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Análise do

Discurso
Livro Didático Digital
Diretor Executivo
DAVID LIRA STEPHEN BARROS
Gerente Editorial
ALESSANDRA VANESSA FERREIRA DOS SANTOS
Projeto Gráfico
TIAGO DA ROCHA
Autoria
ADRIANA FERREIRA SERAFIM DE OLIVEIRA
PATRÍCIA VALÉRIA VIEIRA DA COSTA
AUTORIA
Adriana Ferreira Serafim de Oliveira
Olá. Meu nome é Adriana Ferreira Serafim de Oliveira. Sou Doutora
em Educação pela UNESP - Rio Claro, com foco em inclusão social,
direitos fundamentais e políticas públicas para as mulheres vítimas de
violência de gênero. Estágio doutoral em Psicologia Social com bolsa
PSDE - CAPES na “Universidad Complutense de Madrid - Facultad de
Ciencias Políticas y Sociología” com pesquisas desenvolvidas em Madrid
e cercanias quanto aos serviços públicos de atendimento à mulher vítima
de violência de gênero e quanto à legislação dessa temática a pesquisa
foi desenvolvida com a orientação de professor da “Facultad de Derecho
de la Universidad Complutense de Madrid”. Tem experiência em trabalhar
com a metodologia qualitativa. Mestra em Direitos Fundamentais Difusos
e Coletivos pela UNIMEP de Piracicaba, com foco em Direitos Humanos
e Direito Internacional, com bolsa do programa PROSUP-CAPES. Pós-
graduada em Política e Relações Internacionais pela Fundação Escola de
Sociologia e Política de São Paulo (FESP-SP). Bacharel em Direito pela
Instituição Toledo de Ensino de Bauru (ITE). Pós-doutorado em curso pela
FD-UPM. Revisora e parecerista de periódicos qualificados. Professora
universitária. Advogada

Patrícia Valéria Vieira da Costa


Olá. Meu nome é Patrícia Valéria Vieira da Costa. Sou formada
em Letras com habilitação em Língua Portuguesa, pela Universidade
Estadual da Paraíba, possuo Mestrado em Literatura e Interculturalidade
e atualmente faço Doutorado em Literatura e Interculturalidade, ambos
pela mesma instituição. Tenho experiência docente no ensino básico, por
meio das disciplinas de Literatura e Produção de textos, passando por
turmas do ensino Fundamental II ao ensino Médio. Sou apaixonada pelo
que faço e adoro transmitir minha experiência de vida àqueles que estão
iniciando em suas profissões.

Por isso fomos convidadas pela Editora Telesapiens a integrar seu


elenco de autores independentes. Estamos muito felizes em poder ajudar
você nesta fase de muito estudo e trabalho. Conte conosco!
ICONOGRÁFICOS
Olá. Esses ícones irão aparecer em sua trilha de aprendizagem toda vez
que:

OBJETIVO: DEFINIÇÃO:
para o início do
desenvolvimento houver necessidade
de uma nova de apresentar um
competência; novo conceito;
NOTA: IMPORTANTE:
quando necessárias as observações
observações ou escritas tiveram que
complementações ser priorizadas para
para o seu você;
conhecimento;
EXPLICANDO VOCÊ SABIA?
MELHOR: curiosidades e
algo precisa ser indagações lúdicas
melhor explicado ou sobre o tema em
detalhado; estudo, se forem
necessárias;
SAIBA MAIS: REFLITA:
textos, referências se houver a
bibliográficas necessidade de
e links para chamar a atenção
aprofundamento do sobre algo a ser
seu conhecimento; refletido ou discutido;
ACESSE: RESUMINDO:
se for preciso acessar quando for preciso
um ou mais sites fazer um resumo
para fazer download, acumulativo das
assistir vídeos, ler últimas abordagens;
textos, ouvir podcast;
ATIVIDADES: TESTANDO:
quando alguma quando uma
atividade de competência for
autoaprendizagem concluída e questões
for aplicada; forem explicadas;
SUMÁRIO
Enunciação, Pragmática, Argumentação, Discurso....................... 12
Enunciação .......................................................................................................................................... 12

A Semântica da Enunciação................................................................................. 13

Pragmática............................................................................................................................................ 16

Argumentação .................................................................................................................................. 19

Discurso ................................................................................................................................................ 20

Perspectivas Teóricas (Significado de Ideologia) Segundo:


Althusser, Ricoeur, Foucault, Pêcheux................................................ 24
A Ideologia Segundo Althusser.............................................................................................24

A Ideologia Segundo Ricoeur ................................................................................................27

A Ideologia Segundo Foucault...............................................................................................29

A Ideologia Segundo Pêcheux............................................................................................... 31

Perspectivas da Análise do Discurso de Linha Americana (Givón);


Análise do Discurso de Linha francesa (Foucault, Pêcheux);
Análise crítica do Discurso....................................................................... 33
Análise do Discurso de Linha Americana (Givón) ...................................................34

Análise do Discurso de Linha Francesa (Foucault, Pêcheux) ........................35

Authier-Revuz e a Análise Crítica do Discurso................................. 41


Authier-Revuz .................................................................................................................................... 41

Análise Crítica do Discurso ......................................................................................................44


Análise do Discurso 9

02
UNIDADE
10 Análise do Discurso

INTRODUÇÃO
Você sabia que a área da Linguística é uma das mais importantes
para o conhecimento da Língua? Já tivemos um conhecimento introdutório
desse conteúdo na unidade anterior. Nesta, daremos ênfase às grandes
perspectivas e teorias que fundamentam a Análise do Discurso, tendo a
oportunidade, ao final do estudo, de compreender como essa perspectiva
da Linguística funciona, e como ela é estudada por diversos filósofos/
pesquisadores. A segunda unidade torna-se um preparativo para os
estudos aprofundados da Análise do Discurso que virão adiante, já que
parte das noções de Enunciação, pragmática, argumentação e discurso,
até chegar à Análise crítica do Discurso. Ao longo desta unidade letiva
você vai mergulhar nesse universo!
Análise do Discurso 11

OBJETIVOS
Olá. Seja muito bem-vindo à Unidade 2. Nosso propósito é auxiliar
você no desenvolvimento das seguintes objetivos de aprendizagem até o
término desta etapa de estudos:

1. Compreender como funcionam os critérios de Enunciação,


pragmática, argumentação e Discurso;

2. Entender as perspectivas teóricas que permeiam o estudo da (s)


Ideologia (s) dentro do universo da Ciência da linguagem;

3. Conceber as vertentes da Análise do Discurso, a saber: a Linha


americana, bem como a linha francesa;

4. Investigar como surgiu e Análise Crítica do Discurso e como


ela funciona enquanto colaboradora para a visão crítica dos discursos
ideologicamente produzidos na sociedade, principalmente aqueles que
oprimem sujeitos.

Então? Preparado para uma viagem sem volta rumo ao


conhecimento? Ao trabalho!
12 Análise do Discurso

Enunciação, Pragmática, Argumentação,


Discurso
OBJETIVO:

Caro aluno (a), ao término deste capítulo você será capaz


compreender as diversas vertentes que embasam a
Análise do Discurso, além de entrar em contato com as
linhas de Análise tanto americana, quanto francesa. Isso
será fundamental para a compreensão de uma das grandes
correntes de estudo do curso de Letras, responsável por
grande parte das pesquisas na área, bem como contribuirá
para exercício de sua docência em sala de aula. E então?
Motivado para desenvolver essa competência? Vamos lá.
Avante!

Enunciação
Olá, alunos (as)! Ainda na unidade I tivemos a oportunidade
de conhecer de maneira introdutória a teoria da Enunciação. Vamos
relembrá-la?

Revisando: A teoria da Enunciação, proposta por Benveniste,


baseia-se, resumidamente, nos quatro pontos abaixo colocados:

1. Reconhece o sistema da língua enquanto uma instância do


discurso. Nesse sistema, sujeito e subjetividade são significativos;

2. A significação da língua só se dá por meio do discurso, ou seja, por


meio da enunciação desse;

3. O sujeito, na teoria da Enunciação, é o foco: Ele é quem atualiza o


sistema linguístico, articulando e significando;

4. O quadro formal da enunciação é o eu-tu-aqui-agora,


considerando índices de pessoa, espaço/tempo, referindo-se,
sempre, a enunciação. A subjetividade, enquanto aparelho formal
da Enunciação, é sempre universal (todos nós temos), porém,
seu uso é sempre individual, mesmo que o propósito da teoria
Análise do Discurso 13

enunciativa não seja o sujeito em si, antes, as suas marcas no ato


da enunciação.

