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Semântica do

Português
Tipos da Semântica
Diretor Executivo
DAVID LIRA STEPHEN BARROS
Gerente Editorial
CRISTIANE SILVEIRA CESAR DE OLIVEIRA
Projeto Gráfico
TIAGO DA ROCHA
Autoria
ELAINE CHRISTINE PESSOA DELGADO
SILVIA CRISTINA DA SILVA
AUTORIA
Elaine Christine Pessoa Delgado
Olá! Sou formada em Administração de Empresas pela Universidade
Federal de Campina Grande (2007), com uma experiência técnico-
profissional na área de gerência de empresas há mais de 10 anos. Atuante
no domínio de escrita de materiais com ênfase em Administração, Língua
Portuguesa e Direito.

Silvia Cristina da Silva


Olá! Sou Mestre Interdisciplinar em Educação, Ambiente e Sociedade
- UNIFAE, Participação docente e discente no Mestrado em Análise do
Discurso - Universidade Federal de Buenos Aires; Especialista em Docência
do Ensino Superior e Direito e Educação pela Faculdade Campos Elíseos,
Pós-graduanda em EAD pela Faculdade Campos Elíseos; Graduada
em Ciências Jurídicas e Sociais - UNIFEOB; Vice-diretora Acadêmica na
Agência Nacional de Estudos em Direito ao Desenvolvimento - ANEDD;
Especialista em Investigação de Antecedentes em instituições públicas
e privadas; Docente e Conteudista em Diversas Instituições Educacionais
para Cursos de Graduação e Pós-graduação; Elaboradora de questões
para concursos públicos em diversas organizações; Degravadora,
Redatora, Tradutora e Intérprete da Língua Espanhola.

Foi com grande alegria que aceitamos o desafio de participar e dar


nosso contributo para esse maravilhoso projeto da Editora Telesapiens,
fazendo parte do elenco de autores independentes. Nos sentimos muito
gratas por poder contribuir para o seu aprendizado. Conte conosco!
ICONOGRÁFICOS
Olá. Esses ícones irão aparecer em sua trilha de aprendizagem toda vez
que:

OBJETIVO: DEFINIÇÃO:
para o início do houver necessidade
desenvolvimento de de se apresentar um
uma nova compe- novo conceito;
tência;

NOTA: IMPORTANTE:
quando forem as observações
necessários obser- escritas tiveram que
vações ou comple- ser priorizadas para
mentações para o você;
seu conhecimento;
EXPLICANDO VOCÊ SABIA?
MELHOR: curiosidades e
algo precisa ser indagações lúdicas
melhor explicado ou sobre o tema em
detalhado; estudo, se forem
necessárias;
SAIBA MAIS: REFLITA:
textos, referências se houver a neces-
bibliográficas e links sidade de chamar a
para aprofundamen- atenção sobre algo
to do seu conheci- a ser refletido ou dis-
mento; cutido sobre;
ACESSE: RESUMINDO:
se for preciso aces- quando for preciso
sar um ou mais sites se fazer um resumo
para fazer download, acumulativo das últi-
assistir vídeos, ler mas abordagens;
textos, ouvir podcast;
ATIVIDADES: TESTANDO:
quando alguma quando o desen-
atividade de au- volvimento de uma
toaprendizagem for competência for
aplicada; concluído e questões
forem explicadas;
SUMÁRIO
Fundamentos Teóricos Metodológicos da Semântica Formalista.....10
A Semântica Formalista...............................................................................................................10

Aspectos de Condição de Verdade do Significado............................. 12

Teoria de Modelos em Semântica.................................................................... 14

Princípio da Composicionalidade ................................................................... 16

Importância da Semântica Formal ................................................................. 18

Bases Conceituais da Semântica Argumentativa .........................20


A Semântica Argumentativa.................................................................................................... 20

Polifonia e Pressuposição.......................................................................................26

A Semântica Argumentativa na Literatura da Língua


Portuguesa.........................................................................................................................27

A Semântica Cognitiva e a sua Relação com a Contração


Linguística e com o Meio Social.............................................................30
A Semântica Cognitiva................................................................................................................ 30

Categorização..................................................................................................................34

Prototipicidade................................................................................................................35

Subjetificação e Mudança Semântica ..........................................................37

Modelos Cognitivos.................................................................................................... 38

A Semântica Representacional Relacionada às Teorias


Linguísticas da Língua Portuguesa...................................................... 42
A Semântica Representacional..............................................................................................42

Papéis Temáticos......................................................................................................... 46
Semântica do Português 7

02
UNIDADE
8 Semântica do Português

INTRODUÇÃO
Você sabia que existem vários tipos de Semânticas? E que existe
semântica que possui ascendência na lógica e na Filosofia e outras que se
referem à representação mental? A Semântica formal explica o significado
existente entre a linguagem e o mundo, e neste caso ter o conhecimento do
significado de uma sentença é entender as condições necessárias e suficientes
para que a sentença seja verdadeira, já na semântica argumentativa existe o
interesse de o falante convencer o interlocutor de algo e a mesma sentença
pode ter diversos significados, dependendo do seu uso. As teorias que tratam
o significado sob a perspectiva representacional são conhecidas como teorias
mentalistas, representacionais ou ainda cognitivas. Sabe por quê? Porque elas
não levam em consideração a referência de mundo, mas sim a representação
mental e a percepção que o ser humano tem sendo algo referente à mente.

Entendeu? Este é o mundo que iremos atravessar nesta unidade. Vamos


juntos?
Semântica do Português 9

OBJETIVOS
Olá. Seja muito bem-vindo à Unidade 2 – Tipos de Semântica.
Até o término desta etapa de estudos, nosso objetivo é auxiliar você no
desenvolvimento das seguintes competências profissionais:

1. Identificar os fundamentos teóricos-metodológicos da Semântica


Formalista, apontando situações concretas em que essa corrente
se aplica.

2. Caracterizar as bases conceituais da Semântica Argumentativa,


contextualizando-a na Literatura da Língua Portuguesa.

3. Definir a semântica cognitiva e sua relação com a construção


linguística na interação com o meio social.

4. Compreender a definição de Semântica Representacional


e relacioná-la às teorias da Linguística no estudo da Língua
Portuguesa.

Então? Preparado para adquirir conhecimento sobre um assunto


fascinante e inovador como esse? Vamos lá!
10 Semântica do Português

Fundamentos Teóricos Metodológicos da


Semântica Formalista
OBJETIVO:

Ao término deste capítulo, você será capaz de identificar


como funciona a teoria da semântica formalista, como
também conhecerá situações concretas em que essa
corrente se aplica. E então? Motivado para desenvolver
esta competência? Vamos lá. Avante!

A Semântica Formalista
Segundo Cançado (2008), a Teoria da Semântica Formal se insere na
teoria referencial, e seus estudos tem ascendências na lógica e na filosofia
da linguagem. Abordaremos a respeito desses pontos da linguagem, que
em algumas ocasiões também é chamado de referencial.

Ferreira (2019) destaca que o significado tem um papel fundamental


na intermediação entre a linguagem e a realidade, por isso é conveniente
exigir uma teoria semântica que aborda essa relação linguagem-mundo.

Conforme Pinto et. al. (2016 p. 20) “a semântica formal é um ramo


de pesquisa que procura responder o que “representam” as expressões
linguísticas e como calculamos o significado de expressões complexas, a
partir dos significados de suas partes”.

Já Ferreira (2019, p. 1) explica que “a semântica formal é o estudo do


significado através do uso de ferramenta e técnicas lógico-matemáticas”.
A semântica formal prioriza a função representativa da
comunicação e explica o significado de acordo com as
relações referenciais ou mapeamentos, que existem entre
a linguagem e o mundo, (segundo os realistas), ou entre
a linguagem e as nossas representações do mundo, (os
antirrealistas). De acordo com esta abordagem, todos os
enunciados são considerados como sendo asserções ou
atos da fala constatativos, e o conteúdo de um enunciado
é considerado ser especificável em suas condições
de verdade, suas condições de assertabilidade, que
Semântica do Português 11

caracterizam o que o enunciado representa ou retrata.


