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Linguística Básica

Leonardo Teixeira de Freitas Ribeiro Vilhagra

Unidade 2

Livro Didático Digital


Diretor Executivo
DAVID LIRA STEPHEN BARROS
Gerente Editorial
CRISTIANE SILVEIRA CESAR DE OLIVEIRA
Projeto Gráfico
TIAGO DA ROCHA
Autor
LEONARDO TEIXEIRA DE FREITAS RIBEIRO
VILHAGRA
O AUTOR
Leonardo Teixeira de Freitas Ribeiro Vilhagra
Olá. Meu nome é Leonardo Teixeira de Freitas Ribeiro Vilhagra.
Sou formado em Letras Português pela Universidade Federal do Espírito
Santo, tenho mestrado em Estudos Linguísticos pelo Programa de Pós-
Graduação em Estudos Linguísticos pela mesma instituição e também
MBA em Gestão de Projetos e Equipes E-Learning pela UNIFCV (em
formação). Possuo experiência técnico-profissional na área de ensino
de Língua Portuguesa a mais de dez anos. Passei por escolas de ensino
fundamental e médio, como a rede Salesiano, o Centro Missionário
Agostiniano, o Centro de Ensino União dos Professores, COC, de pré-
vestibular, como o Programa Universidade Para Todos (PUPT), e no ensino
superior, como a Universidade Federal do Espírito Santo e, atualmente, a
Universidade Vila Velha no Espírito Santo. Sou apaixonado pelo que faço
e adoro transmitir minha experiência de vida àqueles que estão iniciando
em suas profissões. Por isso, fui convidado pela Editora Telesapiens a
integrar seu elenco de autores independentes. Estou muito feliz em poder
ajudar você nesta fase de muito estudo e trabalho. Conte comigo. Desde
já desejo. Bons estudos a todos!
ICONOGRÁFICOS
Olá. Esses ícones irão aparecer em sua trilha de aprendizagem toda vez
que:

INTRODUÇÃO: DEFINIÇÃO:
para o início do houver necessidade
desenvolvimento de de se apresentar um
uma nova compe- novo conceito;
tência;

NOTA: IMPORTANTE:
quando forem as observações
necessários obser- escritas tiveram que
vações ou comple- ser priorizadas para
mentações para o você;
seu conhecimento;
EXPLICANDO VOCÊ SABIA?
MELHOR: curiosidades e
algo precisa ser indagações lúdicas
melhor explicado ou sobre o tema em
detalhado; estudo, se forem
necessárias;
SAIBA MAIS: REFLITA:
textos, referências se houver a neces-
bibliográficas e links sidade de chamar a
para aprofundamen- atenção sobre algo
to do seu conheci- a ser refletido ou dis-
mento; cutido sobre;
ACESSE: RESUMINDO:
se for preciso aces- quando for preciso
sar um ou mais sites se fazer um resumo
para fazer download, acumulativo das últi-
assistir vídeos, ler mas abordagens;
textos, ouvir podcast;
ATIVIDADES: TESTANDO:
quando alguma quando o desen-
atividade de au- volvimento de uma
toaprendizagem for competência for
aplicada; concluído e questões
forem explicadas;
SUMÁRIO
Dicotomias formuladas por Saussure.................................................10

Signo linguístico: significante e significado......................................12

Língua e fala...................................................................................................21

Diacronia e sincronia ................................................................................. 27


Linguística Básica 7

02
UNIDADE
8 Linguística Básica

INTRODUÇÃO
Como toda a ciência, sempre houve um início, um marco que não só
viria a inaugurá-la, mas também que influenciaria novos estudos futuros.

Com a linguística, isso não foi diferente. De acordo com o que


estudamos anteriormente, a ciência da linguagem, para se constituir
como tal, necessitou de um objeto de estudo e um conjunto teórico-
metodológico que permitisse pesquisá-lo.

Em relação a isso, Ferdinand de Saussure, em seu Curso de


Linguística Geral, cunhou as famosas dicotomias saussurianas, as quais
não só deram um direcionamento teórico e que pudesse ser aplicado,
como também permitiu que as teorias linguísticas modernas fossem
criadas.

Dessa forma, nesta unidade, você verá três delas, o significante e o


significado, a língua e a fala e, por fim, a sincronia e a diacronia.

Então, ficou animado com esta unidade? Que bom, pois ela será
extremamente importante para compreender ainda mais esse fascinante
universo que é a linguística!
Linguística Básica 9

OBJETIVOS
Olá. Seja muito bem-vindo à Unidade 2. Nosso objetivo é auxiliar
você no desenvolvimento das seguintes competências profissionais até o
término desta etapa de estudos:

1. Apresentar as dicotomias saussurianas;

2. Conceituar o signo linguístico, o significante e o significado;

3. Conceituar a língua e a fala;

4. Conceituar a sincronia e a diacronia.

E aí, ficou curioso com a unidade 2? Então, vamos começar! Bons


estudos e bom aproveitamento do conteúdo!
10 Linguística Básica

Dicotomias formuladas por Saussure


INTRODUÇÃO:

Neste tópico, vamos esmiuçar sobre as chamadas dicoto-


mias, um dos principais conceitos do estruturalismo fun-
dado postumamente por Saussure no início do século XX.
Antes disso, devemos recordar o que foi visto na unidade
passada sobre a definição e o objeto da linguística.

Na visão do mestre genebrino, ele “[...] separa uma parte do todo


linguagem, a língua – um objeto unificado e suscetível de classificação”,
elegendo-a como objeto de estudo da linguística. Assim, existem vários
tipos de linguagem, a musical, a da pintura etc. Dentre essas, há a
linguagem verbal humana, a qual deve ser estudada pelos linguistas.

