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LINGUÍSTICA APLICADA AO

ENSINO DE PORTUGUÊS
ÉDERSON DA CRUZ

UNIDADE 04
UNIDADE 04| INTRODUÇÃO

Nesta unidade, iniciaremos nossos estudos mais voltados


à primeira vertente analítica, ou seja, àquela que investiga
as ocorrências e mecanismos da linguagem em seus usos
culturais, excetuando a literatura. Para isso, você terá uma
introdução sobre um campo de estudos fundamental para
compreender essas ocorrências: a Linguística Aplicada.
Esse estudo o instrumentalizará para conhecer e
compreender elementos da língua que, até então, talvez
tenham passado despercebidos por você, ou que você
Fonte: Freepik percebia, mas não tinha a bagagem teórico-metodológica
necessária para tentar explicá-los.
UNIDADE 04 | OBJETIVOS

1. Conceituar gramática.
2. Entender o processo de aquisição da linguagem.
3. Planejar as práticas de ensino e avaliação de gramática.
4. Relacionar linguística aplicada e ensino de língua portuguesa.
CONCEITUANDO GRAMÁTICA

A gramática deve ser trazida para o dia a dia, ou melhor, o dia a dia é que deve colaborar
na construção da gramática. Devem ser estudadas todas as formas de comunicação para
que possamos escolher a melhor forma para determinado momento. A gramática deve
servir como ferramenta de inclusão, pertencente ao cotidiano de todas as classes sociais. A
gramática deve ser entendida como o estudo de todas as formas de expressão que
podemos utilizar para fazer-nos entender em todas as diferentes situações da nossa vida
cotidiana.
Uma crise no ensino de língua materna:
• É possível que apontemos três formas de crise independentes, porém relacionadas, que
desembocam nas práticas escolares.
• Uma primeira forma dessa crise é aquela que se organiza de forma constitucional, no
âmbito da própria sociedade, que, nos últimos tempos, seguindo a tendência mundial
do pós-guerra, sobrepôs o coloquial, o espontâneo, e o expressivo, renovando a língua
popular e o argot.
• O segundo tipo de crise pela qual passa o ensino de língua materna na escola passa pela
universalidade, uma vez que a linguística ainda não conseguiu constituir-se
definitivamente, ramificando-se em diversas linguísticas que discutem seu objeto, suas
atividades e suas metodologias.
• A terceira e última crise a ser abordada está na própria escola, na medida em que, não
se fazendo as distinções necessárias entre gramática geral, gramática descritiva e
gramática normativa, a atenção do docente está voltada para os dois primeiros tipos de
gramática, desprezando a gramática normativa, que deveria ser um dos objetos que
também constituem o ensino de língua, desprezando toda uma série de atividades que
possibilitariam levar o educando à educação linguística necessária para o uso
competente de seu potencial linguístico.
CONCEPÇÕES DE GRAMÁTICA

