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PRODUÇÃO E COMPREENSÃO

TEXTUAL EM LÍNGUA PORTUGUESA


Luciana Eliza do Santos
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1 O PAPEL DA LEITURA NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR, ENQUANTO


CIDADÃO E PROFISSIONAL

Apresentação

Neste bloco, vamos estudar a questão da leitura e sua função social, destacando a
importância das práticas de leitura para a formação do professor. A evolução da
sociedade e as mudanças no comportamento social modificaram o uso da linguagem,
da escrita e da comunicação. O contato com a leitura e a escrita, antes mais restrito,
hoje está presente em todas as situações da vida contemporânea. Dessa forma e com
mais especificidade, para a formação de um bom profissional da educação, devemos
contar com a formação de um bom leitor. É o que estudaremos a seguir.

1.1 Formação de professores e processos de leitura

Antes de conversarmos sobre as relações das práticas de leitura e sua funcionalidade


social, devemos nos perguntar sobre o conceito de leitura e sua relação com a
sociedade. Assim, podemos nos questionar: o que é leitura? Será apenas identificar,
pronunciar e saber o significado das palavras? Alguns pesquisadores indicam que ler é
uma prática social. Quando lemos um texto, estamos fazendo ligações com outros
textos e outras leituras que já fizemos. Quando lemos um texto, acessamos um
processo de referências, conhecimentos e valores. A leitura sempre pressupõe a
escolha ou a representação de determinados valores, crenças e atitudes. Reflete, antes
de mais nada, a cultura, o grupo e a formação social a que as pessoas pertencem e
como se representam.

Uma ótima referência para embasarmos nossas discussões é a pesquisadora Ângela


Kleiman (1993). Ela nos destaca que o entendimento de um leitor abarca aspectos
culturais e sociais, posicionamentos que conduzem as escolhas, as estratégias tanto de
quem escreve, como de quem lê, de acordo com seu conhecimento linguístico,
sociocultural e enciclopédico. Assim, pressupomos conhecimentos prévios

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fundamentais para a compreensão e os significados das palavras em qualquer situação


de leitura. O processo de leitura exige diferentes níveis linguísticos, textuais e de
mundo, confrontados no ato da leitura e compreensão. E, certamente, o
conhecimento linguístico e a compreensão dos conceitos das palavras são essenciais à
leitura.

Um fato interessante é compararmos o processo de aquisição da leitura e da escrita,


quando tratamos da infância e o desenvolvimento dessa prática, ao longo da vida do
sujeito social, em instituições escolares, universitárias, profissionais. O conhecimento
linguístico está sempre em desenvolvimento e ampliação, pois faz parte das vivências
sócio-interacionais dos sujeitos sociais. No desenvolvimento da criança, a linguagem
representa importante acesso ao universo da comunicação e suas formas de
representação da cultura e da sociedade, tanto em aspectos cognitivos, como sociais e
morais. No âmbito de aquisição da linguagem verbal, qualquer manifestação escrita
apresentará função central como área de conhecimento, pois facilita o acesso à
tradição e cultura. Por outro lado, permite o progressivo domínio da leitura e suas
implicações, como a norma padrão da língua, essencial para a inserção e o
desenvolvimento da criança dentro das diferentes esferas da sociedade. E esse
movimento se aprofunda à medida que a criança se escolariza e desenvolve seu
itinerário formativo, conforme os moldes institucionais da sociedade contemporânea.
Assim, para um estudante de ensino superior, o domínio da norma padrão da língua é
fundamental, assim como a percepção criativa e representativa da linguagem.

Nesse plano, a linguagem permite a identificação de padrões e formas de expressão


relativas à certa cultura, como também é central para o desenvolvimento da cognição
de crianças e adultos, suas funções mentais e do pensamento, como nos indicam os
estudos de referências célebres como Jean Piaget (1896 - 1980) e, especialmente, Lev
Vygotsky (1896 - 1934). A linguagem verbal é fundamental para o desenvolvimento de
outras formas de linguagem, de maneira que a interação da criança com o mundo
permitirá a aquisição de conhecimentos e símbolos através da experimentação e da
vivência de novas situações sociais, ampliando a qualidade e a abrangência dos
recursos de leitura de mundo da criança e suas perspectivas de comunicação.

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O espaço da escola não é diferente. Contudo, abrange apenas parte do processo


comunicativo, ao considerar transmissão da mensagem, como acontece, por qual meio
e com qual intenção. O processo de leitura e sua aquisição, inseridos nesse contexto,
pressupõe o desenvolvimento da linguagem na perspectiva do desenvolvimento pleno
da humanidade e da comunicação.