Para fazer isso, Saussure estabeleceu “[...] uma nomenclatura que


pudesse melhor descrever os fatos da língua. Surgem, então, as dicotomias
saussurianas” (SILVA, 2011, p. 44).

Nesse viés,

Chama-se dicotomia um par de termos – pertencentes em


geral ao nível epistemológico da metalinguagem – que se
propõem simultaneamente, insistindo na relação de oposição
que permite reuni-los. O exemplo clássico é o das dicotomias
saussurianas [...]. Tal procedimento é característico da atitude
estrutural que prefere propor as diferenças – consideradas
como mais esclarecedoras –, antes de passar ao exame e à
definição dos conceitos. (GREIMAS; COURTÉS, 2008, p. 139)

De maneira diferente do que Greimas e Courtés (2008), pode-se


dizer que as dicotomias:

[...] são uma espécie de duplicidade semântica que alicerça os


estudos do estudioso genebrino. A visão dicotômica sobre a
língua oferece ao estruturalismo uma ideia de causa e conse-
quência. (PEREIRA; SILVA, 2016, p. 13)
Linguística Básica 11

Figura 1: Dicotomias como duas partes diferentes que se complementam

Fonte: Freepik

IMPORTANTE:

É interessante ressaltar que as dicotomias impactaram dire-


tamente os estudos linguísticos posteriores, influenciando
“[...] várias vertentes dos estudos contemporâneos da lin-
guagem, que se ramificou em várias correntes de pesqui-
sas no século XX e XXI” (PEREIRA; SILVA, 2016, p. 11).

As dicotomias para Saussure (2012) são: significante e significado,


fala e língua, diacronia e sincronia.

RESUMINDO:

Vimos neste capítulo o conceito de dicotomia, sendo este


um dos principais conceitos do estruturalismo fundado
postumamente por Saussure no início do século XX.
12 Linguística Básica

Signo linguístico: significante e significado


INTRODUÇÃO:

Veremos neste capítulo sobre o signo linguístico


saussuriano e, na sequência, conceituaremos a dicotomia
significante e o significado.

Sabemos que a comunicação humana pode ocorrer a partir de


vários tipos de linguagem, ou seja, por meio da pintura, da escultura, da
música etc.
Figura 2: Música, exemplo de um tipo de linguagem

Fonte: Freepik

Apesar de cada uma delas possuírem características próprias,


existe um ponto em comum: todas se manifestam por meio de um signo.

EXEMPLO: Se você não entendeu, há um exemplo bem bacana que


podemos utilizar, a fim de que você entenda sobre isso. O exemplo em
questão é a placa de trânsito a seguir.
Linguística Básica 13

Figura 3: Placa de trânsito

Fonte: Freepik

Note que apenas um círculo, uma faixa na diagonal vermelha, junto


com uma seta apontada para a direita possui o sentido de “proibido virar
à direita”. Aliás, isso também se aplica a outros idiomas, como “do not turn
right” (inglês), ou “ne tourne pas à droite” (francês).

Dessa forma, pode-se dizer que essa placa simboliza o sentido de


proibido virar à direita, ou seja, é um sinal. Para Bechara (2005, p. 28, grifos
do autor),

Entende-se por signo ou sinal a unidade, concreta ou


abstrata, real ou imaginária, que, uma vez conhecida, leva
ao conhecimento de algo diferente dele mesmo: as nuvens
negras e densas no céu manifestam ou são o sinal de chuva
iminente: o -s final em livros é o signo ou sinal de pluralizador.

Essa é a lógica básica do funcionamento de um signo.


14 Linguística Básica

IMPORTANTE:

O signo leva ao entendimento de outra coisa, se não ele


próprio. Contudo, dentre as várias formas de a linguagem
se manifestar, existe uma língua natural, como o português,
o alemão, o tupi etc.

Em relação a isso, Saussure (2012, p. 27) afirma que:

[...] a língua existe na coletividade sob a forma duma soma de


sinais depositados em cada cérebro, mais ou menos como
um dicionário cujos exemplares, todos idênticos, fossem
repartidos entre os indivíduos. Trata-se, pois, de algo que está
em cada um deles, embora seja comum a todos e independa
da vontade dos depositários.

Vale destacar que o sinal o qual Saussure conceitua é o signo


linguístico. Em virtude disso, ele chega à seguinte conclusão: “A língua é
um sistema de signos que exprimem ideias” (SAUSSURE, 2012, p. 24).
Figura 4: Signo enquanto unidade de um sistema da língua

Fonte: Freepik

Assim, por causa dessa conclusão, cabe aos linguistas (no caso,
vinculados à teoria estruturalista) analisarem e descreverem o conjunto
de signos que formam o sistema de uma língua. No entanto, para se fazer
Linguística Básica 15

isso, o pai da linguística moderna desenvolveu a primeira dicotomia que


fundamenta a análise: o significante e o significado.

Para ele,

O signo linguístico une não uma coisa e uma palavra, mas um


conceito a uma imagem acústica. Esta não é o som material,
coisa puramente física, mas a impressão (empreinte) psíquica
desse som, a representação que dele nos dá o testemunho
de nossos sentidos; tal imagem é sensorial e, se chegamos a
chamá-la material, é somente neste sentido, e por oposição
ao outro termo da associação, o conceito, geralmente mais
abstrato. (SAUSSURE, 2012, p. 80)

Inclusive, é relevante citar os comentários que Ferigolo (2009, p. 76)


desenvolveu acerca do signo linguístico saussuriano.