De modo geral, podemos dizer que a gramática é um sistema bastante complexo que
busca tratar da língua, em decorrência do fato de ela ser uma atividade humana
diversificada, versátil, histórica e que se ocupa de diferentes modalidades.
Luiz Carlos Travaglia (2002) apresenta três concepções de gramática, a saber:
1. Um manual com as regras da língua consideradas de bom uso. Nesse sentido, afirmar
que alguém sabe gramática é o mesmo que dizer que o sujeito conhece suas regras e
as domina. Nessa perspectiva, o correto é aquilo que cabe na norma, e o errado
(agramatical), todos os seus desvios.
2. Uma descrição do funcionamento da língua, assim como do conjunto de regras
utilizadas pelos seus falantes. Considera gramatical tudo o que possibilita a
comunicação entre os sujeitos, de acordo com cada variação linguística. Considera, por
fim, que todas as modalidades da língua fazem parte de um único sistema.
3. Um saber linguístico que o falante vai desenvolvendo dentro de certos limites
colocados pelo contexto e pela cultura. Nessa perspectiva de gramática, não há erro
linguístico, pois as regras da língua são inerentes ao homem, não feitas para ele.
Tipos de gramáticas:
• Gramática normativa: forma de gramática que estuda apenas os fatos da língua
padrão, também chamada de norma culta. Observa a língua escrita e quase não
dá importância para a variação oral da norma culta, vista – conscientemente ou
não – como sendo igual à escrita.
• Gramática descritiva: ocupa-se em descrever e registrar para uma determinada
variedade da língua em um dado momento de sua existência as categorias e
unidades de linguagem, suas possibilidades e modos de uso.
• Gramática internalizada: consiste no conjunto de regras dominadas pelos falantes e que
lhes possibilita o uso normal da língua.
• Gramática implícita: definida como a competência linguística internalizada do falante, ou
seja, aquela cujo uso está “naturalizado” pelo sujeito.
• Gramática explícita ou teórica: Abrange todos os estudos linguísticos que tentam explicar
a estrutura e o funcionamento da língua.
• Gramática reflexiva: abrange as atividades de reflexão e de observação sobre a língua.
Além de todas as gramáticas abordadas anteriormente, há uma delas que é abordada por
Luft (1985) como sendo a gramática natural. Segundo o autor, essa gramática não é
explícita, não está escrita, nem o pode ser. Não está expressa por nomenclaturas
complexas, mas pode ser considerada como aquele que ninguém ensina, ou melhor, como
aquela que todos sabem e que todos ensinam. Trata-se da gramática social e socializada.
ENTENDENDO O PROCESSO DE
AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM
Alguns tipos específicos, segundo Travaglia (2002), possuem objetos de estudo um pouco
diferentes da língua em uso, como veremos a seguir:
• Gramática contrastiva ou transferencial: caracteriza-se pela análise não de uma, mas de
duas línguas ao mesmo tempo.
• Gramática geral: esse tipo de gramática procura elaborar princípios que sirvam para
todas as línguas.
Gramática universal: tenta observar e classificar fatos que podem ser percebidos
universalmente nas línguas.
Gramática histórica: busca analisar as fases evolutivas de uma determinada língua.
Gramática comparada: procura observar uma sequência de fases evolutivas de várias
línguas, procurando encontrar pontos que sejam comuns entre elas.
A AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM
Diferentemente dos demais seres vivos, o ser humano
possui uma habilidade de comunicação tão incrível e,
ao mesmo tempo, tão naturalizada que, muitas vezes,
não dá a ela seu devido valor. Em geral, as pessoas não
