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Direito Penal

Unidade 1
Princípios do Direito Penal
Diretor Executivo
DAVID LIRA STEPHEN BARROS
Gerente Editorial
CRISTIANE SILVEIRA CESAR DE OLIVEIRA
Projeto Gráfico
TIAGO DA ROCHA
Autoria
FERNANDA SILVEIRA COSTA
AUTORIA
Fernanda Silveira Costa
Olá! Sou formada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais, advogada criminalista, pós-graduanda em Direito Público,
mestre em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de Coimbra.
Tenho experiência técnico-profissional em educação não formal pelo
programa Erasmus Plus da União Europeia e trabalho como professora
para a Modular Acadêmico, empenhada cada dia mais em contribuir para
a educação do nosso país. Foi com grande alegria que aceitei o desafio de
participar e dar o meu contributo para esse maravilhoso projeto da Editora
Telesapiens, fazendo parte do elenco de autores independentes. Me sinto
muito grata por poder contribuir para o seu aprendizado. Conte comigo!
ICONOGRÁFICOS
Olá. Esses ícones irão aparecer em sua trilha de aprendizagem toda vez
que:

OBJETIVO: DEFINIÇÃO:
para o início do houver necessidade
desenvolvimento de de se apresentar um
uma nova compe- novo conceito;
tência;

NOTA: IMPORTANTE:
quando forem as observações
necessários obser- escritas tiveram que
vações ou comple- ser priorizadas para
mentações para o você;
seu conhecimento;
EXPLICANDO VOCÊ SABIA?
MELHOR: curiosidades e
algo precisa ser indagações lúdicas
melhor explicado ou sobre o tema em
detalhado; estudo, se forem
necessárias;
SAIBA MAIS: REFLITA:
textos, referências se houver a neces-
bibliográficas e links sidade de chamar a
para aprofundamen- atenção sobre algo
to do seu conheci- a ser refletido ou dis-
mento; cutido sobre;
ACESSE: RESUMINDO:
se for preciso aces- quando for preciso
sar um ou mais sites se fazer um resumo
para fazer download, acumulativo das últi-
assistir vídeos, ler mas abordagens;
textos, ouvir podcast;
ATIVIDADES: TESTANDO:
quando alguma quando o desen-
atividade de au- volvimento de uma
toaprendizagem for competência for
aplicada; concluído e questões
forem explicadas;
SUMÁRIO
Princípios constitucionais Penais..........................................................12

Introdução ............................................................................................................................................ 12

Princípio da Reserva Legal ...................................................................................................... 15

Princípio da Anterioridade da Lei Penal........................................................................... 16

Princípio da Individualização da Pena.............................................................................. 17

Princípios da Intervenção Mínima, da Subsidiariedade e da


Fragmentariedade........................................................................................................................... 18

Princípio da Insignificância ou da Criminalidade de Bagatela........................ 19

Princípio da Adequação Social.............................................................................................. 20

Princípio Ne bis in idem...................................................................................20

Princípio da Intranscendência da Pena ou da Personalidade......................... 21

Princípio da limitação das penas ou da humanidade........................................... 21

Princípio da Presunção de Inocência ou Presunção de Não


Culpabilidade...................................................................................................................................... 21

Teoria da Lei Penal...................................................................................... 24

Interpretação da lei penal..........................................................................................................28

Analogia................................................................................................................................................. 30

Lei penal no tempo, no espaço e em relação às pessoas............................... 30

Conflito aparente de leis penais............................................................................................32

Teoria do Crime.............................................................................................34

Fato típico.............................................................................................................................................. 36
Fato ilícito.............................................................................................................................................. 39

Fato culpável...................................................................................................................................... 39

Etapas da realização do crime.............................................................................................. 40

Concurso de crimes e concurso de pessoas..............................................................42

Causas de Exclusão da Tipicidade, Ilicitude e da Culpabilidade.... 45


Direito Penal 9

01
UNIDADE
10 Direito Penal

INTRODUÇÃO
Por vezes, a primeira indagação feita pelo aluno quanto à disciplina
de Direito Penal diz respeito à sua denominação. Por que Direito Penal?
Por que não Direito Criminal ou outra denominação qualquer, já que as
medidas dessa área jurídica têm em vista evitar os crimes? Para responder
essa pergunta temos, primeiro, que esclarecer que essa discussão não
se encontra pacificada na doutrina e que ambas as denominações são
utilizadas em nosso sistema jurídico. A nossa Constituição, por exemplo,
difunde a expressão Direito Penal, entretanto, o local onde tramitam
as ações penais é denominado Vara Criminal, e o advogado que milita
nessa área é chamado de advogado criminalista. O Brasil, desde sua
independência, sempre utilizou a expressão Direito Penal, exceto no
período de vigor do Código de 1830, chamado de Código Criminal do
Império, como bem coloca Greco (2012, p. 2). Os autores que defendem
essa nomenclatura afirmam que a pena é o conceito central dessa
disciplina, bem como a condição de existência jurídica do crime, como nos
ensina Batista (2003, p. 116). Entendeu? Se não entendeu completamente,
tenha calma! Ao longo desta Unidade você vai mergulhar neste universo
e, juntos, iremos conhecer os principais conceitos trabalhados no âmbito
do Direito Penal, sua historicidade, função, princípios, institutos e muito
mais!
Direito Penal 11

OBJETIVOS
Olá. Seja muito bem-vinda (o). Nosso propósito é auxiliar você no
desenvolvimento das seguintes objetivos de aprendizagem até o término
desta etapa de estudos:

1. Compreender qual o papel dos princípios em Direito Penal e quais


são os princípios penais constitucionalmente previstos.

2. Entender em que consiste a lei penal, como se classificam, quais


são as suas limitações e as técnicas utilizadas para interpretá-las.

3. Identificar os elementos técnicos de uma conduta criminosa.

4. Reconhecer quais são as causas de exclusão da tipicidade,


ilicitude e culpabilidade.

Então? Preparado para uma viagem sem volta rumo ao conhecimento?


Ao trabalho!
12 Direito Penal

Princípios constitucionais Penais

OBJETIVO:

Ao final deste capítulo, você será capaz de entender como


funciona o ordenamento jurídico brasileiro, no qual se
insere as normas de Direito Penal, bem como os princípios
fundamentais que regem a presente matéria jurídica.
Isso será fundamental para que você compreenda como
se estrutura o Direito em tela e o limite de sua aplicação.
Estudar o Direito Penal sem perpassar por essas questões
introdutórias tornará extremamente dificultosa a nossa
tarefa de compreender como funciona e como se aplica
seus institutos na prática. E então? Animado para começar
a entender o que é o Direito Penal e como ele se estrutura?
Avante!

Introdução
É sabido por todos que o Direito Penal é o ramo do Direito que aplica
pena de prisão às pessoas que cometem crimes. Mas em que consiste o
Direito Penal? Qual é a sua função? Há limites para a edição das normas
penais? E para sua aplicação? Iremos tratar de todas essas questões ao
longo da nossa caminhada.
Direito Penal 13

Figura 1 – O Direito Penal pode ser entendido como um conjunto de normas que nos orienta
sobre o que é crime e o que não é, bem como quais as penalidades que iremos incorrer
caso seja escolhido enveredar pelos caminhos criminosos

Fonte: Freepik

Iniciaremos nossos estudos sobre o Direito Penal trazendo um


conceito muito utilizado pela doutrina:

“Direito Penal é o conjunto de regras e princípios destinados a


combater o crime e as contravenções penais, mediante a imposição de
sanção penal” (MASSON, 2019, p. 3).

A partir desse conceito, podemos extrair que o Direito Penal se ocupa


das leis e dos princípio que resguardam bens jurídicos fundamentais para
a sociedade, criminalizando as condutas que atentem contra um desses
bens jurídicos de forma relevante.

Além de garantir a proteção dos bens jurídicos fundamentais


para o convívio em sociedade, ao Direito Penal também é reservado o
14 Direito Penal

controle social, ou seja, a manutenção da paz, portanto, suas regras são


direcionadas a todos; e a função de proteger o cidadão de eventuais
excessos e arbitrariedades cometidas pelo Estado no exercício do seu
direito de punir (jus ou ius puniendi).

Enquanto ciência, a dogmática penal tem como objeto a


interpretação, sistematização e aplicação lógica-racional das regras e dos
princípios destinados ao combate dos crimes e das contravenções penais.

Isso posto, veremos agora os princípios essenciais ou valores


fundamentais que inspiram a criação e a manutenção do sistema jurídico
penal. A esses princípios daremos o nome de “princípios constitucionais
penais”, cuja principal função é a de orientar o legislador e o aplicador do
Direito, no sentido de limitar o poder punitivo estatal face à imposição dos
direitos e das garantias fundamentais dos cidadãos.

Antes de entrar propriamente no tema, você sabe a diferença


entre regras e princípios? Segundo Reale (2011, p. 59), “as regras regem
situações específicas de forma objetiva”, ou seja, a norma é válida ou não,
se aplica ou não ao caso concreto, bem como produz seus efeitos de
forma universal, respeitando uma ordem hierárquica. Já os princípios são
normas estruturantes, de caráter geral, ou seja, não se aplicam a situações
específicas, mas regem as estruturas a partir das quais as regras podem ser
constituídas. Nesse sentido, os princípios são gerais e abstratos, regidos
por pesos e contrapesos, de modo que mais de um princípio pode ser
aplicado a uma situação específica ou a um vasto campo de situações.
Portanto, é possível afirmar que não há hierarquia entre os princípios, eles
coexistem no ordenamento jurídico.

