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Diversidade Linguística e Ensino de Língua Materna

Roteiro de

Estudos
Autora: Profª. Esp. Gisele Felizardo Cirino Gimenes
Revisora: Profª. Esp. Ilma Tânia Magalhães

O ensino da língua materna, atualmente, não se resume a lecionar normas da Língua


Portuguesa padrão. Compreender a estrutura da língua e suas regras não faz do aluno um bom
comunicador ou alguém que tenha capacidade de relacionar-se em diferentes espaços sociais.
Somente o conhecimento normativo desenvolve analfabetos funcionais, que não sabem
interpretar ou dialogar em diferentes contextos. É necessário considerar sempre a língua como
um sistema vivo, socialmente modificado, sensível a variações. Assim, o objetivo do docente de
Língua Portuguesa deve ser levar o indivíduo ao conhecimento amplo da língua e desenvolver
sua total competência comunicativa.

Caro(a) estudante, ao ler este roteiro, você vai:

aprender sobre o funcionamento da língua e a importância das funções da linguagem;


refletir sobre a transformação da língua por meio da interação social;
compreender como o ensino da língua materna pode respeitar a diversidade linguística;
estudar sobre formas de desenvolver as competências orais e escritas dos alunos a fim de
que se comuniquem de forma eficiente;
compreender conceitos básicos de sociolinguística e como eles podem favorecer o ensino
da língua materna;
refletir sobre variação linguística em diferentes contextos regionais, sociais e culturais
brasileiros.
Introdução
Um grande desafio para o professor em sala de aula é decidir sobre o que ensinar, quanto e
como ensinar a gramática normativa padrão em face das inúmeras variações presentes na
expressão sociocultural brasileira, tendo em vista ser ela uma das variáveis do idioma que atua
como modelo ideal linguístico, e, de certo modo, existindo um poder impositivo sobre as
demais. Se, por um lado, há de se combater o preconceito linguístico, por outro, é necessário
promover o desenvolvimento dos alunos a ponto de que seu conhecimento seja suficiente para
saber como transitar entre as diferentes possibilidades linguísticas em cada uma das situações
que se apresentam.

Os docentes precisam estimular o desenvolvimento dessa capacidade nos educandos. É


imprescindível realizarmos reflexões acerca da sociolinguística no Brasil, considerando o ensino
da língua materna à luz da diversidade linguística resultante da pluralidade regional, cultural e
social de nosso país.

Funcionamento da Língua
Ao abordarmos o funcionamento de uma língua, devemos considerar sua estrutura e formação
em diferentes níveis. Na Língua Portuguesa, objeto de nosso estudo, temos como partes
fundamentais:

a fonologia – que aponta a relação entre os sons;


a morfologia – que aborda a formação e a estrutura das palavras, além de classificá-las;
a sintaxe – que, a partir do conhecimento das palavras, permite a organização das frases;
a semântica – atrelada ao significado das palavras.

Envolvendo todos esses estudos, devemos considerar também o conhecimento textual-


discursivo, que apresenta as diferentes formas de construção textual em situações de
comunicação distintas. Sendo assim, temos, por um lado, o conhecimento gramatical e,
atrelado a ele, o linguístico. Para compreendermos o funcionamento da língua, é necessário
saber relacionar ambos os conhecimentos.

O conhecimento linguístico é, em primeira instância, internalizado nos falantes de determinada


língua. Ele é adquirido e construído a partir da oralidade, muito próximo da língua cotidiana; é
o que difere o nativo do estudioso do idioma, por exemplo. Ao estudarmos o funcionamento
da Língua Portuguesa, iremos perceber que ela apresenta os aspectos gramáticos normativos,
que se diferem dos linguísticos.
No ambiente escolar, durante os processos de leitura e produção escrita, o aluno tem a
oportunidade de utilizar os conhecimentos pré-existentes, desenvolvidos pela oralidade, para
desenvolver-se na construção da língua escrita e na aplicação da gramática. Sendo assim,
repetindo esse ciclo, o aluno compreende o funcionamento da língua e, aos poucos, amplia seu
universo linguístico e as perspectivas de comunicação, percebendo que, por meio da língua, as
pessoas estabelecem relações com outras pessoas, pois é o modo mais primário de realizar
interações e, consequentemente, propor transformações sociais.

Essa é uma constante reconstrução, à qual o professor deve estar atento para que possa atuar
de forma positiva e compreender a língua como um código social. Nesse processo de
construção coletiva, os aspectos relacionados à gramática normativa vão sendo incorporados
de forma fluida e natural.