Ele é uma unidade linguística e, por isso, psíquica, que


comporta a relação significante/significado e não qualquer
ligação com os objetos e coisas do mundo real. Tudo o que
compõe a realidade objetiva que nos rodeia é externo ao signo
linguístico. Ele “representa” os fatos e as coisas que estão a
nossa volta, porém, não pode ser tomado como parte desta
realidade.

Logo, sabendo disso, vamos nos aprofundar nessa dicotomia. A


primeira parte dela é o significante. Conforme foi exposto anteriormente,
o significante é uma imagem acústica, ou seja, uma percepção mental
de uma massa fônica e gráfica feita pelos falantes de uma língua.

Pode parecer um pouco abstrato agora, mas utilizaremos um


exemplo, a fim de ficar mais concreto.

EXEMPLO: Observe o signo linguístico “gato”. Ele pode ser percebido


de maneira visual e/ou sonora:
16 Linguística Básica

ASPECTO VISUAL ASPECTO SONORO

Letras escritas: G, A, T, O Fonemas emitidos: [ga.to]

Sílabas escritas: GA-TO

Palavra escrita: GATO

Logo, no momento em que nós entramos em contato com as


manifestações visuais e sonoras por meio de nosso sistema auditivo e
visual, formamos em nossas mentes o significante desse signo linguístico.

Contudo, na visão de Saussure (2012), existe o outro elemento que


compõe essa dicotomia: o significado. Para o estudioso, simultaneamente
ao ouvirmos/vermos as manifestações sonoras e visuais, é associada
a essas manifestações uma representação mental de algo presente na
realidade, isto é, um conceito dele.

EXEMPLO: A fim de evidenciar ainda mais isso, empregaremos de


novo o signo linguístico “gato”. Quando nos deparamos com esse signo
linguístico, vem à nossa mente o seguinte conceito:
Figura 5: Significado do signo linguístico “gato”

Fonte: Pixabay

Nesse viés, o significado gerado em nossa mente se associa a um


animal mamífero da família Felidae e do gênero Felis e da espécie Felis
catus, e não, por exemplo, a de um peixe-boi.
Linguística Básica 17

A partir da definição dessa dicotomia, pode-se chegar um quadro


com o resumo delas:
Quadro 1: Resumo da dicotomia significante x significado

DICOTOMIA SIGNIFICANTE X SIGNIFICADO

SIGNIFICANTE SIGNIFICADO

IMAGEM ACÚSTICA CONCEITO

IMPRESSÃO MENTAL DE UMA REPRESENTAÇÃO MENTAL DE


UNIDADE VISUAL/SONORA ALGO

AMBOS FORMAM UM SIGNO LINGUÍSTICO


Fonte: Elaborado pelo autor, 2020.

Assim, a dicotomia significante x significado gera uma unidade, o


signo linguístico.
Figura 6: Signo linguístico “gato”

ASPECTO VISUAL

Letras escritas: G, A, T, O

Sílabas escritas: GA-TO

Palavra escrita: GATO

ASPECTO SONORO

Fonemas emitidos: [ga.to]

Significante Significado
(Imagem acústica) (Conceito)
Fonte: Elaborado pelo autor, 2020.

Como língua é o conjunto definido de vários signos linguísticos,


esse último é a unidade que compõe o sistema da língua. E, conforme
abordamos anteriormente, o linguista (da teoria estruturalista) tem o dever
de analisar e descrevê-los.

Inclusive, no esteio dessa discussão, é importante ressaltar a


questão do conceito de valor do signo linguístico, que é fruto dessa
18 Linguística Básica

dicotomia. De acordo com a perspectiva teórica de Saussure, o signo


linguístico (união do significante e do significado) é uma unidade a qual
forma o sistema como um todo. Tal sistema não é um conjunto aleatório
de signos, mas, sim, possui uma organização própria que é fundamentada
pela oposição deles.

EXPLICANDO MELHOR:

Ficou um pouco confuso? Então observe quando dois


signos linguísticos interagem em um enunciado: “um
gato”. O signo linguístico “um” possui um significante e um
significado próprio distinto de “gato”. Dessa forma, esse
último [...] “tem valor porque é o que o outro signo não é”
(FERIGOLO, 2009, p. 77), daí a ideia de valor por oposição.

Tal fato é tão evidente que ao trocarmos o signo “um” por “dois”, tere-
mos aí um outro valor, pois ambos não podem ter a mesma aplicação no
mesmo enunciado.

Por conseguinte, o valor do signo linguístico, o qual é constituído


pelo significante e pelo significado, auxilia na compreensão e na descrição
do sistema linguístico de uma língua.

Outro aspecto que é suscitado nessa dicotomia é o conceito


de arbitrariedade do signo. Para o mestre genebrino, a união entre
o significante e o significado não é uma ocorrência natural, mas sim
convencionada.

No que tange a isso, ele afirma que:

A palavra arbitrário requer também uma observação. Não


deve dar a ideia de que o significado dependa da livre escolha
do que fala [...]; queremos dizer que o significante é imotivado,
isto é, arbitrário em relação ao significado, com o qual não tem
nenhum laço natural na realidade.

EXEMPLO: Um exemplo simples que podemos evocar é aquilo que


a vaca produz após parir os bezerros:
Linguística Básica 19

Figura 7: Exemplo de arbitrariedade do signo

Fonte:Freepik

Na língua portuguesa, isso é chamado de “leite”. Mas, se


considerarmos a língua sueca, isso é denominado de “mjölk”. Logo,
observamos que o mesmo objeto representado mentalmente está
associado a signos linguísticos distintos. Inclusive, caso a relação entre
significado e significante fosse natural, possivelmente não existiriam
inúmeras línguas, como ocorre atualmente.

