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Psicologia da

Personalidade

Teoria Existencial da Personalidade


Diretor Executivo
DAVID LIRA STEPHEN BARROS
Gerente Editorial
CRISTIANE SILVEIRA CESAR DE OLIVEIRA
Projeto Gráfico
TIAGO DA ROCHA
Autoria
DENIZE MASCARENHAS
AUTORIA
Zilma Denize Bezerra Mascarenhas
Sou formada em Psicologia e em Enfermagem, com mestrado na
área de Saúde do Adulto e alguns Cursos de Especialização (Psicologia
Positiva, Dependência Química e Neuropsicologia). Tenho experiência
técnico-profissional de mais de 30 anos na área de saúde mental e
psiquiatria. Trabalhei como profissional de saúde pelo Ministério da
Saúde na assistência a portadores de transtorno mental em hospital
psiquiátrico e CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) na cidade do Rio de
Janeiro. Tenho experiência profissional na docência do ensino superior,
atuando como professora substituta em Universidades Públicas como
UFRJ e UERJ e como professora contratada em universidades privadas
como UNISUAM e Universidade Estácio de Sá (UNESA) nos cursos de
graduação de Psicologia, Enfermagem e Direito. Também pela UNESA
tive a oportunidade de ser autora de capítulo de livro didático e de ser
revisora de livro didático. Atualmente atuo como Psicóloga Clínica em
Avaliação Psicológica e Aplicação de Testes Psicológicos. Sou apaixonada
pelo que faço e adoro transmitir minha experiência de vida àqueles que
estão iniciando em suas profissões. Por isso, fui convidada pela Editora
Telesapiens a integrar seu elenco de autores independentes. Estou muito
feliz em poder ajudar você nesta fase de muito estudo e trabalho. Conte
comigo!
ICONOGRÁFICOS
Olá. Esses ícones irão aparecer em sua trilha de aprendizagem toda vez
que:

OBJETIVO: DEFINIÇÃO:
para o início do houver necessidade
desenvolvimento de de se apresentar um
uma nova compe- novo conceito;
tência;

NOTA: IMPORTANTE:
quando forem as observações
necessários obser- escritas tiveram que
vações ou comple- ser priorizadas para
mentações para o você;
seu conhecimento;
EXPLICANDO VOCÊ SABIA?
MELHOR: curiosidades e
algo precisa ser indagações lúdicas
melhor explicado ou sobre o tema em
detalhado; estudo, se forem
necessárias;
SAIBA MAIS: REFLITA:
textos, referências se houver a neces-
bibliográficas e links sidade de chamar a
para aprofundamen- atenção sobre algo
to do seu conheci- a ser refletido ou dis-
mento; cutido sobre;
ACESSE: RESUMINDO:
se for preciso aces- quando for preciso
sar um ou mais sites se fazer um resumo
para fazer download, acumulativo das últi-
assistir vídeos, ler mas abordagens;
textos, ouvir podcast;
ATIVIDADES: TESTANDO:
quando alguma quando o desen-
atividade de au- volvimento de uma
toaprendizagem for competência for
aplicada; concluído e questões
forem explicadas;
SUMÁRIO
Teoria Existencial (Sören Kierkegaard)............................................... 10
Um Rápido Passeio pelo Existencialismo......................................................................10
Principais Filósofos Existencialistas.................................................................................... 12
Principais Características do Existencialismo.............................................................. 14
Teoria Existencial de Sören Kierkegaard......................................................................... 14
Os Três Modos de Vida de Kierkegaard......................................................................... 20
Reich e a Psicologia Corporal................................................................. 22
A Visão Psicanalista de Wilhelm Reich............................................................................ 22
Os Conceitos de Wilhelm Reich............................................................................................25
A Personalidade na Visão Reichiana..................................................................................28
Etapas do Desenvolvimento Infantil................................................................29
A Psicoterapia Reichiana.............................................................................................................32
Conceito de Personalidade para Heidegger.................................... 34
Mais um Pouco sobre o Existencialismo........................................................................34
Martin Heidegger e o Existencialismo..............................................................................37
Traços Existenciais.......................................................................................................................... 38
Daisen:.................................................................................................................................. 38
Existência:.......................................................................................................................... 39
Temporalidade:.............................................................................................................. 39
Morte..................................................................................................................................... 40
A Linguagem para Heidegger................................................................................................ 41
Essência da Verdade.....................................................................................................................43
A Integração entre os Conceitos da Psicologia da
Personalidade................................................................................................46
Falando de Personalidade........................................................................................................ 46
O Desenvolvimento da Personalidade Descritos em Etapas......................... 48
Conceitos de Desenvolvimento da Personalidade.................................................52
Psicologia da Personalidade 7

04
UNIDADE
8 Psicologia da Personalidade

INTRODUÇÃO
O estudo da Psicologia da Personalidade é uma área que levanta
ainda muitos questionamentos. O que é personalidade? Herdamos nossa
personalidade ou ela é formada a partir das vivências no meio ambiente em
que estamos? Como começou o interesse pelo estudo da personalidade
humana? Como entendemos personalidade hoje? Podemos mudar nossa
personalidade?

Essas respostas são o alvo do nosso trabalho. Estudarmos as principais


teorias de personalidade vai ajudar a compreender melhor o funcionamento
do ser humano, objeto de cuidado do psicólogo. Entender o processo de
formação da personalidade sob o olhar de autores de várias abordagens e
correntes da psicologia vai permitir aumentar o universo de conhecimento
para facilitar o seu desempenho didático como aluno e seu desempenho
profissional como psicólogo.

Então, lançamos o desafio de convidar você a se dedicar ao conteúdo


desta disciplina. Teremos uma série de oportunidades para o exercício do
pensamento crítico embasado em conhecimento científico. Mergulhe no
universo da Psicologia da Personalidade! Bons estudos!
Psicologia da Personalidade 9

OBJETIVOS
Olá. Seja muito bem-vindo à Unidade 4. Nosso objetivo é auxiliar
você no desenvolvimento das seguintes competências profissionais até o
término desta etapa de estudos:

1. Abordar a Teoria Existencial de Sören Kierkegaard.

2. Identificar os aspectos discutidos por Reich e a Psicologia Corporal


na construção da personalidade.

3. Entender o conceito de personalidade discutido por Heidegger.

4. Integrar os conhecimentos estudados da psicologia da


personalidade.
10 Psicologia da Personalidade

Teoria Existencial (Sören Kierkegaard)


OBJETIVO:
Ao término deste capítulo, você será capaz de entender
como os estudos da visão existencialista pensaram no
homem. Veremos alguns filósofos importantes dessa
corrente filosófica e nos deteremos nos estudos de Sören
Kierkegaard - nas suas visões do homem e a constituição
de sua existência com responsabilidade de escolha e
as consequências da liberdade do livre arbítrio. E então?
Motivado para este novo enfoque da personalidade? Então
vamos lá. Avante!.

Um Rápido Passeio pelo Existencialismo


O  existencialismo  foi caracterizado como uma corrente filosófica e
movimento intelectual que surgiu em meados do século XIX, entre as duas
Guerras Mundiais (1918-1939) na Europa, mais especificamente, na França.

Sua doutrina tinha como ideia principal a análise da existência do


homem, isto é, como cada ser humano primeiramente existe e depois
como passa pela vida mudando sua essência.

IMPORTANTE:
Para o Existencialismo, o homem existe e sua existência já
é suficiente para que exista sem que outra circunstância
precise provar esse fato. A existência humana é, portanto,
o principal objeto dos pensamentos e teorias.

O homem existe e constrói sua essência individual a partir da


liberdade que tem para fazer escolhas. Para os filósofos existencialistas,
a liberdade de escolha é um fenômeno gerador, uma vez que só o
homem é responsável pelo sucesso ou fracasso de suas escolhas. A
vida tem sentido por meio da liberdade incondicional, da escolha e da
responsabilidade pessoal.
Psicologia da Personalidade 11

Figura 1 - As escolhas

Fonte: Freepik

SAIBA MAIS:

O Existencialismo tem como precursores nomes de


filósofos importantes como Sócrates, Santo Agostinho
e Maine de Bitan, mas tem sua origem a partir das ideias
de Sören Kierkegaard, que entendia o homem como um
sujeito implicado na sua própria reflexão e não limitado a
uma objetivação abstrata da realidade.

