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CADERNO CURRICULAR TEMÁTICO

NARRATIVAS SOBRE
EDUCAÇÃO ESPECIAL
NAS ESCOLAS DA REDE MUNICIPAL
DE ENSINO DE CAMPINAS

TECENDO CURRÍCULO
DE ACESSO, PERMANÊNCIA E CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTO
PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMPINAS

SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO

DEPARTAMENTO PEDAGÓGICO

CADERNO CURRICULAR TEMÁTICO


NARRATIVAS SOBRE EDUCAÇÃO ESPECIAL NAS
ESCOLAS DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE CAMPINAS
TECENDO CURRíCULO DE ACESSO, PERMANÊNCIA E

CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTO

ESTE MATERIAL SEGUE OS PADRÕES DE


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Diagramação e Editoração
DV COMUNICAÇÃO
KEITI V LOPES

Capa
AUTORES DAS COLAGENS

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Caderno curricular temático : narrativas sobre


educação especial nas escolas da rede municipal
de ensino de Campinas [livro eletrônico] :
tecendo currículo de acesso, permanência e
construção de conhecimento / Prefeitura
Municipal de Campinas, Secretaria Municipal de
Educação. -- 1. ed. -- Campinas, SP :
PM/Campinas, 2020.
PDF

Vários autores.
Vários colaboradores.
Bibliografia
ISBN 978-65-992507-0-5

1. Educação 2. Educação básica 3. Educação


especial 4. Educação inclusiva - Campinas (SP)
5. Rede Municipal de ensino de Campinas (SP)
I. Prefeitura Municipal de Campinas. II. Secretaria
Municipal de Educação

20-45501 CDD-371.9
Índices para catálogo sistemático:

1. Caderno metodológico : Educação especial e


inclusiva 371.9

Maria Alice Ferreira - Bibliotecária - CRB-8/7964

Todos os direitos reservados.


É permitida a reprodução total e ou parcial desta obra desde que seja citada a fonte.
Reproduções para fins comerciais são proibidas na forma da lei.
Prefeitura Municipal de Campinas

4
Prefeitura Municipal de Campinas-SP

Prefeito

Jonas Donizette

Secretária Municipal de Campinas-SP

Solange Villon Konhn Pelicer

Diretor do Departamento Pedagógico

Luiz Roberto Marighetti

Coordenadora de Formação

Jane Gerodo Garcia

Núcleo de Currículo Ensino Fundamental


Juliano Pereira de Mello
Lúcia Helena Pegolo Gama
Suselei Aparecida Bedin Affonso

Coordenadora de Educação Básica

Lillian Correa de Melo

Núcleo de Educação Especial

Eliana Briense Jorge Cunha

Elise Helena Batista Moura

Mariana da Cunha Sotero

2020
5
FICHA TÉCNICA

Coordenadoras dos grupos de trabalho

Professoras Lucia Helena Reily


Adriana Cunha Padilha Mara Cardoso Freitas

Aline Aparecida Veltrone Maria Angélica Arruda Dias Ladaga

Camila Santos Borges Maria Lúcia de Oliveira


Maria Lúcia Lanza de Paula
Cássia Cristiane de Freitas Alves
Maria Simira Beatriz Poker Ferreira
Elizete Lobato Miranda
Mariana da Cunha Sotero
Karen Aparecida Favarim
Marta Menezes Santos
Nelma Cristina de Carvalho Francisco
Nelma Cristina de Carvalho Francisco
Sabrina de Oliveira Maciel Guimarães
Patrícia Aparecida Sgarioni Oliveira
Solange Maria Américo
Priscilla Aparecida da Silva
Rafaela Anarelli
Coordenadoras Pedagógicas
Rebeca Ripari de Oliveira
Mariana da Cunha Sotero
Roberta Gomes Scian Bizari
Suselei Aparecida Bedin Affonso
Rodrigo Neris
Sabrina de Oliveira Maciel Guimarães
Autores
Sandra Mara Fulco
Adriana Campos Natali
Sandra Prado de Lima
Aldinária Martins Rodrigues
Silvana Lopes Ferraz
Aline Aparecida Veltrone
Solange Maria Américo
Aline Cristina Amgarten Cardeal
Thaisy Caroline Silva Torres de Oliveira
Breno de Souza Juz
Warlen Fernandes Soares
Camila Santos Borges
Carla Gardini
Organização e estabelecimento do texto
Cássia Cristiane de Freitas Alves
Lucia Helena Reily
Claudia Mara da Silva
Mariana da Cunha Sotero
Creuza Maria Lopes Teatin
Suselei Aparecida Bedin Affonso
Daniela Fernanda Flores
Divânia Pereira do Carmo
Elenir Santana Moreira Revisão Textual
Elizete Lobato Miranda Lucia Helena Reily
Flávia Fernandes Iafigliola Mariana da Cunha Sotero
Geiza Duarte dos Santos Suselei Aparecida Bedin Affonso
Gerson Branco Abdal
Iraceli Andrade
Formação e orientações específicas
Janaína Tunussi de Oliveira
Lucia Helena Reily
Josefina da Costa
Mariana da Cunha Sotero
Karen Aparecida Favarim

6
Suselei Aparecida Bedin Affonso Vanessa Elizabeth de Souza Rocha

Colaboradores Autores de colagens


Aline Caetano Begossi
Abenaildes de Oliveira Santos
Ana Carolina Pelloni
Ana Claudia Tenorio Dornelles
Ana Rosa Torquato Botelho
Claudia Gomes Domingues Nunes
Cássia Cristiane de Freitas Alves
Daniela Cristina Viani
Daniela Fernanda Flores
Eliana Barros Mendes de Castro
Elaine Botelho Corte Fernandes
Eliane Regina Barbarini
Eliana Briense Jorge Cunha
Eliete da Silva de Faria
Elise Helena Batista Moura
Flavia Barthos Nardy Torrecilas
Gilberto Faria
Gislaine Coutinho
Janaína Tunussi de Oliveira
Heber Adaias da Silva
Karen Aparecida Favarim
Iraceli Andrade
Karen Cristina Barreira Paciti
Izabela Matos Lívia Cristiane Pereira Dal Bello
Lígia Márcia Prando Marta Elena Rogeri Soler
Lívia Cristiane Pereira Dal Bello Mariana da Cunha Sotero
Luciana Aparecida Minari Marta Menezes Santos
Maria Angélica Zaniboni Marta Soppelsa Forti
Mônica Cristina Martinez de Moraes Nelma Cristina de Carvalho Francisco
Neiva Montezini da Cunha Priscilla Aparecida da Silva
Paula Cynthia Moncayo Regina Flora de Carvalho Vieira
Priscila Rodrigues Nunes Rita de Cássia Guerra Vital
Rosana Santos Medina Paranatinga Roberta Gomes Scian Bizari
Silvana Rossi Caobianco Rosana Alves Santana
Solange Villon Konhn Pelicer Rosilene de Fátima S. Vigato
Sônia Regina Ferreira Degrecci Suselei Aparecida Bedin Affonso
Suelen Batista de Souza Tânia Maria Ans
Sueli Aparecida Martinazzo Vânia Garbo Soranzo
Tathiane Rubin Rodrigues Cuesta Zuleika da Silva Pinto
Thais Helen dos Santos Benato

7
Agradecimentos:
Em especial a Angela Ferraz que plantou as primeiras sementes
para o nascimento deste Caderno e que trabalhou pela educação es-
pecial numa perspectiva inclusiva e ao Heliton Leite de Godoy um dos
precursores do movimento político-pedagógico de construção de ca-
dernos curriculares na Rede Municipal de Campinas e a todos aque-
les que apoiaram e colaboraram com a realização deste trabalho.
Sumário
Prefácio – Em diálogo com o caderno.................................................................................................15
Lucia Helena Reily

Objetivos e processo de elaboração do Caderno...............................................................................17


Mariana da Cunha Sotero

LISTA DE SIGLAS...................................................................................................................................22
Parte I – Educação Especial e Currículo escolar: uma trama de muitos fios – Conceitos e princí-
pios.....................................................................................................................................................23
Adriana Cunha Padilha
Aline Aparecida Veltrone
Cássia Cristiane de Freitas Alves
Eliana Briense Jorge Cunha
Elise Helena Batista Moura
Elizete Lobato Miranda
Karen Aparecida Favarim
Mariana da Cunha Sotero
Nelma Cristina de Carvalho Francisco
Sabrina de Oliveira Maciel Guimarães
Solange Maria Américo
Suselei Aparecida Bedin Affonso

Parte II – Memórias e caminhos da Educação Especial na Rede Municipal de Ensino de Campi-


nas......................................................................................................................................................30
Camila Santos Borges

Parte III – Narrativas sobre Educação Especial no contexto da escola: tecendo currículo de acesso,
permanência e construção de conhecimento....................................................................................52
Capítulo 1 – A experiência cotidiana e o trabalho coletivo como processo formativo para inclusão
dos alunos público-alvo da Educação Especial...................................................................................53
Narrativa – Professor-Aprendente e Estudante-Professora: uma experiência formativa no ensino de
artes visuais para estudantes cegos ..................................................................................................55
Rodrigo Neris

Narrativa – Conhecer para mediar: a importância da formação continuada para inclusão do aluno
com TEA.............................................................................................................................................61
Aldinária Martins Rodrigues
Solange Maria Américo

Narrativa – Da matrícula de um aluno com altas habilidades/superdotação aos caminhos para apro-
priação de conhecimentos e construção práticas pedagógica...........................................................63
Elenir Santana Moreira
Silvana Lopes Ferraz

Narrativa – O grupo de trabalho de deficiência intelectual e a formação continuada dos profissio-


nais.....................................................................................................................................................67
Aline Aparecida Veltrone
Elizete Lobato Miranda

Capítulo 2 – Trabalho coletivo – Construindo diálogos entre Educação Especial e currículo co-
mum...................................................................................................................................................73
Narrativa – À luz da falta da visão: caminhos de uma prática inclusiva com um aluno cego na Educa-
ção Infantil.........................................................................................................................................75
Karen Aparecida Favarim
Marta Menezes Santos
9
Narrativa – Fazer pedagógico para o desenvolvimento da habilidade de comunicação e o trabalho
coletivo entre profissionais e família para inclusão escolar de uma criança em avaliação diagnósti-
ca........................................................................................................................................................80
Flávia Fernandes Iafigliola
Maria Lúcia Lanza de Paula

Narrativa – Planejamento coletivo de organizações pedagógicas para inclusão de aluna com defici-
ência intelectual.................................................................................................................................85
Daniela Fernanda Flores WZ

Narrativa – Uma escola inclusiva é uma escola para todos! A magia da contação de história..........88
Sandra Prado de Lima

Capítulo 3 – A prática pedagógica para socialização, acolhimento e construção de autonomia dos


alunos público-alvo da Educação Especial no contexto da escola......................................................91
Narrativa – Reflexões sobre aprendizagem, autonomia e a interação social: Inclusão de uma aluna
com cegueira nos primeiros anos do ensino fundamental................................................................93
Elenir Santana Moreira
Silvana Lopes Ferraz

Narrativa - O fazer pedagógico e a construção de vínculo para inclusão do aluno com TEA.............97
Maria Angélica Arruda Dias Ladaga
Solange Maria Américo

Narrativa – Trajetória escolar de um aluno identificado com altas habilidades/superdotação.........99


Claudia Mara da Silva
Iraceli Andrade
Patrícia Aparecida Sgarioni Oliveira

Narrativa – O cotidiano escolar junto a um aluno com deficiência intelectual................................109


Maria Simira Beatriz Poker Ferreira

Narrativa – Atendimento domiciliar na Educação Infantil de criança com deficiência múltipla: con-
quistas e desafios.............................................................................................................................110
Maria Lúcia de Oliveira
Josefina da Costa
Solange Maria Américo

Narrativa – Práticas inclusivas e a deficiência intelectual: organizações e estratégias pedagógicas para inclu-
são de alunos com deficiência intelectual.....................................................................................................114
Priscilla Aparecida da Silva

Capítulo 4 – O Atendimento Educacional Especializado em Sala de Recursos Multifuncionais.......118


Narrativa – A formação continuada como elemento de articulação entre AEE e proposta pedagógica
da escola no processo de escolarização de uma aluna com deficiência visual................................120
Cássia Cristiane de Freitas Alves
Carla Gardini

Narrativa – Avaliação pedagógica e a mediação do outro como estratégias importantes para o de-
senvolvimento de processos cognitivos de aluno em atendimento educacional especializado......125
Sandra Mara Fulco

Narrativa – O atendimento educacional especializado: contribuições no processo da leitura em


braille e na orientação e mobilidade................................................................................................129
Divânia Pereira do Carmo

Capítulo 5 - Tecnologia assistiva e a prática pedagógica cotidiana – construindo um currículo acessí-


vel....................................................................................................................................................133

10
Narrativa – Linha Braille como recurso de acessibilidade ao currículo escolar: organização do traba-
lho pedagógico e tecnologia assistiva...............................................................................................135
Aldinária Rodrigues Martins

Narrativa – Adaptação de recursos e materiais para inclusão de uma criança cega: rompendo bar-
reiras atitudinais e de acessibilidade ao currículo ..........................................................................139
Geiza Duarte dos Santos
Aline Cristina Amgarten Cardeal

Narrativa – Os encantos e desafios de uma educadora frente a inclusão de um aluno com deficiên-
cia múltipla......................................................................................................................................144
Warlen Fernandes Soares
Solange Maria Américo

Narrativa – Retomando as possibilidades comunicativas: introdução de Comunicação Alternativa/


Suplementar com aluno com deficiência múltipla...........................................................................147
Mara Cardoso Freitas
Roberta Gomes Scian
Solange Maria Américo

Narrativa – Recursos de comunicação para inclusão de uma com surdocegueira pré-lingual........150


Solange Maria Américo

Capítulo 6 – Educação bilíngue de surdos........................................................................................153


Narrativa – Educação bilíngue de surdos: um olhar da orientadora pedagógica sobre o novo.......155
Janaína Tunussi de Oliveira

Narrativa – Ensino de Libras e letramento para surdos e ouvintes: construindo pontes.................157


Creuza Maria Lopes Teatin

Narrativa – Libras, uma língua viva! Sobre docência e a instrução em Libras..................................159


Rebeca Ripari de Oliveira

Narrativa – Docência e aluno surdo – perspectivas de um professor de História............................166


Breno de Souza Juz

Narrativa – O olhar das famílias numa Escola Bilíngue: Como ser pais do Cadu?............................168
Adriana Campos Natali
Gerson Branco Abdal

Narrativa – Sobre a profissão de Intérprete de Libras......................................................................171


Thaisy Caroline Silva Torres de Oliveira
Rafaela Anarelli – Intérprete de Libras

Narrativa – Tempo/Espaço de Aprendizagem e Vivência em Libras para Surdos.............................172


Rebeca Ripari de Oliveira

Narrativa - A Educação Especial no contexto da educação bilíngue de surdos................................175


Nelma Cristina de Carvalho Francisco
Sabrina de Oliveira Maciel Guimarães

11
Sumário Por Público Alvo
Deficiência visual: Narrativa – Professor-Aprendente e Estudante-Professora: uma experiência for-
mativa no ensino de artes visuais para estudantes cegos: .................................................................55
Transtorno do Espectro Autista: Narrativa – Conhecer para mediar: a importância da formação con-
tinuada para inclusão do aluno com TEA:...........................................................................................61
Altas habilidades/ superdotação: Narrativa – Da matrícula de um aluno com altas habilidades/su-
perdotação aos caminhos para apropriação de conhecimentos e construção práticas pedagógica ....
...........................................................................................................................................................63
Deficiência intelectual: Narrativa – O grupo de trabalho de deficiência intelectual e a formação conti-
nuada dos profissionais......................................................................................................................67
Deficiência visual: Narrativa – À luz da falta da visão: caminhos de uma prática inclusiva com um
aluno cego na Educação Infantil.........................................................................................................75
Deficiência intelectual: Narrativa – Fazer pedagógico para o desenvolvimento da habilidade de co-
municação e o trabalho coletivo entre profissionais e família para inclusão escolar de uma criança
em avaliação diagnóstica ..................................................................................................................80
Deficiência intelectual: Narrativa – Planejamento coletivo de organizações pedagógicas para inclu-
são de aluna com deficiência intelectual ..........................................................................................85
Deficiência intelectual: Narrativa – Uma escola inclusiva é uma escola para todos! A magia da con-
tação de história .............................................................................................................................122
Deficiência visual: Narrativa – Reflexões sobre aprendizagem, autonomia e a interação social: In-
clusão de uma aluna com cegueira nos primeiros anos do ensino fundamental .............................93
Transtorno do Espectro Autista: Narrativa – O fazer pedagógico e a construção de vínculo para in-
clusão do aluno com TEA ..................................................................................................................97
Altas habilidades/superdotação: Narrativa – Trajetória escolar de um aluno identificado com altas habili-
dades/superdotação...........................................................................................................................99
Deficiência intelectual: Narrativa – O cotidiano escolar junto a um aluno com deficiência intelectual ...
.........................................................................................................................................................109
Deficiência múltipla: Narrativa – Atendimento domiciliar na Educação Infantil de criança com defici-
ência múltipla: conquistas e desafios ..............................................................................................110
Deficiência intelectual: Narrativa – Práticas inclusivas e a deficiência intelectual: organizações e es-
tratégias pedagógicas para inclusão de alunos com deficiência intelectual .....................................114
Deficiência visual: Narrativa – A formação continuada como elemento de articulação entre AEE e pro-
posta pedagógica da escola no processo de escolarização de uma aluna com deficiência visual ............
.........................................................................................................................................................170
Deficiência múltipla: Narrativa – Avaliação pedagógica e a mediação do outro como estratégias im-
portantes para o desenvolvimento de processos cognitivos de aluno em atendimento educacional es-
pecializado.......................................................................................................................................125
Deficiência visual: Narrativa – O atendimento educacional especializado: contribuições no processo da
leitura em braille e na orientação e mobilidade....................................................................................129
Deficiência visual: Narrativa – Linha Braille como recurso de acessibilidade ao currículo escolar: or-
ganização do trabalho pedagógico e tecnologia assistiva ................................................................135
Deficiência visual: Narrativa – Adaptação de recursos e materiais para inclusão de uma criança cega:
rompendo barreiras atitudinais e de acessibilidade ao currículo .....................................................139
12
Deficiência múltipla: Narrativa – Os encantos e desafios de uma educadora frente a inclusão de um
aluno com deficiência múltipla ........................................................................................................144
Deficiência múltipla: Narrativa – Retomando as possibilidades comunicativas: introdução de Comu-
nicação Alternativa/ Suplementar com aluno com deficiência múltipla ..........................................147
Surdocegueira: Narrativa – Recursos de comunicação para inclusão de uma com surdocegueira pré-
-lingual.............................................................................................................................................150
Aluno Surdo: Narrativa – Educação bilíngue de surdos: um olhar da orientadora pedagógica sobre o
novo.................................................................................................................................................155
Aluno Surdo: Narrativa – Ensino de Libras e letramento para surdos e ouvintes: construindo pontes .....
.........................................................................................................................................................157
Aluno Surdo: Narrativa – Libras, uma língua viva! Sobre docência e a instrução em Libras ..................159
Aluno Surdo: Narrativa – Docência e aluno surdo – perspectivas de um professor de História............166
Aluno Surdo: Narrativa – O olhar das famílias numa Escola Bilíngue: Como ser pais do Cadu?...168
Aluno Surdo: Narrativa – Sobre a profissão de Intérprete de Libras........................................................171
Aluno Surdo: Narrativa – Tempo/Espaço de Aprendizagem e Vivência em Libras para Surdos............172
Aluno Surdo: Narrativa - A Educação Especial no contexto da educação bilíngue de surdos.................175

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APRESENTAÇÃO

Pela garantia do direito de todos à educação e pela efetivação de uma educação
especial na perspectiva inclusiva que promove o acesso, a participação e a aprendizagem
dos alunos com deficiência e altas habilidades nas escolas da Rede Municipal de Ensino, a
Secretaria Municipal de Educação assumiu o compromisso de construir coletivamente, por
meio de Grupos de Trabalho, constituídos por profissionais da Rede, o “Caderno Curricular
temático: Narrativas sobre Educação Especial nas escolas da Rede Municipal de Ensino de
Campinas - Tecendo o currículo de acesso, permanência e construção de conhecimentos”.
Esse Caderno, a partir da realidade e história da Rede, nos inspira sobre como “fazer”
educação especial na perspectiva inclusiva no contexto das escolas, referendando o disposto
na Constituição Federal de 1988, na Lei Brasileira de Inclusão/2015 e no Plano Nacional de
Educação, sempre em diálogo com as Diretrizes Curriculares da Rede Municipal de Ensino de
Campinas.
O Caderno começa com a apresentação dos princípios e diretrizes da educação es-
pecial que devem embasar o currículo escolar, resgata a trajetória histórica da educação
especial e apresenta as diversas vozes e narrativas que evidenciam o trabalho pedagógico
realizado por nossos profissionais, que se empenham cotidianamente na construção de uma
educação de qualidade. Na parte final, o Caderno traz narrativas de práticas curriculares vol-
tadas para propiciar condições de aprendizagem a todos, que valorizam as diversas formas
de aprender e que são pensadas a partir da realidade das escolas.
Esperamos que esse trabalho seja acolhido pelas comunidades escolares como uma
elaboração coletiva que registra e legitima as práticas curriculares de educação especial da
Rede Municipal de Ensino de Campinas e como um importante subsídio para construção dos
projetos pedagógicos das escolas.

Solange Villon Kohn Pelicer


Secretária Municipal de Educação

14
PREFÁCIO
Em diálogo com o caderno
Lucia Helena Reily
Docente da Universidade Estadual de Campinas

O dia começa com as meninas e os meni- tência em receber alunos com deficiência na sala
nos sentados em roda no chão, junto a professora. regular. Outros são bastante jovens, e se inserem
Neste momento de partilha, as crianças contam no movimento recente da política de educação es-
alguma novidade, ouvem os colegas, percebem pecial na perspectiva inclusiva; trazem novos co-
quem veio e quem faltou, e a professora explica nhecimentos e familiaridade com as tecnologias
o que vai acontecer. Uma professora destacou na e novas mídias. Ainda assim, as narrativas reve-
sua narrativa o quanto era importante criar estra- lam algumas características em comum: além de
tégias de participação para que o seu aluno com os professores assumirem a visão de que o aluno
deficiência entendesse que havia um lugar para ele com deficiência tem direito de estar na escola e
nessa roda, que ele também fazia parte do grupo. de aprender com seus pares, os relatos são todos
Ao ler o Caderno Narrativas sobre Educação Es- positivos. Eles mostram que o trabalho está acon-
pecial no contexto das escolas da Rede Municipal tecendo, está tendo bons resultados, está fazen-
de Ensino de Campinas produzido por educadores do uma diferença muito significativa na vida de
que atuam nas escolas municipais na perspectiva muitas crianças – e não somente dos alunos com
da inclusão, eu também senti que estava sentada deficiência. Destacam a importância de recorrer
no chão nessa roda. As narrativas dos educado- a pessoas mais experientes, buscar recursos, per-
res convidam a imaginar o cotidiano de práticas seguir maior conhecimento e formação. É muito
escolares pensadas e desenvolvidas com os alu- gratificante perceber a criatividade dos educado-
nos com deficiência e altas habilidades. Oferecem res quando se defrontam com desafios, e como
uma mostra do trabalho pedagógico nas múltiplas procuram resolver as situações considerando a
frentes contempladas pela Educação Especial na subjetividade dos seus alunos com deficiência e
perspectiva da educação inclusiva em Campinas. suas necessidades específicas.

As narrativas são variados e refletem a Mudei para Campinas em 1990, há trinta


abrangência do trabalho realizado, seja na Educa- anos, e no decorrer desse tempo acompanhei como
ção Infantil, no Ensino Fundamental ou na EJA, profissional o processo de consolidação da Educa-
nas aulas de Artes ou de Matemática, na sala re- ção Especial no município. A narrativa construída
gular, no ensino compartilhado ou no contexto de na primeira parte do Caderno se entrecruza com
Atendimento Educacional Especializado. Alguns muitas lembranças significativas que guardo de
professores são veteranos, com larga experiência encontros entre universidade e escola. Atuando
na atuação com alunos com deficiência que tra- na Puc-Campinas entre 1992 e 2005 e posterior-
balharam numa época em que havia muita resis- mente na Unicamp (no CEPRE) a partir de 1996,

15
tive o privilégio de orientar alunos que realizaram a oportunidade de revisitar o trabalho de Educa-
estágio em escolas municipais; participei de even- ção Especial realizado em Campinas, como apren-
tos e reuniões com os coordenadores da Educação diz e participante de uma grande roda que agora
Especial da Secretaria de Educação de Campinas. pode ouvir os testemunhos de professores sobre a
Ministrei palestras, cursos e oficinas para os pro- qualidade do seu fazer e sobre o seu compromisso
fessores da rede, com foco em Artes Visuais, De- com a educação de todos os seus alunos. Foi com
ficiência Física, ou Comunicação Suplementar e muita alegria que aceitei o convite do Núcleo de
Alternativa – minhas áreas de especialidade. Visi- Educação Especial para participar desta importan-
tei escolas, participei de reuniões com professores te iniciativa de produção coletiva. Minha contri-
da rede sobre alunos surdos atendidos no CEPRE, buição foi tecer comentários que dialogam com os
produzi material audiovisual doado para as escolas relatos na abertura de cada capítulo e também rea-
municipais, promovi a participação de professores lizar uma oficina na qual os professores criaram
da RMEC nos três congressos de “Comunicação colagens para representar por metáfora os capítu-
Alternativa” realizados na Unicamp. Essas incur- los em que se agrupam os seus relatos.
sões no decorrer dos anos me levaram a ter um Assegurar o direito de todas as crianças
grande respeito e reconhecimento pelo empenho à educação na perspectiva da educação inclusiva
dos professores da rede em levar a cabo a inclusão demanda esforço cotidiano, compromisso e busca
nas escolas municipais. de conhecimento, e este caderno é um belo retrato
Agora neste diálogo com o Caderno tenho desta luta.

16
Objetivos e processo de
elaboração do Caderno
Mariana da Cunha Sotero
Coordenadora Pedagógica

Este Caderno registra e compartilha sabe- movimento a ambos.


res/fazeres historicamente elaborados e apropria-
Esses saberes/fazeres que serão aqui re-
dos pelos atores da Rede Municipal de Ensino de
gistrados foram elaborados a partir da realidade
Campinas (RMEC) sobre políticas de educação
e especificidade das escolas e de todas as instân-
especial e práticas curriculares inclusivas que vi-
cias da RMEC, que desde 1989, têm assumido a
sam promover e tecer o acesso, a permanência e
partir de grande parte de seus profissionais como
construção de conhecimentos na escola regular
uma perspectiva política e pedagógica promover
pelos alunos[1] com deficiência, Transtornos do o acesso à classe comum aos alunos público-alvo
Espectro Autista (TEA) e Altas Habilidades/Su- da Educação Especial. Nesse contexto, o Caderno
perdotação (AH). atende a um movimento e uma demanda históri-
Aspira-se que os conhecimentos compar- ca dos profissionais da RMEC por construção de
tilhados neste Caderno possam inspirar, nortear, registros do trabalho já realizado, assim como a
subsidiar e dar visibilidade à construção histórica demanda por diretrizes orientadoras que contri-
de práticas curriculares e políticas que visam aco- buam para o fortalecimento do fazer pedagógico
lher e incluir a todos e cada um. No entanto, esses com alunos público-alvo da Educação Especial na
conhecimentos não são modelos ou protocolos a escola e da política de Educação Especial.
serem seguidos, mas sim possibilidades de refle- Nos últimos anos houve um aumento sig-
xões sobre o fazer educação especial inclusiva. É nificativo no número de matrículas de alunos
importante que a leitura do Caderno se dê num público-alvo da Educação Especial na classe co-
exercício de estabelecer relações com o fazer nas mum, inclusive dos casos de deficiências graves,
escolas e o que está proposto nas Diretrizes Cur- que antes não chegavam até a escola, conforme se
riculares da Rede Municipal de Ensino de Cam- observa no Quadro 1.
pinas[2], cuja visita e revisita mútua dá sentido e

1.: Optamos por utilizar neste texto a palavra aluno,


pois é a nomenclatura formal para pessoas matricula-
das nas escolas da RMEC. No entanto, o uso do termo
aluno não deve invisibilizar as especificidades de cada
tempo de vida (infância, adolescência, juventude e ve-
lhice), assim como as especificidades de gênero, classe
social e etnia, considerando que essas identidades pro-
duzem sentidos, significados e reconfiguram o contexto
social.

2.: As Diretrizes curriculares da RMEC encontram-se dis-


poníveis para consulta: http://educacaoconectada.
campinas.sp.gov.br .

17
Quadro 1 – Número de alunos público-alvo da Educação Especial matriculados nas
escolas da Rede Municipal de Ensino de Campinas de 2012 a 2020.

ALUNOS PÚBLICO-ALVO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL MATRICULADOS


NAS ESCOLAS DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO

2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020


771 641 557 726 951 1073 1127 1309 1269
Fonte: Sistema Integre/26 de fevereiro de 2020

Esse cenário se materializa em um contexto especializados, como: Libras, braille, comunicação


nacional em que se ganha espaço e força a polí- alternativa/suplementar, softwares de voz, cuida-
tica de educação inclusiva, cujos principais mar- dores, transporte adaptado, entre outros. Esses
cos orientadores e legais são a Política Nacional conhecimentos, serviços e recursos são específicos
de Educação Especial na Perspectiva da Educação da área da Educação Especial e precisam estar arti-
Inclusiva, de 7 de janeiro de 2008 (PNEE-EI/08), a culados de forma dialógica ao currículo geral. Tudo
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Defi- isso demanda elaboração e apropriação de conhe-
ciência, de 25 de agosto de 2009 e a Lei 13.146/15 cimentos pelos profissionais, sendo necessário
que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa estudo, discussão, compartilhamento de fazeres,
com Deficiência (LBI-2015) que defendem que to- entre outras possibilidades formativas e orientado-
dos os alunos estejam na classe comum, com pro- ras.
jetos pedagógicos inclusivos e, quando necessário,
Faz-se urgente o compartilhamento e a pro-
acompanhados por serviços e recursos especializa-
dução de saberes/fazeres sobre o como fazer Edu-
dos.
cação Especial no contexto da escola, uma vez que
Além do acesso, é necessário garantir aos ainda é incipiente a produção de conhecimentos,
alunos com deficiência, TEA e AH a permanência e na área acadêmica, que relaciona Educação Espe-
a participação nas práticas culturais da/na escola e cial e currículo escolar. É
a construção de conhecimentos. Isso requer a or-
(...) recente na academia o olhar que
ganização de um trabalho pedagógico que acolha relaciona a educação especial ao currículo.
a diversidade de sujeitos e rompa com currículos Entendemos essa afirmação como decor-
rência da própria_W história recente de
baseados na homogeneidade dos tempos, espaços reinvenção dessa modalidade de ensino,
e normas e se articule aos saberes especializados que passa a ser reescrita pelas políticas
da área da Educação Especial. públicas intergovernamentais no Brasil, a
partir dos anos 2000, como vinculada a
uma diretriz de inclusão escolar que apos-
Para eliminar as barreiras que possam obs- ta de modo prioritário na escolarização
truir a participação e desenvolvimento dos sujei- dos sujeitos nomeados como público-alvo
tos com deficiência na escola, em muitos casos, é da educação especial no espaçoW da escola
de ensino comum. (BAPTISTA; HAAS,
necessário que o trabalho pedagógico seja organi- s/p, 2015)
zado com língua, linguagens, recursos e serviços

18
Assim, a Coordenação Pedagógica do Nú- res para a educação inclusiva (2016-2019).
cleo de Educação Especial e do Núcleo de Cur-
•  GT - “Memórias e caminhos da Educação Espe-
rículo, a partir de 2014, organizaram Grupos de
cial” (2018-2019).
Trabalho com objetivos de: elaborar um registro
da história da educação especial na Rmec a partir •  GT - “Transtornos do espectro autista e práti-
da voz de seus atores; refletir sobre as práticas cas curriculares para a educação inclusiva” (2017-
curriculares das escolas a partir dos princípios 2019).
da Educação Especial na perspectiva inclusiva; •  GT - “Altas habilidades/Superdotação e práticas
realizar estudos sobre a relação entre currículo, curriculares para a educação inclusiva” (2019).
educação especial e inclusão; registar os saberes/
Os GTs foram coordenados por professores
fazeres constituídos sobre educação especial no
de Educação Especial e compostos por diferentes
contexto da escola e; promover o direito dos pro-
profissionais da RMEC: intérpretes; professores
fessores, especialistas e profissionais do quadro
bilíngues; professores de Educação Infantil, de En-
de apoio à formação continuada em sua área de
sino Fundamental e Educação Especial; agentes de
atuação. Os Grupos de Trabalho, organizados en-
Educação Infantil, orientadores pedagógicos, dire-
tre 2014 e 2019, foram os seguintes:
tores, vice-diretores; coordenadores pedagógicos
•  GT – Alunos surdos e com deficiência auditiva e supervisores educacionais − sujeitos do projetos
e práticas curriculares para a educação inclusiva pedagógicos escolares.
(2014-2019).
Esses profissionais, participantes dos GTs,
•  GT - “Deficiência visual e práticas curriculares foram convidados pela Coordenação Pedagógica
para a educação inclusiva” (2014-2019). do Núcleo de Educação Especial, do Núcleo de Cur-
•  GT - “Deficiência Múltipla e Física e práticas cur- rículo e pelos professores coordenadores dos GTs
riculares para a educação inclusiva” (2016-2019). a constituírem um coletivo responsável pela elabo-
ração e registro de práticas curriculares inclusivas.
•  GT – Deficiência intelectual e práticas curricula-

1. Professores de Educação Especial coordenadores dos


Gts e Coordenadores Pedagógicos elaborando o Caderno
(Fonte: arquivo da Coordenadora Pedagógica).
2. Professores de Educação Especial coordenadores dos
Gts e Coordenadores Pedagógicos elaborando o Caderno
(Fonte: arquivo da Coordenadora Pedagógica).
3. Professores de Educação Especial coordenadores dos
Gts e Coordenadores Pedagógicos elaborando o Caderno
(Fonte: arquivo da Coordenadora Pedagógica).

19
4. Professoras de Referência e Coordenadoras pedagógicas
planejando o Caderno e os encontros de práticas (Fonte:
arquivo da Coordenadora Pedagógica)
5. Professoras de Referência e Coordenadoras pedagógicas
planejando o Caderno e os encontros de práticas (Fonte:
arquivo da Coordenadora Pedagógica)
6. Encontro de práticas curriculares da Educação Especial
(Fonte: arquivo da Coordenadora Pedagógica)

Esses registros culminaram no presente Caderno, moveram um diálogo amplo com os profissionais
por meio da elaboração, apropriação e comparti- da RMEC por meio de ações formativas como: o
lhamento dos saberes/fazeres do campo de conhe- “Seminário de Educação bilíngue de Surdos – As
cimento e modalidade da Educação Especial no possibilidades e desafios das práticas pedagógicas
contexto das escolas da RMEC. inclusivas na Rede Municipal de Ensino de Campi-
nas/2017” e os encontros “Práticas Curriculares e
As orientações para a articulação e costura Educação Especial: Tecendo o currículo de acesso,
entre os saberes produzidos nos diferentes GTs e permanência e construção de conhecimentos nas
os princípios e diretrizes da Educação Especial na escolas da RMEC, 2018/2019”. Essas ações formati-
perspectiva inclusiva, constantes na legislação e vas, em seu conjunto, eram abertas a todos os pro-
documentos federais e nas Diretrizes Curriculares fissionais da rede que se interessassem e tinham
da RMEC, foram realizados pela equipe de Coor- o objetivo de promover o debate e a circulação de
denadores Pedagógicos do Núcleo de Educação conhecimentos sobre práticas curriculares de Edu-
Especial/CEB e do Núcleo de Currículo/CSF. Esse cação Especial no contexto da escola e educação
processo se concretizou por meio de reuniões pe- bilíngue de surdos; socializar, debater e construir
riódicas entre professoras de Educação Especial o Caderno de Práticas Curricular e; subsidiar os
coordenadoras dos GTs e equipe de Coordenado- profissionais das escolas com conhecimentos e
res Pedagógicos que, lançados no campo da refle- reflexões para atuação com a Educação Especial.
xão contínua, se mantiveram atentos à diversidade Os encontros de práticas, em específico, tiveram
de questões que foram surgindo e ganhando forma as seguintes temáticas: “30 anos de Educação Es-
na produção coletiva. pecial na RMEC – Memórias e caminhos”, “Práti-
cas curriculares e o aluno com deficiência visual”,
Junto ao movimento dos GTs, os Coorde-
“Práticas curriculares e os alunos com deficiência
nadores Pedagógicos, em 2017, 2018 e 2019, pro-

20
intelectual”, “Práticas curriculares e os alunos com Esse Caderno Curricular Temático construí-
transtorno do espectro autista”, “O sujeito com al- do a partir das experiências do fazer pedagógico
tas habilidades no contexto da escola”, “Práticas articuladas às reflexões originárias do campo teóri-
curriculares e o com deficiência física”, “O lugar co e da legislação da Educação Especial e ao currí-
das práticas curriculares na política de Educação culo geral na RMEC, enquanto um documento que
Especial na perspectiva inclusiva: o papel da arte” resgata e dá visibilidade ao movimento que é cons-
e “Construção do Caderno de práticas curriculares titutivo e condicionante das realizações na Educa-
na Educação Especial na escola: o olhar dos narra- ção Especial na RMEC, será organizado da seguinte
dores”. forma:

histórias humanas atribuindo sentido, im-


Parte I – Na primeira parte, intitula-
portância e finalidade às experiências diversas
da Educação Especial e Currículo escolar: uma
– individuais e coletivas – elaborando, então,
trama de muitos fios – Conceitos e princípios
uma interpretação sobre o vivido.
abordam-se os principais conceitos e princípios
sobre Educação Especial e currículo que subsi- As narrativas foram categorizadas em
diam e norteiam o Caderno. 6 capítulos com temáticas que representam
dimensões de trabalho e campos de conheci-
Parte II – Na segunda parte, intitula-
mento sobre Educação Especial no contexto da
da Memórias e caminhos da Educação Especial
RMEC que foram depreendidos das próprias
na Rede Municipal de Ensino de Campinas,
narrativas. Os Capítulos são os seguintes:
busca-se apresentar o percurso histórico de
constituição da Educação Especial na RMEC
em diálogo com a história geral dessa mo-
Capítulo 1 – A experiência cotidiana e o tra-
dalidade de ensino e com foco em como o
balho coletivo como processo formativo para
direito à educação às pessoas com deficiência
inclusão dos alunos público-alvo da Educação
foi se constituindo nessa rede. Essa história
Especial.
foi sendo constituída a partir da narrativa dos
sujeitos dessa história, documentos oficiais e Capítulo 2 – Trabalho coletivo – Construindo
pesquisas acadêmicas sobre o tema. diálogos entre Educação Especial e currículo
comum.
Parte III – Na terceira parte intitula-
da Narrativas sobre Educação Especial no con- Capítulo 3 – A prática pedagógica para sociali-
texto da escola: tecendo currículo de acesso, zação, acolhimento e construção de autonomia
permanência e construção de conhecimento dos alunos público-alvo da Educação Especial
compartilha-se, a partir de narrativas das no contexto da escola.
comunidades escolares, conhecimentos produ- Capítulo 4 – O Atendimento Educacional Es-
zidos na complexidade do trabalho educativo, pecializado em Sala de Recursos Multifuncio-
que se constitui na prática pedagógica coti- nais.
diana, sobre a inclusão dos alunos público-al-
Capítulo 5 – Tecnologia Assistiva e a prática
vo da Educação Especial na classe comum da
pedagógica cotidiana – construindo um currí-
escola regular. A partir das narrativas os su-
culo acessível.
jeitos produziram e comunicaram significados
e saberes ligados à experiência em um deter- Capítulo 6 – Educação bilíngue de surdos.
minado tempo (trama) e lugar (cenário). Os
narradores apresentaram rememorações de

21
LISTA DE SIGLAS
AAIDD – American Association on In- CORDE – Coordenadoria Nacional NEE – Núcleo de Educação Especial
tellectual and Developmental Disabi- para a Integração da Pessoa Porta-
lities dora de Deficiência DA – deficiência OCR – Reconhecedor Ótico de Carac-
auditiva teres
ABNT – Associação Brasileira de Nor- ONU – Organização das Nações Uni-
mas Técnicas Disapre – Laboratório de Pesquisa em das
Distúrbios, Dificuldades de Aprendi-
ADACAMP – Associação para o De- zagem, e Transtornos de Atenção OPS – Organização Pan-Americana da
senvolvimento dos Autistas em Cam- Saúde
pinas DO – Diário Oficial
PCD – Pessoas Com Deficiência
AEE – Atendimento Educacional Espe- DSC/PEE – Discurso de Sujeito Coleti- PDDE – Programa Dinheiro Direto na
cializado vo / Professores de Educação Especial Escola

AH/SD – Altas habilidades/Superdo- DUA – Desenho Universal de Apren- PDT – Partido Democrático Trabalhis-
tação dizagem ta
PMC – Prefeitura Municipal de Cam-
AIPD – Ano Internacional das Pessoas DV – Deficiência Visual
pinas
Deficientes
EF – Ensino Fundamental PNLD – Programa Nacional do Livro
APAE – Associação de Pais e Amigos Didático
dos Excepcionais EI – Educação Infantil
PP – Projeto Pedagógico
ASSUCAMP – Associação dos Surdos EMEFEI -Escola Municipal de Ensino PSDB – Partido da Social Democracia
de Campinas Fundamental e Educação Integral Brasileira
ATEDUC – Assessoria de Tecnologia FENAPAES – Federação Nacional das PT – Partido dos Trabalhadores
Educacional APAEs
PTI – Plano de Trabalho Individual
CADAF – Círculo de Amigos dos Defi- FENEIS – Federação Nacional de Edu- RMEC – Rede Municipal de Educação
cientes da Audição e da Fala cação e Integração de Surdos de Campinas
CAEPEDE – Centro de Apoio a Escola- FLISELLO – Festival Literário do To- SACTA – Sala de Acessibilidade à Co-
rização da Pessoa com Deficiência sello municação e Tecnologias Assistivas
SAID – Serviço de Atenção Internação
CAPE – Centro de Apoio Pedagógico FUMEC – Fundação Municipal para
Domiciliar – Mário Gatti
Especializado Educação Comunitária
SERES – Setor de Referência e Recur-
CEB – Coordenadoria de Educação FUNDEB – Fundo de Manutenção e sos da Educação Especial
Básica Desenvolvimento da Educação Básica
e de Valorização dos Profissionais da SRM – Salas de Recursos Multifuncio-
CREE – Centro de Referência em Edu- Educação nais
cação Especial TCE – Tribunal de Contas do Estado
FUNDEF – Fundo de Manutenção e
Cepre – Centro de Estudos e Pesqui- Desenvolvimento do Ensino Funda- TDC – Trabalho Docente Coletivo
sas em Reabilitação Prof. Dr. Gabriel mental e de Valorização do Magisté-
TDF – Trabalho Docente de Formação
Porto rio
TDI – Trabalho Docente Individual
Ceprocamp – Centro de Educação GAEE – Grupo de Apoio de Educação
Profissional de Campinas Pref. Antô- Especial TEA – Transtorno do Espectro Autista
nio da Costa Santos TEDEP – Trabalho Docente Entre Pa-
GT – Grupo de Trabalho
res
Cepromad – Centro de Produção de
Material Adaptado HP – Hora Projeto UE – Unidade Educacional

CONADE – Conselho Nacional dos Di- LBI – Lei Brasileira de Inclusão


reitos das Pessoas com Deficiência
NAED – Núcleo de Ação Educativa
Conbrasd – Conselho Brasileiro para Descentralizado
Superdotação

22
PARTE I
Educação Especial e Currículo escolar:
uma trama de muitos fios
– Conceitos e princípios

Autores: Adriana Cunha Padilha

Aline Aparecida Veltrone

Cássia Cristiane de Freitas Alves

Eliana Briense Jorge Cunha


Colagem de Karen Cristina Barreira Pacitti, Vânia Elise Helena Batista Moura
Soranzo, Marta Solppelsa Forti e Rosilene de Fátima
S. Vigaro – A prática pedagógica para socialização, Elizete Lobato Miranda
acolhimento e construção de autonomia
Karen Aparecida Favarim

Mariana da Cunha Sotero

Nelma Cristina de Carvalho Francisco

Sabrina de Oliveira Maciel Guimarães

Solange Maria Américo


A EDUCAÇÃO ESPECIAL NO
CONTEXTO DA REDE MUNICIPAL
DE ENSINO DE CAMPINAS

Desde 1989 a Secretaria Municipal de la regular e não na forma substitutiva. (Campinas,


Educação (SME-Campinas) desenvolve uma políti- 2010, 2012, 2013, 2014)
ca educacional que prevê e promove a matrícula Como diferencial de outras redes, Campi-
dos alunos público-alvo da Educação Especial na nas tem no quadro de professores de cada unidade
classe comum das escolas regulares com a oferta educacional pelo menos um professor de Educação
de serviços e recursos especializados da área da Especial que atua no contexto escolar e no turno
Educação Especial. do aluno público-alvo da Educação Especial. Esse
A política municipal, nos últimos 10 anos, trabalho tem como eixos principais: identificar as
foi ratificada e corroborou com a política de Educa- necessidades, estabelecer objetivos, propor ações
ção Especial federal que, a partir de 2007, radicali- e procedimentos que favoreçam o aprendizado;
zou a proposta pró-inclusão, que prevê que todos indicar recursos materiais, humanos e estratégias
os alunos com deficiência, transtornos globais de necessárias às especificidades dos alunos em con-
desenvolvimento e altas habilidades/ superdota- junto com a equipe educativa da Unidade Educa-
ção têm matrícula nas classes comuns e, quando cional (UE); acompanhar o aluno na sala de aula
necessário, são acompanhados por serviços de e demais espaços educacionais, em conjunto com
apoios especializados[3]. o professor regente, em momentos pontuais, de
Nessa perspectiva, as Diretrizes Curricula- acordo com a necessidade identificada pela equi-
res da RMEC alinhadas aos documentos federais, pe escolar; colaborar com a formação continuada
definem a Educação Especial na perspectiva da da equipe da UE sobre Educação Especial realizada
educação inclusiva como uma modalidade da edu- nos espaços de tempos pedagógicos, conforme as
cação básica que permeia todas as etapas e níveis necessidades e especificidades dos alunos; enca-
de ensino. Articulada aos projetos pedagógicos minhar o aluno para as Salas de Recursos Multi-
das unidades, a Educação Especial busca garantir funcionais (SRM) da Secretaria Municipal de Edu-
as condições para o direito de todos à educação, cação (SME) quando for avaliado como necessário;
ao pleno acesso e permanência deste alunado na viabilizar as parcerias com a rede de serviços, com
escola, bem como à participação em todas as ativi- a família e comunidade que atuam com o aluno
dades inseridas neste contexto, desenvolvendo-se fora do âmbito escolar; apontar, sugerir recursos e
articulada e transversal à classe comum da esco- adaptar materiais específicos quando necessários

3.: Para aprofundar veja a dissertação de Mariana da Cunha


Sotero: “Política municipal de Educação Especial de Cam-
pinas no período de 2005 a 2012”. Disponível em: https//
teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde-17122014-
113247/pt-br.php

24
ao processo educativo realizado na escola, utilizan- (adequações arquitetônicas, mudanças de prá-
do recursos específicos; atender de forma domici- ticas pedagógicas, eliminação de barreiras ati-
liar, quando necessário, o público-alvo da Educação tudinais etc.). Por isso é importante ter claro que
Especial. (Campinas, 2010) a concepção de deficiência que assumimos nessa
O Atendimento Educacional Especializado construção curricular é a concepção social da de-
(AEE) em Sala de Recursos Multifuncional (SEM) no ficiência.
contraturno da escola também é oferecido, com o Essa visão humaniza as relações e abre ou-
objetivo de todos os alunos aprenderam os recur- tros caminhos para a Educação Especial que priori-
sos, linguagens e estratégias necessárias para eli- za a avaliação pedagógica das barreiras no contexto
minar as barreiras que possam impedir o acesso da escola, assim como propõe ações para elimina-
ao conhecimento na escola. Há ainda uma parceria ção das mesmas, investimento nas possibilidades
da SME-Campinas com as instituições terceiriza- e potencialidades de cada aluno, utilização de um
das para oferta de programas complementares de currículo comum pensando nas contribuições de
Educação Especial, a qual se dá por meio do Aten- trabalhos colaborativos e desenho universal de
dimento Educacional Especializado e serviços com- aprendizagem (DUA), formação continuada para
plementares no âmbito das terapias, sempre no toda a comunidade e o exercício da cidadania autô-
contraturno do aluno[4]. noma, crítica e produtiva. (CAMPINAS, 201)
Na rede busca-se romper com a concep-
ção de deficiência baseada no modelo médico. A
visão tradicional de deficiência historicamente an- Os alunos público-alvo da
corou-se no modelo biomédico a define como um
fenômeno do corpo, no qual a ausência de partes Educação Especial
ou limitações funcionais são os seus elementos de-
finidores. Nessa concepção, o foco de atuação está
Segundo a Lei 9394/96 de 20 de dezembro
em fazer intervenções sobre o corpo para promo-
de 2006 que institui da Lei de Diretrizes e Bases da
ver seu melhor funcionamento possível e reduzir
Educação Nacional, os alunos público-alvo da Edu-
assim as desvantagens sociais a serem vividas. Por
cação Especial são aqueles com Deficiência, Trans-
um lado, tudo isso contribuiu para constituir uma
tornos Globais de Desenvolvimento e Altas Habili-
educação marcada por “(…) práticas segregativas,
dades/ Superdotação. De acordo com a legislação e
que legitimaram currículos inadequados e alienan-
para efeito da organização da política de Educação
tes, que muitas vezes serviram mais para infantilizar
Especial a pessoa com TEA é considerada pessoa
o aluno considerado deficiente do que para garantir
com deficiência.
o direito às diferenças.” (BAUMEL; MOREIRA, 2001,
A definição do público-alvo da Educação Especial é
p.3)
necessária para identificação e caracterização, com
Por outro lado, se a definição de deficiência
objetividade, dessa população no contexto da esco-
parte do pressuposto de que o meio social impõe
la. As informações sobre a identificação e o número
barreiras às pessoas com deficiência, as relações
de alunos público-alvo da Educação Especial sub-
e mediações se darão no sentido de transformar
sidiam o planejamento e as ações voltadas para a
o meio social e torná-lo o mais acessível possível
4.: A documentação sobre os termos de cooperação en-
contra-se disponível em: http://campinas.sp.gov.br/governo/
educacao/chamada-publica.php

25
Educação Especial no contexto da escola, tais como muitas vezes é marcada por exclusão, preconceitos
propostas formativas, licitação de serviços, recursos e barreiras, por terem ritmos e formas específicas
e materiais, organização e gestão de pessoas, entre de se relacionarem com o mundo.
outras. É necessário reconhecer as barreiras e desi-
gualdades sociais que criam necessidades educacio-
Concepção de Currículo nais específicas para os alunos com deficiência, TEA
e AH/SD. E assim promover práticas curriculares
As Diretrizes Curriculares da RMEC propõem que contemplem essas necessidades educacionais,
a construção de um currículo comprometido com inclusive com “(…) o provimento de um conjunto
uma formação humana ampla e crítica, que possi- de recursos, serviços, equipamentos, profissionais
bilite a apropriação, criação e recriação dos saberes capacitados e especializados para atendimento de
produzidos histórica e socialmente pelos e para os suas especificidades, (…) pois a igualdade de direi-
alunos, de modo que possam compreender a pró- tos, neste caso, é preservada se combinada com o
pria realidade, situar-se nela, interpretá-la, contri- direito à diferença”. (PRIETO, 2010, p.72)
buir para sua transformação e construção de uma É exatamente a construção de práticas cur-
nova sociedade – mais justa, democrática e igualitá- riculares para atender necessidades educacionais
ria. (Campinas, 2010, 2012, 2013, 2014)[5] específicas de pessoas com deficiência, TEA e AH/
Para além de uma lista de conteúdos hierar- SD que lhes dá condições de participar do currículo
quizados e estratégias de ensino, assume-se a con- geral, “(…) de modo que sua trajetória seja indivi-
cepção de currículo que o define como um conjunto dualizada, mas, ao mesmo tempo, possa ser reco-
de práticas culturais que ocorrem no ambiente es- nhecida como parte da história coletiva construída
colar. Essas práticas culturais envolvem tudo o que na sala de aula com seus pares”. (BAPTISTA; HAAS,
se projeta, se prioriza e se vive no interior da es- 2015, s/p.)
cola, abrangendo: saberes/conhecimentos e modos
de se lidar com os mesmos; as relações entre todos
os sujeitos; a organização dos espaços/tempos; as
Acessibilidade curricular
intencionalidades, planejamentos e formas de ava-
liação. Os documentos orientadores de política e
O acesso e permanência dos alunos público- legislação de Educação Especial na perspectiva da
-alvo da Educação Especial na classe comum junto educação inclusiva afirmam e estabelecem o com-
com os demais estudantes deve significar também promisso das práticas pedagógicas da escola com as
a possibilidade de compartilhar as práticas culturais transformações e recursos necessários para assegu-
vivenciadas por todos, não se justificando a exclu- rar o atendimento às características dos estudantes
são ou o desenvolvimento de um currículo à parte público-alvo da Educação Especial e garantir o seu
para esses alunos, sem qualquer relação com o cur- acesso ao currículo geral.
rículo geral. A Política Nacional de Educação Especial na
Tudo isso vai acolhendo e transformando perspectiva da educação inclusiva (BRASIL, 2008)
trajetórias individuais, mesmo nas composições co- utiliza o termo acessibilidade vinculado às questões
letivas. A trajetória, a produção e apropriação do arquitetônicas e também relacionado ao trabalho
currículo por pessoas com deficiência, TEA e AH/SD,

5.: Essa concepção de currículo consta nas Diretrizes curri-


culares da RMEC.

26
pedagógico para a elaboração do conhecimento. De Também há referenciais teóricos e polí-
acordo com essa Política ticas educacionais brasileiras, que adotaram os
termos “adaptação curricular”, “adequações curri-
as ações de acessibilidade envolvem o pla-
nejamento e a organização de recursos e culares” ou “flexibilização curricular”. Esses termos
serviços para a promoção da acessibilida- se referem a todas as alterações que podem ser
de arquitetônica, nas comunicações, nos
sistemas de informação, nos materiais realizadas nos objetivos escolares, nos conteúdos,
didáticos e pedagógicos, que devem ser no processo avaliativo, na temporalidade e na or-
disponibilizados nos processos seletivos e ganização do trabalho pedagógico com a finalidade
no desenvolvimento de todas as ativida-
des que envolvam o ensino, a pesquisa e a de promover a participação e aprendizado na esco-
extensão. (BRASIL, 2008, p. 13) la das crianças, adolescentes, jovens e adultos pú-
blico-alvo da Educação Especial. (BAPTISTA; HAAS,
O Decreto Federal 7611/2011 (BRASIL, 2015)
2011), além da adoção dos termos “acessibilidade” Essas propostas de “adaptação curricular”,
e “recursos de acessibilidade”, também adota a ex- “adequações curriculares” ou “flexibilização curri-
pressão “adaptações razoáveis”, que é uma referên- cular” muitas vezes têm se mostrado restritivas e
cia explícita ao texto da Convenção das Pessoas com simplificadoras pois, na prática, limitam e facilitam
Deficiência associado ao Decreto nº 6949/2009 com os conteúdos a serem abordados, restringindo o
efeito de emenda constitucional (BRASIL, 2009b), acesso ao conhecimento; evocam práticas sem
que descreve adaptações razoáveis como “ajustes uma intencionalidade coerente entre o tempo de
necessários requeridos em cada caso para assegu- dedicação às atividades e os objetivos propostos.
rar a igualdade de oportunidades às pessoas com
Logo, entendemos que o olhar que associa
deficiência”. (BRASIL, 2009b)
as adaptações curriculares restritamente
A Lei Brasileira de Inclusão (2015), ao tratar à redução de conteúdo ou alargamento do
do direito a educação, também reafirma a necessi- tempo dedicado à tarefa se aproxima da-
quele que conceitua currículo escolar como
dade de adaptações razoáveis e acesso ao currículo listagem de conteúdos e que trata a de-
em seu Art. 28 ao estabelecer que o poder público ficiência como uma barreira preponderan-
deve assegurar projetos pedagógicos que institucio- temente orgânica, intrínseca ao sujeito,
descaracterizando a influência do contexto
nalizam o atendimento educacional especializado e social. (BAPTISTA e HAAS, s/p, 2015).
“serviços e adaptações razoáveis, para atender às
características dos estudantes com deficiência e ga-
Já a “acessibilidade curricular” ou as “adap-
rantir o seu pleno acesso ao currículo em condições
tações razoáveis” propõem os ajustes ou trans-
de igualdade, promovendo a conquista e o exercício
formações necessárias ao currículo, realizadas na
de sua autonomia”. (BRASIL, s/p, 2015)
medida das necessidades educacionais dos alunos.
Assim, para tratar das formas e condições
Considerando-se que na perspectiva social a con-
que os projetos pedagógicos das escolas devem
dição de deficiência está relacionada ao contexto
assumir para promover a participação dos alunos
onde a pessoa se encontra, a identificação das ne-
público-alvo da Educação Especial nas práticas cur-
cessidades educacionais para organização da aces-
riculares da escola, os documentos orientadores
sibilidade curricular deve se pautar em uma ava-
de política de Educação Especial na perspectiva da
liação pedagógica dos alunos no contexto escolar.
educação inclusiva utilizam os conceitos e expres-
Sobre isso, Baptista e Haas (2015) apontam que “as
sões “acessibilidade curricular” e “adaptações ra-
zoáveis”. possibilidades de intervenção pedagógica que de-

27
vem estar em consonância com as especificidades (criança com criança, adulto com criança;
de cada sujeito, sendo analisadas no seu contexto professor com alunos; aluno com aluno,
de relação, sem desconstituir a participação desses professor com professor, professor com
estudantes no projeto educativo coletivo”. (s/p.) equipes gestoras; alunos com funcionários
de apoio etc.);

Avaliação pedagógica • Provas escritas e outros instrumentos de


avaliação da aprendizagem que são aplica-
e Educação Especial dos a todos os alunos e que, quando ne-
cessário, devem ser adequados em seu for-
A avaliação pedagógica dos alunos da Edu- mato, linguagem e/ou temporalidade aos
cação Especial deve dialogar com o Projeto Peda- alunos público-alvo da Educação Especial;
gógico de cada unidade educacional, uma vez que • Instrumentos avaliativos da aprendizagem
este é o documento que indica os princípios e a or- específicos às necessidades do aluno públi-
ganização curricular que deve orientar as práticas co-alvo da Educação Especial (avaliação da
da escola. aprendizagem de Libras, avaliação do domí-
Nessa perspectiva, a avaliação constitui-se nio de braille, avaliação do uso da comuni-
em processo contínuo e permanente de análise da cação alternativa etc.);
relação entre aluno e contexto escolar, assim identi- • Diálogos entre os diferentes atores envolvi-
ficando as variáveis que interferem no processo de dos com o aluno: equipe escolar (professo-
ensino e de aprendizagem, objetivando identificar res, gestores, professores de Sala de Recur-
potencialidades e necessidades educacionais dos sos, profissionais de apoio etc.), familiares
alunos e das condições da escola e da família. (BRA- e/ou responsáveis, serviços de saúde, assis-
SIL, MEC/SEESP, 2006, p. 9) tência, entre outros;
Essa avaliação deve ser realizada por redes • Modelos de formulários específicos para
colaborativas, com atuação dos coletivos da esco- avaliação dos alunos com indicação dos ser-
la (professores da turma, professores de Educação viços especializados necessários; entre ou-
Especial, equipe gestora entre outros) e, quando se tros que se fizerem necessários.
fizerem necessários, junto aos serviços de outras
Todo o processo avaliativo deve ser acom-
áreas do conhecimento e de políticas públicas (saú-
panhado por registros (relatórios, fichas descriti-
de, assistência social, esportes, cultura, etc.).
vas, vídeos, fotos, etc.) que subsidiem o processo
Para avaliar os processos educativos e os su- de planejamento e replanejamento das práticas
jeitos envolvidos tem-se como práticas nas escolas pedagógicas, dos recursos e serviços especializados
da RMEC diferentes instrumentos e formatos que voltados para a acessibilidade curricular. Assim, no
sempre se focam na relação do sujeito com o con- contexto da RMEC, a avaliação pedagógica do pú-
texto, tais como: blico-alvo da Educação Especial, dentre inúmeras
• Observação dos diferentes espaços/tempos possibilidades, tem o potencial de identificar e sub-
da escola e como os sujeitos se relacionam sidiar:
com esses; • A elaboração de um planejamento com es-
• Observação das relações entre os sujeitos tratégias e organização de tempos e espaços
envolvidos nas práticas culturais da escola mais adequados à acessibilidade curricular;

28
• A necessidade dos serviços educacionais clusiva na RMEC a gestão democrática também se
(cuidador, transporte adaptado, apoio pe- dá que por meio da instituição de Grupos de Tra-
dagógico, Atendimento Educacional Espe- balho e reuniões periódicas entre os profissionais
cializado em Sala de Recursos Multifuncio- da Rede para tratar da temática da educação es-
nais, entre outros); pecial no contexto das escolas. Nesses espaços de
diálogo os coordenadores pedagógicos do Núcleo
• A articulação com os serviços da saúde, as-
de Educação Especial, articulado aos Naeds, iden-
sistência e/ou outros complementares;
tifica as necessidades das escolas, observa as de-
• A compra e/ou produção de materiais e re- terminações legais, a produção de conhecimento
cursos pedagógicos de tecnologia assistiva mais recente da área e os indicativos das diretrizes
e/ou de enriquecimento curricular; curriculares, a partir disso elabora coletivamente
• Adequação, sinalização e adaptação do es- a organização e o encaminhamento dos serviços,
paço físico da escola entre outras ações que recursos e orientações referentes à educação es-
se fizerem necessárias. pecial. O provimento de recursos e materiais para
as escolas (cuidador, transporte, professor bilíngue,
materiais entre outros) sempre se dá com base em
informações e necessidades apresentadas pelas
Gestão da Política de escolas através de protocolos avaliativos que tem
Educação Especial no como premissas avaliação da relação do aluno com

âmbito da RMEC o contexto escolar.