Mas estamos falando aqui de momentos etários diferentes que propiciam o


aprendizado contínuo por meio da interação social e dos diversos usos da linguagem.
Devemos, portanto, ter a diversidade como um ponto de partida fundamental para
pensarmos a importância da leitura e da escrita para a formação escolar e profissional
dos sujeitos. A diversidade sociocultural, as diferenças etárias, as classes sociais,
elementos étnicos e culturais criam um espaço de convivência onde troca de
repertório e a aprendizagem de novas linguagens e conhecimentos enriquecem os
processos de expressão verbal. Isso é essencial para o domínio intelectual de um
professor. Aqui devemos considerar as singularidades culturais, o repertório linguístico
e as formas de expressão do Capital Cultural, que, conforme Pierre Bourdieu (1998), é
sustentado e perpetuado por seu núcleo familiar. O Capital Cultural consiste em uma
categoria da sociologia para definir o domínio de elementos culturais que cada sujeito,
agrupamentos sociais e famílias carregam e transmitem entre si, definindo um
conhecimento com valor social. Esse repertório linguístico, de herança familiar, o
Capital Cultural é fundamental para o desenvolvimento do cidadão, pois expressa o
conhecimento e a visão de mundo, construídos nesse núcleo. O espaço da escola é o
local onde as crianças expressam esses repertórios que trazem do núcleo familiar e
trocam experiências em diversas situações de usos da linguagem e da comunicação. O
texto é um elemento intrínseco à realidade escolar e à vivência dos estudantes, mas
sobretudo aos domínios das atividades docentes.

1.2 Leitura e cidadania

A cidadania é construída por meio da participação dos sujeitos na sociedade, visando à


sua constante transformação e florescimento. O acesso ao conhecimento faz parte da
cidadania, uma vez que diversas práticas sociais são completadas pelo ato de ler e
escrever. O iletrismo é uma condição que não se realiza no mundo contemporâneo,
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altamente letrado. As pessoas analfabetas enfrentam consequências, como a


dificuldade de uso de gêneros discursivos escritos, muitas vezes demandados em
situações sociais. Isso ocorre na ocasião de uma simples assinatura de contrato, de
algum documento judicial ou mesmo a leitura de algum documento instrucional no
ambiente de trabalho. Para a amplitude de instituições e ações sociais que abriga
nossa sociedade, ser privado de algumas situações sociais que demandam os
documentos anteriormente descritos é o mesmo do que não exercer a sua cidadania. E
com isso estamos dando ênfase especial para a educação, no processo de formação
para a cidadania. Vamos refletir um pouco o por quê.

Destaquemos artigo 29 da Lei no 12.796/2013, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases


da Educação Nacional no 9394 de 1996 e indica que “a educação infantil, primeira
etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança
de até 5 (cinco) anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social,
complementando a ação da família e da comunidade” (BRASIL, 2013). A inserção da
criança no mundo ocorre então pela ação conjunta de instituições sociais como a
família, a escola e a comunidade. Todas essas instituições sociais devem favorecer o
desenvolvimento pleno das crianças para que as mesmas se tornem cidadãs
esclarecidas de seus deveres e direitos sociais. Assim, na experimentação do mundo e
em sua configuração em linguagem, o conhecimento construído no âmbito familiar
transita para o ambiente escolar, que por sua vez deverá trabalhar com esses
elementos. A linguagem e o contexto familiar confrontado com a cultura letrada, do
ambiente escolar, deverá promover à criança a ampliação de seu conhecimento e de
seu desenvolvimento por meio do acesso a materiais e situações de aprendizagem.
Aqui já estamos falando de construção de cidadania. Quanto mais a criança aprende a
ler e a escrever, mais se tornará um adulto plenamente inserido nos mais diversos
contextos sociais que necessite vivenciar. E quando tratamos dos profissionais que
ensinam a ler e a escrever, os professores, estamos considerando que esses
profissionais participam da construção dessas cidadanias e, portanto, são também
cidadãos que devem viver o exercício pleno da leitura e da escrita.

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Nesse sentido, o professor deve estar atento ao papel da leitura em sua própria
formação e como ele mesmo cria um ambiente de aprendizagem em torno da leitura e
do tipo de leitor que ele é. Podemos destacar o exemplo das Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2010), que chamam atenção para a
importância da vivência de experiências narrativas que promovam a percepção e a
interação com diferentes formas de linguagem oral e escrita, em diversos suportes e
gêneros textuais, orais e escritos. E o ambiente escolar, por conseguinte, deve
promover condições para que as crianças possam se expressar, direcionando a
organização e as práticas com esse objetivo. Tanto a organização dos espaços
estimulando o encontro e a troca, como a estruturação dos processos educativos
precisam criar condições para o contato com contextos comunicativos e usos da fala. A
promoção de tais condições pode ocorrer através de situações, sejam da oralidade e
do livro didático, sejam de práticas que utilizem as contações de histórias, uso de
filmes, músicas, brinquedos, brincadeiras, jogos; a utilização de rodas de conversa e
diálogos podem ser direcionados para diversos gêneros em planos poéticos, literários
ou de livre expressão. Também livros, músicas e filmes devem ser selecionados com
critérios objetivos, tais como diversidade, abundância, recorrência e gosto das
crianças. O texto escrito deverá trabalhar com variados gêneros textuais, tais como
contos, fábulas, poesia, novelas, parlendas, trava-línguas, adivinhas, e temáticas, como
drama, humor, terror, faz de conta, contos maravilhosos. Já as músicas, que também
possibilitam o acesso à poesia e a diferentes usos da linguagem verbal oral e escrita,
podem ser ressignificadas na escola promovendo o conhecimento acerca da cultura
regional ou de outros países, da mesma forma que o cinema amplia os usos de
narrativas e ambientações por meio de enredos, contextos imaginários e ficcionais que
fazem parte do universo literário. Portanto, tais usos permitem ampliar a linguagem
através de espaços de diálogo por meio de vivências em atividades permeadas pela
experiência narrativa.