(MEDINA, 2007, p. 12)

Para Pinto et. al. (2016), as línguas naturais são usadas para
estabelecermos uma referencialidade, ou seja, falarmos sobre objetos,
fatos, indivíduos, etc., caracterizados como externos à nossa língua. Este
fato é considerado pela semântica formal como uma propriedade central
das línguas.

IMPORTANTE:

A referencialidade é vista como uma das propriedades


essenciais das línguas humanas.

“Essa vertente afirma que o significado de uma sentença é o tipo de


situação que ela descreve e que a descrição destas situações possíveis
é equivalente às condições de verdade da sentença”. (PINTO et. al., 2016,
p. 20). Dessa forma, na semântica formal, o significado é visto como uma
relação entre a linguagem e aquilo sobre o que fala a linguagem.
Figura 1 - Significado na Semântica Formal

Fonte: Adaptado de Pinto et. al. (2016).

Neste modelo, o conhecimento do significado de um enunciado


é, certamente, o conhecimento das suas condições de verdade. Assim,
quando se conhece as condições de verdade de uma sentença significa
que se sabe também em que situações, no mundo, aquela sentença
pode ser considerada verdadeira ou falsa, esclarece Pinto et. al. (2016).
12 Semântica do Português

Para Ferreira (2019) ter o conhecimento do significado de uma


sentença é compreender as condições necessárias e suficientes para que
a sentença seja verdadeira, ou seja, é equivalente às suas condições de
verdade.

Quando se escuta uma pessoa dizendo: “Tem um rato na cozinha”,


não tem como se saber com certeza se a expressão é verdadeira ou
falsa. Contudo, nós temos capacidade de afirmar em que ocasiões a
expressão mencionada poderá ser considerada verdadeira. Assim, esse
conhecimento é semântico por natureza, e faz parte do que conhecemos
sobre o significado da expressão, afirma Muller et. al. (2003, p. 138).

NOTA:

A semântica formal se agarra no fato de que, quando não


conhecemos as condições nas quais uma expressão for
verdadeira, não conheceremos também o seu significado,
explica Muller et. al. (2003).

Assim, as sentenças de uma língua natural possuem significado e a


natureza desse significado está na base dos vínculos que fazemos entre
linguagens e realidade, menciona Ferreira (2019).

Cançado (2008) esclarece que os traços mais contínuos que


percorrem a semântica formal durante toda a sua evolução consistem: no
foco dos aspectos de condição de verdade do significado, na concepção
de teoria de modelos em semântica e na centralidade metodológica do
Princípio da Composicionalidade.

Vejamos cada um desses conceitos em separado.

Aspectos de Condição de Verdade do Significado


Observe a seguinte sentença: O céu é azul.

Para entendermos esses aspectos, devemos agora perguntar quais


as condições para que essa sentença seja verdadeira ou seja falsa. Dessa
forma, teremos:
Semântica do Português 13

A sentença o céu é azul só é verdadeira se, e somente se, o céu for


azul.

Conforme Cançado (2008) devemos verificar se é um método


aceitável associar as condições de verdade a um significado. A autora cita
o seguinte exemplo:

Um homem pulou o muro.

Ao tentar explicar o significado desta expressão poderíamos dizer


que ela significa que uma pessoa, com as qualidades normalmente
atribuídas a um homem (sexo masculino, adulto) fez um movimento
para ultrapassar um obstáculo, chamado muro, e assim por diante.
Contudo, caso perguntássemos em que situações poderíamos aceitar
essa expressão como sendo verdadeira, possivelmente possuiríamos a
seguinte resposta: essa expressão será verdadeira quando houver uma
pessoa, com as características normalmente atribuídas a homem (sexo
masculino, adulto) e essa pessoa fizer movimento para ultrapassar o
muro (Figura 2), etc. Assim, ao caracterizarmos as condições que devem
existir para que uma sentença seja verdadeira no mundo, estamos, em
realidade, identificando o que consideramos como o significado da
sentença, esclarece Cançado (2008).
Figura 2- Ultrapassar o muro

Fonte: Pixabay.
14 Semântica do Português

Cançado (2008) ainda descreve um segundo ponto no qual é


necessário esclarecer que conhecer as condições de verdade de uma
sentença não é igual a saber se a sentença é verdadeira ou falsa, pois
muitas vezes sabemos em que condições a sentença seria verdadeira,
mas não saberemos, de fato, se ela é ou não.

EXEMPLO:

O número de grãos de aveia dentro desta caixa está na casa dos


trezentos mil.

Você iria contar quantos grãos de aveia existe nesta caixa para saber
se esta sentença é verdadeira?

Determinar em que condições esta sentença é verdadeira é um


método fácil, pois ela será verdadeira se, e apenas se, o número de grãos
de aveia da caixa estiver realmente na casa dos trezentos mil. Já a verdade
ou falsidade da sentença vai depender de contarmos os grãos de aveia,
o que seria uma tarefa quase impossível. Dessa forma, podemos saber
quais as condições em que uma sentença é verdadeira, sem sabermos,
de fato, se ela realmente é ou não, destaca Cançado (2008).

IMPORTANTE:

O que é preciso ficar claro é que o significado da sentença


está ligado às condições de certeza dela e não, à sua
verdade ou falsidade, afirma Cançado (2008).

Teoria de Modelos em Semântica


Cançado (2008) explica que quando queremos representar um
sistema muito complexo e não sabemos como fazê-lo, acabamos
construindo outro sistema mais simples e que tenha as características
semelhantes com as do sistema complexo que se almeja analisar, e
que, deste modo, sirva de modelo para o estudo desse sistema mais
complexo. Posteriormente, elaboramos uma teoria para o sistema-
modelo mais simples e aplicamos a mesma teoria ao sistema complexo.
Semântica do Português 15

Caso os resultados apresentem-se, de modo razoável, positivos em


relação ao sistema complexo, podemos dizer que o sistema simples é
um bom modelo. Mas caso apresentem de forma negativa ele não serve
como modelo, devendo esse sistema simples ser abandonado.

Oliveira (2008) destaca que os seguidores dessa corrente


de pensamento utilizam fenômenos linguísticos a partir de noções
lógicas, algébricas, aproximadamente. Tratando-se, assim, de um plano
direcionado a empregar as técnicas da semântica formal à análise das
línguas naturais. Como esses métodos compreendem muita álgebra e
lógica, a semântica formal deixa os filósofos à vontade, mas permanece
pouco atraente para muitos estudantes e professores da área de Letras,
que preferem estudar os fenômenos semânticos sob o enfoque da
linguística ao invés de os estudarem sob a perspectiva filosófica.

Cançado (2008) cita como exemplo o caso das línguas naturais, pois
podemos imaginar que estudar a sintaxe e a semântica das linguagens
formais pode servir de modelo para o estudo das línguas naturais, visto
que as duas são linguagens que têm características comuns, e como a
linguagem formal é mais simples do que a língua natural, ela pode servir
de modelo para a língua natural.

NOTA:

A aceitação de uma teoria de modelos para a linguagem


natural se confronta com o estudo da linguagem como
uma entidade psicológica (CANÇADO, 2008).

Assim, o método dos semanticistas formais tem sido esse, sugerir


modelos bastante simples das linguagens formais e tentar interpretar
neles o maior número possível de sentenças das línguas naturais. À medida
que os modelos se revelam inadequados, eles vão sendo substituídos
por modelos mais complexos que satisfaçam os fatos que revelaram a
inadequação dos modelos anteriores, informa Cançado (2008).
16 Semântica do Português

Princípio da Composicionalidade
De acordo com Oliveira (2012), quando um falante conhece o
significado de uma sentença, ele sabe não apenas suas condições de
verdade, mas também sabe compô-la e decompô-la.

Ferreira (2019) explica que além de depender do significado dos


elementos lexicais que a compõem, o significado da sentença depende
também da maneira como esses itens se encontram organizados nela.

Quando o falante entende a expressão “Tá chovendo”, ele conhece


o significado de “estar” e “chovendo” e, na verdade, sabe que chovendo se
decompõe em “chove” – e “-ndo”.Conhece também que esses elementos
conservam o mesmo significado em ilimitadas sentenças nas quais ela
pode acontecer, explica Oliveira (2012).

EXEMPLO:

Choverá amanhã.