Revisadas as características básicas da Enunciação, partiremos


agora para a compreensão de como ela funciona dentro do universo da
Análise do Discurso, mais especificamente em relação à argumentação,
ou seja, à Semântica da Enunciação.

A Semântica da Enunciação

VOCÊ SABIA?

Para a semântica formal, a verdade está fora da linguagem,


nesse sentido, a língua seria apenas um meio para alcançá-
la. Esse conceito é fundamental para entender a Semântica
da Enunciação, posto que, para essa “A linguagem constitui
o mundo, por isso não é possível sair fora dela” (OLIVEIRA,
2006, p. 19).

Por que será, então, que a Semântica formal coloca os sentidos


como sendo exteriores à língua?

Geralmente, quando falamos ou escrevemos usamos termos


dêiticos, ou seja, que fazem referência a algo externo ao discurso. Como
por exemplo temos os pronomes isto, eu, você, etc. Esses geralmente
passam a ilusão de que estamos nos referindo a algo externo à língua.

SAIBA MAIS

Quer saber mais sobre a dêixis linguística? Acesse o vídeo


https://bit.ly/3hGmR0n.

Entretanto, sempre estamos nela e por/para ela. Vejamos como


Oliveira (2002, p.20) esclarece essa perspectiva:
A semântica Formal, diz Ducrot, cai na ilusão, criada pela
própria linguagem, de que ela se refere a algo externo a ela
mesma, de onde ela retira a sua sustentação. A linguagem,
14 Análise do Discurso

afirma Ducrot, é um jogo de argumentação enredado


em si mesmo; não falamos sobre o mundo, falamos para
construir um mundo e a partir dele tentar convencer nosso
interlocutor da nossa verdade, verdade criada pelas e nas
nossas interlocuções. A verdade deixa, pois, de ser um
atributo do mundo e passa a ser relativa à comunidade
que se forma na argumentação. Assim, a linguagem é
uma dialogia, ou melhor, uma “argumentalogia”, não
falamos para trocar informações sobre o mundo, mas para
convencer o outro a entrar no nosso jogo discursivo, para
convencê-lo de nossa verdade.

Ou seja, a linguagem é constituída no diálogo, na busca, por meio


da construção de argumentos, de inserir o outro, o interlocutor, no nosso
mundo, na nossa verdade.

Para as atuais concepções da Semântica da Enunciação,


um enunciado é construído por diversos enunciadores que,
concomitantemente, formam o espaço discursivo pelo qual o diálogo vai
se desenvolver.

EXPLICANDO MELHOR

Vejamos o enunciado abaixo: (Considere os E1, E2, e E3,


enquanto enunciadores.

O governador de São Paulo é Sociólogo

E1: Há um e apenas uma pessoa.

E2: Esta pessoa é um governador.

E3: Esta pessoa é um sociólogo.

No enunciado em negrito comprometemos nosso ouvinte com o


fato de que existe um único governador para São Paulo. Esse enunciado
é polifônico (gera vários enunciadores) posto que encerra várias vozes.
Acima temos um diálogo entre enunciadores, que pode gerar diálogos
por meio, por exemplo, de negações polêmicas ou metalinguísticas. Se
negamos o E1, estamos concretizando uma negação polêmica, mas ele
Análise do Discurso 15

pode negar o posto, portanto, dentro de um contexto pode fazer sentido;


se negamos o E3, temos uma negação metalinguística.

Vejamos outro exemplo:

Maria parou de fumar

E1: Maria fumava.

E2: Maria não fuma mais.

Essa segunda enunciação traz um enunciador que afirma que


maria fumava, tratando-se de um pressuposto, e outro que afirma que ela
não fuma mais, concretizando o posto. Ao negarmos a fala do primeiro
enunciador, faremos uma negação polêmica; se negamos o que está
posto, faremos uma negação metalinguística.

Assim, para a Semântica da Enunciação, as diferentes leituras


explicam-se pela polissemia, ou seja, um mesmo enunciado que pode
gerar múltiplos sentidos, mas que se correlacionam.

Sobre os tipos de negação, vejamos esse outro enunciado:

Imagine que alguém diz que sua bicicleta está estacionada em lugar
errado, assim, você pode responder:

Não, minha bicicleta não está estacionada em lugar errado


(porque eu não tenho bicicleta).

Nesse caso, você estaria fazendo uma negação polêmica, já que


está negando o quadro linguístico formado pelo seu interlocutor, ou seja,
nego o enunciador que acredita que a bicicleta seja sua.

Imagine agora que dessa vez você tem bicicleta:

Não, minha bicicleta não está estacionada em lugar errado


(Porque está no lugar certo).

Nessa situação temos uma negação metalinguística: o locutor


retoma a fala do interlocutor, que coloca que a bicicleta está no lugar
errado, para negá-la.
16 Análise do Discurso

Ducrot 1979, ainda evidencia um terceiro tipo de negação, a


descritiva. Nesse tipo o locutor descreve um estado de ser negativamente,
ou seja, na sua enunciação não há outro enunciador que o negue. Como
exemplo, temos:

Não há sol hoje.

Podemos observar que não há retomada da fala do outro, mas a


apresentação negativa de uma descrição. Assim, a negação é, “pois, um
fenômeno de polissemia que, como dissemos, define-se por identificar
usos distintos não relacionados” (OLIVEIRA, 2006, p. 31).

Já em relação a diferença de significados produzidos pelos


variados tipos de enunciados tempos, na linguística, o que chamamos de
Pragmática, próximo ponto a ser estudado nessa unidade.

Pragmática
Caro aluno (a), para esclarecer os diferentes significados que
podem ser gerados pelos enunciados, o que concretiza o que chamamos
de Pragmática, José Luiz Fiorin, em “Pragmática” (2007), utiliza um dos
interessantes trechos de “As aventuras de Alice”, de Lewis Carroll. Vejamos:
-Veja, agora a senhora está bem melhor! Mas, francamente,
acho que a senhora devia ter uma dama de companhia!

-Aceito-a com todo prazer! - Disse a Rainha. – Dois pence


por semanas e doces todos os outros dias. Alice não
pôde deixar de rir, enquanto respondia: Não estou me
candidatando... e não gosto tanto assim de doces. –É doce
de muito boa qualidade- Afirmou a Rainha. –Bom, hoje,
pelo menos, não estou querendo. –Hoje você não poderia
ter, nem pelo menos nem pelo mais- Disse a Rainha. – A
regra é: doce amanhã e doce ontem – e nunca doce hoje. –
Algumas vezes tem de ser “doce hoje”- Objetou Alice. –Não,
não pode- Disse a Rainha. Tem de ser sempre doce todos
os outros dias; ora, o dia de hoje não é outro dia qualquer,
como você sabe.

Para Fiorin (2007), Alice e a Rainha discutem, nesse trecho, sobre


o sentido de palavras como hoje e outro. Para elucidar a questão dos
diferentes significados de um discurso, o autor elege a palavra hoje. Para
Análise do Discurso 17

a Rainha, o significado das palavras ontem, hoje e amanhã são fixos.


Nesse caso, se a regra é doce ontem e amanhã, Alice não poderá nunca
comer doces, já que está sempre no hoje. Já Alice entende que o sentido
das palavras em negrito está relacionado ao ato de produção de um
enunciado e, assim, por vezes há de ser “tem de ser doce hoje”, já que
hoje é o dia em que o enunciado é pronunciado.

EXPLICANDO MELHOR

Para Alice, segundo Fiorin (2007), o termo hoje se concretiza


na relação com a situação de comunicação. É por meio
dela que o significado dessa palavra pode ser inteiramente
compreendido.

Buscando uma análise pragmática eficiente, a consciência do


enunciado (estudado anteriormente) enquanto uma realização linguística
concreta é fundamental. Se considerado a teoria do Enunciado, há de
fazermos jus a ciência de que numa situação de comunicação existe: eu/
tu; espaço (advérbios de lugar e pronomes demonstrativos como aqui,
este, lá, esse); marcadores de tempo, como exemplo os termos hoje e
ontem. Inclusive, um dêitico como esses só pode ser entendido dentro
da situação de comunicação, assim, a pragmática parte do enunciado em
direção ao lugar no qual esse foi ou está sendo produzido.

Exemplo: Observe o enunciado:

Anteontem andei muito por aqui.