Mesmo que Saussure (2012) tenha desenvolvido tal conceito,


ainda existem pessoas que o questionam. Para tal, aludem o caso das
onomatopeias. No que diz respeito a elas, por mais que possa parecer
que sejam consideradas a representação fidedigna da realidade, logo,
supostamente “natural”, isso não procede, uma vez que cada língua tem
uma representação específica disso.

EXEMPLO: No caso da língua portuguesa, existe a onomatopeia


“ai!”, que está ligada à representação de um grito de dor. Porém, na língua
inglesa, tal fato é representado pela onomatopeia “ouch”.
Figura 8: Onomatopeias

Fonte: Freepik
20 Linguística Básica

Outro questionamento levantado diz respeito à postura do indivíduo


frente ao signo linguístico. Como este é arbitrário, logo um falante de uma
língua pode simplesmente inventar discriminadamente novas convenções.

Todavia, é importante destacar que a arbitrariedade do signo não


está diretamente ligada aos caprichos individuais do falante.

Na visão de Agustini e Leite (2012, p. 118), pensar assim é errôneo.


Para isso, eles nos explicam:

Ao contrário, a delimitação e estabilização de um signo


linguístico sofre fortemente a pressão de uso por determinado
grupo linguístico. Por um lado, o princípio de ordenação do
sistema seria imutável, implicando uma impossibilidade
estrutural de se fazer qualquer operação com a língua. Por
outro, no curso do tempo, os signos linguísticos podem sofrer
alteração em termos da relação entre conceito e imagem
acústica, sem necessariamente pôr em xeque o alcance e a
eficácia do princípio de ordenação.

RESUMINDO:

Vimos neste capítulo que a dicotomia significante x


significado gera uma unidade, o signo linguístico. Bechara
(2005, p. 28) definiu sigo como sendo “a unidade, concreta
ou abstrata, real ou imaginária, que, uma vez conhecida,
leva ao conhecimento de algo diferente dele mesmo”.
Linguística Básica 21

Língua e fala
INTRODUÇÃO:

Estudaremos, neste capítulo, a dicotomia fala e a língua, ou


também como são conhecidas, respectivamente, langue e
parole.

O objeto de estudo da linguística (no caso, de viés estruturalista) é


a língua, a qual é uma parte da linguagem humana.

Dessa forma, ela:

[...] existe na coletividade sob a forma duma soma de


sinais depositados em cada cérebro, mais ou menos como
um dicionário cujos exemplares, todos idênticos, fossem
repartidos entre os indivíduos. Trata-se, pois, de algo que
está em cada um deles embora seja comum a todos e
independente da vontade dos depositários. (SAUSSURE,
2012, p. 27)

EXEMPLO: Um exemplo disso são as diversas línguas naturais que


existem no mundo, como o português, o italiano, o tupi, o krenak etc.
Figura 9: A dicotomia língua

Fonte: Freepik

Nesse viés, a língua (langue) é coletiva, sendo um tesouro


depositado em cada mente humana. Devido ao seu de caráter coletivo,
ela é um fenômeno compartilhado por todos os usuários do idioma.
22 Linguística Básica

Portanto, se ela tem essa singularidade, os elementos que a


compõe se comportam de maneira sistemática e homogênea.

Dialogando com Saussure (2012), Silva (2011, p. 39) afirma que:

[...] a língua faz a unidade da linguagem, ficando no âmbito da


homogeneidade e do abstrato, sem considerar a exterioridade.
O objeto da linguística é uma língua na qual se possam examinar
as relações sistêmicas, abstraindo-se totalmente o uso.

É interessante também pontuar as características de sistematicidade,


homogeneidade e coletividade que a língua tem em sobreposição ao
falante que a usa. Para Costa (2012, p. 116), a existência da língua:

[...] decorre de uma espécie de contrato implícito que é


estabelecido entre os membros dessa comunidade. Daí seu
caráter social. Para Saussure, o indivíduo, sozinho, não pode
criar nem modificar a língua.

Dessa forma, um falante apenas não consegue alterar o sistema


de uma língua, fato muito similar a questão da arbitrariedade do signo,
conforme foi estudado no tópico passado. Esse fato, inclusive, é
muito recorrente com algumas crianças, quando estão aprendendo a
desenvolver uma língua.

Em alguns momentos, elas inventam palavras próprias, contudo,


isso não se sustenta frente à unidade do idioma o qual elas estão
aprendendo.

REFLITA:

Sobre isso, você já se deparou ou conhece alguém que


teve essa experiência?

Agora, veremos o outro lado da língua, que é a fala (parole). Essa


nada mais é do que a realização individual da sua outra metade, ou seja,
a execução da língua “[...] jamais é feita pela massa; é sempre individual
e dela o indivíduo é sempre senhor, nós a chamaremos fala (parole)”
(SAUSSURE, 2012, p. 21).
Linguística Básica 23

Figura 10: A dicotomia fala

Fonte: Freepik

Indo ao encontro do mestre genebrino, Costa (2012, p. 116) nos diz


que a fala:

Trata-se, portanto, da utilização prática e concreta de um código


de língua por um determinado falante num momento preciso de
comunicação. Em outras palavras, é a maneira pessoal de utilizar
esse código. Daí o seu caráter individual. De acordo com Saussu-
re, a língua é a condição da fala, uma vez que, quando falamos,
estamos submetidos ao sistema estabelecido de regras que cor-
responde à língua.