Desse modo, podemos concluir que os princípios constitucionais


penais são normas constitucionais com alto grau de abstração que
estruturam a forma como o nosso ordenamento jurídico deve prever e
aplicar as normas de Direito Penal. A quantidade e a denominação desses
princípios variam entre os autores da doutrina especializada. Portanto, nas
seguintes seções veremos em espécie apenas os principais princípios.
Direito Penal 15

Princípio da Reserva Legal

REFLITA:

Quem decide o que é crime? E como isso é feito?

A resposta para o questionamento é encontrada no princípio da


reserva legal, previsto no o art. 5°, inciso XXXIX, da Constituição Federal,
que preceitua que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena
sem prévia cominação legal.

O presente princípio estabelece que somente a lei poderá criar


crimes e cominar as suas respectivas penas. É daí que surge a conhecida
expressão “nullum crimen nulla poena sine praevia lege”, o que significa
dizer que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia
cominação legal.

VOCÊ SABIA?

O marco histórico mais antigo do princípio da reserva legal


é a Constituição de João sem Terra, de 1215, que, no seu
art. 39, estabelecia que nenhum homem livre poderia ser
submetido à pena sem antecedente lei em vigor naquela
terra (FRAGOSO, 2003).

No Direito brasileiro, tanto os crimes quanto as contravenções


penais são instituídos por leis ordinárias, que podem ser propostas
pelo presidente da República, deputados, senadores, Supremo Tribunal
Federal (STF), tribunais superiores, procurador-geral da República e pelos
cidadãos, desde que preenchidos os requisitos legais (art. 59 e 61 da
Constituição Federal).

O fundamento jurídico do princípio da reserva legal é a taxatividade,


certeza ou determinação (MASSON, 2019). Nesse sentido, o referido
princípio exige do legislador que ele seja claro quanto ao conteúdo do
tipo penal e da sanção penal a ser aplicada, ou seja, os crimes e as penas
16 Direito Penal

devem estar previstos de forma taxativa no ordenamento, da forma mais


precisa possível; e do juiz exige-se que suas decisões estejam vinculadas
ao mandamento legal.

NOTA:

Quanto à nomenclatura desse princípio, boa parte da


doutrina defende que são corretos os termos “reserva
legal” ou “estrita legalidade”, pois assim limitam a criação
de normas penais tão somente às leis ordinárias, que é a
regra geral; e às leis complementares de forma excecional.
O termo “princípio da legalidade” permite que qualquer
diploma entre os elencados no art. 59º da Constituição
possa criar normas em matéria penal e não apenas a lei,
o que seria incorreto. É o que elucida Greco (2012, p. 104).

Princípio da Anterioridade da Lei Penal


Do princípio da reserva legal, ao instituir que o crime e a pena devam
estar definidos em lei anterior ao fato que se pretende punir, advém um
outro princípio, você sabe qual?

É o princípio da anterioridade da lei penal, pois o referido princípio


determina que a lei produz seus efeitos somente a partir da data em que
entra em vigor, sendo, inclusive, proibida a aplicação da lei penal aos fatos
praticados durante o período de vacatio legis.

É esse o princípio que deriva a irretroatividade de lei penal, prevista


no art. 5º, inciso XL, da Constituição Federal, que determina que não se
aplica a lei penal a comportamentos pretéritos, salvo para beneficiar o réu.
Direito Penal 17

EXPLICANDO MELHOR:

Vacatio legis é uma expressão latina que significa “vacância


da lei” e corresponde ao período entre a data de publicação
de uma nova lei e o início de sua vigência, que, por sua vez,
corresponde ao tempo que uma lei dura ou produz os seus
efeitos. Geralmente, o tempo de duração de uma lei inicia
com a sua publicação, se assim for posto expressamente,
ou após decorrido o prazo da vacatio legis, e tem seu fim
imposto quando determinada lei é revogada ou extinta.

Princípio da Individualização da Pena


Nosso senso comum de justiça nos impele a afirmar que cada
sujeito deve receber aquilo que lhe cabe, ou seja, cada sujeito deve
receber a pena que merece. Mas o que isso significa em matéria penal?

Significa que, transpondo o princípio da justiça, segundo o qual


se deve distribuir a cada indivíduo aquilo que lhe cabe, conforme as
circunstâncias do seu comportamento. A Constituição Federal estabeleceu
no seu art. 5º, inciso XLVI, que no que toca a lei penal, sua aplicação
deve ter em conta não a norma penal em abstrato, mas sim os aspectos
objetivos e subjetivos do crime, ou seja, deve-se observar o que o sujeito
realmente fez, a sua conduta propriamente dita, como matar alguém; e
a vontade ou a real intenção do agente, como se ele quis, de fato, matar
alguém ou se foi um acidente. Entendeu? Se você não entendeu muito
bem, não há com o que se preocupar, voltaremos a tratar dessa questão
quando formos estudar o dolo e a culpa. Essa questão será melhor tratada
quando formos estudar a teoria do crime no item 3 dessa Unidade.

Por hora, é preciso que você tenha em mente que o princípio


da individualização da sanção penal exige do legislador que ele
estabeleça sanções adequada a cada tipo de conduta criminosa,
indicando seu limite mínimo e máximo, e as circunstâncias nas quais
o agente terá sua pena aumentada ou diminuída; do juiz, que ele, ao
aplicar a lei penal, prolatando uma sentença, determine a pena mais
18 Direito Penal

adequada, observando as características pessoais de cada réu, bem


como as circunstâncias do crime.

NOTA:

Vejamos o inteiro teor do art. 5º, inciso XLVI, da Constituição


Federal que prevê o princípio da individualização das penas
e nos apresenta os tipos de sanções aplicáveis pelas leis
penais: “A lei regulará a individualização da pena e adotará,
entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da
liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social
alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos” (BRASIL.
1988, p. 13).

Princípios da Intervenção Mínima, da


Subsidiariedade e da Fragmentariedade
Os três princípios que estudaremos agora são distintos, porém com
a mesma razão. O princípio da intervenção mínima (também chamado
de princípio da necessidade) tem como premissa a natureza drástica da
intervenção penal exercida pelo Estado, pois este aplica ao cidadão as
mais agressivas formas de punição previstas no ordenamento jurídico.
Nesse sentido, o referido princípio estabelece que o Direito Penal deve
ser aplicado de forma excepcional, ou seja, a criminalização de um fato
somente será legítima se constituir meio indispensável para a proteção
de determinado bem ou interesse jurídico relevante para a sociedade,
que não pode ser tutelado por outro ramo do direito (MASSON, 2019). É
o princípio que fundamenta a corrente do Direito Penal mínimo e dele
decorrem o princípio da subsidiariedade e da fragmentariedade, que
veremos a seguir.

O princípio da subsidiariedade institui que o Direito Penal deve


atuar como um executor de reserva, como elucida Masson (2019, p. 47).
Nesse sentido, as leis penais serão necessárias somente quando outros
ramos do Direito ou os demais meios estatais de controle social restarem
insuficientes ou impotentes. Portanto, o princípio da subsidiariedade
Direito Penal 19

assume a premissa de que o Direito Penal deve ser o último recurso do


Estado, ou seja, a ultima ratio.

NOTA:

Interpretando a norma penal em conformidade com os


princípios da reserva legal e do princípio da intervenção
mínima, podemos afirmar que ela deve ser escrita, estrita,
prévia e necessária.

E, por fim, temos o princípio da fragmentariedade, que estabelece


que nem todos os ilícitos são infrações penais. A infrações penais são
somente aqueles atos que atentem contra valores fundamentais para a
manutenção e o progresso da sociedade. Portanto, segundo o referido
princípio, o Direito em tela é a última etapa de proteção do bem jurídico,
portanto deve incidir sobre um reduzido número de condutas humanas,
ou seja, os tipos penais devem proteger bens jurídicos que nenhum outro
ramo do Direito se mostre capaz de proteger (ASSUMPÇÃO, 2019, p. 28).

Princípio da Insignificância ou da
Criminalidade de Bagatela
O referido princípio estabelece que, uma vez que o Direito Penal é
a mais violenta e agressiva forma de atuação do Estado, ele não deve ser
aplicado quando determinada conduta, apesar de ser típica, não for capaz
de lesar ou de colocar em perigo o bem jurídico tutelado pela norma
penal incriminadora. Nesse sentido, o princípio da insignificância tem
como finalidade a interpretação da lei penal de forma restritiva, ou seja,
assume-se aqui o tipo penal como amplo e abrangente, de modo que o
postulado da criminalidade de bagatela limita a sua aplicação prática.

Portanto, apesar do crime de furto está previsto no art. 155 do Código


Penal, é evidente que o Direito Penal não irá mover o aparato estatal para
prender quem subtrair para si ou para outrem uma caneta de um colega.
Não há que falar em crime nesse tipo de situação. Assim sendo, quanto à
sua natureza jurídica, podemos afirmar que o princípio da insignificância
20 Direito Penal

é causa de exclusão da tipicidade, como veremos ao estudar a teoria do


crime na terceira seção da presente Unidade.

IMPORTANTE:

A insignificância deve ser valorada de acordo com cada


caso concreto, observando os posicionamentos do Superior
Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal (STF),
bem como deve conter de forma cumulativa o requisito
da mínima ofensividade da conduta e da ausência de
periculosidade social (ASSUMPÇÃO, 2019).

Princípio da Adequação Social


O princípio da adequação social estabelece que, apesar de o agente
ter realizado um ato tido como conduta criminosa, o Direito Penal não
deve considerá-lo como um criminoso se tal comportamento não afrontar
o sentimento social de justiça. Dito de outra maneira, se determinada
conduta, apesar de ser tipificada como crime pelo Direito Penal, não pode
ser tida como tal, se essa conduta for socialmente aceita, como o caso
dos camelôs e a venda de produtos “piratas”, dos trotes acadêmicos ou o
caso da circuncisão realizada pelos judeus. A adequação social também é
causa de exclusão da tipicidade.