A gramática deixa de ser imposta e inacessível para ser de todos e os


professores deixam de trabalhar com textos modelares de língua para
trabalhar com textos produzidos pelos alunos no sentido de descobrir suas
hipóteses sobre a língua e confrontá-las umas com as outras e com a
convenção (SILVA, 1986, p. 69).

É importante entender que a língua funciona como um sistema vivo e dinâmico, que se
modifica e se reorganiza à medida que os falantes a utilizam e interagem com o mundo, com a
cultura, com a sociedade, em toda sua complexidade.
LIVRO

A Pesquisa e o ensino em Língua Portuguesa sob


diferentes olhares
Autoras: Anna Maria Marques Cintra e Lílian Chiuru Passarelli
Editora: Blucher
Ano: 2012
Comentário: a obra apresenta propostas, encaminhamentos e
resultados de investigações, além de abrir espaço para a
discussão de livros que possam ser problematizados e
relacionados com questões presentes no ensino da Língua
Portuguesa em diferentes níveis.
Esse título está disponível na Biblioteca Virtual Laureate.

Interação Social
Falar sobre interação em Língua Portuguesa, inevitavelmente, remete-nos à linguagem, que é a
forma que utilizamos para interlocução e relacionamento. Ao entendermos a língua nesse
contexto, além de destacar sua relevância, torna-se muito importante capacitar o aluno para
utilizar adequadamente as funções de linguagem, pois são elas que permitem a compreensão
da mensagem e a efetiva comunicação.

[...] a linguagem serve para expressarmos conteúdo, para darmos conta da


nossa experiência do mundo, seja este o real, exterior ao sujeito, seja este o da
nossa própria consciência, interno a nós próprios; [...] serve também para
estabelecermos e mantermos relações sociais uns com os outros, para
desempenharmos papéis sociais, incluindo os comunicativos, como ouvinte e
falante; [...] providencia-nos a possibilidade de estabelecermos relações entre
partes de uma mesma instância de uso da fala, entre essas partes e a situação
particular de uso da linguagem, tornando-as [...] situacionalmente relevantes
(GOUVEIA, 2009, p. 15).
Sendo assim, é em situações de interação social que fazemos usos determinados da língua e
temos a linguagem como elemento mediador. A língua vai sendo construída à medida que as
relações sociais se apropriam dela e a reelaboram. Um bom exemplo é observar que a Língua
Portuguesa, falada em diferentes países ou épocas, difere-se. São as interações sociais que, ao
longo do tempo e uso, produzem ou atualizam o discurso.

Indo um pouco mais adiante, podemos citar a teoria histórico-social de Vygotsky (1994), que
entende que a linguagem não ocorre no vazio social.  Segundo esse teórico, a premissa para a
aprendizagem é a linguagem, pois ela é o foco da interação social, e é carregada, por assim
dizer, de todo o contexto em que está inserida, não simplesmente do código da língua.

É preciso pensar a linguagem humana como lugar de interação, de constituição


das identidades, de representação de papéis, de negociação de sentidos, por
palavras, é preciso encarar a linguagem não apenas como representação do
mundo e do pensamento ou como instrumento de comunicação, mas sim,
acima de tudo, como forma de interação social (KOCH, 2003, p. 128).

Não devemos limitar o ensino de língua portuguesa atuando como juízes que definem certo e
errado, ou ensinar apenas regras e normas. As variações linguísticas fazem parte da língua e
possuem um papel determinante na comunicação intencional, servindo de referência, inclusão
e identificação para diferentes grupos sociais.

Ao introduzir esse conceito, argumentamos a favor dos estudos que entendem o ensino da
língua materna – o código comum para relação de um determinado grupo – como parte de um
processo comunicativo, e não como único padrão aceitável.

Ensino da Língua Materna  


O ensino da língua materna deve capacitar o aluno, com o objetivo de prepará-lo para utilizar a
linguagem em suas diferentes situações, incluindo quando exigido o domínio do padrão da
língua.