Com a criação desse ambiente, o professor evoca situações de letramento na escola,


vivências permeadas pela prática da leitura e da escrita e experiências significativas de
aprendizagem cujo meio de assimilação é a comunicação, sendo estes todos
elementos fundamentais à construção de cidadanias e ao sentido da escola em nossa
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sociedade contemporânea. Vamos, então, seguir estudando por que o professor deve
ser uma grande referência leitora para todos.

1.3 Leitura e ação social na educação: o ato de ler

A produção do texto literário e o processo educativo possuem um ponto comum: o ato


de ler e o de ensinar, ambos são processos de confronto, de verificação. Ambos são
processos criativos. Nesses processos, tanto o leitor como o estudante confrontam o
conhecimento existente com o novo. O texto, a palavra e o significado que possuem
para quem os elaborou serão testados, verificados e confrontados pelo conhecimento
prévio de quem os lê.

O ato da leitura é o processo pelo qual busca-se a compreensão daquilo que é lido. O
sujeito, nessa ação, utilizará o conhecimento instrumental que tem da língua e da
escrita, além de seu conhecimento de mundo. No plano educacional, o
desenvolvimento da leitura é o engajamento numa experiência criativa que visa à
compreensão e sua posterior expressão.

Na obra A importância do ato de ler (1988), o professor e educador Paulo Freire afirma
que “A leitura do mundo precede a leitura da palavra”. Essa afirmação aponta para o
processo de leitura propriamente dito; mas traz um posicionamento muito claro que
retoma o conceito de emancipação.

tanto o alfabetizador quanto o alfabetizando, ao pegarem, por exemplo, um


objeto, […] sentem o objeto, percebem o objeto sentido e são capazes de
expressar verbalmente o objeto sentido e percebido. Como eu, o analfabeto
é capaz de sentir a caneta, de perceber a caneta e de dizer caneta. Eu,
porém, sou capaz de não apenas sentir a caneta, de perceber a caneta, de
dizer caneta, mas também de escrever caneta e, consequentemente, de ler
caneta (FREIRE, 1988, p. 13).

A leitura de mundo, nessa perspectiva, será a bagagem cultural e formativa provinda


da experimentação do sujeito. O processo de aprendizado da pessoa é desenvolvido
através da experimentação. O conhecimento adquirido será utilizado para a
sobrevivência e para a compreensão do mundo. Contudo, não se restringe a isso. A

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leitura de mundo não está restrita apenas à identificação dos significados concretos
das coisas.

A leitura de mundo acontece quando o conhecimento prévio do leitor entra em


confronto e estabelece relação com outros conhecimentos, formando, assim, a
compreensão de um objeto em relação a outros objetos, situações e contexto. Ler o
mundo significa a leitura das coisas a partir da visão daquele que vê. Como o processo
de leitura e também da alfabetização, o ato de ler é a codificação, ou ainda, a criação
através do texto escrito, da expressão oral.

A formação do sujeito acontece em diferentes tempos e espaços. Primeiro, o espaço


da família oferta uma base inicial para a compreensão do mundo. Esse alicerce sofre
avarias ao ser confrontado com o mundo social.

A comunidade e depois, a escola, serão os principais espaços onde o conflito entre o


entendimento das coisas e sobre as coisas começará a acontecer. Questões de
relacionamento, concepção religiosa, enfim, os conhecimentos desenvolvidos e
perpetuados pelo núcleo familiar serão verificados, questionados e reconstruídos
frente ao conhecimento histórico e social. A ciência e a padronização do conhecimento
provocam instabilidade e estranhamento, fazendo com que o sujeito procure se
adequar e resistir. Assim, ler e escrever são conhecimentos que perpassam condições
de sujeitamento e enfrentamento, ao mesmo tempo, sendo fundamental, antes de
qualquer coisa, o direito à leitura e à escrita.

Conclusão

O propósito deste bloco foi comentar alguns aspectos essenciais das práticas de leitura
e escrita, e seus diversos significados nas estruturas e setores da nossa sociedade
contemporânea, abrangendo tanto questões de desenvolvimento humano e biológico
quanto cidadão. As práticas de leitura e escrita são direitos fundamentais às formas de
organização sociais contemporâneas, sendo a escolar uma instituição social essencial a
todos.

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REFERÊNCIAS

BOURDIEU, P. Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1998.

BRASIL. Diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil. Secretaria de


Educação Básica. Brasília: MEC, SEB, 2010. 36 p.

BRASIL. Lei no 12.796/2013, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação


Nacional no 9.394 de 1996.

FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo:
Autores Associados, Cortez, 1989.

KLEIMAN, Ângela. Oficina da leitura: teoria e prática. Campinas: Pontes, 1993.


________. Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. 11. ed. Campinas: Pontes,
2008.

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