EXEMPLO: Um caso que pode ilustrar isso é a palavra “você” na


língua portuguesa. No português, para se referir a outra pessoa com
quem se fala, utilizamos “você”.

Em qualquer situação na qual essa unidade linguística se manifesta


junto, por exemplo, a um verbo, isso representa que alguém, que não
é quem está falando, está praticando uma ação, conforme podemos
observar a seguir:

(1) “Você saiu” = alguém que não está falando fez a ação de sair.
24 Linguística Básica

Agora, imagine que a palavra “você” pode ser dita de várias formas
na língua portuguesa, como abaixo:

(2) “Você” / “ocê” / “cê”

Então, (1) representa a língua (langue), ao passo que (2) é a fala


(parole). No primeiro caso, essa palavra é um exemplo de unidade que
compõe a estrutura da língua portuguesa, logo, é uma característica
homogênea. Já o segundo caso contém manifestações individuais da
unidade anterior, por sua vez, é uma característica heterogênea.

A partir desse exemplo, somos levamos a uma consequência


teórica que muito marcou o estruturalismo saussuriano. Como a fala é
aplicada individualmente e de modo heterogêneo, é inviável estabelecer
uma unidade, muito menos sistematizá-la, diferentemente da língua, a
qual é possível formar uma estrutura.

Por isso que o mestre genebrino elegeu a língua enquanto objeto


de estudo da linguística, porque:

Em sua concepção, a língua faz a unidade da linguagem, fi-


cando no âmbito da homogeneidade e do abstrato, sem con-
siderar a exterioridade. O objeto da linguística é uma língua na
qual se possam examinar as relações sistêmicas, abstraindo-
-se totalmente o uso. (SILVA, 2011, p. 39)

A língua e a fala coexistem no dia a dia comunicativo dos falantes,


todavia, para Saussure (2012) o estudo da linguística deve privilegiar a
primeira em detrimento da segunda.

Aliás, por essa opção teórico-metodológica, “[...] excluía[-se] a


subjetividade na linguagem, as unidades transfrásticas, as variedades
linguísticas, o texto, as condições de produção, a história” (SILVA, 2011, p. 39).

De igual maneira, segundo Ferigolo (2009, p. 74), também foi


desconsiderado o sujeito enquanto falante, pois,

Nesse sistema, não há lugar para o estudo do sujeito, já que


ele é apenas o usuário da língua, cujo funcionamento não
depende dele – a língua já está dada e não cabe a ele alterá-
Linguística Básica 25

la ou criticá-la, mas das relações criadas e mantidas entre os


signos linguísticos que a constituem.

Essa postura teórica gerou, futuramente, questionamentos e


contestações de outras vertentes da ciência da linguagem, a exemplo
da pragmática. Na visão de Halliday (1978 apud SILVA, 2011, p. 45-56), o
elemento “sujeito” cumpre um papel fundamental na comunicação, pois

[...] os interlocutores desempenham funções nas diversas


situações comunicativas em que estão envolvidos. Essas
funções acabam influenciando o próprio sistema da língua,
pois a comunicação, inserida em contextos diversos, requer
do falante a utilização de expressões que sejam adequadas a
cada situação

Assim, a partir do que foi exposto, podemos fazer um quadro que


resume essa dicotomia saussuriana:
Quadro 2: Resumo da dicotomia língua x fala

DICOTOMIA LÍNGUA X FALA


LÍNGUA (LANGUE) FALA (PAROLE)
ASSISTEMÁTICA
SISTEMÁTICA
CONCRETA
ABSTRATA
HETEROGÊNEA
HOMOGÊNEA
INVIÁVEL DE OBSERVAÇÃO
PASSÍVEL DE OBSERVAÇÃO
INDIVIDUAL
COLETIVA
DESCONSIDERADA COMO
OBJETO DE ESTUDO DA
OBJETO DE ESTUDO DA
LINGUÍSTICA (ESTRUTURALISTA)
LINGUÍSTICA (ESTRUTURALISTA)
Fonte: Elaborado pelo autor, 2020.

Todavia, um fato precisa ser frisado, uma vez que muitas pessoas
acabam fazendo uma pequena confusão no que tange à concepção de
Saussure da sobreposição da língua em detrimento da fala.

A fim de solucionar isso, Costa (2012, p. 116) afirma que:


26 Linguística Básica

Isso não significa que se possa estudar a língua


independentemente da fala, uma vez que, entre os dois
objetos, existe uma estreita ligação: a língua é necessária
para que a fala seja compreensível e para que o falante,
consequentemente, possa vir a atingir os seus propósitos
comunicativos: por outro lado, a língua só se estabelece a
partir das manifestações concretas de cada ato linguístico
efetivo. Assim, a língua é, ao mesmo tempo, o instrumento e
o produto da fala.

RESUMINDO:

Vimos neste capítulo a dicotomia fala x língua. Para


Saussure, língua e fala coexistem no dia a dia comunicativo
dos falantes, mas o estudo da linguística deve privilegiar a
primeira em detrimento da segunda.
Linguística Básica 27

Diacronia e sincronia
INTRODUÇÃO:

Neste capítulo estudaremos a dicotomia diacronia x


sincronia.

Antes de adentrarmos nas definições de diacronia x sincronia e


seu paradigma, lembre-se que, na época em que Ferdinand de Saussure
iniciava suas pesquisas em meados do século XIX, dois ramos de estudos
sobre a linguagem imperavam no continente europeu: os comparativistas
históricos e os neogramáticos.