A atuação das professoras de Educação Es-


As Diretrizes Curriculares da RMEC pro- pecial de Referência nos Naeds, para além das es-
põem que as escolas sejam estimuladas a realizar colas, na identificação das demandas das escolas,
a gestão democrática por meio da instituição dos no diálogo e no encaminhamento das orientações
Conselhos de Escolas, de Comissões Próprias de de trabalho junto às escolas são fundamentais para
Avaliação (CPAs) e ainda de Grêmios Estudantis. promover a articular entre Núcleo de Educação
No que se refere ao currículo, estar em consonân- Especial, Naed e escolas, articulação que é funda-
cia com a gestão democrática da escola é respei- mental para o planejamento e efetivação das polí-
tar as necessidades e interesses dos educandos e ticas de educação especial.
suas famílias e se articular as orientações mais ge- A constituição da política de educação espe-
rais das Diretrizes, que irá propor a universalização cial da RMEC desde 1989, se deu com participação
de alguns aspectos da formação geral das crianças, e luta de muitos profissionais da Rede, que se en-
jovens e adultos de nossa Rede de Ensino, com as gajaram durante todos esses anos pelo direito das
temáticas e os problemas que mobilizam a comuni- pessoas com deficiência estarem na classe comum
dade em que esta escola está inserida. da escola regular.
No âmbito do planejamento e efetivação
da política de educação especial na perspectiva in-

29
Parte II

Memórias e caminhos da
Educação Especial na Rede
Municipal de Ensino de Campinas

Colagem de Marta Ele-


na Rogeri Soler – Tra-
balho Coletivo e trans-
formação.|    Camila Santos Borges

Minha presença no mundo não é a de quem a ele se


adapta mas a de quem nele se insere. É a posição
de quem luta para não ser apenas objeto, mas su-
jeito também da História (FREIRE, 1996, p. 54)
Memórias envolvem nossas ações, fa- a própria vida.
tos ou acontecimentos passados que marcaram a
3. Modelo social: as causas e/ou justifica-
nossa trajetória de vida. Este texto busca captar
tivas para a deficiência são preponderantemente
através de alguns educadores, professores, gesto-
sociais. É a contraposição ao modelo reabilitador,
res e especialistas da RMEC, caminhantes na Educa-
pois concebe que todas as pessoas são iguais no
ção Especial nos contextos das escolas municipais,
que se refere ao seu valor, ou seja, são humanas.
relatos, e também se remeteu à história e às fontes
Há o reconhecimento das diferenças, porém estas
documentais para contextualizar no tempo o cami-
não são justificativas para a desigualdade, que deve
nho até então percorrido. Afinal “o novo vem carre-
ser superada através da acessibilidade e eliminação
gado do velho e está em constante transformação”.
de barreiras sociais, econômicas e humanas.
(PADILHA, 2007, p.140)
Esses modelos serão referenciais para com-
Palácios (2008), ao descrever três modelos
preensão das relações sociais que foram e que são
de interpretação da deficiência, evidencia as possi-
determinantes para as pessoas com deficiência,
bilidades de produção da vida das pessoas com de-
uma vez que se as relações sociais são igualitárias
ficiência diante do que o mundo lhes apresentou ou
e solidárias, teremos uma sociedade justa, mas se
apresenta como possibilidade ao longo da história:
ao contrário disto, as relações sociais forem de ex-
1. Modelo de prescindência (Antiguidade/ ploração, teremos uma sociedade injusta e estrati-
Idade Média): a causa e/ou justificativa para a defi- ficada, pautada em critérios de classificação de in-
ciência é religiosa, considerada um castigo ou uma divíduos e organizada em classes e grupos sociais
punição por um pecado cometido, geralmente pe- (GALLO, 2019). Desta forma, consideramos para
los pais ou um sinal de má sorte. Esse modelo pode além dos marcos históricos e de conquista de di-
ser subdividido em eugênico (Antiguidade), pois reito, as relações sociais, em proporções diferentes
concebe que a vida da pessoa com deficiência não são marcadas por essas concepções de deficiência
vale a pena ser vivida, e foi substituído pelo de mar- podem vir a coexistir.
ginalização (Idade Média). O infanticídio deixou de Um dos lugares sociais onde se constituem
ser uma prática socialmente aceita, mas as pessoas as relações sociais das pessoas com deficiência são
com deficiência eram destinadas a serem escravas, as instituições educacionais, e por isso é relevante
objetos de diversão e exposição ao ridículo e de- compreender como estes espaços foram constituí-
pendiam da caridade cristã. Neste modelo as pes- dos, transformados, ocupados, vivenciados na rela-
soas com deficiência são excluídas totalmente da ção com esses sujeitos. Assim, como compreender
sociedade. quem foi e quem é pessoa com deficiência nos es-
2. Modelo reabilitador (a partir da Idade paços educacionais?
Moderna): a causa e/ou justificativa para a defi- A educação escolar brasileira tem como
ciência é científica. Considera as pessoas com defi- princípio a colonização. Os primeiros colégios e es-
ciência de algum modo rentáveis para a sociedade, colas no Brasil surgem para os filhos e herdeiros dos
desde que se “recuperem”, superem a deficiência e colonos o método utilizado foi denominado Ratio
se normalizem, através da reabilitação, para então Studiorum. Sendo assim durante o Império podemos
ser integrados a sociedade. Neste modelo também observar que a escola era voltada para homens, cris-
as pessoas com deficiência são concebidas como tãos, brancos, pertencentes a uma elite, descenden-
incapazes, não iguais, menos humanas, economica- tes de europeus, ou seja, com uma visão eurocêntri-
mente dependentes, sem autonomia para gerirem
31
ca, e os métodos estavam fundados principalmente fundados em habilidades de coordenação motora
do domínio da língua portuguesa e o acesso ao co- e memória visual, ou seja, o ponto de partida era o
nhecimento se dava, principalmente através da lei- indivíduo numa visão biopsicossocial. Considera-se
tura e escrita, onde se enfatizavam os processos de que o desenvolvimento está pautado em caracterís-
memorização. Cabe destacar que até o final do sé- ticas biológicas, psicológicas e sociais, as quais de-
culo XIX, tínhamos, em média, apenas 10% dos/as vem ser estimuladas e desenvolvidas em função de
brasileiros/as alfabetizados/as (PATTO, 1996). Fica um “bem” coletivo. Sendo assim, o indivíduo deve
evidente que a nossa escola é fundada na hierar- se adequar ao método proposto, suas dificuldades
quização do saber, no preconceito e na escravidão. devem ser superadas por ele/ela mesmo/a. É neste
A educação voltada para as pessoas com momento e com este princípio que surge a Educa-
deficiência aparece pela primeira vez institucional- ção Especial em espaços institucionalizados, volta-
mente no século XIX com a fundação do Instituto da para aqueles que não se adequavam aos méto-
Benjamin Constant (IBC) em 1854 e do Instituto dos da escola, numa perspectiva reabilitadora.
Nacional de Educação de Surdos (INES) em 1856. Ao longo do século XX, o movimento da
“Apenas os cegos e os surdos eram contemplados escola nova segue em busca da consolidação dos
com ações para a educação” (BRASIL, 2010, p. 22). sistemas de ensino, inicialmente pensada para uma
Antes disto as relações sociais das pessoas com de- parcela da população, afinal aqueles que não se
ficiência eram totalmente orientadas pelo modelo adequavam eram por si só excluídos da escola e cul-
de prescindência. pabilizados por isto. Concomitante a isto, conforme
a urbanização e a industrialização eram instaladas,
Na sociedade ainda pouco urbanizada, a partir de uma economia cada vez mais capitalista
apoiada no setor rural, primitivamente e com ideais liberais, a população passa a reivindi-
aparelhado, provavelmente poucos eram
considerados deficientes, havia lugar, ha- car por educação, uma vez que está se torna um
via alguma tarefa que muitos deles execu- meio de ascender socialmente. É a partir disto que
tassem (...) a escola não funcionou como
surgem os movimentos de educação popular e a
crivo, como elemento de patenteação de
deficiências. Havia pouca divergência no luta por uma escola para todos.
modo de conceber o mundo que nela se
difundia e a família do qual o aluno fazia A partir de meados de 1930, muitos educa-
parte. (JANNUZZI, 2006, p. 16) dores envolvidos com a educação de pessoas com
deficiência utilizarão a expressão ensino emenda-
tivo, que provém do latim emendare, que significa
Durante o período republicano inicia-se um
corrigir falta, tirar defeito (JANNUZZI, 2006, p. 69).
processo de exclusão do ensino religioso das esco-
Este foi o direcionamento para as providências da
las, porém ao mesmo passo que surge a pedagogia
época. Neste período, a educação para pessoas
nova, a pedagogia tradicional, herança dos jesuítas,
com deficiência era pautada no modelo médico
resiste. As escolas passam a ser regulamentadas
que “desconhece as articulações entre deficiência
pelo governo, inauguram-se os grupos escolares,
e fatores sociais, políticos e econômicos”. (BRASIL,
nos quais todos devem aprender a mesma coisa e
2010, p.29)
ao mesmo tempo e é também durante este período
que surge o movimento da Escola Nova que agregou
conceitos da psicologia infantil. A partir disto passa- O aspecto educacional, de forma mais ge-
nérica, fica em segundo plano, isto é, a
-se a utilizar métodos práticos e econômicos como anormalidade dita os métodos e modelos.
a cartilha; os métodos de alfabetização estavam Essa forma de pensar tem como diretriz

32
adaptar os sujeitos especiais em sua con- cionalidade socioeconômica ou orgânica.
dição – socializá-lo no papel de especial.
Nesse caso, o trabalho educacional acaba A primeira Associação de Pais e Amigos dos
por assumir um papel de adestramento,
valorizando-se a oferta de serviços por Excepcionais (APAE) foi fundada em 1954 no Rio
ela mesma, sem que se adentre na ques- de Janeiro e a Federação Nacional das APAEs (FE-
tão da qualidade destes serviços. (SILVA, NAPAES) foi fundada em 1962. A primeira APAE em
2000, p. 34)
Campinas foi inaugurada em 1965. A Casa da Crian-
ça Paralítica foi criada em 1954, inicialmente para
A constituição do sistema nacional de ensi- atender pessoas com poliomielite; a Pró-Visão abre
no é marcada pela primeira Lei de Diretrizes e Bases em 1982 para os cegos, e a ADACAMP em 1989
da Educação Nacional – Lei nº 4.024/61 (BRASIL, para as pessoas com autismo. Para além destas, há
1961) que garantiu “à família o direito de escolha outras instituições em Campinas.
sobre o tipo de educação que deve dar a seus filhos
A partir da década de 1970 há registros de
estabelecendo que o ensino é obrigação do poder
cessão de pedagogas às instituições especializadas
público e livre à iniciativa privada”. (SAVIANI, 1997)
pela Secretaria Municipal de Educação de Campinas
Sendo assim, o Estado não se comprometeu (CAMPINAS, 1998). Também há relatos que haviam
com a oferta de educação para todos, apenas con- algumas crianças com deficiência matriculadas na
solidou o que já estava posto, além de favorecer a rede regular de ensino municipal de Campinas já
oferta educacional pela iniciativa privada. Em 1971 em 1977, que não frequentavam as instituições es-
é publicada a segunda Lei de Diretrizes e Bases da pecializadas.
Educação Nacional – Lei nº 5692/71 (BRASIL,1971)
São fundadas também organizações criadas
que mantém o encaminhamento dos alunos com
e geridas por pessoas com deficiência física, cegos
deficiência e com “atraso” escolar para institui-
e surdos, cuja “motivação inicial é a solidariedade
ções de Educação Especial, sendo esta destino para
entre pares” (BRASIL, 2010, p. 30). Em Campinas,
aqueles que não se adequavam ao método, aos
podemos citar a Associação de Surdos de Campi-
princípios e ao ensino ofertado, ou seja, os excluí-
nas (ASSUCAMP) em 1962 e o Centro Cultural Louis
dos.
Braille em 1969.
Em 1917 em Campinas, o Professor Norber-
A convivência entre pares com deficiência
to de Souza Pinto iniciou o atendimento a crianças
e as associações geridas pelas pessoas com defi-
com deficiência intelectual na sua própria residên-
ciência (PCD) foram fundamentais para promover,
cia, que era intitulada de “Escola Primária de Adap-
a partir da década de 1970, um movimento político
tação”. Posteriormente em 1960 foi criado o Insti-
pelos seus direitos. Esse movimento ganhou visibili-
tuto Norberto de Souza Pinto no Jardim Chapadão
dade com o processo de redemocratização brasilei-
(IPT, 2008). Em 1926 Helena Antipoff, que era edu-
ra e com a promulgação pela Organização das Na-
cadora e psicóloga, havia fomentado o surgimento
ções Unidas (ONU) em 1981 do Ano Internacional
de várias Sociedades Pestalozzi no Brasil para aten-
das Pessoas Deficientes (AIPD) (BRASIL, 2010).
dimento escolar para crianças com deficiência. A
primeira instituição foi o Instituto Pestalozzi de Ca- O movimento político das pessoas com de-
noas (RS). Em 1952, foi fundada uma unidade Pes- ficiência questionava o caráter de caridade, que se
talozzi em São Paulo e em 1978 em Campinas. Ela fundamenta no modelo prescindência, que marca-
introduziu o termo “excepcional”, pois a causa da va as ações voltadas para este público. Foram orga-
deficiência intelectual era concebida ou por excep- nizados no período entre 1980 e 1983 três encon-

33
tros nacionais e a principal demanda do movimento
instituições de caráter assistencial. (KAS-
era a luta pela igualdade de direitos. Esta reivindica- SAR, 1995, p. 62)
ção teve desdobramentos na Assembleia Nacional
Sobre esse contexto histórico até os dias
Constituinte, cuja finalidade era produzir o texto da
atuais temos vozes de diversos sujeitos que par-
nova e atual Constituição Federal, que inicialmente
ticiparam da construção da Educação Especial no
encaminharia um capítulo específico para contem-
âmbito do da RMEC, que no complexo jogo de ne-
plar as PCD, mas o movimento requeria que os di-
gociações de vários atores, de estratégias, de ne-
reitos das pessoas com deficiência fossem transver-
cessidades da rede foram ajustando as regras, con-
sais ao texto constitucional, superando a lógica de
cepções e história mais amplas ao contexto local e
segregação existente. (BRASIL, 2010)
elaborando uma normativa e organização própria
Em 1986, o Estado cria a Coordenadoria (SOTERO, 2014).
Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de
Sobre a organização da Educação Especial
Deficiência (CORDE), uma estrutura reconhecida
no contexto de 1988, contexto no qual se promulga-
com objetivo de manifestar o interesse público com
va a Constituição Federal, se realizava eleições mu-
relação aos direitos das PCD. (BRASIL, 2010)
nicipais, se construíam as leis orgânicas municipais,
A Constituição Federal estabelece que “to- Eliana Barros Mendes de Castro relata: “Comecei a
dos são iguais perante a lei, sem distinção de qual- trabalhar na Prefeitura em fevereiro de 1988. Havia
quer natureza” (BRASIL, 1988); com isto as pessoas poucas professoras de Educação Especial; éramos
com deficiência deveriam passar a acessar servi- cedidas pela Prefeitura para trabalhar nas insti-
ços de educação, saúde, alimentação, previdência tuições de pessoas com deficiência, que também
social, entre outros direitos sociais. A educação é tinham professoras contratadas pelas próprias ins-
prevista como direito de todos, cuja gestão deve tituições. Estas recebiam verba pública. Não havia
ser democrática, atendendo também o princípio de concurso público, saía um edital no Diário Oficial,
educação popular “do povo, para o povo e com o fazíamos um cadastro na Secretaria Municipal de
povo” (SAVIANI, 2013, p.417). O ensino fundamen- Educação e por pontuação, por tempo de trabalho,
tal passa a ser obrigatório e gratuito e dever do Es- fazíamos a escolha da instituição. Era marcada uma
tado, e os municípios passam a reger-se através de data e nós íamos, era um cadastro anual. Não exis-
sua Lei Orgânica Municipal (BRASIL, 1988). tia nada de professora itinerante ainda, a inclusão
A Secretaria Municipal de Educação (SME) não estava posta.”
a partir da Constituição Federal de 1988 e da Lei Sobre a organização dos professores da
Orgânica Municipal (1990) constituiu sua Rede Mu- educação na RMEC e sua relação com as institui-
nicipal de Ensino. A Educação Especial, bem como ções especializadas, relata-se: “Ninguém sabia da
a educação de pessoas com deficiência, quando nossa existência, porque nós professoras de Educa-
havia, ocorria de forma segregada, seja através de ção Especial éramos cedidas para as instituições.
algumas classes especiais, seja através das institui- Nós tínhamos que acatar todos os procedimentos
ções especializadas. e normas das instituições em que estávamos tra-
Vimos que, na ausência de uma política balhando, mesmo que contratadas pela Prefeitura.
educacional geral, o atendimento à criança Desavenças entre o prefeito Jacó Bittar e o seu vice
com diferenças orgânicas (portanto as que
requerem uma atenção mais especializada) Antônio da Costa Santos conhecido como “Toninho”
foi organizando-se nas brechas entre o fizeram com que o prefeito mudasse de partido em
poder público e o privado, entre as raras
1991, foi para o Partido Socialista Brasileiro (PSB).
classes especiais das escolas públicas e as

34
A Secretaria Municipal de Educação foi assumida em dezembro/1989 é aprovada em Campinas a
por Solange Villon Kohn Pelicer e então foi desig- Lei Municipal nº 6134/89 que cria as salas de re-
nada uma Coordenadora Pedagógica, a Gisele que cursos e equipes itinerantes destinadas ao ensino
tinha um olhar para a Educação Especial e passou a de PCD, salas especiais se a necessidade deste ser-
acompanhar nosso trabalho. Até então, respondía- viço for comprovada por equipe interdisciplinar que
mos a uma equipe técnica composta por psicóloga, atendia PCD.
fonoaudióloga, terapeuta ocupacional e às vezes Em 30 de março de 1990 foi promulgada a
um professor de educação física. Até o nosso plane- Lei Orgânica do Município de Campinas, sobre isso
jamento de sala de aula deveria passar pela equipe Eliana Barros narra: “Me chamaram e eu fui lá na
técnica; nós nos submetíamos às suas orientações. Prefeitura, onde também era a Câmara de Verea-
Estabeleciam os horários sem a nossa participação dores onde iam votar a Lei Orgânica do Município
para retirarem os alunos das nossas salas para fa- de Campinas. Havia muitas pessoas e muitas ins-
zer as terapias.” (Eliana Barros Mendes de Castro) tituições especializadas de atendimento a pessoas
Em outubro de 1989 é publicada a Lei fede- com deficiência que queriam que Campinas tives-
ral nº 7853/89, que estabeleceu responsabilidades se classes especiais. Era um grupo com represen-
ao poder público com relação aos direitos básicos tantes, funcionários e alunos destas instituições. A
das pessoas com deficiência, Entre eles o direito à professora da Faculdade de Educação da Unicamp,
educação, estabelecendo a Educação especial como Gilberta Jannuzzi liderou um grupo de pessoas con-
modalidade educacional, inserção no sistema edu- trárias a isto.”
cacional de escolas especiais públicas e privadas, No capítulo destinado à educação cabe des-
oferta obrigatória e gratuita de Educação Especial tacar os artigos 222 e 223 da Lei Orgânica do Mu-
em estabelecimento público de ensino e matrícula nicípio de Campinas (CAMPINAS, 1990). O Artigo
compulsória de pessoas com deficiências conside- nº 222 reforça o princípio da escola democrática,
radas capazes de se integrarem ao sistema regular pautada em direitos humanos, enquanto o nº 223
de ensino. (BRASIL, 1989) garante igualdade de condições para o acesso e
“A nossa constituição cidadã garante a permanência na escola, reforça a obrigatoriedade
todos o acesso à escola. A Lei Federal 7853/89 co- e gratuidade do ensino fundamental, a gestão de-
locou que passa a ser crime qualquer tentativa de mocrática de ensino assegurando a participação
impedir que uma pessoa com deficiência frequente de representantes da comunidade, o pluralismo
uma escola comum em sua comunidade; passou a de ideias e concepções pedagógicas, valorização
ser crime negar uma vaga para uma pessoa com dos profissionais de ensino e fixação de planos de
deficiência.” (Solange Villon Kohn Pelicer). Apesar carreira para o magistério e ingresso na carreira via
disso, “tínhamos classes especiais na rede, tinha concurso público (CAMPINAS, 1990). Sendo assim,
uma sala especial na EMEF João Alves. As crian- esta lei foi significativa no que se refere ao compro-
ças entravam mais tarde; na hora do recreio elas misso do município com a escola pública e para to-
tinham que sair antes, ou então depois, porque elas dos, bem como da valorização e promoção da auto-
não podiam ter contato com outras crianças, não nomia docente. Evidenciamos, especificamente, o
podiam ser olhados por outras crianças. Aquilo me parágrafo VII que versa sobre a Educação Especial:
apertava o coração e outras pessoas tinham este
mesmo sentimento.” (Solange Villon Kohn Pelicer) VII - atendimento educacional especializa-
do aos portadores de deficiência, na rede
Logo após a publicação da Lei nº 7853/89, escolar municipal, assegurando-se obriga-

35
toriamente matrícula em estabelecimen- tíamos muito que era uma responsabilidade muito
tos próximos a sua residência (CAMPI- grande para a escola.” (Solange Villon Kohn Pelicer)
NAS, 1990).
Apesar de buscar romper com a segregação,
No capítulo intitulado “proteção especial”,
o projeto “Acesso e Permanência do Portador de
cabe destacar também alguns parágrafos do artigo
Deficiência na Rede Pública Municipal” ainda indi-
nº 256:
cava que alunos considerados com deficiências gra-
I – criação de salas de recursos, clas-
ses especiais e centros profissionalizantes ves continuariam nas escolas especiais e reafirmou
para escolarização, treinamento, habili- a cessão de professores de Educação Especial para
tação e reabilitação profissional de por- as entidades, o que era coerente com uma perspec-
tadores de deficiências, oferecendo os
meios para esse fim aos que não tenham tiva reabilitadora. (SILVA, 2000, p. 25-26). “A APAE
condições de frequentar a rede regular tinha uma Unidade periférica na Vila Pe. Anchieta,
de ensino, podendo para esses objetivos,
em Aparecidinha, que nada mais era do que uma
manter convênios com entidades privadas
e órgãos oficiais afins do Estado e União; classe especial, cujas instalações eram embaixo de
II - implantação do sistema “braille” para uma caixa d´água. Havia ali uma cozinha aperta-
deficientes visuais e da comunicação e lin-
da onde era feita a merenda; uma professora tra-
guagem para deficientes auditivos, em es-
tabelecimentos da rede oficial de ensino balhava com as crianças pela manhã e outra que
de forma a atender as suas necessidades ia no período da tarde. Eu e uma assistente social
educacionais e sociais;
fomos designadas para supervisionar esta unidade
(…)
periférica; a gente se incomodava muito com esta
§ 1º O percentual aplicado pelo Município
situação e havia um projeto para abrir outras uni-
no ensino de pessoas portadoras de
deficiência, nunca deverá ser inferior a dades semelhantes em outras regiões de Campinas.
5% da verba pública destinada à educação. O representante da APAE foi solicitar ao então se-
(CAMPINAS, 1990)
cretário Newton Bryan, professor da Faculdade de
Diante da nova reorientação política e legis- Educação da Unicamp, então Secretário Municipal
lativa a Secretaria Municipal de Educação, através de Educação de Campinas, auxílio para executar
do secretário Newton Antônio Paciulli Bryan, cons- este projeto e nós ficamos muito preocupadas por-
tituiu o Conselho Consultivo de Educação Especial. que estas unidades eram classes especiais com ou-
Assim, diversos segmentos como as universidades, tro nome, não permitido pela Lei Municipal. Bryan
família, escolas municipais e estaduais, entidades, deu parecer desfavorável. A assistente social e eu,
escolas especiais e outros setores da administra- então, fomos pedir sua ajuda porque a situação da-
ção pública municipal poderiam discutir como se- quelas crianças nos incomodava muito. Ele, então,
ria a inserção de alunos público-alvo da Educação pediu que fossemos falar com a APAE, negociando
Especial na escola regular. Este conselho produziu a matrícula daqueles alunos em uma escola mais
o projeto “Acesso e Permanência do Portador de próxima, para que eles pudessem ficar junto com as
Deficiência na Rede Pública Municipal”, que tinha outras crianças. A APAE aceitou com a condição de
por objetivo fomentar ações da rede municipal e que eles ficassem em uma sala sozinhos. A professo-
das entidades e escolas especiais conforme tal ob- ra também era cedida da APAE, e nós continuamos
jetivo numa perspectiva integracionista. “A escola indo lá uma vez por semana com o propósito de
seria uma das principais efetivadoras da inclusão de integrá-los com as outras crianças no recreio. Aos
alunos com deficiência no ensino comum; havia di- pouquinhos – sabe como criança é, não é? – elas
ferenças na concepção entre professores do ensino começaram a interagir com os outros alunos e nos
comum e professores da Educação Especial. Discu- próximos anos estas crianças foram gradualmente

36
sendo transferidas para as classes comuns.” (Eliana Sobre o processo de elaboração do Esta-
Barros Mendes de Castro) tuto narra-se “Íamos acompanhando a Constituinte
Em 1991, foi realizado o primeiro concurso e escrevendo o Estatuto do Magistério. Desde 1985
público; ainda não havia o cargo de Professor/a de começamos a escrever o Estatuto do Magistério,
Educação Especial, mas muitos dos ingressantes ti- que foi promulgado em 1991, quando eu já era
nham formação em Educação Especial. “Logo após secretária; começamos em quinze pessoas e
o concurso público realizado em 1991, a Secretaria acabamos em três pessoas.” (Solange Villon Kohn
Municipal de Educação, deu-se continuidade a um Pelicer)
grupo de trabalho, estudo que já vinha acontecen- O Estatuto do Magistério (Lei nº 6.894/91)
do. Não era um grupo, mas levava este nome, era foi significativo para a Educação Especial, pois, pau-
constituído por uma coordenadora pedagógica Gi- tada em princípios constitucionais, definiu o cam-
sele Pierro e tinha a assessoria da professora Gil- po de atuação do professor de Educação Especial
berta Jannuzzi, que foi professora de uma geração estabelecendo que o “docente da Educação Espe-
de professoras de Educação Especial. Estas duas cial exercerá, além do Magistério, a assessoria aos
pessoas e mais alguns profissionais da rede munici- docentes em cujas classes estiverem matriculados
pal formularam uma proposta de Educação Especial educandos portadores de deficiência”. Sendo as-
para sistematizar uma proposta de trabalho. Quan- sim, os professores de Educação Especial assumi-
do nós ingressamos na rede, em outubro de 1991, ram papel relevante no processo de educação no
a secretaria publicou um edital convidando profes- contexto das escolas.
sores de Educação Especial que quisessem compor
A Secretaria Municipal de Educação, ao pen-
um grupo que faria a condução dos trabalhos de
sar o acesso dos alunos público-alvo da Educação
Educação Especial na secretaria, a partir da pro-
Especial nas escolas, elaborou propostas referen-
posta inicial elaborada por elas. O processo seletivo
tes à Educação Especial na perspectiva inclusiva,
foi realizado através da apresentação do currículo
de modo a dar suporte à escola de maneira dire-
e de uma entrevista. Houve inicialmente a escolha
ta ou indireta a professores e alunos. Ou seja, a
de três professoras: eu, a Shirley Silva e a Carmem
permanência com qualidade destes alunos ocupa-
Sanches e posteriormente, na ausência de uma pro-
va os debates, discussões e encaminhamentos da
fessora com formação em deficiência visual, a Hito-
Rede Municipal de Educação de Campinas. No dia
mi Yamamoto Augusto veio fazer parte deste grupo
15 de outubro de 1993 foi publicada a Portaria nº
também. Ao mesmo tempo, eu fui fazendo e acom-
25 que regulamentava a matrícula de crianças de
panhando o trabalho e produzindo a minha disser-
0 a 6 anos nas escolas de Educação Infantil e que
tação.” (Mônica Cristina Martinez de Moraes)
priorizou a matrícula de crianças com deficiência,
Em 1991, foi publicado também o Estatuto bem como seu acompanhamento por professores
do Magistério Público Municipal de Campinas, que especializados (SOTERO, 2014). “Apesar do modelo
no artigo 2º aponta como finalidade: institucional ser forte na época, houve um avanço
na visão acerca da Educação Especial, conceituan-
do-a como modalidade educacional, portanto parte
incentivar, coordenar e orientar o pro-
cesso educacional na rede Municipal de integrante da rede regular de ensino. Caracteriza-
Campinas, objetivando o mais amplo de- va-se a Educação Especial como recurso aos alunos,
senvolvimento do educando, preparando-o
para exercício da cidadania. (CAMPINAS, assegurando-lhes o exercício do direito a educação.
1991) Antes da Lei de Diretrizes e Bases, a nossa rede já

37
reconhecia a Educação Especial como modalidade cação Especial, uma minuta com termo de convênio
e não como processo paralelo a educação escolar.” para as instituições que recebiam professoras co-
(Mônica Cristina Martinez de Moraes) missionadas pela SME, porque não havia nada que
respaldasse e desse segurança às professoras neste
“Em 1993 eu voltei para a rede e assumi a di-
procedimento. A minuta foi encaminhada para o
reção da EMEF Domingos Zatti. Eu tinha uma aluna
setor de assuntos jurídicos e o projeto pedagógico
com síndrome de Down. E quando eu estava finali-
passou a vigorar em 1994 em forma de subproje-
zando minha carreira, eu tive uma experiência mar-
to, que consistia em organizar um grupo de doze
cante, eu fui para a Educação Infantil ali no Rafael
professoras de Educação Especial que continuariam
Duarte. Lá chegou uma família muito, muito rica; os
comissionadas nas entidades, numa equipe que iria
pais estavam inconformados, eles tinham um filho
exercer, além do magistério, assessoria aos docen-
com Síndrome de Down e a escola particular não
tes em cujas classes estivessem matriculados alu-
aceitou a matrícula dele. Eu pedi uma semana para
nos com deficiência. Estava expresso no estatuto
fazer um trabalho preparatório. Tem um livro que
do magistério que, embora não houvesse regula-
se chama “Meu amigo Down” e nós fizemos um tra-
mentação para cessão das professoras para as en-
balho com todas as turmas. Na sexta-feira, os pro-
tidades, o estatuto do magistério foi acionado para
fessores perguntaram para as crianças: ─ “Vocês
que as professoras retornassem à rede, ainda que
querem ter um amigo Down?” E todas as crianças
fazendo um trabalho concomitante de assessoria
queriam ter um amigo Down! Na segunda-feira, F.
aos professores. Naquele momento, não tínhamos
chegou e vocês imaginam como ele foi bem recebi-
como fazer o acompanhamento pedagógico das
do... Desde então, a nossa rede foi se apropriando
crianças porque não havia professores suficientes e
da inclusão. Nos tempos de hoje, somos referência
nem horas projeto disponíveis para que isto aconte-
em toda a região, em todo o Estado e talvez em todo
cesse. A alternativa naquele momento foi a asses-
país! E temos que ter gratidão a todos os nossos
soria aos professores da rede. O parecer da SME ao
profissionais.” (Solange Villon Kohn Pelicer)
final de 1994 foi favorável à efetivação da proposta
O Grupo de Apoio de Educação Especial que então foi transformada em programa e foi pu-
se manteve na Secretaria Municipal de Educação, blicado como tal em 1995.” (Mônica Cristina Marti-
apontava as contradições que havia em manter as nez de Moraes)
professoras de Educação Especial cedidas às enti-
No que diz respeito à implementação das
dades e, em parceria com a secretária Maria Helena
Salas de Recursos relata-se que: “Na época, nós
Guimarães de Castro, buscou formas de regulamen-
atendíamos a Rede Municipal, a FUMEC, as cida-
tar a Lei Orgânica do Município, para constituir uma
des vizinhas; nós tínhamos alunos até de Bragan-
equipe de professoras itinerantes para as escolas
ça Paulista e Indaiatuba. Quando eles descobriram
da rede. Para essa equipe disponibilizaram-se, para
as salas de recursos, eles começaram a vir procu-
além da jornada cumprida nas entidades, 12 ho-
rar estas salas. Sempre trabalhávamos em horário
ras-aula para que percorressem as quarenta e duas
oposto, no contraturno, de forma complementar
unidades onde havia noventa e seis alunos com de-
e suplementar. Nós acreditávamos neste trabalho
ficiência matriculados e também para implantarem
de não tirar da sala e sim levar até eles os recursos
as salas de recursos. (SOTERO, 2012)
necessários para que eles aprendessem e se desen-
Em relação ao trabalho do Grupo de Apoio volvessem pedagogicamente e enquanto pessoas.
de Educação Especial há o seguinte relato: “produ- Nós íamos à escola e tínhamos muito embates para
zimos inicialmente um projeto pedagógico de Edu- fazer as pessoas acreditarem que aquele aluno ia

38
conseguir aprender” (Divânia Pereira do Carmo) porque nós encaminhávamos os alunos com defi-
A implementação da Salas de Recursos ciência para a escola regular.
também se fundou na busca das professoras pela Antigamente, nós íamos para a atribuição
construção de uma autonomia pedagógica em re- e perguntavam: “Quem tem habilitação em DA?
lação ao trabalho nas instituições conveniadas. “Eu Quem tem habilitação em DV?” E aí aparecia uma
trabalhei na Anne Sullivan e me lembro que lá não mão estendida lá no fundo. E falavam: “Vem! Vem
podíamos fazer Libras (Língua Brasileira de Sinais) e trabalhar!” (Rosana Santos Medina Paranatinga)
depois pudemos nos remover para o CADAF (Círcu-
A Secretaria Municipal de Educação e o
lo de Amigos dos Deficientes da Audição e da Fala)
Grupo de Apoio de Professoras de Educação Espe-
e era a mesma coisa. Viviam atrás da gente para
cial também propiciou e investiu em formação de
não permitir que ensinássemos Libras; a nossa mão
professores. “No grupo de apoio ao mesmo tempo
era amarrada quando estávamos na instituição.
eu fui acompanhando o trabalho e produzindo a
Quando nós começamos a ir para as escolas nós
minha dissertação” (Mônica Cristina Martinez de
tínhamos doze, treze, quatorze locais para percor-
Moraes). “Na minha dissertação de mestrado, eu
rer com doze horas de projeto, tentando iniciar um
destaco a formação de professores porque a gente
trabalho. As professoras da secretaria já tinham a
percebe que fazer simplesmente a oferta do apoio
vontade de criar as Salas de Recursos, mas nós tí-
pedagógico às escolas, diretamente aos alunos ou
nhamos que cavar este espaço, arrancar no braço e
indiretamente aos professores que atendem dire-
o que tínhamos na época eram as classes especiais.
tamente aos alunos não é suficiente e talvez ain-
O espaço mais central da época era a EMEI Perseu
da não seja, porque naquela época ainda era um
Leite de Barros; tivemos que esperar uma professo-
“tabu” a percepção e concepção de deficiência na
ra se aposentar para se apropriar deste espaço. Co-
sociedade. Acho que avançamos muito, mas ainda
meçamos com um projeto-piloto, porque só tínha-
há uma dificuldade de relacionamento por parte
mos hora-projeto, primeiro em um período, depois
das pessoas que não têm proximidade com as pes-
em dois períodos. Pela manhã não podíamos fazer
soas com deficiência, para estabelecer uma relação
Libras, mas a tarde havia mais liberdade. Saíamos
pedagógica. Apesar da tônica para estruturação do
ensinando todo mundo, porque ninguém conhecia.
serviço de Atendimento Educacional Especializado,
Nós atendíamos a todos os alunos que apareciam,
a maior tônica estava na formação continuada de
ou seja, o aluno chegou, tinha atendimento, aten-
professores. Inicialmente, nós fazíamos a formação
díamos até alunos de escolas particulares. O nosso
de professores e depois organizávamos três gru-
foco era atender aos alunos e também aos professo-
pos nos períodos manhã, tarde e noite para que
res da rede; demos muitos cursos de Libras porque
estes professores tivessem algum conhecimento e
ninguém sabia. Os alunos que chegavam também
alguma formação sobre Educação Especial, sobre
não sabiam e tínhamos que trabalhar também com
educação de crianças, jovens e adultos com defi-
as famílias. Demos curso até para Guarda Munici-
ciência, sobre escolaridade deste segmento. Estes
pal, porque os surdos se encontravam no Terminal
grupos existiram em 1992 e 1993 e por não termos
Central e a base da Guarda Municipal era ali perto
mais força de trabalho, foram abertas frentes de
e os guardas queria se comunicar com os surdos.
trabalho. Vieram doze professores itinerantes, que
Na época, tínhamos a formação em serviço e as ha-
enfrentaram dificuldades com as instituições que
bilitações e era muito raro ter alguém habilitado,
não queriam que os alunos viessem para as escolas
principalmente em Deficiência Visual. Nós tínhamos
regulares, pois as famílias começaram a perceber
muito entrosamento com os professores itinerantes

39
fui complementando a formação.” (Divânia Pereira
que havia possibilidade destes alunos virem para a
do Carmo)
escola regular. Também houve oposição de alguns
professores de Educação Especial, porque embora a “Eu encerrei o curso de magistério em 1987
nossa formação fosse favorável à inclusão, algumas e tinha que trabalhar; fui convidada a trabalhar em
colegas tinham a convicção de que a educação para um instituto para surdos e eu não sabia nada de
as pessoas com deficiência deveria ser segregada, educação para surdos. Fui aprendendo no instituto;
na instituição, à parte. Este posicionamento era o era muito difícil para mim e muito difícil para eles
mesmo posicionamento dos professores da rede. também, principalmente a comunicação. Em 1989,
Em 1994, conseguimos estabelecer o convênio com iniciei o curso de pedagogia na PUC de Campinas e
a Faculdade de Educação da PUC- Campinas e neste a formação em Educação Especial, mas o curso era
primeiro momento, a formação era destinada aos diurno e eu só podia estudar à noite. A Libras não
professores da rede que não tinham formação em era uma língua oficial e havia poucos estudos na
Educação Especial, porque nós tínhamos encontros área. Meu TCC foi sobre alfabetização de surdos e a
semanais que eram encontros formativos. Não era professora Katia Caiado, mesmo sem ser da área se
fácil sair de um modelo e ingressar em outro mode- esforçou e me ajudou muito neste processo.” (Nel-
lo e dar conta de tudo aquilo que este novo modelo ma Cristina de Carvalho Francisco)
requeria.” (Mônica Cristina Martinez de Moraes) “Olhando o passado e o presente, percebe-
Campinas possui duas universidades que se -se que esta prática de olhar o fazer e pensar sobre
destacam pelo ensino, pesquisa e extensão: a Uni- o fazer pedagógico permanece; podemos dizer que
versidade Estadual de Campinas (UNICAMP), que esta é uma marca nossa de professoras de Educação
oferecia curso de pedagogia na época com forma- Especial: nós pensamos, repensamos e refazemos
ção em Educação Especial, ofertou habilitação em o que fazemos, propondo novos fazeres!” (Mônica
“Deficiência Mental” até 1998, posteriormente Cristina Martinez de Moraes)
incorporada ao currículo de Pedagogia. Também “A Mônica tinha esta preocupação de pas-
havia um curso de especialização da Faculdade de sar para a gente tudo que havia de novo; chegavam
Ciências Médicas (FCM), através do Centro de Es- documentos do MEC, ela xerocava e passava para a
tudos e Pesquisas em Reabilitação Prof. Dr. Gabriel gente.” (Eliana Barros Mendes de Castro)
Porto (CEPRE) e posteriormente um programa de
Em 1995 com as eleições municipais e con-
aprimoramento direcionado para a deficiência au-
sequentemente mudanças dos gestores municipais,
ditiva e surdez e para a deficiência visual. Nessa
fez-se necessário o convencimento destes de que
época, a Pontifícia Universidade Católica de Cam-
a Educação Especial na perspectiva inclusiva mere-
pinas (Puc-Campinas), tinha um curso de Pedago-
cia continuidade e avanços. Para tanto, o grupo de
gia em Educação Especial, com formação nas áreas
apoio se dedicou ao acompanhamento das profes-
da (assim chamada) deficiência mental e auditiva.
soras itinerantes através de grupos de formação,
Considerando isto, quase a totalidade dos professo-
reuniões pedagógicas, assessoramentos e produ-
res da RMEC possuía formação em nível superior ou
ção de relatórios, ao passo que o número de alunos
estava em processo de formação. (SILVA, 2000)
público-alvo da Educação Especial aumentava nas
A respeito da formação inicial e continuada escolas regulares. Como a formação em Educação
das professoras de Educação Especial da RMEC nar- Especial era realizada por áreas da deficiência, foi
ra-se: “Depois eu me formei em pedagogia, fiz habi-
preciso realizar troca de informações entre pares a
litação em deficiência visual e deficiência auditiva e fim de atender às demandas deste público diverso

40
nas escolas. (SAVIANI, 2013, p.307)
Nesse período a Secretaria Municipal de Em 1996 também foi criado e regulamenta-
Educação através do Grupo de Apoio de Educação do pela LDB o Fundo de Manutenção e Desenvolvi-
Especial e em parceria com a Faculdade de Educa- mento do Ensino Fundamental e de Valorização do
ção da PUC-Campinas realizou o “I Ciclo de Debates Magistério (FUNDEF) e até então significou o maior
em Educação Especial: Educação para todos” e tam- volume de dinheiro destinado à educação.
bém publicou o “Programa de Educação Especial”
que apresentou os princípios norteadores, as metas
Anísio Teixeira considerou que os gastos
de trabalho, a organização do programa em Educa- com salário dos professores seriam de 70%,
ção Especial. distribuindo-se o restante entre a admi-
nistração (7%), recursos didáticos (13%)
Muitas das metas foram conquistadas; por e prédio e equipamento (10%) [...]. Foi
meio do programa em Educação Especial existem este procedimento que inspirou a criação,
em 1996, do FUNDEF. (SAVIANI, 2013,
até hoje como, por exemplo: o serviço de apoio pe-
p. 306-307)
dagógico especializado na rede regular de ensino;
critérios para os termos aditivos de convênios com
entidades e instituições sem fins lucrativos; capaci- O Brasil se tornou em 1994 signatário da
tação em serviço os profissionais RMEC; incentivo Declaração de Salamanca, reafirmando o compro-
e promoção de projetos de pesquisa relacionados misso do país em promover educação para todos
à Educação Especial pelos profissionais da RMEC; e solicitou urgência para que fossem atendidas as
estímulo à divulgação de experiências, criação do “necessidades educacionais especiais” das crian-
Centro de Referência em Educação Especial; criação ças, jovens e adultos com deficiência na escola re-
de classes hospitalares, entre outros. (CAMPINAS, gular, orientando os sistemas de ensino dos países
1995, p. 5-6) signatários a implementarem a educação inclusiva.

Em 1995 o Centro de Referência em Edu- A Educação Especial na LDB refletirá os prin-


cação Especial foi criado e passou a se chamar Se- cípios da Declaração de Salamanca; a Educação Es-
tor de Referência e Recursos da Educação Especial pecial assumia a perspectiva inclusiva, uma vez que
(SERES), com o objetivo de divulgar e promover o esta se tornava uma modalidade que perpassava
acervo de documentos e produções do Programa os níveis de ensino. O Atendimento Educacional Es-
de Educação Especial, de modo a contribuir com a pecializado passou a integrar as escolas regulares,
capacitação e aperfeiçoamento dos profissionais. seja através das salas de recursos, seja através de
Também tinha a função de adaptar materiais e li- professores itinerantes. Apesar disto, a LDB não ex-
vros didáticos para as pessoas com deficiência vi- cluía a possibilidade de a Educação Especial ocorrer
sual. de forma substitutiva através das escolas especiais;
isto reflete a constituição dos sistemas de ensino
Com a nova Constituição Federal, a Lei de
como um todo, uma vez que houve concessões à
Diretrizes e Bases (LDB) Lei nº 5692/71 foi conside-
iniciativa privada. (SAVIANI, 2013)
rada obsoleta e no governo de Fernando Henrique
Cardoso (PSDB) foi sancionada a Lei nº 9394/96 que A SME já havia iniciado esta trajetória de
vigora até a atualidade. A aspiração dos renovado- construir Educação Especial no contexto da esco-
res, que desde a década de 1920 vinham defenden- la antes mesmo da Declaração de Salamanca e da
do a autonomia dos estados e a diversificação e LDB, porém esses documentos foram significativos
descentralização do ensino foi consagrada na LDB. para legitimar a proposta que a muito custo estava

41
sendo construída. Afinal, não havia referenciais a um cartaz com o nome dos vereadores, aqueles que
serem seguidos. “Nós nunca quisemos nos asseme- votavam contra. A gente vaiava e colocava um “x”
lhar ao trabalho realizado pelas instituições, embo- e aqueles que votavam a favor, nós aplaudíamos e
ra algumas pessoas reconheçam que elas tiveram colocávamos um OK. A Educação Especial sempre
um papel muito importante na educação de pes- foi de luta.” (Cláudia Gomes Domingues Nunes)
soas com deficiência. Tínhamos muito cuidado ao Com esta Lei, foram transpostos 44 cargos
estabelecer o programa, porque quem foi aluno da de professor de Educação Especial, uma função pú-
professora Gilberta aprendeu muito bem como esta blica de professor de Educação Especial e três fun-
história aconteceu, mas nós tínhamos em mente ções-atividade de professor de Educação Especial
que deveríamos construir uma nova Educação Espe- e foram criados 152 cargos de Educação Especial
cial e hoje nós temos a Educação Especial na pers- (CAMPINAS, 1998). No ano 2000, houve o primeiro
pectiva inclusiva, porque nós acreditamos no direito concurso público de Educação Especial promovido
à educação de todos.” (Mônica Cristina Martinez de pela Prefeitura de Campinas.
Moraes)
Neste intervalo entre a aprovação da Lei nº
Em 1996, a Secretaria Municipal de Educa- 9635/98 e o concurso público, a SME, através das
ção, dando continuidade à proposta, promoveu o professoras de Educação Especial, distribuiu panfle-
II Ciclo de Debates da Educação Especial que tra- tos informativos sobre os recursos e serviços dispo-
tou dos seguintes temas: Declaração de Salamanca, níveis na RMEC; também foram realizados relatos
currículo e Educação Especial, gestão democrática, de experiência dos trabalhos realizados nas escolas.
interação pedagógica e relatos de experiências de (SOTERO, 2014)
outros estados e municípios (CAMPINAS, 1996).
Em 2001 Antônio da Costa Santos (conheci-
Neste ano foi criada também a brinquedoteca no
do como “Toninho do PT”) assumiu a Prefeitura de
Hospital Mario Gatti.
Campinas, e a secretária de educação foi a Corin-
Nas escolas, o número de alunos público-al- ta Maria Grisólia Geraldi, docente da Faculdade de
vo da Educação Especial era crescente e havia bar- Educação da UNICAMP. Nesta gestão foi redefinido
reiras por parte da comunidade escolar, uma vez o modelo de cooperação com 16 entidades e esco-
que estes se apoiavam na dificuldade em atuar jun- las especiais sem fins lucrativos. Rompeu-se com a
to a estes alunos como forma de justificar a incapa- cessão de professoras e passou-se a subvencionar
cidade para o trabalho. Sendo assim, a SME passou financeiramente cada uma delas, cumprindo o es-
a ofertar cursos de formação para os professores tabelecido pelo TCE.
que tinham em suas turmas alunos com deficiência
As professoras que passaram no concurso
matriculados.
público e as que estavam nas entidades e escolas
Em 1997, na gestão do Francisco Amaral especiais foram para as escolas regulares. “Na ges-
(PPB), o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo tão do Toninho foi finalizada a cessão de professo-
(TCE) identificou irregularidades na cessão de pro- res nas instituições; demorou um pouco, a gente já
fessoras para as entidades e escolas especiais, e en- estava na escola. Lá nós encontramos alunos com
tão solicitou a regulamentação. Em 1998, foi apro- diversas deficiências e surdos também. Eu me lem-
vado na Câmara de Vereadores a Lei nº 9635/98 bro de um casal de surdos que deu aula pra gente de
que dispõe sobre a transposição e criação de cargos Libras e estas formações davam segurança, porque
de professor de Educação Especial. “Eu lembro que nós só tínhamos formação em uma área. Estes cur-
nós professoras fomos até a Câmara e segurávamos sos são necessários até hoje, pois eles dão subsídios

42
para o trabalho. Também havia as Coordenadoras parte de um movimento de uma descentraliza-
Pedagógicas que muitas vezes iam até as escolas ção da gestão educacional. Estas professoras
acompanhar o trabalho. Acontecia de os diretores exercem em concomitância o trabalho como pro-
quererem que a gente ficasse do lado do aluno sem fessoras de Educação Especial e o trabalho como
que ele precisasse. É importante ir na sala de aula, professoras de referência.
porque muitas vezes o professor não tem conheci- Em relação à transição dos professores da
mento para enxergar aquele aluno e nós temos que instituição para escola e a constituição do trabalho
apoiá-lo, orientar o professor, insistir nesta aproxi- do professor de referência por NAED, temos a se-
mação.” (Sônia Regina Ferreira Degrecci) guinte narrativa: “Nesta transição, nós tínhamos
“Aquela gestão entendia que lugar de pro- professoras que precisavam de ajuda. Nós inicia-
fessor era na escola regular; eu já estava inquieta mos um processo para entender o que estas pes-
e participava deste movimento de fortalecimento soas iriam fazer dentro das escolas; os professores
dos processos inclusivos e vi colegas que não que- se sentiam inseguros com o novo contexto, era evi-
riam sair daquele lugar, infelizmente. A contradição dente. Epistemologicamente, a área da Educação
entre público e privado nos assombra até hoje.” Especial nasce da segregação e isto nos impacta
(Adriana Cunha Padilha) até hoje, então havia professoras que tiravam as
crianças com deficiência da sala porque elas acredi-
No âmbito nacional, em 1999 constitui-se o
tavam que daquele jeito daria certo. Uma das ações
Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas com De-
das professoras de referência era a reconfiguração
ficiência (CONADE), cujo presidente é uma pessoa
deste momento. Nós precisávamos falar sobre tem-
com deficiência, Adilson Ventura (BRASIL, 2010).
po e espaço na escola e então nós organizávamos
Em 2001 foi publicado também o Parecer CNE/CEB
seminários e, refletíamos e dialogávamos com um
nº 17 que dispõe sobre as Diretrizes de Nacionais
“borbulho” federal que trazia uma perspectiva de
para a Educação Especial na Educação Básica. O do-
Atendimento Educacional Especializado.
cumento aponta a necessidade de os sistemas de
ensino estabelecerem com urgência normas para Os NAEDs foram implantados e eles tinham
“atendimento à população com necessidades edu- uma ação efetiva, forte e intencional, segundo a
cacionais especiais”. Uma das recomendações era a Profª Helena de Freitas. Nós professoras de Educa-
implantação da Educação Especial em todas as eta- ção Especial começamos a perceber que as ações
pas da Educação Básica, orientações sobre flexibi- eram diversas, dependendo da região onde os alu-
lização e adaptações curriculares, promover ações nos estavam e nós começamos a nos misturar com
conjuntas com as universidades para a formação de este desenho.
professores, estabelecer normas para atendimento A divisão territorial não é a mesma de hoje;
a superdotados. (BRASIL, 2001) tínhamos regiões com desenho territorial muito
Em Campinas, o Programa de Educação Es- grande, a exemplo da região sudoeste e outras com
pecial passou a ser denominado de “Projeto de In- desenho muito pequeno, a exemplo da leste, então
clusão de Portadores de Necessidades Especiais”. tínhamos mais profissionais na região sudoeste do
A Educação Especial deixou de ter uma coordena- que na região leste. Começamos então a desenhar
ção central e passou a ter professoras de referência um profissional chamado professor de referência
para compor a equipe pedagógica nos cinco Núcleos em Educação Especial, o que era muito diferente
de Ação Educativa Descentralizada (NAED), o que do que temos hoje. Nós entendíamos que tínhamos
ocorreu com outros profissionais também, como um coletivo de trabalhadores por regional. Quando

43
eu achei que podia estar à frente como professora nossos profissionais, mas para os profissionais da
de referência do NAED Sudoeste, eu apresentei um região metropolitana de Campinas (RMC) e isto foi
projeto (uma carta de trabalho com uma intenção complexo e de difícil entendimento para algumas
para aquela região). Eu poderia apresentar o proje- pessoas. (Adriana Cunha Padilha)
to em outra região, mas eu tinha que ter elementos Em 2004 foi publicada em Diário Oficial a
que dissessem que eu conhecia a dinâmica daquela Resolução nº 16/2004 que regulamentava o traba-
outra. A princípio este projeto era lido pelo repre- lho das professoras de referência. Também nesta
sentante regional e ele selecionava os projetos que gestão em parceria com a Faculdade de Educação
podiam estar à frente daquele trabalho, uma vez da Universidade de São Paulo foi realizada uma
que seríamos afastadas do nosso bloco. Posterior- coleção de vídeos denominados “Diversidade e Ex-
mente o projeto era apresentado à equipe do NAED clusão: a sensibilização de quem as vive”. Os docu-
em uma reunião com os professores de Educação mentários abordaram temas como: Diversidade e
Especial. Faziam um momento de diálogo para que exclusão; Locomover e conviver; e Educação.
os professores de Educação Especial fizessem ques-
Nesta gestão, os blocos de Educação Infan-
tionamentos e escolhessem quem seria o professor
til e Ensino Fundamental foram separados e houve
de referência naquele momento.
concurso público em 2002 com poucos ingressan-
Nós estávamos com uma demanda federal tes. O concurso perdeu validade em 2003.
e verbas para começar a implementação de pro-
Em 2002, a Língua Brasileira de Sinais (Li-
gramas nos municípios. O município de Campinas
bras) passou a ser língua oficial brasileira através
teve que dialogar com o Governo Federal e cumprir
da Lei 10.436/ 2002. A política estabeleceu outras
alguns requisitos para ser inserido como município
providências para a difusão da língua, entre elas
que realizava movimentos de acesso da pessoa com
compor o currículo dos cursos de Educação Espe-
deficiência à escola desde antes destes programas
cial, Magistério e Fonoaudiologia. “Eu fui para a es-
federais. Fomos para Brasília muitas vezes com a
cola e tinha uma aluna com deficiência auditiva e
compreensão de que quem sabe falar dos processos
eu não sabia me comunicar com ela porque eu não
inclusivos e do aluno com deficiência é o professor de
sabia Libras; por sorte, a mãe dela era muito enga-
Educação Especial. Muito embora nós estabelecês-
jada e me ensinou, ajudava a filha para entender as
semos parcerias com os supervisores, com os coor-
coisas; tínhamos o curso de formação também com
denadores pedagógicos, a secretaria direcionava as
um casal surdo, mas era bem difícil.” (Maria Angéli-
demandas do Governo Federal aos professores de
ca Zaniboni)
referência. Este era o trabalho externo; e qual era
o trabalho interno? Era o trabalho que compreen- Em 2005 o prefeito eleito foi Hélio de Oli-
dia as demandas do NAED e envolvia os professores veira Santos (PDT) como movimento de centralizar
nas escolas, não era um trabalho tranquilo, mas era alguns elementos da gestão, uma das professoras
extremamente bom. Nós recebemos um chamado de referência foi nomeada e convidada a compor
externo para o “Programa Educar na diversidade” centralizadamente o Núcleo de Educação Especial
e para o “Programa Direito a Diversidade” que era (NEE) na Coordenadoria de Educação Básica (CEB)
um embrião do projeto de Atendimento Educacio- atreladas ao governo. As outras continuaram des-
nal Especializado (AEE) que temos hoje. O Governo centralizada nos NAEDs até 2009 e posteriormente
Federal entendia que nós estávamos capacitados e algumas delas migraram para o NEE também, dei-
enviava verbas para a realização de grandes semi- xando de haver professora de referência por NAED
nários, mas estes não eram para a capacitação dos que fizesse a gestão descentralizadamente. Neste

44
período, três coordenadoras pedagógicas passaram dagógicos e supervisores, que apoiaram o início
a compor outros setores da CEB. desse trabalho.
O projeto visava implementar o serviço de
“Tínhamos as professoras atuando nas Uni-
atendimento especializado às crianças da educação
dades Escolares, três salas de recursos de DV, três
infantil e aos alunos do ensino fundamental/EJA
salas de recursos de DA, o serviço de acessibilidade
que necessitavam de mediações específicas para
e a brinquedoteca do Mario Gatti passou a ser clas-
o desenvolvimento de competências linguísticas.
se hospitalar.” (Cláudia Gomes Domingues Nunes)
Portanto, o serviço buscava atender os alunos que
“A professora Solange Maria Américo que apresentavam necessidades prioritárias de media-
atuou por quatro anos na Sala de Acessibilidade ções de comunicação e na utilização de materiais
à Comunicação e Tecnologias Assistivas (SACTA), que lhes proporcionassem o aporte linguístico nas
apontou a necessidade de se instituir um centro trocas comunicativas. De tal modo, a proporcionar
que atendesse todas as deficiências, especialmente a esses alunos o uso de recursos que complemen-
na produção de materiais para o acesso aos outros tassem e/ou suplementassem a acessibilidade à
sistemas de comunicação como da Comunicação comunicação como o Tadoma, Libras Tátil, Escrita
Suplementar e Alternativa, como o uso dos picto- a Dedo, Datilologia, Libras, Alfabeto do Surdocego,
gramas para os alunos com paralisia cerebral, e comunicação pictórica, Comunicação Háptica e en-
também para os alunos com transtorno do espectro tre outros. Além disso, objetivava propor media-
autista. Era preciso contemplar as necessidades dos ções que favorecessem o desempenho motor, vi-
alunos com deficiência múltipla sensorial, e imple- sual, auditivo e outras especificidades devidamente
mentação de materiais para viabilização da Língua personalizadas caso a caso.
Brasileira de Sinais (Libras) para os alunos surdos, A Sala de Acessibilidade à Comunicação e
e recursos visotáteis aos alunos surdocegos, recur- Tecnologias Assistivas – SACTA, também tinha o ob-
sos não-ópticos para os alunos com baixa visão e jetivo da formação/capacitação de profissionais da
recurso para uso do Sistema braille para os alunos Educação nos meios de comunicação como no PCS,
cegos.” (Solange Maria Américo, Cassia Cristiane de Bliss, Libras, Libras Tátil, escrita/leitura do Sistema
Freitas Alves e Lívia Cristiane Pereira Dal Bello). Braille e outras mediações específicas para assegu-
Em 2007, por meio da Resolução SME Nº rar às crianças e alunos público-alvo condições reais
06/2006 de 11/11/2006, a SACTA foi oficializada de participação no contexto educacional.
como um serviço que contava com um cargo de Em 30/05/2006 em triagem, nas cinco re-
professor de educação especial. No entanto esse giões de Campinas, se obteve a demanda de 97 ma-
trabalho havia sido iniciado em maio de 2005 quan- trículas entre crianças e alunos incluídos tanto na
do a professora Solange Maria Américo que estava educação infantil como do ensino fundamental/EJA
atuando na região sudoeste, no bloco da Sala de que necessitavam do serviço de acessibilidade na
Recursos para Deficientes Auditivos da EMEF Prof. RMEC. Dentre o público-alvo estavam as crianças
Zeferino Vaz - CAIC, enviou projeto de implantação e alunos com deficiência física, deficiência múltipla
da SACTA, via a professora de referência do Núcleo sensorial, surdocegueira, transtorno do espectro
de Ação Educativa Descentralizada- NAED Sudoeste autista (TEA), salvo às especificações da época de
Carmem Nidia Tavares Enes, para a então Repre- transtorno global do desenvolvimento incluindo
sentante Regional desse NAED Lindaurea de Souza autismo clássico, Síndrome Asperger, Síndrome de
Câmera Colmati apreciar com a equipe de profis- Rett, Transtorno Desintegrativo da Infância e outras
sionais do NAED, composta de coordenadores pe- particularidades do espectro.