Os filósofos existencialistas defendiam a tese de que a vida e a


existência eram fundamentais para o acúmulo gradual de conhecimento.
As pessoas eram capazes de construir seus próprios caminhos e suas
concepções de vida no decorrer de suas existências.

No entanto, a busca constante de conhecimento não era suficiente


para que as pessoas entendessem suas existências ou as coisas que
viessem a acontecer com elas. A essa falta de respostas os filósofos
existencialistas chamavam de angústia existencial.
12 Psicologia da Personalidade

Principais Filósofos Existencialistas


•• Sören Kierkegaard: no final do século XIX e início do século XX,
apresenta as primeiras ideias sobre a filosofia existencialista.
Influenciados por ele, alguns outros filósofos passaram a
desenvolver trabalhos nesse campo.

SAIBA MAIS:

Kierkegaard era um filósofo da chamada ala cristã que


defendia o livre arbítrio do homem. Sobre esse filósofo, nos
deteremos mais um pouco ainda neste capítulo.

•• Jean Paul Sartre: defendia os princípios da liberdade de escolha


como força geradora e elemento de total responsabilidade
individual. Além disso, afirmava que a pessoa era a única
responsável pelos seus fracassos e sucessos. Casado com Simone
de Beauvoir, Sartre foi um dos mais conhecidos filósofos franceses.

•• Simone de Beauvoir: estudou Filosofia na Universidade de


Sorbonne. Associou as ideias de liberdade de escolha pregada
pelo Existencialismo ao feminismo. Pregava que a mulher era livre
para fazer escolhas e não tinha um destino biológico e sim social.
Para ela “não se nasce mulher: torna-se”.

Mesmo com a imposição social para a mulher ser esposa, mãe


ou qualquer outro destino ligada à condição de ser do sexo feminino, a
mulher se torna mulher pelo seu papel social.

•• Albert Camus: esse filósofo argelino dedicou-se ao absurdismo,


um ramo do Existencialismo que discutia os vários absurdos que
envolvem a existência e que ocorrem na vida das pessoas.

•• Martin Heidegger: esse filósofo alemão propunha que os


questionamentos filosóficos deveriam ser centrados no próprio
ser.
Psicologia da Personalidade 13

VOCÊ SABIA?

O existencialismo se desenvolveu em dois pontos de


vista: existencialismo ateu e existencialismo cristão. O
representante principal do existencialismo ateu é  Sartre e
do existencialismo cristão é Kierkegaard.

Existencialismo ateu: uma vez que considera a inexistência de


Deus, entende que todo o fundamento do Universo desaparece. Isso dá
origem à subjetividade da moral. Dessa forma, aparece um sentimento
de angústia que mostra a fragilidade do homem e sua responsabilidade
diante de qualquer atitude, assim como a necessidade de decisões sobre
um autoprojeto individual ou compromisso social.

Existencialismo cristão: considera a união transcendente de Deus


e do homem na pessoa de Jesus Cristo. A comunhão e o relacionamento
pessoal com Deus promove a transcendência moral da presença absoluta.
O existencialismo cristão defendia a consciência das escolhas humanas.
Responsável pelas decisões, o homem deixa de ser uma pessoa óbvia
para si mesma e questiona sua existência diante de Deus.
Figura 2 - Existencialismo Cristão: homem diante de Deus

Fonte: Freepik
14 Psicologia da Personalidade

Principais Características do
Existencialismo
A partir das ideias de Soren Kierkegaard, o Existencialismo atinge o
apogeu na década de 1950, na França, com a publicação dos trabalhos
de Heidegger e Sartre. Mesmo marcada por ideias próprias de cada um
dos filósofos, o Existencialismo reúne algumas características que podem
ser definidas como comuns entre eles:

•• A existência vem sempre antes da essência.

•• A essência humana é construída a partir das escolhas individuais.

•• A liberdade de escolhas é incondicional.

•• O indivíduo é o único responsável por suas próprias escolhas.

•• As escolhas levam, inevitavelmente, a perdas.

•• As escolhas e a vida levam a um estado de desespero e angústia


existencial.

Teoria Existencial de Sören Kierkegaard


Sören Aabye Kierkegaard nasceu em Copenhague, na Dinamarca,
em 1813. Ele foi o mais novo de uma família de oito filhos e sofreu grande
influência das convicções religiosas do pai, um agricultor e católico
fervoroso.

O sentimento religioso foi profundo da vida de Kierkegaard e


foi a motivação para iniciar o curso de Teologia na Universidade de
Copenhague, que depois resolveu abandonar e se voltar para Filosofia.

Kierkegaard escolheu viver sozinho para dedicar-se à fé religiosa e


acredita-se que as suas racionalizações filosóficas, também consideradas
românticas, eram a sua forma de justificar para si e para os outros sua
opção pela vida solitária.
Psicologia da Personalidade 15

Como já dissemos, Kierkegaard foi considerado o pai do Existencialismo,


uma corrente filosófica que trazia à discussão propósitos, causas e
consequências das decisões e atitudes do homem, dentro da sua realidade
individual. Entendia que tomar consciência e questionar as exigências feitas
pela sociedade é essencial para se viver de maneira autêntica.

O Existencialismo pensava o homem como alguém que decide a


sua existência, que constrói a sua realidade e não como um expectador
da vida, com destino traçado desde o nascimento até a morte.
Figura 3 - O homem faz escolhas e decide sua vida

Fonte: Freepik

IMPORTANTE:
A principal diferença na visão existencialista era a abordagem
das experiências individuais e pessoais e não o ponto de
vista universal como era o entendimento na época.

Alguns estudos pensam o Existencialismo como uma corrente


ateísta, mas, apesar de ter alguns de seus pensadores declaradamente
ateus como Sartre, Camus e Nietzsche, essa não é uma afirmativa correta.
Kierkegaard, como vimos, era um cristão praticante que fazia críticas a
alguns princípios religiosos rígidos e afastados da espiritualidade e que
dizia que um cristão deve agir como um cristão.
16 Psicologia da Personalidade

Assim, partindo da ideia de que o homem é o único responsável por


viver de modo apaixonado e íntegro, dando um significado sincero à sua
existência, Kierkegaard descreve alguns obstáculos que podem dificultar
este objetivo e para os quais deve estar atento.

•• Distrações existenciais: desespero, absurdo, alienação e tédio.

•• Desespero.

O desespero está presente na relação fantasiosa da pessoa consigo


mesma. Considera que é pior que a morte porque é um mal para o qual
não há cura já que está presente na imaginação da pessoa.

SAIBA MAIS:

Para Kierkegaard, não existia sequer uma pessoa que


fosse isenta de desespero: que não tivesse inquietação,
perturbação, desarmonia, medo do desconhecido, medo
de um evento externo ou medo de si mesmo. Por isso,
dizia que todas as pessoas vivem um estado latente de
enfermidade.

Figura 4 - Pessoas em estado latente de enfermidade

Fonte: Freepik
Psicologia da Personalidade 17

•• Absurdo

O absurdo é o contraditório, é algo sem sentido. É basicamente


o conflito entre a tendência de buscar o significado da vida e a falta de
habilidade para encontrar esse significado. A busca do significado da vida
leva a pessoa a entender que a vida não tem sentido ou que o sentido da
vida é conduzido por uma força maior. O absurdo não é algo logicamente
impossível, mas é humanamente impossível, uma vez que o sentido do
mundo é o significado que a pessoa dá a ele.

•• Alienação

A alienação é a falta de consciência que uma pessoa pode ter da


responsabilidade de escrever a sua própria história. Uma pessoa alienada
nega sua existência, anula-se, vive o mistério de ser ou não ser. Para
algumas pessoas seguir ordens de forma passiva e consentir com outras
pessoas seria mais fácil que tomar decisões porque requereria menos
esforço emocional.

SAIBA MAIS:

Kierkegaard entendia que o maior exemplo de alienação


eram os meios de comunicação em massa, já que
buscavam as verdades nas maiorias e não nas minorias,
onde as verdades seriam encontradas. Para ele, as minorias
sempre tinham opiniões, enquanto as maiorias tinham
forças ilusórias.

Outro ponto importante ligada à alienação era a explicação para os


genocídios e lavagens cerebrais que levavam as pessoas às guerras sem
sequer questionar as ordens.

•• Tédio.