Princípio Ne bis in idem


Imaginemos a seguinte situação: um agente confere inúmeros
golpes de faca contra uma pessoa, em um mesmo contexto, com intenção
de matá-la; e, após a décima facada, a vítima foi a óbito. Nessa situação o
réu será acusado dez vezes pelo crime de lesão corporal e uma vez por
homicídio? Será acusado conjuntamente pelo crime de lesão corporal e
homicídio ou será acusado somente pelo crime de homicídio?

Segundo o princípio do ne bis in idem, o réu seria acusado somente


do crime de homicídio. Sabe por quê? Porque o referido princípio institui
de forma absoluta que é vedada a dupla punição pelo mesmo fato.
Direito Penal 21

Nesse sentido, é vedado que uma pessoa seja processada, julgada e


condenada mais de uma vez pela mesma conduta, ou que, o mesmo fato
seja enquadrado em mais de um tipo penal incriminador. No exemplo, as
circunstâncias do crime, como as dez facadas, podem agravar a pena do
agente, mas ele não pode ser punido duas vezes pelo mesmo fato.

Princípio da Intranscendência da Pena ou


da Personalidade
Previsto no art. 5º, inciso XLV, da Constituição Federal, o referido
princípio, institui que somente o agente pode ser responsabilizado
pelo fato criminoso cometido. Dito de outra forma, ninguém pode ser
responsabilizado por fato cometido por terceira pessoa e a pena não
pode passar da pessoa do condenado. Nesse sentido, o STF reconhece
que “o postulado da intranscendência impede que sanções e restrições
de ordem jurídica superem a dimensão estritamente pessoal do infrator”
(STF, 2006, p. 6).

Princípio da limitação das penas ou da


humanidade
O princípio da humanidade das penas, decorre do princípio da
dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da Constituição Federal) e
apregoa que será inconstitucional o tipo penal ou a cominação de pena
que viole a integridade física ou moral de alguém. A título ilustrativo,
podemos citar a decisão do STF de fevereiro de 2006, que declarou
inconstitucional o regime integralmente fechado para o cumprimento de
pena privativa de liberdade nos crimes hediondos e equiparados (STF,
2009).

Princípio da Presunção de Inocência ou


Presunção de Não Culpabilidade
O princípio da presunção de inocência talvez seja o mais conhecido
no âmbito de senso comum. Você provavelmente já deve ter ouvido a
22 Direito Penal

expressão: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado


de sentença penal condenatória”. Esse é o teor do art. 5º, inciso LVII da
nossa Constituição. O que talvez você não saiba é que a origem desse
princípio remete ao artigo 9° da Declaração dos Direitos do Homem e
do Cidadão, do século XVIII; e, posteriormente, ao art. 11 da Declaração
Universal de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU),
como resposta aos horrores cometidos pelo regime fascista na Segunda
Guerra Mundial.

Autores como Lopes Júnior (2011, p. 177) defendem que esse


princípio é o reitor do processo penal, de modo que, embora recaia sobre
alguém a acusação de prática criminosa, ele deve ser tratado como
inocente até que transite em julgado sentença penal que o condene, ou
seja, até que restem esgotadas as possibilidades de recurso da referida
decisão.

Várias são as questões que giram em torno dos institutos processuais


penais quando confrontados com esse princípio, a mais recente delas,
por exemplo, gira em tono da possibilidade de o réu ser preso após
decisão judicial em segunda instância. Em decisão proferida no dia 7
de novembro de 2019, o Supremo Tribunal Federal reverteu seu próprio
entendimento, sedimentado em 2016, de que deveria ser autorizada a
prisão dos réus condenados em segunda instância. O principal motivo
que fundou tal reversão foi justamente a observância do princípio da
presunção de inocência, prevalecendo no STF que ninguém poderá dar
início ao cumprimento de sua pena até o julgamento de todos os recursos
cabíveis, incluindo, quando cabíveis, nos tribunais superiores.

SAIBA MAIS:

Para entender melhor a decisão do STF que reverteu seu


próprio posicionamento acerca da prisão após condenação
em segunda instância, leia o artigo Princípio constitucional da
presunção de inocência e a prisão em segunda instância: o
STF e a estabilidade jurídica no país. Clique aqui para acessar.
Direito Penal 23

RESUMINDO:

E então? Tudo bem até aqui? Compreendeu bem os


princípios constitucionais penais e a função de cada um
deles? O mais importante até aqui é que você tenha em
mente que o Direito Penal é o conjunto de regras e princípios
destinados a combater o crime e as contravenções penais,
mediante a imposição de sanção penal; e suas principais
finalidades são: resguardar os bens jurídicos fundamentais
para a sociedade, controle social e proteção do cidadão
face a eventuais excessos e arbitrariedades cometidas
pelo Estado no exercício do seu direito de punir. Entre os
vários princípios que orbitam em torno da seara penal,
temos os princípios constitucionais penais que são normas
constitucionais com alto grau de abstração que estruturam
a forma como o nosso ordenamento jurídico deve prever e
aplicar as normas de direito penal. Entre os vários princípios
apontados pela doutrina destacam-se o princípio da reserva
legal, anterioridade da lei penal, individualização da pena,
princípios da intervenção mínima, da subsidiariedade e da
fragmentariedade, da insignificância ou da criminalidade de
bagatela, adequação social, ne bis in idem, intranscendência
da pena ou da personalidade, limitação das penas ou da
humanidade e o princípio da presunção de inocência ou
presunção de não culpabilidade.
Dito isso, passaremos agora ao estudo da lei penal
propriamente dita, posto que a partir do momento que uma
norma jurídica é considerada norma penal ela será sujeita
a um regime próprio. Animado? Vamos dar continuidade
aos nossos estudos analisando agora a chamada Teoria
da Lei Penal.
24 Direito Penal

Teoria da Lei Penal

OBJETIVO:

Neste capítulo, iremos nos ater ao estudo da lei penal,


abrangendo a sua classificação, os critérios de interpretação,
o concurso aparente entre elas e os princípios penais
que devem ser analisados para a solução de conflitos
relativos à sua aplicação. O estudo da teoria da lei penal é
imprescindível para que se interprete, integre e aplique a
lei penal da melhor maneira possível nos casos concretos.
Motivado para começar a entender todo o universo que
gira em torno da aplicação de uma lei penal? Vamos juntos!

Como vimos anteriormente, a lei penal é uma espécie de norma


jurídica penal. A norma penal é o conjunto de regras e princípios que
estabelecem condutas proibidas, advindas de um sentido de justiça,
contendo um segmento social; já a lei penal ela é a regra escrita, elaborada
pelo legislador, com o objetivo de positivar aquelas condutas, específicas,
tidas como nocivas à sociedade (SALIM; AZEVEDO, 2019). Dito de outra
forma, é a partir da lei que a norma se manifesta e torna-se obrigatória.
Figura 2 – A lei penal deve ser entendida como a forma escrita pela qual a norma penal é
revelada aos cidadãos, uma vez que é uma fonte de direito de aplicação imediata

Fonte: Freepik
Direito Penal 25

Antes de estudar a lei penal propriamente dita, devemos trabalhar


as fontes do Direito Penal, entendidas como tudo aquilo que impulsiona o
surgimento da norma jurídica, ou seja, tudo aquilo que se relaciona com a
própria gênese da lei (SALIM; AZEVEDO, 2019).

A doutrina em muito diverge acerca da classificação das fontes de


Direito Penal. Uma grande parte dela distingue as fontes do Direito Penal
em materiais e formais. As fontes materiais são aquelas relacionadas à
produção da norma penal, observando as competências dos órgãos
encarregados por sua elaboração. Segundo o art. 22, inciso I, da
Constituição Federal, compete somente à União legislar sobre o Direito
Penal. Assim sendo, somente a vontade do povo, representado pelos
deputados, juntamente com a vontade dos Estados, representados pelos
seus senadores, e com a sanção do presidente da República é que se
pode inovar em matéria penal. Portanto, o único órgão que pode criar leis
penais no Brasil é a União.

NOTA:

Entretanto, a doutrina salienta que, conforme o parágrafo


único do mesmo artigo, a lei complementar pode autorizar
os Estados a legislar em matéria penal sobre questões
específicas de cada Estado. Embora ainda não tenhamos
nenhum exemplo dessa prática (SALIM; AZEVEDO, 2019).

As fontes formais, por seu turno, são aquelas que exteriorizam


o Direito Penal, é a forma pela qual uma norma penal é revelada aos
cidadãos. A doutrina majoritária as divide em fonte formal, imediata e
mediata. A imediata é aquela de aplicação direta, aquela que recorremos
para saber se determinada conduta é proibida ou não pelo Direito Penal.
Portanto, a única fonte formal imediata que temos no Direito brasileiro é
a lei, pois somente a lei ordinária, via de regra, é que pode criar crimes e
cominar penas (SALIM; AZEVEDO, 2019).
26 Direito Penal

NOTA:

A possibilidade de lei complementar exercer a mesma


função não é pacífica na doutrina, apesar de termos o art.
10 da Lei Complementar n° 105, de 10 de janeiro de 2001,
que institui o crime de quebra de sigilo fora das hipóteses
autorizadas na mesma lei.

As fontes formais mediatas são aquelas que não exercem a função


de criar crimes; tampouco criam ou revogam leis, pois para isso há todo
um processo legislativo. As fontes formais imediatas são os costumes;
princípios gerais de direito; o ato administrativo, quando complementa
uma norma penal em branco; os tratados e as convenções internacionais;
a equidade; a doutrina e a jurisprudência. Sua função é a de integrar a
norma penal e auxiliar o intérprete na sua aplicação.

Isso posto, passaremos ao estudo da lei penal propriamente dita.

REFLITA:

Você sabe me dizer se toda lei penal cria crime e comina


sua respectiva sanção?