45
Contudo, no Diário Oficial do Município de e o modelo social (BRASIL, 2009).
Campinas – D.O de 11/11/2010 da Resolução SME
Em 2006, ocorreu a aprovação do Fundo de
Nº 17/2010, alinhando-se a política federal de edu-
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Bási-
cação especial, transformou todos os serviços de
ca e de Valorização dos Profissionais da Educação
atendimento em Salas de Recursos por área da
(FUNDEB). O governo federal procurou garantir a
como para Deficientes Visuais, Auditivos e Acessi-
ampliação do Atendimento Educacional Especia-
bilidades em Salas de Recursos Multifuncionais que
lizado e lançou o Decreto nº 6253/2007; passou a
passavam a atender em uma sala todos os tipos de
financiar com o FUNDEB a dupla matrícula destes
deficiência e necessidades, que foram implemen-
estudantes.  Posteriormente iniciou-se a implanta-
tadas descentralizadamente mais próximas aos alu-
ção das Salas de Recursos Multifuncionais (SRM)
nos.
regulamentada através do Decreto nº 6.571/2008
Em 2006, ocorreu a I Conferência Nacional
e definiu-se o Atendimento Educacional Especiali-
das Pessoas com Deficiência que teve como tema
zado (AEE) como complementar ou suplementar à
central nas discussões o conceito de acessibilidade.
formação dos alunos no ensino regular. Em 2011, o
A segunda conferência focalizou o tema “Inclusão,
Decreto nº 7611/2011 foi aprovado e estendeu o
participação e desenvolvimento: um novo jeito de
financiamento do AEE de forma complementar ou
avançar”.
suplementar às instituições comunitárias, confes-
sionais ou filantrópicas, visando ampliar a oferta do
As conferências nacionais possibilitaram AEE.
a apresentação e o debate de propos-
tas para políticas públicas específicas. São Em 2008, após um intervalo de sete anos,
sempre precedidas de etapas preparató-
foi realizado também outro concurso público em
rias com realização de conferências mu-
nicipais e estaduais organizadas por seus Educação Especial. Nessa gestão convertem-se as
respectivos conselhos, cujos resultados são seis salas de recursos já existentes em Salas de Re-
levados para a discussão na etapa nacio-
nal por intermédio de delegados eleitos. cursos Multifuncionais (SRM) e foram implantadas
(BRASIL, 2010) mais oito posteriormente ainda nesta gestão, tota-
lizando quatorze SRMs. “Os locais de implantação
dependiam da disponibilidade das escolas de espa-
A Convenção Sobre os Direitos das Pessoas
ço físico e também da equipe gestora. Houve um
com Deficiência (ONU, 2006) foi publicada com
momento em que pensamos em desistir da implan-
ampla participação das pessoas com deficiência.
tação das SRMs porque já tínhamos as professoras
O Brasil se tornou signatário através do Decreto
nas escolas, mas vinha muito recurso financeiro do
6.949/2009. Antes disto também foi publicada a
MEC e não queríamos abrir mão.” (Cláudia Gomes
Política Nacional de Educação Especial na Perspec-
Domingues Nunes)
tiva de Educação Inclusiva que reafirma o compro-
misso do Estado com a educação inclusiva, aponta Nessa gestão também se organiza a im-
dificuldades dos sistemas de ensino em promover plementação de escolas bilíngues de surdos. “Em
a eliminação de atitudes discriminatórias e propõe 2007, eu fui trabalhar na EMEF Elza Maria Pellegri-
uma mudança estrutural e cultural da escola para ni de Aguiar; fui convidada pela orientadora peda-
que todos os alunos tenham suas especificidades gógica Heloísa Mattos que eu conheci ao fazer um
atendidas. Com isto, a política avança para que não curso na UNICAMP. Lá havia quatro alunos surdos
se tenha mais condicionantes para o acesso e per- matriculados e tínhamos que alfabetizá-los. Era
manência na escola, assumindo assim a perspectiva muito difícil para eles acompanharem as aulas que

46
eram em língua portuguesa, então eu fazia este servir às necessidades dos alunos público-alvo da
papel de intérprete também. Foi muito gratifican- Educação Especial.” (Mônica Cristina Martinez
te pra mim reencontrá-los recentemente e ver que de Moraes)
cada um tem a sua profissão, família e que estão Nesta gestão, ainda, em função das políticas
todos bem. O convite surgiu de uma professora que públicas em nível federal, a subvenção financeira às
estava pretendendo se aposentar. Vários professo- entidades foi reformulada seguindo os critérios do
res se preocuparam em aprender a Libras para en- atendimento educacional especializado previsto na
sinar os alunos surdos. Em 2007 eles se formaram. legislação federal. O dinheiro, em função da dupla
As professoras Cristina Lacerda e Ana Cláudia Lodi matrícula, passou a ser disponibilizado para as es-
começaram uma parceria com as escolas CEI Agos- colas através do programa conta-escola.
tinho Pátaro e EMEF Dulce Nascimento para imple-
Em 2010 foi aprovada a Lei nº 12.319/2010
mentar classes bilíngues. Depois o projeto começou
que regulamenta a profissão de tradutor e intérprete
na EMEF Padre José Narcísio Vieira Ehrenberg por-
da Libras. Em 2011 realizou-se um novo concurso
que o Dulce era longe para os alunos. Em 2008, a
para professores de Educação Especial e em 2012
Prefeitura realizou um processo seletivo, porém ti-
foram aprovados na Câmara de Vereadores os car-
vemos problemas e só em 2009 quando chegaram
gos de professor bilíngue, intérprete de Libras e
mais seis alunos surdos é que vieram os intérpretes
instrutor surdo, com concurso para preenchimento
contratados da FENEIS (Federação Nacional de Edu-
destes cargos. No âmbito municipal: “Infelizmente
cação e Integração de Surdos).” (Nelma Cristina de
apenas uma pessoa passou no concurso de instru-
Carvalho Francisco)
tor surdo e não assumiu a vaga, mas preenchemos
Em 2011 publicou-se a Resolução nº 27 de os cargos de professor bilíngue e intérprete de Li-
02 de julho de 2011 que destinou recursos finan- bras”. (Claudia Gomes Domingues Nunes)
ceiros às escolas públicas que tivessem matricula-
Considerando a demanda de alunos e as po-
dos nas salas comuns alunos com deficiência e nas
líticas públicas voltadas para a acessibilidade, bem
quais houvessem sido implantadas SRMs, incenti-
como a demanda das escolas por materiais adap-
vando com isto o acesso e permanência do aluno
tados, surgiu a seguinte proposta: “A professora
na escola. Em 2013 foi publicada a Resolução/ CD/
Cássia Cristiane de Freitas Alves, por conta do seu
FNDE de 21 de maio de 2013 que destinava recur-
trabalho na sala de recursos para alunos com defi-
sos financeiros através do Programa Dinheiro Di-
ciência visual, apontava a necessidade de um servi-
reto na Escola (PDDE) para as escolas públicas que
ço que pudesse produzir livros em braille como tam-
tivessem matriculados alunos com deficiência em
bém confeccionar materiais adaptados que dessem
suas escolas, bem como instalação SRMs. Naquele
suporte as aulas das diversas disciplinas para os
mesmo ano foi publicada uma lista com a relação
alunos com deficiência visual, já que o SERES havia
de escolas que receberam o PDDE Acessível e tam-
encerrado suas atividades.
bém foi publicado o documento norteador do Pro-
grama Escola Acessível, pautado no modelo social O projeto foi entregue em outubro de 2010
e na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com já finalizado para apreciação da CEB e de outros
Deficiência e nas normas da Associação Brasileira departamentos da educação como aos Núcleos de
de Normas Técnicas (ABNT), fundamentado em Educação Descentralizadas (NAEDs) com várias me-
conceitos tais como adaptações razoáveis, desenho diações na produção de materiais que atendessem
universal e acessibilidade. “Dinheiro sempre teve, a todas as deficiências. Com o avanço na escrita dos
mas sempre houve uma dificuldade deste dinheiro projetos, fomos pensando em possíveis nomes para

47
o serviço e chegamos ao nome CEPROMAD como por NAED, porém dedicando 9 horas-aula de horas
abreviação de Centro de Produção de Material projeto e atuando em seus blocos de escola. Esse
Adaptado. Terminamos o ano de 2012 com a cata- trabalho das professoras de referência era e é fun-
logação de todo o acervo disponível no CEPROMAD, damental para estabelecer uma interface entre NEE
com o projeto FNDE finalizado e com o projeto do (Centralizado) e NAED (Descentralizado) e escolas
CEPROMAD reestruturado, apto a ser publicado e se no planejamento e implementação das políticas de
tornar política pública do município. Vale ressaltar Educação Especial e promoção da inclusão escolar.
que as impressoras braille não haviam chegado até Desde 2013 até o contexto atual, na pers-
o término do ano, porém já havia pedidos de adap- pectiva inclusiva, os serviços e recursos especializa-
tação de materiais solicitados por algumas unida- dos de Educação Especial são organizados e plane-
des escolares (UEs). Solicitamos ao NEE a alterna- jados pelo NEE, NAEDS e escolas para “...eliminar as
tiva da transferência dos equipamentos de alguma barreiras que possam obstruir o processo de escola-
SRM que ainda não havia sido implantada para que rização de estudantes com deficiência, transtornos
de fato o CEPROMAD pudesse realizar a produção
globais do desenvolvimento e altas habilidades ou
dos materiais para o ano de 2013.” (Solange Maria superdotação” (artigo 2º do Decreto nº 7611/11).
Américo, Cássia Cristiane de Freitas Alves e Lívia Muitos serviços, recursos e estratégias que se cons-
Cristiane Pereira Dal Bello) tituíram ao longo da história da Educação Especial
Em 2013, após a cassação do prefeito Hé- na RMEC se mantiveram e foram fortalecidos ou
lio de Oliveira Santos (PDT) por decisão judicial em reformulados, a partir dos princípios da Educação
2011, e a alternância entre o vice-prefeito Demétrio Especial na perspectiva inclusiva, como: professor
Vilagra (PT) e o presidente da Câmara Pedro Sera- de Educação Especial, formação continuada, salas
fim Júnior (PDT), foram realizadas novas eleições de recursos, educação de surdos, produção de ma-
em 2013, com eleição do atual prefeito Jonas Doni- teriais e o serviço das classes hospitalares. E outros
zette que nomeou como secretária da educação no- serviços e estratégias foram implementados aten-
vamente a professora Solange Villon Kohn Pelicer. dendo às necessidades educacionais do atual con-
Nesta gestão, uma professora de Educação Especial texto inclusivo como: cuidador, transporte adapta-
continuou atuando no NEE, mas já com indicação do, elaboração de Caderno Curricular temático da
de retorno para as escolas de origem, como aconte- Educação Especial, retomada do trabalho do pro-
ceu com todos os professores da rede que estavam fessor de referência, estudo e retomada da formu-
fora de função, por ordem do tribunal de contas e lação de uma política para atendimento dos alunos
entendimento da nova Secretária. com altas habilidades.

Em 2013, compreendendo que o plane- No contexto atual, o grande acesso dos


jamento e implementação das políticas públicas alunos com deficiência às escolas regulares trou-
estavam no escopo de trabalho dos coordenado- xe alguns desafios para sua permanência e efetiva
res pedagógicos concursados e que essas políticas aprendizagem. Um desses desafios é o atendimen-
devem ser pensadas a partir de critérios técnicos to às suas necessidades físicas em um espaço que
e pedagógicos, a Secretária de Educação os alo- é coletivo e requer interação e participação efeti-
cou nas Coordenadorias do Departamento Peda- va. Esta necessidade se reforça cada vez mais pelo
gógico, inclusive no Núcleo de Educação Especial. número crescente de crianças com graves compro-
Nesse período também foi retomado o trabalho metimentos que vêm procurando a Rede Municipal
das professoras de educação especial de referência e que necessitam de cuidados especiais para que

48
possam permanecer no ambiente escolar com opor- miliares, contratou como profissional o Cuidador
tunidades iguais a todos os outros alunos. Assim, a desde 2014, conforme demonstra o quadro.
SME atendendo essa demanda apresentada constan-
temente por professoras de Educação Especial e fa-

Quadro 2 - Evolução do número de alunos e escolas atendidos por cuidadores

ANO 2014 2015 2016 2017 2018 2019


Número de escolas atendidas 62 82 101 99 99 112
Número de alunos atendidos 105 182 264 267 321 375
100 100 150 150/200 200 229
*Números apurados em 22/11/2019

Em 2015 foi também implementado o serviço de transporte escolar adaptado, que é um serviço
oferecido exclusivamente aos alunos matriculados nas escolas da rede pública municipal e nas escolas
privadas de Educação Infantil de instituições colaboradoras com a SME e que não possam ser atendidos
pelas outras modalidades de transporte devido à redução severa da mobilidade, da flexibilidade e da
coordenação motora causada por deficiência física; redução severa da percepção causada por transtorno
do espectro autista; e surdocegueira. Esse serviço está devidamente regulamentado na Resolução SME
nº 05 de 28 de fevereiro de 2019 e é fundamental para garantir o acesso e permanência desses alunos na
escola.

As escolas bilíngues nesta gestão também passaram por reformulações devido à contratação de
professores bilíngues e intérpretes para as escolas que deveriam atuar numa perspectiva inclusiva. Para
tanto, a Secretaria Municipal de Educação através do NEE lançou a “Política educacional para pessoa com
surdez e com deficiência auditiva na Rede Municipal de Ensino de Campinas” na Portaria N° 13 de 24 de
junho de 2016. “Em 2014, inicia-se o grupo de trabalho (GT) que, primeiramente, foi aberto para todos,
porém só eu me inscrevi; por esse motivo não acontece o GT nesse momento. Algum tempo depois, Ângela
Ferraz faz um convite para algumas pessoas participarem desse GT que discutiria sobre a educação de sur-
dos no Município de Campinas. Fizemos inflamados debates; não foi um processo fácil, mas terminamos
com a elaboração e a publicação da Portaria nº 13/2016, que tem como principal mudança a docência
compartilhada. Nesse mesmo ano, iniciamos também uma nova configuração de GT de Surdez, atualmen-
te coordenado por mim, Vanessa Portiolli e Sabrina Guimarães, no qual discutíamos as especificidades do
ensino/aprendizagem dos alunos surdos e com deficiência auditiva. No final do ano, iniciamos a primeira
avaliação com os surdos matriculados na Educação Infantil e no Ensino Fundamental, com o objetivo de
analisarmos o conhecimento acadêmico e linguístico de nossos alunos surdos.

As escolas contempladas iniciaram um processo e possuem particularidades que diferem das outras
escolas, como a dupla docência entre professores regulares e professores bilíngues e a convivência entre
um número significativo de alunos surdos com alunos ouvintes. Em 2017, a docência compartilhada foi
implementada na Educação Bilíngue para surdos. Ao longo desse caminho, temos tido erros e acertos; ain-

49
da estamos em processo de adaptação. Pudemos cimento da implantação do projeto do CEPROMAD.
ver um pouco dos olhares das pessoas envolvidas Trata-se de um serviço da Educação Especial que tem
no “I Seminário Bilíngue para Surdos em 2017”, no como finalidade o fornecimento de materiais adap-
qual vários depoimentos desse novo modelo foram tados aos alunos público-alvo da Educação Especial
feitos por pais, alunos, ex-alunos, professores, co- (alunos com Deficiências, Transtorno Global do De-
legas de trabalho, gestão.” (Nelma Cristina de Car- senvolvimento e Altas Habilidades/Superdotação)
valho Francisco) matriculados na rede municipal de ensino de Cam-
pinas-SP (Educação Infantil, Ensino Fundamental e
Além do Grupo de Trabalho (GT) em Surdez, a
EJA). O Serviço de produção de material especiali-
SME, através do NEE, organizou outros GTs que com-
zado destina-se a suprir o fornecimento de recursos
põe com este “GT de Memórias e Caminhos da Edu-
específicos aos alunos com NEE que requerem no dia
cação Especial” cujo objetivo é compartilhar práticas
a dia escolar adaptações de baixa e alta tecnologia
e saberes em Educação Especial. Quanto à formação
e que sejam adquiridos por meio de confecção com
continuada, considerando a necessidade de socializar
técnicas especializadas. Neste propósito, o CENTRO
conhecimentos, produzir materiais, indicar os servi-
visa facilitar o acesso dos alunos com (NEE) aos mate-
ços e recursos necessários para o desenvolvimento
riais didáticos distribuídos nas Unidades Educacionais
das ações pedagógicas para os alunos público-alvo da
que a eles são inacessíveis, tais como: livros, textos,
Educação Especial matriculados nas unidades edu-
formas de comunicação alternativas, entre outros.
cacionais da SME, são oferecidos anualmente Gru-
pos de Trabalho e de Formação para professores de “Iniciamos o ano de 2013, ainda em janeiro
Educação Especial. Atualmente contamos com os se- com a boa notícia de que havia sido transferida para
guintes grupos de trabalho: - Deficiência Intelectual; o CEPROMAD a impressora braille da Sala de Recur-
- Deficiência Múltipla; - Deficiência Visual; - Educação sos da EMEF CAIC, contudo ao iniciarmos o ano letivo,
de Surdos; Transtorno do Espectro Autista; - Altas Ha- ainda não tínhamos clareza de como se daria a con-
bilidades/Superdotação; - Memórias e Caminhos da tinuidade dos trabalhos. O CEPROMAD dispunha de
Educação Especial da SME. As escolas também orga- uma impressora braille, porém não dispunha de um
nizam cursos, palestras e outros momentos forma- computador para a instalação da mesma para que
tivos sobre práticas inclusivas, ministrados por pro- pudéssemos iniciar as adaptações dos materiais.
fessores de Educação Especial e outros profissionais Retornei ao CEPROMAD em 1 de agosto de
contratados. Além disso, o Núcleo de Educação Espe- 2016 com a missão de iniciar a produção em grande
cial realiza reuniões mensais junto às professoras de escala de materiais adaptados, que por hora já eram
Educação Especial a fim de organizar e encaminhar demandas de algumas unidades educacionais. O pri-
os trabalhos realizados no âmbito das escolas, pro- meiro passo focalizou a instalação das impressoras
vidência compra de vagas em Congressos como por braille. Ao término do mês de agosto, finalmente o CE-
exemplo Congresso Brasileiro de Educação Especial, PROMAD realizou sua primeira impressão em maior
o Congresso Brasileiro de Comunicação Alternativa, volume, ainda com necessidades de ajustes. O primei-
entre outros. ro impresso ainda contava com uma capa transcrita a
O Núcleo de Educação Especial e as professo- mão, pois a impressora braille/tinta ainda não estava
ras apontaram a necessidade de promover propostas em funcionamento. Logo depois a impressora braille
formativas especialmente para as áreas de Transtor- tinta também passou a funcionar e assim, pudemos
no do Espectro Autista, e educação bilíngue de sur- dar início à produção em maior escala dos materiais
dos e Comunicação Alternativa. solicitados pelas escolas onde havia alunos com defi-
ciência visual matriculados.
Outra ação do NEE nesta gestão foi o fortale-
50
Nesta época, o CEPROMAD estava sob coor- Beth e as professoras Josefina e Tânia. (Solange
denação da professora Elizabeth Fontanini; as pro- Maria Américo, Cassia Cristiane de Freitas Alves e
fessoras Josefina e Lívia atuavam nas adaptações Lívia Cristiane Pereira Dal Bello)
dos materiais. Pouco depois o serviço passou a Em 2015 foi aprovada a Lei Brasileira de Inclu-
contar com uma impressora A3/A4 colorida, onde são (LBI), Lei nº 13.146/2015 destinada a promover
passamos também a realizar cópias ampliadas dos e assegurar, em condições de igualdade, o exercício
materiais didáticos para os alunos com baixa visão dos direitos e liberdades fundamentais das PCD, um
quando este recurso era o suficiente ou realizávamos instrumento legal importantíssimo para respaldar o
a impressão em grafia ampliada dos materiais. trabalho que a Rede vem construindo.
Também foi realizado o cadastro do CEPRO- Neste momento aguardamos o chamamen-
MAD junto à fundação Dorina Nowill; assim o servi- to de professores de Educação Especial de concurso
ço passou a receber obras paradidáticas em grafia público realizado em 2019, uma vez que houve um
ampliada e em braille, acrescentando itens ao acervo grande número de aposentadorias levando a muitos
bibliográfico. Realizamos também a solicitação junto blocos de escolas vagos necessitando desses profis-
ao Instituto Benjamin Constant de materiais adapta- sionais.
dos em Thermoform, (material adaptado em relevo e
“Eu tenho muito orgulho de ter participado
em braille impressos em plástico), enriquecendo ain-
da fase inicial da Educação Especial na perspectiva
da mais o acervo do CEPROMAD.
inclusiva e o que eu quero deixar de mensagem para
Para o ano de 2017, a proposta era que o CE- todos é que a gente deve acreditar no que nós esta-
PROMAD configurasse como uma sala de recursos, mos fazendo, que a gente possa fazer o que os nos-
que pudesse estar alocado numa UE da rede, para sos alunos realmente merecem. Se eles podem estar
não se tornar um serviço extraescolar, pois a atuação lá, nós também podemos; isto para mim é um ponto
dos professores no CEPROMAD desta forma, poderia que não pode ser diferente. Eu não consigo ver esta
vir a implicar situações trabalhistas futuras. Termi- história sendo construída de uma forma diferente,
namos o ano de 2016 atendendo a cinco alunos com nem neste início e nem daqui pra frente, mesmo a
deficiência visual da rede, com produção de 29 ma-
gente ouvindo algumas coisas que nos contrariam.
teriais de grande porte impressos no Sistema braille. Acho que a gente passou da fase da conscientização
No ano de 2017, o CEPROMAD continuou nas e agora falamos do direito, é direito deles estarem lá
dependências do NAED Leste, porém passou a estar e é nosso direito também estarmos lá como professo-
alocado junto à EMEF Ângela Cury Zakia; assim, o ras de Educação Especial; eles estão lá e nós estamos
serviço passou a ter uma verba própria. Foram rea- lá para apoiá-los.” (Divânia Pereira do Carmo)
lizadas as primeiras compras de materiais e supri-
mentos para melhoria nas adaptações dos materiais
“Ninguém caminha sem aprender a caminhar,
táteis e de outras áreas da Educação Especial. sem aprender a fazer o caminho caminhan-
do, refazendo e retocando o sonho pelo qual
Encerro minhas atividades no CEPROMAD em se pôs a caminhar” (FREIRE, 1996, p.155)
abril de 2017, dada à descaracterização do trabalho
fora da sala de aula e as instabilidades trabalhistas.
O CEPROMAD permanece com a Coordenação da

51
Parte III

Colagem de Janaína Tunussi


de Oliveira e Gilberto Faria –
educação de surdos e inclusão

NARRATIVAS SOBRE
EDUCAÇÃO ESPECIAL
NO CONTEXTO DA ESCOLA:
tecendo currículo de acesso,
permanência e construção de
conhecimento
Capítulo 1

A experiência cotidiana e o
trabalho coletivo como processo
formativo para inclusão dos alunos
público-alvo da Educação Especial

Colagem de Aline Caetano Begossi, Cássia Cristiane de


Freitas Alves e Lívia Cristiane Pereira Dal Bello – Coti-
diano, trabalho coletivo e integração entre educação es-
pecial e proposta pedagógica da escola.

53
As narrativas que compõe este capítulo
abordam a importância de buscar parceiros mais
experientes, dentro e fora da instituição, como
os professores de Educação Especial, professores
da Sala de Recursos Multifuncionais e outros,
que possam fornecer o auxílio necessário para a
prática pedagógica em questão. Muitas vezes o
parceiro experiente é o próprio aluno que também
contribui com sugestões que contemplam melhor
as suas necessidades e possibilidades. O trabalho
coletivo contribui com sugestões quanto à lite-
ratura, possibilidades de adaptações e recursos e
também incentivo. O rico processo de diálogo que
se estabelece entre parceiros experientes e pro-
fessores empenhados promove um espaço de for-
mação para ambos. O capítulo termina com um
estudo realizado pelo GT de Deficiência Intelec-
tual que discute as concepções que os professores
têm sobre essa condição, e evidencia como a visão
que o professor tem da deficiência impacta no
seu trabalho pedagógico.

54
Narrativa – Professor-Aprendente e Estudante-Professora:
Uma experiência formativa no ensino de artes visuais para estudantes cegos
Rodrigo Neris – Professor PEB III – Arte

Nome da UE ou SRM: CEMEFEJA Pierre Bonhomme


Agrupamento ou ano do ciclo: anos finais da Educação de Jovens e Adultos
Público-Alvo: aluno com deficiência visual

Nesse texto trago um bre- tempo desde que os estudantes de que o trabalho estava funcio-
ve relato de uma parte de minha com deficiência começaram a in- nando.
experiência como professor de gressar nas escolas regulares. Pois No entanto, a segunda
arte no trabalho com uma estu- bem, foi no primeiro semestre de
parte do trabalho no bimestre,
dante cega nos anos finais da Edu- 2012, com a matrícula de um estu-
que contemplava a criação de ima-
cação de Jovens e Adultos no CE- dante cego em nossa escola, quegens, constituir-se-ia a mais difícil.
MEFEJA Pierre Bonhomme. se concretizou a minha primeiraSem conhecimento mais amplo
oportunidade de encarar esse de-
Antes de prosseguir, con- sobre a cegueira e, em especial
safio e aprender algumas das pos-
sidero oportuno explicitar que sobre as adaptações para estu-
sibilidades para o ensino de artes
opto por escrevê-lo na primeira dantes cegos nas aulas de arte, e,
visuais para pessoas com deficiên-
pessoa do singular, revelando-me sem tempos pedagógicos em que
cia visual.
como autor, como parte implicada fosse possível o planejamento em
e como professor-aprendente que Iniciei as aulas com a tur- conjunto com as professoras da EE
teve a sorte de encontrar uma es- ma dele, sem qualquer prepara- e da Sala de Recursos Multifuncio-
tudante-professora. Dessa forma, ção acerca da cegueira e das adap- nais (SRM), os primeiros esboços
evidencio que esse texto não traz tações necessárias. Pressionado de adaptações iam acontecendo
resposta alguma para o desafio de pelo desafio – o estudante estava durante a aula. Ao perceber que
todos nós, ao contrário, pretende presente na turma e era seu di- a tarefa exigia muito mais que
apenas enunciar os caminhos per- reito ter acesso à aula – comecei “gambiarras pedagógicas”, fui em
corridos, algumas das dúvidas, dasa buscar alguma possibilidade de busca de referências para encon-
referências, das descobertas, das trabalho a partir da conversa com trar adaptações que possibilitas-
dificuldades e das possibilidades.as professoras da Educação Espe- sem a exploração do desenho.

De todos os receios que cial (EE) durante a própria aula. A Conheci o livro Saberes e Práticas

podem afligir um professor de parte inicial das aulas com aque- da Inclusão – desenvolvendo com-

arte formado em Artes Visuais, la turma contemplava leituras de petências para o atendimento às

penso que, o maior deles, seja o obras de arte e a professora da necessidades educacionais espe-

dia em que ingressará em uma de EE que acompanhava a turma me ciais de alunos cegos e de alunos

suas turmas um estudante cego ajudava com a descrição das ima- com baixa visão (ARANHA, 2005).

– como ensinar artes visuais para gens, quando ela não estava pre- Ali encontrei recomendações para

quem não possui o sentido da vi- sente, eu assumia essa tarefa mo- o desenho com linhas e arame. As-

são? Essa indagação e esse temor bilizando a turma a descrever. Até sim, lancei-me à aplicação de uma

me acompanharam por um bom esse momento, tinha a sensação “receita” fadada ao fracasso. Levei

55
diferentes linhas para a sala de braille e com acesso a pouquíssi- decidi conversar com ela acerca
aula, cola e folhas de sulfite; apre- mas oportunidades formativas. do contexto e das especificidades
sentei os diferentes tipos de linhas Lembro-me da aflição sentida ao das aulas de artes visuais. Falei
e pedi que ele criasse algum dese- rememorar as experiências frus- sobre minha formação profissio-
nho com a colagem dos barbantes trantes anteriores, abandonadas nal, sobre a minha inexperiência
e lãs, de acordo com a proposta até aquele momento em um canto e minha falta de conhecimento
da aula. Quando ele começou a escuro da memória. sobre cegueira e sobre o trabalho
tentar fazer a atividade é que re- com estudantes cegos. Em contra-
Entendendo que não po-
conheci o tamanho do problema; partida, salientei as qualidades de
deria abandonar o projeto inicia-
sem qualquer referência tátil para sua participação nas aulas e minha
do com a turma, decidi mantê-lo,
que se orientasse, o trabalho com mobilização em buscar outros ca-
arriscando-me novamente. Na pri-
a colagem tornou-se frustrante, minhos para tornar minhas aulas
meira aula em que encontro a alu-
incômodo e impossível de ser rea- acessíveis a ela. Ao final, propus a
na, apresento o trabalho de leitura
lizado com autonomia. Seus dedos ela um trabalho pautado na expe-
de imagens que estava em desen-
sujos de cola grudavam nas linhas, rimentação, numa aprendizagem
volvimento, me comprometendo
as linhas grossas de barbante e lã colaborativa na qual ela também
a fazer a descrição oral no proces-
não paravam no lugar com a pas- seria a professora; trabalho esse
so de leitura imagem durante as
sagem de seus dedos buscando que se desenvolveria coletivamen-
aulas com apoio da turma. Para
alguma referência para continuar te nas aulas de arte e, individual-
minha surpresa a aluna se mostra
a colagem. Decepcionado, resolvi mente, em duas horas-aulas com-
entusiasmada com a proposta, o
investir no uso do arame, como plementares semanais durante
que começa me motivar a encon-
indicado no livro, já que esse era todo o semestre, após o período
trar outras formas de caminhar.
mais firme e não dependeria da de aula. Destaquei que o traba-
Assim, busco conversar com fre-
cola; todavia, iniciada a nova ten- lho nos exigiria muita dedicação,
quência com a professora Mar-
tativa, no primeiro movimento do paciência e honestidade, através
cia Maria de Castro da EE e com
arame pelo estudante, o material da partilha de nossas percepções,
a professora Cássia Cristiane de
revelou o seu risco potencial ao incômodos e dificuldades, e espe-
Freitas Alves da SRM, especialista
passar muito próximo de seu olho. cialmente, da tolerância para com
em deficiência visual. Essas con-
Algum tempo depois, o estudante os erros inerentes ao processo
versas aconteciam geralmente em
deixou de frequentar a escola e eu de aprendizagem com o qual nos
minhas aulas vagas, no final dos
passei a crer na impossibilidade comprometeríamos.
períodos de aulas, algumas vezes
de trabalho com estudantes cegos nos meus TDIs (quando era possí- Após o aceite dela, inten-
nas aulas de artes visuais. vel conciliar com as disponibilida- sifiquei a frequência com que con-
Dois anos se passaram até des de horários delas). Almejava versava com as professoras da EE
que, transcorridas duas semanas entender a cegueira, os potenciais e da SRM, entendendo que esse
do início das aulas, chegou a notí- da estudante, as possibilidades de trabalho precisava ser desenvol-
cia de que a turma com a qual es- trabalho com ela em diálogo com vido colaborativamente a partir
tava trabalhando a linguagem da a proposta para turma. Os fantas- do encontro e do diálogo entre as
pintura, receberia uma nova estu- mas que me assombravam desa- duas áreas de conhecimento, a da
dante, uma mulher de 40 e pou- pareciam rapidamente. Educação Especial e a da Arte-E-
cos anos, cega desde o nascimen- ducação.
Contagiado pelo interesse
to, que pouco conhecia o sistema e pelo entusiasmo da estudante, Como a ideia de represen-

56
tação bidimensional das coisas – o do movimento da caneta sobre te a compreender a relação
desenho – seria o cerne do traba- o papel, localização da caneta ao entre os diferentes objetos
lho em aula, comecei o trabalho deslizar pela folha em sua relação do cotidiano e o desenho, ou seja,
individual com a utilização dos re- com a forma em construção e com uma noção do conceito de bidi-
cursos pedagógicos disponíveis na o espaço da folha. mensionalidade adaptado, decidi
SRM para investigação e explora- promover um estudo das formas
Em meio a essas investi-
ção da linha e da forma. Depois fo- das árvores. Assim, no encontro
gações iniciais, sou surpreendido,
mos experimentando os diferen- extraclasse seguinte, levei-a à pra-
numa das aulas de arte em que
tes materiais que possibilitariam ça em frente à escola para que pu-
ainda fazíamos as leituras de algu-
que a estudante desenhasse suas desse explorar a forma de algumas
mas obras de arte, com a presença
próprias linhas – o “borrachão” árvores. Lá, deparei-me com uma
de uma produção visual (desenho
(usado na SRM para um pedaço de dificuldade, a altura das árvores
de uma árvore) feita em cartolina,
linóleo um pouco maior que uma não possibilitava que ela explo-
em relevo (uso do EVA) e com seus
folha A4), os lápis HB e 6B, a cane- rasse a forma em seu todo. Diante
elementos organizados no espaço,
ta e a carretilha. Após essa expe- dessa dificuldade, dias depois, en-
que a estudante apresenta como
rimentação, ela optou por traba- contrei nos bonsais a alternativa
sua, dizendo se tratar de um tra-
lhar com o borrachão e a caneta para tornar a forma completa da
balho para a aula de geografia.
sobre folhas de sulfite A4 120 g/ árvore acessível a ela. Apresentei-
Intrigado com essa informação,
m2 (usada por ser mais resistente -lhe dois exemplares para que ela
devolvo a imagem para a estu-
e permitir a impressão do relevo pudesse explorar diferenças e per-
dante, invertida verticalmente, e,
resultante do traço, no lado inver- ceber as partes – troncos, galhos,
peço para que ela a descreva para
so da folha). folhas e raízes.
mim, indicando os elementos do
À medida que ela desenho. Nesse momento, perce- Para estabelecer a rela-
compreendia a relação entre os bo que ela não consegue me dizer ção entre a forma da árvore (bon-
diferentes formatos e posições onde estavam as raízes e a copa da sai) e o desenho, pedi que ela se
de linhas e as formas geométricas árvore, o que a deixa ligeiramente dedicasse à exploração do tron-
básicas (círculo, triângulo, irritada e a leva a assumir que ela co e da copa, buscando associar-
quadrado e retângulo), iniciamos não era a autora. A análise dessa -lhes, uma forma geométrica que
a investigação de alguns objetos situação constituiu-se oportuni- se aproximasse da forma que ela
simples do cotidiano, para que dade para uma descoberta impor- “desenhava” como movimento
ela reconhecesse quais formas tante: ela não conhecia a forma de seu dedo. No caso da copa da
geométricas poderiam ser das árvores. Das conversas acerca árvore, assim que ela me indicou
associadas às formas deles; assim, desse episódio com as professoras o círculo, pedi que ela repetisse o
nasceram desenhos de portas, da EE e SRM, advém o reconheci- lentamente movimento no entor-
armários, panelas, dentre outros. mento da significativa diferença no da copa para perceber se seria
Paralelamente a essa pesquisa de entre a experiência tridimensional um círculo com linha contínua ou
possibilidades de representação, que ela tinha de mundo e a bidi- se haveriam partes da copa em
eu ia explorando com a mensional que a visão possibilita a que essa linha entrava um pouco
estudante a aquisição de maior nós videntes; e, novos questiona- para voltar a sair. Após o seu re-
autonomia para criação de seus mentos. conhecimento da existência dessa
desenhos: localização da figura forma irregular na representação
Buscando encontrar pos-
desenhada na folha, percepção sibilidades para auxiliar a estudan- da copa, partimos para o desenho

57
7. Estudante explorando a forma da c opa de um bonsai
(Fonte: arquivo do professor)
8. Estudante explorando a forma da c opa de um bonsai
(Fonte: arquivo do professor)
9. Estudante explorando a forma da c opa de um bonsai
(Fonte: arquivo do professor)

das formas percebidas, montando do desenho, desconsiderando criada no corpo de uma pessoa) a
enfim o desenho da árvore. as demais, possibilitando assim possibilitar o estabelecimento de

Paralelamente ao desen- uma percepção clara do desenho. relações com as representações

volvimento das atividades extra- Como a Monalisa seria a única bidimensionais adaptadas. Defini-

classe, às aulas de arte e às con- adaptação a ser feita, decidi criar do o projeto e escolhidos os mate-

versas com a professora da SRM, três pranchas para testar diferen- riais, passei a investir meu tempo

comecei a pensar possibilidades tes usos de materiais e formas de livre das “janelas” e a aproveitar

de adaptações de obras de arte composição da imagem – prancha os TDCs (trabalhava no fundo da

que propiciassem o acesso dos 1 que evidenciaria as linhas, atra- sala acompanhando a reunião)

estudantes cegos às obras de arte vés do uso de duas espessuras de para produzir as adaptações da

para além da audiodescrição. An- barbantes e da cola, que consti- Monalisa.

tes de iniciar, optei por perguntar tuíam a figura principal e alguns O primeiro contato da
à estudante qual obra, dentre as detalhes do fundo; prancha 2, que estudante com as adaptações
que ela acompanhou a descrição evidenciaria as diferentes áreas da foi durante a atividade extraclas-
nas aulas, ela desejaria que eu figura através de materiais que se para que eu pudesse ter toda
adaptasse; sua resposta – a Mo- se aproximassem da percepção a atenção voltada a ela. Inicial-
das texturas visuais presentes na
nalisa. mente, pedi que ela explorasse
obra; e, prancha 3, composta pela a prancha 1 para verificar se ela
A criação das adaptações junção das linhas com as texturas
conseguia reconhecer a figura, a
contou com parceria das professo- e, complementando as pranchas,
partir da exploração das linhas.
ras da EE e da SRM. Dentre as vá- uma veste parcial para ser usada
Como a estudante não conseguiu
rias orientações, destaco os cuida- por qualquer estudante, corporifi-
reconhecer a figura, optei então
dos quanto ao uso dos materiais cando o elemento tridimensional
por apresentar-lhe a representa-
e à seleção das linhas essenciais (uma representação da Monalisa

58
ção tridimensional da Monalisa Ao final desta etapa do com a estudante cega orien-
(vestida por estudante de outra trabalho, durante uma conversa tando os estudantes videntes
turma que aceitou participar). de avaliação, a estudante expli- na exploração do material; fiz um
Na primeira exploração da figura citou suas dúvidas referentes às trabalho com ela de pesquisa e or-
tridimensional fui retomando a diferenças entre a representação ganização de algumas texturas de
descrição da imagem da Monalisa tridimensional e as bidimensio- diferentes materiais em grupos de
com a estudante, pedindo que ela nais adaptadas. Dentre todos os acordo com a qualidade por ela
prestasse atenção a cada parte: aspectos discutidos nessa avalia- percebida; ela criou uma produ-
cabeça, rosto, pescoço, busto, om- ção, considero relevante destacar: ção visual – uma paisagem com-
bros e braços. A seguir iniciamos ela apontou a prancha 3 que reu- posta por três diferentes árvores,
o estabelecimento da relação en- nia textura e linhas e a representa- preenchidas com as texturas de
tre a representação tridimensio- ção tridimensional como as adap- sua tabela que ela quis associar à
nal e a prancha 1; num segundo tações que melhor contribuíram ideia de árvore que ela construiu;
momento, entre a representação para sua compreensão. Apesar de visitamos uma exposição no Me-
tridimensional e a prancha 2; e, se tratar da opinião de apenas uma morial da Inclusão em São Paulo
num terceiro momento, entre a estudante, sua indicação sinaliza composta por algumas das obras
representação tridimensional e que as texturas podem ser melhor do acervo da Pinacoteca do Es-
a prancha 3, sempre explorando exploradas nas aulas de arte e nos tado de São Paulo acessíveis por
cada parte na representação tri- atendimentos na SRM, dado seu meio da audiodescrição, de pran-
dimensional e nas bidimensionais potencial simbólico e que o uso cha com baixo relevo, de pran-
adaptadas. da representação tridimensional cha com contraste e de maquete
de obras de arte como recurso de da pintura. Como o relato dessas
acessibilidade em processos de etapas extrapolavam o limite de
mediação é altamente relevante páginas, quem sabe em futuras
para potencializar a investigação publicações, torno público, assim,
e a exploração de representações finalizo aqui essa narrativa do pro-
bidimensionais adaptadas favore- cesso.
cendo a construção de sentidos e Ao avaliar esse percur-
de conceitos pelos estudantes ce- so formativo, ressalto alguns dos
gos. aspectos que pela minha expe-
O trabalho ainda contou riência possuem forte relevância,
com outras etapas desenvolvidas constituindo-se referenciais para
na sala de aula e no contraturno: outras buscas em futuros projetos
as adaptações da Monalisa foram em arte-educação para deficien-
trabalhadas ainda em sala de aula, tes visuais:

10. Pranchas 2 (evidenciando texturas) (Fon-


te: arquivo do professor)
11. Estudante explorando a representação
tridimensional da Monalisa – criada no corpo
de uma pessoa (Fonte: arquivo do professor)

59
• A importância do estudo sobre a visão, em espe- constituição de um acervo;
cial, sobre o como aprendemos a ver; • Cada estudante é um universo em particular, o
• As relações entre bidimensionalidade e tridi- percurso formativo de um não funcionará inte-
mensionalidade para o estudo e investigação do gralmente para outro.
desenho; Por fim, enfatizo que minha maior conquis-
• Possibilidades para a estimulação do tato e a ex- ta nesta experiência formativa, foi o reconhecimen-
ploração simbólica de texturas; to de que as “receitas” no trabalho com estudantes

• A relevância do levantamento de conhecimentos com deficiências podem nos conduzir a construção


prévios dos estudantes com deficiência visual de conceitos distorcidos e errôneos; ao fortalecimen-
considerando as habilidades básicas, o repertó- to de ideias do senso comum e das crenças na impos-
rio de mundo e os conceitos que seriam pré-re- sibilidade, na incapacidade e nas barreiras intranspo-
quisito para um dado projeto, para configurar-se níveis; e, à criação de resistências, de desistências e
ponto de partida para a elaboração das adapta- de fantasmas; dado o potencial risco de fracasso, de
frustração e de desconforto diante dos resultados.
ções e do próprio percurso formativo.
Lógico que o desafio é grande e que em gran-
• A importância da parceria entre professores de
arte e professores da Educação Especial especia- de parte das vezes as condições são adversas, inclusi-
listas em deficiência visual, tanto para o estudo, ve a grave lacuna em nossa formação inicial e conti-
quanto para a proposição das atividades e das nuada. Mas também aprendi que é possível construir
outros caminhos – gratificantes – para o ensino de
adaptações;
arte para estudantes com deficiências visuais, para
• A relevância dos estudantes serem coautores do além da proposição de simples adaptações, numa
percurso formativo em construção; perspectiva voltada às possibilidades expressivas e
• A necessidade de realização de atividades extra- poéticas de um outro sentido – o tato em diálogo
classe com atendimento individualizado, para- com as referências visuais, pautada no diálogo entre
lelas às aulas de arte, voltadas ao fomento e ao áreas do conhecimento – arte-educação e educação
desenvolvimento de saberes e fazeres importan- especial – e entre professores-aprendentes e apren-
tes para garantir a melhora da participação do dizes-professores.
estudante com deficiência visual no projeto em
desenvolvimento nas aulas;

• A necessidade da presença do professor de Edu-


cação Especial nas aulas de arte, especialmente,
quando da realização de algumas atividades que
demandarão um acompanhamento maior do es-
tudante com deficiência visual;

• O tempo elevado que a criação de adaptações de


obras de arte pode demandar;

• A organização de um espaço para armazenamen-


to dos materiais e ferramentas que vão sendo
adquiridos e produzidos ao longo do tempo –

60
Narrativa – Conhecer para mediar: A importância da
formação continuada para inclusão do aluno com TEA
Aldinária Martins Rodrigues – Professora de Educação Especial
Solange Maria Américo – Professora Educação Especial Coordenadora do Grupo de trabalho de TEA

Nome da UE ou SRM: EMEF Humberto de Alencar Castelo Branco


Agrupamento ou ano do ciclo: 2º ano do Ensino Fundamental
Público-Alvo: aluno com Transtorno do Espectro Autista

Nesta narrativa tratamos ilustrada foi facilitadora. Aos pou- Essa situação nos levou ao
da inclusão de um aluno que se cos, ele começou a dar respostas engajamento em atividades for-
encontra matriculado no 2º ano e se adaptar às propostas pedagó- mativas e estudos sobre o TEA no
do ensino fundamental do ciclo I. gicas. Então, começamos a utilizar Grupo de Formação (GF em 2017)
Desde o 1º ano, quando fichas individuais com figuras e e Grupo de Trabalho (GT em 2018)

ingressou nessa escola, apresen- escrita, iniciando o processo de le- sobre o pensamento dos alunos

tou bastante resistência para rea- tramento. A rotina visual auxiliou com transtorno do espectro autis-

lizar as atividades e se adaptar no o aluno a estabelecer a organiza- ta, ministrado pelas educadoras

ambiente escolar. Ele apresentava ção mental referente à atividade a Susy Mary Vieira Ferraz e Solange

algumas atitudes que eram bem ser realizada e o que se esperava Maria Américo.

conflitantes para o coletivo da es- dele em cada etapa. A partir destes estudos,
cola como: não entrava no refei- Desta forma, começa- como proposta de formação para
tório para se alimentar, pois de- mos a desenvolver a meta de que os professores de Educação Es-
monstrava excessiva sensibilidade as atividades propostas seriam, pecial e outros profissionais, nós
auditiva em relação ao barulho também, flexibilizadas para ele enquanto educadores, já mais
que o incomodava muito. Quan- por intermédio de fichas pictó- preparados depois do processo
to às atividades pedagógicas, não ricas para facilitar o processo de de estudo, começamos a repen-
apresentava interesse em parti- ensino e aprendizagem. Aqui, é sar nossa prática e agora estamos
cipar ou em realizá-las, pois logo importante salientar que o aluno colhendo os resultados, após a in-
quando se apresentava a ativida- não apresentava interesse em de- trodução da Comunicação Pictóri-
de proposta, ele pegava o mate- senvolver as atividades no mate- ca para o aluno.
rial, olhava rapidamente, rasgava rial didático, uma vez que as ati- Com a introdução das fi-
e o jogava no chão. vidades não eram pensadas em chas pictóricas sobre cada assun-
Contudo, após termos fichas pictóricas, mas, sim, eram to a ser abordado nas matérias,
orientações de como proceder propostas com as mesmas de- o aluno está nos dando muitas
com a mediação com os alunos mandas daqueles que processam respostas positivas. Já demonstra
com TEA, observamos que real- o seu pensamento via fala/escrita entender quais são nossas prer-
mente a orientação de antecipar ou pensamento verbal e, por isso, rogativas para ele, interage com
os fatos com a rotina visual ou ele as rasgava e as jogava no chão. felicidade e nos dá certeza de que

61
estamos no caminho certo. Nosso objetivo é que vro (“As aventuras de Tom Sawyer”) indicado para a
cada aluno na sua particularidade possa apreender turma, criando-se um novo título. “AS AVENTURAS
os conceitos linguísticos de nosso ambiente educa- DA IMAGINAÇÃO DO (NOME DO ALUNO).” Com
cional e, principalmente, que tenha tranquilidade isso, exploramos várias áreas do conhecimento.
para aprender com prazer e significado. Inserimos também o notebook para realização de

Outro caso que não podemos deixar de rela- pesquisas, leitura e escrita no contexto de sala de
tar aqui é de um aluno matriculado no 6º ano com aula. Percebemos que houve avanços significativos,
TEA, que apresenta hipótese de escrita silábica alfa- tanto no processo de leitura e escrita quanto em re-
bética, não gosta de ler nem escrever no caderno, lação ao conhecimento geral e autonomia.
principalmente quando determina que algo não é Concluímos que, para se instituir recursos de
significativo para ele. Ele afirma que é um pesqui- acesso e desenvolvimento da aprendizagem, vários
sador e gosta muito de usar a internet. Apresenta fatores organizacionais precisam ser otimizados.
bastante resistência em realizar as atividades, ne- Neste sentido, aprendemos que aprimorar as for-
cessitando de organização de rotina sistematizada e mas de comunicação que viabilizem tais mediações,
estímulo, por meio de propostas relacionadas com será um caminho na direção ao acesso e à perma-
a sua área de interesse. O foco de interesse são os nência de nossos alunos com transtorno do espec-
“bichos” – principalmente dinossauros e formigas. tro autista (TEA) em nossas escolas, promovendo
No início do primeiro trimestre apresentava pouca processos de aprendizagem com qualidade. Assim,
autonomia na leitura e escrita, solicitava confirma-
as mediações linguísticas organizam o pensamento
ção do professor a cada sílaba soletrada. do aluno, e as informações linguísticas provenientes

Para ampliar a aquisição da aprendizagem, das mediações se tornam parte do repertório lin-
foram criadas novas estratégias focando na área de guístico do aluno com TEA.
interesse, fazendo a relação do personagem do li-

62
Narrativa – Da matrícula de um aluno com altas
habilidades/superdotação aos caminhos para apropriação
de conhecimentos e construção práticas pedagógica
Elenir Santana Moreira – Professora de Educação Especial do
Atendimento Educacional Especializado
Silvana Lopes Ferraz – Professora de Educação Especial

Nome da UE ou SRM: - EMEFEI Zeferino Vaz


Agrupamento ou ano do ciclo: Ensino Fundamental
Público-alvo: aluno com altas habilidades/ superdotação

Os alunos com altas ha- comunicadas pela equipe gestora continuamos com dúvidas sobre o
bilidades/superdotação (AH/SD) sobre a entrada deste aluno. Nes- que fazer com aquele documen-
sempre foram ignorados nas esco- te momento, ficamos sem saber to, embora ainda nem tivéssemos
las, ao ponto de nunca nos ques- o que fazer e começamos a nos conhecido o aluno. Antes de qual-
tionarmos sobre a existência deles questionar: “será que este parecer quer coisa é preciso conhecer, sa-
nos conselhos de ano/classe. Os é mesmo válido?”; “será que ele ber o que o aluno sabe, como ele
alunos que se destacavam jamais poderá ser incluído no INTEGRE?”; é…
eram considerados como possíveis “devemos comunicar a situação Assim, resolvemos entrar
alunos com AH/SD, mas sim como aos professores da turma dele em contato com o Núcleo de Edu-
os “bons” alunos da escola. O mito imediatamente?”; “será indicado cação Especial (NEE) para saber-
de que os alunos com AH/SD são reclassificá-lo para um ano mais mos se o aluno poderia ser incluí-
gênios e facilmente identificados adiantado?” do no INTEGRE como aluno com
é muito presente e assim, alunos Passada a fase dos ques- AH/SD a partir de um parecer que
com as características de AH/SD tionamentos, demos alguns enca- estava assinado por uma psico-
acabam passando pelas escolas e minhamentos. Procuramos a pro- pedagoga. Após o contato, fomos
tendo seu direito de atendimento fessora Izabelle Oliveira Polezel informadas que ele deveria ser in-
especializado negligenciado. Dornelles (professora de Educação serido no sistema como aluno pú-
Na EMEFEI/EJA Professor Especial da rede municipal) que blico-alvo da Educação Especial,
Zeferino Vaz não foi diferente; até havia feito um curso de pós-gra- pois o parecer tratava-se de um
o ano de 2016 nunca havíamos duação na área, para conversamos documento oficial e legitimado. O
falado em alunos com AH/SD, até sobre o conteúdo do parecer (tra- NEE, sabendo que este era o pri-
que em agosto deste mesmo ano zido pela família do aluno, na ma- meiro aluno da Rede Municipal de
foi matriculado um aluno com trícula). Ao lê-lo, ela apontou que Campinas matriculado com este
este parecer. Como alunos com as características de alunos com parecer de AH/SD, prontificou-se a
AH/SD são público-alvo da Edu- AH/SD estavam descritas neste do- buscar conhecimentos sobre essa
cação Especial, nós, as professo- cumento. No momento, falamos temática e entrou em contato com
ras desta modalidade (que somos que ainda não conhecíamos o alu- a professora Iracelli Maria Mendes
duas, uma como professora da no e ainda não era possível dizer Andrade (professora de Educação
escola e a outra da Sala de Recur- que víamos nele as características Especial da Rede Municipal) que
sos Multifuncional – SRM), fomos apontadas no parecer. Entretanto, também tinha conhecimento na

63
área e poderia contribuir. Diante O trabalho com o aluno Entretanto, no início de
deste posicionamento do NEE, o tinha que seguir em frente, in- 2017, quando íamos iniciar o pro-
aluno foi matriculado também na dependentemente das respostas cesso de aceleração deste aluno
SRM. que havíamos tido. Para tanto, para o quinto ano, ele colocou

Tínhamos que comuni- na SRM, objetivando conhecer o para o Orientador Pedagógico da



car aos professores da turma do aluno e compreender as caracte- escola e para nós professoras de

aluno sobre o parecer de AH/SD rísticas de uma pessoa com AH/ Educação Especial que não queria

e decidimos fazê-lo no horário de SD, foram propostas atividades mudar de turma, que seu desejo

TDEP – Trabalho Docente Entre de pesquisa avançada (seguindo era seguir com os alunos de sua

Pares. Colocamos que se tratava o interesse do aluno), incluindo idade, que sua preferência era a

de um assunto novo, pois o aluno desafio verbal, raciocínio lógico- amizade. Em reunião com a famí-

era o primeiro na Rede com este -matemático através de jogos e lia, os responsáveis confirmaram

parecer e que tínhamos poucas proposta de atividades artísticas. o desejo do filho e colocaram que
não gostariam que a aceleração
informações e conhecimento so- Na sala de aula, ao perce-
fosse realizada porque queriam o
bre o caso. Os professores não ber a facilidade que o aluno tinha
filho feliz. Acatamos a decisão do
fizeram questionamentos sobre a em aprender e seu vocabulário
aluno e ele não foi acelerado para
temática de AH/SD, o que não foi acima da média para a idade, a
o quinto ano.
ruim, uma vez que não tínhamos professora propiciou ao aluno
muito conhecimento sobre esta em algumas situações ativida- O trabalho com ele na
área. des mais desafiadoras. Como as SRM foi pautado no desenvolvi-
respostas do aluno sempre eram mento de projetos de seu inte-
Os encaminhamentos bu-
condizentes e demostravam um resse. Inicialmente, o projeto a
rocráticos haviam sido resolvidos,
conhecimento elaborado, a pro- ser desenvolvido tratava-se de
mas tínhamos questionamentos
fessora passou a lhe dar as ava- uma mão mecânica. O aluno fez
de como seria o trabalho com um
liações do ano subsequente e o esboço com argila, realizou pes-
aluno com AH/SD, tanto na sala
mesmo assim ele conseguia reali- quisas sobre o assunto, mas não
de aula quanto na SRM. Sabíamos
zá-las com êxito. Ao observarmos tínhamos materiais que possibili-
que necessitaríamos de mais es-
a facilidade que o aluno tinha em tassem a efetivação do seu proje-
tudos na área para que o trabalho
aprender e o interesse que de- to.
com este aluno pudesse seguir
monstrava em fazer pesquisas por
com qualidade, atendendo suas Em seguida, resolveu es-
vontade própria estando sempre
necessidades específicas. Para tudar sobre sistema solar. O en-
acima da média em relação aos
tanto, fomos buscando na região volvimento dele com este projeto
seus colegas de classe, pensa-
órgãos que fizessem trabalhos foi tão grande que levou outros
mos em parceria com a equipe
com alunos com AH/SD, visando alunos da sua turma a estudar
gestora da escola em acelerar o
parceria de trabalho por se tra- sobre a mesma temática. Na sala
ano deste aluno, promovendo-o
tar de um assunto novo na nossa de aula, passaram a encontrar
para o quinto ano. Os pais foram
Rede. As buscas não tiveram re- momentos para discutirem sobre
comunicados e concordaram com
sultados positivos. Na região, não o que estavam estudando. O alu-
a proposta, assim como o próprio
encontramos nenhum núcleo ou no apresentou o projeto aos seus
aluno. Esta aceleração seria rea-
centro de atendimento a alunos colegas de turma com desenvol-
lizada no início do ano letivo de
com AH/SD. tura e sabedoria, e a sua turma
2017. por sua vez, o questionou sobre o

64
tema demonstrando efetivamen- para o ano de 2018. dos deveria acontecer em um
te o quanto estavam envolvidos único horário. Na ocasião foi
Em 2018, fizemos nova-
com o projeto do colega. falado sobre a possibilidade de os
mente o convite aos professores
professores participarem do Gru-
e prontamente a professora de
po de Trabalho – GT, disponibili-
A temática de Língua Portuguesa aceitou fazer
zado pela Prefeitura Municipal de
parte e posteriormente outros
AH/SD na escola professores começaram a parti- Campinas – PMC.

cipar. No mês de junho já tínha- Em 2019, o trabalho ini-


mos um grupo participando efe- ciou-se com outro formato, não
Em paralelo ao trabalho tivamente do grupo de estudos: 1 sendo mais como grupo de estu-
com o aluno na escola, nós pro- professor de Artes, 2 professores do e sim como projeto de atendi-
fessoras de Educação Especial de Educação Física e 1 professor mento direto aos alunos, como o
(neste ano de 2017 – professora de História e mais a professora de que fora iniciado em 2016, intitu-
de Educação Especial da escola e Língua Portuguesa. O objetivo ini- lado: “Somos Todos Diferentes”.
da SRM) continuávamos inquietas cial do grupo era estudar sobre o O objetivo era propiciar reflexões
com a situação de não termos, no conceito de AH/SD, e para tanto, referentes à educação inclusiva,
município e na região, profissio- nos pautamos nas bibliografias conjeturando sobre identidade
nais com quem dialogar sobre a disponibilizadas no curso da Uni- e diferença, deficiências, altas
temática. versidade Federal de Santa Maria. habilidades/superdotação e as
No final de 2017, a Uni- Por questão de incompatibilidade diferenças individuais de cada su-
versidade Federal de Santa Maria de horário, o grupo foi subdividi- jeito.
disponibilizou um curso de aper- do em dois dias da semana e todo Neste ano de 2019 o gru-
feiçoamento à distância, com o grupo se encontrava uma vez po foi composto pelas duas pro-
carga horária de 180h, sobre o ao mês. fessoras de Educação Especial e
Atendimento Educacional Espe- Neste mesmo ano, fi- dois professores de Língua Portu-
cializado para alunos com Altas zemos duas apresentações no guesa. O grande diferencial foi a
Habilidades/Superdotação, des- TDC sobre o trabalho realizado vertente de dar continuidade ao
tinado aos professores de Edu- no grupo de estudos e também processo de indicação e identifi-
cação Especial. Nós, então, nos referente à temática de AH/SD. cação dos possíveis alunos com
inscrevemos para a vaga e fomos Solicitamos aos professores que AH/SD, assim como o de iniciar
contempladas. indicassem alunos que se des- o atendimento dos mesmos na
Foi então que fomenta- tacavam perante os demais alu- SRM.
mos a possibilidade de termos nos da turma. Finalizamos o ano O projeto passou a acon-
na escola um grupo de estudos com a proposta de iniciarmos em tecer em um único horário, de
sobre essa temática, objetivando 2019 o processo de indicação e quarta-feira das 7h10 às 10h30.
que este conhecimento não se de identificação de alguns alunos Quinzenalmente atendemos uma
restringisse somente a nós pro- apontados pelos professores par- turma de alunos da escola falan-
fessoras de Educação Especial. ticipantes do grupo e também pe- do sobre a temática das deficiên-
Na última reunião de avaliação los professores da escola. cias e diferenças, alternando com
do ano de 2017, apresentamos Também foi ponderado o processo de identificação e indi-
a proposta do grupo de estudos que para 2019 o grupo de estu- cação dos alunos com AH/SD, que
em formato de HP – Hora Projeto

65
ocorre também quinzenalmente. sibilidade que na escola possa ter nos já estão sendo indicados como

Neste ano entramos em outros alunos com este parecer. possíveis alunos com AH/SD.

contato com a assessoria da pro- Ao refletirmos sobre os Podemos dizer que o êxi-
fessora Drª Renata Maia e com o textos estudados, conseguimos in- to do trabalho também tem sido
Núcleo de Educação Especial (na dicar alunos e argumentar os mo- em função da parceria com a pro-
presença da Coordenadora Pe- tivos pelos quais acreditávamos fessora Drª Renata Maia Pinto e a
dagógica Elise H. Batista Moura). que estes alunos podem ser públi- coordenadora pedagógica Elise H.
Esta parceria oportunizou grandes co-alvo de AH/SD. Batista Moura, que prontamente
progressos, pois atualmente esta- Em uma das nossas refle- têm aceitado o desafio do fazer
mos começando a construir um xões, falando sobre as caracte- compartilhado.
portfólio a ser utilizado no proces- rísticas de pessoas com AH/SD, a Também é válido ressaltar
so de indicação e identificação dos professora de Português relatou que quando existe o trabalho cola-
possíveis alunos com AH/SD, ex- sobre um aluno matriculado no borativo entre professores de Edu-
periência esta que contribuiu para sétimo ano e que acreditava na cação Especial e os professores
a elaboração de orientações para possibilidade de ele ter AH/SD. das outras áreas, é muito maior a
todas as escolas da Rede Munici- Diante desta colocação, foi feito a possibilidade de a escola ser mais
pal, organizadas pelo NEE a partir pergunta: “Antes deste grupo de inclusiva e de garantir o direito de
dos diálogos com professoras de estudos, você teria pensado na aprender de todos os alunos!
Educação Especial envolvidas nes- possibilidade de ele ter AH/SD?”
O trabalho na escola, en-
ta área. E ela respondeu: “Não, se eu não volvendo os alunos em processo
Fruto desse trabalho, tam- tivesse estudando sobre o tema, de identificação de AH/SD não se
bém foi a elaboração dos relató- o consideraria apenas como bom limita a favorecer apenas estes
rios dos alunos, acesso a outras aluno.” alunos, mas sim todos os demais.
biografias, possíveis questiona- Ao analisarmos este rela- Para atender às necessidades es-
mentos nos formatos aplicados, to, podemos afirmar que o grupo pecíficas de cada um em sala de
como o questionário destinado de estudos teve e tem resultados aula, é preciso o estudo, a reflexão
aos professores (Escala Renzulli), positivos, porque esta professora, e a compreensão das necessida-
onde foi pensado que o melhor assim como outros integrantes do des específicas dos alunos.
resultado seria que eles respon- grupo, consideraram que é preci-
dessem por área de atuação e não so olhar para os alunos e perceber É importante apontar que

um só professor respondendo por que eles estão dentro de nossas é imprescindível que haja conti-
nuidade do trabalho iniciado no
diversas áreas. escolas e que, se não conhecer- decorrer dos anos subsequentes,
mos sobre a temática, contribui- para que além da identificação de
Resultados remos para que eles continuem alunos com AH/SD, estratégias re-
invisíveis sem terem seus direitos ferentes à “o que fazer” e “como
garantidos.
O ano de 2018 foi um mo- fazer” com estes alunos no AEE e
mento de estudo e aprofunda- Em 2019, o trabalho de em salas de aulas sejam apresen-
mento sobre a temática de AH/SD identificação teve grande progres- tadas, garantindo o seu direito de
e também um avanço no processo so, sendo que seis alunos já estão aprender e desenvolver suas poten-
de desmistificação de quem são em processo de identificação e em cialidades.
estes alunos, considerando a pos- atendimento na SRM, e outros alu-

66
Narrativa – O grupo de trabalho de deficiência
intelectual e a formação continuada dos profissionais
Aline Aparecida Veltrone – Professora de Educação Especial
Coordenadora do Grupo de Trabalho de Deficiência Intelectual
Elizete Lobato Miranda - Professora de Educação Especial
Coordenadora do Grupo de Trabalho de Deficiência Intelectual

Grupo de Trabalho de Deficiência Intelectual


Público-alvo: aluno com deficiência intelectual

Nesta narrativa apresenta- serem contempladas no “Caderno Introdução


remos o percurso do grupo de tra- Temático”.
balho em deficiência intelectual e O conceito da deficiên-
Para atingir o objetivo pro-
alguns conhecimentos construí- cia intelectual sempre variou ao
posto para o GT, feito o estudo
dos e apropriados por esse grupo teórico, elaboramos um questio- longo dos tempos e parece exis-
de profissionais. tir uma busca constante sobre a
nário online cujo link foi enviado
melhor definição e terminologia,
O Grupo de Trabalho De- para os 126 professores atuantes
procedimentos de identificação e
ficiência Intelectual teve início no à época na Educação Especial do
a partir disso, a definição do me-
mês de março de 2016, quando município e obtivemos um total
lhor atendimento educacional a
foram realizados os estudos teó- de 87 respostas.
ser ofertado.
ricos e legais a respeito da defi- Das análises, obtivemos
ciência intelectual, considerando duas categorias principais de dis- Com a proposta da edu-
a complexidade e subjetividade na cussão, sendo elas: cação inclusiva, a classe comum
sua definição. passa a ser o local preferencial de
I. Caracterização e diagnós- matrícula para todos os alunos, in-
A problemática enunciada tico da deficiência intelec- clusive os alunos com deficiência
pelos participantes foi: como os tual pelos professores de intelectual que frequentavam as
professores de Educação Especial Educação Especial; classes especiais. A perspectiva
da RMEC concebem a deficiência
II. Ensino e aprendizagem / é que a escola deve se adequar
intelectual, tendo como objetivo
Socialização dos alunos ao alunado e não o contrário. É
identificar e qualificar as percep-
com deficiência intelec- importante destacar que o mo-
ções de professores de Educação
tual. vimento em defesa da educação
Especial da rede atuantes no En-
inclusiva no Brasil foi fortemente
sino Fundamental, Educação In- Optamos por apresentar
influenciado por movimentos in-
fantil e EJA sobre os alunos com os resultados de maneira articula-
ternacionais em defesa de uma
deficiência intelectual por eles da com as discussões teóricas, de
educação para todos, com o go-
acompanhados. Julgamos rele- forma a tornar o texto mais ilus-
verno assumindo, inclusive, as
vante este conhecimento inicial trativo e significativo.
definições legais sobre os alunos
para posteriormente no GT identi-
com deficiência intelectual nas
ficarmos as práticas curriculares a
suas políticas públicas.
67
Em outubro de 2004, em todos nos processos de ensino e • Competências práticas:
evento realizado pela Organização aprendizagem e construção de co- atividades da vida cotidia-
Pan-Americana da Saúde (OPS) e nhecimentos estão presentes na na (cuidados pessoais),
pela Organização Mundial da Saú- perspectiva da educação inclusiva. competências profissio-
de (OMS) em Montreal, Canadá, nais, cuidados com a saú-
Na legislação educacional
a expressão deficiência intelec- de, viagens, rotinas, segu-
brasileira, identificamos que a de-
tual em detrimento de deficiência rança etc.
finição adotada para a deficiência
mental foi mundialmente difundi- intelectual é a mesma preconiza- A partir da definição, nota-
da, por meio do documento intitu- da pela American Association on -se que o sentido da deficiência in-
lado Declaração de Montreal so- Intellectual and Developmental telectual está atrelado a um indiví-
bre Deficiência Intelectual (OPS/ Disabilities[6] (AAIDD), que a define duo que em comparação com seus
OMS, 2004): como sendo: pares apresenta atraso cognitivo e
Deficiência intelectual, também comprometimentos no
assim como outras carac-
terísticas humanas, cons- Incapacidade caracterizada seu comportamento adaptativo.
titui parte integral da por limitações significa- Quando falamos da caracteriza-
experiência e da diversida- tivas tanto no funciona-
ção deste alunado, os professo-
de humana. A deficiência mento intelectual quanto
intelectual é entendida no comportamento adap- res indicam o comprometimento
de maneira diferenciada tativo expressos em habi- intelectual como uma caracterís-
pelas diversas culturas, o lidades conceituais, sociais
e práticas. Esta inabili- tica da deficiência intelectual. Em
que faz com que a comu-
nidade internacional deva dade se origina antes da menor número, também indicam
reconhecer seus valores idade de 18 anos. (LU- o comprometimento no compor-
universais de dignidade, CKASSON et al., 2002,
autodeterminação, igual- p.8) tamento adaptativo enquanto
dade e justiça para todos. uma característica da deficiência
(OMS, 2004) Sobre o comportamento
intelectual como proposto pela
adaptativo, devem ser identifica-
AAIDD. A seguir apresentamos a
dos comprometimentos nos se-
exemplificação das falas dos pro-
Tais mudanças estão atre- guintes aspectos:
fessores da RMEC participantes da
ladas a uma concepção de cons-
• Competências concei- pesquisa:
trução social da deficiência em
tuais: linguagem e alfabe- Capacidade inferior de
que a maneira como a sociedade
tização; noções de dinhei- raciocínio, aparenta ter
está estruturada favorece ou não idade menor do que real-
ro, tempo e números e
a possibilidade de interação com mente tem, capacidade de
autodireção. comunicação inferior. Alu-
qualidade da pessoa com deficiên- nos que apresentam com-
cia no seu ambiente imediato. No • Competências sociais: ha- prometimento intelectual
caso da escola, esta perspectiva é bilidades interpessoais, com grande dificuldade de
responsabilidade social, aprendizagem. Alunos que
importante, uma vez que define não compreendem as re-
que a escola deve se reestrutu- autoestima, capacidade gras sociais. Não retém
rar para atender adequadamente para resolução de proble- informações/aprendizado.
Incapacidade de resolver
seu alunado e não o contrário. As mas, capacidade de seguir
tarefas, principalmente
oportunidades de participação de regras etc. acadêmicas. Dificuldades

6.: A AAIDD é uma associação norte-americana que conduz es-


tudos empíricos, teóricos e práticos sobre a deficiência intelectual
que servem de base tanto para formação de profissionais como de
indicativo para organização de políticas públicas.