O tédio era a raiz de todos os males. O tédio era o mal responsável


pelos problemas desde o início do mundo: os deuses entediados criaram o
homem, o tédio da solidão de Adão fez Eva ser criada e consequentemente
o aumento da população fez o tédio aumentar no mundo.
18 Psicologia da Personalidade

Figura 5 - O tédio

Fonte: Freepik

•• Angústia.

É o medo e a frustração que o conflito entre as responsabilidades


consigo próprio e com princípios e valores seus e das demais pessoas
causa. Tomar decisões tem base na liberdade de escolher. Escolher fazer
algo ou não fazer nada leva a um sentimento de angústia. Não existe
qualquer decisão sem vir acompanhada de angústia, porque sempre gera
um conflito interno. Gera conflito porque toda escolha tem consequências.
Assim, Kierkegaard afirmava que a liberdade de escolha não era razão
para a felicidade, mas uma sensação de angústia.
Figura 6 - Angústia

Fonte: Freepik
Psicologia da Personalidade 19

SAIBA MAIS:

Kierkegaard entendia que uma pessoa é responsável pelo


seu próprio destino e não deve buscar um caminho ideal ou
correto para os outros, mas se preocupar em providenciar
sua própria história de vida. Para ele, a liberdade de escolha
presume possibilidades e consequentes imprevisibilidades
no futuro.

A importância da liberdade de escolha e a busca pessoal por


significado da vida e por um propósito de vida são a base do Existencialismo
de Kierkegaard.

•• Verdades existenciais.

Para Kierkegaard, a existência é a única verdade, mas não é lógica.


Se a existência não é lógica mas é real, então a verdade não é objetiva.
A verdade é, então, subjetiva. A verdade subjetiva é um construto da
intensidade da fé. Quanto maior a crença, mais verdadeiro é o objeto do
conhecimento.

Nessa dialética semelhante à de Sócrates, Kierkegaard dizia que as


verdades essenciais estão fora do alcance objetivo do homem, e, por isso,
surgem em forma de tensão. Ideias novas são provenientes de paradoxos
e não há como solucioná-las. Para ele, a verdade é verdadeira para a
pessoa, a verdade é o que convém, por isso, conhecer a verdade é um
ato de fé, não um ato da razão.

A subjetividade da verdade traz um liberdade ilimitada e não pode


ser provada porque a necessidade da lógica para prová-la é o oposto da
verdade.
20 Psicologia da Personalidade

Os Três Modos de Vida de Kierkegaard


Kierkegaard divide a existência humana em três categorias ou
estágios:

•• Estágio estético: o prazer é o alvo da vida. Não existe envolvimento


profundo em relacionamentos, não há obrigatoriedades, não há
compromisso com o outro. Há ilusão de que na existência só há
prazer, mas a angústia aparece porque está presente na vida de
todos os homens. A busca de realização de todas as possibilidades
e da fuga permanente do tédio gera satisfação transitória e, em
última instância, desespero.

•• Estágio ético: é o estágio do dever, da honra, das regras, das


obrigações. É o papel do trabalhador exemplar, do pai devotado,
das pessoas que levam tudo a sério. A vida ética é aquela da
intensidade dos deveres, do reconhecimento das consequências
e responsabilidades das escolhas e a preocupação toma conta da
vida.

•• Estágio religioso: estágio de profunda relação com Deus. O futuro


eterno do homem religioso é mais importante que a vida terrena,
que é momentânea. Não é possível viver completamente na
eternidade caso se esteja preso ao mundo por meio de um corpo.
A prioridade é pela vida humilde, não submetida à ética, mas sim
submetida à Deus.

Kierkegaard não pensava que esses estágios fossem etapas a serem


superadas. Acreditava, na verdade, que essas eram diferentes formas de
existir, uma vez que cada estágio é caracterizado por uma perspectiva
diferente. São estágios distintos em termos existenciais, regidos por uma
alternativa que intitulou: ou um ou outro. São alternativas existenciais e
não racionais.
Psicologia da Personalidade 21

RESUMINDO:

Neste capítulo, estudamos que a Psicologia Existencial


tem conceitos filosóficos que discutem a existência
do homem. O fundador dessa corrente de estudos é o
filósofo dinamarquês Sörem Kierkegaard, que dizia “Existo,
logo penso” numa modificação da famosa frase de René
Descartes: “Penso, logo existo”.

A marca principal da filosofia do Existencialismo é a liberdade


e responsabilidade da pessoa no que diz respeito às suas escolhas e
decisões, colocando-a no centro da sua existência. Mesmo que pareça
uma corrente de pensamento que elimina Deus e a fé, isso não é a sua
verdade. A crença em Deus não elimina a decisão humana sobre sua vida.
Kierkegaardrd pregava o princípio do livre arbítrio, uma vez que entendia o
homem como único responsável em dar significado à sua vida e vivê-la de
maneira íntegra, sincera e apaixonada, apesar da existência de obstáculos
vitais.
22 Psicologia da Personalidade

Reich e a Psicologia Corporal

OBJETIVO:

Ao término deste capítulo, você será capaz de compreender


como Wilhelm Reich descreveu a psicoterapia orientada
para o corpo. O seu trabalho terapêutico enfatizava a
importância dos aspectos físicos do caráter da pessoa, em
especial, os modelos de tensão crônica. Também trabalhou
com os aspectos de como a sociedade desempenha o
papel de inibição dos sentidos, em particular os instintos
sexuais do ser humano. Reich foi considerado um estudioso
que colocou em prática as questões revolucionárias da
teoria psicanalítica. E então? Vamos começar este estudo? .

A Visão Psicanalista de Wilhelm Reich


Wilhelm Reich foi um psicanalista, nascido na Áustria em 1847.
Estudou medicina na Universidade de Viena onde entrou na Sociedade
Psicanalítica e começou a praticar a psicanálise. No ano em que se
formou, em 1922, Freud fundou uma Clínica Psicanalista e Reich foi seu
primeiro assistente clínico, tornando-se diretor na Clínica.

VOCÊ SABIA?
O relacionamento profissional de Freud e Reich ficou
abalado quando Freud não aceitou ser terapeuta de
Reich e ainda por causa do distanciamento teórico que se
estabeleceu entre eles pelo envolvimento de Reich com
teoristas marxistas e suas convicções de que as neuroses
eram fundamentadas na falta de satisfação sexual.

A partir dos estudos psicanalíticos de Freud, Reich criou uma nova


abordagem terapêutica que envolvia as intervenções verbais, com base
na fundamentação psicanalítica, e de forma simultânea, as intervenções
corporais, isto é, os processos orgânicos e energéticos do corpo.
Psicologia da Personalidade 23

A essa abordagem terapêutica chamou inicialmente de


Vegetoterapia Caractero-Analítica, depois de Orgonoterapia e atualmente
é chamada de Psicoterapia Reichiana.

Seus estudos iniciais se deram a partir da análise que fazia do


conteúdo da fala dos seus clientes, do tom de voz, da forma como se
expressavam durante os atendimentos, e das suas expressões corporais,
a postura, os gestos, as expressões faciais, a forma como olhavam.

Algumas vezes, os pacientes eram levados a descrever as


sensações corporais. Outras vezes eram orientados a mudar sua postura
ou determinada expressão corporal por meio do toque, de movimentos
ou expressões.

SAIBA MAIS:

Seus métodos de intervenção corporal incluíam respiração


profunda, movimentos oculares, sonorização, expressão
facial, expressão de emoções e vários outros.

Reich acreditava que as alterações dos componentes corporais


eram mecanismos de defesa do ego e que a dissolução dos bloqueios
corporais levava à lembrança de memórias reprimidas, de reações
emocionais e respostas vegetativas ligadas aos sistemas nervosos
simpático e parassimpático.

O sistema nervoso autônomo tem duas divisões: o sistema nervoso


simpático e o sistema nervoso parassimpático. O sistema nervoso
simpático é o responsável por preparar o organismo para responder
a situações de estresse e emergência: aumenta a frequência cardíaca,
aumenta a pressão arterial, libera adrenalina, contrai e relaxa os músculos,
dilata os brônquios, dilata as pupilas e aumenta a transpiração. O sistema
nervoso parassimpático é responsável por fazer o corpo voltar ao estado
de calma: controla a respiração, diminui a frequência cardíaca, diminui a
pressão arterial, diminui adrenalina, diminui a glicose, controla o tamanho
das pupilas.
24 Psicologia da Personalidade

Figura 7 - Sistema Simpático e Parassimpático

Fonte: Freepik
Psicologia da Personalidade 25

Grande parte do trabalho de Reich era fundamentado na teoria


psicanalista, a partir do manejo clínico de transferência e resistência,
de modo a desenvolver a análise do caráter e couraça caracterológica.
Acreditava que o caráter de uma pessoa incluía padrões de defesa
consistente e habitual. Esse estudo foi uma das mais importantes
contribuições para a abordagem clínica da Psicanálise.

