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Toxicologia

Analítica: Clínica
e Forense
Unidade 3
Livro Didático Digital
Diretor Executivo
DAVID LIRA STEPHEN BARROS
Gerente Editorial
CRISTIANE SILVEIRA CESAR DE OLIVEIRA
Projeto Gráfico
TIAGO DA ROCHA
Autoria
FLÁVIA DEFFERT
AUTORIA
Flávia Deffert
Olá! Sou formada em Farmácia pela Universidade Federal do Paraná,
onde também cursei o Mestrado em Ciências Farmacêuticas. Já dei aulas
para o Ensino Técnico e Graduação de Elementos de Farmacologia e
Farmacotécnica. Hoje, curso pós-graduação lato sensu em Gestão por
Processos e da Qualidade e em Gestão de Serviços de Saúde na FAE
Business School. Sou apaixonada por aprender e por ensinar. Amo o que
faço e pretendo fazer a diferença na sua profissão. Por isso, fui convidada
pela Editora Telesapiens a integrar seu elenco de autores independentes.
Estou muito feliz em poder ajudar você nesta fase de muito estudo e
trabalho. Conte comigo!
ICONOGRÁFICOS
Olá. Esses ícones irão aparecer em sua trilha de aprendizagem toda vez
que:

OBJETIVO: DEFINIÇÃO:
para o início do houver necessidade
desenvolvimento de de se apresentar um
uma nova compe- novo conceito;
tência;

NOTA: IMPORTANTE:
quando forem as observações
necessários obser- escritas tiveram que
vações ou comple- ser priorizadas para
mentações para o você;
seu conhecimento;
EXPLICANDO VOCÊ SABIA?
MELHOR: curiosidades e
algo precisa ser indagações lúdicas
melhor explicado ou sobre o tema em
detalhado; estudo, se forem
necessárias;
SAIBA MAIS: REFLITA:
textos, referências se houver a neces-
bibliográficas e links sidade de chamar a
para aprofundamen- atenção sobre algo
to do seu conheci- a ser refletido ou dis-
mento; cutido sobre;
ACESSE: RESUMINDO:
se for preciso aces- quando for preciso
sar um ou mais sites se fazer um resumo
para fazer download, acumulativo das últi-
assistir vídeos, ler mas abordagens;
textos, ouvir podcast;
ATIVIDADES: TESTANDO:
quando alguma quando o desen-
atividade de au- volvimento de uma
toaprendizagem for competência for
aplicada; concluído e questões
forem explicadas;
SUMÁRIO
Drogas de abuso e dopagem.................................................................. 10
Toxicologia Social............................................................................................................................. 19

Drogas de abuso e abuso de drogas................................................... 21


Abuso de drogas.............................................................................................................................. 22

Drogas de abuso...............................................................................................................................25

Opioides e opiáceos...................................................................................................27

Benzodiazepínicos.......................................................................................................29

Inalantes...............................................................................................................................33

Etanol.....................................................................................................................................33

Canabinoides....................................................................................................................34

Alucinógenos ou agentes psicodélicos...................................................... 36

Ácido gama-hidroxibutírico ..................................................................................37

Cocaína................................................................................................................................ 38

Anfetaminas..................................................................................................................... 39

Contingenciamento.................................................................................... 41
Agentes de dopagem física e intelectual..........................................46
Doping intelectual........................................................................................................................... 46

Doping físico........................................................................................................................................47

Substâncias proibidas dentro e fora de competições..................... 49

Métodos proibidos dentro e fora das competições............................57


Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 7

03
UNIDADE
8 Toxicologia Analítica: Clínica e Forense

INTRODUÇÃO
A Toxicologia é uma ciência milenar que estuda todas as
substâncias que possam causar algum tipo de efeito no organismo seja
em nós, humanos, como também, nos animais e nas plantas. Como dizia
o pai da Medicina, Paracelso, “Dosis sola facit venenum” – “Somente
a dose faz o veneno –, ou seja, Paracelso, no século XV, já afirmava o
que hoje conhecemos como “excessos”, “fatores de risco”, “substâncias
potencialmente carcinogênicas”, causadores de morte por intoxicação. A
Toxicologia Analítica é uma ferramenta que dá suporte a diversas áreas
da Toxicologia, tais como a clínica, a ambiental, a forense, a ocupacional
e a de alimentos. Nesse sentido, Paracelso, também, brilhantemente,
afirmou: “Todos são interligados. O céu e a terra, ar e água. Todos são, uma
só coisa; não quatro, e não duas, e não três, mas um. Se não estiverem
juntos, há apenas uma peça incompleta”. Isso nos faz refletir, sobre o
equilíbrio causado pela quantidade, pelo que é bom e o que é ruim, sofre
a falta e excesso na vida de um organismo. Doenças, intoxicações, drogas
lícitas, drogas de abuso, plantas, gases, radiação, suicídio e homicídio
são algumas das palavras-chave para o nosso trabalho! Chamaram a sua
atenção? Pois agora é hora de explorá-las! Vamos lá?
Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 9

OBJETIVOS
Olá. Seja muito bem-vindo à Unidade 3. Nosso objetivo é auxiliar
você no desenvolvimento dos seguintes objetivos de aprendizagem até o
término desta unidade letiva:

1. Contextualizar as drogas de abuso e dopagem.

2. Identificar as modalidades de abuso.

3. Interpretar o contingenciamento.

4. Identificar os agentes de dopagem física e intelectual.

Então? Preparado para uma viagem sem volta rumo ao


conhecimento? Ao trabalho!
10 Toxicologia Analítica: Clínica e Forense

Drogas de abuso e dopagem


OBJETIVO:

Ao final deste capítulo, você saberá contextualizar as drogas


de abuso e dopagem. Com isso, teremos a base para
compreender assuntos mais complexos, que empregam
vocabulário próprio e conceitos que, para quem não é da
área, podem ser difíceis. Então, vamos que vamos! .

Historicamente, há relatos que indicam o consumo de drogas


para recreação e aumento de desempenho no trabalho, bem como
da preocupação quanto ao uso excessivo. Nesse contexto, até mesmo
o emprego de tais drogas em rituais acabam sendo uma forma de a
sociedade/religiosos controlarem o seu consumo por uma determinada
comunidade.

Na tragédia clássica de Eurípedes escrita há cerca de 2,4 mil anos a.


C., as Bacantes, há o relato dos cultos em louvor ao deus grego Dionísio,
vinculado a boa vindima e ao bom vinho, e da sua repressão pelo Estado
dada as consequências dessas festas religiosas. Essas celebrações
passaram a ser denominada de bacanais.

Evidências como a “deusa da papoula”, imagem encontrada na ilha


de Creta, que representava uma mulher com uma tiara ornamentada por
papoulas frutificadas. Acredita-se que essa deusa era cultuada na era
do Rei Minos, época em que a religiosidade era matriarcal e o culto era
voltado à natureza. A imagem a que nos referimos está em exposição
permanente no Museu Arqueológico de Heraklion/Heraclião, um dos
museus mais antigos e importantes da Grécia.
Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 11

Figura 1 - Deusa da papoula

Fonte: Wikipedia

EXPLICANDO MELHOR:

Em aproximadamente 1000 a. C., iniciam-se os relatos do


comércio internacional de drogas, que se iniciou, segundo
os relatos históricos, com a maconha e o ópio que eram
empregados para a alteração da realidade. Achados
arqueológicos demonstram a confecção de vasilhames
semelhantes a capsula da papoula (de onde extraia-se o
ópio) onde foram encontrados resíduos de ópio, além de
outras substâncias psicotrópicas. O mesmo ocorreu no
Egito, onde ânforas contendo a droga foram encontradas.

No livro Matéria médica, de Dioscórides, quem era uma espécie de


médico e farmacêutico da época da Antiga Grécia, descreve o cultivo e
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como realizar a extração do “suco” da papoula dormideira. Além disso,


indica expressamente que o consumo abusivo leva a morte.

Já, em Cápua, uma região do Antigo Império Romano, existia uma


área dedicada à venda da seplasia, que era como um sinônimo para todas
as drogas, perfumes e cremes que causavam alterações na psique.

A dispersão da maconha na Europa, por sua vez, acredita-se ter


se originado com a migração dos povos Yamna da Ásia para a Europa,
cerca de 3 mil a. C. A planta era empregada para a obtenção de fibras
para a produção de tecidos e cordas, contudo a sua carbonização é
que apresentou ao homem seus efeitos psicotrópicos. Galeno, o pai da
farmácia, recomendava a utilização da maconha em reuniões sociais para
provocar a alegria e o riso.

Outras plantas eram empregadas no mundo antigo para causar


alterações na realidade como o esporão do centeio, lótus azul, mel das
flores de rododendro, meimendro-negro e beladona.

SAIBA MAIS:

Caso queira se aprofundar no assunto, acesse o Caderno


de Apresentação de Projetos em BIM clicando aqui.

Com o passar dos anos, a utilização dessas plantas foi sendo


estudada para uma melhor aplicação terapêutica e, ao mesmo tempo,
a violência acarretada pelo uso e comércio dessas substâncias foi
crescendo. Um exemplo clássico são as guerras do ópio, ocorridas ao
longo do século XIX, acarretadas por, dentre outros motivos, o tráfico
ilegal de ópio pelos ingleses ao território chinês.

Atualmente, não se passa um dia sem que algum jornal de


circulação local, regional, nacional ou internacional não veicule notícias
sobre o consumo ou venda de drogas, ainda, da violência ocasionada pela
trama do comércio dos produtos ilícitos ou pelo excessivo/uso incorreto
dos lícitos. Também, é frequente ver notícias sobre o uso de substâncias
para a melhoria do desempenho seja físico, seja mental. Confira algumas
manchetes (Figuras 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9).
Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 13

Figura 2 – Notícia de 28-10-2019

Fonte:G1 (2019).

Figura 3 – Notícia de 29-10-2019

Fonte: A Tribuna (2019).


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Figura 4 – Notícia de 29-10-2019

Fonte: Jornal de Jundiaí (2019).

Figura 5 – Notícia de 25-10-2019

Fonte: O Tempo (2019).


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Figura 6 – Notícia de 22-10-2019

Fonte:G1 (2019).

Figura 7 – Notícia de 02-10-2019

Fonte: Jornal Estado de Minas (2019).


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Figura 8 – Notícia de 09-10-2019

Fonte: Hoje em Dia (2019).