Pois bem, a reposta correta é não. Há leis penais que exercem outra
função dentro do Direito Penal, como as leis penais que estabelecem
os casos em que, apesar de o fato ser criminoso, não será aplicada a
sanção ao seu autor, como a lei que determina a inimputabilidade do
sujeito quando este for doente mental (art. 26, caput, do Código Penal).
Entendeu? Muito bem! Vamos agora ver todos os tipos de leis penais,
conforme a classificação majoritária da doutrina:

a. Leis penais incriminadoras: são aquelas que criam crimes e


impõem sanções, como as contidas na parte especial do Código
Penal.

b. Leis penais não incriminadoras: são aquelas que não criam crimes
e não cominam penas. As leis não incriminadoras podem ser:
Direito Penal 27

b.1) leis penais permissivas: autorizam a prática de determinadas


condutas tidas como criminosas, como agir em legítima defesa ou
estado de necessidade (art. 23 do Código Penal).

b.2) leis penais exculpantes: estabelecem a não culpabilidade do


agente ou a inimputabilidade de determinadas condutas típicas e
ilícitas, como o art. 26º do Código Penal, que determina que é isento
de pena o menor de idade.

b.3) leis penais interpretativas: explicam ou esclarecem o conteúdo


de outras leis, como a lei que determina o conceito de funcionário
público (art. 327 do Código Penal).

b.4) leis penais complementares ou de aplicação: delimitam o


âmbito de incidência de outra lei penal ou estabelece os princípios e
orientações para sua aplicação, como os artigos 2º ao 12º do Código
Penal, que devem ser orientados pelo princípio da reserva legal.

c. leis penais de ampliação, extensão ou de aplicação:


complementam a descrição legal dos elementos de um crime, ou
seja, complementam a tipicidade do fato criminoso, como a lei
que descreve quando um crime será tentado (art. 14, inciso II, do
Código Penal).

Quanto à completude dos elementos de uma norma penal, ela


pode ser das seguintes formas:

d. Lei penal completa: prevê todos os elementos do fato criminoso,


como o tipo penal do homicídio (art. 121 do Código Penal).

e. Lei penal incompleta: aquelas que necessitam de outra norma,


ato normativo ou da interpretação do juiz, para completar a
descrição dos elementos do fato criminoso, como a Lei de Drogas
(Lei n° 11.343, de 23 de agosto de 2006), que vale-se do preceito
administrativo (Portaria SVS-MS n° 344, de 12 de maio de 1998)
para definir o que é droga. Essa espécie de lei penal é também
conhecida como lei penal em branco ou tipo penal aberto, pois
apesar de prever crimes e suas respectivas sanções, utilizam
proibições genéricas, devendo estas serem completadas por
outra norma, ato administrativo ou pelo magistrado.
28 Direito Penal

Até aqui ficou claro o que é lei penal e quais são as suas espécies?
Ótimo! Agora vamos dedicar uma parte da nossa Unidade para analisar as
formas de interpretação da lei penal.

Interpretação da lei penal

REFLITA:

Em que consiste o ato de interpretar?

A interpretação é necessariamente feita por um sujeito que, ao


empregar determinado modo de análise de algo, chega a algum resultado.
Nesse sentido, temos que a interpretação da lei penal consiste em uma
atividade mental, cujo objetivo é buscar o conteúdo e o significado contido
na lei, tendo em vista a resolução do caso concreto.

NOTA:

A interpretação não pode ser confundida com hermenêutica.


Esta trata do ramo da ciência jurídica responsável por
formular e sistematizar princípios que substituirão a
interpretação, já o ato de interpretar é uma atividade prática
que objetiva a determinação do sentido e do alcance dos
enunciados trazidos pelo preceito normativo; seu objetivo
é o de aflorar a vontade da lei (CUNHA JÚNIOR, 2008).
A hermenêutica, portanto, é a ciência que disciplina a
interpretação da lei, já a atividade prática de interpretação
desta é intitulada de exegese (MASSON, 2008).

De uma maneira geral, a doutrina divide e classifica os métodos de


interpretação da lei penal em três diretrizes: conforme o sujeito (autêntica,
judicial e doutrinária); os meios de interpretação (gramatical ou teleológica)
e o resultado obtido (declarativa, extensiva e teleológica).

Quanto ao sujeito, a classificação cuida do sujeito ou do órgão


que realiza a interpretação. Nesse sentido, a interpretação autêntica
Direito Penal 29

ou legislativa é aquela fornecida pelo próprio legislador ao editar uma


lei com o objetivo de estabelecer o alcance e o significado de outra lei,
portanto, tem força cogente. A doutrinária ou científica é aquela posta
pelos doutrinadores, os comentadores do texto legal, sem qualquer
força vinculante ou obrigatória. A interpretação judicial ou jurisprudencial
é aquela executada pelo Poder Judiciário na decisão do caso concreto,
sua reiteração constitui a jurisprudência e sua força obrigatória será
estabelecida quando fizer coisa julgada material, constituir súmula
vinculante ou nas hipóteses do art. 927 do Código de Processo Civil.

Em relação ao meio, a classificação da interpretação cuida do


meio que serve o intérprete para descobrir o significado da lei penal. A
interpretação gramatical, literal ou sintática busca o significado da lei a
partir da acepção literal das palavras contidas nela. A interpretação lógica
ou teleológica observa a lei além da singela leitura do texto legal, ou seja,
sua leitura considera o contexto histórico da norma, o sistema jurídico que
se insere, o tratamento do assunto em outros países e outros elementos
extrajurídicos, quando o significado de determinados institutos está fora
do âmbito do Direito.

A classificação quanto ao resultado obtido, por sua vez, diz


respeito à conclusão extraída pelo intérprete, podendo ser: declaratória,
declarativa ou estrita, quando resulta da sintonia entre o texto da lei e sua
vontade; e extensiva, quando destinada a corrigir uma disposição legal
excessivamente estreita, objetivando ampliar o texto da lei para moldá-lo
à sua real vontade.

IMPORTANTE:

Analogia não se confunde com interpretação da lei. Na


analogia não há sequer lei para ser interpretada, pois ela
cuida das situações em que não há lei que trate de um caso
concreto.

Isso posto, agora, iremos tratar da analogia no Direito Penal.


30 Direito Penal

Analogia
Como dito anteriormente, ante uma situação na qual não haja lei
penal que suficientemente preveja determinado caso, o aplicador do
direito deverá resolvê-la por analogia. Esta consiste em um processo de
integração do ordenamento jurídico que aplica ao caso concreto, não
previsto em lei, uma outra lei reguladora de caso semelhante.

Ante o princípio da reserva legal, a analogia só pode ser utilizada


em relação às leis não incriminadoras, e funda-se no preceito de que
os casos similares devem ser tratados da mesma maneira. As espécies
de analogia são: analogia legal, quando se aplica ao caso omisso uma
lei que trata de caso semelhante; analogia jurídica, quando se aplica ao
caso omisso um princípio geral do direito; in malam partem, aquela que
aplica-se ao caso omisso uma lei que preveja caso semelhante que seja
maléfica para o réu; e a analogia in bonam partem, que aplica ao caso
omisso uma lei que preveja caso semelhante e seja benéfica para o réu.
Também, por respeito ao princípio da reserva legal, o Direito Penal não
admite a analogia in malam partem, como estabelece o Supremo Tribunal
Federal (STF, 2006).

Lei penal no tempo, no espaço e em


relação às pessoas
Depois de cumprir todas as fases do processo legislativo previsto
na Constituição Federal, a lei penal ingressa no ordenamento jurídico e,
assim como as demais leis, ao entrar em vigor, qual é o seu alcance?
Quais são as pessoas que ela atinge e por quanto tempo ela vigorará?

Todas essas questões suscitadas estão relacionadas às limitações


da lei, impostas pela própria legislação penal e por seus princípios.
Estudaremos cada uma delas na presente seção.

Quanto ao tempo de vigor de uma lei penal, por observância do


que se convencionou chamar de princípio da continuidade de lei, uma vez
em vigor, a lei penal irá vigorar até ser revogada por outro ato normativo
de igual natureza (MASSON, 2019). Essa é uma regra geral do Direito,
Direito Penal 31

mas no Direito Penal há exceções: as leis temporárias e excepcionais são


autorrevogáveis, portanto, não precisam ser revogadas por outra lei.

A atividade legislativa, como decorrência da soberania popular,


é irrenunciável, desse modo, nem os costumes, por mais consagrados
que sejam em uma sociedade, nem uma decisão judicial, ainda que
promulgada pelo Supremo Tribunal Federal, tem o poder de revogar uma
lei. A revogação da lei por outra pode ser absoluta ou total, conhecida por
ab-rogação, ou pode ser parcial, conhecida por derrogação.

Em relação ao tempo de vigor de uma lei penal, temos que tecer as


seguintes considerações:

• Retroatividade da lei mais benéfica: se uma lei posterior for mais


benéfica ao agente, em comparação àquela que estava em vigor
no momento do ilícito criminal, a lei mais benéfica será retroativa e
deverá ser aplicada ao caso, mesmo que editada posteriormente
ao crime ou contravenção penal.

• Ultratividade da lei mais benéfica: se o ilícito penal for cometido


durante a vigência de uma lei, posteriormente revogada por outra
que venha a ser mais prejudicial ao agente, deverá subsistir, nesse
caso, os efeitos da lei anterior, mais favorável, pois a lei penal mais
grave não deverá retroagir.

Quanto ao campo de validade de uma lei penal, o Código Penal o


limita observando dois vetores: a territorialidade e a extraterritorialidade
(previstos, respectivamente, nos art. 5 e 7 do referido diploma).