Choveu na quarta-feira.

Para Cançado (2008, p. 141), “o significado de um todo é a função


do significado de suas partes e da combinação sintática dessas partes”.
Assim, se conhecermos o significado das partes de uma sentença e
soubermos as regras para encaixá-las em unidades mais complexas,
então poderemos elaborar e interpretar uma infinidade de sentenças
novas, assim como explicar por que determinadas interpretações não são
possíveis.
Semântica do Português 17

Figura 3 - Significado das partes

Fonte: Adaptado de Cançado (2008).

A composicionalidade demonstra o caso de que um falante sabe


compor o significado de uma sentença a partir do significado de partes
mínimas, isto é, o significado de uma expressão mais complexa é o
resultado de uma composição de suas partes, informa Oliveira (2012).

IMPORTANTE:

A composicionalidade ilustra a criatividade, a capacidade


de estarmos a todo momento construindo e interpretando
sentenças que nunca ouvimos antes, destaca Oliveira
(2012).

Segundo Oliveira (2012), Chomsky, com a obra Syntactic Structures


no ano de 1957, foi o primeiro, na Linguística, a demonstrar que os falantes
são criativos, porque produzem e interpretam sentenças sem nunca
terem ouvido antes. Essa situação, aparentemente tão comum, contrariou
tanto as teorias comportamentais da aprendizagem (que acreditam que
as línguas humanas são aprendidas por estímulo e resposta), quanto as
18 Semântica do Português

teorias estruturalistas sobre a linguagem humana (que entendiam, mais


ou menos, que a linguagem era um conjunto “fechado” de sentenças).
Chomsky mostra que a linguagem é aberta, infinita, indeterminada, mas
previsível no sentido de que podemos “calcular” o novo, porque sabemos
“construir” sentenças a partir do significado de unidades mínimas e regras
de combinação, que são recursivas, ou seja, de forma repetida são
aplicadas, em diferentes situações.

Importância da Semântica Formal


Cabe ainda destacar que de acordo com Cançado (2008) existem
críticas relacionadas à abordagem formal, sendo uma delas a de que,
muitas vezes, essas teorias atendem apenas a uma pequena parte da
língua, a tipos bem particulares de dados.

Contudo, é fundamental enfatizar a relevância de se entender essa


concepção formal.

A primeira é que as outras teorias semânticas se constituíram a


partir da semântica formal, às vezes, tentando resolver problemas que
esse modelo não resolvia, ou mesmo, sugerindo modelos alternativos.
Por isso, é necessário conhecermos a base, isto é, a semântica formal,
pois é de onde outros modelos surgiram, informa Cançado (2008).

Uma segunda razão é que os pontos mais analisados sobre o


significado têm seus estudos mais pertinentes na semântica formal
(Cançado 2008).

RESUMINDO:

Agora, só para termos certeza de que você realmente


entendeu o tema de estudo deste capítulo, vamos resumir
tudo o que vimos.

Você deve ter aprendido que a semântica formal está relacionada


com a teoria referencial e que ela faz a intermediação entre a linguagem
e a realidade do mundo, e nesta perspectiva, o significado é visto como
Semântica do Português 19

uma relação entre a linguagem e aquilo sobre o que fala a linguagem.


Viu também que os traços contínuos da semântica formal são o foco dos
aspectos de condição de verdade, na qual o significado da sentença está
ligado às suas condições de certeza e não a sua verdade ou falsidade;
a teoria de modelos em Semântica, na qual se constrói um sistema
simples com características de um sistema complexo para servir de
modelo de estudo e que este só será um bom modelo se apresentar
resultados positivos em relação ao sistema complexo; e o princípio da
composicionalidade que acontece não apenas quando o falante conhece
o significado da sentença ou suas condições de verdade, mas sim
quando sabe compô-la e decompô-la elaborando e interpretando uma
infinidade de sentenças novas . Por fim, você entendeu a importância da
semântica formal que serviu de base para outras teorias e os estudos
mais importantes sobre o significado partiram desta.
20 Semântica do Português

Bases Conceituais da Semântica


Argumentativa
OBJETIVO:

Neste capítulo, iremos caracterizar as bases conceituais da


semântica argumentativa, demonstrando seus principais
pontos e contextualizando-a na literatura da Língua
Portuguesa. Vamos juntos?.

A Semântica Argumentativa
Conforme Cançado (2008), a semântica argumentativa surgiu como
uma alternativa à semântica formal, através dos trabalhos de Ducrot.
Para essa autora o conceito dessa linha teórica é que as sentenças são
faladas como parte de um discurso em que o falante tenta convencer seu
interlocutor de uma hipótese qualquer, ou seja, não se usa a linguagem
para falar algo sobre o mundo, mas para convencer o ouvinte a entrar no
jogo argumentativo.

A importância da semântica argumentativa está baseada na


argumentação utilizada na sentença. Falando assim, parece um pouco
óbvio não é mesmo? Vejamos alguns conceitos para entendermos melhor.

Para Pinto et. al. (2016) a semântica argumentativa também é chamada


de enunciação e considera o enunciado como fundamento prioritário
da informação a ser transmitida, e entende que é a intencionalidade do
falante que demonstra a significação contida na mensagem.

A função da semântica da enunciação é identificar enunciados que


tenham por traço constitutivo a pretensão de argumentar, explica Koch
(2002).

O conceito amparado nessa teoria é a de que existe interesse em


tirar proveito de categorias descritivas que se relacionam mais, ao possível
uso na interação dos falantes/ouvintes, e menos no que diz respeito à
Sintaxe ou ao conteúdo objetivo da sentença, informa Cançado (2008).
Semântica do Português 21

IMPORTANTE:

Nessa abordagem, as condições de verdade de uma


sentença não possuem relevância.

De acordo com Abrahão (2008), Ducrot entende como a função


primeira da linguagem sendo a de argumentar e, da argumentação,
decorre um conjunto de descrições através das propriedades das coisas,
justificando assim a função argumentativa. No processo de enunciação,
um sujeito procura na língua os elementos que levantam um argumento
e o liga a uma conclusão, encontrada no mundo do objeto que se fala,
para produzir o enunciado. Argumento e conclusão têm as orientações
oferecidas pelo falante a um ouvinte para que o segundo confirme o
sentido a ser produzido. Conforme estabelece a teoria da argumentação
na língua, um enunciado diz para o ouvinte procurar no mundo os sentidos
colocados pela fala, respeitada a semântica produzida no texto, nesse
caso, o próprio texto produzido pela fala.
Figura 4 - Argumento e conclusão

Fonte: Adaptado de Abrahão (2008).

Um encadeamento argumentativo constitui apenas um enunciado,


assim o argumento só é compreendido a partir da conclusão. Dessa forma,
quando utilizamos adjetivos como “bonito” e “feliz” estaremos procurando
na língua argumentações positivas, sendo assim, os termos utilizados irão
22 Semântica do Português

estabelecer um encadeamento que levam a uma continuidade para a


definição do sentido, menciona Abrahão (2008).

Existe uma intrínseca relação entre argumentação e intencionalidade


pois o texto argumentativo é aquele produzido com a intenção de fazer
crer, fazer alguma coisa ao outro, expõe Capistrano Junior, Elias e Lins
(2017).

Cançado (2008) ainda esclarece que na observação perante uma


perspectiva argumentativa, uma mesma sentença pode ter diversos
significados, dependendo do seu uso. Desfazendo-se, portanto, os limites
entre semântica e pragmática.

NOTA:

Comumente, as noções que tenham envolvimento


em análises dessa linha teórica se referem à classe
argumentativa, força argumentativa, escala, etc., revelando-
se de grande interesse na Língua (Cançado 2008).

Capistrano Junior, Elias e Lins (2017) destacam que os ensinamentos


de Ducrot nos põem perante o processo de escolhas envolvido na
produção de discursos e do papel decisivo da língua nesse processo.
São inseridos nesse processo temas relacionados ao texto, à língua
e à argumentação, que, acredita-se representar um forte elo entre a
Linguística Textual e a Teoria da Argumentação na língua.