Só pelo enunciado não dá para saber o sentido, por exemplo,


do anteontem, do eu e do aqui: é necessário conhecer a situação
comunicacional para poder encontrar os sentidos dos enunciados,
principalmente, os que fazem uso de termos dêiticos, como o acima
exemplificado.

Surge, então, a pergunta: de maneira prática, como podemos,


enquanto analistas do discurso, fazer uma análise pragmática?
18 Análise do Discurso

Para Benveniste (1966), existem três categorias relacionadas ao


Enunciado que são fundamentais para uma análise pragmática, são elas:
A pessoa, O tempo e o Espaço. Vejamos cada uma, agora, de maneira
detalhada:

•• A pessoa:
Para Benveniste (1966) as três pessoas do discurso não
possuem o mesmo estatuto. Há semelhanças entre o eu e
o tu, já que são sempre os participantes da comunicação.
Entretanto, o ele pode ser qualquer ser ou não designar
nenhum. Além disso, enquanto que entre o eu e tu há
reversibilidade (quando você fala com alguém, ela é o tu,
quando ele te responde, você passa a ser o tu e ela, o eu),
para o ele isso é impossível.

É importante entender que: “é a situação de enunciação


que especifica o que é pessoa e o que não é pessoa (...)
Chamaremos, então, de pessoa enunciativa aquelas que
participam do ato de comunicação.” (FIORIN, 2007, p. 164).

•• O tempo:
O tempo da língua é diferente do tempo cronológico e/ou
físico: ele é ligado ao exercício da fala, ou seja, o agora é
reinventado a cada enunciado, e cada ato de fala constitui
um novo tempo. Dessa maneira, Fiorin (2007, p. 167)
determina a análise do tempo do enunciado considerando:

ME- Momento da enunciação;

MR-Momento de referência (presente, passado, futuro);

MA- Momento do acontecimento (Concomitante, anterior,


posterior, etc., a cada momento de referência).

O tempo é, “pois, a categoria linguística que marca se um


acontecimento é concomitante, anterior ou posterior a
cada um dos momentos de referência (presente, passado
e futuro), estabelecidos em função do momento da
enunciação”. (FIORIN, 2007, p. 167)

•• O espaço
Para Fiorin (2007), o espaço linguístico se ordena por
meio do tempo (hic), ou seja, o lugar do eu/tu (ego). Tudo
é assim localizado, sem que haja necessariamente uma
importância para seu lugar físico no mundo, isso, pois mais
Análise do Discurso 19

importante é aquele que os situa, já que se torna centro da


referência de localização.

Para observamos o espaço, precisamos atentar para os


pronomes demonstrativos e alguns advérbios de lugar,
considerando que esses, por vezes, são dêiticos.

A atenção dada ao espaço, tempo e pessoa, unidas à consideração


dos contextos do enunciado, (entenda, por exemplo, a importância de
compreender os dêiticos para significar o discurso, algo já discutido acima!)
concretizam o que chamamos de Análise pragmática das categorias
discursivas. Essas, por consequência, podem constituir a argumentação,
algo que entenderemos com mais clareza a partir do próximo tópico.

Argumentação
A Argumentação para a linguística foi teorizada pelos franceses
Jean-Claude Anscombre e Oswald Ducrot. Para esses, considerando
ainda que a língua funciona dentro dela mesma, sem a influência de
elementos exteriores, todo o uso da linguagem é argumentativo, ou seja,
direciona e/ou projeta de maneira ideológica o seguimento do discurso.

Para compreender melhor a Teoria da Argumentação, vejamos


como essa se deu por meio de fases, que listaremos abaixo:

•• 1ª fase: Articulação de enunciados


Nessa fase, os teóricos da Argumentação, segundo Grácio
(2015), debruçaram-se sobre as chamadas “palavras vazias”,
as que utilizamos para conectar enunciados, como por
exemplo os conectores logo, mas, portanto, no entanto,
etc. A eles foi atribuída uma valência argumentativa
devido sua capacidade de linguisticamente condicionar o
discurso.

Exemplo: Para entender melhor como funciona, observemos os


enunciados abaixo:
Esse restaurante é bom, mas caro.

(O operador argumentativo <mas> remete de maneira


expectável a sequência do discurso lógico <não vamos>.
A argumentação, portanto, está na língua)
20 Análise do Discurso

•• 2a fase: Uso das palavras como “Topoi”:


Considerando ainda o exemplo acima citado, observemos
o próprio uso da palavra, no caso <caro>. A escolha
dessa palavra, nessa segunda fase, é desde o princípio
argumentativa, já que classifica e, consequentemente,
significa, algo ou alguém. Ou seja, a interpretação parte
não só da escolha dos conectores como também da opção
por esta ou aquela palavra que formará o enunciado.

•• 3ª fase: Teoria dos blocos semânticos:

Observemos o seguinte enunciado:

Você dirige depressa, corres o risco de sofrer um acidente

Acima, podemos perceber que há um encadeamento discursivo:


o primeiro enunciado < você dirige depressa> gera concomitantemente
uma conclusão < corres do risco de sofrer um acidente>. A possibilidade
de encadeamento parte da conexão entre preposições, que articulam
blocos.

Discurso
Revisando: Uma questão importante que une as três teorias acima
trabalhadas - a lembrar: O Enunciado, a pragmática e a Argumentação- é
a questão da língua por ela mesma, ou seja, não há uma relação exterior,
seus significados se encontram dentro dela.

Fonte: @freepik
Análise do Discurso 21

Por que lembrar dessa concepção em particular é importante?


Porque, para ingressarmos de maneira completa na Análise do Discurso,
perceberemos que os estudos em torno do discurso darão uma
nova ênfase a essa anterior concepção: enunciados e interpretações
ultrapassarão os limites do texto para ganhar possibilidades interpretativas
na materialidade histórica.

Como colocado acima, para a teoria do Discurso o sistema


linguístico por si só não encerra significados da linguagem. É preciso,
para além do sistema da língua, observar seu exterior, a história. Orlandi
(1998), inclusive, observa que uma das tarefas do analista do discurso é
compreender a relação proposta entre real da língua x real da história, ou
seja, a produção de sentidos parte da relação entre história e sujeito. ........

A Perspectiva discursiva, nesse sentido, para Orlandi (1998)


considera a língua como uma estrutura que é regida por leis internas, que
se soma aos acontecimentos circunscritos na história. Assim, o discurso
materializa-se na língua. Foucault (2004) nessa conjuntura, amplia a
teoria da Enunciação ao pensar que os enunciados são pronunciados em
um determinado tempo histórico, considerando, aqui, a posição que o
sujeito assumiu e o domínio de determinado conhecimento para produzir
determinado enunciado.

EXPLICANDO MELHOR

Observemos abaixo o poema “A rosa de Hiroshima”, do


poeta e compositor Vinicius de Morais:

Pensem nas crianças


Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
22 Análise do Discurso

Como rosas cálidas


Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A antirrosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.

Considerando a Teoria do Discurso, o poema acima, para Foucault


(2004) poderia ser concebido como um constructo de fatores sociais,
históricos e institucionais. Para que esse discurso produzido por Vinícius
pudesse ser enunciado, existiu uma força histórica agindo sobre ele.

•• Adaptemos a propositura Foucaultiana: Por que esse poema só


surgiu agora e por que não teria surgido outro em seu lugar? Araújo
(2008, p. 220)  afirma que: “[...] para a história das ideias importa o
que disse um sujeito, com suas intenções, ou mesmo com o jogo
do inconsciente, de modo que é preciso resgatar sua palavra, seu
texto, como interpretá-lo corretamente.”

Assim, no poema em questão, Rosa de Hiroshima só poderia ter


surgido pela motivação histórica pela qual sofreu Vinícius de Morais, que
estava inserido no momento histórico do fim da Segunda Guerra Mundial,
em que o Estado Unido deu um “Golpe de Misericórdia” no Japão enviando
duas bombas atômicas de proporções catastróficas (metaforizadas pela
figura da “rosa”, no poema).