68
na atenção, no enten- pouco mencionada. delimitação da deficiência in-
dimento de informações
telectual.
novas ou complexas. Alu- Na definição da deficiência
no não alfabetizado, que intelectual atual, as variáveis a se-
A definição de 2010 da AAI-
apresenta muita dificul-
dade para acompanhar os rem consideradas dizem respeito DD propõe ainda que a avaliação
conteúdos das matérias ao contexto educacional no qual o deva ter como objetivo o diagnós-
específicas de cada pro- aluno se encontra: “A ênfase des- tico, classificação e definição dos
fessor, pouca abstração
e que requer cuidados e/ loca-se do aluno com defeito para apoios e do sistema de suporte
ou incentivo na interação situar-se na resposta educativa darequeridos para que a pessoa com
com colegas. Os alunos
escola, sem que isso represente deficiência intelectual tenha plena
com deficiência intelectual
costumam apresentar di- negação da problemática vivida participação nos espaços sociais e
ficuldades em manter a pelo educando” (BRASIL, 2006a). também qualidade de vida e cons-
atenção concentrada nas
Também prevalece a preocupação trução de conhecimento. Neste
aulas, realizam as ativida-
des em ritmo mais lento em se definir a deficiência intelec-
caso, cabe à escola se reestruturar
e, em alguns casos, de- tual num contexto multidetermi- para atender o educando e não o
monstram dificuldade de
organização, memorização nado, no qual diversas variáveis contrário, prevendo e provendo os
e elaboração do pensa- devem ser consideradas, em espe- recursos físicos, estruturais e hu-
mento abstrato, atraso cial as que dizem respeito à intera-
manos para a plena participação
no desenvolvimento cogni-
tivo e psicomotor. (Dis- ção indivíduo-meio: nos processos de escolarização e
curso de Sujeito Coletivo Com esse enfoque, faz- relações de ensino e aprendiza-
/ Professores de Educação -se necessário avaliar os gem.
Especial – DSC/).[7] apoios que são oferecidos
para as pessoas evoluí- Sobre o diagnóstico, a re-
rem nas suas habilidades
comendação é de que quem deve
É expressiva na fala dos adaptativas. Trata-se de
uma proposta importan- realizá-lo é a equipe multidiscipli-
professores de Educação Especial te, na medida em que nar observando especialmente os
a compreensão de que a deficiên- desloca o eixo da avaliação
conceitos de inteligência e com-
da pessoa propriamente
cia intelectual é atribuída a ques-
dita, para a existência da portamento adaptativo. Conside-
tões de prejuízo na inteligência es- qualidade dos apoios que ramos ainda que seria importante
pecialmente quando esta acarreta ela necessita. (BRASIL,
2006b, p.38) a participação do profissional da
atrasos na escolarização como a
Educação nesta equipe uma vez
não alfabetização. Tais resultados
que ele tem conhecimentos sobre
dialogam com outros estudos fei- Há sempre a recomenda- o desenvolvimento do aluno den-
tos com esta problemática (VEL- ção para que a condição do alu- tro do ambiente escolar, que evi-
TRONE, 2011; OLIVEIRA, 2018) em no seja compreendida enquanto dencia aprendizagens cognitivas e
que na definição da deficiência um processo em que é preciso de comportamento adaptativo.
intelectual, as questões relacio- conhecer as condições de desen-
nadas à inteligência são mais evi- Os professores de Educa-
volvimento, de aprendizagem, as
denciadas do que a descrição do ção Especial da RMEC reconhe-
potencialidades do aluno para a
comportamento adaptativo, que é cem sua importância, sendo que

7.: As falas dos professores de educação Especial coletadas nes-


te estudo foram analisadas pela categoria do Discurso do Sujeito
Coletivo (LEFREVE, 2010) pois trata-se de um discurso de uma
categoria, sendo que as falas mais recorrentes são categorizadas
enquanto falas de um grupo.

69
grandes reestruturações da escola da deficiência intelectual, a AAIDD
educacionais especiais e avaliação
são baseadas nesta percepção de salienta que fatores adicionais de-
das condições de ensino e
diagnóstico: vem ser levados em conta, como aprendizagem: “Avaliação
Depende de como o aluno o ambiente comunitário típico dos pedagógica do processo de ensino
vai ser acompanhado após pares do indivíduo e da cultura. Os
e aprendizagem, inclusive para
a identificação. Importan-
te para planejar projetos profissionais também devem con- a identificação das necessidades
de trabalhos para alunos siderar a diversidade linguística e
educacionais especiais e a
que não são alfabetizados, as diferenças culturais na forma eventual indicação dos apoios
sabendo quais os alunos
que tem laudo de defi- como as pessoas se comunicam, pedagógicos adequados” (BRASIL,
ciência intelectual para se movem e se comportam. 2001, p.48). A avaliação deve
poder oferecer os servi-
ços de AEE. Para obter As avaliações diagnósticas considerar o desenvolvimento
uma rede de parcerias na também devem supor que as limi- das relações entre ensino e
busca de avanços quanto
ao processo de escolariza- tações nos indivíduos coexistem aprendizagem e todas as variáveis
ção dos alunos. A equi- frequentemente com os pontos que estão presentes neste
.
pe considera importante fortes e que o nível de vida de processo Para tanto, é preciso
identificar os alunos para :
que se possa realizar um uma pessoa vai melhorar se forem considerar o próprio aluno nível
acompanhamento voltado fornecidos apoios personalizados de desenvolvimento e condições
:
adequados durante um período pessoais; o contexto educacional
para suas necessidades, de
acordo com a especificida-
de de cada caso. (DSC/ sustentado de tempo. Somente instituição educacional escolar
:
PEE) com base nessas avaliações multi- e ação pedagógica; e a família
facetadas os profissionais podem características do ambiente
.
determinar se um indivíduo tem familiar e do convívio familiar
O laudo também é visto
deficiência intelectual e adaptar (BRASIL, 2006b)
como relevante já que, por meio
planos de apoio individualizados Sobre a organização do tra-
dele, pode-se definir os alunos
possíveis para que todos possam balho pedagógico nas escolas de-
com deficiência intelectual e atua-
construir conhecimento. pois do diagnóstico da deficiência
ções pedagógicas:
Na medida em que ou- É importante ressaltar intelectual temos a seguinte per-
tros serviços de apoio e que a avaliação escolar para cepção dos professores de Educa-
os alunos com deficiência ção Especial da RMEC:
atendimentos especializa-
dos aos alunos só podem
intelectual foi fortemente Para poder auxiliar no provi-
ser acessados com o lau-
mento dos recursos ne-
do, entendemos que por pautada numa perspectiva de cessários, não apenas na
esta razão a identificação
é fundamental. No mais,
classificação e seletividade. Hoje esfera pedagógica. Na po-
lítica atual para garantir
o atendimento, planeja- a perspectiva que encontramos
os benefícios justificados
mento pedagógico indivi- é a de considerar uma avaliação pelo diagnóstico. Para que
dualizado, acontece para
escolar que mais do que indicar o trabalho seja direciona-
todos os alunos, indepen-
do corretamente e respei-
dente do laudo. Na rede a deficiência busca identificar as tando o tempo e o limite
ainda barramos com as di- necessidades educacionais do de cada aluno matricula-
ficuldades para se obter o
aluno e os caminhos necessários do, para planejar projetos
diagnóstico da deficiência
de trabalho para alunos
intelectual. (DSC/PEE) para promover a construção que não são alfabetizados.
de conhecimento. A avaliação A importância de identifi-
deve estar voltada para a car o aluno com deficiên-
Na definição e avaliação cia intelectual é para po-
identificação das necessidades dermos subsidiar todo o

70
acompanhamento necessário de acordo com xo foram todos coletados e discutidos junto aos
suas especificidades, tendo como objetivo
professores participantes do GT e ainda está
estimular todo o seu desenvolvimento glo-
bal. Quanto mais cedo essa criança receber sendo discutida a melhor maneira de elucidar estas
atendimentos que a estimulem nas suas práticas.
especificidades tanto na escola como em
outros espaços fora dela, maior chance de Neste ano tivemos presentes no GT profes-
alcançar um melhor desenvolvimento esco- sores atuantes em todos os níveis abaixo descritos,
lar e de autonomia para a vida. A criança
com deficiência intelectual necessita sim de sendo que todas as narrativas foram discutidas no
apoio pedagógico, de atenção especializada, coletivo para identificar pontos principais e pontos
de adequações curriculares, mas não pode-
de aprimoramento. No ano de 2016, o GT foi forma-
mos esquecer que eles possuem capacidades,
e o que eles mais necessitam além das do por cinco professoras de Educação Especial e uma
intervenções é que nós acreditemos neles professora de rede regular. No ano de 2017, tivemos
(PEE).
a saída de duas participantes e a entrada de mais três
participantes sendo todas professoras de Educação
Pode-se afirmar que as práticas avaliativas Especial. No ano de 2018 permaneceram no GT cinco
são muito importantes quando falamos na identifica- participantes da Educação Especial e três novas par-
ção das necessidades educacionais especiais da defi- ticipantes da Educação Infantil. Em 2019 frequentam
ciência intelectual. São responsáveis por fornecerem o GT três professoras do ensino infantil, quatro do
subsídios para a indicação dos apoios e recursos pe- Ensino Fundamental e duas de sala de recursos mul-
dagógicos que contribuam para a qualidade de vida tifuncionais. A maioria das participantes são as pro-
de todos os educandos. fessoras da Educação Especial da rede, ressaltando
que temos também a participação de professoras do
Sobre as nossas práticas pedagógicas junto à
ensino regular que muito contribuem com as refle-
escola, todas as que estão descritas no caderno in-
xões e estudos feitos para a construção deste cader-
dicam mediações possíveis a serem feitas junto ao
no.
aluno com deficiência intelectual. Os quadros abai-

Seguem as principais conclusões do grupo:

1  Empoderamento da criança para vivência total e autônoma em todos os es-


EDUCAÇÃO
INFANTIL paços e experiências culturais e sociais possibilitadas pela educação infantil.
2  Percepção do grupo de que todas as crianças são capazes de participação no
espaço escolar.
3  Organização da rotina pedagógica que contemple as linguagens de todos os
alunos.
4  Importância do plano educacional individualizado.
5  Importância das parcerias de trabalho inclusive com a saúde.
6  O papel do professor de Educação Especial nas orientações da equipe escolar
e do profissional de apoio pedagógico.
7  O papel da mediação do adulto para aproximação da criança com o ambiente
escolar e demais colegas.

71
ENSINO 1  Trabalho colaborativo com os pares (professores e gestão)
FUNDAMENTAL I
2  Sugestões de atividades pedagógicas diferenciadas.

3  Reflexões sobre tempos pedagógicos diferenciados.

ENSINO 1  Trabalho colaborativo com pares


FUNDAMENTAL II
(Nesta etapa há maiores dificuldades por conta de o trabalho envolver professores
especialistas).
2  Sugestões de atividades pedagógicas diferenciadas.
3  Reflexões sobre tempos pedagógicos diferenciados.
4  A importância do olhar do professor para o aluno como um sujeito capaz de pro-
duzir conhecimentos/ Estabelecimento de vínculo afetivo

SALA DE 1  A importância de o aluno ser atendido individualmente para garantir inclusive o


RECURSOS seu “reforço escolar”.
MULTIFUNCIONAIS
2  Problematizar em quais espaços na vivência escolar o aluno com deficiência inte-
lectual pode ter um espaço de atendimento individualizado de acordo com suas
necessidades.

Nos relatos sobre alunos com deficiência intelectual que se encontram nos diver-
sos capítulos, esperamos que os leitores percebam como as concepções de deficiência
intelectual subsidiam as práticas pedagógicas.

72
Capítulo 2

Trabalho coletivo -
Contruindo diálogos entre
EDUCAÇÃO ESPECIAL e
CURRÍCULO COMUM

Colagem Colagem de Karen Aparecida Favarim, Marta


Menezes Santos e Nelma Cristina de Carvalho Francisco –
Trabalho coletivo

73
Os relatos deste capítulo abordam os esforços
coletivos e dialogados entre professores que buscam
maneiras de promover a participação, aprendizagem e
autonomia dos alunos com deficiência. O currículo é
pensado para todos, e os alunos com deficiência são en-
tendidos como integrantes do grupo. Em alguns casos
a discrepância no acompanhamento curricular é maior
do que em outros, mas os educadores encontram for-
mas de envolver os alunos com deficiência a partir dos
seus interesses e modos de aprendizagem. O processo
de assegurar o lugar do aluno na roda passa por uma
avaliação sensível das necessidades do aluno e de uma
confiança nos resultados do trabalho pedagógico, que
demanda avaliação crítica e reajustes constantes, pois
cada aluno é singular. Os relatos destacam a impor-
tância dos diferentes atores da comunidade escolar na
construção, avaliação, planejamento e replanejamento
de propostas que atendam às necessidades educacionais
do aluno no contexto da escola sempre apontando a
importância de programar com flexibilidade, à medida
que o aluno corresponde e adquire novos conhecimen-
tos e autonomia.

74
Narrativa – À luz da falta da visão: caminhos de uma
prática inclusiva com um aluno cego na Educação Infantil
Karen Aparecida Favarim – Professora de Educação Especial
Coordenadora do Grupo de Trabalho de Deficiência Visual
Marta Menezes Santos – Professora de Educação Infantil

Nome da UE ou SRM: CEI Orlando Ferreira da Costa


Agrupamento ou ano do ciclo: agrupamento III
Público-alvo: deficiência visual

A construção dessa narra- questionamentos, tínhamos, des- importância da mediação, afina-


tiva tem como objetivo descrever de o princípio, um objetivo em co- mos algumas posturas, pensamos
um pouco do processo inclusivo mum bem definido: proporcionar no papel de cada profissional que
de uma criança cega matriculada a Ariel condições para vivenciar atuava diretamente com Ariel
em um agrupamento III, do CEI Or- tudo o que fosse vivenciado pelos (professor regular, professor de
lando Ferreira da Costa, localizadocolegas, garantindo que seu lugar Educação Especial, professor de
no bairro Santa Lúcia, Campinas/ sempre fosse junto à sua turma, AEE e cuidador), planejamos o tra-
SP. interagindo e aprendendo e assim balho a ser feito com toda a turma

Ao receber Ariel no início se modificando, crescendo, explo- para que as crianças se aproximas-

do ano de 2018, nós, professora rando todos os espaços e todas sem da deficiência visual. Enfim,

regular da turma e professora de as vivências propostas, sempre à levantamos tudo isso e muito mais

Educação Especial da escola, co- sua maneira. Em consonância com que considerávamos necessário

meçamos a nos questionar sobre nosso objetivo inicial, Vygotsky para iniciar esse processo. Para

como se daria o processo de cons- (1991) afirma que o desenvolvi- que todo esse trabalho pudesse

trução de mundo de uma criança mento humano acontece permea- acontecer, assumimos juntas o

cega imersa em uma sociedade do pelas interações entre os indi- papel de mediadoras, estudiosas;

que tanto valoriza informações e víduos e o meio social. passamos a observar atentamente
a dinâmica da turma, buscamos
vivências visuais. Como podería- Para atingir esse objetivo,
ampliar o repertório de vivências,
mos transformar o cotidiano da sabíamos que teríamos que pen-
e assim oferecer a Ariel e a todas
Educação Infantil, que em geral é sar em adaptações, reorganiza-
as crianças possibilidades de sair
bastante voltado para o sentido da ções e reconstruções daquilo que
do comum e entrar no surpreen-
visão? Qual postura deveríamos habitualmente era feito. Debruça-
dente, no maravilhamento das di-
adotar no dia a dia para que essa mo-nos, então, sobre o planeja-
versas formas de expressão e sen-
criança fosse respeitada e acolhi- mento proposto ao agrupamento,
timento (CAMPINAS, 2013).
da e, acima de tudo, para que pu- repensamos a organização de si-
desse participar, apropriando-se tuações rotineiras, pequenas, que Todo esse movimento
das ricas vivências e aprendizados poderiam passam despercebidas, aconteceu aos poucos. Algumas
desse período escolar? analisamos o espaço físico e sua ações se concretizaram mais ra-
organização, discutimos a pidamente, enquanto outras fo-
ram tomando forma na medida
Apesar dessas dúvidas e
75
que fomos nos aproximando, nos lhes que se misturavam. Começa- adaptaríamos foi o primeiro pas-
conhecendo, criando afinidades mos então a experimentar esse so para reconhecer possibilida-
como parceiras de trabalho e material, passar a mão, perceber des de trabalho com Ariel.
também conforme nos aproxi- seus detalhes, suas texturas e
Com essa experiência en-
mávamos de Ariel, conhecendo notamos que, além de fazer essa
tendemos que para alcançarmos
suas especificidades, costumes, exploração através do tato, está-
uma prática pedagógica real e efi-
sua forma de se desenvolver e se vamos também utilizando a visão,
ciente para nossa criança cega de-
expressar. Algumas dessas discus- sentido que a nossa criança não
veríamos, como propõe Richter,
sões e reflexões aconteceram no utilizaria. Foi nesse momento que
ir além; seria preciso “muito mais
momento do TDI – espaço insti- entendemos que seria necessário
do que metodologias e métodos;
tuído, destinado para esse pla- adaptar nossos próprios sentidos,
(…) exige a coragem de reinventar
nejamento coletivo –, mas tantas reinventar a maneira como nós
a si mesmos, reinvenção que pas-
outras aconteceram em momen- estávamos olhando e explorando
sa pela experiência de imaginar-
tos não institucionalizados, ao as situações. Foi nesse momen-
-se e fazer-se” (FRONCKOWIAK;
longo de alguma atividade com a to que conseguimos nos colocar
RICHTER, 2005).
turma em que estávamos as duas efetivamente no lugar da criança,
presentes, em minutinhos antes na tentativa de compreender a Começamos então a nos
da aula começar ou terminar, no reinventar e a reinventar a forma
verdadeira situação resultante de
corredor, no momento do café, como mediávamos as vivências
sua condição visual e assim, com
pelo WhatsApp, por e-mail, etc. essa percepção íntima, poder de todas as crianças da turma.
traduzir sentimentos, emoções, Passamos a perceber e a desco-
Uma das maiores lições
interesses, buscas e necessida-brir o mundo a nossa volta, não
que aprendemos juntas, que an-
des (VEIGA, 2013; CAVALCANTE, somente com a visão, mas com
corou todo o trabalho construído
1998). a audição, para explorar e iden-
ao longo do ano, foi aprendida
tificar os diferentes sons dos am-
em um desses momentos coleti- Partindo desse desafio,
bientes que muitas vezes nem no-
vos. Estávamos analisando alguns propusemo-nos a sentir os ob-
tamos – os passarinhos cantando,
materiais já disponíveis em nossa jetos e materiais que usaríamos
o barulho do vento nas árvores,
escola para trabalhar com crian- com a turma de modo a perce-
os carros passando –; com o tato
ças cegas e, em meio a vários ma- bê-los sem priorizar o sentido
para sentir as texturas – suave,
teriais (bola com guizo, letras em visual. Foi assim que pudemos
áspera, macia, lisa, enrugada
braille, figuras geométricas em notar que muitos materiais que
–; com o olfato para perceber o
relevo etc.), encontramos alguns já tínhamos disponíveis em nos-
cheiro do tronco de uma árvore,
bichinhos, flores e objetos feitos sa escola (pequenos objetos de
o cheiro que tem o parque; pas-
em EVA. Ao entrar em contato plástico, imagens em EVA, livros
samos a explorar sentidos que
com esse material imediatamen- em braille com imagens em re-
antes estavam adormecidos, que
te começamos a nos questionar levo) nem nós adultos videntes
pouco eram utilizados no nosso
sobre a qualidade dos detalhes conseguíamos identificar com os
dia a dia.
oferecidos naqueles relevos; olhos fechados, mesmo com toda
questionamos se a representa- bagagem visual que carregamos. Partindo dessa reinven-
ção de uma abelha, por exemplo, Logo, tatear de olhos fechados os ção, desenvolvemos diversas
faria sentido, naquele molde pe- objetos e materiais que estavam atividades de sensibilização
queno, bidimensional, com deta- disponíveis ou que nós mesmas com a turma; queríamos que

76
as crianças também se reinventassem e pas-
sassem a explorar os ambientes utilizando
todos os sentidos, atentos a cada manifestação
auditiva, tátil, sonora. Essa vivência tão rica tinha
que ser experimentada por todos e assim conver-
samos com as crianças sobre a deficiência visual.
Fizemos a leitura e reescrita do livro do Maurí-
cio de Souza “Vendo sem enxergar” (2009); tra-
balhamos com eles as noções gerais do braille,
fazendo-os reconhecer “os pontinhos” (forma
como falavam as crianças) em caixas de remédio,
alimentos, cosméticos; preparamos atividades
com vendas para que pudessem aflorar os outros
sentidos – comer e andar pela escola de olhos fe-
chados. Experimentamos tantas novas formas de
entrar em contato com o cotidiano.

Concomitantemente a todo
esse trabalho de sensibilização feito
com a turma, não poderíamos nos
esquecer das questões específicas
relacionadas ao desenvolvimento
de Ariel, que além da falta da visão
apresentava uma rejeição ao con-
tato a diversas texturas; em muitos
momentos, fazia movimentos repetitivos com objetos ou com
o próprio corpo; não se comunicava funcionalmente através da
oralidade – em geral repetia frases, trechos de músicas e pala-
vras ouvidas em outros contextos, mas não respondia a nos-
sas perguntas e não fazia escolhas; também apresentava pouca
consciência dos tempos e espaços vivenciados pela turma, de-
monstrando, portanto, pouca autonomia.

Tais características não são específicas de uma criança


cega, porém, em seu caso, somavam-se a outras condições, e
12. Turma fazendo atividades da rotina com
assim vimos que o trabalho com Ariel não poderia se limitar a
os olhos vendados (Fonte: imagem do arquivo
da professora). descrições orais e adaptações táteis, comuns às crianças que
13. Explorando os espaços da escola com os
não enxergam. Atentamo-nos então a estruturar as ações que
outros sentidos – tato, audição, olfato (Fonte:
imagem do arquivo da professora). aconteciam no cotidiano com a turma, nunca deixando de co-
14. Impressões das crianças após passar uma
locar Ariel a par de todas as situações, antecipando-as e cons-
tarde com vendas (Fonte: imagem do arquivo
da professora)te: imagem do arquivo da pro- truindo uma rotina estruturada, de modo a trazer segurança e
fessora).
possibilitar ações autônomas. Dentro desse contexto, mesmo
aquelas tarefas que pareciam rotineiramente simples, para

77
15. Divertindo-se em seu
brinquedo favorito do parque,
o balanço (Fonte: imagem do
arquivo da professora)
16. Brincando no tanque
de areia junto aos colegas
(Fonte: imagem do arquivo da
professora)

Ariel, devido às suas características particulares, e prolongada, foi o uso do banheiro. No início do
careciam de planejamento e mediação efetiva das ano Ariel chegou para nós utilizando fralda, e como
profissionais presentes. tarefa primordial definimos o desfralde junto à cui-
dadora. Aqui vale lembrar que a comunicação com
Ariel não acontecia de maneira efetiva e, portanto, a
A intencionalidade nas ações, a clareza dos criança não indicava sua vontade de ir ao banheiro.
nossos objetivos e a persistência nos trouxeram re- Para tal tarefa, começamos a levá-lo diversas vezes
sultados positivos, como os que descreveremos a ao banheiro, enfatizando o percurso e o ato de “fa-
seguir. Um primeiro momento que possibilitou mu- zer xixi no vaso” [sanitário], sempre antecipando a
danças positivas no comportamento de Ariel foi a ati- ação oralmente de modo que Ariel soubesse a que
vidade inicial de entrada na sala em que, diariamen- momento estava sendo conduzido. Com o tempo e
te, as crianças identificavam seus crachás que ficavam permanência das mesmas ações e das mesmas fa-
dispostos em uma mesa e os colocavam numa porta las, com a mera sinalização da cuidadora de ir ao ba-
de metal com o auxílio de um imã. Assim como as nheiro “fazer xixi no vaso”, a criança já se levantava
demais crianças, Ariel era conduzido pela professora e caminhava em direção à porta da sala, que estava
até a referida mesa – é importante frisar que para sempre aberta.
tal situação a mesa estava sempre situada no mesmo
Essas práticas nos levaram a concluir que,
local – onde reconhecia seu crachá – com escrita do
nome em Braille – e caminhava, com mediação, até no caso de Ariel, antecipação, rotina e mediação fo-
a porta para fixá-lo. Com o tempo, com a mediação ram princípios fundamentais para gerar autonomia
constante e com a atividade mantida diariamente, e possibilitar sua efetiva participação. Nesse contex-
Ariel passou a se apropriar desse momento, passou to, Ariel pode atribuir significado às propostas e com
a reconhecer o percurso até a porta, a colocar seu isso evoluir cognitivamente (Vygotsky, 1991).
crachá com autonomia e de lá já se direcionar para a Uma outra atividade que abarcou diversos as-
roda de conversa (próxima atividade a ser feita com pectos do trabalho com Ariel (antecipação das ações,
a turma). rotina, contato com braille, adaptação tátil, apoio da

Outro instante que pode parecer simples na sala de recurso na produção de material em brail-
rotina, mas que necessitou de mediação constante le) foi o uso do calendário diário. Como se tratava
78
de uma proposta para a turma, com o intuito de ser
uma atividade individual e diária, fez-se necessária
a adaptação da atividade: disponibilizamos em re-
levo o quadrado de cada dia da semana, e também
colocamos em braille o número correspondente ao
dia e o nome do mês. Com o passar do tempo, ao
ser chamado para a “mesa do calendário”, Ariel já
se levantava e dirigia-se à atividade com autonomia,
passando a realizar ações às quais era antes muito
resistente: pegar e guardar o giz de cera no recipien-
te, sentir as palavras e números em braille reconhe-
cendo seus locais usuais, sentir a forma geométrica
presente em relevo, utilizar o giz de cera para sentir
seus limites.

Ao longo do ano, para atender às especificida-


des de Ariel, várias outras propostas foram feitas, tais
como: apresentação de letras em braille enquanto a
professora escrevia algo na lousa, troca de filmes por
musicais, organização do espaço para proporcionar
deslocamento seguro, caixa com variados objetos
de uso diário (escova de dente, toalhas, escova de
cabelo, caneca, prato, garfo, colher), livro sensorial, cos de plástico, tinta, cola, sagu cru e cozido, bolinhas
exploração das frutas inteiras no refeitório, inclusão de gel, arroz cru, feijão cru, macarrão cru e cozido e
de Ariel em todas as brincadeiras propostas (dança massinha caseira), dentre tantas outras adaptações.
da cadeira, batata quente, estátua), organização do
Analisando todo o trabalho desenvolvido ao
projeto “dia da meleca” com a turma, que consistia
longo do ano, percebemos que juntas nós procura-
na exploração semanal de diferentes texturas (fari-
mos olhar com atenção e acolher Ariel respeitando
nha de trigo, areia, barro, água com animais aquáti
sua individualidade, entendendo-o como participan-
te ativo da turma, que tem o direito de permanecer
junto às outras crianças, realizando e se apropriando
das mesmas propostas. Entendemos que o essen-
cial não é conquistar grandes resultados ao fim da
jornada, mas é se entregar, vivenciar e se apropriar
de todo o processo; assim como nos diz Guimarães
Rosa, “o real não está na saída nem na chegada: ele
se dispõe pra gente é no meio da travessia”. (Grande
Sertão Veredas, p. 52)

17. Explorando o arroz no Dia da Meleca com a professora


Marta (Fonte: imagem do arquivo da professora).
18. Sentindo as frutas no refeitório com a cuidadora (Fonte:
imagem do arquivo da professora).
19. Brincando de massinha com a professora Karen (Fonte:
imagem do arquivo da professora).

79
Narrativa – Fazer pedagógico para o desenvolvimento da habilidade
de comunicação e o trabalho coletivo entre profissionais e família
para inclusão escolar de uma criança em avaliação diagnóstica
Flávia Fernandes Iafigliola – Professora de Educação Especial
Maria Lúcia Lanza de Paula – Professora de Educação Infantil

Nome da UE ou SRM: CEI Marilene Cabral


Agrupamento ou ano do ciclo: agrupamento II/III integral e agrupamento III

Público-alvo: aluno com deficiência intelectual

O objetivo desta narrativa nesta escola até o final de 2018[8] ças que talvez venham a ter o per-
é compartilhar uma prática de tra- ]e, embora essa prática tenha se curso de investigação diagnóstica
balho que foi inicialmente pensa- mantido mesmo com a mudança concluído apenas quando estas
da para atender à necessidade de de turma em 2017, as necessida- estiverem maiores e/ou no Ensino
dar vez e voz a Kelly, uma criança des educacionais se modificaram, Fundamental, como ocorre muitas
com características sugestivas de pois as ações desenvolvidas refle- vezes no caso do diagnóstico da
deficiência intelectual junto à tur- tiram no seu desenvolvimento e o deficiência intelectual.
ma de Agrupamento II/III e cujo planejamento ganhou outros con- Kelly ingressou no CEI em
Plano de Desenvolvimento Indivi- tornos nos anos seguintes. setembro de 2013, na turma de
dual (PDI) refletiu na turma como A experiência relatada en- agrupamento 1, também conheci-
um todo. Um objetivo deste Plano contra seu lugar no currículo da do como berçário. Ela apresentava
era promover o desenvolvimento Educação Infantil ao trazer para a algumas características fenotípi-
de Kelly e das demais crianças da turma vivências que, além de lúdi- cas e de desenvolvimento que le-
turma nas habilidades de expres- cas, perpassam os conhecimentos vou a equipe escolar a inferir que
sar e compreender ideias e senti- sociais e culturais, oportunizam as poderiam estar relacionadas a al-
mentos apoiadas na fala, imagens brincadeiras com a linguagem e guma síndrome. A conversa com
e objetos, assim como o plane- com o corpo, a expressão, o conta- a família nos trouxe dados sobre
jamento e a articulação entre as to com diferentes ritmos e modu- a história de vida da criança e sua
professoras formam as bases des- lações vocais, o gesto, a imitação e saúde, bem como o olhar da famí-
sa narrativa. o movimento. lia sobre a criança e a expectativa
Essa prática teve início em quanto à Educação Infantil.
A professora de Educação
meados de março de 2015 e se Especial no contexto da Educação Decorrido um ano e alguns
estendeu até dezembro de 2016. Infantil se depara com a especifici- meses de trabalho a pequena cres-
Consideramos importante desta- dade de participar das discussões ceu um pouco e começou a andar.
car que a Kelly para a qual pen- sobre os processos pedagógicos e Os adoecimentos assim como as
samos esse trabalho permaneceu acompanhar os fazeres com crian- ausências foram frequentes. A lin-

8 .: Em 2019 a criança passou a frequentar o ensino fundamental


e está matriculada em uma unidade da rede estadual de ensino.

80
guagem oral não se manifestava professora de Educação Especial e lho, a quantidade de sujeitos-
e sua comunicação era feita por agente de Educação Infantil), foi -adultos envolvidos se modi-
apontamentos. Havia uma inse- de grande valia pois houve uma ficou. Em 2015, contávamos com
gurança marcante na exploração complementação de olhares. A su- mais olhares, mais interlocutores:
do parque ou em situações que gestão inicial feita pela professora professora da turma professora-
requeressem equilíbrio. Pairavam de Educação Especial de usarmos -adjunta, agente de Educação In-
dúvidas quanto à compreensão, cartões de escolha para a turma fantil juntamente com a professo-
pois ela nos respondia com “cara logo gerou uma caixa cheia de car- ra de Educação Especial.
de interrogação” e comumente tões. O material foi pensado pelas
suas respostas/reações eram dife- duas professoras e confeccionado Muitas conversas ocorreram en-
rentes do que esperávamos fren- pela professora da turma que foi quanto as crianças eram acomo-
te ao que tínhamos solicitado e/ também a principal responsável dadas para o sono, pois no coletivo
ou orientado. Contudo, ela apre- pela mediação com o grupo. A podíamos pensar no repertório e
sentava uma característica funda- professora de Educação Especial também trocar impressões sobre
mental: o desejo de realizar as coi- acompanhava o uso do material o desenvolvimento das crianças.
sas por si. Por exemplo, nos jogos nas rodas e fazia as orientações No ano seguinte, estas trocas pas-
de encaixe e na alimentação, foi e avaliação semanal com a pro- saram a ocorrer entre a professora
comum vê-la empurrando a mão fessora. Segundo Longhi e Bento da turma e a de Educação Especial.
de outras crianças que chegavam (2006), a partilha de experiência O planejamento e a troca de refle-
para fazer por ela, antes de buscar entre professores pode favorecer xões sobre o trabalho aconteciam
o auxílio dos adultos para resolver. o desenvolvimento da habilidade no tempo destinado ao Trabalho
Nesse sentido, olhar para para análise crítica, resolução de Docente Individual (TDI) que aqui,
a essa criança dentro do Agrupa- problemas e tomada de decisões. assim como em outras situações,
mento 2/3 à luz de suas caracterís- Ao longo dos dois anos de traba- se revelam mais potentes quando
ticas individuais e da sua história
dentro da unidade escolar levou-
-nos a refletir sobre a necessidade
premente de pensarmos em práti-
cas educacionais inclusivas. Nossa
primeira preocupação foi possi-
bilitar a ela o exercício do direito
de escolha para lhe conferir algum
“empoderamento” e validar para
as demais crianças nosso entendi-
mento que cada um se manifesta
de uma forma e todos são capa-
zes.

O diálogo entre as adul-


tas envolvidas no trabalho diário
com a Kelly (professora da turma,
20. Repertório Ampliado. Imagens pintadas pela turma (Fonte: arquivo
da professora)

81
realizados em pequenos coletivos;
para além disso, em muitas oca-
siões essa ação se deu em espa-
ços informais e fora dos muros da
unidade, dada a afinidade entre as
professoras.

Considerando as especi-
ficidades da criança, a função da
Educação Infantil e a intenciona-
lidade contida no fazer pedagógi-
co ao pensar na caixa de música
como um recurso, tínhamos por
objetivo: auxiliar a criança a com-
preender a função social da fala;
incentivá-la a fazer o que deseja;
incentivar o uso da comunicação
verbal e a expansão do vocabulá-
rio; formular frases com duas ou
mais palavras; incentivar o desen-
volvimento da percepção e discri- 21. Cartazes de rotina, ilustrados com fotos ou figuras (Fonte:
arquivo da professora)
minação visual buscando manter 22. Dedoches, luvas, pantufas, miniaturas e outros signos. Novos
o caráter lúdico no trabalho. materiais inseridos com as crianças (Fonte: arquivo da professora)
professora)
Para tanto, preparamos
uma caixa organizadora feita de ou que novas canções eram tra- As ideias tanto da caixa
papelão e a decoramos com sím- zidas por ela, novas fichas foram de músicas quanto do cartaz de
bolos relacionados à temática acrescentadas à caixa. rotina surgiram da necessidade
musical na tampa e laterais. Para
Utilizamos também os car- de dar voz a uma criança para
confecção dos cartões utilizamos
tazes de rotina (Figura 21) que fo- que ela também pudesse dizer
papel colorido de diferentes cores
ram muito bem-aceitos e reconhe- quais músicas gostaria de can-
para contraste, figuras disparado-
cidos pela turma desde o início do tar e/ou em quais cantinhos ou
ras relacionadas aos títulos das
trabalho. atividades gostaria de brincar,
músicas, plástico autoadesivo, lá-
pis de cor, giz de cera, tinta, cola No ano seguinte a caixa bem como sinalizar para a pro-
colorida. É importante destacar cresceu e deu lugar a uma de plás-
que embora as imagens tenham tico e os signos foram ampliados:
sido escolhidas pelos adultos, as passamos a contar também com
crianças participaram da signifi- fantoche, miniatura, pantufa, de-
cação e ressignificação das figuras doche, alguns objetos sonoros
por elas pintadas e que foram te- (Figura 22), música em sequência
mas de muitas histórias, risadas e com imagem e legenda.
diversão. À medida que novas mú-
sicas eram apresentadas à turma

82
fessora como entendia (ou não) e avaliação dessa proposta foi o ria; foi ferramenta importante
o planejamento do dia. Plano de Trabalho Individual no para pensarmos a prática de
qual elencamos as características trabalho com as crianças e as es-
Para que Kelly pudesse se
da criança observadas nos dife- tratégias a serem utilizadas.
expressar, era preciso oferecer
rentes tempos e espaços dentro
elementos e repertório linguísti- Ao final de 2015 – assim
da Educação Infantil, os objetivos
co. A fim de fazer dessa emprei- como em 2016 – à luz dos objeti-
pensados em cada aspecto (mo-
tada uma brincadeira divertida, vos elencados no plano de traba-
tor, cognitivo, linguístico, social…)
as músicas selecionadas, além de lho que foi pensado, avaliamos o
e as estratégias/materiais a serem
contemplar o conhecimento trazi- trabalho de forma positiva uma
utilizados. O plano nasce da aná-
do pelas crianças e o cancioneiro vez que as estratégias e ações be-
lise das características da criança
popular voltado às crianças, foram neficiaram não só a criança em
no contexto da escola e dá luz ao
escolhidas e representadas de for- questão, mas toda a turma. Nossa
planejamento coletivo para a tur-
ma a exercitar habilidades mne- criança pequena chegou ao final
ma. Logo, fizemos o caminho in-
mônicas, de atenção, linguísticas e do processo se comunicando oral-
verso: em vez de pensarmos como
corporais, discriminação auditiva mente através de frases com duas
faríamos para propor isto ou aqui-
e visual. Quanto ao entendimento palavras, passou a ter voz no gru-
lo para criança, quais adequações
da caixa de músicas e dos carta- po, a ser valorizada e reconhecida
seriam necessárias, pensamos
zes como recursos, de acordo com pelas demais crianças.
como faríamos a proposta para a
Schmitz (apud REGANHAN, 2006) Os cartazes de rotina fo-
turma toda de forma a torná-la in-
estes afirmam que: ram utilizados sempre na roda de
teressante e atrativa para todos os
Motivam e despertam o conversa e marcam o planejamen-
interesse; vitalizam a ati- pequenos.
vidade do aluno; favore- to das atividades do dia. Senta-
cendo o desenvolvimento Levando em conta a baixa das no chão junto às crianças, as
da capacidade de observa- frequência da criança, estabelece-
professoras conversavam com as
ção; dão consistência ao mos um percentual a ser atingido
essencial de cada tema; mesmas de forma a marcar “passo
reforçam a aprendiza- e, após finalização a apresenta- a passo” a sequência dos aconteci-
gem, possibilitando uma mos em uma reunião de TDI para
mentos e a cada referência verbal,
integração das diversas
a família. Esclarecemos as dúvidas, por exemplo: primeiro fazemos a
atividades; aproximam o
aluno da realidade; visua- explicitamos as intenções e ressal- rodinha, o cartaz que representa-
lizam ou concretizam os tamos que o estabelecimento de
conteúdos da aprendiza- va esse momento era mostrado à
metas, inclusive do percentual de
gem; fornecem material turma e, com um pedaço de fita
da experiência; ilustram presença, estava relacionado ao crepe, era colado na lousa na altu-
as noções mais abstra- compromisso que assumiríamos
tas; permitem a fixação ra dos olhos das crianças. E assim,
das aprendizagens; ofere- juntos a partir daquele momen- a rotina do dia era organizada,
cem informações e dados; to, caso houvesse concordância.
cartaz por cartaz durante a roda.
servem para desenvolver o Imediatamente a mãe da pequena
domínio psicomotor; va- Com o passar do tempo, todos
lem para experimentação aceitou e sentindo-se segura, deu compreenderam e a necessidade
concreta. (p. 25) anuência representada pela assi- de apoio das professoras diminuiu
. natura do plano. cada vez mais até chegar o mo-
Uma ferramenta de tra- O plano partiu da descri- mento em que esperavam apenas
balho que nos auxiliou na orga- ção de habilidades e aquisições para receber um pedaço da fita
nização, condução, flexibilização esperadas conforme a faixa etá- adesiva pois já identificavam as

83
imagens, e as discussões e ajustes eram feitos se al-
pois a família pode compreender melhor o trabalho
guma criança se equivocasse e nova montagem de que seria desenvolvido. Foi interessante observar
sequência acontecia sem auxílio. O uso dos cartazes como uma planilha com lista de objetivos, propos-
de rotina contribuiu para a diminuição da ansiedade tas de atividades e estratégias alcançou nessa família
das crianças, possibilitou melhor compreensão das uma dimensão que todas as falas nas reuniões e nos
noções espácio-temporais, de conceitos abstratos anos anteriores não conseguiram atingir no que diz
como antes e depois, por exemplo e contribuiu para respeito à importância dos tempos e espaços de vi-
o desenvolvimento de habilidades cognitivas de for- vência na Educação Infantil. Ao final dos anos letivos
ma divertida e prazerosa. de 2015 e de 2016, após avaliação das professoras,

Sobre o exercício de preparar o plano, des- apresentamos aos nossos parceiros o quão longe tí-
tacamos a fala de uma das autoras: “Deu trabalho nhamos conseguido ir juntos. Na última reunião dos
pensar e colocar no papel, mas ter o plano dela me anos letivos recuperamos os respectivos planos e
ajudou demais porque eu sabia para onde eu tinha juntos fomos riscando cada objetivo vencido, cada
que ir com ela e tinha apenas que pensar em como ia meta alcançada, cada aprendizagem e experiência
conquistada. “A meta de atingir a meta” foi mais que
levar a turma junto”.
cumprida, quantitativa e qualitativamente. E o que
Para além de ser um apoio para as profes- para nós foi o mais essencial, a qualidade do vivido,
soras, esse plano contribuiu para que a frequência do pensado, do experimentado, do ensinado e do
da Kelly melhorasse e ela se tornasse mais assídua, aprendido por todos.

84
Narrativa – Planejamento coletivo de organizações pedagógicas
para inclusão de aluna com deficiência intelectual
Daniela Fernanda Flores – Professora de Educação Especial

Nome da UE ou SRM: EMEF Correa de Mello


Agrupamento ou ano do ciclo: 8º ano do Ensino Fundamental
Público-alvo: aluno com deficiência intelectual

O trabalho pedagógico rea- Nos últimos três anos em base neste dado, compreende-se
lizado na Escola Municipal de En- que esteve matriculada nos anos que a parceria, o relacionamen-
sino Fundamental (EMEF Correa finais do ensino fundamental, par- to e o trabalho coletivo entre os
de Mello) na perspectiva da edu- ticipou da dinâmica de todas as docentes fizeram o diferencial no
cação inclusiva tende a valorizar a aulas (Língua Portuguesa, Mate- planejamento de propostas que
pluralidade e se reorganizar para mática, Ciências, Geografia, Histó- promoviam o desenvolvimento
acolher as diferentes formas de ria, Educação Física, Arte e língua cognitivo da aluna.
aprendizagem. Alunos como Ana estrangeira – Inglês) que com- A parceria com os profes-
Vitória com 16 anos e com defi- põem o currículo escolar. sores das diferentes disciplinas é
ciência intelectual (Síndrome de O acesso aos conteúdos fundamental para a organização
Down) para a qual são planejadas depende dos apoios necessários de atividades, de acordo com o
adequações que atendam às suas para a participação e aprendiza- currículo da turma. Como os tem-
necessidades de aprendizagem gem, conforme a Política Nacional pos pedagógicos realizados du-
fazem parte dessa proposta, que de Educação Especial na Perspec- rante o trabalho docente coletivo
será abordada nessa narrativa
tiva da Educação Inclusiva. (TDC) na unidade escolar costu-
Ana Vitória esteve matri- A educação especial dire- mam não ser suficientes para os
culada na mesma escola pública ciona suas ações para o assuntos tratados sobre a Educa-
atendimento às especifi-
municipal do 1º ao 8º ano (2010 cidades desses estudantes ção Especial, a professora de Edu-
a maio de 2019). Faltando um ano no processo educacional e, cação Especial também se reunia
letivo para concluir o Ensino Fun- no âmbito de uma atua- em outros tempos pedagógicos
ção mais ampla na escola,
damental (EF), a família mudou-se orienta a organização de dos professores para juntos pla-
para outro país da América Lati- redes de apoio, a forma- nejar ações voltadas a aprendiza-
ção continuada, a identi-
na. Em todo percurso escolar foi gem da aluna, de acordo com as
ficação de recursos, servi-
acompanhada por professora de ços e o desenvolvimento propostas das Diretrizes Curricu-
Educação Especial que planejava de práticas colaborativas. lares da Educação Básica da SME
(BRASIL, 2008, p.11)
junto à equipe escolar o trabalho de Campinas referente aos anos
pedagógico para promover a fre- A professora de Educação finais.
quência, permanência e aprendi- Especial, que a acompanhou dia- As atividades eram prepa-
zagem possível da aluna na classe riamente no período da manhã radas em conjunto com os pro-
comum. por três anos seguidos, atua na
fessores de acordo com o tema
mesma escola há cinco anos. Com
85
estudado e com as adequações Neste relato de experiên- que ainda lidamos com o formato
necessárias à sua condição, com cia, é fundamental registrar que de exigências que a instituição es-
a finalidade de promover sua par- Ana Vitória não se comunica por colar exige dos alunos e professo-
ticipação em todo o processo de meio da fala, mas, com a convi- res, ou seja, a postura correta, “a
aprendizagem, pois a professora vência, é possível compreendê- forma de se enquadrar sentados
de Educação Especial acompa- -la com seus gestos e balbucios. na cadeira diante da carteira”.
nhava-a frequentemente na sala Compreendendo cada vez melhor Ana Vitória, no seu próprio ritmo,
de aula comum. Nos momentos o que lhe era orientado, a aluna amadureceu intelectualmente,
avaliativos, os professores reco- gesticulava “sim”, “não”, ou ape- por meio da mediação no contex-
nheciam o envolvimento da aluna nas não cumpria o que lhe era to escolar.
cada vez melhor no trabalho pe- proposto. Ela apresentava difi- Houve várias conquistas
dagógico coletivo, o que favorecia culdades na coordenação motora em relação ao aspecto cognitivo;
a comunicação e a compreensão fina, e não registrava o conteúdo a família reconhecia o avanço do
da aluna na dinâmica escolar. das matérias de acordo com a es- trabalho pedagógico realizado
crita convencional, mas sim por
Nessas propostas, a com a filha e identificava que a
meio de traços não convencio-
aprendizagem se dava por meio cada dia, amadurecia e se torna-
nais. Contudo, permanecia entre
das adequações necessárias para va mais independente, acompa-
os colegas nos trabalhos escola-
o seu melhor desenvolvimento nhando assim toda a dinâmica do
res em grupo, e no caso de entre-
pedagógico, através de: adequa- processo escolar no IV Ciclo. Com
ga de trabalho em dia estipulado,
ções curriculares de escola, ade- o cuidador compartilhado com
a parceria com a família favorecia
quações curriculares de sala de outros alunos, com a função de
a realização da tarefa solicitada.
aula e adequações curriculares ajudá-la nas atividades de higie-
O contato com a mãe em relação
individuais (após esgotadas as ne, necessitava cada vez menos
ao comportamento, a aprendi-
outras possibilidades). de seu auxílio.
zagem, aos trabalhos pedagógi-
O currículo do Ensino Como todo o trabalho es-
Fundamental deve pro- cos, ocorria por meio de recados
mover adequações para tava voltado para a inclusão da
diversos, como: pessoalmente,
corresponder à função aluna, os colegas se beneficiaram
contato telefônico, mensagens
que lhe é própria: a
muito devido à parceria, pois di-
apropriação pelos edu- escritas no caderno e pelo meio
candos, através da me- versas ações eram realizadas em
de comunicação – WhatsApp. O
diação do conhecimento, sala de aula envolvendo todos os
dos saberes produzidos constante contato com família
alunos, seja em relação à defi-
histórica e socialmente, funcionava como a principal via
correspondentes ao nível ciência intelectual de Ana Vitória
de acesso à aluna com deficiência
ou estágio de desenvol- ou outra deficiência relacionada
vimento do sujeito. En- intelectual mediante suas dificul-
tende-se, dessa forma, a outros colegas. Para uma maior
dades na comunicação e de com-
um currículo como plano conscientização, a professora de
preensão.
de ação, que determina Educação Especial, com a ciên-
os objetivos da educa- Alguns alunos da sala cia da equipe gestora, organiza-
ção escolar, que prevê e
especifica o que, como, eram considerados alunos parcei- va atividades juntamente com
quando ensinar e quan- ros por demonstrarem iniciativa os demais professores sobre as
do avaliar. (CAMPINAS, de auxiliá-la. O progresso no de- necessidades das pessoas com
2014, p.35-36)
senvolvimento ocorreu de manei- deficiência.
ra lenta, e não foi fácil, uma vez

86
A partir de vídeos, livros e debates e vivên-
E, além da equipe gestora presente, considera-
cia, os demais alunos compartilhavam interesses, ti- mos que outros fatores que sustentam um bom
ravam dúvidas e se socializavam melhor acerca das trabalho pedagógico inclusivo são: não haver muita
diferenças entre si. Nas aulas de Educação Física, osrotatividade anual de professora de Educação Espe-
alunos vivenciaram experiências práticas com cadei- cial e a presença desta profissional diariamente. Nes-
ras de rodas de basquete, vôlei sentado, goalball, an-
ta unidade educacional, há sempre duas profissio-
dar com olhos vendados, caminhada de três pernas, nais para atender os três períodos de aula (manhã:
entre outras. anos finais; tarde: anos iniciais; e noite: Educação de

Além do trabalho que era realizado com a Jovens e Adultos).


aluna, ainda há outros alunos com deficiência que
exigem diferentes orientações e adequações curricu-
lares baseados nos planos de ensino dos professores.

A equipe gestora foi também grande parceira


ao contemplar a gestão do sistema educacional inclu-
sivo, dando suporte na eliminação de barreiras ati-
tudinais, conceituais e estruturais. Valorizamos tam-
bém as ações formativas, garantindo a continuidade
de reuniões com os pares, assegurando a compra de
materiais e favorecendo a parceria com outras áreas.

87
Narrativa – Uma escola inclusiva é uma escola para todos!
A magia da contação de história
Sandra Prado de Lima – Professora de Educação Especial

Nome da UE: EMEF Professor André Tosello


Agrupamento ou ano do ciclo: 3º ano do Ensino Fundamental
Público-alvo: aluno com deficiência intelectual

O objetivo principal desta ideia de pensar nestas possibili- muita alegria de oficinas literá-
narrativa é descrever o trabalho dades para promover mudanças rias, que acontecem em torno
com projetos para o enriqueci- a partir de um trabalho que in- dos temas de suas obras e tam-
mento das práticas pedagógicas cluísse todos os alunos através bém são envolvidos em concur-
inclusivas junto ao Pedro, um alu- da contação de histórias e o tra- sos de produção, peças teatrais e
no com deficiência intelectual. balho com as percepções sen- várias outras atividades.
Esses projetos propõem aos alu- soriais. Contudo, a preocupação A oficina da professora
nos possibilidades de construir maior foi desenvolver com toda de Educação Especial, iniciada
significados por meio de expe- a escola as várias temáticas rela- em 2015, é a contação de histó-
riências com várias linguagens e cionadas a cada autor, ou seja, as ria, que apostou no trabalho com
sensações diversas proporciona- turmas de cada ano usando te- as percepções sensoriais, sendo
das por oficinas de contação de mas e autores bastante originais, mais uma entre as oficinas da Fli-
história que mobilizaram a leitura como por exemplo, temas indíge- sello. Há interação dos alunos na
de autores que foram homena- nas, africanos, entre outros. confecção de parte dos cenários
geados pela escola. Tivemos como opção e participação de alguns atuando
Há na escola diferentes para este trabalho a construção como personagens da história.
projetos que constroem conhe- de oficinas literárias e cada pro- A professora de Educação Espe-
cimento, atitudes e valores; são fessor ficou responsável por uma cial conta a história em todas as
eles: incentivo à leitura, valores oficina. Este projeto FLISELLO turmas e ainda aproveita para
humanos, cultura popular, en- (Festival Literário do Tosello) teve orientar e disponibilizar temas
tre outros. O presente trabalho início em 2013 e agora aconte- diversos sobre as deficiências,
surgiu dentro da perspectiva in- ce anualmente em outubro, na dialogando com os alunos sobre
terdisciplinar, para aliar práticas semana das crianças, com a rea- o respeito às diferenças. A oficina
inclusivas, transformar um dia de lização de várias oficinas. Esse promove também aprendizagem
aula em um momento mágico e festival é mais um projeto de in- de um pouco de língua de sinais
ainda contribuir para a aprendi- centivo à leitura que apresenta usando o alfabeto LIBRAS. Segue
zagem global de todos os alunos. repertório e biografia de diversos abaixo um pequeno resumo de
autores. A cada ano um (a) autor algumas oficinas realizadas:
Entrando neste mundo
(a) é homenageado com a dispo-
de possibilidades e, após verifi- Oficina 2016 – 4º Festival
nibilização de livros do seu acer-
carmos o projeto pedagógico da – Daniel Munduruku – Livro “Um
vo. Os alunos participam com
escola, a equipe escolar teve a sonho que não Parecia Sonho”

88
que foi adaptado para contação de história, desta- tos dos pássaros (Figura 23).
cando conceitos ligados ao ensino da cultura indí- Muitos foram os resultados obtidos desses
gena. Na sequência, o projeto culminou na oficina momentos, os quais se perpetuaram na memória
sensorial que reproduziu o ambiente da mata dentro das crianças, cada qual com seu jeito especial de ser.
da sala de aula, trabalhando todos os sentidos. Logo Foram vivências repletas de significados e emoções
na porta da entrada havia a figura de uma criança enriquecidas pelos estímulos sensoriais. Foi uma
indígena com uma frase do autor Daniel Munduruku oportunidade que movimentou nos alunos novas e
em braille. múltiplas interpretações, interesse em participar do
Oficina 2017 – 5º Festival – Ruth Rocha – Li- teatro, e ainda propiciaram aos alunos expandir os
vro “Romeu e Julieta” que foi adaptado para conta- limites da imaginação e criatividade, favorecendo a
ção de história sensorial com luzes, músicas, sons, o aquisição do hábito de leitura. Ocorre uma troca de
colorido do cenário, intérprete de LIBRAS. encantamentos, pois realizamo-nos profissionalmen-
te quando observamos o brilho nos olhos, a atenção
Oficina 2018 – 6º Festival – Rogério Barbosa
e concentração das crianças ao escutarem a história,
Andrade – História “Contos africanos para crianças
e ao mesmo tempo, as crianças se deslumbraram
brasileiras – jabuti de asas” – adaptação para conta-
quando se depararam com a contação de histórias
ção de história sensorial. Na história, os alunos par-
feita de uma maneira simples com pequenos efeitos
ticiparam interagindo com interpretação de algumas
especiais, por meio de cores, sabores, cheiros, luzes,
aves africanas e com uma fala improvisada na hora
sensibilidade… E objetos que vão surgindo no decor-
em que foram chamados. Havia cenários, luzes, api-

23. FLISELO e o cenário Jabuti

89
rer da história surpreendem os alunos. Essa magia asas”, mostrando uma melhor percepção e memó-
nos atrai para continuarmos firmes nessa emprei- ria. O aluno ainda precisa de um apoio diário, mas
tada. aos poucos está conseguindo construir seu universo
de conhecimentos.
O que ficou para o aluno? O aluno Pedro,
começou a participar da oficina em 2017, quando Em todas as oficinas apresentadas, o proje-
entrou na unidade escolar. Junto com a professora to explorou a sensibilização de todos os alunos, pro-
polivalente Rosângela e a professora de Educação moveu maior conexão das abordagens de aprendi-
Especial, o aluno foi estimulado com atividades di- zagem, para que os professores percebessem com
versas que envolviam a motricidade global, o visual, qual sentido eles apresentam maior habilidade. Na
as cores, e com o projeto ele foi se envolvendo pas- disciplina de artes, os alunos dos terceiros anos pin-
so a passo, com intervenções e com as apresenta- taram nos tecidos imagens do livro utilizado para a
ções dos autores, dos livros, das atividades de classe contação da história e para o cenário, prestigiando a
e com as histórias contadas e lidas pela professora visualidade. São vivências que ficarão para sempre.
polivalente. O que ficou para a Unidade Escolar? Um tra-
As contações de histórias contribuíram para balho colaborativo, que só é possível quando temos
ampliar sua percepção sensorial e a interação com uma gestão que aprova e apoia toda a equipe.
as outras crianças. O aluno conseguiu relatar mes-
mo depois de um ano parte da história “O jabuti de

90
Capítulo 3

Colagem de Elise Helena Batista


Moura e Suselei Bedin Affonso-
Socialização e acolhimento

A prática pedagógica para


socialização, acolhimento e
construção de AUTONOMIA dos
público-alvo da Educação Especial
no contexto da escola.

91
As narrativas agrupadas neste capítulo focalizam os proces-
sos de socialização, pertencimento e participação dos alunos com
deficiência em meio ao grupo classe. Em alguns relatos percebe
que os educadores viveram uma experiência semelhante de se de-
frontar com a responsabilidade de trabalhar com um aluno com
deficiência pela primeira vez. Esta situação gerou insegurança,
inicialmente. Mas tal sensação foi logo superada no cotidiano das
relações e a partir do estabelecimento do vínculo com o aluno.
Entretanto, era preciso também promover um vínculo do aluno
com seus colegas. O isolamento de uma criança no contexto social
é sempre prejudicial, e essa situação não é exclusiva das crianças
com deficiência; pode acontecer com qualquer criança. Os autores
relatam as suas estratégias de intervenção nas dinâmicas sociais
nesse bloco de textos, mostrando como promovem a empatia
nos alunos, o cuidado com e a escuta do outro, as formas como
abordam o tema de diversidade abertamente, como oferecem
modelos de acolhimento e como, às vezes, sutilmente, promo-
vem situações em que as diferenças se minimizam. Alguns relatos
evidenciam a grande motivação do próprio aluno com deficiência
em querer participar das brincadeiras, mostrando que os adultos
apresentam resistência em promover sua autonomia por medo
que a criança se machuque. Outros relatos mostram a importân-
cia do trabalho cuidadoso e paulatino de levar a criança ao en-
contro social na atividade em dupla, longe da balbúrdia. É preciso
conhecer bem as crianças para melhor mediar as relações com seus
colegas, dizem os educadores. Todos os relatos evidenciam a im-
portância de se promover as relações sociais entre aluno, entre os
alunos e professores, enfim entre toda comunidade escolar para
construção da autonomia e participação do aluno com deficiência.