Figura 9 – Notícia de 28-10-2019

Fonte: Isto É (2019).


Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 17

IMPORTANTE:

Outras notícias podem ser encontradas tais como as


relacionadas aos acidentes de trânsito, usualmente
causadas pelo consumo de bebidas alcoólicas e alta
velocidade, utilização de drogas por pessoas que compõe
a população economicamente ativa, ou seja, aquelas que
apresentam algum tipo de ocupação ou não.

Além das drogas que alteram a consciência e podem levar o


indivíduo a causar acidentes; apresentar uma fissura (se define fissura
como a vontade do consumo, físico e psíquico, da droga nos momentos
que o dependente não está, por qualquer motivo, podendo utilizá-la) de
proporção a fazê-lo causar qualquer delito ou crime para que se obtenha;
provocar a diminuição da eficiência ocupacional e até a completa
ausência do indivíduo no ambiente de trabalho; há também aquelas que
são utilizadas para causar crimes.

Essas drogas, chamadas de drogas facilitadoras de crimes, permitem


que a vítima não apresente ou que apresente apenas alguma resistência,
seja para atos sexuais não consensuais ou sequestros, ou até mesmo
qualquer outra modalidade de crime. Essas vítimas apresentam perda de
controle, inconsciência intermitente completa perda de consciência No
Brasil, é comum a expressão golpe do boa-noite cinderela para crimes em
que essas drogas são empregadas. As vítimas apresentam como sinais
ou sintomas sedação, relaxamento muscular, tonturas, problemas de
julgamento, inibição reduzida, perda de consciência, tonturas, confusão,
náuseas, hipotensão e bradicardia. Em altas concentrações, algumas
dessas drogas pode acarretar depressão respiratória e morte.
18 Toxicologia Analítica: Clínica e Forense

VOCÊ SABIA?

Você sabia que as drogas mais comumente utilizadas são


os benzodiazepínicos, o gama-hidroxibutirato, a cetamina,
o etanol e a escopolamina? Pois é, também são bastante
utilizados os hipnóticos não benzodiazepínicos e os anti-
histamínicos. As técnicas analíticas mais empregadas para
a detecção dessas drogas são a cromatografia gasosa
acoplada à espectrometria de massas e a cromatografia
líquida acoplada à espectrometria de massas, devido à
alta seletividade e sensibilidade. No entanto, resultados
negativos não eliminam a possibilidade de a vítima ter sido
drogada com alguma das substâncias em algum caso
suspeito.

Infelizmente, a utilização de muitos medicamentos, por exemplo,


encontra-se pouco acima do que se considera terapêutico para a maioria
e/ou apresentam pouco ou nenhum resíduo ou metabólitos nas matrizes
biológicas para análise, seja sangue ou urina, o que dificulta a identificação de
potenciais vítima. Além disso, essas drogas ocasionam na maioria das vezes
amnésia retrógrada, dificultando, muitas vezes, a identificação dos casos.

Além das drogas listadas anteriormente, outros compostos


químicos podem ser encontrados na matriz biológica da vítima como
maconha, ácido lisérgico (LSD), derivados da piperazina, fenciclidina,
cocaína e ecstasy.

NOTA:

Em relação ao doping, durante a Segunda Guerra Mundial


houve a produção de drogas mais eficientes para o
ganho de desempenho como anfetamínicos e esteroides
anabolizantes. Essas drogas eram empregadas tanto no
campo de batalha quanto em jogos para que houvesse a
demonstração da superioridade de uma parte do mundo
sobre a outra. Não é à toa que, criado em 1940, o personagem
de quadrinhos Capitão América (Marvel) servia o exército
americano e participou de um experimento que o deixou
com mais força e velocidade, dentre outras qualidades.
Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 19

Hoje, verifica-se que além da superioridade física, os atletas buscam


o reconhecimento e o financiamento, seja do clube/time/seleção, do
patrocinador e/ou dos prêmios em dinheiro.

Toxicologia Social
Com a finalidade de estudar esses fenômenos surgiu a Toxicologia
Social que é a área da Toxicologia que estuda os efeitos decorrentes do
uso não médico e não terapêutico de fármacos e drogas (lícitas ou ilícitas)
e cujo emprego provoca danos ao indivíduo e à sociedade.

Pesquisadores determinaram que a escolha por um determinado


tipo de drogas parte de questões econômicas – preço, taxas e impostos
sobre os produtos; de varejo ou comercial – a facilidade da compra
e acessibilidade às drogas, e, relações sociais que possam facilitar a
obtenção dos produtos – família ou amigos. Um exemplo para a questão
econômica e da comercial é o maior número de mortes causadas pelo
abuso de anestésicos opioides nos Estados Unidos em relação ao Brasil.
Nos Estados Unidos o acesso à droga é mais facilitado em um sentido
que a regulamentação americana não é tão restritiva quanto a brasileira,
tornando a prescrição desses medicamentos facilitada e o preço dessas
drogas nos Estados Unidos é inferior à do Brasil.

Os danos do abuso de drogas podem ser resumidos em:

•• Custos econômicos do problema.

•• Influências nocivas na saúde e segurança do indivíduo.

•• Queda na qualidade das relações interpessoais.

•• Aumento do absenteísmo ocupacional e acidentes de trabalho.

•• Aumento no número de acidentes de trânsito ocasionados por


influência de drogas.

A fim de prevenir, controlar, tratar, impedir o uso e abuso de drogas e


dopagem, tem se utilizado o monitoramento biológico que é conceituado
como medidas repetidas e controladas de marcadores químicos ou
bioquímicos, em amostras biológicas provenientes de trabalhadores (ou
20 Toxicologia Analítica: Clínica e Forense

outros) que estão, foram ou serão expostos a agentes químicos, físicos ou


biológicos no ambiente de trabalho ou no ambiente geral.

Os biomarcadores, de forma genérica, são características biológicas


que podem ser objetivamente medidas e avaliadas como indicador
de processos biológicos normais, processos patológicos e respostas
farmacológicas a uma intervenção terapêutica. Segundo Dorta et al.
(2018), por meio deles, é possível:
a) Detecção: é realizada por técnicas de triagem e
não fornece resultados conclusivos sobre a presença
ou a ausência do agente químico e seus produtos de
biotransformação na amostra.

b) Identificação: diferentemente da detecção, a


identificação gera resultados específicos, com a utilização
de métodos físico-químicos que permitem a elaboração
de um laudo conclusivo.

c) Quantificação: processo pelo qual a quantidade de


uma determinada substância é medida de forma precisa
(DORTA et al., 2018, [n. p.]).

RESUMINDO:

Neste capítulo, conhecemos o conceito de drogas de


abuso de dopagem. Ainda, demos o que é a Toxicologia
Social. Por fim, conhecemos as drogas facilitadoras de
crimes e por que eles acontecem.
Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 21

Drogas de abuso e abuso de drogas


OBJETIVO:

Ao final deste capítulo, você saberá classificar as


modalidades de abuso de drogas. Com isso, teremos a
base para compreender assuntos mais complexos, que
empregam vocabulário próprio e conceitos que, para quem
não é da área, podem ser difíceis. Então, vamos que vamos!

Antes de começarmos a falar sobre drogas de abuso, vamos


relembrar alguns conceitos, desta vez, à luz da Toxicologia Forense.

DEFINIÇÃO:

Segundo Dorta et al. (2018):


Agente tóxico: é utilizado para definir qualquer composto de
origem animal, mineral, vegetal ou sintética, capaz de provocar
prejuízo a um organismo vivo, que pode resultar em alterações
funcionais ou morte.
Veneno: termo utilizado popularmente para designar
compostos químicos ou a mistura destes, que, mesmo quando
administrados em baixa dosagem, causam intoxicação ou
morte.
Fármaco: substância de estrutura química definida, utilizada
com o objetivo de obter efeitos benéficos ao organismo,
devido à sua capacidade de modificar o sistema fisiológico ou
o estado patológico.
Droga: popularmente, também se refere a medicamentos, assim
como o termo fármaco; mas, diferente deste, cientificamente,
esse termo não traz nenhum significado quanto à qualidade
do efeito.
Xenobiótico: refere-se aos compostos químicos qualitativa ou
quantitativamente estranhos ao organismo. Inseticidas, como
os organofosforados e os carbamatos, são compostos que
não apresentam papel fisiológico para o ser humano, sendo
qualitativamente estranhos a seu organismo. Por outro lado,
metais como ferro e manganês são essenciais em diversos
processos fisiológicos, mas a exposição a concentrações
elevadas desses elementos pode causar intoxicação com
danos irreversíveis ao organismo, o que os caracteriza como
xenobióticos no aspecto quantitativo da exposição.
22 Toxicologia Analítica: Clínica e Forense

SAIBA MAIS:

Caso queira se aprofundar no assunto, acesse o Caderno


de Apresentação de Projetos em BIM clicando aqui

Abuso de drogas
O abuso de drogas refere-se à utilização de substâncias,
principalmente psicoativas e que inclui medicamentos, em um
comportamento de reforço e recompensa repetitivos.

Para que as drogas apresentem potencial de dependência,


necessariamente, devem causar um sentimento de euforia ou de alívio de
dores de quem usa, sejam elas físicas ou mentais, e, devem apresentar
um início rápido de ação e duração.

A euforia e o alívio da dor são causados pela liberação de


neurotransmissores no circuito do prazer e recompensa, em especial, dos
neurotransmissores dopamina e serotonina. Esses neurotransmissores
são reconhecidos e memorizados pela amigdala cerebral como “bons”,
o que torna o indivíduo um alvo por querer experimentar novamente
aquela sensação. Alguns dos neurotransmissores estão representados
graficamente na Figura 10.
Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 23

Figura 10 - Representação gráfica das vias de sinalização de alguns neurotransmissores


relacionados ao abuso

Fonte: Klassen e Watkins (2012).

Além disso, as drogas que possuem uma absorção e distribuição


mais rápidas para o acesso até o tecido neural, causam maior
probabilidade de causar a dependência e a sensação de “maior efeito”. A
duração do efeito, que depende, dentre outros fatores, do metabolismo
e excreção da droga, deve ser curta. Assim, criando a necessidade de
consumo contínuo para que haja a sensação contínua de prazer ou alívio
ao indivíduo, levando-o a consumir com mais frequência a droga.