Intencionalmente, o eu-lírico, para a Teoria do Discurso, utiliza do


jogo dos enunciados unido à história, assim: para o contexto do ano de 1945
o poema produzido por Vinícius é completo: Significa um ato de protesto às
atrocidades da guerra. Dessa maneira, faz sentido Foucault (2004) afirmar
que criar enunciados em dado contexto é ver como as práticas discursivas
agem para produzir dizeres; é entender como surgiu a possibilidade de
aparecerem determinados dizeres em demarcadas épocas.
Análise do Discurso 23

RESUMINDO

Até aqui vimos que as teorias da Enunciação, Pragmática


e Argumentação são importantes conceitos chave para
embasar a teoria do Discurso, que amplia questões centrais
a perspectiva da linguagem não só como elaborada em
si mesma, mas também como um conjunto de fatores
sociais, culturais e históricos, que permeiam os enunciados
produzidos.
24 Análise do Discurso

Perspectivas Teóricas (Significado de


Ideologia) Segundo: Althusser, Ricoeur,
Foucault, Pêcheux
OBJETIVO:

Esclarecidas as questões em relação ao foco da Teoria


do discurso, mergulharemos agora, caro aluno (a), em um
dos quesitos importantes na produção do discurso, que
possui diversas perspectivas de abordagem pelos grandes
estudiosos da linguagem: A ideologia. Esse conhecimento
foi visto superficialmente na nossa Unidade I, agora teremos
a oportunidade de conhecer de maneira aprofundada
como as ideologias funcionam. Me acompanham nessa
empreitada?

A Ideologia Segundo Althusser


Para Sampedro (2010), Althusser trabalhou o conceito de Ideologia com
base em duas vertentes: a primeira, que trata da relação entre a ciência da
história e ideologia, o que chamamos mais especificamente de Materialismo
histórico; e uma segunda, mais prática, em que há uma nova filosofia de
produção de conhecimento: o materialismo dialético. Para Althusser, a ciência
da história (pratica teórica) comporta sobretudo uma parte pré-científica, ou
seja, a Ideologia, o que faz com que correntes científicas como o empirismo,
a fenomenologia e a etnometodologia, por exemplo, são embasadas não só
pelo momento histórico que as cercam como, principalmente, pela corrente
de pensamento ideológica que as fez surgir.

Para compreender como isso ocorre, Althusser (1986) estabelece


três momentos de Generalidade, a saber:

Generalidade I: matéria prima ideológica

Generalidade II: Conceitos já construídos

Generalidade II: O conceito científico que parte das duas outras gene-
ralidades.
Análise do Discurso 25

Segundo Althusser, a relação entre ciência e ideologia, mesmo que


conflituosa, é interdependente, já que a ciência surge por meio de pré-
noções científicas, ideológicas. Como coloca Sampedro (2010, p.33):
Se toda ciência nasce e se desenvolve excluindo a
ideologia, também é certo que as noções próprias da
ideologia se descrevem como indicadores da ciência, no
sentido de que a ciência produz o conhecimento de um
objeto cuja existência está indicada na região da ideologia.
Isso implica que a ideologia seja sempre ideologia para
uma ciência.

EXPLICANDO MELHOR

Para Althusser, toda e qualquer ciência, principalmente,


a da História, possui uma pré-noção que a fomenta essa
parte da ideologia pela qual os cientistas transitam, mesmo
que conscientemente eles neguem tal consideração, ou
seja, politicamente inflexível.

Assim, para esse teórico, mesmo que a ideologia não seja assumida
pelas vertentes científicas (esteja vigente no presente histórico), ela pode,
ao menos, exprimir as atuais situações históricas, já que a ideologia é
ao mesmo tempo fechada teoricamente e politicamente adaptável e
maleável. Assim, ela é passível de mudança, como coloca Althusser (1980,
p. 87): “A ideologia muda, pois, mas imperceptivelmente, conservando, a
forma de ideologia; ela se move, mas com um movimento imóvel, que a
mantém no mesmo lugar, em seu lugar e função de ideologia”

No sentido prático, a Ideologia para Althusser é:

•• Um modo de produção, assim como o político, jurídico, etc.;

•• Uma estrutura que surge do imaginário social;

•• Concomitantemente, as sociedades humanas não podem


subsistir sem os sistemas de representações que, em outras
palavras, constituem a ideologia;

•• As ideologias históricas mudam, mas estrutura ideológica não: ela


permanece em quais quer tipos de sociedades;
26 Análise do Discurso

•• Dizer “ciência” não é o mesmo que dizer “ideologia”: essa segunda


dá-se na prática teórica, antecede e permeia a ciência elaborada.

Desse modo, segundo Motta & Serra (2014, p. 13):


A ideologia não é, portanto, uma aberração ou
uma excrescência contingente da História: é uma
estrutura essencial à vida histórica das sociedades.
Tampouco pertence à região da consciência. Ela é
profundamente inconsciente. A ideologia, para Althusser, é
um sistema de representações, mas essas representações
na maior parte das vezes imagens, às vezes conceitos, mas
é antes de tudo como estruturas que elas se impõem aos
homens sem passar para a sua “consciência”. A ideologia
refere-se, então, à relação “vivida” dos homens no seu
mundo.

Dessa maneira, a Ideologia é, para Alhusser, a relação entre o


homem e seu mundo. Resta-nos, então, uma pergunta: Como o sujeito,
então, emerge enquanto parte da teoria da Ideologia para esse pensador?

Althusser coloca que há uma relação entre sujeitos: Toda ideologia


possui um centro e nele há um sujeito Absoluto, que ocupa um lugar
único, interpelando os outros sujeitos a sua volta em dupla relação de
submissão, ou seja, a troca de lugares entre sujeitos Absolutos e sujeitos
que o cercam. Nesse sentido:
a estrutura duplamente especular da ideologia garante
simultaneamente: 1) a  interpelação  dos indivíduos como
sujeitos; 2) sua submissão ao Sujeito; 3) o reconhecimento
mútuo entre os sujeitos e o Sujeito, e entre os próprios
sujeitos, e o reconhecimento do sujeito por si mesmo;
4) a garantia absoluta de que tudo está bem assim,
e sob a condição de que tudo está bem assim, e sob a
condição de que se os sujeitos reconhecerem o que são
e se conduzirem de acordo tudo irá bem: ‹assim seja›»
(Althusser 1976, pp. 118-119).
Análise do Discurso 27

A Ideologia Segundo Ricoeur


IMPORTANTE

Antes de mais nada, é imprescindível saber que a teoria


da Ideologia, para Ricoeur, associa-se à Literatura. Dessa
maneira, esse pensador parte da Hermenêutica literária
para compreender os mecanismos ideológicos.

Para Ricoeur (1991,2008), a ideologia entra em pauta quando o


compreender-se diante de uma obra literária se faz enquanto apropriação
e desapropriação de significações ao mesmo tempo. Assim, para Pegino
(2006), a apropriação simbólica de um mundo que existe e é significante
passa a fazer parte da relação do ser com o mundo, e constitui-se em
elemento central no processo de compreender-se diante da obra.
Portanto, a apropriação dos significados de uma obra acontece por meio
da compreensão de uma ideologia que permeia o contato entre leitor-
literatura.

Entretanto, para Ricoeur a Ideologia pode trazer consigo duas


armadilhas: a primeira refere-se à definição inicial de conceito, que
poderia gerar um status de poder, algo que o teórico rebate ao colocando
em xeque a rejeição da ideologia em termos de classe social (Atente
para o fato de que Ricoeur tenta afastar-se de uma análise marxista da
Ideologia); a segunda trata do estatuto epistemológico da Ideologia. No
caso dessa segunda armadilha, para Pegino (2006, p.8):
Ricoeur abdica da perspectiva positivista de ciência
como o lugar por excelência da liberdade das amarras da
ideologia. Ainda mais quando esse lugar é utilizado como
porto seguro daqueles que, advogando em prol de sua
própria (pretensa) objetividade e neutralidade, denunciam
a ideologia de outras formas de conhecimento filosófico.
Com esforço, Ricoeur resvala na denúncia entre ciência e
interesse levada a cabo pela Escola de Frankfurt.
28 Análise do Discurso

EXPLICANDO MELHOR

Assim como Althusser, Ricoeur acredita que toda ciência


parte de uma ideologia, mesmo que essas afirmem que
agem com neutralidade. Dessa maneira, para os dois
pensadores, toda produção científica tem bases ideológicas.

Partindo desses pressupostos, Ricoeur constrói o seu próprio


conceito de Ideologia que se baseia em três etapas, a saber:

1. A ideologia precisa ser apreendida por meio de sua dimensão


integradora, originando o primeiro nível ideológico: “A ideologia
é a função de distância que separa a memória social de um
acontecimento que, no entanto, trata-se de repetir” (Ricoeur, 2008
p. 78). Por meio da integração a ideologia pode ser:

•• Elemento mobilizador;

•• Elemento justificador;

•• Dinâmica: motiva, justifica e compromete;

•• Opinativa, não crítica: “[...] uma ideologia é operatória, e não


temática. Ela opera atrás de nós, mais do que a possuímos como
um tema diante de nossos olhos. É a partir dela que pensamos,
mais do que podemos pensar sobre ela” (Ricoeur, 2008, p. 80).