92
Narrativa – Reflexões sobre aprendizagem, autonomia e a
interação social: Inclusão de uma aluna com cegueira
nos primeiros anos do ensino fundamental
Elenir Santana Moreira – Professora de Educação Especial do
Atendimento Educacional Especializado
Silvana Lopes Ferraz – Professora de Educação Especial

Nome da UE ou SRM: E.E. I. Professor Zeferino Vaz


Agrupamento ou ano do ciclo: anos iniciais do Ensino Fundamental
Público-alvo: aluno com deficiência visual

A presente narrativa refe- ce sempre foi uma criança desen- mento dos ambientes? Faremos
re-se ao processo de inclusão de volta e curiosa, querendo saber adaptação curricular? Mas como
uma aluna com cegueira que foi tudo o que estava acontecendo adaptar? E a locomoção dentro
matriculada em 2015 no primei- ao seu redor, explorando o am- da escola? E a interação dela com
ro ano do ensino fundamental na biente onde se encontrava e per- os colegas?
EMEFEI/EJA Professor Zeferino guntando sobre outros espaços Grande foi a nossa surpre-
Vaz, permanecendo até os dias que ainda não conhecia. Em mo- sa ao notarmos que sozinha ela
atuais, em que frequenta o quinto mento algum demonstrou medo já respondia a parte das nossas
ano. Ao compartilhar essa expe- ou insegurança em conhecer ou dúvidas, pois buscava explorar e
riência, objetivamos mostrar os explorar cada canto da escola. Ra- conhecer os espaços com auto-
impactos e a prática do trabalho pidamente fez amigos e mesmo nomia, falava de suas necessida-
cotidiano que a presença desta que esses ainda não a procuras- des de forma espontânea e segu-
aluna em nossa escola proporcio- sem para as principais atividades, ra. Isto nos fez pensar o quanto
nou, fazendo-nos repensar sobre ela mesma se desafiava a estar era preciso colocar em prática o
o aprender, autonomia e a intera- com eles. Adaptou-se rapidamen- que sempre falávamos – antes de
ção social ao longo desses anos. te com a organização da escola de qualquer planejamento é preciso
ensino integral.
Os desafios encontrados conhecer o aluno, saber o que ele
neste caminho foram muitos, mas A equipe escolar (profes- sabe, saber o que precisamos en-
as possibilidades de um trabalho sores da turma, equipe gestora sinar e como ensinar.
conjunto também foram diversas. e professoras de Educação Espe- Assim, conjecturamos
Para que esta narrativa cial), ao saber da matrícula desta que o nosso maior desafio era
tenha mais consistência e para aluna no primeiro ano, começou o de ensinar o que fazia sentido
esclarecer como esta experiên- a se indagar: Como faremos para para uma criança cega, em espe-
cia de ensino foi impactante para que ela participe das atividades cial para Alice – com toda sua per-
nós, é importante que se conheça propostas? O que faremos com sonalidade, e ao longo de todo
a aluna. Desde que chegou à es- ela e para ela? E a exploração e caminho, aprender com ela.
reconheci
cola, Ali
93
Quando recebemos Alice em nossa escola, os Ainda hoje, observamos que Alice continua
diversos espaços físicos ainda não tinham sido sina- curiosa e desejando conhecer/ver tudo e todos a sua
lizados, mas, mesmo assim, ela os foi conhecendo volta, aproveitando os horários de tempo livre para
através da exploração tátil e da descrição/nomeação brincar e se arriscar, subindo e descendo de diferen-
feitas pelos professores, cuidadores, colegas e/ou a tes alturas no parque, nas arquibancadas da quadra,
pessoa que estava a acompanhando. A vontade de nos bancos do pátio. Na sala de aula, conhece todos
conhecer a escola nova era tão grande, que a aluna seus colegas e os lugares onde eles se sentam.
solicitava que as pessoas descrevessem os lugares É importante colocar que a necessidade que
por onde passava, não se limitando a ficar em um ela tinha de explorar o espaço, de perguntar, de
único espaço. querer ver/tocar para conhecer o que estava a sua
No parque, não se intimidou diante dos brin- volta, causou certa estranheza para nós professores.
quedos; subiu e desceu escadas, escorregou, depen- A ideia da criança cega que ficaria sentada em
durou-se na casinha de madeira, sorriu, andou para sua cadeira levantando-se somente quando fosse
lá e para cá, brincando como as demais crianças que solicitada, precisou ser desconstruída. Desconstrução
estavam ali. Nos horários de intervalo e recreação, essa que foi provocada pela própria aluna, pois ao
também não foi diferente: a aluna brincou de pega- chegar com seu jeito de ser, nos possibilitou rever
pega, andou pelos espaços do pátio, participou de conceitos enraizados sobre o que é ser cego dentro
brincadeiras de faz de conta, aproveitou como todos de uma escola comum.
o tempo livre que tinha. Buscamos ler livros, textos, assistir vídeos so-
Em sala de aula, ela não se limitou a ficar bre cegueira/deficiência visual, fazer reflexões e dis-
sentada em seu lugar. Tinha necessidade de conhe- cussões nos horários de Trabalho Docente Entre Pares
cer e “ver” do que era composto aquele ambiente, (TDEP) e Trabalho Docente Coletivo (TDC), buscamos
assim, andava pela sala, conhecia os colegas e os lu- ajuda de colegas com experiência em trabalho com
gares onde se sentavam. Conhecia a mesa das pro- pessoas cegas, contato e conhecimento do trabalho
fessoras e os objetos que estavam sobre ela – pastas, de Organizações Não Governamentais (ONGs) espe-
estojos, giz etc. cializadas em deficiência visual. Esses conhecimen-

24. Alice abraçando uma árvore (Fonte: arquivo da


professora)
25. Alice em cima da árvore (Fonte: arquivo da
professora)professora)

94
tos nos levaram a perceber que Ainda que sempre estivés- volve e cria recursos para que
aquela criança que não enxergava semos fazendo estas orientações, possa participar.
era antes de tudo criança. Criança Alice sentia a necessidade de pon- Na primeira apresenta-
que andava pela sala de aula, que tuar para as cuidadoras que ela ção que sua turma faria aos fa-
falava em momentos que era para queria brincar como as demais miliares, a indagação de como
só ouvir, que queria mexer onde crianças, aproveitando seu tempo faríamos para a Alice dançar e
não podia, necessitando ser cha- livre. Em uma dessas situações, participar foi resolvida pela na-
mada à atenção como qualquer comentou com as cuidadoras que turalidade com que ela agiu nos
outro aluno. não as queria mais com ela, que ensaios. A professora inicialmen-

As formações em TDC’s e poderiam deixá-la sozinha. te lhe mostrou corporalmente


TEDEP’s foram fundamentais pois A cada ano, aprendemos como eram os movimentos e ela
contribuíram com as reflexões mais com a Alice; ela nos mostra então dançou passo a passo a co-
sobre as questões relacionadas à que ser cega não a impede de es- reografia, permitindo que a me-
aprendizagem, e conhecimentos tar com as demais crianças. Ainda nina a tocasse. Alice sentiu como
sobre como tornar os materiais não presenciamos na escola uma eram os passos da dança através
acessíveis e sobre os processos de situação em que ela tenha se ame- das orientações pontuais da pro-
aprendizagem do braille. Buscou- drontado. Em brincadeiras reali- fessora e rapidamente aprendeu.
-se focalizar o direito de Alice de zadas pelas crianças como a do Nos ensaios seguintes, sempre ti-
ser criança, explorar espaços e co- elástico – onde é preciso que duas nha um colega para ajudá-la. Ela
nhecê-los da forma mais autôno- crianças fiquem na ponta e uma se apresentou lindamente para
ma possível. terceira faça movimentos, pulan- seus familiares no dia marcado

A aluna seguia nos ensi- do em cima do elástico – ela se en- como e com os alunos da sua tur-
ma. E assim, depois desta apre-
nando que a deficiência não a
sentação, Alice participou de
definia como pessoa; tratava-se
todas as outras apresentações
de uma condição que fazia parte
que foram promovidas pela es-
da sua vida, mas a sua história era
cola.
bem mais que isso.
Nas aulas de Educação Físi-
Assim, notamos que seria
ca, o professor relata que Alice
primordial trabalhar diretamente
participa das atividades pro-
com as cuidadoras, para que elas
postas com bastante desempe-
permitissem a independência da
aluna na escola. Para tanto, fize-
mos orientações pontuais sobre
26. Vivências nas aulas
o fato de que Alice tinha o direito de educação física (Fonte:
de brincar com as demais crianças Arquivo do professor de
educação física)
da escola, nos horários de lanche 27. Vivências nas aulas
e recreação. Solicitamos que o te- de educação física (Fonte:
Arquivo do professor de
mor que as cuidadoras expressa- educação física)
vam de a aluna se machucar fosse
substituído por ideias e colabora-
ções para que ela pudesse fazer
parte de todas as brincadeiras.
95
nho e desenvoltura, desde que lhe sejam oferecidos simples, e por sua vez, os alunos relataram o quanto
os recursos que necessita para poder compreender era difícil subir e descer as escadas sem utilizar a vi-
o processo; para isso é importante mostrar os movi- são.
mentos de cada atividade e sempre ter alguém para Continuamos neste processo de contribuir
acompanhá-la. para que a Alice escreva sua história nesta escola e
Além do trabalho com os professores e cuida- na própria vida, como sujeito autônomo que ela é,
doras, também fizemos atividades de vivências práti- explorando, se arriscando, vivendo de acordo com os
cas com as turmas em que a Alice tem estudado, ou interesses de sua idade, através de um trabalho con-
que poderá estudar, a fim de que eles compreendam junto com os professores, cuidadoras, equipe gesto-
que as peculiaridades da deficiência visual/cegueira ra, família e alunos.
não a impedem de fazer e aprender muitas coisas do
que eles aprendem e fazem, contribuindo para a con-
vivência e respeito às diferenças.

Nestas vivências, considerávamos que era


imprescindível que a Alice fosse a protagonista em
algumas situações e ensinasse aos alunos o que para
ela era natural, como por exemplo, subir e descer as
escadas da escola sem enxergar. Nesta vivência foi
possível notar o quanto ela estava empoderada ao en-
sinar seus colegas a fazer algo que para ela era muito

28. Vivências nas aulas de educação física (Fonte: Arquivo


do professor de educação física)
29. Vivências nas aulas de educação física (Fonte: Arquivo
do professor de educação física)
30. Vivências nas aulas de educação física (Fonte: Arquivo
do professor de educação física)

96
Narrativa – O fazer pedagógico e a construção
de vínculo para inclusão do aluno com TEA
Maria Angélica Arruda Dias Ladaga – Professora dos anos iniciais do Ensino Fundamental
Solange Maria Américo – Professora de Educação Especial Coordenadora do Grupo de Trabalho de TEA

Nome da UE ou SRM: EMEF Silvia Simões Magro


Agrupamento ou ano do ciclo: ciclo II do Ensino Fundamental
Público-alvo: aluno com Transtorno do Espectro Autista

Este texto apresenta a mi- Na escola anterior em que um colega. Minha referência con-
nha primeira experiência como André estudou, ele sequer pinta- tinuou muito forte para ele. Hoje
professora de um aluno com va. Hoje, lê e escreve com letra de em dia, pede-me, algumas vezes,
transtorno do espectro autista em forma maiúscula, além de ter boa para fazer atividades iguais às da
minha sala de aula. O aluno André,coordenação motora fina. Conver- classe – e por que não? Participa
10 anos, foi matriculado este ano sei com os demais alunos da classe da aula contando algumas vivên-
de 2019 na escola. No seu primei- sobre o TEA e pedi para que auxi- cias pertinentes ao que está sen-
ro dia de aula, a mãe veio apresen-
liassem o André nas atividades. A do falado; preocupa-se se algum
tá-lo e me disse que era autista. organização da sala de aula facili- colega precisa ir embora antes do

Eu nunca tinha trabalhado ta a aproximação entre os alunos. horário; pediu uma atividade com

com um aluno com TEA, e a sua Desde o primeiro dia, André sen- letra cursiva, realizada com ca-

matrícula aconteceu justamente ta-se exatamente no mesmo lugar. netinha, é claro! Na Matemática,
consegue fazer contagem com de-
no ano em que a escola não teria No início, ele não tinha
senho. Iniciou o processo da mul-
mais, no período da manhã, a pre- muita disposição para realizar as
tiplicação e divisão, com material
sença da professora de Educação atividades; cansava-se rapidamen-
concreto. Ainda há muitos avan-
Especial. Meu primeiro passo foi te com poucas exigências. Por vá-
ços, porém, percebo que o víncu-
criar um vínculo com ele. Busquei rias vezes, sentei-me ao lado dele
lo comigo e com a classe facilita a
leituras sobre o tema, realizei en- e o elogiava a cada avanço. Foram
parte social e o ensino / aprendi-
trevista com os pais… tudo para muitos! Os primeiros desenhos fo-
zagem do André.
entender melhor o TEA. ram surgindo… muitos elogios. Os
coloridos apareceram (principal- Relato da coordenadora
Criar vínculo não foi difí-
cil. Em seguida, teria de ajudá-lo mente usando caneta hidrocor); os do GT sobre o trabalho
a não falar mais “Eu não sei” para “eu não sei” foram cedendo lugar pedagógico da professora
à realização da atividade. As ativi- com André
qualquer atividade. Eu precisava
dades foram sendo acrescentadas,
levá-lo a entender que desenhar
desafios colocados e a superação Neste intuito de promover a
e pintar era um processo espontâ-
acontecendo. participação de André, a educadora
neo e que, se ele quisesse apren-
der a letra de mão, estaria dispos- Ele começou a aceitar se abriu portas que evidenciam o fa-
ta a ajudá-lo, apesar dos muitos relacionar com alguns colegas. zer pedagógico não assumia estig-
“Eu não sei esta letra”. Criou vínculo especialmente com mas. Pelo contrário, reconhecia as

97
possibilidades escolares do aluno do naquele determinado espaço na, a educadora tem possibilidade
com TEA. Nosso maior empenho ou ambiente. No caso de André, de trabalhar os espaços-tempos
deve ser o de contribuir na supera- a educadora reconhece que ele a com sua turma e trazer para pauta
ção dos rótulos e mitos, à medida utiliza como referência e porto se- do dia os eventos que ocorrerão,
que se vai ganhando maior conhe- guro e, também elegeu um colega sem ocasionar ansiedade em An-
cimento sobre o tema ou assunto. no contexto escolar para o auxiliar dré no aguardo dos acontecimen-

Observa-se, também, a nesses processos autorregulado- tos. Tais procedimentos na dinâ-



preocupação da educadora em res. mica escolar nos auxiliam a mediar
os conteúdos de maneira lúdica,
acolher todos os alunos, pois É imprescindível que o
permitindo aos alunos o estímulo
quando traz para pauta as ques- aluno com TEA tenha oportunida-
da linguagem visual que, nas fai-
tões de convívio e auxílio mútuo, de de realizar as mesmas ativida-
xas etárias que estamos a lidar, é
prepara uma geração para olhar des que seu grupo escolar execu-
uma porta natural de entrada as
as diferenças e também a se ver ta. Para tanto, é importante haver
informações. Os pictogramas ou
nelas. A atuação da educadora flexibilidade e mediação que fa-
as imagens que demonstram cada
nos confirma o quanto se pode voreça a adaptação social, que e
etapa do dia, contribuem na au-
trabalhar abertamente no promova a vivência participativa e
torregulação do que será realizado
convívio em sala de aula questões efetiva dos alunos com TEA no es-
nos próximos momentos na escola
complexas relacionadas às paço de nossas escolas inclusivas.
e, assim, agem positivamente na
especificidades dos transtornos Além disso, a educado- estabilidade do humor. Portanto, a
do espectro autista. ra nos traz a seguinte colocação: educadora deve ter o quadro em
Vemos a educadora colo- “preocupa-se se algum colega tamanho adequado para a visuali-
cando em prática ações bastante precisa ir embora antes do horá- zação de todos, e além disso, com
adequadas para inclusão do aluno rio”. Manifestações como essa são imagens perceptivas aos alunos
com TEA em sua turma. Ela pro- observadas nos alunos no ensino em qualquer lugar que estejam na
pôs estratégias para empoderar fundamental, como também em sala de aula.
o grupo por meio de metodolo- crianças na Educação Infantil. Tra-
A rotina ao lado evidencia
gias compartilhadas por todos. ta-se de ausência de comparação
os eventos em seus espaços-tem-
Ela não entendia seu papel como espaço-tempo do ciclo circadiano.
pos e com a imagem de André. A
o de maior domínio e sim como Não só André, mas muitas crianças
educadora se preferir pode ilustrar
o de mediadora das relações. A se beneficiam com rotinas ilustra-
com todos os alunos nos espaços,
educadora aborda a questão da das que lhes proporcionem for-
pois personaliza toda a sua turma
opção de vínculo manifestado por mas de medir o tempo nos espa-
nos acontecimentos cotidianos
André, que, após um certo período ços que frequentam. Isso significa
da escola. O tempo é sinalizado
de convivência escolar, afeiçoou- que não estão felizes no ambiente
pela noção de presente e passado.
-se apenas por um dos colegas escolar? Não! Isto é simplesmen-
Desse modo, os alunos vivenciam
de classe. A literatura mostra que te uma reação natural da biologia
o contexto observando o AGORA
muitas vezes crianças e alunos humana de se autorregular du-
e o que JÁ FOI com tranquilidade.
com TEA podem criar vínculos rante o ciclo de vigília; o cérebro
Certamente, a rotina ilustrada tra-
com uma única criança ou colega, necessita de informações de como
rá a André mais conforto e menos
eleita como referência para auxi- está o ciclo vital do indivíduo em
expectativa de quando chegará
liar na autorregulação emocional cada etapa do período cotidiano.
sua hora de ir para casa. Tal rotina
e, sobretudo, para se sentir acolhi- Na exemplificação da roti-
98
também pode ser implementada um instrumento que já é familiar
em casa com os pais, fornecendo a André.

Narrativa – Trajetória escolar de um aluno


identificado com altas habilidades/superdotação
Claudia Mara da Silva – Professora de Educação Especial
Iraceli Andrade – Professora de Educação Especial
Patrícia Aparecida Sgarioni Oliveira – Professora dos anos iniciais do Ensino Fundamental

Nome da UE ou SRM: Relato inicial: CEI Amapat e EMEF Padre Melico Cândido Barbosa
Agrupamento ou ano do ciclo: Educação Infantil e Ensino Fundamental
Público-alvo: aluno com altas habilidades/superdotação

O Objetivo principal dessa com os envolvidos no processo, referidas professoras nos traduz a
narrativa é conhecermos os pro- tais como: a família, a equipe ges-riqueza do processo de identifica-
cessos educacionais necessários tora, as professoras da Educação ção em meio às angústias de não
para um aluno identificado como Especial e com a pesquisa cientí- conhecermos bem os caminhos
“habilidoso” na Rede Regular de fica, pois há muito para conhecer, a serem trilhados nos momentos
Ensino de Campinas, estudando e tamanho os questionamentos que iniciais da Educação Infantil. Es-
analisando sua trajetória da Edu- surgem com essa experiência. peramos mostrar o processo de
cação Infantil até o Ensino Funda- Como procedimento me- identificação das necessidades
mental. Este texto foi produzido todológico nesses relatos, traba- específicas deste aluno e os cami-
a partir de depoimentos de três lhou-se com fontes orais, ou seja, nhos trilhados no Ensino Funda-
professoras, compreendendo pri- depoimentos orais registrados, se- mental .
[9]

meiramente o texto da professora guindo-se de relatos escritos pos- Iniciamos o relato trazendo
de Educação Especial da Educação teriormente pelos professores de as palavras de professora Iraceli, a
Infantil, seguido da professora de Educação Especial, bem como pe- precursora do processo de identi-
Educação Especial do Ensino Fun- los professores do ensino regular ficação de Paulinho.
damental e finalmente da profes- e gestores envolvidos. “Eu, Professora Iraceli ini-
sora de sala do Ensino Fundamen-
Paulinho começou como ciei minha vida profissional na
tal.
aluno da CEI Amapat e atualmen- área pública, mas especificamen-
Das incertezas com a refe- te é aluno da EMEF Padre Melico te na PMC e como professora de
rida população surgem estudos, (2019). Foi acompanhado inicial- Educação Especial, em maio de
aprofundamentos e parcerias em mente pela professora Iraceli, 2016, tomando ciência dos alunos
coletivos de diálogos e ações que professora de Educação Especial e suas necessidades praticamente
se desenvolveram na busca do na Educação Infantil CEI Amapat em agosto deste ano, após retor-
novo, procurando dialogar muito (2016/2017). O encontro entre as no do recesso.

9.: Cabe destacar que serão utilizados relatos concernentes


ao período de educação infantil, bem como, anos depois do
período atual do ensino fundamental de Paulinho, com dife-
rentes profissionais da SME de Campinas.

99
Paulinho apresentava legas nas rodas de conversa. Em dos para reunião, acompanharam
comportamentos bastante pro- 2016, na alfabetização, Paulinho o trabalho na escola e estavam
blemáticos que me incitou a en- já se apresentava na fase silábica- cientes das necessidades emocio-
caminhá-lo para atendimento -alfabética e dominava o uso de nais e da suspeita de habilidades
terapêutico de caráter emocio- computador e do mouse, video- importantes que seriam trampo-
nal, pois o trabalho possível de game, entre outros dispositivos e lins para as conquistas da vida de
estimulação seria inviável diante aplicativos. Paulinho.
daquele cenário de sofrimento O processo escolar se fir- Paulinho concluiu a Edu-
em que a criança se encontrava. mou mais fortemente em 2017, cação Infantil alfabetizado na es-
Assim foi que conheci Paulinho a partir da atuação na socializa- crita e leitura no ano de 2017. Em
em agosto de 2016, com compor- ção e controle de impulsos, assim seu histórico sempre foi mencio-
tamentos que pareciam se asse- como a estimulação para Pauli- nado este potencial, bem como
melhar ao TEA, mas com um di- nho continuar a dar suas aulas esclarecido ao pai a necessidade
ferencial cognitivo impossível de de geografia, estudos de astros de levar para a nova escola no-
ser ignorado. e planetas ou compartilhar seus tícias deste achado e de atendi-
O encaminhamento para conhecimentos sobre animais, di- mento de suas necessidades es-
terapia foi consenso com os de- nossauros e outros com seus co- pecíficas.
mais profissionais da unidade, leguinhas. Neste período, eu já es-
porém a possibilidade de tratar- Em 2017, com a mudança tava buscando nos profissionais
-se de altas habilidades / super- da professora de sala, com maior de suporte apoio para a realiza-
dotação gerou grande relutância acessibilidade e flexibilidade, ção de sondagem mais eficaz, de
na gestão escolar, visto que a es-pudemos começar um trabalho modo a identificar as áreas im-
pecificidade não fazia parte da mais enfático voltado às necessi- portantes para fortalecimento de
cultura sobre o tema na RMEC dades da criança. A partir da vin- Paulinho na vida acadêmica que
naquele momento histórico. Ob- culação de Paulinho com a pro- viria brevemente.
viamente havia respaldo na legis- fessora de sala, pôde-se planejar Anos mais tarde, ainda
lação federal para o trabalho de que Paulinho receberia, então, o sem um processo de identificação
enriquecimento curricular com a enriquecimento possível para os preciso, apoiado por mais profis-
criança, porém nada que foi apli- contextos da Educação Infantil. sionais, Paulinho continuava in-
cado precisou ultrapassar as dire-Nesta época, a criança já realizava quieto em sala de aula em razão
trizes dos Cadernos pedagógicos atividades diferenciadas, ajudava de suas discrepâncias quanto às
de tempos e espaços da Educa- o professor, realizava leitura de suas habilidades em comparação
ção Infantil (CAMPINAS, 2014). histórias para os colegas, etc. O com seus pares.
Com este pano de fundo, objetivo era auxiliar na motivação
temos Paulinho, na época com e melhora da autoestima de Pau-
menos de 5 anos, mas já domi- linho, pois ele estava muito além Ensino Fundamental
nando temas que exigiam algu- dos coleguinhas no contexto cog-
mas pesquisas rápidas pra con- nitivo, ainda que emocionalmen-
Paulinho ingressou no En-
firmação de veracidade antes de te ainda estivesse em processo de
sino Fundamental na EMEF Pa-
permitir que ele trouxesse os co- amadurecimento tardio.
dre Melico Barbosa onde iniciou
nhecimentos para os demais co- O pai e avó foram chama- seu percurso no primeiro ano em

100
2018. O depoimento que segue buscava colegas, ainda que não tou ter enfrentado na escola
é da professora Claudia Mara de muitos. A professora relata que problemas semelhantes aos
Educação Especial do Ensino fun- em alguns assuntos, ele se supera de Paulinho. Disse que a escrita
damental, escrito em 7 de junho em conhecimentos, e que isso lhe para ele não tinha sentido, era
de 2019. chamou muito atenção. Entretan- como se olhasse para a lousa e

O aluno Paulinho está to, várias atividades de sala são tudo era só astronomia. No 4ª

matriculado no 2º ano A com a muito entediantes para ele, a não ano “deu um estalo” e começou

professora Patrícia que solicitou ser quando há um desafio, ou a a ver letras e a partir disso come-

minha presença em sala de aula história que trabalhará seja mui- çou a ir bem na escola, conseguiu

porque ela se preocupou com to diferente. interagir com os colegas, mas não
via muito sentido nas aulas. A
alguns aspectos do comporta- Na semana seguinte, a
avó, mãe do pai, que ajuda a criar
mento do aluno. Descreveu que professora me chamou para mos-
Paulinho e a prima um ano mais
Paulinho é um aluno que não trar uma atividade na lousa. Ve-
velha que Paulinho, acrescentou
interage com os demais alunos, rifiquei que ela havia desenhado
um comentário elucidativo sobre
tem respostas agressivas quando todo o sistema solar, e ele tinha
a festa de aniversário organizada
desafiado, apresenta comporta- dado uma aula para os colegas
pelo pai e por ela para o Pauli-
mentos de isolamento quando o sobre isso. Perguntei para a pro-
nho e a prima. Ela contou sobre
assunto não lhe interessa. Na aula fessora como chegaram nisso,
o passeio de aniversário, uma
de Educação Física, tem dificulda- pois sei que no segundo ano não
visita ao corpo de bombeiros, o
des de trabalhar em grupo; o pro- se trabalha este tema. A profes-
quanto eles gostaram, o quanto
fessor de Educação Física relata sora me relatou que ele pediu
aprenderam com a tecnologia
uma certa descoordenação mo- para apresentar o tema aos cole-
dos carros de bombeiros. Perce-
tora, mas nada que chame muito gas, e sozinho montou a aula. A
bi que a avó também valoriza as
atenção; sua maior reclamação é partir disso, começamos a pensar
áreas de domínio dos netos, pois
o isolamento que apresenta nas propostas de trabalho que pu-
a prima desenha muito bem para
atividades de grupo. dessem a ajudá-lo nessas buscas
idade. Paulinho também está de-
que ele faz, uma delas é que no
Toda esta descrição pode- senhando muito bem, só que no
TDI dos professores do 6ª ao 9ª
ria sugerir um quadro de autismo computador, a prima desenha
possam trabalhar com ele, prin-
leve, entretanto, ele não apresen- a mão livre. Perguntei se ambos
cipalmente geografia e história[10]
ta um quadro típico de autismo, brincavam com outras crianças,
.
já que não há isolamento social se passeavam, se nas festas de
extremo, falta de comunicação e Combinei com a profes- aniversário tinha crianças e bolo.
estereotipias. Ele tem um colega sora Patrícia de conversar com O pai pareceu não entender as
que lhe é bem próximo. Conversei a família na reunião de pais. Em perguntas e só respondeu falan-
com ele na sala, e ele me mostrou conversa com o pai, observei do dos passeios para conhecer
seu caderno, observei uma letra várias semelhanças do pai com animais, aviões entre outras coi-
muito irregular, tinha um com- o Paulinho, principalmente em sas; disse que ele brinca de bola
portamento de isolamento frente assuntos ligados a astronomia e com as crianças.
aos colegas, mas quando queria, domínio da internet. O pai rela-
Atualmente, Paulinho
10 .: Atividades acompanhadas pela equipe gestora atual.

101
apresenta uma socialização maior onde estão inseridos. que vão além das mensurações
com colegas, costuma ter que Na abordagem do conteú- psicométricas que, segundo Frei-
pensar sobre um determinado as- do que interessa a esse aluno, tas (2004) podem ser identificados
sunto a ser descrito no caderno, sobre o sistema solar, os planetas pelo professor de Educação Espe-
caminha na sala em círculos, es- e as galáxias, nota-se que além cial em parceria com o professor e
creve uma frase, volta a caminhar, da capacidade acima da média, a equipe gestora das escolas onde
fala sozinho, volta a escrever. Ain-
há um comprometimento com os alunos estão imersos, ou seja,
da que diminuiu a agressividade a tarefa a ser executada, e uma dentro de seu próprio contexto,
quando contrariado, melhorou a criatividade em expressar aquilo como observado em Paulinho.
participação nos grupos da Edu- que está latente. Com cuidadoso Nesse sentido, a parceria com
cação Física, mas mantém a sensi- relato das ações, as devidas pro- a professora de sala de aula foi
bilidade auditiva que lhe provoca porções de conhecimento que o fundamental. Pensamos juntas,
um desconforto imenso, que pode aluno demonstra, o procedimento observamos e dialogamos a cada
levar a choro e náuseas. na identificação do caso, pode-se nova descoberta e angústia vivida.
A partir dessas constata- verificar que o aluno tem caracte- O interesse por parte dela foi fun-
ções, verificou-se a relevância de rísticas de uma pessoa com altas damental no processo de acompa-
pensar no atendimento deste alu- habilidades/ superdotação, con- nhamento de Paulinho. A seguir,
no de acordo com suas necessida- forme a representação dos anéis[12] a descrição do encontro com este
des específicas, desmitificando à de Renzulli e demais bibliografias aluno nas palavras desta professo-
ra pode nos esclarecer e dar pistas
própria representação que circula sobre o tema.
de seus percursos e intervenções.
na sociedade sobre alunos com al- Mesmo que aqui o rela-
tas habilidades/superdotação[11] to de Paulinho relacionado ao
De acordo com Freitas, há tema esteja exposto de maneira Relato de experiência
estereótipos arraigados com base concisa, medir as habilidades e da professora regular do
no mito da superdotação, que o inteligências ultrapassando o pa- Ensino Fundamental I
aluno é sempre bom em tudo. radigma tradicional de testes psi-
Esse tipo de conceito dificulta as cométricos (inteligência linguística Conheci Paulinho no final
questões relacionadas às políticas ou lógico-matemática) para um de fevereiro de 2018, ao ingressar
públicas prejudicando os proces- paradigma atual que considere na Rede Municipal de Educação de
sos de aprendizagem dessas crian- também as habilidades produtivo- Campinas, como professora efeti-
ças ao validar a crenças de que não -criativas como pensamentos prá- va do Ensino Fundamental I. O ano
precisam de atendimento especia- ticos é mais complicado, porém se letivo do primeiro ano já havia se
lizado. Ao contrário, é importante apresentou muito necessário. iniciado e o período de adaptação
voltar o olhar a esses alunos públi- do grupo escolar ocorreu com a
Pensar na criança ou ado-
co-alvo da Educação Especial, pois, professora adjunta que havia as-
lescente no contexto escolar, ou
mesmo sem solicitar, anseiam por sumido a sala e posteriormente
seja, na perspectiva da educação
auxílio nas unidades educacionais comigo, fato este que gerou certa
inclusiva, requer procedimentos
11.: O termo altas habilidades/ superdotação foi consentido
em 2002 com a fundação do Conselho Brasileiro para Super-
dotação para nomear milhões de crianças (FREITAS, 2011).

12 .: Os três anéis de Renzulli referem-se à avaliação das al-


tas habilidades por meio de 1) escores em testes de capaci-
dade cognitiva, 2) criatividade e 3) comprometimento com a
tarefa (RENZULLI, 1986).

102
agitação nas crianças. Foi neste criança para o grupo escolar, em te, Pangeia, coisas”.
contexto que percebi Paulinho, e reunião de TDC, composto pela Dia 7 de março de
ele foi se revelando aos poucos. gestora, professora de Educação 2018, em um de seus momentos
Durante a avaliação diag- Especial e demais professores da de frustração, ele me deixou um
nóstica, realizada no mesmo mês, escola, pretendendo receber au- bilhete na atividade que o grupo
verifiquei que ele se encontrava xílio. estava realizando, (Figura 31), de-
na hipótese alfabética da escrita monstrando seu descontentamento
e lia fluentemente. Durante as vi- Algumas situações que com a aula. Perguntei o que ele
vências cotidianas, notei caracte- demonstram o conheci- gostaria de fazer na escola, e sem
rísticas marcantes referentes ao mento acima da média hesitar ele disse: “brincar”, embo-
comportamento da criança, como de Paulinho ra, em momentos de brincadeira
a dificuldade em lidar com as frus- coletiva, demonstrasse certo receio
trações e o grande interesse que Em meados de fevereiro de e constrangimento em participar, o
demonstrava por temas como o 2018, durante uma aula de Arte, que foi mudando gradativamente
sistema solar e mapas, o que me ele recusou-se a realizar a proposta durante o transcorrer do ano.
motivou a buscar informações so- levada pela professora; fez o que
bre ele nos registros da Educação sempre fazia ao se frustrar: gritou, Conversamos sobre o grupo,
Infantil. Os relatos do ano anterior chorou, perdendo o controle da si- os conhecimentos e habilidades
confirmaram minhas percepções tuação. A professora pediu auxílio que o grupo precisava desenvolver
sobre a criança, e senti necessi- para acalmá-lo. A segunda profes- durante o ano letivo e eu expliquei
dade de conversar com a família, sora conseguiu que ele fizesse um que estava muito feliz por ele já
no intuito de conhecer melhor sua desenho de algo que ele gostava: tê-los adquirido, mas que ele pre-
história. Convoquei uma reunião o planeta Terra, no qual escreveu cisava respeitar os momentos em
com seu pai (detentor legal de sua “Pangeia” representando-a como grupo, sem gritar e chorar a cada
guarda) e sua avó; nesta conversa, um único e grande continente, vez que ficasse frustrado.
soube das dificuldades enfren- como a teoria o explica. Num se- No dia 8 de março de 2018,
tadas pela criança em tão tenra gundo desenho, fez os continentes após a conclusão dos estudos do
idade, da separação da mãe por separados. Conversamos sobre o 1º ano ele solicitou a palavra: “Pre-
determinação judicial, do encami- desenho e pedi que ele escrevesse ciso falar algo muito importante
nhamento para receber acompa- sobre o que sabia. Ele me questio- para o grupo”. Organizei a sala,
nhamento psicológico solicitado nou sobre o que escrever, e sugeri
no ano anterior e da sua alfabeti- que escrevesse sobre as coisas que
zação precoce e autônoma. Apre- ele havia estudado e ele escreveu
sentei meus achados sobre esta de forma literal: “o supercontinen-

31. Bilhete na atividade (Fonte: Registro fotográfico da


professora regular em sala de aula)

103
obtive a atenção dos colegas para ele; Paulinho me to técnicos em alguns momentos, ao descrever as
disse que ia precisar usar a lousa. Assenti, apaguei características dos astros, especialmente o sol.
uma parte do quadro, mas ele me disse que preci- Novamente minha curiosidade ficou aguçada;
sava de um espaço maior, então abri mais espaço na queria compreender de que maneira Paulinho cons-
lousa. Ele desenhou o globo terrestre, com todos os truía seu conhecimento. Em nova reunião com o pai,
continentes e fez uma explanação para o grupo, que soube que Paulinho tem acesso à internet e é autodi-
o olhava impressionado. Nomeou os continentes, os data. O pai relatou que em uma ocasião específica ele
oceanos, os mares. Assim como consta do relato da esperou a família adormecer e foi pesquisar. Quando
professora da Educação Infantil, ele demonstrou um o pai acordou, ao procurar por ele, encontrou-o em
conhecimento maior que alguns adultos escolariza- frente ao computador.
dos. Quando concluiu sua fala, perguntei se já havia
Aproximadamente na metade do ano ele vol-
terminado; ele confirmou que sim, e eu apontei para
tou o seu interesse para os mapas, se aprofundan-
o lugar do globo onde se encontra a Oceania, per-
do em seus estudos com informações demográfi-
guntando se havia esquecido algo, “Ah, aqui fica a
cas. Costumava fazer comentários durante as aulas,
Oceania, o menor continente do mundo”. Pensei que
dizendo “Você sabia que…” dizia o nome do país, e
já havia concluído, quando ele me disse que queria
complementava com as informações de sua pesqui-
falar mais outra coisa… disse que precisaria de uma
sa.
cadeira, para ficar mais alto. Ofereci-me para segurá- 32. Desenho dos planetas (Fonte: Registro
-lo e combinei que quando quisesse mudar de lugar fotográfico da professora regular em sala de aula)

era só me dizer, assim fizemos, até que ele não mais


precisou de ajuda. (Figura 32)

Ao perceber os colegas se alfabetizando, pa-


receu demonstrar certo incômodo com isso. Con-
Paulinho compartilhou com o grupo seu conheci-
mento sobre o sol e o sistema solar, com termos mui- versei com ele e disse que embora ele já soubesse

104
ler e escrever, ele ainda poderia evoluir mais e isso de
fato aconteceu. Ao final do ano, ele tinha uma escrita
classificada como alfabética ortográfica e sua leitura de
fluente passou para interpretativa. Começou a se apro-
priar também da pontuação.

Sobre a ótica do enriquecimento curricular,


pude oferecer pouco a Paulinho durante o transcor-
rer do ano, devido às demandas do 1º ano, bem como
pela falta de auxílio de estagiária em grande parte do
33. Atividade em dupla produtiva (Fonte: Registro fotográfico
da professora regular em sala de aula) ano letivo. A sua leitura melhorou – ele lia enunciados,
34. Estudo sobre as brincadeiras africanas, brincadeira participava das discussões propostas, oferecendo suas
“Mamba” Fonte: Registro fotográfico da professora regular)
35. Estudo sobre as brincadeiras africanas, brincadeira “Gato opiniões; trabalhamos muito a questão da socialização,
e rato” (Fonte: Registro fotográfico da professora regular)
das regras para um melhor convívio social, a percepção
36. Estudo sobre as brincadeiras africanas, brincadeira
“Ryembalay” tentando segurar o riso (Fonte: Registro e aceitação do outro. Nestes aspectos ele evoluiu, em-
fotográfico da professora regular)
bora demonstrasse que tinha suas preferências, e que
nem sempre era fácil formar duplas com ele. (Figuras

105
33)

Estas imagens ilustram o desenvolvimento


das relações sociais de Paulinho. No início do ano,
momentos como os registrados eram difíceis para
ele, que não sabia como se relacionar, como abor-
dar as outras crianças. É importante destacar que
ele ainda é muito seletivo quanto a seus pares e que
em alguns momentos coletivos, como o intervalo,
por exemplo, prefere ficar só, fazendo pequenas
corridas, mas gradativamente, começou a participar
mais coletivamente com as crianças.
2º ano 2019

Em 2019, segui com o grupo para o 2º ano.


No início do ano, o interesse de Paulinho voltava-se
sobre o estudo das galáxias, com foco em algumas
características de Plutão e Saturno. Disse para ele
que poderíamos realizar algum estudo com o tema
de seu interesse. A proposta de estudo sugerida foi: 37. Produção objetiva (Fonte: Registro fotográfico da
professora regular em sala de aula)
PORQUE PLUTÃO NÃO É UM PLANETA? PORQUE OS
38. Produção narrativa (Fonte: Registro fotográfico
PLANETAS GASOSOS CHOVEM DIAMANTE? da professora regular em sala de aula)

Para motivá-lo, levei um vídeo que falava


Começamos a produzir pequenos textos de
sobre o sistema solar e também sobre Plutão; ele
memória como parlendas e cantigas; ele os fazia sem
demonstrou gostar, então fiz a proposta para ele es-
dificuldades e demonstrava gostar das brincadeiras
crever os pontos que achou interessantes, para con-
de roda que estavam atreladas ao texto.
versarmos e pesquisarmos mais a respeito, entretan-
to ele não trouxe o registro escrito. Quando comecei a solicitar escrita espontâ-
nea, como relatos de acontecimentos cotidianos ou
Posteriormente ele me disse que queria
reconto de histórias, nem sempre se interessava. Às
aprender a escrita da letra cursiva. Embora a apre-
vezes reclamava, “dá trabalho”, mas quando a histó-
sentação para o grupo ocorresse em outro momen-
ria o cativava, os registros escritos continham muitos
to, levando em consideração o nível de aprendiza-
detalhes. Caso contrário, se a proposta não agrada-
gem de Paulinho, apresentei o alfabeto, fazendo o
va, a produção era objetiva como uma lista. Seguem
traçado em seu caderno. Enquanto ele observava
imagens de alguns registros.
atentamente, conversamos sobre as letras e algumas
convenções da escrita e combinamos que ele tenta-
No dia 23 de maio, durante a reunião, o pai
ria fazê-los também. Ele preferiu fazer em casa e foi
de Paulinho falou sobre suas impressões e as rea-
respeitado, mas novamente não trouxe o registro es-
lizações do filho. Disse que a criança está usando
crito.
dois programas digitais que simulam os astros, no-
Fui tentando elaborar maneiras de incentivá- meando-os: “Universe sandbox 2” e “Solar system”,
-lo a iniciar-se nas produções textuais, ora com su- disponibilizando-se a levá-los para a escola, a fim de
cesso, ora sem. que eu e a professora Claudia da Educação Especial

106
pudéssemos ver do que se tratava. Passou-se
um período e ele não conseguiu se organizar,
então solicitei permissão para verificar o uso
que Paulinho faz do computador no seu am-
biente domiciliar. O pai assentiu e no começo
de junho fiz uma visita domiciliar. No ambien-
te familiar, Paulinho me mostrou seu gato e os
desenhos que gosta de fazer com o programa
“Paint”.

Ele explicou que recortou e organizou


as imagens (Figura 39) e demonstrou com
imensa habilidade como seleciona imagens
de mapas, recorta, modifica seu formato, in-
sere cores.

Apresentando os referidos progra-


mas, demonstrou pleno domínio sobre a
ferramenta, apesar de o idioma utilizado
ser o Inglês. Ele dizia algumas palavras que
conhecia e as traduzia para mim. Perceben-
do não ter condições de relatar para a pro-
fessora Claudia o que estava vendo, decidi
gravar um vídeo para ela verificar o mes-
mo que eu via, com a devida autorização
paterna.
Ao iniciarmos a aprendizagem das
operações matemáticas de adição e subtra-
ção com reserva, Paulinho se deparou com a
experiência de não saber, de precisar de auxí-
lio. Isso fez com que ficasse desconfortável e
choroso, entretanto, como está mais maduro
e consegue exercer melhor o autocontrole,
a maneira de expressar a frustração está se
modificando: fica nervoso, chora, mas já não
grita como no passado. O fato de se relacio-
nar bem comigo e também com a estagiária
da sala ajuda nestes momentos de crise. Am- 39. Desenho digital no computador de Paulinho
(Fonte: Registro fotográfico da professora regular)
bas conversamos com ele, estimulando-o a 40. Desenho digital de Paulinho (Fonte: Registro
buscar auxílio nos momentos de dificuldade, fotográfico da professora regular)
41. Atividade de matemática (Fonte: Registro
de modo que está conseguindo se apropriar fotográfico da professora regular em sala de aula)
do conhecimento matemático, acompanhan-
do seus pares e solicitando suporte sempre

107
que necessário.
momentos de isolamento em que prefere correr
Em setembro, determinado, ele me disse pela quadra. Em situações de empolgação e nos
que começaria a escrever com a letra cursiva e sim- momentos que está pensando sobre o que escrever
plesmente o fez. Retomei com os alunos algumas em suas produções textuais, ele apresenta manei-
convenções da escrita como o uso apropriado da rismos como: andar pela sala e dar breves saltos,
letra maiúscula e minúscula, por exemplo, que ele mexer as mãos rapidamente, em situações de estí-
não compreendia e de forma gradativa foi se apro- mulos sonoros intensos, é comum levar as mãos aos
priando e aperfeiçoando o traçado. ouvidos, demonstrando desconforto, entretanto, já
observei momentos em que, apesar dos estímulos
sonoros intensos, ele consegue se envolver com a
situação e se divertir.

Ele está observando mais os colegas e em


alguns momentos se inspirando em atitudes que
considera interessantes. Como exemplo, certa vez
escreveu como um colega que tem a letra pequena.

Ao corrigir um exercício, verifiquei que havia


Durante o ano, observei Paulinho mudar a feito um desenho no rodapé; ao questioná-lo ele
maneira de tratar os amigos pelos quais sente mais me disse “estava havendo uma guerra” … dramati-
afinidades, demonstrando mais afeto e integração, zando a voz. Depois explicou a localização no mapa
iniciando conversas, brincando, conforme vemos na à esquerda, disse o nome da guerra, mas como eu
Figura 43. não conhecia uma guerra na Europa com aquele
Ainda assim, em momentos como o inter- nome, perguntei quando ocorreu. Ele sorriu diver-
valo, ele alterna momentos de brincadeira com tidamente… estava brincando… havia inventado o
algum amigo (especialmente jogos de tabuleiro) e nome, então pedi para registrar o nome da guerra
(Figura 44).

Percebo Paulinho mais tranquilo, os mo-


mentos de crise decorrentes da dificuldade em lidar
com as frustrações ainda ocorrem, continua seleti-
vo com seus pares, embora esteja se abrindo para o
relacionamento com outras crianças.

Apesar de antigo, o tema Altas Habilidades/

42. Escrita em letra cursiva (Fonte: Registro fotográfico


da professora regular em sala de aula)
43. Relação afetiva com colegas (Fonte: Registro
fotográfico realizado pela professora regular, estudo do
meio, a caminho do Bosque dos Italianos)
44. Desenho de guerra (Registro fotográfico realizado
pela professora regular em sala de aula)

108
Superdotação não é muito co- vestir em estrutura física, pro- muito além do alto potencial
nhecido e explorado; desta for- fissionais especializados, já que que possuem.
ma, as crianças que se encontram o atendimento de crianças com Por meio deste trabalho,
nesta condição, muitas vezes se- Altas Habilidades/Superdotação ficou evidente a falta de estru-
quer são reconhecidas. Existe a com qualidade exige equipe mul- tura para o acolhimento destas
falta de informação e mitos que tidisciplinar. A criança precisa ser crianças, a diferença que ocorre
precisam ser desconstruídos a compreendida de forma abran- quando elas são vistas por profis-
respeito. Quando finalmente são gente a partir de várias perspec- sionais comprometidos, que, ain-
vistas, em muitos casos, não há tivas profissionais, com vistas a da que de forma singela, buscam
estrutura adequada para o devi- direcionamentos ao seu atendi- compreendê-las e integrá-las.
do acolhimento dessas crianças. mento, para que receba encami-
nhamentos que atendam às suas
Para tanto, é preciso in-
necessidades pessoais, que vão

Narrativa – O cotidiano escolar junto a um


aluno com deficiência intelectual
Maria Simira Beatriz Poker Ferreira – Professora de Educação Especial

Nome da UE ou SRM: EMEFEI Raul Pila


Agrupamento ou ano do ciclo: 3° ano do Ensino Fundamental
Público-Alvo: aluno com deficiência: intelectual

O objetivo dessa narrativa problema de adaptação, visto que e lugar; Educação Física; Arte e
é descrever o cotidiano escolar a creche que frequentava fazia di- o período maior de aula com o
junto a um aluno com deficiên- visa com a Unidade Educacional professor polivalente.
cia intelectual, bem como apre- (UE) atual de Ensino Fundamen- Desde que começou a fre-
sentar algumas questões sobre tal e os alunos já convivem juntos
quentar as aulas, foram notadas
a organização pedagógica que desde aquele período. Além dis-algumas características que o di-
atende a suas necessidades edu- so, a maioria dos alunos moravaferenciavam dos demais, em es-
cacionais e de socialização para no mesmo entorno e convivia em pecial seu comportamento muito
que frequente o 3º ano do Ensino outros espaços sociais além da agitado: corria em sala de aula
Fundamental com participação e escola. enquanto todos os alunos esta-
aprendizado. A UE é uma escola de tem- vam sentados; era muito impulsi-
Miguel é um aluno assí- po integral, que funciona, para vo, muito nervoso.
duo na escola; seus pais são pre- os alunos do Fundamental I, das Miguel tinha dificuldade
sentes, solícitos e colaboradores. 8h às 15h30, com a professores para focar sua atenção em qual-
Ingressou na escola em 2017 sem de Inglês; Cultura, identidade

109
quer coisa que fosse, mesmo de tarefas e divididas em partes para momentos em que a turma faz
seu interesse. Seus materiais (lá- facilitar sua atenção. Os coman- atividades individuais, fichas de
pis, borracha e caderno ou folha) dos dirigidos a ele eram também leitura ou similares. Nessa situa-
não permaneciam sobre a cartei- precisos e individuais, dentro ção, Miguel tem o acompanha-
ra. Rasgava papéis e os colocava e fora de sala de aula. A sala já mento da professora de Educação
na mochila. Esse comportamen- contava com a rotina pictográfica Especial, da estagiária ou da pro-
to que tanto chamou a atenção e o uso dela era diário, com ati- fessora da sala.
do professor da sala foi exposto vidades a realizar e já realizados,
Os alunos são agrupados
a mim, professora de Educação seguindo o horário das aulas.
conforme objetivos de cada pro-
Especial, e, juntamente com a Também foi confeccionado um
posta de trabalho pedagógico,
professora da turma, começamos caderno com linhas mais grossas
muitas vezes se sentam em gru-
a observar outros aspectos tam- e espaçamento maior entre elas,
pos colaborativos. Essa forma de
bém, como a necessidade de ter uma mediação constante nas ta-
trabalhar em grupos auxilia Mi-
alguém que o orientasse em suas refas.
guel em sua organização, com-
atividades dentro e fora da sala
No seu percurso de es- portamento e aprendizado, ten-
de aula, nos momentos de brin-
colarização. Miguel seguiu entre do apoio e regulação por parte de
cadeiras com os colegas, na auto-
altos e baixos, avançando no seu seus colegas. Trabalham juntos
nomia ao alimentar-se, nos seus
ritmo e em suas aprendizagens. na resolução de situações-proble-
cuidados com a higiene, entre
Suas maiores dificuldades eram ma, envolvendo assuntos do dia a
outras situações. Ao mesmo tem-
relacionadas a fatores tais como: dia, como uso de dinheiro, cálcu-
po, os pais foram chamados para
sono, cansaço, desinteresse, etc. los utilizando material concreto,
uma conversa na qual obtivemos
informações sobre atendimentos No 3º ano, os objetivos de forma que todos participam
já realizados e possibilidades de para Miguel incluíram o desen- positivamente. Segue ainda a
trabalho. Miguel apresenta lábio volvimento do autocontrole, a al- orientação para o uso de palavras
leporino, corrigido quando me- fabetização, o aumento do tempo simples e ordens claras e objeti-
nor e por esse motivo é acompa- de concentração nas atividades vas ditas individualmente a ele. A
nhado pela SOBRAPAR que aten- e o tempo de permanência sen- proximidade física do professor,
de pessoas que apresentam esta tado, respeitando sempre suas que se senta sempre em lugares
condição. Na época fazia sessões possibilidades. Esses objetivos fo- estratégicos, é importante para
de fonoaudiologia e pedagogia. ram elencados por todos os pro- não lhe permitir se distrair muito
Foi feito então um relatório com fessores que trabalham com ele e facilmente. O professor prepara
as observações dos professores todos estão envolvidos num mes- as adequações necessárias para
que ele consiga realizar as tarefas
que o atendiam e encaminhado mo processo.
e sentir-se bem consigo mesmo.
ao posto de saúde do bairro e à Com a professora do 3º
SOBRAPAR. A partir daí houve um ano, a professora de Educação São utilizados recursos tecnoló-
redirecionamento na organização Especial elaborou um material, gicos e audiovisuais, em projetos
do trabalho pedagógico desen- uma apostila, para que Miguel que envolvem pesquisa, jogos de
alfabetização, entre outros.
volvido com o aluno. não ficasse com folhas soltas pela
Os atritos são inevitáveis,
Suas atividades eram mais carteira. Esta pasta é voltada para
pois Miguel apresenta um com-
simples, bastante objetivas e cla- a leitura e escrita e é trabalhada
ras, com menos condensação de individualmente com Miguel, em portamento provocativo com

110
alguns colegas, principalmente Os projetos interdiscipli- trado maior comprometimen-
com seu melhor amigo, quando nares foram e são fundamentais to com suas tarefas, e, apesar
o vê conversando ou brincando no processo de inclusão e de de ainda não ficar muito tempo
com outros meninos. Nessa hora aprendizagem. Há muitos con- parado, consegue realizá-las a
manifesta raiva e chega a ser teúdos trabalhados em conjunto contento. Segue com sua turma
agressivo. É preciso acalmá-lo, fa- com os professores de diferentes e participa de todas as ações do
lando baixo e com tranquilidade, disciplinas que vão sendo refor- grupo. Gosta de copiar lição da
lembrando-o de como é bom es- çados, comentados novamente, lousa e esforça-se por realizar as
tar entre os amigos, brincar, con- refletidos e que provocam mu- tarefas, inclusive em letra cursiva.
versar… Ele é orientado a buscar danças em todos. Os temas sobre Cabe dizer, entretanto, que sua
ajuda de um adulto quando se violência, acessibilidade e respei- letra ainda não é legível. Está len-
sentir mal com alguma coisa e a to foram bastante significativos. do palavras simples e gostando.
família é sempre avisada desses Está feliz e satisfeito consigo mes-
De uma maneira geral, a
episódios para que façamos as mo, e todos ganham com isso.
equipe escolar tem notado avan-
mesmas orientações. ços em Miguel, que tem demons-

Narrativa – Atendimento domiciliar na Educação Infantil


de criança com deficiência múltipla: conquistas e desafios
Maria Lúcia de Oliveira – Professora de Educação Especial
Josefina da Costa – Professora de Educação Especial
Solange Maria Américo – Professora de Educação Especial do Atendimento Educacional Especializado

Nome da UE ou SRM: Cemei Annita Affonso Ferreira


Agrupamento ou ano do ciclo: agrupamento II

Público-alvo: aluno com deficiência múltipla

nar do SAID (Serviço de Atenção Classe Hospitalar e Atendimento


Esta narrativa o processo Internação Domiciliar – Mário Pedagógico Domiciliar: estraté-
de atendimento domiciliar, inicia- Gatti), composta por neurope- gias e orientações (BRASIL, 2002),
do em 2009, de um aluno então diatra, fisioterapeuta, terapeuta a expressão atendimento domici-
matriculado em uma escola de ocupacional, técnico de enferma- liar refere-se a
Educação Infantil da RMEC. gem, indicou internação domici-
liar com impossibilidade para fre- … um atendimento edu-
Devido à gravidade de
quência à escola. cacional que ocorre em
seu estado de saúde como crises ambiente domiciliar, de-
convulsivas constantes e uso de De acordo com o docu- corrente de problema de
saúde que impossibilite
sonda para alimentação e oxige- mento, elaborado pelo Ministério
o educando de frequen-
noterapia, a equipe multidiscipli- de Educação através da Secretaria tar a escola ou esteja ele
de Educação Especial2, intitulado em casas de passagem,

111
casa de apoio, casas-lar com as escolas por meio nar à criança um desenvolvimen-
e/ou outras estruturas de um currículo flexibi-
de apoio da sociedade. lizado e/ou adaptado, to integral. Acordado entre as
(BRASIL, 2002, p.13) favorecendo seu ingres- partes, foi avaliado pela equipe de
so, retorno ou adequada
saúde que Leo passava a ter con-
integração ao seu grupo
Trata-se de uma ação pe- escolar correspondente, dições de saúde para frequentar
como parte do direito de a unidade educacional uma vez
dagógica, de caráter transitório, atenção integral. (Brasil,
que leva até o espaço onde o na semana, por um período de 40
2002, p. 14)
sujeito reside, os processos de minutos. Para que houvesse tran-
ensino e aprendizagem escolar. quilidade por parte da equipe da
No primeiro contato, bus-
Se a situação do aluno o impede escola, da mãe e da equipe do
camos compreender quem é Leo,
de ir até a escola, a equipe esco- SAID foi agendada uma reunião
suas possibilidades para inclusão
lar se organiza para encaminhar na escola com a equipe escolar,
escolar e parcerias na atuação.
um professor até ele. Este aten- mediante a qual, a equipe do
Considerando que o aluno é pú-
dimento deve se constituir na in- SAID relatou tudo a respeito da
blico-alvo da Educação Especial,
terlocução da equipe escolar com criança, deixando claro que seria
por ter deficiência múltipla, como
os serviços de saúde e família, por um curto período e, também,
professora de Educação Espe-
pois este espaço e as condições que estavam sempre à disposição
cial da unidade, fui à residência
devem estar adequadas para que a qualquer tempo para socorrer
conhecer a criança, firmar pro-
possa receber o profissional da a criança. Esclareceram dúvidas,
cedimentos para realização de
educação e se inserir no processo deram orientações, e no final to-
um cronograma de atendimento
de ensino e aprendizagem. dos estavam ansiosos para a vin-
educacional especializado em do-
da de Leo. Dia, hora marcados e
Assim, Leo só foi matricu- micílio, com a finalidade de, junto
lá vem Leo com sua mãe.
lado na escola, mas com indica- à equipe escolar, incluir a criança
ção de Atendimento Educacional na escola e vice-versa. Entretan- Ao chegar na escola, Leo
Especializado domiciliar, seguin- to, desde o início coloquei tanto foi bem recebido com atenção e
do o que é assegurado na legisla- para equipe do SAID como para muito carinho por todos, sem es-
ção: a mãe, que o ambiente escolar panto para os profissionais, que
cumpre ao atendimen- era imprescindível para criança se já tinham sido informados sobre
to pedagógico domiciliar desenvolver, pois se diferencia- suas condições. Circulava pelas
elaborar estratégias e
va pelo fato de ser um ambiente dependências da escola, da qual
orientações para possibi-
litar o acompanhamento alegre, cheio de vida e possibili- fazia parte, com apoio de sua
pedagógico-educacional dades de interação social. Além mãe. Entrava em contato com os
do processo de desen-
volvimento e constru- disso, era o espaço próprio para colegas da sala e sua professora.
ção do conhecimento de as crianças. Compartilhar mo- Recebeu ainda o carinho e aten-
crianças, jovens e adultos mentos diferentes e alegres com ção dos outros professores da
matriculados ou não nos
sistemas de ensino regu- os pares da mesma idade de seu escola, como também da equipe
lar, no âmbito da educa- agrupamento na escola é essen- gestora, dos agentes de Educação
ção básica e que encon- Infantil, e aos poucos foi se fami-
cial.
tram-se impossibilitados
liarizando e demonstrando inte-
de frequentar escola, Traçamos uma afinada
temporária ou perma- resse nas atividades.
nentemente e, garantir parceria com a equipe do SAID,
a manutenção do vínculo tendo como finalidade proporcio- No dia em que vinha para

112
escola, era acompanhado pela bolinhas de diversos tamanhos por uma doença pulmonar.
mãe e pela professora de Educa- e texturas, papéis de diferentes Mas, junto com esta nova rea-
ção Especial; naquela época ainda formas, cortados, picotados, mas- lidade, também, veio a notícia de
não existia o serviço de cuidador, sinhas, tintas, objetos sonoros, que se mudariam para um bairro
o profissional voltado para apoio a figuras ampliadas e bem destaca- muito distante da escola e sem
higiene, locomoção e alimentação das para facilitar a discriminação recursos para dar continuidade
aos alunos que têm essas necessi- visual. Ainda que não verbalizasse aos atendimentos educacionais e
dades. Trata-se de um serviço de o que sentia, demonstrava estar à terapêuticos que aconteciam em
Educação Especial que foi instituí- vontade, ficava tranquilo, aceitan-lugares diferentes e distantes. Por
do na rede em 2014. Participava do bem as atividades propostas, essa razão, a mãe optou por uma
da roda, ouvia historinhas, músi- direcionadas com apoio e, nesses escola especial. Neste novo local,
cas, balançava no parque, ampa- momentos, não apresentava cri- além da escolarização, Leo tam-
rado pela professora de Educação ses convulsivas. bém teria no mesmo local os aten-
Especial e a mãe. O tempo todo No ano de 2011, foi pos- dimentos terapêuticos específicos
era acolhido pelos colegas, de- sível encaminhar a criança para o às suas necessidades e, desta for-
monstrava gostar das novidades, atendimento educacional especia- ma, a mãe não precisaria se dirigir
pois nessas ocasiões não apre- lizado no contraturno escolar em a tantas localidades distintas.
sentava crises convulsivas. Nota- Sala de Recursos Multifuncionais, Após 6 anos o Reencontro:
va-se que estes momentos eram que tinha como função identifi- o que o tempo reservou para Leo?
importantes, de crescimento para car, elaborar e organizar recursos Após contato com a mãe, eu quis
toda equipe da escola, pois todos pedagógicos e de acessibilidade saber como Leo estava e se con-
foram desafiados a valorizar e res-que eliminassem as barreiras para cordava em relatar a sua história.
peitar as diferenças. participação possível da criança na Assim, após o consentimento da
Concomitante à frequên- escola, nesse trabalho, o foco era mãe, fomos eu e a professora Jo-
cia de Leo à escola, os atendimen- organizar atividades para ampliar sefina à sua casa. Quando chega-
tos pedagógicos em seu domicílio os canais de comunicação de Leo mos, reencontrei Leo aos 11 anos
aconteciam uma vez na semana com meio social. de idade. A mãe relatou que em
e por um período de 40 minutos A Sala de Recursos era 2017, Leo perdeu os atendimen-
como combinado com a mãe, pro- sediada no CEFORTEPE, que se lo- tos na instituição que oferecia
fissionais do SAID e equipe esco- calizava no Jardim Paineiras, bem acompanhamento educacional es-
lar. Eram desenvolvidas atividades distante de sua escola de matrícu- pecializado e que foi matriculado
semelhantes àquelas desenvolvi- la, mas apesar das dificuldades de em outra instituição. A mãe havia
das no contexto de sua turma de locomoção, era necessário pegar conseguido vaga em uma escola
matrícula, as quais ocorriam com dois ônibus para ir e dois para vol- pública estadual, mas como não
o meu incentivo e apoio. Em casa, tar; a mãe diligentemente levava havia serviço de transporte adap-
manuseava tintas, texturas diver- seu filho para os atendimentos. tado para levá-lo, Leo permaneceu
sas, papéis, massinha, ouvia as em casa. Sua situação de saúde se
Em 2012 Leo foi liberado
mesmas histórias que a professora agravou e, devido à oxigenação
pela equipe médica para frequen-
da sala contava e as mesmas mu- mecânica, a equipe médica solici-
tar a escola normalmente, pois a
siquinhas. O desenvolvimento das tou atendimento domiciliar para
oxigenoterapia ocorria em perío-
atividades se dava usando diversos o ano de 2018. Segundo a mãe, a
dos mais espaçados e, assim, não
materiais como caixas sensoriais, equipe gestora da escola estadual
havia tanto risco de ser acometido
113
alegou não ter pessoal capacita- riamente de frequentar a escola, públicas para garantir o acesso
do, e não deu início aos atendi- e assegurar a sua permanência na e permanência na escola como:
mentos domiciliares. A história escola dos 4 os 17 anos de idade? serviços de transporte adaptado,
de Leo é um exemplo para que Além do trabalho pedagógico no cuidador, intersetorialidade entre
possamos pensar! Qual é a me- âmbito da escola que acolha e saúde e educação, acompanha-
lhor forma de acolher estas crian- promova a participação possível mento pelos órgão competentes
ças com comprometimentos de dessas crianças na escola, é ne- da efetiva garantia de direito a es-
saúde que as impedem tempora- cessário um conjunto de políticas ses alunos, entre outras.