O professor deve ter em mente que, quando chega o momento da alfabetização, a criança já
tem o domínio da sintaxe da língua materna, de um extenso vocabulário e já se relaciona, com
destreza, em seus grupos sociais. Tendo isso claro, para o docente de língua materna, seus
alunos, independente da idade, já carregam uma significativa bagagem linguística que deve ser
utilizada como alicerce para a construção de novos conhecimentos, inclusive na aquisição da
escrita. Infelizmente, essa não tem sido a prática de sala de aula, como explicam Ilari e Basso
(2009, p. 231):
A esses objetivos a escola tem anteposto outro: o da correção. Na prática a
escola não tem trabalhado a partir de um plano voltado para enriquecer
sistematicamente a competência linguística do aluno; tem-se preocupado em
criar no aluno uma outra competência que, supostamente, coincide com a
competência linguística das classes mais cultas.

O trabalho em sala de aula tem sido o de reforçar a sistematização gramatical e a análise


sintática que desqualifica qualquer produção que cometa “erros” do ponto de vista dessa
análise. Acaba-se por criar uma hierarquia entre o professor, detentor de conhecimento da
língua portuguesa, e o educando, simples receptor.

Com isso, o ensino da língua materna se mostra cada dia mais desconectado da vida real e
mais ineficaz, pois perdemos de vista a característica de sistema vivo e dinâmico próprio da
língua.

Cabe ao professor, que optou por ensinar a língua materna, reconstruir a ponte entre teoria e
prática, trabalhando em prol de reduzir preconceitos linguísticos e enriquecer a língua, sem
esquecer que a língua falada sofrerá alterações, levando-se em conta o momento em que a
escrita começar a ser desenvolvida, sendo apresentados novos gêneros e o funcionamento da
linguagem. Como fazer isso? Por meio de estudos que vão além do conhecimento estrutural do
português brasileiro, que envolvem a história, a cultura e a sociedade na diversidade da língua.
LIVRO

O fazer cotidiano na sala de aula: a organização do


trabalho pedagógico no ensino da língua materna
Autoras: Andréa Tereza Brito Ferreira e Ester Calland de Sousa
Rosa
Editora: Autêntica
Ano: 2012
Comentário: indicamos a leitura do capítulo: “O cotidiano
escolar: reflexões sobre a organização do trabalho pedagógico
na sala de aula”. Como o professor pode organizar o fazer
pedagógico em sala de aula de forma a contribuir para o ensino
da língua materna? Essa é a pergunta que este livro ajudará a
responder, refletindo sobre a utilização de jogos e livros
didáticos, biblioteca e laboratório de tecnologia. Uma boa
ferramenta para o desenvolvimento das atividades em sala.
Esse título está disponível na Biblioteca Virtual Laureate.

LIVRO

A Sociolinguística e a Língua Materna


Autora: Rita do Carmo Polli Silva
Editora: InterSaberes
Ano: 2012
Comentário: a obra tem o intuito de propiciar a abertura de
novos caminhos e mostrar que a língua é muito mais do que
aquilo que pensamos e conhecemos; ela é viva e transforma-se
surpreendentemente.
Esse título está disponível na Biblioteca Virtual Laureate.
Diversidade Linguística
A diversidade linguística é uma importante variável a ser considerada no estudo e ensino da
língua. Ela é composta pelas variações que a língua sofre pelo uso e diferenças sociais,
regionais, históricas e culturais. Assim, a norma culta não é a única forma existente para a
língua; ela é a variedade-padrão – aplicada formalmente.

É fundamental que o professor aceite, entenda e valorize a diversidade linguística em sala de


aula. Esse é um processo de valorização sociocultural que contribui para que o aluno melhore
sua compreensão da língua. A escola é o espaço em que a multiplicidade e a diferença
linguística devem ser reconhecidas. “A escola não pode ignorar as diferenças sociolinguísticas. É
por meio dos professores que os alunos têm que estar bem conscientes de que existem duas
ou mais maneiras de dizer a mesma coisa” (BORTONI-RICARDO, 2005, p. 15).

Esse processo de apresentação da diversidade linguística na escola é essencial para que a


comunicação oral e escrita do aluno seja aprimorada. Dessa forma, o ensino da língua materna
gerará significado para o aluno e contribuirá para a formação social e integral do ser. Nesse
sentido, percebemos que a língua não é uniforme, pois admite variações geradas nas
diferenças sociais, culturais, históricas etc. Cabe ao docente combater, de todas as formas, os
preconceitos linguísticos que existem no momento em que um falante utiliza uma variação que
não pertence à norma culta. É importante destacar que na escrita formal, porém, espera-se que
o aluno saiba utilizar a variante culta da língua.