2. A Ideologia possui uma função de dominação, visto que ela integra


um sistema de autoridade (de vertente Werberiana, não Marxista)
que pede legitimação, e essa legitimação só pode ser dada pela
crença dos indivíduos.

NOTA

Para entender essa questão de dominação e como ela


difere-se da vertente Marxista, Pegino (2006, p.10) coloca
que:
Análise do Discurso 29

A dominação, em sua relação com as tipificações de


autoridade weberiana, é um elemento por certo desejado
pelo grupo (correspondendo à oferta de crença), pois
também possui um elemento integrador e há uma relação
de pertença do nível integrador no nível da dominação,
donde se apreende, na teoria ricoeuriana, que essa relação
não é, em si, danosa, mas se dá em termos de equilíbrio
e desiquilíbrio.

Dessa maneira, a concepção de Ricoeur sobre dominação está


baseada em uma relação mútua entre dominador e dominado, na qual
dominado sente-se como pertencente natural àquela ideologia.

1. A ideologia possui caráter deformativo. Aqui, Ricoeur faz uso


do conceito Marxista da deformação do mundo, de um mundo
invertido. Como exemplo, para Ricoeur, temos a religião, em que a
imagem é o real e o que ela reflete é o original. Ou seja, a religião
impõe uma ideologia, por meio de seu conteúdo, que é inversa a
outras tantas.

Por fim, vale deixar marcado para vocês, alunos (as), que o conceito
de Ideologia Ricoeuriana é sempre correlacionado ao Marxismo, como
vimos no decorrer desse estudo.

A Ideologia Segundo Foucault


Caro aluno (a), para entender é ideologia segundo Foucault é preciso
saber, antes de mais nada, que esse estudioso não a supervaloriza. Vamos
descobrir o porquê?

Para Benevides (2013), Foucault elenca três razões pelas quais a


Ideologia é “Dificilmente utilizável” (FOUCAULT, 1998, p.7) que seriam:

1. “Queira-se ou não, ela [a noção de ideologia] está sempre em


oposição virtual a alguma coisa que seria a verdade” (FOUCAULT,
1988, p.7). Ou seja, Foucault separa Ideologia de verdade;

2. A ideologia sempre estará vinculada ao sujeito, e esse, geralmente,


possui uma série de constructos que baseiam sua escolha por
algum tipo de Ideologia;
30 Análise do Discurso

3. A terceira se refere ao caráter periférico, derivado, acessório,


da noção de ideologia em relação com a realidade, o mundo
material. Assim, para Foucault, a Ideologia seria um termo frágil
para fundamentar as relações de poder.

Isso acontece posto que, para Foucault, mais do que Ideologia, as


relações sociais são regidas pelo que ele chama de “Verdade e Poder”
Foucault (1988, p. 13). Esse estudioso evidencia que “é preciso pensar
os problemas políticos dos intelectuais não em termos de ‘ciência/
ideologia’, mas em termos de ‘verdade/poder’”. Dessa maneira, apesar de
a Ideologia ser parte significativa das relações de poder, ela jamais será
uma estrutura fundamental.

Logo, diferentemente dos outros estudiosos acima referidos,


a relação entre História e Ideologia para Foucault não é uma relação
primária para entender o movimento da sociedade. Como aponta Valeirão
(2012, p. 9):
Seria equivocado entender os eventos históricos somente
sob o peso da ideologia já que esta, em última instância,
diz respeito a uma idealização nobre e vaga que tenta
explicar o desenvolvimento da História como se os
objetos determinassem as práticas e os discursos, e não
o contrário disso. Eis porque a metodologia de análise da
História, para Foucault, prima pela problematização dos
discursos e das práticas ao invés do desvelamento sob o
peso das ideologias.

Desse modo, para Foucault, a Ideologia não é a mola propulsora


para entender a história, antes, parte secundária, um termo acessório, que
contribui para compreensão das relações de dominação sociais.
Análise do Discurso 31

A Ideologia Segundo Pêcheux


Para Pêcheux, a Ideologia tem ligação direta com os modos de
produção. Considerando que, nos modos de produção, sempre a um lado
responsável pelas forças produtivas e outro, responsável pelas relações
de produção, o estudioso divide sua interpretação de Ideologia em duas,
acompanhando a essa divisão dos modos de produção. Seriam elas:

1. Ideologia do tipo “A”: Análise dos produtos como resultantes da


prática técnica com base no empirismo (As forças produtivas).
Aqui, a referida é um meio de recombinar discursos anteriores
como meio de criar um novo “discurso original”;

2. Ideologia do tipo “B”: Condições para a prática política (As relações


de produção). Nesse tipo, a Ideologia é um meio de produção e
manutenção de diferenças necessárias entre as classes sociais,
com foco em uma especificamente: O trabalhador e o não
trabalhador.

Para Siqueira (2017), mais do que dividir a ideologia em duas


partes “puras”, há de se ter noção das condições de surgimento de cada
elemento. Assim:
Em relação ao processo de produção, a ideologia opera
sob o que Pêcheux chama de “realização técnica do real”,
“sob o controle de uma ideologia da forma técnica-empírica
que assegura o sentido do objeto produzido”[3]. O efeito
ideológico de tipo “A”, assim, se refere à forma empirista
da ideologia, que tem como objetivo ligar a significação
à realidade, manter uma correspondência “correta” entre
ambos. [...]. Em relação às relações sociais de produção, a
ideologia opera sob a forma especulativa-fraseológica, já
que tem como função assegurar aos agentes de produção
sua posição destinada pela formação social. A ideologia
de tipo “B” atua como condição indispensável das práticas
políticas e essas, por sua vez, têm no discurso, a forma de
sua transformação. (SIQUEIRA, 2017, p. 3).
32 Análise do Discurso

EXPLICANDO MELHOR

Para Pêcheux, a Ideologia está no campo das relações


sócio econômicas e, portanto, considerando as diversas
divisões sociais, sua perspectiva ideológica tanto refere-
se à questão de a ideologia permear os sentidos que
se pretende formar com a realidade; bem como, numa
perspectiva política, é força maior para a elaboração dos
discursos que demarcam as classes sociais.

RESUMINDO

Nesse capítulo vimos quatro tipos de Ideologia, a saber:


A teoria da Ideologia segundo Althusser, que gira em
torno da consideração de que o sujeito está em constante
relação com o mundo em que está inserido; a perspectiva
de Ricoeur, que evidencia a questão da dominação pela
Ideologia; A Ideologia segundo Foucault, que para ele é
uma parte secundária, um termo acessório, que contribui
para compreensão das relações de dominação sociais; e,
por fim, a Ideologia para Pêcheux, em que essa se encontra
no campo das relações sócio econômicas e, por isso, é a
força maior para elaborar discursos que demarcam classes
sociais.
Análise do Discurso 33

Perspectivas da Análise do Discurso de


Linha Americana (Givón); Análise do
Discurso de Linha francesa (Foucault,
Pêcheux); Análise crítica do Discurso

OBJETIVO:

Prezado aluno (a), consideradas as diversas formas do


pensar ideológico, que subsidia, assim como outros
critérios, a formulação dos mais diversos discursos,
partiremos para as resultantes dessa produção científica
pela qual passeamos até agora: As várias perspectivas da
Análise do Discurso.

NOTA

De antemão, é importante salientar que os dois primeiros


pontos tratarão da grande divisão da Análise do discurso:
americana x francesa, e que, segundo Orlandi (2005, p.78)
essa divisão não é meramente geográfica:

Do lado da americana (...) está a tendência de uma declinação


linguístico-pragmática (empirista) da análise de discurso com um
sujeito intencional, e do lado europeu a tendência (materialista) que
desterritorializa a noção de língua e de sujeito (afetado pelo inconsciente
e constituído pela ideologia).
34 Análise do Discurso

Análise do Discurso de Linha Americana


(Givón)
Se a Análise do Discurso americana está para uma tendência
empírica, ela se baseia, portanto, no funcionalismo da linguagem. Dessa
maneira, a Análise do Discurso de Givón tem por alicerce a consideração
de que a língua é um instrumento social, meio pelo qual os indivíduos
interagem, se comunicam.