Na perspectiva dos comparativistas históricos,

As investigações passaram a ter como um de seus principais


objetivos o agrupamento dessas línguas em famílias [...]. Entre
essas famílias, temos a indo-europeia, que reúne, entre outras,
a maior parte das línguas europeias, assim como as línguas
do chamado grupo indo-irânico, como o persa e o sânscrito,
língua sagrada utilizada pelos hindus nos cerimoniais religiosas
há cerca de 1.220/800 a.C. (COSTA, 2012, p. 117)

Ou seja, esse tipo de estudo da linguagem pré-saussuriano


objetivava identificar semelhanças entre línguas, a fim de estipular o grau
de parentesco ao longo do tempo sob uma ótica histórica, além de buscar
a “língua-mãe” denominada indo-europeia.

Ademais, é nesse período que surge a ideia de tronco linguístico,


ou seja, existe uma língua base, tronco, a partir da qual partem as
ramificações, as diversas línguas derivadas.
28 Linguística Básica

Figura 11: O tronco linguístico do comparativismo histórico

Fonte: Freepik

Todavia, no final da década de 1990 do século XIX, surgiu outra


vertente de estudos da linguagem, os neogramáticos. Diferentemente
dos comparativistas históricos, os neogramáticos possuíam uma
perspectiva mais estática de se olhar as línguas, principalmente à
medida que almejavam “[...] mostrar que a mudança das línguas possui
uma regularidade, segue uma necessidade própria, não dependendo
da vontade dos homens” (COSTA, 2012, p. 117), assim, privilegiava-se um
período específico da língua, e não a evolução dela no decorrer do tempo.

• Caso não tenha entendido a explicação anterior, imagine um


calendário.
Linguística Básica 29

Figura 12: Metáfora do calendário

Fonte: Freepik

Estudar uma língua desde o início do mês até o final desse era uma
prática dos comparativistas históricos. Agora, estudar uma língua em
apenas um dia era uma prática dos neogramáticos. Compreender essa
metáfora é muito importante, uma vez que essa lógica será a base da
dicotomia sincronia e diacronia.

Pois bem. No começo da carreira acadêmica de Saussure, ele teve


contato com os comparativistas históricos e com os neogramáticos, os
quais acabaram influenciando as pesquisas iniciais do mestre genebrino.

Depois de se aprofundar em seus estudos, o pesquisador


desenvolveu as premissas básicas do estruturalismo, dentre eles a de
que a linguística objetiva descrever a língua enquanto sistema.

A fim de compreender a sua organização interna, Saussure (2012)


percebeu que um elemento deveria ser considerado: o tempo. Consoante
a isso, Silva (2013, p. 6) atesta que:

[...] na relação com o tempo, as ciências não devem ser


igualmente tratadas. O tempo provoca diferentes efeitos
sobre elas. Tudo depende da natureza do objeto de estudo
de cada campo do conhecimento, posto que a condição de
existência das coisas define-se sobre dois eixos de tempo:
30 Linguística Básica

o da simultaneidade e o da sucessão. Diferentemente das


ciências que não operam com valores, as que operam
precisam percorrer dois caminhos. A Linguística se insere
nesse segundo caso.

Esses dois caminhos, o da simultaneidade e o da sucessão, nada mais


são do que analisar a língua em um estado específico (simultaneidade),
ou na linha evolutiva (sucessão). Em função disso, Saussure (2012, p. 96)
estabelece duas linhas de investigação da língua:

É sincrônico tudo quanto se relacione com o aspecto


estático da nossa ciência, diacrônico tudo que diz respeito às
evoluções. Do mesmo modo, sincronia e diacronia designarão
respectivamente um estado de língua e uma fase de evolução.

Assim, a diacronia e a sincronia formam a terceira dicotomia


saussuriana. De posse disso, vamos esmiuçá-la agora.

A diacronia é oriunda de duas palavras gregas: dia (δια, através) mais


chrónia (χρονία, tempo), ou seja, através do tempo. Por causa disso, analisar a
língua diacronicamente diz respeito a examiná-la a partir do tempo.
Figura 13: Diacronia, evolução através do tempo

Fonte: Freepik

EXEMPLO: Um caso que ilustra uma análise diacrônica da língua é


a palavra “coisa”.

Na língua portuguesa, durante o século XIX, essa palavra era tanto


falada quanto grafada como “cousa”. Isso pode ser provado no conto “A
Linguística Básica 31

causa secreta” de Machado de Assis. No início da história, há o seguinte


trecho:

Tinham falado também de outra cousa, além daquelas três,


cousa tão feia e grave, que não lhes deixou muito gosto para
tratar do dia, do bairro e da casa de saúde. (ASSIS, 1994, p. 2)

Logo, esse exemplo pode ser esquematizado da seguinte maneira:


Figura 14: Análise sincrônica da língua

Fonte: Elaborado pelo autor.

Já o contraponto da diacronia é a sincronia. Essa é fruto de outras


duas palavras gregas: sin (συγ, junto) e chrónia (χρονία, tempo), isto é, junto com o
tempo. Em virtude disso, analisar a língua sincronicamente é examiná-la a
partir de um recorte temporal.

• Lembra-se daquela metáfora do calendário? Então, ela pode


ser reaplicada aqui. Analisar a língua no início até o final do mês
faz parte da diacronia, ao passo que analisar um dia específico
(recorte temporal) faz parte da sincronia.
Figura 15: Sincronia, um período específico do tempo

Fonte: Freepik
32 Linguística Básica

EXEMPLO: Um caso que pode ilustrar a sincronia é o uso dos


verbos “ter” e “haver” no português contemporâneo, como nos lembra
Costa (2012).