Realizou pesquisas clínicas na Universidade de Oslo sobre a


dinâmica biopsíquica das emoções, e desenvolveu estudos experimentais
sobre encouraçamento, isto é, a existência da associação entre soma
(corpo) e psiquismo.

Outro estudo derivado da concepção freudiana de libido foi o estudo


de energia vital ou orgônica numa correlação dos conceitos freudianos de
libido e energia psíquica com a sexualidade.

SAIBA MAIS:
Reich foi um pioneiro nos estudos de fenômenos
psicossomáticos. Suas pesquisas enfatizavam o
envolvimento psíquico nas doenças orgânicas e o
envolvimento das disfunções corporais no caráter neurótico
e nas psicopatologias.

Os Conceitos de Wilhelm Reich


Como já falamos, Reich foi um psicanalista seguidor fiel dos
princípios de Freud, a partir dos quais desenvolveu seus estudos e alguns
conceitos que podem considerados controversos se comparados aos
conceitos freudianos.

•• Neurose: acreditava que o princípio da neurose estava nos conflitos


de poder das relações sociais e nas implicações psicológicas e
emocionais das pessoas.
26 Psicologia da Personalidade

Figura 8 - Neurose

Fonte: Freepik

•• Repressão: defendia a tese de que a repressão que uma pessoa


sentia era evidenciada fisicamente em seu corpo na forma de
tensão. Assim, com o passar do tempo, essa tensão acabava por
se manifestar em dores e doenças crônicas.

•• Palavra: entendia que a repressão não poderia ser tratada apenas


pela palavra, como defendia a Psicanálise Freudiana, mas que o
tratamento também deveria ser realizado no campo físico, atuando
no corpo de forma efetiva.

•• Repressão x Armadura Corporal x Orgasmo: considerava que


a armadura corporal atuaria como um bloqueio ao orgasmo
completo. Assim, libertar-se da repressão seria muito difícil.

•• Sentimentos livres: entendia que o amadurecimento das relações


amorosas seria possível se houvesse amadurecimento da livre
expressão dos sentimentos emocionais e sexuais.

•• Sexo é cura: a energia reprimida seria manifestada nas relações


sexuais, o que tornaria as pessoas livres e a sociedade melhor.

•• Formação do caráter: a ansiedade infantil e o medo viriam da


punição da sexualidade.

•• Explosão energética: depois dos tratamentos propostos por Reich,


a energia psíquica poderia fluir e as recordações e experiências do
passado apareceriam de forma mais fácil, permitindo formar um
campo positivo na pessoa.
Psicologia da Personalidade 27

•• Orgonomia: seria a energia vital que só é possível ser acessada


durante o orgasmo. Considerava que seria uma energia universal e
espiritual. Se fosse bloqueada causaria decadência, enfermidade
e morte.

•• Energias e sexo: considerava que as encontradas durante seu


trabalho tinham ligações diretas com sexo.

•• Energia universal: presente em tudo e todos, incluindo o Universo


e o vácuo do espaço.
Figura 9 - Energia Universal

Fonte: Freepik

•• Couraças de caráter: seriam o acúmulo das repressões sobre


os instintos, são os nós emocionais que não são devidamente
trabalhados.

•• Couraças musculares: são as manifestações clínicas das couraças


de caráter, perceptíveis em partes do corpo.

IMPORTANTE:

As pesquisas de Reich foram pioneiras na abordagem de


que distúrbios psíquicos e emocionais estão associados de
forma direta a alterações corporais que afetam a musculatura
corporal, causando tanto lesões musculares crônicas ou
flacidez, numa função defensiva do próprio corpo.
28 Psicologia da Personalidade

Além disso, descreveu alterações respiratórias, circulatórias,


sensoriais, digestivas, hormonais, neurológicas associadas às alterações
psíquicas, que levaram, de maneira muito importante à compreensão das
doenças psicossomáticas.

A Personalidade na Visão Reichiana


Alguns conceitos de personalidade, temperamento e caráter
já foram discutidos neste curso. Vamos descrever como pensa a visão
Reichiana sobre estes temas.

•• Personalidade: conjunto de características gerais da pessoa e que


as diferem das demais. É a soma do temperamento e do caráter,
resultado dos conflitos internos e demandas externas que uma
criança passa no seu desenvolvimento ao longo da vida.

•• Temperamento: são as bases congênitas, formadas durante a


gestação. São as particularidades físicas e morfológicas que
diferenciam as pessoas em termos de energia da vida, dentro e
fora do corpo. É a forma individual de ser e agir.

•• Caráter: manifestação comportamental do temperamento e da


personalidade. É a expressão do corpo em gestos, posturas, tom
de voz, roupas, relacionamento. Também é desenvolvido ao longo
da vida.

IMPORTANTE:

A Psicologia Reichiana, ou Psicologia Corporal trabalha


o temperamento (energia), personalidade (psiquê) e
caráter (corpo) numa interrelação. Reich chamava esses
elementos de tripé, e descreveu personalidade de
caráter psicótico (altamente comprometido), neurótico
(levemente comprometido) e genital (não comprometido)
que são desenvolvidos ao longo da vida de criança até a
adolescência.
Psicologia da Personalidade 29

A personalidade é, então, formada a partir da compreensão que a


criança tem do mundo, dos seus relacionamentos com as pessoas mais
importantes da sua vida e pela sua capacidade de interagir com o mundo
por meio do comando voluntário da musculatura. Os traumas emocionais,
as privações e o sofrimento afetivo são associados a alterações
psicomotoras.

Etapas do Desenvolvimento Infantil


Reich descreve cinco etapas do desenvolvimento infantil. Se
a criança passar de forma saudável pelas etapas, irá desenvolver uma
personalidade do tipo genital. A descrição das etapas estão a seguir:

•• Sustentação - é o período da gestação até os primeiros dias


de vida. A criança precisa se sentir aceita, sem riscos para sua
sobrevivência. Uma gestação sem intercorrências, um parto
saudável, o toque da mãe, seu cheiro e seu olhar são fundamentais
para a vivência saudável nesta etapa.
Figura 10 - Amamentação

Fonte: Freepik
30 Psicologia da Personalidade

•• Incorporação - vai do nascimento ao nono mês. A criança precisa


se sentir amada pela mãe. A amamentação deve ser retirada sem
estresse.
Figura 11 - Cuidado da mãe

Fonte: Freepik

•• Produção - vai dos 2 aos 5 anos. O pai deve estar sempre presente.
A criança precisa de regras que não a coloquem em situação de
humilhação ou submissão. Sem ameaça de castração.
Figura 12 - Cuidado do pai

Fonte: Freepik
Psicologia da Personalidade 31

•• Identificação - dos 5 aos 8 anos. A criança precisa aprender o que


é certo ou errado. Precisa ter consciência da sua sexualidade,
sem se sentir moeda de troca. Deve aprender a respeitar e ser
respeitado.
Figura 13 - Brincadeira de criança

Fonte: Freepik

•• Estruturação da personalidade/caráter - dos 8 anos até a


adolescência. Todos os traços de personalidade devem
amadurecer e as consequências positivas e negativas das etapas
anteriores devem se tornar mais evidentes.
Figura 14 - Adolescência

Fonte: Freepik
32 Psicologia da Personalidade

O caráter genital é o que Reich considerou como sendo não


blindado, autorregulado, com potência orgástica. No entanto, também
considerava que na sociedade não é possível alcançar esse caráter de
forma integral. Entendia que, para viver em sociedade, seria necessário ter
um caráter neurótico. No entanto, a presença de traços do caráter genital
já seria suficiente para se viver de forma saudável.

O caráter neurótico é consequência dos bloqueios de energia que


a criança sofreu ao longo das etapas de formação da personalidade.
Quando os traços do caráter neurótico são insustentáveis, então a pessoa
pode apresentar transtornos mentais, como os descritos no DSM5.

