmente o contrato (alínea e), desde que devidamente
fundamentado (razões de interesse público);
• Poder de fiscalizar a execução das prestações contratuais (arts. 303º ss CCP).
Natureza jurídica das declarações do contraente público (art. 307º): a declaração do
contraente público assume em regra a natureza jurídica de uma declaração negocial. No
entanto, o nº2 estabelece exceções que se prendem com as declarações mais importantes
do contraente público que assumem a natureza de ato administrativo. Quando
pretendemos questionar a validade de uma declaração do contraente que tenha a natureza
de ato administrativo a via processual correta é a impugnação do ato administrativo,
solicitando a declaração de anulação; se a declaração do contraente tiver natureza de
declaração negocial, o pedido é de declaração de invalidade da cláusula contratual.
No contratante privado, temos um direito de receber proteção do contraente público
(art. 291º CCP) e um dever de o contratante executar pessoalmente as prestações
contratuais (art. 288º CCP).
Invalidade do contrato (arts. 283º a 285º CCP): existem 2 tipos de invalidades:
invalidades próprias do contrato e as invalidades resultantes de atos procedimentais. Pode
também existir uma invalidade comum aos atos procedimentais e à própria formação do
contrato.

• Invalidades derivadas/consequentes dos atos procedimentais (art. 283º): a


nulidade/anulabilidade dos atos procedimentais contagia a invalidade do contrato.
A anulabilidade está prevista nos nº3 e nº4 do art. 283º. Em obséquio do princípio
da proteção da confiança, da boa fé e do princípio da proporcionalidade, o efeito
anulatório é afastado - há uma espécie de princípio do aproveitamento do contrato.

• Invalidades próprias do contrato (art. 284º): as invalidades próprias do


contrato são exclusivas do contrato e dizem respeito ao sujeito ou ao objeto. Os

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vícios são gerados no âmbito do próprio contrato; são invalidades originárias e


específicas do contrato. O regime de invalidade está previsto no art. 285º.
Incumprimento e extinção do contrato (art. 325º ss CCP): O incumprimento do
contrato é marcado por uma relação de vinculação entre o objeto do contrato e a
prossecução do interesse público, e é isso que justifica a desigualdade entre as partes, o
que se manifesta quando o contratante decai no cumprimento das suas obrigações
contratuais, e o que legitima diversas reações do contraente.
• Incumprimento por facto imputável ao cocontratante: o contraente público
tem o poder de fixar um prazo para que o cocontratante cumpra as prestações
contratuais em causa, mantendo-se a situação de incumprimento. Caso haja um
incumprimento do contraente público, aplica-se o art. 326º CCP. O nº4 é uma
norma claramente favorável ao contraente público. Quando o incumprimento é
imputável ao contraente público, o contratante privado só pode invocar a exceção
de não cumprimento do contrato, desde que a sua recusa em incumprir não
implique um grave prejuízo para o interesse público. Caso a recusa de cumprir o
contrato implique grave prejuízo para o interesse público, o cocontratante apenas
pode invocar a exceção de não cumprimento em duas situações, presentes no art.
327º nº2 CCP.

O cocontratante tem o direito de resolver o contrato nos termos do art. 332º


CCP. No entanto, há uma exceção: o cocontratante privado só pode invocar a
alteração anormal e imprevisível das circunstâncias, prevista na alínea a), em
situações idênticas à invocação da exceção do não cumprimento do contrato, nos
termos do art. 332º nº2 CCP.

As causas de extinção do contrato estão previstas no art. 330º CCP.


A revogação, prevista no art. 331º CCP, só pode ser feita por acordo.
O contraente público pode resolver o contrato a título sancionatório nas situações
previstas nos arts. 333º CCP, 334º CCP, 335º CCP.

Contratos administrativos:
• Contratos de empreitada de obras públicas;
• Contratos de concessão de obras públicas e serviços públicos (arts. 407º ss CCP);

Por influência do Direito Administrativo Europeu, esbateu-se a diferença entre estes


dois contratos, porque por um lado a definição de empreitada de obra pública mantém a
onerosidade do contrato, mas emite a tradicional referência ao pagamento do dono da
obra. Por outro lado, a noção de concessão de obra pública acentua o direito de exploração
da obra, não exigindo o caráter oneroso.
• Contratos de aquisição de bens móveis;
• Contratos de aquisições de serviços.

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Contencioso contratual (os contratos administrativos são contratos públicos, pelo que
precisam de estar sujeitos a um procedimento pré-contratual):
Engloba duas modalidades:
ü Ações relativas à interpretação, validade e execução dos contratos (arts. 77º-A ss
CPTA) – são utilizadas para resolver litígios.
ü Contencioso pré-contratual (arts. 100º a 103º-B CPTA) – é um dos processos de
caráter urgente e principal. Os processos urgentes principais dividem-se em
intimações para consulta de processo e passagem de certidões; e intimação para
proteção de direitos, liberdades e garantias (arts. 104º e 109º).

• Ações relativas à interpretação, validade e execução dos contratos: as ações


contratuais são utilizadas para recorrer de qualquer litígio relativo aos contratos,
principalmente questões de interpretação, validade e execução que impliquem a
modificação e extinção do contrato. No art. 77º-A, há um alargamento da
legitimidade processual ativa, e é também ampliada na execução do contrato (não
são só as partes que têm legitimidade processual ativa).

• Contencioso pré-contratual: tal como no direito substantivo, há uma clara


influência do direito administrativo europeu. Os fins do contencioso pré-
contratual são: proporcionar uma tutela adequada aos terceiros lesados pela
prática de um procedimento pré-contratual através da consagração do efeito
suspensivo substantivo e do efeito suspensivo processual automático, não de todos
os atos procedimentais, mas apenas dos de adjudicação, que são os atos principais;
e tutelar o interesse público da Administração, dado que se existir algum litígio, a
administração quer resolvê-lo antes da execução do contrato. No entanto, o
contencioso pré-contratual não se aplica a todos os contratos, dizendo respeito
apenas aos contratos previstos no art. 100º nº1 CPTA. O contencioso pré-
contratual abrange também as ações de condenação à prática de atos
administrativos legalmente devidos.
De acordo com o art. 132º nº5 CPTA podem ser utilizadas medidas provisórias,
que são aplicadas em procedimentos de formação de contratos.
O prazo encontra-se previsto no art. 101º CPTA – prazo de um mês, que
vincula os particulares recorrentes, e abrange os atos anuláveis, mas também os
atos nulos.
Por força da reforma de 2015, a principal alteração encontra-se consagrada no art.
103º-A CPTA, em que há um efeito suspensivo substantivo.
Há um princípio fundamental consagrado no art. 4º nº2 d) e no art. 5º CPTA – o
princípio da cumulação do pedido.

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