A territorialidade é a regra. Excepcionalmente são admitidos outros


princípios para o caso da extraterritorialidade, que são: personalidade,
domicílio, defesa da justiça universal e representação. O princípio da
territorialidade institui que, sem prejuízo do estipulado em convenções
e tratados internacionais, a lei penal brasileira deverá ser aplicada em
todo território nacional, território nacional por extensão e nos casos de
crimes praticados a bordo de aeronaves ou embarcações estrangeiras de
propriedade privada, na forma da lei.
32 Direito Penal

A extraterritorialidade da lei penal brasileira; observando o princípio


da personalidade, autoriza a submissão à lei brasileira dos crimes
praticados no estrangeiro por autor brasileiro ou contra vítima brasileira;
observando o princípio do domicílio, institui que o autor do crime deve ser
julgado pela lei do país em que for domiciliado, independentemente da
sua nacionalidade; observando o princípio da defesa da justiça universal,
estabelece que qualquer Estado da comunidade internacional pode
punir os autores de determinados crimes, em conformidade com as
convenções e tratados internacionais, pouco importando a nacionalidade
do agente; e, por fim, observando o princípio da representação, aplica a
lei penal brasileira aos crimes cometidos em aeronaves ou embarcações
brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território
estrangeiro e aí não sejam julgados.

Quanto às pessoas ou em relação a elas, ao instituir, no art. 5º do


Código Penal, que aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções,
tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território
nacional, o Direito Penal brasileiro mitiga o princípio da territorialidade
com a possibilidade de tais diplomas internacionais criarem imunidades
diplomáticas e de chefes de governos estrangeiros. Ao mesmo tempo,
o referido princípio também é mitigado pelas regras constitucionais que
instituem as imunidades parlamenteares.

Conflito aparente de leis penais


Para finalizarmos o estudo da lei penal, trataremos de responder
a seguinte pergunta: como proceder, quando em tese, a um único fato
criminoso se revela possível a aplicação de mais de uma lei penal apta a
ser aplicada ao caso?

Quando estamos diante de um conflito de preceitos penais,


situação em que um único fato punível se enquadra sob a aplicação de
mais de uma lei, estamos, na verdade, diante de um conflito aparente de
leis penais, pois este desaparecerá com a correta utilização dos princípios
adequados. Uma vez que, em se tratando de uma única conduta, afigura-
se injusto e desproporcional a incidência de mais de uma sanção penal,
Direito Penal 33

razão pela qual dever-se-á escolher o dispositivo penal que melhor se


adequa ao fato criminoso.

A doutrina indica, no geral, os seguintes princípios para sanar


eventuais conflitos aparente de leis penais: especialidade (lei especial
prevalece sobre a lei geral); subsidiariedade (lei primária prevalece sobre
lei subsidiária); consumação (o fato mais amplo e grave consome ou
absorve os demais fatos menos amplos e graves); e alternatividade (a
aplicação de uma norma a um fato exclui a aplicabilidade de outra que
também o prevê como delito).

RESUMINDO:

E então? Gostou do que vimos até aqui? Vamos agora


entender melhor os conceitos que envolvem a tipicidade,
ilicitude e culpabilidade de um fato criminoso. Para tanto,
precisamos ter em mente o que foi trabalhado até agora
em relação à lei penal, principalmente no que toca a sua
classificação, a forma como elas são sobrepostas no nosso
ordenamento jurídico, bem como os limites que lhe são
impostos em relação ao tempo, espaço e às pessoas.
Também é importante compreender que a interpretação
de uma norma deve sempre buscar o seu conteúdo
e o significado, visando à resolução do caso concreto,
independentemente de qual diretriz essa interpretação
parta; bem como que em um conflito aparente de leis
penais, deve ser aplicado os princípio da especialidade;
subsidiariedade; consumação e alternatividade, posto que
em se tratando de uma única conduta afigura-se injusto e
desproporcional a incidência de mais de uma sanção penal,
razão pela qual dever-se-á escolher o dispositivo penal que
melhor se adequa ao fato criminoso.
34 Direito Penal

Teoria do Crime

OBJETIVO:

Até o presente momento, vimos que o Direito Penal é


o conjunto de regras e princípios que lhe são próprios;
destinados a combater o crime e as contravenções penais,
mediante a imposição de sanção penal. Mas o que é um
crime e o que é uma contravenção penal? Como identificar
perante o caso concreto se ali ocorreu um fato criminoso
ou não? É disso que iremos tratar agora. Ao término desse
Capítulo você será capaz de entender que para definir se
um fato é criminosos ou não ele deverá preencher três
requisitos: tipicidade ilicitude e culpabilidade, requisitos
esses trabalhados pela teoria do crime, objeto de nosso
estudo no presente Capítulo. Isso será fundamental para
que você, enquanto operador do Direito, possa identificar
de forma técnica a constituição de uma conduta criminosa.
E então? Motivado para desenvolver essa competência?
Então vamos lá!

Figura 3 – Para que um juiz possa condenar um sujeito pela prática de um crime, deve ser
provada a tipicidade, a ilicitude e a culpabilidade da sua conduta

Fonte: Freepik
Direito Penal 35

Como dito anteriormente, a corrente majoritária na doutrina brasileira


estabelece que o fato criminoso é aquele que tem tipicidade, ilicitude a
culpabilidade. Porém, devemos salientar que o conceito de crime não se
resume a tais elementos. A doutrina especializada elucida que o crime
pode ser conceituado considerando três aspectos: material, legal, formal
ou analítico. Vejamos cada um deles:

Como elucida Masson (2019, p. 160), de acordo com o critério


material ou substancial, crime é toda ação ou omissão humana que lesa ou
expõe a perigo de lesão bens jurídicos penalmente tutelados. Esse critério
tem em conta a relevância do mal produzido por determinadas condutas,
e funciona como vetor do legislador para que a ele seja incumbido a
tipificação exclusiva das condutas que causarem danos ou que coloquem
em perigo bens jurídicos penalmente relevantes. Segundo o critério da
legalidade, crime é aquela conduta posta pelo legislador como tal. Nesse
sentido, institui o art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal (Decreto-Lei
n° 3.914, de 9 de dezembro de 1941) que crime é aquela infração penal
que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, isolada, alternativa ou
cumulativamente com a pena de multa; e contravenção e infração penal é
aquela conduta que a lei comina isolada, alternativa ou cumulativamente
pena de prisão simples ou de multa. O critério formal ou analítico, ou
ainda, dogmático, tem em conta os elementos que compõem a estrutura
do crime e a corrente majoritária adota a posição tripartida do conceito de
crime, segundo a qual crime é todo fato típico, ilícito e culpável.

Ante o exposto, passaremos agora à análise de cada um desses


elementos fundamentais do crime, uma vez que sua função consiste
na facilitação da averiguação da presença ou ausência de um delito no
caso concreto. No entanto, antes disso, é importante ter em mente que a
tipicidade, ilicitude e culpabilidade convertem uma ação ou omissão em
um crime e que cada um desses elementos, como foram apresentados, é
um antecedente lógico da apreciação do elemento seguinte.

A culpabilidade, enquanto responsabilidade pessoal por um fato


antijurídico, pressupõe a antijuridicidade do fato; da mesma forma, a
antijuridicidade pressupõe a sua concretização em tipos penais (GRECO,
2012, p. 135).
36 Direito Penal

Fato típico
O fato típico é o praticado por pessoa natural, ou também o
praticado por pessoa jurídica, em relação aos crimes ambientais previstos
na Lei n° 9.605, de 12 de fevereiro de 1998; que se enquadra perfeitamente
aos elementos descritos pelo tipo penal. Nesse sentido, será atípico o
fato decorrente de uma conduta sem previsão em nenhum tipo penal.
A doutrina aponta, majoritariamente, quatro elementos do fato típico:
conduta, resultado naturalístico, relação de causalidade ou nexo causal
e tipicidade.

IMPORTANTE:

No tipo penal que acomoda uma conduta e um resultado


naturalístico (uma modificação do mundo exterior
decorrente do comportamento do agente), exigindo a
produção do resultado para que o crime seja consumado,
pode-se afirmar que os quatro elementos da tipicidade do
fato estarão presentes quando o crime for consumado. Já
nos crimes tentados, suprime-se o resultado naturalístico e
o nexo causal. No tipo penal que acomoda o crime formal,
no qual o resultado naturalístico não é necessário para a
consumação do crime; e no tipo penal que acomoda o crime
de mera conduta, no qual não há resultado naturalístico,
suprimem-se o resultado naturalístico e o nexo causal
(MASSON, 2019).

Nesse sentido, podemos afirmar que não há crime sem conduta.


A delimitação do conceito de conduta, por sua vez, é uma das maiores
discussões do Direito Penal, atualmente. Portanto, tratemos aqui apenas
da teoria majoritária, qual seja, a teoria finalista. Segundo tal teoria, conduta
é toda ação ou omissão humana, consciente e voluntária, dirigida a uma
finalidade específica, a fim de que se produza um resultado tipificado ou
previsto em lei como crime ou contravenção penal.

A ação deve ser entendida como todo movimento corporal exterior,


ou seja, um fazer algo. A omissão, por seu turno, constitui a conduta de
não fazer aquilo que podia e deveria ter feito em termos jurídico; desse
Direito Penal 37

modo, pode desdobrar-se tanto na situação do indivíduo que nada fez


devendo ter feito algo, ou na situação do indivíduo que fez algo diferente
daquilo que o dever jurídico lhe impunha.

No âmbito da conduta, sob uma ótica finalista do Direito Penal,


analisa-se também se determinada conduta é dolosa ou culposa.

IMPORTANTE:

O dolo consiste na vontade e na consciência de realizar os


elementos do tipo penal e a culpa, por sua vez, consiste na
conduta voluntária, desprendida pelo agente que deixa de
observar o dever de cuidado, por imprudência, negligência
ou imperícia, produzindo um resultado naturalístico
criminoso, objetivamente previsível ou que com a devida
atenção poderia ser evitado.