Antigamente, ambos os verbos tinham aplicações distintas, o verbo


“ter” se limitava ao sentido de possuir. Já o verbo “haver” estava ligado ao
de existência.

Todavia, ao considerar o português atual falado no Brasil, é possível


encontrar as duas ocorrências abaixo na mesma situação:

(1) Tem muita gente lá.

(2) Há muita gente lá.

Hoje, a sentença (1) pode ser utilizada em situações que solicitam o


sentido de existir, como ocorre na sentença (2).

Em relação ao que foi exposto, podemos elaborar um quadro para


resumir essa dicotomia.
Quadro 3: Resumo da dicotomia sincronia x diacronia

DICOTOMIA SINCRONIA X DIACRONIA


DIACRONIA SINCRONIA

ATRAVÉS DO TEMPO JUNTO DO TEMPO

EVOLUÇÃO TEMPORAL DA ESTADO TEMPORAL DA LÍNGUA


LÍNGUA SIMULTANEIDADE DE FATOS
SUCESSÃO DE FATOS LINGUÍSTICOS
LINGUÍSTICOS COMO A LÍNGUA ESTÁ EM UM
COMO A LÍNGUA CHEGOU ATÉ PERÍODO
DETERMINADO PERÍODO
Fonte: Elaborado pelo autor.

Após descrever essa dicotomia, é importante frisar a maneira pela


qual Saussure a aplicava no estruturalismo. Para ele, o estudo da língua
deve ser feito sincronicamente e não diacronicamente, porque é na
sincronia que o caráter sistêmico e homogêneo da língua é perceptível
(SAUSSURE, 2012).
Linguística Básica 33

Para detalhar mais esse posicionamento, Costa (2012, p. 118) fala que

[...] o linguista deve estudar principalmente o sistema da língua,


observando como se configuram as relações internas entre
seus elementos em um determinado momento do tempo.
Esse tipo de estudo é possível porque os falantes não têm
informações acerca da história de sua língua e não precisam
ter informações etimológicas a respeito dos termos que
utilizam no dia a dia: para os falantes, a realidade da língua é o
seu estado sincrônico.

Ademais, é importante esmiuçar a famosa metáfora do xadrez, a qual


Saussure desenvolveu para justificar a sua escolha teórica-metodológica
em relação à língua e não à fala.

• Imagine um tabuleiro de xadrez.


Figura 16: Jogo de xadrez

Fonte: Freepik

Suponha que o xadrez como um todo é uma língua natural. Já cada


peça é um signo linguístico diferente. Logo, a união desses forma um
sistema ordenado, uma estrutura.

Nesse contexto, o valor das peças está influenciado pela posição


delas em um dado momento do jogo.

EXEMPLO: O peão no início do jogo é o menos importante. Mas, no


decorrer da partida, se ele ficar em uma casa ao lado do rei, isto é, uma
situação de xeque, ele ganha uma importância diferenciada em relação
ao começo.
34 Linguística Básica

Figura 17: Jogo de xadrez

Fonte: Freepik

Essa mesma analogia pode ser vista na língua. No português do


início do século XIX, era muito comum os verbos no futuro do presente
serem conjugados de maneira composta, conforme a seguir:

(3) Eu hei de fazer a carta / Início do séc. XIX

Em (3), o futuro do presente era estruturado com o verbo “haver”


flexionado de acordo com o sujeito (no caso anterior, na primeira pessoa
do presente do indicativo “hei”), mais a preposição “de” e, por fim, o verbo
principal (no caso, o “fazer”).

Porém, atualmente, esse tempo verbal é feito de outra forma:

(4) Eu vou fazer o e-mail / Atualmente

Em (4), o futuro do presente é expresso, na maioria das vezes, com o verbo


“ir” flexionado de acordo com o sujeito (no caso anterior, na primeira pessoa do
presente do indicativo “vou”) mais o verbo principal (no caso, o “fazer”).

No início do século XIX, o verbo “haver” na situação de conjugação


com outros verbos no futuro do presente tinha um valor específico.
Todavia, hoje, na mesma situação, teve um valor alterado, diferente do
que era no passado.

Portanto, é por isso que o mestre genebrino privilegiou a sincronia


frente à diacronia. Para se descrever o sistema de uma língua de uma
maneira mais homogênea e estrutural, deve-se estipular um recorte de
tempo específico, ou seja, uma análise sincrônica.
Linguística Básica 35

Inclusive, conforme Saussure (2012), é muito difícil saber com


exatidão qual peça será mexida no jogo, mas, ao fazer isso, essa alteração
influencia a partida no geral.

De igual forma, é complicado estabelecer quais serão as mudanças


que uma língua sofrerá. No entanto, quando isso ocorre, o sistema
linguístico inteiro é afetado.

Ainda no contexto da metáfora do xadrez, outro detalhe relevante


que podemos mostrar, relacionando isso com a dicotomia da fala e da
língua, é a questão da heterogeneidade.

EXEMPLO: Dentro do xadrez existem várias peças. Vamos selecionar


a do cavalo. Ela pode ser feita de vários materiais, ou seja, ela pode ser
de acrílico:
Figura 18: Peça do xadrez “cavalo” feita de acrílico

Fonte: Freepik

Mas também ela pode ser feita de marfim:


Figura 19: Peça do xadrez “cavalo” feita de marfim

Fonte: Freepik
36 Linguística Básica

Todavia, não importa como é a forma da peça, mas sim a função


que ela desempenha no jogo. Outra vez podemos utilizar essa metáfora
com o intuito de conceituar a heterogeneidade.