param para pensar no “milagre” que é nossa
capacidade de linguagem. Com ela, o ser humano tem o
poder de “entrar na mente” de outro ser humano,
despertando curiosidade, aguçando imaginação,
Fonte: Freepik
manipulando ideias, alterando atitudes, gerando
conflitos, tudo apenas com o poder do uso das palavras.
A aquisição da linguagem pela criança, mesmo que seja aceita como um fato comum pelas
pessoas, é objeto de estudos desde a Antiguidade.
Falar é uma coisa, escrever é outra,
Mas, para que serve a fala? Para comunicar ideias, pensamentos, afetos? Se for por isso, a
escritas também o fazem.
Então, qual seria a diferença? Podemos dizer que a comunicação da fala é oral-auditiva, e a
da escrita é visual-interpretativa,
A escrita é uma fixação visual, com sinais gráficos e permanentes, daquilo que o escritor
pretende comunicar. Ele poderia fazer o mesmo por meio da linguagem oral, mas a
desvantagem seria o alcance de sua comunicação e o fato de ser passageira, salvo se fosse
gravada.
A criança na pré-escola e o sujeito não alfabetizado em geral caracterizam-se por não
saberem escrever aquilo que sabem falar. Não porque não sejam capazes de fazê-lo, já que
sabem falar e comunicar suas ideias, mas pelo fato de não terem aprendido a escrever as
letras que representam graficamente os sons que sabem desde a sua infância.
Muitas vezes, também temos a impressão de que na escola, as crianças são inibidas ao
serem ensinadas a escrever, passando-lhes a impressão de que a escrita deve ser diferente
da fala, como se fossem dois idiomas diferentes. Isso pode ocasionar um sentimento de
incapacidade de atingir aquele objetivo da parte das crianças. E, assim, cria-se um pavor à
língua escrita e o pavor gera a inibição. Basta agarrar a caneta para escrever e tudo fica
escuro. Não se acham pensamentos nem palavras e muito menos frases e orações.
Sujeitos não alfabetizados e crianças em níveis anteriores à alfabetização também sabem a
língua materna e possuem uma gramática natural. O papel da escola é mostrar as
diferenças entre a língua falada e a língua escrita, não sobrepondo uma à outra,
valorizando a expressão e a criatividade dos sujeitos;
Todos os falantes conhecem a gramática, mesmo que não saibam, conscientemente,
explicá-la.
PLANEJANDO PRÁTICAS DE ENSINO E
AVALIAÇÃO DE GRAMÁTICA
A noção de educação linguística não é nova nem demorou para colocar-se como uma
necessidade no contexto educacional. Começou por merecer certa preocupação entre os
linguistas, passando depois a ser considerada, entre pedagogos e professores, como um
domínio técnico-didático. Hoje, se constitui em um importante campo de pesquisa e de
resultados tanto para a linguística como para a educação, pois a linguagem não é apenas
matéria escolar, mas um dos principais fatores para o desenvolvimento integral dos
indivíduos e para o alcance de sua cidadania.
A educação linguística põe em relevo a necessidade de que se deve ser respeitado o saber
linguístico prévio de cada sujeito, garantindo-lhe o curso na intercomunicação social, mas
também não lhe retira o direito de ampliar, variar e enriquecer esse patrimônio inicial.
O conhecimento das normas linguísticas que são marcas culturais de determinados
segmentos sociais não deve ser considerado nem melhor nem pior, ou as normas da língua
literária não são nem melhores nem piores do que as usadas na língua coloquial.
Uma tese extremamente populista do ponto de vista democrático pode ser tão falha
quanto a tese que a combate, pois ambas insistem em um velho erro da antiga educação
linguística, já que ambas são de natureza “monolíngue”, privilegiando apenas uma
variedade do código verbal.
A GRAMÁTICA E O ENSINO