O dolo pode ser direito (a vontade do agente é voltada para um


resultado específico); indireto (a vontade do agente não é dirigida a um
resultado específico); alternativo (o agente deseja de forma indistinta um
ou outro resultado); eventual (embora o agente não queira o resultado, ele
assume o risco de produzi-lo). Há também o preterdolo, situação na qual
a conduta dolosa acarreta a produção de um resultado mais grave do que
o desejado pelo agente.

A culpa pode ser inconsciente (o agente não prevê o resultado


objetivamente previsível); consciente (o agente prevê o resultado
objetivamente previsível, mas realiza a conduta acreditando que ele não
será produzido); própria (quando o agente não quer o resultado e não
assume o risco de produzi-lo); imprópria (aquela em que, o sujeito, após
prever o resultado e desejar sua produção, realiza a conduta por erro
inescusável quanto à ilicitude do fato); e indireta ou mediata (quando o
agente produz o resultado indiretamente a título de culpa).

O resultado é a consequência da conduta do agente. Em Direito


Penal temos duas espécies de resultado: resultado jurídico ou normativo,
que é a lesão ou exposição a perigo de lesão do bem jurídico penalmente
tutelado; e o resultado naturalístico ou material, que é a modificação
38 Direito Penal

do mundo exterior em decorrência de um ato de vontade do agente


criminoso. Nesse sentido:

Há crime sem resultado?

Resposta: Depende. Como vimos anteriormente, não há que se


falar em crime sem resultado jurídico, pois será crime somente aquela
conduta que lesiona ou expõe a perigo de lesão um bem jurídico
penalmente tutelado. Em contrapartida, podemos afirmar que há crime
sem resultado naturalístico, pois nosso Código Penal prevê a possibilidade
de ocorrência dos crimes tentados, ainda que material, e crimes de mera
conduta, nos quais o resultado naturalístico não será produzido; e prevê
ainda a modalidade de crime formal, no quais, ainda que seja possível a
ocorrência de resultado naturalístico, este é dispensável para que o crime
seja consumado.

A relação de causalidade ou o nexo causal é o elemento do tipo


que impõe uma ligação entre a conduta e o resultado. Nesse sentido, o
art. 13 do Código Penal estabelece que o resultado, de que se depende a
existência do crime, somente será imputável a quem lhe deu causa. Insta
destacar que prevalece na doutrina brasileira o entendimento de que o
resultado ligado à conduta do agente deve ser entendido como resultado
naturalístico, ou seja, o estudo da relação de causalidade alcança apenas
os crimes materiais. Tal constatação funda-se no fato de que nos crimes
de mera atividade o resultado naturalístico pode acontecer ou não,
portanto, o nexo de causalidade é dispensável, uma vez que o crime se
consuma com a simples prática da conduta.

Por fim, como afirmado anteriormente, não há crime sem tipicidade.


A tipicidade penal consiste na presença simultânea da tipicidade formal
e da tipicidade material. A tipicidade formal é a operação pela qual é
analisado se o fato praticado pelo agente tem correspondência em
uma conduta prevista como crime ou contravenção penal. A tipicidade
material ou substancial analisa a lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico
penalmente tutelado em razão da conduta praticada pelo agente, pois
nem toda conduta que se encaixa perfeitamente na tipicidade formal
do dispositivo penal acarreta dano ou perigo ao bem jurídico de forma
relevante.
Direito Penal 39

Fato ilícito
O fato será ilícito quando praticado contra alguém e contra o
ordenamento jurídico, capaz de lesionar ou expor a perigo bem jurídico
penalmente tutelado. Insta salientar que a ilicitude, no Direito Penal brasileiro,
é meramente objetiva, ou seja, as características pessoais do agente, como
a sua capacidade de discernimento, em nada afetam a ilicitude.

EXPLICANDO MELHOR:

Os inimputáveis por qualquer que seja a causa de sua


ausência de culpabilidade, praticam condutas ilícitas,
muito embora as penas não possam lhe ser imputadas
por ausência de culpabilidade. A ilicitude se mantém
independentemente da culpabilidade do agente.

Dito isso, em que consiste a culpabilidade de uma pessoa e qual a


sua implicação na teoria do crime? Responderemos a presente questão
na seção a seguir.

Fato culpável
Desde que se adote um conceito tripartido de crime, a culpabilidade
é o elemento do crime que incide sobre a formação e exteriorização da
vontade do responsável pela prática de um fato típico e ilícito, exercendo
um juízo de censura e reprovabilidade, com o propósito de aferir a
necessidade de imposição da lei penal. Em um Estado Democrático de
Direito deve imperar um direito penal do fato, ou seja, deve-se punir os
fatos praticados pelos agentes, e não o agente do fato, ou seja, deve
desconsiderar a particular forma de ser do agente, deve punir o fato e não
rotular as pessoas (MASSON, 2019, p. 376). Nesse sentido, a culpabilidade
recai sobre o autor para analisar se ele deve suportar ou não uma
pena em razão do fato cometido. Nos moldes da concepção finalista,
a culpabilidade é composta pela imputabilidade; potencial consciência
sobre a ilicitude do fato; e da exigibilidade de conduta diversa. Veremos
cada um desses elementos da culpabilidade no Capítulo 4, para que não
fujamos do tema proposto no presente Capítulo.
40 Direito Penal

Etapas da realização do crime


As etapas de realização do crime ou iter criminis, ou ainda, “caminhos
do crime” corresponde aos passos percorridos pelo agente para a prática
de um fato previsto em lei como infração penal.

Assim sendo, as etapas da realização do crime são assim dispostas:

A primeira fase é chamada de fase interna e consiste na cogitação,


primeira etapa da realização do crime, na qual o agente forma a ideia
de enveredar pela empreitada criminosa. É chamada de interna porque
repousa no íntimo do agente, ou seja, na sua mente. A segunda fase é
chamada da fase externa e consiste, respectivamente, na etapa da
preparação, execução e consumação do crime. Na preparação, o agente
realiza os atos indispensáveis à prática da infração penal. Na execução, o
agente dá início à agressão ao bem jurídico. A execução, por seu turno, é
a etapa na qual consuma-se o fato criminoso, ou seja, momento em que
são reunidos todos os elementos da definição legal do crime.

O crime exaurido ou crime esgotado é o delito em que, após a sua


consumação, subsistem efeitos lesivos derivados da conduta criminosa.
A título ilustrativo podemos citar o crime de extorsão mediante sequestro,
pois se consuma com a privação da liberdade destinada à troca por
vantagem indevida. O exaurimento não integra as etapas do crime, mas
sim influi na dosimetria da pena.

IMPORTANTE:

É importante saber as fases de um crime para identificar


a sua punibilidade, uma vez que a lei penal determina
que o crime será punível apenas quando iniciada sua
execução, ou seja, a cogitação e os atos preparatório
não são puníveis. A delimitação das etapas de um crime
é de fundamental importância, ainda, para que possamos
verificar se determinado crime chegou a ser consumado ou
não passou de mera tentativa.
Direito Penal 41

Nesse sentido, em que consiste o crime tentado? Quais são os seus


elementos? Vejamos!

O art. 14, inciso II, do Código Penal, conceitua a tentativa como o


início da execução de um crime que não se consuma por circunstâncias
alheias à vontade do agente, o que culmina na tipicidade não finalizada,
ou seja, o crime não é concluído por forças estranhas à vontade e ao
propósito do agente. Ante o exposto, é possível afirmar que os elementos
para que um crime seja tido como tentado são: a) início da execução do
crime; b) ausência de consumação por circunstâncias alheias à vontade
do agente; c) deve existir o dolo da consumação pelo agente.

A punibilidade da tentativa, por sua vez, é instituída pelo parágrafo


único do art. 14 do Código Penal, segundo o qual a pena da tentativa deve
ser correspondente à pena do crime que seria consumado, diminuída de
um a dois terços.

NOTA:

Atualmente, prevalece no Direito Penal brasileiro o


entendimento de que é cabível a tentativa nos crimes
cometidos com dolo eventual, por equiparação ao art. 18º,
inciso I, do Código Penal, no que tange o seu tratamento ao
dolo direto (STJ, 2012).

Até aqui vimos que para que um fato seja considerado como crime
exige-se que ele tenha correspondência a uma conduta prevista em lei
como tal ou como contração penal. Entretanto, como proceder nos casos
em que duas ou mais pessoas colaboram reciprocamente para a prática
de um mesmo crime? E nos casos em que uma só pessoa pratica dois
ou mais crimes, por meio de uma só conduta? Pois bem, as situações
descritas são tratadas pela doutrina como situações de concurso de
pessoas e concurso de crimes, respectivamente. A solução dada pelo
Direito Penal a esses casos será estudada na próxima seção. E aí? Vamos
juntos?
42 Direito Penal

Concurso de crimes e concurso de pessoas


O concurso de crimes é doutrinariamente dividido em concurso
material, concurso formal e crime continuado. O concurso material de
crime está previsto no art. 69 do Código Penal e ocorre quando o agente,
ao realizar mais de uma conduta, seja ela uma ação ou omissão, realiza
a prática de dois ou mais crimes, sejam eles idênticos (concurso material
homogêneo) ou não (concurso material heterogêneo). Na presença da
referida modalidade de concurso, o agente deverá ser acusado pela prática
de todos os crimes cometidos, somando as suas respectivas penas.

EXEMPLO: o agente A pega um revólver e mata B. Em seguida,


aponta a arma para C e o rouba. No presente caso, estamos diante de um
concurso de crime heterogêneo.