Com a publicação de From Discourse to Syntax (1979), Talmy Givón


propõe que todo enunciado (as chamadas sentenças sintáticas) pode ser
analisadas por meio da investigação de suas motivações discursivas, ou
seja, a estrutura do enunciado é resultante direto dos componentes do
discurso e, assim, insere-se no universo maior da Análise do Discurso.

Por conseguinte, segundo Martins (2009), o contexto do discurso


ganha visibilidade enquanto motivador para a produção linguística: Só
formamos enunciados partindo de objetivos que estão no plano do
discurso (as intenções, as práticas, etc.) no uso da língua. Para Givón
(1979), a pragmática do discurso tem papel fundamental na explicação
da sintaxe linguística, assim, para o pensador, a sintaxe é dependente,
motivada funcionalmente pelos processos de cognição e comunicação.

Para esclarecer melhor essa perspectiva, Givón (1979) estabelece


dois polos da modalidade comunicativa: O pragmático e o sintático,
ambos visando a funcionalidade da linguagem. A gramática, posto isso, é
construída por meio do discurso, baseando-se seu uso na concretização
desse pelos falantes.

A linguagem, nesse âmbito, torna-se um sistema de interação


social. Enquanto Analistas do Discurso, para as considerações de Givón,
portanto, para além de observar os fenômenos estruturais do discurso,
precisamos, fundamentalmente, considerar toda a situação comunicativa.
Melhor dizendo, como coloca (NICHOLS, 1984, p.97), necessitamos buscar
“O propósito do evento da fala, seus participantes e o contexto discursivo”.
Desse modo, a situação comunicativa motiva, explica e determina a
estrutura gramatical.
Análise do Discurso 35

Análise do Discurso de Linha Francesa


(Foucault, Pêcheux)
NOTA

Diferentemente da vertente americana, que unicamente


trata da questão do discurso nos contextos, a vertente
francesa da Análise do Discurso amplia essa ideia ao
colocar a noção de língua e sujeito como resultantes de
ideologias e afetados pelo inconsciente (político). Vale
então lembrar, caro aluno (a), dos conceitos de Ideologia
trabalhados anteriormente para ajudar a esclarecer a
Análise do discurso de linha europeia.

•• Pêcheux e Foucault

A partir de 1977, o estudioso francês Michel Pêcheux se debruçou


sobre os contextos epstemológicos das Ciências Humanas na França,
inclusive o surgimento da Análise do Discurso. Dentre os principais
aspectos elencados por Pêcheux, temos: que a formação do discurso
é linguística e histórica; que a forma discursiva produzida pelo sujeito
é sempre ideológica, não empírica (não só como um instrumento de
comunicação baseado no contexto, diferindo-se da vertente americana).

Nesse sentido, a linguagem é entendida como trabalho simbólico


de ação e transformação, em que “tomar a palavra é um ato social com
todas as suas implicações, conflitos, reconhecimentos, relações de poder,
constituição de identidade, etc.” (ORLANDI, 1998, p.17). Para Pêcheux, o
sujeito é perpassado tanto pelo inconsciente quanto pela ideologia, o
que faz dele um sujeito descentrado, ou seja, apesar de ter a ilusão de
que é fonte primária do que diz, o homem é, para a Análise do Discurso,
resultante de ideologias e políticas que o constituem, e o que é enunciado
por ele acompanha essa lógica. Desse modo, o sujeito é um (re) produtor
de discursos.
36 Análise do Discurso

Por essa ótica, o sujeito, para Pêcheux, não se faz enquanto fonte
absoluta de significado, posto que ele se constitui pela fala de outros
sujeitos, ele é o resultado da união de várias vozes, em uma correlação
sócio ideológica: o sujeito é heterogêneo. Segundo o Pêcheux (1990),
dessa maneira, o sujeito pode sofrer dois tipos de esquecimento:

1. Aquele em que o sujeito acredita ser a origem de tudo o que


enuncia. Esse tipo de esquecimento é de vertente ideológica e
inconsciente: esse procura apagar tudo o que não está dentro de
sua formação discursiva, ilude-se em ser o criador de tudo;

2. Neste, o sujeito acredita que o que diz tem um único significado e,


dessa forma, espera que seu interlocutor apreenda o significado
que ele quer transmitir.

As ideias pioneiras de Pêcheux auxiliaram outros estudiosos da


Linguagem, como Foucault. Dele, surge a questão da ciência histórica e
suas descontinuidades, dispersão, que implica no abrangente conceito
de formação discursiva; na relação entre saber e micro poder; na atenção
à leitura, interpretação e memória discursiva.

Já o trabalho de Foucault (1988), descentralizou a identidade do


sujeito, isso graças ao que ele chamou de poder disciplinar (que nada
tem a ver com opressão e/ou poder do estado): poder que conduz tanto
comportamento humano quando a regulação do corpo e indivíduo,
o controle do que pensa e como se comportam as sociedades. Poder
disciplinar, nesse sentido, constitui um poder localizado nas instituições
modernas que “policiam” e disciplinam populações. Tal visão esclarece
a heterogeneidade do sujeito, que é, mesmo que inconscientemente,
atravessado por vozes ideológicas. Para Bonácio (2017. P.14):
Na visão de Foucault (2004), falar é mais que produzir
enunciados em uma dada situação, é ver como certas
práticas discursivas agem na produção do dizer, é saber
como houve a possibilidade de aparecer certos dizeres em
determinadas épocas.

Para Foucault, portanto, a Análise do discurso também parte do


ideológico: “a verdade está circularmente ligada a sistemas de poder, que
a produzem e a apoiam e a efeitos de poder que ela induz e a reproduzem”
Análise do Discurso 37

(1980, p. 131). Assim, os estudos Foucaultianos inauguram na Análise do


discurso a relação entre verdade e poder, sendo os discursos regimes de
verdade e, cada regime de verdade, pertencente a uma sociedade em
particular.

A verdade, nesse contexto, é para Foucault (1980) convencionada e


organizada pelas instituições e está estreitamente relacionada a como os
sujeitos se formam, inclusive em relação a linguagem a qual se apropriam.
Enquanto isso, o saber passa a ser um conjunto de práticas do discurso,
embasadas pelos acontecimentos políticos, processos econômicos,
bem como instituições. Verdade e saber tornam-se, portanto, poder, que
é construído historicamente, expandindo-se socialmente. Em suma, o
poder, para Foucault (1988), penetra em instituições, torna-se técnica de
dominação.

Além da questão do Discurso, Foucault (2004) traz também a


questão do estabelecimento de enunciados com outros enunciados. Para
um autor, um enunciado sempre trará, evidente ou não, as marcas de
outros. Assim, para a Análise do Discurso foucaultiana, é imprescindível
entender a rede de relações que permitem que os enunciados sejam ditos
e entendidos, o que ele chama de “domínio associado”: a presença de
outros discursos por meio da memória discursiva. Isso, pois os enunciados:
a) são de natureza histórica, porque é nela que encontra
sua existência; b) possuem uma materialidade específica,
são registrados de alguma forma; c) permitem ligações,
correlações com outros enunciados, com já ditos; d) não
se referenciam a um único objeto, estado de coisa, em
uma realidade pronta e acabada. Sobre esse último item,
Foucault (2004)  revela que os objetos podem mudar de
sentido por conta das formações discursivas (FD) em
que se encontram dispersos. Um mesmo objeto pode
ganhar sentidos diferentes de acordo com a FD a qual
ele pertence. Em vista disso, temos que o discurso é
constituído por enunciados os quais se dispõem seguindo
uma formação discursiva dada, na qual determinam seu
agrupamento realizado por meio de relações. (BONÁCIO,
2017, p.18)
38 Análise do Discurso

Exemplo: Observe a charge abaixo:

Fonte:@pixabay

Trazendo para a prática a questão de outros dizeres em um mesmo


enunciado, mesmo que em linguagem não verbal, necessitamos remeter
a charge em questão a outros enunciados para compreendê-la, já que
o discurso funciona em uma rede de relações, na qual o que já foi dito
retorna para reformular um novo discurso.

Como podemos observar, para formular o discurso do mundo


enquanto uma “bomba” prestes a explodir, buscamos passar essa ideia por
meio de uma rede de outros enunciados construídos sócio historicamente:
“Um Deus que presenteia o ser humano”; “Um bebê que recebe uma bola
de presente”; “A ideia de que nem Deus pode curar os males do planeta”; e
por aí vai. A união de discursos é múltipla e, claro, ideológica: Parte de um
ponto de vista que o cartunista em questão quis transpassar.