A Psicoterapia Reichiana
É uma abordagem terapêutica que atua no tratamento de
distúrbios psicológicos como depressão, ansiedade, fobias, dificuldade
de relacionamento e também em problemas clínicos como dores de
cabeça, hipertensão, asma, gastrite, etc., abordando os níveis psicológico,
corporal e bioenergético.

A Psicoterapia Reichiana utiliza as técnicas voltadas para o trabalho


verbal analítico e as técnicas corporais e vivenciais.

•• Respiração: técnicas de respiração que ajudam a entrar em contato


com sentimentos e emoções que estão reprimidas para que sejam
expressas pela pessoa.

•• Movimentos desbloqueantes e movimentos ontogenéticos: ações


corporais voluntárias que ativam expressões afetivas e memórias
de fases diferentes da vida.

•• Movimentos oculares e foto-estimulação: estímulo de áreas


específicas do cérebro para que conteúdos significativos do
inconsciente sejam acessados.

•• Aplicação de toques: massagem reichiana visa a recuperação


da tonicidade da musculatura e dissolução de tensões. O
trabalho nos pontos energéticos, que estão ligados a emoções e
conteúdos psíquicos reprimidos, facilita a regularização de fluxos
bioenergéticos.
Psicologia da Personalidade 33

•• Trabalhos de expressão sonora, movimentos dos membros,


visualizações, alongamento, relaxamento, técnicas vivenciais
também são usadas na Psicoterapia Reichiana.

RESUMINDO:

Vimos neste capítulo que Psicoterapia Reichiana ou


Psicoterapia Corporal é o nome com o qual se denominam
as várias técnicas psicoterápicas que trabalham a mente,
por meio da análise verbal e do corpo pelas intervenções
corporais e vivenciais.

Essa foi uma abordagem criada por Wilhelm Reich, um


psicoterapeuta e psiquiatra austríaco, discípulo de Freud. Inicialmente
chamada de Vegetoterapia Caractero-Analítica e depois de Orgonoterapia,
hoje é conhecida como Psicoterapia Reichiana.

Seus trabalhos foram, a partir das observações sobre a relação


corpo-mente, fundamentados nos seus conhecimentos como psicanalista. 
Reich passou a analisar não apenas o conteúdo da fala, mas também a
forma como o paciente se expressava.

Suas pesquisas proporcionaram a descoberta de que no organismo


humano existe uma energia específica, que chamou de bioenergia ou
orgone, que circula pelo corpo impulsionada pelas funções emocionais e
fisiológicas. A couraça, resultante da contenção de impulsos e emoções,
promove um bloqueio nos fluxos de energia orgônica, fazendo surgir no
organismo regiões com deficiência de energia, ou regiões com excesso
de energia estagnada, que predispõem ao surgimento de doenças. Os
trabalhos corporais promovem a regularização desses fluxos de energia
e, consequentemente, a restauração da saúde.

Descreveu a formação da personalidade a partir da vivência das


etapas da vida da criança desde seu nascimento até a adolescência.
Entendeu que falhas em quaisquer dessas etapas podem resultar numa
personalidade neurótica ou psicótica.
34 Psicologia da Personalidade

Conceito de Personalidade para


Heidegger

OBJETIVO:

Ao término deste capítulo, você será capaz de entender


como Martin Heidegger pensou o ser humano e sua
inserção no mundo. Suas complexas teorias não versaram
especificamente sobre o desenvolvimento da personalidade
humana, como vimos com outros pensadores do tema,
mas em como o homem se vê e vive as experiências da
vida. Heidegger foi um dos mais importantes teóricos do
Existencialismo e sua contribuição foi além do âmbito da
ciência da Psicologia, influenciou também personalidades
importantes das Artes, Literatura e Teologia. E então?
Motivado para este novo enfoque da personalidade? Então
vamos lá. Avante!.

Mais um Pouco sobre o Existencialismo


Como já discutimos anteriormente, o Existencialismo foi uma
corrente filosófica que se popularizou na Europa, especificamente em
Paris, depois da Segunda Guerra Mundial.

A humanidade, abalada pelas consequências trágicas das duas


Grandes Guerras, encontrava-se confusa, perdida e sem esperança em
meio aos inúmeros problemas sociais e emocionais instalados no mundo.

As questões relacionadas à existência humana não conseguiam


ser respondidas pelo Idealismo ou pelo Positivismo, sistemas filosóficos
presentes na sociedade da época. Assim, surge uma nova corrente
filosófica, como uma tentativa de renovação na maneira de ver e interpretar
as coisas, de discutir o sentido da existência.

A consciência de si mesmo e do mundo é um dos pontos


fundamentais do Existencialismo e alguns dos principais filósofos e
pensadores foram: Sören Kierkegaard, Martin Heidegger, Jean-Paul Sartre,
Karl Jaspers, Martin Biber.
Psicologia da Personalidade 35

SAIBA MAIS:

Na Espanha, o pensamento existencialista foi representado


por José Ortega e Miguel de Unamoni. Na Rússia por Lev
Shestov e Nicolau Berdiaev.

A proposta do Existencialismo é analisar o homem em seu todo e


não apenas pelos aspectos intrínsecos (mente, cognição e sentimentos)
ou pelos aspectos extrínsecos (corpo, comportamento e ações). A
consciência do mundo e de suas ações é peculiar à existência humana,
uma vez que existir não pode ser classificado ou mensurado.
Figura 15 - Um dos aspectos intrínsecos do Existencialismo: a mente humana

Fonte: Freepik

Uma das características do Existencialismo é a responsabilização


da pessoa pelas suas ações e atitudes, ou seja, nada está previamente
determinado. Dessa forma, sem ter como transferir as responsabilidades
36 Psicologia da Personalidade

de suas escolhas, o homem experimenta um sentimento de ansiedade,


que o leva a refletir sobre sua existência.
Figura 16 - A escolha humana

Fonte: Freepik

Outra característica é a noção de autenticidade, que é a não


submissão aos valores da sociedade, mas o posicionamento de um lugar
na dinâmica social, com atitudes que reflitam a própria existência e a não
realização somente daquilo que a sociedade espera de cada um.

IMPORTANTE:

As escolhas de uma pessoa podem fazer com que ela


modifique seu modo de viver, em um compromisso de
crescimento constante.

O Existencialismo utiliza a fenomenologia quando analisa as


experiências humanas e sua consciência sobre os acontecimentos, a
antropologia e a interação da dimensão do homem, o que permitiu que
outras áreas como a literatura, as artes e a teologia também a utilizassem.
Assim, podem ser encontrados pensamentos existencialistas nas obras
Psicologia da Personalidade 37

literárias de André Malraux, Albert Camus, Franz Kafka e Fiodor Dostoievski


e nos escritos do teólogo Paul Tillich.

Martin Heidegger e o Existencialismo


Martin Heidegger foi considerado um dos maiores filósofos
representantes do Existencialismo aplicando a fenomenologia, que
considerava ser o único método possível de interpretar o estudo
ontológico do ser. Entendia que a questão do ser não havia sido resolvida
pelos estudos filosóficos ao longo da história porque haviam sempre sido
estudos parciais do ser e não dele como um todo.

Ontologia é o estudo do ser, dos entes ou das coisas como são em


si mesmas, de forma real e verdadeira.

Sua análise do ser levava em consideração que o ser não pode ser
definido, não se deixa determinar por outra coisa nem como outra coisa.
O ser só pode ser ele mesmo, autônomo, independente e indefinível e se
manifesta como um ente.

SAIBA MAIS:

As definições de ser e ente trazem uma certa confusão. De


uma maneira simples, entende-se que o ente é um modo
de ser e é determinado pelo ser. O ente é o que se fala, é o
que se é, é como se é. O ser é aquilo que se faz presente
no ente, o ilumina e se manifesta nele. O ser está no ente,
mas nada no ente revela a natureza do ser.

Para Heidegger, o homem é o guarda do ser e precisa preservar a


dignidade do ser. Sabe que o ser dá ao ente a garantia de ser. Sem esta
garantia, o ente permanece no nada, na falta absoluta do ser.
A existência é a totalidade das relações recíprocas da própria
existência com o ser e também com os entes. O ente privilegiado, na visão
de Heidegger é o homem, porque só ele existe e tem a responsabilidade
e a tarefa de ser. Outros entes são, mas não existem.
38 Psicologia da Personalidade

O homem é o único ente que permite o acesso ao ser, que tem


consciência e relação singular com o seu ser, que tem a possibilidade de
ser ou não ser ele mesmo, que tem traços fundamentais, característicos
do seu ser e a tais traços, ele chamou de traços existenciais.