Quem trabalha com o ensino de gramática na escola sabe que uma língua histórica é um
conjunto de sistemas que apresentam coincidências e diferenças entre si, tais como
observamos na comparação de outros sistemas linguísticos. Nenhum falante conhece toda
uma língua histórica, mas usa uma variedade ao mesmo tempo sintópica (um dialeto
regional), sinstrápica (um nível social) e sinfásica (um estilo de língua). É óbvio que esse
falante pode compreender mais de um sistema linguístico de sua língua histórica, pois está
em condições de reconhecer que existem outros falantes que usam a língua de forma
diferente da dele.
A linguagem é, ao mesmo tempo, historicidade, técnica histórica e tradição, vínculo com
outros falantes presentes e passados.
Cada porção de falantes homogêneos e unitários não se equivoca linguisticamente usando
a técnica histórica específica para manifestar sua liberdade de expressão, ou seja, cada
falante é um poliglota na sua própria língua, na medida em que dispõe da sua modalidade
linguística e está à altura de descodificar mais algumas outras modalidades com as quais
tem contato, podendo vir de extratos culturais e sociais completamente distintos.
Nesse sentido, o papel do professor de língua materna é transformar o aluno em um
poliglota em sua própria língua, possibilitando-lhe escolher a língua funcional mais
adequada a cada momento de criação e até, em um texto em que isso se exigir ou for
possível, cambiar várias línguas funcionais para diferenciar, por exemplo, narradores
específicos ou personagens diferentes.
Deve-se ensinar gramática? Sim, porém não se devem oprimir os estudantes, fazendo com
que as aulas de língua portuguesa privilegiem apenas essa forma de funcionamento da
língua. Deve-se dar também ênfase às variações regionais, familiares, coloquiais e
circunstanciais, pois essa atitude enriquece e amplia a visão dos sujeitos e a manifestação
de liberdade de expressão humana.
Por outro lado, é preciso que se entenda que uma língua histórica não é apenas um
sistema homogêneo e unitário, mas um diassistema, que abrange diversas realidades
diatópicas, diastrópicas e difásicas, e que cada porção da comunidade linguística possui
por direito sua língua funcional, língua essa que resulta de uma técnica histórica específica.
Cada valor linguístico que a descrição científica abrange só se opõe realmente a cada outro
valor dentro de uma mesma língua funcional.
Não se deve ver a educação linguística como uma superposição de dados linguísticos,
psicológicos, didáticos e sociolinguísticos, deixando a outros estudos a tarefa de sintetizar
esses dados. Espera-se, no entanto, que da educação linguística surjam consequências
sérias, que ampliem e potencializem o ensino de língua materna. Entre essas
consequências a exigência de que toda a produção de materiais didáticos para a escola
esteja profundamente renovada nas ideias, procedimentos e estratégias, à luz do
confronto entre a visão científica da universidade e a experiência dos professores, que, na
prática, realizam a tarefa operativa da educação linguística.
Repensar o ensino de língua materna na atualidade é importante, desde que se considere
que seus usuários precisam estar adaptados a qualquer língua funcional, desde aquelas
mais coloquiais até aquelas consideradas mais cultas. Ter acesso a todas essas
modalidades de língua funcional é um direito de todos.
A educação linguística é um meio para se formar usuários competentes da língua, um
direito e também uma forma de atingir a cidadania.
RELACIONANDO LINGUÍSTICA APLICADA E
ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA
Uma das marcas da educação linguística é o deslocamento da centralidade da língua para a
centralidade da linguagem. Isso significa que a educação linguística anseia hoje sair do
antigo globocentrismo para extrair todos os recursos de uma organização pronta para
poder significar. Nessa perspectiva, a língua é algo não pronto, mas em construção. Uma
das marcas da educação linguística é o deslocamento da centralidade da língua para a
centralidade da linguagem.
Como a linguagem é uma pura faculdade, é possível que o homem expresse-se por meio
de sinais fônico-acústicos (como nas línguas entendidas no seu sentido mais geral), ou de
sinais pertencentes a línguas não verbais.
Centrado como era o aprendizado na língua verbal e nas suas regras de estrutura e
combinações, punha-se de lado o complexo e rico papel da linguagem no ato
comunicativo.
Este é um ponto importante de uma discussão antiga, que, bem entendida, poderá
oferecer orientações mais seguras, estimulantes e produtivas entre “saber português” e
“saber gramática”, duas capacidades diferentes e extremamente conexas.
OUTRAS FORMAS DE TRATAR O ENSINO DE
LÍNGUA PORTUGUESA
Os conteúdos de língua portuguesa para o ensino,
propostos pelas últimas diretrizes educacionais, além
de estarem mais sintonizados com as últimas
tendências dos estudos linguísticos para o
aprendizado da língua materna, trazem as diretrizes
necessárias para a composição do currículo de
acordo com a necessidade local de cada instituição
escolar. Os eixos organizadores estão fundamentados
nas práticas sociais de uso da linguagem verbal como
Fonte: Freepik
atividade discursiva.
Como principal instrumento no processo de construção do conhecimento, a língua
portuguesa deve ser levada a cada aluno como meio de ampliação das possibilidades de
uso de uma língua, já conhecida e dominada em sua variedade oral. A escola fica, então,
com a responsabilidade do ensino da língua padrão com suas habilidades linguísticas
básicas: falar, escutar, ler e escrever.
Ao trabalhar a oralidade em sala de aula, precisa-se respeitar a variedade de língua do
aluno, pois a exposição oral requer um alto grau de autoestima. Se o aluno, ao falar, for
criticado ou for motivo de bullying, poderá ter grandes dificuldades para se expor na frente
dos colegas novamente, além de carregar esse estigma pelo resto da vida. As diretrizes
educacionais destacam que o trabalho com a oralidade como conteúdo escolar, além de
exigir um planejamento cuidadoso da ação pedagógica, também pressupõe um profundo
respeito pelas formas de expressão oral trazidas pelos alunos de suas comunidades.
Deste modo, propõe-se que os conteúdos de língua portuguesa, especialmente nos anos
iniciais do ensino fundamental, sejam desenvolvidos por meio de atividades em grupo, a
fim de que se realizem discussões e resolução de problemas; atividades de exposição oral,
como narração, descrição e análise de situações. Desse modo, os estudantes serão
preparados para a exposição oral de trabalhos e seminários, que acontece, mais
tradicionalmente, nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio, e também em
diversas ocasiões de sua vida profissional.
Atividades orais são mais significativas quando se cria, dentro da sala, um ambiente
favorável ao respeito, ao diálogo e à explanação de ideias como forma de construção
coletiva.
Atividades de leitura são imprescindíveis dentro da sala de aula, devendo ser múltiplas e
explorar as diferentes dimensões do texto.
Atividades de escrita devem estar conectadas aos elementos anteriormente estudados, ter
um propósito claro e uma situação comunicativa próxima do mundo real.
OBRIGADO !

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