Na visão de Saussure (2012), prevalece o estudo da língua em


detrimento da fala, uma vez que é a língua que contém a unidade, a
homogeneidade do sistema, e não a fala.

Não tem importância se o signo linguístico “portão” é pronunciado


com o fonema [ɦ], o fricativo glotal (o “errê” vibrado na glote), ou se ele
é feito com o fonema [ɻ], o retroflexo (o “errê” do interior de São Paulo).
O fundamental é que esse signo representa uma porta grande, sendo
utilizado como um substantivo nos enunciados do português brasileiro.

Por conseguinte, fica evidente que essa postura teórico-


metodológica privilegiou a homogeneidade, o caráter sistêmico das
línguas, enquanto a heterogeneidade foi deixada de lado.
Figura 20: Homogeneidade da língua em vez da heterogeneidade da fala

Fonte: Freepik

Essa postura teórica gerou, futuramente, questionamentos e


contestações de outras vertentes da ciência da linguagem, a exemplo da
sociolinguística.

Em sua gênese, uma das grandes objeções feitas por Labov era
justamente a não inclusão das diferentes ocorrências de uma mesma
unidade linguística, ou seja, as variações, nas análises linguísticas.
Linguística Básica 37

SAIBA MAIS:

Caso queira se aprofundar mais nesse assunto, sugerimos


a leitura do artigo Uma reflexão crítica sobre a teoria
sociolinguística, de Roberto Camacho, disponível no link:
http://bit.ly/2PxJdrC.

Todavia, devemos ressaltar que Saussure (2012) não simplesmente


ignorou o conhecimento histórico das línguas. Na verdade, consoante à
Silva (2013, p. 7)

Seu anti-historicismo dirige-se ao predomínio de uma


perspectiva epistemológica, e não à relevância da investigação
da história das línguas. Para ele, a visão puramente diacrônica
é limitadora, pois não é capaz de dar conta da língua em
sua totalidade. Uma vez que as relações de valor do sistema
linguístico só são possíveis pela coexistência dos elementos, o
confronto de diferentes estados da língua permite apenas que
se diga o que aconteceu com uma porção dela, mas nunca
que se diga como ela é.

Portanto, nesta unidade, estudamos três dicotomias saussurianas,


significante x significado, língua x fala e sincronia x diacronia, bem como
outros conceitos correlatos.

A partir delas, surgiu um conjunto de elementos teórico-


metodológicos os quais orientaram o estruturalismo do mestre genebrino
no início do século XX.

Somado a isso, é importante frisar que tais dicotomias também


impactaram as teorias linguísticas futuras. Conforme aponta Silva (2011,
p. 52-53),

Os estudos linguísticos no século XX tomaram vários


caminhos, definindo diversas correntes e tendências teóricas.
Não há dúvidas de que, direta ou indiretamente, todas nascem
a partir dos ensinamentos de Saussure, criador e precursor da
linguística estrutural.
38 Linguística Básica

Logo, a alcunha de “pai da linguística” direcionada a Ferdinand de


Saussure não só é justa, mas também é uma forma de homenageá-lo.
Figura 21: Saussure, o pai da linguística

Fonte: Wikkimedia Commons

RESUMINDO:

Estudamos neste capítulo a dicotomia diacronia x


sintonia pontuada por Saussure (2012). Estudamos os
comparativistas históricos, vimos o conceito de tronco
linguístico, e também entendemos as premissas básicas do
estruturalismo, dentre eles a de que a linguística objetiva
descrever a língua enquanto sistema.
Linguística Básica 39

REFERÊNCIAS
AGUSTINI, C.; LEITE, J. de D. Benveniste e a teoria saussuriana
do signo linguístico: o binômio contingência-necessidade. Língua e
Instrumentos Linguísticos, v. 1, p. 113-129, 2012.

ASSIS, M. de. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. v. II.

BECHARA, E. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. Rio de


Janeiro: Nova Fronteira, 2009.

COSTA, M. A. Estruturalismo. In: MARTELOTTA, M. E. (org.). Manual


de Linguística. 1. ed., São Paulo: Contexto, 2009, p. 113-126.

FERIGOLO, J. A língua enquanto sistema e a língua enquanto


produção de sentidos para o sujeito. Raído, Dourados, MS, v. 3, n. 6, p.
73-84, jul./dez., 2009.

GREIMAS, A. J.; COURTÉS, J. Dicionário de Semiótica. 9. ed. São


Paulo: Cultrix, 2008.

PEREIRA, B. G.; SILVA, J. S. Saussure e suas dicotomias: da concepção


de língua à abertura para novas perspectivas de análise contemporâneas.
Cadernos do CNLF, vol. XX, nº 13 – A Herança de Ferdinand de Saussure.

PETTER, Margarida. Linguagem, língua, linguística. In: FIORIN, José


Luiz (Org.). Introdução à Linguística I: objetos teóricos. 5 ed. São Paulo:
Contexto, 2007.

SAUSSURE, F. de. Curso de Linguística Geral. Organização Charles


Bally e Albert Sechehaye; com a colaboração de Albert Riedlinger. Tradução
Antônio Chelini, José Paulo Paes e Izidoro Blikstein. 28. ed. São Paulo: Cultrix,
2012.

SILVA, F. M. da. As dicotomias saussurianas e suas implicações sobre


os estudos linguísticos. REVELLI – Revista de Educação, Linguagem e
Literatura da UEG-Inhumas. 3, n. 2 de outubro de 2011 – p. 38-55.
Linguística Básica
Leonardo Teixeira de Freitas Ribeiro Vilhagra

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