Traços Existenciais
Daisen:
O primeiro traço existencial é o ser-no-mundo (ou Daisen). O mundo
é o tudo: círculo de afeto, de conhecimentos, de interesses, de desejos,
de preocupações. O ser está sempre em relação com algo ou alguém. O
homem é, portanto, um ser-no-mundo, é um-ser-em situação e sempre
pronto para ser algo novo. Sua existência presente é voltada para o que
pretende fazer no futuro.
Figura 17 - Círculo de afeto do ser-no-mundo

Fonte: Freepik
Psicologia da Personalidade 39

Existência:
O segundo traço existencial é a existência, a natureza do homem, a
sua essência, a característica de ser fora de si, diante de si, por seus ideais,
planos e possibilidades. A existência é definida pela transcendência, isto
é, a projeção para além do que se é. O homem se projeta para o futuro,
preocupa-se com o que acontece, faz escolhas, se antecipa, supera o
presente, transcende. A essência do homem consiste na sua existência,
que, por sua vez, precede e determina a essência.

SAIBA MAIS:

Heidegger afirmava que o homem teria a vida autêntica ou


inautêntica conforme se guiasse pelo primeiro ou segundo
traço existencial. Vida inautêntica é a vida daquele que se
deixa dominar pela situação, não tem desejo de saber,
se submete à lei da maioria, não tem responsabilidade
de tomar iniciativas e decisões. Vida autêntica é a vida
daquele que assume sua vida, elabora seu plano de futuro,
e leva em consideração todas as possibilidades, inclusive a
possibilidade da morte, de deixar de existir aqui, de cessar.

Temporalidade:
O terceiro traço existencial é a temporalidade, a ligação do homem
ao tempo, o estar além de si, de futuro. Temporal é o transitório, o que
passa com o tempo, mas não é o tempo em si. A situação existencial é
ligada à temporalidade uma vez que o homem só existe porque está
ligado ao tempo. E existir é a possibilidade de construir o futuro.

A temporalidade une a essência com a existência, torna possível


a unidade da existência, constrói a totalidade das estruturas do homem.
Mais do que a soma dos momentos da vida, a temporalidade permite
a compreensão do passado, presente e futuro. Isto é, o homem precisa
fazer parte de algo em que já se encontra, em algo do passado e utilizar
tudo que o cerca no presente.
40 Psicologia da Personalidade

IMPORTANTE:
A temporalidade dá ao homem as possibilidades de sentir,
entender e discorrer. Pelo sentir, comunica-se com o
passado. Pelo entender, comunica-se com o futuro. Pelo
discorrer e comunica-se com o presente.

Figura 19 - Temporalidade: essência e existência

Fonte: Freepik

O homem é o único ente que consegue ter consciência entre o que


já foi e o que será e que tem a possibilidade de recomeçar ou reconstruir
a vida. Assim, o presente é uma mistura de retomar o passado e antecipar
o futuro e Heidegger dizia que existir é temporalizar-se.

Morte
Outro tópico existencial discutido por Heidegger é a morte, a maior
certeza do homem. Não é uma possibilidade distante, mas uma constante
presente. O homem é um ente que está no mundo para a morte.

Entretanto, a experiência que o homem tem com a morte é sempre


por meio da morte dos outros, uma vez que não tem consciência de viver
a sua própria morte. Heidegger afirma que a morte é a única maneira do
homem atingir a individuação, ou seja, conquistar a totalidade da vida.
Psicologia da Personalidade 41

SAIBA MAIS:

O princípio da individuação é o princípio de que a morte é a


única possibilidade para a totalidade do ser, que limita o ser
e também lhe permite ser completo.

Figura 20 - A morte presente na vida

Fonte: Freepik

A Linguagem para Heidegger


A linguagem tem um papel especial na filosofia de Heidegger
porque ele acreditava que, uma vez sendo o homem ser-em-situação,
somente por meio da função ontológica da linguagem seria possível a
epifania do ser.
42 Psicologia da Personalidade

Epifania: palavra de origem grega epipháneia, que significa


aparição, posteriormente, no latim epihania, epifania. (Dicionário Online
de Português).

A relação do ser com a linguagem ocorre de duas formas: pela


linguagem original e pela linguagem derivada.

•• Linguagem original: exprime diretamente o ser, mostra o ser,


revela o ser, traz o ser para a luz. É uma linguagem que não tem
base em nenhum sinal especial, mas é a fonte fundamental para o
aparecer das coisas, é a origem de todos os sinais.

A linguagem original tem uma densidade ontológica primordial:


a palavra. E a palavra é o que sustenta o ser de todas as coisas. Para
Heidegger, o falar original é a base de todo movimento do universo, é a
relação de todas as relações. Por meio da estrutura da palavra original,
não seria possível atribuir o mostrar e nem o operar humano.
Figura 21 - Palavra original: não tem som

Fonte: Freepik

•• Linguagem derivada: é a linguagem humana, dividida em duas


fases – resposta e proclamação. A linguagem derivada é o falar
humano usado no dia a dia, é a conexão entre a linguagem original
(que não tem som) e a linguagem humana (o som da palavra).
Psicologia da Personalidade 43

Figura 22 - O som das palavras

Fonte: Freepik

O falar humano tem dois traços: o ouvir (ou o perceber) e o


responder, assim, ao ouvir a linguagem original, o homem responde
pela palavra derivada. Essa resposta leva o homem ao que Heidegger
chamou de servidão libertadora porque é ele, o homem, o encarregado
de transmitir a palavra original (sem som) para o som da palavra.

Essência da Verdade
Um outro ponto de discussão trazido por Heidegger é o que chamou
de essência da verdade. Ele não se preocupa com verdades (várias
verdades) defendidas pela filosofia, pela religião, pela ciência ou pelas
experiências da vida, mas queria se deter naquilo que fosse unicamente a
verdade, enquanto verdade.

Dizia que verdade é a adequação do conhecimento com a


coisa, a verdade com conformidade, a conformidade das coisas com o
conhecimento humano. Dessa maneira, a interpretação de uma coisa
está necessariamente na relação da essência do homem como sujeito
portador e realizador do intelecttus (intelectos, em português).
44 Psicologia da Personalidade

DEFINIÇÃO:

Intelectos é o plural de intelecto. O mesmo que mentes,


entendimentos, inteligências, percepções. Faculdade de
entender (Dicionário Online de Português).

Heidegger também entendia que a verdade tem contrário, que


seria o entendimento de não estar de acordo, e a verdade seria definida
como a adequação do olhar do homem ao objeto, o seu modo de ver a
natureza de uma coisa.

A verdade se torna a relação sujeito-objeto e, por isso, a essência


da verdade é a liberdade. Essência é inerente ao que é admitido como
conhecido. Assim, a essência é a verdade da essência, define Heidegger.
Figura 23 - A liberdade da verdade

Fonte: Freepik

Na sua obra, Heidegger se preocupou em entender, pela via


ontológica, o Dasein e as possibilidades de transformações do ser-no-
mundo. Não houve uma preocupação direcionada para teorias dos
modelos de formação da personalidade, mas sim o entendimento das
Psicologia da Personalidade 45

significações de novas possibilidades para reformulação que o homem


faz no seu próprio mundo.

RESUMINDO:

Neste capítulo, vimos como um dos mais importantes


pensadores do Existencialismo discutiu as teorias sobre
a existência humana. A obra do filósofo alemão Martin
Heidegger, a verdade, impulsionou a filosofia do século
XX porque permitiu a reflexão e discussão da existência
humana. Ponderar e pensar sobre o sentido do ser trouxe
à baila o pensar o homem no seu modo de ser, como
estabelecer relações com o mundo e como conduzir sua
vida por meio de escolhas e decisões responsáveis.