O concurso formal de crimes, por sua vez, ocorre quando através


de uma só conduta (ação ou omissão) o agente pratica dois ou mais
crimes idênticos (concurso formal homogêneo) ou não (concurso formal
heterogêneo). A presente modalidade de concurso está prevista no art. 70
do Código Penal e, nesse caso, será aplicada a pena do crime mais grave,
aumentada de um sexto até a metade; se as penas forem as mesmas,
deverá ser aplicada somente uma das penas, aumentada de um sexto até
a metade. As penas serão aplicadas de forma cumulativa se a conduta
for dolosa e os crimes praticados ocorrerem por desígnios distintos e
autônomos.

EXEMPLO: o agente A, ao desrespeitar o sinal vermelho da


sinalização de trânsito, atropela e mata duas pessoas. Nesse caso,
estamos diante de um concurso formal homogêneo, devendo o agente
ser acusado de homicídios culposos.

O crime continuado está previsto no art. 71 do Código Penal e ocorre


quando o agente, por meio de uma só ação ou omissão, pratica dois ou
mais crimes da mesma espécie, nas mesmas condições de tempo, lugar,
maneira e outras semelhantes, de modo que os crimes subsequentes
são continuações do primeiro crime. Nesse caso, cumpridos os requisitos
do caput do referido artigo, os fatos serão tidos como um só crime e ao
agente deverá ser aplicada a pena de um só crime se todos eles forem
Direito Penal 43

idênticos; ou a pena mais grave, se os crimes forem distintos. Em ambos


os casos, a pena aplicada será aumentada de um sexto a dois terços.

EXEMPLO: o agente A que comete 15 furtos, agindo sempre da


mesma maneira e de forma sucessiva, deverá ser punido pela prática do
crime como se fosse um só, tendo sua pena aumentada.

O concurso de pessoas, por sua vez, ocorre quando duas ou mais


pessoas concorrem para a prática de uma mesma infração penal. Essa
colaboração recíproca para a prática de um ou mais crimes pode ocorrer,
tanto nos casos em que são vários os autores quanto no caso de autoria e
participação. Segundo o art. 29 do Código Penal, aquele que, de qualquer
modo, concorrer para a prática de um crime, incide nas penas a este
cominadas, na medida da sua culpabilidade.

A doutrina destaca que para que se constate o concurso de


pessoas é preciso verificar a presença de quatro requisitos: pluralidade de
agentes; relevância causal da conduta de cada agente para que o crime
seja realizado; liame subjetivo ou vínculo psicológico unindo os agentes;
e identidade da infração penal, ou seja, os agentes devem objetivar, com
suas condutas, o cometimento da mesma infração penal.
44 Direito Penal

RESUMINDO:

Tudo bem até aqui? Ao longo de tudo que foi exposto,


esperamos que você tenha compreendido que,
majoritariamente, no Direito Penal brasileiro, tem se
adotado a teoria tripartida do crime, segundo a qual será
tida como infração o fato resultado de uma conduta que
for típica, ilícita e culpável. É importante lembrar que
a doutrina distingue a realização do crime em etapas
sequenciais, sendo elas a cogitação, preparação, execução
e preparação, e que tal distinção é imprescindível para
que se possa verificar a punibilidade de um fato, uma vez
que a lei penal determina que o crime será punível apenas
quando iniciada sua execução, ou seja, a cogitação e atos
preparatórios não são puníveis. E, por fim, vale lembrar
que o concurso de crimes é doutrinariamente dividido em
concurso material, concurso formal e crime continuado; e o
concurso de pessoas verifica-se na presença dos seguintes
requisitos: pluralidade de agentes, relevância causal, liame
subjetivo e identidade da infração penal.
Direito Penal 45

Causas de Exclusão da Tipicidade,


Ilicitude e da Culpabilidade

OBJETIVO:

Será crime o fato típico ilícito e culpável. Entretanto, o Direito


Penal regula situações em que um fato típico será lícito e
situações em que um fato típico e ilícito não será punível
porque o agente que o cometeu não é imputável. Ao final
desse Capítulo, você será capacidade de identificar cada
uma dessas situações, pois passaremos agora ao estudo
das excludentes de tipicidade, ilicitude e culpabilidade dos
fatos típicos.

O elemento tipicidade é indispensável para que o fato seja tido como


crime, pois se o fato praticado pelo agente não tem correspondência em
uma conduta prevista como crime ou contravenção penal, ou se o fato
praticado não culmina em lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico
penalmente tutelado, não há que se falar em crime, o crime nunca existiu.

Como vimos anteriormente, a tipicidade do fato depende da conduta


voluntária e consciente do agente; bem como que tal conduta venha a
lesionar ou expor a perigo de lesão a um bem jurídico penalmente tutelado.
Portanto, haverá excludente de tipicidade quando ausente qualquer um
desses elementos típicos. Nesse sentido, a doutrina defende que haverá
exclusão da tipicidade de um fato quando: a) haver coação física irresistível;
b) incidência do princípio da insignificância; c) incidência do princípio da
adequação social; d) incidência da teoria da tipicidade conglobante,
segundo a qual não basta apenas a tipicidade legal (contrariedade do fato
à lei penal), também é necessário que determinada conduta viole todo o
sistema normativo, ou seja, que ela seja antinormativa.
46 Direito Penal

NOTA:

Quanto à teoria conglobante, Zaffaroni e Pierangeli (2007,


p. 395) elucidam que o Estado cairia em contradição se
considerasse típica uma conduta que é, por ele, tida como
tolerada. Nesse sentido, o que é permitido por uma norma,
não pode ser proibida por outra.

Por outro lado, o Direito Penal antevê que embora o agente tenha
praticado uma conduta típica, há situações em que ele não será punido
por ausência de ilicitude na sua conduta ou pelo fato de o agente ser
penalmente inimputável.

Vejamos a seguinte situação: um senhor idoso que mora sozinho


em uma propriedade rural, ao perceber que está prestes a ser assaltado,
recebe o invasor com um tiro de revólver e o mata. Esse senhor será
preso por crime de homicídio? A princípio, a resposta seria negativa,
pois constatado que o senhor, apesar de ser perfeitamente imputável
penalmente, agiu em legítima defesa, sua conduta apesar de ser típica
será ilícita, portanto, não houve crime. É sobre essas questões que nos
debruçaremos agora.

Ao excluir a ilicitude de um fato típico, determinada conduta, apesar


de típica, é tida como lícita. O Código Penal brasileiro, no seu art. 23,
determina três causas expressas de exclusão da ilicitude, quais sejam:
estado de necessidade, legítima defesa e estrito cumprimento de dever
legal ou no exercício regular de direito. Desse modo, há ação que pela
peculiar posição na qual se encontra o agente ao praticá-la, apresenta-
se perante o Direito como lícitas e essa peculiar posição em que os
agentes atuam impende que elas sejam tidas como antijurídicas. Essas
excepcionais situações de licitude são também chamadas de exclusão da
antijuricidade, justificativas ou descriminantes (BRUNO, 1984).
Direito Penal 47

IMPORTANTE:

Greco (2012) salienta que além dos elementos objetivos de


exclusão da ilicitude (aqueles definidos no art. 26 do Código
Penal), também deve ser identificado na conduta do
agente o elemento subjetivo de antijuridicidade, qual seja,
o animus ou a vontade do agente ao realizar sua conduta,
pois o agente dever saber ou pelo menos acreditar que
atua em estado de necessidade, legítima defesa ou em
estrito cumprimento de um dever legal ou no exercício
regular de direito.

A título ilustrativo temos a seguinte situação: A dirige à casa de B


para matá-lo. A, ao encontrar B dentro do seu carro na porta da sua casa,
dispara vários tiros em direção ao carro e o mata. Entretanto, B estava
dentro do carro com uma arma apontada para C com a intenção de matá-
lo para acertar umas dívidas, portanto, A mata B, salvando a vida de C sem
saber. Nesse caso, A será indiciado pelo homicídio de B, pois sua intenção
sempre foi a de matar B e não de salvar a vida de C.

Quanto aos elementos objetivos, o Código Penal trouxe os conceitos


de estado de necessidade e legítima defesa, no caso do cumprimento
do dever legal e do exercício regular do Direito, suas definições ficaram
a cargo da doutrina e da jurisprudência. Iniciaremos o estudo desses
elementos trazendo o conceito de estado de necessidade. Segundo o
art. 24 do Código Penal: “Considera-se em estado de necessidade quem
pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua
vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo
sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se” (BRASIL, 2017, p.
17). Cabe destacar que não pode alegar estado de necessidade quem
tinha o dever legal de enfrentar o perigo (art. 24, parágrafo 1º).

No estado de necessidade a doutrina afirma que a regra é que


ambos os bens jurídicos em conflito devam estar amparados pelo
ordenamento jurídico, pois é daí que se extrai a justificativa da licitude
da conduta, ou seja, é o conflito de bens jurídicos tutelados que levará,
em virtude da situação que se encontravam, à prevalência de um sobre
48 Direito Penal

o outro (GRECO, 2012). Nesse sentido, se A mata B por acreditar que B


irá matar C, prevalecerá o bem jurídico, vida de C sobre o bem jurídico,
vida de B. Quanto aos bens jurídicos tutelados, o Código Penal brasileiro
adota a teoria unitária, na qual todo estado de necessidade será causa de
exclusão da ilicitude, pouco importando se o bem jurídico protegido pelo
agente é de valor superior, igual ou inferior àquele que está sofrendo a
ofensa.