Por fim, para que exista o desenvolvimento da dependência


também é preciso verificar se a droga causa adaptações a longo prazo no
sistema biológico. Isto é, alterações nos sistemas de enzimas necessárias
para a metabolização da substância química ou alterações na produção,
recaptação e ativação dos receptores, por exemplo. Além dos fatores
físicos/químicos, é preciso avaliar cuidadosamente os elementos
psicológicos veiculados a dependência a drogas.
24 Toxicologia Analítica: Clínica e Forense

Algumas alterações são:

Tolerância – a tolerância pode ser inata ou adquirida, ambas


formas são adaptações celulares devido a exposição a uma droga. Em
casos em que desenvolve tolerância o indivíduo necessita utilizar uma
crescente concentração da droga para a obtenção de um mesmo efeito.
Algumas pessoas, por fatores genéticos, apresentam alterações desde
o nascimento, apresentando uma resistência a determinada droga. Isso
não é incomum, basta repararmos nas bulas de medicamentos. Nelas é
recomendado uma faixa de dosagem para uma determinada condição
que pode ser alterada caso necessário e com cautela pelo médico
responsável.

*Não confundir a tolerância com a dependência.

Dependência – adaptação ao uso crônico de determinado fármaco


ou substância, que se manifesta por um quadro de abstinência.

Abstinência – trata-se da dependência física a determinada


substância que pode se manifestar em pacientes inconscientes, em fetos
ou neonatos, por exemplo. A síndrome de abstinência é um conjunto
de sinais e sintomas que, em geral, são o inverso ao da droga e podem
ocasionar a morte.

Klassen e Watkins (2012) ainda definem um outro conceito, o de


adição:
A American Society of Addiction Medicine, a adiçã̃o é
uma doença crônica primária de recompensa, motivação,
memória e circuitos relacionados do cérebro. A disfunção
nesses circuitos leva a manifestações biológicas,
psicológicas e sociais características. Reflete-se na busca
patológica do indivíduo por recompensa e alívio por
meio do uso de substâncias e outros comportamentos.
A adição caracteriza-se pela incapacidade de
abstinência consistente, comprometimento no controle
comportamental, fissura, reconhecimento diminuído dos
problemas significativos associados aos comportamentos
e relações interpessoais e resposta emocional disfuncional
(KLASSEN; WATKINS, 2012, [n. p.]).
Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 25

Drogas de abuso
O abuso de drogas é conceituado como a utilização de substâncias
químicas, em especial as psicoativas – incluindo medicamentos, em um
comportamento de reforço e recompensa repetitivos.

Já, substâncias psicoativas são quaisquer drogas que altere o


equilíbrio fisiológico do sistema nervoso central. Essas substâncias
causam mais facilmente a adição, pois ativam o sistema dopaminérgico
mesolímbico.

IMPORTANTE:

As drogas de abuso podem se relacionar com diferentes


tipos de receptores. A classificação de acordo com esse
conceito é denominada de classificação mecanicista de
drogas de abuso. O Quadro 1 apresenta a classificação
mecanicista das drogas de abuso.

Quadro 1 - Classificação mecanicista das drogas de abuso

Risco re-
Efeitos sobre
lativo de
Principal alvo os neurônios
Nome Farmacologia adição (1
molecular dopaminér-
a 5 – alta
gicos
adição)

Drogas que ativam os receptores acoplados à proteína G

Opioides m-OR (Gio). Agonista. Desinibição. 4

Canabidiodes CB1R (Gio). Agonista. Desinibição. 2

Á́cido
Agonista
γ-hidroxibutírico GABABR (Gio). Desinibição. ?
fraco.
(GHB)

LSD, mescalina, Agonista


5-HT2AR (Gq). _ 1
psilocibin parcial.
26 Toxicologia Analítica: Clínica e Forense

Drogas que se ligam a receptores ionotrópicos e canais iônicos

Nicotina nAChR Agonista Excitação 4

GABAAR, 5-HT3R,
Excitação,
Álcool nAChR, NMDAR, 3
desinibição.
canais Kir3.
Benzodiazipí- Modulador
GABAAR. Desinibição. 3
nicos positivo.

Fenciclidina,
NMDAR. Antagonista. _ 1
cetamina

Drogas que se ligam a transportadores de aminas biogênicas

Bloqueia a
Cocaína DAT, SERT, NET. Inibidor. captação de 5
DA.
Bloqueia a
DAT, NET, SERT, Reverte o captação de
Anfetamina 5
VMAT. transporte. DA, depleção
sináptica.
Bloqueia a
SERT > DAT, Reverte o captação de
Ecstasy ?
NET. transporte. DA, depleção
sináptica.
Fonte: Adaptado de Klassen e Watkins (2012).

Importante dizer que as drogas de abuso estão presentes no anexo


à portaria SVS/MS nº 344/1998. Essa portaria apresenta as substâncias de
controle especial. A página oficial da ANVISA descreve:
As chamadas substâncias controladas ou sujeitas a controle
especial são substâncias com ação no sistema nervoso
central e capazes de causar dependência física ou psíquica,
motivo pelo qual necessitam de um controle mais rígido do
que o controle existente para as substâncias comuns.

Também se enquadram na classificação de medicamentos


controlados, segundo a Portaria SVS/MS nº 344/1998,
as substâncias anabolizantes, substâncias abortivas ou
que causam má-formação fetal, substâncias que podem
originar psicotrópicos, insumos utilizados na fabricação
de entorpecentes e psicotrópicos, plantas utilizadas na
fabricação de entorpecentes, bem como os entorpecentes,
além de substâncias químicas de uso das forças armadas
e as substâncias de uso proibido no Brasil (ANVISA, 2021).
Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 27

Ainda, devemos lembrar que diversos reagentes empregados para


a produção dessas substâncias também têm a venda controlada pelo
Exército Brasileiro atualizado em setembro de 2019 por meio do Decreto
nº 10.030, da Presidência da República.

Opioides e opiáceos
Qual a diferença entre opioide e opiáceo? Segundo o Centro
Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID):
Drogas opiáceas ou simplesmente opiáceos são aquelas
obtidas do ópio; podem ser opiáceos naturais quando
não sofrem nenhuma modificação (morfina, codeína)
ou  opiáceos semissintéticos  quando são resultantes de
modificações parciais das substâncias naturais (como é o
caso da heroína que é obtida da morfina através de uma
pequena modificação química) (CEBRID, on-line).

Opioides, por sua vez, são substâncias químicas integralmente


sintéticas e que possuem ação semelhante aos opiáceos. São exemplos a
meperidina, o propoxifeno e a metadona.

As drogas opiaceas têm origem do ópio que é um líquido leitoso


extraído da planta papoula dormideira – Papaver somniferum – (Figura 11).
Outras espécies são conhecidas desde a antiguidade de acordo com o
local de crescimento.
Figura 11 - Partes aéreas da planta Papaver somniferum

*A flecha indica a parte de onde é extraído o ópio


Fonte: Wikipedia.
28 Toxicologia Analítica: Clínica e Forense

Essas drogas são consumidas por via oral, intramuscular e


intravenosa, sendo que as formas injetáveis são de uso exclusivo hospitalar.
Essas drogas são bem absorvidas por todas as vias citadas, no entanto,
na oral, a concentração absorvida é MENOR devido ao metabolismo de
primeira passagem.

Essas drogas são lipofílicas e se desligam rapidamente das proteínas


plasmáticas e concentram-se rapidamente no cérebro, pulmões, fígado,
rins e baço. Em alguns casos há o acúmulo da droga no cérebro e pode
ser redistribuída para outras partes do corpo.

O metabolismo da droga é por meio das enzimas do citocromo


P450 e via esterases plasmáticas e a excreção é via urinária.

EXPLICANDO MELHOR:

O metabolismo do fentanil é especialmente lento e


uma excreção mais vagarosa, o que, por sua vez, acaba
causando morte entre os dependentes. O cantor Prince, em
2016, faleceu devido à overdose de fentanil. Nos Estados
Unidos a morte por overdose de fentanil é maior que aquela
causada pela heroína.

A heroína por sua vez tem absorção e distribuição rápidas, seu


tempo de meia vida é curto e a concentração máxima pode ser verificada
após 2 a 5 minutos se inaladas. Essas características fazem com que essa
droga cause, rapidamente, dependência. Seus efeitos são de euforia
seguida pela sonolência com fuga da realidade. Seus danos vão de
delírios, cegueira, inflamações, coma, necrose de veias, desregulação no
metabolismo de neurotransmissores até descontrole do intestino e fígado.

Essas drogas agem em diferentes receptores opioides. O Quadro 2


apresenta três classes desses receptores e seus efeitos.
Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 29

Quadro 2 - Relação dos subtipos de receptores opioides e suas funções

Afinidade com peptí-


Subtipo do
Funções deos opioides endó-
receptor
genos
Analgesia supraespinal e espinal; se-
dação; inibição da respiração; redução
Endorfinas > encefali-
µ (mu) do trânsito gastrintestinal; modulação
nas > dinorfinas.
da liberação de hormônios e neuro-
transmissores.
Analgesia supraespinal e espinal; mo-
Encefalinas > endorfi-
δ (delta) dulação da liberação de hormônios e
nas e dinorfinas.
neurotransmissores.
Analgesia supraespinal e espinal;
Dinorfinas > endorfinas
Κ (kappa) efeitos psicotomiméticos; redução do
e encefalinas.
trânsito gastrintestinal.

Fonte: Adaptado de Katzung et al. (2017).

NOTA:

A overdose de opioides pode levar a depressão respiratória


e consequente morte. Esse perigo se agrava se o
consumo de opioides estiver associado ao uso de outras
drogas depressoras do sistema nervoso como o álcool e
benzodiazepínicos.

Em casos de overdose, o medicamento naloxona é empregado por


antagonizar os efeitos dos opioides.

A dependência em opioides não é rara de se acontecer, por


isso, o cuidado na prescrição dessas drogas deve ser levado a sério.
Em contraponto, o cuidado excessivo pode levar a situações em que
pacientes com dor extrema não terem sido devidamente tratados por
precisarem de opioides.