Heidegger debateu um dos temas mais difíceis para o homem: a


morte. Impulsionou pensamentos reais de uma situação inerente à vida e
estimulou a preparação para a vivência da única certeza do homem. Os
estudos difíceis e complexos de Heidegger ainda são presentes e usados
para atendimentos psicoterápicos de eficácia comprovada. O Daisen
é o ser-no-mundo e sua possibilidade de vida autêntica está no viver a
angústia de escolhas responsáveis e a não submissão das escolhas dos
outros.
46 Psicologia da Personalidade

A Integração entre os Conceitos da


Psicologia da Personalidade

OBJETIVO:

Ao término deste capítulo, você será capaz de entender


como os diversos pensadores da Psicologia e da Filosofia
entenderam a construção da personalidade humana.
Desde os primórdios dos tempos, filósofos começaram a
pensar na inserção do homem no mundo e as diferentes
formas em que eles se constituíram para conseguir
vencer os desafios de viver de forma saudável. Faremos
um passeio pelos conteúdos das Unidades do curso de
Psicologia da Personalidade. E aí? Preparado para o desafio
desta viagem? Vamos lá!.

Falando de Personalidade
Pelo senso comum, entende-se que uma personalidade é fácil
quando uma pessoa é amável, agradável e boa companhia.
Figura 24 - Pessoa de personalidade fácil

Fonte: Freepik
Psicologia da Personalidade 47

Ou uma personalidade é difícil quando a pessoa é indiferente e


hostil.
Figura 25 - Pessoa de personalidade difícil

Fonte: Freepik

No entanto, diferente do senso comum, a ciência define personalidade


a partir da integração de aspectos como habilidades, atitudes, crenças,
emoções, desejos, modos de comportamento e até os aspectos físicos,
que, quando se englobam, conferem a singularidade da pessoa.

DEFINIÇÃO:

Personalidade: conjunto relativamente estável e


previsível dos traços emocionais e comportamentais que
caracterizam as pessoas em condições normais, no seu dia
a dia, ao longo das etapas da vida (LARAIA e STUART, 2001).

O ser humano forma a sua personalidade a partir dos genes


herdados e da forma como consegue experimentar a vida no meio em
que vive. Não pode ser considerado exclusivamente herança genética
porque a carga hereditária não é um monte de genes programados para
agir de uma ou outra forma, e nem exclusivamente ambiente como se
tudo fosse condicionado pela cultura.

A personalidade é influenciada pelos valores, crenças e normas que


as crianças começam a adquirir nas suas relações com as figuras de
48 Psicologia da Personalidade

autoridade. É nessa etapa da vida que se desenvolvem os vínculos


afetivos e de apego.

O Desenvolvimento da Personalidade
Descritos em Etapas
Alguns estudiosos descreveram etapas que demonstravam o
desenvolvimento da personalidade. Freud descreve cinco etapas ou
fases, todas acontecendo do período infantil até a adolescência.

•• Oral: etapa que vai do nascimento até o primeiro ano de vida. A zona
erógena é a boca. O prazer é obtido na sucção da amamentação,
no levar tudo à boca para chupar, morder objetos e comer.

•• Anal: vai de um ano até 3 ou 4 anos de idade. A zona erógena é o


ânus e é caracterizada com o prazer de controle dos esfíncteres.

•• Fálica: dos 3 aos 6 ou 7 anos. A zona erógena está na descoberta


dos órgãos sexuais (pênis ou falo nos meninos e clitóris nas
meninas). O prazer está relacionado ao exibicionismo dos órgãos
genitais, o interesse pelos seus órgãos genitais e pelos órgãos
genitais de outras crianças.

SAIBA MAIS:

Essa é a fase em que os meninos e as meninas ficam


procurando ver a diferença seus dos órgãos sexuais e os
de outras crianças. Não há cunho sexual, mas a descoberta
das diferenças entre eles.

•• Latência: dos 7 anos até a adolescência. Fase em que os impulsos


sexuais ficam amortecidos, identificando uma superação temporal
dos instintos sexuais. Não há uma área erógena específica.

•• Genital: fase da puberdade e maturidade. Identificada pelas


alterações físicas, psíquicas e emocionais marcantes na
Psicologia da Personalidade 49

adolescência. A zona erógena é novamente voltada para os órgãos


sexuais, mas dessa vez para a própria sexualidade, pelos interesses
sexuais e de satisfação. A capacidade de expressar sexualidade
em função dos vínculos que faz está presente. É o momento da
organização e maturidade sexual, quando a identidade sexual é
reafirmada.
Figura 26 - Criança na fase oral

Fonte: Freepik

Jung também descreveu etapas de desenvolvimento, mas diferente


de Freud, não detalhou os estágios de desenvolvimento da criança. Ele
descreveu quatro estágios gerais de desenvolvimento: infância, idade
adulta jovem, meia-idade e velhice. Acreditava, entretanto, que a velhice
era um estágio pouco importante porque as pessoas idosas gradualmente
mergulham no inconsciente. Logo, a descrição é mais detalhada nos
outros três estágios:

•• Infância: o estágio da infância é determinado por atividades


instintuais necessárias para sua sobrevivência, com
comportamentos consequentes às exigências parentais.
50 Psicologia da Personalidade

•• Idade adulta jovem: nessa fase, a puberdade tem a função de


permitir o nascimento psíquico da personalidade. Emerge a
sexualidade, as questões de poder ou de insegurança e o início da
diferenciação entre o adolescente e os pais.

•• Meia-idade: ocorre na faixa etária dos 30 anos. Nessa idade, o


jovem adulto já formou família e tem uma profissão. Surge, então,
a necessidade de significado, de encontrar um propósito para a
vida, uma razão de existir.

Erick Erickson descreve oito estágios de desenvolvimento.


Diferentemente de Freud, não são voltados para a sexualidade e abordam
desde a etapa infantil até a velhice.

•• Confiança básica versus Desconfiança básica: Durante o primeiro


ano de vida, a criança é dependente das pessoas que cuidam dela,
requerendo cuidado quanto à alimentação, higiene, locomoção,
aprendizado de palavras e seus significados, bem como
estimulação para perceber que existe um mundo em movimento
ao seu redor. O amadurecimento ocorrerá de forma equilibrada se
a criança sentir que tem segurança e afeto, adquirindo confiança
nas pessoas e no mundo. 

•• Autonomia versus Vergonha e dúvida: dos 2 aos 3 anos. A criança


passa a ter controle de suas necessidades fisiológicas e responder
por sua higiene pessoal, o que dá a ela grande autonomia,
confiança e liberdade para tentar novas coisas sem medo de
errar. Se, no entanto, for criticada ou ridicularizada desenvolverá
vergonha e dúvida quanto à sua capacidade de ser autônoma,
provocando uma volta ao estágio anterior, ou seja, a dependência. 

•• Iniciativa versus Culpa: dos 4 aos 5 anos. A criança passa a perceber


as diferenças sexuais, os papéis desempenhados por mulheres e
homens na sua cultura (conflito edipiano para Freud), entendendo
de forma diferente o mundo que a cerca. Se a sua curiosidade
“sexual” e intelectual, natural, for reprimida e castigada poderá
desenvolver sentimento de culpa e diminuir sua iniciativa de
explorar novas situações ou de buscar novos conhecimentos.
Psicologia da Personalidade 51

•• Construtividade versus Inferioridade: dos 6 aos 11 anos. A criança


está sendo alfabetizada e frequentando a escola, o que propicia o
convívio com pessoas que não são seus familiares, e que exigirá
maior sociabilização, trabalho em conjunto, cooperatividade, e
outras habilidades necessárias. Caso tenha dificuldades, o próprio
grupo irá criticá-la, passando a viver a inferioridade em vez da
construtividade. 

•• Identidade versus Confusão de identidade: dos 12 aos 15 anos.


O quinto estágio ganha contornos diferentes devido à crise
psicossocial que nele acontece, ou seja, identidade versus
confusão. Nesse contexto, o termo crise não tem uma acepção
dramática, por  tratar-se de algo pontual e localizado com polos
positivos e negativos.

•• Intimidade versus Isolamento: dos 18 aos 35 anos. Nesse


momento, o interesse, além de profissional, gravita em torno
da construção de relações profundas e duradouras, podendo
vivenciar momentos de grande intimidade e entrega afetiva. Caso
ocorra uma decepção, a tendência será o isolamento temporário
ou duradouro. 

•• Produtividade versus Estagnação: dos 35 aos 60 anos. Pode


aparecer uma dedicação à sociedade à sua volta e realização de
valiosas contribuições, ou grande preocupação com o conforto
físico e material. 