A legítima defesa é assim definida pelo art. 25 do Código Penal:


“entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos
meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu
ou de outrem” (BRASIL, 2017, p. 17). O parágrafo único do mesmo artigo
prevê que, tendo em conta os requisitos acima descritos, “considera-se
também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele
agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática
de crimes”(BRASIL, 2017, p. 17). O Estado legitima que, em determinadas
situações e de forma limitada, seus cidadãos possam agir em sua própria
defesa, vez que não pode estar em todos os lugares ao mesmo tempo
para protegê-los.
Figura 4 – A legítima defesa ocorre sempre em reação a uma injusta agressão da vítima e
desde que ocorra com proporcionalidade no uso dos meios empregados para reagir ao
dano ou ao perigo de dano sofrido

Fonte: Freepik
Direito Penal 49

IMPORTANTE:

Feitas essas considerações, a doutrina tem entendido que


qualquer bem jurídico tutelado pelo ordenamento jurídico
pode ser protegido pelo instituto da legítima defesa, desde
que presente seus requisitos: a) meios necessários; b)
moderação no uso dos meios; c) atualidade e iminência da
agressão; d) defesa de direito próprio ou alheio; e) injusta
agressão; bem como que para ser passível de legítima
defesa o bem jurídico tutelado deve estar posto em perigo
em uma situação na qual seja impossível socorrer-se do
Estado (MASSON, 2019).

No estrito cumprimento de um dever legal compreende os


deveres de intervenção do funcionário na esfera privada para assegurar
o cumprimento da lei (de natureza penal ou não) ou de ordens de
superiores da administração pública, que podem determinar a realização
justificada de tipos legais; desde que o cumprimento desse dever se dê
nos termos impostos pela lei (SANTOS, 2000). Portanto, destacamos que
a excludente em análise pressupõe no executor um funcionário público,
agente público, o particular que exerça função pública e o particular que
atua em cumprimento de um dever imposto por lei (MASSON, 2020).

NOTA:

Com o advento da Lei n° 13.964, de 24 de dezembro de


2019, a Lei do Pacote Anticrime, exclui-se a ilicitude do
caso previsto no art. 10-C da presente lei: “não comete
crime o policial que oculta a sua identidade para, por meio
da internet, colher indícios de autoria e materialidade dos
crimes previstos no art. 1º desta Lei” (BRASIL, 2019, p. 7).

O exercício regular de direito autoriza a prática de ato, reputado


pela ordem jurídica como exercício de um direito, sendo a palavra direito,
nesse caso, empregada de forma ampla. Nesse sentido, se um civil, que
presencia um assalto, efetua a prisão em flagrante do autor, não pode a ele
50 Direito Penal

ser imputado o crime de constrangimento ilegal em razão da permissão


contida no art. 301 do Código de Processo Penal. Nesse sentido, prevalece
na doutrina o entendimento de que o direito, que autoriza a exclusão da
ilicitude de uma conduta, deve estar previsto na lei (MASSON, 2019).

Insta salientar que o excesso é punível em todos os casos vistos de


exclusão da ilicitude. Uma vez que, para a excludente, a lei penal impõe
seus exatos limites, e aquele que os ultrapassar deverá ser punido. Seja a
título de dolo ou de culpa, a excludente da ilicitude desaparece em face
do agente que desrespeita os seus limites legalmente previstos, devendo
suportar a punição pelas abusivas lesões provocadas ao bem jurídico
penalmente tutelado.

Quanto à culpabilidade, tem-se que seus elementos são a


imputabilidade, potencial, consciência da ilicitude e a exigibilidade de
conduta diversa. Portanto, a culpabilidade tem o condão de diferenciar a
conduta do homem normal, maior de idade, plenamente apto ao convívio
social, dotado de conhecimento do caráter ilícito do fato livremente
cometido; do comportamento realizado por portadores de doenças
mentais ou desenvolvimento mental incompleto ou retardo, de pessoas
que não têm plena capacidade de discernimento, ou de pessoas que
não têm como agir de forma diversa. Desse modo, pode-se afirmar que
a culpabilidade se funda no perfil subjetivo do agente. O maior ou menor
grau de culpabilidade do agente constitui-se em circunstâncias judiciais
destinadas à quantidade de penas concretamente aplicadas, como
preceitua o art. 59 do Código Penal.

O conceito de imputabilidade não foi trazido pelo nosso Código


Penal, de modo que apenas temos previstos quais são os casos de
inimputabilidade (artigos 26, 27 e 28 do referido diploma). Sobre a análise
dos referidos artigos é, contudo, possível afirmar que imputabilidade
consiste na capacidade mental, inerente ao ser humano de, no tempo
da conduta penalmente defesa, entender o caráter ilícito do fato e de
determinar-se de acordo com esse entendimento (MASSON, 2019).
Assim sendo, a inimputabilidade depende da ausência de um desses
elementos: elemento intelectivo (perfeita saúde mental do indivíduo) e
volitivo (domínio da vontade).
Direito Penal 51

NOTA:

A culpabilidade é pressuposto de aplicação da lei penal.


Sem a imputabilidade o agente deverá ser submetido
normalmente à justiça penal, deverá ser processado e
julgado pelo ilícito penal cometido, contudo não poderá ser
condenado (MASSON, 2019).

A menoridade (art. 27 do Código Penal) como causa de exclusão


da culpabilidade é absoluta (art. 228 da Constituição Federal), ou seja,
independe da inteligência, expertise e do desenvolvimento mental do
menor de 18 anos. O menor emancipado civilmente continua inimputável
penalmente, pois predomina o entendimento de que a capacidade civil
não se confunde com a capacidade penal.
Figura 5 – Algumas pessoas não são passiveis de sofrer a aplicação de uma sanção penal,
como as crianças enquanto menores de idade

Fonte: Freepik

A inimputabilidade por doença mental (art. 26, caput, do Código


Penal) deve ser interpretada no sentido amplo, englobando os problemas
patológicos e os de origem toxicológica. O crucial é que seja detectável
qualquer alteração mental ou psíquica que suprima no agente a sua
capacidade de entender o caráter ilícito de um fato e de determinar-se
de acordo com esse entendimento, independentemente dessa alteração
ser permanente ou transitória, como um delírio febril ou os decorrentes
de grave pneumonia.
52 Direito Penal

A inimputabilidade por desenvolvimento mental incompleto (art.


26, caput e art. 27 do Código Penal) abarca os menores de 18 anos e os
indígenas. Os índios, entretanto, somente serão inimputáveis quando
uma perícia demonstrar que ele é completamente incapaz de viver em
sociedade, desconhecendo as regras que lhe são inerentes.

A inimputabilidade por desenvolvimento mental retardado diz


respeito ao indivíduo que não se mostra em sintonia com os demais
indivíduos com a mesma idade cronológica, resultante de alguma condição
que lhe seja peculiar. O desenvolvimento mental retardado é um condição
de desenvolvimento interrompido ou incompleto da mente, portanto, se
ao tempo da ação ou omissão, o agente for um sujeito acometido por tal
desenvolvimento retardado da mente, e, por consequência, for incapaz
de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se conforme esse
entendimento, ele será tido como inimputável para o Direito Penal.

Partindo do pressuposto de que sem imputabilidade (elemento da


culpabilidade) ao agente não pode ser imposta um pena, o Direito Penal
brasileiro prevê que, embora demonstrado em juízo o envolvimento de
um inimputável em um fato típico e ilícito, ele deverá ser absolvido (pela
chamada sentença de absolvição imprópria), contudo lhe será aplicada
umas das medidas de segurança previstas no art. 386 do Código de
Processo Penal. A justificativa para a aplicação dessas medidas, por sua
vez, reside no fato de que o juízo de culpabilidade desses indivíduos é
substituído pelo juízo de periculosidade (MASSON, 2019).

NOTA:

O Código Penal, no art. 28, incisos I e II, prevê que a paixão


ou emoção e a embriagues, voluntária ou culposa, não
excluem a imputabilidade penal.

Isso posto, para finalizarmos o presente Capítulo, iremos repassar


os elementos que compõem a infração penal por meio da seguinte figura:
Direito Penal 53

Figura 6 – Elementos que compõem a infração penal

Crime

Antijurídico Culpável

(Quando o agente não • Imputabilidade.


Fato típico atua em):
• Potencial
• Conduta. • estado de
consciência
• Resultado. necessidade.
sobre a
• Nexo de • legítima ilicitude do
causalidade. defesa. fato.

• Tipicidade. • exercício • Exigibilidade


regular de de conduta
direito. diversa.

Fonte: Greco (2012).


54 Direito Penal

RESUMINDO:

Agora, só para fixarmos o tema de estudo desse Capítulo,


vamos resumir tudo o que vimos. Você deve ter aprendido
que o Direito Penal antevê que embora o agente tenha
praticado um crime, há situações em que ele não será
punido por ausência de tipicidade, ilicitude na sua conduta
ou pelo fato de o agente ser penalmente inimputável. Será
atípica a conduta realizada sob coação física irresistível, o
abrigo dos princípios da insignificância, adequação social,
ou ao abrigo da teoria da tipicidade conglobante. O Código
Penal brasileiro, no seu art. 23, determina três causas
expressas de exclusão da ilicitude, quais sejam: estado de
necessidade, legítima defesa e estrito cumprimento de
dever legal ou no exercício regular de direito. Desse modo,
há ação que pela peculiar posição na qual se encontra o
agente ao praticá-la, apresenta-se perante o Direito como
lícitas, e essa peculiar posição em que o agente atua
impende que tais condutas sejam tidas como antijurídicas.
Quanto à inimputabilidade do agente, ela diz respeito
à sua culpabilidade, ou seja, está relacionada ao perfil
subjetivo do agente e depende da ausência de um desses
elementos: elemento intelectivo (perfeita saúde mental do
indivíduo) e volitivo (domínio da vontade). Nesse sentido, o
Código Penal brasileiro determina que será inimputável o
menor de idade (art. 27), o doente mental (art. 26, caput)
e o sujeito acometido por algum desenvolvimento mental
retardado (art. 26, caput e art. 27).
Direito Penal 55

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