Benzodiazepínicos
Assim como os opioides, os benzodiazepínicos são depressores
do sistema nervoso central. São terapeuticamente prescritos para o
tratamento de ansiedade, anticonvulsivos, problemas de “pegar” ou
manter o sono, relaxamento muscular e sedação pré-anestésica.
30 Toxicologia Analítica: Clínica e Forense

Uma das classificações propostas para os benzodiazepínicos é


de acordo com o tempo de meia-vida, ou seja, o tempo que a droga
permanece na corrente sanguínea até a eliminação. Por exemplo: longa
duração (diazepam, flurazepam); média duração (lorazepam, alprazolam);
curta duração (triazolam, flunitrazepam, temazepam, midazolam).

As vias de administração podem ser por via enteral e parenteral


e a absorção e distribuição dependem de cada substância química
principalmente devido a sua lipofilicidade. O tempo de metabolização
também é variável de acordo com o medicamento, e sofrem, na maioria
das vezes, oxidação microssômicas e posteriores conjugações. Por
fim, a excreção se dá principalmente pelos rins. Observe o esquema
apresentado na Figura 12.
Figura 12 - Representação gráfica do metabolismo de alguns benzodiazepínicos

Clordiazepóxido Diazepam Prezepam Clorazepato (inativo)

Desmetilclordiazepóxido*

Demoxcepam* Desmetildiazepam* Alprazolam e triazolam

Oxazepam* Metabólitos α- hidroxi*


Hidroxietil-
flurazepam*

Flurazepam CONJUGAÇÃO Lorazepam

Desmetil-
diazepam*

EXCREÇÃO
URINÁRIA

Fonte: Katzung et al. (2017).

*As substâncias assinaladas com asterisco são os ativos.

Os benzodiazepínicos atuam no receptor GABAa. Esse receptor faz


parte do transportador, canal iônico de cloreto, GABA que é responsável
pela inibição das funções neurais. Outras substâncias também atuam
nesse canal, conforme a Figura 13.
Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 31

Figura 13 - Estrutura esquemática do receptor GABA e seus principais ligantes

Fonte: Katzung et al., (2017).

VOCÊ SABIA?

O zolpidem é um medicamento hipnótico não


benzodiazepínico, isto é, induz ao sono, causando amnésia
retrógrada, diminuindo o discernimento e capacidade de
julgamento. Esses motivos são os que levam a, muitas
vezes, esse medicamento ser o de escolha para a execução
de crimes de abuso.

Na prática clínica, ele é frequentemente prescrito para quadros


em que o paciente apresenta dificuldade em pegar no sono, é indutor
do sono. Os médicos que o prescrevem aconselham, veementemente,
que o paciente deve tomar já deitado na cama e que de preferência
não se levante mais. Em 30 minutos ou menos sua ação já é percebida
32 Toxicologia Analítica: Clínica e Forense

e a pessoa, possivelmente, realizará atividades que são usuais e não irá


lembrar. Por exemplo: um vegetariano comer carne; bater o carro e não
lembrar, entre outras. Recentemente, o FDA (EUA) recomendou que a dose
inicial recomendada desse medicamento fosse reduzida a metade, pois
boa parte dos pacientes ainda estava sob efeitos do medicamento
quando acordavam e iniciavam suas atividades habituais. Isso foi
verificado, dentre outros motivos, pelo aumento dos acidentes no
período da manhã.
Os barbitúricos, por sua vez, são medicamentos que
apresentam grau aditivo. Precederam os benzodiazepínicos como
os sedativo-hipnóticos de uso abusivo mais comuns (depois
do etanol) e são raramente prescritos hoje em dia. Segundo
apresentado pelo CEBRID, o declínio de seu uso deu-se por vários
motivos como: mortes por ingestão acidental, o uso em homicídios
e suicídios, e principalmente pelo aparecimento de novas drogas
como os benzodiazepínicos. Os barbitúricos se distribuem
uniformemente entre os tecidos, agindo principalmente no
cérebro. Seus efeitos aparecem entre 30 segundos a 15 minutos
após a administração.
Eles podem causar depressão profunda, mesmo em doses
que não têm efeito sobre outros órgãos. A depressão pode variar
sendo desde um efeito sedativo, anestésico cirúrgico, ou até a
morte. Outro efeito dos barbitúricos é o de causar sono, podendo
induzir apenas o relaxamento (efeito sedativo) ou o sono (efeito
hipnótico), dependendo da dose utilizada.
Por fim o flumazenil bloqueia muitas das ações dos
benzodiazepínicos, do zolpidem, da zaleplona e da eszopiclona,
porém não antagoniza os efeitos de outros sedativos-hipnóticos,
do etanol, dos opioides ou dos anestésicos gerais sobre o SNC.
Seu efeito é rápido, porém não é duradouro o que torna necessário
empregar outros medicamentos para combater os sintomas de
depressão do sistema nervoso central e suas consequências, além
da própria administração repetida desse antagonista competitivo.
Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 33

Inalantes
O uso abusivo de inalantes é definido como exposição
recreativa a vapores químicos, como nitratos, cetonas e
hidrocarbonetos alifáticos e aromáticos.
O abuso de inalantes é mais prevalente em crianças e em
jovens adultos, especialmente naqueles de baixa renda. Comum
é encontrar crianças e adolescentes nas ruas cheirando cola de
sapateiro (tolueno), thinner, lança-perfume (cloreto de metila), loló
(clorofórmio, éter e etanol) ou outros solventes orgânicos. Além
do uso recreacional, esses jovens, muitas vezes, utilizam inalantes
para suprimir a sensação de frio e fome.
O mecanismo de ação não é completamente conhecido,
mas já se tem o consenso do efeito que os solventes orgânicos
- hidrocarbonetos aromáticos (p. ex., benzeno, tolueno) – causam
lesões na substância branca cerebral, ou seja, apresentam
“dissolvem” a bainha de mielina.
O efeito agudo dos inalantes é semelhante ao das drogas
depressoras (barbitúricos, benzodiazepínicos e etanol). Causa falta
de coordenação motora, alucinações, visão borrada e prejuízo da
memória.
Os danos crônicos ao SNC, sistema cardiovascular,
sistema hepático, sistema renal, sistema pulmonar e sistema
hematopoiético. A morte pode ser causada por hipóxia, asfixia,
asfixia por oclusão e traumatismos (acidentes causados pela
ataxia).

Etanol
O etanol é de uso corriqueiro pela população ocidental e,
no Brasil, o consumo de bebidas alcoólicas supera a soma do
consumo de TODAS as drogas ilícitas. Como as demais substâncias
que causam dependência, causa o aumento da dopamina no
sistema mesolímbico.
34 Toxicologia Analítica: Clínica e Forense

O etanol tem ação em diversos receptores, mas tem destaque


o seu efeito depressor do sistema nervoso central, podendo
potencializar os efeitos dos benzodiazepínicos e barbitúricos.
Katzung et al. (2014) apresentam uma descrição sucinta
(e até um pouco assustadora) acerca da dependência, efeito e
abstinência do uso do álcool.
A dependência torna-se aparente em 6 a 12 horas apó́s
a interrupção do consumo abusivo de á́lcool como
síndrome de abstinência, que pode consistir em tremor
(principalmente das mãos), náuseas, vômitos, sudorese
excessiva, agitação e ansiedade. Em alguns indivíduos,
essa síndrome é acompanhada de alucinações visuais,
táteis e auditivas 12 a 24 horas após a suspensão do
consumo de álcool. Convulsões generalizadas podem
manifestar-se depois de 24 a 48 horas. Por fim, 48 a 72
horas após a suspensão, um delírio por abstinência de
álcool (delirium tremens) pode tornar-se aparente, em
que o indivíduo apresenta alucinações, desorientação e
evidências de instabilidade autônoma. O delirium tremens
está associado a uma taxa de mortalidade de 5 a 15%.
(KATZUNG et al., 2014, [n. p.])

O tratamento para a intoxicação por álcool é de suporte e o para


abstinência usa benzodiazepínicos para combater a evolução dos efeitos
do delirium tremens. Os outros sinais ou sintomas necessitam de outros
medicamentos.

Canabinoides

EXPLICANDO MELHOR:

Os canabinoides têm origem da planta Cannabis sativa


que tem origem na Ásia, porém também foi cultivada no
Egito antigo. Seus efeitos ocorrem dada a semelhança aos
endocanabinoides que atuam nos receptores canabinoides
no SNC. Esses receptores realizam a inibição a liberação de
glutamato ou de GABA.
Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 35

O consumo da cannabis pode ser feito via oral ou pulmonar. Pela via
pulmonar, os efeitos se apresentam após alguns minutos e têm meia-vida
de 4 horas. Se consumidos via oral, o início e a meia-vida são mais longos.
Usualmente, as folhas e flores das plantas femininas são consumidas com
o nome popular de maconha, enquanto a resina é o haxixe.

IMPORTANTE:

É importante afirmar que dentre os canabinoides que


estão presentes na maconha, o THC é o que apresenta
maior efeito aditivo. Enquanto o canabidiol, recentemente
aprovado pela ANVISA para uso terapêutico, não tem efeito
aditivo nem de dependência.

O Δ9-tetra-hidrocanabinol (THC) tem ação nos receptores


canabinoides B1 e B2. Apresenta influência nas percepções, na
performance psicomotora, cognitiva e nas funções afetivas. O THC
provoca desinibição dos neurônios dopaminérgicos, principalmente por
meio da inibição pré-sináptica dos neurônios GABA.

O THC é altamente lipofílico, por isso alcança o cérebro com


facilidade, e deposita-se no tecido adiposo, podendo ser redistribuído
ao longo do tempo. A biotransformação se dá por meio das enzimas do
citocromo p450. Em 72 horas, há a excreção de 70% do absorvido para o
consumo agudo.

Os efeitos mais proeminentes consistem em euforia e relaxamento.


Os usuários também relatam sensações de bem-estar, grandiosidade e
percepção alterada da passagem do tempo. Podem ocorrer alterações da
percepção dependentes da dose (p. ex., distorções visuais), sonolência,
diminuição da coordenação e prejuízo da memória.
36 Toxicologia Analítica: Clínica e Forense

SAIBA MAIS:

Os canabinoides também podem criar um estado disfórico


e, em casos raros, após o uso de doses muito altas, por
exemplo, com haxixe, resultam em alucinações visuais,
despersonalização e episódios psicóticos francos. Outros
efeitos do THC, como o aumento do apetite, a atenuação
das náuseas, a diminuição da pressão intraocular e o
alívio da dor crônica, levaram ao uso dos canabinoides na
terapêutica clínica.