Evidencia-se que, ainda que Ducrot dedique seus estudos aos


fenômenos internos à língua. Os conceitos desenvolvidos pela Teoria são
essenciais para o estudo e a compreensão de textos, pois sua dedicação
baseia-se, principalmente, ao estudo de palavras da língua cujos
empregos não resultam em informar, mas sim argumentar. Os estudos
linguísticos, na perspectiva de Ducrot, relaciona-se com a argumentação,
menciona Capistrano Junior, Elias e Lins (2017).
Semântica do Português 23

IMPORTANTE:

É essencial que, ao elaborar nossos textos, sejamos


conscientes das possibilidades que a língua oferece para
marcar uma tomada de posição, para que possamos
empregar essas marcas de maneira adequada e eficaz,
ilustra Capistrano, Elias e Lins (2017).

A ideia que submete à Teoria da Argumentação na língua proposta


por Ducrot é que, na construção de um texto, a escolha de cada palavra
tem efeitos sobre as demais. Isso quer dizer que nada pode ser aleatório
no texto, todos os elementos que compõem a textualidade concorrem
juntos para a construção de sentidos orientando argumentativamente em
determinada direção, segundo Capistrano Júnior, Elias e Lins (2017).
Figura 5 - Teoria da Argumentação da Língua

Fonte: Adaptado de Capistrano, Elias e Lins (2017).

A Teoria da Argumentação, ao observar os encadeamentos


possíveis na língua de acordo com Ducrot, dedica-se à palavras que
não estão destinadas a trazer informações, mas a indicar uma relação
entre o locutor e a situação, ou que guiam a direção argumentativa
dos enunciados. Por esse motivo, a Teoria da Argumentação na língua
interessa-se especialmente pelos conectores, descreve Capistrano
Junior, Elias e Lins (2017).

Para Abrahão (2008), Ducrot demonstra em sua teoria que os


conectores, em seu conjunto, podem ser reunidos em dois grupos que se
limitam, a, “portanto” e “no entanto”, sendo respectivamente a norma e a
24 Semântica do Português

exceção. Observe que poderemos utilizar diferentes conectores entre um


argumento e uma conclusão. Contudo, a conclusão deve ser organizada a
partir de conceitos que amparam o argumento, um tipo de “lugar” no qual
o argumento é possível, ao qual Ducrot chama de topos.

EXEMPLO:

Que dia lindo.

a. Não chove.

b. Está quente.

c. Vou passear.

Assim, quando usamos essa expressão ela somente se fará possível


em um lugar em que não chover é bom, fazer calor é bom, nos permite
passear. Dessa forma deveremos usar o conectivo, “portanto”, pois não
seria possível o uso do conector “no entanto”, explica Abrahão (2008).

A não ser que os dias lindos deixe alguém infeliz, não é mesmo?
Figura 6 - Dias lindos

Fonte: Pixabay.
Semântica do Português 25

Capistrano Junior, Elias e Lins (2017) destacam que Ducrot observa


também diferentes possibilidades do conector, “mas” descobrindo a
natureza de relações ou encadeamentos que esse introduz. Sugere
uma classificação baseada na ideia de que o, “mas” como conector
coordenativo articula um segmento do texto que vem antes e outro que
vem depois.

Para Espindola (2004), existem dois tipos de operadores que são


os conectores argumentativos, no qual os elementos que articulam os
enunciados de maneira a determinar a sua orientação argumentativa;
e os operadores argumentativos que possuem a função de inserir
argumentatividade na estrutura semântica das frases.

Koch (2012) foi quem deu tratamento especial aos operadores


argumentativos classificando nos seguintes grupos:

•• Operadores argumentativos que indicam o argumento mais forte


e que dirigem o sentido para a conclusão – até, mesmo, inclusive,
até mesmo.

•• Operadores argumentativos que incluem argumentos com a


finalidade de chegar a uma mesma conclusão – também, ainda,
não só...mas também, nem, além de, além disso, a par de etc.

•• Operadores argumentativos introdutores de uma conclusão


relativo a um argumento já mostrado – portanto, por conseguinte,
logo, pois, desta forma, destarte etc.

•• Operadores que inserem argumentos alternativos que podem


induzir a conclusões opostas ou diferentes – ou, ou então, seja...
seja, quer...quer etc.

•• Operadores argumentativos comparadores, que buscam uma


certa conclusão – mais que, menos que, tão...como, tanto quanto
etc.

•• Operadores argumentativos introdutores de justificativas ou


explicações de enunciados – pois, porque, já que etc.

•• Operadores argumentativos que constituem uma contraposição


de argumentos dirigidos para conclusões opostas – mas, porém,
26 Semântica do Português

entretanto, contudo, no entanto, embora, apesar de que, ainda


que etc.

•• Operadores argumentativos que introduzem conteúdos


pressupostos – já, ainda, agora etc.

Outro ponto importante que precisa ser mencionado é o interesse


pela polifonia e pela pressuposição.

Vejamos cada um deles com detalhes.

Polifonia e Pressuposição
De acordo com Abrahão (2008) a polifonia significa que para um
mesmo enunciado emitido pelo locutor, aparecem vozes diferentes que
lhe modificam o sentido.

Pinto et. al. (2016) descrevem que a polifonia foi introduzida na


linguagem através dos estudos de Bakhtin o qual afirma que a presença
de textos dentro de um texto, causada pela inclusão do autor num
contexto que já inclui antecipadamente textos anteriores que lhe inspiram
ou influenciam, ou seja, a polifonia deixa enxergar outras vozes.

Mas o que são vozes?

Pinto et. al. (2016, p. 22) explicam que para Bakhtin o termo voz se
refere “à consciência do falante, que marca presença nos enunciados,
sendo, essa consciência, capaz de refletir as percepções de mundo e
atribuir juízo de valor”.

O conceito de polifonia para a Linguística foi trazido por Ducrot


defendendo que o autor do enunciado nunca se expressa diretamente,
mas apresenta diferentes personagens linguísticos. Por exemplo no
seguinte enunciado: “André parou de ler”. Dessa forma, é informado pelo
enunciador que André antes lia e agora não lê mais. Sendo uma espécie
de diálogo imaginário, no qual o enunciador se questiona se André parou
de ler e se ele antes lia, ilustra Pinto et. al. (2016).

Segundo Pinto et. al. (2016), a pressuposição compreende uma


relação entre a verdade de sentenças. Um enunciado pressuposto é algo
Semântica do Português 27

que pode ser deduzido a partir de um conhecimento prévio do interlocutor.


É condição para que novas informações possam ser envolvidas.

EXEMPLO:

Alice desistiu de viajar para Paris.

A partir dessa sentença pode-se pressupor várias informações que


devem ser conhecidas para que seja estabelecido o sentido. Por exemplo:
Alice é uma pessoa conhecida entre as pessoas que conversam, Alice
tem condições financeiras para essa viagem, se ela desistiu é por que
estava pensando em ir, etc.

A Semântica Argumentativa na Literatura da


Língua Portuguesa
Para Abrahão (2008) existe um aspecto particular proposto por
Ducrot no qual faz referência à relação entre a poesia e a argumentação,
descrevendo-as como contrárias, pois, a poesia trata-se de um esforço
em expressar pontos de vista pessoais. Assim, para ele o poeta expressa
sentimentos com a pretensão de apresentá-los como unicamente seus.
Demonstrando dessa forma, uma oposição à ambição do argumentador
no qual procura aparecer o que disse como se fosse a reprodução de uma
crença geral.

Já Azize (2013) explica que quando procuramos definir o que


diferencia os discursos poético e literário, de discursos argumentativos,
uma das premissas usadas é o de que a poesia (ou a literatura em
geral) se trata de um discurso irracionalista (ou seja, que não apresenta
razões para dizer as coisas que diz), combinado em efeitos de estilo.
Sendo a diferença primordial, a do papel que versos e formalizações de
argumentos desempenham nas nossas vidas.

Conforme Amossy (2016) o relato de ficção, assim como a


conversação cotidiana ou a interação didática, compreende uma
dimensão argumentativa, que pode ser mais ou menos compreensível. A
capacidade de orientar a visão do público ao se submeter de uma forma
mais ou menos diretiva, um objeto de reflexão compõe exatamente a
dimensão argumentativa do relato literário. De acordo com suas próprias
28 Semântica do Português

modalidades, abre ou orienta um debate, revela ou esclarece uma


problemática. A argumentação em situação de ficção pode destacar
um ponto sem propor uma solução unilateral, pois a interrogação, o
exame não decisivo das contradições, a manifestação das tensões e a
complexidade podem se transformar em parte integrante da dimensão
argumentativa do relato literário.