Esses novos discursos sobre o planeta colocados na história


por meio das mídias (materialidade) podem ser analisadas sob o que
Foucault (2004) denominou de “acontecimento discursivo”. Dele, outros
textos surgem, sentidos são trazidos de volta; deslocados, interditados,
formando, dessa maneira, um arquivo, que imputa um dos sistemas de
enunciabilidade do homem moderno (em sua subjetividade).
Análise do Discurso 39

EXPLICANDO MELHOR

Para Foucault (2004), cada enunciação é exclusiva, possui


sua particularidade. Em contrapartida, um enunciado pode
ser constitutivamente repetível, podendo ser repetido,
atualizado, transformado:

Em geral, a descrição histórica das coisas ditas é


inteiramente atravessada pela oposição do interior e do
exterior, e inteiramente comandada pela tarefa de voltar
dessa exterioridade – que não passaria de contingência
ou pura necessidade material, corpo visível ou tradução
incerta – em direção ao núcleo essencial da interioridade.
Empreender a história do que foi dito é refazer, em outro
sentido, o trabalho da expressão: retomar enunciados
conservados ao longo do tempo e dispersos no espaço,
em direção ao segredo interior que os procedeu, neles
se depositou e aí se encontra (em todos os sentidos do
termo) traído (Foucault, 2004, p. 140).

Para Foucault (1998), os enunciados não circulam como querem,


livremente, eles são regidos pelos micropoderes: Esses penetram no
cotidiano, pulverizados, disseminando atitudes, gestos, hábitos, discursos;
e agindo no corpo dos sujeitos. Segundo (Foucault (1998), não existe poder
em si, mas sim, relações de poder. Nesse sentido, esses micropoderes
são exercidos por meio de várias práticas discursivas, não sendo somente
repressivo, mas também administrativo, já que pode controlar a vida das
pessoas.

Ao passo que há micropdoeres, há, para Foucault (1998), resistências,


já que esses discursos não chegam aos sujeitos de forma neutra: existem
os que resistem, não aceitam passivamente, pois têm consciência da
historicidade dos mesmos. Para Araújo (2017, p. 22):
O enunciado não é constituído por uma relação do
significante com seu significado, nem do nome com seu
designado, ou da frase com seu sentido, ou ainda, da
proposição com seu referente, mas por configurar uma
situação da ordem do discurso, características do saber de
uma época.
40 Análise do Discurso

Assim, para a Análise do Discurso elegida por Foucault, Significantes


e significados são de suma importância para determinada ordem do
discurso: para compreender, para além do literal, os panos de fundo
históricos que regem os enunciados.

RESUMINDO

Vimos nesse capítulo que a corrente americana da Análise


do Discurso privilegia o Funcionalismo. Já dentro da Análise
do Discurso de linha francesa, temos em Pêcheux a noção
de que interpretação é um gesto, ou seja, um ato simbólico,
assim, linguístico e social formam enunciados que
necessitam de interpretação para que haja construção de
significados; Para Foucault, por fim, o discurso é resultante
de uma construção de sujeitos heterogêneos, influenciados
por ideologias que partem de verdades instituídas, bem
como saberes institucionalizados.
Análise do Discurso 41

Authier-Revuz e a Análise Crítica do


Discurso
OBJETIVO:

Nesse último capítulo apresentaremos a você, prezado


aluno(a), Authier-Revuz, estudiosa que, por participar da
terceira geração de analistas do Discurso, se aproxima das
teorias elencadas no último tópico dessa unidade: a Análise
Crítica do Discurso.

Authier-Revuz
Authier- Revuz faz parte da terceira geração de linguistas a estudar
a Análise do Discurso. Partindo da heterogeneidade do sujeito, algo
inclusive proposto do Foucault, essa estudiosa elegerá o reconhecimento
do jogo do “não-um” no discurso, ou seja, todo discurso além de partir do
inconsciente ideológico, deixa marcas visíveis, considerando o contexto
em que está sendo produzido. O “outro” (as vozes que constituem o
discurso) pode tornar-se visível, por exemplo, quando um enunciador
passa a traduzir as palavras de outrem, ou quando, de outra maneira,
usa certas palavras e simultaneamente as explica, tornando-se um
observador/utilizador de suas próprias palavras.

Esse uso das palavras é chamado, por Authier-Revuz, de


modalização autonômica. Três características que constituem, a saber:
formas facilmente identificáveis nas cadeias de significantes; O comentário
sobre o dizer que acabou de ser enunciado; e formas apacificastes de
representação do que foi dito, que colocam em xeque as representações
do dizer por meio da escolha das palavras que a ele relacionam-se.

Nesse ínterim, estamos evidenciando o que Authier-Revuz (1982)


chama de heterogeneidade mostrada e constitutiva. Vejamos:

1. Heterogeneidade mostrada:

A hererogeneidade mostrada acontece quando “No fio do discurso


que, real e materialmente, um locutor único produz, um certo número
42 Análise do Discurso

de formas, linguisticamente detectáveis no nível da frase ou do discurso,


inscrevem, em sua linearidade, o outro” (AUTHIER-REVUZ, 2004, p.12).
Esse conjunto de formas pode se inscrever no outro de maneira marcada
e/ou não marcada. A mais evidente da heterogeneidade mostrada é, pois,
o discurso relatado: em outras palavras, o discurso direto e indireto.

Na frase, esses tornam-se enunciação. No discurso indireto o


locutora transforma-se em um tradutor, ou seja, usa suas próprias palavras
para remeter-se ao discurso de outro(s) como fonte de “sentido”. Já no
discurso direto, são literalmente as palavras de um outro que ocupam o
espaço/tempo de maneira clara, evidente.

Para Mesquita & Rosa (2010, p.5) as formas marcadas da


heterogeneidade mostrada:
São explícitas e podem ser recuperadas no nível
enunciativo, a partir de marcas linguísticas, que mostram
a presença de uma outra voz. Dentre as formas marcadas,
encontram-se o discurso direto, o discurso indireto, a
modalização autonímica, a autonímia, as aspas, a glosa,
o itálico e a entonação. As formas não-marcadas, por
sua vez, são mais complexas, pois não estão explícitas
e a heterogeneidade deve ser reconstituída a partir de
diferentes índices – discurso indireto livre, ironia, antífrase,
alusão, pastiche, imitação, metáforas, jogos de palavras,
reminiscência. No grupo das formas marcadas, há modos
explícitos da presença do discurso do outro por meio de
marcas na língua. No grupo das formas não-marcadas,
essas marcas não são explícitas, não aparecem, cabendo,
portanto, ao receptor o reconhecimento ou interpretação
da presença de um outro discurso.

•• Qual seria, caro aluno (a) a importância dessa heterogeneidade


mostrada?

É por meio dela que pode haver a representação de diferentes


relações entre o sujeito que fala e a possibilidade de construção de seu
discurso.
Análise do Discurso 43

2. Heterogeneidade constitutiva:

A heterogeneidade constitutiva nada mais é do que a presença do


outro no discurso, mas não uma presença desvelada, mostrada: antes,
ela é da ordem do inconsciente. Segundo Mesquita e Rosa (2007, p. 7) a
heterogeneidade constitutiva:
Está no exterior, ou seja, no outro, que são os discursos
construídos sócio-historicamente e que atravessam as
enunciações do sujeito. Dessa forma, ela transcende a
possibilidade de identificação/descrição dos elementos
linguísticos, como o faz a heterogeneidade mostrada. A
heterogeneidade constitutiva é assim chamada porque
não há discurso que não seja constituído por ela, ou
seja, não existe discurso que não esteja perpassado por
inúmeros outros discursos, ou já-ditos.

Para embasar a possibilidade da Heterogeneidade constitutiva,


Authier Revuz apoia-se em Bakthin e na Psicanálise, já que esses
questionam o locutor “livre”, que acredita dominar por completo seu
discurso, conscientemente. Assim, há para Authier-Revuz sujeitos inscritos
em discursos, atravessados constantemente por outros discursos. Sendo
assim portanto, o sujeito não manda no seu dizer, ele apenas escolhe as
palavras. Assim, mesmo que tenhamos a ilusão de originalidade, somente
algo que já foi enunciado pode ser expresso novamente. Desse modo,
o sujeito não é o dono de suas palavras, antes, “repete” a dos outros.
Mesmo assim, ele pensa ter controle sobre como os sentidos são nele
constituídos. O sujeito, portanto, esquece o que o “outro” disse e toma
para si a autoria.