Quando falamos de diversidade, falamos também de convivência entre “múltiplas línguas”, de


riqueza cultural, de línguas brasileiras. Sendo assim, há um esforço para o aprendizado
coletivo, o respeito e a redução do preconceito linguístico, que é tão forte no Brasil.

Sociolinguística
Como uma das áreas derivadas da linguística, a sociolinguística estuda a linguística associada a
aspectos sociais: a língua como um fenômeno social. É um campo interdisciplinar entre língua e
sociedade, a fala comunitária. As línguas são dinâmicas e heterogêneas e estão sujeitas à
variabilidade linguística. Conforme descrito por Mollica e Braga (2010, p. 9-10):

A Sociolinguística considera em especial como objeto de estudo exatamente a


variação, entendendo-a como um princípio geral e universal, passível de ser
descrita e analisada cientificamente. Ela parte do pressuposto que as
alternâncias de uso são influenciadas por fatores estruturais e sociais.
Mollica e Braga (2010) dizem ainda que esses fatores são motivados pela sua alternância
estatisticamente previsível, constituindo a base desse campo científico.

São áreas de interesse da sociolinguística todas aquelas relacionadas à importância social e a


mudanças da linguagem, como multilinguismo, contato entre línguas, surgimento ou extinção
linguística etc. Nesse sentido, não existe uma fala dominante sobre as demais, salientando-se
que a sociolinguística não se propõe a classificar as variedades; apenas a estudá-las.

São conceitos essenciais para o entendimento da sociolinguística os termos variantes e


variáveis. Portanto, variantes são as diferentes possibilidades de uma mudança ou variação, as
alternativas possíveis; já as variáveis ocorrem sempre que, do ponto de vista linguístico, há
duas ou mais variantes possíveis para aquela estrutura.

Ao longo do tempo e da história uma variante pode se manter ou deixar de ser utilizada,
conforme a evolução sociolinguística daquela língua, seja por mudanças no significado do
termo, por fatores internos ou externos à língua e aos falantes.

Como professores, devemos defender um ensino da língua materna à luz da sociolinguística do


Brasil em que interagem variantes regionais, sociais e estilísticas.

Conclusão
Pensar o ensino da língua materna à luz da diversidade linguística é, sim, um grande desafio
num país em que a norma culta e o gramaticalmente correto impõem uma posição privilegiada
aos detentores do conhecimento. Entretanto, essa mesma imposição acabou por gerar um
abismo, repulsa pelo estudo da língua e o desconhecimento da riqueza de nosso idioma.

Cabe ao professor ser o mediador da diversidade em sala de aula, a fim de que o aluno sinta
que o conhecimento que já tem, a língua aprendida desde a primeira infância, tem um grande
valor e pode participar da construção coletiva do conhecimento. Assim, teremos uma
sociedade que valoriza as diferenças e sabe transitar entre os saberes e ter uma comunicação
eficaz.

Referências Bibliográficas
BORTONI-RICARDO, S. M. Nós cheguemu na escola, e agora? Sociolinguística e educação. São
Paulo: Parábola, 2005.
CINTRA, A. M. M.; PASSARELLI, L. C. A Pesquisa e o ensino em Língua Portuguesa sob
diferentes olhares. São Paulo: Blucher, 2012.

FERREIRA, A. T. B.; ROSA, E. C. S. (org.). O fazer cotidiano na sala de aula: a organização do


trabalho pedagógico no ensino da língua materna. São Paulo: Autêntica, 2012.

GOUVEIA, C. A. M. Texto e Gramática: uma introdução à linguística sistêmico-funcional.


Matraga, Rio de Janeiro, v. 16, n. 24, p. 13-47, jan./jun. 2009. Disponível em: https://www.e-
publicacoes.uerj.br/index.php/matraga/article/view/27795/19916. Acesso em: 18 mar. 2020.

ILARI, R.; BASSO, R. O português da gente: a língua que estudamos, a língua que falamos. São
Paulo: Contexto, 2009.

KOCH, I. V. A interação pela linguagem. São Paulo: Contexto, 2003.

MOLLICA, M. C., BRAGA, M. L. Introdução à Sociolinguística: o tratamento da variação. São


Paulo: Contexto, 2010.

SILVA, L. M. da. (org.) O ensino de Língua Portuguesa no primeiro grau. São Paulo: Atual,
1986.

SILVA, R. do C. P. da. A sociolinguística e a língua materna. Curitiba: InterSaberes, 2012.

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1994.

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