IMPORTANTE:

Nessa perspectiva, a análise argumentativa não é


empregada somente aos textos que tentam fazer aceitar
uma tese bem definida, mas também àqueles que
compartilham um ponto de vista sobre o real, intensificam
os valores ou guiam a reflexão, descreve Amossy (2016).

A análise argumentativa se situa no cruzamento da retórica


– que se vincula à arte da persuasão – e da pragmática, que
estuda as interações verbais. A esses âmbitos teóricos, no
caso do relato de ficção, se acrescenta a narratologia, que
analisa a questão das vozes narrativas, e se completa com
uma teoria da leitura. Consequentemente, é importante
elaborar uma aproximação que permita combinar e
integrar as contribuições dessas diversas disciplinas.
(AMOSSY, 2016, p. 11)

O público estabelecido pelo discurso argumentativo no relato


de ficção se situa em diversos níveis, que representa as distintas
categorias da enunciação. Vai desde o personagem a quem se dirige
um protagonista até o leitor possível que o autor considerou, passando
pelo narratário a quem se dirige o discurso do narrador principal. Mesmo
existindo coincidência entre este enfoque com o das teorias da leitura,
ele se diferencia delas porque estuda o impacto do discurso, ou seja, as
estratégias que se renovam para agir sobre o público, esclarece Amossy
(2016).

Assim, mais que analisar o ato da leitura como ativação de


significações ou como experiência estética, como nos estudos de
semiótica, da teoria do efeito estético ou da estética da recepção, a análise
argumentativa se interessa sobretudo pela maneira como a imagem do
Semântica do Português 29

público forma um discurso que procura direcionar a visão e influenciar seu


comportamento, demonstra Amossy (2016).

RESUMINDO:

E então? Gostou do que lhe mostramos? Neste capítulo você


deve ter compreendido que na semântica argumentativa
o falante tenta convencer o seu interlocutor de uma
situação qualquer convencendo o ouvinte a entrar no jogo
argumentativo. Que o enunciado é fundamento prioritário da
informação a ser transmitida e existe uma relação intrínseca
entre a argumentação e a intencionalidade. Viu também
que no processo de enunciação o sujeito procura na língua
os elementos que levanta um argumento e o liga a uma
conclusão e que para a Teoria da Argumentação, na língua,
a escolha de cada palavra tem efeitos sobre as demais na
construção de um texto. Conheceu também os operadores
argumentativos, a polifonia e a pressuposição como pontos
importantes. Por fim, identificou como é a semântica
argumentativa na literatura da Língua Portuguesa.
30 Semântica do Português

A Semântica Cognitiva e a sua Relação


com a Contração Linguística e com o
Meio Social
OBJETIVO:

Neste capítulo, iremos definir a semântica cognitiva,


demonstrando suas principais características e
relacionando-a com a contração linguística e com o meio
social. Vamos nessa?.

A Semântica Cognitiva
Segundo Pinto et. al. (2016), a semântica cognitiva foi apresentada
no final da década de 1970 e início da década de 1980, provocada de
forma parcial pela inspiração no fenômeno de significação. Dado que a
Semântica busca estudar o significado linguístico em todas as esferas
possíveis, o significado do termo precisa de vários outros critérios, para
ser dado de maneira decisiva.
A linguística cognitiva estabelece que a gramática não
pode ser mais vista como um conjunto de regras que
opera sobre categorias de palavras ou de sentenças, mas
sim um conjunto de princípios gerais e processuais, que
opera sobre bases de conhecimentos (CHIAVEGATTO,
2009, p. 81).

Antes de conhecermos o conceito de semântica cognitiva, vamos


começar entendendo o que é cognição.

O termo cognição geralmente é empregado para determinar algo


referente à mente ou à percepção que o ser humano tem, resultante de
sua interação com o mundo, descreve Pinto et. al. (2016).

Assim, a semântica cognitiva aborda a comunicação como elemento


decorrente da interação do sujeito e o seu contexto do conhecimento
de mundo, ou seja, procura descrever a funcionalidade da língua no
processo comunicativo, lado a lado a uma representação de mundo em
Semântica do Português 31

movimento, dirigida para o dinamismo mental, no processo de construção


do pensamento, explica Pinto et.al. (2016).

“O objeto de estudo da Semântica Cognitiva é a relação entre o


sentido das palavras e das sentenças as capacidades cognitivas gerais
dos seres humanos” (CANÇADO; AMARAL, 2017 p. 21).

IMPORTANTE:

A língua apresenta-se como um instrumento empregado


para expressar pensamentos e interagir em sociedade,
expõe Chiavegatto (2009).

Conforme Cançado (2008) a semântica cognitiva considera que


o pensamento é organizado por esquemas de imagens, mapeando
domínios conceituais diferentes. Atribui-se a ampliação de conceitos
temporais para outros campos semânticos, em uma relação metafórica.
Figura 7 - Pensamento

Fonte: Pixabay.

Mas o que são esquemas em imagens, você sabe?


32 Semântica do Português

Os esquemas em imagens relacionam-se aos conhecimentos


mais simples de nossa experiência, que são estruturados em imagens
esquematizadas, disponíveis para serem utilizadas em diferentes âmbitos,
explana Chiavegatto (2009).

Perceba a seguinte situação:

Quando falamos que alguém é “unha e carne” com outra pessoa ou


que as atitudes que adota com pessoas são do tipo “fazer barba, cabelo
e bigode”, estamos deixando perceber operações mentais complexas,
que projetam conhecimentos entre domínios linguísticos, cognitivos
e interacionais. Associamos o nosso conhecimento da língua à nossa
vivência de mundo sobre unhas e sua junção à carne ou ainda sobre
irmos ao barbeiro e saímos com nova aparência após termos cortado
os cabelos, feito a barba e aparado os bigodes, exemplifica Chiavegatto
(2009).

NOTA:

Esses conhecimentos obtidos na vida social e na cultura


a que fazemos parte, são projetados entre domínios
diferentes, o do corpo e o dos relacionamentos, e dessas
correspondências novos sentidos são construídos afirma
Chiavegatto (2009).

Cançado (2008) cita o seguinte exemplo: João gastou seu tempo


com Maria. Essa sentença seria metafórica segundo a autora, pois a
interpretação do tempo nessa sentença é de algo que se gasta, ou seja,
de um objeto que pode ser consumido, assim, a interpretação dessa
sentença seria a manifestação de um mapa cognitivo que conduz a noção
do período para uma noção de objetos consumíveis no tempo.
Semântica do Português 33

Figura 8 - Tempo

Fonte: Pixabay

Maia e Santos (2019) consideram interessante observar a afinidade


entre a Semântica Cognitiva e a Semântica Histórico-Filológica na
compreensão da mudança semântica, pois as duas tem interesse na
flexibilidade e na contextualidade do significado, assim como pelos
mecanismos implícitos à mudança semântica e a polissemia, como a
metáfora e a metonímia.

Neste âmbito, metáfora e metonímia não se reduzem à estilística,


pois antes, são mecanismos cognitivos que fazem com que a linguagem
se torne cheia de “extensões semânticas”. Existem metáforas que são
comuns no nosso dia a dia e que permitem o surgimento de expressões
linguísticas que apresentam a forma como entendemos certas situações
do mundo, menciona Pinto et. al. (2016).
34 Semântica do Português

IMPORTANTE:

Quando se estuda a semântica cognitiva, a metáfora e


a metonímia trabalham no mesmo nível cognitivo, não
existindo assim, superioridade de uma em relação à outra
declara Pinto et. al. 2016.