Os efeitos crônicos do consumo no sistema pulmonar - diminuição


do número de bronquíolos, carcinogenicidade; sistema cardiovascular -
elevação da saturação de carboxiemoglobina, elevação da velocidade
dos batimentos exigindo maior aporte de oxigênio – problemas para-
anginosos; sistema imune – piora; risco de desenvolvimento de sintomas
psicóticos para as pessoas pré-dispostas.

Alucinógenos ou agentes psicodélicos


Os alucinógenos são considerados substâncias perturbadoras
do SNC, pois alteram a consciência para a percepção de eventos que
não estão, de fato, ocorrendo. As drogas perturbadoras do SNC não são
consideradas de risco aditivo ou de dependência. Inicialmente, eram
empregadas em rituais religiosos a fim de fortalecer a ligação entre o
mundo terreno e o espiritual.

As substâncias alucinógenas são divididas em:

a. LSD.

b. Derivados anfetamínicos (STP, MDMA, DOB, Mefedrona etc.).

c. Alucinógenos secundários (anticolinérgicos, PCP, cetamina, GHB


etc.).

d. Naturais: derivados de plantas (DMT, mescalina etc.); e cogumelos


(psilocibina etc.).
Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 37

O ácido lisérgico (LSD) é um alcaloide do esporão do centeio (ergot).


Após a sua síntese, o líquido é borrifado em papel mata-borrão ou torrões
de açúcar que secam. Quando deglutido, os efeitos psicoativos do LSD
aparecem, normalmente, depois de 30 minutos e duram de 6 a 12 horas.
A substância é da classe química da indoletilamina, ou seja, apresenta
estrutura química composta pelo núcleo indólico e é semelhante à
serotonina.

A psilocibina é proveniente de cogumelos alucinógenos empre­


gados na medicina tradicional asteca-nahuatl. A substância, como o LSD,
também é da classe da indoletilamina.

A mescalina é proveniente do cacto mexicano mescal (peiote


- Lophophora williamsii) que era empregado em rituais religiosos e de
cura de várias tribos pré-hispânicas. Essa substância é da classe da
fenetilamina, ou seja, estrutura química derivada da beta-fenetilamina
e semelhante à norepinefrina. Dentre seus efeitos destacam-se o brilho
das cores mais evidente, a sinestesia, euforia, alteração do tempo e da
realidade.

A bebida ayahuasca é tradicional dos ameríndios para os seus


rituais, destaca-se o uso na medicina dos povos nativos da Amazônia, e
empregada pela seita brasileira do Santo Daime. Essa bebida é composta
por vegetais: cipó-mariri (Banisteriopsis caapi) e o arbusto chacrona
(Psychotria viridis), podendo ser adicionado também outras plantas como
Diplopterys cabrerana. A ação sinérgica dos compostos tem ação nos
receptores de serotonina, como o LSD.

Ácido gama-hidroxibutírico
O ácido gama-hidroxibutírico foi sintetizado, pela primeira vez, em
1960 e introduzido como anestésico geral. Apresenta estreita margem de
segurança e alto potencial de ação.

O GHB é conhecido como “droga de festa” (club drug) ou como


“ecstasy líquido” (liquid ecstasy) ou, ainda, como “droga do estupro” (date
rape drug). Como esse último nome sugere, o GHB tem sido utilizado
em estupros por ser inodoro e facilmente dissolvido em bebidas. Isso
38 Toxicologia Analítica: Clínica e Forense

ocorre, pois antes de causar sedação e coma, o GHB provoca euforia,


intensificação das percepções sensoriais, sensação de proximidade social
e amnésia.

É absorvido com rapidez e alcança uma concentração plasmática


máxima dentro de 20 a 30 minutos após a ingestão de uma dose de 10 a
20mg/kg. A meia-vida de eliminação é de cerca de 30 minutos.

Cocaína
A cocaína é um alcaloide extraído das folhas de Erythroxylon coca,
um arbusto natural dos Andes. As folhas eram mascadas pelos nativos
para diminuir o cansaço e a sensação de fome, além de estimular o seu
desempenho diário. Essa substância age excitando o SNC. Fazendo um
paralelo grosseiro, mascar as folhas ou fazer chá das folhas de coca para
os nativos seria como o nosso café de todo o dia.

Atualmente, após a extração empregando uma série de solventes


orgânicos, bases e ácidos há a formação de um pó branco denominado
de cloridrato de cocaína. O cloridrato de cocaína é um sal hidrossolúvel
que pode ser injetado ou absorvido por qualquer mucosa – por exemplo,
aspiração nasal. Quando aquecido em solução alcalina, é transformado
na base livre, o crack, que pode ser fumado.

O crack é muito mais rapidamente absorvido e a sua ação é rápida


e de curta duração, sendo um estado de excitação intenso. Pesquisas
afirmam que após a primeira sensação, nenhuma outra depois chega ao
mesmo nível de excitação. Com isso, o usuário acaba por utilizar uma
quantidade maior e com maior frequência.

No SNC, a cocaína bloqueia a captação de dopamina, norepinefrina


e serotonina por meio de seus respectivos transportadores. Seu uso
acarreta o aumento do risco de hemorragia intracraniana, acidente
vascular encefálico isquêmico, infarto do miocárdio e convulsões. A
superdosagem de cocaína pode resultar em hipertermia, coma e morte.

A cada dose ocorre lesões microvasculares devidos aos seus


efeitos, o que leva a uma perda de memória e concentração progressiva.
Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 39

Anfetaminas
As anfetaminas, metanfetaminas e outros derivados, formam um
grupo de fármacos simpatomiméticos sintéticos, de ação indireta, que
causam a liberação de aminas biogênicas endógenas, como a dopamina
e a norepinefrina, por reverter a ação dos transportadores de monomanias
vesicular. A anfetamina, a metanfetamina e seus inúmeros derivados
exercem seus efeitos ao reverterem a ação dos transportadores de aminas
biogênicas na membrana plasmática.

A sua estrutura nem sempre é bem conhecida, pois, muitas vezes,


são produzidas em laboratórios clandestinos. A via de administração é em
geral oral, pulmonar ou intravenosa. A absorção por via enteral é de cerca
de 2 horas e a biotransformação é realizada pelas enzimas do citocromo
P450.

SAIBA MAIS:

O consumo de anfetaminas resulta em um aumento da


concentração de catecolaminas liberadas nas sinapses,
que aumentam o estado de vigília e reduzem o sono,
ao mesmo tempo em que os efeitos sobre o sistema
dopaminérgico medeiam à euforia, mas também podem
causar movimentos anormais e precipitar episódios
psicóticos.

A intoxicação leva a desregulação do sistema termorregulador,


hipertermia, desidratação, distúrbios cardiovasculares, danos hepáticos e
renais.

À semelhança das anfetaminas, a MDMA provoca a liberação de


aminas biogênicas ao reverter a ação de seus respectivos transportadores.
Tem afinidade preferencial pelo transportador de serotonina e, por
conseguinte, aumenta a concentração extracelular de serotonina. A
liberação é tão profunda que pode causar episódios graves de depressão.

Os efeitos tóxicos do MDMA são hipertermia, que, quando associada


à desidratação, pode ser fatal. Outras complicações incluem síndrome
40 Toxicologia Analítica: Clínica e Forense

serotoninérgica (alteração do estado mental, hiperatividade autônoma e


anormalidades neuromusculares) e convulsões.

A abstinência caracteriza-se por uma “compensação” do humor,


com depressão de várias semanas de duração. Houve também relatos
de aumento da agressão durante os períodos de abstinência em usuários
crônicos de MDMA.

Para grande parte das drogas, os métodos de detecção apresentam


como amostras matrizes urina, soro ou plasma, unhas, pelos e cabelo.
Hoje, dentre as metodologias para identificação e detecção, as que
empregam espectrometria de massas são as que apresentam maior
sensibilidade.

RESUMINDO:

Neste capítulo, conhecemos as drogas de abuso, bem


como o seu efeito sob o nosso corpo. Ainda, entendemos
os conceitos de tolerância, dependência e abstinência em
relação às drogas. Por fim, foram conceituados os opiáceos,
os opioides, os biodiazepínicos, as drogas inalantes, o
etanol, os canabdinoides, os alucionógenos, a cocaína e as
anfetaminas.
Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 41

Contingenciamento
OBJETIVO:

Ao final deste capítulo, você saberá o contingenciamento


em relação às drogas. Com isso, teremos a base para
compreender assuntos mais complexos, que empregam
vocabulário próprio e conceitos que, para quem não é da
área, podem ser difíceis. Então, vamos que vamos!

O contingenciamento tem o objetivo de minimizar ou prevenir os


problemas associados tanto para o indivíduo que consome a substância
quanto para a sociedade. Pode ser feito de várias formas, por exemplo:
•• Políticas públicas.
•• Programas de saúde do trabalhador.
•• Campanhas educativas e de marketing.
•• Produtos lícitos: taxação, controle sobre a venda, idade mínima
para a compra, campanhas educativas.
•• Política de tolerância zero para dirigir e beber/outras drogas.
•• Estudos sobre a descriminalização das drogas.

Diehl e Figlie (2014) discutem a promoção de ações para a prevenção


e o combate às drogas. As autoras apresentam como conceito de
prevenção uma intervenção que almeja mudanças de fatores pessoais,
sociais e ambientais que podem contribuir para retardar ou atrasar o
consumo de drogas e/ou evitar que esse consumo se torne danoso ou
problemático (Mentor Foundation).

As pesquisadoras complementam fornecendo argumentos para


complementar e afirmar que as ações preventivas devem ter duas metas:
reduzir os efeitos dos fatores de risco e fortalecer os processos protetores,
promovendo uma sinergia necessária para potencializar os efeitos de
múltiplos riscos em intervenções preventivas.