Narrativa – Práticas inclusivas e a deficiência intelectual: organizações e


estratégias pedagógicas para inclusão de alunos com deficiência intelectual
Priscilla Aparecida da Silva – Professora de Educação Especial

Nome da UE ou SRM: CEI Prof.ª Cláudia Maria Luz Xavier


Agrupamento ou ano do ciclo: agrupamento III
Público-alvo: aluno com deficiência intelectual

A presente narrativa da seja flexível e reconstruído pelas


organização das salas de referên-
experiência traz algumas estraté- próprias crianças. cia a reestruturação do espaço
gias e organizações pedagógicas Está UE é organizada em ampliou-se para todas as salas/
adotadas no CEI Cláudia M. L. Xa-salas ambiente e durante o pe- turmas no ano de 2019.
vier, região noroeste, para incluir
ríodo de atendimento as crianças As Diretrizes Curriculares
um menino com deficiência inte- circulam pelos espaços partici- da Educação Básica para a Edu-
lectual no seu contexto educati- pando das vivências propostas. cação Infantil (2013) ressaltam
vo. São salas com objetivos diferen- a importância de respeito ao di-
O CEI Cláudia atende ciados, materiais, brinquedos, reito à infância de cada criança,
atualmente 332 crianças, sendo livros e objetos específicos para destacando a necessidade de um
duas turmas de agrupamento II trabalhar as seguintes temáti- ambiente que estimule a expres-
e 10 turmas de Agrupamento III cas: movimento, música, leitura, são artística, cultural, a contação
(manhã e tarde). Possui um espa- atividades pedagógicas, ateliês de histórias e a dança, bem como
ço externo amplo contando com de pintura e brinquedoteca. Esta a organização de um espaço com
pátio coberto, tanque de areia, foi uma proposta construída co- jogos, brinquedos e objetos desa-
casinha do Tarzan, parque e qua- letivamente, inicialmente com fiadores para as crianças. Assim,
dra. A proposta de planejamen- apenas 4 turmas (duas salas) em o educador é aquele que consi-
to e reorganização do cotidiano 2018. A partir da avaliação posi- dera “as crianças em suas múlti-
desta unidade educacional – UE tiva da experiência, de forma co- plas manifestações, que busca a
permite que o uso dos espaços laborativa e buscando uma nova ampliação do repertório cultural

114
e que oferece às crianças possibi- nais, sociais e atitudinais. gas” da criança foi a de usar
lidades de sair do comum e entrar comandos verbais para solici-
Procurando atender às ne-
no surpreendente, no maravilha- tar a sua volta ao grupo. No iní-
cessidades deste menino com de-
mento das diversas formas de cio, o pegávamos pela mão, con-
ficiência intelectual, inicialmen-
expressão e sentimento” (CAMPI- duzindo-o até as demais crianças.
te trabalhamos uma adaptação
NAS, 2013, p. 15). A proposta de Após um período desta prática,
gradativa dele com as propostas
organização de espaços significa- passamos a utilizar somente o
educativas da U.E. Apresentamos
tivos relaciona-se com a criação comando verbal, pois ele estava
os espaços externos de explora-
de um ambiente lúdico que esti- correspondendo ao solicitado.
ção livre como o pátio e o parque.
mule a interação e a diversidade Jônatas demonstrava gostar des- Outro ponto importante
de manifestações expressivas, tes espaços, mas não manifestava que merece destaque nesse pro-
oferecendo um espaço de escolha atenção/interesse pelos brinque- cesso de adaptação foi o trabalho
que promova descobertas diárias dos, preferindo correr. Permane- de orientação realizado com a
por parte das crianças, já que es- cer nos espaços internos como mãe da criança. Necessitou-se de
tas estão inseridas em relações, as salas de referência e o refeitó- algumas reuniões para esclarecer
na produção de cultura, sentidos rio era muito difícil para ele. De- o objetivo do nosso trabalho e a
e significados em seu cotidiano. monstrava incômodo com a mo- organização do mesmo para aten-
(CAMPINAS, 2013) vimentação das demais crianças der às especificidades da criança.
Neste contexto, recebe- e permanecia sentado por pouco Jônatas, no início, apre-
mos no início deste ano um me- tempo. sentava muita dificuldade de
nino de 4 anos e meio com diag- Jônatas também demorou socialização com as demais
nóstico de deficiência intelectual, um pouco para se acostumar com crianças. Demonstrava pouca
sendo este o seu primeiro contato o período da manhã, pois sentia compreensão dos combinados
com a Educação Infantil. Tratava- muito sono após o lanche, isso o para a turma; dividir (brinquedos,
-se de uma criança muito depen- deixava extremamente irritado e materiais pedagógicos, peças de
dente da mãe, o que dificultou a choroso. Analisando esse com- encaixe e jogos) era um grande
sua adaptação na rotina educati- portamento e verificando que era desafio para ele. Necessitava da
va, pois quando a mãe saía do seu um sofrimento para ele, a equipe mediação do adulto para resol-
campo de visão, ele chorava e às gestora permitiu que ele saísse ver esses conflitos, pois o menino
vezes batia a cabeça no chão ou às 10 horas por um tempo, até se não conseguia sozinho e fazia uso
na parede. acostumar com a nova rotina. de meios físicos para obter o que
A educação inclusiva diz desejava.
Tinha dificuldade de per-
respeito a atender as especifici- manência nos espaços, preferin- Para mediar a socialização
dades do educando com deficiên- do ficar circulando pela escola e, dele com as demais crianças, so-
cia, assegurando o seu acesso devido ao seu atraso no desen- licitamos um educador de apoio.
às vivências e propostas do qual volvimento motor, apresentava Atualmente contamos com uma
está inserido. Neste sentido, as dificuldade no equilíbrio, o que professora e duas agentes de Edu-
unidades educacionais devem ocasionou algumas quedas. Uma cação Infantil para realizar esse
desenvolver um trabalho que das orientações realizadas com trabalho nas turmas onde encon-
busque superar as barreiras físi- a equipe educativa e com os de- tram-se matriculados alunos pú-
cas/arquitetônicas, comunicacio- mais funcionários diante das “fu- blico-alvo da Educação Especial

115
Durante as atividades pe-
com severos comprometimentos lectual, pois assim ele conseguirá
dagógicas, Jônatas não demons-
na área da comunicação e inte- realizar uma intervenção pontual,
trava interesse e muitas vezes
ração social no contexto escolar. promovendo assim o desenvolvi-
saía da sala. O educador de apoio
O educador de apoio deve atuar mento do educando.
precisava ir atrás para ele retor-
colaborando com o/a professor/a Jônatas é uma criança as-
nar, sentar do lado e através de
regente da turma nas ações vol- sídua e isso contribui com o tra-
orientações verbais, estimular o
tadas para organização e fortale- balho planejado para ele. Atual-
seu interesse pela pintura, dese-
cimento de práticas pedagógicas mente, demonstra compreender
nho livre, colagem, entre outros.
diferenciadas que potencializem a rotina na qual está inserido
Ele se incomoda quando se suja
o desenvolvimento social, linguís- e segue os comandos verbais.
de tinta e logo quer se lavar.
tico e acadêmico dos alunos, de Gosta de brincar de “arminha” e
modo a atender às necessidades As crianças do agru- reproduz algumas falas que nos
educacionais no contexto escolar. pamento III são estimuladas a parecem ser de jogos/desenhos
O trabalho do educador de apoio executar suas atividades com
eletrônicos aos quais ele tem
se justifica quando os processos autonomia. Isso se refere ao au- acesso através do celular da mãe.
pedagógicos das turmas onde tocuidado, a se servirem sozinhas Buscamos mostrar outras formas
esse alunado está matriculado re- nos momentos de refeição com a possíveis de se brincar com as
querem organização dos tempos, orientação do educador, a usar o peças, mas ele não aceita muito
espaços e práticas pedagógicas banheiro, a beber água, a lavar as bem. Inclusive, uma das caracte-
mais específicos e diferenciados. mãos e a resolver seus conflitos rísticas dele é exatamente essa,
entre pares através do diálogo.
Dentro do espaço da Edu- recusar o que é oferecido, mas
Jônatas está inserido neste con-
cação Infantil, a integração entre depois acaba pegando, um exem-
texto e a mediação de um adulto
o educador, o planejamento pe- plo disso é na hora do lanche,
é potencializadora de suas apren-
dagógico e a organização dos es- quando muitas vezes ele recusa e
dizagens. Como ressaltam as au-
paços funcionam como elemen- depois aceita o alimento no mo-
toras Braun e Nunes (2015) no mento dele.
tos educativos, onde o brincar, o
artigo “A Formação de Conceitos
cuidar e aprender fazem parte do Nosso trabalho atualmen-
em Alunos com Deficiência Inte-
processo. Tudo isso exige espaços te está voltado para as mediações
lectual: o Caso de Ian”, no proces-
planejados de modo a proporcio- nas atividades pedagógicas (re-
so de implementação de estra-
nar multiplicidade de experiên- cusa qualquer proposta dizendo
tégias de ensino diferenciadas, o
cias e contato com as diferentes que não quer), na concentração
educador precisa se adiantar ao
linguagens. Nesses ambientes de no momento de contação de his-
processo de construção do pen-
aprendizagem, as crianças vão tórias (já permanece sentado no
samento da criança, propor situa-
socializar-se e ganhar autonomia. tapete com as demais crianças)
ções de aprendizagem que desa-
Jônatas em princípio era muito e no enriquecimento do voca-
fiem a elaboração de conceitos
dependente da mediação de um bulário através das músicas e de
de modo gradativo, impulsionan-
adulto para se inserir nesse movi- conversas durante as interações
do o seu desenvolvimento. Mas
mento e o seu acesso às vivências entre as crianças. Incentivamos
para que isso ocorra, necessita-se
planejadas e aprendizagens eram sempre o uso da fala para que
que o educador entenda o pro-
asseguradas através deste traba- ele tente se comunicar através
cesso de formação de conceitos
lho de mediação. da mesma e percebemos alguns
dos alunos com deficiência inte-

116
avanços. Um exemplo refere-se a equipe escolar que o acompa- des dos outros de não fazer
ao fato de ele perguntar se pode nha relata o seu progresso. É mui- por ele são fundamentais para
sair da sala, se pode apagar a luz to gratificante participar de uma o seu desenvolvimento.
ou pegar a motoca (seu brinque- reunião de pais em que a profes- Outra questão que cabe
do preferido). sora atende a mãe em particular; ressaltar é a mudança da postura
Em relação à autonomia após a reunião, realiza a leitura de muitos educadores que antes
nas atividades de vida diária, Jô- da ficha avaliativa e mãe, através tinham receio de conversar com
natas está se desenvolvendo mui- de exemplos concretos, observa Jônatas e até mesmo de lhe dar
to bem. Já se serve sozinho no re- como o seu filho está adaptado à apoio pedagógico. Isso ocorria
feitório, guarda os seus pertences rotina educativa e “melhorando” devido a alguns momentos de
na mochila, reconhece o seu ca- em diversos aspectos da vida, tais choro excessivo, quando era di-
derno, bebe água apenas no seu como: na fala, na coordenação fícil acalmá-lo, ou de alguns epi-
copo, lava as mãos quando soli- motora ampla, na alimentação e sódios de agressão (tapas e so-
citado e colabora com a organi- também nas demonstrações de cos quando ele estava nervoso)
zação dos materiais/brinquedos felicidades nas diversas fotos tira- e também da sua fala hostil com
após o uso, mas tudo isso com das das vivências. palavras ofensivas, mas com o re-
apoio de orientações verbais dos Outras observações des- sultado positivo de nossas media-
adultos e também das crianças te trabalho desenvolvido com o ções, todos conseguem observar
que o chamam para realizar o so- Jônatas referem-se ao fato de os os seus avanços.
licitado pela professora. A única demais funcionários se dirigirem Procuro ressaltar com o
questão que ainda é desafiadora diretamente a ele para pedir al- grupo que cada processo de in-
com ele é em relação ao uso do guma coisa. Por exemplo, no dia clusão é único e que cada criança
banheiro. Ainda faz uso de fraldas em que ele deixou o prato na corresponde às propostas inclusi-
e apresenta resistência em usar o mesa após terminar a refeição e vas de maneira diferente, depen-
sanitário, o que ainda dificulta o já ia saindo do refeitório com as dendo de suas especificidades.
desfralde. demais crianças, a funcionária da Antes de qualquer conclusão,
A construção de vivências limpeza o chamou pelo nome e devemos conhecer a criança, as
inclusivas é de responsabilidade pediu que ele guardasse o prato vivências oportunizadas pela fa-
de todos da equipe educativa. In- na bancada da cozinha. Ele fez o mília e diante desse contexto, ir
cluir uma criança com deficiência que ela pediu e saiu dando tchau. propondo adequações para que a
é sempre um desafio, com muitas Ela ficou feliz e o elogiou, e o mais criança tenha acesso às vivências
barreiras e muitas vezes demora gratificante foi perceber que ela planejadas para o grupo.
um pouco para observamos os entendeu que ele não precisa de
avanços. No caso do Jônatas, toda uma porta-voz e que essas atitu-

117
Capítulo 4
O Atendimento Educacional
Especializado em Sala
de Recursos Multifuncionais

Colagem de Roberta Gomes Scian Bizari e Ana Carolina Pe-


lloni - Eliminando barreiras e construindo possibilidades para
uma escola inclusiva

118
Os textos deste capítulo apresentam a especificidade da Educação
Especial, representada pelo trabalho dos professores de Educação Es-
pecial realizado na Sala de Recursos Multifuncionais (SRM). Os textos
evidenciam que este trabalho não acontece a portas fechadas como um
reforço curricular. Pelo contrário, trata-se de um trabalho muito dinâ-
mico de ensino de recursos, estratégias complementares ao ensino em
classe comum. Percebemos nos relatos o envolvimento dos educadores
que atuam com o Atendimento Educacional Especializado nos projetos
da escola, contribuindo com o seu conhecimento especializado sobre as
maneiras de promover autonomia e participação, sempre em diálogo
com a escola. Fomentam situações de formação na escola tematizando
os recursos, tecnologias ou novos programas de informática utilizados
– seja sobre o braille, o soroban, a comunicação suplementar e alter-
nativa. E além disso pensam juntamente com os professores de sala
de aula sobre estratégias didáticas e recursos que ajudam o aluno ou a
aluna a avançar na sua compreensão dos conteúdos escolares e eliminar
barreiras que possam impedir sua participação nas práticas curriculares
da escola. Outro aspecto que se destaca nos relatos é o processo de
avaliação sensível e contínuo sobre o desempenho e as necessidades do
aluno a cada momento, bem como a importância do acompanhamento
do aluno quando ele muda de escola, ou passa de um nível para outro
(por exemplo, de uma EMEI para uma EMEF).

119
Narrativa – A formação continuada como elemento de
articulação entre AEE e proposta pedagógica da escola no
processo de escolarização de uma aluna com deficiência visual
Cássia Cristiane de Freitas Alves – Professora de Educação Especial do Atendimento
Educacional Especializado Coordenadora do GT Deficiência visual
Carla Gardini – Professora de Educação Especial

Nome da UE ou SRM: EMEFEI Padre Silva e SRM- CEMEFEJA Pierre Bonhomme


Agrupamento ou ano do ciclo: 4º e 5º ano do Ensino Fundamental
Público-alvo: aluno com deficiência visual

Essa narrativa refere-se ao trabalho de articu- continuada em serviço para a equipe pedagógica da
lação por meio de formação continuada em serviço escola a fim de atender às necessidades específicas
realizada nos anos de 2017 e 2018, entre a professo- apresentadas por Clarisse, uma aluna com baixa vi-
ra do Atendimento Educacional Especializado (AEE) são. O maior objetivo dessa formação era que todos
do CEMFEJA Pierre Bonhomme e professores da clas- os envolvidos no processo educacional se aproprias-
se comum da Escola de Educação Integral (EMEFEI) sem das especificidades da área da deficiência visual
Padre Francisco Silva que eram docentes de uma alu- para atuar de forma mais efetiva com a aluna.
na com deficiência visual, ao longo do 4° e 5° ano do
ensino fundamental.

A Resolução nº4/2009 que institui Diretrizes


Operacionais para o Atendimento Educacional Espe-
cializado na Educação Básica, modalidade Educação
Especial destaca que é função do professor do AEE
estabelecer articulação e parcerias com os professo-
res do ensino comum, bem como orientá-los no uso
dos recursos de acessibilidade (Brasil, 2009). Nesse
sentido, o decreto 7611/11 de 17 de junho de 2011
estabelece que “O Atendimento Educacional Espe-
cializado deve integrar a proposta pedagógica da es-
cola, envolver a participação da família para garantir
pleno acesso e participação dos estudantes, atender
às necessidades específicas das pessoas público-alvo
da Educação Especial, e ser realizado em articulação
com as demais políticas públicas”. (BRASIL, 2011)
45. Encontro de professores para estudo sobre as
Neste cenário, a professora de Educação Es- especificidades da deficiência visual (Fonte: arquivo do
professor)
pecial da escola e do AEE estabeleceram uma estrei-
46. Vivência em artes com dobradura – uma experiência
ta parceria visando a organização de uma formação na perspectiva do cego (Fonte: arquivo do professor)

120
Os professores precisavam pela aluna e suas necessidades como guiar uma pessoa cega
conhecer quais recursos Clarisse educacionais para participação no espaço interno da escola.
utilizaria no contexto educacional, nas práticas curriculares da esco- Também aprenderam a realizar
uma vez que, devido ao seu baixo la que os temas para a formação audiodescrição e houve uma in-
resíduo visual, as ampliações de foram estabelecidos. Cada en- trodução à Informática Acessível
imagens e letras não foram sufi- contro proposto tinha o objetivo (computador com programa de
cientes e, portanto, não foi viável de apresentar, discutir, ensinar e voz como o DosVox e o leitor de
utilizar a escrita em tinta. Preci- promover a prática com um recur- tela, NVDA, Linha braille e scanner
savam se apropriar então dos re- so específico. Além do Sistema do com voz). Foi trabalhado o plane-
cursos que eram eficazes para ela, Código Braille, a prática com o So- jamento de atividades e discutiu-
que possibilitariam acesso aos roban demandou vários encontros -se sobre o desenvolvimento da
conteúdos. Nesse caso, precisa- para que os professores pudessem aluna. Ao longo da formação, a
vam conhecer o braille, o soroban aprender e praticar a técnica de proposta foi se adequando e abar-
– material utilizado para realização cálculo. Nas oficinas de Orienta- cando também outras necessida-
de cálculos –, a técnica da bengala ção e Mobilidade, os professores des apontadas pelos professores.
que ela utilizava para locomoção puderam vivenciar o uso da ben- A formação era mensal e
e o uso de recursos tecnológicos gala longa com os olhos vendados acontecia no Trabalho Docente de
para acesso ao meio digital. e com ajuda de um guia vidente, Formação (TDF). Alguns encon-
conheceram algumas técnicas de
Foi a partir das caracte- tros ocorreram na Sala de Recur-
autoproteção superior, inferior e
rísticas específicas apresentadas sos Multifuncionais (SRM) devido
aos recursos específicos da área
da deficiência visual e outros na
própria unidade escolar. Esses en-
contros foram elaborados pelas
professoras do AEE e da Educação
Especial (EE) da escola onde a alu-
na está matriculada, sendo que
todo o planejamento foi aprovado
e autorizado pela equipe gestora.
Vale destacar o grande esforço
da professora de EE junto à equi-
pe gestora e aos professores para
que essa formação ocorresse ao
longo desses dois anos letivos.

No primeiro ano de traba-


lho, o grupo foi constituído por
sete professores (uma professora

47. Encontro de professores para


conhecer o soroban (Fonte: arquivo
do professor)
48. Encontro de professores para
conhecer e manusear o soroban
(Fonte: arquivo do professor)

121
de Educação Especial, duas pro- Educação Especial). Ao longo do na durante o ano. A professora
fessoras polivalentes, uma pro- ano tivemos a oportunidade de Cássia planejou todas as aulas,
fessora de cultura, identidade aprender e colocar em nossas trazia materiais extras e possuía
e lugar, um professor de Inglês, práticas diárias todo o conheci- muita paciência e conhecimen-
uma professora de Educação Físi- mento adquirido na formação. to para nos auxiliar. Ajudou no
ca e uma professora de Artes) e Foram momentos prazerosos de planejamento das atividades
no segundo ano tivemos a parti- muita alegria e reflexão sobre o durante os trimestres e nos pro-
cipação de seis integrantes (uma nosso papel de facilitadores nes- piciava sugestões de adaptação
professora de Educação Especial, se processo de ensino e apren- de atividades, por vezes nos for-
uma professora polivalente, um dizagem. A nossa perspectiva é necendo materiais. Para as aulas
professor de Inglês, uma profes- que essa formação nunca dei- de português e estudos sociais,
sora de Educação Física, uma pro- xe de existir, pois numa cidade a forma como foi apresentado
fessora de Artes e uma professora como a nossa, onde há um nú- e trabalhado o sistema braille,
de cultura, identidade e lugar). mero enorme de alunos com de- assim como o fornecimento de
Os professores participa- ficiência visual, é imprescindível mapas auxiliou em grande medi-
ram dos encontros, adquiriram esse apoio pedagógico ofereci- da nas aulas com a Clarisse e no
conhecimento, planejaram ativi- do pela Prefeitura Municipal de desenvolvimento dela durante o
dades, trabalharam com a aluna Campinas. Instrumentos como ano.” (Professora Polivalente 1,
e à medida que iam surgindo dú- o soroban, o sistema braille, a 2017)
vidas e inseguranças, essas eram audiodescrição, entre outros,
trazidas para a discussão a fim de sobre os quais não tínhamos
“Eu nunca tinha tido con-
trocar experiências e juntos bus- nenhuma noção de como manu-
tato com nenhum aluno com
car novas formas de olhar para o seá-los, agora já não são grandes
deficiência visual, foi bem difícil
trabalho. Essas oportunidades de obstáculos para a sua utilização.
o trabalho com a Clarisse, pois o
conhecimento e troca entre pares Acreditamos que Clarisse e ou-
trabalho com ela requer conhe-
enriqueceu o grupo e permitiu tros alunos que surgirem irão se
cimentos que eu não tinha para
práticas mais adequadas, profes- beneficiar de todo o empreendi-
oferecer. Foi importante a for-
sores mais confiantes, desejosos mento e disponibilidade de pro-
mação com a Cássia, visto que
de fazer o melhor em sala de aula. fessores que ensinam sonhando
não tinha conhecimento sobre
com um mundo melhor e mais
Relativo a esse processo, os recursos para alunos com de-
justo para todos!” (Professor de
seguem abaixo alguns depoimen- ficiência visual.”
Inglês, 2017)
tos.
(Professora Polivalente 2, 2017)
“Diante da grande de-
manda de alunos com necessi- “A formação propiciou
dades especiais e o despreparo momentos ricos de aprendiza- “Posso dizer que a forma-
na formação da maioria de nós, gem sobre o sistema braille e o ção foi fundamental para rea-
professores, em atender a es- soroban, além de nos fazer com- lizar um trabalho mais efetivo
sas demandas foi de enorme preender melhor a forma como com aluna em sala de aula, me
importância esse trabalho de- Clarisse aprende. Foi a comple- permitiu aprender sobre recur-
senvolvido junto às professoras mentação mais importante que sos importantes para os alunos
Carla e Cássia (especialistas em recebi para trabalhar com a alu- com deficiência visual e me fez

122
perceber o quanto são essen- dois anos de formação na busca Diante desse quadro
ciais o trabalho colaborativo e aspor um trabalho inclusivo, que é notório todo o esforço dos
parcerias.” (Professora Poliva- respeitasse e atendesse as espe- professores para responder às
lente 1, 2018) cificidades de Clarisse. A partir demandas da aluna com deficiên-
desses encontros, os professores cia visual, conforme apontamen-
tiveram a oportunidade de am- tos abaixo.
“Um trabalho muito im-
pliar o olhar para as diferentes
portante que contribuiu com as
possibilidades de intervenções
minhas aulas e consequente- “O trabalho com o autor-
junto ao aluno com deficiência vi-
mente para que Clarisse tivesse retrato me levou a pesquisar
sual, perceber que estar entre os
sucesso na disciplina foi a for- e buscar alternativas que pu-
pares para discutir o caso, pensar
mação realizada mensalmente dessem despertar o interesse
em estratégias de trabalho, prati-
com a professora Cássia. Infor- de Clarisse em realizá-lo. Dia-
car o conhecimento adquirido fa-
mações como o uso do soroban, logando com ela, me disse que
vorece o processo inclusivo.
sistema braille, audiodescrição, gostaria de desenhar o seu au-
A implementação de uma torretrato, assim como fez, a
entre outros recursos, foram dinâmica de trabalho co-
determinantes para o enrique- laborativo e diferenciado Frida Kahlo. Perguntei como ela
deve ser o motor para a fez? Me respondeu: “Ela usou
cimento do trabalho pedagógi-
inclusão dos alunos com
co de todos os professores en- tinta”! Fiquei pensando e achei
NEE, pois existem evi-
volvidos na educação inclusiva dências de que as esco- que seria muito importante dei-
las em que predominam xar Clarisse livre para construir
da aluna Clarisse. Foi prazeroso culturas colaborativas são
observar a reação dela e de seus o seu retrato. Foi um processo
mais inclusivas, isto é,
colegas de sala diante dos filmes apresentam as menores bastante interessante. Muitas
taxas de evasão e as for- vezes pedi a ela que sentisse o
exibidos. Ao levar um vídeo para mas mais efetivas de re-
ser passado para a turma, expli- solução de problemas dos seu próprio rosto, parte por par-
cava para Clarisse do que se tra- estudantes. (MIRANDA, te, o meu e de alguns colegas
2015, p. 97) da turma. Usamos o barbante,
tava, antecipava algumas infor-
mações e depois me sentava ao A formação acabou por como foi sugerido na forma-
lado dela para que nos momen- desencadear um grupo forte, ção e ela manuseou bastante a
tos que não havia fala, eu pu- amadurecido, que diante dos montagem do rosto através de
desse fazer a audiodescrição da desafios não se intimidou, mas sua foto em forma de quebra-
cena. Esse recurso ajudou muitosim, se colocou à disposição para -cabeça elaborado pela profes-
Clarisse a compreender as cenasaprender juntos e fazer a dife- sora de Educação Especial. Em
que não tinham fala. O interes-rença no espaço escolar. Pletsch outros momentos, usamos o ca-
sante, é que agora, até os seus(2009) enfatiza que os professo- netão na cartolina, a massinha e
colegas de classe se dispõem a res devem valorizar a diversida- tinta guache. Em todo processo
realizar a audiodescrição para de, sendo capazes de construir foi possível perceber como ela
ela.” estratégias de ensino, de adaptar se dedicou a fazer o trabalho
atividades e conteúdo de forma a da melhor maneira possível.
(Professor de Inglês, 2018)
colaborar com o processo de en- Sentir, tocar, experimentar foi
sino aprendizagem de todos os uma experiência muito signifi-
Diante do exposto perce- alunos, diminuindo a segregação, cativa e relevante à construção
be-se como foram valiosos esses a evasão e o fracasso escolar. de sua autoestima.” (Professora

123
de Cultura, identidade e lugar, usava esse recurso juntamente na mão deveriam pegar a bola,
2018) com o material dourado e depois quicá-la até a cesta e arremessar.
passou a fazer as operações so- Ganhava o ponto a equipe que
mente com o soroban. Ao rea- acertasse a cesta primeiro. Para
“Para a atividade de do-
lizar as operações no soroban, Clarisse participar era utilizada
bradura, as professoras de EE e
muitas vezes, a própria aluna uma cesta construída com caixa
do AEE realizaram uma forma-
me ensinava como fazer as con- de papelão que ficava no chão.
ção específica, orientando passo
tas, porém quando as dúvidas Ao ser dito o seu número, pe-
a passo como trabalhar com a
surgiam, recorria à professora gava a bola e ia caminhando em
aluna. Inicialmente foi sugerido
do AEE para pedir orientação de direção à caixa, ficava aproxima-
que Clarisse realizasse dobras
como realizar o cálculo e como damente a um metro e meio e
simples em papel sulfite, dobrar
ensiná-lo para Clarisse. A profes- arremessava a bola que deveria
ao meio, unir pontas e sentir os
sora do AEE gravava vídeos en- cair dentro da caixa (Clarisse não
vincos marcados no papel, que
sinando o cálculo para aluna na tinha obrigatoriedade de quicar
fosse verbalizado qual posição
SRM e me enviava via aplicativo a bola como os demais alunos).
ela desejava que a dobra fosse
e assim por meio desse recurso Para que Clarisse pudesse com-
feita, se para a direita, para es-
fazíamos trocas, sanava dúvi- preender o jogo, foi mostrado o
querda, para baixo ou para cima.
das.” (Professora Polivalente 1, percurso que deveria fazer, onde
Também foi orientado que a alu-
2018) deveria parar para arremessar
na utilizasse um dos dedos das
a bola, qual a força que deveria
mãos para demarcar o ponto
usar para o arremesso.” (Profes-
onde as extremidades do papel “Clarisse é uma aluna mui- sora de Educação Física, 2018)
deveriam se encontrar. Com es- to atenta, com ótima memória
tas orientações, Clarisse pode e muita vontade de participar.
confeccionar duas dobraduras, Aceita várias propostas de tra- “Todo o trabalho realizado
uma de tulipa e outra de papai balho, e não gosta de trabalhar com a Clarisse, ao longo dos cin-
Noel, com auxílio da professora.” sozinha. Em relação às ativida- co anos que ficou na EMEFEI Pa-
(Professora de Artes, 2018) des físicas, Clarisse gostava de dre Francisco Silva, só foi possível
participar de todas, mas citarei com a parceria entre professores
apenas um jogo que gostava − professores estes dispostos a
“A partir do conhecimen- muito, o basquete numerado. aprender e fazer a diferença em
to da técnica do soroban nas Esse jogo tem a intenção de tra- seu local de trabalho −, equipe
quatro operações básicas da balhar atenção e arremesso à gestora, serviços e família! Sem
matemática (adição, subtração, cesta. Os alunos eram divididos esta união de esforços, teria sido
multiplicação e divisão) adquiri- em dois grupos que ficam sen- bastante morosa e dificultosa a
dos durante as formações com tados em fileira, cada grupo de inclusão desta aluna.”
a professora do AEE pude traba- um lado da quadra, recebiam (Professora de Educação Espe-
lhar com esse recurso em sala um número cada um, geralmen- cial, 2018)
de aula. Vale ressaltar que Cla- te esse número era desenhado
risse aprendia a usar o soroban na mão (para Clarisse, o núme-
na SRM e o utilizava também em ro era dito oralmente). Ao se- A partir dos depoimentos
sala de aula para realizar as qua- rem chamados pelo número, os acima, podemos dizer que esses
tro operações. No início Clarisse alunos que tivessem o número encontros se constituíram como

124
um caminho viável no grande desafio que é a for- de ir aoencontro
mação de professores para atuar com a diversida- do conhecimento; parcerias são sempre valiosas
de. Vale destacar alguns pontos importantes que se queremos um trabalho diferenciado e efetivo na
acreditamos ser essenciais no suporte adequado ao inclusão dos alunos com deficiência. Não trabalha-
trabalho pedagógico dos professores: a formação mos sozinhos, precisamos valorizar as articulações
continuada em serviço deve ser prioridade nas es- entre a escola e os serviços oferecidos pela Educa-
colas; espaços devem ser criados e oportunizados; ção Especial, como também com os pais e com to-
equipe gestora tem que ser parceira, permitindo dos aqueles que fazem parte do universo do aluno.
que a equipe de professores tenha oportunidade

Narrativa – Avaliação pedagógica e a mediação do outro como estratégias


importantes para o desenvolvimento de processos cognitivos
de aluno em atendimento educacional especializado
Sandra Mara Fulco – Professora de Educação Especial do Atendimento Educacional Especializado

Nome da UE ou SRM: Sala de Recursos Multifuncional – Centro de Educação Profissional –


Ceprocamp[13]
Público-alvo: aluno com deficiência múltipla

O aluno Vicente frequenta o programa Con- ficuldade com o passar dos anos, necessitando de
solidando a Escolaridade no período noturno em apoio pedagógico no processo escolar desde o En-
uma das unidades Ceprocamp, pois já é concluinte sino Fundamental. Atualmente, apresenta bastante
do ensino médio. Com idade de 28 anos, apresenta dificuldade na compreensão de conceitos e noções
deficiência física, é usuário de cadeira de rodas, e básicas. Neste ano letivo, Vicente iniciou o atendi-
tem deficiência sensorial/auditiva moderada. Em- mento educacional especializado[14] em SRM em ho-
bora apresente características próprias da deficiên- rário anterior ao do ensino regular. Com relação ao
cia intelectual, como “incapacidade caracterizada atendimento deste aluno, o AEE tem as seguintes
por limitações significativas tanto no funcionamen- funções:
to intelectual quanto no comportamento adaptati- O desenvolvimento de funções cognitivas:
vo expressos em habilidades conceituais, sociais e a organização de estratégias que visam ao
desenvolvimento da autonomia e à inde-
práticas”, não foi diagnosticado formalmente. Sua pendência do aluno diante de diferentes
história de escolaridade revela uma crescente di- situações no contexto escolar. A amplia-
13.: O Ceprocamp/Fumec é uma escola de educação profis-
sional mantida pela Fundação Municipal para Educação Comu-
nitária – Fumec. Integra-se também à Fumec o Programa de
Alfabetização para Jovens, Adultos e Idosos - EJA I subdividido
em: Consolidando a Escolaridade, Educação Ampliada ao Lon-
go da Vida e o Programa de Apoio a Alfabetização.

14.: Conforme as Diretrizes Operacionais da Educação Espe-


cial para na Educação Básica (2008): “O atendimento educa-
cional especializado - AEE tem como função identificar, elabo-
rar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade que
eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos,
considerando suas necessidades específicas”.

125
ção dessas estratégias compreender como uma estranheza para com a situação e
para o desenvolvimento sequência numérica é
dos processos cognitivos uma dificuldade em buscar recur-
formada e construir uma
possibilita maior intera- sequência de números ou sos para solucioná-los. Justamen-
ção entre os alunos, o figuras (p. 108).
que promove a constru- te por isso, o processo avaliativo,
ção coletiva de novos sa- especialmente para alunos com
beres na sala de aula co- comprometimento intelectual,
mum.O desenvolvimento
de vida autônoma: o de- Dessa forma, foi planeja- pode ser muito rico, desde que
senvolvimento de ativi- da e desenvolvida uma sequên- haja uma interação social positi-
dades, realizadas ou não
cia de atividades avaliativas para va, clareza nos enunciados e dicas
com o apoio de recursos
de tecnologia assistiva compreender as necessidades que possibilitem o resgate de sa-
(TA), visando à fruição, primordiais de aprendizagem beres e conceitos.
pelos alunos, de todos os
bens sociais, culturais, e conhecimento acadêmicos já Neste trabalho do AEE
recreativos, esportivos, consolidados do aluno. Neste pautamo-nos na concepção de
entre outros, e de to- processo, a professora foi per- que é através das interações so-
dos os serviços e espaços
disponíveis no ambiente cebendo a necessidade de apre- ciais, das mediações e da lin-
escolar, com autonomia, sentar com clareza e repetição os guagem que se caminha para a
independência e seguran-
enunciados, fazer o uso de pistas, aquisição gradativa de conceitos
ça. (INEP, 2019, p.9)
exemplos, informações, recur- (Vigotski, 1995). Os conteúdos
sos complementares para que o focados no trabalho com Vicente
O documento Diretrizes aluno pudesse compreender e voltam-se para a leitura e inter-
Curriculares da Educação Básica realizar as atividades. A avaliação pretação oral de textos diversos;
para o Ensino fundamental e EJA mediada pela professora além de atividades de leitura e escrita en-
(Campinas, 2010) também é uma propiciar ao aluno maior sentido volvendo organização, sequen-
referência na construção do tra- ao que ele realiza se tornou po- ciação, raciocínio lógico, clareza
balho pedagógico para esse alu- tencializadora tanto para o pla- e coerência; atividades com nu-
no que propõem alguns objetivos nejamento das intervenções pela merais, quantidades e cálculos
de aprendizagem ou vivências e professora como para potenciali- diversos e sistema de numeração
experiências que alicerçam a pre- zar os fazeres e desempenhos fu- decimal.
sente narrativa, entre eles: turos pelo aluno.
As intervenções pedagó-
Pautada numa perspec- gicas sempre requeriam muito
Explorar os números em
situações de contagem,
tiva histórico-cultural de desen- diálogo, explicações claras, reto-
de possibilidades, de or- volvimento, a avaliação permite mada de noções aprendidas, per-
denação e de cálculos identificar o desenvolvimento
(adição, subtração, mul- guntas desafiadoras etc. A pro-
tiplicação, divisão, poten- real e as possibilidades de desen- fessora de EJA? vem observando,
ciação e raiz quadrada), volvimento proximal (Vigotski, progressivamente, um compor-
compreendendo as regras 1995).
do nosso sistema de nu- tamento em Vicente direcionado
meração decimal, utili- Neste processo avaliativo ao ato de aprender. Um ponto
zando‐se de diferentes
materiais e instrumen-
pode-se perceber nos momentos relevante é o próprio ato de pen-
tos; resolver situações das atividades quando surgiam as sar, percebido por ele como im-
problema que permitam demandas do (re)pensar, (re)fa- portante na resolução das ativi-
transferir para a sala de
aula as suas vivências; zer, corrigir, Vicente demonstrava dades (resgatar algo aprendido),

126
mas implicado nas mediações da
professora. Outro ponto impor-
tante é a busca de recursos para
resolução de atividades, como
pegar objetos, contar, perguntar.
Assim, algumas aquisições estão
sendo internalizadas e saindo do
plano “intra” para o “interpsico-
lógico”, do desenvolvimento pro-
ximal para o real, das ações para
as apropriações.

Fazendo um pequeno
recorte deste traba-
lho: uma intervenção
pedagógica

Na área da matemática,
Vicente demonstrou muitas di-
ficuldades, especialmente em
se tratando do reconhecimento
de números, do valor posicional
(relativo) que possuem no siste-
ma de numeração decimal e dos
critérios deste sistema para a re-
solução de cálculos matemáticos.
Compreender a lógica das opera-
ções matemáticas lidando com as
casas vizinhas mostrou-se algo de
grande dificuldade. Dessa forma, 49. Registro do valor posicional do número (Fonte: arquivo da professora)
50. Atividades desenvolvidas (Fonte: arquivo da professora)
uma sequência de atividades en-
volvendo este conceito foi sendo dourado, dizendo que as conhe- ganizasse as barrinhas de alguma
planejada e conduzida com o alu- cia, mas não soube explicar de forma ele manuseou por algum
no. início para que elas serviam ou tempo e chegou a juntar as barri-
O aluno deveria, primei- suas quantidades. Em seguida, nhas de unidade e contar até 10,
ramente, manusear e explorar as sugeriu-se que Vicente organizas- uma a uma. Quanto a dizer o va-
peças do material dourado, sem se as barrinhas como quisesse e lor das barras, a princípio Vicente
nenhuma orientação ou interfe- falasse sobre a organização. Nes- não foi capaz de dizer e, então, a
rência, mas para (re)conhecê-las se caso, juntava algumas peças, professora foi retomando com ele
ou (re)pensar sobre elas. Nessa arriscava palpites, mas não foi as barras e seus valores, exempli-
proposta, Vicente começou ex- possível solucionar sem ajuda. ficando como dez barrinhas de
plorando as barras do material Quando se pediu para que ele or- unidade equivalem a uma barra

127
inteira de dez; dez barrinhas de Em seguida, a professora lançou po as barrinhas eram exploradas
dez unidades equivalem a uma os agrupamentos das barrinhas, em concomitante a resolução na
barra inteira de cem e assim por variando muito os arranjos de colocação das fichas. Muito inte-
diante. forma que Vicente tivesse que ressante foi Vicente perceber que
Depois, o aluno deveria refletir para chegar a solução. No conseguia fazer e falar o que fez.
pegar barrinhas diversas suge- decorrer da atividade foi realizan- Pareceu, inclusive, resgatar seus
ridas pela professora, pensar e do junto com a professora, arris- conhecimentos prévios de núme-
descobrir sobre o valor nas barras cando palpites certos nas quanti- ros em geral, para além do que vi-
agrupadas e, também, descobrir dades somadas nas barrinhas. O nha demonstrando inicialmente,
quantidades a partir de uma or- fato de ir fazendo os registros das citando alguns números inclusive
ganização feita, com soma de va- quantidades para comparação envolvendo centenas.
lores diferentes, um a um. Nesta auxiliou muito no sentido de ele Em seguida, as atividades
última estratégia, a professora compreender o valor posicional/ incluíram concomitantemente re-
procurava juntar as barras propo- relativo dos números, ainda que
gistro em papel. Ele deveria fazer
sitalmente de forma que o aluno não efetivamente. a colagem das barrinhas em figu-
tivesse que fazer a troca de bar- Na sequência, planejou- ras ao lado dos números corres-
rinhas por uma barra inteira. A -se um cartaz amplo para que pondentes, considerando que, às
professora foi propondo: “pegue Vicente fosse colocando as fichas vezes, um mesmo numeral apare-
cinco barrinhas de unidades”; de- com numerais na coluna certa, cia representado em duas casas,
pois seis, sete, oito, nove, “agora considerando o valor relativo dos por exemplo. Como Vicente foi
pegue dez barrinhas de unida- números. Vicente deveria primei- internalizando o conceito, pode-
des…o que será que aconteceu ro, colocar números em fichas de -se arriscar dizer que a confusão
aí? O que teremos que mudar?” papel nas respectivas casas do inicial a cada início de atividade
Em seguida, deu-se continuidade SND. A proposta era compreen- ocorria pela mudança na forma
“pegue três barrinhas de dezenas der que um mesmo número se de realização, de metodologia, de
e cinco de unidades” e assim até modifica quando está posiciona- passo a passo já que logo ia res-
chegar, por exemplo, em: “pegue do em diferentes casas e o senti- gatando o que havia aprendido e
nove barrinhas de dezenas e nove do que as casas vazias têm para o mostrando domínio na aprendi-
barrinhas de unidades;” “agora número zero. Dessa forma, num zagem.
pegue nove barrinhas de dezenas primeiro momento a atividade
pareceu mais complexa, mas, à Também se propôs ativi-
e dez barrinhas de unidades. O
que acha que aconteceu? O que é medida que se utilizava o ma- dades envolvendo operações de
preciso fazer nesse caso?” Vicen- terial dourado (com mediação) adição e subtração com resgate
te foi observando e realizando a para se certificar dos valores cor- dessas aprendizagens anteriores
proposta atentamente, contando, respondentes as fichas, a com- de Sistema de Numeração Deci-
recontando, arriscando palpite, e preensão foi se mostrando mais mal – SND. Uma das propostas foi
quando se confundia a profes- perceptível. Além disso, a pro- uma série de operações escritas
sora retomava tudo novamente, fessora foi registrando os valores horizontalmente, sendo que o
escrevendo o número ao lado no papel na forma de soma, no aluno deveria, primeiro: refletir e
da barra e foi percebendo que sentido do aluno perceber que há ordenar cada número na posição
correta para armar a operação e
Vicente estava, gradativamente, uma soma entre esses diferentes
compreendendo os conceitos. números posicionais. Todo o tem- fazer o cálculo seguindo a ordem

128
da unidade para a centena. Neste coluna da dezena a mesma coisa, p. 84), “[…] uma visão social
processo, deveria, a cada soma, se a soma foi 14 por exemplo, de- é fortemente afirmada: um
de cada casa, verificar o valor ob- veria pegar uma barra de centena papel essencial é atribuído aos
tido, fazer a troca pelas barrinhas e quatro barrinhas de dezena e outros, tanto na criação do de-
substituindo as barras quando assim por diante. senvolvimento proximal quanto
necessário e incluir a barrinha na na transformação do desenvolvi-
A necessidade de ajuda
casa certa. A soma final de cada mento proximal em real”. Não se
durante os exercícios foi diminuin-
casa seria definida a partir desses trata de compreender apenas o
do no decorrer das resoluções.
critérios de organização das barri- que o aluno é capaz de fazer sozi-
Foi muito gratificante participar
nhas. Por exemplo: se a soma das nho, mas de descobrir seu desen-
desse percurso de aprendizagem.
unidades deu valor 18 ele deveria volvimento potencial nas possibi-
É importante ressaltar o quanto
pegar uma barrinha de dezena e lidades de fazer com ajuda.
o conceito de zona de desenvol-
oito de unidades, colocando na vimento proximal se faz presente
posição correta da operação. Na neste processo. Para Góes (2001,

Narrativa – O atendimento educacional especializado: contribuições no


processo da leitura em braille e na orientação e mobilidade
Divânia Pereira do Carmo – Professora de Educação Especial do Atendimento Educacional Especializado

Nome da UE ou SRM: SRM - EMEF Vicente Rao


Agrupamento ou ano do ciclo: AEE
Público-alvo: aluno com deficiência visual

Esta narrativa se refere ao les”. A equipe educativa, preocu- uma criança cega.
trabalho desenvolvido na Sala de pada em oferecer um bom acolhi- Dentro desse contexto,
Recursos Multifuncionais (SRM) mento à Stéfanie e colocá-la nas a equipe da escola entrou em
da EMEF Vicente Rao com uma mesmas condições de aprendiza- contato comigo – professora de
aluna cega, onde pretendo com- gem e desenvolvimento que as Educação Especial da Sala de
partilhar algumas ações que fo- outras crianças, buscou parceria Recursos Multifuncionais, soli-
ram realizadas na classe comum com profissionais especializados citando um momento de troca
da escola e principalmente na para tirar as dúvidas sobre quais de saberes. Nessa reunião de
SRM visando a alfabetização em seriam os melhores recursos e trabalho feita entre professora
braille e a independência na loco- estratégias para a efetiva par- de Educação Especial da SRM e
moção. ticipação de Stéfanie em todos profissionais da escola – profes-
os tempos e espaços próprios
No ano de 2011 Stéfanie, sora da turma e professora de
da Educação Infantil, afinal era a
uma aluna cega, foi matriculada Educação Especial, foi possível
primeira vez que trabalham com
no CEI “Presidente Campos Sa- discutir o caso, conversar sobre

129
princípios fundamentais da es- desenvolvimento tátil para a fu- explicando as atividades, descre-
colarização da criança cega e os tura alfabetização. vendo os objetos, permitindo que
recursos necessários para o aces- os tocasse e percebesse do que
Em nossos planejamentos
so às atividades e informações era feito, para que servia, que
sempre foi apontado que era ne-
do meio, bem como definir que som produzia e principalmente
cessária a participação de Stéfanie
Stéfanie iniciaria o atendimento que toda atividade fosse contex-
em todas as atividades, que ela
educacional especializado (AEE) tualizada e significativa.
necessitaria mais do que as ou-
na SRM. No decorrer do trabalho tras crianças de mediação e apoio Ao mesmo tempo que o
com Stéfanie, outros momentos para as descobertas próprias da trabalho ia acontecendo na esco-
de troca aconteceram, na SRM e Educação Infantil. Foi orientado la, Stéfanie também estava sendo
na escola, para que pudéssemos que durante as brincadeiras Sté- atendida na SRM, atendimento
fazer um planejamento coletivo e fanie fosse conduzida a reconhe- esse que tinha como objetivo ini-
assim definir as melhores estra- cer os objetos oferecidos, os es- cial a estimulação global – o de-
tégias para garantir à Stéfanie as paços utilizados, bem como todas senvolvimento motor, controle
mesmas condições ofertadas às as pessoas envolvidas – adultos e de tronco, firmeza de movimen-
outras crianças do agrupamento. crianças. Que fosse brincando e tos dos braços e mãos e ativida-
Pensando no processo de explorando para adquirir concei- des diversas envolvendo o uso
letramento das crianças, onde tos e assim aumentar sua com- dos sentidos remanescentes (tato
aquelas que enxergam acessam preensão de mundo. e audição principalmente). Com
informações escritas por meio de Assim foi sugerido inserir o passar do tempo e observando
rótulos, outdoors, placas de lo- na rotina do agrupamento ati- o bom desenvolvimento de Sté-
jas, livros, cartazes, revistas etc. vidades que utilizassem alguns fanie foi iniciado no atendimento
e as crianças cegas ficam priva- brinquedos adaptados – jogo da educacional especializado ativi-
das dessas informações visuais, memória tátil, bolas com diversas dades diversas com intenção de
uma das primeiras ações desen- texturas, bolas com guizo, jogos iniciar o reconhecimento da cela
volvidas na sala de aula em par- de encaixe de madeira, caixa sur- braille, dos pontos, das letras,
ceria com a professora da turma presa com diversos objetos em para futuramente aprender a ler
foi a identificação em braille de miniaturas, dados com texturas/ e a escrever braille, usar a máqui-
alguns objetos que estavam dis- quantidade das faces em relevo, na braille, e consequentemente
ponível naquele espaço – cartei- dentre outros. Foi orientado que se alfabetizar, o que não demo-
ras, mesas, armários, caixas de as atividades como, calendário, rou muito para acontecer. Essas
brinquedos, portas, janelas, além crachá fossem confeccionados atividades foram desenvolvidas
de adaptar também todas as in- em relevo e em braille e que no de maneira lúdica, por meio de
formações escritas que fossem momento da alimentação, seria brinquedos e brincadeiras S. foi
disponibilizadas à turma, visando necessário apresentar a Stéfanie internalizando o que vinha sendo
que Stéfanie pudesse começar a os alimentos in natura e só depois trabalhado.
entrar em contato com o braille, descascados, cortados em pe- No primeiro ano do en-
forma pela qual acessaria futura- daços ou cozidos. Conversamos sino fundamental Stéfanie foi
mente a leitura e escrita. Nosso sobre a importância de antecipar matriculada na EMEF “Presiden-
maior interesse não era a leitu- tudo que iria ocorrer durante o te Humberto de Alencar Castelo
ra propriamente dita, mas sim o período que estivesse na escola, Branco” e então um novo traba-
contato com o mundo letrado e o

130
lho iniciou-se. Nesse momento o zando com autonomia a máquina – a linha braille. Esse recurso
foco do atendimento na SRM era braille como recurso de escrita. seria utilizado em sala de aula
o de desenvolver condições para para facilitar seu processo de es-
Nessa fase, centramos
Stéfanie ser alfabetizada junto crita e leitura bem como possibi-
também o trabalho na adaptação
com sua turma. Nos atendimentos litar à professora da turma fazer a
dos materiais didáticos, todas as
educacionais especializados in- leitura da produção da aluna em
atividades escritas oferecidas às
tensificamos as atividades relacio- tempo real, sem precisar de trans-
outras crianças eram oferecidas à
nadas à alfabetização em braille, crições ou de domínio do braille,
Stéfanie em braille, esse material
bem como intensificamos o uso da uma vez que por estar acoplado
esse produzido na SRM. As ativida-
máquina Perkins Brailler para que a um computador, toda a escrita
des realizadas por Stéfanie na sala
esse recurso pudesse ser utilizado feita na linha braille apareceria na
de aula precisavam ser transcritas
na sala de aula. Ao longo desse tela do computador imediatamen-
do braille para tinta para que a
processo de alfabetização Stéfanie te. Na SRM fizemos todo o reco-
professora da turma pudesse ler o
acompanhou a turma, passou pe- nhecimento do material, treina-
que aluna havia produzido e assim
las mesmas experiências e teve as mos seu uso, suas funções e sem
intervir no que fosse necessário,
mesmas oportunidades de apren- maiores dificuldades Stéfanie foi
esse trabalho de transcrição era
dizagem de seus colegas, utili- realizado por mim na SRM ou pela
família – que aprendeu o sistema
braille comigo na SRM e, com cer-
teza, foi um diferencial para poder
ajudar Stéfanie ao longo de todo
processo educacional.

Os momentos formativos
e de planejamento coletivo entre
os profissionais que trabalhavam
com Stéfanie (professora de Edu-
cação Especial da SRM, profes-
sora do regular e a professora de
Educação Especial da escola) con-
tinuavam sendo de extrema im- dominando aos poucos as formas
portância, pois a partir desse con- de utilizar esse recurso.
tato acertávamos as adaptações a
Paralelamente a esse tra-
serem realizadas a fim de melhor
balho de alfabetização, tínhamos
atender a necessidade da aluna e
também o objetivo de oferecer a
discutíamos o que era necessário
Stéfanie condições de compreen-
cada uma realizar em seu traba-
der sua posição no espaço através
lho.
da utilização dos sentidos rema-
Quando a aluna estava no nescentes, garantindo uma loco-
51. Linha Braille (Fonte: arquivo da 2º ano, já avançada em seu pro-
autora) moção segura, eficiente e confor-
cesso de alfabetização, um novo
52. Stéfanie utilizando a pré- tável. Ela precisava se apropriar
bengala no ambiente da escola
recurso de escrita e leitura braille
(Fonte: arquivo da autora) dos espaços da escola, saber onde
foi inserido no contexto da escola
131
estava localizado o banheiro, o refeitório, o parque, mobilidade, como também no espaço da escola, lo-
as salas de aula e assim iniciamos um trabalho de cal onde Stéfanie precisava começar a se deslocar
orientação e mobilidade que foi realizado tanto no com autonomia. O trabalho na escola foi realizado
espaço da SRM como nos variados espaços da uni- por mim no período contrário das aulas de Stéfanie,
dade escolar. juntas caminhávamos pelos espaços da escola, de-
talhando suas posições, suas características físicas
Segundo Felippe (2003, p. 5): e fazendo os devidos apontamentos para que Sté-
A Orientação para o deficiente visual é o fanie se orientasse e de deslocasse com segurança.
aprendizado no uso dos sentidos remanes- Após sentir confiança e compreender as técnicas,
centes para obter informações do ambien-
te. Saber onde está, para onde quer ir e Stéfanie foi aos poucos fazendo esses percursos
como fazer para chegar ao lugar desejado. sozinha, sem o meu apoio constante e dessa forma
A pessoa pode usar a audição, o tato, a foi se tornando independente no uso da bengala,
cinestesia (percepção dos seus movimen-
tos), o olfato e a visão residual (quando alcançando cada vez mais independência e autono-
tem baixa visão|) para se orientar. A Mo- mia em seu caminhar.
bilidade é o aprendizado para o contro-
le dos movimentos de forma organizada Esse relato traz um pouco do trabalho de-
e eficaz. A pessoa pode se movimentar: senvolvido com Stéfanie na SRM, é importante res-
com a ajuda de uma outra pessoa – Guia
Vidente, usando seu próprio corpo – Au- saltar aqui que todos os processos desenvolvidos
toproteções, usando uma bengala – Benga- nesse atendimento educacional sempre visaram
la Longa, usando um animal – Cão Guia e oferecer a Stéfanie condições de se apropriar e par-
usando a tecnologia – Ajudas Eletrônicas.
ticipar de tudo aquilo que estava sendo oferecido à
sua turma na escola regular e também tudo o que
Como primeira ação foi oferecido a Sté-
era próprio do seu período de desenvolvimento,
fanie a pré-bengala que consiste em um arco feito
para tanto o trabalho não teria acontecido sem as
com bambolê de plástico que possibilitou o início
parcerias estabelecidas ao longo dos anos com as
de sua orientação e mobilidade com segurança e
professoras polivalentes e professoras de Educação
autonomia. Logo após foi ensinado a Stéfanie a
Especial das escolas que atuaram com Stéfanie. Fico
técnica da autoproteção, rastreamento de objetos
emocionada e sou muito grata por todos esses anos
e por fim o uso da bengala longa, que possibilitou
de trabalho com Stéfanie, sua família, escolas e pro-
sua independência na unidade escolar.
fissionais envolvidos, foram muitas lutas e conquis-
Esse processo precisou acontecer tanto na tas e hoje podemos dizer que o caso de Stéfanie é
SRM, com o ensinamento de algumas técnicas e um sucesso do processo de inclusão que tanto bus-
princípios próprios do programa de orientação e camos.

132
Capítulo 5

TECNOLOGIA ASSISTIVA e a
prática pedagógica cotidiana -
Construindo um Currículo

ACESSÍVEL

Colagem de Zuleika da Silva Pinto e


Regina Flora de Carvalho Vieira - A
tecnologia e acessibilidade a escola

133
Para as pessoas com deficiência, a tecnologia assistiva
(TA) é fundamental para a promoção da participação, auto-
nomia e acesso ao currículo. Nos relatos deste capítulo, os
professores abordam a Linha Braille, pictogramas adaptados,
brinquedos e mobiliário. Os relatos mostram a criatividade dos
professores em buscar recursos e adaptá-los às necessidades
dos seus alunos. Destacam também que muitas vezes a tecno-
logia assistiva demanda um trabalho interdisciplinar com todos
da equipe educacional e também, eventualmente, com profis-
sionais de saúde e técnicos de informática, principalmente no
caso da alta tecnologia, que envolve informática como é o caso
da Linha Braille. Os recursos de TA estão presentes na sala
de aula, na vida do aluno e a familiarização dos colegas com os
instrumentos usados pelo aluno com deficiência é importante
parte do processo educacional de todos. O conjunto dos rela-
tos nos mostra que a TA sozinha não suficiente para garantir
a apropriação do conhecimento pelo aluno, a implementação
da TA depende de planejamento e mediação dos profissionais
para o aluno e toda comunidade escolar.

134
Narrativa – Linha Braille como recurso de acessibilidade ao currículo escolar:
organização do trabalho pedagógico e tecnologia assistiva
Aldinária Rodrigues Martins – Professora de Educação Especial

Nome da UE ou SRM: EMEF Presidente Humberto de Alencar Castelo Branco


Agrupamento ou ano do ciclo: Ciclo I e II
Público-alvo: aluno com deficiência visual

A presente narrativa faz com deficiência. deficiência promoveu formação


referência ao recurso da Linha inicial com objetivo de inserir a
Entre os principais docu-
Braille, uma tecnologia assistiva Linha Braille, no ambiente edu-
mentos que se referem à edu-
que facilitou o processo de ensi- cacional, como mais um recurso
cação inclusiva, é importante
no/aprendizagem de uma aluna de acessibilidade.
apontar a Declaração de Sala-
cega, ao longo dos ciclos I e II manca (Unesco, 1994), que traz
do ensino fundamental da EMEF em seu texto destaque para as A Linha Braille, ou Dis-
“Presidente Humberto de Alen- play Braille, é um har-
tecnologias como recursos indis-
car Castelo Branco”. dware que exibe dina-
pensáveis no âmbito escolar: micamente em braille a
Por Tecnologia Assistiva informação da tela ligado
(TA) de acordo com a Unesco a uma porta de saída do
Tecnologia apropriada e computador. Pode-se de-
(2007, p.29) entende-se que, viável deveria ser usada finir Display Braille como
quando necessário para um dispositivo de saída
“é toda e qualquer ferramenta,
aprimorar a taxa de su- tátil para visualização das
recurso ou estratégia e proces- cesso no currículo da es- letras no sistema brail-
so desenvolvido e utilizado com cola e para ajudar na co- le. Por intermédio de um
municação, mobilidade e sistema eletromecânico,
a finalidade de proporcionar aprendizagem. (UNESCO, conjuntos de pontos que
maior independência e autono- 1994, p.9). são levantados e abaixa-
mia à pessoa com deficiência”. dos, conseguindo-se assim
uma linha de texto em
Segundo Galvão Filho A Secretaria Municipal braille. (SANT’ANNA,
(2012, p. 4), no espaço escolar, de Educação (SME), compreen- 2006, p.1).
a tecnologia assistiva possibi- dendo que as tecnologias assis- 53. – Linha Braille (Fonte: arquivo da
autora)bengala no ambiente da escola
lita ao aluno com deficiência a tivas facilitam e possibilitam o (Fonte: arquivo da autora)

ampliação e a oportunização de desenvolvimento da pessoa com


executar atividades necessárias
e pretendidas, favorecendo a
participação desse aluno nas di-
versas atividades educacionais. É
notável que ao se tratar do con-
texto inclusivo, os recursos tec-
nológicos mostram-se ferramen-
tas de inclusão e de valorização
das potencialidades das pessoas
135
oportunidades e condi-

Para o funcionamento da
Linha Braille, é necessário conec-
tá-la a um computador e usar
um leitor de tela. Leitores de
tela são programas usados para
fazer a conversão dos textos em
voz, permitindo ao usuário ouvir,
em vez, de visualizar o conteúdo.
Dentre os leitores de tela, pode-
mos citar, por exemplo, o NVDA,
JAWS, VIRTUAL VISION, entre ou-
tros.