A metáfora acontece quando propriedades de um determinado


domínio são atribuídas a outro domínio, já a metonímia ocorre com a
substituição de um termo por outro quando ambos pertencem ao mesmo
campo lexical, explica Cançado e Amaral (2017). Vejamos alguns exemplos
que estas autoras citam:

EXEMPLO:

O vestibular abre muitas portas. – trata-se de uma metáfora;

Esse professor é muito difícil. – Neste sentido a palavra “professor”


pode indicar a disciplina ministrada pelo professor, tratando-se assim de
uma metonímia.
A mudança semântica envolve necessariamente também
princípios gerais e mecanismos de cognição humana
como a categorização, a prototipicidade, a metáfora
e a metonímia conceptuais, a (Inter)subjectificação e
outras operações de perspectivação conceptual, como
os estudos diacrônicos da semântica cognitiva têm
demonstrado. (MAIA; SANTOS, 2019, p. 97)

Dessa forma, para a semântica cognitiva, é de suma importância


considerar os fatores extralinguísticos, na construção de sentidos, pois
nessa abordagem, a língua está associada ao processo perceptivo
do indivíduo, assim, a linguagem colabora para nossa percepção e
conhecimento do mundo, demonstra Pinto et. al. (2016).

Categorização
McCleary e Viotti (2009) definem a categorização como
sendo a habilidade que possuímos de verificar as semelhanças e
diferenças percebidas que existem entre certas entidades, entre certas
Semântica do Português 35

eventualidades, ou até mesmo entre determinadas relações, de modo a


reuni-las em diferentes grupos.

IMPORTANTE:

A categorização é essencial para compreendermos a


representação do conhecimento e o significado linguístico,
descreve McCleary e Viotti (2009).

Se não possuíssemos essa capacidade de agrupar vários aspectos


de nossa experiência em categorias constantes, a vivência humana
seria desordenada, e não conseguiríamos aprender nada a partir
dela. É exatamente porque somos capazes de agrupar elementos
de nossa experiência em categorias, que podemos identificar que
já os experimentamos alguma vez, e que é possível acessar nosso
conhecimento sobre eles, lembra McCleary e Viotti (2009).

Quando enxergamos dois animais pela primeira vez e reparamos


que eles são bastante semelhantes, criamos uma categoria para agrupa-
los. Ao criarmos a categoria, também será criado um conceito, ou seja,
uma imagem que nos ajudará a reconhecer esses animais, além de
fazer uma distinção entre eles e outros bichos diferentes deles. Depois
de criada essa categoria e esse conceito, incluiremos dentro dela todos
os animais que apresentam alguma semelhança com os que vimos
primeiro, ou seja, uma vez criada a categoria e o conceito, vamos passar
a categorizar certos animais como membros dessa categoria, exemplifica
McCleary e Viotti (2009).

Prototipicidade
McCleary e Viotti (2009) esclarecem que nesse modelo as categorias
são estruturadas a partir dos exemplares que primeiramente vêm à mente
de um grande número de pessoas, quando perguntadas sobre qual seria
um exemplo de membro daquela categoria. Esses melhores exemplares
são chamados protótipos, assim, os protótipos são os elementos centrais
de uma categoria.
36 Semântica do Português

De acordo com Chiavegatto (2009), enquanto nas categorias


tradicionais os elementos que a ela pertencem possuem todos os traços
que a integrem, nas categorias prototípicas há um membro básico ou
central, que contém todas as características da categoria, e membros mais
secundários, que perdem alguns dos traços da categoria, distanciando-se
em maior ou menor escala do membro central ou prototípico.
Figura 9 - Categorias prototípicas

Fonte: Adaptado de Chiavegatto (2009).

EXEMPLO:

Na categoria “aves”, fazem parte os pardais, as galinhas e os


papagaios. O membro prototípico, ou central, seria o pardal, pois tem
penas, voa e pia (características básicas da categoria). No entanto, a
galinha anda e não voa; o papagaio fala, mas não pia. Mas, como têm
Semântica do Português 37

penas e são constituídos de aves, os dois são tão aves quanto os pardais,
exemplifica Chiavegatto (2009).

Faz-se necessário entender que conforme McCleary e Viotti (2009),


em princípio, não há nenhuma regra sobre quanto um elemento pode
se distanciar do protótipo e mesmo assim ser considerado um membro
da categoria. Algumas pessoas podem ser mais observadoras do que
outras, e encontrar semelhanças entre o elemento e o protótipo que
passam despercebidas por outras pessoas. Os mais observadores vão
inegavelmente incluir o elemento na categoria; as outras pessoas vão
inclinar-se a deixá-lo de fora.

Cabe ainda destacar que McCleary e Viotti (2009) informam


que a escolha dos melhores exemplares de uma categoria apresenta
importantes correspondências com certos aspectos de nossa cognição.
Essas correspondências são chamadas efeitos de protótipo, sendo dois
dos efeitos de protótipo citados na literatura:

•• Quando solicitamos às pessoas que façam uma lista dos membros


de uma determinada categoria, os melhores exemplares da
categoria irão aparecer no topo da lista.

EXEMPLO:

Quando pensamos na categoria FRUTA, em um país como o nosso,


o elemento ‘maçã’ geralmente aparece em primeiro lugar.

•• As crianças inclinam-se a pegar primeiramente as palavras que se


referem aos membros prototípicos de uma determinada categoria;
dessa forma, crianças brasileiras tendem a adquirir a palavra maçã
antes da palavra damasco, por exemplo.

Subjetificação e Mudança Semântica


Subjetificação e intersubjetificação compõem procedimentos
bastantes produtivos e constantes de mudança semasiológica, como um
maior envolvimento do locutor pela interferência da sua perspectiva ou
atitude (subjetificação), e ainda como maior destaque da relação entre
o falante e o ouvinte (intersubjetificação). Enquanto as expressões de
38 Semântica do Português

subjetividade reúnem a atitude ou pensamento do falante, os marcadores


de intersubjetividade reúnem a atenção do locutor para o seu interlocutor,
segundo Maia e Santos (2019).

As autoras (Maia e Santos, 2019) citam como exemplo as expressões


“eu acho”, “eu penso”, “eu suponho”, “creio”, as quais podem ser empregadas
tanto para demonstrar a subjetividade do locutor, como também para
identificar necessidades intersubjetivas.

NOTA:

Outros exemplos de intersubjetificação são a seleção de


pronomes pessoais para finalidades dêiticas atitudinais
e sociais e os marcadores de delicadeza, destaca Maia e
Santos (2012).

A subjetivação é, então, o processo pelo qual uma entidade passa


de objeto a sujeito de definição e, portanto, o locutor (ou outro elemento
do ato de fala) deixa de ser um observador externo e passa a fazer parte
do conteúdo de explicação, explica Maia e Santos (2019).

Modelos Cognitivos
Para Maia e Santos (2019), os mecanismos sociais da mudança
semântica são uma contribuição bem menos desenvolvida comparada
às demais. Trata-se da natureza intrinsecamente social do processo
de tornar a semântica convencional, e compreender prósperas áreas
de investigação como a onomasiologia pragmática, a sociolinguística
cognitiva, e o modelo evolucionista da mudança linguística.

As autoras destacam o modelo evolucionista de Croft no qual


mostra como o uso da língua é conveniente da mudança linguística, pois
não são as línguas que se modificam, mas os falantes que as alteram
através das suas ações linguísticas. Assim como a alteração linguística é
um processo de etapas, desse modo é a evolução: a etapa de argumentos
modificada ou inovada, rompendo com a convenção da língua, e a etapa
da seleção ou propagação de alguma das novas variantes linguísticas
criadas, demonstra Maia e Santos (2019).
Semântica do Português 39

Segundo Oliveira (2012), a significação e a estrutura de uma categoria


linguística necessitam de determinadas estruturas de conhecimento
sobre o domínio ou domínios da experiência a que essa categoria está
relacionada. Refere-se a um conhecimento individualmente idealizado,
ou seja, um modelo cognitivo, e de forma interindividual dividido pelos
membros de um grupo social, ou modelo cultural.

NOTA:

É no cenário dos respectivos modelos cognitivos e culturais


que, para a linguística cognitiva, as categorias linguísticas
podem ser adequadamente caracterizadas (OLIVEIRA,
2012).

Neste sentido, faz-se necessário entendermos o que são os


modelos cognitivos idealizados.