Elas explicam que existem três estratégias para a prevenção e essa


divisão trata de um método para facilitar o planejamento de projetos:
estratégias de prevenção universal, estratégias de prevenção seletivas
42 Toxicologia Analítica: Clínica e Forense

e estratégias de ação indicada. Suas características estão resumidas no


Quadro 3.
Quadro 3 - Características das estratégias de prevenção seletivas, universal e indicada

Tipo Principais Características


- Visam atingir a população inteira, sem se limitar a fatores de risco
individuais, e são normalmente desenhadas para um público-alvo
amplo.
- Objetivam prevenir ou retardar o uso nocivo de substâncias psi-
coativas.
- Os participantes não são recrutados para participar do programa.
- O grau de risco individual para o uso nocivo de substâncias psi-
Estratégias coativas dos participantes do programa não é avaliado.
de preven- - O programa é oferecido a qualquer um na populaçã̃o, indepen-
ção univer- dentemente de estar ou não em situaçã̃o de risco.
sais - Requer menor número de profissionais envolvidos e menos tempo
de desenvolvimento.
- A equipe pode ser constituída por profissionais de outras áreas,
como professores ou conselheiros escolares, que tenham sido
treinados para desenvolver o programa.
- Os custos são estendidos a um público-alvo grande; com isso, os
custos por pessoa tendem a ser menores do que nos programas
seletivo ou indicado.
- O programa destina-se a subgrupos da população em geral que
estão em situação de risco quanto ao uso nocivo de substâncias.
- São desenhadas para atrasar ou prevenir o uso nocivo de substân-
cias.
- Os receptores da prevenção seletiva são conhecidos por apresen-
tar riscos específicos para uso nocivo de substâncias e são recru-
tados para participar na tentativa de prevenção, devido ao perfil de
risco do grupo.
- O grau de vulnerabilidade ou risco pessoal dos membros do sub-
grupo- alvo normalmente não é a meta principal da prevenção, mas
o grau de vulnerabilidade suposta como base a ser considerado
como risco.
Estratégias - O conhecimento de fatores de risco específicos dentro do público-
de preven- -alvo permite que os criadores do programa estabeleçam objetivos
ção seleti- de redução de risco compatíveis.
vas - Os programas de prevenção seletiva acontecem por um longo
período e requerem mais tempo e esforço dos participantes do que
o programa universal.
- Necessitam de profissionais mais habilitados, pois abordam pro-
blemas de adolescentes, familiares e pessoas da comunidade que
estão em situação de risco para o uso nocivo de substâncias.
- Os programas têm um custo por pessoa mais alto do que os pro-
gramas universais.
- As atividades dos programas estão normalmente relacionados
ao dia a dia dos participantes e procuram trabalhar de formas es-
pecíficas suas habilidades de comunicação e habilidades sociais,
fortalecendo, assim, seus recursos individuais para resistir ao uso de
substâncias.
Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 43

- Dirigem-se àqueles que experimentam sinais iniciais de uso noci-


vo de substâncias e outros comportamentos problemáticos relacio-
nados (fatores de risco).
- Visam interromper a progressão do uso nocivo de substâncias e
outros transtornos associados.
- Podem atingir vários comportamentos simultaneamente.
- Os indivíduos são recrutados para a intervenção preventiva.
- O programa necessita de uma avaliação precisa do risco individual
Estratégias
e dos problemas relacionados ao uso de substâncias.
de preven-
ção indica- - São frequentemente extensos e intensivos, com atuação por
das longos períodos (meses), com grande frequência, e necessitam
de mais esforços por parte dos participantes do que os programas
seletivo ou universal.
- Ajudam na modificação de comportamento dos participantes.
- Necessitam de profissionais altamente qualificados com treina-
mento clínico em aconselhamento, além de outras habilidades
clínicas interventivas.
- O custo dos programas por pessoa é maior do que o dos progra-
mas universais ou seletivos.
Fonte: Diehl e Figlie (2014).

Diehl e Figlie (2014) e Diehl et al. (2019) apresentam 13 princípios


fornecidos pela Mentor Foundation e considerados desejáveis para o
desenvolvimento, a implantação e a sustentabilidade de projetos de
prevenção eficazes:
Princípio 1: as metas e os objetivos do programa precisam
estar claramente descritos.
Princípio 2: o programa precisa estar adequado à
prevenção do uso da substância desejada.
Princípio 3: o programa precisa estar adequado à idade do
público-alvo desejado.
Princípio 4: o programa precisa ser sensível à cultura e às
normas da comunidade das pessoas envolvidas no projeto
preventivo. Isso inclui linguagem, visão cultural sobre
drogas, políticas públicas etc.
Princípio 5: as metas do programa precisam ser adequadas
aos fatores de risco e de proteção da população envolvida.
Programas eficazes visam organizar as atividades a fim
de reduzir os fatores de risco e aumentar os fatores de
proteção associados ao início e à manutenção do uso de
substâncias.
Princípio 6: o conteúdo do programa deve estar baseado
em uma prévia avaliação das necessidades da comunidade
local, da magnitude do problema com drogas e dos fatores
de risco e de proteção. Deve incluir uma revisão dos dados
44 Toxicologia Analítica: Clínica e Forense

existentes e compará-los com a percepção e as normas da


comunidade local.
Princípio 7: o programa deve conter estratégias que
promovam a participação e sua continuidade pela população.
Programas efetivos dão alta prioridade à implantação de
estratégias que promovam o engajamento dos participantes
e que sejam vistas como acessíveis, relevantes, desafiadoras
e divertidas. Devem insistir na remoção de barreiras à
participação (por exemplo, fornecer transporte, considerar a
disponibilidade dos participantes etc.).
Princípio 8: planejamento, manutenção e direções
futuras do programa devem envolver as principais partes
interessadas (agências, organizações e grupos-alvo) em
um processo colaborativo. Todos os membros devem ter
voz ativa nos destinos do programa.
Princípio 9: devem ser oferecidos o treino de habilidades
e a construção de conhecimentos importantes, desde
que sejam consistentes com as metas do projeto de
prevenção – treinamento de habilidades sociais, aumento
de experiências positivas e de liderança em contextos
sociais, construção de habilidades de enfrentamento
contra a pressão dos colegas para usar drogas, incentivo à
participação em atividades sociais que não impliquem uso
de drogas e ações delinquentes.
Princípio 10: o projeto precisa apresentar orçamento
e planejamento específico da atividade ou estratégia,
previamente definidos.
Princípio 11: é necessário haver um plano de
sustentabilidade. O planejamento geral do programa deve
incluir a forma como ele poderá ser sustentado.
Princípio 12: é necessária a existência de avaliações
e plano de divulgação. A avaliação do programa é
fundamental para a equipe verificar sua eficácia, propondo
ajustes, se necessário. Além disso, os resultados dessas
avaliações precisam ser divulgados aos colaboradores,
participantes e grupos de interesse na comunidade.

Princípio 13: o programa precisa ser dirigido por pessoal


qualificado. Um programa eficiente e eficaz necessita
de uma equipe devidamente capacitada e treinada.
Treinamentos regulares atualizam as competências dos
colaboradores (DIEHL et al., 2019, [n. p.]).
Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 45

REFLITA:

Com o objetivo de proteger a sociedade do uso de drogas


ilícitas e do uso indevido de drogas lícitas, o Conselho
Nacional Antidrogas (CONAD) publicou, em outubro de
2005, a Resolução nº 03, que aprovou a Política Nacional
sobre Drogas (PND). Essa resolução prioriza a prevenção
do uso de drogas por julgar ser a intervenção de maior
eficácia e de menor custo para a sociedade, considerando
a redução de danos como uma estratégia dentro do arsenal
de prevenção de danos.

Essa resolução promove que a prevenção ao uso de drogas é de


responsabilidade compartilhada, isto é, das três esferas de governo e de
toda a sociedade. A execução dessa política deve ser descentralizada nos
municípios, com o apoio dos conselhos estaduais de políticas públicas
sobre drogas, e adequada às peculiaridades locais, priorizando as
comunidades mais vulneráveis.
Sobre o tratamento, recuperação e reinserção social, a resolução
afirma que é de responsabilidade do Estado estimular, garantir e
promover ações para que o tratamento, a recuperação e a reinserção
social sejam assumidas com responsabilidade e comprometimento
pela sociedade. Ainda, deve ser apoiada técnica e financeiramente, de
forma descentralizada, pelos órgãos governamentais em cada esfera do
governo, pelas organizações não governamentais e entidades privadas.
Em relação ao tratamento deve-se visar a promoção de ações de
reinserção familiar, social e ocupacional, para que as relações sociais
saudáveis sejam um instrumento para romper o ciclo consumo/tratamento.
Ações contínuas devem ser promovidas para reduzir a oferta
de drogas ilegais e/ou de abuso, erradicar e apreender
permanentemente as drogas produzidas no País, bloquear
o ingresso das oriundas do exterior, destinadas ao consumo
interno ou ao mercado internacional, e identificar e desmantelar
as organizações criminosas. A redução substancial dos
crimes relacionados ao tráfico de drogas ilícitas e ao uso de
substâncias, responsáveis pelo alto índice de violência no País,
deve proporcionar melhoras nas condições de segurança
das pessoas (DIEHL et al., 2019, [n. p.]).
46 Toxicologia Analítica: Clínica e Forense

Agentes de dopagem física e intelectual


Doping intelectual
No dia a dia é incomum a menção do doping intelectual; no entanto,
é cada vez mais comum a utilização de substâncias para superar o
estresse e conseguir dar conta de todas as suas tarefas diárias. As pessoas
saudáveis passaram a utilizar remédio para memória e concentração
como estimulante para impulsionar seu desempenho no trabalho.

As pessoas buscam desde fitoterápicos como o ginseng (Panex


insigne) e Gingko biloba, até medicamentos empregados para tratamentos
de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e narcolepsia como
modafinil, metilfenidato e Adderall®.

O modafinil é um medicamento neurotrópico conhecido como


a droga dos militares, pelos quais era utilizada para manter a atenção e
aumentar o estado de vigília. Com a mesma função, o metilfenidato é uma
substância que é estimulante do sistema nervoso central. Já o Adderall® é
uma droga que combina diversos anfetamínicos e tem sua venda proibida
no Brasil.

RESUMINDO:

Essas drogas, são também conhecidas como pílulas


da inteligência, são procuradas por vestibulandos e
concurseiros, ou qualquer outra pessoa com um ritmo
frenético de atividades. Buscam com a finalidade de
aumentar o número de horas que compõe o seu dia; isto é,
tentar aumentar a sua eficácia e efetividade.

O preocupante é que, além da prescrição de substâncias para TDAH


superar o número de diagnóstico, não há regulamentação que preveja a
utilização de qualquer tipo de substâncias para a realização de provas de
concurso, por exemplo.
Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 47

Assim, há um contínuo aumento de pessoas que sofrem de


efeitos colaterais dessas drogas como insônia, depressão, problemas
cardiovasculares, entre outros.