Tendo em vista o contexto


inclusivo, em que há diferentes 54. – Professora da turma e professora de Educação Especial em
formas de aprendizagem e di- momento de formação (Fonte: arquivo da autora)

versos meios e possibilidades de no desenvolvimento do trabalho.


ensino, eu, a professora de Edu- ções. (CAMPINAS, 2012,
Notamos que quando há p. 22)
cação Especial da escola e a pro-
momentos para troca de experiên-
fessora polivalente da turma, nos Destaca-se que a escola,
cias e interesse dos professores
reunimos no Trabalho Docente deve adaptar-se às diferenças
em (re)conhecer a tecnologia as-
Individual (TDI) e no Trabalho promovendo a acessibilidade de
sistiva como recurso pedagógico,
Docente Coletivo (TDC), como
forma que os alunos com defi-
novas ideias e estratégias afloram
também fizemos trocas de infor- ciência possam ter acesso ao
como facilitadores do processo de
mações via WhatsApp e e-mail, a conteúdo, com as mesmas con-
ensino/aprendizagem da criança.
fim de observar, analisar e avaliar dições de oportunidade. Quando
as necessidades educacionais da se fala de TA, é importante pen-
O desafio da participa-
aluna. Nesses momentos, foram ção e aprendizagem, com sar o trabalho pedagógico em
levantadas as barreiras encontra- qualidade, dos alunos com parceria com equipes compostas
das para acessibilidade ao currí- deficiência, exige da escola por diferentes áreas e profissio-
a prática da flexibilização
culo. Abordamos assuntos sobre curricular que se viabiliza nais, para melhor funcionamento
a temporalidade, espaço e intera- por meio da adequação de dessas tecnologias e consequen-
objetivos propostos, na
ções entre os envolvidos no con- temente, ampliação dos espaços
adoção de metodologias
texto educacional, considerando alternativas de ensino, no de aprendizagem.
que são fatores essenciais na uso de recursos humanos,
técnicos e materiais espe- Nesse contexto, para co-
construção da prática pedagógi-
cíficos, no redimensiona- locar a Linha Braille em prática
ca para alcançar os objetivos, vi- mento do tempo escolar, na nossa escola, foi imprescindí-
sando a inclusão dos alunos com como também em uma
avaliação que promova vel estabelecer parceria entre as
deficiência visual. Ao longo des- a aprendizagem a partir áreas da Educação e Tecnologia
se percurso tivemos o apoio da das condições próprias de
da Informação (TI), a fim de obter
equipe gestora, que se mostrou cada aluno, para que es-
ses exerçam o direito de o olhar de cada profissional para
aberta e flexível para contribuir aprender em igualdade de a implementação do recurso. Fi-
136
zeram parte dessa equipe a pro- teúdo do livro didático desse
fessora de Educação Especial da processo, fizemos a digita-
escola, a professora polivalente lização de textos impressos
da turma, a equipe gestora, edu- trabalhados com toda turma.
cador de apoio pedagógico, cui- Para a digitalização, utiliza-
dadores, professoras das Sala de mos um scanner conectado
Recursos Multifuncionais (SRM), ao computador com o pro-
os profissionais do Centro de grama denominado OCR (Re-
Produção de Material Adaptado conhecedor Ótico de Caracte-
(CEPROMAD), técnicos do IMA, res) que transfere o material
as coordenadoras pedagógicas impresso para o computador.
do Núcleo de Educação Especial O texto é disponibilizado para
e a equipe da Assessoria de Tec- visualização, tanto ao acesso
nologia Educacional (ATEDUC). na Linha Braille, quanto na

Após esses momentos de tela do computador. As con-


planejamento entre as equipes, dições acessíveis dos conteú-
foi possível inserir a Linha Brai- dos escolares convertidos em
lle no contexto de sala de aula. braille, possibilitaram o de- 55. Aluna utilizando o recurso em
A primeira experiência da aluna senvolvimento das atividades sala de aula (Fonte: arquivo da
autora)
com esse recurso aconteceu em pedagógicas em sala de aula 56. Alunos da turma explorando a
setembro de 2017, quando esta- com a aluna. linha braille junto com a Stéfanie
(Fonte: arquivo da autora)
va matriculada no segundo ano
do ciclo I. Iniciamos com a digita- A Linha em sala de aula mais significativa. Assim como po-
ção de pequenos textos e leitura despertou a curiosidade dos demos perceber na afirmação da
deles, visando explorar o recurso alunos que demonstraram inte- aluna que faz uso do braille:
tecnológico e suas funções bási- resse em aprender mais sobre o “Depois que meus colegas apren-
cas. Naquele momento, a aluna sistema braille. Tendo em vista, deram a ligar a Linha Braille, co-
estava em processo de alfabe- a aquisição de saberes diante a nhecer o alfabeto braille e o nome
tização na escola e em paralelo nova realidade, desenvolvemos deles, eles me ajudaram mais”
fazia atendimento educacional com a turma, por meio de um (ALUNA, 2018).
especializado na Sala de Recur- projeto, atividades sobre a co-
Na visão da professora da
sos Multifuncionais; ambos os municação em braille e os recur-
turma, a nova forma de interagir
espaços (escola e SRM) estavam sos para desempenhar essa fun-
com a escrita da aluna a fez per-
trabalhando com o aprendizado ção. Eles tiveram a oportunidade
ceber a importância do recurso,
do braille. de manusear a Linha Braille, con-
conforme relato: “Trabalhei com
feccionar o alfabeto e escrever o
O livro didático utiliza- a aluna Renata durante o ano le-
próprio nome em braille.
do em sala de aula com toda tivo de 2018. Na maioria das au-
turma foi adquirido em forma Inserir esses recursos em las, usamos a Linha Braille nas
digital através do Programa situações de uso real no contexto atividades propostas para a aluna
Nacional do Livro Didático de sala de aula com todos, facili- em sala de aula. Esse recurso pos-
(PNLD), que o disponibilizou tou a comunicação e interação en- sibilitou a leitura das produções e
para download. Além do con- tre pares e professores de forma ampliou a interação dela com os

137
colegas, professores, estagiárias. teração professor/aluno e a rea- Linha Braille, é projetada na
Durante o ano, nas vezes que fi- lização de mediações por parte tela do computador em forma
camos sem o recurso da linha da professora no sentido de cor- de representação digital, facili-
braille, a aluna usava a Máquina rigir ou complementar informa- tando o acesso às informações
Perkins. Uma máquina barulhen- ções junto a aluna. Nesse caso, pelo professor.
ta que incomodava muito, confes- era necessário a colaboração da A iniciativa de usar a Li-
so que muito mais a mim que aos família, da SRM e ou do CEPRO- nha Braille como mais um recur-
alunos. O pior, com certeza, era MAD para fazer a transcrição do so no contexto de sala de aula
não conseguir ler as produções da braille para tinta e assim tornar na EMEF Castelo Branco possibi-
aluna e, assim, nossa interação a leitura possível o que deman- litou valorizar as potencialidades
ficava sempre comprometida” dava um tempo de espera por da aluna com deficiência visual,
(Professora Eliete Faria, 2018.) parte da professora para ter nos aspectos da interação social,
acesso à produção da aluna.
Quando a aluna utiliza- da autonomia e do avanço na
va somente a Máquina Perkins Com o novo recurso, aquisição do aprendizado. Vale
Braille como recurso para es- mesmo que o professor não te- investir nessa proposta, tendo
crita, a professora polivalente, nha o domínio do sistema brai- em vista, que os alunos preci-
que não dominava a leitura em lle, é possível ter acesso à pro- sam da acessibilidade como fer-
braille, não conseguia identifi- dução das atividades do aluno ramenta de apoio na trajetória
car imediatamente o que estava com deficiência visual em tem- acadêmica.
sendo escrito, dificultando a in- po real. A escrita, por meio da

57. Professora da turma e professora de Educação


Especial apresentando material em braile para a turma
(Fonte: arquivo da autora)
58. Alunos em contato com o braille (Fonte: arquivo da
autora)

138
Narrativa – Adaptação de recursos e materiais para
inclusão de uma criança cega: rompendo barreiras
atitudinais e de acessibilidade ao currículo
Geiza Duarte dos Santos – Professora de Educação Especial
Aline Cristina Amgarten Cardeal – Professora de Educação Infantil

Nome da UE ou SRM: CEI Sônia Maria Alves Castro Perez


Agrupamento ou ano do ciclo: agrupamento III
Público-alvo: aluno com deficiência visual

Essa narrativa descreve as em nosso cotidiano. A partir de zo. Sabendo da importância de


adaptações de recursos, materiais então, desafios diários surgiram, proporcionar à criança cega opor-
e estratégias que se fizeram ne- mas fomos estudando, pesqui- tunidade de adquirir conceitos,
cessárias para promover a parti- sando, convivendo e conhecendo uma monitora da escola confec-
cipação de uma criança cega nas mais sobre a deficiência visual e cionou sacolinhas de tecido que
práticas curriculares do CEI Sônia sobre o João Gustavo e assim co- continham objetos que represen-
Maria Alves Castro Perez, bem meçamos a encontrar caminhos tavam as atividades realizadas co-
como promover sua independên- possíveis de serem trilhados. tidianamente, para compreensão
cia e autonomia. Abordaremos do contexto escolar, suas rotinas
Como João Gustavo che-
também ao trabalho pedagógico e propostas, bem como desenvol-
gou em nosso agrupamento no
de orientação e planejamento ver com isso a percepção tátil e
segundo semestre, muitas pro-
junto com toda equipe escolar e habilidade para reconhecimento
postas já estavam em andamento
com a professora do atendimen- e manuseio de objetos e materiais
e todo um planejamento já havia
to educacional especializado em diversos:
sido pensado para aquela turma.
Sala de Recursos Multifuncionais, Nossa primeira ação, então, foi fa- • – Sacolinha da higiene –
que trouxe avanços e novas possi- zer a adaptação dos materiais que sabonete, pasta de dente,
bilidades. já estavam sendo utilizados pelas escova, shampoo, toalha,
Em meados de 2015 rece- crianças. Trouxemos relevos di- cotonete;
bemos a matrícula de João Gusta- versos e diferentes texturas para • – Itens da alimentação –
vo, um menino cego que acabara que ele começasse a se familiari- pratinho, colher, garfo, faca,
de completar três anos. A princí- zar com o ambiente escolar, com xícara, copo, alguns alimen-
pio, a equipe pedagógica da escola as propostas, e assim se adaptas- tos e frutas;
ficou apreensiva com a novidade, se bem a nossa rotina, aproprian-
• – Itens do vestuário – short,
pois nunca havíamos trabalhado do-se do que estava sendo ofere-
meia, blusa, sapato, cueca,
com crianças com deficiência vi- cido.
calça;
sual. Passado esse primeiro mo- Adaptamos então alguns
mento, colocamo-nos como edu- materiais e adquirimos outros – • – Itens da escola – agenda,
cadores acolhedores, dispostos a brinquedos sonoros, objetos com caderno, lápis, borracha,
aceitar toda e qualquer diferença texturas variadas e bolas com gui- canetinhas, cola, tintas, te-

139
soura; Nessa mesma perspectiva, pas-
samos a apresentar os alimentos
• – Itens da beleza – pente,
em sua forma original (crus e in-
escova de cabelo, perfu-
teiros) – por exemplo ao servir
me, secador de cabelo e
uma fruta, antes de experimen-
chapinha de brinquedo,
tá-la, João Gustavo podia tatear,
creme, espelho, esmalte,
cheirar, perceber sua textura, ta-
batom;
manho, firmeza, e só depois rece-
• – Itens do bebê – fralda, bia a mesma cortada em pedaços
roupinha, mamadeira, ou em forma de suco. Esse traba-
chocalho, chupeta. lho era feito diariamente, com a
Assim como aponta Bruno ajuda das cozinheiras que separa-
(1993): vam todos os alimentos in
Cremos num processo de natura que seriam servidos
aprendizagem funcional e no momento da refeição.
significativa: aprendiza-
gem fruto da construção Algumas estraté-
do conhecimento e inter-
gias para as atividades
nalização dos conceitos
vividos pelo próprio su- com tinta, lápis e cane-
jeito. Este conhecimento tinha também foram
decorre da sua ação no
repensadas para que se
mundo e da significação
que suas percepções ad- tornassem acessíveis.
quirem pela interação Incorporamos em nossa prática 59. Objetos pertencentes à
e relação com o meio. sacolinha da beleza (Fonte: arquivo
(BRUNO, 1993, p. 119) o uso da telinha que possibilitava da professora)
fazer relevos de forma rápida e 60. Objetos pertencentes à
sacolinha da beleza (Fonte: arquivo
prática (um pedaço de tela mos- da professora)
Ainda com o objetivo de
queteira que quando utilizada 61. Telinha utilizada como recurso
favorecer a aquisição de concei- de desenho em relevo (Fonte:
por baixo do papel produz uma arquivo da professora)
tos, sempre houve a iniciativa
textura ao desenhar com giz de 62. João Gustavo fazendo atividade
de trazer objetos reais antes de com uma adaptação para limitar o
cera ou lápis de ponta grossa – espaço da folha (Fonte: arquivo da
contar as histórias ou falar sobre
(Figura 61). Para atividades de professora)
algum tema novo com a turma.
pintura, fazíamos limitações de
espaços na folha a ser utilizada
ou colávamos barbante no con-
torno da imagem para que João
Gustavo. Conseguisse colorir seu
interior.
Nos momentos de brinca-
deira, a equipe da escola come-
çou a observar que João Gustavo
demonstrava grande interesse
por música e por instrumentos

140
musicais, portanto esses materiais versas tentativas de tornar o am- 63. Material adaptado feito
foram inseridos na rotina para biente da nossa escola um espaço para iniciar o contato com a
cela braille (Fonte: arquivo da
exploração de todas as crianças. acolhedor e inclusivo. professora)
Dentre os preferidos por João 64. João Gustavo sentindo as
Para que esse trabalho letras do alfabeto em braille (Fonte:
Gustavo estavam a viola, a flauta, colaborativo entre equipe edu- arquivo da professora)
o tambor e um violão em tamanho cativa da escola e professora do
real. AEE acontecesse de maneira sa-
Vale aqui destacar que to- tisfatória, foi necessário organizar
dos os materiais adaptados, cons- encontros, reuniões e discussões
truídos, adquiridos e propostos constantes sobre temas relaciona-
para o desenvolvimento de João dos à cegueira, recursos possíveis
Gustavo sempre foram de uso co- de utilizar no ambiente da escola,
letivo; todas as crianças da turma dicas de organização dos mate-
podiam experimentar, conhecer e riais e do espaço, dentre outras
utilizar nas atividades diárias. discussões. Foram feitas reuniões

No ano de 2016, indicamos de trabalho na SRM para conhecer


que João Gustavo iniciasse o aten- esse espaço e as propostas de-
dimento educacional especializa- senvolvidas lá, bem como foram
do (AEE) na Sala de Recursos Mul- feitas reuniões de trabalho com
tifuncionais (SRM) do CEMEFEJA a professora do AEE em nossa es-
Pierre Bonhome, pensando que cola, nos momentos de TDC, TDI e
esse espaço contribuiria para seu FC para toda equipe escolar, o que
desenvolvimento e aprendizados fortaleceu o grupo e possibilitou
específicos (letramento em brail- novos aprendizados e muita troca
le, orientação e mobilidade, ativi- de experiência.
dades de vida diária) em um aten- Desde o início, a participa-
dimento feito individualmente. ção da família tem sido fundamen-

Desde que iniciamos essa tal para o desenvolvimento do tra-


parceria com a professora do AEE, balho, aceitando as sugestões da
percebemos muitos avanços no equipe, colaborando e perceben-
desenvolvimento da criança, bem do a necessidade desse trabalho
como fortalecimento da equipe individual especializado.
escolar ao receber apoio e orien- João Gustavo já estava
tações contínuos. As professoras totalmente adaptado à nossa
dos agrupamentos que João Gus- rotina, às pessoas, aos ambientes
tavo frequentou e ainda frequenta e às propostas. Sempre se comu-
demonstraram interesse em par- nicou muito bem, de forma articu- Em parceria com a profes-
ticipar ativamente deste processo lada, possui um vocabulário rico, é sora do AEE, observando a desen-
de formação continuada, amplian- curioso e questionador, perceben- voltura e dinâmica de aprendizado
do seus conhecimentos, adquirin- do o que acontece ao seu redor de João Gustavo, a equipe decidiu
do novos aprendizados, pensando nos mínimos detalhes. que era necessário iniciar seu le-
e repensando as adaptaç�es e di-
141
tramento em braille, tanto na SRM cegas. niões no espaço do TDI para pla-
quanto na escola. Iniciamos com nejar, adaptar ou refletir sobre a
Em 2018, João Gustavo es-
joguinhos simples – construção prática.
tava frequentando o último ano
de algumas celas braille em tama- da Educação Infantil e enquanto Nesses encontros coleti-
nhos grandes com caixas de ovos, equipe educativa temos bem de- vos, percebemos que era neces-
tampinhas de garrafas para o po- finido que esse é o momento de sário repensar a forma como o ca-
sicionamento e construção das priorizar variadas oportunidades lendário vinha sendo apresentado
letras, uso de bolinhas de isopor de apropriação do sistema braille, para João Gustavo e para a turma,
construindo as cartelas do alfabe- inserindo-o em todo o processo assim modificamos o formato,
to no braille – priorizando sempre de letramento, para que tenha as aprimoramos e padronizamos os
desenvolver esses conceitos a par- bases bem consolidadas de sua símbolos usados para marcar cada
tir de brincadeiras e de vivências forma de leitura e escrita e acesso dia da semana. O calendário foi
prazerosas. Também adquirimos ao mundo letrado assim como as todo adaptado em alto-relevo, se-
e construímos jogos mais comple- outras crianças. parando os dias da semana e iden-
xos como dominós e jogos da me- tificando-os com figuras e sinais
Com esse objetivo defini-
mória já utilizando o alfabeto em recortados em EVA, específicos
do, continuou-se com o trabalho
braille. para dias letivos, não letivos, fes-
em parceria e frequentemente as
Com esse trabalho em par- tas de aniversário e outros even-
professoras de Educação Especial
ceria, construímos várias possi- tos.
e professora da turma faziam reu-
bilidades de conhecimentos não
65. Turma do cachorro aprendendo
somente para João Gustavo, mas sobre o sistema de escrita e leitura
para todas as crianças da sala, utilizado pelo aluno (Fonte: arquivo
da professora)
possibilitando que eles conheces- 66. Calendário adaptado feito na
sem o sistema braile e os pontos escola para que se tornasse acessível
(Fonte: arquivo da professora)
que formam as letras, enfim a for-
ma de ler e escrever das pessoas

142
Nessa atividade também ma foi trabalhado o letramento os diversos sons e as texturas
foi trabalhada a inicial em braille através do alfabeto dos animais; de alguns espaços que eram
do nome de cada mês do ano. Per- nessa atividade, as crianças pes- permitidos tocar. Assim como a
cebemos com essas readequações quisavam, desenhavam e coloriam ida ao zoológico foi planejada pela
que o calendário tátil ficou muito animais relacionados com cada equipe para se tornar acessível,
atrativo visualmente para a turma letra. Para esse material em cada todos os passeios propostos às
toda e mais funcional para João página onde estavam as letras co- turmas pelas quais João Gustavo
Gustavo e que dessa forma, todos ladas e as figuras de animais, colá- passou sempre foram pensados
tinham autonomia para localizar vamos também a letra em braille e de maneira que ele pudesse inte-
eventos, férias, atividades espe- um animal em 3D para exploração ragir com o local e o grupo de for-
ciais, passeios e outros. tátil. ma positiva.

Ao longo do ano de 2018, Como encerramento desse Vale aqui destacar outra
desenvolvemos variadas ativida- trabalho com os animais, organi- ação que foi necessária desenvol-
des relacionadas com o tema ani- zamos um passeio ao zoológico. ver ao longo dos anos de perma-
mais, partindo do nome da turma Essa atividade aconteceu no dia nência de João Gustavo em nossa
que era: Turma do Cachorro. Uma do aniversário de João Gustavo e, escola. Como já falado anterior-
das primeiras adaptações feitas com certeza, foi muito especial. Ao mente, João Gustavo sempre foi
após a escolha do nome da turma longo da caminhada pelo zoológi- uma criança ativa, curiosa, e aten-
foi a confecção do nome em braille co, a professora de Educação Es- ta a todas as coisas. Com isso, ele
e de um desenho do rosto de um pecial foi descrevendo oralmente explorava os espaços com auto-
cachorro em EVA, com detalhes as características de cada animal nomia, guardava seus pertences,
como orelhas, olhos e nariz fei- para toda a turma (sua cor, tama- fazia sua higiene, circulava pela
tos com texturas diferentes. Esse nho, se tinha, penas, asas, como sala sabendo o local usual do mo-
material foi colocado na porta da eram suas patas, chifres, bocas, biliário e escolhia os ateliês de sua
sala, a fim de identificar o espaço se estavam na água ou na terra, o preferência sempre que solicita-
ocupado por nossa turma. que comiam, etc.), pensando em do, porém, mesmo com toda essa
tornar a experiência rica para João autonomia adquirida, foi necessá-
Partindo do nome da tur-
Gustavo mas também provocando ria a realização de um trabalho de
nas outras crianças percepções orientação com as crianças e tam-
além daquelas obtidas visualmen- bém com alguns adultos funcio-
te – sentindo os diferentes cheiro, nários da escola, uma vez que em

67. Uma das páginas do material – Alfabeto dos animais (Fonte:


arquivo da professora)
68. João Gustavo explorando com a professora de EE o nome da turma
em braille na porta da sala de aula (Fonte: arquivo da professora)

143
variados momentos, as pessoas potencial para ajudá-lo a crescer todos, inclusive para as crianças
queriam fazer as atividades por cada vez mais. que participaram desse processo.
João Gustavo (como guardar seus A equipe educativa sempre Acreditamos nessa escola inclusi-
pertences, carregá-lo no colo, dar buscou proporcionar condições va, acolhedora, que dá condições
os brinquedos em suas mãos sem para que João Gustavo participas- para o sujeito desenvolver seu
deixar que ele os procurasse, den- se de todas as atividades, todos potencial a partir de sua especifi-
tre outras ações), “ajudando-o” os momentos, todas as vivências cidade, assim como afirma Man-
mesmo quando não era necessá- e propostas feitas à sua turma. toan: “A escola tem que ser lugar
rio. Aos poucos, fomos mostran- Nesses anos, buscamos desenvol- em que as crianças tenham opor-
do a todos que João Gustavo era ver em João Gustavo autonomia e tunidade de serem elas mesmas e
uma criança autônoma, que tinha confiança. Foram anos de muitas as diferenças não são escondidas,
capacidade e condições de reali- descobertas, aprendizados, cresci- mas destacadas”.
zar as atividades propostas a ele e mento profissional e pessoal para
que precisávamos confiar em seu

Narrativa – Os encantos e desafios de uma educadora


frente a inclusão de um aluno com deficiência múltipla
Warlen Fernandes Soares – Professora Polivalente dos anos iniciais do ensino fundamental
Solange Maria Américo – Professora de Educação Especial Coordenadora do Grupo de Trabalho de TEA

Nome da UE ou SRM: EMEFEI Raul Pila


Agrupamento ou ano do ciclo: 1º ano do Ensino Fundamental
Público-alvo: aluno com deficiência múltipla

Apresentamos aqui o tra- Gianluca.


balho pedagógico realizado com
o aluno Gianluca, elaborado pela
equipe escolar, ancorada pelo
apoio das professoras de Educa-
ção Especial da escola. O planeja-
mento desse trabalho pedagógico
contemplou o desenvolvimento
de atividades que fortaleceram
os elos de socialização, promove-
ram o aprendizado de um meio
de comunicação estruturado e
potencializaram o desenvolvimen- 69. Quadro de Rotina Diária proposto para Gianluca e sua turma
to visual, tátil, auditivo e oral de
144
O nosso planejamento fez- desenrola dentro de uma
-se a partir da observação das ne- única perspectiva, e sim
cessidades educacionais do Gian- pressupõe que a aprendi-
luca e levantamento das situações zagem e desenvolvimento
de aprendizagem e intervenção da criança seja refletida
oferecida a todos os alunos, para e planejada pelo conjun-
assim propor ações que contem- to de sujeitos envolvidos
plassem a todos. Ao longo do tem- com a criança.
po houve constantes adequações Nesta perspectiva,
nesse planejamento para garan- para o desenvolvimento
tirmos a participação de todos no linguístico do aluno no
processo de inclusão. contexto escolar, a princípio fo- 70. Cadeira adaptada (Fonte: arquivo
Reiteramos a importân- cou-se na dinâmica de acomodar da professora)

cia de identificarmos um meio de Gianluca adequadamente nos


comunicação que nos permitisse diferentes contextos, espaços e
vos da escola e a sala de aula.
perceber os interesses e necessi- momentos de aula de modo que
dades do Gianluca, que começou ele pudesse estar junto com os Gianluca participava de
a se dar através do olhar e de sons colegas da turma. Tal cuidado lhe todas as aulas e em todos os am-
emitidos pela criança. As estra- trouxe outras formas de enxergar bientes escolares. Destaca-se o
tégias de comunicação utilizadas a si mesmo, os outros, os objetos uso do parque, quadras, refeitório
com a criança demandavam a ao seu redor e o mundo de uma e demais dependências. Criamos
compreensão da ordem, intensi- maneira mais participativa e sig- no início do ano letivo um espaço
dade, necessidade da criança e de nificativa e contribuiu na sua au- em sala de aula apropriado para
seu universo sensorial. Assim, pro- torregulação, na percepção de si o tempo de descanso deste aluno
fessores e cuidadoras envolvidos mesmo e dos outros. Consequen- e também uma cadeira escolar,
com o processo escolar da criança temente, essa organização possi- apropriada a suas necessidades,
estavam em constantes trocas de bilitou ao Gianluca instituir meca- que foi providenciada pela profes-
informações, planejando e cui- nismos internos para o despertar sora da Sala de Recursos Multifun-
dando com detalhes do espaço, para um universo de múltiplas cional, que atuou junto a equipe
da higiene e da rotina deste aluno. informações, que gradativamente terapêutica e equipe gestora da
Preocupamo-nos em explorar o passou a codificar e ter elementos escola na solicitação dessa cadei-
potencial de expressão, ideias e de para interagir cada vez mais com ra. Assim, o uso da cadeira de ro-
emoções do aluno. Nesse proces- o contexto linguístico. Para organi- das era feito apenas para a loco-
so de identificação da melhor for- zar, significar e ofertar elementos moção em ambientes externos.
ma de comunicação com a criança, linguísticos sobre a rotina escolar É de extrema importância
contamos com o apoio e a parce- implementou-se o uso do Quadro apontar que os alunos usuários de
ria dos profissionais da saúde (te- da Rotina Diária com recursos pic- cadeiras de rodas precisam ter pre-
rapeuta ocupacional, fisioterapeu- tóricos, onde o Gianluca podia ve- servados os seus momentos de se
ta, fonoaudióloga, dentre outros) rificar quais atividades ocorriam e acomodar em outros mobiliários
que o atendiam e que sempre se o que era esperado dele em cada adaptados e corretamente perso-
disponibilizam a dialogar conos- evento e espaço, como os horários nalizados para eles. Isso porque o
co. O movimento inclusivo não se das refeições, os espaços interati uso exclusivo da cadeira de rodas

145
pode levar o aluno a ver o mundo do Programa Mais Alfa-
apenas por uma perspectiva, o ân- betização. Portanto, in-
gulo oferecido pela altura e dispo- vestimos esforços para
sição dessa cadeira. É necessário que o acesso aos objetos
cuidar para que possam estar no e materiais da sala de
mesmo nível de plano visual dos aula fosse o mais prático
interlocutores, especialmente os e funcional possível e os
companheiros de turma, o que fa- disponibilizamos alterna-
vorece o interesse para descobrir damente da forma mais
as coisas, os objetos, as pessoas e atraente para o aluno.
os parceiros linguísticos que estão Professores de outras tur-
ao seu redor e interagir com eles mas também estavam em
de maneira significativa. Consi- constante sintonia para
derando tudo isso, foi oferecido favorecer e disponibilizar
71. Ca Fe Festa da Família- quadro
a Gianluca uma cadeira de classe materiais que pudessem ser utili- Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável – ONU (Fonte: arquivo
flexibilizada, personalizada e que zados como recursos pedagógicos
da professora)
pudesse ser acoplada a uma car- no 1° ano B para Gianluca.
teira comum da sala de aula. Com os pictogramas que são prepara-
As atividades escolares in-
essa cadeira adaptada Gianluca dos pela professora de Educação
dividuais que eram oferecidas ao
podia utilizar a mesma carteira Especial, rotina específica cria-
Gianluca respeitavam a temática
que todos os seus amigos de clas- da pela equipe de EE da escola e
trabalhada com a turma em que
se.Outro recurso implementado instrumentos que produzem sons
está matriculado em todos os pro-
pela educadora em sala de aula, quando manuseados pela criança.
jetos e atividades correlatas, com
foi o Espaço Sensorial, o qual pos- Nossos esforços também
adequações previamente prepa-
sui local fixo e era permanente- se concentram em planejamento
radas e com a colaboração das
mente preparado para correspon- de situações funcionais da vida
outras crianças da turma para rea-
der à evolução da criança. Neste diária (uso de mochila, estojo, do
lização da atividade. Tal proposta
ambiente, além dos estímulos banheiro, escovação, do refeitó-
ocorria mediante as adequações
visuais, Gianluca podia usufruir rio, dentre outras). Privilegiamos
razoáveis, onde o currículo esco-
de momentos estruturados para a interação com os pares dentro
lar era abordado a partir de mui-
mediações sensório-motoras e de todas as propostas desenvol-
tos estímulos sensoriais, uma vez
estímulos das habilidades percep- vidas (estudo do meio, refeições,
que diariamente são oferecidos a
tivas, e cada recurso evidenciado momentos de recreação).
Gianluca objetos que possam des-
para Gianluca também de modo Ao término do corren-
pertar o seu interesse, tais como
que tivesse interação com todo te ano letivo, o aluno passou a
(rolos de papelão, areia pedagó-
contexto educacional da classe atender pelo nome ao ser cha-
gica, jogo da memória sensorial,
A sala de aula contava, livro de texturas, massinha, ativi- mado, virar a cabeça em direção
além da professora, com o apoio dades com pincel e tinta, dentre à voz que o chama; sentar-se com
de uma estagiária de Pedagogia, outros. Também se realizava dia- apoio, desde que seja enunciado
duas cuidadoras que se revezam riamente a contação de histórias, o comando “vamos sentar”! Per-
no cuidado de outras crianças, e o uso de caderno de classe (com manecendo nesta posição e es-
às sextas-feiras, uma estagiária apoio), pasta de atividades, forçando-se para não deitar nova-

146
mente; passou a descobrir a mão ça, ao apresentarmos um objeto da atividade, retirava as mãos
e a levar constantemente à boca, e pedirmos para que segure, ele da mesinha e as coloca no
fato que está sendo monitorado pega o objeto com preensão pal- colo.
pelas cuidadoras sob orientação mar; quando deitado. Demonstra Gianluca … Sem você não tería-
da professora para que não ma- reconhecer funcionários e outros mos tanto amor para transbor-
chuque os dedos, visto que mor- professores, reagindo positiva- dar,
de para explorar a mão, A criança mente ao ser cumprimentado;
Seríamos muitos, mas não sería-
passou a acompanhar a ‘conta- manifesta interesse por ativida-
mos os mesmos.
ção’ de histórias com os olhos e des, apoiando as mãos sobre a
cabeça; sorrir e gargalhar em al- proposta: massinha, garrafinha Teríamos o céu, mas não vería-
gumas situações. Embora ainda colorida, pote dos sonhos, rolos; mos o brilho das estrelas.
não exerça o movimento de pin- quando não desejava participar (Warlen)

Narrativa – Retomando as possibilidades comunicativas: introdução


de Comunicação Alternativa/ Suplementar com aluno com deficiência múltipla
Mara Cardoso Freitas – Professora de Educação Especial do Atendimento Educacional Especializado

Roberta Gomes Scian – Professora de Educação Especial do Professora de Educação Especial do Atendi-
mento Educacional Especializado

Solange Maria Américo – Professora Coordenadora do Grupo de Trabalho de Deficiência Múltipla

Nome da UE ou SRM: SRM Padre Avelino Canazza


Agrupamento ou ano do ciclo: 6º ano do Ensino Fundamental
Público-Alvo: aluno com deficiência múltipla

Neste relato apresenta- de dezembro de 2006, era uma por meio de gastrostomia.
remos algumas ações desenvol- menina alegre, frequentava aula Atualmente a aluna faz
vida no atendimento educacional de dança e tinha ótimo rendi- uso de cadeira de rodas. Apre-
especializado, principalmente mento escolar, com domínio da senta melhor função com o braço
aquelas voltadas para constru- linguagem oral e escrita. De re- direito e estamos implementan-
ção e apropriação de formas de pente, aos 10 anos, em de março do vários estímulos para que a
se comunicar por uma aluna com de 2016, sofreu um acidente vas- adquira cada vez mais funcionali-
deficiência múltipla com ausência cular cerebral (AVC). Como con- dade. Frequenta atualmente o 6º
de fala, mas que já havia adqui- sequência, a menina apresenta ano na EMEF Prof.a. Maria Luiza
rido linguagem e língua antes da deficiência física com comprome- Pompeo de Camargo, em caráter
deficiência. timento dos 4 membros, sofreu especial, visto que se encontra
traqueostomia e é alimentada
Raphaela nasceu em 12 matriculada no 5º ano pelo fato

147
de ter ficado um ano sem fre- Após discussão do caso no Grupo mas e situações contextualizadas,
quentar a escola, devido ao AVC. de Trabalho de Deficiência Múl- que envolvam a sua realidade e
A escola está estudando a melhor tipla foram introduzidos cartões seus interesses.
maneira de resolver o problema com pictogramas que trazem ex- Estamos trabalhando na
de reclassificação, para que ela pressões faciais representandoComunicação Suplementar e Al-
possa permanecer com os seus sim e não, então, Raphaela res-
ternativa (CSA) com imagens e
pares, que são seus colegas des- pondeu, mostrando compreen- nomes de seus familiares, dos
de o seu ingresso na escola, no 1º são. amigos mais próximos, brinque-
ano escolar. Raphaela teve aten- A aluna se encontra em dos prediletos, artistas e filmes
dimento domiciliar em 2017 com processo de avaliação pedagógica preferidos, imagens da casa e de
professores de Educação Especial para verificação de suas necessi- seu entorno, da escola, profes-
da escola. dades educacionais, conhecimen- sores e demais profissionais que
Segundo a mãe, a primei- to e potencialidades relacionadas atuam diretamente com ela. A in-
ra forma de comunicação expe- às questões acadêmicas e à vida teração com seus pares vem ocor-
rimentada depois do AVC foi o prática (o quanto consegue re- rendo de forma positiva no am-
movimento de pálpebras (piscar), conhecer, ler, indicar, interagir, biente escolar, por meio de ações
mas esse sistema não foi muito expressar o gostar e não gostar, desenvolvidas pela professora de
efetivo. À vista disso, outras for- entre outros.). Estamos desenvol- Educação Especial, na perspecti-
mas de comunicação com Gio- vendo um trabalho com ênfase va da educação inclusiva. Perce-
vanna foram experimentadas em recursos tecnológicos e Co- be-se que em tais momentos a
com finalidade de expressão de municação Suplementar e Alter- aluna se sente parte da escola,
seus desejos, sentimentos ou nativa (CSA), buscamos recursos pois demonstra satisfação e seus
necessidades, indicando “sim” e e estratégias para atender às suas pares requisitam sua presença e
“não”, usando a expressão do ros- especificidades. demonstram muito carinho por
to (sorriso) e movimento palmar ela. A professora do AEE contribui
Os recursos tecnológicos
para cima e para baixo. utilizados são de baixa e alta tec- na produção e no uso de cartões
de Comunicação Suplementar e
Iniciou em março de 2018 nologia como tablets, notebook,
Alternativa (CSA) relacionados ao
no Atendimento Educacional Es- big Track, vocalizadores, símbolos
cotidiano escolar.
pecializado – AEE, na Sala de Re- pictóricos com velcro e/ou iman-
cursos Multifuncionais da Escola tados, ponteiras manuais, plano Vale informar que a aluna
de Educação Integral Pe. Avelino inclinado, adaptadores de lápis não consegue realizar as ativida-
Canazza. A comunicação se deu e pincéis, entre outros, com os des da vida diária, precisando de
por meio de sorrisos, movimen- quais a aluna possa ganhar maior apoio para realizar qualquer ati-
tos reduzidos do braço e mão di- autonomia. Contudo, o proces- vidade de vida prática, por isso
reita e direcionamento de olhar. so ainda é experimental, porque na escola conta com apoio do
Ela conseguia bater levemente é necessário avaliar com a aluna cuidador para as atividades de
em objetos e também em cartões quais recursos oferecem maior higiene, alimentação e locomo-
pictóricos. São utilizados com fre- funcionalidade. Os recursos são ção. Parece entender o que fala-
quência vários cartões, contudo, ferramentas facilitadoras do pro- mos e vem dando devolutivas por
ainda não tinha apresentado re- cesso de ensino aprendizagem, meio de sorrisos, quando gosta e,
conhecimento do sim e do não. utilizados de forma a retratar te- quando não gosta de algo. Conse-

148
gue manifestar suas vontades e vir na comunicação de alguém, realizar trocas comunicativas.
a professora de Educação Espe- dar-lhe instrumentos linguísti- É preciso compreender a pos-
cial também está tentando, por cos, suporte para se comunicar sibilidade de outras formas de co-
meio de um programa, a comuni- vai muito além do “simples ato municação.
cação que utiliza os movimentos do falar”. A linguagem não se li- A pessoa com deficiência
de cabeça e um cursor indicativo mita à forma ou ao sistema que física, especialmente aquela que
de ações no computador. Este re- se usa para estabelecer as rela- já tenha uma linguagem estrutu-
curso, como os demais, está em ções de comunicação. Depende rada, como é o caso da Raphaela,
processo inicial, mas há indícios do repertório de cada um, que tem algumas vantagens que po-
positivos sobre o seu potencial, se amplia nas experiências coti- dem ser exploradas, pois desde a
segundo a professora. dianas de interlocução, daí a im- mais tenra infância, ela recebeu
O atendimento educacio- portância dos pares linguísticos. noções linguísticas básicas e con-
nal especializado estimula, so- Temos que avançar para além da ceitos culturais linguísticos, no
cializa e explora o uso de vários compreensão de que, se o indiví- aprendizado com seus pais, e com
recursos, já citados, para que duo não consegue se expressar outras pessoas que favoreceram
tenham funcionalidade e sejam pela oralidade, não tem nenhum seus primeiros ensaios comuni-
elementos facilitadores no seu armazenamento interno, nem cativos. Sobre a base interna des-
cotidiano escolar e familiar, es- possui bagagem com a qual pos- ta estrutura, pode ser implantada
tendendo aos demais espaços de sa participar de intercâmbios e a Comunicação Suplementar e
convivência. Contribui ainda nos trocas linguísticas. Se aceitarmos Alternativa. A linguagem interio-
avanços e conquistas da autono- essa perspectiva, confirmaremos rizada que Raphaela desenvolveu
mia e interação com seus pares, o “estigma” de que a ausência da anteriormente ao AVC precisa en-
estreitadas pela nova maneira de “fala” ou de “expressões comuni- contrar meios para se expressar,
Raphaela se comunicar, por isso cativas”, elimina toda e qualquer o que estamos buscando cons-
a parceria com a família é funda- forma de se estabelecer a comu- truir através da CSA.
nicação para o indivíduo que não
mental.
possui recursos linguísticos para
Observamos que inter-

149
Narrativa – Recursos de comunicação para inclusão de
uma com surdocegueira pré-lingual
Solange Maria Américo – Professora de Educação Especial do
Atendimento Educacional Especializado

Agrupamento ou ano do ciclo: Ensino Fundamental ciclo I


Público-Alvo: aluno com surdocegueira

Larissa teve sua primeira ta, o mais urgente possível, apren- tanto, Larissa necessitava de mais
experiência escolar aos 10 anos der um sistema de comunicação, do que o transporte. Sem lingua-
de idade, quando foi matricula- já que, neste caso, o isolamento é gem, ela ficava presente nos am-
da numa unidade de ensino fun- fator de extremo distanciamento bientes, nos eventos, de forma
damental da Rede Municipal de da realidade e de compreensão descontextualizada. Sem enten-
Campinas em 2004. De fato, mes- dos contextos linguísticos. der o que estava acontecendo, ela
mo Larissa tendo sua idade acima apresentava comportamentos de
Na escola, Larissa teve
da média dos colegas, iniciou sua autoproteção, maneirismos hos-
gestores preocupados, funcioná-
trajetória escolar no 1º ano, pois tis e desafiantes, com muitas ins-
rios dedicados, professores ma-
sua estatura era bem semelhante tabilidades de humor. Ainda fazia
ravilhosos, como Carmen Silvia
aos demais alunos e necessitava uso de fraldas, não se alimentava
Dias (professora do 2º e 3º ano
de muitos estímulos para se de- sozinha e não aceitava as refei-
de Larissa), Ismênia Carolina Bos-
senvolver em vários aspectos. ções oferecidas na escola. Todos
co (professora de Educação Espe-
os dias só ingeria um tipo de ali-
A mãe relatou as dificul- cial), Renato Horta Nunes (profes-
mento como lacticínios, os quais a
dades encontradas para levar sor de educação física), Jussara
mãe mandava na mochila. Intran-
Andreia à escola, pois a menina Radis Pimenta (professora de Edu-
sigente, recusava-se a consumir
tinha medo de sair de casa e no cação Especial), ainda, tantos ou-
qualquer outro alimento que não
começo dava muito trabalho, pu- tros que se esforçaram a fim de
fosse aquele.
xando a roupa da mãe em sinal de que Larissa pudesse progredir e
negativa. Mas, aos poucos foi se se desenvolver plenamente. So- A equipe de professores
adaptando e tanto a mãe como a bretudo, estavam motivados a en- percebeu que Larissa, mesmo es-
escola começaram a busca de um contrar maneiras de otimizar, fo- tando presente na escola, ficava
transporte acessível para fazer o mentar os processos educacionais alheia aos eventos que aconte-
percurso de ida e volta da escola. com objetivo de ajudar Larissa a ciam ao seu redor. Então ques-
Larissa apresenta surdocegueira ver o mundo. tionava-se como estabelecer me-
pré-lingual (perdas significativas diações educacionais e interações
Dentre os recursos mobi-
tanto na visão como na audição lizados, o transporte específico comunicativas com Larissa: como
e acometimento da capacidade que fizesse o trânsito escola-ca- estabelecer um currículo frente a
de ouvir os sons da fala para os sa-casa-escola todos os dias junto surdocegueira pré-lingual?
reproduzir). Trata-se de uma defi- com sua mãe era essencial para Em 2006, fui procurada na
ciência na qual a pessoa necessi- garantir o acesso à escola. Entre- Sala de Recursos para conhecer

150
Larissa, com objetivo de exem- cionam como “carro-chefe” para Assim, conversei com
plificar ações que a ajudassem se organizar qualquer currículo os alunos da turma de Larissa,
a compreender as relações e os para a pessoa com surdoceguei- explicando como ela via o mundo
enredos do contexto educacional. ra pré-lingual. Funcionam como e de como era importante que
Comecei a levantar alguns pres- recursos linguísticos primários, eles a ajudassem a ver o mundo
supostos que são imprescindíveis otimizados a partir de sistemas de de maneira cada vez mais plena.
ao se iniciar qualquer programa comunicação para se estabelecer Então, orientei os procedimentos
de estruturação linguística para trocas comunicativas cabíveis no que todos deveriam adotar a fim
uma pessoa com surdocegueira universo da criança, do jovem e do de que Larissa os reconhecesse
pré-lingual. Por exemplo, obser- adulto surdocego. Neste primeiro no contexto linguístico. Para isso,
vei que não havia marcadores ou contato, observei como os profes- precisávamos estabelecer sinais
sinalizadores que permitissem sores organizavam as suas ativida- de identificações pessoais como
que ela pudesse se organizar nos des e propus algumas estratégias marcadores, objetos que sempre
espaços-tempos da escola, como que pudessem, desde aquele mo- trariam no corpo, que os pudesse
também, não existiam regras cla- mento, firmar procedimentos ne- diferenciar no cotidiano escolar e
ras a partir de sinalizadores táteis, cessários para autorregulação de fornecer pistas perceptivas para
vibrotáteis (percepção da vibra- Larissa no contexto educacional e Larissa. Por exemplo, um sinal
ção pelo tato) ou termostáteis lhe trazer integração sensorial em como uma pulseira, um brinco,
(percepção da temperatura pelo meio ao convívio social. um relógio, uma fita no cabelo ou
tato em que a pessoa surdocega Entretanto, as dinâmicas uma marca saliente no rosto ou
toca algo ou alguém e o reconhe- que sugeri deveriam envolver a no braço e ou pela escrita digital
ce pelas impressões térmicas for- todos, pois Larissa precisava sa- fazendo a inicial de seu nome no
necidas pelos termorreceptores). ber com quem estava se relacio- dorso ou na palma da mão de La-
Tais recursos oferecem possibili- nando, se permitir ser tocada. Ela rissa.
dades básicas para autopercep- precisava aprender a se utilizar da Isto posto, ao se aproxi-
ção da pessoa surdocega. Trata-se mão direita como mecanismo de marem de Larissa, primeiro deve-
de algo essencial para a organiza- autoproteção ou autodefesa, e riam efetuar o Tadoma, colocan-
ção de um currículo que atenda não se pôr o tempo todo na de- do a mão esquerda de Larissa em
às suas necessidades, de elemen- fensiva, evitando contato. Larissa seu tórax, próximo a garganta, em
tos preliminares de integração da precisava confiar naqueles com seguida, pronunciar seu nome e
própria imagem e das relações quem convivia no cotidiano es- realizar o sinal mudando a mão
com o mundo. colar, não se posicionar como se esquerda de Larissa para o local
A ausência de recursos estivesse num ambiente hostil e de reconhecimento a fim de que
linguísticos, visuais que lhe ga- estranho. Igualmente, todos que pudesse, cinestesicamente, sa-
rantisse concepções palpáveis do conviviam no âmbito da escola, ber quem estava se comunicando
mundo, desde a mais tenra ida- que lá atuavam, também neces- com ela. Desta forma, cada um
de, gerou na criança dificuldades sitavam conhecer sobre a surdo- ao se aproximar de Larissa fazia
de entender como as pessoas, os cegueira pré-lingual, e sobre a o sinal perceptivo no dorso ou na
objetos, as coisas estão dispos- melhor forma de interagir com La- palma da mão esquerda e, neste
tas e de como interagir com elas rissa de maneira significativa para circuito comunicativo, iam se re-
sem gerar frustrações ou angús- o seu desenvolvimento linguístico conhecendo. Em seguida, orien-
tias. Portanto, essas ações fun- e intelectual. tei a professora que, pelo vínculo

151
já estabelecido, iniciasse os comandos trazendo que Larissa tivesse contato com um número maior
a mão direita de Larissa para o convívio e, de tal de pessoas. Sua presença na escola também pro-
modo lhe possibilitasse vivenciar o momento de moveu a possibilidade de maior aceitação de infor-
interação. mações cenestésicas para ampliar sensivelmente
suas percepções nos ambientes escolares.
Nós nos questionávamos sobre como efe-
tivar os Sistemas de Comunicação Suplementar e Finalizando esta pequena narrativa da his-
Alternativa no contexto escolar, contemplando as tória de Larissa, também considero importante
necessidades da aluna surdocega, e sem desconsi- mencionar que na surdocegueira pré-lingual, as
derar o direito de aprendizado dos demais alunos. possibilidades de estímulos à linguagem depen-
Nesse sentido, torna-se importante sensibilizar os dem de procedimentos essenciais para se chegar
alunos à solidariedade, despertando-os para o tra- a resultados favoráveis. Sem recursos linguísticos
balho em parceria e a “ver” os outros do contexto não há interação comunicativa e a pessoa surdo-
como interlocutores linguísticos. cega fica relegada às interpretações de outrem. As-

Era preciso analisar as vivências escolares sim, a contínua exposição à linguagem dá maiores
para entender quais atividades poderiam ser sig- oportunidades de desenvolvimento conceitual, por
nificativas para Larissa. Introduzimos um calendá- meio de sistemas de comunicação flexibilizados
rio móvel com objetos de referência, que fossem para contemplar as necessidades da pessoa com
significativos para Larissa e que representassem ou surdocegueira.
que fizessem a correlação dos tempos e espaços
da escola. O calendário pretendia contribuir para
a sua autorregulação nos espaços-tempos que te-
ria que frequentar, sendo um instrumento interes-
sante também para o professor responsável por se
relacionar com ela nas diferentes situações espaço-
-temporais. As interações foram fundamentais para

152
Capítulo 6

Colagem de Eliana
Briense Jorge Cunha
e Mariana da Cunha
Sotero - Linguagens e
Línguas

EDUCAÇÃO
BILÍNGUE
DE SURDOS

153
As narrativas que compõem o capítulo que especificamente
aborda a educação de alunos com surdez foram escritos por atores
que falam de diferentes lugares: a professora da sala, a professo-
ra bilíngue, a intérprete, um professor de história, professoras de
educação especial a orientadora pedagógica e uma mãe realizam seus
depoimentos e mostram a importância da Libras e da visualidade
na educação dos alunos surdos, como forma de acesso ao português
escrito como segunda língua. O capítulo permite visualizar proble-
máticas relacionadas à gestão e também às especificidades da prática
pedagógica do ensino bilíngue. Além disso, os pais de um aluno sur-
do nos brindam com seu depoimento que destaca a importância da
participação e envolvimento da família na escolarização da criança.
A fluência em Libras varia entre as pessoas que partilham suas nar-
rativas , desde fluência plena até conhecimento básico, com grande
dependência no serviço de intérpretes, mas todos demonstram a
importância de difundir o conhecimento de Libras para toda comu-
nidade escolar para sejam interlocutores dos surdos, assim estudar e
compreender mais sobre o acesso do aluno surdo ao conhecimento.

154
Narrativa – Educação bilíngue de surdos: um olhar
da orientadora pedagógica sobre o novo
Janaína Tunussi de Oliveira – Orientadora Pedagógica do Ensino Fundamental

Nome da UE ou SRM: EMEF Júlio de Mesquita Filho


Público-alvo: aluno surdo

Atuo desde 2016 como estruturas e isso gera modifica- rio Público e conseguiu, no meio
orientadora pedagógica da EMEF ções em seu projeto pedagógico, do ano letivo, que o transporte
Júlio de Mesquita Filho, ano em exigindo que a gestão reelabo- buscasse e levasse todos os alu-
que ingressei na Rede Municipal re constantemente as propostas nos da escola nas próprias resi-
de Ensino de Campinas. Desde o junto aos professores e profissio- dências.
início, orientar uma escola com nais da educação bilíngue. Com essa nova organiza-
uma proposta de educação bilín- A primeira mudança que ção do transporte, passamos a
gue para surdos exigiu de mim presenciei não nos afetou de iní- receber um outro público, que
aprofundamento na temática e cio, mas seus efeitos estão sendo antes não conseguia fazer parte
busca por conhecer mais sobre a sentidos agora de forma mais in- da escola bilíngue, por não ter
escola e as pesquisas na área. tensa. Em 2016, a escola contava disponibilidade de tempo para a
A compreensão de que as com 18 alunos surdos matricula- locomoção. Esse público come-
práticas escolares devem ser pen- dos do 1º a 9º ano. Esses alunos çou a chegar aos poucos: alguns
sadas com ênfase na inclusão des- moravam em diversas regiões da em 2017, pois a licitação com a
tes alunos, abordando propostas cidade e, para chegarem até a empresa de transportes ainda
curriculares que tragam a língua escola, precisavam direcionar-se, não estava completa, até se con-
portuguesa como segunda lín- sozinhos ou com os responsá- solidar em 2019, atendendo a
gua e deem o devido destaque à veis, até um ponto central. Com todos os alunos surdos da cidade
Libras como língua natural desse essa característica, tínhamos um de Campinas que estejam matri-
público-alvo foi um dos primeiros público em nossa escola que era culados de 1º a 9º ano do Ensino
aspectos que os profissionais que composto de alunos com famílias Fundamental e demonstrem inte-
ali trabalhavam me apontaram que tinham disponibilidade de resse pelo atendimento bilíngue.
como necessário. Aproximei-me acompanhar mais de perto a vida Essa ampliação do transporte
das práticas e das propostas es- escolar das crianças. Recebemos, trouxe para a nossa escola alunos
colares para poder vivenciá-las e, em 2016, uma família que tinha que antes não tinham acesso à
dessa forma, poder desempenhar uma aluna matriculada no perío- educação bilíngue ou que ainda
melhor meu papel na gestão. do da manhã e outra no período eram atendidos em outras esco-
da tarde. A logística para levar e las de Campinas. Muitos chega-
Desde que cheguei, per-
buscar as meninas no ponto cen- ram e ainda chegam sem um co-
cebo que a escola bilíngue passa
tral era muito complicada. Diante nhecimento avançado na língua
por movimentos constantes que
disso, a família acionou o Ministé- de sinais ou com poucas expe-
alteram significativamente suas

155
riências escolares. nova política organizada em pro- de aula. Diversas estratégias fo-

Tal mudança de perfil ge- cesso de docência compartilhada ram estruturadas e implementa-

rou classes ainda mais hetero- no ensino de surdos e deficien- das para que essas necessidades

gêneas, com grandes distâncias tes auditivos, foi indispensável fossem amenizadas: a atuação

entre as aprendizagens, e a ne- compreender a necessidade de pontual do orientador pedagógi-

cessidade de elaboração de pro- mudança de paradigmas na or- co nos encontros entre as duplas

postas diferenciadas para esse ganização de sala de aula e de para planejamento, a participa-

novo público que chegava duran- estrutura escolar, transformando ção também em uma reunião co-

te todo o ano letivo em diferen- as relações pessoais e as práticas letiva entre todos os envolvidos

tes anos do ensino fundamental. pedagógicas, que antes eram in- na docência compartilhada. Con-

Além disso, recebemos alunos dividuais de cada professor, num tudo, nessa nova perspectiva que

com deficiências múltiplas, con- processo colaborativo e coletivo. era desconhecida pela maioria
dos profissionais que começou
tando sempre com o apoio das Na sala de aula, por mais
a atuar em docência comparti-
professoras de Educação Especial sozinho que estejamos, nunca so-
lhada em 2017 (incluo-me nes-
para conduzir melhor as inter- mos apenas um: somos o reflexo
se grupo), muitos erros foram e
venções e propostas de ensino. da construção coletiva escolar e
ainda são cometidos na tentativa
Essas mudanças geraram dúvidas das nossas formações continua-
de acertar e encontrar a melhor
e inseguranças em todos nós da das. Na docência compartilhada,
forma de se organizar e atender
equipe, pois foi preciso pesquisar todavia, há a presença de dois
a uma demanda ainda por se es-
novos materiais e novas formas profissionais no mesmo ambien-
tabilizar.
de ensinar. te, gerando conflitos e comu-
nhão, discordâncias e comple- A implementação de uma
Somado a isso, participei e
mentos. A dualidade presente na nova política pública exigiu da
ainda participo de outro momen-
relação com o outro faz com que equipe um trabalho de ação-re-
to de transição da educação bilín-
esse desafio deva ser experimen- flexão-ação, no qual práticas in-
gue na escola. O modelo vigente
até 2016, com a escola organiza- tado com formação continuada e dividuais foram e são repensadas
reflexão constante da prática. É em prol da construção de uma
da em sala bilíngue multisseriada
na figura do outro que nos cons- nova prática coletiva bilíngue.
exclusivas para surdos, foi altera-
tituímos nessa proposta, aproxi-
do pela portaria SME 13/2016 e, Profissionais que até en-
mando-nos e distanciando-nos
a partir de 2017, passou a vigorar tão não tinham contato direto
sempre que necessário se fizer.
uma proposta inclusiva, onde sur- com os surdos passaram a tê-lo
dos e ouvintes estão na mesma O orientador pedagógico, todos os dias e isso exigiu uma
turma em docência compartilha- diante desse desafio, precisa arti- transformação na forma de pen-
da. Recém-chegada à proposta de cular as partes, integrar os profis- sar, não apenas a aula, mas tam-
educação de surdos aqui desen- sionais e também auxiliar na me- bém o espaço físico no qual elas
volvida, considero que participar diação de conflitos que vierem a aconteceriam. Quais conteúdos
da organização do projeto peda- surgir. Para isso, é necessário ga- poderiam ser apresentados para
gógico no processo de transição rantir espaços para que as trocas surdos e ouvintes com as mes-
de políticas públicas foi intenso e possam acontecer e esses profis- mas práticas e quais deveriam ser
transformador. sionais possam dialogar e cons- apresentados com práticas diver-
truir essa colaboração em sala sas? As aulas poderiam ser pensa-
Com a chegada de uma

156
das em Libras e adaptadas para a docência compartilhada. redes, deve ser repensada e
língua portuguesa? Até que pon- Esses questionamentos adaptada de acordo com as vi-
to dividir o mesmo espaço físico nos levaram a compreender que vências de práticas reais. Acredi-
pode ser considerado docência a educação não é um espaço de to que os desafios vivenciados na
compartilhada? Como reagrupar respostas prontas e que a solu- escola no período 2017-2019 pos-
esses alunos em cada momento ção encontrada para um grupo sam ser essenciais no processo
da aula? Manter sempre os sur- de alunos não é a mesma para de revisão da política, com acrés-
dos juntos ou também colocá-los um outro grupo, singular e úni- cimos indispensáveis apontados
junto a ouvintes? Qual a função co. Sendo assim, colocamo-nos nessa etapa de implementação,
do profissional bilíngue dentro dacomo educadores que devem como, por exemplo, adicionar as
sala: intérprete ou professor? pensar a educação de forma in- horas-projeto para planejamento
Como gestão, há ainda dividual e coletiva, buscando nas de atividades à jornada de traba-
outros levantamentos. Qual o práticas anteriores sucessos, mas lho dos professores.
perfil profissional para atuar em compreendendo também que a Viver a gestão da docên-
docência compartilhada? O que repetição da mesma prática não cia compartilhada para mim tem
podemos exigir de cada um dos garante a aprendizagem de to- sido um processo árduo, repleto
profissionais envolvidos? dos, existindo a necessidade de de dúvidas, mas também toma-
se reinventar, bem como reela- do por certezas. Uma delas é a
Esses e outros questiona-
borar nossos questionamentos e de que a construção coletiva do
mentos permearam o decorrer
nossas respostas. saber exige compromisso, res-
de 2017 e muitos continuam sen-
ponsabilidade, organização, coo-
do debatidos em nossa escola, Há muito o que se repen-
peração e, acima de tudo, estar
por meio de reuniões semanais e sar. Vale salientar que uma polí-
aberto ao novo.
horas-projeto desenvolvidas pe- tica pública como essa, diferen-
los profissionais que realizam a te das desenvolvidas em outras

Narrativa – Ensino de Libras e letramento para


surdos e ouvintes: construindo pontes
Creuza Maria Lopes Teatin – Professora de Educação Infantil

Nome da UE ou SRM: CEI José Fidelis


Público-Alvo: aluno surdo

Neste texto, trago uma sivo e o ensino da língua de sinais sinais por parte da criança surda e
breve narrativa de minha expe- no ambiente escolar para crian- de seus pares, para a construção
riência como professora de Edu- ças pequenas (de zero a 6 anos). de um ambiente no qual a língua
cação Infantil atuando em docên- Apresento os desafios e potencia- de sinais possa circular e a crian-
cia compartilhada com professor lidades na construção de práticas ça surda possa ser compreendida
bilíngue no trabalho com estu- e atividades que proporcionem o em seu ambiente educacional.
dantes surdos, no processo inclu- acesso e aprendizado da língua de A primeira experiência

157
com docência compartilhada e o onde todas as crianças estavam atividades a serem escolhidas pe-
processo de inclusão de um aluno vestidas de palhaço sinalizando a las crianças, roda de conversas, o
surdo, foi no ano de 2016 com a música tema. momento da história, parque, pá-
professora bilíngue Raquel Maga- Em 2017, tive o prazer tio, refeições, escovação de den-
lhães, que desenvolvia um proje- de ter o aluno surdo Anderson tes, entre outras atividades.
to em todos os agrupamentos do no agrupamento em que era do- Desta forma, todos os dias
CEI, referente à escrita dos no- cente. Neste ano, também con- havia um diálogo diferente en-
mes das crianças (em datilologia) tei com uma grande parceira na volvendo a todos da sala. Toda
e os sinais das cores. Esse traba- docência compartilhada, a pro- a rotina era contextualizada em
lho tinha o objetivo de difundir a fessora bilíngue Elaine Andrade língua de sinais, contagem dos
língua de sinais nos mais diversos Peres Fernandes, que dominava amigos, contagem no jogo de bo-
espaços da escola, promoven- maravilhosamente a língua de si- liche, cardápio do dia, narração
do o conhecimento das crianças nais, assim como o letramento da de histórias em língua de sinais.
e comunidade escolar em outra criança surda. As atividades oferecidas no pa-
língua, e proporcionando com- pel permitiam o letramento em
A partir do contato com
preensão e comunicação básica ambas as línguas: sinais e portu-
a professora bilíngue, percebe-
entre as crianças ouvintes e sur- guês, pois sinais e escrita eram
mos que tínhamos bem claro
das, assim como os adultos na elaborados em parceria através
quais eram os nossos objetivos
unidade. de conversas e sugestões de am-
referentes à inclusão com a tur-
Fiquei encantada com ma: difundir a língua de sinais na bas as professoras. Dessa forma,
essa prática e com o conheci- sala de aula de modo que todos estabelecemos uma parceria a
mento da língua de sinais. Em os alunos se comunicassem com fim de contribuir para o desen-
uma reunião de TDC, questionei tranquilidade com Anderson, volvimento do Anderson. Do final
a professora bilíngue sobre quais permitindo que Anderson tives- de 2017 e durante 2018, devido
outras práticas e orientações, se acesso a Libras num ambiente a processos particulares das pro-
além do projeto na escola, esta- vivo e dinâmico e não somente fessoras bilíngues, houve uma
vam sendo feitas com a família da com sinais isolados e traduzidos interrupção no trabalho bilíngue
criança surda. Logo em seguida, a de maneira descontextualizada. na escola. Houve suporte da pro-
professora deu início ao projeto fessora de Educação Especial de
A professora bilíngue ti-
de orientação e ensino da língua nossa unidade Vanessa Portioli,
de sinais para que a criança tam- nha pouca experiência com Edu- conforme o que era possível, já
bém fosse estimulada no ambien- cação Infantil, dessa forma, que- que ela acompanhava também
te domiciliar, potencializando as- ria oferecer várias atividades ao outras turmas e alunos.
sim o aprendizado pela criança da longo do dia para as crianças, mas Considerando o contex-
expliquei que deveríamos respei-
língua de sinais. to de atuação da professora de
tar o tempo das crianças, ofere-
Não contente só com o en- cendo uma atividade por dia, pois Educação Especial em blocos de
sino das cores, eu e a professora as crianças têm uma rotina a ser escolas com diversas turmas e
Raquel trabalhamos objetos, ves- seguida com outras atividades, alunos para acompanhamento,
tuário, coisas do cotidiano da es- dentre elas: as brincadeiras em como desenvolver um trabalho
cola e personagens do circo, que grupos com jogos pedagógicos, de letramento em língua de sinais
resultou numa bela apresentação os cantinhos na sala com diversas com a turma, ampliar o repertó-