Para Oliveira (2012), os Modelos Cognitivos Idealizados (MCI)


são estruturas através das quais nosso conhecimento de mundo está
organizado. São conjuntos de aprendizados guardados na memória
pessoal ou social que se formaram historicamente como uma herança da
espécie humana, ou seja, é um conjunto de informações que o homem
aprendeu a dividir.

Por exemplo, na nossa cultura aprendemos que precisamos nos


comportar em velórios com respeito, pesar, usar roupas pretas, não rir ou
contar piadas. Esse conjunto de informações aprendemos socialmente e
dividimos. Qualquer passagem de informação indica trazer da memória
esses conhecimentos, explica Oliveira (2012).

É essencial para a compreensão de tudo que lemos ou ouvimos,


além de ser importante para a cognição humana, a fim de ajudar na
organização da enorme quantidade de informações que adquirimos
diariamente. Tudo se relaciona a domínios semânticos, que é a forma
como organizamos nosso conhecimento e compreendemos novos
conceitos, esclarece Oliveira (2012).
40 Semântica do Português

NOTA:

Os modelos cognitivos (domínios) têm limites


indeterminados e tendem a integrar-se em redes (OLIVEIRA,
2012).

Quando falamos praia, o que vêm na sua mente?

O modelo cognitivo “praia” (estar na praia) abrange vários contextos


e situações, pode ser prática de esportes, azaração, reunião de amigos,
etc.; e está relacionado a outros modelos cognitivos, por exemplo os do
sol, das férias, da areia, da pesca, etc., informa Oliveira (2012).
Figura 10 - Praia

Fonte: Pixabay

Alguns modelos cognitivos são apenas culturais.

Oliveira (2012) cita o seguinte exemplo: sexta-feira é...

•• O dia seguinte à quinta-feira e o sexto e penúltimo dia da semana


no calendário ocidental e cristão.
Semântica do Português 41

•• O último dia da “semana de trabalho” na cultura ocidental, é o dia


da “saidinha depois do trabalho para o choppinho”.

•• Para os cristãos, o dia em que Cristo foi crucificado.

Os modelos cognitivos sobre um dado objeto ou situação podem


discordar de cultura para cultura como menciona Silva (1997). Este autor
cita o exemplo do protótipo de escrivaninha que, para os europeus a
escrivaninha prototípica tem uma determinada altura, porque nela se
escreve sentado numa cadeira, e tem gavetas, pois serve também para
guardar documentos pessoais e outras coisas, já para os chineses e
japoneses é bem diferente, pois ela caracteriza-se pela ausência destas
duas propriedades, já que eles realizam o ato de escrever sentados no
chão, com as pernas cruzadas.

RESUMINDO:

E agora? Aprendeu mesmo tudinho? Neste capítulo você


deve ter entendido que a semântica cognitiva procura
descrever a funcionalidade da língua no processo
comunicativo, dirigida para o dinamismo mental em um
processo de construção do pensamento, no qual esse
pensamento é organizado por esquemas de imagens
mapeando domínios conceituais diferentes. Viu também
os princípios gerais e mecanismos de cognição humana
que são envolvidos na mudança semântica como a
categorização, a prototipicidade, a metáfora e a metonímia,
a (inter) subjetificação. Por fim você compreendeu os
modelos cognitivos como o modelo evolucionista de Croft,
os modelos cognitivos idealizados e os modelos cognitivos
culturais.
42 Semântica do Português

A Semântica Representacional
Relacionada às Teorias Linguísticas da
Língua Portuguesa
OBJETIVO:

Neste capítulo, você irá compreender a semântica


representacional, suas principais características e sua
relação com as teorias linguísticas da Língua Portuguesa..

A Semântica Representacional
Conforme Cançado (2012), as teorias que abordam o significado sob
a perspectiva representacional, isto é, que entendem o significado como
uma representação mental, não possuindo relação com a referência no
mundo, são conhecidas como teorias mentalistas, ou representacionais,
ou ainda cognitivas.

Cançado (2008) descreve que a semântica representacional é como


um tipo de semântica mentalista, porque entende a mente como uma
representação da realidade, afastando-se assim da semântica formal,
fundamentada em deduções e condições de verdade. A semântica
representacional tem compromisso com a forma das representações
mentais internas, que compõem a estrutura conceitual, e com as relações
formais entre esse nível e os outros níveis de representação (sintético,
fonológico, visual, etc.).

O estudo da representação abrange a união entre linguagem e


construtos mentais que, de alguma forma, representam ou codificam
o conhecimento semântico do falante. Desse modo, possuímos formas
de representar mentalmente o que é significado por nós e pelos outros,
quando falamos, destaca Cançado (2012).

IMPORTANTE:

O ponto principal está em perceber o que os ouvintes


podem deduzir sobre os estados e os processos cognitivos,
as representações mentais dos falantes (CANÇADO 2012).
Semântica do Português 43

Para Chierchia (2003, p. 41), “o significado na abordagem


representacional é essencialmente um modo pelo qual representamos
mentalmente a nós mesmos o conteúdo daquilo que se diz. ” Este
autor menciona os estudos de Rosch no qual evidencia que a ideia que
esclarece o significado no tempo em que a representação mental pode
ser falada em termos de imagens mentais.

Quando pensamos no vocábulo borboleta, conseguimos relacionar


a palavra a uma imagem ou esquema mental já existente na nossa mente.
Contudo, não podemos esquecer que as diferenças de culturas podem
influenciar nesta percepção, demonstrando assim grande relevância e
influenciando na percepção e no pensamento sobre o mundo envolvido.
Depreende-se dessa forma, que de acordo com Chierhia (2003), o
significado de uma sentença seja a imagem mental a ela relacionada.
Figura 11 - Borboleta

Fonte: Pixabay

Em um segundo momento, Chierchia (2003) apresenta uma variante


que se baseia em defender que o significado de uma sentença equivale
ao conceito ou pensamento que relacionamos a ela, ou seja, o significado
está atrelado aos conceitos e não mais às imagens mentais, passando
44 Semântica do Português

a requisitar a existência de algo como uma linguagem de pensamento


interna à mente conhecida como mentalês. O autor considera os conceitos
como sentenças do mentalês e entender uma sentença representa,
basicamente, em traduzi-la para o mentalês.

De acordo com Candiotto (2013, p. 28) o pesquisador chamado Jerry


Fodor, “propõe que todo ser humano dispõe de uma ‘linguagem residente’
inata, o ‘mentalês’ (mentalese), que lhe permite adquirir e operar com as
línguas naturais”.

Assim, Fodor propõe uma linguagem do pensamento inata que


tem como finalidade a utilização de símbolos mentais, possibilitando a
‘geração’ de significados, elemento essencial para a obtenção de uma
linguagem natural. A linguagem do pensamento estabelece, segundo
Fodor, um meio muito produtivo que permite a cumprimento de vários
processos cognitivos como percepção, raciocínio e o mais prioritário
para a condição humana, a aprendizagem da língua, a qual tem como o
linguajar do pensamento a sua principal condição, isso faz com que possa
ser explicado o fato de como uma criança constitui um extenso conjunto
vocabular, que lhe permite uma comunicação satisfatória com falantes de
mesma língua, em um curto prazo de tempo.

IMPORTANTE:

Para Fodor, o mecanismo intelectual primitivo dos


seres humanos compõe um conjunto completo de
representações, sobre as quais formas novas de informação
podem ser esquematizadas quando o indivíduo está em
contato com o mundo, explícita Candiotto (2013).

A semântica representacional distingue da semântica cognitiva no


sentido do não abandono do nível de representação sintático, ao uso do
formalismo em detrimento do funcionalismo, ao procurar colocar seus
resultados na psicologia perceptual e, enfim, ao assumir a possibilidade
de estruturas conceituais inatas, esclarece Cançado (2008).
Semântica do Português 45

NOTA:

As pessoas conseguem se entender porque possuem a


capacidade de refazer as representações mentais nas quais
os outros se apoiam para falar (CANÇADO, 2012).

O sucesso da comunicação não depende de formar a mesma


ligação entre as situações do mundo, mas sim, apenas da divisão de
representações. Parece ser verdade a afirmação de que se a nossa fala
sobre o mundo funciona tão bem é por causa das semelhanças básicas
das nossas representações mentais, explica Cançado (2012).