IMPORTANTE:

Essas drogas causam o acúmulo de neurotransmissores


nas sinapses neurais, por meio de diversos mecanismos
dentre eles o impedimento da recaptação ou a inibição de
enzimas que os degradem. Assim, com o seu uso pode
levar a uma depleção de neurotransmissores o que, além
de poder acarretar doenças psiquiátricas, pode levar a uma
desregulação de todo o organismo.

Outra substância bastante utilizada é a cafeína. O perigo do uso


desse estimulante é que, em especial para pessoas com pressão alta
e problemas cardíacos, é o aumento da pressão, potencial risco para
ataque cardíaco ou AVC, aumento do nervosismo, irritabilidade, insônia,
dores de estômago e tremores musculares. Além da possibilidade do
desenvolvimento de gastrite e úlceras gástricas, como irritações na
bexiga e aumento da frequência urinária.

Como não se trata de um comportamento ilegal, desde que se


obtenha medicamentos de forma legal, cabe ao profissional de saúde
orientar sobre a real necessidade e dos riscos do uso dessas substâncias
químicas, e ao interessado para encontrar informações de fontes
confiáveis.

Doping físico
Ao final deste capítulo, você saberá diferenciar o doping físico e o
doping intelectual. Com isso, teremos a base para compreender assuntos
mais complexos, que empregam vocabulário próprio e conceitos que,
para quem não é da área, podem ser difíceis. Então, vamos que vamos!

O doping é uma prática que já existe há milhares de anos. Desde


a época da Grécia Antiga, competidores utilizam alimentos e outras
substâncias para melhorar o seu desempenho no esporte. Gladiadores
48 Toxicologia Analítica: Clínica e Forense

romanos consumiam estimulantes extraídos em álcool para diminuir a


fadiga, aumentando o desempenho esportivo.

Dorta et al. (2018) complementam:


Durante e logo após a Segunda Guerra Mundial, o mundo
presenciou o surgimento de substâncias mais eficientes,
utilizadas com o intuito de aumentar a performance
dos atletas, entre as quais a anfetamina e os esteroides
anabolizantes, que acabaram por resultar em casos letais
(DORTA et al., 2018, [n. p.]).

Segundo o código mundial de antidoping, o conceito de doping (ou


dopagem em português) é o uso de substância ou método, que possa
ser potencialmente prejudicial à saúde do atleta e capaz de aumentar seu
desempenho físico.

Ao contrário do doping intelectual, o doping físico é bem-


regulamentado. A primeira legislação de combate ao uso indiscriminado
de substâncias dopantes no esporte foi introduzida em 1963, na França.
Em 1968, os testes de dopagem em atletas começaram a ser aplicados.

O doping esportivo é regulamentado no Brasil pela Autoridade


Brasileira de Controle de Dopagem, que é, segundo o Código Brasileiro
Antidopagem (CBA), “a Organização Nacional Antidopagem do Brasil tem
jurisdição de testes, autorização de uso terapêutico, gestão de resultados,
sanções, investigações e outras atividades antidopagem no território
brasileiro” (BRASIL, 2016, p. 3).

A organização é filiada à Agência Internacional Antidoping (WADA)


que foi criada em 1999 pelos departamentos de esportes e governos de
vários países. A WADA tem como finalidade manter as práticas esportivas
justas, ou seja, sem o efeito benéfico de uma ou outra droga.

Nesse contexto, o Código Brasileiro Antidopagem apresenta:


Art. 7º A interpretação e aplicação deste Código observam
os seguintes princípios e valores:
I - Ética, jogo limpo e honestidade.
II - Responsabilidade estrita do Atleta por suas ações.
III - Legalidade.
IV - Transparência pública.
V - Responsabilidade e respeito pela privacidade.
Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 49

VI - Saúde.
VII - Excelência em desempenho.
VIII - Caráter e educação.
IX - Diversão e alegria.
X - Trabalho em equipe.
XI - Dedicação e compromisso.
XII - O respeito pelas regras e leis.
XIII - Respeito por si próprio e por outros Participantes.
XIV - Coragem.
XV - Espírito esportivo.
XVI - Comunidade e solidariedade (BRASIL, 2016, p. 5).

Assim sendo, a finalidade desses órgãos é o denominado de fair


game (jogo justo).

Todos os anos, a WADA publica uma atualização da lista de


substâncias e métodos proibidos. A lista é sempre atualizada em janeiro
de cada ano.

Substâncias proibidas dentro e fora de competições


Agentes anabolizantes

Os agentes anabolizantes, também, chamados de esteroides


constituem o grupo mais utilizado de substâncias e apresenta maior
prevalência em modalidades de esporte como o fisiculturismo, o
levantamento e o arremesso de peso; porém o abuso também ocorre entre
atletas de outras modalidades, frequentadores de academias de ginástica
e musculação. Os sintomas adversos mais comuns advindos do uso
dessas drogas são: acne, insônia/distúrbios do sono, retenção de fluidos/
edemas, alterações de humor, ginecomastia, atrofia testicular, estrias,
disfunção sexual e dor no local da injeção. Outros efeitos secundários
relatados com menos frequência incluíam alopecia, hipertensão e
colesterol alto. Além de marcadores inflamatórios e do estresse oxidativo,
bem como hipertrofia, disfunção cardíaca e mortalidade precoce.
50 Toxicologia Analítica: Clínica e Forense

Figura 14 - Anabolizantes

Fonte: Freepik
Esteroides endógenos (EEn)

São aqueles que são produzidos pelo nosso próprio organismo,


mas que podem também ser consumidos. Algumas das substâncias
proteínas são: deidroepiandrosterona (DHEA), a diidrotestosterona (DHT)
e a testosterona, seus isômeros e metabólitos.

Por serem intermediários do metabolismo dos esteroides,


moléculas como a DHEA, a 4-androstenodiona e a 1-androstenodiol são
convertidas em testosterona, resultando assim no aumento dos níveis
desse hormônio no organismo.

Os parâmetros mais importantes para a detecção da administração


exógena de EEn são as proporções de testosterona/epitestosterona,
androsterona/etiocholanolone, androsterona/testosterona e 5α/5β-
androstano-3α,17βdiol. Para isso, técnicas como a cromatografia em fase
gasosa acoplada à espectrometria de massas (gas chromatography-mass
spectrometry, GC-MS) e a espectrometria de massas de razão isotópica
(isotope ratio mass spectrometry, IRMS) são comumente empregadas.
Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 51

Esteroides exógenos

Alguns dos esteroides exógenos proibidos pela WADA


são 1-androstenediol, 1-androstenediona, boldenona, clostebol,
deidroclormetiltestostrona, metandienona, metiltestosterona e
nandrolona.

As análises são geralmente realizadas utilizando as técnicas de


GC-MS e cromatografia líquida acoplada à espectrometria de massas.
Os laboratórios são obrigados a testar o agente anabolizante original ou
seus produtos de biotransformação com sensibilidade mínima de 5 ng/
mL para EEx(s) e 2ng/mL para os produtos deidroclorometiltestosterona,
metandienona, metiltestosterona e estanozolol.

Essas substâncias estimulam a produção de esteroides endógenos,


ou, ainda, são as próprias substâncias ativas. Como ocorrem alterações
na alteração endógeno de Hormônios, junto a detecção e quantificação,
há necessidade de descartar outras possibilidades como distúrbios
hormonais endógenos e gravidez.

Outros anabólicos endógenos

Substâncias que não apresentam estrutura química ou mecanismo


de ação similar aos esteroides são agrupadas na classe de outros agentes
anabólicos, como é o caso de clembuterol, tibolona, zeranol, zilpaterol e
moduladores seletivos dos receptores androgênicos.

O clembuterol é um broncodilador simpatomimético que atuam


em receptores beta-adrenérgicos; no entanto, foi demonstrado que o seu
consumo pode causar a hipertrofia muscular.

A tibolona é um 7α-metil derivado da 19-noretinodrel e é utilizada


para fins terapêuticos no tratamento de sintomas do climatério em
mulheres na pós-menopausa (terapia de substituição hormonal). Efeitos
anabólicos androgênicos são relatados, além de sua atividade estrogênica.

Os moduladores seletivos dos receptores de androgênicos são


uma nova classe de ligantes seletivos dos receptores androgênicos que
vêm sendo desenvolvidos e testados com o objetivo de evitar os efeitos
indesejáveis advindos do tratamento com fármacos androgênicos.
52 Toxicologia Analítica: Clínica e Forense

Suas ações anabólicas como moduladores seletivos dos receptores


de androgênicos no músculo esquelético e o aumento do balanço geral
de proteínas poderiam proporcionar uma abordagem inovadora e segura
para ajudar a reconstruir a massa muscular e a força.

Essas substâncias são empregadas para compensação dado ao


declínio da produção hormonal com a idade.

Hormônios peptídicos, fatores de crescimento e substâncias


relacionadas

Agentes estimulantes da eritropoiese

As substâncias pertencentes a esse grupo promovem a formação


de hemácias, o que acarreta um maior fluxo de oxigênio aos músculos
e ao cérebro, promovendo melhor desempenho em atividades físicas
aeróbicas.

Isso se dá devido a ação da eritropoietina, que é um hormônio


glicoproteico produzido principalmente pelo rim, ou seus análogos que
atuam na medula óssea causando o aumento da multiplicação celular e
formação de hemoglobina.

Os grupos de produtos pertencentes são os agonistas de receptores


da eritropoietina, os agentes ativadores de fatores indutores de hipóxia,
inibidores da GATA e inibidores da TGF-beta, além dos agonistas de
receptores de reparo inatos.

IMPORTANTE:

Algumas substâncias também causam a alteração da curva


de hemoglobina/oxigênio (por exemplo, efaproxiral) ou o
uso de novos transportadores de oxigênio, baseados tanto
na hemoglobina como também em outros compostos
químicos (por exemplo, perfluorocarbonos). Nesses casos,
dadas as alterações hematopoiéticas e bioquímicas,
podem ser empregados métodos indiretos para indicar a
utilização dessa substância, como o número de hemácias,
hematócrito, volume corpuscular e concentração de
hemoglobina.
Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 53

A eritropoietina humana recombinante interage com células


precursoras eritroides por meio de um receptor específico de membrana,
causando a proliferação e a diferenciação dessas células em eritrócitos
maduros.