158
rio linguístico do aluno ou, pelo nhecimento dos alimentos crus e familiares sobre o desenvolvi-
menos, manter o vocabulário já cozidos. Este último foi extrema- mento do projeto: cotidiana-
adquirido? mente importante para a com- mente traziam perguntas sobre

Diante dessas condições, preensão do contexto e abstra- os sinais que seus filhos reprodu-

organizamos somente um projeto ção da criança surda. O projeto ziam em casa, além de elogiar e

em momento pontual, a ser de- foi realizado prioritariamente nos reconhecer a importância desse

senvolvido com a turma dentro dias da presença da professora de trabalho. Sempre fomos apoia-

da proposta bilíngue: “alimen- Educação Especial na escola. Nos dos pela comunidade em nossos

tação saudável”. No decorrer do outros dias, Anderson permane- projetos.

ano de 2018 até o retorno da pro- cia comigo em sala, realizando as Diante dessa experiência
fessora bilíngue, esse projeto foi atividades propostas para o gru- enriquecedora de compartilhar o
todo desenvolvido em Libras com po. Tenho conhecimento muito letramento de uma criança surda
a turma do Anderson. Os alimen- básico em língua de sinais, adqui- com outro profissional em outra
tos eram trabalhados em língua rido durante os anos de atuação língua, algo totalmente diferen-
de sinais durante a roda de con- da professora bilíngue na unidade te do que eu já havia trabalhado
versa e as atividades de registros e foi com esse conhecimento que até o momento, deixo a reflexão:
organizadas de modo a contem- mantive a educação de Anderson no processo de inclusão não tem
durante os meses em que me en-
plar as duas línguas. “o meu saber” ou “o teu saber”
contrei sozinha com ele no con- e sim, o envolvimento de todos
Outras estratégias tam- texto escolar do dia a dia.
para que o maior interessado viva
bém foram trabalhadas com as
Durante esses 2 anos de na sua plenitude e desenvolva
crianças dentro desse projeto:
degustação dos alimentos, en- difusão da língua de sinais com as toda sua potencialidade.

trevista com as cozinheiras, co- crianças da turma, sempre houve


interesse e questionamento de

Narrativa – Libras, uma língua viva! Sobre


docência e a instrução em Libras
Rebeca Ripari de Oliveira – Professora Bilíngue

Nome da UE ou SRM: CEI Agostinho Pattaro


Agrupamento ou ano do ciclo: agrupamento III
Público-Alvo: aluno surdo

No CEI Agostinho Pattaro, ouvintes no contexto da sala muita história em pouco tempo
a docência compartilhada se dá comum. Esse trabalho teve início e nesse relato, que gostaria de
na atuação do professor bilíngue em 2017, por isso é uma novi- partilhar, enquanto professora
junto a três crianças surdas, ma- dade para todos da escola. Po- bilíngue, pretendo contar nossas
triculadas em uma turma com demos dizer que já construímos práticas e promover uma refle-

159
xão sobre o que foi feito nesses um com o outro, aprender, buscar sinais; no caso do ouvinte, em
dois anos, 2017 e 2018, para e sonhar juntos. Acredito que só todo o lugar tem alguém falando
trazer à luz as potencialidades doassim é possível tornar significa- português, mas e o surdo? A rea-
trabalho, bem como os desafios tivo e produtivo esse tempo que lidade é que em muitas famílias
encontrados, para que possamos é fundamental para que o pro- não há outros usuários de Libras.
continuar construindo a educa- fessor da sala comum e professor Por isso, o momento da escola
ção bilíngue. bilíngue compartilhem seus co- deve ser muito bem aproveitado

Os três meninos surdos nhecimentos e construam juntos e significativo para que as crian-

permaneceram juntos nesses um planejamento que garanta a ças surdas tenham condições de

dois anos em uma turma de Agru- participação de todas as crianças se desenvolver cada vez mais na

pamento III (AGIII), com a mesma surdas e ouvintes. Na nossa prá- Libras.

professora bilíngue e com profes- tica, tivemos encontros regulares Ressalto que seria ide-
soras polivalentes diferentes em e percebemos que a qualidade al termos o instrutor surdo, pois
cada ano. A princípio, não tínha- desse momento se aperfeiçoava ele seria a referência das crianças
mos a prática da docência com- à medida que a nossa relação de surdas para construção da iden-
partilhada; estávamos estreando parceria se consolidava. tidade e cultura surda. Tivemos
um novo modelo de trabalho. Na Todas as experiências vi- um exemplo dessa experiência
teoria, sabíamos que os dois pro- vidas pelas crianças na Educação quando um jovem surdo, ex-alu-
fessores deveriam integrar seus Infantil compõem o currículo, no meu, nos visitou e passou o
conhecimentos e conduzir juntos por exemplo, desenhar não se dia conosco. Apesar de ter sido
ao ensinar as turmas de alunos sobrepõe a lavar as mãos para pouco tempo, ficou nítido o valor
surdos e ouvintes (Portaria SME se alimentar¹. O professor bilín- que a figura do surdo agrega. A
Nº13/2016 sobre a Política edu- gue deve estar atento e presente experiência da identidade, cultu-
cacional para pessoa com surdez em todos os momentos da ro- ra surda, o conhecimento de Li-
e com deficiência auditiva), mas tina, dialogando em Libras com bras como língua natural só outro
como foi essa experiência? Como as crianças. Justamente nos mo- surdo pode proporcionar, ainda
já diz o nome “compartilhado”, mentos que, prepotentemente, que ouvintes possam estudar e
trata-se de partilhar algo com al- julgamos simples é que surgem aprender a língua de sinais e até
guém; não existe trabalho isola- oportunidades de usar um novo chegar a um bom nível de comu-
do, é um fazer em conjunto que sinal, a oportunidade de conver- nicação. Na nossa turma, o dia
se torna possível apenas quando sar sobre algo que aconteceu em se inicia com a roda da conver-
existe uma relação de parceria e casa. Lembramos que, para algu- sa, momento em que as crianças
respeito entre os dois profissio- mas crianças surdas, a escola re- conversam com os amigos, con-
nais. Tal construção não aconte- presenta um dos poucos lugares tam as novidades. Cantamos mú-
ce da noite para o dia; é preciso onde elas terão possibilidade de sicas, vemos quem serão os dois
comunicação, porque alinhar as aprender a se comunicar em Li- ajudantes do dia, verificamos os
ideias não é tarefa fácil. Percebe- bras com seus pares (crianças nomes das crianças presentes e
mos que seria impossível estabe- surdas) e também com os demais ausentes, observamos como está
lecer essa relação sem diálogo. A usuários da língua de sinais. Di- o clima, marcamos no calendário
parceria também é um vínculo de ferentemente do surdo, o ouvin- e finalizamos com os combinados
confiança, precisamos dela para te tem mais acesso à sua língua do dia. Por meio da rotina gráfica,
conseguirmos ser transparentes do que o surdo tem da língua de planejamos e organizamos o que

160
vamos fazer naquele dia: ativida- sos, itens diversos de papelaria, cia em Libras para Surdos”, em
des na sala, jogos, brincadeiras, impressora e uma plastificadora. que as crianças surdas ficam
ateliês, higiene, lanche, escova- Também utilizo dos serviços do comigo no horário estendido ao
ção, hora da história, capoeira, Cepromad (Centro de Produções da aula, três vezes por semana,
cineclube, escolha de livros na de Material para Educação Espe- durante duas horas/aula. A par-
biblioteca, piscina, horta, parque cial) que além de confeccionar tir do momento que as crianças
e hora de ir para casa. Os mo- materiais, oferece jogos e DVDs surdas deram um sinal para todas
mentos e as atividades realizadas em Libras que podemos empres- as crianças da turma, a relação fi-
com a turma são pensados para tar para usar na escola. Algumas cou muito mais fácil de entender,
serem acessíveis a todos, e às dessas adaptações de materiais facilitou a comunicação, porque
vezes é necessário fazer adapta- que fizemos para uso no dia a antes era muito comum eles co-
ções, criar um material visual de dia são: as músicas da roda, ro- mentarem algo que um amigo
apoio para que as crianças surdas tina gráfica, cardápio do lanche, fez; quando essa criança relatada
tenham acesso e compreendam ajudantes do dia, fichas com os estava por perto, eles usavam o
o que está sendo passado, pois nomes das crianças e caixas orga- sinal “amigo” e apontavam, mas
devemos lembrar que eles estão nizadoras de atividades. Todas as quando estava longe, não tinham
aprendendo a Libras. Quando se crianças têm uma ficha com foto, como identificá-la. Com os sinais
usa um sinal cujo significado des- nome em Libras (em datilologia) é possível saber a quem estão se
conhecem, sem o recurso visual, e em português; a mesma ficha referindo e compreender o que
eles não vão compreender do também é colada na capa do ca- está acontecendo. As músicas
que estou falando. Por exemplo, derno, nas caixas organizadoras cantadas na roda também pre-
no caso de “foguete”, é preciso das atividades de cada criança e cisaram ser adaptadas, e esse é
mostrar uma foto do foguete ou no cartaz dos ajudantes do dia. um tema que o professor bilíngue
um vídeo. O surdo aprende visu- No início do ano, as crianças ou- também deve levar ao conheci-
almente, e a Libras é uma língua vintes não tinham um sinal em mento do professor de sala co-
viso-espacial. Por serem crianças Libras, dessa forma eu e as crian- mum. Procuramos cantar diaria-
que estão aprendendo a língua ças surdas trabalhamos nisso no mente
72. – Cartaz da música (Fonte:
de sinais é importante que haja momento denominado “Tempo/ arquivo digital pessoal)
recursos visuais aliados à língua Espaço de Aprendizagem e Vivên-
de sinais para que elas enten-
dam e aprendam a língua. É im-
portante que o professor bilíngue
compartilhe tais questões com os
professores da sala comum. No
mercado, tem crescido o número
de materiais em Libras, mas não
se compara à quantidade de ma-
teriais para as crianças ouvintes,
então mão na massa! Felizmente
tenho condições de criar muitos
materiais, porque a equipe ges-
tora da escola providencia recur-

161
língua de sinais. Da mesma forma, na hora da his-
músicas com letras que tenham um pensamento tória, o professor bilíngue deve conhecer a história
concreto e não abstrato, que façam sentido para para poder fazer a melhor interpretação possível,
as crianças e que sejam de fácil entendimento a to- escolher a forma de expressar aquelas ideias, usan-
dos. E quando cantamos músicas com palavras mais do os melhores sinais. Quando desconhecemos a
complexas, ou com rimas que para os ouvintes fa- história, podemos ser pegos de surpresa e ficarmos
zem sentido, mas não faz para os surdos, é necessá- com a sensação que não fizemos o melhor que pu-
rio adaptar, fazer escolhas de outras palavras, usar demos. Uma palavra no livro pode ter um significa-
outros sinais, o que às vezes transforma a música do para você que conhece a história e um totalmen-
em português em outra música em Libras. Um dos te diferente e equivocado para quem desconhece.
materiais que as crianças surdas e ouvintes têm gos- Na hora da história, o professor bilíngue também
tado é o cartaz com a música ilustrada com imagens pode contar histórias; isso deve ser planejado entre
e Libras (Figura 72). os professores, sendo uma oportunidade muito rica
para o desenvolvimento linguístico e cultural.
Uso imagens da internet, os sinais do di- O calendário é outro momento importante
cionário de Libras e faço a coloração dos sinais da rotina. Uma das maneiras que fazemos o calen-
digitalmente para ficar esteticamente mais atraente dário é dizer o dia do mês, o dia da semana, o mês
e significativo para as crianças surdas. É um mate- em Libras e em português oral, e pensar como está
rial que deve ser mais explorado e pensado. Nossa o clima (sol, nublado, chovendo). Um dos ajudantes
intenção é produzir livro de músicas ao invés dos do dia faz o desenho do clima no espaço daquele
cartazes; são inúmeras possibilidades. É importante dia. Esse calendário também foi criado com os si-
não ser uma partitura traduzida do português para nais em Libras e escrita em português. Eu sinalizo
a língua de sinais, mas algo pensado em Libras. Por em Libras e a professora da sala comum fala em
isso as escolhas dos sinais, palavras, imagens e cores português. Quando estou com a palavra, falo e si-
que serão usadas são elementos fundamentais na nalizo em Libras simultaneamente. Quando se co-
criação do material. Esse momento de cantar é uma munica algo mais simples como o calendário, isso é
ótima oportunidade de ensinar Libras para todas possível, mas quando o conteúdo é mais complexo,
as crianças e, dependendo da música, é uma prá- como ao contar uma história, não se recomenda
tica que para nós, eu e a professora Jaqueline, tem essa prática, que é confusa para os interlocutores.
funcionado e as crianças gostam muito. As crianças Temos que cuidar para não exercer o papel de intér-
surdas ajudam as ouvintes a fazerem o sinal certo, pretes dentro da sala; são práticas que demandam
é divertido! Não são todas as músicas cantadas que
são ilustradas; sem o recurso visual não é tarefa fá-
cil escolher a forma de passar a música para Libras.
Sempre levo em consideração aquilo que as crianças
surdas já sabem, se os sinais que escolhi farão sen-
tido para elas. Vale lembrar que não é sempre que
a canção em português é traduzida na língua de si-
nais, já que se trata de outra língua com construção
gramatical diferente e esses são conceitos impor-
tantes para conversar junto com o professor de sala
comum, caso ele não tenha conhecimento sobre a 73. – Fichas do cardápio (Fonte: arquivo digital pessoal)

162
várias opções de sinais (figu-
ra do sinal + imagem + português
escrito) de elogios para as crian-
ças colarem no livro, como, por
exemplo, o sinal de “bonito”, “le-
gal”, “amigo”, entre outros, que as
crianças iam pedindo. No livro dos
animais, levamos algumas opções
a princípio e as crianças foram pe-
dindo mais de acordo com o gos-
to delas. Essa atividade foi muito
74. – Livro dos animais, registro da turma do Coelho AGIIIA/2017,
(Fonte: arquivo pessoal) prazerosa porque era algo do in-
75. – “Livro dos Sinais” (Fonte: arquivo digital pessoal)
teresse delas e as crianças surdas
aprendiam novos sinais e ensina-
mais reflexão. vam as crianças ouvintes que se
interessavam cada dia mais em
A rotina gráfica é essencial roda para todas as crianças verem,
aprender Libras.
para o surdo e também para as e depois são penduradas no varal
crianças ouvintes; com ela pode- de barbante no refeitório em cima Mantivemos a mesma ideia
mos estabelecer os combinados das comidas servidas para todas no ano seguinte, em 2019, com
de forma organizada e visual, tor- as crianças da escola verem tam- a professora Jaqueline, e juntas
nando a compreensão mais clara, bém. pensamos em fazer o “Livro dos
para retomar quando for necessá- Sinais”. A ideia foi criar um livro de
Outras estratégias que
rio em outros momentos do dia. pensamos para promover o ensino Libras com a participação de todas
A professora Jaqueline já tinha de língua de sinais para as crianças as crianças, sendo que cada uma
essa prática; ela criou a rotina com e que tem despertado o interes- ficaria responsável pela elabora-
imagens de revistas e da internet se delas são os livros de Libras. A ção de uma página do livro, e que
e também colocou os títulos em ideia começou juntamente com a ao final, cada criança teria seu pró-
português. A rotina é apresentada professora Analice em 2017, com prio livro de Libras personalizado.
em Libras e português oral, e tra- o livro dos elogios e dos animais A execução desse traba-
balhamos com o cardápio do dia. (Figura 74). Fizemos os livros com lho ocorreu da seguinte forma:
Ensino os sinais em Libras com folha sulfite colorida e deixamos a criança desenhava uma figura
auxílio das fichas de alimentos representando o sinal que
(Figura 73). Para fazer esse ma- gostaria de aprender. Com
terial, usei o dicionário de Libras 4
cada desenho concluído,
fiz a coloração digitalmente e usei elaboramos um modelo
imagens da internet e plastifiquei. de página que continha o
Tive a preocupação de fazer os si- desenho da criança, segui-
nais coloridos combinando com as do do sinal em Libras e um
imagens reais dos alimentos, para espaço em branco na outra
tornar didático e fácil de memori- metade da página (Figura
zar. Essas fichas são passadas na 75).
163
A cada dia foi ensinado um
dos sinais do livro, e entregue uma
cópia da página correspondente
ao sinal para que as crianças de-
senhassem sua versão ao lado da
ilustração de autoria do colega
(Figura 76). Ao final, cada criança
ficou com seu livro personalizado,
contendo o desenho dos amigos e
sua própria versão. 76. – “Livro dos Sinais” e das crianças trabalhando no seu livro
(Fonte: Arquivo pessoal)
Com a construção do “Livro
dos Sinais”, além de aprendermos
crianças ensinando os sinais e jo- alguns dias da semana durante 40
30 sinais diferentes em Libras, ex-
gando com elas. minutos são ofertados os ateliês.
ploramos diversas técnicas artísti-
cas, como por exemplo, aquarela, Destaco um dos projetos Após a hora da roda de
guache, colagem de papel, cola- da escola, o Projeto Ateliês6, que conversa as crianças primeira-
gem de revista, dobradura, caneti- têm um grande potencial para mente escolhem em qual ateliê
nha, lápis de cor, entre outras. E na circulação da Libras na escola. querem ir e depois todas vão para
última página, deixamos registra- Apesar de não ter sido criado di- o lugar que escolheram. Cada es-
dos os nomes dos autores do livro, retamente com esse objetivo, tem colha é única; dificilmente as mes-
com a foto de todas as crianças e sido enriquecedor para o desen- mas crianças que vão a um ate-
professoras fazendo o seu sinal em volvimento das crianças surdas no liê num dia irão no dia seguinte,
Libras. Foi muito divertido! Dentro que se refere à aquisição da Libras, então o grupo de crianças muda
da rotina temos um momento de comunicação entre surdos-surdos; constantemente. O trabalho com
atividades nas mesas: brincadeiras surdos-ouvintes e ouvintes-sur- os ateliês é centrado na autoria
com massinha, jogos de encaixe, dos. Para o projeto, a escola foi e autonomia das crianças e dos
animais de brinquedo, desenho, organizada por salas coloridas e docentes. Através da escuta às
pintura, recorte e colagem e para temáticas, a saber: amarela dos crianças, os professores exercitam
compor essas possibilidades, fiz brinquedos, verde das Artes, azul a criatividade para lidar com os
a caixa de Libras, nela contém jo- do movimento, rosa de Ciências, diferentes desafios propostos por
gos da memória, dominó, alfabeto laranja das experiências sensoriais elas. A escola torna-se um espa-
em Libras. A ideia da caixa de Li- e uva das diversidades raciais, ét- ço de vivências compartilhadas,
bras também deve ser explorada, nicas e deficiências. Ressalto que numa relação de cooperação e
podendo colocar outros materiais na sala rosa temos uma caixa de coautoria entre adultos e crianças.
além dos jogos, como as fichas de Libras com jogos e também CDs A dinâmica dos ateliês tor-
sinais dos alimentos do cardápio, de jogos para o ensino de Libras na possível a interação das crian-
de objetos do dia a dia entre inú- nos computadores. Ao chegarem ças surdas com as demais crianças
meras outras possibilidades. As na escola, as crianças vão para sua e professores da escola. A comuni-
crianças gostam muito desses jo- sala de referência (sala com a pro- cação não se restringe à turma de
gos e de aprender Libras, sempre fessora e turma de referência) e referência. Dessa forma é oportu-
que a caixa é ofertada a mesa lota. realizam normalmente as ativida- nizado às crianças e adultos ouvin-
Nesse momento, fico junto com as des com sua professora, mas em tes o contato com a Libras, haven-

164
do propagação e ensino da língua, chamamos cada criança para vir à conseguido ter mais autono-
pois aonde as crianças surdas, es- frente contar aos colegas, ao lado mia para se comunicar com
tão o professor bilíngue está jun- das professoras. Essa atitude per- as crianças surdas. O interesse de
to e faz a mediação entre surdos mitiu que esse momento fosse algumas crianças pela Libras tam-
e ouvintes. Esse movimento fez mais claro, melhor compreendido bém tem atingido muitas famílias
com que houvesse mais interesse pelas crianças surdas. Anterior- que perguntam sinais porque o
por parte dos demais professores mente, eu me angustiava porque filho chegou em casa sinalizando.
em aprender Libras, o que temos eu ia até a criança para interpretar Muitos querem saber se está cer-
procurado fazer nos 10 minutos em Libras, e quando outra falava to mesmo, se o filho não inventou
iniciais de cada TDC. Levo os si- eu tinha que me deslocar de novo o sinal. Já tivemos relato de que a
nais básicos de Libras para que os e às vezes ficava numa posição criança ensinava Libras para mem-
professores tenham condições de que atrapalhava a participação bros da família e é gratificante sa-
conversar com as crianças surdas das crianças surdas. Elas tinham ber que o trabalho alcança essa di-
e também de ensinar as crianças que estar muito interessadas para mensão. As crianças tornam esse
ouvintes. Sobre os ateliês, o que prestar atenção. Com essa mudan- movimento possível.
acredito ser um ponto chave para ça, a roda ficou mais organizado, Um dos papéis do profes-
o ensino de Libras para as crian- damos atenção a uma criança de sor bilíngue é o de plantar e cul-
ças surdas são as salas temáticas cada vez, é respeitoso, e o interlo- tivar essa semente, porque sabe-
que permitem que elas tenham cutor fica evidente, e as crianças mos que não são todos que têm
contato com diversos materiais e entendem quem está com a pala- interesse em aprender uma nova
cenários diferentes. Nessas opor- vra. O professor bilíngue deve es- língua; há pessoas que se sentem
tunidades há então um enriqueci- tar muito atento nas relações entre envergonhadas, com medo de
mento de vocabulário e ampliação as crianças surdas com as crianças errar. Nosso trabalho passa por
do conhecimento de mundo; as e adultos ouvintes para mediar a essas questões, porque também
possibilidades de criar e experi- comunicação. No meu dia a dia, somos mediadores na comunica-
mentar são maiores do que se elas procuro olhar para as crianças ção entre aqueles que não usam
explorassem menos espaços da brincando e analisar se elas estão a mesma língua. Pretendo que
escola. Algumas adaptações vão se entendendo. Muitas delas vêm as pessoas se sentam à vontade
além do material: são estratégias me perguntar os sinais para con- em me procurar para aprender. O
que consideram as questões da versar e brincar com os surdos, professor bilíngue deve se mos-
surdez e mudam o nosso olhar mas as que não têm a mesma ati- trar aberto a conversar no plano
dentro da sala de aula e as nossas tude normalmente acabam se de- coletivo e no individual, disposto
atitudes. Por exemplo, colocamos sentendendo, o que gera conflito a ensinar a língua; assim adultos
músicas na televisão e não no rá- ou estranhamento e é por isso que e crianças virão perguntar novos
dio; atualmente temos acesso a é fundamental ter um olhar aten- sinais e pouco a pouco, vão apren-
vários vídeos de músicas infantis, to para poder intervir, mediar em dendo e conseguindo sozinhos se
concertos clássicos, ballets, tea- Libras. Ensinar um sinal naquele comunicar com as crianças sur-
tros musicais nos quais o visual momento vai ser crucial para re- das. A Libras deve ser viva dentro
vem a somar não só para o surdo, solver o problema iminente, como da escola, e uma língua só é viva
mas também para os ouvintes. Na por exemplo, “desculpa”, “não quando é usada, não só de vez em
hora da roda, quando as crian- quero”, “vamos brincar”, “amigo”, quando, mas constantemente em
ças vão contar alguma novidade, entre muitos outros. Assim, as todos os espaços e tempos.
o que fizeram no fim de semana, crianças ouvintes aos poucos têm
165
Narrativa – Docência e aluno surdo – perspectivas de um professor de História
Breno de Souza Juz – Professor de História da Educação de Jovens e Adultos

Nome da UE ou SRM: CEMEFEJA Prof. Sergio Rossini


Agrupamento ou ano do ciclo: anos finais da Educação de Jovens e Adultos
Público-alvo: aluno surdo

A narrativa aqui apre- Antes de ingressar nes- bilitado -, quanto a aluna que
sentado visa pensar, a partir sa escola, meu contato com exercia um papel que institu-
das experiências da sala de pessoas surdas resumia-se a cionalmente não lhe cabia e
aula, o ensino na Educação de um seminário para crianças do acabava sendo prejudicada
Jovens e Adultos (EJA) conside- qual participei em 2012 onde pedagogicamente. Lembro dos
rando as especificidades dos algumas delas eram surdas e a colegas de estágio comenta-
estudantes surdos no processo um relato, em 2007, durante a rem que muitas vezes a estu-
educativo. Atuo como profes- graduação em licenciatura em dante perdia parte da matéria
sor de História na CEMEFEJA História, de colegas da turma e não conseguia completar as
Prof. Sérgio Rossini desde 2015 de estágio supervisionado so- atividades por ter que desem-
e na RMEC desde 2011. Em to- bre as dificuldades cotidianas penhar a função de intérprete
dos os semestres nos últimos de um aluno surdo na escola para o colega surdo. O que in-
quatro anos tivemos alunos e estadual onde estagiavam. As clusive gerava tensão entre ela
alunas surdas nas 4 salas de dificuldades existentes relacio- e o colega surdo, fazendo com
aula de nossa escola (do 1º a navam-se à inexistência naque- que ela deixasse de auxiliá-lo
4º Termo). Apesar de termos la unidade escolar de profis- para poder dedicar-se às suas
estudantes dos 16 até os 80 sionais (intérprete e professor próprias atividades e estudos.
anos, a média etária mais pre- bilíngue) que garantissem o Esse episódio é emblemático
sente em nossa escola, e den- atendimento a esses alunos. para mim, pois mostra o quão
tro do público surdo isso se A função de intérprete acaba- fundamental é a existência de
mantém, é de estudantes na va sendo exercida por outra profissionais adequados para
faixa etária entre 30 e 50 anos. estudante ouvinte da mesma o atendimento dos estudantes
Do ponto de vista socioeconô- sala que sabia Libras por ter surdos, possibilitando um am-
mico, nossa comunidade esco- estudado em uma escola par- biente educacional de qualida-
lar é formada majoritariamen- ticular bilíngue anteriormen- de e respeito.
te por trabalhadores, formais te. A situação evidenciava a O trabalho com os estu-
e informais, alguns já aposen- precariedade do atendimento dantes surdos em todos esses
tados. Entre os trabalhadores aos estudantes surdos pela anos só foi possível para mim
informais temos alguns alunos instituição escolar.  Além dis- em virtude da presença de in-
que são moradores de rua ou so, no caso mencionado, pre- térpretes de Libras e de pro-
ex-moradores de rua abriga- judicava tanto o aluno surdo fessora bilíngue na escola. Nas
dos em instituições e casas de - por não ter um intérprete de situações em que nossa escola
passagem.  Libras profissionalmente ha- ficou sem essas profissionais,

166
os estudantes ficaram preju- constatei que os estudantes tro ponto a destacar é que
dicados, já que eu não sabia surdos são mais participativos mesmo o domínio de Libras
Libras. Em 2015, frequentei a que os ouvintes, pois comen- entre os estudantes surdos re-
formação em Libras oferecida tam, perguntam e tiram dúvi- cém matriculados é heterogê-
pela professora bilíngue no das. Nesse sentido, a atuação neo. É comum aqueles que ao
âmbito da escola, o que ofere- das intérpretes é fundamen- ingressar possuem vocabulário
ceu uma fundamental oportu- tal, pois às vezes alguns alunos restrito ou pouco conhecimen-
nidade de conhecer melhor a são mais tímidos e perguntam to da língua surda, a relação
estrutura e funcionamento da somente para as intérpretes deles com a Libras é aprimora-
língua de sinais. Mesmo eu não e tem vergonha de colocar a da dentro do ambiente escolar
tendo aprendido a me comuni- questão para a sala. Elas os in- graças a atuação das intérpre-
car em Libras, a formação me centivam a colocar a pergunta tes e da professora bilíngue.
ofereceu conceitos e palavras para mim e compartilhar sua Em minha dinâmica de
importantes da língua de sinais questão com os colegas de aula, uso com certa frequência
e de sua estrutura linguística. sala, o que é fundamental na filmes e imagens. É interes-
Esse conhecimento também foi inclusão e participação deles sante notar que nesse tipo de
e é cotidianamente aprofunda- dentro da estrutura oral de material e linguagem, os estu-
do e ampliado na relação com aula. dantes surdos apresentam, na
as intérpretes em sala de aula, Do ponto de vista da minha perspectiva, em geral,
ao ter que dialogar com elas, a relação com a Língua Portu- melhor trânsito na leitura e
partir de dúvidas que me colo- guesa, assim como os alunos interpretação que os ouvintes.
cam para que possam traduzir ouvintes, os estudantes surdos De maneira geral, minha expe-
melhor algumas ideias, situa- apresentam domínio prévio riência com os estudantes sur-
ções ou palavras do conteúdo bastante heterogêneo, desde dos foi muito positiva nesses
das aulas e atividades que não aqueles que dominam bem quatro anos, mas só foi possí-
encontram equivalente ime- aos que chegam se comuni- vel com a participação e apoio
diato na Libras. cando exclusivamente em Li- das intérpretes e da professora
A relação com os estu- bras e dependem da mediação bilíngue.
dantes sempre foi muito pro- de intérpretes e da professora
dutiva. Na minha experiência bilíngue para aprendê-la. Ou-

167
Narrativa – O olhar das famílias numa Escola
Bilíngue: Como ser pais do Cadu?
Adriana Campos Natali – Mãe de aluno
Gerson Branco Abdal – Pai de Aluno

Nome da UE ou SRM: CEI Agostinho Páttaro


Agrupamento ou ano do ciclo: AGIII
Público-Alvo: aluno surdo

Para quem não me conhe- Pouco antes dele chegar, bras (ainda éramos muito inician-
ce, sou jornalista e professora de quando tivemos a permissão do tes e muitas vezes lançamos mão
Educação Infantil, casada com um sistema judiciário de adoção a de um aplicativo de celular), pelo
engenheiro mecatrônico e pro- nos aproximarmos efetivamente menos um sinal sobre o que es-
fessor de música. Quando o Cadu dele, eu e meu marido começa- tava sendo conversado era utiliza-
chegou nas nossas vidas, ele já mos a estudar Libras. Claro que do. Até que um dia, num sábado,
estava perto de completar qua- aulas pela internet também não ele acordou e, durante sua rotina
tro anos de idade. Nasceu surdo, seriam suficientes, mas, pelo me- matinal, compreendeu que o si-
viveu até então num abrigo com nos, o mínimo fundamental, nós nal que fazíamos correspondia ao
poucos estímulos, já que os cui- saberíamos. Foi um começo mui- leite. Naquele dia ele nos pergun-
dadores precisavam dar atenção to difícil. Desafiador. A comunica- tou o sinal de quase tudo a seu
a mais de 50 crianças e adoles- ção era realmente falha, os víncu- redor. A partir daí, começamos a
centes diariamente. los afetivos demoraram mais do melhorar nossa comunicação no

Sua surdez foi descoberta que eu esperava, especialmente dia a dia.

perto dos três anos e logo toma- porque ele teve um vínculo ante- Seis meses depois de sua
ram as providências para que ele rior com o Gerson, como estagiá- chegada, eu me matriculei numa
fizesse seu primeiro implante co- rio de música no Cepre. escola para intérpretes de Libras
clear, que foi ativado com 3 anos Muitas vezes contei até e passei a acompanhar vários ca-
e 8 meses. Apesar da tecnologia dez. Outras tantas chorei por nais no YouTube de educação e
que possibilitou ouvir, os poucos não conseguir penetrar em seu fonoaudiologia. Muitas pessoas
estímulos possíveis não eram su- mundo. Em várias ocasiões criei me diziam que a Libras era nos-
ficientes para sua evolução. Uma hipóteses para o que ele estava sa melhor comunicação e que
das cuidadoras se prontificou a querendo ou pensando. Precisa- eu não deveria estimular sua
aprender a língua brasileira de mos de muito amor, paciência e oralização. Afinal, ele havia nas-
sinais (Libras), mas o contato de dedicação para que, de fato, con- cido surdo, esta era sua caracte-
apenas uma hora por semana seguíssemos formar uma família. rística e o uso da Libras definiria
com esta língua (que ocorria no sua identidade dentro da cultura
Tudo o que fazíamos, ten-
Cepre, da Unicamp) também não távamos falar pausadamente e surda. Outros me diziam que eu
foi suficiente para desenvolver apresentar o sinal. Ainda que não deveria parar de usar a língua de
fluência na comunicação dele. fossem frases completas em Li- sinais – visivelmente mais fácil de
ser assimilada – e priorizar a lín-

168
gua oral. Afinal, o mundo é feito Ela desenvolve atividades usando As duas terapeutas estão em
de pessoas que se comunicam a Libras em parceria com a pro- constante comunicação para
verbalmente e que sua vida se- fessora de sala. A escola abra- que sejam trabalhados os mes-
ria muito mais fácil se ele falasse çou o bilinguismo e quase todos mos fonemas nas duas seções.
e que o uso da Libras faria com os que trabalham lá hoje conse- Junto com elas, eu elaboro um
que ele tivesse “preguiça” de fa- guem ao menos cumprimentar, plano de atividades que possa-
lar. Jamais consegui aceitar que saber das necessidades fisioló- mos fazer em casa diariamente.
uma língua prejudica outra, ou gicas e até de algumas emoções Alguns podem achar um
que qualquer ser humano (ainda expressadas pelos surdos. Além excesso de atividades, mas faze-
mais meu filho) não teria capaci- do horário curricular, ele fica com mos de tudo isso uma brincadeira
dade de aprender duas formas de a Rebeca por uma hora e meia na para o Cadu. Por exemplo, gosta-
comunicação. Sala de Recursos Multifuncionais, mos de jogar Uno. Aproveitamos
no espaço de constituição de
Em minha vida profissio- a oportunidade para trabalhar
Libras, para aprendizagem de
nal até aqui, fui muito mais jor- as cores ou os números. Quando
Libras três vezes na semana.
nalista (quase 20 anos) do que faço isso dou mais atenção aos
Além dele, mais duas crianças
educadora (apenas 6 anos). Mas fonemas que elas estão traba-
surdas estão na mesma classe e
uma coisa eu aprendi nestas duas lhando em terapia (P e B, ou D e
utilizam os mesmos recursos e a
carreiras: nossa capacidade de T, ou F e V e atualmente S e Z). Por
Libras. Juntos, eles deram sinais
aprendizado é ilimitada! Durante exemplo, quando tem uma carta
de identificação para todas as
o período em que dei aulas, tra- verde na mesa, chamo a atenção
crianças da turma, e professores
balhei na maior parte do tempo dele e peço para que fale “verde”
e diretores da escola.
com ensino de Inglês para crian- ou “vermelho”. Ou falo “Só isso
ças, inclusive em escolas bilín- No contra período, o Cadu que você tem nas suas cartas?”,
gues. Eu vi o bilinguismo acon- continua frequentando o Cepre, destacando esses sons. Muitas
tecendo. Alguns dizem que essa agora duas vezes na semana, por vezes ele repete, outras apenas
situação ocorre em línguas que três horas a cada dia. Lá ele tem ouve. Mas sempre destacamos
são orais e que a estrutura é dife-estímulo multidisciplinar, o que o que está sendo trabalhado nas
rente nas línguas sinalizadas. Ok, inclui Libras (com professora e terapias.
são diferentes. Mas isso impossi- instrutora surdas), Artes, Pedago- Pelo menos mais uma ou
bilita de aprender as duas? Para gia, Psicologia e também Fonoau- duas vezes na semana retomo
nós, não! diologia. É também um momento exatamente o que foi feito com as

Assim, estimulamos as importante de conviver com ou- fonoaudiólogas. Temos uma pas-
duas línguas simultaneamente. tros surdos. ta com as folhas impressas com
Assistimos vídeos com pessoas si- Paralelo a esta parte edu- as atividades que elas trabalham.
nalizando, contando histórias em cacional pedagógica, o Cadu tam- Pego a pasta, sento com o Cadu,
Libras, interpretando músicas. O bém faz Fonoterapia oralista duas folheamos, eu falo, ele repete,
Cadu frequenta a CEI Agostinho vezes na semana, com duas pro- ele mostra um ou outro desenho
Páttaro, em Barão Geraldo, que fissionais diferentes: uma espe- que gosta mais. Fala a palavra e
conta com uma professora bilín- cializada em reabilitação de fala faz o sinal junto. Ultimamente ele
gue, a Rebeca Ripari. Sim, pro- de implantados e outra em lin- está adorando falar e sinalizar o
fessora bilíngue e não intérprete. guagem e contextualização oral. sol. Outra coisa importante é que

169
as palavras aprendidas e assimiladas passam a ser los não seja algo chato ou que possa gerar desinte-
“obrigatórias”. Por exemplo, nós não atendemos resse.
seus chamados se ele não falar “mamãe” ou “pa-
pai”. Afinal, ele (e imagino que muitos surdos) tem Nossa família só ganhou com o Cadu. Por
a tendência de gritar qualquer vocábulo e sempre onde passa, ele é a sensação, a estrela da simpatia
alguém os atende. Isso vale para várias outras coi- e da alegria. Após pouco mais de dois anos tendo
sas: bala, bola, bolo, dá, mais, não, para, espera (es-
a oportunidade de convivermos, a evolução dele (e
tes últimos ainda sem a pronúncia correta) e muitos nossa) é quase assustadora. Hoje posso dizer que o
outros. Cadu é fluente em Libras tanto quanto uma crian-

O Gerson também o estimula bastante com ça ouvinte na idade dele é fluente em Português.
sons e reconhecimentos auditivos. Devido ao seu A língua falada é mais demorada e, me parece, ser
trabalho, temos diversos instrumentos em casa e o ainda equivalente à de uma criança próxima a 18
Cadu tem liberdade de escolher o que quer tocar. meses. Mas nada se compara às mudanças com-
Teve uma fase (difícil para nossos ouvidos) em que portamentais, como desenhos coloridos e com re-
ele só queria a flauta. Depois passou para os instru- presentações gráficas pertinentes, maior atenção e
mentos de percussão. Atualmente está apaixonado concentração, capacidade de compreender e seguir
pelas cordas, especialmente o ukulelê. Mas nenhum regras, absoluta diminuição da agressividade, se-
instrumento ganha dos microfones! Ele adora falar, gurança em falar de suas vontades e sentimentos,
e, sem dúvida o mais importante, sua autonomia e
cantar e se ouvir no microfone!
alegria. Estamos prontos para os próximos passos!
Fora tudo isso, ele também faz capoeira,
anda de bicicleta, vai ao parquinho, ao shopping,
ao cinema, tem cadernos de desenho e de pintura,
adora super-heróis, assiste TV, usa a imaginação no
banho, gosta de videogames, passeia, recebe ami-
gos em casa, vai à casa de amigos, convive com as
primas, com os avós, com os padrinhos… Tentamos
fazer com que a rotina puxada de terapias e estímu-

170
Narrativa – Sobre a profissão de Intérprete de Libras
Thaisy Caroline Silva Torres de Oliveira – Intérprete de Libras

Rafaela Anarelli – Intérprete de Libras

Nome da UE ou SRM: EMEF Júlio de Mesquita


Agrupamento ou ano do ciclo: anos finais do Ensino Fundamental
Público-Alvo: aluno surdo

Neste texto trazemos uma detalhada para deixar claro o que mos professores me perguntando:
breve narrativa de nossa experiên- se quer expressar. Interpretar não “Eles conseguem entender isso?”,
cia como intérprete de Libras, no é traduzir de uma língua para outra, ou: “Acho que eles não conseguem
trabalho de inclusão de alunos mas sim de uma cultura para outra, fazer essa atividade”. Se houver o
surdos no ensino regular do Ensi- e há elementos da cultura ouvinte planejamento que mencionamos
no Fundamental (6° a 9º ano) na que não existem na cultura surda anteriormente, seria, sim, possível
EMEF Júlio de Mesquita Filho. e vice-versa. É possível tornar transmitir o conteúdo com mais
esses elementos compreensíveis clareza. A educação inclusiva con-
Nossa experiência na fun-
para os surdos, desde que haja tinua sendo um desafio.
ção de intérprete de Libras é cheia
prévio planejamento, quando
de momentos gratificantes, desa- O papel do intérprete mui-
se trata de assuntos que se sabe tas vezes se confunde com o do
fiadores, de realização e de algu-
antecipadamente que serão professor, e o nível de estresse,
mas frustrações – como qualquer
abordados.
profissão. desgaste físico e mental, cobran-
Por isso, quanto mais es- ça e acompanhamento do aluno
Os alunos surdos têm ne-
treita for a parceria entre intérpre- é muito similar nas duas funções.
cessidades específicas, porém
têm direito ao mesmo conteúdo te e professor, maiores as chances Para explicar o conteúdo, o intér-
de alcançar o aluno com o con- prete estará presente; para aplicar
curricular recebido pelos demais
teúdo programado. No entanto, é as provas, o intérprete estará pre-
alunos, mesmo no caso dos as-
preciso lembrar que assim como sente; para entender as dúvidas, o
suntos mais complexos. Os alunos
qualquer outro aluno, os surdos intérprete estará presente; quan-
surdos estão inseridos na sala de
têm suas individualidades, o que do precisa dar bronca, na sala de
aula com alunos ouvintes, e os
é perceptível especialmente quan- aula ou na direção, quem deverá
professores são responsáveis pelo
do temos mais de um aluno surdo estar presente? Novamente o in-
ensino e adaptação de materiais e
na mesma turma. É preciso que térprete! Por isso, nós intérpretes
recursos conforme a necessidade
o professor encare o aluno surdo nos sentiríamos mais valorizados
do aluno.
como parte da turma sob sua res- se tivéssemos acesso a algumas
É possível debater ponsabilidade, portanto ele deve- conquistas que tornam a função
qualquer assunto em Língua de rá se certificar de que o mesmo do professor mais recompensa-
Sinais, qualquer assunto, mesmo. entendeu o conteúdo, teve suas dora, como direito ao recesso es-
Mas por se tratar de uma língua dúvidas esclarecidas, e pode ser colar, redução da carga horária,
visual, há momentos em que se cobrado em avaliação. Ficamos formações profissionais, alguma
demanda uma abordagem mais muito frustradas quando ouvi- identificação de que trabalhamos

171
na área da educação, para ter gra-mos muito realizadas quando ve- da minha nossa alegria é quando
tuidade ou descontos em eventos mos o aluno entendendo assuntos um ouvinte evolui de “Fala pra
e lazer. Talvez seja hora de olharem que antes tinha dificuldade, ou ele que(…)” para “Como eu falo
com cuidado para a função dos In- quando o vemos interagindo com pra ele que(…)” A Língua de Si-
térpretes de Libras. os professores e colegas de forma nais pode ser propriedade de to-

O Intérprete de Libras tem autônoma, e mais ainda quan- dos, para que a inclusão e a escola

um papel fundamental na evolu- do os alunos ouvintes incluem os bilíngue se tornem uma realidade.

ção do aluno em várias áreas de surdos em seus grupos para as


seu desenvolvimento, e nos senti- mais diversas atividades. O auge

Narrativa – Tempo/Espaço de Aprendizagem


e Vivência em Libras para Surdos
Rebeca Ripari de Oliveira – Professora Bilíngue

Nome da UE ou SRM: CEI Agostinho Pattaro

Público-Alvo: aluno surdo

Um momento essencial crianças e com os adultos usando hipóteses e elaborem perguntas


que tenho a oportunidade de a língua de sinais com diferentes dentro do contexto que estão sen-
compartilhar com as crianças sur- propósitos, aprenda a pedir algo do trabalhados.
das é o de ensino de Libras no (ir ao banheiro, uma brincadeira, Para alcançar essas expec-
“Tempo/Espaço de aprendizagem um material para realizar uma ati- tativas, a imersão linguística é es-
e vivência em Libras para Sur- vidade), referir-se a uma atividade sencial e, para isso, é necessário
dos para Educação Infantil”, que que está realizando ou deseja rea- promover situações que gerem
acontece três vezes na semana lizar, referir-se a objetos, pessoas conversas entre as crianças surdas
no período estendido ao da aula, que estão no mesmo ambiente e a professora bilíngue, e promover
durante duas horas-aula. Tenho que ela ou não (amigos da esco- situações em que elas tenham que
como objetivo nas aulas propiciar la, professores, familiares, amigos usar a língua de sinais. Alguns mo-
condições para que a criança sur- fora da escola). Espera-se que a mentos que vivemos nesse tempo
da aprenda sua língua natural, a criança surda participe de conver- são de Literatura, Filmes, Jogos,
Língua Brasileira de Sinais (Libras), sas informais que envolvam um ou Brincadeiras e de construção do
para que possa se desenvolver mais interlocutores, sejam esses Caderno de Libras. Nos momentos
ao ponto de conseguir comuni- adultos ou crianças, que assumam literários, busco principalmente
car com clareza o que desejar, seu turno e respeitem o turno do que a criança surda desenvolva
expressando seus sentimentos e outro, participem de conversas o gosto pela literatura, imagine,
vontades usando a Libras, e assim formais dando sua opinião, discor- fantasie, crie e se desenvolva na
conhecer a si própria e conhecer o dando ou concordando com os co- língua de sinais. Para isso, toda
mundo. Espero que a criança sur- legas e expressando com clareza semana conto uma história de um
da se comunique com as outras seus gostos e vontades, formulem livro diferente, seja esse livro com

172
ou sem palavras. Ao final de cada de sinais novos; as crianças ficam comunicação entre as crian-
contação de histórias, ofereço o li- atentas a história, copiam os sinais ças surdas e ouvintes e facili-
vro para que as crianças recontem e se divertem aprendendo. tar a interação social por meio do
a história do seu jeito. O momento conhecimento das regras do jogo
de recontar a história varia: pode para que não tenham dificuldades
ser simultâneo ao da contação de entrar na brincadeira junto com
ou pode acontecer por meio da outras crianças sejam elas surdas
organização de um teatro com as ou ouvintes. Reflito sobre isso
crianças, confeccionando más- porque penso na minha infância
caras, construindo personagens quando ia tentar fazer amizades;
(Figura 77) e elementos significa- era muito mais fácil entrar para o
tivos da história. Colamos algumas grupo quando eu já sabia a regra
77. Resultado da construção do
dessas fotos de teatro no caderno personagem do livro “Não é uma da brincadeira. Na realidade do
para que a criança tenha elemen- caixa” de Antoinette Portis. (Fonte: surdo, penso que a língua é uma
arquivo pessoal da professora)
tos de apoio para dialogar com a grande barreira na comunicação
família sobre o que ela faz na es- Aprecio muito curta me- entre surdos e ouvintes.
cola. Temos contato com histórias tragens e desenhos animados sem Construímos juntos o cader-
de livros, quadrinhos e tirinhas fala, e busco esses filmes porque no de Libras, começamos o ano
evidenciando também a estrutura a imagem emociona, e os perso- trazendo fotos da família, e duran-
lógica (começo, meio e fim). Para nagens são muito expressivos; a te o ano, fizemos o calendário em
trabalhar a sequência, recorto his- partir desses vídeos, as crianças Libras. Semanalmente produzimos
tórias que são em tiras e quadros, contam a história de novo, rela- o sinalário da história de preferên-
conto e depois embaralho os qua- cionam os filmes com algo que cia, colamos adesivos e fotos de
drinhos, permitindo que a criança lembram que aconteceu em casa. algumas experiências que viven-
reconte a história organizando os Utilizo esse recurso também como ciamos nesse tempo. Esse caderno
quadros. Assim, a criança também estratégia de avaliação, porque não fica na escola, é um material
vai desenvolvendo uma organiza- consigo ver o que eles estão en- que as crianças levam para casa
ção nos seus pensamentos, não tendendo. Ao recontar e comen- com o objetivo de dialogar com
só para contar histórias dos livros, tar o filme (que não tem Libras) as famílias; as crianças mostram o
mas principalmente para assuntos em Libras, sou capaz de verificar que aprenderam na escola e assim
do cotidiano, para ter maior faci- se o que eles estão dizendo tem a família e amigos também podem
lidade ao elaborar o pensamento relação com a história e se eles aprender junto com a criança.
ao contar fatos de suas vidas. Ou- estão conseguindo transmitir suas
A experiência da foto da
tro momento literário fundamen- ideias claramente. aprender brin-
tal é o contato com a Literatura cando, principalmente na Educa- família permitiu que as crianças
aprendessem e relembrassem os
Surda. Atualmente tem crescido ção Infantil.
sinais: mãe, pai, irmão, primo (a),
o número de histórias em Libras Gosto de ofertar jogos em tio (a), avô, avó, entre outros que
e busco trazê-las para apreciação Libras e jogos tradicionais como surgiam. Organizamos essas fotos
das crianças e para o contato com Dominó, Jogo da Memória, Joken- de modo que ficassem dispostas
outros interlocutores diferentes po, Rio Vermelho, Jogo da Velha, a foto e figura representativa do
da professora bilíngue e dos ami- Uno entre outros, sendo os ob- sinal uma ao lado da outra. As
gos surdos. Trata-se de algo essen- jetivos minimizar as barreiras de fotos vieram de diversos momen-
cial, momentos de descobertas
173
tos da vida da criança, como festas de aniversário, A estratégia dos adesivos é para enriquecer
passeios e outros, e esses temas foram explorados o conhecimento na Libras oportunizando o apren-
nas aulas. Por exemplo, nas fotos de aniversário, ex- dizado de novos sinais de diversas categorias di-
ploraremos o tema “O que teve na sua festa? Pre- ferentes e aleatórias (animais, objetos, meios de
sentes? Bolo?” e assim levei adesivos referentes ao transporte, alimentos e lugares); nesse momento
tema, por exemplo, bolo, presente, chapéu de festa, dou normalmente três opções de adesivos e faço o
para personalizar a página e fomos aprendendo no- sinal de cada um. A criança escolhe dentre as três
vos sinais. opções, fazendo o sinal do que ela quer e assim ela
e os amigos vão aprendendo novos sinais. Eu faço
O sinalário da história (Figura 78) é co-
os adesivos com imagens de ilustrações livres da
lado no caderno ao final da contação da história.
internet, imprimo em folhas adesivas e corto com
Esse sinalário é composto por imagem da capa do
furador circular de papel.
livro e os principais sinais que compõe a história,
acompanhada por suas respectivas imagens. Em Considero o “Tempo/Espaço de Aprendiza-
sua maioria, essas imagens não são desenhos e sim gem e Vivência em Libras para Surdos” primordial
fotos reais dos objetos, alimentos, animais, lugares para aquisição da Libras. Trata-se de um trabalho
entre outros. O objetivo principal do sinalário é que com muitas possibilidades e é construído com as
a criança surda possa lembrar-se da história e dos crianças porque além das propostas trazidas pelo
sinais para poder recontar na aula e também em professor, surgem novas brincadeiras, assuntos e
casa. experiências a serem explorados para promover o
desenvolvimento na língua de sinais, que vejo como
78. Sinalário da história (Fonte: arquivo digital
pessoal)
principal objetivo desse tempo.

174
Narrativa -A Educação Especial no contexto da
educação bilíngue de surdos
Nelma Cristina de Carvalho Francisco – Professora de Educação Especial Coordenadora
Grupo de Trabalho Alunos surdos e com deficiência auditiva
Sabrina de Oliveira Maciel Guimarães – Professora de Educação Especial Coordenadora
Grupo de trabalho Alunos surdos e com deficiência auditiva

Nome da UE ou SRM: EMEF Júlio de Mesquita

Agrupamento ou ano do ciclo: anos iniciais e finais do Ensino Fundamental

Público-Alvo: aluno surdo

Quando pensamos em um Trabalhando como profes-


contexto bilíngue, precisamos ob- soras de Educação Especial nesse 79. Formação sobre TEA na escola
servar a diversidade do ambiente contexto apresentado, temos vá- pela Profa Solange Américo (Fonte:
arquivo da professora)
escolar e dos sujeitos que estão rias responsabilidades, tais como, 80. Seminário Temático na escola -
inseridos no mesmo. É necessário acompanhar o trabalho dos in- Compartilhando o protagonismo do
aluno (Fonte: arquivo da professora)
sempre transitar em duas línguas, térpretes, professores bilíngues e
Libras e Língua Portuguesa e pla- professoras regulares, e as ativi-
nejar as ações pedagógicas junto dades de formação  continuada
com a equipe pedagógica da es- dos professores em momentos
cola, pois são duas modalidades de CHP e TDC, inclusive propondo
de língua diferentes, uma tem a ações formativas com a presença
modalidade oral auditiva e a outra de outros profissionais, que pos-
viso gestual. Isso, certamente faz sam contribuir para a qualificação
toda diferença na elaboração das do trabalho da equipe escolar
estratégias e atividades dadas aos
alunos e alunas. 

175
Um dos maiores trabalhos atual- do ainda a elaboração das adap- os objetivos e internalizem o
mente que exercemos em parce- tações necessárias nos materiais conteúdo proposto em sala de
ria é o de conscientizar os profes- para os alunos surdos. aula.  O trabalho em parceria
sores que recebem em suas salas com o professor pode inclusive
de aula alunos surdos e autistas, Sobre a importância des- auxiliar os docentes a terem
surdos e Down e surdos múlti- sas trocas e da confecção dos um olhar diferenciado para os
materiais adaptados trazemos
plos, do potencial de aprendiza- aqui um relato de intérprete Edu- alunos e compreenderem o
do que eles têm, inclusive através cacional, Abenaildes. desenvolvimento de seus alunos
da Libras. Para tanto, solicitamos surdos. 
a parceria deles para o desenvol- (...) precisei pensar quais es-
vimento da adaptação e rotina (...) É muito comum alu-
tratégias tradutórias utilizar,
nos surdos serem copistas,
e através da prática, é possível estratégias que fossem ade-
preocupados  em reprodu-
quadas ao nível linguístico de
observarmos o desenvolvimento zir os conteúdos através da
cada aluno atendido.  Iniciei
escrita, sem contudo reter
do aluno comparando-o com ele separando a Tradução Simul-
o conhecimento real, indu-
mesmo. tânea para as explanações
zindo à uma falsa sensação
do professor e a Tradução
Para viabilizar esse traba- de aprendizagem. Com as
Consecutiva para estruturar
estratégias estabelecidas, o
lho, nossa escola tem um horário a realização das tarefas. Ago-
“copiar” tornou-se a última
ra não cabia mais copiar os
específico para formação e inter- etapa de processo construí-
conteúdos, era preciso que
locução em LIBRAS. Coube a nós, do por eles. Os alunos foram
os alunos interagissem, ex-
tornando-se mais participa-
professoras de Educação Espe- perimentassem as suas pos-
tivos, plenamente capazes
sibilidades cognitivas e assim
cial, e a uma Professora bilíngue, de aprender, especialmente
desenvolvessem uma rotina
estarmos a frente desse trabalho. através de sua língua, a Li-
capaz de melhorar e refinar
bras.
Os professores do fundamental II suas habilidades e compe-
tências. Aliei ao uso das tra-
se reúnem às segundas feira, duas duções por modalidade, o Nem sempre a parce-
horas aulas antes do TDC para re- uso da interlíngua na escrita, ria entre professor e intérprete,
ceber e trocar informações sobre a partir da Libras em glosa, os
alunos foram se apropriando no contexto escolar, acontece
as deficiências, metodologia de da sua língua primeira e re- de forma fluente. Pensando em
trabalho, adaptações ,ou seja, é forçando o uso do português
aproximar o diálogo e estreitar as
escrito. Com a interlíngua
um momento em que a educação relações de trabalho, a Educação
e seus níveis pude adaptar
especial ouve os professores e re- textos, resumos e preparar Especial elaborou um “Cader-
faz o seu  planejamento de inter- materiais que puderam co-
no Roteiro” para os intérpretes
laborar na aprendizagem dos
venção e adaptação em equipe. preencherem diariamente. Os
meninos.
mesmos são lidos pelas profas.
Este espaço pedagógi- de E.E da unidade e devolvidos.
co favorece a interlocução entre  O relato dessa intérprete
A partir dos registros podemos
intérpretes, professores, e pro- nos mostra as mazelas das
vislumbrar o trabalho em sala de
fessores de Educação Especial, interpretações e a importância de
aula e auxiliar nas adaptações ne-
oportunizando a apresentação se ter os conteúdos e materiais
cessárias, assim como nos enca-
dos conteúdos a serem trabalha- antecipadamente para que estes
minhamentos possíveis para ob-
dos na próxima semana, para que possam estudar previamente
termos um melhor desempenho
possam ser discutidos e estuda- o vocabulário e planejar as
do aluno em suas relações em
dos pelos intérpretes, permitin- estratégias para que alcancem
sala de aula.

176
No Ensino Fundamental primeiramente
1, as salas que têm alunos sur- trabalhados
através de vídeos,
dos são atendidas por dois pro-
imagens e em seguida
fessores: um professor regular e são produzidos jogos
um professor bilíngue, ao mesmo da memória, bingos
tempo. Essa configuração, cha- adaptados, organização
e sequência de histórias,
mada de docência compartilhada,
jogos de associação
demanda que esses dois profissio- de imagens e palavras,
nais compartilhem os espaços, as riais adaptados, a equipe escolar jogos matemáticos entre
ações pedagógicas, o planejamen conta com a parceria do Centro de outros. É perceptível que o
Produção de Material Adaptado ( desenvolvimento após a
utilização desses materiais
Cepromad) onde são encaminha-
concretos e visuais
dos os materiais para serem im- tem sido mais pleno e
pressos, plastificados, encaderna- satisfatório, eles se sentem
dos, dentre outras possibilidades. mais motivados pelos
Abaixo segue um trecho momentos descontraídos,
do relato da professora bilíngue além das figuras coloridas
Gislaine Coutinho, do primeiro favorecerem o prazer e
ano, sobre essas confecções.  a memorização do que
conteúdo estudado.
  Sou professora bilíngue e
atuo com crianças surdas
de 1º ano do fundamental Segue a ilustração de al-
I em uma sala inclusiva guns materiais lúdicos utilizados
com mais uma professora. pela professora e alunos em sala
As crianças que temos de aula:
recebido estão em fase de
aquisição e construção da
Língua Brasileira de Sinais
– Libras - língua usada pela
comunidade surda que faz
uso de elementos visuais
81. Profa. Cláudia e Profa. Bilíngue por ser uma língua espaço-
Raquel (Fonte: arquivo da professora)
visual. Para os surdos é de
82. :trabalho desenvolvido por grupo de
saberes. Surdos e ouvintes em aquisição grande importância o uso
dos conceitos de adição trabalhado pela de materiais visuais para
professora bilíngue Gislaine. (Fonte: que se entenda melhor o
arquivo da professora) conteúdo escolar e, para
83. Equipe do Cepromad na EMEF Júlio
as crianças que temos
de Mesquita Filho. (Fonte: arquivo da
professora) recebido é imprescindível
84 e 85. Pasta de referência Libras/ para que, através dos
Língua Portuguesa para reconto de materiais e jogos, de
história (Fonte: arquivo da professora) forma lúdica, entendam e
aprendam os conteúdos
to e a confecção de materiais para propostos. Para que os
seus alunos, buscando garantir o alunos desenvolvam os
aprendizado de todos e permitir diferentes conhecimentos
as trocas entre alunos surdos e tenho utilizado diversos
jogos adaptados de acordo
ouvintes. com o andamento das
Para a confecção de mate- aulas. Os conteúdos são
177
86. Vocabulário da História trabalhada (Fonte: arquivo da professora)
87. Máquina de Calcular (Fonte: arquivo da professora)
88 e 89. Mural de apoio em Sala de Aula- Representação Numérica (Fonte:
arquivo da professora)
90. 91 e 92 . Sistematizando o Raciocínio lógico matemático (Fonte:
arquivo da professora)

178
Os professores de Educação Especial também No ambiente com tanta diversidade, se
participam das atividades e intervenção em sala de faz necessário a valorização das diferenças e a
aula, pois como já foi dito no início do texto, nas sa- compreensão por parte de todos da escola, sobre
las de aula em docência compartilhada as crianças as necessidades específicas de cada um.  Sim, pre-
surdas e ouvintes são incluídas no contexto da sala, cisamos conhecer todos, inclusive as crianças e ado-
e este contexto precisa abranger as crianças com lescentes sem deficiência, pois convivemos nesta
deficiência auditiva e múltiplas associadas a surdez. comunidade escolar diariamente e como equipe,
Neste caso, a visão da educação especial passa a ser precisamos da atuação de todos para que possamos
imprescindível pelo conhecimento e organização de efetivamente conviver num ambiente que seja capaz
serviços, por exemplo: encaminhamentos para enti- de estimular a criatividade, o desenvolvimento, res-
dades e centro de saúde, cuidador, transporte adap- peito, amizade e a valorização do ser humano.
tado, materiais e recursos necessário para efetivar a Nessa perspectiva, a Educação Especial con-
participação da criança no contexto de sala e escola, tribui com diversas formações, sempre partindo da
assim como o desenvolvimento da autonomia e pro- necessidade dos professores e equipe escolar. Des-
tagonismo em sala. sa forma, a escola polo bilíngue conta com diversas
Para tanto as professoras de Educação Especial rea- trocas pedagógicas durante o ano que estimulam a
lizam reuniões de planejamento com os professores prática pedagógica voltada para todos os alunos.
e também os auxiliam na preparação de material e
intervenção com o mesmo dentro e fora da sala de 93, 94 e 95. Sala Sensorial – Sensibilização (Fonte:
arquivo da professora)
aula.
96. Festa da Família- quadro Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável – ONU (Fonte: arquivo
da professora)

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