Por isso um dos pontos chaves da Análise do Discurso de Authier-


Revuz é a heterogeneidade. Mesmo que o Sujeito esqueça o “outro”, seu
discurso sempre será transpassado por esse. Para Mesquita e Rosa (2007,
p.14) vale destacar
Que a heterogeneidade é constitutiva tanto do discurso
quanto do sujeito, uma vez que não há discurso
homogêneo, já que ele é também do outro. Por isso,
pensar a heterogeneidade constitutiva é pensar sobre a
constituição do tecido discursivo.
44 Análise do Discurso

Análise Crítica do Discurso


A Análise Crítica do Discurso (ACD) é um mecanismo de análise/
interpretação que buscou uma base teórica rica, como por exemplo os
três estudiosos acima elencados, para formular uma nova teoria: a de
que o sujeito tem capacidade de transformar seu meio social a partir do
discurso, em um movimento no qual a sociedade modela o discurso, bem
como esse modela a sociedade. Dessa maneira, a ACD, segundo Pedro
(1998, p. 15) é aquela que:
Recusa a neutralidade da investigação e do investigador,
que define os seus objetivos em termos políticos, sociais
e culturais e que olha para a linguagem como prática
social e ideológica e para a relação entre interlocutores
como contextualizada por relações de poder, dominação
e resistência institucionalmente constituídas.

Assim, os analistas críticos do discurso se posicionam de maneira


política em relação aos seus procedimentos de análise. Para isso, verificam
como as práticas discursivas, sociais e linguísticas se correlacionam
de maneira a alicerçar práticas ideológicas de difícil desarticulação,
buscando, dessa forma, alcançar uma neutralidade advinda de uma
postura crítica. Por esse viés, a ACD pode intervir na sociedade e gerar
mudanças, principalmente em favor dos menos desfavorecidos (sujeitos
oprimidos sócio economicamente). Como coloca Van Dijk (2008, p. 19):
Se o discurso controla mentes, e mentes controlam ação,
é crucial para aqueles que estão no poder controlar o
discurso em primeiro lugar. Como eles fazem isso? Se
eventos comunicativos consistem não somente de escrita
e fala “verbais”, mas também de um contexto que influencia
o discurso, então o primeiro passo para o controle do
discurso é controlar seus contextos. [...] isso significa
que precisamos examinar em detalhe a maneira como o
acesso ao discurso está sendo regulado por aqueles que
estão no poder.
Análise do Discurso 45

EXPLICANDO MELHOR

Compreendendo que o discurso é regulado por quem está


no poder, a ACD se dispõe a elaborar uma análise crítica de
como o esse discurso interfere na vida dos sujeitos e como
pode, dessa maneira, ser desarticulado.

Para atingir seus objetivos, a ACD assume a concepção de que


a ideologia é hegemônica, pois estabelece e sustenta relações de
dominação, além de servir como benefício àqueles que dominam os
blocos sociais, já que esses podem, por meio do discurso, disseminar suas
ideias revestidas de “senso comum”. É importante salientar, aqui, como a
Análise do Discurso contribuiu para a existência da ACD: por meio dela
passou-se a enfatizar, nos estudos da linguagem, a perspectiva social,
dando margem para pensar criticamente a língua e as intencionalidades
de quem a usa.

•• Dispositivos teóricos da ACD

A grande intencionalidade da ACD é construir um aparelho teórico


integrado, que possibilite descrever, explicar e interpretar os discursos
dominantes que influenciam os saberes, o conhecimento e as atitudes
ideológicas dos sujeitos. Dentre esses métodos tempos duas concepções:

•• A opacidade da linguagem:

A ACD parte da ciência de que muitas relações entre linguagem e


estruturas sociais são opacas, ou seja, passam de maneira despercebida
por entre os sujeitos. Por isso a importância dada pela a ACD aos contextos.
Segundo Melo (2011, p.5) os contextos seriam:
Os elementos externos à linguagem que interferem na
composição e sentido da mesma, dentre eles a cultura,
a história e a ideologia. Para os analistas críticos, esses
recursos são totalmente extrínsecos aos textos, porém
fazem parte da constituição do discurso, só sendo
possível reconhecê-los nos textos se levarmos em
consideração, como afirma Pedro (1997, p. 33) que, na
sua função representativa, a forma linguística é sempre
deformada pelos efeitos do poder [...] [e] tem sempre um
efeito mediador que leva a processos de enviezamento
46 Análise do Discurso

articulados em modos específicos [...] e na sua função


de construção, a linguagem projeta, permanentemente,
relações e estruturas sociais, de acordo com os desejos
dos participantes, em regra os do(s) participante(s) mais
poderosos.

Ou seja, o objetivo metodológico do analista crítico do discurso


é procurar essas pistas na intenção de visibilizar as relações entre
linguagem e práticas sociais, que são geralmente naturalizadas por
grupos dominantes.

•• Poder e ideologia no discurso

Para a ACD, os textos são atravessados por relações tanto ideológicas


quanto de poder. Nesse sentido, uma das maiores preocupações da ACD
é identificar como a língua é usada como mantenedora ou desafiadora de
tais relações na contemporaneidade.

Assim, a ideologia é vista pela ACD como formas de ver o mundo,


contribuindo, mantendo ou mudando sistemas de dominação. Esses,
organizados por instituições de modo hierárquico.

Já o poder é a possibilidade que indivíduos e instituições têm de fazer


algo influenciar em algum contexto. Apesar das várias violências explícitas
que temos hoje, o poder não tem sido usado por meio de imposição, mas
sim, através de discursos ideologicamente institucionalizados. Além disso,
segundo Melo (2011, p.13), a ACD
Pensa a linguagem como um espaço de luta irregular
de poder, ressaltando o papel da cobiça constante por
hegemonia, isto é, a “liderança tanto quanto dominação
nos domínios econômicos, político, cultural e ideológico
de uma sociedade” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 122). Assim, na
ACD, podemos falar em poder hegemônico quando o poder
está a serviço da continuidade da liderança e dominação
de uns sobre outros. Diante disso, os analistas críticos do
discurso desenvolvem uma teoria/método para investigar
como o exercício de poder hegemônico se mescla com
práticas discursivas no mundo contemporâneo, ou seja,
analisar e revelar o papel do discurso na (re)produção da
dominação.
Análise do Discurso 47

A dominação, nesse sentido, é entendida como exercício do poder


pelas elites, grupos e instituições e o resultado não poderia ser outro:
desigualdades sociais, políticas; discriminação por classe, gênero, etnia
e orientação sexual.

De maneira específica, os analistas críticos do discurso buscam


saber quais estratégias e/ou estruturas, do texto falado ou escrito,
motivam a repercussão de modos de reprodução. Assim, a ACD acredita
que o discurso possui um poder constitutivo, já que, por meio de seu uso,
os sujeitos mantêm, constroem, transformam realidades sociais: mantêm
ou modificam suas realidades. Em síntese, por meio de Maurer, Melo
(2011, p.16) indica três princípios que norteiam o conjunto teórico da ACD,
a saber:
1. os indivíduos realizam ações por meio da linguagem,
de acordo com o conceito de ato de fala elaborado
nos estudos da Pragmática por Austin (1962) e Searle
(1969); 2. as formas discursivas e as estruturas sociais se
influenciam mutuamente, princípio este, cunhado pelas
Ciências Sociais, em especial por Antony Giddens (2003),
de que há sempre uma relação biunívoca entre os textos e
a sociedade; 3. os recursos empregados pelos indivíduos
para produzir e consumir textos não são apenas cognitivos,
mas sociocognitivos atravessados por ideologias.

Desta feita, compreendemos que a Análise Crítica do Discurso, para


além da teoria, norteia os passos e pontos principais dos quais um analista
do discurso deve apreender para poder construir uma crítica constritiva
e contributiva para o meio no qual vive e, em maior amplitude, para a
sociedade como um todo.
48 Análise do Discurso

RESUMINDO

Nesse último capítulo mostramos como Pêcheux e Foucault,


Authier- Revuz descentraliza o sujeito, mostrando que esse
é heterogêneo, ou seja, impossibilitado de se desfazer das
múltiplas vozes que o constitui. Ele é, portanto, um “não-
um”. Já em relação à Análise Crítica do discurso, pudemos
perceber que essa absorve a linguagem pela perspectiva
social, advinda da Análise do Discurso, para poder analisar
criticamente (e assim contribuir socialmente) discursos de
nascente ideológica usada por opressores para atingir as
camadas mais frágeis da sociedade, os oprimidos.

Após toda essa incursão teórica, chegamos ao fim de mais uma


unidade. Que venha a próxima!
Análise do Discurso 49

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