Dorta et al. (2018) explica que foi pesquisado um método para


esclarecer as diferenças que podem ocorrer fisiologicamente das
causadas por drogas. Essas pesquisas deram origem ao chamado de
passaporte sanguíneo que tem como objetivo a detecção de qualquer
modificação na eritropoiese, seja pela transfusão de sangue ou pelo uso
de agentes estimulantes da eritropoiese.

Isso é necessário porque a concentração de hemácias e


hemoglobina também pode alterar-se naturalmente, quando há
modificações na concentração de oxigênio que o indivíduo está exposto.
Por exemplo, se o Neymar treinar em Santos e for levado até Lima no
Peru para disputar uma partida pela seleção irá, inicialmente, sofrer, pois,
devido a diferença de altura e pressão entre as cidades, há uma menor
concentração de oxigênio. Com isso, seu organismo reage e estimula a
produção de eritropoietina naturalmente, levando uma maior produção
de eritrócitos por consequência um maior transporte de oxigênio pelo
organismo. Caso, pouco tempo depois, jogue no Maracanã, no Rio de
Janeiro, apresentará um ganho natural de desempenho.
Alguns parâmetros hematológicos que constituem
o passaporte sanguíneo do atleta são: eritrócitos,
volume corpuscular médio, hematócrito, hemoglobina,
concentração de hemoglobina corpuscular média,
contagem de células brancas e contagem de plaquetas.
A estabilidade e a robustez das variáveis sanguíneas
monitoradas foi estabelecida e protocolos rigorosos para
coleta, transporte e análise de amostras foram criados, na
tentativa de otimizar a robustez (DORTA et al., 2018, [n. p.]).

A utilização desses agentes está associada ao aparecimento de


casos de trombose e demais alterações na coagulação sanguínea o que
pode levar a embolia pulmonar ou acidente vascular cerebral.

Hormônio do crescimento
54 Toxicologia Analítica: Clínica e Forense

O hormônio do crescimento é produzido pela glândula pituitária


e apresenta atividades anabólicas e promotoras do crescimento. É
responsável pelo estímulo do crescimento de vários tecidos do corpo
humano e pela diferenciação de certos tipos celulares, como as células
do crescimento ósseo e as células musculares primitivas (DORTA et al.,
2018).

Essa substância sozinha ou em combinação com outras substâncias


como os hormônios anabolizantes demonstra aumento significativo na
força muscular e, portanto, favorece esportes de explosão como é o caso
do halterofilismo e das corridas de velocidade – 100 m, por exemplo.

Duas metodologias complementares são empregadas para a


detecção dessas substâncias. A primeira baseia-se na detecção das
diferentes isoformas do GH. O GH pituitário é constituído por diferentes
isoformas, enquanto o GH recombinante (GHr) corresponde a uma
isoforma que prevalece sobre as demais. No entanto, esse método
apresenta a janela de detecção estreita, de apenas 24 horas após a última
injeção do GH.

A segunda, por sua vez, utiliza a medição de marcadores sensíveis


ao GH, baseando-se em alterações bioquímicas: aumento dos níveis
séricos do IGF-I e do pró-peptídeo amino-terminal do procolágeno de
tipo III por cerca de sete dias após uma dose de GH. Apesar desses
marcadores biológicos não serem específicos, eles servem para o cálculo
de uma fórmula conhecida como GH-2000 score method, a qual permite
distinguir entre a elevação induzida pelo GH ou por outros estímulos.

Os efeitos colaterais do uso crônico são acromegalia, aumentao


do risco de diabetes mellitus, hipertensão, cardiopatias e insuficiência
renal aguda. Além de taquicardia, dor de cabeça, retenção de líquidos,
deformação facial, irregularidades menstruais e impotência que são
efeitos adversos mais frequentes.

Gonatrofinas

A gonatrofina coriônica humana é um hormônio produzido pela


placenta durante a gravidez. Esse hormônio e seus análogos quando
utilizado por homens causam a estimulação das células de Leydig dos
Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 55

testículos, aumentando a produção endógena de testosterona. Desde


1987 seu uso é proibido pela WADA. Métodos baseados no imunoensaio
e na espectrometria de massas foram desenvolvidos para o controle
de doping com hCG. O uso abusivo e contínuo de hCG pode provocar
ginecomastia em homens adultos.

Os hormônios luteinizantes apresentam a mesma função do hCG e


são naturalmente produzidos pelas mulheres. A administração de LH tem
sido associada a diversos efeitos adversos, por exemplo, ondas de calor,
disfunção sexual e osteopenia. Podem ser detectados por imunoensaios
e CLAE-MS.

Corticotrofinas

A corticotrofina (corticotrophin, ACTH) é um hormônio que


atua sobre as células da glândula adrenal estimulando a síntese e a
secreção de corticosteroides endógenos (por exemplo, o cortisol). Esse
hormônio apresenta ações anti-inflamatórias e analgésicas, logo, seu
uso está relacionado à melhora na recuperação do atleta e aumento do
desempenho.

O uso a longo prazo pode acarretar sintomas semelhantes à


síndrome de Cushing - hipertensão arterial, amenorreia, osteoporose,
fraqueza muscular, ansiedade e síndromes psiquiátricas. Podem ser
detectados por LC e UPLC.

Agonistas beta-2 adrenérgicos

Esses medicamentos são empregados para o tratamento de asma


e bronquite crônica. Os efeitos anabólicos de β2-agonistas administrados
oralmente em animais estão associados ao aumento de proteína do
músculo esquelético em virtude da inibição da degradação de proteínas.

Medicamentos como o formoterol, salbutamol e salmeterol são


permitidos somente por via inalatória e sob prescrição médica.

Além dos efeitos anabólicos, a utilização desses broncodilatadores


permite o aumento da oxigenação do organismo, dada a maior gasosa.

Os efeitos colaterais desde a tosse e irritação na garganta; passando


por taquicardia, palpitações, broncoespasmos, tremores, nervosismo;
56 Toxicologia Analítica: Clínica e Forense

chegando à hipersensibilidade, angioedema, rash cutâneo, enxaqueca e


broncoespasmo paradoxal.

Hormônios e moduladores metabólicos

Inibidores da aromatase

A aromatase é um complexo enzimático responsável pela conversão


de androgênios em estrogênios e são empregados em tratamentos de
canceres estimulados pelos estrogênios. Os inibidores de aromatase
podem ser divididos em duas classes: inibidores não esteroidais (por
exemplo, anastrozol e letrozol); e, inibidores esteroidais (por exemplo,
exemestano, formestano e testolactona).

Isoladamente, essas substâncias são empregadas para aumentar a


concentração de testosterona. No entanto, também podem ser empregadas
para minimizar os efeitos colaterais de esteroides anabolizantes, pois
atuam inibindo a aromatização dos esteroides anabolizantes (androgênios)
que eleva os níveis de estrogênio e desencadeia efeitos indesejáveis, tais
como retenção de água, ganho de gordura e ginecomastia.

Os inibidores da miostina são reguladores negativo de crescimento


do tecido muscular e contribuem para a homeostase muscular. O pró-
peptídeo miostatina e a folistatina são dois potentes inibidores da
miostatina.

Os moduladores seletivos do receptor de estrogênio são moléculas


que pertencem a várias classes químicas diferentes, mas possuem a
propriedade em comum de se ligarem aos receptores estrogênicos.

Diuréticos e outros agentes mascarantes

Os diuréticos são proibidos nos esportes desde 1985; no entanto,


são utilizados indevidamente por diversas razões, tais como: perda rápida
de peso em esportes que envolvem categorias de peso; diminuição
da retenção de líquidos induzida pelo uso de esteroides anabólicos
androgênicos; alteração do mecanismo de excreção urinária possibilitando
a eliminação de substâncias mais rapidamente.
Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 57

Métodos proibidos dentro e fora das competições


Além das substâncias de uso proibido, a WADA também impede a
utilização de métodos que possam “melhorar” o desempenho de um atleta.
Dentre elas destacam-se a administração ou a reintrodução de sangue ou
de qualquer de seus componentes que possa interferir no transporte de
oxigênio. Também, qualquer tipo de manipulação intravascular do sangue
ou seus componentes.

A manipulação química ou física no intuito de adulteração de


qualquer amostra recolhida para os controles de dopagem. Ainda, a
injeção de soro fisiológico, soro ringer ou qualquer outro tipo de infusão ou
injeção intravenosa de um volume de mais que 100mL em um período de
12 horas anterior a coleta é proibida. Com exceção se houver necessidade
hospitalar, seja tratamento, intervenções cirúrgicas ou investigações
clínicas.

Por fim, a dopagem genética que se caracteriza pelo uso não


terapêutico de células, genes e elementos gênicos, ou a modulação da
expressão gênica, que tenham a capacidade de aumentar o desempenho
esportivo. Segundo a lista de substâncias e métodos proibidos de janeiro
de 2019 da WADA (traduzido pela ABCD) são proibidos:

1. O uso de polímeros de ácidos nucléicos ou de análogos de ácidos


nucléicos.

2. Agentes de edição de genes concebidos para alterar as sequências


do genoma e/ou a transcrição ou regulação epigenética da
expressão do gene.

3. O uso de células normais ou geneticamente modificadas.

As metodologias para a detecção do doping ou da utilização de


drogas de abuso são mais sensíveis e robustas, estando em constante
renovação, uma vez que, as drogas e os métodos/meios também de
dopagem evoluem e são menos detectáveis. É necessário que se estude,
se atualize, continuamente para atuar na área. Pesquisas científicas são
feitas todos os dias para descobrir drogas, descobrir métodos, descobrir
metodologias de análise, basta nós as procurarmos para verificar se
58 Toxicologia Analítica: Clínica e Forense

cabem ao nosso contexto e, assim, otimizar as nossas tarefas. Saber


utilizar o conhecimento disponível deve ser uma meta a ser cumprida
permanentemente.

SAIBA MAIS:

Caso queira se aprofundar no assunto, acesse o Caderno


de Apresentação de Projetos em BIM clicando aqui

RESUMINDO:

Neste capítulo, aprendemos os conceitos de doping físico


e doping intelectual. Por fim, vimos quais substâncias são
proibidas dentro de fora de competições.
Toxicologia Analítica: Clínica e Forense 59

REFERÊNCIAS
BIERNATH, A. O que são anabolizantes e quais seus efeitos na
saúde? Revista Saúde, 2019. Disponível em: https://saude.abril.com.br/
fitness/o-que-sao-anabolizantes-e-quais-seus-efeitos-na-saude. Acesso
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