•• Integridade versus Desespero: 60 anos em diante. Se o


envelhecimento ocorre com sentimento de produtividade e
valorização do que foi vivido, sem arrependimentos e lamentações
sobre oportunidades perdidas ou erros cometidos haverá
integridade e ganhos. Do contrário, um sentimento de tempo
perdido e a impossibilidade de começar de novo trará tristeza e
desesperança.
52 Psicologia da Personalidade

Conceitos de Desenvolvimento da
Personalidade
Skinner não descreveu etapas de desenvolvimento da
personalidade, mas defendeu conceitos importantes para o entendimento
do funcionamento da personalidade humana.

Ele partiu de experimentos de John Watson e Ivan Pavlov e


suas teorias do condicionamento clássico, para descrever o que
chamou de condicionamento operante. Vamos recordar a definição de
condicionamento clássico, descrito por Pavlov depois de seus estudos
com cachorros.

DEFINIÇÃO:

Condicionamento clássico é um procedimento em que um


reflexo inato é induzido a um animal ou uma pessoa para
demonstrar que a mente pode ser medida, observada ou
modificada pelo comportamento..

Diferente de Pavlov, Skinner acreditava na relação entre as respostas


dos organismos e o ambiente e entendia que era um comportamento
diferente do comportamento clássico porque percebeu um estímulo,
propiciando, assim, uma resposta. A essa resposta deu o nome de
comportamento operante.

Percebeu ainda uma outra característica do comportamento


operante: a resposta ao estímulo gerava uma consequência e tinha a
possibilidade de acontecer novamente em um contexto semelhante.
Por isso, acrescentou conceitos do princípio do reforço e o conceito de
recompensa no comportamento operante. Descreveu ainda as condições
exatas que proporcionam aprendizagem eficiente e duradoura. Vejamos
as definições de reforço e punição:

Vale destacar que reforço é todo e qualquer evento que aumenta a


frequência do comportamento. Um estímulo aumenta a probabilidade de
Psicologia da Personalidade 53

ocorrência de um comportamento anterior. Um reforço pode ser positivo


e negativo.

Reforço positivo: é oferecido o estímulo depois da ação e esse


estímulo apresentado fortalece a apresentação do comportamento. A
frequência do comportamento aumenta por ser seguido de um estímulo
recompensador. Há a adição de um estímulo. Isto é, o reforço positivo
é um elemento que tem a função de prêmio, em geral, satisfaz alguma
necessidade ou gera uma resposta agradável.

EXEMPLO:

Uma escola decide dar folga aos sábados se todos os professores


completarem o diário de classe até a sexta-feira. Todos vão trabalhar mais
intensamente para ter a recompensa da retirada do sábado de trabalho.

Reforço negativo: reduz-se ou remove-se o estímulo após a ação


e essa retirada de estímulo fortalece a apresentação do comportamento.
A frequência do comportamento aumenta por ser seguido da eliminação,
remoção de um estímulo desagradável.

EXEMPLO:

Uma criança que não gosta de escovar os dentes, passa a fazer com
mais frequência para evitar a bronca da mãe. Ela aumenta a frequência da
escovação para não ter que ouvir a mãe reclamar.
Figura 28 - Reforço negativo

Fonte: Freepik
54 Psicologia da Personalidade

Um outro conceito presente nos estudos do condicionamento operante


e que causa confusão para o entendimento, é o conceito de punição.

DEFINIÇÃO:

Punição: todo estímulo que reduz a frequência de uma


resposta por meio da apresentação de um estímulo
desagradável ou da retirada de um estímulo agradável. A
punição pode ser positiva ou negativa.

Punição positiva: é oferecido oferece o estímulo depois da ação e


esse estímulo apresentado diminui a frequência do comportamento.

A criança usa o boné preferido na escola e o professor chama a


atenção porque está fora do padrão de uniforme. A criança para de usar o
boné durante a aula.
Figura 29 - Punição positiva

Fonte: Freeimagens

Punição negativa: reduz-se ou remove-se o estímulo após a ação e


essa retirada de estímulo diminui a frequência do comportamento.
Psicologia da Personalidade 55

EXEMPLO:

Se a criança bater no irmão, deixa de ver TV por 2 dias. Ela deixa de


bater no irmão para voltar a ver televisão.
Figura 30 - Punição negativa

Fonte: Freepik

Ele também usou o conceito de modelagem, um procedimento


com uso de reforços que orientavam ações para o comportamento
desejado e a extinção, isto é, a retirada da recompensa para eliminar ou
enfraquecer um comportamento.

Skinner queria entender o desenvolvimento da personalidade


pelas interações das pessoas (com suas cargas e forças genéticas) com o
ambiente (cultura, classe social, família). A genética determina a amplitude
do desenvolvimento de uma pessoa e o ambiente favorece e determina o
resultado específico referente a essa amplitude.
56 Psicologia da Personalidade

Figura 31 - Comportamento em casa

Fonte: Freepik

Assim, Skinner acreditava que os comportamentos que uma


pessoa aprende e adquire em casa formam uma personalidade e os
comportamentos que ele aprende para o trabalho formaria uma outra
personalidade, que, atuando juntas, se manifestam conforme o que o
meio em que está exige.
Figura 32 - Comportamento no trabalho

Fonte: Freepik
Psicologia da Personalidade 57

Aaron Beck foi outro pesquisador que não descreveu etapas de


desenvolvimento da personalidade. Ele definiu e explicou a formação
da personalidade pelo pressuposto que a história evolutiva da pessoa
influencia no desenvolvimento dos padrões de pensamento, sentimento
e comportamento.

Isso significa que, como outros autores, ele entende que a


personalidade é o resultado da interação das disposições genéticas e das
experiências da vida.

A partir da base teórica da terapia cognitivo comportamental, Beck


entende que os esquemas, funcionais ou disfuncionais, são elementos
básicos da personalidade. A personalidade pode então, ser entendida
como um conjunto de esquemas individuais que são determinantes para
o funcionamento dos sistemas motivacionais, cognitivos e emocionais na
relação com os contextos ambientais, sociais e biológicos.

Os traços ou padrões da personalidade seriam organizações dos


esquemas, onde estão as crenças e a função de manter a estabilidade
dos sistemas cognitivos. Dessa forma, padrões de personalidade como
dependente, extrovertido, tímido, agressivo, etc. seriam a maneira como
os processos esquemáticos estão organizados (BARROS, 2010).

IMPORTANTE:

É importante ressaltar que Beck entendia cada pessoa


como possuidora de um perfil de personalidade único, com
possibilidades de responder a uma situação específica de
uma maneira cognitiva, afetiva e comportamental peculiar
a ela.

A teoria da personalidade, na visão da terapia cognitiva, é


caracterizada pela maneira como as informações de um ambiente
provocam respostas cognitivas, afetivas, motivacionais e comportamentais
nas pessoas.
58 Psicologia da Personalidade

Figura 33- Esquema de comportamento

Fonte: Elaborado pela autora (2021).

A percepção, a interpretação e o entendimento do significado


dado por uma pessoa a uma situação provoca uma resposta que pode,
ou não, ser adaptativa. Isso está ligado às suas crenças e esquemas de
crenças construídas pelas experiências da vida, que proporcionaram o
desenvolvimento da personalidade.

RESUMINDO:

Neste capítulo, revimos os principais conceitos de formação


da personalidade humana. Os demais autores estudados
descreveram teorias psicológicas trazendo novas vertentes
de inserção do homem na sociedade, a partir da formação
de suas personalidades e das disfuncionalidades de alguns
comportamentos.

Estudamos que tanto os fatores genéticos como os fatores


ambientais atuam conjuntamente como formadores da personalidade
desde a infância até a idade adulta. A preocupação com o comportamento
humano decorrente da sua personalidade sempre foi objeto de estudo
desde a época dos filósofos até os dias atuais, quando a neurociência
também se debruça nesse estudo.

Personalidade sempre é um assunto atual. Para o psicólogo,


saber identificar os tipos de personalidade, as disfuncionalidades da
Psicologia da Personalidade 59

personalidade e saber ajudar as pessoas que precisam de tratamento, é


fundamental para a prática profissional.

Com o fim deste capítulo, fechamos o conteúdo do curso de


Psicologia da Personalidade e esperamos que vocês tenham aproveitado
bastante todos os assuntos debatidos aqui. Desejamos sucesso na carreira
acadêmica e profissional de todos vocês!
60 Psicologia da Personalidade

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