Cançado e Amaral (2017) citam o seguinte exemplo: Eu sou o


homem mais rico do mundo.

De acordo com a abordagem representacional pode-se falar que a


expressão descreve um estado do participante denotado por “eu”, como
também pode-se examinar o sentido do adjetivo “rico”, indicando seus
possíveis sentidos e a relação entre eles, podendo ser rico financeiramente,
rico de saúde, rico de amor, etc., analisa Cançado e Amaral (2017).
Figura 12 - Rico
46 Semântica do Português

Fonte: Pixabay

Importante destacar que segundo Cançado e Amaral (2017) a


semântica lexical encaixa-se na abordagem representacional, pois
nessa área de estudo existe uma preocupação em relacionar a língua
à representações mentais, e não ao mundo. Dentro da abordagem
representacional, o foco da semântica lexical é sugerir análises teóricas e
descrições dos sentidos dos itens lexicais como representações mentais.

Papéis Temáticos
As teorias de semântica representacional versam sobre um ponto
muito relevante chamado de papéis temáticos.

Segundo Cançado (2008) os papéis temáticos quando observados


através da ótica semântica também são assumidos como representações
mentais: são noções que dizem respeito à ligação entre conceito mental
e sentido. Um importante ponto concernente aos estudos dos papéis
temáticos é a relação do evento com a estrutura conceitual, e da estrutura
conceitual mental com sintaxe.

A autora afirma que esse assunto foi abordado primeiramente por


nomes como os de Gruber, Filmore e Jackendoff, sob a justificativa de
que as funções gramaticais de sujeito, objeto e outras não são suficientes
para traduzir determinadas relações existentes entre algumas expressões
como:

•• ”João abriu a porta com a chave”.

•• “A chave abriu a porta”.

•• “A porta abriu”.

Você percebe alguma relação de dependência nessas expressões?


Figura 13 - Dependência
Semântica do Português 47

Fonte: Pixabay

Nestas expressões a palavra ‘porta’ apresenta-se como paciente


de uma ação, assumindo assim a mesma função semântica em todas
as situações. Contudo, quando falamos na função sintática, a terceira
expressão é exercida como sujeito e as demais como objeto.

Quando observamos a palavra ‘chave’ percebemos que ela


desempenha a mesma função semântica na primeira e na segunda
sentença, que é ser um instrumento de ação. Já em termos de função
sintática, a primeira aparece como adjunto e a segunda como sujeito.

Observe então que, apesar de os sujeitos serem diferentes nas


expressões citadas, as orações não são diferentes e sem relação, existindo
assim, algum tipo de dependência nessas sentenças entre o verbo ‘abrir’
e os elementos ‘Joao, porta e chave’, informa Cançado (2008).

Esses elementos, relacionados pelo verbo, assumem uma


determinada função semântica dentro da sentença. Observe que na
primeira sentença João exerce a função semântica de ser o agente da
ação de abrir; já a palavra ‘porta’ nas duas últimas sentenças possuem a
função semântica de ser o paciente da ação, sofrendo a ação de abrir. E
48 Semântica do Português

A ‘chave’ nas duas primeiras sentenças tem a função semântica de ser o


instrumento da ação de abrir, esclarece Cançado (2008).

Dessa forma, a dependência está nas relações de sentido que se


constituem entre o verbo e seus argumentos (sujeito e complementos),
o verbo, constituindo uma relação de sentido com seu sujeito e seus
complementos, conferindo-lhes funções, um papel para cada argumento.
São a essas funções que chamamos de papéis temáticos, destaca
Cançado (2008).

NOTA:

Na literatura há vários nomes para essas relações


semânticas, alguns estudiosos chamam de semânticos
profundos, outros de relações temáticas, já outros chamam
de papéis semânticos. Cançado (2008, 2012) prefere adotar
a denominação papéis temáticos.

Conforme Cançado (2008), não existem apenas casos referente


às ações como nos exemplos anteriores, mas também associados a
sentimentos, sensações, percepções, capacidade de relações com
as coisas, isto é, além dos casos de ação, existem os casos mentais e
outros que podem ser classificados como relacionais. Os casos mentais
manifestam uma experiência, seja psicológica, perceptiva ou cognitiva.

Vejamos alguns exemplos citados pela autora:

•• ”João ama Maria.” (Experiência psicológica).

•• “João enxergou a luz no fim do túnel.” (Experiência perceptiva).

•• “João acreditou no jornal.” (Experiência cognitiva).

O primeiro ponto que devemos observar nessas sentenças é o fato


de que João não exerce o papel de agente dessas situações, pois ele
unicamente passa por um processo de experiência mental.

Vamos entender melhor.

O que João fez foi amar Maria? Enxergou a luz no fim do túnel?
Acreditou no jornal?
Semântica do Português 49

Percebe que não é ação de amar, enxergar e acreditar? Mas sim


uma experiência mental.
Figura 14 - Experiência mental

Fonte: Pixabay

Quanto aos processos relacionais, também é impossível pensar no


sujeito como possuindo o papel de agente do processo, ou mesmo tendo
o papel de experienciador desse processo.

Outro ponto que devemos observar é que a cada tipo de verbo são
associados diferente papéis temáticos.

EXEMPLO:

O verbo “matar” pode ser agente e ou paciente, contudo o verbo


“morrer” só pode ser paciente.

Essas informações a respeito dos papéis temáticos dos verbos


fazem parte do conhecimento semântico da língua que o falante adquire,
assim, espera-se que essas informações estejam estocadas no léxico.

Portanto, não devemos ter informações somente a respeito do


número e do tipo sintático dos complementos que um verbo pede, isto é,
50 Semântica do Português

a sua transitividade, como também devemos saber que tipo de conteúdo


semântico esse complemento tem, se ele é agente ou paciente por
exemplo. São essas informações que orientam a formação das sentenças
na sintaxe, ilustra Cançado (2008).

NOTA:

Na literatura da gramática gerativa a lista de papéis


temáticos é geralmente chamada de grade temática.

Vamos observar o verbo ‘colocar’:

COLOCAR: V – Agente, Tema, Locativo –

Cançado (2008) explica que nessa situação a grade temática nos


dá a informação de que este verbo tem dois complementos, sendo
assim bitransitivo. Traz também o sujeito que é o elemento sublinhado,
introdução a informação semântica que existe um agente, um tema e
um locativo, que são as relações semânticas constituídas entre o verbo
’colocar’ e seus argumentos. Essas informações antecipam que esse
verbo, quando completado deve formar uma sentença.

EXEMPLO:

Maria colocou o livro na estante.

Nesta sentença todos os sintagmas estão especificados na grade


temática de ‘colocar’ descrita anteriormente. Verbo bitransitivo, Agente,
Tema, Locativo.

É fundamental entender também que nem sempre todos os


sintagmas irão fazer parte da grade temática do verbo. Aos papeis
temáticos que fazem parte da grade temática do verbo chama-se de
argumentos, sujeito e complementos, aos que não são especificações do
verbo chama-se de adjunto, menciona Cançado (2008).

Cançado (2008) ainda destaca que esse ponto de adjunção e


complementação é pouco clara na literatura linguística e bastante
Semântica do Português 51

complicada, contudo, temos sempre que nos valer dessas noções nas
análises, pois intuitivamente todos concordam que elas existem.

RESUMINDO:

Neste capítulo você deve ter compreendido que a


semântica representacional entende o significado como
uma representação mental abrangendo a união entre
linguagem e construtos mentais que representam o
conhecimento semântico do falante, que o sucesso da
comunicação não depende de formar a mesma ligação
entre as situações do mundo, mas sim, apenas da divisão
de representações. Conheceu a diferença existente entre
a semântica representacional e a semântica cognitiva. Viu
também o significado na abordagem representacional de
acordo com Chierchia e os estudos de Jerry Fodor. Por
fim, entendeu os papéis temáticos que são noções que
dizem respeito à ligação entre conceito e sentido, existindo
dependência entre o verbo e seus argumentos e que cada
tipo de verbo é associado a diferentes papéis temáticos,
mas que sempre todos os sintagmas irão fazer parte da
grade temática do verbo.
52 Semântica do Português

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